O Corredor Ecológico nº 4

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O corredor Ecológico Informativo Semestral do Projeto Microcorredores e da ONG Curicaca Setembro de 2009 - Número 004 - Ano 3 A Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, programa de educação ambiental da Curicaca, foi ini- ciada em 2005 na região de Itapeva, Lito- ral Norte do Rio Grande do Sul. Abrange cinco municípios e prefeituras, 18 escolas públicas, cerca de 40 professores e 450 crianças, suas famílias e um bom número de parceiros privados e governamentais. Para compreender os resultados e impac- tos deste trabalho, a equipe da Curicaca preparou em 2006 um plano de monito- ramento. Leia mais nas páginas centrais. Resultados do projeto Saberes e Fazeres da Mata Atlântica no litoral norte do RS Estratégias de médio e longo prazo dão continuidade ao Projeto dos Microcorredores Extração orientada dos butiazais garante sua conservação O que é o que é? Redon- do e alaranjado, do tamanho de uma ameixa, doce e sucu- lento, mas ameaçado de ex- tinção? Se você não pensou no butiá, precisa viajar pelo litoral no Rio Grande do Sul no quente do nosso verão. Para garantir os prazeres da fruta e a beleza do arte- Pesquisa leva à descoberta inédita na Lagoa do Morro do Forno “Avaliação ecológica rápida encontra na La- goa do Morro do Forno, Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil, área de ocorrência do bicudinho (Stymphalornis sp.) e coloca a região no cenário internacional para a conservação da biodiversidade e o turismo de observação de aves. Leia sobre os novos conhecimentos desta área e prepare para saber tudo sobre esta es- pécie globalmente ameaçada na próxima edi- ção de O Corredor Ecológico - Edição Especial sobre as Lagoas do Forno e do Jacaré. Página 4 Conselhos de UCs são ferramentas de valorização de áreas protegidas Conselhos de Unidades de Conservação estão se tornando um importante instrumento para melhorar a efetividade destas áreas protegidas e negociar con- flitos de interesse entre os setores envolvidos. Bons exemplos vão surgindo, que apontam para esta nova Adriano Becker sanato feito com as folhas desta planta - ameaçada de extinção - a Curicaca criou o Programa de Conservação e Uso dos Butiazais. Página 9 realidade e que, ao mesmo tempo, afirmam a urgência dos gestores criarem e co- locarem em funcionamento os conselhos de todas as unidades federais, estadu- ais e municipais do Brasil. A troca de experiências entre conselhos e gestores pode facilitar as novas ini- ciativas, pois muitas vezes repetem-se os equívocos iniciais da composição e re- presentatividade, quando os “monstros” criados acabam sendo abandonados por seus criadores. Página 10

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Lançado em setembro de 2007, "O Corredor Ecológico" é o jornal publicado pelo Instituto Curicaca, com distribuição gratuita dirigida nos municípios de Torres, Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras, Porto Alegre e Região Metropolitana. Nas suas páginas, encontram-se reportagens sobre Unidades de Conservação e desenvolvimento sustentável, sobre a atuação do Curicaca e de outras instituições em políticas públicas voltadas ao meio ambiente e sobre Educação Ambiental, as Trocas de Saberes e a Ação Cultural de Criação "Saberes e Fazeres da Mata Atlântica", entre outros.

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O corredor EcológicoInformativo Semestral do Projeto Microcorredores e da ONG Curicaca

Setembro de 2009 - Número 004 - Ano 3

A Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, programa de educação ambiental da Curicaca, foi ini-ciada em 2005 na região de Itapeva, Lito-ral Norte do Rio Grande do Sul. Abrange cinco municípios e prefeituras, 18 escolas públicas, cerca de 40 professores e 450 crianças, suas famílias e um bom número de parceiros privados e governamentais. Para compreender os resultados e impac-tos deste trabalho, a equipe da Curicaca preparou em 2006 um plano de monito-ramento.

Leia mais nas páginas centrais.

Resultados do projeto Saberes e Fazeres da Mata Atlântica no litoral norte do RSEstratégias de médio e longo prazo dão continuidade ao Projeto dos Microcorredores

Extração orientada dos butiazais garante sua conservação

O que é o que é? Redon-do e alaranjado, do tamanho de uma ameixa, doce e sucu-lento, mas ameaçado de ex-tinção? Se você não pensou no butiá, precisa viajar pelo litoral no Rio Grande do Sul no quente do nosso verão. Para garantir os prazeres da fruta e a beleza do arte-

Pesquisa leva à descoberta inédita na Lagoa do Morro do Forno

“Avaliação ecológica rápida encontra na La-goa do Morro do Forno, Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil, área de ocorrência do bicudinho (Stymphalornis sp.) e coloca a região no cenário internacional para a conservação da biodiversidade e o turismo de observação de aves. Leia sobre os novos conhecimentos desta área e prepare para saber tudo sobre esta es-pécie globalmente ameaçada na próxima edi-ção de O Corredor Ecológico - Edição Especial sobre as Lagoas do Forno e do Jacaré.

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Conselhos de UCs são ferramentas de valorização de áreas protegidas

Conselhos de Unidades de Conservação estão se tornando um importante instrumento para melhorar a efetividade destas áreas protegidas e negociar con-flitos de interesse entre os setores envolvidos. Bons exemplos vão surg indo, que apontam para esta nova

Adriano Becker

sanato feito com as folhas desta planta - ameaçada de extinção - a Curicaca criou o Programa de Conservação e Uso dos Butiazais.

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realidade e que, ao mesmo tempo, afirmam a urgência dos gestores criarem e co-locarem em funcionamento os conselhos de todas as unidades federais, estadu-ais e municipais do Brasil. A troca de experiências entre conselhos e gestores pode facilitar as novas ini-

ciativas, pois muitas vezes repetem-se os equívocos iniciais da composição e re-presentatividade, quando os “monstros” criados acabam sendo abandonados por seus criadores.

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� • O CORREDOR ECOLÓGICO 04 • SETEMBRO 09

Editor: Alexandre Krob / Jornalista Responsável: Susanne Buchweitz Reg. Prof. 5788 Diagramação: Anahy Metz / Ilustrações: Patrícia Bohrer / Fotos: Tiragem: 3.000 exemplares / Circulação dirigida: Torres, Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara,Mampituba, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras e Porto Alegre

O Corredor Ecológico tem distribuição gratuita.

