O crepúsculo de um deus - Espiral do Tempo · PMP - E os egos das estrelas não tendem a entrar em...

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O crepúsculo de um deus Filho único de um casal dos arredores de lisboa, Luís Figo fez-se um dos dois portugueses mais famosos no mundo. Não sendo o outro Luís de Camões. Aos 34 anos, Luís Figo conta aqui muito do que sente sobre a sua extraordinária vida que, como glória activa nos campos de futebol, está no seu penúltimo tempo. E na eminência de um grande final… entrevista de Paula Moura Pinheiro em Milão > fotos Hamish Brown GRANDE ENTREVISTA Paula Moura Pinheiro - Quando é que se lembra de si a ter consciên- cia da velocidade a que o tempo passa? Luís Figo - Quando se dá conta de que o tempo passou a correr é quando se está prestes a terminar um ano de competição ou prestes a terminar o ciclo de um contrato que se teve com um clube ou, claro, quando se está prestes a terminar a carreira desportiva. PMP - Sim, mas eu pergunto quando é que começou a ter a percepção de que a ampulheta estava a correr contra si… Quando é que começou a sentir a pressão de que a sua vida como futebolista estava em con- tra-relógio? LF – Bom, quando se tem 13 anos, que foi quando comecei a jogar no Sporting, não se tem nunca a percepção de que a vida passa a correr. Aos 13 anos estamos completamente tomados pelo presente. Com 13 anos eu só queria jogar futebol. Nessa altura, não me passava pela cabeça que a minha profissão viria a ser futebolista. Era um sonho que eu não acreditava possível de ser realizado. Claro que com o tempo, não muito tempo, foi-se tornando um objectivo e um objectivo cada vez mais forte – de acordo com os patamares que ia atingindo. Mas não havia, nesse período inicial, qualquer espaço para a percepção de que, caso viesse a ser futebolista profissional, teria, forçosamente, uma car- reira curta – os atletas têm-na sempre. Creio que foi só aos 17 anos, quando comecei como profissional, que fui confrontado com essa ideia pela primeira vez. Porque comecei a trabalhar, a treinar, a lidar com companheiros mais velhos e a aprender com os seus casos. PMP – Foi aí que compreendeu que, por exemplo, com 34 anos, que é hoje a sua idade, é-se quase demasiado velho para futebolista. LF – Sim. Compreendi racionalmente, mas não era algo que eu vivesse como uma percepção aguda, condicionadora. Quando se tem 17 anos ainda se está completamente no presente, a ideia do futuro permanece abstracta. Não é como agora, que gostava que o dia tivesse 48 horas… aos 17 anos não sentia que me faltava ou haveria de faltar o tempo: era feliz simplesmente a praticar desporto. Com o tempo, as responsabilidades aumentaram e as necessidades também – tudo se tornou mais complicado…

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O crepúsculo de um deusFilho único de um casal dos arredores de lisboa, Luís Figo fez-se

um dos dois portugueses mais famosos no mundo. Não sendo

o outro Luís de Camões. Aos 34 anos, Luís Figo conta aqui muito

do que sente sobre a sua extraordinária vida que, como glória

activa nos campos de futebol, está no seu penúltimo tempo.

E na eminência de um grande final…

entrev ista de Paula Moura Pinhei ro em Mi lão > fo tos Hamish Brown

GRANDE ENTREVISTA

Paula Moura Pinheiro - Quando é que se lembra de si a ter consciên-

cia da velocidade a que o tempo passa?

Luís Figo - Quando se dá conta de que o tempo passou a correr équando se está prestes a terminar um ano de competição ouprestes a terminar o ciclo de um contrato que se teve com umclube ou, claro, quando se está prestes a terminar a carreiradesportiva.

PMP - Sim, mas eu pergunto quando é que começou a ter a percepção

de que a ampulheta estava a correr contra si… Quando é que começou

a sentir a pressão de que a sua vida como futebolista estava em con-

tra-relógio?

