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FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS O CRÍTICO MACHADO DE ASSIS: DA TRADIÇÃO À RENOVAÇÃO Márcia Schild Kieling Porto Alegre 2010

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FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

O CRÍTICO MACHADO DE ASSIS: DA TRADIÇÃO À RENOVAÇÃO

Márcia Schild Kieling

Porto Alegre 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL – PUCRS

FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

O CRÍTICO MACHADO DE ASSIS: DA TRADIÇÃO À RENOVAÇÃO

Márcia Schild Kieling

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Letras, área Teoria da Literatura.

Ana Maria Lisboa de Mello

Orientador

Data da defesa: 21 de janeiro de 2010.

Instituição depositária: Biblioteca Central Irmão José Otão

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Porto Alegre 2010

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RESUMO

O presente estudo busca compreender o papel de Machado de Assis na crítica

brasileira – isto é, em que medida o escritor legitima ou refuta as normas da literatura vigente

–, bem como os princípios que nortearam a sua produção literária. Primeiramente,

apresentamos de que maneira a crítica de Machado de Assis foi entendida pelos estudiosos

que procuraram abordá-la tanto no conjunto da crítica literária brasileira como isoladamente.

Em seguida, mostramos como Machado de Assis e seus coetâneos concebiam o mister do

crítico e sua importância para a literatura. Tratamos também da discussão a respeito da

nacionalidade da literatura brasileira, tema que tanto ocupou escritores e críticos durante o

século XIX. Focalizamos ainda as considerações machadianas a respeito das três formas

literárias – poesia, drama e romance –, em estudos específicos sobre as obras de determinados

autores. Por fim, procuramos demonstrar de que forma o exercício da crítica moldou a

produção ficcional de Machado de Assis, tomando como exemplo os romances Memórias

póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, em que identificamos uma espécie de extensão da

crítica feita por Machado de Assis aos princípios do Realismo/Naturalismo quando analisou O

primo Basílio, de Eça de Queirós.

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ABSTRACT

This study intends to comprehend Machado de Assis’ role in Brazilian criticism –

that is, in what extent the writer legitimates or denies the literature rules that came into force

at the time –, as well as how the principles that guided his literary production. First of all, we

present how Machado de Assis’ criticism was understood by studiers who tried to broach it

both in the whole of Brazilian literary criticism and isolatedly. Next, we show how Machado

de Assis and his contemporaries conceived the critic’s job and its importance to literature. We

also refer to the discussion on nationality in Brazilian literature, a theme that concerned

writers and critics during the 19th century. We focus as well on the Machadian considerations

on the three literary forms – poetry, drama and novel –, in specific studies on the pieces of

determined authors. Finally, we demonstrate how the practice of criticism molded Machado

de Assis’ fictional production concerning the novels Memórias póstumas de Brás Cubas and

Quincas Borba, in which we identify a sort of extension of the judgment made by Machado

de Assis of the Realism/Naturalism principles when he analyzed Eça de Queirós’ O primo

Basílio.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................6

1 MACHADO DE ASSIS NA CRÍTICA BRASILEIRA: COM A PALAVRA, OS

ESTUDIOSOS ...........................................................................................................12

2 O IDEAL DO CRÍTICO: A IMPARCIALIDADE ................................................24

3 A NACIONALIDADE DA LITERATURA BRASILEIRA: O “SENTIMENTO

ÍNTIMO” ...................................................................................................................42

4 AS TRÊS FORMAS LITERÁRIAS ESSENCIAIS: POESIA, DRAMA E

ROMANCE ...............................................................................................................65

4.1.1 Poesia ............................................................................................................. ..66

4.1.2 Drama ............................................................................................................. ..78

4.1.3 Romance ........................................................................................................ 104

5 MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E QUINCAS BORBA: A CRÍTICA

TRANSFORMADA EM FICÇÃO ..........................................................................120

CONCLUSÃO .........................................................................................................141

REFERÊNCIAS .......................................................................................................147

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INTRODUÇÃO

O papel do crítico literário é fundamental para a constituição do gosto dos leitores

segundo Levin Schücking.1 Para o teórico, aquele que mais influência exerce é o que escreve

regularmente em certo periódico ou revista e consegue conquistar a confiança e o respeito do

público. A contribuição mais significativa para a evolução do gosto literário ocorre, conforme

o estudioso, quando o crítico não só resenha um livro, como também cita exemplos dele,

fazendo as vezes de editor. Assim, assume o papel de mediador que procura superar as

possíveis dificuldades de compreensão que uma obra possa oferecer ao leitor.

A concepção de Schücking faz sentido quando examinamos os textos críticos de

Machado de Assis, ainda tão pouco estudados. Estes foram publicados entre os anos de 1858 e

1906, com maior intensidade nas décadas de 60 e 70 do século XIX, nos periódicos Marmota

Fluminense, Correio Mercantil, O Espelho, Diário do Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias, O

Cruzeiro, Revista Brasileira, A Estação e Jornal do Comércio. Todavia, a preocupação do

escritor não se restringe apenas a orientar o gosto e a compreensão dos leitores: o autor de

Dom Casmurro vê, na crítica, instrumento imprescindível para o aperfeiçoamento e o

estabelecimento de uma literatura em formação, como era o caso da literatura brasileira.

Portanto, antes de se lançar à carreira de ficcionista, Machado de Assis já se ocupava em

apontar qualidades e defeitos das produções alheias, o que certamente contribuiu para fixar e

aprimorar os rumos da sua própria criação. Como explica Antonio Candido, “a crítica dos 1 SCHÜCKING, Levin L. El gusto literario. México: Fondo de Cultura Económica, 1950.

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criadores é muitas vezes programa; examinando outros escritores, procuram ver claro neles

mesmos; o que lhes desagrada é o que não fariam, e, ao defini-lo, são levados a definir as suas

próprias intenções”.2

Segundo José Veríssimo3, Wilson Martins4 e Afrânio Coutinho5, as manifestações

do pensamento crítico-literário no Brasil esboçaram-se no seio das academias literárias dos

séculos XVII e XVIII – surgidas no País por inspiração das mesmas instituições portuguesas,

que, por sua vez, seguiram o modelo das francesas, que foram criadas como resultado da

revolução renascentista. Entretanto, é a partir da primeira metade do século XIX, logo após a

independência do Brasil, com o surgimento do Romantismo e dos periódicos literários –

destaque para a Revista da Sociedade Filomática (1833), do grupo paulista de mesmo nome, a

Niterói, Revista Brasiliense (1836), do chamado Grupo Fluminense, liderado por Gonçalves

de Magalhães, a Minerva Brasiliense (1843-1845), sob o comando de Santiago Nunes

Ribeiro, a Revista Guanabara (1849-1856), lançada por Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de

Macedo e Manuel de Araújo Porto-Alegre e a Revista Popular (1859-1862), na qual se

distinguiu Joaquim Norberto de Sousa Silva –, que a crítica literária assume papel no País,

promovendo a discussão acerca da origem, da independência, da nacionalidade e da

originalidade da literatura brasileira, que também encontra lugar em prefácios de obras

lançadas no período.

Discutia-se, ainda, o critério de inclusão de um autor na literatura de um país

(local de nascimento, língua, onde escrevia), a periodização da literatura brasileira e, portanto,

a definição de seu início, bem como surgiam as primeiras tentativas de sua historiografia,

mediante o registro da produção literária brasileira em livros gerais de história, nos

2 CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5.ed. São Paulo: USP, 1975. v.2. p.363-364.

3 VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. 4 MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002. 5 COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. 2v.

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dicionários biográficos ou nas antologias de cunho didático, sobressaindo o Parnaso

brasileiro (1829), do Cônego Januário da Cunha Barbosa, o também intitulado Parnaso

brasileiro (1843), de Pereira da Silva, e o Florilégio da poesia brasileira (1850), de Francisco

Adolfo Varnhagen.6

Em meio a tais discussões, irrompe a querela entre portugueses e brasileiros: os

primeiros, representados por José da Gama e Castro, que escrevia no Jornal do Comércio,

afirmam que a literatura do Brasil era um ramo da portuguesa, em função de utilizar-se de sua

língua; os segundos procuram provar o contrário, como Santiago Nunes Ribeiro, na Minerva

Brasiliense, para quem “a literatura é nacional quando está em harmonia perfeita com a

natureza e clima do país e ao mesmo tempo com a religião, costumes, leis e histórias do povo

que o habita”.7 Assim, como explica Maria Eunice Moreira, “critério de natureza política, o

nacional converte-se em elemento privilegiado da literatura e da historiografia, ao se

apresentar como tema para a elaboração das obras e padrão estético para julgamento da

produção artística”.8

Embora ainda preocupada com a nacionalidade da literatura brasileira, a crítica

inspirada pelo naturalismo assume cunho diverso da romântica. Esta, além da já referida

busca da identidade nacional, também se caracteriza, como esclarece Afrânio Coutinho9, pela

interpretação da alma do artista, procurando penetrar sua intimidade consciente e

inconsciente, na qual estaria a fonte criadora (o gênio), cujos mistérios ficariam desvendados.

Portanto, a obra funciona como um meio de atingir o autor. Em nosso país, Álvares de

6 Antes deles, o francês Ferdinand Denis, em seu Résumé de l’histoire littéraire du Brasil, que, embora consista em um anexo ao Résumé de l’histoire littéraire du Portugal, foi o primeiro a analisar a produção dos artistas nascidos no Brasil como fenômeno independente de Portugal. Além disso, incentivou a autonomia literária do país mediante a busca da cor local, premissa que seria adotada pelos autores românticos brasileiros. 7 RIBEIRO, Santiago Nunes. Da nacionalidade da literatura brasileira. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. v.1. p.246. 8 MOREIRA, Maria Eunice. Nacionalismo literário e crítica romântica. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1991. p.196. 9 COUTINHO, Afrânio. Da crítica e da nova crítica. Rio de Janeiro; São Paulo; Bahia: Civilização Brasileira, 1957.

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Azevedo seria representativo dessa modalidade, o que se percebe pelos títulos de seus textos

críticos, a maioria nome de autores (Lucano, George Sand, Alfredo de Musset). A crítica de

orientação naturalista, por sua vez, assume caráter de método científico e baseia-se na crença

de que fatores ambientais condicionam a criação artística e, portanto, visa ao estabelecimento

de nexos causais entre a obra e o meio físico, racial e social, bem como entre a obra e a

personalidade do autor. O texto estudado seria um documento de tais fatores. Assim, ainda

conforme Coutinho,

procedeu-se a uma vasta revisão de valores e postulados que colocou em primeiro plano o pensamento ‘moderno’: as doutrinas positivistas, de Comte e Littré, o biologismo de Darwin, o evolucionismo de Spencer, o determinismo de Taine, a concepção historiográfica de Buckle, o monismo de Kant, Schopenhauer, Haeckel.10

Dessa forma, a crítica assume a tarefa de verificar o grau de fidelidade da arte à

realidade, pois, “quanto mais ‘verdadeira’, mais fiel ao ambiente, à realidade física e moral,

mais elevada seria” (ibidem, p.36).

Sílvio Romero, um dos principais representantes dessa vertente (ao lado de

Araripe Júnior e Capistrano de Abreu) afirma, em sua História da Literatura, que tinha como

objetivo escrever um trabalho naturalista, “munido do critério popular e étnico para explicar o

nosso caráter nacional”, não esquecendo “o critério positivo e evolucionista da nova filosofia

social” e buscando “notar as relações do Brasil com a humanidade em geral”.11 Pare ele, “tudo

quanto há contribuído para a diferenciação nacional, deve ser estudado, e a medida do mérito

dos escritores é este critério novo” (ibidem, p.56). O aspecto principal por onde se deveriam

apreciar as obras literárias e artísticas seria a relação destas com o meio político e social. No

seu entender, a expressão “literatura” compreende todas as manifestações de inteligência de

um povo e não apenas as “belas-letras” (ibidem, p.60). Inspirado em Taine, explica que a

10 COUTINHO, Afrânio (org.). A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio; EDUFF, 1986. v.3. p.24. 11 ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 5.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953. v.1. p.58. Incluímos as histórias da literatura brasileira de Sílvio Romero e José Veríssimo na presente investigação por considerar, como Afrânio Coutinho, que nelas está condensado o pensamento crítico de tais autores, que começou a ser delineado a partir da década de 1870.

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literatura seria a resultante de três fatores fundamentais: o meio, a raça – fatores primordiais e

permanentes – e as correntes estrangeiras – fator móbil e variável (ibidem, p.298). Entretanto,

Romero reconhece que tais fatores, todos de caráter geral, funcionariam “apenas como

agentes modificadores” de “alguma coisa de inicial, de primitivo, de fundamental, a

individualidade”, que consistiria em “elemento importantíssimo, um centro, uma soma de

energias, um núcleo de força e ação” (ibidem, v.4, p.1.236-1.237).

Diante dos postulados das críticas romântica e naturalista, Machado de Assis

escolhe traçar um caminho próprio, em postura análoga à que assumiu como romancista.

Entretanto, isso não significa que esteja alheio às discussões promovidas por críticos e

escritores da época, especialmente em relação à literatura brasileira. Além disso, apesar de

não empregar os métodos das doutrinas referidas, o autor apresenta pontos em comum com

aqueles que as defendiam, como demonstramos na presente investigação.

As ideias machadianas sobre a literatura são apresentadas em comparação às de

outros críticos do século XIX. Assim, buscamos compreender melhor a posição que o escritor

ocupa na crítica brasileira – isto é, em que medida legitima ou refuta as normas da literatura

vigente –, bem como os princípios que norteiam a sua produção literária, além de evidenciar

que, embora a sua ficção tenha seguido um caminho único na literatura brasileira, por vezes,

contrastante em relação aos preceitos dominantes na época, Machado de Assis não fica

indiferente às questões discutidas pelos escritores e críticos do século XIX, pois adota a

perspectiva de boa parte deles, buscando ampliá-la ou redefini-la.

Portanto, a tese defendida é a de que Machado de Assis, mediante o exercício da

crítica literária, tomou parte na discussão a respeito da literatura brasileira, que ganhou força

no século XIX, e dela se valeu para estabelecer os princípios que embasariam a sua produção

ficcional, especialmente na chamada fase madura, em que os romances Memórias Póstumas

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de Brás Cubas e Quincas Borba representam um resposta ficcional aos pressupostos do

Realismo/Naturalismo, ao qual o autor se opôs por ocasião da análise de O primo Basílio.

Antes de passarmos ao exame da produção crítica de Machado de Assis,

verificamos, no primeiro capítulo, de que maneira ela foi entendida pelos estudiosos que

procuram abordá-la tanto no conjunto da crítica literária brasileira como isoladamente.

Veremos que praticamente não houve, por parte dos críticos, o interesse de relacionar os

princípios defendidos por Machado de Assis com as ideias sustentadas por seus

contemporâneos, o que motivou a presente investigação.

No segundo capítulo, mostramos como Machado de Assis e seus coetâneos

concebem o mister do crítico e a importância desse ofício para a literatura. No terceiro,

tratamos da discussão a respeito da nacionalidade da literatura brasileira, tema que tanto

ocupou escritores e críticos durante o século XIX. No quarto, o foco recai sobre as

considerações machadianas a respeito das três formas literárias – poesia, drama e romance,

em estudos específicos sobre as obras de determinados autores. Por fim, no quinto capítulo,

procuramos sinalizar de que forma o exercício da crítica moldou a produção ficcional de

Machado de Assis no que concerne aos romances Memórias póstumas de Brás Cubas e

Quincas Borba, publicados após a crítica feita ao Realismo/Naturalismo mediante a análise

empreendida pelo autor no tocante ao romance O primo Basílio, de Eça de Queirós.

Consideramos que as duas narrativas materializam e reforçam o ponto de vista crítico de

Machado de Assis quanto ao movimento liderado por Émile Zola e às doutrinas a ele

relacionadas.

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1 MACHADO DE ASSIS NA CRÍTICA BRASILEIRA: COM A PALAVRA, OS

ESTUDIOSOS

Os estudos que focalizam a produção crítica de Machado de Assis são bem menos

numerosos do que aqueles que se ocupam da produção ficcional do escritor, sobretudo da

chamada fase madura. Figuram, em sua maioria, como parte de investigações que tratam da

crítica brasileira em geral e cujo principal objetivo é compilar e classificar os textos que

assumiram relevância para a crítica do País sem a preocupação de proceder a uma análise

mais aprofundada destes.12

Exemplo de tal postura está em A crítica literária no Brasil13, de Wilson Martins,

que apresenta um panorama da crítica nacional, adotando a classificação por famílias

espirituais e buscando desconsiderar o critério cronológico ao reunir, em um mesmo grupo,

escritores de épocas diferentes. O autor justifica esse procedimento afirmando que a vida

literária não é uma sucessão, mas uma coexistência. Eis as linhagens que propõe: gramatical,

humanística, histórica, sociológica, impressionista e estética.

Na primeira edição do livro (1952), Machado de Assis é incluído no segundo

agrupamento, caracterizado pela posse de espírito erudito, inclinado à investigação, e para o

qual o fenômeno literário apresenta natureza filosófica e a literatura consiste em instrumento

de conhecimento do homem. Segundo Martins, a linhagem humanística foi iniciada por

12 Não incluímos, neste capítulo, estudos que se valham da crítica literária de Machado de Assis como subsídio a outros temas. Portanto, abordamos somente os que têm a crítica como foco.

13 MARTINS, Wilson. A crítica literária no Brasil. São Paulo: Departamento de Cultura, 1952.

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Odorico Mendes, de quem o estudioso mais se ocupa, por considerá-lo um dos vultos mais

injustiçados da literatura brasileira. A referência ao autor de Memórias póstumas de Brás

Cubas restringe-se ao seguinte comentário: “Machado de Assis deixou na crítica, ao lado de

muitas páginas inexpressivas, uma excelente definição de nacionalismo em literatura e um

modelo de obstinada incompreensão, que é a sua crítica de O primo Basílio” (MARTINS,

1952, p.64).

Ao reformular e atualizar seu estudo em 1983 e depois em 2002, Wilson Martins o

transforma em dois volumes, procedendo a análises mais detidas de parte dos representantes

da crítica literária brasileira. Embora continue a defender o método de classificação por

famílias espirituais, não o aplica adequadamente, pois o texto do primeiro volume não está

articulado em torno desse conceito, o que se verifica em função da equivalência de subtítulos

como “Linhagem sociológica” e “Teoria e prática da crítica” e do fato de a maioria dos

críticos não ser classificada, ao longo do texto, de acordo com as famílias propostas, que são

abordadas de forma breve, especialmente na parte mais inicial do livro.

No segundo volume, há o agrupamento de escritores dentro das linhagens, mas

figurando, em sua maioria, apenas com o nome e o título de sua obra, em uma espécie de

estatística que segue a ordem cronológica de surgimento dos textos. A divisão das famílias

espirituais aparece também no “Quadro cronológico da crítica literária no Brasil” (linhagens

na horizontal e anos na vertical), apresentado no final do segundo volume, cujo critério é

discutível, pois os nomes dos críticos aparecem mais de uma vez em datas específicas, que

equivalem ao ano de publicação de seus textos (algo que o leitor precisa deduzir, pois não há

explicação nenhuma a respeito do quadro). Além disso, os nomes aparecem até mesmo em

caso de (re)edições póstumas, como o de Machado de Assis, que, além de figurar nos anos de

1865 (“Ideal do crítico”) e 1873 (“Notícia da atual literatura brasileira: instinto de

nacionalidade”), também aparece no ano de 1910, ao que tudo indica, em função do

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lançamento de Crítica literária, reunião feita por Mário de Alencar dos textos escritos pelo

autor de Dom Casmurro no gênero.

Machado de Assis é agora caracterizado como representante da linhagem estética

ou formalista, e seu texto “Ideal do crítico” é considerado a primeira conceituação específica

da crítica literária brasileira. “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade” é

abordado como elemento de contraposição às doutrinas de Sílvio Romero (apresentado como

expoente da linhagem sociológica), embora, para Wilson, ambos os escritores tivessem as

mesmas ideias centrais (especialmente no que tange a não considerar o indianismo como

expressão da nacionalidade), mas com enfoques diferentes. O estudioso toma a afirmação

feita por Machado de Assis de que a crítica literária no Brasil era quase inexistente como

provável motivo da “cega animosidade” do crítico sergipano em relação ao escritor carioca.

É preciso admitir que o texto de Wilson Martins, além dos problemas já

especificados, apresenta passagens em que os críticos, especialmente os menos significativos,

são mencionados em bloco, o que dificulta, algumas vezes, a identificação do nome a quem o

estudioso se refere, bem como parágrafos que carecem de um nexo que os relacione.

Ademais, uma vez que o próprio Wilson afirma que um mesmo escritor pode pertencer a mais

de uma linhagem e que o critério cronológico e o contexto histórico, ligados à noção de

gerações literárias, não podem ser totalmente descartados, pois considera que é “a família

espiritual predominante que caracteriza e identifica cada geração” (Martins, 2002, p.29), tal

classificação parece pouco justificável, principalmente pelo fato de o autor não ter agrupado e

nem relacionado os escritores em função das famílias que lhes atribuiu, seguindo,

contrariamente ao que se propusera, o critério cronológico. Entretanto, tais senões não

impedem que se reconheça a importância e o grande valor desse estudo de fôlego a respeito

da crítica literária brasileira, especialmente pela análise consistente que seu autor empreende

das ideias de boa parte dos críticos do País.

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Além de Wilson Martins, também Afrânio Coutinho figura entre os estudiosos

que se ocuparam da crítica literária brasileira, com mais de uma obra sobre o tema.

A literatura no Brasil foi obra publicada em quatro volumes, de 1955 a 1959,

ampliada para seis volumes na edição de 1968 a 1971, revista e atualizada em 1986, e contou

com a colaboração de vários estudiosos. Ao abordar a crítica do século XIX, Afrânio

Coutinho inclui Machado de Assis no volume em que trata da era romântica, embora deixe

claro que o autor de Quincas Borba não era um crítico tipicamente romântico, pois, “como em

tudo mais, superou as limitações e características de qualquer escola ou movimento”

(COUTINHO, 1986, v.3, p.340). Entretanto, Coutinho considera que “o código crítico do

Romantismo, no seu aspecto nacionalista, empreendido no Brasil ao longo de quatro décadas,

atinge o ponto culminante no ensaio de Machado de Assis, ‘O instinto de nacionalidade’”

(ibidem). O estudioso aponta, de forma breve, ao tratar dos críticos Santiago Nunes Ribeiro,

Joaquim Norberto de Sousa e Silva, Macedo Soares e José de Alencar, os pontos defendidos

por estes que foram retomados por Machado de Assis em “Notícia da atual literatura

brasileira: instinto de nacionalidade”, especialmente no que se refere à noção de “sentimento

íntimo”, que o autor de A mão e a luva julgava ser o que caracterizava a nacionalidade de um

escritor.

Segundo Afrânio Coutinho, Machado de Assis possuía uma doutrina, um código

de valores, um sistema de critérios estéticos, à luz dos quais julgava as obras, depois de

analisá-las, isto é, sua concepção crítica seria de ordem estética, de fundo clássico, oriunda da

Poética de Aristóteles. Para o estudioso,

situando-se na encruzilhada entre Romantismo e Realismo, Machado de Assis, como crítico, colhendo nas teorias estéticas de ambas as escolas aquilo que têm de útil, e somando-as aos princípios eternos da arte literária, criou uma doutrina altamente seminal, ainda hoje válida, graças à independência e superioridade com que se situou. Sua teoria e sua prática encontram-se no mesmo grau de excelência (ibidem, p.344).

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Nesse texto, Afrânio Coutinho procede, mesmo que de forma superficial, à

aproximação entre a crítica machadiana e a de alguns de seus contemporâneos, demonstrando

a evolução do pensamento crítico da época, especialmente em função da nacionalidade da

literatura. Além de investigarmos de forma mais profunda essa relação, veremos que não é só

em tal aspecto que as ideias de Machado de Assis se ligam às de seus coetâneos e que não

eram apenas as questões estéticas que ocupavam a sua pena.

Em Crítica e críticos14, Afrânio Coutinho reúne textos que veiculou no periódico

carioca intitulado Diário de Notícias, entre os anos de 1948 e 1965, nos quais discute os

problemas da crítica brasileira, defendendo, de maneira exaustiva, a necessidade de uma

doutrina intrínseca de estudo da literatura, que privilegiasse o caráter estético das produções,

sem se restringir a aspectos históricos, políticos e sociais.15

Nas pouco mais de cinco páginas que dedica a Machado de Assis, Coutinho

comenta a crítica feita pelo escritor aos romances O crime do padre Amaro e O primo Basílio,

de Eça de Queirós. Ressalta a precisão com que o autor aponta as falhas dos textos,

resultantes da subordinação ao movimento realista, bem como a originalidade do escritor

brasileiro, que, em meados do século XIX, defendia princípios estritamente literários e

estéticos. Em seguida, o estudioso lamenta a decisão do autor de Quincas Borba, que preferira

adaptar-se à sociedade aristocrática, abandonando o exercício de exame das obras alheias e

reservando “o agudo espírito crítico para a análise geral dos homens e da vida” (COUTINHO,

1969, p.198). Por fim, Coutinho louva a justeza de juízo e de análise e a validade de “Notícia

da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”, na qual Machado indica as qualidades

e defeitos da literatura nacional, apontando os caminhos para a sua evolução.

14 COUTINHO, Afrânio. Crítica e críticos. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1969. 15 No artigo intitulado “O demônio da cronologia”, em que se defende de acusações feitas por Wilson Martins, que afirma que o autor de Crítica e críticos se mostra avesso à cronologia, Coutinho considera como improfícua a tentativa de Martins de fazer o estudo da crítica brasileira estabelecendo abstratas famílias de espírito independentes da cronologia, presente em A crítica literária no Brasil.

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O texto publicado por Machado de Assis em 1873 assume posição de destaque em

A tradição afortunada16, também de Afrânio Coutinho, que aborda a formação e o

desenvolvimento do instinto de nacionalidade na crítica brasileira do século XIX. O estudioso

procura pôr em relevo homens que, na sua opinião, foram responsáveis pela tomada de

consciência da autonomia, integridade e originalidade do pensamento nacional, “criando, ao

mesmo tempo, a tradição afortunada que é a ideia-força mais importante de sua literatura”

(COUTINHO, 1968, p.xxiv).

A Machado de Assis é dedicado o primeiro capítulo do livro, em que Coutinho

apresenta os principais pontos de “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de

nacionalidade”, ensaio considerado pelo estudioso uma das obras-primas do pensamento

crítico brasileiro por revelar extraordinário espírito crítico e maturidade de visão

impressionante. Coutinho afirma que, antes de atingir tal estágio, a crítica brasileira percorrera

longa jornada na busca da clarificação conceitual exposta no ensaio do autor de Iaiá Garcia.

A recuperação dos diversos caminhos que levaram a essa conquista compõem o restante do

texto de Coutinho.

O estudioso inicia seu panorama com Francisco Adolfo Varnhagen, caracterizado

como o fundador da historiografia literária brasileira, e termina com José Veríssimo, passando

por nomes como Ferdinand Denis, Gonçalves de Magalhães, Santiago Nunes Ribeiro,

Joaquim Norberto, José de Alencar, Sílvio Romero, Araripe Júnior, Capistrano de Abreu,

entre outros.

Dentre os temas destacados por Coutinho e que foram motivo de debate e até de

polêmica no tocante à literatura brasileira entre os críticos citados, estão: origem,

independência, nacionalidade, originalidade, periodização.

16 COUTINHO, Afrânio. A tradição afortunada: o espírito de nacionalidade na crítica brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.

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Apesar de atribuirmos considerável importância ao trabalho de Afrânio Coutinho,

parece-nos que nele faltou realizar uma maior conexão do texto de Machado de Assis – que

inicia o estudo e é apontado como uma espécie de ponto de chegada em relação à discussão

em torno da nacionalidade da literatura brasileira – com os demais textos que o precederam ou

lhe foram contemporâneos. Atribuímos a tal relação fundamental importância para sinalizar

de que forma as ideias vigentes sobre a literatura foram acatadas, reformuladas ou refutadas

pelo autor de Quincas Borba, tarefa que buscamos assumir no presente estudo.

Outro trabalho de Afrânio Coutinho que merece destaque é Caminhos do

pensamento crítico (op.cit.), que, idealizado em oito volumes, teve apenas os dois primeiros

lançados.17 O estudioso apresenta uma espécie de antologia da crítica literária brasileira, em

que também não há o intuito de relacionar os textos e autores, exceto em função dos

agrupamentos em que foram divididos.

Machado de Assis figura no primeiro – “Que é ser brasileiro?” – juntamente com

Gonçalves de Magalhães, Santiago Nunes Ribeiro, Gonçalves Dias, José de Alencar, João

Salomé Queiroga, Macedo Soares, Adolfo Varnhagen, Álvares de Azevedo, Bernardo

Guimarães, Sílvio Romero e Oswald de Andrade. Como o próprio título indica, trata-se de um

capítulo que abrange nomes que debateram a nacionalidade e a autonomia da literatura

brasileira. O texto do autor de Dom Casmurro é “Notícia da atual literatura brasileira: instinto

de nacionalidade”. O nome de Machado de Assis figura ainda naquele que constituiria o

sétimo volume – “A literatura como estrutura estética” –, ao lado de João Ribeiro, Henrique

Abílio e Mário de Andrade.

17 São eles: I - Que é ser brasileiro?; II - Abordagem histórico-cultural; III - O culto da forma; IV - As heranças da tradição; V - Impressionismo; VI - Literatura e ideias morais; VII - A literatura como estrutura estética; VIII - A poesia como crítica.

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Ao contrário do que fizeram os estudiosos supracitados, José Aderaldo Castello,

em artigo datado de 1952 e publicado pela Revista de História de São Paulo18, ocupa-se

exclusivamente do crítico Machado de Assis. Garante que, por meio de depoimentos,

correspondência, ensaios estéticos ou páginas de crítica, é possível distinguir preciosos

elementos que ajudam a conhecer um escritor. Tal seria o caso do autor de Ressurreição.

Castello detém-se nos principais pontos defendidos por Machado de Assis em “O

ideal do crítico”, no qual considera ser possível identificar a exposição sistemática do

pensamento próprio do escritor sobre as qualidades e a função do crítico, sem preocupação de

doutrina. O ensaísta reconhece que o escritor conseguiu, de modo geral, cumprir o papel que

ele mesmo delegara à crítica e sublinha a importância de tal exercício como ponto de partida

para o estudo de sua obra. Segundo Castello, ao criticar e orientar outros autores, Machado

traçou para si mesmo um programa de trabalho literário. Sabendo compreender e aproveitar as

tendências literárias conhecidas até sua época, o autor de A mão e a luva tornou-se “escritor

de individualidade bem definida por si só capaz de criar entre nós uma tradição literária,

tradição de feição essencialmente brasileira e ao mesmo tempo universalista” (CASTELLO,

1952, p.128).

O estudo mais abrangente sobre a produção crítica de Machado de Assis é da autoria

de Stélio Furlan. Em Machado de Assis, o crítico19, o estudioso se propõe a investigar essa

faceta do autor de Dom Casmurro como uma tentativa de definição teórica da crítica literária

no Brasil.

Furlan detém-se nos primeiros ensaios críticos de Machado de Assis – que coincidem

com o fastígio do Segundo Reinado e rareiam com a crise do regime imperial que se instala a

partir do início da década de 1870 – a fim de investigar a contiguidade entre o esforço de

18 CASTELLO, José Aderaldo. O ideário crítico de Machado de Assis. Revista de História. São Paulo, n.11, ano III, p.93-128, jul-set 1952. 19 FURLAN, Stélio. Machado de Assis, o crítico. Enigma de um rio sem margens. Florianópolis: Momento Atual, 2003.

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engendração de um ideal de arte e de crítica e uma certa acepção de cultura esteada numa

noção de “civilização”. É também seu objetivo verificar como o poeta e/ou romancista

dialogam com o crítico, uma vez que, para Furlan, a crítica é uma atividade criadora que

mantém relação estreita com a literatura e que, como esta, traduz a representação de uma

concepção geral da existência. O estudioso considera que, na textualidade machadiana, entre a

crítica e a criação, existe uma relação de sobredeterminação.

Stélio Furlan identifica os procedimentos que Machado de Assis expõe como

essenciais à prática crítica e considera que esta, para o autor, configura-se como uma práxis

discursiva e social, não apenas limitada a analisar a forma como a literatura representa o

mundo, mas também empenhada na criação de novas subjetividades, na afirmação de certo

tipo de gosto ou senso e na produção do real. Dessa forma, a crítica procura auxiliar a

construção da ideia de nação – principalmente por fazer certa resistência à “servil imitação”

dos modelos da cultura eurocêntrica – e buscar a independência da literatura brasileira por

meio de uma espécie de descolonização do pensamento crítico e das práticas culturais.

Portanto, o estudioso explica que, por um lado, a crítica machadiana assume a condição de

instrumento para alterar o quadro aflitivo da literatura em meados do século XIX e promover

a nacionalização da vida cultural; por outro, prima pelas leis poéticas, investindo na

interpretação e na análise de elementos estéticos, como a ordem da narrativa e a construção

das personagens.

Ao abordar o exercício de crítica realizado por Machado de Assis, Stélio Furlan

menciona, como espécie de esboço deste, a crônica. Segundo o estudioso, nela é possível

vislumbrar elementos que constituirão eixos do corpus crítico construído posteriormente,

como a valorização da alteridade e o desejo de nação, que se reveste de um sentimento íntimo.

Furlan esclarece que a crônica continha a menção de obras e a manifestação das expressões do

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cronista, também possuindo uma missão e assumindo a tarefa de animar os estreantes, mas era

à crítica que cabiam as análises de maior fôlego.

Stélio considera que a crítica exercida por Machado de Assis dessublima o “centro”

(no sentido canônico etnocêntrico) ante o hierárquico processo entranhado na sacralização de

autores e obras, bem como busca reconfigurar as margens pela ênfase na elevação das

produções locais. Portanto, Machado adota postura menos vassala e de maior deliberação e

não reduplica as relações injustas que compartimentam a sociedade, resistindo aos

estereótipos acerca da condição latino-americana pela crítica ao imperialismo cultural. Assim,

conforme Furlan, a lógica que entra em cena não é a da destruição, mas a de uma

suplementação, que aponta para processos de hibridação suplementar do cânone, à medida

que o abre às diferenças que se inscrevem no campo cultural, proporcionando maior

visibilidade à produção local. Portanto, segundo Furlan, é no espaço das pluralidades de

cruzamentos de cânones que Machado se move. Tal atitude implica a instauração de um

processo de significação voltado para o reconhecimento da diferença, e não simplesmente

para a reduplicação de marcos etnocêntricos. Dessa forma, o estudioso afirma que a crítica

machadiana aponta, já em meados do século XIX, para a manifestação de um pensamento da

devoração crítica do legado cultural universal, que não se incrusta para ornato, mas devora

para nutrição.

Assim, segundo Furlan, o inteligível construído pela crítica machadiana não se volta

apenas para o literário, mas identifica-se no fazer de um ideal de arte, funcionando como

espécie de collage, em que há uma operação discursiva que busca a produção de sentido

mediante recortes diversos, uma maneira de armar, dobrar e desdobrar capaz de produzir

percepções. Em função de tal processo, o estudioso aponta para a impossibilidade de

classificação da crítica machadiana, uma vez que ela incorpora elementos de diferentes pontos

de vista, o que tornaria preferível considerá-la híbrida e vislumbrá-la pelo prisma da atopia.

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Furlan acrescenta que, no molho machadiano, a cordialidade, associada à questão da

tolerância, torna-se contígua à noção de alteridade, sobretudo no que tange ao ideal de

sociabilidade, no qual as diferenças não se diluem em nome de uma homogeneidade arbitrária

e redutora. Portanto, Stélio Furlan identifica em Machado de Assis um escritor que, ao romper

com perspectivismos monológicos, foi capaz de dar maior visibilidade à crítica da literatura e

da cultura brasileira em meados do século XIX, por meio da maneira contrapontística de

investigar e aprender com as diversas vertentes então em voga, suplementando-as.

Stélio Furlan explica que, a partir de 1879, o crítico Machado de Assis silencia, mas os

ecos de sua voz passam a integrar uma fala oblíqua e autorreflexiva veiculada pelo texto

literário. Com a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, a crítica, segundo o

estudioso, desdobra-se e perpassa a atividade ficcional, emergindo tanto como reflexão e

problematização sobre o próprio processo de escritura, quanto como leitura do seu tempo e

país, impregnada pela disposição anímica de um ironista sutil. Dessa forma, o trabalho crítico

assume a condição de operação intelectual na qual convergem a pessoa do crítico, a

particularidade dos objetos culturais, especialmente os literários, sua operatividade,

autonomia e a resistência que opõem à leitura e ainda o público em potencial.

Furlan propõe-se a identificar certa correspondência daquilo que no ideário crítico

machadiano figura como atributo do “belo”, do “bom gosto” e que, portanto, torna-se

estratégia discursiva (valor) para a assunção de textos aceitáveis, com a produção ficcional do

próprio autor. São tomados como objeto de investigação, juntamente com os ensaios de crítica

literária, prefácios, advertências, crônicas, contos, poemas e romances. Dessa forma, quanto à

produção romanesca, o estudioso explica que a prática crítica impregnou-se nela, chegando a

antecipá-la ou a revelar-lhe o propósito, o que aponta para a presença da autoconsciência

crítica do escritor.

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O trabalho de Stélio Furlan trouxe ao estudo da crítica machadiana uma perspectiva

inovadora que permite vislumbrar a importância que essa faceta do autor de Dom Casmurro

assumiu tanto para a literatura brasileira quanto para a própria trajetória do ficcionista.

Entretanto, Furlan também não se detém especificamente na relação entre as ideias defendidas

por Machado de Assis e as de seus antecessores ou contemporâneos brasileiros (apenas faz

algumas indicações especialmente em notas de rodapé), algo que consideramos de grande

importância e que pretendemos realizar neste estudo, procedendo a uma espécie de

suplementação (para usar o termo empregado por Furlan) das ideias daqueles que até então se

ocuparam do tema.

Portanto, devemos ressaltar que todos os textos anteriormente referidos assumem o

caráter tanto de base como de balizas para a caminhada que pretendemos realizar a fim de

contribuir para os estudos (ainda escassos) que põem em evidência a produção crítica de

Machado de Assis.

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2 O IDEAL DO CRÍTICO: A IMPARCIALIDADE

O exercício da crítica no século XIX estava intimamente ligado aos jornais e

revistas, que eram o principal veículo desse tipo de atividade. Uma vez que boa parte dos

textos literários (poesia, romance, conto) era traduzida ou diretamente publicada sob a forma

de folhetim, era natural que os juízos acerca dela também figurassem nas páginas dos

periódicos. Assim como acontecia com os textos ficcionais, também os escritos de crítica

literária eram reunidos e publicados em livro mais tarde, prática adotada, por exemplo, por

Sílvio Romero e José Veríssimo.

Todavia, como explica Afrânio Coutinho (1957), na época, não havia diferença

entre crítica e resenha (reviewing), em que a primeira designa um estudo avaliativo sobre um

texto que o leitor já conhece e assume certa condição de “última palavra” a respeito da obra,

ao passo que a segunda contém informações veiculadas em jornais, relativas ao lançamento de

livros e, portanto, dá ao leitor que não conhece a obra uma primeira impressão a respeito dela.

Como esclarece Luiz Roberto Cairo, “o aspecto noticiário da crítica foi importante, pois à

medida que informava o público, germinava a curiosidade que o conduziria à leitura da obra

e, caso isto não acontecesse, assegurava, até certo ponto, o conhecimento da obra que estava

sendo analisada”.20

Machado de Assis, embora não faça nomeadamente uma distinção entre as duas

formas de apreciar um texto literário, mostra, em “O ideal do crítico”, publicado em 1865 no

20 CAIRO, Luiz Roberto. O salto por cima da própria sombra. O discurso crítico de Araripe Júnior: uma leitura. São Paulo: ANNABLUME, 1996. p.51.