Instituto CuricacaCoordenador geral: Jan Mähler Jr.Coordenador técnico: Alexandre KrobCoordenadora de Educação Ambiental e Cultura: Patrícia Bohrer

Sede Administrativa: R. Dona Eugênia, 1065/303 - CEP 90630-150 Porto Alegre - RS / Fone: (51) 33320489 • http://[email protected]

O que pátria tem a ver com meio ambiente? Nada melhor que o sete de setembro pra se pensar um pouco sobre isso; e como esta edição é setembrina! Pesquisas têm apontado que o povo brasileiro é bem pouco patriótico, rejeita as iniciativas nacionalistas e só pega a bandeira do Brasil na hora de torcer por algum atleta ou selecionado nas compe-tições internacionais. Esse despojamento está bem de acordo com o espírito da globalização, que difunde a imagem ideal de pessoas contemporâneas como sendo cidadãos do mundo, desapegados. Só que pode dar os ares de um povo descuidado, desligado, incapaz de elaborar pensamen-tos complexos que o destaquem para fora das massas de manobra socioeconômica das corporações internacionais, principais interessados nessa pasteurização.

Muitas das decisões político-eco-nômicas de hoje são pautadas por um mercado internacional de produtos e serviços – exportações e importações – e o ponto comum a todos os países é buscar superávit na balança comercial externa. Por outro lado, os capitais in-ternacionais, que conseguem transitar com seus recursos através das diversas fronteiras, procuram os países com baixo custo produtivo para instalar seus com-plexos. Assim, locais como o Brasil são pressionados duplamente em relação às suas riquezas naturais e humanas. Diver-sas multinacionais produzem aqui, mas buscam intensamente a venda de seus produtos no mercado internacional, mais vantajoso. Muitas empresas brasileiras fazem o mesmo. O que nenhuma delas faz é exportar para os consumidores do mundo os problemas ambientais e sociais que a exploração dos recursos naturais causa na origem, porque isto é indesejável, tornaria os produtos menos competitivos. Pelo contrário, estão aí os exemplos de crimes ambientais inter-nacionais de importação de problemas, realizados em consórcio com empresas brasileiras, que tentam mandar ou trazer para o Brasil o lixo produzido em países europeus.

Se a Mata Atlântica é um patrimônio nacional e a qualidade ambiental é um direito difuso do povo brasileiro, há inúmeros exemplos da exportação de bens nacionais que se conflitam com a Constituição ao internalizar e socializar os prejuízos. O enorme embate sócio-

Editorialambiental que vem sendo travado no Brasil entre corporações internacionais produtoras de papel e movimentos sociais no que se refere ao plantio de grandes monoculturas de eucalipto, tem seu gargalo no desequilíbrio entre os be-nefícios socioeconômicos e os prejuízos ambientais. Os benefícios são medidos em empregos gerados e impostos que retornarão aos municípios, mas ainda temos grandes dificuldades em mensurar com precisão os problemas ambientais e o comprometimento dos serviços ecológicos associados. Não diferente da dificuldade que temos para verificar se o número de empregos alardeado é de fato real. Nossa capacidade, que por bem está mudando, ainda é de listar os impactos negativos: perda da riqueza biológica, diminuição da qualidade e disponibilidade da água, diminuição de polinizadores, alterações microclimáticas, entre outros. Enquanto isso, em abril o setor exportou 766 mil toneladas do papel produzido dentro do Brasil, ampliando em 139% comparativamente ao ano anterior. O papel saiu, para a China, por exemplo, e o “resíduo” ficou.

Outras culturas do agronegócio brasi-leiro seguem a mesma linha - soja, arroz, cana-de-açucar – quando os produtores miram no mercado internacional, venden-do seus produtos lá fora e deixando aqui a fragmentação da paisagem, a degradação das áreas de preservação permanente, a poluição hídrica e disputas entre grupos sociais. Não se trata de uma apologia contra o agronegócio ou a exportação, mas uma reflexão necessária que encon-tra fortes exemplos neste setor, como também na indústria, na mineração ... Se nos consideramos dispostos a defender nosso território de possíveis invasores, precisamos saber identificar como, nos nossos tempos, esta invasão se dá. Não é preciso formar fileiras nas fronteiras, mas nas casas legislativas, nos gabinetes do governo, na frente das corporações, pois as armas para garantir uma relação mais equilibrada estão nas mãos dos eleitos – 2010 vem aí – e dos consumidores. Isto é, nós mesmos, que como brasileiros pre-ocupados podemos optar por produtos ecológicos e pelo mercado consciente, os quais juntam dois fundamentos básicos à autonomia nacional; a produção ambien-talmente sustentável e uma valorização do que é produzido na própria região.

Notas

VI Congresso Iberoamericano de Educação Ambiental

Cerca de 4 mil inscritos circulam, de 16 a 19 de setembro, na cidade de San Clemente del Tuyú, na Província de Buenos Aires, durante o VI Con-gresso Iberoamericano de Educação Ambiental. No encontro, mil trabalhos inscritos – entre os quais quatro traba-lhos da Curicaca – estarão presentes autoridades máximas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e delegados de 33 países.

A Argentina será o país anfitrião de centenas de especialistas em educa-ção ambiental provenientes de todo o mundo.

O congresso tem como objetivo principal o desenvolvimento de po-líticas de Estado que possibilitem a construção de regiões sustentáveis, fortalecendo e promovendo a pers-pectiva latinoamericano no contexto internacional.

VI Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação

De 20 a 24 de setembro de 2009 acontece na Expo Unimed em Curitiba (PR) o VI Congresso Brasileiro de Uni-dades de Conservação. Na sua sexta edição, o evento está se consolidando como um fórum internacional de dis-cussões importantes a respeito do tema. Além de especialistas, reúne organizações que vêm a público mostrar seu trabalho,

através de conferências, simpósios e eventos paralelos como a Mostra de Conservação da Natureza – que tem o intuito de apresentar e disseminar ações consistentes de conservação da natureza empreendidas por organizações governa-mentais, não governamentais, empresas e universidades. O Instituto Curicaca esta com estande própria na mostra.

Expediente Apoio financeiro

“O Corredor Ecológico” é apoiado pelo projeto Microcorre-dores Ecológicos de Itapeva.

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Pesquisa confirma a riqueza biológica da área da Lagoa do Morro do Forno

O projeto de avaliação eco-lógica do complexo da Lagoa do Morro do Forno e Jacaré, uma área de banhados e florestas localizada no nordeste do Rio Grande do Sul, trouxe resultados inesperados – e gratificantes. Entre esses, a descoberta inédita de uma população de bicudinhos – (Stymphalornis sp) – escondida na densa vegetação dos banha-dos da região. “Ainda não sabe-mos se é uma população isolada de uma espécie ameaçada que habita uma pequena área do lito-ral do Paraná e do norte de Santa Catarina, descoberta somente em 1995, ou se é algo diferente, único e inteiramente restrito à região”, afirmou o ornitólogo Glayson Bencke, do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. “Estamos estudando a questão. Para isso, precisamos comparar as duas populações, verificando a sua plumagem e o seu repertório de vocalizações, além de realizar análises em nível molecular”, confirmou o pesquisador. Dada a sua impor-tância, o achado foi divulgado no último Congresso Brasileiro de Ornitologia, que ocorreu no Espírito Santo, em julho.

