O décimo planeta

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Pesquisa FAPESP - Ed. 121

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Ciência eTecnologia W no Brasi

Março 2006-N°121 FAPESP

JK: A CRIAÇÃO DE UM MITO

FLORESTAS EM UMA CRATERA

NORDESTE É MAIS VULNERÁVEL AO AQUECIMENTO GLOBAL

O décimo O novo mundo e sua lua

planeta?

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Page 3: O décimo planeta

A imagem do Mês

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 3

Page 4: O décimo planeta

POLÍTICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA

28 FINANCIAMENTO

BNDES cria linhas de crédito e governo articula fundo para estimular desenvolvimento tecnológico das empresas

30 LEGISLAÇÃO

Governo paulista cria sistema de parques tecnológicos e lança projeto de lei estadual de Inovação

31 FOMENTO

FAPESP aumenta número de bolsas concedidas para 2006 e reajusta seus valores em 20%

CIÊNCIA

42 PALEOBOTANICA Pólens de uma cratera em São Paulo evidenciam as mudanças ambientais dos últimos 100 mil anos

46 TECNOLOGIA

GENOMICA

Equipes de cinco estados identificam seqüências de DNA que podem tornar o eucalipto mais resistente a doenças

54 MEDICINA

Estudo com 520 mil casais revela o impacto causado pela doença ou morte de um cônjuge

56 VIROLOGIA

Formas recombinantes do HIV complicam a epidemia de Aids no Brasil

64 ENGENHARIA BIOMÉDICA

Processamento de imagens de mamografia detecta lesões com mais precisão e reduz o número de biópsias

68 GEOLOGIA

Novo método de sensoriamento com imagens de satélite facilita a identificação de jazidas

72 NOVOS MATERIAIS

Revestimento cerâmico esteriliza instrumentos médicos e odontológicos

74 QUÍMICA

Pesquisadores da USP desenvolvem método para produção de tintas quase livres de odor

76 PETRÓLEO

Prêmio da Petrobras revela novos métodos e novos profissionais para a indústria petrolífera

79 MEDICAMENTOS

Instituto Butantan produz biofármaco para pulmão de bebês prematuros

HUMANIDADES

86 ARTES CÊNICAS

Teatro Municipal ajudou na modernização urbana e estética da capital paulista

90 LITERATURA

Edusp lança volumes ilustrados sobre os livros de José e Guita Mindlin

SEÇÕES

A IMAGEM DO MÊS 3

CARTAS 8

CARTA DA EDITORA 9

MEMÓRIA 10

ESTRATÉGIAS 18

LABORATÓRIO 32

SCIELO NOTÍCIAS 58

UNHA DE PRODUÇÃO 60

RESENHA 94

LIVROS 95

FICÇÃO 96

CLASSIFICADOS 98

Capa: Hélio de Almeida Foto: Observatório W.M. Keck

4 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

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www.revistapesquisa.fapesp.br

24 AMBIENTE Indicador mostra como a saúde pública dos estados brasileiros está vulnerável às mudanças climáticas

CAPA

36 ASTROFÍSICA Astro distante e gélido é forte candidato a décimo planeta do sistema solar

12 Gilberto Câmar. diretor-geraf- do Inpe, propõe" um programa^ espacial £Í voltado para as necessidades nacionais 1 I

0 BOTÂNICA

Versão eletrônica da Flora brasiliensis amplia o acesso ao conhecimento sobre as plantas do Brasil

80 HISTÓRIA1

Acadêmicos apo? excessos em romantização do ex-presidente Jusc Kubitschek

PESQUISA FAPESP121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 5

Page 6: O décimo planeta

Pesquisa Brasil Nas pegadas do conhecimento

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Toda semana, em meia hora, você tem:

Novidades de ciência e tecnologia

Entrevistas com pesquisadores

Profissão Pesquisa

Memória dos grandes momentos da ciência

E o que não poderia faltar: sua participação nas seções

Pesquisa Responde

Promoção da Semana

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Apresentação Tatiana Ferraz Comentários Mariluce Moura

Diretora de redação de Pesquisa FAPESP

Sábados, às 12h30 Reprise aos sábados às 19h30 e aos domingos às 14h

LDORADO Hz

www.radioeldoradoam.com.br

Ciência eTecnologia no Brasil

FAPESP

www.revistapesquisa.fapesp.br

Page 7: O décimo planeta

MEMÓRIA

18.02.2006

■ Apresentadora - Se você olhar para o céu à noite, com sorte vai deparar com a Lua ainda cheia. Mas quem fez o mesmo no distante 20 de ju- lho de 1969 certamente viu mais do que uma Lua: enxerqou uma conquista humana que se fazia naquele momento. Na tarde da- quele dia, o homem finalmen- te pisava na Lua. Uma equipe composta por três americanos chegou bem pertinho do satéli- te, a bordo da nave espacial Apollo 11. Os astronautas Neil Armstrong e Edwin Aldrin des- ceram ao solo lunar num mó- dulo de pouso, enquanto Mi- chael Collins ficou circundando a Lua. Em duas horas, eles co- lheram amostras do solo e se muniram de informações cien- tíficas. Armstrong fez um pro- nunciamento que ficou muito conhecido. Eis a tradução de algumas frases que ele disse:

"Um pequeno passo para um homem, um gigantesco salto para a humanidade. A super- fície é fina e poeirenta, ade- rindo à sola e à lateral das minhas botas."

PESQUISA RESPONDE

25.02.2006

■ Mariana Muniz, 25 anos, ouvinte de São Paulo - Por que as formigas param para se cumprimentar quando se encontram?

■ Carlos Ferreira Brandão, biólogo do Museu de Zoologia, da Universidade de São Paulo - As formigas são seres sociais. Numa colônia todos são paren- tes. Sua sociedade é baseada na comunicação, que pode

Formigas: insetos sociais, com comunicação mecânica e química

acontecer de várias formas. Pode ser a comunicação mecâ- nica, tocando as antenas - que deve ser a que a ouvinte viu - ou uma comunicação química. Elas têm glândulas na superfí- cie do corpo que eliminam al- guns odores. Para as formigas, esses odores significam que elas devem realizar alguma ação, que elas devem modificar o seu comportamento. As formi- gas têm essa forma de comuni- cação muito elaborada porque sua organização social é muito complexa. São insetos que vi- vem na Terra há mais de 100 milhões de anos. Elas tiveram tempo de desenvolver formas bem distintas de comunicação e, portanto, de socialidade.

ENTREVISTA

11.02.2006

■ Apresentadora - O que deve acontecer de sig- nificativo na ciência brasileira neste ano?

■ Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia - Uma evolução do que vem acontecendo nos últimos anos. A ciência brasileira, como se sabe, é muito nova. Começa-

mos a formar pesquisadores com mestrado e doutorado há apenas 40 anos. E era natural que essa formação fosse volta- da para a área acadêmica. Nos últimos anos, o que está acon- tecendo é um amadurecimento dessa área. As empresas per- ceberam que precisam inovar. Se não inovarem, não vão com- petir, não vão crescer. Esse amadurecimento se dá de di- versas formas. As medidas e ações do governo federal têm contribuído não só para aumen- tar a competência científica e tecnológica do sistema nacio- nal, mas também para aproxi- mar a comunidade de pesquisa acadêmica e as empresas. Nes-

Rezende: ciência na empresa

se sentido, um grande instru- mento deste ano, de 2006, é a subvenção a empresas. Até a aprovação da Lei de Inovação, não havia como repassarmos um recurso não reembolsável para que as empresas desen- volvessem pesquisa e desen- volvimento. Neste ano teremos também uma ampliação dos recursos destinados à ciência. No governo Lula, a cada ano, o valor do Fundo Nacional do De- senvolvimento Científico e Tec- nológico (FNDCT) tem aumen- tado. Em 2005 investimos R$ 780 milhões e, neste ano, deve- mos atingir R$ 1 bilhão.

PROFISSÃO PESQUISA

04.03.2006

■ Sérgio Adorno, sociólogo do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo - A violência é um dos princi- pais problemas da sociedade brasileira. Sucessivos governos têm que enfrentar a questão de como reduzir a violência e co- mo oferecer maior segurança à população. Afinal de contas, o direito à segurança é um direi- to consagrado nas nossas Cons- tituições. Mas, para que haja uma ação eficaz, é necessário o conhecimento científico ba- seado em pesquisas e em aná- lises de séries históricas que nos permitam ver a evolução do crime, ver quem está se en- volvendo no mundo do crime e verificar quem são suas víti- mas potenciais. Também é im- portante fazer pesquisa para saber em que medida as políti- cas de contenção da violência têm conseguido, se é que têm conseguido, diminuir ou conter o crime dentro do estado de- mocrático de direito. Portanto, esse tipo de estudo é funda- mental para que possamos ter uma sociedade mais justa.

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Ciência eTecnologia 9 no Brasil H& uenciaeiecnoiogiaw no Brasil Pesquisa ™ FAPESP

As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

Números atrasados Preço atual de capa da revis acrescido do valor de postagem Tel. (11) 3038-1438

ista

Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: [email protected]

Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesguisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arguivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

O que a ciência brasileira produz você encontra aqui

8 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

Cartas [email protected]

Nanotecnologia

Obrigado pela oportunidade que a revista Pesquisa FAPESP nos deu na reportagem "Nanotubos no mercado" (edição 118). Recebi inúmeros telefo- nemas e e-mails de todo o país com algumas vendas e muitas pessoas e instituições interessadas em comprar nanotubos de carbono.

Luiz O. LADEIRA

Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, MG

Rádio

cação não é apenas para doutores, mestres e intelectuais. Até mesmo alu- nos que estão disputando vagas em universidades públicas precisam se atualizar em diferentes áreas do co- nhecimento e não apenas com o que foi aprendido no ensino médio. Acha- ria interessante que escolas públicas do Brasil recebessem ou até mesmo fizessem a assinatura da revista como fonte de pesquisa.

DIONES CHARLES COSTA DE ARAúJO Universidade Católica de Brasília

Samambaia Sul/DF

l}> NO

Semanalmen- te escuto o pro- grama Pesquisa Brasil na Rádio El- dorado AM e ob- servo que é muito comum o tema musical que fecha determinados co- mentários de Ma- riluce Moura, di- retora de redação da revista Pesqui- sa FAPESP, ir sempre para o lu- gar-comum de can- tores como Chico Buarque e Caetano Veloso. Por que não trazer canções de pessoas com outra visão do mundo e do Brasil?

MARCOS DUARTE São Paulo, SP

Nota da redação: Sugestão aceita, Marcos.

Revista

Cumprimento a revista Pesquisa FAPESP pelas excelentes edições men- sais. Vejo que o Brasil tem alto poder científico e tecnológico, pouco di- vulgado, mas a revista está aí para mostrar o que acontece no país e no mundo. Quero ressaltar que a publi-

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Pesquisa FA- PESP proporciona uma divulgação científica de exce- lente qualidade e assim estimula os pesquisadores a vencer barreiras e garantir o reconhe- cimento de nossa ciência.

MARIANA BAIOCCHI

Universidade Católica de Brasília

Brasília, DF

Correções

A ilustração da reportagem "Cho- que de partículas" (edição 120) é de Hélio de Almeida.

Na reportagem "Van Dyck - Falso ou verdadeiro?" (edição 120), as par- tes brancas retocadas da pintura atri- buída ao mestre flamengo apresen- tam o pigmento conhecido como branco-de-titânio, que só começou a ser utilizado a partir do século 20, e não o branco-de-zinco, pigmento usado no século 19.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para

o e-mail cartas®fapesp.br, pelo fax (II) 3838-4181

ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,

CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas

por motivo de espaço e clareza.

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Pesquisa CARLOS VOGT

PRESIDENTE

MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÃCIO LAFER PIVA, HUGO AGUIRRE ARMELIN.

JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADM1N1STRAT1VO

RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTIFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO),

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO,

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,

RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLt

DIRETORA DE REDAÇÃO

MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR

MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTE

HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES

CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES),

CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA CST), HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)

EDITORES ESPECIAIS

FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA

EDITORES ASSISTENTES

DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFES DE ARTE JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

ARTE FINAL LILIAN QUEIROZ

FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ,

BRUNO SIMÕES, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FRANCISCO BICUDO, GONÇALO JÚNIOR, JAIME PRADES, LAURABEATRIZ,

MANU MALTEZ, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, SÍRIO J. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO (ON-LINE)

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ASSINATURAS TELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: [email protected]

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IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.700 EXEMPLARES

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GESTÃO ADMINISTRATIVA

INSTITUTO UNIEMP

FAPESP

RUA PIO XI, N° 1.500, CEP 05468-901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL. (11) 3833-4000 - FAX: (11) 3838-4181

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NÚMEROS ATRASADOS

TEL. (11) 3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

t PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Carta da Editora

Um novo planeta e a velha pergunta sobre nossa origem

Só muito raramente Pesquisa FA- PESP apresenta como tema de capa algo alheio ao repertório da produ-

ção de ciência, tecnologia ou humanida- des no país. É natural que assim seja, porque o foco, a razão de ser desta revis- ta, e isso é sobejamente conhecido, é a pesquisa científica e tecnológica feita no Brasil. Eventualmente, contudo, a liber- dade editorial, que é sempre saudável conselheira, provoca um olhar um tanto diferente, uma visada para além do há- bito, e daí nasce a pergunta: por que não? Por que não este determinado as- sunto? Por que não esta descoberta com a qual nós, brasileiros, nada tivemos di- retamente a ver e, no entanto, açula a nossa imaginação do mesmíssimo modo como convoca a de nossos semelhantes do mundo inteiro? E isso porque, diga- mos, em última instância - expressão que nos era tão cara entre o final dos anos 60 e os 70 do século passado a pon- to de se ter carregado de afetividade para minha geração -, trata-se de uma descoberta que nos remete à complexa questão original de nossa humanidade. Ou seja: quem somos, de onde viemos e para onde vamos? Toda vez que um es- tudo, uma proposição científica ou uma descoberta mexem mesmo que indireta- mente com isso, eles provocam aquela curiosidade universal, aquela enorme atenção, que todo mistério longamente e talvez para sempre insolúvel galvaniza. E aí os limites político-geográficos per- dem temporariamente sua crucial im- portância, subsumidos que ficam em nossa universal humanidade.

Essas considerações vêm, claro, a propósito da escolha da capa da revista de março. A possibilidade de ser um pla- neta o astro gelado e longínquo, situado para além de Plutão, para além das re- giões que até há pouco tínhamos como os últimos confins de nosso sistema so- lar, se impôs como um assunto com for- ça para quebrar nossa regra das capas brasileiras, por seu potencial para mu- dar, como poderia dizer o velho Thomas Kuhn, um paradigma para lá de sólido.

Afinal, já há algumas gerações repeti- mos que são nove os planetas do sistema solar. Foram muitos milhões de exem- plares impressos dos livros didáticos de geografia para as primeiras séries de nos- sa educação formal a repetir no mundo inteiro a lista dos nove, aberta por Mercú- rio e fechada por Plutão, e com as suges- tões sub-reptícias de que a vida só teria, talvez, uma remotíssima possibilidade de existir ou ter existido algum dia, além da Terra, em nosso vizinho Marte, o plane- ta vermelho.

Enfim, o (talvez) décimo planeta com sua lua tornou-se a capa a partir de uma detalhada reportagem do editor especial Marcos Pivetta, que entre outras fontes internacionais e nacionais ouviu Mike Brown, o próprio descobridor de Xena - é esse o apelido provisório do astro, tam- bém provisoriamente chamado, em lin- guagem mais técnica, de 2003 UB313. Feito isso, só nos resta aguardar a deci- são da União Internacional dos Astrô- nomos, possivelmente em sua assem- bléia geral que será realizada em agosto próximo em Praga, na República Tche- ca, a respeito do status do astro distante feito de rocha e gelo.

Depois de viajar pelo espaço, aporta- mos na Terra Brasilis, em tempos não muito remotos. Esta edição da revista, aproveitando a oportunidade da minis- série sobre o ex-presidente Juscelino Ku- bitschek que a Rede Globo tem posto ante nossos olhos de terça a sexta-feira, em hora avançada talvez além do convenien- te para a maioria dos telespectadores, propõe uma leitura reflexiva sobre como se deu a construção da atual imagem de JK. Vale a pena ler a partir da página 80 a reportagem de Gonçalo Júnior em tor- no de alguns estudos que tentam dar conta da diferença entre a percepção que se tinha do presidente que construiu Brasília, enquanto ele estava no cargo, e as imagens pelas quais tentamos reve- lo e compreendê-lo hoje, no contexto da história política recente deste país.

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAçãO

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 9

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A era do plástico Modelo de rádio em baquelite usado a partir de 1930

Há cem anos era inventada a primeira resina sintética

NELDSON MARCOLIN

uando perguntaram ao inventor e empresário Leo Hendriz Baekeland por que havia entrado no ramo das resinas sintéticas, ele respondeu sem hesitar: "Para ganhar dinheiro".

Baekeland (1863-1944), belga radicado nos Estados Unidos desde o final do século 19, não era apenas um químico brilhante, mas também um empreendedor de visão. Antes de criar a baquelite, o primeiro plástico sintético, ele inventou em 1893 um papel de impressão fotográfico sensível a luz artificial, o Velox, e o vendeu seis anos mais tarde para George Eastman, criador Leo Baekeland

da Kodak, por quase US$ 1 milhão - soma astronômica para a época.

Rico aos 36 anos, o químico começou a procurar outro desafio. E o achou em meio a um sério problema da crescente indústria elétrica: onde obter isolantes abundantes e a baixo custo? Por séculos a solução esteve na goma-laca, produto feito a partir de uma resina natural produzida por cochonilhas, um parasita

(Laccifer lacca) que habita árvores da Ásia. Mas com a rápida industrialização da eletricidade a demanda por goma-laca explodiu. Baekeland decidiu entrar na corrida para achar um substituto sintético.

Por três anos ele leu tudo sobre fenóis e formaldeídos - substâncias sintéticas abundantes e baratas - e repetiu

10 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

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Telefone da Kellog da década de 1920

Aparelho automático de disco

experiências já feitas. Ele sabia que a chave estava em interromper no momento certo a polimerização (processo no qual moléculas pequenas se agregam para formar macromoléculas, mais longas). Usou todos os solventes conhecidos, mas não chegava a um produto sintético parecido com a goma-laca. Ao perceber que o fenol e o formaldeído juntos resultavam em uma substância dura, Baekeland deu novo rumo à pesquisa: por que não fazer uma resina que pudesse ser fundida e modelada? Em vez de retardar a polimerização, ele a apressou empregando calor e pressão. Usou uma máquina autoclave e obteve uma massa cor de âmbar que podia ser transformada em qualquer objeto. Começava ali a era do plástico.

Boneca de baquelite: múltiplos usos

O químico chegou a esse resultado em 1907 e o apresentou formalmente à Sociedade Americana de Química dois anos depois. Por ser resistente ao calor, podendo ser laminada e moldada na fase inicial da produção e ter baixo custo, a baquelite teve muitas aplicações, além de ser utilizada como isolante pela indústria elétrica. Era conhecida como o "material dos mil usos": de rádios a bijuterias, de brinquedos a telefones, de bolas de bilhar a máquinas fotográficas. Como não podia ser refundida, virou até moeda na Indonésia durante a Segunda Guerra Mundial.

"Com o desenvolvimento de novos plásticos, menos rígidos, mais resistentes e leves, a baquelite perdeu espaço em todos os mercados a partir dos anos 1960", diz Roberto Mendonça Farias, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo de São Carlos e do Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos. Quanto a Baekeland, ele atingiu seus objetivos. Fundou a General Bakelite Corp. e tornou-se ainda mais rico.

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Por um novo programa espacial

NELDSON MARCOLIN

fechado círculo onde ocorrem as pesquisas espa- ciais brasileiras começou 2006 sob holofotes. Dois fatos contribuíram para isso. O primeiro é a iminente ida do tenente-coronel Marcos Pontes ao espaço. Depois de oito anos, ele deverá em- barcar no final deste mês na nave russa Soyus 10 para uma temporada na Estação Espacial Inter- nacional. O segundo fato foi a nomeação do en-

genheiro eletrônico Gilberto Câmara para a direção geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A atenção recebida pelo primeiro astronauta brasileiro é fá- cil de entender - é até previsível. Mas a promoção de um dire- tor-geral do Inpe não costuma chamar atenção. Normalmente quem dirige o instituto não tem por hábito fazer declarações polêmicas ou despertar a curiosidade da comunidade científi- ca. Escolhido por um Comitê de Busca do Ministério da Ciên- cia e Tecnologia, Gilberto Câmara, 49 anos, começou sua ges- tão de modo diferente. Logo na posse, em dezembro de 2005, se convidou para conversar com outros pesquisadores na sede da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, no início deste ano. Nessa reunião, ele deu a linha de sua direção: é preciso lutar por um programa espacial que seja do tamanho do Brasil. Ou, em outras palavras: os programas na- cionais tecnológicos precisam estar voltados para as necessida- des brasileiras. "Não é só colocar astronauta no espaço", disse na

12 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

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PESQUISA FAPESP121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 13

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ocasião. Também se declarou aberto à críticas e sugestões que a comunidade científica deseje fazer ao instituto ou aos programas desenvolvidos lá.

Natural de Fortaleza, Câmara cursou o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e fez toda sua carreira no Inpe, onde entrou em 1980. Nos últimos anos vem liderando a equipe de pes- quisa e desenvolvimento em geopro- cessamento e coordenou a Observação da Terra, um centro do Inpe que trabalha nos campos de sensoriamento remoto e geoprocessamento, levantamento de re- cursos naturais e monitoramento do meio ambiente. Publicou quatro livros, mais de 120 artigos, além de textos so- bre política científica e tecnológica e di- vulgação da ciência. É casado com Vera Lúcia, com quem tem uma filha, Anita, de 20 anos, estudante de filosofia.

Seu interesse pela ciência rivaliza com a paixão pela música. "O melhor amigo do homem não é o cachorro. É o iPod. O iPod é o cachorro digital", diz ele se referindo ao tocador de música e vídeo digital, na prática um computa- dor portátil do tamanho de um rádio pequeno que pode armazenar milhares de faixas. Câmara ouve música o tem- po todo: no carro, no trabalho, ao ca- minhar. Criou até um blog onde tenta difundir a música contemporânea eru- dita. Nele, escreve sobre Iannis Xenakis, Pierre Boulez ou Bela Bartók, entre ou- tros. Enfim, um engenheiro eclético.