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Diário do Rio de Janeiro21, que a sua concepção de crítica se aproxima da que hoje

entendemos como tal (isto é, a de estudo avaliativo). O autor expõe, como indica o título do

texto, quais seriam, na sua opinião, as qualidades e a função do crítico literário, que, a seu ver,

não eram desempenhadas por aqueles que assumiam tal encargo. Considera que a crítica no

Brasil, desamparada pelos esclarecidos, era exercida pelos incompetentes, tornando-se,

portanto, incapaz de auxiliar os escritores no aprimoramento de seus textos, tarefa que

considera primordial. Segundo José Veríssimo, em “A nossa vida literária” (Estudos

brasileiros, 1877-1885), ela estava “reduzida a notícias de jornais de uma adjetivação

hiperbólica, de exorbitante encômio ou de exagerado vitupério, consoante os sentimentos que

a inspira[va]m”.22

Machado de Assis aponta as três chagas da crítica – o ódio, a camaradagem e a

indiferença – e sugere que sejam substituídas pela sinceridade, a solicitude e a justiça, a fim

de que se pudesse ter “uma grande literatura”. Em vez de resumir o julgamento de uma obra

em duas linhas “cujas frases já o tipógrafo as tem feitas” – o que podemos considerar

semelhante a uma resenha, que se concentra mais em uma espécie de resumo do texto e cujo

julgamento, quando existe, muitas vezes, não é fundamentado – o crítico precisaria meditar

profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção. Deste modo, as conclusões do crítico servem tanto à obra concluída como à obra em embrião. Crítica é análise – a crítica que não analisa é a mais cômoda, mas não pode pretender a ser fecunda.23

Por essa definição, é possível perceber que o escritor não adere a nenhuma das

correntes críticas que predominam na época, isto é, a romântica e a naturalista, uma vez que

21 Nesse periódico carioca, Machado de Assis redigiu as seções: Revista Dramática, Comentários da Semana, Conversas Hebdomadárias, Ao Acaso, Semana Literária e Cartas Fluminenses. Para subscrevê-las, usou, além da assinatura e das iniciais, os pseudônimos Gil, Job e Platão. Esta e as demais informações sobre os periódicos em que Machado de Assis publicou seus textos foram extraídas de ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Machado de Assis. Disponível em: < http://www.machadodeassis.org.br > Acesso em 15 jan. 2008. 22 VERÍSSIMO, José. A nossa vida literária. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1977. p.151. 23 ASSIS, Machado de. O ideal do crítico. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.812.

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preconiza a aplicação das leis poéticas para o estudo do texto (considerando-o em sua

especificidade, e não como instrumento para entender o autor ou o meio social em que fora

produzido), o que remonta aos pressupostos aristotélicos, valorizados durante o século XVIII,

quando o neoclassicismo “tentava descobrir os ‘princípios’, ou ‘leis’, ou ainda ‘regras’ da

literatura, da criação literária, da estrutura da obra de arte literária e da reação do leitor”.24,25

Portanto, se tomarmos a distinção feita por Capistrano de Abreu entre os dois métodos de

crítica existentes em literatura – o método qualitativo e o método quantitativo –, devemos

considerar que Machado de Assis adota o primeiro, que “considera o produto e fixa-lhe o

valor apelando para uma idealidade”, ao passo que a crítica naturalista privilegia o segundo,

pois “considera o processo, o característico, os antecedentes da realidade”. No entender de

Capistrano, “um julga; outro define. Aquele procura a beleza e a perfeição; este procura o

estado psíquico e social”.26

Sílvio Romero também se preocupa em definir o seu conceito de crítica. Para ele,

tal ofício não era uma ciência, mas sim “um processo, um método, um controle, que se deve

aplicar às criações do espírito, em todos os ramos de sua atividade” (ROMERO, 1953, v.1,

p.371). Entretanto, entende que escrever um estudo acerca de um poeta ou de um romancista

ou de um dramaturgo seria assumir o papel de esteta, que faz estoliteratura, enquanto analisar

os estudos dos outros a respeito é que seria fazer crítica. Esta, portanto, na sua opinião, é

aplicada não diretamente aos fenômenos ou fatos quaisquer da natureza ou da sociedade,

24 WELLEK, René. História da crítica moderna: século XVIII. São Paulo: Herder; Universidade de São Paulo, 1972. v.1. p.11. 25 Também o francês Ferdinand Brunetière, cuja produção crítica inicia na década de 1870, afirma que a crítica deveria focalizar as obras em si mesmas, e não a alma de seu autor ou o background social, pois entende que uma obra de arte não é um sinal, um testemunho, uma fiel imagem do que o autor era na realidade. Aponta a necessidade de distinguir o estudo da literatura daquele de biografia, psicologia, sociologia e outras disciplinas (WELLEK, René. História da crítica moderna: 1750-1950. São Paulo: Herder; Universidade de São Paulo, 1972. v.4). 26 ABREU, Capistrano de. A literatura brasileira contemporânea. In: _____. Ensaios e estudos: crítica e história. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. v.1. p.37.

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tarefa que caberia à ciência, mas sim às vistas, teorias, doutrinas, interpretações que de tais

fatos deram os que deles se ocuparam (ibidem, p.83).

Ao definir a crítica como um controle, Romero aproxima-se da ideia de Machado

de Assis no que concerne ao papel que esse ofício assume: contribuir para a compreensão e o

aperfeiçoamento das “criações do espírito”. No entanto, entra em contradição, pois, sendo a

obra de um poeta, romancista ou dramaturgo uma criação do espírito, não pode ser igualada a

um fenômeno da natureza (como queriam os naturalistas) e, portanto, também consiste em

objeto da crítica. O que Romero considera como crítica literária é, na verdade, metacrítica,

isto é, a crítica da crítica.

Todavia, o que se percebe é que, enquanto, para Machado de Assis, a crítica

deveria focalizar o texto, isto é, seus atributos estéticos, sem se preocupar em relacioná-lo à

personalidade do escritor e ao seu meio, para Romero, a crítica (ou estoliteratura, como ele

preferia) deveria abordar o conjunto das obras de um escritor para que se pudesse buscar seu

significado geral dentro do movimento espiritual do país, isto é, “descortinar o homem através

do livro e a sociedade através do homem”.27 É o que se propõe a fazer em Machado de Assis:

estudo comparativo de literatura brasileira (1897), com imparcialidade e “sem preocupações

nem rancores” (ibidem, p.32), embora seu principal objetivo pareça ser o de comprovar o que,

para ele, consiste na superioridade do incompreendido Tobias Barreto, representante da poesia

condoreira, sobre o demasiadamente festejado autor de Dom Casmurro.28

27 Romero, Sílvio. Machado de Assis: estudo comparativo de literatura brasileira. Campinas: Unicamp, 1992. p.79. 28 Apesar de considerar que o humorismo e o pessimismo de Machado de Assis não estão de acordo com sua índole calma e equilibrada, não passando, portanto, de um capricho, uma afetação, uma imitação pouco hábil de vários autores ingleses, e que o estilo do escritor deixa a impressão de um tartamudear como resultado de uma lacuna nos órgãos da palavra, Sílvio Romero tem o mérito de lançar noções que, mais tarde, seriam defendidas pelos estudiosos de Machado de Assis. São elas: as características presentes na chamada “fase madura” do escritor já estavam em germe em seus primeiros textos, isto é, não há um “abismo” entre as obras lançadas antes e as publicadas depois de Memórias póstumas de Brás Cubas, como acreditavam alguns; as qualidades de observador de costumes e de psicologista, em que dá entrada a cenas do viver pátrio, usos e sestros sociais, permitem avaliar as obras do escritor segundo o critério nacionalista (a ideia de nacionalidade de Sílvio Romero será abordada no próximo capítulo). Cumpre salientar que Romero, aos poucos, foi modificando a sua opinião a respeito de Machado de Assis. No texto “Sobre Machado de Assis e Luís Delfino”, de 1882, considera o autor

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Ainda quanto à concepção do termo “crítica” para Romero, é interessante que o

próprio autor menciona a etimologia da palavra, que está ligada à ideia de apreciação,

julgamento. Entretanto, em sua exposição, toma o vocábulo no mesmo sentido que Machado,

isto é, considerando-a como análise. Esta, certamente, é necessária à crítica, mas não pode ser

tomada como seu sinônimo, pois é possível fazer uma análise de texto literário sem, todavia,

proferir um julgamento a respeito. É claro que Machado de Assis não ignorava essa condição,

pois, em suas produções críticas, sempre procurava emitir um julgamento dos textos que

examinava. A sua ênfase na análise se justifica em função de considerar que essa etapa, tão

importante para a crítica, era negligenciada por aqueles que a tomavam por ofício.

Assim, para o autor de Quincas Borba, o crítico deveria unir ciência e

consciência, reproduzindo unicamente os juízos desta, sem se deixar persuadir pelo interesse

do ódio ou da adulação. De tais condições primordiais, o escritor afirma derivarem outras:

ð a coerência – sem a qual as sentenças proferidas perdem o vislumbre da autoridade;

ð a independência – tanto da vaidade alheia quanto da sua;

ð a imparcialidade – arma contra a insuficiência dos amigos e a favor da solicitude pelo

mérito dos adversários;

ð a tolerância – mesmo no terreno das diferenças de escola, a fim de que, por exemplo, a

preferência pela escola romântica não leve à condenação das obras oriundas da tradição ou

da modernidade;

ð moderação e urbanidade na expressão – melhor e mais eficaz meio de convencer;

ð perseverança.

A imparcialidade e a tolerância no terreno das diferenças de escola haviam sido

reivindicadas pelo francês Émile Adet, em “Da arte dramática no Brasil” (Minerva

como “bolorento pastel literário” que não segue as ideias nem de velhos nem de moços por não compreendê-las. Por outro lado, em 1901, ao falar do volume póstumo Poesias completas, afirma que, embora, como poeta, Machado de Assis seja de ordem secundária, considera-o como um dos três maiores romancistas (ao lado de José de Alencar e Franklin Távora) e um dos melhores prosadores do país. (ROMERO, Sílvio. Estudos de literatura contemporânea. Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2002).

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Brasiliense, 1844) quanto ao proceder do Conservatório Dramático (instituição que, como

veremos, seria tema dos textos críticos de Machado de Assis sobre o teatro). Eis o que afirma

Adet: “seja o Conservatório Dramático, chamado a pronunciar sobre uma porção das obras

que sobem à cena, judicioso e sem parcialidade; que sobretudo, aferrados exclusivamente a

uma escola, não tenham seus membros por sistema aceitar ou rejeitar tudo quanto pertence a

uma ou outra; enfim, sejam sempre movidos pela razão sã, e nunca pela paixão”.29

Araripe Júnior, em “Dois grandes estilos”, manifesta opinião semelhante quanto à

moderação e à urbanidade na expressão, ao afirmar que “o murro e a espada não são

admitidos em crítica literária, que é a arte da paz, e não da guerra; e o gosto – o bom gosto –

não se forma ao estourar de um canhão, que retrai o riso e, produzindo o medo, inibe toda a

manifestação artística”.30 Entretanto, considera que, “na apreciação de um trabalho que não

seja matemático, se fará sentir, inevitavelmente, a equação pessoal de cada um” (ibidem), isto

é, “use o crítico, portanto, dos mais aperfeiçoados critérios analíticos de que dispuser, no fim

de contas, o seu ponto de partida há de ser esse estado de consciência personalíssimo”.31

Dessa forma, para ele, a imparcialidade é algo impossível em crítica literária, principalmente

se considerarmos que tal atividade requer um julgamento, uma tomada de posição, o que,

portanto, inviabiliza a isenção.

Todavia, a defesa da imparcialidade por Machado de Assis não significa eximir-se

de expressar uma opinião sobre o texto, mas sim julgá-lo sem se deixar influenciar pela

amizade ou antipatia, algo comum na época: fazer elogios aos textos dos amigos e maldizer os

dos inimigos, tornando a crítica um instrumento a serviço da adulação ou do ódio. Além

disso, segundo José Veríssimo, alguns críticos, cuja apreciação era “louvaminheira e

29 ADET, Émile. Da arte dramática no Brasil. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001.p.342. 30 ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. Dois grandes estilos. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa,1966. v.4. p.242. 31 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. A carne por Júlio Ribeiro. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1960. v.2. p.118.

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derramada em impertinentes considerações gerais”, acreditavam que “o louvor, ainda

indiscreto, seria estímulo bastante ao fomento das nossas letras” (VERÍSSIMO, 1954, p.336)

e, assim, acabavam faltando “à sua tarefa de educar o público”. No caso das críticas

desfavoráveis, era comum o texto acabar se transformando em pretexto para o ataque pessoal

entre os contendores das famosas polêmicas literárias. Entre os mais célebres exemplos,

podemos citar duas polêmicas em que José de Alencar tomou parte: a primeira como crítico e

a segunda como criticado.

Por ocasião do lançamento, em 1856, do poema A confederação dos Tamoios, de

Gonçalves de Magalhães, José de Alencar, adotando o pseudônimo Ig, escreve no Diário do

Rio de Janeiro, no qual ocupava a posição de redator-chefe, as “Cartas sobre A confederação

dos Tamoios”, buscando, como ele próprio explicou, dar causa “a uma dessas polêmicas

literárias, que tem sempre a vantagem de estimular os espíritos a produzirem alguma coisa de

novo e de bem”.32

Em sua análise, Alencar antecipa a postura defendida por Machado de Assis, isto

é, procura aplicar ao texto as leis poéticas, no que é bastante severo, principalmente ao

examinar a composição dos versos, chegando a questionar se é possível chamar poeta “a um

homem que, usando da linguagem sem arte, que, desprezando todas as belezas do estilo, como

fez o Sr. Magalhães, apresenta-nos milhares de versos sem harmonia, sem cadência, sem

metrificação”. Acrescenta que o autor “não escreveu versos; alinhou palavras, mediu sílabas,

acentuou a língua portuguesa à sua maneira, criou uma infinidade de sons cacofônicos e

desfigurou de um modo incrível a sonora e doce filha dos Romanos, poetizada pelos Árabes e

pelos Godos” (in: MOREIRA; BUENO, 2007, p.XIIV). Considera que a poesia de Magalhães

32 In: MOREIRA, Maria Eunice; BUENO, Luís (orgs.). A confederação dos tamoios: edição fac-similar seguida da polêmica sobre o poema. Curitiba: UFPR, 2007. p.LXXXVII.

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não está à altura do assunto que escolhera. Compara trechos do poema aos de clássicos como

Homero, Virgílio e Dante para mostrar a inferioridade da composição do poeta.33

Ao analisar algumas metáforas que têm como tema animais típicos do Brasil,

Alencar discorda de sua escolha como representantes da fauna nacional e chega a propor

alternativas, certamente motivado pelo trabalho que empreendia para compor o romance que

lhe traria reconhecimento e seria lançado em folhetim no ano seguinte: O Guarani. É como

se, mediante as críticas feitas ao texto de Gonçalves de Magalhães, o escritor preparasse o

terreno para a sua obra, que seria a concretização dos princípios defendidos por ele em suas

“cartas”. Embora as tenha censurado no livro sobre Machado de Assis, Romero admite, na

História da literatura brasileira, que são “uma espécie de manifesto em que se acha o credo

literário do nosso grande romancista e dramaturgo; são a sua profissão de fé e constituem o

ponto mais elevado a que atingiu entre nós a crítica no período do romantismo” (1954, v.5.

p.1.582).

Dentre os defensores de Gonçalves de Magalhães, está Manuel de Araújo Porto-

Alegre (que dez anos depois, também seria o autor de um poema épico, “Colombo”, analisado

por Machado de Assis). O escritor rebate todas as críticas de Alencar em textos publicados

com o pseudônimo “o amigo do poeta” no Correio da Tarde e no Jornal do Comércio. Acaba

incorrendo em ofensas, como quando diz que “as obras de grande volume não podem ser

avaliadas nem aferidas por pigmeus contemporâneos, que medem tudo pelos seus palmos”.

Justifica-se afirmando que, se em suas cartas, “não ressumbrou sempre aquele respeito e

urbanidade devidos ao homem letrado, foi por uma consequência necessária. O homem que

diz: quebraria a minha pena, se escrevesse uma tal obra, demite-se do direito que lhe cabe, e

não pode exigir nem respeito nem acatamento” (in: MOREIRA; BUENO, 2007, p.XCVII-

33 A severidade da crítica de Alencar é censurada por Sílvio Romero, que a classifica de absolutista e dogmática, oriunda da retórica aristotélica (ROMERO, 1992, p.263). Também José Veríssimo a desmerece ao afirmar que consiste em “mera censura impressionista, frequentemente desarrazoada, de inspiração demasiado pessoal, dos defeitos do poema de Gonçalves de Magalhães” (VERÍSSIMO, 1954, p.201).

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XCVIII). “O amigo do poeta” acusa o “Sr. Ig” de ferir o protegido por não poder ferir o

protetor, em uma referência a Dom Pedro II, que também participa da polêmica.

O imperador escreve cartas em defesa do poema de Gonçalves de Magalhães, no

Jornal do Comércio, mas, em nenhum momento, leva a discussão para o lado pessoal.

Procura justificar as escolhas do autor e elevar o caráter nacional de A confederação dos

Tamoios.

Também o frei Francisco de Monte Alverne publica as suas considerações acerca

do poema, no Jornal do Comércio, procurando adotar uma posição mais equilibrada, pois

elogia a composição por seu “caráter nobre” e “pensamento altamente patriótico”, mas

reconhece os defeitos dos versos, que, na sua opinião, carecem de ritmo e são evidentemente

prosaicos (ibidem, p.CLIX).

Se, na polêmica sobre A confederação dos Tamoios, Alencar adota a posição de

crítico, dando início à discussão, ocorre o oposto em seu confronto com Joaquim Nabuco: o

escritor cearense é alvo da crítica do jornalista. Além disso, ao contrário de Gonçalves de

Magalhães, Alencar assume a própria defesa, assim se justificando: “o autor está em causa, foi

diretamente provocado, sua abstenção, ou silêncio, teria outra significação muito diversa de

desatenção pública; não seria indiferença, porém, desprezo”.34

A discussão é iniciada por Joaquim Nabuco, que publica artigo a respeito da peça

O jesuíta, escrita por José de Alencar em 1861, mas que só havia sido encenada naquele ano

de 1875 e contou com uma audiência bastante reduzida. O que se percebe, a partir de então, é

um embate em que “ao ocidentalismo de Nabuco [há pouco chegado da França], opunha-se o

nacionalismo de Alencar” (in: COUTINHO, 1978, p.7). Enquanto o primeiro publica seus

textos aos domingos, o segundo responde às quintas, ambos no jornal O Globo, de 22 de

34 In: COUTINHO, Afrânio (org.). A polêmica Alencar - Nabuco. Brasília: Universidade de Brasília; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. p.165.

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setembro a 21 de novembro. Motivada pela encenação de O jesuíta, a polêmica estende-se às

demais obras de Alencar.

Nabuco analisa os textos sempre afirmando que as personagens concebidas por

Alencar, bem como a sociedade pintada pelo autor, são falsas. Uma questão que muito

incomoda Nabuco é a representação da escravidão. Como abolicionista, considera que

Alencar “não concluiu contra a escravidão nesse drama [Mãe]. Ele não podia faltar, como o

mostrou por seus votos na câmara, à fé profunda que tem nos destinos dessa instituição” (in:

COUTINHO, 1978, p.11). Portanto, embora afirme que seu intento é discutir o autor,

deixando de parte o homem que não conhecia, Nabuco parece fazer o contrário, o que leva

Alencar a afirmar que sua crítica é “personalíssima, feita ao homem sob o pretexto das obras e

movida por uma prevenção muito anterior à leitura dos livros” (ibidem, p.57). Todavia, o

jovem é quem primeiro acusa o escritor cearense de levar a questão para o lado pessoal, onde

ele não a teria colocado.

Quanto à escravidão, Alencar assim se justifica: “nem nos meus discursos, nem

nos meus escritos aplaudi a escravidão; respeitando-a, como lei do país, manifestei-me

sempre em favor de sua extinção espontânea e natural, que devia resultar da revolução dos

costumes, por mim assinalada” (ibidem, p.58-59). A discussão prossegue, como veremos

quando confrontarmos a análise feita por Machado de Assis a respeito da peça Mãe com a de

Nabuco, considerando também as justificativas de Alencar.

O que se pode perceber é que nenhum dos autores seguiu o ideal do crítico

defendido por Machado de Assis, pois se permitem a troca de “elogios”, como este de Alencar

– “decididamente, o Sr. Nabuco é ainda muito moço. Tanta infantilidade e tanta predileção

pela pirraça, esta vingança das mulheres e dos meninos...” (ibidem, p.177) – ao qual podemos

opor este de Nabuco: “todos os sintomas enfim que se podem descobrir revelam no espírito do

Sr. José de Alencar uma irremediável decadência” (ibidem, p.207). Das qualidades elencadas

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por Machado de Assis – coerência, independência, imparcialidade, tolerância, moderação,

urbanidade e perseverança – apenas a última foi empregada pelos polemistas, uma vez que

passaram três meses a confrontar acirradamente seus pontos de vista. Como bem explica

Afrânio Coutinho (ibidem), essa polêmica representa o embate entre as novas teorias, como o

naturalismo, o evolucionismo, o materialismo, e a tradição romântica, que tinha como seu

principal vulto, no Brasil, José de Alencar. O posicionamento de Nabuco, como mostraremos

mais adiante, é repudiado por Machado de Assis, isto é, a ideia de que, para se construir algo

novo, é preciso destruir o passado, não lhe reconhecendo nada de bom.

Embora os literatos apresentem pontos de vista divergentes, veremos que os dois

têm ideias em comum com Machado de Assis, às quais nos referiremos em seguida. Agora, o

que importa é acentuar o caráter polêmico e pouco cordial da discussão. Para Nabuco,

Alencar “teve a mais decisiva e também a mais funesta influência sobre o desenvolvimento

intelectual do nosso país” (ibidem, p.192), pois considera que a obra do escritor foi composta

“sem sentimento algum estético, sem unidade, em que nada tem vida, em que não há nenhuma

originalidade, em que a natureza não aparece em parte alguma” (ibidem, p.218).

Enquanto Alencar, ao sentir-se provocado, resolve assumir a própria defesa,

posição diversa assume Machado de Assis, para quem responder a críticas literárias com

impropérios dá ideia de “imensa mediocridade – ou de uma fatuidade sem freio – ou de ambas

as coisas; e para lances tais é que o talento quando verdadeiro e modesto, deve revelar o

silêncio do desdém”.35,36 Tal afirmação aparece em “A nova geração”, texto crítico de 1879,

no qual Machado comenta nota escrita por Sílvio Romero em que este afirma ter sido

35 ASSIS, Machado de. A nova geração. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.841. 36 Machado de Assis parece ter se inspirado no que disse Victor Hugo em seu “Prefácio de Cromwell” (1827): “de qualquer maneira que seja tratado seu livro, [o autor] toma aqui o compromisso de não defendê-lo no todo nem em partes. Se seu drama é mau, para que serve sustentá-lo? Se é bom, por que defendê-lo? O tempo refutará o valor do livro ou o reconhecerá. O êxito do momento não concerne senão ao livreiro. Portanto, se a publicação deste ensaio despertar a cólera da crítica, ele não intervirá” (HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do Prefácio de Cromwell. São Paulo: Perspectiva, 1980. p.89).

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injuriado como poeta em virtude de sua perspectiva crítica. Além disso, Machado considera

os poemas de Romero carentes de estilo e afirma que este pertencera ao movimento hugoísta

antes pela pessoa que pelo estilo. Tais asserções certamente motivaram a antipatia do

sergipano em relação ao escritor carioca, que, ao lançar, em 1897, o já referido estudo a

respeito do autor de Ressurreição (Machado de Assis: estudo comparativo de literatura

brasileira), afirma que “o digno romancista não se quis ainda dar ao trabalho de a estudar [a

Escola do Recife] a fundo em suas multíplices manifestações. Até certo ponto é ele digno de

desculpa, pois [...] o estudo crítico da literatura brasileira não é sua especialidade”

(ROMERO, 1992, p.103). Refere-se ainda à suposta incompreensão de Machado de Assis e

consócios “que laboram em completo erro, continuando a julgar os condoreiros por algumas

de suas poesias bombásticas e não por suas produções líricas” (ibidem, p.117). Todavia, tal

acusação parece infundada se considerarmos que Machado de Assis elogia Castro Alves, o

mais ilustre representante desse grupo de poetas, o que demonstraremos mais adiante. Além

disso, na História da literatura brasileira, o crítico afirma que incluiria o próprio nome entre

os “que tanto trabalharam por dar lustre a este país”, justificando-se nos seguintes termos:

“podê-lo-ia calar, mas não o farei, não por vaidade, que não tenho, [mas] sim em resposta

indispensável a uma crítica que me não dá tréguas, que se gloria de atacar-me” (ROMERO,

1953, v.4, p.1.285).

Portanto, Romero, embora afirme o contrário, parece não ter observado pelo

menos uma das qualidades que, segundo Machado de Assis, seriam indispensáveis ao crítico:

a independência da própria vaidade. Machado contrapõe a atitude de Romero à de Lúcio de

Mendonça e Francisco Castro, que aceitaram sem ressentimentos os senões apontados pelo

crítico em suas composições. Surpreendentemente, no prólogo da primeira edição de sua

História da literatura brasileira (1888), Romero pede que os críticos deem entrada à

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imparcialidade, qualidade que ele próprio reconhece não ter privilegiado em seus trabalhos

precedentes.

Por falar em polêmica, o próprio Machado de Assis envolveu-se em uma, ao

criticar, em 1878, os romances de Eça de Queirós, O crime do padre Amaro e O primo

Basílio. O autor dos Contos fluminenses é bastante rigoroso, pois condena veementemente o

Realismo, o que parece destoar do seu princípio de tolerância no terreno das diferenças de

escola. O crítico deixa claro que procura “repelir a doutrina, não o talento, e menos o

homem”37, o que de fato ocorre, ao contrário da maioria das polêmicas do gênero, em que a

obra acabava servindo de pretexto para atacar pessoalmente seu autor. Além disso, o que mais

chama a atenção na análise machadiana são as suas considerações quanto à verossimilhança

do romance, especialmente no que diz respeito à concepção da personagem central. Veremos,

em seguida, como esse texto repercutiu na imprensa brasileira, isto é, as reações que provocou

entre os literatos da época.

Diante das concepções apresentadas por Machado de Assis, podemos concluir

que, no seu entender, o crítico deveria privilegiar o caráter estético do texto literário,

focalizando os elementos que o compõem e procurando, ao analisá-lo, tecer um julgamento

imparcial a seu respeito, que contribua para o melhor entendimento e também para o

aprimoramento da literatura, especialmente em um país que, após conquistar a independência

política, ainda buscava a independência intelectual.38

Em 1868, a crítica é novamente tematizada por Machado de Assis, em carta

escrita como resposta a José de Alencar, no Correio Mercantil, a respeito de um então novo

escritor: Castro Alves. Antes de se ater às considerações a respeito da obra do literato,

37 ASSIS, Machado de. O primo Basílio. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.914. 38 Podemos associar a concepção de Machado de Assis com a de Edgar Allan Poe, para quem o crítico deveria ter, entre outras qualidades, talento para a análise e indiferença diante dos insultos (POE, Edgar Allan. Exordio. In: Obras en prosa de Edgar Allan Poe. San Juan: Universidad de Puerto Rico; Madrid: Revista de Occidente, 1956. p.295-300).

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Machado agradece a confiança do autor de Iracema (que o considera como o “primeiro crítico

brasileiro”) e retoma ideia desenvolvida em “Ideal do crítico”, o que comprova a coerência e

o comprometimento de seus textos de análise literária, além de atestar a dificuldade de exercer

a crítica literária nos moldes por ele concebidos. No seu entender,

onde a crítica não é instituição formada e assentada, a análise literária tem de lutar contra esse entranhado amor paternal que faz dos nossos filhos as mais belas crianças do mundo. [...] Desfiguram-se os intentos da crítica, atribui-se à inveja o que vem da imparcialidade: chama-se antipatia o que é consciência.39

Opinião semelhante fora expressa em 1852 por Macedo Soares em “Da crítica

brasileira”, texto publicado na Revista Popular de São Paulo. O crítico explica que “as

literaturas [como a brasileira] que começam sob o poderoso influxo de uma civilização

adiantada [...] necessitam mais e mais da vigilância e do cuidado de um tutor”.40 Entretanto,

afirma que, no Rio de Janeiro, o que chamavam de crítica era uma função do jornalismo, feita

sem estudo, da noite para o dia (mais uma vez, percebemos a semelhança com a resenha).

Portanto, para Macedo Soares, assim como para Machado de Assis, “a crítica estudiosa e

imparcial, que consagra e ilustra quando não retifica o juízo do público, jaz[ia] ainda no

limbo” (ibidem).

Soares afirma que a crítica brasileira poderia ser dividida em contemplativa,

admirativa, noticiosa e satírica. A primeira “não discute nem escreve para não perturbar a

serenidade dos seus gozos ideais” (ibidem); a segunda é caracterizada pela “amizade crédula e

o amor-próprio favoneado” (ibidem, p.266), correspondendo, portanto, à noção de

camaradagem indicada por Machado de Assis; a última tem como ofício “deprimir e

caluniar”, impulsionada pelo ódio apontado pelo escritor.

Três meses após a publicação de “Ideal do crítico”, em janeiro de 1866, Machado

de Assis reforça e amplia seus preceitos no tocante à crítica em “Propósito”, texto veiculado

39 ASSIS, Machado de. Castro Alves. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.905. 40 SOARES, Macedo. Da crítica brasileira. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. v.1. p.264.

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na seção Semana Literária, em que, mais uma vez, podemos identificar a retomada de ideias

expressas por Macedo Soares. Além disso, o escritor menciona a escassez de livros

publicados, nem sempre dignos de exame da crítica, bem como as raras exceções mal

compreendidas em virtude da ausência de opinião. Sobre tal situação, também se refere José

Veríssimo em “A nossa vida literária” (Estudos brasileiros, 1877-1885): “aqui, onde

excessivamente rara é a produção de livros, basta que a metade sejam nulos (sic), como

forçosamente acontece, para desvalorizar os outros” (VERÍSSIMO, 1977, p.252). Segundo o

autor de A mão e a luva, há duas razões principais para tal situação: uma de ordem material,

outra de ordem intelectual. A primeira, que se refere à impressão dos livros, cara e de nenhum

lucro pecuniário, prende-se inteiramente à segunda, que é a falta de gosto formado no espírito

público. Portanto, há um círculo limitado de leitores, a concorrência é quase nula, e os livros

aparecem e morrem nas livrarias. Some-se a isso mais um fator: o cansaço dos escritores na

luta entre a vocação e a indiferença. O escritor cita como exemplo o caso de Iracema, cuja

apreciação escassa na imprensa não foi suficiente para encaminhar a opinião e promover as

palmas a que o autor do romance tinha direito. O mesmo cenário é descrito por Sílvio

Romero, na sua História da literatura brasileira: “os livros são caros; a carreira das letras não

traz vantagens; a vida intelectual não oferece atrativos; não há editores nem leitores para

obras nacionais; por isso quase ninguém escreve, para não ser esmagado pela concorrência

estranha” (ROMERO, 1953, v.1, p.159).

Embora Machado de Assis reconheça que a Arcádia Fluminense (fundada por ele

próprio para a realização de saraus literários e artísticos no Clube Fluminense) lograra

estabelecer a convivência literária e auxiliar na promoção do movimento intelectual,

considera ser a crítica o remédio para o mal em questão. O autor antecipa o juízo emitido por

Levin Schücking, no século XX, com o qual abrimos a introdução da presente investigação:

desde que, entre o poeta e o leitor, aparecer a reflexão madura da crítica, encarregada de aprofundar as concepções do poeta para as comunicar ao espírito do leitor; desde que uma crítica conscienciosa e artista, guiar a um tempo, a musa no

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seu trabalho, e o leitor na sua escolha, a opinião começará a formar-se, e o amor das letras virá naturalmente com a opinião.41

A mesma concepção fora expressa por Macedo Soares, em seu referido artigo,

quando questiona a capacidade de a crítica educar o público, nortear a opinião pelo caminho

do bom gosto e guiar os novos talentos na vereda da idealidade. Para tal, incentiva os literatos

a formar um centro literário, bem como a instituir uma revista literária, sob direção inteligente

e severa, a fim de estabelecer um sistema de crítica imparcial (como também queria Machado

de Assis) e fortalecido com sólidos estudos da língua e da história nacionais, pois acredita que

a reflexão e a análise (palavras também empregadas pelo autor de Dom Casmurro) hão de

sempre acompanhar as manifestações divinas e espontâneas da inspiração.

Também Araripe Júnior, em “Dois grandes estilos”, considera que a crítica tem a

dupla função de servir à formação do leitor e ao aprimoramento das produções dos literatos,

quando explica que “a cultura, no ponto de vista da crítica, não pode ter outro objetivo senão

instituir métodos, coligir experiências, que facilitam, a uns, o apreço da obra de arte, e a

outros, o aumento da própria força produtiva (ARARIPE JUNIOR, 1966, v.4, p.243).

Outro efeito positivo que Machado de Assis acredita resultar de uma crítica eficaz

é a profissionalização do escritor, posteriormente reivindicada por José de Alencar no prefácio

a Sonhos d’ouro (1872), intitulado “Bênção Paterna”. Também Gonçalves de Magalhães se

queixara, em seu “Discurso sobre a história da literatura do Brasil”, em 1836, do pouco valor

que se atribuía ao literato no País, que não conseguia a independência individual nem o

reconhecimento público, mesma constatação de Bernardo Guimarães no prólogo a Poesias.

José Veríssimo vai mais além no ensaio “O movimento intelectual brasileiro nos últimos dez

anos” (1883), afirmando que “é só a profissão que faz as grandes personalidades literárias ou

científicas, pelo trabalho de toda a hora, pelo constante e incessante estudo”, o que não

acontecia no Brasil. Dessa forma, conclui o crítico que “um país em que a mentalidade fica

41 ASSIS, Machado de. Propósito. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.854.

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assim sem base material, não pode aspirar a produzir um movimento intelectual fecundo em

resultados”.42 Em outro ensaio, “A literatura nacional e os estudos literários” (Estudos

brasileiros, segunda série, 1889-1893), Veríssimo considera que uma literatura notável e

socialmente fecunda “só pode ser o produto de um certo desenvolvimento da instrução geral,

que facilite o aparecimento das aptidões, o desenvolvimento das vocações e, portanto, dos

vários aspectos das manifestações da arte, da ciência ou das letras”.43 Em “Literatura e

homens de letras” (1883), o crítico explica que era preciso trabalhar pela barateza dos livros,

empenhar-se pela sua perfeição tipográfica, pelo seu bem acabado como produto industrial,

bem como lutar contra os preconceitos do público a respeito do escritor.44

Diante de tais considerações, percebemos que a postura de Machado de Assis

quanto ao exercício da crítica focaliza, primeiramente, o texto, ideia que se resume na noção

de aplicação das leis poéticas. Parece algo óbvio que esse seja o objeto da crítica; entretanto, é

preciso considerar que era bastante comum, em sua época, os ensaios de crítica assumirem

caráter predominantemente biográfico.45 Se tomarmos como exemplo os textos de Joaquim

Norberto de Sousa Silva, veremos que o seu objetivo era delinear o perfil do escritor, de

maneira bastante idealizada, para, de certa forma, justificar a sua obra, que acabava

assumindo papel secundário.46 Para Machado de Assis, o crítico deve dialogar com o texto, e

não com o seu autor. É a obra que deve ser analisada e desvendada, e não o seu criador. Em

virtude de tal condição, a reflexão e a análise se tornam primordiais para que o crítico consiga

emitir um juízo dotado de ciência e consciência, isto é, fundamentado e imparcial (no sentido

42 VERÍSSIMO, José. O movimento intelectual brasileiro nos últimos dez anos. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1977. p.242. 43 VERÍSSIMO, José. A literatura nacional e os estudos literários. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1977. p.272. 44 VERÍSSIMO, José. Literatura e homens de letras. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1977. p.259. 45 Um dos principais críticos da época na França, Saint-Beuve, é referenciado como modelo de tal concepção de crítica. 46 SILVA, Joaquim Norberto de Sousa. Crítica reunida: 1850-1892. Porto Alegre: Nova Prova, 2005.

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de não deixar que questões pessoais interfiram no exame do texto) a respeito de uma obra.

Isso implica, de certa forma, desvincular o texto do autor. Não importa quem escreveu, mas

sim o que escreveu. Essa noção se diferencia também daquela que Sílvio Romero, inspirado

pela crítica naturalista, defenderia anos depois, isto é, a de que o texto seria um instrumento

para entender o autor e o meio em que ele vivia.

Portanto, a visão de Machado de Assis assemelha-se principalmente à de Macedo

Soares, que apontara os mesmos problemas na crítica brasileira, sendo o principal deles a

ausência da imparcialidade, que impede o exercício de análise e reflexão diante do texto.

É preciso considerar também que, em “Propósito”, Machado de Assis atribui à

atuação do crítico papel ativo no processo que envolve a literatura como um todo, isto é, sua

condição de sistema, englobando produção, distribuição e recepção, faceta ignorada pelos

estudiosos que mencionamos no primeiro capítulo, pois apenas enfatizaram o lado

“formalista” da crítica machadiana. Dentro dessa organização, a crítica, exercida com base em

critérios definidos e focalizando a análise dos textos, buscaria orientar o gosto do público e

auxiliar os escritores no aprimoramento de suas criações, contribuindo para que o sistema

literário brasileiro crescesse. Nesse aspecto, mais uma vez, Machado aproxima-se das ideias

de Macedo Soares, que reaparecem especialmente nos escritos de José Veríssimo e Araripe

Júnior.

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3 A NACIONALIDADE DA LITERATURA BRASILEIRA: O “SENTIMENTO

ÍNTIMO”

No capítulo anterior, vimos como Machado de Assis entende a crítica e a

importância que atribui ao seu exercício, bem como em que aspectos se aproxima ou afasta

das ideias dos autores que também se ocupam de tal ofício. Passemos agora aos artigos em

que ele procura aplicar os próprios postulados. Iniciamos com aqueles em que tece um

panorama da literatura brasileira, aponta as causas do estado em que ela se encontra, bem

como os caminhos para o seu aprimoramento, e faz considerações sobre o seu caráter

nacional: “O passado, o presente e o futuro da literatura” e “Notícia da atual literatura

brasileira: instinto de nacionalidade”. Trata-se da aplicação de um dos princípios que ele

defendera em 1865: as conclusões do crítico servem tanto à obra concluída como à obra em

embrião. Nesse caso, são úteis tanto para entender os textos que iniciaram a formação da

literatura brasileira quanto para orientar a produção daqueles que lhe dariam continuidade.

Essa missão já havia sido exaltada por Gonçalves de Magalhães, para quem “estudar o

passado é ver melhor o presente, é saber como se deve marchar para um futuro mais

brilhante”.47

47 MAGALHÃES, Domingos José. Discurso sobre a história da literatura do Brasil. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. v.1, p.19.

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É com “O passado, o presente e o futuro da literatura”, publicado em abril de

1858, no jornal Marmota fluminense48, que Machado de Assis inicia de fato o exercício da

crítica literária. Trata-se de um texto breve, em que o escritor procura relacionar política e

literatura, explicando que a submissão da nação brasileira em relação à coroa portuguesa se

refletia também no campo intelectual, uma vez que a poesia nacional possuía caráter

essencialmente europeu por influência da literatura lusitana. A mesma concepção é retomada

por José Veríssimo, em ensaio intitulado “A literatura brasileira: sua formação e destino”

(1877), quando afirma que “não é simplesmente a autonomia política e a separação geográfica

que fazem uma nacionalidade; são as suas tradições, a sua língua e o seu território em

primeiro lugar e depois as suas crenças, as suas ideias, os seus costumes, as suas leis, etc”.49

Percebemos que, desde o início, a crítica literária machadiana busca não só a reforma do

gosto, mas também, como explica Furlan, contribuir para a “construção da ideia de nação,

sobretudo quando nesta ainda estavam nítidas as marcas da colônia” (FURLAN, 2003, p.25).