A idéia do projeto surgiu a partir da metologia da Curicaca, de estudar os entornos dos microcorredores ecológicos onde a ONG atua. Além da observação das paisagens, um convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) contemplou a ques-tão da pesquisa. “A proposta conjunta definiu um inventário biológico rápido”, esclareceu o coordenador geral do projeto, Andreas Kindel, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e colaborador da Curicaca. A equipe formada por profissionais e estudantes obser-

vou e analisou as áreas de aves, mamíferos, répteis, anfíbios, além de geoprocessamento, análise de paisagem e questões sócio-econômicas. O meu tra-balho é avaliar a importância da área para a conservação das aves. “As equipes focaram nas espécies ameaçadas de extinção, raras ou com distribuição muito restrita no Rio Grande do Sul”, relataram Kindel e Bencke.

Tendo uma ideia da situação dessas espécies, se são raras ou contam com uma população significativa, é possível avaliar a relevância da área para a con-servação da biodiversidade, especialmente levando em conta o que sabemos sobre outras áreas similares. A distribuição dos pontos de registro das es-pécies também mostra quais os ecossistemas e quais as áreas mais importantes sob o ponto de vista da conservação, ou seja, que devem ter prioridade em ações de preservação.

Ainda existem saídas de cam-po previstas antes do final do ano, mas muitos dados já foram levantados. Muitas espécies ame-açadas foram inventariadas e, em uma avaliação inicial, é possível identificar as principais ameaças e oportunidades existentes, que podem influenciar as medidas de melhor conservação da natureza a serem propostas. Não se trata apenas de propor mecanismos de maior proteção, mas formas de interação da comunidade com a natureza que possam trazer benefícios mútuos, como por exemplo, o turismo interna-cional de observação de aves que pode ser conduzido pelos jovens da comunidade a partir de um treinamento. O próximo passo é compartilhar as descobertas com a comunidade local, que estava inteirada das visitas do grupo ao longo dos meses.

Adriano Becker

Como se deu o seu trabalho na Lagoa do Forno?

Ornitólogo Glayson Ben-cke – Tenho uma parceria de pesquisa de muitos anos com o coordenador do projeto, o professor An-dreas Kindel. Trabalhamos juntos em muitas ocasi-ões. Temos em comum um grande interesse científico pelas florestas de planície do Litoral norte, e também a preocupação com o futuro desses ecossistemas únicos no Rio Grande do Sul. As-sim, o meu envolvimento com o trabalho foi natural. Andreas concebeu o projeto junto com a Curicaca e me convidou para participar da equipe responsável pelo levantamento das aves. Não hesitei em aceitar, pois já co-nhecia parte da área e tinha muito interesse em conhe-cê-la melhor, especialmente os imensos banhados da Lagoa do Morro do Forno, até então praticamente des-conhecidos sob o ponto de vista ornitológico. Ninguém sabia o que poderia ser encontrado por lá! E nos-sas expectativas não foram

frustradas: o que encontramos surpreendeu a todos.

O que acontece nas saí-das de campo?

Bencke – Procuramos percorrer todos os am-bientes a pé, observado e escutando tudo. Um pio diferente ou uma silhueta estranha podem nos levar a um registro importante. Achando uma espécie de in-teresse, marcamos o ponto com um GPS, descrevemos o ambiente e procuramos documentar o registro, com fotografias ou gravações de cantos. Quando a ave teima em não se mostrar, usamos um truque: reproduzimos o canto dela para chamar a sua atenção e atraí-la. Qua-se sempre ela se mostra, pensando que é um intruso invadindo o seu território, e aí conseguimos confirmar a identificação. Tudo isso nem sempre é fácil. Aliás, tratan-do-se de banhados e matas paludosas, o deslocamento quase sempre é complicado, por causa do lodo, das áreas alagadas e dos mosquitos. Também usamos barco para chegar às áreas mais remo-tas do banhado.

Emoção da descoberta

Além da significativa descoberta do bando de bicudinhos, o que o senhor também considera positivo nesse projeto?

Bencke - Foi gratificante encontrar em vários lugares diferentes espécies que se jul-gava em pior situação, como o acauã, um tipo de falcão que se alimenta principalmente de serpentes, além do macuqui-nho, do capitão-de-saíra, da rendeira e do gaturamo-verda-deiro. Também descobrimos uma pequena garcinha que até então era conhecida no Rio Grande do Sul apenas por um exemplar encontrado morto na cidade de Passo Fundo, há alguns anos atrás. Por outro lado, confirmamos a suspeita de que algumas outras aves regis-tradas em épocas passadas de fato já desapareceram da região. É o caso do patinho-gigante, da juruva, do araçaripoca e do jaó-do-litoral, todos encontrados no local na primeira metade do século passado. Esperamos contribuir para que o que res-tou seja preservado para as gerações futuras, chamando a atenção da população local e das autoridades sobre a importância biológica dessa área.

Adriano Becker

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Serviços ambientais e o valor de remanes-centes de florestas, banhados e camposPor Andreas KindelBiólogo, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

“Áreas de preservação permanente (APPs) e re-servas legais são um empecilho à produção e geram pobreza e desemprego!” É cada vez mais comum ouvirmos essa frase, sobretudo em tempos de mo-bilização de uma parte da sociedade para a alteração da legislação que obriga os agricultores a proteger ou adotar usos menos intensos em uma parte das suas propriedades. Vários pesquisadores, no en-tanto, já demonstraram que essa afirmação não é válida. Ao compararem, por exemplo, a variação da intensidade do desmatamento e do número de pessoas empregadas no campo ao longo das últimas décadas em áreas da Mata Atlântica observaram que os municípios que tiveram o maior desmatamento

também estavam entre os de maior redução na mão de obra empregada na agricultura/pecuária.

Obviamente que desmascarar o que alguns de-fendem ser uma regra não implica em desconsiderar as exceções, ou seja, pequenos agricultores que sofrem forte restrição aos usos tradicionalmente adotados em pequenas propriedades em virtude dessa legislação.

Mas estou cada vez mais convencido de que as principais razões para as dificuldades econômicas que afetam os pequenos agricultores estão rela-cionadas às oscilações do clima (“será que chove?” ou “será que vai parar de chover?”).

Além disso, a falta de acesso a tecnologias de produção adequadas às condições de sua proprie-dade e uma cadeia produtiva desfavorável também trazem problemas – e não a legislação ambiental.Aparentemente é mais fácil destruir a legislação do que construir políticas públicas e outras estratégias voltadas para a difusão de técnicas de produção/co-mercialização apropriadas para o pequeno produtor. Além dos interesses de outros setores produtivos, a mobilização pela alteração dessa legislação pode também ser parcialmente explicada pela incompre-ensão da importância da mesma.