■ Desde que assumiu a direção geral do Inpe o senhor tem pregado um reposicio- namento do Programa Espacial Brasilei- ro para adequá-lo ao país. O que preci- sa mudar? — Hoje temos uma questão que reme- te à lógica de desenvolvimento tecnoló- gico que o Brasil teve nos anos 1970 e 1980. Os grandes programas tecnológi- cos daqueles anos, como o nuclear, o es- pacial e o de informática, por exemplo, tinham uma lógica que seguia o mode- lo de substituição de importações. De- veríamos ter a tecnologia aqui porque o Brasil iria ser autônomo em cada uma dessas áreas. A idéia era: primeiro desen- volvo a tecnologia toda, depois repasso os resultados para a sociedade. Essa foi um pouco a lógica da política de infor- mática. Pagava-se muito caro para ter computador enquanto se desenvolvia a tecnologia no Brasil. Esse modelo está

em crise. Eu digo que, neste modelo, o Brasil está a serviço do programa. Hoje os programas nacionais tecnológicos precisam estar voltados para as necessi- dades brasileiras. Eles têm que conven- cer a sociedade de que vão resultar em benefícios concretos, rápidos e opera- cionais. E a partir desse convencimento a sociedade tem que se dispor a financiar a tecnologia. É isso que chamo de um programa a serviço do Brasil ou um pro- grama espacial do tamanho do Brasil.

■ O senhor pode dar alguns exemplos? — O que significa o "tamanho do Bra- sil"? É algo que não vai embora, que não se perde. São as dimensões geográ- ficas que nós temos (por exemplo, a Amazônia), as dimensões ambientais (por exemplo, o Pantanal, o Cerrado, o Semi-Árido nordestino, nossas cida- des). São também as dimensões de de- manda econômica da sociedade brasi- leira, na questão de telecomunicações e GPS [Sistema Global de Posicionamen- to por Satélite, na sigla em inglês]. To- das essas são necessidades da sociedade brasileira atendidas pelo programa es- pacial. O exemplo mais evidente é o combate ao desmatamento da Amazô- nia, no qual o programa espacial tem contribuição importante. Que melho- rias podemos fazer em novos sensores e satélites para que a nossa capacidade de monitorar, controlar e evitar desma- tamento na região seja maior ainda? Esse é um programa que parte primei- ro da necessidade do Brasil, e não da substituição de importações ou da tec- nologia. Isso é o que eu chamo de um programa do tamanho do Brasil.

■ Essa mudança não depende só do Inpe, mas também da Agência Espacial Brasi- leira e do Ministério da Ciência e Tecno- logia. Como lidar com esta questão? — Os americanos têm um termo para isso: evangelização. Ou, como chamá- vamos anteriormente: ganhar corações e mentes. Esta questão é um debate que tem de se tornar público. Queremos mostrar que teremos um programa es- pacial coerente, mais forte, que trará benefícios, como uma capacidade tec- nológica melhor. Vou dar um exemplo: temos hoje o sistema Detecção de Des- matamento em Tempo Real, o Deter, que utiliza imagens dos satélites ameri- canos Terra e Acqua. Segundo as infor-

mações da Nasa, eles terão uma vida útil de mais três anos. Se quisermos con- tinuar com capacidade de monitora- mento em tempo real da Amazônia de- pois desse prazo teremos de arrumar uma solução. Isso sugere que devemos lançar, em 2009, um ou mais satélites que nos dêem essa capacidade diaria- mente. Isto é ótimo, porque aponta para uma data firme. E uma data definida é a melhor coisa para um programa. Pro- gramas apenas voltados para tecnologia sempre podem ser adiados porque, afi- nal de contas, autonomia tecnológica não tem data para se conseguir. Então podemos adiar um, dois, três anos, como aconteceu com vários programas extremamente importantes no Brasil. Como na área nuclear, por exemplo. É sempre um motivo para a área econô- mica do governo dizer: "Ah, mas se não tem data, se é só uma questão de auto- nomia tecnológica, a gente espera mais um ano".

■ O problema é que esses grandes proje- tos tecnológicos estão sempre comprome- tidos pela falta de dinheiro, o que dá margem para mais adiamentos. — Ao estabelecer metas e datas, na ver- dade, o que estabelecemos são desafios. Com a mistura adequada de tecnologia feita no Brasü e alguma absorção de tec- nologia de fora, nós vamos conseguir cumpri-los. O que a história da enge- nharia no mundo mostra é que os grandes sucessos são feitos a partir de metas muito firmes estabelecidas em cronograma. Os engenheiros são força- dos a usar toda a sua habilidade, toda a sua criatividade, para resolver o proble- ma. O exemplo clássico é o discman da Sony, um caso de engenharia famoso. O chefe dos engenheiros da Sony man- dou construir uma pequena caixa de madeira e disse para a sua equipe: "Quero um tocador de CD que tenha a dimensão desta caixa e um peso menor do que 1 quilo. Não me importa se vo- cês vão colocar cigarras ou gafanhotos dentro da caixa, mas dêem um jeito de isto produzir som. E quero isto em um ano". Foi feito.

■ Em um ano? — Em um ano. A história ficou famo- sa. Os engenheiros, durante madruga- das de insônia, chegavam a considerar trocar a caixa por uma outra maior. Mas

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não o fizeram e construíram o que foi pedido. Há outros exemplos nos quais o tempo era uma restrição e mesmo as- sim os objetivos foram alcançados no prazo estabelecido.

■ Esse é um exemplo da área privada, acostumada com prazos e concorrência. No caso público sabemos que as compli- cações e as insônias são maiores. — Não há dúvida. Mas o que acontece é que todos os exemplos dos anos re- centes indicam que há uma enorme res- trição da política econômica e até, por extensão, da sociedade a programas tec- nológicos sem data. O essencial é que exista uma meta e ela seja uma meta do Estado brasileiro. Com isso temos chance - não quer dizer que sempre tere- mos sucesso - de influenciar o governo, para convencê-lo de que haverá benefí- cio para a sociedade e por isso as metas de cronograma têm que ser cumpridas. Infelizmente, o argumento de que "ciên- cia e tecnologia é bom para o Brasil" chegou no seu limite de financiamento.

■ Isto é, apenas falar bem de ciência e tecnologia não resolve nada. — Nada, nada. Esse discurso chegou ao nível da trivialidade, ou seja, ele é acei- to por todos, ninguém questiona. O pe- rigo de um argumento desse tipo é que ele se esgota em si mesmo. É preciso haver bens tangíveis no horizonte, be- nefícios palpáveis e aí não teremos difi- culdades de financiamento.

■ Isso vale para ciência e tecnologia em geral? — Vale. Um exemplo que é um sucesso, no caso do Inpe, é o Centro de Previ- são do Tempo e Estudos Climáticos, o CPTEC. Nós estabelecemos um centro que, desde o início, tinha um caráter operacional. Não era um centro de pes- quisa em supercomputação para previ- são numérica de tempo, que iria gerar capacitação para um serviço operacio- nal no futuro. O CPTEC tinha que gerar previsões do tempo, num determinado prazo de investimento, que melhorassem substantivamente a capacidade do Brasil nesse setor. O que aconteceu? Hoje nós temos a previsão de tempo do Inpe, que está diariamente nos telejornais da Rede Globo. Nossa previsão de quatro, cinco e até seis dias é muito boa. Criamos um centro que tinha a meta de chegar até a

previsão na mídia. Foi isso que nos aju- dou a conseguir investimentos e nos le- vou, inclusive, a combinar pesquisa com operação num patamar distinto daquele que a universidade, tradicionalmente, e mesmo os institutos de pesquisa do go- verno, está acostumada a trabalhar.

■ De qualquer maneira, a pesquisa bási- ca tem por princípio uma grande elasti- cidade, uma maneira de trabalhar que não leva em conta essa operacionalidade desejada pelo senhor. — Nós não estamos falando de pesqui- sa básica. A small science, que é a ciên- cia de pesquisa básica, do pesquisador, tem uma lógica universal. Falamos de grandes programas nacionais que têm um caráter de investimento'de governo. Estes são programas nos quais o Brasil está trabalhando com grandes tecnolo- gias de grandes ciências (big science). Quando falo que o programa espacial tem que ter o tamanho do Brasil, e não o Brasil ter o tamanho do programa, digo que temos que reverter a lógica de opera- ção de um programa de grandes investi- mentos como é o programa espacial.

■ Aí há uma questão que vem sendo bas- tante discutida nos últimos meses. Pes- quisadores da área e até o ministro Sérgio Rezende, da Ciência e Tecnologia, têm re- lativizado cada vez mais a ida do tenen- te-coronel Marcos Pontes ao espaço. Os US$ 10 milhões gastos com essa operação não poderiam ser utilizados em outra di- reção com resultados mais palpáveis? — Os recursos investidos no astronauta são pequenos ante o nível de investi- mento que temos no programa espacial. Portanto, o dinheiro que estaríamos economizando com a não-ida do astro-

nauta não iria resolver problema ne- nhum. Não é o caso de deixar de fazer um satélite para lançar um astronauta. Desse ponto de vista, o grande mérito do vôo do astronauta brasileiro é o de conquistar os corações e mentes da so- ciedade. O objetivo é dizer "nós temos capacidade de ter um programa espa- cial", da mesma forma que foi feito nos Estados Unidos, na Rússia, na China. É um investimento pequeno frente ao volume de recursos do programa, fren- te à exposição à mídia que o fato está tendo e frente a colocar na cabeça da sociedade brasileira que o programa es- pacial pode ser pacífico, civil, com liga- ção com as universidades.

■ A missão é acusada de ter pouca ex- pressão científica. — Cientificamente a expressão do que o astronauta fará é limitada pelas pró- prias restrições de uma missão tripula- da com experimentos no espaço. Isso vale para o programa tripulado como um todo, não é só no Brasil. Há pou- quíssima coisa no espaço que não pos- sa ser feita por robôs ou por elementos automáticos. Entre essas poucas coisas estão experimentos como o que o as- tronauta deverá fazer. Ocorre que uma das principais motivações de um pro- grama tripulado é a conquista do espaço pelo homem. É importante que o Brasil sinalize sua participação nesse projeto.

■ Nesses 45 anos de programa espacial, o Brasil produziu sozinho dois satélites, fez outros dois em cooperação com a China e avançou no desenvolvimento de mate- rial propelente. Mas teve também seus reveses, como os três veículos lançadores e de satélite que não deram certo. Conside-

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rando o tempo e o que se gastou no perío- do, o senhor acha o saldo positivo? — O investimento no programa espa- cial tem uma característica importante: ele precisa de prazos. O SCD-1 e o SCD-2, que são satélites de coleta de da- dos, e o CBERS são casos em que cum- primos metas. A meta de ter um veículo lançador continua sendo importante. E a própria revisão que foi feita no pro- grama de lançadores está apontando deficiências que, tudo indica, estão sen- do supridas pela nova geração de lança- dores projetada pelo Centro Técnico Aeroespacial, o CTA. Espero que nós consigamos resolver esse problema. Mas o principal dessa história foi ter, no processo de construção de satélites, também construído instituições. Nesse caso, o Inpe é um bom exemplo que busca unir a relevância do que faz com a excelência e a qualidade de seus traba- lhos. O Inpe tem uma lógica de funcio- namento, inclusive com programas de pós-graduação, de formação de pessoas, de pesquisa, que constrói uma ligação forte entre pesquisa e operação. Esta ló- gica permitiu construir um centro de previsão do tempo e disseminar tecno- logia de sensoriamento remoto no Bra- sil. Temos hoje um grande conheci- mento sobre meteorologia, climatologia, geofísica espacial, sensoriamento re- moto e geoinformação em razão do tra- balho do Inpe. As conquistas não se li- mitam aos satélites. A longo prazo, um dos resultados mais importantes é pro- duzir instituições que dão retorno. Mesmo que todos os satélites tivessem falhado, o Inpe ainda teria um retorno forte porque não fazemos só o satélite - fazemos todas as tecnologias e pesquisas associadas a esse programa de satélite.

■ O senhor disse para Pesquisa FAPESP, em 2003, logo depois do acidente de Al- cântara, a seguinte frase: "Não há cami- nhos baratos para a tecnologia de ponta, que custa caro em termos de investimen- to, gente e compromisso nacional". O se- nhor reclamava que o programa espacial nunca teve investimentos à altura. — Ou que os investimentos que são co- locados não são suficientes para o ta- manho do programa. Continuo com essa idéia. Essa frase é a motivação pela qual eu digo que o programa espacial tem que ter o tamanho do Brasil. Ao fa- zer isso, o programa deve obter resulta-

dos que convençam a sociedade a colo- car investimentos na magnitude que nós precisamos. Queremos fazer um satéli- te de observação da Terra que tenha ca- pacidade de imageamento do mundo inteiro, inclusive do Brasil, repetidas ve- zes. Queremos também que ele funcio- ne operacionalmente, com confiabili- dade, durante vários anos. Não se trata só de lançar e funcionar uma vez - isso não atende a nenhum programa da so- ciedade porque não será capaz de dar as informações que ela precisa.

■ Os gastos brasileiros são comparáveis aos de outros países em desenvolvimento? — O programa espacial brasileiro hoje tem um patamar de US$ 100 milhões por ano. A China gasta mais de US$ 1,5 bilhão, a índia está gastando US$ 600 milhões. É uma diferença brutal. Nós consideramos que, num país do tama- nho do nosso, esse programa não refle- te o que ele poderia ser para atender a sociedade. Só que para que convença- mos a sociedade - e também os minis- tros do Planejamento e da Fazenda - de que precisamos ter um orçamento com- parável ao orçamento da índia é neces- sário mostrar que haverá benefícios muito concretos. Não basta dizer que eles têm um orçamento seis vezes maior que o nosso.

■ Há chances reais de o programa espa- cial ser plenamente retomado este ano? — Eu acho que são reais. O Inpe traba- lha arduamente na finalização do saté- lite CBERS-2B, em colaboração com a China, para lançamento neste ano ou no máximo no início do ano que vem. Nós estamos construindo o CBERS-3, cujo lançamento vai ocorrer no final de 2008 ou início de 2009. Isso indica que estamos em plena carga de trabalho. Nossas equipes estão trabalhando com muito afinco para manter o cronogra- ma do programa dentro dos requisitos da sociedade. O CBERS não pode pa- rar. Então, o CBERS-2 já está no ar há quase dois anos e meio e nós temos que ter o CBERS-2B no ar a tempo de, quando o CBERS-2 completar sua vida útil, ele já entrar em operação.

■ Vamos falar agora do Inpe como insti- tuição. Como será a relação com a Agên- cia Espacial Brasileira com as mudanças que ocorreram no ano passado, quando o

orçamento do Inpe passou a ser subordi- nado à agência? — Acho que as mudanças têm um im- pacto menor do que tem sido dito. O mais importante hoje é que exista uma forma de trabalhar na qual o Inpe saiba qual é a sua missão e a agência saiba qual é a dela. A agência é o grande órgão de política espacial. É onde são tomadas as macrodecisões, do tipo "vamos fazer um programa com a China", "vamos fa- zer um satélite de coleta de dados", "va- mos fazer um lançador em cooperação com a Rússia". E, ao decidir o que se vai fazer, escolher se será o CTA ou o Inpe, que são os órgãos de execução. Acho que, se todos souberem trabalhar em conjunto, há uma sinergia possível, ne- cessária e positiva entre a agência e o Inpe. Embora o Inpe não seja subordi- nado à agência, é ela que define o pro- grama espacial. Nessa matéria, o Inpe não pode tomar decisões sozinho. Ou seja, se quisermos mudanças ou ajustes no programa, temos que convencer a agência de que eles são necessários.

■ Temos aí, então, um problema de orga- nograma? — Não creio. Pelo menos não como algo fundamental. A agência, para mim, representa o governo. Pode-se dizer que a agência é o órgão de governo que diz para o Inpe quais são os limites da sua atuação. Uma instituição do tamanho do Inpe é condicionada por fatores ex- ternos. Tudo que fazemos é negociado. É inviável eu transferir a autonomia de um laboratório universitário, onde o pesquisador tem liberdade de pesquisa completa com seu aluno para definição da tese de doutorado, para uma insti- tuição do tamanho do Inpe. É inviável imaginar que possamos simplesmente decidir o que fazer a partir da nossa ca- beça. Se quisermos influenciar o Bra- sil, temos de aceitar que o Brasil nos in- fluencie. Não podemos ter atitude de redoma, de dizer "nós sabemos o que o Brasil precisa".

■ Isso nos leva a outra questão. A comu- nidade científica, de modo geral, consi- dera o Inpe um instituto muito fechado, de decisões verticais, pouco permeável ao debate. Por que isso acontece? — Acho que essa percepção é absoluta- mente correta. O Inpe tem um encon- tro malsucedido com a sociedade e tem

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dever de casa para fazer, que é se dispor ao diálogo e à crítica a todo setor da so- ciedade, incluindo aí a comunidade ci- entífica. O Inpe tem uma tradição de não se expor ao debate, de se fechar e de se auto-referenciar, se bastar. Isso não é satisfatório para os dias que cor- rem. A instituição tem uma tradição de bunker, de casamata.

■ Essa tradição tem a ver com algum tipo de militarização da instituição? — Não diretamente. O Inpe não corre, não correu e não correrá o risco de mi- litarização. Mas tem a ver com a sua he- rança. Evidentemente o programa espa- cial nasceu dentro de um locus que tem uma herança militar, que é São José dos Campos. Até hoje há uma enorme lógi- ca militar e estratégica na cidade, que nunca teve universidade pública. Isso faz a diferença.

■ Por quê? — O fato de São José dos Campos ser, das cidades tecnológicas de São Paulo, a única que não tem universidade públi- ca de grande porte, seja estadual ou fe- deral, faz toda a diferença. Não temos espaço de debate aqui. São José é uma cidade de engenheiros. Sociólogos fa- zem falta. Os engenheiros não discu- tem, fazem. Engenheiro não gosta de discutir, de se justificar. Gosta mesmo é de fazer. Então, para ele não importa quem está mandando fazer, o impor- tante é fazer o artefato, seja um satélite, uma bomba, um avião ou um compu- tador. A realização do engenheiro está no ato de realizar, de construir. A falta que faz ter reflexão intelectual mais ampla, humanística, que é o que traria uma universidade pública em São José dos Campos, é enorme. Ao perpetuar na cidade e no Inpe a lógica do enge- nheiro que não discute e que faz, cria- se a mentalidade de bunker. Mas isso não pode continuar. Eu fui o primeiro diretor do Inpe a ir à SBPC debater aber- tamente com a comunidade científica. E vou fazer isso sempre com todos, de uma forma clara e aberta. É muito cô- modo não ter que dar satisfação para ninguém. Democracia dá trabalho.

■ Internamente não há um conselho que receba essa pressão de baixo? — Hoje existe um Conselho Técnico- Científico (CTC), mas estamos redi-

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mensionando seu papel de tal forma que os membros internos do conselho tenham uma capacidade muito maior de influenciar as ações da direção do que tiveram no passado. Com reuniões freqüentes, com discussões, com deba- tes internos. Eu sou o primeiro diretor do Inpe que responde e-mail de funcio- nário, só para você ter uma idéia. Quando não nos dispomos a discutir o debate não existe.

■ Quais são as prioridades científicas para os próximos dez anos, até 2015? — Estamos iniciando um programa de planejamento da instituição, para o qual estamos contando com o apoio do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do Ministério da Ciência e Tec- nologia, e do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. É um programa que envolverá diagnósti- cos dos ambientes interno e externo, que levará à definição de grandes metas para a próxima década. Já existe, colocada como um desafio científico fundamen- tal para o Inpe, a criação do que chama- mos por enquanto de Centro de Ciência do Sistema Terrestre, uma das respostas que o Brasil tem que dar ao desafio de entender o que são as mudanças globais e como elas vão afetar a sociedade. É algo que junta a capacidade de modela- gem climática para o futuro, o processo de mudanças globais, com a capacidade de entender as mudanças de uso do solo e outras que o homem está provocando na natureza. Precisamos entender as condicionantes dessas mudanças e tam- bém as conseqüências disso sobre o am- biente humano. Essa ciência do sistema terrestre é uma ciência multidisciplinar da qual o Inpe tem hoje uma parte. Te-

mos hoje alguns grupos muito bons em meteorologia e climatologia, em senso- riamento remoto e um outro em geo- física. Faltam grupos bons em ciências humanas. Mas eles ainda farão parte do Inpe em 2015, dentro de um centro multidisciplinar e multiinstitucional. A introdução da Ciência do Sistema Ter- restre como disciplina de trabalho e como meta é uma imposição das mu- danças globais sobre o Brasil. De novo: é o programa do tamanho do Brasil. O Brasil é um dos países que tem o maior potencial de ser afetado pelas mudanças globais negativamente. Enquanto a Rús- sia pode ter uma estepe menos fria, nós vamos ter um Cerrado mais quente. Portanto a nossa agricultura pode so- frer muito com as condições climáticas, assim como o agronegócio e a dispo- nibilidade de água para nossas cidades, por exemplo.