Como principal exemplo da subordinação referida, o autor de Quincas Borba cita

Tomás Antônio Gonzaga, pois considera que, ao pintar cenas da Arcádia, o poeta contribuiu

para a escravização da literatura do País (em “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de

nacionalidade”, Machado modifica, como veremos, a sua maneira de encarar os poetas

árcades). José Veríssimo, embora também não aprove os afeitos portugueses e as imagens

pastoris na poesia de Gonzaga, pondera que “a realidade da sua situação, a verdade do seu

sentimento, a sinceridade da sua emoção sobrelevaram as máculas postas no seu poema pelos

inevitáveis estigmas da poética em voga e quase as apagaram” (VERISSIMO, 1954, p.118).

Apontado como exceção, figura Basílio da Gama, com O Uraguai, que, segundo

Machado de Assis, embora não constitua poema puramente nacional, também não é europeu. 48 Esse periódico foi o primeiro a publicar um trabalho literário de Machado de Assis: o poema “Ela” (janeiro de 1855). A colaboração do autor, que assinava “Assis” ou apenas “As”, estendeu-se até maio de 1861. A partir de julho de 1857, o jornal passou a denominar-se A Marmota. 49 VERÍSSIMO, José. A literatura brasileira: sua formação e destino. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1977. p.155.

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Encontramos a explicação para tal afirmação, mais tarde, no juízo de Araripe Júnior, na sua

“Carta sobre a literatura brasílica” (Correio Pernambucano, 1869): “Durão, Basílio da Gama

e outros, se são poetas admiráveis, devem-no ao nobre e patriótico impulso que fez com que

eles desprendessem os seus voos do Pindo para virem pousar nos Andes”.50 Também a

opinião de José Veríssimo justifica o destaque que Machado confere a Basílio da Gama, por

considerá-lo o primeiro poeta “a tomar por motivos de inspiração coisas americanas e

pátrias”, sabendo cantá-las com um raro espírito de liberdade cívica e poética, sem as

escravizar a fórmulas consagradas e ainda com peregrinas qualidades de invenção e estilo”

(VERÍSSIMO, 1954, p.129). Quanto a Durão, afirma que o patriotismo não era ainda o

brasileirismo extreme, “senão um sentimento misto de lealdade portuguesa e de amor à terra

natal, sentimento que se dividia entre a nação, que era Portugal, e a pátria, que era o Brasil”

(ibidem, p.131). Também Capistrano de Abreu, em ensaio sobre José de Alencar, de 1882,

considera que “o indianismo de Santa Rita Durão, Basílio da Gama, Alvarenga e outros “foi

espontâneo e original, surgiu do seio brasileiro, de circunstâncias especiais e imanentes. O

que ele representava era a luta de raça contra os portugueses dominadores; a identificação

com os indígenas, a diferenciação sistemática dos reinóis”.51 O crítico opõe o sentimento

genuíno de tais poetas ao que define como “simples imitação, puro reflexo de Chateaubriand e

Cooper e da necessidade de cor local de cenas novas tão sentida no princípio do século

[XIX]” (ibidem), o que caracterizaria a obra de José de Alencar e Gonçalves Dias. Embora

reconheça haver mais beleza nas composições dos “filhos do norte”, atribui maior importância

social e significação histórica às composições dos poetas mineiros.

O que faz Machado considerar que o poema de Basílio da Gama não seja

brasileiro é a sua crença de que a poesia indígena não era a poesia nacional, pois os costumes

50 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Carta sobre a literatura brasílica. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1958. v.1. p.32. 51 ABREU, João Capistrano de. José de Alencar. In: _____. Ensaios e estudos: crítica e história. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. v.4. p.58.

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dos primitivos habitantes do País não constituíam a face característica da sociedade brasileira,

ponto de vista que seria retomado pelo autor em “Notícia da atual literatura brasileira: instinto

de nacionalidade”. A mesma opinião é reiterada por Sílvio Romero, que, em sua História da

literatura brasileira, afirma que a chamada poesia puramente indiana seria biforme, isto é,

nem brasileira, nem indígena, pois, para ele, o índio não é o brasileiro, uma vez que o que este

sente, busca, espera e crê não é o mesmo que sentia, procurava cria aquele (ROMERO, 1953,

v.3). Machado e Romero discordam, portanto, de José de Alencar, que, em “Carta sobre

Iracema ao Dr. Jaguaribe” (1865), afirma que

o conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura. Ele nos dá não só o verdadeiro estilo, como as imagens poéticas do selvagem, os modos de seu pensamento, as tendências de seu espírito, e até as melhores particularidades de sua vida. É nessa fonte que deve beber o poeta brasileiro. É dela que há de sair o verdadeiro poema nacional.52

José Veríssimo, ao tratar da polêmica gerada por A confederação dos Tamoios,

explica que o principal argumento dos defensores do poema era considerarem-no obra de

inspiração patriótica, critério de juízo, que, para o estudioso, era erradamente aplicado a uma

obra literária ou artística. Afirma ainda que era com “um falso critério sociológico e um

desvairado sentimentalismo [que] queriam fazer do índio um elemento demasiado interessante

da nossa nacionalidade” (VERÍSSIMO, 1954, p.177).

Machado de Assis menciona ainda poetas que assumiram importância nas letras

pátrias, como José Bonifácio e os Andradas, que reuniam os princípios pelos quais se

sacrificava a geração anterior à independência – literatura e política. Esclarece que tais

homens lançaram mão da “forma mais conveniente e perfeitamente acomodada às expansões

espontâneas de um país novo”: a poesia.53 Ideia semelhante fora exposta por Santiago Nunes

Ribeiro em “Da nacionalidade da literatura brasileira”, texto publicado na Minerva 52 ALENCAR, José de. Carta sobre Iracema ao Dr. Jaguaribe. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. 1974, v.1. p.105. 53 ASSIS, Machado de. O passado, o presente e o futuro da literatura. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.800. A mesma noção havia sido expressa por Victor Hugo: “nos tempos primitivos, quando o homem desperta num mundo que acaba de nascer, a poesia desperta com ele. Em presença das maravilhas que o ofuscam e o embriagam, sua primeira palavra não é senão um hino” (HUGO, 1980, p.16).

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Brasiliense, em 1843: “ao poeta é dado [...] compartilhar os sentimentos de sua época e os do

povo de que faz parte. Ele pois resume como num foco o que estava disseminado na

consciência social de um povo inteiro” (RIBEIRO in: COUTINHO, 1974, v.1. p.54). Também

Macedo Soares parece manifestar o mesmo pensamento ao afirmar, em texto sobre Gonçalves

Dias, datado de 1861 e publicado na Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano, que

a concepção do artista num meio social deve em suas obras ressumar o perfume ou exalar o eco da época que assistiu ao seu nascer e embalou-a no berço ao som dos hinos festivais da glória. E quando chega a concentrar-se na criação do poeta o espírito das gerações que a aplaudem, podemos contar que com a memória dessas gerações passará à posteridade o nome daquele que é seu legítimo representante.54

Também Sílvio Romero manifesta o mesmo juízo, ao afirmar que a poesia “é uma

função da vida nacional” (ROMERO, 1953, v.3, p.1.002). José Veríssimo posiciona-se de

forma análoga, mas sem se referir unicamente à poesia, ao afirmar que “há sempre num povo

alguma coisa de íntimo que lhe é próprio, como no indivíduo algo recôndito e importante que

o distingue. Ao escritor cabe descobri-lo e revelá-lo e à literatura representá-lo em suas

relações morais e sociais” (VERÍSSIMO, 1954, p.227-228). Aqui Veríssimo faz uma espécie

de alusão ao conceito chave de “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de

nacionalidade”, de que trataremos em seguida: o “sentimento íntimo”, que deveria

caracterizar o escritor.55

Machado de Assis explica que, após a emancipação política de 7 de setembro de

1882, era preciso que o mundo intelectual também se libertasse, ainda que as mudanças nesse

campo ocorressem lentamente. Como explica Capistrano de Abreu, em 1875, “Sete de

setembro transformou a colônia em povo soberano; não aboliu a outra dependência mais

profunda, industrial, mental, moral, social, em suma, em que estamos da Europa” (1975, v.1.

p.49). Todavia, Machado pede que a sociedade não apenas se lance ao progresso material, o

54 SOARES, Antonio Joaquim de Macedo. Gonçalves Dias. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. 1974. v.1. p.275. 55 A ideia de que a poesia deveria expressar o espírito nacional havia sido defendida pelo crítico e escritor alemão Wilhelm Grimm (WELLEK, René. História da crítica moderna: o romantismo. São Paulo: Herder; Editora da Universidade de São Paulo, 1967. v.2).

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que seria fatal às inteligências. Mesma noção que faz José Veríssimo, ao finalizar o ensaio

intitulado “O movimento intelectual brasileiro nos últimos dez anos” (1883), pedir ao Pará

que compreenda que, para a glória e a honra e para a própria felicidade material de um povo,

não basta produzir borracha.56 Machado postula que, diante das dificuldades ocasionadas pelo

indiferentismo da sociedade, cumpre ao literato participar ativamente dos movimentos sociais.

Se considerarmos o exposto no capítulo anterior quanto à importância atribuída pelo autor de

Ressurreição à crítica como instrumento para educar o gosto dos leitores e auxiliar o

aprimoramento da literatura, certamente o seu exercício é, para ele, uma forma de intervir nas

questões sociais do país. Essa visão baseia-se na importância que o então jovem Machado de

Assis atribui ao veículo em que figura a crítica literária, chegando a dedicar-lhe uma apologia,

nos textos “O jornal e o livro”, publicado em janeiro de 1859 pelo Correio Mercantil57, e “A

reforma pelo jornal”, veiculado em outubro de 1859, no periódico O espelho58. O escritor

lança a hipótese de que o veículo superaria o livro e seria capaz de aniquilá-lo, em virtude de

seu caráter democrático e dinâmico, capaz de gerar uma revolução literária, social e

econômica, promovendo a discussão viva.59 Trata-se, segundo o escritor, da sentença de

morte de todo o status quo, de todos os falsos princípios dominantes, já que, para ele, quando

algo é trazido à discussão, perde legitimidade e pode cair mediante o choque da

argumentação.60 De forma semelhante, 16 anos depois, Capistrano de Abreu, em “A literatura

brasileira contemporânea” (O Globo, 1875), reafirma a importância do jornalismo,

considerando que, não obstante o seu estado embrionário, senão viciado, estaria destinado a

56 VERÍSSIMO, José. O movimento intelectual brasileiro nos últimos dez anos. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1977. p.245. 57 Periódico carioca no qual Machado de Assis publicara textos, em sua maioria poemas, entre os anos de 1858 e 1868. 58 Jornal no qual Machado de Assis escrevera durante o ano de 1859, assinando a seção Revista de Teatros. 59 ASSIS, Machado de. O jornal e o livro. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.953-958. 60 ASSIS, Machado de. A reforma pelo jornal. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.972-974.

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ser um dos agentes de renovação social por desenvolver o gosto pela leitura, manifestar a

importância da educação e, por sua feição, distinguir mais profundamente os tempos

modernos dos tempos antigos. Entretanto, o crítico considerava pouco provável que o jornal

fosse capaz de aniquilar o livro (ABREU, 1975, p.65).

O entusiasmo de Machado de Assis justifica-se em virtude do papel que a

imprensa teve no processo de independência do Brasil, mediante jornais como o Correio

Braziliense. Segundo Isabel Lustosa, durante um período em que o acesso à educação era

pouco democrático e da Europa vinham as ideias do Iluminismo, o jornalista acabara se

confundindo com o educador61, o que esclarece “o caráter doutrinário, a defesa apaixonada de

ideias e a intervenção no espaço público [que] caracterizaram a imprensa brasileira de grande

parte do século XIX”, como explica Tania Regina de Luca.62 Parece ter sido com esse espírito

que o criador de Quincas Borba, aos 20 anos de idade, escrevera os textos anteriormente

mencionados.

Voltando a “O passado, o presente e o futuro da literatura”, cumpre registrar que,

ao tratar das três formas literárias essenciais – romance, drama e poesia –, Machado de Assis

garante que as duas primeiras nem sequer existiam no País. Explica que, apesar da

convivência perniciosa com os romances franceses, que a mocidade brasileira endeusava, tão

pouco escrupulosa de ferir as suscetibilidades nacionais, eram poucos os que se dedicavam a

estudar o romance, nomes importantes para a recente literatura brasileira que seriam por ele

analisados em trabalho de mais largas dimensões.63 Quanto ao teatro, a situação era ainda

pior: não passava, segundo Machado, de um mito, uma quimera, uma vez que predominavam

as traduções de peças francesas, “sem o mérito da localidade e cheias de equívocos” (ASSIS, 61 LUSTOSA, Isabel. O nascimento da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 62 LUCA, Tania Regina de. Fontes impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In: Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p.133. 63 No ano anterior à publicação de “O passado, o presente e o futuro da literatura”, isto é, em 1857, havia sido publicada em folhetins uma das narrativas fundamentais da prosa romântica brasileira: O Guarani. No mesmo ano, na França, o Realismo (que, 11 anos mais tarde, seria tema de um dos mais contundentes textos críticos machadianos) inicia sua trajetória com o lançamento de Madame Bovary, de Gustave Flaubert.

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1959, v.3, p.802), que segundo o crítico, consistiam na “cabeça de Medusa, que enche de

terror as tendências indecisas, e mesmo as resolutas” (ibidem). Aponta como responsáveis por

essa situação as direções e empresas, espécie de “czariato de bastidores” (ibidem), obstruindo

os progressos da arte.

A solução, conforme Machado de Assis, estaria em uma reforma dramática (ideia

que o autor retomaria em texto posterior), ancorada em operações políticas, espécie de golpe

de estado literário sob a forma de tratado a respeito de direitos de representação reservados,

com o apêndice de um imposto sobre traduções.64 Aqui o autor manifesta, novamente, uma

visão abrangente da literatura (e da arte), em que questões de cunho estético se ligam a ações

de caráter político, característica de uma crítica atuante. Trata-se, portanto, de uma forma de

proteger e incentivar as produções nacionais.

Por fim, o autor de Quincas Borba aconselha que, removidos os obstáculos que

impediam a criação do teatro nacional, as vocações dramáticas estudassem a escola moderna,

como fizera José de Alencar (cujo teatro seria, anos depois, analisado por Machado de Assis),

a fim de educar o povo, chamando-o para a esfera das ideias novas. Aqui percebemos a

função civilizadora que o crítico delega a esse gênero literário, noção que seria retomada em

texto posterior relativo ao teatro brasileiro, ao qual nos reportaremos mais adiante.

A escola moderna a que Machado se refere é a realista, à qual afirmara pertencer

em folhetim da Revista de Teatros (setembro de 1859) e que é representada pelos dramaturgos

franceses Alexandre Dumas Filho, Théodore Barrière, Émile Augier e Octave Feuillet, entre

outros. As peças de tais escritores eram encenadas no Teatro do Ginásio, que rivalizava com o

Teatro São Pedro de Alcântara (subsidiado pelo governo), onde eram levadas ao palco peças

românticas, pelo ator João Caetano. Entretanto, em folhetim da Revista Dramática (março de

1860), Machado assume a postura que o caracterizaria como crítico e ficcionista, pois afirma: 64 Segundo João Roberto Faria, tal solução jamais foi adotada (FARIA, João Roberto. Machado de Assis e o teatro de seu tempo. In: ASSIS, Machado de; _____. (org.). Do teatro: textos críticos e escritos diversos. São Paulo: Perspectiva, 2008).

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as minhas opiniões sobre o teatro são ecléticas em absoluto. Não subscrevo, em sua totalidade, as máximas da escola realista, nem aceito, em toda a sua plenitude, a escola das abstrações românticas; admito e aplaudo o drama como forma absoluta do teatro, mas nem por isso condeno as cenas admiráveis de Corneille e de Racine.65

Nesse texto, Machado também reivindica a imparcialidade na crítica, princípio que, como

vimos, reaparece no texto de 1865.

O “trabalho de mais largas dimensões” a que Machado de Assis se referira em

1858, embora não verse especificamente sobre o romance, foi realizado 15 anos depois. Trata-

se de um dos mais comentados e estudados textos críticos escritos pelo autor: “Notícia da

atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”, publicado em 1873, pelo periódico O

Novo Mundo66.

Conforme o próprio título do ensaio indica, Machado de Assis aponta, como

primeiro traço da literatura brasileira em geral, certo instinto de nacionalidade, caracterizado

pela valorização das cores do País. O autor considera que os responsáveis pelas primeiras

marcas da fisionomia literária brasileira foram Basílio da Gama e Santa Rita Durão, então

aplaudidos como precursores da poesia nacional. Também Gonçalves de Magalhães delegara

importância a esses autores no seu “Discurso sobre a história da literatura do Brasil” em 1836.

Portanto, é a geração romântica que toma tais poetas como modelos a seguir e a aprimorar,

especialmente no que se refere à exaltação da natureza e da figura do índio. Embora admita

que semelhante preocupação seja sintoma de “vitalidade e abono do futuro”67, Machado

acredita haver exagero, quando, por exemplo, a nova geração repudiava “o cajado e a pastora”

dos poetas árcades (perspectiva que ele próprio assumira no texto de 1858), não reconhecendo

que, de alguma forma, suas produções fazem parte da caminhada para a independência

literária, que, segundo o autor de Quincas Borba, ainda não havia sido conquistada, opinião

65 ASSIS, Machado de. Revista dramática. A crítica teatral: programa; Mãe, de José de Alencar. In: _____; FARIA, João Roberto. (org.). Do teatro: textos críticos e escritos diversos. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.222-223. 66 Jornal ilustrado editado em Nova Iorque por José Carlos Rodrigues. 67 ASSIS, Machado de. Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.815.

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contrária à da maioria dos críticos, como José Veríssimo, que, ao escrever sua História da

literatura brasileira, considera que a emancipação do País ocorrera naturalmente com o

Romantismo, após a independência política.68 Uma vez que, no já referido ensaio intitulado

“A nossa vida literária” (Estudos brasileiros, 1877-1885), o crítico afirma que “não há

verdadeiramente uma literatura senão quando existem em todos os gêneros literários obras

que provem a vitalidade do pensamento ou a realidade dos sentimentos de que é um eco, o

que pretende traduzir” (VERÍSSIMO, 1977, p.249), presume-se que, para ele, tal ocorrência

se deu durante o Romantismo.

Quanto a recriminar os escritores do passado, também Santiago Nunes Ribeiro

censura tal equívoco por acreditar que “a disposição dos espíritos não permitia que a natureza

fosse encarada sob o aspecto que hoje [1843, era romântica] nos agrada tanto, e não é lícito

exigir de um século aquilo que ele não pode dar”. Portanto, “a poesia brasileira da época

anterior à independência foi o que devia ser, pois “ninguém pode sentir inspirações

completamente estranhas ao seu tempo” (RIBEIRO in: COUTINHO, 1975, p.39). Da mesma

forma, José Veríssimo, em “Post scriptum”, pondera que “uma renovação intelectual implica

uma cultura preexistente da qual é necessariamente desenvolvimento e expansão”.69

Entretanto, Machado de Assis lembra que não só o cajado e a pastora dos árcades

foram repudiados, uma vez que, após o sucesso do indianismo de Gonçalves Dias, houve certa

reação, impulsionada pela crença de que a poesia nada tinha com a existência da raça extinta,

tão diferente da raça triunfante. Tal opinião foi também emitida por Joaquim Nabuco, na

polêmica travada com Alencar, em 1876, mediante a acusação de que o autor de Iracema

68 Entretanto, no texto “O que falta à nossa literatura” (in: VERÍSSIMO, José. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.61-66), publicado no Jornal do Comércio em 1899, José Veríssimo afirma considerar a literatura brasileira como um ramo da portuguesa, principalmente em função da língua, revivendo a concepção de Gama e Castro, tão combatida pelos escritores brasileiros. Ao que parece, quando lançou a sua História da literatura brasileira, o crítico havia mudado de opinião. 69 VERÍSSIMO, José. Post scriptum. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.151.

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estava dominado pela ideia de fundar a literatura tupi, de “desacreditar a sociedade brasileira,

a vida civilizada do nosso país, os elementos de poesia que pode ter em si a raça europeia que

o povoou e que, pela ação lenta do meio exterior, já tornou-se verdadeiramente americana”

(in: COUTINHO, 1978, p.114). Já Araripe Júnior, em “Contos da roça” (Correio

Pernambucano, 1868) posiciona-se de forma contrária a Nabuco ao considerar que a

população brasileira civilizada não apresentava caráter próprio, em virtude da influência

direta especialmente de portugueses e franceses, o que fazia com que a literatura que se

ocupasse dos costumes de tais indivíduos não deixasse de ser um enxerto europeu. Assim, crê

que

enquanto não tivermos caráter nacional e distinto, enquanto todos esses costumes que entressacham o país não se fundirem, é do nosso dever voltarmo-nos para as eras já escoadas em que desapareceram as raças heroicas que outrora povoaram esta vasta região e faziam estrugir as florestas com os sons dos seus borés.70

Na já mencionada “Carta sobre a literatura brasílica”, explica que a poesia não poderia

“deixar de ceder, ou mais cedo, ou mais tarde, à influência do clima, do aspecto do país e da

índole de seus primitivos habitantes” (ARARIPE JUNIOR, 1958, v.1. p.25).

Apesar de considerar que a civilização brasileira não recebera influxo do elemento

indiano, mas apenas um legado, tão brasileiro como universal, retomando ideia expressa em

“O passado, o presente e o futuro da literatura”, Machado de Assis defende, ao contrário de

Nabuco, que tudo é matéria de poesia, uma vez que possibilite as condições do belo ou os

aspectos dos quais é composto.71 Sílvio Romero expressa a mesma opinião e explica que “a

concepção melhor que se pode ter da poesia consiste em tomar as coisas, os fatos, os

fenômenos físicos ou sociais e extrair deles a nota fundamental e típica que lhes constitui a

essência, ou o significado superior” (ROMERO, 1953, v.4, p.1.359). Assim, no ponto de vista

70 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Contos da roça. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1958, v.1. p.12. 71 Edgar Allan Poe, em “O princípio poético”, afirma que a beleza, incluindo o sublime, consiste no domínio do poema (POE, Edgar Allan. O princípio poético. In:_____. Obras en prosa de Edgar Allan Poe. San Juan: Universidad de Puerto Rico; Madrid: Revista de Occidente, 1956. t.2. p.201).

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machadiano, não seria lícito, depois das memórias que escreveram Gonçalves de Magalhães e

Gonçalves Dias, excluir o índio de nossa aplicação intelectual, nem constituí-lo patrimônio

exclusivo da literatura brasileira, mas haveria justiça em consorciar na ficção aqueles que a

fatalidade da História divorciou. Como exemplo de tal simbiose, cita Iracema, de José de

Alencar, a quem classifica como “brilhante escritor” (ASSIS, 1959, v.3, p.816). Portanto,

Machado parece estar em consonância com o pensamento que o citado autor expressara, em

1872, no prefácio a Sonhos d’ouro, intitulado “Bênção paterna”, e que se diferencia do

conceito expresso na citada “Carta sobre Iracema ao Dr. Jaguaribe”, de 1865: “a literatura

nacional que outra cousa é senão a alma da pátria, que transmigrou para este solo virgem com

uma raça ilustre, aqui impregnou-se da seiva americana desta terra que lhe serviu de regaço; e

cada dia se enriquece ao contacto de outros povos e ao influxo da civilização?”72 Portanto,

Alencar reconhece que o índio não poderia simbolizar, sozinho, a nacionalidade brasileira. De

forma semelhante, na sua História da literatura brasileira, Sílvio Romero pondera que “a

civilização brasileira não é um produto indígena, original, espontâneo deste solo, é certo; mas

é a civilização europeia modificada, transfigurada na América” (ROMERO, 1953, v.2. p.401).

O estudioso postula que

a literatura brasileira, como todas as literaturas do mundo, deve ser a expressão positiva do estado emocional e intelectual, das ideias e dos sentimentos de um povo. Ora, nosso povo não é o índio, não é o negro, não é o português; é antes a soma de todas estas parcelas atiradas ao cadinho do Novo Mundo” (ibidem, p.412).

Entretanto, Romero reconhece a validade do indianismo, pois considera que este

“teve um grandíssimo alcance: foi uma palavra de guerra para unir-nos e fazer-nos trabalhar

por nós mesmos” (ROMERO, 1953, v.3, p.998). Garante que o indianismo de Gonçalves Dias

“foi uma poesia útil como um tônico, um abalo necessário imposto aos nervos de nossos

burgueses para os arredar da mania das imitações europeias, mas não podia ser exclusivista”

(ibidem, p.1.008). Também Capistrano de Abreu considera que o indianismo foi “um dos

72 ALENCAR, José de. Bênção paterna. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. v.1, p.120.

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primeiros pródomos visíveis do movimento que enfim culminou com a independência: o

sentimento de superioridade a Portugal” (ABREU, 1975, v.1, p.60).

Essa relação de equivalência entre indianismo e nacionalidade que, por certo

tempo, fora defendida no Romantismo, já havia sido questionada por Macedo Soares nos

“Ensaios de análise crítica”, publicados na Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano,

em 1859, a propósito dos “Timbiras”, de Gonçalves Dias:

não estamos já muito afastados dos primitivos filhos da floresta para podermos compreender sua vida doméstica, consubstanciar-nos nela e criar com seus elementos uma saga nacional? Podemos pensar e sentir como pensavam os índios? [...] A geração atual entenderá essa epopeia artificial? Rever-se-á nela como num espelho fiel? Reconhecerá nela a síntese social das gerações que a precederam? Creio sinceramente que não.73

Assim, em substituição ao puro indianismo como manifestação da nacionalidade

literária brasileira, Machado de Assis propõe que se privilegie, nas produções literárias, tanto

os costumes civilizados quanto a natureza americana, pois igualmente oferecem à imaginação

“boa e larga matéria de estudo” (ASSIS, 1959, v.3, p.816). Dentre os exemplos citados pelo

autor, figuram as obras de Bernardo Guimarães, Joaquim Manuel de Macedo, Sílvio Dinarte

(Escragnolle Taunay), Franklin Távora e José de Alencar.

Portanto, para Machado de Assis, não existe uma fórmula que poderia ser aplicada

à literatura para torná-la brasileira, o que o faz desaprovar a opinião de que só há espírito

nacional nas obras que tratam de assunto local. Menciona que Gonçalves Dias, além dos

poemas indianistas, possui composições que pertencem a toda a humanidade, cujas

aspirações, entusiasmo, fraquezas e dores geralmente cantam. Questiona se as peças de

William Shakespeare, como Otelo e Júlio César, por não retratarem a história e o território

britânico, fariam com que seu autor deixasse de ser poeta essencialmente inglês.

Embora reconheça que sobretudo uma literatura nascente deve principalmente

alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, ideia defendida por João Salomé

73 SOARES, Antonio Joaquim de Macedo. Ensaios de análise crítica. In: CASTELLO, José Aderaldo. Textos que interessam à história do romantismo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1960. v.II. p.95.

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Queiroga na “Carta a Stockler” (1871), para quem o solo e clima brasileiros eram “fontes

perenes de inspirações a que estão ligadas a história e filosofia da palavra”74, Machado de

Assis acredita que não se pode estabelecer doutrinas tão absolutas que a empobreçam. A

mesma ideia havia sido expressa por Macedo Soares nos já referidos “Ensaios de análise

crítica”, em que o crítico considera que os poetas brasileiros compreendiam de forma errada o

nacionalismo na arte, pois faziam desse “caráter de toda verdadeira poesia um sistema,

quando não devia ser senão uma condição local, necessária embora, de sua projeção no

espaço e no tempo” (MACEDO in: CASTELLO, 1960, v.II, p.84).

Assim, Machado de Assis propõe que o que se deve exigir do escritor seja “certo

sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de

assuntos remotos no tempo e no espaço” (ASSIS, 1959, v.3, p.817). Essa noção de

“sentimento íntimo” assemelha-se ao conceito desenvolvido por Macedo Soares, para quem

“ser nacional, isto é, de seu século e país, equivale a ter feições próprias suas, um caráter

distinto e peculiar, uma fisionomia original; e não é nacional a literatura que não distingue um

povo na comunhão dos outros povos” (MACEDO in: CASTELLO, 1960, v.II, p.84). Sobre o

mesmo tema, Santiago Nunes Ribeiro afirma, em 1843, que o que diferencia uma literatura da

outra (como a brasileira da portuguesa) seria aquilo que atende “ao espírito, que anima à ideia

que preside aos trabalhos intelectuais de um povo, isto é, de um sistema, de um centro, de um

foco de vida social” (RIBEIRO in: COUTINHO, 1974, p.34). Explica que “a literatura é a

expressão da índole, do caráter, da inteligência social de um povo ou de uma época” (ibidem,

p.36). Portanto, acredita que “a classificação das literaturas [deveria ser] feita, não em relação

às línguas, mas com respeito ao princípio íntimo que as anima, e as tendências que as

distinguem” (ibidem, p.37). Também Macedo Soares, no já citado texto sobre Gonçalves

Dias, menciona o “sentimento íntimo”, presente na poesia como algo que não se consegue

74 QUEIROGA, João Salomé. Carta a Stockler. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. v.1. p.248.

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exprimir, pois consiste no “mais pessoal e intransmissível dos fenômenos psicológicos”

(SOARES in: COUTINHO, 1974, v.1, p.285).

Sílvio Romero parece retomar a mesma ideia quando afirma que o nacionalismo

literário seria uma questão de instinto, algo que vem espontaneamente, pois “as nações têm

todas uma força particular que as define e individualiza” e, portanto, “o poeta é antes de tudo

homem e homem de um país. Seus sentimentos mais arraigados, as inclinações mais fortes de

seu povo hão de forçosamente aparecer” (ROMERO, 1953, v.3, p.1.007). Crê, portanto, que

“o selo nacionalista não está no objeto da obra e sim no espírito do escritor” (ROMERO,

1992, p.67). Isso significa que o poeta “deve sempre escrever sem se preocupar se é nacional

ou não; porque, se procurar sê-lo à força, falsificará desde logo a sua intuição. Não é nacional

quem o quer; é nacional aquele que a natureza o faz, ainda que o não procure ostensivamente”

(ROMERO, 1953, v.2, p.455). Para Romero, o nacionalismo estava “mais no fundo d’alma do

que na escolha do assunto”. [...] O poeta pode mostrar-se brasileiro tanto no manejo de um

assunto geral, universal, quanto no trato de assuntos nacionais” (ibidem, p.455-456). Como

exemplo, o autor cita Bernardo Guimarães, explicando que “todos os seus escritos versam

sobre assuntos brasileiros; mas há neles alguma coisa mais do que a simples escolha do

assunto; há o brasileirismo subjetivo, espontâneo, inconsciente, oriundo d’alma e do coração”

(ibidem, v.3, p.1.605). Considera, portanto, que “o nacionalismo não é uma questão exterior, é

um fato psicológico; nem é uma questão de ideias, é uma formação demorada e gradual dos

sentimentos” (ibidem, v.3, p.899). Romero utiliza as mesmas palavras de Machado de Assis

duas vezes na História da literatura brasileira quando afirma que “devemos ser homens de

nosso tempo e também de nosso país” (ibidem, p.1.071) e ao fazer o elogio de si próprio

quanto ao papel que exercera na crítica brasileira, quando aplica as então novas ideias

europeias a assuntos nacionais: “quis ser homem de seu tempo sem deixar de ser homem de

seus país” (ibidem, v.5, p.1.773). Portanto, Romero claramente retoma o conceito

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machadiano, ao entender que o sentimento íntimo que torna um escritor de seu tempo e país

não está no assunto, mas na forma de abordá-lo, consistindo em característica que não pode

ser forjada, mas espontânea. E essa noção justifica a postura de Macedo Soares ao salientar o

equívoco dos poetas que quiseram fazer do nacionalismo um sistema e que a crítica acabara

tomando como uma espécie de selo de qualidade.

Análoga e ao mesmo tempo contrária concepção é expressa por José Veríssimo,

em “Das condições da produção literária no Brasil” (Estudos de Literatura brasileira – 1902,

terceira série), quando lamenta que a poesia do País se esmerava, muitas vezes, na forma, mas

sem ideia nem emoção, assim como a literatura em geral não se interessava pelas questões

humanas e sociais de seu tempo, o que refletia a sociedade em que se inspirava, também sem

nenhuma preocupação dessa ordem.75 Se, por um lado, o crítico também crê que o poeta

representa a sociedade em que vive e seria, por conseguinte, como afirma o autor de

Ressurreição, “homem de seu tempo e de seu país”, por outro, ao dar a entender que o objeto

da literatura precisa estar ligado aos problemas da sociedade, a concepção de Veríssimo

afasta-se, de certa forma, da noção machadiana de que tudo é matéria de poesia, uma vez que

possibilite as condições do belo ou os aspectos dos quais é composto, bem como do conceito

de sentimento íntimo. Tal perspectiva também aparece no já referido texto “A literatura

brasileira: sua formação e destino”(1877), quando Veríssimo afirma que “o verdadeiro

romance brasileiro precisa dos fatos da vida do nosso sertão onde o genuíno povo brasileiro, o

resultado dos cruzamentos, vive com seus hábitos, suas crenças e seu falar próprios”

(VERÍSSIMO, 1977, p.158-159). O mesmo postula Sílvio Romero, quando escreve sobre Os

sertões, de Euclides da Cunha, elogiando a escolha do tema por acreditar que seria “na

genuína população nacional, a grande massa rural e sertaneja, na qual palpita mais forte o

coração da raça” (1954, v.5, p.1941). Portanto, Romero acaba contradizendo, de certa forma,

75 VERÍSSIMO, José. Das condições da produção literária no Brasil. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.53.

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a própria afirmação de que o nacionalismo estaria “mais no fundo d’alma do que na escolha

do assunto”.

Todavia, ao que parece, José Veríssimo mudou de ideia, pois se tornou um dos

principais admiradores do autor de Dom Casmurro, o que se percebe mediante as seguintes

afirmações de 1913 e 1916 respectivamente (“Literatura brasileira” e História da literatura

brasileira): Machado de Assis elevou “a sua arte até o geral e o universal, e se nos tipos, nas

situações, na vida em suma, a sua ficção é verdadeiramente brasileira, é também largamente

humana”.76 Machado de Assis era “o mais intimamente nacional dos nossos romancistas, se

não procurarmos o nacionalismo somente nas exterioridades pitorescas da vida ou nos traços

mais notórios do indivíduo ou do meio” (VERÍSSIMO, 1954, p.353). Portanto, José

Veríssimo parece considerar o princípio do “sentimento íntimo” a que Machado de Assis se

referia, que torna o escritor nacional e universal ao mesmo tempo. Esse princípio expresso

pelo crítico Machado de Assis, portanto, funcionava como uma espécie de justificativa para o

rumo que o autor Machado de Assis buscava dar à sua produção ficcional, especialmente no

que concerne ao romance, a exemplo do que fizera Alencar nas “Cartas sobre A confederação

dos Tamoios”.

A noção de sentimento íntimo também pode ser relacionada, de certo modo, ao

conceito que Machado de Assis procura introduzir e que seria por ele desenvolvido em seus

romances, quando dedica algumas linhas às formas literárias cultivados no Brasil. Se, em

1858, afirma que o romance praticamente não existia, 15 anos depois garante ser esta a forma

mais apreciada em nosso país, cuja busca era sempre pela cor local, reproduzindo a vida

brasileira em seus aspectos e situações e dando preferência ao recurso da descrição, que o

crítico considera excelente, mas que seria de mediano efeito, se não avultam no escritor outras

76 VERÍSSIMO, José. Literatura brasileira. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.109.

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qualidades essenciais.77 Destaca ainda os toques de sentimento, quadros da natureza e de

costumes, bem como certa viveza de estilo. Todavia, no tocante à análise de paixões e

caracteres, os exemplos capazes de satisfazer à crítica são reduzidos, uma vez que, na opinião

do autor, trata-se de uma das partes mais difíceis e superiores do romance, exigindo do

escritor dotes não vulgares de observação. Tal prática, não por acaso, seria o “carro-chefe”

dos romances do escritor, que, já no primeiro deles, lançado no ano anterior à publicação

desse ensaio, declara seu objetivo: “não quis fazer romance de costumes; tentei o esboço de

uma situação e o contraste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o

interesse do livro”.78 Capistrano de Abreu mostra-se de acordo com Machado de Assis em “A

literatura brasileira contemporânea” (O Globo, 1875), ao considerar que, dos três elementos

constitutivos do romance, estilo, cenas e personagens, o último, menos geral, ainda não havia

chegado ao grande aperfeiçoamento dos outros dois (ABREU, 1974, p.63).

Por entender, como Sílvio Romero, que a literatura, em seu período de formação,

parte do fato material de um assunto local para depois chegar à sua “alma” (ROMERO, 1953,

v.3, p.817), Machado de Assis propõe que a nacionalidade da literatura brasileira avance à

etapa seguinte, isto é, que depois de iluminar características exteriores do país (natureza,

costumes), focalize o aspecto que mais facilmente se liga à noção de sentimento íntimo: a

exploração da interioridade das personagens. Assim, o escritor buscaria traduzir nos

caracteres representativos da sociedade o sentimento íntimo que a anima e singulariza.79

No que concerne à poesia, Machado de Assis considera que, apesar de trazerem o

cunho da inspiração, os poetas pecam pela falta de correção e gosto, o exagero na expressão, a

77 A opinião de Victor Hugo sobre a cor local no drama pode ser relacionada à noção machadiana de “sentimento íntimo”. Eis como o escritor francês se manifesta: “a cor local não deve estar na superfície do drama, mas no fundo, no próprio coração da obra, de onde se espalha para fora dela própria, naturalmente, igualmente, e, por assim dizer, em todos os cantos do drama, como a seiva que sobe da raiz à última folha da árvore” (HUGO, 1980, p.62). 78 ASSIS, Machado de. Ressurreição. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.1. p.32. 79 Também Henry James e Dostoievski defendiam a exploração da psicologia das personagens como peça fundamental no romance. (WELLEK, 1972, v.4).

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impropriedade das imagens e a obscuridade do pensamento. Defende o exercício da

oportunidade e da simplicidade, “cabais para reproduzir uma grande imagem ou exprimir uma

grande ideia” (ASSIS, 1959, v.3, p.820). Como exemplo a seguir, cita um trecho de “Os

Timbiras” a fim de indicar que “o sublime é simples” (ibidem). Opinião semelhante é

expressa em “O pão do espírito” (Gazeta de Notícias, 1900) por Araripe Júnior, para quem “a

arte não é extravagante. [...] a clareza da concepção pede meças à simplicidade dos meios

empregados pelo artista para chegar ao máximo de intensidade de expressão”.80 Ambas as

condições (oportunidade e simplicidade) faltariam, segundo Machado de Assis, à poesia

contemporânea, embora houvesse modelos como Bernardo Guimarães, Fagundes Varela e

Álvares de Azevedo.

Uma das justificativas para a ausência de oportunidade e simplicidade estaria em um

defeito comum a alguns livros: a antítese, por imitação de Vítor Hugo. O crítico considera

condenável o abuso de uma figura que, se, nas mãos do grande poeta, produzia grandes

efeitos, não poderia constituir objeto de imitação, nem, sobretudo, elemento de escola (o autor

voltaria a tocar nesse assunto em “A nova geração”, artigo relativo à poesia brasileira, do qual

nos ocuparemos mais adiante). Opinião semelhante é reforçada, anos depois, por José

Veríssimo em “O romance naturalista no Brasil” (1888), ao postular que “a imitação de um

grande escritor, desde que visa apenas a técnica, aquilo que, digamos assim, há de material na

obra de arte, é sempre fatal não só ao artista que imita senão à literatura a que pertence. [...]

toda imitação torna-se apenas uma cópia incolor e desvaliosa.81

No tocante ao teatro, a opinião não difere da expressa em 1858: Machado de Assis

aponta a escassez de peças brasileiras, a preferência por traduções e o gosto decadente do

80 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. O pão do espírito. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1963. v.3, p.460. 81 VERÍSSIMO, José. O romance naturalista no Brasil. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.194.