Afinal, qual o valor de mantermos remanescen-tes de florestas, banhados e campos? A resposta

mais imediata a essa pergunta sempre foi os bens (mesmo que alguns de obtenção ilegal) que eram/são extraídos diretamente destes remanescentes: lenha, madeira para utensílios, plantas medicinais, frutos, plantas ornamentais, fibras para artesa-nato, caça, forragem para criação de gado, entre outros. Apenas recentemente começaram a ser reconhecidos valores adicionais encontrados nestes ambientes, aos quais se deu o nome de serviços ambientais (ou serviços ecossistêmicos ou ainda serviços ecológicos).

Além dos serviços de provimento (os bens aci-ma listados) também são reconhecidos serviços de suporte, ou seja, que dão condições para a existên-cia dos demais seres vivos. O ar que respiramos, a formação dos solos, a ciclagem dos nutrientes de-pendem da ação, sobretudo, de microorganismos como bactérias e fungos. Os serviços de regulação são aqueles que amenizam, por exemplo, as con-seqüências de alterações ambientais. É o caso do amplamente noticiado efeito estufa que é ocasiona-do por um aumento na atmosfera de gases como o CO2 e para o qual uma das estratégias de redução é a proteção/expansão da vegetação que captura o referido gás. Outro exemplo deste tipo de serviço é a regulação do fluxo de água e decomposição de poluentes proporcionado/observado em rios que possuem a sua vegetação ciliar protegida. Há ainda os serviços culturais proporcionados por estes remanescentes. Cada vez cresce mais o nú-mero de pessoas que buscam esses espaços para lazer ou como espaços educativos (ecoturismo ou turismo rural).

Dentre todos estes serviços, tem especial relevância na vida dos agricultores da região dos microcorredores ecológicos do litoral norte do RS o serviço de polinização que é enquadrado como um serviço de regulação. Em torno de dois terços das plantas cultivadas são polinizadas por animais, sobretudo abelhas e outros insetos. Trata-se, portanto, de um “serviço” prestado “gratuitamente” por estes organismos e que só passou a ser mais valorizado quando em todo mundo começaram a surgir suspeitas de que a redução do número destes animais estava por trás da redução da produtividade/qualidade de alguns cultivos. Substituir este serviço por polinização manual (isso mesmo, contratação de mão de obra para t ransferir o pólen de flor em flor) ou por alguma eventual máquina que fizesse isso pode ser uma medida do valor deste serviço prestado pelos insetos.

Mais recentemente pesquisadores vêm de-monstrando que para alguns cultivos, os plantios mais próximos de manchas ou corredores de florestas apresentam maior produtividade e frutos de melhor qualidade.

Ou seja, propriedades que organizam seus plantios intercalados com manchas de remanes-centes (tipo colcha de retalhos) ou cortados por corredores podem ter ganhos significativos de produtividade, mesmo “perdendo” área plantada. Além disso, pelo fato de remanescentes sustenta-rem vários tipos de polinizadores, mesmo que em

alguns anos algum destes polinizadores tenha uma redução na sua população, os seus “serviços” po-derão ser compensados por outras espécies que ali vivem, trazendo regularidade para a produção.

OK, a natureza tem valor, mas quem vai pagar por isso? Existem inúmeras iniciativas para calcular o valor monetário de cada um destes serviços e para desenvolver mecanismos de pagamento pe-los mesmos, algumas delas já em implantação em alguns estados brasileiros. A remuneração pelos serviços de polinizadores é imediata (aumento da produtividade), mas existem autores que sugerem, por exemplo, que proprietários paguem os seus vizinhos que mantém remanescentes de floresta que servem de abrigo e fonte de alimento para polinizadores. Os dois exemplos mais avançados de mecanismos de compensação para produtores rurais, no Brasil, são o mercado de carbono e o

pagamento de produção de água no âmbito dos comitês de bacias hidrográficas, que já funcionam, mesmo que ainda em pequena escala em alguns estados. No primeiro caso, o acesso é ainda privi-legiado ao setor empresarial, que consegue vender no mercado de ações a capacidade de imobilização do carbono em plantios de árvores nativas, por exemplo. Já para a água, cuja produção e quali-dade dependem muito da existência de florestas, empresas que a retiram dos rios e lagos para comercializar, deverão cada vez mais compensar os agricultores que protegem as florestas. Claro, que um grande dedafio para as instituições que representam os agricultores familiares é buscar o acesso político deste grupo ao pagamento dos serviços.

Aproximam-se os dias em que deixar florestas, banhados ou campos como estão ou recuperá-los não será visto como um sinal de relaxamento (improdutividade) ou de radicalismo ecológico, mas sim como mais uma forma de produção eco-nômica. Para que este caminho seja abreviado, é fundamental que o estado financie as pesquisas e promova a implantação dos mecanismos de com-pensação e que os agricultores, principalmente os familiares, se organizem para também ter acesso a estes benefícios.

Observaram que os municípios

que tiveram o maior

desmatamento também estavam

entre os de maior redução namão de obra empregada na

agricultura/pecuária.

Mais recentemente pesquisadores

vêm demonstrando que para alguns

cultivos, os plantios mais próximos de

manchas ou corredores de

florestas apresentam maior

produtividade e frutos de melhor

qualidade.

O CORREDOR ECOLÓGICO • �

Já considerando o fechamen-to de um ciclo completo do Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, a Curicaca elaborou um plano de monitoramento e avaliação para identificar os impactos do trabalho.

Além de medir o sucesso das ações, os dados gerados a partir da identificação de seis indicadores deram clareza sobre o processo, permitiram ajustes e melhorias e ajudaram a evitar in-terpretações subjetivas, amplian-do a capacidade transformadora da iniciativa.

Junto a cada indicador, a equipe da Curicaca definiu verifi-cadores relacionados. “Levamos em consideração que os dados deveriam ser facilmente com-preensíveis e viáveis quanto à coleta de informações junto aos envolvidos”, disse a coordenado-ra do programa, Patrícia Vianna Bohrer. Alguns verificadores têm cobertura total, abrangendo todas as crianças e professo-res, por exemplo. Outros são trabalhados por amostragem, abrangendo parte dos pais e professores, avaliando parte do material produzido pelas crian-ças e professores e buscando captar as situações da escola e seu entorno que representam impactos positivos.

Os dados são coletados por meio de relatórios preenchidos após cada encontro com as turmas, comunicação com pro-fessores e pais via correio e in-ternet, avaliações nos encontros presenciais e em visitas às escolas para identificação de desdobra-mentos e acompanhamento das iniciativas dos professores.