LF – Bom, quando se tem 13 anos, que foi quando comecei ajogar no Sporting, não se tem nunca a percepção de que a vidapassa a correr. Aos 13 anos estamos completamente tomadospelo presente. Com 13 anos eu só queria jogar futebol. Nessaaltura, não me passava pela cabeça que a minha profissão viria aser futebolista. Era um sonho que eu não acreditava possível deser realizado. Claro que com o tempo, não muito tempo, foi-setornando um objectivo e um objectivo cada vez mais forte – deacordo com os patamares que ia atingindo. Mas não havia, nesseperíodo inicial, qualquer espaço para a percepção de que, casoviesse a ser futebolista profissional, teria, forçosamente, uma car-reira curta – os atletas têm-na sempre. Creio que foi só aos 17anos, quando comecei como profissional, que fui confrontadocom essa ideia pela primeira vez. Porque comecei a trabalhar, atreinar, a lidar com companheiros mais velhos e a aprender comos seus casos.

PMP – Foi aí que compreendeu que, por exemplo, com 34 anos, que é

hoje a sua idade, é-se quase demasiado velho para futebolista.

LF – Sim. Compreendi racionalmente, mas não era algo que euvivesse como uma percepção aguda, condicionadora. Quando setem 17 anos ainda se está completamente no presente, a ideia dofuturo permanece abstracta. Não é como agora, que gostava queo dia tivesse 48 horas… aos 17 anos não sentia que me faltavaou haveria de faltar o tempo: era feliz simplesmente a praticardesporto. Com o tempo, as responsabilidades aumentaram e asnecessidades também – tudo se tornou mais complicado…

necessitasse e eu tenho-o como um irmão. Fala-mos bastante ao telefone, mas a verdade é quenos vemos pouco por termos vidas muito desen-contradas. Jogamos nas equipas rivais de umacidade que só tem um estádio e, portanto, quan-do eu jogo em casa, ele joga fora e vice-versa; eutreino de manhã, ele treina à tarde; eu vivo emMilão, ele vive em Varese – não temos disponi-bilidade para estarmos juntos com frequência.Mas falamos muito ao telefone e cada um de nósacompanha de perto o que se passa com o outro.

PMP - Quem são os seus grandes amigos? São pes-

soas que traz da sua juventude portuguesa ou são

estrelas do futebol mundial como o Luís?

LF - Com o meu nível de vida profissional eeconómico é sempre difícil fazer amizades comgente com uma vida diferente. Nós, futebolistas,tendemos a ser casos atípicos: a constituir famíliamuito cedo, por exemplo, como aconteceu co-migo. Logo por aí é difícil encontrar pessoas forado futebol que, tendo a minha idade, estejam namesma situação familiar que eu, que fui pai aos25 anos. O meu ritmo de vida, as minhas respon-

sabilidades são muito diferentes das da maioriados homens da minha geração. O nível económi-co, é escusado negá-lo, é um factor que tem tam-bém influência – é difícil manter relações estrei-tas com pessoas que não vivem como eu e aminha família. A maioria dos meus amigos sãopessoas do meu meio profissional.

PMP - E os egos das estrelas não tendem a entrar em

colisão?

LF - Isso acontece em todas as actividades. Hásempre egos desproporcionados, rivalidades, masé perfeitamente possível, também, ter bons ami-gos entre pares.

PMP - O Ronaldo e o Zidane, por exemplo?

LF - Sim, por exemplo. São ambos pessoas comum enorme prestígio, o que não impede umaboa amizade entre nós todos. Profissionalmentetento sempre relacionar-me bem com todos osmeus colegas, depois há factores que fazem comque se levem, ou não, os colegas para a nossavida pessoal. Factores como o relacionamentoentre as nossas famílias, se têm crianças ou não,

PMP - Hoje, a sua relação com a ideia do tempo é

angustiada?

LF - De certa forma é. A consciência aguda deque não vou poder jogar para sempre, não éfácil… mas tento preparar-me o melhor possí-vel para quando chegar o momento em que tiverde fazer outra coisa – não digo retirar-me, digofazer outra coisa – não tenha tanta… dor.