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público, afeito a “tudo que fala aos sentidos e aos instintos inferiores” (ASSIS, 1959, v.3,

p.821). Exalta o aparecimento das produções de José de Alencar (que analisara em 1866,

como veremos a seguir), Pinheiro Guimarães, Quintino Bocaiúva, mas lamenta que os autores

tenham se enfastiado da cena (como ele próprio) e não a levaram adiante, o que justificaria a

falta de novidade e originalidade do teatro brasileiro da época. Segundo Alencar, na polêmica

travada com Nabuco no jornal O Globo em 1875, “escritores de talento como Pinheiro

Guimarães, Bocaiúva e outros, estreados com tanta vantagem, abandonaram a sua vocação

porque a indiferença trancou-lhes a cena” (in: COUTINHO, 1978. p.118).

Quando se refere à língua, Machado de Assis identifica, nas produções nacionais,

a falta de pureza na linguagem, marcada por solecismos e excessiva influência do francês.

Afirma que as línguas aumentam e se alteram com o tempo e as necessidades dos usos e

costumes. Explica que querer que a nossa parasse no século de quinhentos é um erro igual ao

de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas, polêmica

gerada pelo escritor português Pinheiro Chagas, que criticava o modo de escrita dos literatos

brasileiros por não respeitarem as regras do português luso.82 Araripe Júnior em “O livro do

padre Severiano” (1905), da mesma forma, afirma: “longe de mim a ideia de desprezar as

fontes do passado. Mas os processos de estudo daquele instrumento não devem ultrapassar

certos limites. A sintaxe de Rui Pina, ainda a de Frei Luís de Sousa, dificilmente se

acomodarão ao tumulto do frasear moderno”.83 A esse respeito, Machado considera que a

influência do povo é decisiva e que há certos modos de dizer, locuções novas, que de força

entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade. Entretanto, o crítico não admite todas

as alterações da linguagem, como aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza

82 Também é possível relacionar essa opinião com a de Victor Hugo: “toda época tem suas ideias próprias; é preciso que tenha também as palavras próprias a estas ideias. As línguas são como o mar, oscilam sem parada. [...] Cada século traz e leva alguma coisa. Que é que se pode fazer? Isto é fatal. Seria, pois, em vão querer petrificar a móvel fisionomia de nosso idioma sob uma forma dada. [...] No dia em que [as línguas] se fixarem, é porque estão mortas” (HUGO, 1980, p.72). 83 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. O livro do padre Severiano. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1966. v.4. p.161.

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do idioma. A influência popular tem um limite e, portanto, cabe ao escritor respeitá-lo,

depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão. Também José de Alencar, dois

anos depois, expressa, na polêmica com Nabuco, opinião semelhante ao afirmar que “desde

que termos estrangeiros são introduzidos em um país pela necessidade e tornam-se

indispensáveis nas relações civis, a língua, que os recebe em seu vocabulário, reage por um lei

natural sobre a composição etimológica para imprimir-lhe o seu próprio caráter morfológico”

(in: COUTINHO, 1978, p.195). José Veríssimo retoma o assunto em termos análogos ao

explicar que “sem oferecer resistência caprichosa e desarrazoada à natural evolução da língua

que lhe serve de instrumento, cumpre-lhe [à literatura] não se lhe submeter enquanto os seus

resultados não tiverem a generalidade de fatos linguísticos indisputáveis” (VERÍSSIMO,

1954, p.161).

Embora reconheça o caráter dinâmico e mutável da língua, Machado de Assis

acredita que

cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil riquezas, que, à força de velhas se fazem novas, — não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum (ASSIS, 1959, v.3, p.822).

Também Gonçalves Dias, em “Carta ao Dr. Pedro Nunes Leal” (1841), já havia

manifestado tal juízo, explicando que “para dizer o que hoje se passa, para explicar as ideias

do século, os sentimentos desta civilização, será preciso dar novo jeito à frase antiga”.84 É

preciso “respeitar a gramática e o gênio da língua, estudar os clássicos, mas admitir tudo o de

que precisamos para exprimir coisas ou novas ou exclusivamente nossas” (ibidem, p.66).

Também Francisco Adolfo Varnhagen, no prólogo ao seu Florilégio da Poesia Brasileira

(1847)85, atentava para a necessidade de estudar os clássicos portugueses e a gramática,

84 DIAS, Gonçalves. Carta ao Dr. Pedro Nunes Leal. In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1974. v.1. p.64. 85 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Florilégio da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1987. v.1.

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opinião igualmente expressa por Álvares de Azevedo na já mencionada “Carta sobre a

atualidade do teatro entre nós”. Sílvio Romero reitera tal posicionamento ao considerar que

“devemos estudar as literaturas antigas e modernas da Europa como um recurso de cultura,

como um estímulo para o espírito; porque ali estão os grandes monumentos da inteligência

humana. Tão somente isto; não devemos imitar ninguém” (ROMERO, 1953, v.3. p.829). Da

mesma forma, o autor de Dom Casmurro incentiva o estudo e recomenda que os jovens

escritores não se deixem levar pela precipitação, tentando “igualar as criações do espírito com

as da matéria”, pois, se para dar a volta ao mundo são gastos oitenta dias, para “uma obra-

prima do espírito são precisos alguns mais” (ASSIS, 1959, v.3, p.822).86

Se, como vimos, a opinião de Machado de Assis a respeito da língua reitera o

ponto de vista já consagrado por boa parte dos críticos e escritores da época, é preciso atentar

para uma expressão que parece ampliar a noção em voga e que não se liga apenas à condição

do emprego da língua na literatura: “enriquece[r] o pecúlio comum”. Esse termo certamente

não está apenas condicionado à contribuição do escritor para a literatura de seu país. Como

explica Maria Aparecida Junqueira, Machado atesta o heterogêneo porque nele encontra o seu

lugar e poderia aninhar o “desejo de criar uma literatura independente”, uma literatura não

nacionalista, mas nacional, que participasse da ideia de continuação da tradição.87 Ainda

segundo Junqueira, no entender machadiano, o “sentimento íntimo” conjuga as fronteiras

geográficas e nacionais de um país com o universal, dá à obra o caráter do literário e faz do

escritor homem de seu tempo e de seu país. Ao delimitar seu posicionamento neste ensaio,

86 Edgar Allan Poe, em “Filosofia da composição”, também se mostra partidário do estudo na composição de um texto literário ao explicar que “a originalidade (salvo em inteligências de extraordinário relevo) não é em absoluto uma questão de impulso ou intuição, como supõem alguns. Em geral, não é possível obtê-la sem buscá-la laboriosamente e, mesmo constituindo um dos méritos positivos mais elevados, exige menos invenção do que negação” (tradução nossa. POE, Edgar Allan. Filosofia da composição. In:_____. Obras en prosa de Edgar Allan Poe. San Juan: Universidad de Puerto Rico; Madrid: Revista de Occidente, 1956. t.2. p.231). 87 JUNQUEIRA, Maria Aparecida. Projeto estético-literário machadiano: uma visão preliminar. In: MARIANO, Ana Salles; OLIVEIRA, Maria Rosa Duarte de. Recortes Machadianos. São Paulo: Educ; FAPESP, 2003. p.222.

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Machado começa, por ele mesmo, a garantir o seu próprio projeto estético fundado no

“sentimento íntimo” (ibidem, p.227).

Portanto, Machado de Assis sinaliza que ser nacional não impede ser também

universal, termo que, não por acaso, aparece três vezes em seu texto. Como ele próprio

salientara, não seria lícito estabelecer doutrinas tão absolutas que empobrecessem a literatura

de um país, isto é, que a confinassem a uma condição tão nacionalista e restrita que a

colocassem à parte da literatura universal. Nesse aspecto, mais uma vez, a noção de Machado

de Assis reaparece nas palavras de Sílvio Romero, para quem, “em todo e qualquer assunto,

por mais local que seja, deve-se procurar aquela face geral capaz de interessar ao homem, a

todos os homens de qualquer tempo e de qualquer lugar” (ROMERO, 1953, v.4. p.1.215).88 E,

para isso, o autor de Contos fluminenses considerava fundamental que a representação de

aspectos exteriores cedesse lugar à exploração dos caracteres, que consistiria no melhor modo

de agregar nacional e universal em torno do conceito de sentimento íntimo. E o mais

importante: Machado de Assis não só sinalizou essa nova forma de visualizar a nacionalidade

da literatura brasileira, como buscou materializá-la em sua produção.

88 Tal noção fora expressa pelo crítico alemão Theodor Mundt, para quem cada nação deveria desenvolver sua nacionalidade ao máximo a fim de tornar-se parte da literatura universal (WELLEK, 1972, v.3, p.201).

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4 AS TRÊS FORMAS LITERÁRIAS ESSENCIAIS: POESIA, DRAMA E

ROMANCE

No presente capítulo, veremos como Machado de Assis analisa individualmente

textos das três formas literárias essenciais às quais fez referência de modo global nos ensaios

abordados no capítulo anterior: poesia, drama e romance. Devemos salientar que, a fim de

manter essa distinção de “formas literárias” feita pelo escritor, não dividimos os textos em

função dos gêneros lírico, dramático e narrativo. Portanto, produções líricas e épicas, embora

de gêneros diferentes, foram agrupadas no item poesia.

É possível perceber, principalmente no tocante ao drama e ao romance, a

importância delegada por Machado de Assis à concepção das personagens, o que, como vimos

em “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”, consistia em uma

preocupação do autor, que considerava essa faceta pouco desenvolvida pelos escritores

brasileiros. Chama atenção também a prevenção contra a imitação e a submissão a escolas,

especialmente no tocante à poesia e ao romance. Além disso, no que concerne ao drama,

podemos verificar que o interesse do crítico não se restringe a questões de ordem estética. O

escritor traz à luz questões de cunho político e social, identificando problemas e buscando

soluções para o desenvolvimento da arte dramática no País, à qual atribui caráter educador.

Mais uma vez, a ideia de sistema literário se faz presente.89

89 Cumpre registrar que, nos textos escritos para a seção “Revista de Teatros”, do periódico O Espelho, Machado de Assis analisa as peças que eram encenadas na época, emitindo juízo tanto a respeito do texto quanto do cenário e da performance dos atores.

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4.1.1 Poesia

Entre os 13 textos críticos escritos por Machado de Assis no tocante à poesia,

escolhemos quatro que se associam a diferentes momentos literários: os dois primeiros

publicados em 1866 pelo Diário do Rio de Janeiro sobre a produção de poetas do

Romantismo, Araújo Porto-Alegre e Álvares de Azevedo; o segundo, que aborda, de maneira

global, na Revista Brasileira90, no ano de 1879, as produções que estavam surgindo após esse

movimento, pertencentes à chamada Nova Geração; e o terceiro, que analisa, sob a forma de

prefácio, a produção de um dos poetas que representaria a escola literária que se instaurou

após esse período de transição, o parnasiano Raimundo Correa.

Começamos pela análise de um poema épico, que, já no século XIX, não era mais

comum entre os escritores: Colombo, de Araújo Porto-Alegre. Ao examinar tal composição,

Machado de Assis elogia o talento do poeta, que, segundo ele, acomoda-se ao assunto

grandioso de que trata o poema, vasto campo para a invenção poética: a descoberta de um

continente. Considera, portanto, como Sílvio Romero, que se pode denominar como épica

“toda e qualquer criação poética de índole objetiva, quadro narrativo e reprodutor de um

acontecimento humano de índole elevada e nobre” (ROMERO, 1992, p.70).

Machado de Assis afirma ainda que um poema épico, no meio da prosa em que se

vivia, seria “uma fortuna miraculosa”91 (o próprio autor escreveria o seu, embora em tom

herói-cômico – O Almada). Discorda daqueles que pregavam que epopeia e tragédia não eram

mais possíveis, pois crê no acordo do moderno com o novo, outra qualidade que aprecia no

bom escritor, explicando que

as formas poéticas podem modificar-se com o tempo, e é essa a natureza das manifestações da arte; o tempo, a religião e a índole, influem no desenvolvimento das formas poéticas, mas não as aniquilam completamente; a tragédia francesa não é

90 Periódico no qual Machado de Assis publicou artigos entre junho de 1879 e dezembro de 1881. 91 ASSIS, Machado de. Porto-Alegre: Colombo. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3.p.902.

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a tragédia grega, nem a tragédia shakespeariana, e todas são a mesma tragédia (ASSIS, 1959, p.902).

Assim, conclui que a missão do poeta épico consiste em “casar a lição antiga ao

caráter do tempo (ASSIS, 1959, p.902)” – característica também valorizada pelo crítico nas

demais formas literárias –, capacidade revelada pelos estudos e talento de Porto-Alegre, e

expõe sua máxima literária: “aprender investigando”, algo que considera presente nos livros

do poeta em questão e que podemos identificar na sua própria produção crítica e literária.

Ao tratar de Colombo, Sílvio Romero apresenta opinião semelhante e, ao mesmo

tempo, diversa da expressa por Machado de Assis. A divergência está na censura do crítico

sergipano ao emprego de aparições diabólicas, encantamentos, etc., que atribui ao

pseudoclassicismo em que Porto-Alegre fora educado, argumentando que tais recursos, além

de antigos, seriam dispensáveis, uma vez que a situação enfrentada por Colombo oferecia

elementos suficientes para o poema (ROMERO, 1953, p.903, v.3). Cumpre assinalar que tal

juízo de Romero se aproxima do reparo feito pelo criador de Dom Casmurro ao analisar os

romances de Joaquim Manuel de Macedo e Eça de Queirós, como veremos a seguir, cujas

personagens seriam mal construídas porque suas atribulações se originavam de circunstâncias

fortuitas, e não de si mesmas. A analogia está no fato de que Romero, ao afirmar que Porto-

Alegre não teria motivos para recorrer a expedientes retrógrados e dispensáveis na

composição de seu poema, concordaria com a visão de Machado quanto à necessidade de

atualização das formas antigas, isto é, que a epopeia do século XIX não poderia seguir os

mesmos moldes da epopeia clássica. A diferença está em Machado considerar que Porto-

Alegre obtivera tal êxito, enquanto Romero afirma o contrário.

A apreciação de José Veríssimo é um meio termo entre o juízo de Machado de

Assis e o de Sílvio Romero, pois, embora elogie a composição de Colombo, como faz o autor

de Contos fluminenses, crê que “os gêneros ou formas literários valem também por sua

conformidade com o tempo que os produziu” e considera que “o poema de Porto-Alegre

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vinha já de todo obsoleto e inoportunamente com um maquinismo poético apenas suportável

na pura lenda e não em uma epopeia de fundo histórico”, ponto de vista semelhante ao de

Sílvio Romero. Portanto, conclui que “Colombo é uma obra mais de razão e de inteligência

que de instinto e sentimento, como foram os monumentos poéticos que ele anacronicamente

procurava continuar” (VERISSIMO, 1954, p.182). Machado de Assis que nos perdoe, mas, de

fato, produzir um poema épico em pleno advento do romance, a forma que, conforme Lukács,

substitui a epopeia num tempo em que “a totalidade extensiva da vida não é já dada de

maneira imediata”92, não parece explicável a não ser como um exercício intelectual.

Enquanto Porto-Alegre se inspirou em fatos históricos para compor o seu poema,

diversa é a orientação de Álvares de Azevedo na sua Lira dos vinte anos. Segundo Machado

de Assis, as fantasias desse poeta foram o meio de conhecimento, por parte de vários

escritores nascentes, de Lord Byron, apresentando o que Machado define como “ceticismo de

segunda edição”93, mal que acreditava estar atenuado senão extinto. Todavia, o crítico explica

que o autor de Noite na taverna afirmou sua individualidade poética ao distinguir aquilo que

era próprio de si do que era apenas reflexo alheio ou impressão da juventude. Tal opinião é

reforçada por José Veríssimo, que, ao tratar de Álvares de Azevedo, assevera que, “da

combinação das próprias tendências com a imitação literária, criou-se uma vida factícia”

(VERÍSSIMO, 1954, p.248).94

Machado de Assis garante que, ao contrário da opinião corrente, Azevedo não

tinha apenas Byron como autor predileto, uma vez que fazia frequente leitura de Shakespeare

– cuja cena de Hamleto e Horácio diante da caveira de Yorick teria lhe inspirado mais de uma

página de versos – além de Musset. Machado explica que, apesar das influências, o poeta

92 LUKÁCS, Georg. A teoria do romance. Lisboa: Editorial Presença, s.d. p.55. 93 ASSIS, Machado de. Álvares de Azevedo: Lira dos vinte anos. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.903. 94 Entretanto, em texto anterior, de 1877, “A literatura brasileira: sua formação e destino”, Veríssimo havia afirmado que, por imitar Byron e Musset, Azevedo exercera influência mais má do que boa em sua geração.

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revela sensibilidade e melancolia sincera. O pressentimento da morte, expresso em uma

poesia bastante popularizada, aparecia como eco interior, espécie de profecia. Juízo

semelhante já havia sido feito por Joaquim Norberto de Sousa Silva, para quem Álvares de

Azevedo ultrapassou a imitação dos modelos, uma vez que “o seu temperamento levava-o a

essa melancolia negra que tocava as raias da misantropia” (SILVA, 2005, p.153).

Machado de Assis elogia ainda o lado humorístico do poeta, identificando a

viveza, a originalidade, o chiste e o humour notáveis de seus versos. Quanto à forma,

menciona a ocorrência de alguns versos incorretos, mas que eram superados por outros cheios

de harmonia e naturalidade. Joaquim Norberto também havia apontado defeitos na forma, os

quais se verificam, no seu entender, por meio da mistura dos versos agudos e graves nas

estrofes regulares e do desleixo nas rimas (ibidem, p.168).

Após as considerações sobre Lira dos vinte anos, Machado opina ainda sobre a

prosa de Álvares de Azevedo, na qual identifica defeitos próprios de estreias, como a falta de

precisão e concisão, a busca da abundância que caía no excesso, o domínio da erudição sobre

a reflexão, características contrárias a mais dois preceitos machadianos para um bom texto: a

concisão e a simplicidade no discurso. Todavia, o crítico garante que, se não houvesse

morrido tão jovem, o poeta certamente teria se aperfeiçoado, pois dispunha de talento robusto

e imaginação vigorosa. Já Sílvio Romero afirma sarcasticamente que o poeta “fez bem em

morrer cedo; a sua melhor poesia foi sua morte mesma. Se continuasse a viver, ter-se-ia

desmantelado irremediavelmente ao galopar tumultuário de seu século” (ROMERO, 1953,

v.3, p.836).

E esse avanço do século trouxe, após o Romantismo, um novo movimento poético

que é tema do ensaio “A nova geração” (1879), texto mais longo e abrangente escrito por

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Machado de Assis no tocante à poesia, da qual traça um panorama no País, identificando suas

características gerais e apresentando poetas da época.95

O crítico noticia o aparecimento de uma nova geração poética, embuída de uma

tentativa de poesia nova – expressão incompleta, difusa e transitiva, meio termo entre passado

e presente. Segundo o autor, essa geração, que assistiu ao desvanecer do Romantismo, às

vezes zombava de tal escola, sem se dar conta de que “a extinção de um grande movimento

literário não importa a condenação formal e absoluta de tudo o que ele afirmou; alguma coisa

entra e fica no pecúlio do espírito humano” (ASSIS, 1959, v.3, p.823). Semelhante expressão

fora defendida por Gonçalves de Magalhães, no “Discurso sobre a história da literatura do

Brasil”, quando afirma que “a exclusão é dos espíritos apoucados, que em pequena órbita

giram, sempre satélites, e só brilhantes de luz emprestada” (MAGALHÃES in: COUTINHO,

1974, v.1, p.19). Aqui percebemos, mais uma vez, a necessidade defendida por Machado de

Assis de haver consórcio entre o antigo e o novo. Ele explica que, ao período original, sucede

a fase da convenção e do processo técnico, e é então que a poesia forceja por quebrar o molde

e substituí-lo. Tal foi o que, a seu ver, acontecera com a musa romântica. Assim, o crítico

considera que a atitude dos novos em relação ao Romantismo beirava a ingratidão, pois

garante que “se é a musa nova que os amamenta, foi aquela grande e moribunda que os gerou;

e até os há que ainda cheiram ao puro leite romântico” (ASSIS, 1959, v.3, p.823). Trata-se da

mesma postura censurada pelo escritor em “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de

nacionalidade”, quando se refere às críticas feitas aos poetas árcades e ao indianismo.

Todavia, justifica esse posicionamento da nova geração não só pela própria exaustão do

movimento romântico, como também pelo desenvolvimento das ciências modernas, que lhe

95 Cumpre registrar que, na seção Livros e letras, da Gazeta de Notícias (1979), Capistrano de Abreu, embora admita que não teria adotado ponto de vista semelhante ao de Machado de Assis ao tratar do mesmo assunto, elogia o texto do escritor por considerá-lo um “ato de coragem, porque dizer francamente a sua opinião, sem descair na louvaminha, nem tombar na detração sistemática, é muito raro neste meio pesado que nos vicia” Declara que “a imparcialidade vai de princípio ao fim do estudo consciencioso” (ABREU, 1976, v.4, p.110). Portanto, segundo tal crítico, Machado de Assis conseguiu aplicar o principal pressuposto por ele defendido no “Ideal do crítico”.

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proporcionou noção e sentimento diversos daqueles que pautavam a geração precedente. O

que se percebe, segundo o crítico, é certa inclinação à apoteose e indefinição no tocante à

teoria e ao ideal da poesia nova.

Sílvio Romero é bastante severo e descortês em relação a esse grupo de poetas (no

qual Machado o havia incluído), revelando total ausência da urbanidade necessária, na

opinião machadiana, como qualidade do crítico. O estudioso os define como “imbecis,

tomados de não sei que prurido de exibição” (1954, v.5, p.1.762). Acrescenta que tais poetas

não estavam “ligados por nenhuma aspiração séria, não os unindo nenhum nobre esforço

social, literário, político ou científico” (ibidem, p.1.763). Romero acredita que “cada geração

tem uma missão histórica a cumprir, e essa missão limita necessariamente o seu esforço e a

sua intuição no tempo” (ibidem); todo escritor deve ter consciência de seu destino para ter um

ideal, que é relativo e limitado no tempo e no espaço. Em um movimento caracterizado, como

afirma Machado de Assis, pela heterogeneidade, podemos concluir que fica difícil encontrar

essa união que somaria esforços em torno de um mesmo ideal que Romero preconizava.

Em certa região da poesia nova, Machado identifica reflexo de Victor Hugo e

Baudelaire, aquele já influenciando a chamada escola condoreira, constituída por Castro

Alves, Tobias Barreto, entre outros, movimento que se caracteriza por certa pompa,

entumecimento de ideia e de frase, bem como arrojo de metáforas. A influência do poeta

francês sobre a nova geração se caracterizava, consoante o crítico, pela imitação antes da

forma conceituosa que da forma explosiva, com a reprodução, muitas vezes feliz, do jeito

axiomático, da expressão antitética, da imagem viva e rebuscada, do ar olímpico do adjetivo,

do contorno da metrificação, características presentes em Guerra Junqueiro. Quanto a

Baudelaire, Machado de Assis considera o tom da imitação cru em demasia, o que consistiria,

na sua opinião, em um erro, pois o poeta é tratado como realista (termo que o próprio

Baudelaire rejeitara). O autor questiona se a assimilação de dois engenhos tão originais e

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próprios não traria o perigo de reproduzir os trejeitos em vez da fisionomia ou até mesmo de

só reproduzir os defeitos de forma exagerada, ponto que já havia discutido em “Notícia da

atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade” e no texto sobre Álvares de Azevedo.

Mais uma vez, a opinião de Machado de Assis aproxima-se da expressa no “Discurso sobre a

história da literatura do Brasil” por Gonçalves de Magalhães, para quem, “em poesia, requer-

se mais que tudo invenção, gênio e novidade; repetidas imitações o espírito esterilizam como

a muita arte e preceitos tolhem e sufocam o gênio” (MAGALHÃES in: COUTINHO, 1974,

v.1, p.20). Também Capistrano de Abreu, em “Livros e letras” (1879), pondera que, “naquela

escola [hugoana], de envolta com muita coisa que é verdadeira, enxameia muito sentimento

que é falseado, muita tendência que é artificial, muito elance (sic) que nem fecunda o espírito

que exprime nem abala a alma do leitor desinteressado”.96 Da mesma forma, Araripe Júnior

aborda o tema na “Carta sobre a literatura brasílica” (ARARIPE JUNIOR, 1958, v.1),

lamentando que os jovens de então julgavam que a sublimidade só se atingiria com a imitação

de uma escola perigosíssima e com o emprego de certas expressões que Longino, já em seu

tempo, condenava como intoleráveis, referência às metáforas exageradas da chamada poesia

condoreira. Em “Enfermidades estilísticas da nova geração”97, Araripe trata do que chama de

“despojos de Victor Hugo”, cuja poesia teria influenciado negativamente os poetas que o

sucederam, principalmente em função do que chama de hipertrofia da metáfora, que

culminava em hipérboles e antíteses paradoxais. Também Sílvio Romero considera que “a

influência de Hugo foi mais exterior e ocasional, do que orgânica e fundamental; simples

questão de forma, de morfologia poética” (ROMERO, 1953, v.4, p.1.284). Acrescenta que “a

falta de sentimentos e de ideias foi suprida pela fantasmagoria de uma linguagem empolada e

gongórica” (ibidem, p.1.288). Pensamento semelhante é expresso por José Veríssimo, para

96 ABREU, João Capistrano de. Livros e Letras. In: _____. Ensaios e estudos: crítica e história. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1976. v.4. p.109. 97 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Enfermidades estilísticas da nova geração. In: Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1958. v.1.

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quem a poesia de Victor Hugo exerceu influência sobre a literatura brasileira “muito mais

pelos seus aspectos exteriores e pelo defeito da sua feição oratória, que pelo profundo lirismo

íntimo e alto sentimento poético que acaso a sobreleva entre toda a poesia do século”

(VERÍSSIMO, 1959, p.276).

Machado de Assis menciona ainda a influência francesa na parte métrica, no uso

do verso alexandrino e na exclusão ou decadência do verso solto. Esta, no seu entender,

acarreta menor popularidade, afirmação ilustrada mediante a comparação entre Tomás

Antônio Gonzaga e Basílio da Gama, que já haviam sido citados em “O passado, o presente e

o futuro da literatura”: embora o autor de O Uraguai, segundo o crítico, tivesse imaginação

superior à de Gonzaga – que “punha em Minas Gerais as pastorinhas do Tejo e as ovelhas

acadêmicas” (ASSIS, 1959, v.3, p.827) – bem como versificação harmoniosa e pura, sua

reputação era quase exclusivamente literária, enquanto muitos versos do autor de Marília de

Dirceu eram sabidos de cor.

Machado de Assis afirma que os novos poetas não constituíam grupo compacto,

pois alguns se mostravam ainda fiéis às tradições românticas, mas de forma rebelde, como

Lúcio de Mendonça e Teófilo Dias, o que caracterizava um movimento de transição,

desigualmente expresso, que compreendia as últimas estrofes de Teófilo Dias aos sonetos de

Carvalho Júnior. Segundo o crítico, um era o oposto do outro, uma vez que o último era o

representante genuíno de uma poesia sensual, a que, por inadvertência, chamou-se realismo,

marcada por nota violenta e exclusivamente carnal, às vezes repulsiva e sem interesse. Para o

autor, tal “bandeira” hasteada por alguns, seria

a mais frágil de todas, porque é a negação mesma do princípio da arte. [...] não há nela nada que possa seduzir longamente uma vocação poética. Neste ponto todas as escolas se congraçam; e o sentimento de Racine será o mesmo de Sófocles. Um poeta, V. Hugo, dirá que há um limite intranscendível entre a realidade, segundo a arte, e a realidade, segundo a natureza. Um crítico, Taine, escreverá que se a exata cópia das coisas fosse o fim da arte, o melhor romance ou o melhor drama seria a reprodução taquigráfica de um processo judicial. Creio que aquele não é clássico, nem este romântico. Tal é o princípio são, superior às contendas e teorias particulares de todos os tempos (ibidem, p.826).

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Portanto, Machado procura sinalizar a existência de um consenso entre os

representantes das mais diversas escolas e doutrinas de diferentes séculos quanto à existência

de certos princípios universais que precisam ser levados em conta a fim de que a arte ou, mais

precisamente, a literatura, não seja descaracterizada. No caso específico, Machado atenta para

o excessivo apelo físico e a defesa exagerada da objetividade em que incorrem os adeptos do

Realismo, seja na poesia ou no romance, como demonstraremos mais adiante, a propósito da

crítica a O primo Basílio. O autor procura chamar a atenção para a importância da

subjetividade, que, em menor ou maior grau, não pode deixar de estar presente na poesia.

Após analisar brevemente algumas composições de poetas da época, Machado de

Assis afirma que, embora faltasse unidade ao então novo movimento da poesia, sobrava

confiança e brilho para não continuar o passado. Quanto à constatação de que a nova geração

frequentava os escritores da ciência, especialmente naturalistas e filósofos modernos, adverte

que “a verdadeira ciência não é a que se incrusta para ornato, mas a que se assimila para

nutrição”. O crítico ainda arremata “o modo eficaz de mostrar que se possui um processo

científico, não é proclamá-lo a todos instantes, mas aplicá-lo oportunamente” (ASSIS, 1959,

v.3, p.848). A mesma ideia reaparece na História da literatura brasileira de Sílvio Romero,

que afirma “ser de seu tempo, como poeta, não é expor em versos uma teoria científica em

voga; é sentir a poesia como um produto de seu tempo, ter a intuição e a alma de sua época”

(1954, v.5, p.1.833). O crítico acrescenta que

a exposição de doutrinas fica muito bem nos livros de ciência, e cada um de nós, quando quiser ler uma teoria positivista, ou transformista do universo, sabe onde ir buscá-la. A poesia, em tudo quanto a ciência ensina, tem apenas por missão despertar os sentimentos novos que as novas doutrinas devem inspirar (ibidem, p.1.835).98

Machado de Assis pede também que os novos escritores fujam ao perigo do

espírito de seita, próprio das gerações feitas e das instituições petrificadas, censurando mais

98 A essa noção de Machado de Assis e Sílvio Romero podemos associar o que afirmou Friedrich Schlegel: “a rigor, o conceito de um poema científico é tão contraditório quanto o de uma ciência poética” (SCHLEGEL, Friedrich. Conversa sobre a poesia e outros fragmentos. São Paulo: Iluminuras, 1994. p.87).

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uma vez a submissão a escolas literárias.99 O mesmo conselho ressurge pela pena de Sílvio

Romero:

devemos fugir dos excessos românticos, dos excessos parnasianos, dos excessos realistas, e de quaisquer outros sestros unitários e prejudiciais; fujamos de uma receita, de uma tabela, de um cânon, de um programa exclusivista. A arte é a região da liberdade; seja cada um livre de preconceitos e só consulte sua intuição, sua individualidade” (ROMERO, 1953, v.3, p.940).

Também Araripe Júnior, em “A Terra, de Émile Zola, e O homem, de Aluísio Azevedo”

(1888), assume posição análoga ao ponderar que, no seu entender,

escola, em arte, significa o mesmo que absoluto, em arte; e o absoluto, em arte, tenha ele o nome que tiver, realismo, naturalismo, decadentismo, parnasianismo, deliquescência, impressionismo, é sempre funesto, atrofiante, esterlizador. Como disciplina, excelente. Sem dressage, não há bons autores, nem bons cavalos de corridas; contudo, é indispensável que esse dressage não mate o animal, o homem, a força, o talento.100

O Parnasianismo, citado por Araripe Júnior, teve como um de seus principais

representantes Raimundo Correia, cujas Sinfonias foram prefaciadas por Machado de Assis

em 1883. Como o próprio escritor salienta, o leitor não encontraria uma crítica severa porque

esta não é o ofício dos prefácios. Com a justificativa de que “para os leitores maliciosos é que

se fizeram os prefácios astutos, desses que trocam todas as voltas, e vão aguardar o leitor onde

este não espera por eles”101, em vez de dizer, desde logo, o que pensa do poeta, “com palavras

que a incredulidade pode converter em puro obséquio literário” (ibidem), prefere antecipar

uma página do livro, malícia com a qual dá a melhor das opiniões, pois considera impossível

que o leitor não sinta a beleza dos versos de “Mal secreto”, que transcreve em seguida. Nessa

composição, segundo a opinião machadiana, “está o poeta, com a sua sensibilidade, o seu

verso natural e correntio, o seu amor à arte de dizer as coisas, fugindo à vulgaridade, sem cair

na afetação” (ibidem), embora possa não ser sempre a mesma coisa. Portanto, ao mesmo

99 A mesma opinião aparece no “Prefácio de Cromwell”, de Victor Hugo, quando o escritor menciona Voltaire, que teria defendido a liberdade da arte contra o despotismo dos sistemas, dos códigos e das regras (HUGO, 1980, p.72). 100 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. A Terra, de Émile Zola, e O homem, de Aluísio Azevedo. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa,1960, v.2, p.55. 101 ASSIS, Machado de. Raimundo Correia: Sinfonias. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.925.

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tempo em que aponta as qualidades do autor (como é de praxe nos prefácios), Machado

sinaliza que elas nem sempre estão presentes, o que configura uma maneira polida e discreta

de se referir aos desvios da obra.

As incorreções são citadas a propósito do livro de estreia do poeta, Primeiros

sonhos, em que Machado identifica “o cheiro romântico da decadência, e um certo aspecto

flácido; mas tais defeitos, a mesma afetação de algumas páginas a vulgaridade de outras não

suprimem a individualidade do poeta, nem excluem o movimento e a melodia da estrofe”

(ibidem, p.926). O autor considera que algumas composições de tal livro poderiam figurar nas

Sinfonias sem desdizer do tom nem quebrar-lhes a unidade, exprimindo, portanto, a noção de

continuidade de uma obra para a outra.

Ao questionar a evolução do poeta, Machado postula que “era preciso ser sincero,

ainda mesmo nos prefácios” (ibidem), explicando que Raimundo Correia não havia dado tudo

o que se poderia esperar do seu talento (o que podemos concluir, como leitores “maliciosos”,

mediante a avaliação inicial do autor), mas dá muito mais do que antes, afirmando-se entre os

primeiros da nova geração (que examinara três anos antes). O escritor salienta algo que, para

ele, como sabemos, é de grande importância: “o labor do artista sincero e paciente” (ibidem).

Mediante a menção de tal característica e a associação com o poeta francês Banville, podemos

inferir que Machado de Assis filia o poeta à estética do Parnasianismo, que, na época, estava

se aclimatando no País e, mais tarde, seria simbolizada pela chamada “tríade parnasiana”,

formada por Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac.

Entretanto, há uma faceta do poeta apontada por Machado de Assis que podemos

considerar como um desvio da senda parnasiana, que valoriza a chamada “arte pela arte”, e à

qual o autor do prefácio chamou de “parte militante, não contemplativa” (ibidem), em que o

poeta se vale de sua orientação política (republicana e revolucionária). Machado sinaliza que,

nesse campo, o artista “é menor e as ideias menos originais”; as apóstrofes parecem “mais

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violentas do que espontâneas, e o poeta mais agressivo do que apaixonado” (ibidem).

Todavia, garante que não está pondo em dúvida a sinceridade dos sentimentos do poeta e que

se limita a citar a forma lírica e a expressão poética, do mesmo modo que não desrespeita as

suas convicções políticas, dizendo que uma parte, ao menos, do atual excesso ir-se-ia com o

tempo. Também em “A nova geração”, o escritor havia manifestado juízo semelhante quanto

a tal inclinação de alguns poetas, como Fontoura Xavier. Diz que não pede ao poeta que

rejeite as suas opiniões políticas, pois, por menos arraigadas que as julgue, respeita-as, mas

que não abafe as qualidades poéticas, que exerça a imaginação, alteie e aprimore o estilo, e

não empregue o seu belo verso em dar vida nova a metáforas caducas. É interessante notar

que Machado parece, de certa forma, ir contra a sua afirmação em “O passado, o presente e o

futuro da literatura” de que tudo é matéria de poesia, uma vez que possibilite as condições do

belo ou os aspectos dos quais é composto. A impressão que fica é a de que, na sua opinião, os

pendores políticos, quando transpostos para o poema, acabam por transformá-lo em um

panfleto, uma porpaganda, descaracterizando-o, assim como a nota excessivamente realista.

Ao falar de Raimundo Correia na sua História da literatura brasileira, José

Veríssimo também destaca o poema “Mal secreto”, juntamente com “As pombas”, que

considera os mais belos e afamados sonetos do poeta, embora não sejam originais. Louva o

real talento poético do autor e as peregrinas qualidades de sua expressão, bem como afirma

que “o apuro, mesmo a rebusca, da forma não prejudicou nem a ingenuidade do sentimento

nem a sua expressão natural, nem tampouco a essência de nosso lirismo literário”

(VERÍSSIMO, 1954, p.306). Por isso, identifica Raimundo Correia como um dos maiores

poetas brasileiros após o Romantismo.

Como vemos, Machado de Assis não só analisa os textos, apontando suas

qualidades e defeitos, mas também se preocupa em aconselhar os poetas a fim de que

busquem aprimoramento constante. E, para isso, seria preciso consorciar o antigo com o novo,

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não se submeter a escolas e doutrinas que empobreçam a imaginação e a individualidade,

preocupar-se com o apuro da forma, mas sem torná-lo um obstáculo ao desenvolvimento das

ideias e ao exercício da simplicidade, conceitos que, de maneira geral, foram aplicados por

Machado de Assis em sua própria produção poética, estão presentes em “Notícia da atual

literatura brasileira: instinto de nacionalidade” e foram reiterados por críticos como

Capistrano de Abreu, Sílvio Romero, Araripe Junior e José Veríssimo. Essa perspectiva

assinala o compromisso com o crescimento da literatura no País, fazendo da crítica meio de

correção e incentivo, tanto para os escritores examinados quanto para si mesmo.

4.1.2 Drama

Os textos escritos por Machado de Assis referentes ao drama que selecionamos

(de um total de sete) podem ser divididos em dois grupos: no primeiro, estão os que discutem

a situação do teatro brasileiro de forma geral e, no segundo, figuram os que analisam,

separadamente, a obra de Gonçalves de Magalhães, José de Alencar, Joaquim Manuel de

Macedo e Castro Alves. Neles, percebemos, como explica Helena Tornquist, o

posicionamento do crítico que precisa, “de um lado, manter-se atualizado com a evolução

natural da arte ocidental, em decorrência do desenvolvimento geral da sociedade; de outro,

não perder de vista a realidade em que estava inserido, o que significa atentar para o público

de seu país”.102

Nos meses de setembro, outubro e dezembro de 1859, no periódico O Espelho,

Machado de Assis apresenta algumas “Ideias sobre o teatro”. Primeiramente, afirma que a arte

dramática não era ainda um culto no Brasil e que as vocações se definiam e educavam-se

como resultado acidental. Explica que o teatro se reduzira ao simples foro de uma secretaria

102 TORNQUIST, Helena. Localismo e universalidade na crítica brasileira na passagem para a modernidade. In: MOREIRA, Maria Eunice; CAIRO, Luiz Roberto Velloso. Questões de crítica e historiografia literária. Porto Alegre: Nova Prova, 2006. p.28.

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de Estado, em que o talento se prendera no monótono emprego de copiar as formas comuns.

Portanto, nesse ensaio, Machado procura retomar e ampliar os juízos emitidos no ano anterior,

em “O passado o presente e o futuro da literatura”, no tocante ao drama no País.