■ O senhor pensa nesses projetos a médio prazo? — Precisamos instalar esse tipo de competência até 2015 para pensar no Brasil de 2030,2040,2050. Mas o sonho se constrói um dia de cada vez. O Inpe tem uma tradição de trabalho multi- disciplinar. Falta montar os quebra- cabeças para construir esse Centro de Ciência do Sistema Terrestre. É possível que um dia nós contratemos sociólo- gos? Claro, eu já fui orientador de três arquitetos na pós-graduação. Um dos meus projetos de pesquisa é o de Políti- cas Públicas da FAPESP com o centro de pós-graduação em serviço social da PUC de São Paulo, com a professora Aldaíza Sposatti. Então não se espante se um dia o Inpe abrir vagas para con- tratar sociólogos e antropólogos. •

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O POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COS

■ Interesses secretos

A indústria do tabaco assu- miu o compromisso de não patrocinar pesquisas médicas na Alemanha que pudessem ser usadas para promover seus interesses. Segundo entida- des antitabagistas, a Funda- ção Philip Morris quebrou a promessa. De acordo com a revista Nature, a fundação pre- miou com US$ 31 mil (cerca de R$ 65 mil) o químico Tho- mas Carell, da Universidade de Munique, que estuda me- canismos de reparo do DNA. Para a Philip Morris, a pre- miação é aceitável, pois Carell trabalha só com vegetais. O lobby antitabaco vê interesses secretos. Danos ao DNA cau- sados pelo cigarro podem desencadear o câncer, caso os

Os mandarins da academia Duas vozes respeitáveis cri- ticaram os privilégios acu- mulados por membros de academias científicas da China, acusados de aban- donar suas obrigações nos laboratórios, inebriados pe- las delícias do poder. Em carta publicada pelo jornal Science Times, de Pequim, o chinês radicado nos Esta- dos Unidos Yu-Chi Ho, professor da Universidade Harvard, afirmou que a hierarquia da pesquisa chi- nesa cria sinecuras e desen- coraja a inovação. "Em mui-

tos países ocidentais, per- tencer a uma sociedade acadêmica é só um título honorário, mas na China isso garante um status abu- sivo", declarou, referindo-se aos rumores de que certos membros aceitam suborno de cientistas que querem ser indicados como novos integrantes. Ho é um dos 713 integrantes da Acade- mia de Ciências da China e recebe modestos US$ 124 mensais (cerca de R$ 262) para participar de suas reuniões. Mas o cargo é co-

biçado porque governos provinciais e universidades conferem aos acadêmicos salários altos e poder sobre a distribuição de verbas. Wu Mengchao, membro da Academia de Ciências da China e vencedor do mais importante prêmio de ciên- cia do país, endossou as críticas em entrevista ao mesmo Science Times. Ele disse que boa parte dos acadêmicos parou de fazer pesquisa e não se constran- ge em dar palpites sobre especialidades alheias. •

mecanismos de reparo estu- dados por Carell sejam desar- mados. A ligação entre os cien- tistas e a indústria tabagista é assunto sensível na Alemanha, país refratário ao controle do cigarro. Em 2005 um artigo do toxicologista Thilo Grü- ning ganhou repercussão ao acusar cientistas alemães de esconder dados sobre os males do cigarro, bancados por em- presas de tabaco. •

■ Um caixa dois para a ciência

No México, quando um parti- do político comete abusos em campanhas eleitorais, quem sai lucrando é o orçamento de ciência e tecnologia. Multas

impostas pelo Instituto Fede- ral Eleitoral (IFE) a partidos políticos entre 2000 e 2003 renderam no ano passado US$ 44,5 milhões extras (cerca de R$ 94 milhões) para a pesqui- sa. Boa parte delas punia gas- tos de campanha superiores ao que a lei permite. O mais multado foi o Partido Revo- lucionário Institucional, que governou o México por 70 anos até ceder o poder em 2000. Gastou US$ 100 mi- lhões a mais do que o permi- tido na campanha presiden- cial de 2000, perdida para o atual presidente, Vicente Fox. Fernando Agíss Bitar, um dos diretores do IFE, disse ao jor- nal Vanguardia que a regra vai repetir-se nas eleições

presidenciais deste ano. "Es- ses recursos irão para a ciên- cia e a tecnologia por decisão da Câmara dos Deputados, que define o destino das mul- tas", afirmou. •

■ Bolsas de estudo para os vizinhos

O presidente do Egito, Hosni Mubarak, criou um programa que irá distribuir 200 bolsas de estudo por ano em univer- sidades do país para estudan- tes de outras nações africanas, de acordo com o jornal The Ethiopian Herald. Mubarak confirmou a intenção numa reunião de autoridades de países da África, realizada em janeiro no Sudão. •

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■ Parceria contra a seca

O governo do Chile e a Unes- co, o braço das Nações Uni- das para a Educação, a Ciên- cia e a Cultura, celebraram uma parceria que vai reforçar o financiamento da pesquisa

sobre fontes alternativas de água em regiões desérticas nos países andinos. Segundo o compromisso, assinado no dia 2 de fevereiro, a Unesco trabalhará com o Centro para Zonas Áridas e Semi-Áridas da América Latina e Caribe (Cazalac), baseado em La Se- rena, no Chile. "Para nós, sig- nificará nos tornarmos uma instituição internacional, com mais dinheiro e mais colabo- ração com outros centros", disse ao site SciDev.Afef Guido Soto, diretor executivo do Cazalac. O foco do trabalho serão áreas como o altiplano, platô com altitudes entre 3.500 e 5.000 metros que ocupa par- tes da Argentina, Bolívia, Chi- le e Peru, e os desertos costei- ros do Chile e do Peru. •

■ Ambições peruanas

Pela primeira vez na história o Peru traçou uma estratégia de longo prazo para a área de pesquisa e desenvolvimento. O Plano Nacional Estratégi- co de Ciência e Tecnologia para a Competitividade e o Desenvolvimento Humano, com força de lei, estabelece metas até o ano 2021 e prio- riza os setores nos quais o país planeja desenvolver, ba- seando-se em suas vantagens competitivas. Esses setores são a biotecnologia, a genô- mica, a ciência de materiais,

o meio ambiente, as tecno- logias de informação e co- municação e as tecnologias limpas para pequenas e mi- croempresas. "O plano tem objetivos, estratégias e visão de longo prazo, com progra- mas que se constróem e se aperfeiçoam", disse ao site

SciDev.Net Benjamín Marti- corena, presidente do Con- selho Nacional de Ciência e Tecnologia. •

■ O salto asiático

A América do Norte conti- nua a ser líder em investi- mento em pesquisa e desen- volvimento (P&D), com 37% do bolo mundial de recursos. Mas o segundo lugar foi ocu- pado pela Ásia, com 32%, destronando a Europa, que ficou com 27%. Os dados emergem do Unesco Science Report 2005, levantamento do Instituto de Estatística da Unesco, braço das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, com base em dados de 2002. De acordo com o estudo, os gastos em relação ao total mundial caí- ram em cerca de 1% de 1997 a 2002 tanto na América do Norte quanto na Europa. Na Ásia houve um crescimento

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de 4% no período, com des- taque para a China, cuja par- ticipação subiu de 4% para 9% do bolo mundial. O Bra- sil é destacado pelo relató- rio, com investimento de US$ 13,1 bilhões em 2002 (cerca de R$ 27,6 milhões). O valor é inferior ao da índia. Mas, ao considerar os gastos em P&D em relação ao Pro- duto Interno Bruto, o Brasil passa à frente, com 1% ante 0,7%. Em relação ao Brasil, dados mais recentes mos- tram que houve um avanço para 1,5% do PIB e há indi- cações, ainda não confirma- das, de que no ano passado pode ter alcançado um pata- mar de 1,7% •

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Estratégias Mundo

Silêncio obsequioso James Hansen, principal cli- matologista da agência espa- cial norte-americana (Nasa), acusou seus superiores de tentarem silenciá-lo, em re- presália a uma palestra profe- rida em janeiro na qual exigiu a imediata redução de gases de efeito estufa - tese que con- traria o governo George W. Bush. O grupo de Hansen, que é diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, anun- ciou em fevereiro que 2005 foi o ano mais quente da his- tória. Conforme publicou o jornal The New York Times, a direção da agência exigiu que Hansen submeta declarações e textos à censura prévia. Até pedidos de entrevista teriam de passar pela Nasa, que po- deria escalar outros pesquisa- dores para falar no lugar de Hansen. "Há um esforço para que não se trate dos perigos das mudanças climáticas", diz o climatologista. Dean Acos- ta, vice-assistente para assun- tos externos da Nasa, tentou explicar. "Qualquer funcio- nário que emite declarações ou publica dados deve coor- denar tais atividades com nosso escritório de relações públicas", disse. Sherwood

Boehlert, presidente do Co- mitê de Ciência da Câmara dos Deputados, condenou a censura. "A boa ciência não sobrevive num ambiente de intimidação", disse. •

■ Com a chave do cofre

O programa de saúde global da Fundação Bill e Melinda Gates, que investe US$ 6 bi- lhões (cerca de R$ 12,6 bi- lhões) no combate a doenças como tuberculose, Aids e ma- lária, será administrado pelo executivo Tachi Yamada, de 60 anos, atual chefe de pesquisa e desenvolvimento da multi- nacional farmacêutica Glaxo- SmithKline (GSK). A funda- ção tem uma parceria com a GSK para a criação de remé- dios e vacinas. Segundo ana- listas, a escolha mostra que a fundação investirá na estraté- gia junto a outras indústrias de medicamentos. "Yamada conhece o caminho que trans- forma promessas de laborató- rio em produtos talhados pa- ra as necessidades das pessoas e é hábil em reunir parceiros", disse Bill Gates, segundo o site de sua fundação. •

Ciência na web

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

31"

Global Ettiics Obseivatory

« IJWSCO nOM n tttt, K

* IHL GIPBAL Lima ousiBVAlURV

www.unesco.org/shs/ethics/geobs 0 site mantido pela Unesco reúne um banco de dados e de especialistas sobre bioética e ética aplicada à ciência e à tecnologia.

|The Stem Cell Community

r .jrt HH MM)

HUÍ IMBltM

www.stemcellcommunity.org 0 portal traz imagens e informações científicas sobre linhagens de células-tronco, além de notícias sobre o tema para o público leigo.

http://scienceblogs.com/ 0 endereço reúne uma seleção de blogs de especialistas sobre temas científicos, da biologia evolucionária à computação.

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Estratégias Brasil

Alugam-se florestas A Câmara e o Senado apro- varam, no início de feverei- ro, o projeto de lei que auto- riza a exploração econômica de florestas nativas no país. O texto define três formas de gerenciamento: a criação de zonas de conservação vol- tadas para a exploração sus- tentável; a gestão de áreas por

comunidades locais; e, por fim, as concessões de matas virgens através de licitação pública. Quem vencer a lici- tação poderá explorar a área por até 40 anos, comprome- tendo-se a manter a floresta de pé. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) prevê que 13 milhões de hectares, o

equivalente a 3% da Amazô- nia, serão alcançados pela lei na próxima década. Segun- do o ministério, a explora- ção sustentável é a forma mais eficaz de inibir as ocu- pações ilegais que, no caso da Amazônia, chegam a 75% da área de floresta. "O projeto inova ao definir que

florestas públicas devem per- manecer florestas e públicas, ao contrário do que aconte- ceu nos últimos 500 anos, quando as florestas foram privatizadas e transforma- das em outros usos de terra", disse Tasso de Azevedo, dire- tor do Programa Nacional de Florestas do MMA. •

■ Monitor da aftosa

A Embrapa Monitoramento por Satélite, unidade da Em- presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) se- diada em Campinas (SP), está montando um sistema de gerenciamento de infor- mações sobre a fronteira en- tre o Brasil e o Paraguai, com o objetivo de monitorar o ris- co de eclosão de novos surtos de febre aftosa na região. Os dois países vizinhos compro- meteram-se em fazer um ca- dastramento de seus pastos fronteiriços e um inventário dos rebanhos bovinos locali- zados num raio de 25 quilô- metros de ambos os lados da divisa. Imagens de satélite de alta resolução foram adquiri- das pela unidade da Embra- pa, cobrindo um raio de mais

de 100 quilômetros dentro do território paraguaio e brasileiro, com detalhe de 10 metros. A iniciativa fornece- rá elementos para o Ministé- rio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento administrar situações de crise e planejar ações preventivas. Uma base de dados sobre a região será integrada ao sistema, com informações a respeito de in- fra-estrutura, rede viária e estatísticas. •

■ Reestruturação profunda

A Pontifícia Universidade Ca- tólica de São Paulo (PUC-SP) demitiu 322 professores e 114 funcionários no dia 17 de fe- vereiro, numa segunda tenta- tiva de zerar o déficit mensal de R$ 4 milhões, uma das metas para amortizar a dívi- da bancária de R$ 82 milhões. Levando-se em conta os cor- tes feitos desde novembro, a

universidade perdeu cerca de 30% de seus docentes e servi- dores. As demissões foram definidas por dois represen- tantes nomeados pela arqui- diocese de São Paulo, mante- nedora da universidade. Isso porque a reitoria não conse- guira atingir a economia exi- gida pelos bancos, ainda que tenha promovido mudanças administrativas, expansão de vagas e outros cortes na folha de pagamentos. "Fiquei cho- cada. Tinha pessoas na lista de demitidos que considero importantes para a universi- dade", disse a reitora Maura Veras. A crise financeira da PUC-SP se deve a uma dívida acumulada nas últimas três décadas. Em agosto de 2005, o débito foi renegociado - e uma das condições dos ban- cos credores era que o déficit mensal fosse extinto. •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 • 21

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>opro de ar nos acervos

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou a se- gunda edição da sele- ção pública de proje- tos de preservação de acervos de museus, bibliotecas e arquivos, com o objetivo de torná-los mais mo- dernos e mais acessí- veis ao público. Serão destinados R$ 5 mi- lhões para projetos nas áreas de catalo- gação, gerenciamento ambiental, instalação de sistemas de segu- rança, melhoria de infra-estrutura, higie- nização e acondicio- namento e restaura- ção de acervos raros. Cada proposta pode- rá receber até R$ 500 mil. Os projetos serão selecionados por uma comissão composta por especialistas da área, representantes do BNDES e do Mi- nistério da Cultura. As propostas podem ser apresentadas até o dia 17 de março. •

Estratégias Brasil

Idas e vindas das cotas

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que prevê a re- serva de 50% das vagas das universidades federais para estudantes que cursaram to- do o ensino médio em esco- las públicas. Nesse universo de vagas haveria uma cota para afrodescendentes e indí- genas, na proporção dessas populações em cada estado. Como foi aprovado na co- missão em "caráter conclusi- vo", o projeto poderia seguir diretamente para o Senado, sem ser submetido ao plená- rio da Câmara. Mas o teor polêmico da lei acabou colo- cando obstáculos à proposta. De um lado, a Associação Na- cional dos Dirigentes das Ins- tituições Federais de Ensino Superior (Andifes) reclamou do prazo curto - de apenas quatro anos - que as univer- sidades teriam para cumprir a nova lei. Queria um prazo de dez anos. De outro, parla- mentares oposicionistas pas- saram a exigir que o projeto fosse submetido ao escrutí- nio de todos os deputados,

sob o argumento de que o ca- ráter polêmico da medida re- quer mais reflexão. O MEC propôs um acordo pelo qual o prazo seria estendido para seis anos e, como compensa- ção às universidades federais, elevaria os recursos destina- dos à assistência estudantil (como auxílios à moradia e à alimentação). Segundo a pro- posta, haverá uma reserva de 12,5% das vagas no primeiro ano em que a medida entrar em vigor, com aumento pau- latino até alcançar os 50%. A proposta será levada ao ple- nário da Câmara, como uma emenda ao projeto. •

■ Educação sem fronteiras

Acontece no Sesc Vila Maria- na, em São Paulo, entre os dias 29 e 31 de março, o Io

Fórum Brasileiro de Educação Internacional, que vai explo- rar temas como a mobilidade de estudantes e professores e o potencial do Brasil como destino para estudantes in- ternacionais. A iniciativa é da Brazilian Education & Lan- guage Travei Association e do Fórum das Assessorias das Universidades Brasileiras pa- ra Assuntos Internacionais, com apoio de vários ministé-

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rios e da FAPESP. Mais in- formações pelo telefone (11) 3254-4333. .

■ 0 desafio de pôr ordem na casa

O bioquímico Walter Colli foi nomeado presidente da Co- missão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ór- gão encarregado, entre outras tarefas, de regular as ativida- des relacionadas aos organis- mos transgênicos. Professor titular do Instituto de Quími- ca da Universidade de São Paulo (USP), ex-diretor-téc- nico do Instituto Butantan e assessor adjunto da diretoria científica da FAPESP, Colli as- sume o cargo com o desafio de coordenar a avaliação de 417 processos pendentes. "Es- tarei me orientando Dela le-

gislação e acatarei o que for definido pelos membros", afir- mou Colli. •

■ Pará deve ganhar sua FAP

O Estado do Pará deverá ter sua Fundação de Amparo à Pesquisa. Até abril, um proje- to de lei que cria a FAP pa- raense será enviado ao Legis- lativo estadual. O anúncio foi feito por Antônio Gomes de Oliveira, representante do go- verno paraense na reunião do Fórum Nacional das Funda- ções de Amparo à Pesquisa Professor Francisco Romeu Landi, realizado em Forta- leza. O presidente do Fórum das FAPs, Jorge Bounassar Fi- lho, destacou que, além da iniciativa paraense, houve a recente criação da FAP de

Goiás e a reestruturação da FAP de Sergipe. Vinte e uma unidades da Federação têm fundações de amparo à pes- quisa. Só os estados do Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Ro- raima e Tocantins ainda não dispõem dessas instituições.»

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nados R$ 445,6 milhões, vol- tados para ações como o apoio à infra-estrutura de instituições, formação de re- cursos humanos e de redes de pesquisa. Para o eixo de apoio à Política Industrial, Tecnoló- gica e de Comércio Exterior,

■ Nova safra de editais

O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) anunciou o lançamento de 45 editais para o financiamento de pro- jetos de pesquisa e inovação. O valor total é R$ 873,8 mi- lhões, sendo R$ 787 milhões provenientes dos fundos se- toriais e o restante de outras fontes. Os editais distribuem- se por quatro eixos estratégi- cos. Para o eixo de Consoli- dação e Expansão do Sistema Nacional de Ciência, Tecno- logia e Inovação serão desti-

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haverá R$ 188,6 milhões para estimular parcerias entre ins- tituições científicas e empre- sas. O eixo dos Objetivos Es- tratégicos Nacionais terá R$ 10 milhões para o apoio à coo- peração científica entre gru- pos de pesquisa para a região amazônica e R$ 6 milhões para fomento a estudos sobre temas de cooperação interna- cional. O eixo de Ciência e Tecnologia para o Desenvol- vimento Social receberá R$ 55,4 milhões, destinados à popularização da ciência e ao desenvolvimento de conteú- dos educacionais. •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 23

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Q POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

AMBIENTE

Flancos vulneráveis

Indicador mapeia o impacto das mudanças climáticas na saúde pública em todos os estados

FABRíCIO MARQUES

Raros países do mundo, inclusive no rol dos mais desen- volvidos, ocuparam-se de mapear o quanto estão vulne- ráveis às mudanças globais do clima, embora muitos se- jam signatários de convenções internacionais que recomendam esse tipo de levantamento. O Brasil não fu- gia à regra. Produziu estudos isolados sobre o impacto das alterações climáticas, por exemplo, em certas cultu- ras agrícolas e em ecossistemas marinhos e terrestres.

Mas um grupo de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fio- cruz), patrocinados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), vai apresentar no próximo mês uma contribuição importante nesse campo. Trata-se de uma metodologia que poderá servir de base para qualquer nação avaliar as ameaças do aquecimento a um flanco cru- cial, o da saúde pública. O resultado foi a criação de um indicador, o índice de Vulnerabilidade Geral (IVG), composto pela ponderação de dados sobre a incidência de algumas doenças, as condições de vida da população e as oscilações do clima, que se propõe a apontar o quanto uma certa região está sensível aos danos da transformação climática.

Coordenada pelo epidemiologista Ulisses Confalonieri, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a metodologia demorou três anos para ser concluída e aplicada em todos os estados brasileiros. A principal conclusão é que a Região Nordeste, graças a uma combi- nação de pobreza, exposição a moléstias e o cíclico fenômeno da seca, é a que demonstra menor capacidade de suportar os efeitos do aqueci- mento. O destaque negativo é o Estado de Alagoas. Na escala de 0 a 1, Alagoas exibiu um IVG de 0,64, o mais alto do país. Em seguida despon- tam os estados da Bahia (0,46) e Pernambuco (0,44). No outro extremo surgiram os estados do Rio Grande do Sul (0,13), Mato Grosso do Sul (0,14), Distrito Federal (0,17), Paraná (0,18), Santa Catarina (0,19) e Goiás (0,20). "Eles se revelaram menos suscetíveis às mudanças e/ou os mais capazes de enfrentá-las", diz Confalonieri, que participa, como

coordenador do comitê de saúde, do Painel Intergovemamental sobre Mu- danças Climáticas (IPCC, na sigla em in- glês), grupo de cientistas ligados às Na- ções Unidas que avalia o conhecimento existente sobre a mudança climática.

A equação desenvolvida pela Fiocruz inspira-se na metodologia do índice de Desenvolvimento Humano (IDH), cria- do pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento com o objetivo de comparar a situação dos países a par- tir de indicadores de educação, longevi- dade e renda. O IVG é calculado a partir da média aritmética de três outros indi- cadores, também idealizados pela equipe de Confalonieri. O primeiro é o índice de Vulnerabilidade Socioeconômica (IVSE), que combina 11 indicadores, cada qual com um peso específico, relacionados com demografía, grau de urbanização, renda, educação, saneamento e saúde.

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Seca na Paraíba: apesar da capacidade de adaptação dos sertanejos, a vulnerabilidade dos estados nordestinos é a maior do país

Nesse quesito, São Paulo e Santa Catari- na revelaram os menores índices, res- pectivamente, de 0,10 e 0,15, na escala de 0 a 1. Na outra ponta, Alagoas (0,76), Maranhão (0,75) e Piauí (0,73) des- pontaram como os mais vulneráveis.

Uma segunda categoria de dados compõe o índice de Vulnerabilidade Epidemiológica (IVE), que leva em con- ta a incidência atual de doenças como a dengue, a malária, a cólera, a leishma- niose, a leptospirose e as hantaviroses, endemias prevalentes no Brasil e sensí- veis à variação climática. O caso clássi- co é o da leptospirose, cujos surtos epi- dêmicos se dão em áreas alagadas. Da

mesma forma, os extremos de precipi- tação também influenciam o ciclo bio- lógico de mosquitos transmissores da malária e da dengue. Os estados mais suscetíveis foram a Bahia (0,30) e o Pará (0,31). No caso da Bahia, os índi- ces para dengue, cólera, leptospirose e leishmaniose (quatro das seis doenças) mostraram-se peculiarmente elevados. Já em relação ao Pará, há taxas elevadas de incidência de dengue e malária.

A terceira categoria de informações forma o índice de Vulnerabilidade Cli- matológica (IVC), que classificou as unidades da Federação segundo a inci- dência de oscilações drásticas de preci- pitação, como secas e enchentes, nos últimos 42 anos. Alagoas, com um índi- ce de 1 - na escala de 0 a 1 -, apresentou o maior número de eventos extremos, seguido de Sergipe, Ceará e Maranhão, com índice de 0,55. Já os estados do

Acre (índice 0), Amazonas (0,01) e do Pará (0,01), mesmo nos meses em que seus níveis de chuva são altos, não apre- sentaram oscilações abruptas. "Os ce- nários futuros associados ao aqueci- mento global incluem, como hipótese, maior instabilidade de fenômenos liga- dos às variações climáticas", diz Confa- lonieri. "Essa instabilidade potencializa a vulnerabilidade, porque é difícil pre- ver sua ocorrência e proteger a popula- ção", afirma.

Alagoas é o estado mais vulnerável porque sofreu mais eventos extremos de precipitação, ostenta alta densidade de- mográfica, a mais alta taxa de pobreza, uma das menores taxas de serviços de saneamento, a menor esperança de vi- da ao nascer e a mais alta taxa de mor- talidade infantil brasileira. Também foi a unidade da Federação com a maior in- cidência de cólera.