A equipe da Curicaca enfren-ta ainda algumas dificuldades na coleta de dados – mas a busca de soluções é contínua. Como a maioria das escolas é da área rural, a comunicação com os professores é difícil. Muitos não dispõem de internet ou não a usam regularmente. Há também muita substituição de professores, que trocam de escola ou assumem funções administrativas.

A estratégia para melhorar a comunicação está apoia-da em variáveis adaptadas,

Monitoramento de resultados como estratégia para a construção de políticas públicas

como o contato direto com as pessoas, uso de jornais e rádios locais e, principalmente a redes de confiança com os professores parceiros. Nas reuniões de reafirmação das parcerias com os municípios e dos compromissos mútuos, os dados concretos obtidos com o monitoramento têm tido grande significado.

A iniciativa do monitora-mento já provou a importância de se ter um instrumento bem construído para a avaliação de resultados e impactos. “Enten-demos hoje muito claramente onde estão os avanços na conscientização ambiental e quais os pontos frágeis do processo”, avaliou Patrícia. Foi uma evolução fundamental na abordagem técnica da Curica-ca, especialmente necessária ao crescimento do projeto pedagógico e cada educador envolvido no processo.

O trabalho completo de metodologia de monitoramento e seus resultados foi apresentado no VI Congresso Iberoamericano de Educação Ambiental na Argentina

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Encontros promovem o aprendizado através de jogos e ações lúdicas

Os encontros semestrais do Programa Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica são criados buscando proporcionar momentos e vivências diferenciadas: sociabilida-de, motivação, integração, expressão corporal e sensorial, trilhas. Para cada encontro, o progra-ma dispõe de um grande painel, correspondente ao tema trabalhado.

“O painel tem quase dois metros de altura e traz a síntese do conteúdo. Muitos dos painéis são interativos, com jogos, por exemplo”, conta a bióloga Julia Rovena Witt, uma das educadoras. “Tudo é muito lúdico.”

Divididos em dois módulos – Patrimônio Na-tural e Arqueologia –, os encontros se utilizam também os jogos cooperativos, que promovem a colaboração entre os alunos e desenvolvem suas capacidades coletivas.

Sobre o módulo do Patrimônio Natural, além de momentos de divertimento e vivência junto à natureza, as atividades proporcionam e estimu-lam também sentimentos e reflexões profundas nos alunos. Por exemplo, no final de uma das atividades, que consiste em uma trilha ao longo da mata, cada aluno ganhou na entrada da trilha uma plaquinha com orientações diferentes. Na placa de uma das alunas estava escrito “encontre algo que lembre você mesmo”. Com um toque de

profundidade, ela disse que havia se identificado com as mudinhas do palmiteiro:

Outro exemplo tocante aconteceu durante a

realização do jogo da Conduta Consciente, feito com um grande “tabuleiro” a ser percorrido pelos alunos, com “avanços e retrocessos” – dependen-do da ação que está representada na quadrícula onde param, podem avançar (se ela é positiva) ou retroceder (se é uma atitude negativa). Um dos

alunos, no momento de discussão e compartilhar ao final da atividade sobre o que haviam aprendi-do, comentou que “quando a gente faz uma coisa ruim, a gente anda para trás”, percebendo o que é uma das funções do jogo, interligar e transpor o que é experimentado simbolicamente para a realidade cotidiana.

No que se refere ao segundo módulo – Arque-ologia – a educadora Patrícia Vianna Bohrer co-mentou que “a escavação arqueológica realizada durante o encontro sempre desperta entusiasmo e curiosidade por parte dos alunos”. De acordo com ela, as crianças ficam motivadas em escavar para encontrar os vestígios e querem saber o que os colegas estão encontrando. “A atividade os envolve e cativa muito. Alguns alunos comen-taram que iriam querer ser arqueólogos quando crescessem.”

No mesmo módulo, outro momento marcante é o da pintura corporal. “Nas turmas que já rea-lizaram os encontros, os alunos estavam tímidos no início, não querendo se pintar muito, mas... em seguida, já estavam pintando braços, pernas, rosto... Houve uma turma na qual muitos meninos quiseram pintar a barriga e as costas!”, lembrou Patrícia. Nesse momento surgem muitos desenhos bonitos, cheios de detalhes e formas diferentes e as crianças têm toda a liberdade para criar.

Desenhos de monitoramento - aluno Bruno Santos“Após o encontro, desenha com maior riqueza a copa das

árvores, surgem troncos quebrados, comuns nas matas de restinga, e também as figueiras e o palmiteiro com suas carac-terísticas próprias. O jogo da conduta consciente mostra que a brincadeira foi importante para a criança”.

Antes

“as mudinhas parecem frágeis, assim como eu

me sinto, e quando se tornam adultas, auxiliam diversos organismos, assim como eu também

quero poder ajudar os outros”.

O CORREDOR ECOLÓGICO • �

Primeiro Prêmio Curicaca de Educação Ambiental

O Prêmio Curicaca de Educação Ambiental está sendo concedido pela pri-meira vez às turmas que nos últimos três anos mergu-lharam mais fundo na Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, como uma forma de incenti-vo à participação. A escolha dos vencedores levou em conta o envolvimento das crianças e dos professores nos encontros semestrais e também os desdobramen-tos que estes produziram

na escola. As três turmas vencedoras serão premiadas com uma visita educativa ao Parque Nacional de Apara-dos da Serra (Itaimbezinho), que acontecerá em outubro. O prêmio deverá ser re-

As turmas premiadas são:

• Escola Estadual Professor Dietschi – Arroio do Sal• Escola Estadual Manoel João Machado – Torres

• Escola Municipal Professora Luzia Rodrigues – Dom Pedro de Alcântara

editado a cada três anos, sempre no fechamento de um ciclo de encontros.

Os dados obtidos com o monitoramento desenvol-vido pela Curicaca foram decisivos para a escolha dos

vencedores. Para a análise, foram selecionados aqueles verificadores avaliados em todos os encontros, forne-cendo dados comparativos do desempenho dos partici-pantes. A matriz construída

para avaliação tinha três eixos: um focado nas crian-ças, outro nos professores e o terceiro nos desdobra-mentos. Desta forma, foi possível estabelecer uma pontuação para cada turma, considerando-se os dados de quatro encontros ocorri-dos entre 2007 e 2008.

Mais informações junto à ONG Curicaca, fone 51 3332 0489, [email protected]

Dominó das Pinturas Corporais Kaingang e GuaraniEncontre os caminhos no labirinto que levam os signos até as figuras correspondentes.

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Depoimentos de alunos e pais comprovam o sucesso do Programa de Educação Ambiental

Crianças entusiasmadas, despertando para algo novo, dizendo palavras como “fas-cinante, impressionante, sen-ti uma coisa que nunca tinha sentido antes...” É isso que vem acontecendo no Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica, o programa de educação am-biental da ONG Curicaca.

A Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres da Mata Atlântica nasceu em 2002, mas se firmou em 2005 na re-gião de Itapeva, Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Com o apoio alternado da Fun-dação Itaú Social, do CNPQ – via um projeto de extensão universitária – e do PDA, do Ministério do Meio Ambien-te, abrange atualmente cinco municípios e prefeituras, 20

Estratégias de médio e longo prazo dão continuidade ao Projeto

dos Microcorredores

“Vimos uma figueira enorme, que tinha cerca

de 150 anos. As professoras da Curicaca

pediram para todos os alunos darem um abraço

nela e eu senti uma sensação muito boa, coisa

que eu nunca senti nada igual.

Um pouco mais atrás tinha uma

árvore com dois nomes – imbaúba e formigueiro -.

Naquele momento, eu percebi mesmo

que era a Mata Atlântica.”

Relato da aluna Bianc a Magnus Leffa, da Escola Municipal de

Ensino Fundamental Profa. Luzia Rodrigues

escolas públicas, cerca de 40 professores e 450 crianças e suas famílias, além de um bom número de parceiros privados e governamentais. “Cerca de 1.200 crianças já passaram pelo projeto”, relataram as educadoras do programa, Patrícia Vianna Bohrer e Julia Rovena Witt. Patrícia é mes-tre em educação, formada em Artes Plásticas, enquanto Júlia é bióloga.

As crianças e os profes-sores têm participado de forma continuada. Há alunos que iniciaram na 5ª quinta série do ensino fundamental e terminaram ao ingressar no ensino médio. Os encon-tros, que acontecem duas vezes ao ano, ocorrem em Unidades de Conservação públicas – Itapeva, Tupanci e

Mata do Professor Batista – e em espaços da comunidade, apoiados em um amplo con-junto de materiais pedagógi-cos interativos.

Depois de cada encontro semestral, os professores dão continuidade às discus-sões em sala da aula. “Mesmo quando repetimos o local onde as atividades aconte-cem, o interesse não diminui com o passar do tempo. Pode-se notar o amadureci-mento das crianças, tanto na convivência direta, quanto no relato dos professores”, confirmou Julia. As saídas a campo causam um “agito” na turma e tudo isso leva à conscientização e mudanças de postura – nas crianças, nas escolas e muitas vezes nas famílias.

“Minha filha comentou sobre corredores

ecológicos e os outros temas tratados nos encontros. Ela tem mantido uma

relação mais harmoniosa com a natureza. Aqui em casa

temos três cachorros e várias plantas e ela tem

cuidado deles. Ela tem me ajudado a ensinar seu irmão de quatro anos a não jogar o lixo no chão e cuidar dos

animais e das plantas. E também ela nos

ensina várias coisas que fazemos e não percebemos

que estamos ajudando a prejudicar a natureza. Eu agradeço a vocês

do projeto por ajudarem a minha filha a compreender e nos repassar os danos que

causamos à natureza!”

Graciane, mãe de aluna da Ação Cultural Saberes e Fazeres

O CORREDOR ECOLÓGICO • 9

Extração orientada da palha do butiá permite sua conservação

O que é o que é? Redondo e alaranjado, do tamanho de uma ameixa, doce e suculento, mas ameaçado de extinção? Se você não pensou no butiá, precisa viajar pelo litoral no Rio Grande do Sul no quente do nosso verão. A fruta cresce em uma palmeira, que se en-contra ameaçada de extinção. Justamente por isso, a partir da preocupação com os butiazais, a Curicaca criou o Programa de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais – que vem tentan-do garantir os prazeres da fruta e a beleza do artesanato feito com as folhas desta planta.

Dividido em três eixos trans-versais, o programa contempla: 1. Questões sócio-econômicas, com o objetivo de modificar a regulamentação que proíbe de forma incisiva a extração dos frutos e das folhas; 2. Artesa-nato como patrimônio cultural em extinção justamente pela regulamentação rígida. Os conhecimentos tradicionais, os trançados, passados de geração em geração, estão se perdendo; 3. Conservação da espécie – como conciliar a extração com o cuidado para a conservação da espécie? Uma das primeiras ações que a equi-pe planejou foi o contato com a população local, buscando entender como funciona a ex-tração. A pesquisa conta com a parceria do Centro de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Um ponto importante a ser lembrado, no entanto, é que não foi o artesanato que colo-cou a planta em perigo de ex-tinção. O desmatamento para a plantação de fumo e a explora-ção imobiliária transformando espaços rurais em sítios de la-zer e ainda a atividade pecuária em áreas restritas de butiazais são as principais causas do seu desaparecimento – acabando também com uma importante forma de geração de trabalho e renda para a população local, além da perda cultural da arte dos trançados.

Dessa forma, o programa desenvolve, por exemplo, uma pesquisa detalhada sobre

qual o corte ideal da folha, como fazê-lo, onde fazê-lo, que tipo de instrumento usar, como se comportam diferen-tes butiazeiros em diferentes áreas, quantas folhas cortar. “Nesse momento, tive que parar de pensar como uma quase bióloga e me colocar no papel das artesãs”, conta a estudante de Biologia Karyne Maurmann, que está aprovei-tando seriamente a pesquisa para desenvolver o seu TC. “Vamos computando os da-dos para depois podermos fazer uma análise comparativa que nos dê respostas para ajudar a flexibilizar a norma-tiva atual’, diz. A bióloga Julia Rovena Witt está estudando os frutos.

A grande dificuldade é que não existe nenhum tipo de pesquisa mais aprofundada sobre os butiazeiros. “Estamos começando do zero na coleta de dados, pois os butiazeiros estão classificados como planta

desconhecida na Lista Nacio-nal de Plantas Ameaçadas de Extinção”, esclarece Karyne. “Além da coleta de dados, esta-mos prevendo encontros com órgãos públicos para discutir a proibição, levando dados concretos que devem provar a possibilidade de uma extração sustentável”.

As expectativas são que em 2010 possa estar sendo defininda uma política públi-ca mais adequada a realida-de deste ecossistema, que garanta a sua conservação, mas também permita que os saberes e fazeres associa-dos, um incrível patrimônio cultural, continuem se trans-mit indo entre gerações. Artesãs e filhas de artesãs, como Vó Calmira – hoje com 90 anos, aposentada – que tirou durante mais de 60 anos o seu sustento e o dos filhos com a venda de bolsas e chapéus de palha, agradecem.