PMP - Há quem diga que no Inter de Milão voltou a

jogar com a intensidade de um garoto. Ao Zidane

parece que está a acontecer a mesma coisa. É uma

espécie de canto do cisne?

LF - Não sei. Acho que nunca me limitei em ter-mos de esforço, sempre tentei dar o meu máximoem todas as situações – estivesse ou não emcampeonatos do mundo. Não sei limitar o meuesforço. Vir esta temporada para o Inter de Milãofoi um desafio muito bom: eu sentia que tinhacondições para jogar ainda a um alto nível e tinhade o demonstrar a mim mesmo. Uma coisa é oque os outros dizem – e pode ser importante,dependendo de quem são os outros – outra coisaé o que eu sei sobre mim. Demonstrar-me a mim

mesmo que o que sentia era verdade – que possoainda jogar a um alto nível – é da maior impor-tância. Além disso, tendo tido uma carreira posi-tiva quero acabá-la o melhor possível.

PMP - Dá-se ainda o caso de praticamente não ter

podido jogar nos seus últimos tempos de Madrid…

LF - Sim, de não ter podido jogar como desejavae como sabia que poderia jogar. Nos últimostrês, quatro meses de Real Madrid aconteceu-meo que pode acontecer a qualquer profissional: aescolha do treinador não recaiu sobre mim.

PMP - É sempre duro quando isso acontece, mas

quando se tem já pouco tempo de vida profissional

deve ser desesperante.

LF - Foi muito frustrante, sim. A verdade é que po-dia ter continuado em Madrid se quisesse ter umavida tranquila – tinha um bom contrato, podiadeixar-me estar sossegado. Mas não sou assim.Quero acabar a minha carreira com a máximadignidade possível: jogando, como tenho feitoestes anos todos. Por isso optei pelo Inter, onde,de facto, posso jogar como tenho jogado.

PMP - E Milão? Depois de Lisboa, Barcelona, Madrid -

um pouco frio, não?

LF - Sim, mas o frio eu aguento bem. Aquilo deque sinto mais falta, mais que do bom clima, éda luz – da luz do Sul. Milão parece que temsempre uma camada que paira sobre a cidade eque não deixa passar a luz. Barcelona, Madrid,Lisboa são cidades muito luminosas. Aqui, àssete da manhã é de noite e às quatro da tarde éde noite. O espaço de tempo para viver com luzé pouco – é isto que mais me custa em Milão.

PMP - Tenho a ideia de que os italianos conseguem

ser ainda mais radicais que os espanhóis a viver a

paixão pelo futebol. É assim?

LF - Não. A forma de viver o futebol, a paixãopelo futebol, é igual em toda a parte. Pelo menosentre latinos. Nesse aspecto, não vejo diferençaentre espanhóis e italianos.

PMP - O Rui Costa já cá estava quando chegou a

Milão. São da mesma geração de ouro do futebol

português. Ele ajudou-o a adaptar-se à cidade?

LF - O Rui pôs-se à disposição para o que eu

Luis Figo

Diversos momentos na vida de um craque: dentro e fora do

relvado, ao serviço da selecção nacional ou do clube.

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ESPIRAL DO TEMPO > 2322 < ESPIRAL DO TEMPO

, Luis Figo,

a

por exemplo. Isso aconteceu-me em todo o lado– é mais fácil ligarmo-nos a quem tem o mesmoritmo de vida que nós.

PMP - Custa mudar de cidade? Os amigos, as escolas

para as crianças…

LF - É muito mais complicado para a minha mu-lher e para as minhas filhas que para mim, quevivo dentro do campo e que, onde quer que este-ja, mantenho o mesmo tipo de vida. Aquilo deque senti mais receio nesta opção pelo Inter deMilão foi da instabilidade que isso causaria àminha família, porque elas estão aqui por mim,não estão por mais nenhuma razão. E a instabi-lidade emocional, social pode causar problemasdentro de casa. E, de facto, passámos momentosdifíceis quando chegámos aqui, mas consegui-mos ultrapassá-los.