Na opinião do crítico, a situação acima, definida por ele como “prostituição

imoral”103, decorria principalmente da falta de iniciativa, relacionada tanto ao tablado quanto

às plateias. Garante que era preciso acabar com o divórcio entre arte e público, uma vez que

acredita ser o teatro, para o povo, uma iniciativa de moral e civilização. Em “Carta sobre a

atualidade do teatro entre nós”, Álvares de Azevedo também afirma que o teatro tem um fim

moralizador e literário, lamentando a sua situação no Brasil (AZEVEDO in: COUTINHO,

1974, v.1). A. C. Tavares Bastos, em carta publicada a propósito do drama A providência, de

Joaquim Cândido de Azevedo Marques na Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano

(1858), explica que “a sublimidade só existe onde mais prevalecem os princípios de moral”.104

A mesma opinião é defendida por Araújo Porto-Alegre – “O nosso teatro dramático” (O

Guanabara, 1852), Agrário de Menezes – “Carta dirigida ao secretário do Conservatório

Dramático do Rio de Janeiro” (Dionysos, 1857), Quintino Bocaiúva – “Lance d’olhos sobre a

comédia e sua crítica” (Estudos críticos e literários, 1857-1858), Henrique César Muzzio –

“Teatro do Ginásio: Os mineiros da desgraça” (Diário do Rio de Janeiro, 1861), Joaquim

Manuel de Macedo – “Crônica da semana” (Jornal do Comércio, 1861).

A noção de moral associada ao teatro, em voga mediante as peças escritas nos

moldes da escola realista, representada pelos escritores franceses Alexandre Dumas Filho,

Théodore Barrière, Émile Augier e Octave Feuillet, já havia sido postulada por um dos mais

influentes representantes do Romantismo alemão: Friedrich Schiller. Para ele, “o teatro, mais

do que qualquer outra instituição pública do Estado, é uma escola da sapiência prática, um

103 ASSIS, Machado de. Ideias sobre o teatro. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.804. 104 BASTOS, A. C. Tavares. Carta a propósito do drama A providência. In: CASTELLO, José Aderaldo. Textos que interessam à história do romantismo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1960. v.II, p.131.

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guia para a vida comunitária, uma chave infalível para as mais recônditas portas da alma

humana”.105 O escritor acreditava que seria possível “combater, do teatro, os erros da

educação. [...] Só o teatro, em cenas comoventes e consternadoras, poderia apresentar-lhe [ao

Estado] as desventuradas vítimas de uma educação descurada” (ibidem, p.40). Schiller

considera ainda que um bom e permanente palco exerceria grande influência sobre o espírito

da nação, definido por ele como “a similitude e a consonância de seus [do povo] pareceres e

inclinações quanto a objetos acerca dos quais outras nações opinam e sentem diferentemente”

(ibidem, p.41). O pensador arremata: “se chegássemos a ter um palco nacional, teríamos

também uma nação” (ibidem, p.42). Essa noção é retomada por Victor Hugo, que é citado por

Machado de Assis em crônica de dezembro de 1861, veiculada na seção Comentários da

semana no Diário do Rio de Janeiro –

diz Victor Hugo no prefácio da Lucrécia Borgia: “O teatro é uma tribuna, o teatro é um púlpito. O drama, sem sair dos limites imparciais da arte, tem uma missão nacional, uma missão social e uma missão humana. Também o poeta tem cargo de almas. Cumpre que o povo não saia do teatro sem levar consigo alguma moralidade austera e profunda. A arte só, a arte pura, a arte propriamente dita, não exige tudo isso do poeta; mas no teatro não basta preencher as condições da arte”.106

Assim, nas palavras de Schiller e Victor Hugo, também podemos identificar a

noção de sentimento íntimo, discutida no capítulo anterior e, como vimos, retomada e

defendida por grande parte dos críticos brasileiros.

Além disso, ao atribuir ao teatro feição moralizadora, é evidente que a

preocupação do crítico se volta não só para o lado produtivo, mas também para o lado

receptivo do processo, ou seja, é preciso focalizar o público. Para Machado de Assis, a

reforma da arte dramática havia chegado ao Brasil, mas sua ação sobre o povo era muito

limitada. Esclarece que o drama havia se tornado uma carreira pública, e os governos se

restringiam ao apoio material das subvenções e deixavam entregue o teatro a mãos profanas

105 SCHILLER, Friedrich. O teatro considerado como instituição moral. In: _____. Teoria da tragédia. São Paulo: Herder, 1964. p.36. 106 ASSIS, Machado de. Comentários da semana. In: _____; FARIA, João Roberto (org.). Do teatro: textos críticos e escritos diversos. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.254.

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ou maléficas. Da mesma forma, para Joaquim Manuel de Macedo (“Crônica da semana”,

1861), a subvenção, do modo por que foi concedida, não preencheu os fins que devia ter, pois

“significou somente um auxílio para se sustentar um simples divertimento público, e devia

significar um auxílio para se criar um teatro normal”.107 Tal situação também fora registrada

por José de Alencar em “O teatro brasileiro, A propósito d’O Jesuíta” (1875): “a empresa do

Teatro de S. Pedro de Alcântara recebia uma subvenção do Estado, como auxílio ao

desenvolvimento da arte dramática; e era obrigada por um contrato a montar peças brasileiras

de preferência a estrangeiras, determinadamente nos dias de gala. Dessa obrigação eximia-se

ela com a razão da falta de obras originais dignas de cena” (in: COUTINHO, 1978. p.28).

Cumpre registrar que, quanto a esse tema, a posição de Macedo Soares divergia da assumida

pela maioria dos escritores, pois, para ele, o governo não deveria subsidiar companhias

dramáticas e, portanto, o teatro deveria submeter-se à doutrina liberal da concorrência. A

opinião de Macedo Soares prevaleceu, pois não foi criada uma escola de teatro amparada pelo

governo, e as companhias dramáticas não receberam subvenção (FARIA in: ASSIS; FARIA,

2008, p.59-60).

Se, no que tange ao teatro como tablado, Machado de Assis aponta a degeneração,

no que se refere à qualidade literária, a opinião também não era animadora: não possuía cunho

local, refletia as sociedades estranhas, ia ao impulso de revoluções alheias à coletividade que

representava. Portanto, podemos concluir que faltava o “sentimento íntimo” reivindicado anos

mais tarde. A causa apontada pelo escritor era a falta de emulação vinda das plateias, cuja

educação era viciosa, proporcionando o nascimento do tradutor dramático. Na já referida

advertência a O jesuíta, José de Alencar registra, por ocasião do fracasso da representação da

peça, opinião semelhante a respeito do gosto do público brasileiro, isto é, a preferência por

espetáculos estrangeiros em detrimento das produções nacionais. O mesmo juízo fora

107 MACEDO, Joaquim Manuel de. Crônica da semana. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.530.

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expresso por Joaquim Nabuco no texto sobre O jesuíta (O Globo, 1875), que iniciara a

polêmica travada com Alencar: “o artista vive entregue a si próprio. Sem estímulos, explora o

gosto das plateias cujo paladar saturou-se do sal grosso dos calembourgs obscenos [...] O

teatro deixou de ser escola de costumes e de língua, a estética desertou dali e a imprensa

emudeceu” (in: COUTINHO, 1978, p.16).

Dessa forma, instaura-se um círculo vicioso: as plateias não prestigiam o teatro,

que, por conseguinte, é abandonado pelos escritores brasileiros, que cedem lugar ao tradutor

dramático, cujo trabalho pouco meritório não desperta, no público, o gosto pela representação

nem exerce o caráter moralizador que Machado de Assis, a exemplo de Schiller, Victor Hugo

e os escritores da escola realista, reivindica.

Assim, a arte, segundo Machado de Assis, em vez de caminhar na vanguarda do

povo como uma preceptora, copia as sociedades ultrafronteiras.108 O escritor lamenta tal

situação, pois acredita que a palavra dramatizada no teatro seria capaz de efetuar uma

transformação, apresentando a verdade nua, sem demonstração, sem análise ao reproduzir a

sociedade “no espelho fotográfico de forma dramática” (ASSIS, 1959, v.3, p.807), noção que

se associa à de “daguerreótipo moral”, expressão empregada por José de Alencar, como

veremos adiante. Assim, à arte, segundo o crítico, cumpre assinalar as aspirações éticas do

povo, aperfeiçoando-as e conduzindo-as a um resultado de grandioso futuro.

É interessante salientar a posição de Aluísio Azevedo em “A Flor de Lis” (Gazeta

da Tarde, 1882), que, ao concordar com a noção de que o teatro seria “a síntese da moral, do

caráter, da índole, dos costumes e das aptidões artísticas e políticas do povo que representa”,

explica que, em um país como o Brasil, que não possuía caráter nacional, nem ciência, nem

arte, nem literatura, só havia, no teatro, uma manifestação possível: “o disparate, o burlesco, o

ridículo exagerado feito de cores vivas, de sons estridentes e de pilhérias velhacas e 108 Também Lessing, no século XVIII, havia censurado, na Alemanha, a emergência de um teatro afrancesado, que teria sido introduzido sem a verificação de seu ajuste à mentalidade do país (LESSING, Gotthold Ephraim. De teatro e literatura. São Paulo: Herder, 1964. p.110).

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extravagantes”. Assim, embora lamente tal situação, o escritor adverte: “é infantil, é quase

ridículo exigir que ele [o teatro brasileiro] seja moral, fecundo e reformador”.109 Portanto, o

teatro refletia o atraso intelectual do povo brasileiro, que não poderia ser modificado da noite

para o dia.110 Da mesma forma, o irmão de Aluísio, Artur Azevedo, acusado por alguns, como

Coelho Neto e Cardoso da Mota, de contribuir para a situação do teatro do País com suas

revistas e paródias111, defende-se (O País, 1905), explicando que, ao tentar fazer “bom

teatro”, acabou ele desiludido e o empresário sacrificado, em função da pouca atenção do

público a tal tipo de composição. Explica ser inviável abusar da influência que tinha para

impingir a um empresário uma peça que valeria muitos elogios da imprensa, mas não traria

nenhuma vantagem a quem a bancava. Portanto, afirma: “não sacrifico o interesse alheio às

minhas veleidades de escritor dramático”.112 A tal opinião podemos opor a de Adolfo

Caminha, em “Pseudoteatro” (Cartas literárias, 1885): “O teatro – como o romance e a

poesia – não é somente um meio de ganhar dinheiro. Não se compreende a Arte sem intenções

civilizadoras, e, a meu ver, toda a produção artística deve trazer um profundo caráter popular

e nacional”.113 Portanto, Artur traz à tona um paradoxo enfrentado pelos artistas: de um lado,

109 AZEVEDO, Aluísio. A Flor de Lis. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.578. 110 Tal artigo teria sido escrito em função da acusação de imoralidade que a opereta Flor de Lis, de Aluísio e Artur Azevedo, recebeu da imprensa (FARIA, 2001). 111 A revista de ano repassava tudo o que havia sido importante ou que obtivera repercussão no ano anterior (acontecimentos políticos, lançamento de obras literárias, personalidades, etc.). Tal conteúdo era personificado em cena e ganhava tratamento cômico, algumas vezes de alcance crítico ou satírico. Esse gênero tornou-se o mais popular do teatro brasileiro nos dois últimos decênios do século XIX. Também a opereta, vinda da França, em que a música tinha mais atrativo do que o texto, fez sucesso no Brasil, mediante o seu princípio paródico, que transferia a ação da peça para o País. A mágica também teve espaço, consistindo em um tipo de peça, cujo repertório vinha da França e de Portugal, com enredo cômico, alegórico ou moralista – despreocupado com a verossimilhança –, que funcionava como pretexto para a encenação de truques e surpresas. Tais atrações eram predominantemente encenadas no Alcazar Lírico, teatro fundado em 1859, e, como vimos, censuradas pela grande maioria dos críticos e escritores da época (FARIA, 2001). 112 AZEVEDO, Artur. Em defesa. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.603. 113 CAMINHA, Adolfo. Pseudo-teatro. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.630.

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está o compromisso com a arte; do outro, a necessidade de sobrevivência, que, para muitos,

implica o sacrifício daquele para agradar o gosto do público.

Retomando as “Ideias sobre o teatro”, verificamos que Machado de Assis também

aborda o corpo policial da literatura dramática: o conservatório dramático, cujos fins seriam

moral e intelectual. Para o crítico, a instituição (da qual viria a exercer a função de censor,

emitindo pareceres entre os anos de 1862 e 1864) assume importância significativa, pois seria

responsável pela feição civilizadora que porventura assistiria ao teatro.

Todavia, quanto ao conservatório dramático brasileiro, o escritor considera que

ele possuía apenas o primeiro fim, não exercendo a função civilizadora de julgar do valor

literário de uma composição. Gonçalves Dias, no Prólogo a Leonor de Mendonça (1846), já

havia atentado para a ausência de critério literário no julgamento das obras, que se baseava

apenas em um regulamento policial.114 Assim, Machado de Assis pede aos governos que

compreendam que o teatro constitui corpo de iniciativa nacional e humana (concepção de

Schiller) e, portanto, solicita a realização de uma reforma, já reclamada no texto de 1858, a

fim de que, ao conservatório, coubesse desenvolver o elemento dramático na literatura,

emancipando o teatro e não expondo as plateias aos barbarismos das traduções de fancaria.

Tais “ideias sobre o teatro” são reiteradas quando Machado de Assis exerce o

mister de censor do conservatório dramático. No parecer sobre o drama Clermont ou a mulher

do artista (março de 1862), cujo autor não é explicitado, o escritor lamenta que

os nossos teatros se alimentem de composições tais, sem a menor sombra de mérito, destinadas a perverter o gosto e a contrariar a verdadeira missão do teatro. Compunge deveras um tal estado de coisas a que o governo podia e devia pôr termo iniciando uma reforma que assinalasse ao teatro o seu verdadeiro lugar.115

Percebe-se que, mesmo durante a passagem de Machado de Assis pela instituição,

o julgamento do valor literário do texto não tinha relevância, prevalecendo apenas o critério

114 DIAS, Gonçalves. Prólogo a Leonor de Mendonça. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.353. 115 ASSIS, Machado de. Parecer sobre o drama em três atos Clermont ou a mulher do artista. In: _____; FARIA, João Roberto (org.). Do teatro: textos críticos e escritos diversos. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.264.

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moral para aprovar ou não a representação de uma peça, o que se depreende da seguinte

manifestação que encerra o parecer citado:

sinto deveras ter de dar o meu assenso a esta composição porque entendo que contribuo para a perversão do gosto público e para a supressão daquelas regras que devem presidir ao teatro de um país de modo a torná-lo uma força de civilização. Mas como ela não peca contra os preceitos da nossa lei, não embaraçarei a exibição cênica de Clermont ou A mulher do artista, lavrando-lhe todavia condenação literária e obrigando pelas custas autor e tradutor (ibidem).

O mesmo se verifica no parecer sobre A caixa do marido e a charuteira da

mulher, de J. P. B. (janeiro de 1863): “se estivesse nas minhas obrigações a censura literária,

com certeza lhe negaria o meu voto; mas não sendo assim, julgo que pode ser representada em

qualquer teatro”.116

Dois anos após encerrar suas atividades como censor dramático117 e, portanto,

com maior autoridade para discorrer sobre o teatro brasileiro, Machado de Assis volta a

abordar o tema na Semana Literária, seção do Diário do Rio de Janeiro, em fevereiro de

1866. Escreve “O teatro nacional”, texto em que faz um diagnóstico da cena teatral no País

para justificar a necessidade da criação de uma academia dramática. Portanto, o tom e as

reivindicações desse ensaio não diferem dos anteriores.

Segundo Machado de Assis, o teatro brasileiro passava por momento

desanimador. Ele não mais servia para educar o gosto, mas apenas para desenfastiar o espírito

em dias de aborrecimento. O autor sentencia: “não está longe a completa dissolução da arte;

alguns anos mais, e o templo será um túmulo”.118 Na advertência a O jesuíta, nove anos

depois, José de Alencar registra que a situação não mudara, pois, segundo ele, “o afastamento

dos autores dramáticos não é um egoísmo, mas um banimento. O charlatanismo expulsou a

arte do templo” (in: COUTINHO, 1978, p.22). Machado de Assis aponta como principal 116 ASSIS, Machado de. Parecer sobre a farsa em 1 ato A caixa do marido e a charuteira da mulher . In: _____; FARIA, João Roberto (org.). Do teatro: textos críticos e escritos diversos. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.297. 117 Machado voltaria a exercer tal cargo a partir de 1871, com a criação de um novo conservatório dramático, mas, segundo João Roberto Faria, não se conhece o destino da documentação referente aos 26 anos da segunda fase da instituição (ASSIS; FARIA, 2008, p.93). 118 ASSIS, Machado de. O teatro nacional. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.872.

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causa dessa conjuntura o Ultrarromantismo, responsável pelo aparecimento de uma série de

criações informes, sem nexo, sem arte e sem gosto, seguido do Ultrarrealismo, com suas

imitações e exagerações, ocorrência que havia sido apontada e lamentada por Castro Alves,

em “Impressões de teatro” (1866), para quem tais composições faziam do teatro “uma mancha

na face do século”.119 Quintino Bocaiúva acusa tais produções de apresentarem como

resultados “a exacerbação dos espíritos e a corrupção dos costumes, a extravagância das

ideias e a deturpação dos sentimentos”.120 Também Sílvio Romero refere-se a esse tipo de

criação: “o que mais agradava eram os dramalhões massudos, repletos de assombros, de

crimes, de assassinatos, de aparições e coisas deste gênero” (1954, v.5, p.1.573). O próprio

Machado de Assis tematiza tal conjuntura nos contos “A chinela turca”, de Papéis avulsos

(1882), em que a personagem Lopo Alves, após assistir à representação de uma peça do

gênero Ultrarromântico, decide escrever um drama nos mesmos moldes, isto é, com “os

lances, os caracteres, as ficelles e até o estilo dos mais acabados tipos do romantismo

desgrenhado”121, e “A causa secreta”, de Várias histórias (1896), em que a personagem

Fortunato assiste a “um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos”.122

A. C. Tavares Bastos, na já referida carta publicada a propósito do drama A

providência, de Joaquim Cândido de Azevedo Marques, acredita que o teatro nacional só

poderia se erguer se fossem dramatizadas, atendendo às leis da arte, ações históricas. Assim,

esse teatro seria capaz de, quando o Brasil fosse “grande na América e respeitado na Europa”,

reduzir “ao pó do esquecimento esse enxame de tanta composição sem fogo nem poesia, esses

autos, comédias, vaudevilles, melodramas e tantas outras depravações por onde maus poetas

119 ALVES, Castro. Impressões de teatro. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.400. 120 BOCAIÚVA, Quintino. Lance d’olhos sobre a comédia e sua crítica. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001, p.455. 121 ASSIS, Machado de. A chinela turca. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.2. p.295. 122 ASSIS, Machado de. A causa secreta. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.2. p.498.

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têm arrastado a imarcescível pureza da arte divina” (BASTOS in: CASTELLO, 1960, v.II,

p.129).

Juntamente com tais causas, denominadas históricas por Machado de Assis, agiria

outra: a necessidade de criar uma academia dramática que pudesse servir para a reforma do

gosto do público. O autor esclarece que a instituição de um teatro normal já fazia parte das

preocupações do governo brasileiro, que, em 1862, nomeara comissão para propor medidas

que melhorassem o teatro nacional. Entre os objetivos, estavam a construção de edifício

destinado à cena dramática (a exemplo do que ocorrera na França), a Comédia Brasileira, bem

como a criação de um conservatório dramático. Após apresentar mais detalhes sobre as ideias

da comissão, o autor afirma que, enquanto a reforma não se efetuava, aproveitaria para fazer

um estudo dos principais autores dramáticos brasileiros, sob a forma de balanço do passado,

pois acreditava que a Comédia Brasileira iniciaria nova era para a literatura. Aqui

percebemos, mais uma vez, a aplicação do princípio revelado no texto de 1865: a crença de

que as conclusões do crítico serviam tanto à obra concluída como à obra em embrião, noção

válida também para Sílvio Romero: “em crítica literária, deve dominar a ideia capital de uma

revisão franca dos títulos dos nossos escritores” (ROMERO, 1953, v.1, p.168).123 Entretanto,

quanto à reforma, como explica João Roberto Faria (ASSIS; FARIA, 2008, p.73), as

esperanças foram frustradas e os seus prognósticos não se concretizaram. O governo

negligenciou o teatro brasileiro, o que resultou na derrocada da dramaturgia de cunho literário

nos anos subsequentes, situação expressa no já mencionado texto de Joaquim Nabuco, que

acusava o governo brasileiro e o conservatório dramático de serem indiferentes ao futuro do

teatro no País.

123 Tal postura havia sido defendida por Edgar Allan Poe ao tratar do teatro norte-americano, atribuindo importância à crítica discriminativa do que já havia sido realizado e propondo-se a assumir tal encargo a fim de contribuir com o drama em geral e o norte-americano em especial (POE, Edgar Allan. El teatro dramatico norteamericano. In: _____. Obras en prosa de Edgar Allan Poe. San Juan: Universidad de Puerto Rico; Madrid: Revista de Occidente, 1956. t.2. p.452).

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Iniciando o estudo referido, Machado se ocupa do teatro de Gonçalves de Magalhães

em fevereiro de 1866. Explica que o nome do escritor estava ligado à história do teatro

brasileiro, pois, aos seus esforços, deveu-se a reforma da cena no tocante à arte de

declamação, e suas tragédias foram o primeiro passo firme da arte nacional. Entretanto, o

autor, que escrevera apenas duas tragédias, não seria, na opinião do criador de Helena, “um

talento dramático na acepção restrita da expressão”.124 Dessa forma, o crítico explica que o

que se deveria procurar nas tragédias de Gonçalves de Magalhães não seria o resultado de

uma vocação, mas de esforço intelectual empregado no trabalho de uma forma que não era a

sua. Opinião semelhante manifestou José Veríssimo quanto ao caráter romântico das peças do

autor ao afirmar que este pertencera ao movimento mais por estudo e propósito do que

vocação (VERÍSSIMO, 1954, p.312). Mesmo assim, Machado de Assis afirma que

Magalhães fora o fundador do teatro brasileiro.125

Machado explica que, escrevendo no momento em que havia a querela entre

românticos e realistas, Gonçalves de Magalhães procurou fazer concessões a ambos, embora

tivesse como objetivo protestar contra o caminho que seguia o drama – graças às exagerações

da escola romântica – procurando infundir no espírito público melhor sentimento de arte. No

prólogo a Olgiato (1841), o dramaturgo desabafa:

não posso de modo algum acostumar-me com os horrores da moderna escola; com essas monstruosidades de caracteres preternaturais, de paixões desenfreadas e ignóbeis, de amores licenciosos, de linguagem requintada, à força de querer ser natural; enfim, com essa multidão de personagens e de aparatosos coups de théâtre, como dizem os franceses, que estragam a arte e o gosto, e convertem a cena em uma bacanal, em uma orgia da imaginação sem fim algum moral, antes em seu dano.126

Todavia, segundo Machado de Assis, em vista da produção pouco ativa, apenas

esforços isolados e intermitentes surgiram após suas obras, mas sem eficácia. O mesmo ponto

124 ASSIS, Machado de. O teatro de Gonçalves de Magalhães. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.877. 125 A historiografia posterior estabeleceu que, juntamente com Gonçalves de Magalhães, foram responsáveis pela fundação do teatro brasileiro Martins Pena e o ator João Caetano (ASSIS; FARIA, 2008, p.77). 126 MAGALHÃES, Gonçalves de. Prólogo a Olgiato. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.335.

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de vista é expresso por Luís Ramos Figueira, que, em seu parecer sobre o título de chefe da

literatura brasileira dado a Gonçalves de Magalhães, publicado na Revista Mensal do Ensaio

Filosófico Paulistano (1863), considera que o autor foi responsável pelo impulso de lançar as

bases para fundar um teatro nacional e uma literatura dramática brasileira, buscando fugir da

exageração da escola da restauração na França, sem, todavia, conseguir impedir a invasão da

escola realista desse país e sua imoralidade.127

Ao referir-se à peça Antônio José, Machado de Assis garante que não seria possível

nela reconhecer o caráter de uma tragédia, pois Gonçalves de Magalhães não dera atenção

suficiente ao elemento puramente trágico, que deveria dominar a ação, e que, conforme o

ponto de vista machadiano, só existia no quinto ato. Além disso, a versificação e o estilo são

diferentes entre os primeiros atos e o último. Embora reconheça haver duas situações

dramáticas, uma no terceiro e outra no quarto ato, Machado esclarece que elas não

compensam a frieza e a ausência de paixão predominantes na peça.

Quanto a Olgiato, o crítico considera que, quando o autor põe na boca dos

personagens conceitos filosóficos e reflexões morais, entra no seu gênero, produzindo efeitos

excelentes; mas, ao estabelecer a luta dramática e fazer a pintura dos caracteres, falta-lhe a

imaginação própria e especial da cena. Embora reconheça o acerto na escolha do assunto da

peça, por suas condições dramáticas, Machado discorda de uma das razões oferecidas por

Magalhães no prefácio a respeito da exclusão do tirano Galeazzo: a de ser ele um dos frios

monstros da humanidade. O crítico esclarece que o autor tinha o direito de transportar para a

cena o Galeazzo da história, sem ofensa aos olhos do espectador, uma vez que conservasse a

verdade íntima do caráter. Acrescenta que a poesia não tem o dever de copiar integralmente a

história sem cair no papel secundário e passivo do cronista. Nesse sentido, Machado está de

acordo com Martins Pena, quando este afirma, no Prefácio a D. Leonor Teles (1839), que

127 FIGUEIRA, Luís Ramos. Parecer. In: CASTELLO, José Aderaldo. Textos que interessam à história do romantismo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1960. v.II. p.175.

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“não tem o drama a extensão da história para poder mostrar um reinado inteiro, e que a sua

missão não é contar fatos, mas sim descrever caracteres de personagens, quaisquer que elas

sejam”.128 Quanto à afirmação do poeta de que não poderia alterar a realidade histórica por

fazer uma tragédia e não um drama, Machado de Assis postula que

quando o poeta, seja trágico, dramático ou cômico, vai estudar no passado os modelos históricos, uma única lei deve guiá-lo, a mesma lei que o deve guiar no estudo da natureza, e essa lei impõe-lhe o dever de alterar, segundo os preceitos da boa arte, a realidade da natureza e da história (ASSIS, 1959, v.3, p.880).129

Opinião diversa é expressa por José de Alencar na já referida advertência à peça O

jesuíta. Para ele,

o domínio da arte na história é a penumbra em que esta deixou os acontecimentos, e da qual a imaginação esurge (sic) por uma admirável intuição, por uma como exumação do pretérito, a imagem da sociedade extinta. Só aí é que a arte pode criar; e que o poeta tem direito de inventar; mas o fato autêntico, não se altera sem mentir à história” (in: COUTINHO, 1978, p.29).130

Quando criticado por Joaquim Nabuco a respeito da caracterização de Basílio da

Gama feita em sua peça, Alencar responde que

em 1759 não tinha ele senão 18 anos e era simples noviço. Sua individualidade não se tinha formado, e estava bem longe do poeta que veio a ser muitos anos depois. É nestas condições que ele figura no drama; e ninguém dirá que seu papel esteja em contradição com o caráter histórico” (ibidem, p.40).

Portanto, diferentemente de Gonçalves de Magalhães e José de Alencar, para

Machado de Assis, a arte deveria ter autonomia em relação à história, uma vez que lida com a

criação e a subjetividade, enquanto esta trabalha com fatos e precisa, na medida do possível,

ostentar certa objetividade. Após expor tão claramente a sua concepção a respeito da criação

teatral, o autor, embora reafirme que as tendências de Gonçalves de Magalhães não eram

128 PENA, Martins. Prefácio a D. Leonor Teles. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001.p.330-331. 129 Explicação semelhante é oferecida por Machado de Assis na advertência de seu poema herói-cômico O Almada: “No poema estão os principais elementos da história, com as modificações e acréscimos que é de regra e direito fazer numa obra de imaginação” (ASSIS, 1959. v.3. p.243). 130 Alencar parece reproduzir o juízo de Victor Hugo, para quem “a liberdade do poeta é mais completa, e o drama ganha com estas latitudes que lhe deixa a história” (HUGO, 1980, p.77).

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dramáticas, reconhece-lhe os serviços, o bom exemplo que deu e a consciência no

desempenho de uma missão voluntária.

É curioso que Gonçalves de Magalhães compôs um poema épico indianista com o

intuito de contribuir para a construção do caráter nacional da literatura brasileira, mas

escreveu tragédias ambientadas em Portugal (Antônio José) e na Itália (Olgiato). Admira

também que, mesmo vindo da França, onde Victor Hugo estabelece que o teatro romântico é

responsável pela fusão do grotesco e do sublime, isto é, comédia e tragédia, dando origem ao

drama (Prefácio de Cromwell), Magalhães continuava fiel ao modelo clássico. Gonçalves

Dias, principal figura da poesia indianista, também escreveu peças de cunho histórico, mas já

sob a forma de dramas, e ambientadas fora do Brasil, em Portugal (Leonor de Mendonça),

Itália (Beatriz Cenci), Alemanha e Polônia (Patkul) e Espanha (Boabdil).

Continuando seu estudo sobre o teatro brasileiro, Machado de Assis ocupa-se, em

abril, daquele a quem considerava um dos mais fecundos e laboriosos poetas dramáticos do

País: José de Alencar. Aponta como traço do talento dramático do autor a observação das

coisas, sem cair no excesso, e procede a uma explicação em que podemos vislumbrar o germe

da noção de “sentimento íntimo”, desenvolvida anos depois. Julgava ser necessário que

uma obra dramática, para ser do seu tempo e do seu país, reflita uma certa parte dos hábitos externos e das condições e usos peculiares da sociedade em que nasce; mas além disto, quer a lei dramática que o poeta aplique o valioso dom da observação a uma ordem de ideias mais elevadas e é isso justamente o que não esqueceu o autor do Demônio Familiar.131

Mesmo considerando o quadro de Verso e reverso, obra que marcou a estreia de

Alencar como dramaturgo em 1857, restrito demais para empregar rigorosamente tal condição

da arte – a peça tem apenas dois atos, que mostram um estudante de São Paulo que, ao chegar

ao Rio de Janeiro, não vê as maravilhas que esperava, e sim um inferno, mas muda de ideia,

passando a considerar a cidade um paraíso, ao apaixonar-se pela prima, de quem fica noivo ao

131 ASSIS, Machado de. O teatro de José de Alencar. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.882.

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final –, o crítico garante que essa comédia elegante merecia a atenção dos espectadores,

graças ao seu pensamento capital – o efeito do amor no resultado das impressões do homem –,

ao desenho feliz de alguns caracteres e às excelentes qualidades do diálogo. Louva também a

novidade da forma, que busca consorciar os progressos da arte moderna (leia-se realista) às

lições da arte clássica, fusão que, como já vimos, é apreciada pelo crítico.

Para Machado de Assis, a peça O demônio familiar pertence à alta comédia e

explora quadro mais vasto. Cumpre assinalar que foi com ela que Alencar aderiu ao teatro

realista, que, na sua opinião, consistia no aperfeiçoamento da escola dramática de Moliére,

realizado por Alexandre Dumas Filho, conferindo-lhe a naturalidade que faltava e fazendo o

teatro reproduzir a vida da família e da sociedade como um daguerreótipo moral (“A comédia

brasileira”, Diário do Rio de Janeiro, 1857).132

O criador de Iaiá Garcia elogia a concepção do protagonista, Pedro, pois

considera que suas atitudes são perfeitamente explicadas em seu caráter, que não se desmente

desde a entrada em cena até o fim da peça. Aqui percebemos traço recorrente nos textos

críticos de Machado de Assis: a importância atribuída à concepção das personagens, que

deveria primar pela verossimilhança. O crítico afirma que a ação da peça corre ligeira,

interessante, comovente, através de quatro atos bem deduzidos e bem terminados. Acrescenta

que as conclusões de O demônio familiar, como as de Mãe, têm um caráter social que

consolam a consciência sem saírem das condições da arte e que, pela própria pintura dos

sentimentos e dos fatos, são um protesto contra a instituição do cativeiro: em Mãe, é a escrava

que se sacrifica à sociedade, por amor do filho; em O demônio familiar, é a sociedade que se

vê obrigada a restituir a liberdade ao escravo delinquente. Nesse ponto, percebemos a

aplicação da noção de moral que Machado atribui ao teatro no tocante ao seu papel na

sociedade, capaz de levar o público a refletir sobre questões em voga no momento sem

132 ALENCAR, José de. A comédia brasileira. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001.p.471.

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assumir caráter prescritivo. Também José Veríssimo elogia a peça, que considera a melhor

obra de teatro de Alencar. Afirma que dela se depreende o fito do teatro para o autor, que

seria “a discussão dos problemas de ordem moral que interessam a sociedade

contemporânea”, que consiste na “concepção do teatro posterior ao Romantismo, desde a

dramaturgia burguesa dos franceses, mestres no gênero, até a de Ibsen, Tolstoi ou

Sudermann” (VERÍSSIMO, 1954, p.230).

Entretanto, havia quem discordasse completamente da opinião expressa por

Machado de Assis e José Veríssimo. Joaquim Nabuco, na já referida polêmica travada com

Alencar, afirma, em relação a O demônio familiar, que “essa comédia de costumes não conta

a vida de nossa sociedade, mas deprime e desmoraliza a nossa família, sem mesmo ter o

mérito da verdade” (in: COUTINHO, 1978, p.105). Nabuco garante que não havia, entre os

negros criados no Brasil, um só que falasse a língua inventada por Alencar para o protagonista

da peça. Acrescenta que, “como obra de teatro, Demônio familiar não tem o menor

merecimento; não há nele conhecimento algum da cena, nenhum desses indivíduos têm um

caráter; quando tomam um ar sério, são ridículos, quando querem fazer rir, entristecem”

(ibidem, p.109).

Além de apontar senões na composição da peça, Nabuco desaprova o seu tema.

Embora atribua ao teatro o mesmo caráter moralizador reivindicado por Machado de Assis,

acredita que

há certas máculas sociais que não se devem trazer ao teatro, como o nosso principal elemento cômico, para fazer rir. O homem do século XIX não pode deixar de sentir um profundo pesar, vendo que o teatro de um grande país, cuja civilização é proclamada pelo próprio dramaturgo escravagista (o seu teatro só abala a escravidão em nosso espírito, não no dele) acha-se limitado por uma linha negra e nacionalizado pela escravidão (ibidem, p.106).

Nabuco ainda garante não haver sociedade mais desprezível e ridícula do que aquela que

Alencar chamou de brasileira.

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Como resposta a tal posicionamento de Nabuco, Alencar afirma, com muita

propriedade, que “a escravidão é um fato de que todos nós brasileiros assumimos a

responsabilidade, pois somos cúmplices nele como cidadãos do Império. Nenhum filho desta

terra, por mais adiantadas que sejam suas ideias, tem o direito de eximir-se à solidariedade

nacional, atirando ao nome da pátria, como um estigma, os erros comuns” (ibidem, p.119). O

autor de Iracema ainda pergunta: “Que ideia faz este senhor de literatura, e sobretudo de

literatura nacional? Acaso está ele convencido de que a arte e a poesia podem existir em um

estado de completa abstração da sociedade em cujo seio se formam?” (ibidem, p.121)

As considerações tecidas por Sílvio Romero a respeito do motivo pelo qual as peças

de Martins Pena haviam sido esquecidas e afastadas do palco poderiam se aplicar ao ponto de

vista sustentado por Joaquim Nabuco:

num país onde a maioria da população é de gente de cor, de mestiços de todas as gradações, essas coisas [escravos, moleques, mucamas, cafusos em cena] não agradam, não podem agradar, e nós, a despeito de todas as nossas pretensões liberalizantes, temos em larga escala, inegavelmente, a pretensão e o gosto da branquidade (ROMERO, 1953, v.5, p.1.494).

É interessante notar que Joaquim Nabuco entra em contradição, pois, ao mesmo

tempo em que diz que as personagens de Alencar e a sociedade representada por ele são

falsas, sem relação com a realidade, não aceita a tematização da escravidão, isto é, a

representação de um fato característico da sociedade brasileira. Além disso, podemos perceber

que Nabuco não consegue fazer algo que Machado de Assis considerava fundamental na

conduta de um crítico: separar o escritor do homem. Nabuco relaciona o drama escrito por

Alencar com sua atuação como político.

Mãe, segundo a avaliação machadiana, seria o melhor de todos os dramas nacionais

até então representados: obra verdadeiramente dramática, profundamente humana, bem

concebida, bem executada e bem concluída. O escritor acrescenta que a peça contribui para

inspirar o horror pela instituição do cativeiro sem ser um drama demonstrativo e

argumentador, mas pela simples impressão que produz no espírito do espectador, como

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convém a uma obra de arte. Segundo Machado de Assis, em Mãe, o patético nasce de uma

situação pungente e verdadeira, o que a tornaria a peça capital de José de Alencar, reunindo

paixão, interesse, originalidade e estudo profundo do coração materno. Segundo o próprio

autor da peça, em resposta às críticas de Nabuco, reproduzidas a seguir, o drama é “a

abnegação da mãe que aceita resignada a fatalidade de ser escrava do filho, e prefere essa dor

à outra mais acerba de envergonhá-lo de seu nascimento” (ibidem, p.125). Sílvio Romero

também considera a peça, juntamente com O jesuíta, como uma das melhores criações

dramáticas de Alencar, garantindo ao autor “posto entre os mais distintos escritores do gênero,

não só da língua portuguesa, como da literatura universal” (1954, v.5, p.1.588). Afirma que,

em Mãe, há “cenas que atingem as alturas da verdadeira emoção dramática” (ibidem).133

Mais uma vez, Nabuco discorda da avaliação (um tanto exagerada) de Machado de

Assis; para ele, em Mãe,

há uma cena triste, mas não há um drama; o suicídio que nada tem de necessário nem de fatal é um acidente, que pode impressionar os espectadores, mas que não entra no domínio do teatro; pertence à crônica dos jornais. No drama, há uma ação que se desenvolve e de que sai o desenlace, uma cena para a qual convergem todos os efeitos; um situação que o autor prepara, que o público espera. O drama é a luta, é o esforço, é a paixão, não é a desgraça nem a loucura (ibidem, p.110).

Além de censurar a linguagem, os atos e a ausência de senso moral que atribui às

personagens do drama alencariano, Nabuco considera que a peça fere a dignidade humana,

pois “a heroína é procurada entre as porções inferiores de nossa espécie que a escravidão tem

aviltado, para resumir o sentimento de maternidade” (ibidem, p.111). O literato chega a

afirmar que “não era nessa raça infeliz que o Sr. J. de Alencar devia ter procurado o ideal da

mãe; entre os animais ser-lhe-ia fácil descobrir casos de heroísmo materno muito mais

tocantes, do que essa escrava que se faz, sem sacrifício, vender pelo filho” (ibidem, p.112).

Além de estranhar que essas sejam palavras de um abolicionista, podemos relacionar a

perspectiva de Nabuco com os moldes da tragédia como a concebia Aristóteles na Poética: a

133 Todavia, anos antes, em Estudos de literatura contemporânea, Sílvio Romero havia considerado Mãe e Lusbela, de Joaquim Manuel de Macedo, como dramas “abaixo de medíocres”.

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representação de atos referentes a homens superiores.134 Como admitir que um ser

considerado “inferior”, símbolo de uma conduta retrógrada, como era a escravidão,

protagonize um drama nacional? A impressão que fica mediante tal manifestação de Joaquim

Nabuco é a de que a defesa da abolição não se baseava na restituição da liberdade aos negros

por solidariedade ao seu sofrimento, nem na crença da igualdade entre as raças, mas sim no

intuito de fazer com que o Brasil deixasse de ostentar uma postura atrasada diante das demais

nações, que não mais utilizavam o sistema escravocrata na caminhada em direção ao

progresso. Escravidão era sinônimo de atraso político, econômico, social e intelectual, daí a

oposição de Nabuco à representação de tal condição na literatura.