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 25

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A temperatura média do planeta elevou-se de 0,6 a 0,7 grau Celsius nos últimos cem anos, de acordo com pes- quisas divulgadas em revistas interna- cionais. Os cinco anos mais quentes desde o início dos re- gistros climáticos modernos, em 1890, ocorreram na última década, segundo o Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa. A enorme maioria dos pesquisadores do sistema cli- mático acredita que a causa do aquecimento são as emissões de gases causadores do efeito estufa promovidas pelas indús- trias, os automóveis e as quei- madas. O IPCC trabalha com vários ce- nários climáticos para os próximos cem anos, de dois tipos principais: com a estabilização ou com o aumento das emissões de gases. Em ambos projetam- se aumentos de temperatura, de 1 a 6 graus Celsius. Os efeitos podem ser de- sastrosos, da elevação do nível do mar à desestabilização de ecossistemas, mas não há modelos confiáveis que permi- tam vislumbrar o tamanho do estrago.

"Do ponto de vista da formulação de políticas públicas, os estudos de vul- nerabilidade são fundamentais para que os governos tenham clareza sobre os problemas e possam tomar decisões duras, como mexer nas matrizes ener-

géticas", diz o astrogeofísico Luiz Gylvan de Meira Filho, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universi- dade de São Paulo (USP).

criação do IVG é um passo pa- ra mapear tais impactos na área da saúde. "Esse trabalho é o primeiro com foco em saúde e mudança do clima e ajudará a criar políticas que atuem no sentido de melhorar o controle de doenças", observa Haroldo Machado Filho, da Coordena- ção de Mudanças Climáticas do MCT, órgão que encomen- dou o estudo à Fiocruz. Con-

tudo, o próprio autor da pesquisa apon- ta alguns limites de sua metodologia. A principal delas, diz Confalonieri, foi a delimitação do universo avaliado. "Analisamos o impacto ligado às doen- ças, mas há outros fatores vinculados à saúde, como a oferta de água e de ali- mentos, que necessitam ser igualmente mapeados para dar um sentido mais completo à vulnerabilidade", afirma.

A princípio, o MCT deu prioridade a um tipo de levantamento, o inventá- rio das emissões de gás carbônico no país. O incentivo a pesquisas sobre vul- nerabilidade começou a surgir recente- mente. Além do estudo de Confalonieri, foram financiadas pesquisas direciona-

0 índice da vulnerabilidade Numa escala de 0 a 1, a suscetibilidade dos estados brasileiros

às mudanças climáticas na área da saúde.

Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Acre, Mato Grosso do Sul e Rondônia

Minas Gerais, São Paulo, Amapá, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Espírito Santo, Roraima, Pará e Tocantins

Rio Grande do Norte, Paraíba e Sergipe

Piauí, Ceará Pernambuco, Bahia e Maranhão

Alagoas

i_ _L _1_ J

0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7

Fonte: Análise da vulnerabilidade da população brasileira aos impactos sanitários das mudanças climáticas

das para temas específicos, como o im- pacto das mudanças climáticas na mor- te de recifes de corais.

Outra limitação foi o uso de um da- do meteorológico simples - os índices de precipitação dos últimos 42 anos -, quando se sabe que eventos climáticos são tremendamente complexos. É certo que o atual estado do conhecimento não permite estabelecer cenários regionais de mudanças climáticas com grande acu- rada, mas existem modelos matemáticos que permitem simular, com um grau ca- da vez maior de confiança, os efeitos fu- turos da mudança do clima. "Hoje ten- taria fazer essa análise de uma forma mais abrangente", diz Confalonieri.

A metodologia não contempla um fenômeno importante: a capacidade de adaptação das populações aos efeitos das mudanças climáticas. Segundo Con- falonieri, isso tem peso na situação de

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Page 27: O décimo planeta

Enchente em São Paulo: com o aquecimento global, oscilações drásticas do clima serão mais freqüentes e difíceis de prever

vulnerabilidade. Ele cita um exemplo: nos estados nordestinos, apesar da sus- cetibilidade elevada, uma capacidade de adaptação desenvolveu-se ao longo de séculos de seca. A tendência é que o la- vrador abandone sua terra por não ter o que comer e vá para a cidade. São co- nhecidas as estratégias para reduzir o êxodo, como as frentes de trabalho que garantem alguma renda aos lavradores.

Já na região amazônica, onde são raros os eventos extremos do clima, a capacidade adaptativa é menor. A cala- midade provocada pela seca de 2005 mostrou isso. Como os rios secaram, as populações ribeirinhas perderam a

mobilidade e uma fonte de alimento, os peixes. "Eles sabem se adaptar ao exces- so de chuva, mas ficaram impotentes diante da seca", diz Confalonieri.

Essa lacuna deverá ser preenchida por duas pesquisas que a Fiocruz pre- para-se para desenvolver. Uma delas, a cargo de Confalonieri, pretende colher dados sobre o potencial de adaptação em nível municipal na Amazônia Cen- tral, no entorno do município paraen- se de Santarém. A segunda também vai analisar a capacidade regional de adap- tação, num esforço patrocinado por uma organização não-governamental inglesa que também financiará estudos em outros países em desenvolvimento.

A elaboração de um mapa integra- do de vulnerabilidade nacional foi uma das principais recomendações de um painel de 27 especialistas que se reuniu em Brasília há dois anos a convite do

Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência da República. O encontro atualizou o co- nhecimento científico acerca das amea- ças. Um exemplo: no campo da agricul- tura, o aumento da concentração de carbono na atmosfera tem o dom de au- mentar a produtividade agrícola, mas o excesso de chuvas pode acentuar a ero- são de solos frágeis. Um grande con- senso uniu os especialistas - o diagnós- tico da vulnerabilidade depende, em muito, do investimento em novas pes- quisas sobre agricultura, zona costeira, ecossistemas e energia, com o objetivo de identificar as populações e as áreas de maior risco. O governo está preo- cupado em suprir essa deficiência. O MCT já começou a patrocinar uma no- va safra de pesquisas, algumas delas nas áreas propostas pelos especialistas. •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 27

Page 28: O décimo planeta

O POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FINANCIAMENTO

Choque de inovação

n Duas iniciativas do gover- W no federal propõem-se

a alavancar o desenvol- vimento tecnológico e a inovação dentro das empresas brasileiras. A primeira: o Banco Na- cional de Desenvolvi-

mento Econômico e Social (BNDES) lançou duas linhas de crédito para em- presas, com juros fortemente subsidia- dos, cujo objetivo é financiar esforços de pesquisa para o desenvolvimento de produtos inovadores e viabilizar a cons- trução de plantas industriais desse tipo de produto. A segunda iniciativa deve tomar forma ainda este mês e impli- ca a criação de um fundo de US$ 500 milhões, com recursos do governo, de

fundos de pensão e de investidores es- trangeiros, para financiar companhias nascentes, sobretudo na área de tec- nologia. O passo inicial foi dado em fevereiro, com a edição de uma medi- da provisória que reduziu a zero a tri- butação sobre ganhos de investidores estrangeiros em aplicações em fundos especializados em bancar empresas nas- centes, chamados de venture capital.

As linhas de incentivo à inovação do BNDES são o carro-chefe das no- vas políticas operacionais da institui- ção, que também contemplam finan- ciamentos - embora em condições não tão favoráveis - para a infra-estrutura, a competitividade da indústria brasi- leira de bens de capital e o desenvolvi- mento das pequenas e médias empre-

sas. "A inovação tecnológica é o ca- minho para chegar ao mercado mun- dial, e as empresas que decidirem inves- tir seus esforços nesse caminho terão forte apoio do BNDES", disse o minis- tro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Fur- lan, em visita à FAPESP no dia 14 de fevereiro, data de lançamento das me- didas de incentivo.

Uma das linhas de financiamento, a Inovação PDI, será destinada a projetos de empresas que representem grandes saltos de competitividade por meio de esforços de pesquisa e desenvolvimento de produtos. Terá taxa de juros fixa de 6% ao ano e zero de spread, a taxa de risco cobrada pelos bancos. Até então, projetos desse tipo no BNDES tinham

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Page 29: O décimo planeta

O BNDES lança linhas de crédito e governo cria fundo para alavancar o desenvolvimento tecnológico das empresas

incidência da taxa de juros de longo prazo (TJLP), fixada atualmente em 9%, mais remuneração de 2,5%. Na li- nha de financiamento para a constru- ção de plantas industriais, batizada de Inovação Produção, os empréstimos serão corrigidos pela TJLP, mas não co- brarão spread. Cada uma das linhas contará inicialmente com recursos de R$ 500 milhões.

Será criado um comitê, composto por diretores de diversas áreas do BNDES, cuja tarefa será avaliar se os projetos realmente representam esfor- ços de inovação. "Mas não acredito que surjam grandes dúvidas, pois o conceito é bem definido", disse Aluysio Asti, superintendente da área de pla- nejamento do BNDES. De acordo com

os critérios do banco, só serão aprova- dos projetos que elevem as empresas a um novo patamar de competitividade, criem estruturas que alimentem a ino- vação de forma permanente e permi- tam realizar esforços de pesquisa tão ousados que não poderiam ser concre- tizados sem auxílio. O BNDES já vi- nha incentivando a inovação em li- nhas de financiamento para softwares e fármacos. Decidiu alçar a inovação a um novo patamar de suas priorida- des por dois motivos. "De um lado, as empresas precisam criar um esforço permanente de inovação para serem competitivas. De outro, a inovação é essencial para proteger o patrimônio do BNDES: se as empresas não se mo- dernizarem, não conseguirão manter o valor que serve de garantia aos em- préstimos", afirmou Asti.

As linhas do BNDES têm potencial para complementar iniciativas da FA- PESP, como o Pipe (Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas), que estimula empresas a investir em pesquisa e desenvolvimento. É comum que as empresas nascentes enfrentem dificuldades na hora de transformar a inovação em produção. Na visita que fez à FAPESP, o ministro Furlan mos- trou-se receptivo a parcerias. O supe- rintendente Asti explicou como isso poderia acontecer. "Quando se consti- tuem empresas de base tecnológica, mas que ainda não têm um mercado defini- do, é comum que elas precisem de um volume não muito expressivo de recur- sos, porém de alto risco. O mercado de venture capital não dá guarida a essas empresas e muitas fecham por hiato de apoio nesse momento", disse Asti. "Po- demos criar especializações dentro das linhas de crédito que contemplem essas demandas específicas."

Segundo dados da Agência Brasi- leira de Desenvolvimento Industrial, o mercado de venture capital movimen- tou US$ 125 bilhões em 2005. Enquan- to a China arrebanhou US$ 5 bilhões e a Índia, US$ 4 bilhões, o Brasil recebeu modestos US$ 100 milhões. O fundo de US$ 500 milhões que o governo es- tá criando tem a meta declarada de elevar a participação do Brasil neste mercado. Já foi batizado de "o fundo dos fundos", pois seus recursos serão aplicados em fundos de venture capital e de equity (para empresas de maior porte). Do total de recursos, o gover- no federal arcará com uma parcela de US$ 100 milhões, provenientes do Mi- nistério da Ciência e Tecnologia. Fun- dos de pensão aplicarão US$ 150 mi- lhões e investidores estrangeiros os outros US$ 250 milhões.

A disponibilidade de recursos para investimento empreendedor vai aumen- tar, mas, como observou Carlos Henri- que de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, restará um obstáculo a vencer. Não é só dinheiro que falta às empresas nascentes de base tecnológica. O Brasil sofre de uma deficiência de gestores ca- pazes de administrar tais empresas e pavimentar o seu caminho. "No ventu- re capital, isso é um elemento-chave. É indispensável a figura do gestor empre- endedor que saiba converter a idéia e a capacidade científica em sucesso de ne- gócios", afirmou Brito Cruz. "A abertu- ra do fundo a estrangeiros talvez nos ajude a trazer de fora não apenas di- nheiro, mas também pessoas. Em vez de tentarmos reinventar a roda, seria interessante trazer para o Brasil quem tem experiência e possa ajudar essas empresas a dar certo", disse. •

FABRíCIO MARQUES

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 29

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O POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

LEGISLAÇÃO

Terreno propício Parques tecnológicos e projeto de lei incentivam inovação no estado de São Paulo

Tá novidades no arca- bouço jurídico que re- gulamenta a inovação tecnológica no Estado de São Paulo. No dia 6 de fevereiro, em ceri- mônia realizada no au- ditório da FAPESP, em

São Paulo, o governador Geraldo Alck- min assinou decreto que institui o Sis- tema Paulista de Parques Tecnológicos e enviou à Assembléia Legislativa o projeto de lei estadual de Inovação Tecnológica. Os parques serão grandes empreendimentos imobiliários ancora- dos em grandes instituições, como uni- versidades e institutos de pesquisa, cujo objetivo será atrair, criar e manter em- presas de tecnologia e centros de pes- quisa e desenvolvimento. Cada parque será instalado numa região e terá uma vocação peculiar. O da Região Metro- politana de São Paulo vai dedicar-se à nanotecnologia. O de Campinas será direcionado para a instalação de cen- tros em tecnologia de comunicação e informação. O de São José dos Campos vai estimular a pesquisa aeroespacial e de defesa; o de São Carlos, a óptica e instrumentação avançada em agricul- tura; e o de Ribeirão Preto, as áreas mé- dica e odontológica.

Dos cinco centros tecnológicos pre- vistos, três poderão ficar prontos ainda em 2006: os de São José dos Campos, Campinas e São Carlos. Os outros dois, que serão instalados na Grande São Pau- lo e em Ribeirão Preto, serão concluí- dos em 2007. Nos próximos três meses será feita a seleção de gestores para ad- ministrar os parques. "Eles terão a tare-

fa de atrair investidores e cuidar da in- fra-estrutura do núcleo central dos par- ques", disse Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia da Unicamp e um dos coordenadores do projeto. No total, o governo estadual investiu R$ 11 milhões no sistema, dos quais R$ 9 milhões para as obras de in- fra-estrutura e R$ 2 milhões para os es- tudos de viabilidade.

A criação do sistema de parques faz parte de um esforço de levar a pesquisa e o desenvolvimento para dentro das em- presas, que também é o mote do proje- to de lei estadual de inovação enviado à Assembléia. O texto que será discutido pelos deputados propõe-se a regula- mentar parcerias entre os setores públi- co e privado e prevê a criação de fundos de capital de risco, com dinheiro do go- verno e de empresas, para sustentar pro- jetos inovadores. O Estado, segundo o projeto, poderá participar na qualidade de cotista de fundos mútuos de investi- mentos destinados a empresas cuja ati- vidade seja a inovação tecnológica.

O projeto paulista se pauta pela lei federal de Inovação regulamentada no ano passado. "São dispositivos de âm- bito estadual, que se somam aos previs- tos na lei federal", disse o secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, João Carlos Meirelles. "O sentido do projeto é levar a pesquisa para dentro das empresas. As grandes empresas do mundo têm centros de de- senvolvimento e captam recursos. Não haveria a Microsoft se no passado não houvesse nos Estados Unidos mecanis- mos que permitissem aplicar recursos nos primeiros projetos inovadores de Bill Gates", afirmou Meirelles. Ainda de acordo com o projeto de lei, pesquisa- dores vinculados a instituições estaduais poderão afastar-se por até quatro anos de suas funções para trabalhar em pro- cessos de inovação do setor privado. O projeto também prevê que alunos de pós-graduação e pesquisadores de ins- tituições públicas recebam parte dos royalties quando suas criações forem ex- ploradas comercialmente. •

30 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

Page 31: O décimo planeta

O POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FOMENTO

Mais quadros para a ciência Aumenta número de bolsas concedidas para 2006 e valores são reajustados

s candidatos a bolsas e bolsistas da FAPESP começam o ano com motivos para comemo- rar. O Conselho Supe- rior da Fundação apro- vou em fevereiro o aumento no número

de bolsas de Iniciação Científica, Mes- trado, Doutorado e Pós-Doutorado. Os valores também foram reajustados em 20%, incluindo as bolsas dos progra- mas Jornalismo Científico nos níveis JC-I, JC-II e JC-III e Ensino Público. A exceção é a modalidade Pós-Douto- rado, que recebeu aumento em maio de 2004. O reajuste já está valendo para os pagamentos a serem efetuados agora em março.

O Programa de Bolsas para Pesqui- sa é o principal apoio da FAPESP em instituições de ensino superior oficiais ou privadas no Estado de São Paulo. No programa é investido um terço do dispêndio anual da Fundação, excluin- do-se gastos ocasionais, como os Pro- gramas Equipamento Multiusuário e FAPLivros, por exemplo. A ampliação no número de bolsas foi calculada de acordo com a disponibilidade orça- mentária para 2006 e estimando-se a dos anos seguintes. O objetivo é que se mantenha o porcentual destinado a bolsas em torno de 33%, conforme es- tabelecido pelo Conselho Superior.

Nos últimos dez anos vem ocorren- do um crescimento contínuo no nú- mero de solicitações em todas as moda- lidades. Para Mestrado, por exemplo, o número de pedidos subiu de 550 em 1994 para 3.443 em 2005. As conces-

EXPANSÃO NA PESQUISA 1

Modalidade Concessões em 2005... ... e em 2006 Variação

Iniciação Científica 2.164 2.364 9% Mestrado 838 1.238 48% Doutorado 455 605 33% Pós-Doutorado 407 657 61%

COMO FICA 0 REAJUSTE Modalidade* 2005 (em R$) 2006 (em R$)

IC 330,00 396,00 MS-I 970,00 1.164,00 MS-II 1.030,00 1.236,00 DR-I 1.430,00 1.716,00 DR-II 1.770,00 2.124,00 DD-I 970,00 1.164,00 DD-II 1.030,00 1.236,00 DD-III 1.430,00 1.716,00 DD-IV 1.770,00 2.124,00 PDBR 4.203,14 4.203,14 JC-I 330,00 396,00 JC-II 970,00 1.164,00 JC-III 1.430,00 1.716,00 EP-I 150,00 180,00 EP-II 300,00 360,00 EP-III 450,00 540,00 EP-IV 600,00 720,00 EP-V 750,00 900,00 EP-VI 1.200,00 1.440,00

* Iniciação Científica (IC); Mestrado (MS); Doutorado (DR); Doutorado Direto (DD); Pós-Doutorado Brasil (PDBR); Jornal smo Científico (JC); Ensino Público (EP).

soes seguiam a curva das solicitações com uma taxa de 63%, mas foram re- duzidas com a crise. Em 2005 a taxa de concessão foi de 24%. Para Doutorado, as solicitações foram de 234 em 1994 para 1.543 em 2005 e as concessões caí- ram de um máximo de 73% em 1999 para 29% em 2005.

Ao decidir pelo aumento das con- cessões de bolsas, a FAPESP concluiu

que, considerando-se a qualificação da demanda, observada pelos comitês de seleção, embora todas as propostas consideradas excelentes tenham sido aprovadas, havia outras muito boas que acabavam sendo rejeitadas por falta de recursos. Agora a Fundação começa a apoiar um número maior de bolsistas e ajuda a formar mais pessoal com nível de excelência. •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 31

Page 32: O décimo planeta

Laboratório Mundo

Menos luz do Sol chega à Terra

O pôr-do-sol não é mais o mesmo. Desde 2000 menos luz do Sol chega à superfície da Terra, mas paradoxal- mente essa redução não está esfriando o planeta. Philip Goode, com sua equipe do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey, Estados Unidos, depois de medir a quanti- dade de luz solar que foi re-

fletida pela atmosfera ter- restre, bateu na Lua e vol- tou, descobriu que a Terra está refletindo 3% mais luz do Sol que entre 1985 e 2000 (Newscientist, 28 de ja- neiro). Poderia ser um efei-

cobertura de nuvens, que de fato aumentou. No entanto, a temperatura global está

subindo. Como entender? A explicação pode ser a reorga- nização da cobertura de nu- vens nos últimos anos: está aumentando a proporção de nuvens mais altas em re- lação às mais baixas. Nu- vens mais baixas ajudam a resfriar a Terra, refletindo a luz; as mais altas atuam co- mo um cobertor, retendo

calor. Ou seja, há mais nu- vens e o tipo mudou. Por isso o planeta esquenta mes- mo com menos luz. Para Goode, essas constatações reforçam a idéia de que as mudanças climáticas são su- tis e o que parece óbvio - incidência menor de luz e resfriamento do planeta - nem sempre está certo.