PMP - O divórcio profissional mais duro que já teve

não foi de Madrid, foi de Barcelona. O que é que uma

experiência tão violenta como a que viveu nesse pro-

cesso – passar de deus a demónio, de um momento

para o outro – mudou em si?

LF - Muito poucas pessoas sabem o verdadeiromotivo porque mudei do Barça para o RealMadrid. Em Barcelona eu tinha tudo o que sepode desejar em termos pessoais e profissionais.É verdade que o contrato que me ofereceram emMadrid era melhor, não vou negar isso, não vounegar que foi financeiramente vantajoso mudarpara Madrid. Mas isso não teria sido suficientepara me fazer sair de Barcelona, que era umacidade que eu adorava e que, com o tempo, mehaveria de dar o que Madrid me estava a ofere-cer. O facto é que aquilo foi um processo de

negociações complicado, que envolveu váriaspessoas, e eu não quis defraudá-las – senti-meobrigado a honrar os compromisos que tinhaassumido, quis ser correcto. Felizmente, o meubalanço da ida para o Real Madrid é positivo,mas podia não ter sido: passei um ano difícílimoe acabei por apostar a minha vida profissional epessoal nas mãos de pessoas que, com o passardo tempo, revelaram não ser merecedoras daconfiança que eu depositara nelas. É assim a vida.Mas eu tento manter-me correcto, tanto dentrocomo fora do campo.

PMP - O que é que mudou em si com essa experiên-

cia? Sofreu, inclusive, ameaças de morte…

LF - Fez-me mais forte. Cada vez que ia, que voujogar a Barcelona eu sei que por detrás de todoaquele sentimento existe…

PMP - … desculpe, mas quando fala de ‘sentimento’

está a ser muito suave. O que há são manifestações

de raiva, para não dizer de ódio…

LF - … mas eu compreendo isso. Claro que sesou estimado num sítio e me passo para o seurival – ainda mais com uma campanha mediáti-ca contra mim, como a que existiu – a reacçãodos adeptos só pode ser a que foi. Não levo amal. Enquanto forem só insultos, não levo amal. O futebol é assim. Agora se me acontecealguma coisa, a conversa é outra…

PMP - Visivelmente, considera que os insultos não

entram na categoria das coisas más que podem

acontecer-lhe.

LF - Tenho de considerar, senão dava em maluco.Em qualquer jogo, mesmo que não seja em

Barcelona, há sempre um tonto que implicaconnosco.

PMP - Pode compreender-se a imunidade que é

necessário desenvolver em relação a certas coisas

para poder sobreviver. Mas há outras situações que

podiam ser evitadas. Por exemplo, por que razão fez

questão de marcar todos os cantos assim que foi para

o Real Madrid?

LF - Não sei. Esse foi um ano muito difícil. Tinhaos olhos todos postos em mim, sentia a imensapressão de ter de demonstrar, de ter de ganhar.Acontece que vivo bem sob pressão, porque, decerta forma, mantém-me alerta, mantém-medesperto. Claro que é desgastante, mas mantém--me ainda mais concentrado, ainda mais disci-plinado – o que me faz abstrair do que está aacontecer fora do campo. A jogar nessas con-dições, por mais próximo que esteja alguém ainsultar-me, nem ouço.

PMP - No texto de apresentação que escreve no livro

que saiu sobre si em 2005, diz uma coisa curiosa: diz

que conheceu atletas melhores, mas que aquilo que

o distingue a si, Luís, é a sua determinação. Determi-

nação que, segundo escreve, deve ao Sporting.

LF - Eu nasci e cresci como jogador com o lemado Sporting, lema que nunca me abandonou aolongo da minha carreira: Esforço, Dedicação,Devoção e Glória. Isto acompanha-me desdepequeno, porque foi desde pequeno que tive defazer um esforço para ir treinar. Eu morava namargem Sul do Tejo e vinha todos os dias para oEstádio de Alvalade. Com doze anos, a seguir àescola, apanhava o autocarro do sítio onde vivia,para lá de Almada, depois o barco, depois o

É difícil encontrar pessoas fora do futebol que, tendo a minha

idade, estejam na mesma situação familiar que eu, que fui pai

aos 25 anos. O meu ritmo de vida e as minhas responsabilidades

são muito diferentes das da maioria dos homens da minha geração.