Experimento de avaliação do manejo de folhas do Butiá busca forma de extrativismo sustentável

Inflorescência

10 • O CORREDOR ECOLÓGICO 04 • SETEMBRO 09

Boa atuação dos conselhos de unidades de conservação e da Curicaca é decisiva

Afinal, a existência das Unidades de Conservação e dos seus conselhos faz dife-rença? “Sem dúvida, faz toda a diferença”, afirmou o coor-denador técnico da Curicaca, Alexandre Krob. Envolvido desde sempre com o tema, a Curicaca, com sede em Porto Alegre (RS), tem se tornado parceiro constante de diver-sos conselhos de UCs do Rio Grande do Sul, que, no seu cotidiano tratam de assuntos bastante “espinhosos”. “As UCs têm se mostrado uma ferramenta decisiva quando se trata de facilitar a discussão em torno de decisões impor-tantes sobre a implantação de planos de manejo e sua repercussão junto às comuni-dades”, confirmou o biólogo Jan Karel Felix Mähler Júnior. “É um fórum diferenciado, que reúne instituições go-vernamentais e ONGs e abre espaço para a participação das pessoas lociais.” Jan fala com base em longa experiência, pois tem participado ativa-mente em diversas reuniões, representando a Curicaca.

“Nossa maior luta é que as UCs tenham conselhos representativos para que possam desenvolver um tra-balho com resultados con-cretos”, disse Krob. “Isso só acontece se houver vontade política da instância que a criou.” Conquistas impor-tantes confirmam a fala do coordenador técnico do Curicaca. Ele lembra a cria-ção do plano de manejo do Parque de Itapeva, no Rio Grande do Sul, e o acordo com os pescadores profis-sionais da praia de Itapeva, que fica em frente, para sua melhor gestão – o Curicaca prestou orientação técnica para a solução do conflito. Com este embasamento, que aprofundou a análise de impacto sobre a fauna, foi possível estabelecer uma forma adequada de garantir a pesca com espinhel. Outros

exemplos são: a resolução dos conflitos no Parque da Lagoa do Peixe (RS), devido à pesca do camarão; a suspen-são da colocação de asfalto na estrada que cruza o Par-que Nacional de Aparados da Serra (RS): a partir de um parecer técnico do Curicaca, o IBAMA está levando em conta uma série de conside-rações para o licenciamen-to da estrada, adotando o conceito de estradas parque – que prevêem o controle de ruídos, a adequação do traçado e a utilização de pa-vimentos mais naturais, entre outros itens.

Experiências negativas também mostram que o bom trabalho dos conselhos das UCs são decisivos. “A falta de mobilização do Governo Estadual atrapalhou a solução para o conflito existente no Parque Estadual de Itapuã com comunidades guaranis”, lembrou Krob. O tema está abandonado por falta de reu-niões e de diálogo.

A dedicação do Curicaca ao assunto tem ajudado na criação de novos conselhos no Rio Grande do Sul e no aperfeiçoamento dos já existentes. Uma das maiores dificuldades é o momento de definição das instituições integrantes, que na maioria dos casos é rápido demais, sem uma metodologia para garantir o que a lei orienta e incorrendo no desequilíbrio entre os setores representa-dos. É comum os conselhos nascerem inchados, com alguns grupos de interesse dominando sobre os demais na tentativa de imporem suas vontades em relação à Unidade. Outra coisa que acontece é a expectativa de reverterem a criação da UC ou diminuir seus limites por meio do conselho, o que motiva grupos contrários a buscarem espaço neste cole-giado. A saída, segundo Krob, seria os gestores fazerem

um levantamento prévio dos setores com relação direta com a Unidade e, por isso, com direito de participarem do conselho. Em seguida, realizarem reuniões setoriais para definir qual a instituição representará o setor, para só então formar o conselho. “Conheço situações em que um mesmo interesse estava representado várias vezes, como no caso dos pesca-dores no Parque Nacional da Lagoa do Peixe ou dos empreendedores imobiliá-rios no Parque Estadual de Itapeva. Com o tempo foi possível melhorar muito al-guns conselhos”.

O Rio Grande do Sul possui, atualmente, 12 con-selhos. “Uma das dificul-dades é que praticamente não existe comunicação entre eles. Isso poderia ser resolvido tranquilamente”, avalia Krob. “Temos o maior interesse nisso, pois acre-ditamos no fortalecimento dessas instâncias para que possam contribuir cada vez mais com a criação e re-gulamentação de áreas im-portantes de conservação, promovendo discussões e focando na resolução de conflitos.”

A criação dos conselhos das Unidades de Conserva-ção é uma obrigação do seu gestor federal, estadual ou municipal – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Secretaria Estadual de Meio Ambiente ou prefeituras - conforme estabeleceu a Lei Federal 9.985 de 2000. Por isso, é justa e deve existir a pres-são social para que todas as UCs tenham seu conselho criado e funcionando. O de-talhamento de como devem funcionar os conselhos foi dado pelo Decreto Federal 4.340 de 2002, que orienta para a paridade entre repre-sentantes de órgãos públicos e da sociedade civil.

Unidades de conservação na Legislação

• Decreto 4.340, de 22 de agosto de 2002... de unidades de conservação da na-tureza - snuc, e dá outras providências. o presidente da república, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 84... da lei no 9.985 , de 18 de julho de 2000, bem como os arts. 15, 17, 18 e 20, no que concerne aos conselhos das unidades de conservação. capítulo i da criação de uni-dade de conservação art. 2o o ato de cria-ção de uma unidade de conservação deve indicar: i - a denominação, a categoria de manejo...Presidencia da Republica

• Lei 9.985, de 18 de julho de 2000... o sistema nacional de unidades de con-servação da natureza e dá outras provi-dências. O vice-presidente da república no exercício do cargo de presidente... o siste-ma nacional de unidades de conservação da natureza - snuc, estabelece critérios e normas para a criação, implantação e ges-tão das unidades de conservação. art. 2o para os fins previstos nesta lei, entende-se por: i - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo...

O CORREDOR ECOLÓGICO • 11

Do total de 12 conselhos de Unidades de Conservação em atividade, a Curi-caca participa ativamente de sete.