■ Mais gelo para o mar

Nas proximidades da Groen- lândia a temperatura do ar subiu de 2 a 3 graus nos últi- mos anos. Foi o bastante para intensificar o degelo. Em um estudo publicado na Science, pesquisadores da Nasa, sob a coordenação de Eric Rignot, demonstram que o volume de gelo das regiões costeiras da Groenlândia lançado ao Atlântico mais que dobrou na última década: passou de 90 quilômetros cúbicos em 1996 para 220 quilômetros cúbicos em 2005. É muito mais do que se esperava. As conclu- sões sugerem também que pode ser maior que o previs- to a contribuição da Groen- lândia para o aumento do ní- vel dos oceanos - da ordem de 3 milímetros por ano. •

■ As magrelas e a imagem feminina

As modelos que de tão ma- gras parece que vão quebrar têm sido acusadas de perso- nificar padrões irreais de be- leza e de reduzir a auto-esti- ma feminina, como se outras mulheres pudessem apenas sonhar em ser tão esbeltas. No

entanto, de acordo com um estudo publicado este mês no Journal ofConsumer Research, olhar para modelos modera- damente magras ou extrema- mente pesadas não causa ne- cessariamente um impacto negativo sobre a auto-estima das mulheres, digamos, nor- mais, que podem até se sentir valorizadas e ganhar uma no-

Iceberg à deriva: calor acelera degelo da Groenlândia

ção mais clara - e tranqüila - do próprio peso. As mulheres podem, sim, sentir-se com a auto-imagem arrasada quan- do observam as modelos su- permagrelas ou as modera- damente encorpadas, que as fazem se lembrar de quão aci- ma do peso elas mesmas se sentem. •

■ Siga o dinheiro e entenda os vírus

Para prever como podem se propagar epidemias como a gripe aviaria que chegou à Europa, pesquisadores ale- mães e norte-americanos tra- taram de entender como as pessoas viajam - porque é as- sim que levam vírus e bacté- rias de um lugar a outro. Mas, em vez de listar as distâncias percorridas e a freqüência com que usam carros, trens ou

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aviões, adotaram um enfoque diferente. Por meio de uma página na internet, a equipe coordenada por Dirk Brock- mann, do Instituto Max Planck de Dinâmica e Auto- Organização, em Gõttingen, Alemanha, acompanhou o percurso de 500 mil notas previamente marcadas por milhares de quilômetros nos Estados Unidos. De modo ge- ral, em duas semanas metade das notas permanecia no pró- prio estado em que foram re- gistradas pela primeira vez e 7% viajavam pelo menos 600 quilômetros. Analogamente, poucas pessoas viajam gran- des distâncias. Esse estudo, publicado na Nature, permi- tiu aos pesquisadores elabo- rar equações descrevendo a probabilidade de as pessoas viajarem distâncias maiores ou menores e disseminarem doenças. Na Idade Média as pestes se espalhavam lenta- mente porque as pessoas via- javam poucos quilômetros por dia, a pé ou a cavalo. •

A cavalo: La triomphe de Ia mort, de Giovanni di Paolo

■ Cidades com telhados brancos

Em conseqüência do excesso de prédios, megalópoles co- mo Nova York e São Paulo formam ilhas de calor, mais quentes que as regiões vizi- nhas. O problema é que o ar mais quente pode afetar a saúde, além de aumentar o consumo de energia. Duas medidas bastante simples aju- dam a diluir as ilhas de calor. De acordo com um estudo da Nasa, a agência espacial nor- te-americana, plantar mais árvores é a melhor forma de reduzir a temperatura. Outra medida que se mostrou efe- tiva é pintar os telhados de branco ou de cores brilhan- tes. Desse modo, a cobertura das casas e dos edifícios vai refletir a luz do Sol e, portan- to, o calor. "Precisamos aju- dar os administradores públi- cos a encontrar os modos mais eficazes de reduzir o efeito das ilhas de calor em Nova York", comentou Stuart Gaffin, pesquisador da Uni- versidade de Colúmbia, Esta- dos Unidos, e co-autor do es- tudo da Nasa, que comparou os métodos propostos por cientistas, gestores públicos e ambientalistas. Caso contrá- rio, lembrou, a qualidade do ar só vai piorar, já que as ci- dades estão se tornando mais populosas e povoadas. •

■ Antigas crenças por água abaixo

Doses extras diárias de cálcio e vitamina D pouco podem fazer para evitar as fraturas

causadas pela osteoporose, segundo estudo realizado nos Estados Unidos com 38.282 mulheres saudáveis com 50 a 79 anos. Os resultados con- tradizem as expectativas e questionam as recomenda- ções de saúde para a popula- ção. O único efeito positivo foi um aumento de 1% na densidade óssea do quadril. O estudo faz parte do Wo- men's Health Initiative, o mesmo projeto que, também no mês passado, divulgou outro estudo, mostrando que dietas com pouca gordura não protegem contra doenças cardíacas nem contra os cân- ceres de mama e colo-retal. •

Casamentos em perigo

O marido ronca, a mu- lher reclama e o empurra, ambos acordam mal-hu- morados - e o casamento segue ladeira abaixo. Ca- sais que lutam contra a apnéia do sono - falta de ar por fechamento das vias respiratórias - se di- vorciam mais que os que dormem bem, segundo Rosalind Cartwright, coor- denadora do Centro dos Distúrbios do Sono da Universidade Rush, Esta- dos Unidos. Em um estu- do com dez casais, sua equipe mostrou que a

mulher pode perder ho- ras de sono por causa do ronco do marido e que surge um clima hostil se ambos dormem menos do que gostariam. Com olheiras, marido e mu- lher mostravam-se insa- tisfeitos com o casamen- to, principalmente se não conseguiam dialogar so- bre o tormento dos ruí- dos noturnos. Quando os homens com apnéia passaram a dormir me- lhor, o sono das esposas melhorou e o casamento voltou a ser algo bom. •

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■ A terra preta vale ouro

Um tipo de solo encontrado na Amazônia, a terra preta, pode não só transformar solo pobre em fértil, até mesmo triplicando as colheitas, co- mo também ajudar a reduzir os efeitos das mudanças cli- máticas, por reter carbono. A terra preta foi produzida mi- lhares de anos atrás por po- pulações nativas que usavam uma técnica de desmatamen- to chamada cortar-e-cha- muscar: cortavam a mata e a queimavam por meio de fo- gos de baixa intensidade, con- trolados com terra. Segundo Johannes Lehmann, biogeo- químico da Universidade de Cornell, Estados Unidos, es- se método pode reduzir as emissões de metano e de oxi- do nitroso do solo e reter até 50% do carbono da biomas- sa. Lehmann estima que po- deria haver uma redução de até 12% na quantidade de gás carbônico produzido pelas atividades humanas se essa técnica substituísse a atual, cortar-e-queimar, com am- plas queimadas usadas que convertem a biomassa em cinza e liberam gás carbônico

4 i

para a atmosfera. Segundo ele, o que se está aprendendo sobre a terra preta pode aju- dar agricultores a manter a fertilidade dos solos e a reduzir custos. Por reter fósforo, cál- cio, enxofre e matéria orgâni- ca, a terra preta não empo- brece após o uso contínuo como os outros solos. •

■ Chumbo no solo e no ar

A mineradora Plumbum ain- da é lembrada, 11 anos de- pois de ter sido fechada. Quase cem famílias da zona rural de Adrianópolis, no Pa- raná, vivem em terras conta- minadas pelo chumbo extraí- do na região durante cinco décadas pela empresa, e cer- ca de 60% dos adultos e das

crianças apresentam teores de chumbo no sangue mais elevados que o aceitável, se- gundo o geólogo Bernardino Ribeiro de Figueiredo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Partí- culas de chumbo eliminadas para o ar pela Plumbum con- taminaram o solo num raio

de 2 quilômetros da sede da empresa, onde as escórias de minério se acumulam a céu aberto. Verduras e legumes plantados nesses solos, além da poeira das casas, contêm quantidades elevadas de chumbo. "Orientamos a po- pulação a ser cautelosa quan- to ao consumo de alimentos

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Raridades do Nordeste: fósseis de Vinctifer comptoni (na imagem maior, sendo devorado por um Calamopleurus cylindricus)

Uma carta para Lisboa

Exploradores portugueses estiveram no Nordeste bra- sileiro, descobrindo e cole- tando peixes fósseis, quase 20 anos antes do botânico Carl Friedrich von Martius e do zoólogo também ale- mão Johann Baptist von Spix, integrantes de uma expedi- ção científica financiada pe- lo imperador da Áustria que percorreu o país entre 1817 e 1820. Uma carta de 11 de dezembro de 1800, escrita

por João da Silva Feijó, um naturalista que nasceu no Rio de Janeiro e estudou na Universidade de Coimbra, descreve a petrificação dos peixes na Chapada do Arari- pe e lista amostras que ele enviou para serem analisa- das em Lisboa. Algumas são do Vinctifer comptoni, um peixe do Cretáceo, com cer- ca de 110 milhões de anos. Desconhecida durante mui- to tempo, a carta de Feijó

foi apresentada na revista Comptes Rendus Palevol em um artigo assinado por Mi- guel Telles Antunes, da Aca- demia das Ciências de Lis- boa, Ausenda Balbino, da Universidade de Évora, e Ida- lécio Freitas, da Universidade Regional do Cariri, no Cea- rá. Os exemplares descritos nesse documento encon- tram-se guardados no Mu- seu da Academia das Ciências de Lisboa. •

de suas hortas e lavar o inte- rior das casas para eliminar a poeira que vem das ruas", diz Figueiredo, coordenador dos recém-publicados Atlas geo- químico do Vale do Ribeira e Atlas geoambiental da bacia do rio Ribeira de Iguape. •

■ Os raros amigos do verde à mesa

Olhe ao redor e veja como é fácil encontrar quem não gosta de verduras e de frutas - ou simplesmente esquece de comê-las, mesmo sabendo que são importantes. Mas não ache tão estranho. Menos da metade da população bra- sileira - mais exatamente, 41% - saboreia alguma ver- dura ou legume e só 30% se lembra de comer ao menos

uma maçã ou uma banana ao longo do dia. São resultados de um estudo feito a partir de entrevistas com 5 mil pessoas e publicado nos Cadernos de Saúde Pública. Fontes de mi- cronutrientes e de fibras, ve- getais e frutas são mais con- sumidos entre os moradores

de cidades que das áreas ru- rais - o consumo cresce com

.a idade e a escolaridade. Os coordenadores desse levan- tamento, Patrícia Constante Jaime e Carlos Augusto Mon- teiro, da Universidade de São Paulo (USP), consideram in- suficiente o consumo e reco-

mendam que principalmente os mais jovens, os homens, os menos escolarizados e os mo- radores de comunidades ru- rais sejam estimulados a co- mer mais tomates, algumas folhas a mais de alface ou de rúcula ou uma porção de brócolis ou de couve durante as refeições, que poderiam ser intercaladas por uma maçã, uma banana, uma pêra ou uma fatia de melão. •

■ As marcas dos genes

Os testes de paternidade são apenas um dos exemplos de aplicação dos marcadores moleculares, seqüências de DNA que detectam diferen- ças entre indivíduos. Servem também para reconhecer a diversidade genética ou a evolução dos organismos, para identificar vírus e bacté- rias que causam doenças, para estudar o comportamento de genes introduzidos em plan- tas ou distinguir as variedades resultantes de melhoramento genético convencional. Po- dem ser empregados até mes- mo para identificar cadáveres ou autores de crimes. O livro Marcadores moleculares (Edi- tora UFV) mostra quando e como usar essas ferramentas fundamentais em genética e agronomia e normalmente importadas - um tubo de en- saio com material para deze- nas de testes custa em média R$ 200 reais. Coordenado por Aluízio Borém, da Uni- versidade Federal de Viçosa, e por Eveline Teixeira Caixeta, da Embrapa, o livro reúne o trabalho de outros especialis- tas da UFV e da Embrapa e de universidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, com ênfase no uso de marcadores moleculares no melhoramen- to genético de plantas. •

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Um irmão maior

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ASTROFÍSICA

Astro distante e gélido é forte candidato a décimo planeta do sistema solar

MARCOS PIVETTA

Representação'artística de Xena e sua lua ao fundo: astro é o maior objeto encontrado no sistema solar desde a descoberta de Netuno, em 1846

Um astro longínquo e gelado, ainda sem nome oficial, pode mudar o conteúdo daquela aula de ciências na qual se aprendia que o siste- ma solar era formado por nove planetas. Agora, se- gundo alguns astrofísicos, a

lista dos mundos que giram em torno do Sol são dez. O candidatíssimo a novo membro da família solar, apelidado de Xena e chamado tecnicamente de 2003 UB313, é muito pareci- do com Plutão, formado basicamente por ro- cha e gelo, mas é um terço maior e atualmente se encontra duas vezes e meia mais afastado do Sol que o nono planeta, no início da periferia de nosso sistema. Há exatos 160 anos, desde a descoberta de Netuno, não se achava nada do tamanho do 2003 UB313 no sistema solar. Pela primeira vez em décadas, há de fato um corpo celeste com chances reais de ser alçado à con- dição de planeta em nosso sistema, uma hipó- tese que mexe com o imaginário popular e o conhecimento científico.

Não são raros os objetos celestes que já pleitearam a condição de planeta em nosso sistema desde 1930, quando foi descoberto Plutão, por enquanto ainda reconhecido como o mais distante dos mundos solares. Mas todos os aspirantes a planeta não preenchiam um dos requisitos que costumam ser cobrados dos

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A família solar 0 candidato a novo planeta, 2003 UB313, é maior que Plutão e o mais distante dos mundos que giram em torno do Sol

Mercúrio Vênus *0,39 0,72 **4.879 12.103

Marte

♦Distância média do Sol - em Unidades Astronômicas (UA) Uma UA eqüivale à distância média que separa a Terra do Sol, cerca de 150 milhões de quilômetros

'♦Diâmetro em quilômetros

Júpiter 5,20 142.984

astros que almejam essa condição: ser maior que Plutão. Pelo menos nesse tes- te o 2003 UB313 já passou. Se havia al- guma dúvida sobre a dimensão do novo astro, um estudo publicado na edição de 2 de fevereiro deste ano da re- vista científica britânica Nature desfez boa parte dos questio- namentos. No trabalho, astro- físicos da Universidade de Bonn foram os primeiros a confirmar o diâmetro de Xena, por volta de 3.100 quilômetros, ou seja, cerca de 35% maior que o de Plutão. Quase o tama- nho da Lua. "Agora ficou difícil justificar o uso do termo pla- neta para Plutão, mas não para o 2003 UB313", afirma o astro- físico Frank Bertoldi, principal autor do trabalho, reavivando a polêmica so- bre o status de Xena que havia começa- do há alguns meses.

A ratificação do diâmetro do novo astro, que demora 560 anos para dar uma volta completa em torno do Sol, se fazia necessária. Quando a existên- cia do candidato a décimo planeta so- lar foi anunciada ao público em julho de 2005, o astrofísico Mike Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, principal responsável pela descoberta do astro, afirmou que o frio e distante

objeto era mais avantajado que Plutão, mas não apresentou dados mais preci- sos sobre suas dimensões. Apesar dos pontos em comum com Plutão, o 2003 UB313 ainda não foi oficialmente re- conhecido como planeta.

palavra final sobre o seu status será dada pela União Astronô- mica Internacional, entidade responsável por classificar e dar nomes aos objetos celestes, talvez em agosto deste ano, du- rante sua assembléia geral em Praga, República Tcheca. Xena dista 14,5 bilhões de quilôme- tros do Sol, ou 97 unidades as- tronômicas (UA). Uma UA eqüivale ao percurso médio

que separa a Terra do Sol, cerca de 150 milhões de quilômetros.

Mais notícias sobre objetos situa- dos na periferia do sistema solar vie- ram à tona no mês passado. Em outro artigo na Nature, desta vez na edição de 23 de fevereiro, cientistas norte- americanos comprovaram a presença de duas pequenas novas luas girando em volta de Plutão, chamadas tempo- rariamente de PI e P2, que vieram se somar a Caronte, descoberta em 1978, e até agora o único satélite conhecido do nono planeta solar. A possível exis-

tência de PI e P2 havia sido divulgada em outubro de 2005, mas só agora saiu o primeiro estudo ratificando a desco- berta. A primeira lua tem entre 60 e 165 quilômetros de diâmetro e demo- ra 38 dias para dar uma volta em Plu- tão. A segunda é 20% menor e precisa de 25 dias para completar sua órbita. São diminutas se comparadas aos 1.200 quilômetros de diâmetro de Ca- ronte, que apresenta metade do tama- nho de Plutão. Os cientistas acreditam que PI e P2 se formaram da mesma maneira que Caronte, a partir de peda- ços de Plutão que foram ejetados de- pois de um objeto colidir com o pla- neta. A Lua terrestre também pode ter se originado dessa forma.

A novidade veio em boa hora: nu- ma missão de US$ 650 milhões, a Nasa, a agência espacial norte-americana, lan- çou em 19 de janeiro deste ano a sonda New Horizons, que, se tudo correr como o previsto, se tornará em 2015 a pri- meira espaçonave a ver de perto Plutão, um mundo gelado que se encontra 39 vezes mais distante do Sol que a Terra. Só que em vez de ter uma lua para es- piar, terá três. Depois de colher dados sobre o nono planeta solar, a sonda ain- da tentará observar um ou dois objetos do chamado Cinturão de Kuiper, re- gião periférica do sistema solar, situa-

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da depois de Netuno, onde já se en- contraram mais de mil corpos gelados, como cometas, asteróides, candidatos a planetas e até Plutão. "Estimamos que 20% dos objetos do cinturão podem ter satélites", afirma o astrofísico Hal Wea- ver, da Universidade Johns Hopkins, principal descobridor de PI e P2. Aliás, o candidato a décimo planeta, que foi apelidado de Xena, também possui uma lua, por ora sem nome oficial, mas chamada informalmente de Gabrielle.

Grosso modo, o sistema solar pode ser dividido em três grandes regiões. A primeira é formada pela sua porção mais interna, que inclui os chamados planetas terrestres, de tamanho médio ou pequeno (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte). Esses mundos se situam mais próximos ao Sol e têm superfície sóli- da. A segunda parte engloba os planetas gasosos gigantes (Júpiter, Saturno, Ura- no e Netuno), que se encontram mais afastados da estrela-mãe e não apresen- tam superfície rochosa. São compostos basicamente de hélio e hidrogênio. Há ainda um cinturão de asteróides entre Marte e Júpiter, formando uma espécie de zona de transição entre os mundos predominantemente sólidos e os ma- joritariamente gasosos. A terceira re- gião, vastíssima e pouco conhecida, compreende tudo que se encontra além

de Netuno, portanto acima das 30 UA: pequenos corpos gélidos, chamados ge- nericamente de objetos transnetunia- nos, como Plutão e o candidato a dé- cimo planeta. O Cinturão de Kuiper, entre 30 UA e 50 UA, marca o início dessa região. O fim dela seria a Nuvem de Oort, uma proposta teórica, ainda sem comprovação irrefutável, mas mui- to aceita entre os astrofísicos.

Berço dos cometas - Como o nome indica, a nuvem seria uma esfera gaso- sa que delimitaria o fim do sistema so- lar e seria também o berçário dos co- metas de longo período, que demoram mais de 200 anos para dar uma volta em torno do Sol. Por essa proposta, o que está dentro da Nuvem de Oort, provavelmente entre 50 mil UA e 100 mil UA, ainda pertence ao sistema so- lar. O que está fora escapou da influên- cia gravitacional do Sol. Desde 1995, os astrofísicos sabem que outras es- trelas, além do Sol, podem dar ori- gem a sistemas planetários. Mais de 150 mundos extra-solares foram des- cobertos nos últimos anos, mas ne- nhum deles ainda se mostrou exata- mente igual à Terra.

Qual a importância de se estudar Plutão, o provável décimo planeta solar e outros corpos situados além de Netu-

no? "Essa região é uma espécie de sítio arqueológico do sistema solar", compara o astrofísico Enos Picazzio, da Universi- dade de São Paulo (USP). "Por estarem distantes do Sol, congelados, seus obje- tos são os mais bem preservados da nossa vizinhança." Em outras palavras, a composição química desses astros frios e longínquos deve ser hoje a mes- ma que apresentavam no momento da formação do sistema solar, há 4,5 bi- lhões de anos (o Universo, segundo a teoria do Big Bang, teria surgido muito antes, de uma explosão primordial há cerca de 14 bilhões de anos). A própria gênese do Sol e de seus planetas poderá ser mais bem entendida à medida que o conhecimento humano penetra nos mistérios da periferia de nosso sistema. Há quem acredite ainda que pistas sobre a origem da água e do material orgâni- co, essencialmente carbono, que veio do espaço e fez a vida florescer na Terra, po- dem ser achadas em cometas, asterói- des ou planetas do Cinturão de Kuiper.

Esses são objetivos de fundo que norteiam a exploração e o estudo dos confins do sistema solar. De imediato, há questões mais prosaicas e pontuais - como decidir o que é um planeta e quantos existem em nosso sistema. Há praticamente um consenso entre os as- trofísicos de que Plutão nunca deveria

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ter sido classificado como tal. Foi um erro de julgamento que resiste ao avan- ço do conhecimento. Afinal, Plutão não se parece com os planetas terrestres nem com os gasosos. Sua órbita é muito elíptica (alongada) e percorre um pla- no 17 graus mais inclinado que o dos demais planetas solares (a órbita do 2003 UB313 é ainda mais estranha, 45 graus mais inclinada que a da Terra). Rochas e gelo devem responder pela composição básica do planeta, cuja temperatura na superfície deve ser infe- rior a -200 graus Celsius. Enfim, Plutão é um mundo à parte.

O problema é que na época de sua descoberta, em 1930, ainda não havia a noção da existência dos frios objetos transnetunianos e imperava uma corri- da em busca de novos planetas. Então, como se queria localizar um planeta, e inicialmente se acreditava que Plutão era maior do que realmente é, rotulou- se o astro de planeta. "Plutão foi acha-

do antes do tempo", diz Rodney Go- mes, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, que, numa série de três ar- tigos publicados na edição de 25 de maio do ano passado da revista Nature, debitou a atual arquitetura do sistema solar a migrações sofridas pelos plane- tas gasosos Júpiter e Saturno cerca de 700 milhões de anos depois do nasci- mento do astro-rei e do conjunto de objetos que o circundam.

Quaoar e Sedna - A rigor, Plutão foi o primeiro objeto do Cinturão de Kuiper a ser localizado, embora a noção do verdadeiro status do astro só tenha fica- do clara décadas depois de sua desco- berta - quando todo mundo, inclusive os livros escolares, já tinha incorporado a idéia de que existiam nove planetas no sistema solar.

Não é fácil descobrir objetos além de Netuno. Várias razões explicam essa dificuldade: os gélidos corpos celestes

dessa zona do sistema solar são muito pequenos (menores que a Lua), estão muito longe de nós e mal refletem a es- cassa luz do Sol que eventualmente lhes atinge. Obter uma boa imagem de um desses astros ainda não foi conseguido, como atestam as fotos pouco nítidas de Plutão. Apesar dos percalços, desde o início da década passada os astrofísicos estão conseguindo localizar mais e mais objetos transnetunianos com o auxílio de novas técnicas ou equipa- mentos. Depois de Plutão e Caronte, a descoberta do primeiro objeto transne- tuniano só ocorreu em 1992, quando se encontrou um pequeno asteróide de cerca de 200 quilômetros de diâmetro. Desde então, mais de mil corpos celes- tes foram achados no Cinturão de Kui- per. A maioria deles é de pequeno por- te, o que facilita classificá-los como asteróides ou algo do gênero. No entan- to, alguns astros descobertos nesta dé- cada, como Quaoar e Sedna, apresen-

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tam quase o tamanho de Plutão e che- garam a ser considerados como candi- datos a planeta. Mas, como eram me- nores que Plutão, esse tipo de discussão não prosperou por muito tempo. Não vai ser possível fazer o mesmo com o 2003 UB313, que é uma espécie de Plu- tão ligeiramente aumentado.

Corpos que se movem - Ao longo do tempo, o termo planeta - hoje geral- mente compreendido como um astro de formato esférico, sem luz própria, e que gira em torno de uma estrela - mu- dou ligeiramente de sentido e adquiriu novas nuances. De origem grega, a pa- lavra era utilizada originalmente na Antigüidade para discriminar no céu os astros que se moviam em oposição aos que pareciam estar fixos, as estrelas e constelações. Era uma definição bem genérica, na qual cabiam vários tipos de objetos celestes. "Os primeiros aste- róides, como Ceres e Pallas, chegaram a

ser chamados de planetas, mas depois foram classificados de outra forma", co- menta a astrofísica Daniela Lazzaro, do Observatório Nacional do Rio de Janei- ro. Não é à toa que os asteróides - ter- mo que atualmente engloba astros de formato irregular e de tamanhos varia- dos, com dimensões de uma pedra ou até cerca de mil quilômetros de diâme- tros - são chamados informalmente de planetas menores.

Em alguns casos, como os planetas propriamente ditos, os asteróides, qua- se sempre vistos como rochas que via- javam sozinhas no espaço, possuem até luas orbitando em torno de si. O pri- meiro satélite de um asteróide, Dáctilo ao redor de Ida, foi achado em 1993 pela sonda Galileo. Ou seja, a linha di- visória que separa o que pode ser cha- mado de planeta do que merece outra designação é, por vezes, tênue e arbitrá- ria. "É difícil estabelecer a linha de corte entre o que é um planeta e o que não é",

diz Daniela, que, no entanto, acha toda essa discusão secundária. "O importan- te é saber como é um objeto, e não como se deve chamá-lo."