ESPIRAL DO TEMPO > 25

Luis Figo,

metro – tudo para chegar ao treino. Todos osdias, fizesse chuva ou Sol, fazia isto, primeirocom amigos, depois sozinho. E não podiachumbar na escola porque senão os meus paisnão me deixavam continuar no futebol. Isto éesforço e dedicação.

PMP - Sem querer diminuir a importância do Sporting

na sua formação, se calhar essa capacidade de

esforço e de dedicação trazia-a já de casa e o mérito

do Sporting foi ter reconhecido em si essas quali-

dades. O que fizeram de especial os seus pais por si?

LF - Agradecerei para sempre aos meus pais aforma como me educaram para a responsabili-dade. Desde muito cedo transferiram para mima responsabilidade de não os desapontar na con-fiança que depositavam em mim.

PMP - Sendo filho único, imagino que todas as expec-

tativas dos seus pais estavam centradas em si.

LF - Sim. Mas não era tanto no sentido de quere-rem que eu fosse o melhor. Eles não ligavammuito ao facto de eu estar a fazer futebol, porexemplo. O que eu sentia era que não devia, nãopodia defraudá-los. Não podia fazer porcaria…

PMP - O seu pai era do Sporting?

LF - Não, o meu pai era do Benfica. Mas naque-la altura dizia-se que o Benfica só aceitava gentegrande e eu era pequenino – como é que ia lá?…Foi por isso e por ter amigos que jogavam nascamadas jovens do Sporting que fui treinar parao Sporting.

PMP - O Sporting foi circunstancial.

LF - Calhou, sim.

PMP - Uma das coisas extraordinárias consigo é que,

ao longo de vinte anos de futebol, nunca se lesionou.

É uma espécie de Aquiles. Qual é o seu calcanhar? O

que é que o vulnerabiliza?

LF - O que me deita abaixo é perder (risos)…

PMP - E os críticos nos media?

LF - Nos meus primeiros anos de carreira irritava--me com o desplante das críticas de pessoas quenão fazem a mínima ideia do que é o futebol

profissional. Não compreendia como era possívelque se opinasse com tanta ignorância sobre onosso trabalho. Falar no café da esquina está certo,todos devem poder fazê-lo. Mas ter um espaço deinfluência na opinião pública sobre profissionais,quando o próprio crítico não é, ele mesmo, umprofissional desta área, isso é que já tenho maisdificuldade em entender. Seria o mesmo que eu,que sou futebolista e nunca me dediquei a estudaroutro assunto, tivesse uma coluna de opiniãosobre arquitectura. Mas até isso, com o tempo, jánão me incomoda. Olhe, preciso de dormir. Nãodormir o suficiente é algo que me fragiliza.

PMP - Os valores pagos a estrelas de futebol como o

Luís Figo são muitas vezes objecto de críticas, mas

nem sempre se diz que os clubes, bem geridos,

podem ir buscar isso e muito mais convosco.

LF - Não vou queixar-me, porque faço aquilo deque gosto e sou muito bem pago para isso.Também acrescento que só ganho aquilo que mequerem pagar – se há quem acha que é demais,que fale com quem nos paga e averigue se nós,futebolistas, não geramos também muito dinhei-ro. A vida de um futebolista profissional é puxa-da. Para mim, pessoalmente, são cerca de 60 jogospor ano e, muitas vezes, jogados em condiçõesdifíceis: depois de longas viagens, noutros fusoshorários, noutros climas, sob imensa pressão. Nãome queixo, mas não são tudo rosas.

PMP - Esta sua participação no Mundial é tudo aqui-

lo com que sempre disse ter sonhado. Acontecer

nesta fase da sua carreira é particularmente emocio-

nante. Tem o carácter de ‘agora ou nunca’.

LF - Sim, mas não se pense que estou mais ner-voso do que estaria se estivesse noutro campe-onato qualquer. Não estou. Não vejo as com-petições dessa forma: agora ou nunca.