Mata Paludosa: espécies ameaçadas e conflitos exigem seriedade para que a reserva funcione

Esta unidade de conservação foi criada para proteger anfíbios como a perereca-leiteira (Phrynohyas mesophae) e a pe-rereca-macaca (Phyllomedusa distincta) e aves ameaçadas como o macuquinho (Scytalopus indigoticus) e a choquinha-cinzenta (Mymotherula unicolor), lembra o biólogo Jan Mähler Jr., coordenador ge-ral do Instituto Curicaca e que participou de todo o processo quando trabalhava na SEMA. “Foi uma demanda do monitora-mento ambiental da Estrada Rota do Sol, que impactou uma área muito importante da Mata Atlântica do Rio Grande do Sul”. Fica localizada em numa região densamente ocupada por agricultura intensiva, onde existem holericultores, plantadores de banana, cultivos anuais, a cidade de Itati e outros adensamentos de comunidades rurais. Com apenas 113 hectares, é cruza-da pelo novo traçado asfaltado da estrada e também pelo traçado antigo, que ainda serve de acesso às propriedades. “Trata-se de um poço de conflitos, no meio do qual

estão estas espécies que precisam ser protegidas. É preciso encará-los com seriedade e dedicação para que a Reserva funcione adequadamente”, destaca o biólogo. O principal problema a ser solucionado é o pagamento das terras aos proprietários atuais, que estão muito descontentes com a morosidade do governo estadual em fazer a avaliação dos lotes e benfeitorias. “Faz quase 10 anos que existe cerca de R$ 450 mil para a compra das terras, de uma medida compensatória do Gasoduto Bolívia Brasil, mas até agora ninguém recebeu um tostão”, lembra Alexandre Krob, que vem participando da criação do Conselho da reserva. “O novo chefe da UC, biólogo Rômulo Valim, vem se empe-nhando bastante para encontrar soluções e isso realimentou as expectativas de todos os envolvidos, prova disso são as reuniões com a comunidade que têm sido realizadas por ele. Estamos empenhados pelo pagamento dos proprietários, para que seja possível estabelecer um ambiente favorável à elaboração do plano de manejo e à ampliação da área na direção da Reserva Biológica de Aratinga, que fica ali perto”, complementa ele.

Qual o limite de barramentos hidrelétricos numa bacia?A resposta está no alto

rio Uruguai, na fronteira entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O Ministério de Minas e Energia continua conside-rando o licenciamento de mais três hidrelétricas - Pai Querê, Itapiranga, Passo da Cadeia –, mas a Avaliação Ambiental Integrada contra-

tada pelo Ministério do Meio Ambiente junto à Universi-dade Federal de Santa Maria e UniPampa está mostrando que não há mais condições de pressionar a região.

Os resultados apontam que novas fragmentações de trechos dos rios que hoje estão livres de barramento acabarão por vez com as

chances de sobrevivência de peixes migradores, como o dourado e o surubi. Além disso, novamente está sendo questionado o sentido de causar outros graves im-pactos ambientais naquela região para gerar “um pu-nhado” de energia.

Pai Querê, por exemplo, alagará zonas núcleos da

Pai Querê, por exemplo, alagará

zonas núcleos da Reserva da

Biosfera da Mata Atlântica – RBMA –, causando, inclusive, perdas de espécies.

Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – RBMA –, causan-do inclusive perdas de es-pécies. O Comitê Estadual da RBMA já se posicionou contrário ao empreendi-mento e está exercendo o seu direito legal, conferido pelo SNUC, de garantir a integridade do núcleo da Reserva.

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Unidades de Conservação e Terras Indígenas - tensões ou perspectivas para a conservação?Por Alexandre KrobCoordenador técnico da Curicaca

Onde estão as florestas que se estendem a perder de vista? Não na Mata Atlântica, é claro. Já foram reduzidas a um punhado de mato, termo que popularmente se usa para os pequenos fragmen-tos que restaram. Quando buscamos uma localidade que se chamava “matão dos índios”, vem ali outra decep-ção, nem -ão nem -ios.

Mas quem precisa delas em tamanho tão grande? Na prática, parece que apenas dois grupos, os ambientalis-tas e os povos tradicionais extrativistas. Para o resto ainda não “caiu a ficha”. Pois a estes foi posto um novo e bem ridículo conflito; o inte-resse de uns, criar e manter Unidades de Conservação que protejam as matas mais ricas, contra o dos outros, terem nelas oficialmente reconhecidos seus direitos territoriais para extraírem os recursos da natureza.

Há quem sustente que Unidade de Conservação sem gente dentro é estratégia des-cabida e que as comunidades

Ponto de vista

tradicionais sabem preservar a biodiversidade, “por isso ainda resta alguma coisa”. Por outro lado, afirma-se que na situação caótica da Mata Atlântica, é preciso garantir a total integridade dos proces-sos ecológicos no pouco que resta e que a evolução cultural dos povos ligados às florestas arrancou-lhes a capacidade de

manter a biodiversidade. Não há verdades absolu-

tas nem lá nem cá, porque a questão não é tão simples. A Constituição trata os temas em dois capítulos diferentes, que não se sobrepõem um ao outro, mas nos colocam um grande desafio; construir novas estratégias, complexas e sistêmicas, que permitam substituir as tensões por pers-pectivas. Sinto no Rio Grande do Sul um espaço de grande potencial para isso. O ranço desta disputa ainda não nos contaminou. Há ambientalistas com visões e experiências que avançam para além da dicoto-mia de sempre. Há lideranças indígenas e quilombolas livres da tutela técnica e institucional que alimenta o conflito. Existe aqui um espaço para o novo, se formos capazes de nos livrar do velho, sem esquecer do passado das florestas e dos povos originários. Em algumas situações correremos o risco de não ter nem os parques e reservas dos sonhos ambien-talistas e nem a conformação antropológica ideal das terras tradicionais – mas isso não de-verá ser prejuízo para qualquer das partes, que no fundo se complementam.

Os diversos projetos e pro-gramas desenvolvidos pela Curicaca, além de outras ati-vidades que fazem parte do cotidiano da ONG, são opor-tunidades únicas de aprendi-zado e qualificação voltados à preservação do meio ambien-te. Alunos de diversas áreas participam e já participaram da equipe:

As inscrições para os está-

Estágios – uma oportunidade única

gios acontecem duas vezes ao ano, sempre antes do início de cada semestre. Para concorrer às vagas, é preciso encaminhar um pequeno currículo. Muitos estágios estão se transformando em Trabalhos de Final de Curso e pré-projetos para futuros mes-trados dos próprios alunos.

Atenção: os estágios não são remunerados, mas contam como parte do currículo.

agenda

Setembro• Encontros de educação ambiental “Lagoas costeiras”• Apresentação de trabalhos no VI Congresso Iberoamericano de Educação Ambiental - Argentina• Estande da Curicaca no VI Congresso Brasileiro de UCs

Outubro• Encontros de educação ambiental “Lagoas costeiras”• Visitas educativas ao Parque do Itaimbezinho• Lançamento do Livro sobre biodiversidade de Itapeva

Novembro• Apresentações dos primeiros resultados do projeto com butiazais

Dezembro• Apresentações dos primeiros resultados do projeto com a Lagoa do Morro do Forno

O tema vem sendo tratado da

maneira mais litigiosa possível,

bate-bocas, agressões mútuas

e disputas judiciais. Cada um

considera seus interesses

os mais legítimos

e vê no outro grupo um prejuízo.

• Estudantes de Biologia• Estudantes de Engenharia Agronômica

• Estudantes da área de Turismo• Estudantes de Comunicação• Estudantes de Geografia

Informe-se pelo email: [email protected]

Integração entre conservação da natureza e ecoturismo são oportunidades para aprender na Curicaca