Qualquer que seja a decisão da União Astronômica Internacional a respeito do status oficial dos maiores objetos do Cinturão de Kuiper, como o 2003 UB313, o veredicto não vai agra- dar a todos. Por razões mais históricas que científicas, Plutão dificilmente per- derá sua condição de planeta. A ques- tão é saber se outros mundos gelados do Cinturão de Kuiper, de tamanho se- melhante ao do nono planeta solar, re- ceberão o mesmo tratamento. Se pu- desse escolher um nome oficial para sua maior descoberta, Mike Brown batiza- ria o provável décimo planeta de Persé- fone, a mitológica mulher de Plutão, o deus grego das profundezas. "Mas um asteróide já tem esse nome", diz o astro- físico do Caltech. "Acho então que ele está fora de questão." •

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O CIÊNCIA

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Pólens de uma cratera na cidade de São Paulo testemunham as mudanças climáticas e ambientais dos últimos 100 mil anos

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Pólens de espécies de Mata Atlântica ampliados 200 vezes: registros das vegetações gue se sucederam I

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CARLOS FIORAVANTI

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flém de Parelheiros, um dos bairros mais ao sul da capital paulista, as casas, lojas e depósitos de ferro-velho progres- sivamente dão lugar a sítios com hortas, pas- tos, palmeiras, pinhei-

ros e um pouco de Mata Atlântica. É di- fícil perceber que esse terreno quase plano seja a cratera de Colônia, forma- da possivelmente pelo impacto de um cometa ou de um meteorito há pelo menos 3 milhões de anos. Seus limites só se tornam evidentes à medida que se abre o olhar para o horizonte e se nota um anel de morros cercando uma área circular de 10 quilômetros quadrados. O centro da cratera é ocupado por um charco coberto por vegetação rasteira no qual nem os bois entram.

Os bois evitam, mas os pesquisado- res adoram entrar nesse brejo. Também chamado de turfeira, é formado por uma camada que pode atingir 450 me- tros de espessura, com sedimentos la- macentos e negros que se depositaram lentamente entre as bordas da cratera desde o suposto impacto do corpo ce- leste. A turra - matéria orgânica em de- composição cuja cor, ali, varia do preto acinzentado ao preto esverdeado - mis- tura-se com pedaços de caules, restos de folhas e espinhos, alguns frutos e grãos de pólen. "Esses sedimentos podem conter registros das mudanças climáti- cas dos últimos 4 milhões de anos na Região Sudeste", diz o geólogo Cláudio Riccomini, do Instituto de Geociências (IG) da Universidade de São Paulo (USP). Ele visitou a cratera pela pri- meira vez em 1980 e ainda hoje não hesi- taria em, de novo, enfiar-se até a cintura nesse brejo e colher amostras de um te- souro que fascina apenas os cientistas. "Geologicamente", diz ele, "essa cratera é única, por ainda estar fechada e isola- da por suas bordas".

Situada nos limites da zona urbana, a 50 quilômetros do centro da cidade, a cratera de Colônia é a única da Região Sudeste e uma das seis no Brasil cuja origem ainda precisa ser atestada por

estudos mais detalhados. A essas se so- mam outras cinco que, comprovada- mente, resultam do impacto de corpos celestes - na América Latina há 11 e no mundo todo 170 depressões já conhe- cidas formadas pelo impacto de objetos vindos do espaço. Com um diâmetro de 3,6 quilômetros e bordas com 100 a 125 metros de altura, a cratera de Colô- nia volta a ganhar importância em ra- zão de um estudo feito com os 130 ti- pos de grãos de pólen encontrados em uma coluna de sedimentos de 7,8 me- tros retirados do meio do charco.

Os tentáculos da floresta Nesse trabalho, publicado na revista Quaternary Research, pesquisadores do Brasil e da França, a partir da seqüência, da diversidade e da abundância de pó- lens, concluíram como a vegetação mu- dou, de acordo com as alterações climá- ticas. Ao longo dos últimos 100 mil anos, limite que corresponde à idade aproximada dos sedimentos da base da coluna, a floresta avançou e recuou al- gumas vezes de modo radical, ganhan- do ou perdendo espaço como se fosse um polvo abrindo ou encolhendo os tentáculos. Segundo a' coordenadora desse trabalho, a paleobotânica france- sa Marie-Pierre Ledru, pesquisadora do Instituto de Pesquisa para o Desenvol- vimento (IRD, na sigla em francês) e professora visitante do Instituto de Geo- ciências da USP entre 1998 e 2003, nes- ses 100 mil anos a floresta atlântica ex- pandiu-se oito vezes e retraiu-se duas, em resposta ao clima, ora mais quente e úmido, ora mais frio e seco.

Quando a umidade e a temperatura se mostravam mais favoráveis à repro- dução das plantas, em um dos períodos interglaciais recentes, entre 130 mil e 85 mil anos atrás, a floresta apresentou três ciclos de crescimento. As árvores nutriam-se à vontade de luz e de água, formando matas fechadas semelhantes às encontradas no litoral paulista. Mas se seguiu um longo período de clima hostil - o período glacial, que durou 73 mil anos, de 85 mil a 12 mil anos atrás. A temperatura média caiu pelo menos

cinco graus - o bastante para desregu- lar os ciclos reprodutivos das plantas, que muitas vezes morriam sem deixar descendentes. Pouco a pouco, no lugar da floresta alta e densa brotou uma ve- getação campestre, aberta e baixa, com árvores apenas nas margens dos rios. Segundo Marie-Pierre, provavelmente nessa época havia ventos fortes, capazes de derrubar as árvores mais altas ou mais frágeis.

A floresta recompunha-se nos mo- mentos de clima mais ameno. De acor- do com a análise dos pólens ao longo da coluna de sedimentos, a mata expan- diu-se entre 55 mil e 43 mil anos atrás e retraiu-se severamente entre 43 mil e 28 mil anos. Mas voltou a ganhar espa- ço entre 28 mil e 23 mil para depois en- colher, a ponto de outra vez quase desa- parecer, entre 23 mil e 12 mil anos. No período interglacial mais recente, que começou há 12 mil anos e segue até hoje, as árvores se viram novamente sob condições climáticas mais amigá- veis. A floresta atlântica se espalhou também em três momentos nesses últi- mos 12 mil anos, recompondo a mata fechada, densa e rica em espécies. As mudanças no clima e na vegetação re- gistradas na cratera de Colônia coinci- dem com as verificadas em duas caver- nas, uma em São Paulo e outra em Santa Catarina, em que já se fez esse tipo de estudo. Conferem também com os testemunhos de gelo da Groenlândia e da Antártida.

Jardim de coníferas Cada vez que a floresta encolhia, sur- giam novas espécies de árvores, en- quanto outras desapareciam. Em um dos momentos de retração da mata, há cerca de 80 mil anos, propagaram-se as árvores do gênero Weinmannia. Um dos representantes atuais desse gênero, a Weinmannia paulliniifolia, uma árvo- re de até 16 metros também chamada de gramimunha ou gramoinha, com uma casca rica em tanino bastante uti- lizada para curtir couros, é normal- mente encontrada no alto de morros. Ao mesmo tempo, em decorrência das

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mudanças climáticas, quase acabaram as representantes da família Myrsine, formada por quase mil espécies, geral- mente arbustos, hoje encontradas nas regiões tropicais do planeta. Nos tem- pos mais frios restavam poucos exem- plares, contidos em refúgios, provavel- mente perto dos rios. "Esses refúgios se expandiram há 15 mil anos por causa das condições climáticas favoráveis", conta Marie-Pierre.

Segundo Marie-Pierre, nos últimos 12 mil anos, nos arredores da futura metrópole paulista, também cresciam em abundância coníferas como a Arau- cária e a Podocarpus. Seus descendentes, como o pinheiro-do-paraná {Araucária angustifolia) e o pi- nheiro-bravo (Podocarpus lam- bertii), formavam populações mais densas nos estados do Sul e em áreas montanhosas da serra da Mantiqueira - atual- mente apenas pontuam a capi- tal paulista. "Esse fenômeno de retração das coníferas é muito interessante", diz Marie-Pierre, "porque não se deve à ação do homem, que chegou muito de- pois. Pode ser o resultado da história evolutiva das antigas coníferas, que não encontraram mais condições climáticas favoráveis às expansões".

A cratera atrai os pesquisadores também por causa das incertezas sobre sua origem. Após se eliminar outras possibilidades, como erosão ou vulca- nismo, em razão das características geo- lógicas do terreno, aceitou-se a idéia de que essa depressão possa ser o resulta- do do impacto de um corpo celeste. No entanto, "cientificamente só o descarte de outras possibilidades não é suficien- te", comenta o geólogo Álvaro Crósta, professor do Instituto de Geologia da Universidade Estadual de Campinas

(Unicamp), que estuda crateras há três décadas. "Esse é um ponto frágil do tra- balho científico", observa o astrônomo Oscar Matsuura, professor aposentado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Anos atrás, o geólogo norte-amerciano Eugene Shoemaker, um dos maiores es- pecialistas em asteróides e cometas, examinou os dados sobre Colônia e co- mentou aos colegas brasileiros: "Não tenho dúvidas de que se trata de um impacto de um corpo celeste. Mas vo- cês terão de provar". Shoemaker mor- reu num acidente de carro em 1997, de férias na Austrália.

ssa hipótese só seria demons- trada se os pesquisadores en- contrassem sinais do impacto que pudessem ser aceitos co- mo conclusivos, já que o obje- to que veio do espaço se desfez logo após chocar-se com a su- perfície. Seria preciso colher amostras das rochas que sus- tentam a camada de sedimen- tos e ter a sorte de encontrar de- formações em minerais como

o quartzo ou resquícios de metais do grupo da platina, como o irídio, que só se forma fora da Terra.

Foi o irídio detectado em 1980 em rochas com 65 milhões de anos em pontos distantes como a Itália e a Chi- na que sugeriu aos geólogos a possível ocorrência de um gigantesco impacto nessa mesma época em algum lugar do planeta. Só em 1991 é que encontraram a cratera de Chicxulub, submersa no golfo do México, com 180 quilômetros de diâmetro. O impacto de um asteróide com cerca de 10 quilômetros de diâme- tro deve ter gerado uma densa nuvem de poeira que se espalhou pelo planeta, bloqueou a passagem da luz solar, fez a

temperatura cair abruptamente cerca de dez graus e contribuiu para a extin- ção em massa de muitas formas de vida de então, inclusive os dinossauros.

Punhal de gelo Riccomini acredita que o impacto so- bre Colônia também tenha formado uma nuvem de poeira e gerado uma onda de choque e de calor, ainda que bem menor, mas larga e densa o sufi- ciente para causar a morte dos animais que viviam a um raio de 50 quilôme- tros. Foi ele que estimou que a colisão possa ter ocorrido em um momento qualquer entre 5 milhões e 3 milhões de anos atrás - e, a seu ver, pode não ter sido causada por um objeto rocho- so como um meteorito ou um asterói- de, mas por um cometa, que, por ser formado de gelo, não deixaria vestí- gios. "Seria como um punhal de gelo, que se desfaz depois de um crime", compara.

Os pesquisadores estão um pouco aflitos, sobretudo porque a região está sendo progressivamente tomada por moradias. Por ali moram cerca de 30 mil pessoas. Teme-se que a ocupação desordenada desfigure as bordas, altere a composição dos sedimentos da tur- feira ou dificulte futuras escavações. Os primeiros habitantes chegaram à região no final do século 18, quando o impe- rador dom Pedro I autorizou a instala- ção de chácaras por colonos alemães - o nome da cratera vem daí. As cháca- ras persistiram até duas décadas atrás, quando seus donos começaram a ven- der as terras, requisitadas para um pre- sídio, inaugurado em 1987, e depois para moradias. Desde 2001 a cratera integra a Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos, mas as casas continuam avançando sobre os morros e a vegetação original da cratera.

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Ao sul da capital A cratera de Colônia é formada por um charco cercado por matas e morros parcialmente ocupados por 30 mil habitantes (acima). Situa-se a cerca de 50 quilômetros do centro, na transição da zona urbana para a rural (destaque ao lado)

Natureza e cultura "Essa região tem uma clara vocação, que poderia ser aproveitada por meio de um parque temático que atendesse a toda a cidade", diz Matsuura. O parque que ele esboçou explora não só o patri- mônio natural - as diversas formas de vegetação - e o antropológico: ali perto há duas aldeias de índios tupi-guaranis.

Há exemplos notáveis de como conservar e explorar esses lugares. Nos Estados Unidos, a família Barringer construiu um museu de geologia e as- tronomia perto de uma cratera de 50 mil anos no deserto do Arizona. Na Alemanha, uma cidade medieval, Ries, cresceu no interior de uma cratera de 25 quilômetros de diâmetro e se man- tém com a renda gerada pelo turismo.

No Brasil há apenas sinais do dese- jo de explorar as crateras, como a torre de 30 metros erguida há poucos anos para os visitantes apreciarem o Domo de Vargeão, uma cratera de 12 quilôme- tros de diâmetro no oeste de Santa Ca- tarina. Em 2005, Crósta esteve mais uma vez no Domo de Araguainha, cra- tera de 40 quilômetros em Mato Gros- so. Participou da inauguração de um marco instalado no centro da cratera, fez palestras em escolas e conversou com os prefeitos e vereadores de Ara- guainha e Ponte Branca, situadas no in- terior da cratera.

Há quase 20 anos Crósta andou bastante por lá e se lembra de como era difícil explicar aos moradores o que fa- zia e o que era aquela estrutura circular cortada pelo rio Araguaia. Mas não he- sitava em mostrar seus mapas e ima- gens de satélite. Pouco depois ele con- seguiu provar que Araguainha não era uma estrutura vulcânica, como se pen- sava, mas uma cratera de impacto - a mais antiga e a maior da América do Sul, com 245 milhões de anos. •

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T CIÊNCIA

GENOMICA

Os genes do papel Equipes de cinco estados identificam seqüências de DNA que podem tornar o eucalipto mais resistente à seca e às doenças

RICARDO ZORZETTO

FOTOS EDUARDO CéSAR

v V os próximos meses devem brotar no la- boratório do agrônomo Ivan de Godoy Maia, em Botucatu, interior de São Paulo,

IV os primeiros pés de tabaco com uma ca- IV racterística especial: genes que não são I ■ originalmente dessa planta de folhas ver- ■ de-claras grandes, largas e macias, mas do

eucalipto, árvore de até 35 metros de altu- ra e folhas duras em forma de lança. Desde o final de 2005 Maia trabalha na preparação de seis genes dessa árvore apa- rentemente ativos em um único tecido vegetal - a folha, o caule, a raiz, a flor ou o fruto - para implantá-los no taba- co. A razão para produzir pés de tabaco transgênico é que essa planta cresce e atinge a fase reprodutiva em cerca de seis meses, ao menos 12 vezes mais rapidamente que o eucalip- to. Assim, é possível confirmar em pouco tempo em qual te- cido vegetal cada um desses genes atua e sua provável fun- ção. Controlar esse ou outros genes é o primeiro passo para criar árvores de eucalipto mais resistentes à seca e às pragas ou capazes de produzir madeira de melhor qualidade para a extração de celulose e a produção de papel.

Esses experimentos com tabaco ou com outra planta- modelo, a Arabidopsis thaliana, são o que os geneticistas chamam de genoma funcional - neste caso, é a terceira eta- pa do projeto Genoma Eucalipto, o primeiro genoma de árvore seqüenciado no Brasil. Espera-se que em alguns anos os resultados obtidos em laboratório formem plantações mais produtivas de eucalipto. Natural da Oceania, essa árvore foi introduzida no país no início do século 20 por Edmundo Navarro de Andrade para produzir dormentes para as ferrovias que avançavam pelo interior paulista. O

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Plantação de eucalipto: produtividade quadruplicou em 40 anos

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Brasil possui a maior área plantada no mundo destinada a fins comerciais. São 3,5 milhões de hectares que garantem ao país a posição de 7o produtor mun- dial de celulose e 1 Io de papel, ativida- des responsáveis por 4% do Produto Interno Bruto, ou R$ 80 bilhões.

A busca de variedades de eucalipto geneticamente modificadas é a parte fi- nal de um projeto de seqüenciamento de genes que começou em 2001 e, com um perfil pouco comum no país, aproximou universidades e empresas. Na fase anterior, chamada data mining ou mineração de dados, encerrada no fim de 2005, foram identificados genes que podem contribuir para o aprimo- ramento dessa árvore. Com o auxílio de programas de computador equipes de 20 laboratórios do Rio Grande do Norte, Alagoas, Pernam- buco, Rio de Janeiro e São Paulo vasculharam 123.889 segmentos de genes. Esse to- tal corresponde a quase 15 mil genes que haviam sido seqüenciados pelo consórcio Genoma Eucalipto (Forests), formado pela FAPESP e por quatro empresas do setor de madeira, papel e celulose - Duratex, Ripasa, Suzano e Votorantim -, com a colaboração das equipes do projeto Genomas Agronô- micos e Ambientais (AEG).

No data mining os pesquisadores compararam os genes de cinco espécies de eucalipto comuns no país - Eucalyp- tus grandis, E. urophylla, E. camaldulen- sis, E. saligna e E. globulus - com genes já conhecidos de plantas como o taba- co, o álamo e a Arabidopsis. E desco- briram quase 200 genes produtores de proteínas do sistema de defesa contra patógenos e 15 outros responsáveis por um complexo de proteínas que silencia outros genes. Outros resultados são relatados nos 19 artigos do suplemento da revista Genetics and Molecular Bio- logy de novembro de 2005. "Esses e ou- tros genes deverão servir como indica- dores de características que se deseja reproduzir nas plantas", diz o enge- nheiro florestal Luis Eduardo Aranha Camargo, da Escola Superior de Agri- cultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), coor- denador da segunda e da terceira fases do Genoma Eucalipto.

Nos últimos 40 anos técnicas de melhoramento genético tradicional como as usadas no século 19 pelo mon- ge e botânico austríaco Gregor Men- del, um dos fundadores da genética, possibilitaram um aumento de até quatro vezes na produtividade dos eu- caliptais brasileiros. A produção de ma- deira por hectare de floresta subiu de 12 metros cúbicos por ano na década de 1960 para até 50 metros cúbicos. Essa produção anual corresponde a uma sala de 5 metros de comprimento por 4 de largura cheia até o teto com a madeira obtida pela derrubada das ár- vores plantadas em uma área equiva- lente a um quarteirão.

as nem sempre o simples cruzamento de variedades distintas surte o efeito dese- jado. Por esse motivo, o que se tenta ao produzir eucalip- tos geneticamente modifica- dos é alterar características que não são facilmente mani- puladas por meio do melho- ramento genético tradicional. Um exemplo é o controle da

concentração da lignina, polímero na- tural que funciona como um cimento entre as células e confere dureza à ma- deira. O sonho de todo produtor de pa- pel e celulose é colher plantas com um teor de lignina inferior ao normal, de 20% a 30% da massa da árvore. Níveis mais baixos de lignina simplificariam o processamento da madeira para obter celulose, açúcar formado por milhares de moléculas de um açúcar mais sim- ples, a glicose. Já para a indústria de móveis ou para a indústria siderúrgica interessam as árvores com teores de lig- nina mais elevados.

O controle da quantidade de ligni- na dependerá da habilidade dos pes- quisadores para controlar um ou mais genes identificados pelo biólogo Ricar- do Harakava, do Instituto Biológico de São Paulo. Harakava encontrou 13 ge- nes que regulam a produção de lignina, conhecidos anteriormente apenas em plantas herbáceas, como a Arabidopsis thaliana, e no álamo, árvore de até 35 metros de altura, principal fonte de ce- lulose nos países do hemisfério Norte. A comparação do nível de atividade desses genes nas diferentes espécies de eucalipto - são cerca de 700 - pode re-

Uma das metas: controlar genes ativos nas folhas para aumentar a defesa contra fungos e insetos

velar um padrão de funcionamento tí- pico das árvores com baixa produção de lignina, funcionando assim como marcadores biológicos dessa caracte- rística. "Com o auxílio de marcadores biológicos é possível fazer a seleção precoce de plantas com baixo teor de lignina", exemplifica Harakava. Outra possibilidade: reduzir a atividade des- ses genes por meio de técnicas de trans- genia, ainda em fase experimental no caso do eucalipto.

Antibióticos naturais - Também se pretende desenvolver eucaliptos mais resistentes a doenças. Nas regiões mais quentes e úmidas do Brasil, uma eleva- da variedade de patógenos ataca espe- cialmente as plantas jovens e impedem seu crescimento. Espécies como a Euca- liyptus urophylla, bastante usada por crescer rapidamente e atingir a idade reprodutiva em apenas cinco anos, são muito suscetíveis a fungos que digerem a madeira, danificam as folhas ou cau- sam o apodrecimento das raízes. Anali- sando os dados do Genoma Eucalipto, a equipe da geneticista Ana Maria Ben- ko-Iseppon, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), localizou 210 genes capazes de ajudar a resolver es- ses problemas. "É um número bastante elevado, uma vez que o material genéti- co foi extraído de plantas saudáveis", diz Ana Maria. "Esse resultado sugere que pode haver um número ainda maior de genes de resistência no eucalipto."

Esses 210 genes integram as cinco classes de genes de resistência (genes R) conhecidas em plantas e talvez haja até mesmo uma nova classe, a sexta, que ainda deve ser confirmada por meio de experimentos. Associados a diferentes mecanismos do sistema de defesa do eucalipto, desencadeiam sinais químicos

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que induzem um suicídio celular cole- tivo nos tecidos infectados ou estimulam a produção de compostos que atuam como antibióticos naturais e eliminam fungos, bactérias, vírus ou vermes.

Já o trabalho do geneticista Márcio Alves-Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pode auxiliar no desenvolvimento de variedades de eucalipto menos sensíveis à seca - a falta de chuva por mais de um mês é uma ameaça às plantações da região noroeste de São Paulo. A equipe do Rio encontrou 50 genes reguladores da fa- mília homeobox, que ligam ou desli- gam outros genes relacionados à tole- rância à falta d'água. "Se os experimentos derem certo, poderemos produzir varie- dades resistentes à seca usando genes do próprio eucalipto, e não de outras espécies", diz Alves-Ferreira. Seu traba- lho com os genes MADS-box, respon- sáveis pelo desenvolvimento da flor, pode impedir a produção de grãos de pólen e a contaminação de plantas nor- mais com o material genético de varie- dades transgênicas.