PMP - Bom, mesmo que prolongue a sua carreira por

mais uns anos é evidente que esta é a sua última

oportunidade num Mundial.

LF - Não vejo isto como uma coisa de vida ou demorte, ou como uma última oportunidade,como diziam de mim no Europeu. Tento desfru-tar o momento. Sei que é único poder jogar

Chama-lhes um figo

A colecção de instrumentos do tempo de Luís

Figo é deliciosa e revela um maduro conheci-

mento da relojoaria. O primeiro a ser destaca-

do tem de ser o TAG Heuer ‘Luís Figo’, um

modelo de edição limitada personalizado e

assinado pelo astro português que coloca em

destaque no mostrador o número 7; para

além desse relógio que lhe é dedicado (numa

feliz adaptação especial da série 6000), Figo

tem ainda dois históricos modelos da linha

Classics da TAG Heuer: o Carrera e o Monaco.

Mas a sua grande paixão são as criações da

autoria de Franck Muller: o próprio jogador

conhece o genial mestre genebrino e já visitou

a sede da marca em Watchland, nos arredores

de Genebra; tem um Long Island em ouro

branco e fundo preto de uma série limitada

encomendada pelo ex-presidente merengue

Florentino Perez para comemorar a vitória na

final da Liga dos Campeões em Glasgow

(2002), um Long Island em ouro branco com

diamantes que lhe foi oferecido por um sheik

do Dubai e ainda um Transamerica. Entre ou-

tras preciosidades, possui igualmente um IWC

Português Calendário Perpétuo em ouro bran-

co e um espampanante Jacob & Co. cravejado

de diamantes com mostrador dividido em cin-

co fusos horários.

MIGUEL SEABRA

26 < ESPIRAL DO TEMPO

Luis Figo,

num Europeu ou num Mundial, mas não trans-cendo essa abordagem do facto. Sempre fui mui-to contido nos sentimentos relativamente a estassituações.

PMP - É uma boa estratégia emocional para conter a

ansiedade. Mas não sentir a pressão da expectativa dos

três mil milhões de espectadores que terá no Mundial de

Futebol é quase do foro do sobre-humano.

LF - Tento sentir o prazer. Gozar o facto de estaraqui, a participar nisto. Mas não posso nem vouestar a pensar nesses três mil milhões de pessoas.Quero apenas concentrar-me para fazer as coisasbem feitas, muito bem feitas. Quero ganhar.

PMP - Nós, os portugueses, queremos que ganhe.

LF - (risos) Pois, imagino. Vou dar o meu melhor,é só o que posso prometer.

PMP - E se lhe correr muito bem o Mundial pode

ainda fazer novos contratos como futebolista de

primeira linha.

LF - Já não estou a pensar nisso.

PMP - Quer jogar mais quanto tempo?

LF - Terminava este contrato com o Inter deMilão e, em princípio, acabava.

PMP - E se lhe oferecessem um contrato milionário

para a Arábia Saudita? Aceitava?

LF - Isso dependeria da minha mulher. Deixava--lhe a ela a decisão. Ela e as minhas filhas já fi-zeram tantos sacrifícios por mim que eu não asfaria passar por mais uma mudança contra a suavontade. Para dizer a verdade, gostaria de ir umano para os Estados Unidos da América – paraacabar a minha carreira na Liga Americana deFutebol. Gostava disso. Ficava um ano fora, aspessoas esqueciam-me e depois voltava e poderiafazer aquilo que quero fazer a seguir…

PMP - Que é…

LF - (risos) Isso agora…

PMP - Muito bem, não quer falar nisso. Falemos da

sua família nuclear. Gostava de ter um filho rapaz?

LF - Antes de ter filhos sempre me imaginei a

jogar à bola com o meu rapaz, mas agora sinto--me tão preenchido com as minhas três filhasque nem penso mais nisso. Não me faz falta nen-huma um rapaz. Estou encantado com elas. E damos na mesma uns toques de futebol lá em casa.

PMP - Teve o mérito de ter sabido construir uma

família que parece ser o seu castelo. Muito provavel-

mente, a sua casa é a sua família.