Araripe Júnior, em José de Alencar (1882), também não comunga da opinião de

Machado de Assis, pois afirma que, em Mãe, não há nenhuma cena repulsiva e característica

da escravidão (logo, na sua opinião, o drama não inspiraria, como acreditava o autor de Iaiá

Garcia, “o horror pela instituição do cativeiro”) e que, embora o sentimento que move Joana

seja sublime e natural de uma mãe, seria “impróprio, pouco provável em gente de cozinha, em

gente aviltada, e de todo inverossímil no cenário dos costumes brasileiros”.135 Portanto,

Araripe Júnior revela a mesma perspectiva preconceituosa de Joaquim Nabuco.

Ao tratar de As asas de um anjo, o tom machadiano é outro: o escritor comenta que a

reabilitação da mulher perdida fora questão formulada e debatida no romance e no teatro, o

que inevitavelmente levava à monotonia, uma vez que os costumes e os caracteres eram os

mesmos que estavam em voga, sempre os mesmos heróis que figuravam na cena. Dessa vez, a

opinião de Joaquim Nabuco é a mesma: “a regeneração da mulher é uma dessas velhas

questões que, não sendo encaradas por um lado novo, não interessam mais a ninguém” (in:

COUTINHO, 1978, p.136). Ao escrever a sua versão, Alencar estaria, conforme Machado de

134 ARISTÓTELES. Arte poética. In: ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 1997. 135 ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. José de Alencar. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1958, v.1, p.176.

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Assis, formulando uma opinião, da qual o autor de Quincas Borba divergia quanto ao ponto

de vista. O crítico considera reparável na comédia não o desenlace, mas a situação da qual ele

nasce, o assunto em si, que gostaria de ver excluído da cena.136 Esclarece que a teoria que

presidiu ao gênero de peças em questão era a de corrigir os costumes por meio do teatro.

Todavia, garante que o propósito não fora alcançado, pois a pintura do vício em tais obras é

feita com cores brilhantes, que seduzem e atenuam, quase fazendo do vício um resvalamento

reparável. Essa opinião seria reafirmada por Machado de Assis, 12 anos depois, em sua crítica

a O primo Basílio, como mostraremos mais adiante.137 Na opinião do crítico, faltam

verossimilhança e coerência ao texto de Alencar, tanto em relação às cenas quanto à

concepção das personagens. De fato, é preciso reconhecer que a peça não convence,

principalmente quanto às atitudes da protagonista, Carolina. O mesmo juízo é expresso por

Araripe Junior em José de Alencar:

nas Asas de Um Anjo, em má hora o autor se propôs a discutir a reabilitação da mulher, castigando a injustiça da sociedade, que a cada passo tolhe o regresso da perdida ao campo da virtude, percorrer-se-á todos os cinco atos da comédia sem achar senão as contradições e incongruências de um caráter falho (ARARIPE JÚNIOR, 1958, v.1, p.172).

Machado de Assis cita ainda outras peças do autor, como O que é casamento, O

crédito, O jesuíta e A expiação, e conclui elogiando o gosto e o discernimento de Alencar, que

lhe garantiram a conquista da posição de poeta dramático.

Em maio de 1866, é a vez da obra dramática de Joaquim Manuel de Macedo ser

analisada por Machado de Assis. O crítico explica que as peças O cego e O cobé, embora

tivessem recebido menos aplausos do público que Lusbela e Luxo e vaidade, exprimem, a

136 Após ser representada três vezes, a peça é censurada pela polícia, sob a acusação de imoralidade. Alencar defende-se em texto de junho de 1858, publicado no Diário do Rio de Janeiro, e no prólogo de 1859. 137 Cumpre registrar que, no parecer sobre As leoas pobres, de E. Augier e E. Foussier (novembro de 1862), Machado de Assis afirma o contrário a respeito da peça em questão, que tratava do mesmo tema, mas de forma diversa. Explica o êxito do autor da seguinte maneira: “sempre que o poeta dramático limita-se à pintura singela do vício e da virtude, de maneira a inspirar, esta a simpatia, aquele o horror, sempre que na reprodução dos seus estudos tiver presente a ideia [de] que o teatro é uma escola de costumes e que há na sala ouvidos castos e modestos que o ouvem, sempre que o poeta tiver feito esta observação, as suas obras sairão irrepreensíveis no ponto de vista da moral” (ASSIS, Machado de. Parecer sobre As leoas pobres. In: _____; FARIA, João Roberto (org.). Do teatro: textos críticos e escritos diversos. São Paulo: Perspectiva, 2008 p.276).

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despeito de possuírem graves defeitos, talento dramático de certo vigor e originalidade, ao

contrário das outras, que consistem, na opinião do criador de Iaiá Garcia, em um regresso

imprevisto.

Luxo e vaidade, segundo Machado de Assis, expressa uma teoria dramática de

Macedo: a de que o teatro corrige os costumes por intermédio de meios oratórios, e não dos

dramáticos ou cômicos. A essa ideia, o autor de Dom Casmurro opõe a sua: a de que os

deveres e as paixões na poesia dramática não se traduzem por demonstração, mas por

impressão, como se verifica no tratamento dado por José de Alencar ao tema da escravidão

nas peças O demônio familiar e Mãe.

O crítico acrescenta que, tanto Luxo e vaidade quanto Lusbela apresentam estilo sem

inspiração nem graça, invenção pobre, situações gastas, lances forçados e ação

laboriosamente complicada, desenvolvendo-se com dificuldade no meio de cenas mal ligadas

entre si. Embora as transições bruscas e os contrastes forçados produzam efeito seguro, são,

na opinião do crítico, violências que contrariam a verdade de um caráter e condenam o futuro

de uma obra. Considera ainda as personagens ilógicas, incorretas e exageradas a ponto de se

afastarem do padrão humano. Além disso, explica que a habilidade em pintar as paixões não

se faz presente nas duas peças, pois crê que a reunião de algumas palavras enérgicas e sonoras

não supõe um estudo das paixões humanas e arremata: o ruído não é a eloquência. Assim

como em As asas de um anjo, de Alencar, Machado aponta a falta de coerência e

verossimilhança tanto na construção do texto quanto na concepção das personagens.

Entretanto, Sílvio Romero, ao contrário do autor de Ressurreição, considera Luxo e vaidade

“a mais bem construída das comédias de Macedo, como Lusbela é o mais bem feito de seus

dramas” (ROMERO, 1954, v.5, p.1.565).

Referindo-se especificamente a Lusbela, Machado de Assis afirma tratar-se de

quadro do mundo equívoco, baseado em assunto já gasto, pois a peça não oferece nada de

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novo, a não ser tons carregados e falsos, situações violentas, nenhum conhecimento da lei

imoral dos caracteres, além de estilo que requinta nos defeitos o estilo de Luxo e Vaidade.

Opinião semelhante a que o autor proferira a respeito de As asas de um anjo. Machado de

Assis alega que se vai ao teatro buscar uma comoção, e não uma surpresa e, portanto, o poeta,

para ser dramático, deve interessar o coração, não a curiosidade. Já Sílvio Romero afirma que

tal peça é “um dos melhores produtos do romantismo nacional” (ROMERO, 1954, v.5,

p.1519).

Ao tratar da faceta cômica do poeta, Machado de Assis afirma que, apesar da

reputação e do talento, o autor até então não havia penetrado no domínio da alta comédia,

uma vez que as obras que escrevera (A torre em concurso, O fantasma branco) tendiam

sempre para um gênero menos estimado, marcado pelo emprego da sátira e do burlesco, o que

acarretava a desnaturação e o comprometimento de situações e caracteres, abrindo caminho

fácil aos triunfos do dia, mas impossível às glórias duráveis.138 Opinião diversa da expressa

por Sílvio Romero, para quem “as comédias de Macedo são superiores aos seus dramas, como

crítica dos costumes, como documentos da vida nacional. Por elas é que o autor se prende a

Martins Pena e toma um lugar distinto entre os escritores nacionalistas” (1954, v.5, p.1.551).

Machado de Assis recomenda ao dramaturgo o exemplo de Molière, apontando “as

lições da boa comédia, a maneira artística de reproduzir as observações cômicas, evitando

anulá-las por meio de torneios de frases e considerações ociosas; procurando, enfim, excluir-

se da cena, onde só devem ficar os personagens e a situação”.139 Portanto, o autor atenta, mais

uma vez, para a importância de privilegiar, no teatro, a impressão em vez da argumentação,

isto é, mostrar mais e dizer menos. Embora sustente juízo oposto ao do criador de

Ressurreição quanto ao mérito das peças de Macedo, Sílvio Romero também postula que “a

138 Em função dessa opinião, como assinala João Roberto Faria (ASSIS; FARIA, 2008), Machado não incluiu Martins Pena em sua análise. 139 ASSIS, Machado de. O teatro de Joaquim Manuel de Macedo. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.889.

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força dos grandes dramatistas” está na “revelação que se faz por atos e não por descrições”

(ROMERO, 1953, p.883, v.3).

É preciso considerar que a divergência de opinião entre Machado de Assis e Sílvio

Romero quanto ao teatro de Macedo justifica-se pela diferença de critério entre tais críticos na

avaliação de uma obra literária. O primeiro enfatiza o caráter estético do texto, focalizando a

harmonia das partes, a verossimilhança e a coerência das personagens e suas ações, enquanto

o segundo destaca a relação do texto com o meio físico e social, identificando de que forma os

costumes nacionais são representados pelo autor.

A opinião de José Veríssimo a respeito do teatro de Joaquim Manuel de Macedo

difere, em certa medida, da expressa por Machado de Assis, aproximando-se do conceito de

Sílvio Romero, uma vez que considera as comédias do autor superiores a seus dramas, pois

crê que aquelas têm maior naturalidade, ao contrário destes, que, embora apresentem

condições de teatralidade e arte de desenvolvimento e exposição, sofreram a influência da

dramaturgia francesa, representada pela Dama das Camélias, faltando-lhes qualidades

superiores de invenção e expressão (VERÍSSIMO, 1954, p.200). Além disso, considera ser

Macedo o autor que melhor soube fazer teatro em sua época, pois crê que “a vida brasileira,

ou mais propriamente a vida carioca de seu tempo, acha-se nele, como aliás no seu romance,

sinceramente representada” (VERÍSSIMO, 1954, p.316).

Se, no estudo referido, Machado de Assis detém-se nas obras de escritores já

consagrados, quase dois anos depois, em março de 1868, a situação é oposta: o Correio

Mercantil publica a já mencionada carta por ele escrita em resposta a José de Alencar, a

respeito de um então novo escritor, no qual Machado afirma ter identificado uma vocação

literária, um poeta original, com feição própria, um seguidor de Victor Hugo, que, assim

como o poeta francês, cantava simultaneamente o que é grande e o que é delicado, com estro,

espontaneidade e ímpeto: Castro Alves.

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Entretanto, a análise machadiana concentra-se na peça dramática escrita pelo jovem

autor: Gonzaga ou a revolução de Minas. O crítico considera que, na expressão, a feição de

poeta absorveu a do dramaturgo, mas manifesta a crença de que, com o passar do tempo, o

escritor conseguiria separar a língua lírica da língua dramática, opinião também expressa por

Alencar em sua carta. Elogia o tema escolhido (a Inconfidência) e a forma como é tratado,

pois pondera que Castro Alves obteve sucesso na condensação das ideias, no transporte da

tragédia política para a cena, bem como na concepção de Tomás Antônio Gonzaga como

protagonista, fazendo com que ele atravesse o drama sem desmentir a sua dupla qualidade de

amante e de patriota, ao casar, no mesmo ideal, os dois sentimentos.

Ainda em relação à peça, Machado de Assis explica que, para avaliar um drama

histórico, não se pode deixar de recorrer à história, uma vez que suprimir essa condição seria

expor-se a crítica a não entender o poeta. Dessa forma, louva a consciência literária do autor

pela caracterização das demais personagens, pois soube empregar “aquela exageração

artística, necessária ao teatro, onde os caracteres precisam de relevo, onde é mister concentrar

em pequeno espaço todos os traços de uma individualidade, todos os caracteres essenciais de

uma época ou de um acontecimento” (ASSIS, 1959, v.3, p.908). Logo, é possível perceber

que, segundo a avaliação machadiana, Castro Alves, ao contrário de Gonçalves de Magalhães,

obteve sucesso na escolha e no tratamento do tema de cunho histórico, bem como na

concepção das personagens, pintando a história com as tintas da ficção, sem deixar que aquela

tolhesse os recursos desta.

Embora Machado de Assis aponte, com razão, senões no texto – locuções suscetíveis

de emenda, demasias do estilo, exuberância de metáforas, excesso de figuras – volta a

enaltecer as qualidades do escritor, que, apesar de inexperiente, tinha sagacidade e

privilegiava o estudo, qualidade que considera essencial.

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Como vimos, os autores dramáticos estudados por Machado de Assis obtiveram

reconhecimento por sua produção em outras formas literárias: José de Alencar e Joaquim

Manuel de Macedo no romance, Gonçalves de Magalhães e Castro Alves na poesia. Tal

ocorrência atesta que, como atestam os críticos da época, o teatro brasileiro no século XIX

não teve a mesma importância que o romance e a poesia, o que justifica as poucas páginas

dedicadas à produção teatral do País pela(s) história(s) da literatura brasileira.

É interessante notar que o desvelo de Machado de Assis em estudar o drama

brasileiro e buscar alternativas para o seu desenvolvimento tinha como estímulo o desejo por

ele referido a Quintino Bocaiúva em carta datada de 1863, em que pede ao amigo a opinião

sobre suas comédias O caminho da porta e O protocolo, que seriam publicadas naquele ano.

O jovem escritor declara:

caminhar destes simples grupos de cenas à comédia de maior alcance, onde o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade se case ao conhecimento prático das condições do gênero – eis uma ambição própria de ânimo juvenil e que eu tenho a imodéstia de confessar.140

Todavia, o escritor manifesta a incerteza da conquista e os obstáculos que acredita

encontrar na longa estrada a percorrer: “tão difícil me parece este gênero literário que, sob as

dificuldades aparentes, se me afigura que outras haverá, menos superáveis e tão sutis, que

ainda as não posso ver. Até onde vai a ilusão dos meus desejos? Confio demasiado na minha

perseverança?” (ibidem).

Quintino, em sua resposta, apesar de não desencorajar as tentativas do amigo,

considera que faltava, às suas comédias, a ideia, a base, e que, embora bem escritas, eram

frias e insensíveis, devendo ser reservadas à leitura, e não à representação.141 Se levarmos em

conta o desenvolvimento da carreira de Machado de Assis, deduziremos que ele acatou os

conselhos de Quintino Bocaiúva.Vejamos: 140 ASSIS, Machado de. A Quintino Bocaiúva. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.1.043. 141 BOCAIÚVA, Quintino. Carta a Machado de Assis. In: FARIA, João Roberto. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2001. p.555-556.

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Tabela 1 – Cronologia do teatro de Machado de Assis142

1861 Desencantos

1863 O caminho da porta O protocolo

1864 Quase ministro

1866 Os deuses de casaca

1881 Tu, só tu, puro amor

1896 Não consultes médico

1906 Lição de botânica

A produção dramática de Machado de Assis (cujas peças contêm um único ato)

concentra-se na primeira metade da década de 1860 e só é retomada 16 anos depois, com

apenas uma peça na década de 1880 – escrita sob encomenda por ocasião das festas

comemorativas do tricentenário de Camões em 1880 –, uma na de 1890 e outra na década

seguinte, ambas publicadas no volume Relíquias de Casa Velha, em meio a narrativas curtas.

Lembramos que, a partir da década de 1870, o escritor passa a concentrar seus esforços nas

formas que o consagrariam: o romance e o conto, o que contribuiu também para o rareamento

dos textos de crítica literária. Tal ocorrência parece se relacionar não só com a decepção em

relação ao desenvolvimento precário da dramaturgia no País, que não realizou a reforma pela

qual o autor lutara, mas também com a possibilidade de o escritor Machado de Assis ter

assumido para si algo que o crítico Machado de Assis dissera sobre Gonçalves de Magalhães:

não se tratava de um talento dramático na acepção restrita da expressão e, portanto, o que se

deveria buscar nas peças não seria o resultado de uma vocação, mas de um esforço intelectual

empregado no trabalho de uma forma que não era a sua.

Entretanto, o drama não deixa de marcar presença na prosa machadiana mediante o

tratamento cênico que o escritor emprega na apresentação das personagens e também por

142 Consideramos as peças publicadas no volume Teatro das obras de Machado de Assis editadas pela W. M. Jackson. Na obra completa de Machado de Assis, organizada por Afrânio Coutinho e publicada pela editora José Aguilar, apenas as peças Tu, só tu, puro amor, Não consultes médico e Lição de botânica foram incluídas na seção “Teatro”.

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meio do discurso dos narradores, em que se disseminam metáforas relacionadas ao teatro, o

que se verifica principalmente em Dom Casmurro.

4.1.3 Romance

Boa parte das preocupações reveladas por Machado de Assis no tocante à poesia e ao

teatro também marca presença nos textos críticos referentes ao romance. Sobre tal forma

narrativa, escolhemos três ensaios (deixando de lado apenas o prefácio da edição póstuma de

O Guarani, de caráter mais laudatório) nos quais Machado de Assis exprime a sua concepção

de literatura e as características que apontara como indispensáveis ao crítico literário. Especial

destaque deve ser dado aos reparos feitos pelo escritor aos romances de Eça de Queirós, que

muito repercutiram na imprensa brasileira.

Machado de Assis ocupa-se de Iracema, de José de Alencar, em janeiro de 1863, no

Diário do Rio de Janeiro. O autor explica que muitas pessoas viram na chamada escola

poética americana “uma aberração selvagem, uma distração sem graça, nem gravidade”143,

ocorrência que, como vimos, seria referida novamente em “Notícia da atual literatura

brasileira: instinto de nacionalidade”. Embora reconheça que alguns poetas se limitaram a

rimar palavras do vocabulário indígena, considera que outros, como Gonçalves Dias, foram

autores de obras criativas e originais. Além disso, refere outra noção que reaparece no texto

de 1873:

supunham os críticos que a vida indígena seria, de futuro, a tela exclusiva da poesia brasileira, e nisso erravam também, pois não podia entrar na ideia dos criadores, obrigar a musa nacional a ir buscar todas as suas inspirações no estudo das crônicas e da língua primitiva. Esse estudo era um dos modos de exercer a poesia nacional (ibidem).

Ao focalizar Iracema, Machado garante que, apesar de as tradições indígenas

encerrarem motivos para epopeias – opinião contrária à de Sílvio Romero a propósito de A 143 ASSIS, Machado de. José de Alencar: Iracema. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.860.

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confederação dos Tamoios, para quem “a ideia mesma do poema épico para o Brasil é uma

infantilidade”, pois “gente de ontem sem mitos, sem tradições, sem heróis populares, pequena

nação burguesa de outro dia, nós não possuímos definitivamente feições épicas” (ROMERO,

1953, p.877, v.3) –, o poema em prosa alencariano fala à emoção e tem como efeito a ideia de

primitivismo, tanto nos sentimentos, quanto no pitoresco da linguagem e na própria narrativa.

Machado destaca a presença do argumento histórico, sacado das crônicas, mas que é apenas a

tela que serve ao poeta, pois o resto é obra da imaginação. Aqui percebemos o esboço de uma

noção que seria expressa e melhor definida no texto em que Machado de Assis trata do teatro

de Gonçalves de Magalhães, isto é, a de que o escritor, quando aproveita dados da história,

deve moldá-los pela imaginação a fim de não assumir papel de cronista. Além disso, o autor

de Contos fluminenses exalta a ação interessante, os episódios originais e, acima de tudo, “a

figura bela e poética de Iracema” (ASSIS, 1959, p.861), que faz jus, segundo o crítico, às

demais personagens femininas de Alencar e consiste em “perfeita combinação do sentimento

humano com a educação selvagem”, “criatura copiada da natureza, idealizada pela arte,

mostrando, através da rusticidade e dos costumes, uma alma própria para amar e para sentir”

(ibidem p.862). Mais uma vez, transparece a atenção delegada por Machado à concepção dos

caracteres.

Ao cotejar a cena em que Iracema conta a Martin que está grávida com cena

semelhante de Natchez, de Chateaubriand, autor com o qual Alencar fora muito comparado,

Machado assegura que a cena no texto brasileiro é mais feliz. Exalta ainda os contrastes entre

as personagens, que, embora não sejam muitas, trazem sentimentos e realizam ações cheias de

vida, interesse e verdade.

Apesar de tantos elogios, Machado de Assis não se exime em apontar o defeito do

livro, reconhecido pelo próprio Alencar: a superabundância de imagens, o que prejudica a

concisão do texto, qualidade apreciada pelo autor de A mão e a luva. O mesmo reparo fora

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feito por Macedo Soares nos “Ensaios de análise crítica” a respeito dos “Timbiras” de

Gonçalves Dias: há “demasiada profusão de cores, cruzam-se os ornatos como as laçarias de

um templo gótico, sobre as quais mal podem fixar-se os olhos do observador” (SOARES in:

CASTELLO, 1960, v.II. p.84). Todavia, Machado de Assis acredita que Alencar saberia

emendar a obra, empregando a sobriedade necessária, e define o livro como “fruto do estudo e

da meditação, escrito com sentimento e consciência” (ASSIS, 1959, p.864), que seria

chamado futuramente de obra-prima. Para Araripe Júnior (José de Alencar), Iracema consiste

no “mais brasileiro de nossos livros”, pois considera que “é o amor pátrio, é o sentimento da

terra, que transuda energicamente de todas aquelas páginas” (ARARIPE JUNIOR, 1958, v.1,

p.252).

É interessante perceber o contraste entre os critérios de análise de Machado de

Assis e Araripe Júnior. Enquanto este vê, como mérito do romance, o que ele representa do

meio físico brasileiro, o amor da terra que se converteria em amor da pátria, o que se explica

pela valorização que o crítico atribuía a tal elemento como principal fator relativo à

nacionalidade do País (ao contrário de Sílvio Romero, que atribuía maior importância à raça,

mediante o conceito de mestiçagem, tanto dos povos quanto das ideias), aquele focaliza o que

o romance tem de universal, isto é, o que o tornaria uma obra-prima e que estaria

especialmente na concepção das personagens, caracterizadas por sentimentos diversos.

Machado em nenhum momento emprega, em sua análise, os termos “nacional” e “brasileiro”

como qualificativos do romance. Utiliza a expressão “poesia americana”, ao se referir aos

textos que tematizavam os índios, que, afinal, não eram habitantes exclusivos do Brasil. Além

disso, tal termo (que, para a maioria dos críticos românticos, era sinônimo de “brasileira”), na

forma como é empregado por Machado de Assis, insere a literatura do País dentro de um

contexto maior, o do continente americano. Também o fato de comparar cena do texto de

Chateaubriand com cena do texto de Alencar, exaltando a superioridade desta, exprime a

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preocupação de ultrapassar o critério nacionalista (e reducionista) da literatura brasileira,

equiparando-a a produções de outros países. Portanto, podemos considerar que, no exame de

Iracema, Machado já esboça a noção de sentimento íntimo como critério de valor de um texto

literário que seria reivindicado por ele 10 anos depois.

Outro autor romântico que tem seu texto examinado por Machado de Assis em

janeiro de 1866, no Diário do Rio de Janeiro, é Joaquim Manuel de Macedo. Todavia, o tom

da crítica a O culto do dever difere muito daquele empregado na análise de Iracema, a

exemplo do exame machadiano das obras dramáticas de Alencar e Macedo.

Embora admita ter respeito e admiração pelo autor de A moreninha, Machado de

Assis garante que tais sentimentos traduzem franqueza e verdade, que honram tanto ao crítico

quanto ao poeta. Explica que é função da crítica apreciar o caráter das personagens pintadas

pelo escritor e discutir a habilidade deste. Essas afirmativas antecedem a menção dos defeitos

do texto do colega, como o fato de o escritor não ter conseguido transformar, por meio da

criação, os dados reais sobre os quais se baseou, assumindo mais a feição de cronista que de

romancista, ideia, que, como vimos, está presente na análise do teatro de Gonçalves de

Magalhães. Esclarece seu ponto de vista em função dá má concepção da personagem central,

argumentando que, para que a situação de Angelina interessasse ao leitor, a grandeza de seu

dever deveria nascer da grandeza do sacrifício, e esta da grandeza do amor, sentimento que,

conforme o autor de Dom Casmurro, não aparece senão na boca do narrador.

Para melhor se fazer entender, Machado de Assis lança mão de recurso frequente

em seus textos críticos, como vimos no tocante a Iracema: a comparação com outra obra.

Entretanto, nesse caso, o objetivo é outro: ao cotejar a personagem de Macedo com Ximenes,

heroína da tragédia Le Cid, de Pierre Corneille, adverte que tal paralelo tem o fim de indicar,

por intermédio de um modelo, os meios de fazer com que o leitor sinta a extensão de um

sacrifício, algo que crê ausente no texto de Macedo.

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Após citar mais alguns exemplos, insiste na má concepção dos caracteres, que

julga pouco verossímeis, constituindo apenas esboços que não comovem e se dissipam como

“sombras impalpáveis”144 ao fechar do livro. De fato, devemos admitir que as personagens

são pouco convincentes, especialmente a protagonista, pois não parece aceitável que uma

jovem de 21 anos, depois de quase dois anos à espera do noivo, período em que perde o pai e

passa a trabalhar em função da situação financeira precária, exija que o rapaz junte-se aos

combatentes da Guerra do Paraguai e com ela se case somente após a volta.

Assim, Machado de Assis conclui que, apesar do talento de Joaquim Manuel de

Macedo, O culto do dever é um mau livro. Com tal afirmativa, Machado mostra certa dose de

ousadia – pois se refere à obra de um autor que já conquistara certo prestígio no meio literário

– e, portanto, parece aplicar as qualidades que traçara para o exercício da crítica,

principalmente independência e imparcialidade. Por último, deseja que Macedo volte a

escrever obras inspiradas, cultivando o romance literário, “que reúne o estudo das paixões

humanas aos toques delicados e originais da poesia” (ibidem). Mais uma vez, fica evidente

que, para o autor de Quincas Borba, a concepção das personagens funciona como “espinha

dorsal” do romance e, se bem executada, é capaz de interessar ao leitor de qualquer

nacionalidade.

Se o juízo a respeito de O culto do dever assume caráter arrojado, o ensaio

publicado pelo jornal O Cruzeiro145, em abril de 1878, consiste no mais polêmico texto crítico

de Machado de Assis. Embora afirme reconhecer o talento de Eça de Queirós, julga

severamente os dois primeiros romances do autor português: O crime do padre Amaro e O

primo Basílio, afirmando opor-se à escola a que Eça se filiava, e não ao talento e ao homem.

Como afirma Afrânio Coutinho (1969), o texto demonstra a precisão com que o crítico aponta

144 ASSIS, Machado de. J. M. de Macedo: O culto do dever. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.859. 145 Periódico no qual Machado de Assis colaborou durante o ano de 1878.

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as falhas dos romances, resultantes da subordinação ao movimento realista, bem como a

originalidade do escritor brasileiro, que, em meados do século XIX, defendia princípios

literários e estéticos, em um momento em que o historicismo positivista começava a dominar

a crítica no Brasil. Em função disso, o ponto de vista de Machado de Assis não foi acatado

com unanimidade. O romance queirosiano dividiu as opiniões dos literatos da imprensa

brasileira. S. Saraiva (Gazeta de Notícias, abril de 1878) questiona a imparcialidade da crítica

machadiana em função da divergência de pontos de vista. Afirma que “reconhecer que uma

obra filia-se a uma escola e não a considerar sob esse aspecto, para só a condenar, pode ser

muito cômodo, mas por certo não é justo”.146 Nesse caso, parece ter sido impossível a

Machado de Assis exercer o princípio por ele próprio reivindicado no exercício da crítica: a

tolerância no terreno das diferenças de escola, já que, no seu entender, os maiores problemas

nos textos de Eça de Queirós resultam da sua filiação ao movimento realista.

No ponto de vista machadiano, O crime do padre Amaro seria imitação de La

faute de l’abbé Mouret, de Émile Zola, diferindo deste apenas quanto ao meio e ao desenlace.

Explica que tais diferenças constituem o maior defeito do romance, pois delas resultam a

inverossimilhança na concepção do protagonista. Vivendo em meio a mulheres e a sacerdotes

concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perda de influência e consideração, Amaro

não teria razão para se desesperar em face do nascimento do filho, fruto de suas relações com

a jovem Amélia, e, muito menos, matar a criança. Diante de tal situação, o autor de Dom

Casmurro questiona a existência de verdade moral no livro e justifica a aceitação pelo público

em virtude da “reprodução servil das coisas mínimas e ignóbeis”147 em que “o escuso e o

torpe” são tratados com minúcia e “exação de inventário” (ibidem), características da escola

realista. Ramalho Ortigão, que teve a primazia no julgamento de O primo Basílio em suas

146 SARAIVA, S. Ainda O primo Basílio. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.204. 147 ASSIS, Machado de. Eça de Queirós: O primo Basílio. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.914.

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“Cartas portuguesas” (Gazeta de Notícias, março de 1878) já havia salientado tal “fidelidade

sistemática dos pormenores”, afirmando que as páginas que retratam as cenas de alcova têm

“as exalações pútridas que fazem na dignidade e no pudor largas manchas nauseabundas e

torpes”.148 Também o responsável pelo folhetim Sem malícia (provavelmente Carlos de Laet),

publicado pelo Jornal do Comércio, em abril de 1878, censura tal característica,

considerando-a imoral e desrespeitosa quanto aos deveres da decência e do decoro literário,

além de entender que “as minudências com que vêm carregados todos os planos da fotografia,

cansam os olhos do espectador, obrigam-no a uma análise miúda e microscópica, que

prejudica o efeito geral do quadro”.149 A mesma metáfora, mas de forma contrária, é

empregada por Luiz Andrade (Gazeta de Notícias, abril de 1878), para quem “o livro é uma

fotografia com pontos exagerados, por se acharem longe do foco. Não é um quadro que

obrigue a pensar e que aponte uma esperança, como os modernos romances da escola

realista”150. Assim como Machado de Assis, Laet entende que, se há motivo de censura a tal

procedimento, caberia não ao autor, mas à escola a que se filiou. Por isso, Machado considera

que as ações e os episódios constituem o maior atrativo de O crime do padre Amaro, saídos

“das mãos de um homem de talento” (ASSIS, 1959, p.914), culminando no sucesso da obra.

Entretanto, é no romance protagonizado por Luísa que se concentram as críticas

mais contundentes. Ao tratar de O primo Basílio, Machado de Assis atribui a aceitação do

público à reincidência e ao requinte de certos lances, reforçando a opinião de Carlos de Laet,

para quem, embora o romance tivesse mérito incontestável, o que mais teria contribuído para

o popularizar seria o escândalo (LAET in: NASCIMENTO, 2008, p.178). A crítica

machadiana dirige-se principalmente à figura de Luísa, personagem cuja concepção o crítico

148 ORTIGÃO, Ramalho. Cartas portuguesas. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.160. 149 LAET, Carlos. Sem malícia. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.171. 150 ANDRADE, Luiz. Folhetim palestra. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.212.

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considera incongruente, constituindo caráter negativo, pois não passa de um títere, matéria

inerte e rolada ao erro por ser empuxada por Basílio e depois por Juliana, “caráter mais

completo e verdadeiro do livro” (ASSIS, 1959, p.916). A mesma opinião quanto à criada fora

expressa por Ramalho Ortigão, que a considerou “inteiramente completa, viva, constituindo

“expressão sintética de uma classe em anarquia e em dissolução; é a flor da hostilidade e do

ódio lentamente produzida pelo desespero” (ORTIGÃO in: NASCIMENTO, 2008, p.162).

Entretanto, para o crítico português, “Luísa, a burguesinha lisbonense, é horrivelmente

verdadeira, no seu culto da sentimentalidade e do dandismo, na sua admiração palerma do

primo janota” (ibidem).151 Afonso Celso Júnior, em “O primo Basílio por Eça de Queirós” (A

Província de São Paulo, maio de 1878), contesta o ponto de vista machadiano: afirma que

Luísa tem caráter e, consequentemente, “a íntegra de seus corolários não passa do produto de

um sistema de princípios estereotipados, não importa se errôneos, se salutares”.152 O ponto de

vista de Arnaldo Faro (Gazeta de Notícias, abril de 1878) aproxima-se da perspectiva

machadiana por considerar que atribuir a queda de Luísa a “defeito de educação” consistiria

em “legislar e generalizar em tal assunto, o que seria “sobremodo ousado e injusto”.153

Machado de Assis critica o uso do extravio das cartas que leva à complicação do

romance, comparando-o com o lenço de Desdêmona, que, embora tenha larga parte na sua

morte, não tivera importância superior à alma ciosa e ardente de Otelo, à perfídia de Iago e à

inocência de Desdêmona, elementos principais da ação.

É interessante notar que o próprio Machado de Assis lançou mão do mesmo

expediente em Quincas Borba: Rubião encontra uma carta de Sofia endereçada a Carlos 151 Ramalho Ortigão afirma que Basílio é que constitui caráter falso, pois considera que o dandismo e o cinismo do primo de Luísa são incompatíveis com a sua qualidade de homem de negócios. Tal afirmação é contestada por Carlos de Laet no Folhetim sem malícia (Jornal do Comércio, março de 1878), para quem “a instrução, a elegância, a libertinagem mesmo são de todas as camadas sociais e podem viver de camaradagem com todas as profissões, artes e ofícios” (LAET in: NASCIMENTO, 2008. p.167.) 152 JÚNIOR, Afonso Celso. O primo Basílio por Eça de Queirós. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.252. 153 FARO, Arnaldo. O primo Basílio. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.182.

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Maria, o que aumenta a sua desconfiança em relação ao possível envolvimento amoroso entre

os dois, principalmente porque o mineiro, ao devolver a missiva, vai embora antes de sua

remetente abri-la e mostrar que se tratava de uma circular relativa à Comissão das Alagoas,

instituição filantrópica dirigida pela jovem, que fica apreensiva quanto ao futuro

comportamento de Rubião. Nesse caso, como no de Desdêmona, a carta não consiste na

origem ou motivo dos conflitos, mas apenas acrescenta maior tensão ao desenrolar da ação.

Em função disso, Machado de Assis explica ao leitor que, para que a personagem

Luísa atraia e prenda, é preciso que as tribulações que a afligem venham dela mesma, e não

do resultado de uma circunstância fortuita (o extravio das cartas)154, defeito que, como vimos,

também fora identificado no tocante à protagonista de O culto do dever. Todavia, aqui o autor

de Ressurreição vai mais além: pede a “pessoa moral” da personagem, que ele afirma não ter

remorsos, mas sim medo, e aconselha que Eça de Queirós aplique a máxima válida no teatro,

em que importa apenas a dor moral, e proporcione o efeito à causa a fim de não exigir a

comoção a troco de um equívoco.

Após tais considerações, o crítico passa ao que julga o erro mais grave do

romance: o espetáculo dos ardores, exigências e perversões físicas, que dominam o tom do

livro e, embora figurem como acessórios, abafam o principal, o que se verifica em varias

descrições que, para Machado de Assis, são totalmente dispensáveis. Entretanto, reconhece

que tais reparos seriam menos atendíveis, uma vez que o seu ponto de vista diferia do

sustentado pelo autor português e sua escola. Sinaliza o perigo do movimento realista,

reconhecido por Zola: supor que “o traço grosso é o traço exato” (ASSIS, 1959, p.918).

O mesmo reparo é feito por Araripe Júnior, ao tratar de um capítulo do romance A

carne, de Júlio Ribeiro, no qual são descritas cenas de sortilégio e o fechamento do corpo de

154 Cumpre registrar que, ao analisar a personagem Lenita de A carne, em “O romance naturalista no Brasil” (1888), José Veríssimo manifesta opinião provavelmente influenciada pelo juízo machadiano a respeito da personagem Luísa de O primo Basílio, pois afirma que “a heroína do Sr. Júlio Ribeiro é um ente sem vida e sem alma. Nada explica as suas ações, é impossível compreendê-la, apesar de nada haver de complexo no seu caráter”. (VERÍSSIMO, 1977, p.190).

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um neófito. O crítico considera que tal trecho não havia sido convenientemente articulado ao

livro, embora o fato pudesse considerar-se articulado ao meio em que se agitam as

personagens. Para efeitos artísticos, explica que era indispensável estabelecer-se a sua íntima

relação com o resto da obra (ARARIPE JÚNIOR, 1960, v.2, p.121). Opinião análoga em

“Aloísio Azevedo e a dissolução romântica” (1888), é expressa por Clóvis Beviláqua, que

considera que “essa escola que amontoa cenas abjetas, personagens repulsivos, falseia o fim

do romance, assim como falseava o sentimentalismo [romântico]. Vê somente o lado mau da

vida, como o sentimentalismo só via o lado bom”. O crítico sinaliza para o risco de esse tipo

de romance, “em vez de ser, como pode e deve sê-lo, um poderoso agente de educação, torna-

se um elemento de dissolução”. Entretanto, por ser partidário da crítica oriunda da mesma

escola, Beviláqua, acredita que “a par de naturalista, isto é, além de ser o daguerreótipo fiel,

exato da vida real, o romance deve ter outro fito: o estudo de uma tese social, psicológica ou

outra”.155 Portanto, o crítico aprecia a teoria que embasa esse tipo de romance, mas considera

que este não obtinha sucesso ao aplicá-la.

Até mesmo Sílvio Romero, principal representante da crítica de ordem naturalista

no País – para quem “o romance deve ser o estudo fisiológico dos caracteres sociais”

(ROMERO, 1953, p.988, v.3) –, condena tais tendências, pois considera que “o romance é

falso quando sistematiza um mundo de vícios de toda a casta, de todas as formas e feitios, a

devassidão, a crápula, a sordidez, a desonra, a calúnia, a mentira, a corrupção humana em toda

a sua hediondez” (1954, v.5, p.1766). Romero opõe ao naturalismo partidário de Zola, que

define como sistematização do mal e oriundo de um erro de método, o de Raul Pompéia e

Domício da Gama, que, na sua opinião, era mais humano e mais científico (1954, v.5, 1.769).

Araripe Júnior, na mesma linha de pensamento, ao tratar de Germinal (A semana, 1885),

considera que “o desvio [de Zola] consiste em um pessimismo que forma toda a medula de

155 BEVILÁQUA, Clóvis. Aloísio Azevedo e a dissolução romântica In: COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Americana; Pró-livro, 1975. v.2. p.185.

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seus livros. Este é, talvez, inconsciente. A perversidade está simplesmente em ele procurar a

todo transe exercê-la em forma de combate, pestiferando toda uma atmosfera intelectual”.156

Para José Veríssimo, em “O naturalismo na literatura brasileira” (Estudos brasileiros – 1877-

1885), “de nenhum modo [o naturalismo] concorreu para o desenvolvimento das nossas letras

ou da nossa arte”.157

Portanto, podemos concluir que, para Machado de Assis, assim como para Araripe

Júnior, Clóvis Beviláqua, Sílvio Romero e José Veríssimo, embora o Realismo/Naturalismo

tivesse a pretensão de corrigir os vícios da sociedade pela sua denúncia, deu-se, na maioria

das vezes, efeito contrário, pois eles foram acentuados e quase transformados em

protagonistas dos romances.158 Opinião semelhante parece sustentar a afirmação de Arnaldo

Faro: “também nós desejamos que o homem se eduque [...] também veneramos a moralidade

e tendemos para o bem; mas por outros meios que não os usados hoje por uma certa escola”

(FARO, 2008. p.181). Entretanto, houve quem contestasse tal conceito: Amenófis Efendi

(pseudônimo de Ataliba Lopes de Gomensoro), escreveu, nas suas “Cartas egípcias” (Gazeta

de Notícias, abril de 1878), que Eça de Queirós não quis ensinar nem demonstrar tese alguma,

mas apenas “fotografar cenas comuns da sociedade moderna, e esse é o proceder da escola

romântica positiva; longe dela o ensinar a moral pelas deduções dos seus romances”.159 Ao

que parece, mediante tal afirmativa, podemos inferir que o crítico desconhecia o teor da

conferência proferida pelo autor de Os Maias no Casino Lisbonense, em 12 de junho de 1871,

e que justifica a ênfase dos críticos na moral do livro – ou na ausência dela. Em "A literatura

nova ou o realismo como nova expressão de arte", Eça procura assinalar que a escola realista 156 ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Germinal. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1958, v.1, p.405. 157 VERÍSSIMO, José. O naturalismo na literatura brasileira. In: _____. Teoria, crítica e história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.209. 158 Opinião semelhante expressou Sainte-Beuve a respeito de Balzac, isto é, que não só retratou os vícios de sua sociedade, senão que os enalteceu. Aconselhara aos realistas que não tornassem as coisas melhores nem piores do que elas são (WELLEK, 1972, v.3). 159 GOMENSORO, Ataliba Lopes de. Cartas egípcias. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.220.