Interruptor genético - O grupo do biólogo Marcelo Menossi, da Univer- sidade Estadual de Campinas (Uni- camp), identificou dito genes muito ativos em quase todos os tecidos do eucalipto. São genes como o que con- tém a receita da catalase, enzima antio- xidante que protege as células de danos causadosf por radicais livres, e o respon- sável pela produção da proteína HSP (heat shock protein), que evita danos celulares provocados pelo aumento da temperatura do ambiente. Outros 13 genes distinguem-se dos demais por funcionarem em um único tecido.

Para as pesquisas avançarem, é essencial conhecer o tecido em que os genes atuam. Cada gene contém um trecho inicial chamado região promo- tora ou reguladora que atua como um interruptor genético, controlando on- de o gene vai funcionar ou se desligar. Desse modo, um gene que coordena a produção das pétalas das flores duran- te o período reprodutivo vai se mani- festar somente nos tecidos florais - e permanecerá inativo na raiz e no caule

- porque sua região promotora torna- se ativa somente nas células da flor.

Caso se deseje proteger o eucalipto de insetos que atacam as folhas, é pos- sível associar um gene que produz uma toxina contra o inseto a uma região promotora de um gene ativo apenas em folhas. Já se a meta for gerar uma variedade resistente a fungos que ata- cam todos os tecidos, será necessário associar um gene contra o fungo a um promotor ativo em todos os órgãos da planta. Foi justamente a região promo- tora de seis desses genes - dois especí- ficos da folha, um da raiz, um de botão floral e outro de botão floral e fruto, além de um gene ativo em todos os te- cidos - que Ivan de Godoy Maia obteve em seu laboratório na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botu- catu, e prepara agora para inserir em plantas de tabaco. Se der certo, os pes- quisadores terão à disposição seqüên- cias promotoras identificadas no Brasil e não precisarão pagar royalties pelo uso de trechos promotores já patentea- dos no exterior. •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 49

Page 50: O décimo planeta

O CIÊNCIA

BOTÂNICA

Rigor sensi ade

CARLOS FIORAVANTI

.

inda que indiretamente, a versão ele- W trônica da obra de referência sobre as

^W plantas do Brasil, apresentada oficial- mente neste 8 de março, nasceu por-

^^S que um dos imperadores da Áustria, ■ B Francisco I, gostava de botânica e, em ■ H especial, das florestas tropicais. As ma-

tas desse lado do Atlântico sempre fas- cinaram os europeus, com suas árvores grossas, finas, altas e baixas misturadas entre si, com os galhos se entrelaçando - eram exageradas, misteriosas e variadas, tão diferentes das matas relativamente uniformes e bem-comportadas que es- tavam acostumados a ver.

Em 1817, Francisco I conciliou seu interesse pelas plan- tas com a possibilidade de ampliar a influência política de seu reino. Para acompanhar sua filha de 20 anos - a arquiduque- sa Maria Leopoldina, fluente em seis línguas e igualmente apreciadora das ciências naturais - que seria enviada ao Bra- sil para casar-se com o futuro imperador Pedro I, o monar- ca austríaco reuniu os representantes da elite científica euro- péia. Formavam a Missão Austríaca, criada com o propósito de estudar as plantas e os animais das florestas tropicais, sím- bolos do paraíso perdido.

A filha do imperador, que teria um papel importante na independência do Brasil, chegou ao Rio em novembro de 1817. Casou-se e teve sete filhos antes de morrer em conse- qüência de um parto em 1826, aos 29 anos. Em julho de 1817 havia chegado uma parte da Missão Austríaca, que logo se pôs em campo. Durante três anos o botânico Carl Frie- drich Philipp von Martius e os zoólogos Johann Baptiste von Spix e Johann Natterer, acompanhados por desenhistas e as- sistentes, percorreram 10 mil quilômetros de Mata Atlântica,

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Vegetação dos arredores da cidade

do Rio de Janeiro (ao fundo o aqueduto),

desenhada por Benjamin Mary

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Versão eletrônica da Flora brasiliensis amplia o acesso ao conhecimento sobre as plantas do Brasil

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As raízes da botânica no Brasil

Bignonia exoleta Jacaranda decurrens Tabebuia obtusifolia

Cerrado, Caatinga e Floresta Amazôni- ca, atentos a tudo o que encontravam de diferente. Anos depois, a partir das amostras de plantas e das impressões colhidas por Von Martius, nasceria a Flora brasiliensis, uma obra em 40 volu- mes que se tornou uma referência so- bre as plantas do Brasil e agora pode ser consultada também pela internet, por meio do Flora brasiliensis on-line.

A versão eletrônica da obra de Von Martius reúne em uma página na inter- net (www.florabrasiliensis.cria.org.br) um banco de dados dos nomes das espécies identificadas na Flora e as ima- gens de 3.811 pranchas com os dese- nhos de folhas, frutos e flores. As ilus- trações podem ser consultadas a partir do nome científico de cada espécie ou do volume ou da página da obra origi- nal em que foi descrita. Com essa base de dados, financiada pela FAPESP, pe- la Fundação Vitae e pela Natura Cos- méticos, os botânicos do Brasil e de ou- tros países poderão ganhar tempo na identificação de plantas, que nos casos mais difíceis atualmente consome anos de trabalho, e no estudo da situação de uma espécie. Volker Bittrich, botânico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que participa desse projeto, enquanto preparava dados para a Flora

on-line encontrou um único registro da Sciaphila caudata, realizado pelo fran- cês Auguste-Francois-Marie Glaziou no Rio de Janeiro por volta de 1870. Como nunca mais foi coletada, essa espécie de flores minúsculas pode ter sido extinta - e a ilustração da Flora brasiliensis é prati- camente a única pista para os botânicos que desejam reencontrar essa planta. Já o público em geral, especial- mente professores, estudan- tes e artistas, pode usufruir de um acervo de belíssimas imagens, antes guardadas em não mais de dez bibliotecas brasileiras.

"A Missão Austríaca foi um dos primeiros esforços de conhecer cientificamente a natureza brasileira", comenta Vanderlei Perez Canhos, dire- tor do Centro de Referência em Infor- mação Ambiental (Cria), responsável pelo desenvolvimento dessa base de dados de acesso livre. A monumental obra de Von Martius representa não só o único levantamento completo feito até agora sobre as plantas do Brasil, mas também um olhar panorâmico, integrado e de rara erudição sobre a própria paisagem do país. Em um fas-

cículo do primeiro volume publicado postumamente, em 1906, Von Martius enriquece com citações de Platão, Goe- the e Sócrates as descrições, por si sós já refinadas, do Cerrado, da Caatinga e das florestas Atlântica e Amazônica.

on Martius era extremamen- te culto e mostrava muita preocupação com as formas de vida e a cultura dos nati- vos, algo bastante incomum para a época", comenta o bo- tânico George Shepherd, pro- fessor da Unicamp e um dos coordenadores desse projeto. Algumas partes do primeiro volume, com as descrições de plantas, saíram em 1840, 20

anos depois de Von Martius ter regres- sado à Europa. Ele próprio editou os primeiros volumes, até morrer, em 1868. Outros editores assumiram o tra- balho que só terminaria 38 anos de- pois, em 1906, com a publicação de partes dos volumes 3 e 1. Os volumes, partes e fascículos da Flora saíam à me- dida que ficavam prontos, sem uma se- qüência lógica.

Pôr a Flora on-line no ar foi só o co- meço. Em paralelo corre a atualização dos nomes científicos das plantas, a car-

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Cuspidaria erubescens Tribouchina arbórea Tribouchina axillaris

go de uma equipe coordenada por She- pherd, da Unicamp. Segundo ele, como houve grandes mudanças na classifica- ção de muitas espécies desde que a obra foi publicada, talvez seja preciso acertar mais da metade dos 22.767 nomes de espécies descritas - aquela planta que ninguém viu mais, a Sciaphila caudata, é agora chamada de Peltophyllum cau- datum. "O próprio conceito de espécie mudou", diz o botânico da Unicamp. Há casos em que uma espécie descrita na Flora foi desdobrada em duas ou três - ou o contrário. Na versão quase completa da Flora brasiliensis que a Bi- blioteca Nacional da França colocou na internet em 1995 constam só os nomes criados por Von Martius ou por sua equipe, que reuniu 65 botânicos de vá- rios países.

A versão eletrônica é igualmente um trabalho coletivo e não corre só no Brasil. Um dos responsáveis pela idéia inicial foi Paul Berry, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, que se mantém como um dos colaboradores. Já participaram pesquisadores dos jar- dins botânicos de Missouri, Estados Unidos, ou de Munique, Alemanha, e a próxima etapa contará com botâ- nicos da Universidade de São Paulo (USP), como Lúcia Lohmann e José

Rubens Pirani, da Universidade Esta- dual de Londrina (UEL), como Ana Odete Vieira, e da Unicamp, como In- grid Koch e Luiza Kinoshita, além de Daniela Zappi, do Jardim Botânico de Kew, Inglaterra.

Nos bastidores não há só botânicos. Em um dos computadores do Cria, o matemático Sidnei Souza, depois de ter dado forma à Flora on-line, está estru- turando o sistema internacional de classificação das plantas atualmente aceito. "Serão dois bancos de dados in- dependentes mas interligados", diz ele. Sua meta é que o usuário passe de um

O PROJETO

Flora brasiliensis: desenvolvimento de um protótipo

MODALIDADE Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa

COORDENADOR GEORGE JOHN SHEPHERD - Unicamp

INVESTIMENTO R$ 119.895,55 (FAPESP) R$121.000,00 (Fundação Vitae) R$ 185.000,00 (Natura)

para outro sem perceber e chegue à planta que procura, não importando se está partindo de um nome científico antigo ou novo. Conhecido pela sigla APG, de Angiosperm Phylogeny Group ou Grupo de Filogenia das Angiosper- mas (plantas com flores), esse novo sis- tema de classificação define os princi- pais grupos de plantas por meio das semelhanças no DNA, além das carac- terísticas externas de suas folhas, frutos e flores. O APG está provocando uma revolução silenciosa na botânica, por- que há casos de mudanças radicais - e uma família de plantas pode abrir-se em outras quatro ou cinco. A atualiza- ção dos nomes científicos, alegam os especialistas, é essencial para que a Flo- ra on-line possa servir de base para a in- tegração com os levantamentos florísti- cos em andamento no Brasil - e assim talvez se saiba, finalmente, o número de espécies de plantas do país. As 22.767 espécies descritas por Von Martius e por sua equipe representam o conjunto de plantas conhecidas até meados do século 19, mas se acredita que o total de espécies de plantas do Brasil possa ser de pelo menos o dobro e chegar a 50 mil, de acordo com as estimativas de Shepherd, enquanto outros cálculos variam de 35 mil a 70 mil. •

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QCIÊNCIA

orno se nao supor- tasse a saudade, o marido octogenário morre semanas de- pois que a mulher com quem convive- ra três quartos de sua vida ficou doen-

te, foi internada e morreu. Não é só um episódio de uma família ou outra, mas uma situação comum, de acordo com um estudo feito com 518.240 casais norte-americanos com idade entre 65 e 98 anos, acompanhados durante nove anos. É o efeito do luto.

Nesse levantamento, Nicholas Chris- takis, médico e sociólogo da Universi- dade Harvard, e o sociólogo Paul Alli- son, da Universidade da Pensilvânia, verificaram que é 21% maior a proba- bilidade de o homem também morrer depois que sua companheira se foi, não importando se ela estava doente ou não. Entre as mulheres, aumenta ape- nas em 17% o risco de também partir depois do marido. Só a hospitalização de um dos idosos do casal já é o bastan- te para elevar o risco de o outro morrer - também nesse caso, os homens res- pondem mais intensamente (risco de morrer 4,5% maior) que as mulheres (risco 2,7% maior).

Enfim, a liberdade - Ao menos no Bra- sil essa diferença poderia ser explicada porque homens e mulheres enfrentam a viuvez cada um a seu modo. Para os homens, a morte da esposa é o mo- mento mais triste da vida, enquanto para as mulheres a perda do marido representa, com freqüência, o fim da opressão da vida conjugai e a conquis- ta da autonomia, de acordo com os estudos realizados pela antropóloga Guita Grin Debert, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O quadro observado por Christakis e Allison não é tão simples assim, já que a possibilidade de perder a saúde varia de acordo com a doença que motivou a hospitalização ou a morte do parceiro. A internação do homem ou de sua companheira por causa de um câncer de intestino praticamente não afeta a

MEDICINA

Unidos até na morte Estudo com 520 mil casais mostra quão intenso pode ser o impacto da doença ou da morte de um cônjuge

RICARDO ZORZETTO

ILUSTRAçãO LAURABEATRIZ

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saúde do outro. Se o motivo da hospita- lização era insuficiência cardíaca, fratu- ra de quadril ou uma doença pulmonar crônica como o enfisema, a probabili- dade de morte do companheiro aumen- tava de 11% a 15%.

Mas foram as doenças mentais que mais prejudicaram o bem-estar dos cônjuges. A internação da esposa por um distúrbio psiquiátrico a exemplo da esquizofrenia ou por causa de demên- cia, a perda progressiva da memória e da capacidade de julgamento, elevou o risco de morte do parceiro em até 32%. "Doenças que provocam sofrimento crônico e mudanças drásticas no grau de dependência de um dos cônjuges acabam afetando a saúde e a sobrevida do outro", comenta o geriatra Luiz Ro- berto Ramos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena um estudo que acompanha desde 1991

a saúde dos idosos na capital paulista- na, o projeto Epidoso.

Maior fragilidade - Desse estudo, pu- blicado no New England Journal of Medicine, emergem também algumas informações que indicam aos familia- res e médicos os momentos em que deveriam dar mais atenção aos recém- viúvos. O período mais crítico é o pri- meiro mês após a morte ou hospita- lização do companheiro, quando o risco de o outro também morrer pode ser 61% maior. "Esse risco permane- ceu elevado por até dois anos", obser- va Christakis.

Segundo ele, a razão desse aumento é que tanto a doença como a morte do cônjuge impõem ao outro um elevado nível de estresse ou a perda de apoio social, emocional e mesmo econômico. Outra possível causa é a adoção de há-

bitos nocivos, como o consumo exage- rado de álcool.

"Ainda não sabemos de que modo as redes sociais afetam a saúde", comen- ta Richard Suzman, diretor de pesqui- sas sociais e comportamentais do Insti- tuto Nacional do Envelhecimento, um dos centros de pesquisa dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, que financiou a pesquisa. "Pre- cisamos investigar os mecanismos por trás do estresse associado a essas hospi- talizações enquanto procuramos for- mas de proteger as pessoas quando suas relações sociais se rompem." O certo é que depois de compartilhar a vida com um companheiro durante anos tanto o homem como a mulher sofrem o im- pacto da solidão. No projeto Epidoso, a equipe de Luiz Ramos constatou que o casamento funciona como um fator protetor da saúde. •

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©CIÊNCIA

VIROLOGIA

Os truques doHIV Formas recombinantes do vírus complicam a epidemia de Aids no Brasil

FRANCISCO BICUDO

ILUSTRAçãO HéLIO DE ALMEIDA

ftela do computador exibe uma imagem com retângulos azuis e verdes de tamanhos diferentes: é a recons- tituição de um vírus da Aids. Após apre- sentar a figura, o vi-

rologista Ricardo Sobhie Diaz, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), chama a atenção para as duas cores, usadas para identificar partes - ou melhor, informações genéticas - de dois subtipos do HIV. Essa mistura é uma característica especial desse vírus colo- rido: trata-se de uma variedade com po- tencial epidêmico, que foi capaz de su- perar as barreiras de seleção e pode ser transmitido de uma pessoa para outra. Chamada de circulante recombinante (CRF, na sigla em inglês), essa nova va- riação do HIV foi identificada pela pri- meira vez no Brasil e já preocupa os es- pecialistas. "A epidemia de Aids está se tornando geneticamente muito com- plexa", observa Diaz, um dos autores de um estudo publicado na revista Aids Research and Human Retroviruses com

esses resultados. "Precisamos repensar algumas estratégias de combate à doen- ça e ficar atentos à sensibilidade dos testes diagnósticos, à atividade de anti- retrovirais ante essas cepas genetica- mente diferentes e à escolha de compo- nentes que deverão ser usados em testes de vacinas."

Encontro de vírus - A identificação de formas recombinantes do vírus ten- de a dificultar o controle da epidemia de Aids. No Brasil, dados do Ministério da Saúde revelam que, de 1980 até junho de 2005, haviam sido notificados cerca de 372 mil casos de Aids - mais de 80% deles concentrados nas regiões Sul e Sudeste. No mundo inteiro, de acordo com a Unaids, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2005 havia 40,3 milhões de adultos e crianças infectados com o HIV; desse total, 4,9 milhões, cerca de 10%, haviam sido con- taminados no ano passado. A África ne- gra abriga 25,8 milhões de vítimas da doença - quase 65% do total.

Variações do HIV já são conhecidas há pelo menos 15 anos. Atualmente, além

de dois tipos (HIV 1 e 2), existem nove subtipos do vírus, identificados por A, B, C, E, F, G, H, J e K. Todos agem des- truindo o sistema imunológico da pes- soa infectada, e os sintomas e proble- mas que provocam, como as infecções oportunistas, também são os mesmos. A diferença fundamental é que as varia- ções são formadas por seqüências de genes distintas. Por essa razão, os subti- pos podem ser mais ou menos agressi- vos, ter maior ou menor capacidade de resistência aos medicamentos anti-re- trovirais, replicar-se rapidamente ou de maneira mais lenta, além de atingir grupos sociais (usuários de drogas e hete- rossexuais, por exemplo) e regiões dife- rentes (na cidade de Santos, no litoral paulista, os mais comuns são o B e o F; no Sul do país o que mais aparece é o C, o mais freqüente na epidemia mundial). "Essas diferenças biológicas podem oferecer vantagens a alguns subgrupos em detrimento de outros", explica Diaz.

Quando as informações genéticas de dois subtipos se misturam, surge um microorganismo que pode ser classifi- cado de híbrido, com seqüências de ge-

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nes de dois originais distintos. Por isso é chamado de recombinante. Esse mix genético nasce em geral em células de pessoas com comportamentos de risco, com a infecção dupla - em no máximo três semanas, depois de serem contami- nadas com o primeiro vírus, acabam contraindo um segundo, de grupo dife- rente. Quando começam a se reprodu- zir e a se multiplicar, os dois tipos aca- bam se encontrando.

Nem sempre, porém, essa variação tem o potencial de transmissão. O ce- nário se agrava quando o recombinan- te se expande em um grupo da popula- ção e ganha o status de circulante - ou epidêmico. "Essa é uma das exigências para classificação. Ele deve ser encon- trado em pelo menos três indivíduos, não relacionados", afirma Luiz Mario Janini, também autor do trabalho. "Não podem ser considerados, por exemplo, parceiros sexuais ou mãe e fi- lho." Já haviam sido descritos 27 subti- pos de recombinantes circulantes até o início deste ano no mundo. Os brasilei- ros identificaram mais dois, resultados do encontro dos subtipos B e F, classifi-

cados como CRF28_BF e CRF29_BF (os números indicam a ordem da des- coberta; as letras depois do traço, os subtipos que reúnem). Embora os dois sejam muito parecidos, o 29 tem uma seqüência maior do subgrupo F.

Tratamentos mais difíceis - A iden- tificação dos CRFs no Brasil faz acen- der o sinal de alerta. Suas possíveis con- seqüências, embora ainda colocadas no plano das especulações, não são anima- doras. A mistura B e F brasileira foi en- contrada em amostras de sangue cole- tadas na cidade de Santos, onde outros trabalhos feitos pela equipe da Unifesp identificaram uma resistência primária - anterior ao tratamento com anti-re- trovirais - de 36%, o maior índice regis- trado no mundo. Em estudos publi- cados em 2000 e em 2005, o grupo já tinha demonstrado que, graças a uma mutação, o subtipo F, o mais freqüente na cidade litorânea, torna-se mais resis- tente aos medicamentos.

"A partir desse conjunto de fatores, é possível imaginar que os remédios possam ter selecionado o vírus do sub-

tipo F, predominante no município de Santos, que assim pôde sobressair e sobreviver entre os outros", afirma Diaz. Os subtipos B e F não apresen- tam as mesmas respostas ao tratamen- to e são resistentes a diferentes anti-re- trovirais. Em tese, o recombinante somaria essas duas vantagens e estaria livre dos efeitos de um arsenal maior de remédios. Essa é uma das possibi- lidades que Diaz pretende testar em laboratório, além de avaliar se o re- combinante pode se replicar mais ra- pidamente e se as infecções que provo- ca seriam mais agressivas.

"A epidemia brasileira passa a ter pelo menos cinco vírus que circulam, os subtipos B, C e F, antigos conheci- dos, além dos dois novos recombinan- tes", reforça Janini. A diversidade gené- tica cada vez maior representa um novo perfil da doença e pôde ser um impe- dimento para os atuais tratamentos e principalmente para a elaboração de uma vacina. Embora os impactos mais precisos desse novo cenário no Brasil ainda não sejam conhecidos, é possível trabalhar com algumas analogias. No início da epidemia mundial, o principal subtipo do HIV encontrado no Sudes- te Asiático era o B, que atacava majori- tariamente usuários de droga.

Em meados dos anos 1990 foi de- tectado naquela região o recombinante circulante EA - o primeiro do mundo a ser descrito -, infectando heterossexuais. Graças a vantagens biológicas e de adap- tação e por já ter superado processos de seleção mais rigorosos, o EA acabou varrendo o grupo B, que atualmente quase não é encontrado por lá. Já o re- combinante AG, mais fraco, perdeu a disputa, na África, para o subtipo C. "Os recombinantes podem até não pre- valecer, mas o fato de aparecerem com freqüência cada vez maior assusta", in- siste Janine. "Involuntariamente, es- tamos criando condições para o HIV ampliar sua diversidade genética." •

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Biblioteca de

Revistas Científicas

disponível na internet www.scielo.org

Nos dias de 7 a 10 de fevereiro, Fabiana Montanari e Roberta Takenaka, da Unidade SciELO, estiveram em Ribeirão Preto (SP) para dar suporte técnico às equipes dos periódicos Brazilian Journal of Medicai and BiológicaI Research e Genetics and Molecular Biology, que estão realizando os testes no Sistema SciELO de Publicação. Baseado no princípio de código aberto Open Journal Systems (OJS), esse sistema cobre todo o processo de publicação de periódicos científicos, desde a submissão de manuscritos até a publicação na coleção SciELO, incluindo a geração de indicadores de uso e impacto e a criação de links com fontes de informação nacionais e internacionais. Além dos dois periódicos de Ribeirão Preto, estão capacitadas para executar os testes com a versão piloto do sistema as equipes de Clinics e da Revista Brasileira de Psiquiatria.