LF - É verdade. Desde que eu esteja bem com aminha família, com a minha casa, estou bem emqualquer parte do mundo.

PMP - E a sua mulher parece ser mais que a sua rai-

nha. Parece ter tido uma influência importante na

construção da imagem da ‘marca’ Figo. Era mane-

quim, trabalhava com a imagem.

LF - Antes de mais, ela fez sacrifícios por mim deque eu não me esqueço nunca. Prescindiu de teruma carreira própria para me acompanhar naminha carreira e educar as nossas filhas – nãohá nada que possa expressar a gratidão que lhe

tenho por isso. Ela é importante em todas asfrentes na minha vida. E, claro, ter uma famíliabonita ajuda a ter uma boa imagem.

PMP - Eu falava da sua imagem pessoal, da imagem

de moda que construiu com a ajuda da sua mulher –

ou seja, de como ela terá arranjado lenha para se

queimar… Parece que o Luís tem hoje mais fãs mu-

lheres que homens.

LF - (risos) Bom, ela também tem muitos fãs…Por aí, somos muito equivalentes.

PMP - Quanto tempo gasta em autopromoção?

LF - Há sempre uma ou duas coisas por mês queconvém aceitar fazer. Já aprendi a seleccionarapenas o que me interessa.

PMP - Agora, por exemplo, vai ser capa da Marie

Claire espanhola. Já conhece os truques todos? Sabe

qual é o seu melhor ângulo nas fotografias?

LF - O truque é o mesmo para tudo na vida: sóaceitar trabalhar com bons profissionais. O queme ensinou a experiência é que os bons fotó-grafos fazem milagres…(risos)

PMP - Tem a noção de que é um homem com muita

sorte?

LF - Sim. Mas também tenho consciência de quetrabalho muito para a sorte que tenho. Ainda queseja verdade que, nas encruzilhadas da vida, es-colhi sempre o caminho certo. E isso, sim, agra-deço à sorte.

PMP - Foi por querer devolver a outros alguma da

sorte que teve que criou a sua fundação?

LF - Para ser sincero, criei-a porque fui aconselha-do a fazê-lo pelos meus gestores de carreira. Sen-do uma instituição sem fins lucrativos, podia tervantagens fiscais. Mas como continua sem lhe seratribuído o estatuto de utilidade pública, nemesse benefício colho. Estou à espera há três anos,é um dos problemas do nosso país: mesmo quan-do se quer fazer uma coisa boa como esta, osentraves são tantos, é tão cansativo, que a tendên-cia é deixar cair. Mas a fundação vai continuar.Começou, vai continuar.

PMP - Imagina-se como o rosto de uma candidatura

portuguesa ao Mundial de 2018?

LF - Não sei. Estarei sempre associado ao futebol,isso é certo.

PMP - Imagine este cenário: o Luís é o rosto da candi-

datura portuguesa ao Mundial e o José Mourinho é o

seleccionador nacional. Seria uma candidatura com

grandes hipóteses, não acha?

LF - (risos) Depende de como estivermos os doisem 2018… Mas sendo em prol do nosso paísestou sempre disponível.

PMP - Dar-se-iam bem, o Luís e o José Mourinho?

LF - Acho que sim. Trabalhei com o Zé em Bar-celona, quando ele ainda era segundo treinador, etenho um bom relacionamento com ele.

PMP - Observando de longe, há mais coisas em co-

mum entre vós do que o facto de serem ambos gran-

des vencedores: são os dois filhos únicos, da margem

Sul do Tejo, de carácter contido e muito ligados à fa-

mília. E, claro, ninguém ganha tanto sem querer

muito ganhar. Isso também terão em comum.

LF - Claro, esse é o espírito. ET

ESPIRAL DO TEMPO > 29

Ela fez sacrifícios por mim de que eu não me esqueço nunca.

Prescindiu de ter uma carreira própria para me acompanhar

na minha carreira e educar as nossas filhas – não há nada

que possa expressar a gratidão que lhe tenho por isso.

Luis Figo,