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tinha como intuito a defesa da moral, buscando a harmonia entre a arte e o ideal social. O

Realismo, segundo o autor, seria “a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios

olhos – para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para

condenar o que houver de mau na nossa sociedade”.160 O autor considera que a arte deve visar

a um fim moral, auxiliando o desenvolvimento da ideia de justiça nas sociedades. Crê que,

fazendo a crítica dos temperamentos e dos costumes, a arte auxiliaria a ciência e a

consciência, e o Realismo conduziria à regeneração dos costumes. Ao que tudo indica,

Afonso Celso Júnior leva em consideração tal intuito da escola realista, preconizado por Eça,

ao afirmar que o romance queirosiano faz o leitor pensar e chegar à conclusão de que “para

atalhar de golpe todas as atuais torpezas sociais, cumpre assinalar à esfera de nossa vida um

eixo rotatório, a educação, cujos dois pólos sejam a ciência e a crença purgada de superstições

papistas” (JÚNIOR, 2008, p.254).

Embora contrário à doutrina defendida por Eça de Queirós, o que o levou a

realizar o julgamento severo dos romances do autor lusitano, Machado de Assis professa a fé

de que a literatura portuguesa saberia apropriar-se do que o Realismo, quando não cai nos

excessos, tem de aproveitável, e seria capaz de transmitir a herança de Almeida Garrett “às

mãos da geração vindoura” (ASSIS, 1959, p.918).

Quatorze dias após a publicação de seu ensaio, Machado sustenta a perseverança

que ele próprio identificara como uma das virtudes do crítico literário: volta ao assunto “pela

última vez” (ibidem, p.919) a fim de reforçar suas convicções em virtude do aparecimento de

dois artigos em resposta ao seu, dispostos a defender O primo Basílio. Reitera a lealdade de

sua crítica e a sinceridade de sua admiração pelo talento de Eça de Queirós, mas reafirma

considerar que a substituição do principal pelo acessório e a ação transplantada dos caracteres

e dos sentimentos para o incidente, para o fortuito, parecem-lhe incongruentes e contrárias às 160 QUEIRÓS, José Maria Eça de. A literatura nova ou o realismo como nova expressão da arte. In: MATOS, A. Campos. Dicionário de Eça de Queirós. Lisboa: Caminho, 1988. p.127. O texto foi reconstituído por António Salgado Júnior, pois o original se perdeu.

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leis da arte. Garante que o messianismo literário da doutrina à qual o autor português se

afiliara “não tem a força da universalidade nem da vitalidade; traz consigo a decrepitude”

(ibidem, p.922). Arremata com a máxima: “voltemos os olhos para a realidade, mas

excluamos o Realismo, assim não sacrificaremos a verdade estética” (ibidem).161 Afirmação

de mesmo teor fizera Arnaldo Faro: “sigamos tranquilos a evolução, mas resistamos com

rigor e coragem à revolução. O livro de Eça de Queirós é a revolução” (FARO, 2008, p.183).

Entretanto, apesar das críticas que impõe ao romance, Faro afirma, contraditoriamente, que o

livro consistia em “riquíssimo e esmerado trabalho de forma, artisticamente cinzelado; é um

estudo verdadeiro dos personagens que apresenta [embora o crítico antes os tenha considerado

como tipos, o que lhe parecia um defeito], uma obra notável pelo cunho da individualidade

artística do autor; um primor, no seu gênero” (ibidem, p.185).

Cumpre registrar que Eça de Queirós enviou, em 29 de junho de 1878, uma carta a

Machado de Assis, em que assim se manifesta diante das críticas do autor de Dom Casmurro:

“apesar de me ser adverso, quase revesso, e de ser inspirado por uma hostilidade quase

partidária à Escola Realista – esse artigo, pela sua elevação e pelo talento com que está feito,

honra o meu livro e quase lhe aumenta a autoridade”. O escritor português prometia que,

quando conhecesse os outros artigos do crítico (Eça lera o primeiro e acreditava que havia

mais dois a respeito do seu romance), discutiria suas opiniões em defesa da Escola que eles

representam e que o escritor considerava como “um elevado fator de progresso moral na

sociedade moderna”.162

161 O primo Basílio foi assunto da imprensa brasileira também em função da adaptação que dele fez Cardoso de Menezes para o teatro ainda em 1878. Dessa vez, a opinião dos críticos foi unânime quanto ao fracasso da empresa. Machado de Assis, em crônica de julho de 1878, nas suas Notas Semanais (O Cruzeiro), ironicamente, tranquiliza os partidários da escola de Eça de Queirós, afirmando que o mau êxito cênico nada provava contra o romance, e, portanto, os realistas poderiam “continuar na doce convicção de que a última palavra da estética é suprimi-la” (ASSIS, Machado de. Notas semanais. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.422). 162 QUEIRÓS, Eça de. Carta de Eça de Queirós endereçada a Machado de Assis. In: NASCIMENTO, José Leonardo do. O primo Basílio na imprensa brasileira do século XIX. São Paulo: Unesp, 2008. p.261.

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Além disso, o autor português respondeu a crítica a O crime do padre Amaro em

1880, no prefácio da terceira edição do romance (segunda em livro). Eça atesta que seu texto

não consiste em imitação do romance de Zola, como insinuara Machado de Assis, não só pela

diferença no enredo, mas também pelo fato de a primeira edição de seu texto, em folhetim, ter

sido publicada antes do romance do autor francês. Atribui a relação feita entre os dois

romances a uma “obtusidade córnea ou má fé cínica”.163 Embora rebata as censuras recebidas,

o autor parece ter acatado parte delas, pois o texto apresenta modificações em relação à

primeira edição (publicada em folhetim, em 1875, na Revista Ocidental, de Lisboa) e à

segunda (lançada em livro, em 1878, no Rio de Janeiro), incluindo alteração no final da

história.

Cumprindo a promessa feita no segundo texto sobre o livro queirosiano, de que

voltaria ao assunto “pela última vez”, Machado de Assis não respondeu à carta de Eça de

Queirós e nem se manifestou a respeito do prefácio a O crime do padre Amaro. Ao que

parece, o escritor se referia não só ao romance do autor português, como também à escola

realista/naturalista, da qual só voltaria a falar 17 anos depois, de forma indireta, em uma

crônica da seção A semana, de 29 de setembro de 1895. O autor de Quincas Borba ocupa-se

de um romance de Aluísio Azevedo, principal representante do romance naturalista no Brasil:

Livro de uma sogra. Ao afirmar que “a fortuna do livro do Sr. Azevedo é que, escrito para

curar um mal, ou suposto mal, perde desde logo a intenção primeira, para se converter em

obra de arte simples” e que “tem as qualidades habituais do autor, sem os processos

anteriores, que, aliás, a obra não comportaria”164, Machado de Assis refere-se, ainda que de

forma velada, ao movimento que tanto criticara, reforçando a posição contrária aos métodos

de sua doutrina. José Veríssimo (1954) também sinaliza o fato de o Livro de uma sogra não

163 QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro. 15.ed. São Paulo: Ática, 2001. p.16. 164 ASSIS, Machado de. A semana. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3.p.698.

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ser plenamente naturalista, mas considera que sua execução é inferior à dos anteriores (O

mulato, Casa de pensão, O homem e O cortiço).

O que fica evidente nas três análises de romances que escolhemos é a importância

delegada por Machado de Assis à concepção das personagens. Para o autor, é da

verossimilhança delas que depende a coerência das ações. É preciso que estas estejam em

consonância com o caráter das personagens, o que, dentre os textos apresentados, segundo o

autor de Dom Casmurro, só acontece em Iracema.

É em função dessa crença que Machado de Assis coloca-se contrário aos métodos

do Realismo/Naturalismo, que apresenta as personagens como produtos do meio, o que faz

com que a sua interioridade careça de complexidade e suas ações sejam, na maioria das vezes,

previsíveis e guiadas por estímulos externos. Como explica Araripe Júnior em “Raul Pompéia

como esteta” (1897), os realistas “procuravam, de preferência, o lado exterior das coisas,

ocupando-se, minuciosos, com a cópia das superfícies, dos objetos e, no que diz respeito ao

homem, com a exposição dos gestos, das atitudes animais e dos instintos”.165 A impressão que

se tem é a de que as personagens são destituídas de livre arbítrio; a sua conduta é subordinada

totalmente à influência do ambiente em que vivem, em geral, no que este tem de mais vicioso,

e das relações que nele se estabelecem. Convertem-se em “cobaias” ou elementos que,

submetidos a certas condições, reagem de uma forma unívoca e já prevista pelo autor do

“experimento” (palavra da qual Zola fez derivar o qualificativo de seu romance:

experimental), carecendo de individualidade. O chefe da escola naturalista na França explica

que “todos os esforços do escritor tendem a ocultar o imaginário sob o real”.166 Reivindica a

pintura da verdade, a “exata impressão” da vida (termos que, por sinal, soam bastante

165 ARARIPE JUNIOR, Tristão de Alencar. Raul Pompéia como esteta. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, v.3, p.261. 166 ZOLA, Emile. Do romance. São Paulo: Imaginário; Edusp, 1995. p.24.

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contraditórios), mediante a adoção de um “ponto de vista da observação e da experimentação”

(ibidem, p.44) considerando que

o romancista e o crítico partem hoje do mesmo ponto, o meio exato e o documento humano apreendido na natureza, e empregam, em seguida, o mesmo método para chegar ao conhecimento e à explicação, de um lado, da obra escrita de um homem, e, do outro, dos atos de uma personagem, a obra escrita e os atos considerados como os produtos da máquina humana submetida a determinadas influências (ibidem, p.40).

Em virtude de tal postura, Zola explica que a descrição assume caráter científico e

a define como “um estado do meio que determina e completa o homem” (ibidem, p.44), noção

baseada na crença de que

o homem não pode ser separado de seu meio, que ele é completado por sua roupa, por sua casa, por sua cidade, por sua província; e, dessa forma, não notaremos um único fenômeno de seu cérebro ou de seu coração sem procurar as causas ou as consequências no meio (ibidem, p.43).

O curioso é que, embora o “experimento” visasse a contribuir para a correção dos

costumes, ou melhor, a “cura” dos vícios da sociedade, pelo menos na concepção de Eça de

Queirós – uma vez que Zola afirma que “o autor não é um moralista, mas um anatomista que

se contenta em dizer o que encontra no cadáver humano”, pois “procura desaparecer,

completamente por trás da ação que narra” (ibidem, p.98) –, o leitor vivencia a sensação de

que há uma inviabilidade de mudança, pois a impressão que fica é a de fatalismo, isto é, de

que se torna impossível ao indivíduo (que, em geral, representa um tipo) não se corromper

diante das mazelas da sociedade, na qual a virtude parece inexistir. O movimento da

representação das personagens do Realismo/Naturalismo se dá de fora para dentro; para

Machado de Assis, a direção deveria ser oposta: de dentro para fora, noção reivindicada pelo

autor nos textos críticos e materializada em seus romances, nos quais podemos verificar a sua

melhor “resposta” aos partidários da escola realista/naturalista, o que procuramos demonstrar

no próximo capítulo.

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5 MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS E QUINCAS BORBA: A CRÍTICA

TRANSFORMADA EM FICÇÃO

A partir da década de 1880, o exercício da crítica na carreira de Machado de Assis

foi cada vez perdendo mais espaço, provavelmente em função dos demais compromissos

assumidos pelo autor como funcionário público, fundador e presidente da Academia

Brasileira de Letras e, principalmente, do seguimento e fortalecimento de sua carreira como

ficcionista, especialmente no romance e no conto, formas que o consagraram. Entretanto, há

quem diga que a verve crítica machadiana não deixou de existir, mas foi transferida para os

textos ficcionais, em que, segundo Afrânio Coutinho, como já mencionamos, o escritor

procede à análise geral dos homens e da vida.

Stélio Furlan, como também já referimos no primeiro capítulo, afirma que, com a

publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, a crítica machadiana desdobra-se e

perpassa a atividade ficcional, emergindo tanto como reflexão e problematização sobre o

próprio processo de escritura quanto como leitura do seu tempo e país, impregnada pela

disposição anímica de um ironista sutil. Todavia, o ponto de vista aqui adotado difere do

assumido por Furlan. Sobre Memórias póstumas de Brás Cubas, o estudioso limita-se a

mostrar que Machado de Assis transfere o mecanismo empregado em suas crônicas para esse

romance, caracterizado por um narrador crítico, que se preocupa com o estilo e o método da

narrativa. Afirma que o mesmo se dá em Quincas Borba, do qual apenas cita duas passagens

– uma em que o narrador afirma que a paisagem depende do ponto de vista e outra em que diz

que o importante é que as cores não se desmintam umas às outras quando não possam

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obedecer à simetria e à regularidade –, o que Furlan associa ao conselho do crítico para que o

autor distribua as cores de acordo com o resto do quadro, utilizando-se das meias-tintas

necessárias aos melhores efeitos da pintura.

Em nossa opinião, os romances Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas

Borba assumem uma relação bem mais estreita com o posicionamento crítico de Machado de

Assis, pois consistem em uma resposta ficcional aos princípios do Realismo/Naturalismo,

combatidos pelo autor especialmente no ensaio sobre O primo Basílio. Mais do que isso:

acreditamos que essa doutrina, ou melhor, a resistência a ela, teve fundamental importância

para a consolidação da chamada “fase madura” do escritor, que tem início pouco depois da

publicação do polêmico ensaio sobre o romance de Eça de Queirós: menos de dois anos após

a crítica a O primo Basílio (16 de abril de 1878), começa a publicação das Memórias

póstumas de Brás Cubas na Revista Brasileira, em 15 de março de 1880, o que nos autoriza a

concluir que Machado de Assis concebera o romance no ano anterior. É como se o autor, ao

estabelecer o que não queria seguir como ficcionista, pudesse definir o rumo que daria à sua

produção, consolidando a sua carreira por oposição/ruptura em relação ao cânone vigente.

Memórias póstumas de Brás Cubas rejeita completamente a estética preconizada

pelos representantes da escola realista/naturalista, uma vez que apresenta um defunto-autor

que narra os fatos de sua vida de maneira pessoal e pouco confiável, isto é, num movimento

oposto ao da doutrina defendida por Zola e seus partidários, para quem o romance deveria se

pautar pela verdade, observação e imparcialidade, assumindo feição científica. Já no prólogo

“Ao leitor”, aparecem as características contrárias aos princípios do romancista francês: trata-

se de “uma obra difusa”, cujo autor crê que “o melhor prólogo é o que contém menos cousas,

ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado”.167 Sem contar a sua suposta ausência de

método, assim explicada: “que isto de método, sendo, como é, uma cousa indispensável,

167 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.1. p.413.

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todavia é melhor tê-lo sem gravata nem suspensórios, mas um pouco à fresca e à solta, como

quem não se lhe dá da vizinha fronteira, nem do inspetor de quarteirão” (ibidem, p.426).

Como explica Juracy Saraiva, Brás Cubas “prestigia o nível do discurso em detrimento da

história, fazendo com que o interesse voltado para a sequência dos episódios seja truncado,

infletindo sobre a retórica do narrador”.168

Para Zola, como vimos, o autor é um anatomista que se contenta em dizer o que

encontra no cadáver humano, procurando desaparecer completamente por trás da ação que

narra, isto é, reveste-se de uma presumida imparcialidade. No romance machadiano, o suposto

autor é ele mesmo o cadáver, que descreve e analisa o próprio comportamento buscando

marcar presença como protagonista da ação e enunciador mediante comentários e apelos ao

leitor. Portanto, há uma inversão: na concepção de Zola, o “cadáver” é objeto inerte, que deve

ser tratado com objetividade; no romance de Machado de Assis, o defunto é sujeito e objeto

ao mesmo tempo, o que impossibilita o exercício da imparcialidade. É justamente nesse ponto

que Machado de Assis parece dirigir um alerta ao movimento realista/naturalista de que é

impossível ao homem analisar a sua própria conduta de forma impessoal e “científica”

mediante um instrumento cuja base é subjetiva: a arte. Ela é o resultado de uma impressão,

que, ao contrário do que pregava Zola, não pode ser “exata”, pois é subjetiva e,

consequentemente, relativa.

Além disso, podemos identificar também, no prólogo, uma referência à concepção

de Machado de Assis a respeito da crítica: “evito contar o processo extraordinário que

empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso,

mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma

é tudo” (ibidem, p.413). Nesse trecho, percebemos a alusão à prática de muitos críticos,

especialmente os de cunho naturalista, que buscavam justificar a obra pela sua origem, meio,

168 SARAIVA, Juracy Assmann. O circuito das memórias em Machado de Assis. São Paulo: Edusp; São Leopoldo: Editora Unisinos, 1993. p.62.

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tentando identificar o motivo que levou o autor a escrevê-la, etc., conduta diversa da

empregada por Machado de Assis em seus ensaios críticos, que focalizam o texto, e não o seu

criador.

Também no romance Quincas Borba, que seguiu as Memórias póstumas de Brás

Cubas, podemos reconhecer uma feição contrária aos princípios da doutrina

realista/naturalista. Embora a narrativa seja escrita na terceira pessoa, os comentários

avaliativos e os apelos ao leitor permanecem. Trata-se, mais uma vez, de um narrador pouco

confiável, que procura mostrar ao leitor que as aparências (e as impressões) enganam. Já na

abertura do romance, essa noção faz-se presente mediante o seguinte comentário: “Rubião

fitava a enseada, – eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os polegares metidos no

cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo, cuidaria que ele admirava

aquele pedaço de água quieta; mas, em verdade, vos digo que pensava em outra coisa”.169 No

desenrolar da narrativa, o leitor é constantemente ludibriado pelo enunciador, que o faz adotar

a perspectiva do protagonista e, com ele, incorrer em julgamentos precipitados e errôneos,

como no episódio da carta de Sofia a Carlos Maria, que mencionamos no capítulo anterior.

O que fica evidente é que, enquanto Zola valoriza um narrador comprometido

com a verdade, que deveria descrever fatos de forma impessoal, como se assumisse a posição

de um cientista, Machado de Assis vale-se de um narrador intruso, irônico e nada confiável,

que desafia constantemente a percepção do leitor, que, por sua vez, acaba vivenciando a

dualidade do protagonista Rubião – dividido entre o que foi (professor) e o que tentava ser

(capitalista), de onde vinha (Barbacena) e onde estava (Rio de Janeiro), a amizade com Palha

e a paixão por Sofia – mediante a ambiguidade da narração.

Portanto, enquanto o enunciador do Realismo/Naturalismo reveste-se de uma

suposta neutralidade, buscando uma posição absoluta para conquistar a confiança do leitor, a

169 ASSIS, Machado de. Quincas Borba. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.1. p.555.

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quem procura descrever a “verdade” dos fatos, o narrador machadiano lança mão da intrusão

na narrativa, assume uma postura não confiável, indicando ao leitor a relatividade dos fatos.

Portanto, de um lado, tem-se o chamado “romance de tese”, que faz com que o leitor assuma,

em um movimento simétrico ao do narrador, a atitude de observador, o que implica certa

passividade diante do texto; do outro, figura o romance machadiano, que

questiona/desconserta o leitor e faz com que ele próprio se questione diante da ambiguidade

da narrativa, assumindo postura ativa diante do texto.

É interessante notar que, embora o romance naturalista/realista buscasse a

neutralidade do narrador, cuja intervenção no relato deveria ser mínima, limitando-se a

descrever sem interferir na narrativa e, portanto, na percepção do leitor, a sua ação é mais

restrita porque, de forma geral, em função do seu suposto compromisso com a verdade, com a

exatidão dos fatos, esse tipo de romance dificilmente abre-se para mais de uma interpretação.

O oposto se dá no romance machadiano, cuja narração se caracteriza pela relatividade e

ambiguidade. Ainda que o enunciador seja intruso e pareça querer direcionar a percepção do

leitor, isso não acontece, em virtude da postura nada confiável e irônica que ele assume.

Assim, o leitor precisa constantemente se desvencilhar das “armadilhas” que esse tipo de

narrador dissemina pelo relato.

Um bom exemplo está em Quincas Borba, quando o enunciador induz o leitor a

adotar o ângulo subjetivo de Rubião, que, movido pelo ciúme e ludibriado pelas aparências,

conclui que Sofia e Carlos Maria mantinham uma relação adúltera. O narrador assim desfaz o

mal entendido:

... ou, mais propriamente, capítulo em que o leitor, desorientado, não pode combinar as tristezas de Sofia com a anedota do cocheiro. E pergunta confuso: – Então a entrevista da rua da Harmonia, Sofia, Carlos Maria, esse chocalho de rimas sonoras e delinquentes é tudo calúnia? Calúnia do leitor e do Rubião, não do pobre cocheiro, que não proferiu nomes, não chegou sequer a contar uma anedota verdadeira. É o que terias visto, se lesses com pausa. Sim, desgraçado, adverte bem que era inverossímil; que um homem, indo a uma aventura daquelas, fizesse parar o tílburi diante da casa pactuada. Seria pôr uma testemunha ao crime. Há entre o céu e a terra muitas mais ruas do que sonha a tua filosofia, – ruas transversais, onde o tílburi podia ficar esperando (ibidem, p.647).

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Portanto, o leitor machadiano não pode assumir a postura de um simples

observador, pois precisa preencher os “vazios do texto”170 e, consequentemente, desconfiar do

narrador a fim de não incorrer no mesmo erro de Rubião, que se deixou persuadir pela

anedota do cocheiro. Logo, esse trecho mimetiza a relação entre narrador e leitor e sinaliza

para a chave de compreensão do texto: a desconfiança. O mesmo ocorre em Memórias

póstumas de Brás Cubas, em que “o caráter irônico do discurso exige reintegrá-lo a um

projeto de produção artística em que as conclusões do leitor devem ser continuamente

revistas, ou seja, devem desdobrar-se sobre os dados enunciativos para se resguardarem de

equívocos” (SARAIVA, 1993, p.70).

Outra diferença entre o romance de inspiração zolaniana e o machadiano está na

forma de empregar o recurso da descrição, que fora abordado pelo autor em “Notícia da atual

literatura brasileira: instinto de nacionalidade” e na crítica a O primo Basílio. No modelo

realista/naturalista, a descrição funciona como extensão do espaço, que a determina e,

portanto, é iluminado para que ela entre em cena. É como se o espaço protagonizasse o

romance, já que a teoria que embasa esse tipo de narrativa é a de que a personagem é produto

do meio e, como explicou Zola, não pode ser separada dele. Daí as extensas e pormenorizadas

descrições de ambiente que caracterizam o romance realista/naturalista, como esta, de O

primo Basílio:

o quarto era baixo, muito estreito, com o teto de madeira inclinado; o sol, aquecendo todo o dia as telhas por cima, fazia-o abafado como um forno; havia sempre à noite um cheiro requentado de tijolo escandescido. [Juliana] Dormia num leito de ferro, sobre um colchão de palha mole coberto de uma colcha de chita; da barra da cabeceira pendiam os seus bentinhos e a rede enxovalhada que punha na cabeça; ao pé tinha preciosamente a sua grande arca de pau, pintada de azul, com uma grossa fechadura. Sobre a mesa de pinho estava o espelho de gaveta, a escova de cabelos enegrecida e despelada, um pente de osso, as garrafas de remédio, uma velha pregadeira de cetim amarelo, e, embrulhada num jornal, a cuia de retrós dos domingos. E o único adorno das paredes sujas, riscadas da cabeça de fósforos, — era uma litografia de Nossa Senhora das Dores por cima da cama, e um daguerreótipo

170 Segundo Wolfgang Iser, o texto literário consiste em uma estrutura lacunar que estimula a resposta estética e faz com que a indeterminação seja a pré-condição para a participação do leitor: “são os vazios, a assimetria fundamental entre texto e leitor, que originam a comunicação no processo da leitura” (ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: COSTA LIMA, Luiz (org.). A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.88).

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onde se percebia vagamente, no reflexo espelhado da lâmina, os bigodes encerados e as divisas de um sargento.171

Na narrativa machadiana, opera-se o inverso: o espaço funciona como extensão da

personagem, que, ao entrar em cena, ilumina-o. Vejamos um exemplo de Quincas Borba:

“[Rubião] olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo,

Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu; e

tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade” (ASSIS,

1959, v.1, p.555). Portanto, o cenário se desenha diante do leitor por meio do ângulo subjetivo

do protagonista. O foco se irradia dele para o espaço. Como explica Lea Staut172, a paisagem,

para Machado de Assis, não é moldura, não é fundo para um acontecimento, mas é essência

para a construção do discurso.

Ainda no que concerne às personagens, podemos identificar a preocupação

machadiana com a sua concepção, tão em evidência nos textos de crítica, por ocasião da

reescrita do romance Quincas Borba, lançado primeiramente em folhetim na revista A

Estação, quinzenalmente, de junho de 1886 a setembro de 1891 (com algumas interrupções) e

publicado no mesmo ano em livro.173 O que se verifica é o cuidado em tornar a loucura que

acomete a personagem central mais verossímil na passagem de uma versão para a outra.

O protagonista Rubião recebe a herança do amigo e filósofo Quincas Borba, sob a

condição de cuidar do cão homônimo do finado como se fosse ele próprio, e decide mudar-se

para o Rio de Janeiro a fim de viver no luxo. Entretanto, à medida que o tempo passa, não

consegue se adaptar completamente à nova vida de capitalista, sentindo-se, algumas vezes,

171 QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. 22.ed. São Paulo: Ática, 2002. p.58. 172 STAUT, Lea Mara Valezi. A recepção da obra machadiana na França. In: MARIANO, Ana Salles; OLIVEIRA, Maria Rosa Duarte de. Recortes Machadianos. São Paulo: Educ; FAPESP, 2003. p.131. 173 As inúmeras alterações que distinguem as duas narrativas foram identificadas pelo pesquisador Antônio José Chediak, em estudo realizado, em 1959, junto à Comissão de Machado de Assis, instituída no ano anterior pela portaria nº 483 do Ministério da Educação e Cultura e cuja finalidade consistia em elaborar o texto definitivo das Obras de Machado de Assis. Dessa forma, por intermédio do trabalho de Chediak, a Comissão, integrada por estudiosos como Antônio Houaiss, Celso Ferreira da Cunha e José Galante de Sousa, reimprimiu, em Quincas Borba: apêndice, o texto de A Estação, grifando os trechos que permaneceram inalterados quando da reescrita do romance.

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como o antigo professor de Barbacena. E, no esforço para abraçar a nova vida, Rubião acaba

assumindo uma terceira identidade: a do imperador francês Napoleão III. Ao final da

narrativa, após fugir de uma clínica onde fora internado, o herdeiro de Quincas Borba volta a

Barbacena, acompanhado do cão. Depois de vagar sem rumo pelas ruas, morre em pleno

delírio, na casa de uma ex-vizinha, cingindo uma coroa que somente ele enxerga.

A diferença no tratamento da loucura de Rubião da primeira versão para a

segunda está no acréscimo dos capítulos LXXXI e LXXXII. No primeiro, o narrador

apresenta os pensamentos do protagonista, que, após ouvir o conselho do Major Siqueira para

que se case, sonha com uma cerimônia luxuosa e enxerga carruagens, convidados de alta

estirpe, nobres e políticos, uma ceia e um baile esplêndidos e pomposos. No segundo, o

enunciador compara os sonhos do mineiro aos feitiços de Próspero e descreve sua fascinação

pela nobiliarquia, cujos títulos honoríficos transcreve como se assinasse o próprio nome.

Rubião imagina-se casando com noivas tutelares, mas nelas vê o rosto de Sofia. O narrador

afirma que o relacionamento do protagonista do romance com a esposa do ex-sócio é instável,

variando segundo o humor dela. A cada dia, a ideia de casar parece mais acertada a Rubião,

cujo espírito “pairava sobre o abismo” (ASSIS, 1959, v.1, p.628). Tais capítulos, em que a

interioridade de Rubião se expõe, sinalizam, portanto, os primeiros indícios de sua gradativa

loucura, que, mais adiante, culminará na adoção da identidade de Napoleão III, o que ocorre,

primeiramente, em um sonho e vai estabelecendo-se a partir do momento em que Rubião pede

a um barbeiro que lhe tire a barba a fim de ficar com a feição do imperador francês, de quem

possuía um busto de mármore. Aqui percebemos o movimento de “dentro para fora” que

Machado de Assis emprega na construção de suas personagens. É o conflito interior de

Rubião que age sobre o exterior. Ou, como ele próprio reivindicara na crítica à Luísa de O

primo Basílio, as tribulações da personagem advêm dela mesma. No desenrolar da narrativa,

percebemos a constante (inde)cisão que caracteriza o protagonista. Apesar de ter deixado de

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ser um simples professor de meninos no interior de Minas Gerais para tornar-se um capitalista

na cidade mais importante do País, por ocasião da herança do amigo e filósofo Quincas

Borba, Rubião não consegue conjugar a vida pública com a vida íntima. Quando ouve o

conselho do major para que se case, pensa que tal solução poderia ser “um modo de restituir à

vida a unidade que perdera, com a troca do meio e da fortuna” (ibidem, p.626). Sua

ambiguidade pode ser exemplificada especialmente nas seguintes passagens dos capítulos

LIX e LXII, respectivamente:

a terra natal, – por menos bonita que seja, – um lugarejo, – dá saudades à gente; – ainda mais quando a pessoa veio de lá homem. Queria ver Barbacena. Barbacena era a primeira terra do mundo. Durante alguns minutos, Rubião pôde subtrair-se à ação dos outros. Tinha a terra natal em si mesmo: ambições, vaidades da rua, prazeres efêmeros, tudo cedia ao mineiro saudoso da província. Se a alma dele foi alguma vez dissimulada, e escutou a voz do interesse, agora era a simples alma de um homem arrependido do gozo, e mal acomodado na própria riqueza (ibidem, p.605).

O ar metia-lhe pelo nariz acima um aroma fino e raro, coisa de tontear, o aroma deixado por ela. Baronesa! Chegou à porta da rua; viu parado um coupé; o lacaio, em pé, na calçada, o cocheiro na almofada, olhando; fardados ambos... Que novidade podia haver em tudo isso? Nenhuma. Uma senhora titular, cheirosa e rica, talvez demandista para matar o tédio. Mas o caso particular é que ele, Rubião, sem saber por que, e apesar do seu próprio luxo, sentia-se o mesmo antigo professor de Barbacena... (ibidem, p.609).

Portanto, ao contrário do que ocorre com as personagens dos romances

realistas/naturalistas, o meio, por mais que Rubião queira, não é capaz de modificar, por

completo, a sua feição primitiva. Mesmo quando a identidade do imperador francês suplanta a

do professor, é na cidade natal deste que a “coroação” acontece. Portanto, Rubião só readquire

a unidade que perdera, ainda que no plano da loucura, voltando à Barbacena, isto é, às suas

origens.

Aqui podemos identificar, como já mencionamos, a abertura do romance

machadiano a mais de uma interpretação. Por um lado, Rubião fracassa diante da sociedade

por não ter conseguido se adaptar à nova vida de herdeiro rico e capitalista na Corte, gastando

sua fortuna até não restar nada dela e morrendo pobre e louco; por outro, triunfa diante de si

próprio, pois, por intermédio da loucura, consegue transportar-se para um plano imaginário no

qual assume a condição de imperador. Como explica Juracy Saraiva, o desajustamento da

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personagem consuma-se com a ruína financeira e com a degeneração física e mental, mas,

igualmente, com a libertação mediante as miragens do delírio; na mesma proporção em que a

vida mostra sua face cruel, o delírio se faz benfazejo, pois proporciona a instituição de

imagens que anulam a realidade circundante.174

Diante dessa dupla perspectiva para a qual se abre o romance Quincas Borba, o

enunciador, ao encerrar a narrativa, sinaliza também para duas formas pelas quais o leitor

pode encarar o seu final: “eia! chora os dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso

ri-te! É a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião,

está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens” (ASSIS, 1959, v.1,

p.725). Dessa forma, aquele que encarar o romance pelo viés da loucura como triunfo, rirá, ao

passo que aquele que enxergar apenas o fracasso social, chorará ou, pelo menos, lamentará o

fim do protagonista.

Portanto, Rubião personifica os dois lados da doutrina criada pelo filósofo

Quincas Borba, que aparece primeiramente nas Memórias póstumas de Brás Cubas, o

humanitismo: vencido e vencedor, ainda que em planos diferentes (realidade x loucura). Essa

doutrina constitui uma paródia das teorias cientificistas do século XIX. Segundo seu criador,

humanitas seria o princípio universal e indestrutível, substância recôndita e idêntica presente

em todas as coisas e que, portanto, nem pela morte é eliminado. Para demonstrar tal princípio,

Quincas Borba lança mão de uma alegoria: duas tribos famintas encontram um campo de

batatas, suficiente para alimentar apenas uma delas. Uma extermina a outra e recolhe os

despojos, garantindo a perpetuação de humanitas. Nesse caso, a guerra representou a

conservação, enquanto a paz teria sido a destruição. O filósofo arremata com a máxima “ao

vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas” (ibidem, p.560).

174 SARAIVA, Juracy Assmann. A temática da loucura em Quincas Borba e as malhas da intertextualidade. Santa Barbara Portuguese Studies, v.8, p.134.

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Além de apresentar associação clara com o darwinismo, pela lei do mais forte, o

humanitismo pode também ser relacionado com o positivismo de Augusto Comte, que

considerável influência exerceu sobre as ciências e as artes no século XIX. Segundo Mattoso

Câmara,

o próprio nome de Humanitismo, com a sua concepção de Humanitas, lembra imediatamente a Religião da Humanidade de Comte e a hipóstase de uma Humanidade em si, acima dos homens, de que essa religião decorre. Nem é menos esclarecedora a circunstância de o Humanitismo não ser apenas uma filosofia, mas além disto, ou antes, sobretudo, uma religião, que se propõe a substituir todas as outras e especialmente o Cristianismo.175

A afirmação de que o humanitismo seria não só uma filosofia, mas também uma

religião, encontra-se nas Memórias póstumas de Brás Cubas, em que o filósofo já aparece

explicando alguns pontos de sua doutrina, ampliados no romance seguinte, e chega a associá-

la com o bramanismo.

Outra semelhança sugerida por Mattoso Câmara diz respeito à figura dos dois

filósofos: era opinião corrente entre os leigos do positivismo no Brasil que Comte, tal qual

Quincas Borba, enlouquecera nos últimos anos, quando criara a política e a religião

positivista. Em “Ideias e sandices do ignaro Rubião” (Gazeta de Notícias, 1893), Araripe

Júnior afirma que Machado de Assis também satiriza o costume dos filósofos de associar sua

doutrina a outros – como Sócrates a Alcebíades, Cristo a São João, Maomé ao anjo Gabriel,

Dante a Beatriz e Comte a Clotilde – uma vez que Quincas Borba elege como seu

companheiro um cão, a quem dá o próprio nome.176

Entretanto, acreditamos que a escolha do cão não se limita apenas a satirizar o

hábito dos filósofos de elegerem uma companhia para dividir suas doutrinas. Cremos ser

possível relacioná-la com o arcano do louco, que é representado com um cão a morder-lhe a

perna no Tarô. Esse conjunto de cartas ganha destaque no século XIX, quando passa a

175 CÂMARA JR., M. Ensaios machadianos. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979. p.99. 176 ARARIPE Júnior, Tristão de Alencar. Ideias e sandices do ignaro Rubião. In: _____. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Casa de Rui Barbosa, 1960, v.2. p.305-309.

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integrar o cerne do esoterismo moderno, como um código místico, juntamente com a Cabala,

a Astrologia e a Alquimia Medieval, graças especialmente ao escritor e ocultista francês

Eliphas Lévi, em seu estudo Dogme et Rituel de la Houte Magie.177 Cumpre registrar que tal

ocorrência não passou despercebida a Machado de Assis, que se apropria do tema, de forma

crítica e irônica, no conto A cartomante, veiculado em 1884 pela Gazeta de Notícias, isto é,

dois anos antes de começar a publicação de Quincas Borba na revista A Estação.

O arcano do louco “é um andarilho, enérgico, ubíquo e imortal”.178 Pode

simbolizar o desligamento da matéria, uma história a ser vivida, bem como o ato de ir embora

deixando tudo para trás. Pode significar a partida em busca de algo que procurava, como um

desejo que de repente extravasa, uma busca que foi sufocada durante muito tempo. É

representado com um cão a morder-lhe a perna, como se quisesse comunicar-lhe alguma

coisa, mas parece que ele nem percebe, por seguir “à vontade, liberto de todos os estorvos da

sociedade” (ibidem, p.46).

Figura 1 – O Louco (Tarô). Fonte: CLUBE DO TARÔ. O Tarô de Marselha Camoin-Jodorowsky. < http://www.clubedotaro.com.br/site/galerias/Marseille-Camoin.asp > Acesso em 11/10/2009.

177 A associação das cartas de Tarô ao misticismo e à magia é atribuída a um francês chamado Alliette, sob o pseudônimo de Etteilla, que atuou como vidente e cartomante logo após a Revolução Francesa. Entretanto, a tradição teria começado em 1781, quando Antoine Court de Gébelin, um clérigo protestante suíço e também maçom, publicou Le Mond Primitif, um estudo especulativo que incluía o simbolismo religioso e seus remanescentes no mundo moderno. 178 NICHOLS, Sallie. Jung e o tarô: uma jornada arquetípica. São Paulo: Cultrix, 1989. p.39.

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Essa caracterização se parece com a descrição dos momentos finais de Rubião,

que volta a Barbacena para, ainda que de forma inconsciente, buscar a reconstituição de sua

identidade. A personagem caminha pelas ruas, debaixo de chuva, com o cão a seguir-lhe

faminto, sem entender os desvarios do dono, que o fazem andar de um lado a outro:

vagaram sem destino. O estômago de Rubião interrogava, exclamava, intimava; por fortuna, o delírio vinha enganar a necessidade com os seus banquetes das Tulherias. Quincas Borba é que não tinha igual recurso. E toca a andar acima e abaixo. Rubião, de quando em quando, sentava-se no lajedo, e o cão trepava-lhe às pernas, para dormir a fome; achava as calças molhadas, e descia; mas tornava logo a subir, tão frio era o ar da noite, já noite alta, já noite morta. Rubião passava-lhe as mãos por cima, resmungando algumas palavras magras (ASSIS, 1959, v.1, p.723).

Rubião está completamente desligado do mundo material, pois, embora esteja há muito tempo

sem comer e passando frio debaixo da chuva, segue em frente alimentado e acalentado pelo

delírio, enquanto Quincas Borba fica a seu redor, como se procurasse trazê-lo de volta à

realidade.

Em pleno êxtase, Rubião julga ser o imperador (figura também presente no Tarô)

Napoleão III, da França. Sua situação assemelha-se à do protagonista do conto “Diário de um

louco”, de Nicolai Gogol. Tal personagem, além de afirmar ter ouvido a conversa entre dois

cães e lido cartas trocadas entre ambos, alega ser o rei Fernando VIII da Espanha, o que o faz

transformar um traje de gala em manto real (assim como Rubião pede que lhe tirem a barba

para ficar com a feição do soberano francês). Entretanto, o discurso da personagem russa, à

medida que o texto avança, acaba perdendo completamente a lógica, o que não chega a

acontecer com o de Rubião.

Quando começa a assumir a identidade do imperador Napoleão III, Rubião passa a

dar ordens a seus convivas, como se fossem seus súditos, com a segurança e a convicção que

nunca tivera:

em casa, os amigos do jantar não se metiam a dissuadi-lo. Também não confirmavam nada, por vergonha uns dos outros; sorriam e desconversavam. Todos, entretanto, tinham as suas patentes militares, o Marechal Torres, o Marechal Pio, o

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Marechal Ribeiro, e acudiam pelo título. Rubião via-os fardados; ordenava um reconhecimento, um ataque, e não era necessário que eles saíssem a obedecer; o cérebro do anfitrião cumpria tudo (ASSIS, 1959, v.1, p.691).

Em seu desvario, Rubião refere-se à Sofia como se fosse a imperatriz, figura

também presente no Tarô. Sofia é descrita como uma mulher bonita, elegante e sedutora,

atributos que, de pronto, encantaram Rubião, e lhe concederam uma espécie de poder sobre o

mineiro:

era daquela casta de mulheres que o tempo, como um escultor vagaroso, não acaba logo, e vai polindo ao passar dos longos dias. Essas esculturas lentas são miraculosas; Sofia rastejava os vinte e oito anos; estava mais bela que aos vinte e sete; era de supor que só aos trinta desse o escultor os últimos retoques, se não quisesse prolongar ainda o trabalho, por dois ou três anos (ASSIS, 1959, v.1, p.581).

Tanto Sofia quanto o marido tiram proveito do fascínio que ela exerce sobre

Rubião, embora a jovem consiga sempre se defender das investidas do mineiro, o que se

percebe na seguinte declaração do herdeiro de Quincas Borba:

— Não é segredo para a senhora que lhe quero bem. A senhora sabe disto, e não me despede, nem me aceita, anima-me com os seus bonitos modos. Não me esqueci ainda de Santa Teresa, nem da nossa viagem no trem de ferro, quando vínhamos os dois, com seu marido no meio. Lembra-se? Foi a minha desgraça aquela viagem; desde aquele dia a senhora me prendeu. A senhora é má, tem gênio de cobra; que mal lhe fiz eu? Vá que não goste de mim; mas, podia desenganar-me logo... (ASSIS, 1959, v.1, p.644)

É dessa maneira que Sofia e Palha conseguem manipular Rubião, enriquecendo às

suas custas.

Podemos ainda identificar a presença do ocultismo (estudo e/ou prática de artes

divinatórias e de fenômenos que parecem não poder ser explicados pelas leis naturais179) não

só mediante a analogia com o Tarô, mas também por intermédio da referência à

metempsicose, isto é, a transmigração de almas, ideia que persegue Rubião, como verificamos

no excerto a seguir:

vai senão quando, ocorreu-lhe que os dois Quincas Borba podiam ser a mesma criatura, por efeito da entrada da alma do defunto no corpo do cachorro, menos a purgar os seus pecados que a vigiar o dono. Foi uma preta de São João del-Rei que lhe meteu, em criança, essa ideia de transmigração. Dizia ela que a alma cheia de

179 MANTHÉIA, Lorena de. O ocultismo sem mistérios: mancias, logias, magias. São Paulo: Ibrasa, 1995. p.289.

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pecados ia para o corpo de um bruto; chegou a jurar que conhecera um escrivão que acabou feito gambá... (ASSIS, 1959, v.1, p.593).

Outro exemplo: “o cão olhava para ele, de tal jeito que parecia estar ali dentro o próprio e

defunto Quincas Borba; era o mesmo olhar meditativo do filósofo, quando examinava

negócios humanos...” (ibidem, p.594). Mais adiante, a ideia reaparece:

Rubião estremeceu; a suposição de que naquele Quincas Borba podia estar a alma do outro nunca se lhe varreu inteiramente do cérebro. Desta vez chegou a ver-lhe um tom de censura nos olhos; riu-se, era tolice; cachorro não podia ser homem. Insensivelmente, porém, abaixou a mão e coçou as orelhas ao animal, para captá-lo (ibidem, p.616).

Devemos lembrar que a ideia de transmigração de almas ganhou força no século

XIX especialmente mediante duas doutrinas de cunho filosófico-religioso: a teosofia e o

espiritismo.

A teosofia destaca-se com a fundação da Sociedade Teosófica por Helena

Petrovna Blavatsky, em 1875. Retoma alguns elementos da tradição religiosa hindu,

especialmente a crença na transmigração. Consiste na sabedoria adquirida pelo estudo da

evolução da vida e da forma (baseando-se, portanto, no evolucionismo de Spencer). Professa

a crença de que, quando um ser vivo, seja planta, animal ou ser humano, morre, nada se

destrói de sua matéria; todas as partículas continuam a existir porque a matéria não pode se

aniquilar, apenas retira-se por algum tempo para reaparecer construindo outro ser. Portanto,

na luta pela sobrevivência, nenhuma simples vida se aniquila; e a vitória não é para o tipo que

a obtém, mas para a totalidade da vida. A diferença entre a evolução da forma e a da vida

consiste em que a primeira seria uma reorganização, enquanto a segunda constitui uma

libertação e um desdobramento. A teosofia considera que a existência humana tem suas etapas

anteriores de elemental, mineral, vegetal e animal e que toda a vida nelas residente consiste na

Vida Única, expressão da natureza e atuação do Logos (grande Consciência).180 A palavra

180 Esse princípio de uma força universal que se encontra em cada um dos seres sem, no entanto, confundir-se com nenhum deles, está presente, embora com denominações diferentes, no totemismo e no animismo (mana), na religião egípcia (ka), no bramanismo (braman), no taoísmo (tao), que também sustentam a crença na transmigração, assim como o budismo (CHALLAYE, Félicien. As grandes religiões. São Paulo: Ibrasa, 1981).

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reencarnação só é empregada para o estágio humano (isto é, quando existe a individualização

da alma, que, nas etapas anteriores, é coletiva e, portanto, denominada alma-grupo): uma alma

humana voltará a terra somente como homem ou mulher, não mais como vegetal ou animal.

Para esses estágios anteriores, empregam-se os termos transmigração ou metempsicose.181

Não é difícil perceber a relação do humanitismo com a teosofia. A ideia de

princípio universal e indestrutível (humanitas), substância recôndita e idêntica presente em

todas as coisas e que nem pela morte é eliminado, referido na filosofia de Quincas Borba,

assemelha-se ao conceito de Vida Única, residente em todas as formas de vida e que consiste

na expressão da natureza e atuação do Logos, presente na doutrina de Blavatsky. Entretanto,

enquanto a teosofia, por sua etimologia, aponta para a sabedoria de Deus, o humanitismo se

volta ao homem, que, segundo Quincas Borba, por ser o próprio humanitas reduzido, deveria

adorar-se a si mesmo e considerar que a terra teria sido inventada para o seu próprio recreio

(ASSIS, 1959, v.1, p.522). Não só pelo nome, mas por essa característica, podemos ainda

relacionar o humanitismo com o humanismo renascentista, que voltou a sua atenção ao

homem, em oposição ao teocentrismo da Idade Média. Como vemos, Machado de Assis

consegue parodiar, em uma só doutrina, teorias oriundas de várias épocas e com princípios

antagônicos. Mas ainda falta relacioná-la com o espiritismo.

A doutrina espírita inicia com o lançamento do Livro dos Espíritos, de Allan

Kardec, em 1857, na França, e tem por princípio as relações do mundo material com os

espíritos ou seres do mundo invisível, que teriam se comunicado para ditar os princípios da

doutrina. Assim como os teosofistas, os espíritas não admitem a possibilidade de a alma de

um ser humano passar para a de um animal ou planta, o que seria uma involução, uma vez que

a reencarnação tem por objetivo fazer com que os espíritos cheguem à perfeição, consistindo,

181 JINARAJADASA, C. Fundamentos de teosofia. Buenos Aires: Editorial Shapire, 1951.

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para uns, em expiação e, para outros, missão. Portanto, seu fim é o melhoramento progressivo

da humanidade.182

A doutrina introduzida por Allan Kardec não tarda a chegar ao Brasil, mediante a

fundação do primeiro centro espírita na Bahia, o Grupo Familiar de Espiritismo, em 1865, por

Luís Olímpio Teles de Menezes, que, no ano seguinte, publica o opúsculo O Espiritismo:

introdução ao estudo da doutrina espírita, contendo páginas extraídas e traduzidas do Livro

dos Espíritos. No Rio de Janeiro, o primeiro centro espírita é fundado em 1873 com o nome

de Sociedade de Estudos Espiríticos – Grupo Confúcio, que se extingue em 1879. Na mesma

cidade, em 1876, funda-se a Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, que,

mais tarde, passa a chamar-se Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade. As primeiras

traduções para o português das obras de Allan Kardec datam de 1875. Em 1881, registra-se a

perseguição oficial ao espiritismo. Nos periódicos O Cruzeiro e Jornal do Comércio, do Rio

de Janeiro, uma ordem policial proibindo o fundamento da Sociedade Acadêmica Deus,

Cristo e Caridade e dos centros filiados é anunciada. Tal ocorrência leva uma comissão de

espíritas a recorrer duas vezes ao Imperador D. Pedro II, que promete acabar com as

perseguições. Em 1884, é instalada, no Rio de Janeiro, a Federação Espírita Brasileira.183

Portanto, quando Machado de Assis publica as Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas

Borba, a doutrina espírita já havia conquistado o seu espaço no País. Em suas crônicas

intituladas Balas de Estalo, publicadas pela Gazeta de Notícias, de 1883 a 1886, Machado de

Assis tematiza, em outubro de 1885, a doutrina, citando a Federação Espírita Brasileira, em

uma história bem-humorada, que dá a entender, nas palavras do diabo, que o espiritismo seria

um medicamento novo a prometer a cura que o antigo não mais era capaz de proporcionar.184

182 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos: princípios da doutrina espírita. 75.ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1944. 183 MARTINS, CELSO; SOARES, JAYME LOBATO. O espiritismo ao alcance de todos. Rio de Janeiro: Leymarie, 1998. 184 ASSIS, Machado de. Balas de Estalo. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v. 3. p.443-511.

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Entretanto, não é só por meio da ideia de transmigração/reencarnação que o

espiritismo pode ser relacionado ao romance Quincas Borba; a associação também ocorre

mediante a figura de Santo Agostinho. Este é um dos expoentes históricos cujo espírito teria

se manifestado no livro publicado por Allan Kardec. É também quem Quincas Borba afirma

ter descoberto ser em carta a Rubião. O interessante é que o filósofo chegara a tal conclusão

comparando fatos da sua vida com a do santo, antes da conversão deste ao catolicismo, e

explica que ambos acreditavam que tudo que existe é bom, ainda que Agostinho considerasse

o mal como “um desvio da vontade”, o que, para Quincas Borba, seria “ilusão própria de um

século atrasado, concessão ao erro”, pois entendia que o “mal nem mesmo existe” (ASSIS,

1959, v.1, p.563). Além disso, enquanto Quincas Borba, com a alegoria das tribos famintas,

defende a lei da sobrevivência, do “cada um por si”, o suposto espírito de Santo Agostinho

condena as guerras e a violência e exalta a benevolência para com todos. Portanto, há um

paradoxo (bem ao gosto machadiano): enquanto a doutrina do humanitismo assume caráter

materialista, seu criador, por sua vez, reivindica a identidade de uma figura religiosa, ícone da

igreja católica, portanto, ligada a questões espirituais e cujo nome reaparece em um livro

fundador de uma doutrina que difere consideravelmente do catolicismo e se opõe ao

materialismo, embora tenha como base a noção de evolução, tão em voga no século XIX.

A obra que deu origem à doutrina espírita também pode ser associada às

Memórias póstumas de Brás Cubas. O Livro dos Espíritos, organizado em um sistema de

perguntas e respostas, segundo seu autor, contém ensinamentos ditados pelos próprios

espíritos. Essa informação aparece logo abaixo do subtítulo (“princípios da doutrina espírita”)

da seguinte forma: “sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações

com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade –

segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns”

(KARDEC, 1944, p.5). Como sabemos, Brás Cubas se diz um “defunto-autor” que decide

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escrever suas memórias “do outro mundo”, mas não explica como realizou tal processo, isto é,

se teve algum auxílio do mundo terreno, como aqueles que ditaram o livro da doutrina

espírita. Além disso, é interessante notar que a dedicatória que dá início ao romance – “Ao

verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança

estas Memórias Póstumas” (ASSIS, 1959, v.1, p.409) – também pode ser associada ao livro

de Kardec. Por exemplo, na parte referente à sensação dos espíritos, há o que seria a fala de

um suicida, que afirma não estar morto, embora sinta os vermes a lhe roerem. Segundo a

doutrina, isso ocorreu em virtude da visão que o espírito teve do que se passava em seu

cadáver, pois ainda estava ligado ao seu perispírito185, o que produziu essa sensação que ele

tomava como real, como autêntica (ibidem, p.166).

A figura do verme também aparece, de forma figurada, na explicação após uma

fala atribuída ao espírito de Fénelon, que responde à pergunta sobre qual o meio de destruir o

egoísmo – “louváveis esforços indubitavelmente se empregam para fazer que a humanidade

progrida. Os bons sentimentos são animados, estimulados e honrados, mais do que em

qualquer outra época. Entretanto, o egoísmo, verme roedor, continua a ser a chaga social”

(grifo nosso – ibidem, p.421). O mesmo se dá na resposta à pergunta que indaga se o homem

é o causador de seus sofrimentos morais, como é dos materiais, em que há a seguinte

exclamação – “a inveja e o ciúme! Felizes aqueles que não conhecem estes dois vermes

roedores!” (grifo nosso – ibidem, p.432)

Já que uma das principais características (senão a principal) de Brás Cubas é o

egoísmo, como ele próprio confessa – “opiniático, egoísta e algo contemptor dos homens, isso

fui” (ASSIS, 1959, v.1, p.427) / “agora, que isto escrevo, quer-me parecer que o compromisso

era uma burla, que essa piedade era ainda uma forma de egoísmo, e que a resolução de ir

consolar Virgília não passava de uma sugestão de meu próprio padecimento” (ibidem, p.493)

185 Segundo a doutrina espírita, perispírito é o laço que une o corpo e o espírito, uma espécie de envoltório semimaterial (ibidem, p.24).

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– podemos considerar a imagem do verme tanto na sua acepção física e, portanto, literal,

quanto metafórica, assim como ocorre no Livro dos Espíritos, o que mais uma vez remete à

ambiguidade da narrativa machadiana.186

Essa ambiguidade, ou melhor, a plurissignificação das narrativas de Machado de

Assis apresenta caráter intertextual e paradoxal, uma vez que é capaz de abranger teorias e

doutrinas tão diversas – catolicismo, bramanismo, humanismo, positivismo, darwinismo,

teosofia, espiritismo, ocultismo – relativizando-as e questionando, de forma bem-humorada, a

sua validade. Entretanto, a crítica maior parece mesmo dirigir-se ao Realismo/Naturalismo.

A sugestão da passagem da alma do filósofo Quincas Borba para a do cão

transmite a ideia de que homem e animal se igualariam. Esse pensamento parece relacionar-se

com a forma como os escritores naturalistas concebiam suas personagens, isto é, focalizando

o seu lado animalesco, representado pela preponderância do instinto sobre a razão. Portanto,

tem-se a impressão de que Machado de Assis dirige uma crítica às teorias cientificistas que

deram origem ao naturalismo, fazendo uma inversão do princípio que as embasa: a evolução.

Machado parece sinalizar para um paradoxo: a transferência dos princípios das ciências

naturais para a literatura consiste em uma involução. Se pensarmos na defesa que o autor faz,

em seus textos de crítica, da busca do sentimento íntimo, relacionada com a exploração da

interioridade das personagens, fica fácil entender que, para ele, os métodos da escola

realista/naturalista consistiriam em um retrocesso, uma vez que, como procuramos assinalar,

fazem o caminho inverso ao proposto por Machado de Assis, por conceberem suas

personagens a partir do exterior.

Portanto, o autor de Quincas Borba constrói uma crítica ao naturalismo científico

do século XIX mediante a apropriação de um princípio proveniente de um campo de

conhecimento oposto: o ocultismo, que seria uma das temáticas recorrentes do

186 É lícito lembrar que Machado de Assis escreve o poema “O verme”, em que, como em O livro dos Espíritos, o animal é associado ao ciúme.

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Simbolismo/Decadentismo, como havia sido do Romantismo, por sua ligação com o

fantástico, inserindo-se “no âmbito do emocional, do sentimental, contrastando com o modo

de apreensão racionalista da realidade”.187 Enquanto o naturalismo considera que as leis da

natureza são válidas para explicar o mundo e que o homem está sujeito a um inevitável

condicionamento biológico e social, o ocultismo liga-se, como já mencionamos, ao

estudo/prática de artes divinatórias e de fenômenos que não podem ser explicados pelas leis

naturais.

Portanto, com o ceticismo e o humor que lhe são característicos, Machado de

Assis “assimila a ciência para nutrição” (metáfora empregada em “A nova geração”) ao lançar

mão de diversos modos que buscam compreender o homem e o mundo para transfigurá-los no

universo literário/artístico, o que revela a sua concepção de que este deve se caracterizar pela

pluralidade de significados e formas, não podendo ser reduzido à expressão ou instrumento de

uma única cosmovisão, como pretendia o Realismo/Naturalismo. Mediante tal perspectiva, o

escritor parece seguir o conselho de Schiller em A educação estética do homem: “vive com

teu século, mas não seja sua criatura; serve teus contemporâneos, mas naquilo de que

carecem, não no que louvam”.188

187 MELLO, Ana Maria Lisboa de. Símbolo e história da literatura: do Romantismo à contemporaneidade. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v.4, n.4, p.21-29, 1998. 188 SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 1990. p.56.

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CONCLUSÃO

Machado de Assis assume posição de destaque no meio literário brasileiro

primeiramente por intermédio de sua atividade como crítico, empregando, já no primeiro

texto, de 1858, escrito aos 20 anos de idade, argumentos bem fundamentados que seriam

retomados e aprimorados em “Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade”,

ensaio considerado, como mencionamos no primeiro capítulo, por estudiosos como Afrânio

Coutinho, uma das obras-primas do pensamento crítico brasileiro.

De uma forma geral, os textos críticos de Machado de Assis exprimem a crença

do autor no tocante ao cunho transformador que a crítica poderia assumir quando exercida de

forma arguta e eficiente, focalizando a literatura em sua especificidade estética, sem, todavia,

negligenciar questões e ações de cunho social e político a ela relacionadas, algo que os

estudiosos, como vimos, não consideraram ao sublinhar apenas o caráter formalista das

análises machadianas, mas que se faz presente especialmente nos textos relativos à função da

crítica e do teatro. Para uma literatura em formação, era imprescindível que a crítica apontasse

caminhos, corrigisse imperfeições em prol da independência do artista e, consequentemente,

da própria produção nacional, submissa aos modelos eurocêntricos, bem como orientasse o

gosto dos leitores, constituindo um meio de intervir no desenvolvimento social do País.

Também a defesa da imparcialidade merece destaque ao conferir ao exercício da

crítica a seriedade necessária para que os julgamentos proferidos não fossem influenciados

pela simpatia ou antipatia entre o crítico e o criticado, transformando-se em pretexto ou meio

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para ataques pessoais, como era comum ocorrer nas chamadas polêmicas literárias, que

acabavam perdendo tal qualificativo. É claro que um crítico tem preferências, que se refletem

especialmente na sua rede de relações, mas elas não podem invalidar a sua capacidade de

julgamento. Daí a preocupação de Machado de Assis em afirmar, no texto sobre O primo

Basílio, que a sua opinião se referia à obra, e não ao homem que a criara.

É importante salientar também que o autor de Dom Casmurro preza nos escritores

a capacidade de, mesmo inclinados a uma nova tendência, não renegar o espírito em voga

anteriormente, aproveitando o que havia de melhor em ambos, realizando um consórcio entre

antigo e novo. Sabemos que cada movimento literário buscava, de modo geral, opor-se ao

anterior, o que acabava resultando no ato de “carregar nas tintas”, como o próprio Machado

dizia. O Realismo, para negar o sentimentalismo romântico, exagerara na descrição objetiva

de pormenores ligados às sensações físicas, substituindo, muitas vezes, na opinião do autor de

Dom Casmurro, o essencial pelo acessório.

Realizando a simbiose acima referida, o escritor teria mais condições de atribuir à

sua obra o caráter de originalidade. Podemos associar esse critério ao “sentimento íntimo”,

pregado por Machado de Assis, capaz de identificar o escritor tanto quanto à nacionalidade (o

que o torna brasileiro e não francês) quanto à individualidade (o que diferencia Machado de

Assis de José de Alencar, por exemplo). Além disso, a originalidade, na concepção

machadiana, tem relação direta com as influências sofridas. Quanto maior a filiação a escolas

ou a tendências, menos independente e genuína a produção se tornaria, podendo cair em certo

artificialismo, em que a forma acabava esvaziando o conteúdo, como ocorrera por ocasião do

byronismo e do condoreirismo na poesia e do Romantismo e do Realismo no romance. O

autor de Iaiá Garcia sugere, principalmente pela análise dos textos de Eça de Queirós, que tal

servilismo prejudica a verossimilhança e a coerência da obra.

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A verossimilhança e a coerência de uma obra, por sua vez, dependem em grande

parte da concepção da personagem. As atitudes e posicionamentos desta não podem destoar

em demasia uns dos outros, a ponto de deixá-la incaracterizável ou irreconhecível. A sua

conduta precisa ser justificável, seguir um nexo. Além disso, seus conflitos não podem ser de

ordem puramente exterior, o que, segundo Machado de Assis, ocorrera no caso das

personagens Luísa, de O primo Basílio, e Angelina, de O culto do dever, tornando-as pouco

atrativas para o leitor.

No que respeita a questões formais, o autor de Iaiá Garcia atribui importância,

especialmente na poesia, ao cuidado com os versos e rimas e à escolha das palavras, a fim de

que a obra prime pela correção e precisão linguística. Isso não significa que creia que a forma

seja mais importante que o conteúdo, mas sim que um não pode ficar aquém do outro: ambos

são igualmente responsáveis pelo efeito do texto.

Além de escolher adequadamente as palavras, o escritor deve atentar para o

número delas, buscando a concisão e a simplicidade no discurso. Na perspectiva machadiana,

quanto mais prolixo o texto, menos ele diz e menor o efeito sobre o leitor. Também o exagero

na representação por meio de figuras o desqualifica, tornando-o caricato.

Para chegar ao meio termo acima mencionado, Machado de Assis defende a

necessidade de privilegiar o estudo e a busca constante do aperfeiçoamento tanto como

ficcionista quanto como crítico. O autor consorciou as duas esferas de atuação para criar uma

terceira: a do autocrítico. O rigor e o distanciamento com que buscava analisar as produções

alheias foram empregados na (re)avaliação e (re)escrita dos próprios textos. Assim, ao

aconselhar os escritores a trabalhar e a buscar constante aprimoramento, Machado de Assis

reforçava as suas convicções e o caminho que escolhera para si.

Diante desse panorama, é preciso salientar o que diferencia o crítico Machado de

Assis dos demais. Primeiramente, a sua concepção de como o crítico deveria abordar o texto

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literário, atendo-se especialmente aos aspectos formais e estruturais, buscando entender o seu

funcionamento, isto é, se e de que forma as partes se harmonizam para tornar o todo coerente.

Machado, portanto, filia-se à tradição aristotélica, seguindo a linha de José de Alencar e

Macedo Soares, já que, em nenhum de seus ensaios críticos, preocupa-se em tomar o texto

literário como instrumento para compreender seu autor, prática comumente adotada pelos

críticos românticos, ou o meio em que ele vivia a fim de caracterizar a sociedade da época,

objetivo da crítica de cunho naturalista, que, como explica Antonio Candido, chegava, por

vezes, “a um esquematismo excessivo, que usava as criações literárias como pretextos para

generalizações sociológicas ou históricas”.189 Portanto, esqueciam que

a literatura é um conjunto de obras, não de fatores, nem de autores. Uns e outros têm grande valor e vão incidir fortemente na criação; devem e precisam ser estudados; não obstante, são acessórios, quando comparados com a realidade final, cheia de graça e força própria, que age sobre os homens e os tempos: a obra literária (ibidem, p.103).

Também a forma como Machado de Assis entende o conceito de nacionalidade

destaca-se da ideia disseminada pelos românticos, especialmente mediante a noção de cor

local, semelhante à de Victor Hugo. Machado não refuta a validade de pintar os costumes e

paisagens da terra, mas procura atentar para a necessidade de ultrapassar esse estágio inicial

de representação, ligado a aspectos exteriores, a fim de atingir o que ele denomina o

“sentimento íntimo”, conceito aberto e que, portanto, permite mais de uma interpretação,

podendo representar aquilo que está atrás das aparências e que sinaliza para um movimento de

introspecção, noção que claramente influenciou o pensamento de críticos como Sílvio

Romero e José Veríssimo. A essa volta para a interioridade liga-se o desenvolvimento da

parte mais complexa e da qual especialmente o romance brasileiro carecia: a análise de

paixões e caracteres, habilidade que ele próprio soube aperfeiçoar ao longo de sua carreira.

Isso significa que, como já explicamos, mediante tal recurso, o escritor busca traduzir nas

189 CANDIDO, Antonio. O método crítico de Sílvio Romero. São Paulo: Edusp, 1988. p.104.

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personagens representativas da sociedade o sentimento íntimo que a anima e singulariza, isto

é, que a torna nacional, mas sem deixar de ser universal.

A preocupação com o tratamento dispensado às personagens também transparece

nos textos críticos referentes ao drama. Entretanto, o que chama a atenção quanto a esse

gênero nas análises machadianas é o apelo ao caráter institucional do teatro, que leva o

escritor a defender soluções políticas para o desenvolvimento dessa arte, como a reivindicação

da reforma do conservatório dramático brasileiro e da criação de uma academia dramática no

País. Ao retomar as ideias de Friedrich Schiller e Victor Hugo, também defendidas pelos

partidários da escola realista no drama, Machado de Assis, assim como grande parte dos

críticos da época, atribui ao teatro um fim moral capaz de guiar e educar a nação.190

Também visando à defesa da moral, Eça de Queirós publica o livro que receberia

a crítica mais contundente de Machado de Assis, que procura assinalar, em sua análise de O

primo Basílio, as falhas e distorções resultantes do romance realista/naturalista concebido por

Émile Zola. A postura abertamente contrária do autor de Dom Casmurro aos princípios de tal

escola, ao que tudo indica, contribuiu para fixar os rumos de sua carreira ficcional na chamada

“fase madura”. E os dois primeiros romances dela oriundos, Memórias póstumas de Brás

Cubas e Quincas Borba, podem ser tomados como exemplo da materialização das concepções

do autor em relação ao Realismo/Naturalismo e às doutrinas que o embasaram ou

acompanharam. Ambos representam uma espécie de manifesto bem-humorado a esse novo

mundo alicerçado no conceito de evolução, em que a transferência de princípios das ciências

naturais para as artes gerou um retrocesso ao promover a animalização do ser humano

mediante a representação da preponderância dos instintos sobre a razão.

190 Cumpre registrar que, em um país em que a leitura era privilégio de uma minoria, pois mais de 84% da população eram de analfabetos, segundo censo divulgado em 1876 (e comentado por Machado de Assis, que fala em 70% de analfabetos em vez de 84%, em crônica de 15 de agosto do mesmo ano, publicada na seção História de Quinze Dias, da Ilustração Brasileira), o teatro poderia funcionar como alternativa à leitura na educação.

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Portanto, é preciso reconhecer que Machado de Assis assumiu uma postura

caracterizada pelo casamento entre tradição e renovação, uma vez que procura valorizar o

passado, buscando, a partir dele, avançar, o que não significa acatar o que é novo

indiscriminadamente. Essa concepção fica clara principalmente quando sublinha a

importância do Arcadismo e do Romantismo como passos necessários na busca da

independência da literatura brasileira e ao refutar a novidade proposta pelos princípios do

Realismo/Naturalismo, embora afirme ser possível apropriar-se do que tal movimento,

quando não caía nos excessos, tinha de aproveitável. A síntese desse pensamento está no

seguinte trecho que reproduzimos no quarto capítulo: “nem tudo tinham os antigos, nem tudo

têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum”

(ASSIS, 1959, v.3, p.822). E é essa convicção que pauta tanto a crítica exercida por Machado

de Assis quanto o desenvolvimento de sua produção ficcional, pois, como explica Tristão de

Ataíde, “não há criador que não seja um crítico latente, como não há crítico que não possua

em si os elementos de um criador. O gênio literário é aquele que se move indistintamente nos

dois terrenos e em ambos se sente perfeitamente à vontade”.191

191 ATAÍDE, Tristão de. Machado de Assis, o crítico. In: ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959. v.3. p.793.

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Márcia Schild Kieling Curriculum Vitae

_______________________________________________________________________________________________ Formação Acadêmica/Titulação 2006 -2010 Doutorado em Linguística e Letras Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto Alegre, Brasil Título: O crítico Machado de Assis: da tradição à renovação Ano de obtenção: 2010 Orientador: Ana Maria Lisboa de Mello Bolsista do(a): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES 2004 - 2005 Mestrado em Linguística e Letras Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto Alegre, Brasil Título: Quincas Borba, do folhetim para o livro: a imagem do leitor

Ano de obtenção: 2006 Orientador: Regina Zilberman Bolsista do(a): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES 1998 - 2003 Graduação em Letras Português/Inglês Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, Brasil Título: Quincas Borba, do folhetim para o livro: a imagem do leitor Orientador: Juracy Assmann Saraiva Bolsista do(a): Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS ________________________________________________________________________________________________ Formação complementar 2008 - 2008 Curso de curta duração em Criação Literária e Criação Institucional Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Porto Alegre, Brasil 2000 - 2001 Extensão universitária em Literatura infanto-juvenil (Projeto Cassiopéia) Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, Brasil ________________________________________________________________________________________________ Atuação profissional 1. ARTMED EDITORA – ARTMED ________________________________________________________________________________________________

Vínculo institucional 2008 - Atual Vínculo: livre. Enquadramento funcional: revisora. Regime: parcial.

2. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS ________________________________________________________________________________________________

Vínculo institucional 2004 - 2006 Vínculo: bolsista. Enquadramento funcional: bolsista CAPES. Carga horária: 12.

Regime: dedicação exclusiva.

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3. Scheffer Informática e Idiomas – SCHEFFER ________________________________________________________________________________________________

Vínculo institucional 2007 - 2007 Vínculo: professora de inglês. Enquadramento funcional: professora. Regime:

parcial.

4. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS ________________________________________________________________________________________________

Vínculo institucional 2001 - 2003 Vínculo: bolsista. Enquadramento funcional: bolsista de iniciação científica. Carga

horária: 16. Regime: dedicação exclusiva. 2000 - 2000 Vínculo: monitoria. Enquadramento funcional: monitor de disciplinas. Carga

horária: 12. Regime: parcial. ________________________________________________________________________________________________ Áreas de atuação 1. Literatura 2. Língua Portuguesa 3. Língua Inglesa ________________________________________________________________________________________________ Prêmios e títulos 2002 Menção honrosa – Mostra de Iniciação Científica UNISINOS 2002 Primeiro lugar da região sul do Brasil no Provão do MEC (nota 83.8) ________________________________________________________________________________________________ Produção bibliográfica Artigos completos publicados em periódicos 1. KIELING, Márcia Schild Minha gente: o peão e o enxadrista. Revista Palpitar – Literatura e Cultura, v.1, 2007. Home Page: http://www.palpitar.com.br/palpites.php. 2. KIELING, Márcia Schild Aplicando a fenomenologia de Ingarden: análise do poema Natal, de Lara de Lemos. Letras de Hoje, v.41, 2006. Home page: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/636/465. 3. KIELING, Márcia Schild Quincas Borba: um romance construído por homologias. Entrelinhas – Revista eletrônica do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, ano II, n.3, 2005. Home page: http://www.entrelinhas.unisinos.br/index.php?e=3&s=9&a=17. 4. KIELING, Márcia Schild O espaço em Quincas Borba: os cenários construindo a significação. Entrelinhas, v.7, p.26-29, 2003. 5. KIELING, Márcia Schild Quincas Borba: análise das personagens centrais. Entrelinhas, v.3, p.41-45, 2001. Capítulos de livros publicados 1. SARAIVA, Juracy Assmann, KIELING, Márcia Schild, KRAUSE, Ana Helena. Entre o folhetim e livro: a exposição da prática artesanal da escrita In: Machado de Assis: ensaios da crítica contemporânea. São Paulo: UNESP, 2008, p.199-223. 2. KIELING, Márcia Schild Elementos simbólicos e mitológicos em Cara-de-Bronze In: Corpo de Baile: romance, viagem e erotismo no sertão. Porto Alegre: Edipucrs, 2007, v.3, p.73-84.

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Trabalhos publicados em anais de eventos (completo) 1. KIELING, Márcia Schild A crítica literária machadiana. In: III Enalli – Língua e literatura como manifestação de identidade nacional: homenagem a Machado de Assis e Guimarães Rosa – FEEVALE, 2008, Novo Hamburgo. Anais do III Enalli – Língua e literatura como manifestação de identidade nacional: homenagem a Machado de Assis e Guimarães Rosa, 2008. Home page: http://www.feevale.br/files/documentos/pdf/24642.pdf 2. KIELING, Márcia Schild Grande Sertão: veredas da narração. In: XXV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIV Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul, 2007, Porto Alegre. Anais do XXV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIV Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2007. Publicação em CD. 3. KIELING, Márcia Schild Machado de Assis e a(s) história(s) da literatura do século XX. In: VII Seminário Internacional de História da Literatura, 2007, Porto Alegre. Anais do VII Seminário Internacional de História da Literatura. Porto Alegre: PUCRS, 2007. Publicação em CD. 4. KIELING, Márcia Schild Quincas Borba, do folhetim para o livro: a imagem do leitor – resumo de dissertação. In: XXIV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIII Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul, 2006, Porto Alegre. Anais do XXIV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIII Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul, 2006. Publicação em CD. Trabalhos publicados em anais de eventos (resumo) 1. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba. In: Mostra de Iniciação Científica da UNISINOS, 2002, São Leopoldo. Mostra de Iniciação Científica, 2002. p.102-103. Publicação em CD e no caderno de resumos do evento. 2. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba. In: XIII Salão de Iniciação Científica da UFRGS, 2002, Porto Alegre. XIII Salão de Iniciação Científica, 2002. Publicação em CD. 3. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba. In: III Salão de Iniciação Científica da PUCRS, 2002, Porto Alegre. III Salão de Iniciação Científica, 2002. Publicação em CD. Apresentação de trabalho 1. KIELING, Márcia Schild A crítica literária machadiana, 2008. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: FEEVALE - Campus II; Cidade: Novo Hamburgo; Evento: III Enalli - Língua e literatura como manifestação de identidade nacional: homenagem a Machado de Assis e Guimarães Rosa; Inst.promotora/financiadora: FEEVALE. 2. KIELING, Márcia Schild As lições do crítico Machado de Assis, 2008. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: PUCRS; Cidade: Porto Alegre; Evento: XXVI Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXV Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul; Inst.promotora/financiadora: PUCRS.

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3. KIELING, Márcia Schild Grande Sertão: veredas da narração, 2007. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: PUCRS; Cidade: Porto Alegre; Evento: XXV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIV Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul; Inst.promotora/financiadora: PUCRS. 4. KIELING, Márcia Schild Machado de Assis e a(s) história(s) da literatura do século XX, 2007. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: PUCRS; Cidade: Porto Alegre; Evento: VII Seminário Internacional de História da Literatura; Inst.promotora/financiadora: PUCRS. 5. KIELING, Márcia Schild Quincas Borba, do folhetim para o livro: a imagem do leitor – resumo de dissertação, 2006. (Comunicação,Apresentação de Trabalho) Local: PUCRS; Cidade: Porto Alegre; Evento: XXIV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIII Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul; Inst.promotora/financiadora: PUCRS. 6. KIELING, Márcia Schild Quincas Borba, do folhetim para o livro: a imagem do leitor, 2003. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: UNISINOS; Cidade: São Leopoldo; Evento: Semana Acadêmica de Letras – Língua e Literatura: expressões de arte e cultura; Inst.promotora/financiadora: UNISINOS. 7. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba: do folhetim ao livro, 2003. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: Centro Universitário Ritter dos Reis; Cidade: Porto Alegre; Evento: V Jornada de Iniciação Científica; Inst.promotora/financiadora: Centro Universitário Ritter dos Reis. 8. KIELING, Márcia Schild Quincas Borba: do folhetim ao livro, 2002. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: UNISINOS; Cidade: São Leopoldo; Evento: Mostra de Iniciação Científica 2002; Inst.promotora/financiadora: UNISINOS. 9. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba, 2002. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: PUCRS; Cidade: Porto Alegre; Evento: III Salão de Iniciação Científica; Inst.promotora/financiadora: PUCRS. 10. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba: a espacialidade, 2002. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: UFRGS; Cidade: Porto Alegre; Evento: XIII Salão de Iniciação Científica; Inst.promotora/financiadora: UFRGS. 11. KIELING, Márcia Schild Visualidade e significação em Quincas Borba: do folhetim ao livro, 2002. (Comunicação, apresentação de trabalho) Local: UNISINOS; Cidade: São Leopoldo; Evento: VII Semana Acadêmica de Letras; Inst.promotora/financiadora: UNISINOS. 12. KIELING, Márcia Schild A importância da crítica na produção literária machadiana, 2008. (Seminário, apresentação de trabalho) Local: Casa de Cultura Mário Quintana; Cidade: Porto Alegre; Evento: 100 anos depois, outras leituras em Machado de Assis; Inst.promotora/financiadora: UFRGS. Demais produções bibliográficas 1. KIELING, Márcia Schild Levantamento da fortuna crítica de Machado de Assis – pesquisa bibliográfica. 2005. (Outra produção bibliográfica) Levantamento feito para o livro Nos labirintos de Dom Casmurro, organizado por Juracy Assmann Saraiva.

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Produção técnica Demais produções técnicas 1. KIELING, Márcia Schild Língua Portuguesa – preparação para concurso público – TRT 9ª região, 2007. (Curso de curta duração ministrado) 2. KIELING, Márcia Schild Anais do Colóquio da Associação Internacional de Lusitanistas – 2003, 2004. (Anais, Editoração) Correvisão de textos que integraram os Anais do Colóquio da Associação Internacional de Lusitanistas - 2003, publicados pelo Caderno de Pesquisas Literárias da PUCRS, volume 10, número 2, de outubro de 2004. Atividade vinculada ao trabalho como bolsista CAPES, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, sob a orientação da Profa. Dr. Regina Zilberman. Eventos Participação em eventos 1. III Enalli – Língua e literatura como manifestação de identidade nacional – homenagem a Machado de Assis e Guimarães Rosa – FEEVALE, 2008. 2. XXVI Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXV Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 2008. 3. 12ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, 2007. 4. VII Seminário Internacional de História da Literatura – PUCRS, 2007. 5. XXV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIV Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 2007. 6. XXIV Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXIII Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 2006. 7. Jornada de Estudos: Deslocamentos e Hibridismo, Pós-Colonialismo e Literaturas Lusófonas – PUCRS, 2005. 8. Dos Açores aos confins do Brasil: as motivações da colonização açoriana na América Meridional em meados de setecentos – PUCRS, 2005. (Palestra) 9. A árvore da Palavra: Teolinda Gersão – PUCRS, 2005. (Palestra) 10. XXII Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XXI Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul – PUCRS, 2004. 11. X Encontro Sul-Brasileiro de Professores de Língua Portuguesa – UNISINOS, 2002. 12. Literatura: revisão conceitual – UNISINOS, 2002. (Encontro) 13. Viagem Cultural às Missões – UNISINOS, 2001. 14. Peça Romeu e Julieta – UNISINOS, 2001. 15. VI Semana Acadêmica de Letras – UNISINOS, 2001. 16. Encontro de Literatura: letras e nomes do Rio Grande do Sul – UNISINOS, 2001.