Agricultura

Soja de boa qualidade

O Estado do Pa- raná cultivou, na safra de 2002/03, uma área de mais de 3,4 milhões de hectares de soja, com mercado esti- mado em mais de 200 mil toneladas de sementes. "Para que a oferta de sementes atenda às necessidades do mercado, é fundamental um planejamento de produção ajustado à demanda", explica o artigo "Uso de sementes de soja no Estado do Para- ná". "Uma informação indispensável é a taxa de utilização de sementes comerciais por parte do agricultor, assim como a avaliação da qualida- de da semente fornecida pelas empresas", apon- ta o estudo. Além dos aspectos de qualidade e da origem da semente utilizada, diversos ou- tros fatores que interferem no estabelecimento da lavoura devem também ser avaliados para um melhor embasamento das projeções de mercado. Por conta disso, o artigo de Ivo Mar- cos Carraro e Silmar Teichert Peske, da Univer- sidade Federal de Pelotas, teve como objetivos determinar a taxa de utilização de sementes, avaliar a qualidade empregada pelo agricultor, verificar a participação por cultivar e determi- nar a freqüência de uso de diferentes práticas agronômicas no momento da semeadura de soja no Estado do Paraná.

REVISTA BRASILEIRA DE SEMENTES - VOL. 27 - N° 2 - PELOTAS - DEZ. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

31222005000200011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Saúde

Dilemas do tabaco

Apesar de todo o conhecimento científico acumulado sobre o tabagismo como fator de risco de doenças graves e fatais, seu uso aumen- ta globalmente. É o que mostra "O controle do

tabagismo no Brasil: avanços e desafios", de Tâ- nia Maria Cavalcante, chefe da Divisão de Con- trole do Tabagismo e Outros Fatores de Ris- co de Câncer do Instituto Nacional do Câncer. "Embora o consumo de tabaco venha caindo na maioria dos países desenvolvidos, o consu- mo global aumentou cerca de 50% durante o período de 1975 a 1996, à custa do crescimen- to do consumo em países em desenvolvimen- to", aponta ela. Nesse período, o consumo cres- ceu 8% na China, 6,8% na Indonésia, 5,5% na Síria e 4,7% em Bangladesh. Atualmente, o to- tal de fumantes no mundo é de cerca de 1,1 bilhão de pessoas, dos quais 800 milhões em países em desenvolvimento. O resultado são os atuais 5 milhões de mortes, dos quais 50% ocorrem em países em desenvolvimento. A au- tora afirma que a ausência de medidas abran- gentes para controle do tabagismo nesses países torna-os vulneráveis às agressivas estratégias de marketing das companhias de tabaco. O consu- mo nas nações desenvolvidas deve seguir uma tendência de redução até o final do século, ao passo que nos países em desenvolvimento o consumo pode aumentar em 3% ao ano. "Mas, mesmo sendo o segundo maior produtor mun- dial de tabaco e o maior exportador em folhas, o Brasil tem conseguido escapar dessa tendên- cia", diz Tânia.

REVISTA DE PSIQUIATRIA CLíNICA - VOL. 32 - N° 5 - SãO PAULO - SET./OUT. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

60832005000500006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Desnutrição

Alterações oftalmológicas

A situação ocular de crianças que tiveram desnutrição energético-protéica durante os primeiros anos de vida dá suporte ao conceito de que esse fenômeno, ocorrendo precocemen- te, interfere na saúde visual dos indivíduos. Essa é a principal conclusão do estudo "Mani- festações oculares em pacientes que tiveram desnutrição nos primeiros seis meses de vida", de Alessandra Pereira Dantas e Daena Leal, da Fundação Altino Ventura, em Recife, e Carlos

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Teixeira Brandt, da Universidade Federal de Pernam- buco. Foram analisados olhos de 91 crianças entre 2 e 11 anos que tiveram desnutrição grave durante os pri- meiros seis meses de vida. O estudo teve como grupo de controle 88 crianças, selecionadas aleatoriamente. Foi observado no primei- ro grupo, de forma signifi- cante, maior freqüência de crianças com sérias alte- rações oftalmológicas. "A desnutrição energético- protéica constitui-se num dos principais problemas de saúde coletiva em esca- la mundial, por sua magnitude, conseqüências bioló- gicas e danos sociais", alertam os pesquisadores. No Nordeste do Brasil, por exemplo, as formas graves de desnutrição chegam a atingir 24% das crianças meno- res de 5 anos. De acordo com o artigo, a desnutrição que ocorre no período pós-natal pode ocasionar lesões cerebrais permanentes, responsáveis pelo retardo do desenvolvimento neuropsicomotor das crianças des- nutridas, o qual pode ser reversível se a recuperação da desnutrição se fizer em condições favoráveis. "A visão desenvolve-se principalmente nos seis primeiros anos. A sua plasticidade sensorial é maior nos dois primei- ros anos, isto é, até esta idade qualquer obstáculo ao desenvolvimento da visão causa diminuição rápida da acuidade visual, assim como o tratamento nesse perío- do promove pronta recuperação."

ARQUIVOS BRASILEIROS DE OFTALMOLOGIA

N° 6 - SãO PAULO - NOV./DEZ. 2005 VOL. 68 -

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-

27492005000600009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Educação

Pós no Norte e Nordeste

A história da implantação dos cursos de mestrado e doutorado nas regiões Norte e Nordeste, a partir dos anos de 1970, é descrita no artigo "A pós-graduação em educação no Norte e Nordeste: desafios, avanços e perspectivas", de Vicente de Paulo Carvalho Madeira e Betania Leite Ramalho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). "A pós-graduação em educação nas regiões Norte e Nordeste parece hoje ir- reversivelmente consolidada. Do Amazonas à Bahia encontram-se cursos e programas que têm crescido em quantidade e se desenvolvido em qualidade, como demonstrado nas avaliações oficiais, na crítica e na aceitação da comunidade", garantem os autores. "É uma marca visível no atual estágio dos programas das duas regiões, uma nova cultura acadêmico-científica." O artigo também relata a consolidação das duas re- giões nos programas de pós-graduação, entre 1980 e 1990, acompanhando os Planos Nacionais de Pós- Graduação, da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Ensino Superior (Capes). O que, nos anos de 1980, não havia sido possível estabelecer em termos de parcerias intra-regionais, dez anos após os progra- mas as duas regiões encontraram o caminho do traba- lho coletivo para sua realização. Mais adiante, um dos marcos importantes foi a histórica decisão em 1996, durante a 19a Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, de unir em um único fórum regional o Norte e o Nordeste, an- tes separados por critérios geopolíticos.

REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAçãO - N° 30 - Rio DE JA-

NEIRO - SET./DEZ. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S!413-

24782005000300006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Esporte

Musculação entre os sexos

O estudo "Comparação entre o desempenho motor de homens e mulheres em séries múltiplas de exercícios com pesos" verificou possíveis diferenças de desempe- nho físico entre os sexos em exercícios com intensida- des semelhantes. "A prática regular de exercícios tem atraído a atenção tanto de homens quanto de mulhe- res. Esse fato é plenamente justificável pelo avanço do conhecimento científico na área do treinamento com pesos", diz o estudo. Mas ainda existem muitas contro- vérsias envolvendo esse tipo de treinamento, uma vez que diferentes variáveis, como número de séries e re- petições, ordem de execução, velocidade dos exercí- cios, descanso entre as séries e freqüência semanal, po- dem proporcionar respostas bastante diferenciadas. Ao todo, 83 indivíduos, sendo 50 homens e 33 mulhe- res, 48 horas após serem submetidos a exercícios de su- pino em banco horizontal, agachamento e rosca direta de bíceps, executaram um protocolo composto por quatro séries até a exaustão. A idéia foi avaliar a capa- cidade de resistência à fadiga nos diferentes grupos musculares. Foi verificada uma queda significativa de desempenho, tanto nos homens quanto nas mulheres, da primeira à quarta série em todos os exercícios in- vestigados. Porém, embora a magnitude da fadiga te- nha sido maior nos homens, nos três exercícios, o efeito do sexo foi identificado somente no exercício rosca direta de bíceps. Os resultados indicaram que homens e mulheres apresentam comportamentos re- lativamente diferentes em séries múltiplas de exercí- cios com pesos. "As mulheres apresentam desempe- nho mais estável e maior capacidade de resistência à fadiga, sobretudo no exercício rosca direta de bíceps", aponta o artigo.

REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA DO ESPORTE - VOL. 11 - N° 5 - NITERóI SET./OUT. 2005

ww w.sc ielo.br/scielo. p h p?sc ript=sci_a rttext&pid=S1517-

86922005000500002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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O TECNOLOGIA

■ Leitura sensível na microscopia

A nanotecnologia ganha uma nova ferramenta para a evo- lução de suas pesquisas. É um microscópio capaz de captar imagens com maior sensibi- lidade que o microscópio de força atômica, AFM na sigla em inglês, usado atualmente em experimentos nanométri- cos (1 nanômetro é igual a 1 milímetro dividido por 1 mi- lhão). A novidade surgiu nos laboratórios do Instituto de Tecnologia Geórgia (Geórgia Tech), dos Estados Unidos, e teve o financiamento da Fun- dação Nacional de Ciência, NSF na sigla em inglês, e do

O mundo está gerando ca- da vez mais patentes, como mostram as estatísticas de 2005 divulgadas pela Or- ganização Mundial de Pro- priedade Intelectual, Wipo na sigla em inglês. Foram 134 mil pedidos dentro do sistema Tratado para Coo- peração de Patentes (PCT), que garante proteção in- ternacional por um perío- do de 30 meses, quando o solicitante pode analisar e colher melhores informa- ções sobre a possibilidade comercial de seu invento

em outros países. O total do ano passado é 9,4% su- perior ao de 2004. Chama a atenção o aumento de solicitações de PCT por parte dos países em desen- volvimento. Um crescimen- to de 20% liderado pela Coréia do Sul, com 4.747 solicitações. Em seguida vêm China, 2.452, índia, 648, Cingapura, 438, Áfri- ca do Sul, 336, Brasil, 283, e México, 136. Os países com maior número de PCTs são Estados Unidos, com 33,6% de todas as so-

licitações, Alemanha, Ja- pão, Grã-Bretanha e Fran- ça. Entre as empresas, a multinacional holandesa Philips é a primeira, segui- da pela Matsushita (Japão), Siemens (Alemanha), No- kia (Finlândia), Bosch (Ale- manha) e Intel (Estados Unidos). As principais em- presas solicitantes entre os países em desenvolvimento foram as coreanas Samsung e LG, seguidas pela Hua- wei, da China, e pelo Con- selho de Investigação Cien- tífica e Industrial (índia). •

Instituto Nacional da Saúde. Chamado de Force Sensing Integrated Readout and Acti- ve Tip (Firat), algo como for- ça integrada de leitura sensí- vel e ponta ativa, ele é cem vezes mais rápido que o AFM na captura de imagens, com a possibilidade também de fil-

mar os experimentos e deci- frar as características físicas da amostra. O novo instrumento possibilita medições de nano- estruturas com qualidade não oferecida pelo AFM em áreas como microeletrônica, além de propiciar imagens de en- saios moleculares. •

■ Tela transparente que emite luz

Quem passou pela "dura" decisão de escolher entre uma TV de plasma ou de LCD, sigla em inglês para tela de cristal líquido, vai se surpreender dentro de pou-

Captação de imagens com o Firat: várias características de um mesmo material

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SJWWíTOVVi*lL ■mWWifV*WPVm)W

cos anos com mais uma al- ternativa: a TV com tela Oled, sigla de Organic Light Emitting Diodes, ou diodos orgânicos emissores de luz. Já usados em celulares e to- cadores de MP3, o salto para a televisão está próximo. Os fabricantes de aparelhos tele- visivos estão finalizando essa nova alternativa. Enquanto isso, a tecnologia Oled está ganhando outros terrenos.

■ Caminhonete tricombustível

Uma caminhonete triflex, capaz de rodar com três com- bustíveis, no caso gasolina, etanol e hidrogênio, foi apre- sentada pela Ford, como veí- culo conceito, para teste de novas tecnologias e designs, e não necessariamente vai pa- ra a produção. Baseada no modelo F-250, a caminhone-

Pesquisadores do Instituto Fraunhofer de Pesquisa em Polímeros, de Potsdam, na Alemanha, tiveram sucesso na produção de uma tela Oled transparente. Assim elas podem emitir luz dos dois la- dos quando uma corrente elé- trica passa pelo polímero. Uma das funções investigadas pelos pesquisadores alemães é a construção de painéis lu- minosos e bem visíveis mes- mo de dia com novos efeitos e aplicações. •

te, segundo o fabricante, eco- nomiza, quando usa hidro- gênio, 12% de combustível em comparação ao mesmo motor a gasolina utilizado atualmente. Também com o hidrogênio, a caminhonete gera 99% menos dióxido de carbono (CO2) em relação ao motor a gasolina. O etanol usado no motor da F-250 é o E-85, composto por 85% desse combustível, principal- mente extraído do milho, e 15% de gasolina. •

Brasil

Variedade brasileira de feijão-branco

A IPR Garça estará disponível em 2007

Apreciado em saladas, sopas, no cassoulet, com carnes de forma semelhante a uma fei- joada, ou mesmo na tradicio- nal dobradinha, o feijão-bran- co deverá estar mais disponível nos supermercados e mercea- rias brasileiras. Em 2007, o Instituto Agronômico do Pa- raná (Iapar) lançará comer- cialmente sementes desse tipo de feijão que acabou de ser apresentado na cidade de Cascavel, no Paraná, durante o Show Rural, em fevereiro. Chamada de IPR Garça, a nova variedade foi desenvol- vida durante dez anos no ins- tituto por meio de melhora- mento genético tradicional. No Brasil são consumidas, em média, 25 mil toneladas de feijão-branco por ano. "Praticamente tudo vem da Argentina", diz o pesquisador Marco Antônio Lollato, res- ponsável pela produção de sementes da nova variedade. "Alguns agricultores impor- taram sementes, mas elas não

se adaptaram às nossas con- dições de clima e solo." A IPR Garça está indicada inicial- mente para os estados do Para- ná e do Rio Grande do Sul. •

■ Solicitação de propostas

Pesquisadores de todo o Bra- sil que tiverem interesse na aplicação de pesquisas em internet relacionadas a pro- dutos e serviços podem se inscrever no programa de re- quisição de propostas Mi- crosoft Live Labs: Accelera- ting Search in Academic Research 2006. O Live Labs reúne pesquisadores, enge- nheiros e designers com ex- periência em tecnologia da internet que pretendem in- teragir e apoiar comunida- des de pesquisa acadêmica e de inovação. Para mais deta- lhes: http://research.micro- soft.com/ur/us/fundin- gopps/RFPs/Search_2006 _RFP.aspx •

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Hortaliças para o Haiti ifocn O*

■ Acompanhante eletrônico

Avisar a hora do medicamen- to e fazer perguntas sobre o estado de saúde são duas das funções de um acompanhan- te eletrônico que dentro em breve poderá estar incorpo- rado por meio de um softwa- re a um telefone celular para ajudar idosos e enfermos. A novidade é da empresa pau- listana Vidatis, que desenvol- veu todo o sistema. O acom- panhante virtual informa a hora dos remédios e, de tem- pos em tempos, faz perguntas e solicita interação. Quando o usuário não responde por um período preestabelecido, o sistema entende que algo de ruim pode estar acontecen- do e envia automaticamen- te uma mensagem para um parente, um amigo ou um membro de uma equipe de atendimento de emergência. A Vidatis foi criada em 2004 para prestação de serviços na área de informática e siste- mas de saúde. Ela foi forma- da na incubadora de inova-

Verduras e legumes da Embrapa para a população haitiana

Não é apenas com solda- dos e carros blindados in- corporados à tropa de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) que o Bra- sil colabora para a melhora da situação institucional e social do Haiti. Agora é a vez de a Embrapa Hortaliças, uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-

ção da Fundação Aplicações de Tecnologias Críticas, que possui o nome comercial de Atech, uma organização de direito privado e sem fins lu- crativos criada em 1997 para integrar o Sistema de Vigilân- cia da Amazônia (Sivam). •

pecuária, dar apoio técni- co e aprimorar a produção de verduras e legumes na- quele país. Os objetivos são adaptar as variedades bra- sileiras desses vegetais às condições de produção do Haiti e diversificar a oferta de alimentos à população. A participação brasileira foi firmada com o Institu-

■ Mauá vence competição

A equipe Brazilian Business Strategy, formada por três alunos de engenharia quími- ca da Escola de Engenharia do Instituto Mauá de Tecno-

to Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina (Inta) durante visita de pes- quisadores argentinos às instalações e ao campo ex- perimental da Embrapa Hortaliças, em Brasília. O Inta atua em território hai- tiano na capacitação de pro- fissionais e na implantação de hortas comunitárias. •

logia (IMT), venceu a com- petição internacional L'Oreal Ingenius Contest 2006 reali- zada em Paris, na França. Eles ofereceram a melhor propos- ta para um projeto de uma unidade industrial de xampu, batom, máscaras e esmalte, do ponto de vista do diferen- cial tecnológico, inovação, criatividade e excelência da apresentação. No final da com- petição, realizada em janeiro em Paris, os brasileiros derro- taram as equipes da Alema- nha, China, Estados Unidos, França e México. Como prê- mio, ganharam um estágio de seis meses, em qualquer uni- dade da L'Oreal em todo o mundo, além de um troféu.

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Esse foi o primeiro ano de uma participação brasileira na competição. •

■ Controle operacional

Quatro usinas da Compa- nhia Energética de São Paulo (Cesp) - Jupiá, Ilha Solteira, Três Irmãos e Porto Primave- ra - vão utilizar um software desenvolvido pela empresa M&D - Monitoração e Diag- nose para acompanhar o de- sempenho operacional de geradores e turbinas. A ame- ricana Duke Energy, sócia na Usina de Capivara, em São Paulo, e a espanhola Endesa, que detém parte do patrimô- nio da Usina de Cachoeira Dourada, em Goiás, também adquiriram o novo sistema de monitoramento. Esses não são os primeiros clientes da M&D, empresa que cresceu na Incubadora de Empresas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apoiada pela Funda- ção Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A primeira versão do software de monitoramento e diag- nóstico já está em operação numa das unidades gerado- ras de energia elétrica da Usi- na de Sobradinho, na Região Nordeste. Enquanto os siste- mas tradicionais permitem o monitoramento de máquinas

a partir de dados sobre vibra- ção e variação de temperatu- ra, o sistema da M&D tam- bém leva em conta outras variáveis, como pressão, cor- rentes, tensões e vazões, que explicam o sucesso do novo sistema. •

■ Oleodutos sem vazamento

Vazamentos em tubulações de óleos e de gases, além de representar prejuízos econô-

micos, podem ser altamente contaminantes para o ambien- te. Esse problema que pode acontecer em uma empresa de processamento de petró- leo e de combustível ou mes- mo em uma indústria está agora mais fácil de ser com- batido com um programa de computador capaz de moni- torar oleodutos e gasodutos com elevada precisão a um custo cinco vezes menor em relação aos sistemas disponí- veis no mercado. O software

baseado em inteligência arti- ficial, capaz de tomar decisões como desligar equipamentos em caso de vazamento, foi desenvolvido pela equipe do professor Paulo Seleghim Jú- nior, da Escola de Engenha- ria de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP). Foram feitas 3 mil si- mulações de escoamento num oleoduto piloto e o índice de acerto foi de 100%. Agora os testes serão feitos em oleo- dutos reais. •

O avanço dos transqênicos S O plantio de alimentos 5 transgênicos avança na < agricultura brasileira. Em

2005 foram plantados 9,4 milhões de hectares, um aumento de 88% em rela- ção a 2004, constituindo-se no país que mais cresceu nesse segmento em todo o planeta. A soja tolerante a herbicidas continua na frente na preferência dos agricultores, contabilizan- do 60% da área plantada com transgênicos. Essas in- formações constam de um relatório sobre a situação mundial de organismos ge- neticamente modificados emitido pelo Serviço Inter- nacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotec- nológicas (Isaaa, na sigla em inglês) e divulgado pe- la entidade brasileira Asso-

ciação Nacional de Biosse- gurança (Anbio). A Isaaa tem o objetivo de dissemi- nar a biotecnologia agrícola principalmente em países pobres e em desenvolvi- mento e funciona em forma de rede com centros na Uni- versidade de Cornell, nos Estados Unidos, no Quê- nia, na África, e nas Filipi- nas, na Ásia. No relatório, o Brasil aparece em terceiro lugar em área plantada, atrás dos Estados Unidos e da Argentina. No mundo, o total de países que plan- tam transgênicos subiu de 17, em 2004, para 21 no ano passado. O crescimen- to mundial em hectares foi de 11%, sendo que um ter- ço é relativo a países em de- senvolvimento, como Chi- na, índia e África do Sul. •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 63

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Q TECNOLOGIA

ENGENHARIA BIOMEDICA

Detalhes preciosos

Sistema de processamento de imagens de mamografia detecta com mais precisão lesões cancerígenas e reduz número de biópsias

DlNORAH ERENO

na faixa etária entre 40 e 69 anos que se regis- tram mais casos de morte de mulheres brasileiras por câncer de mama, muitos dos quais descobertos apenas com a doença em es- tágio avançado. A detecção precoce, funda- mental para reverter estimativas que apon- tam 48.930 novos casos e 9.335 óbitos em

2006, passa pelo exame clínico e pela mamografia, feita normal- mente com um aparelho de raios X capaz de apontar lesões ini- ciais com potencial cancerígeno. Em muitos casos, para chegar a um diagnóstico mais preciso, é necessário recorrer à biópsia, que consiste na retirada de um fragmento de tecido suspeito para aná- lise. Em média, de cada oito biópsias realizadas, apenas uma é po- sitiva, ou seja, confirma as suspeitas iniciais do médico. Mas esse número de procedimentos desnecessários representa gastos extras para o serviço público da saúde. Para corrigir essa distorção foi desenvolvido na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) um novo sistema de processamento de imagens que melhora a quali- dade e a sensibilidade do diagnóstico.

"Com o sistema o médico é auxiliado na avaliação da radio- grafia, principalmente na identificação das microcalcificações, um dos indicadores de câncer de mama", diz a professora Annie Fran- ce Frère Slaets, coordenadora da pesquisa na UMC. Resultados preliminares de testes realizados no Hospital das Clínicas da Facul- dade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Pau- lo (USP) mostraram que os pesquisadores estão no caminho cer- to. "É possível reduzir em 25% o número de biópsias benignas, ou de oito para seis os resultados negativos, sem diminuição significa- tiva na taxa de detecção de casos malignos", diz o professor Paulo

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Mamografia com microcalcificações assinaladas

Mazzoncini de Azevedo Marques, do Centro de Ciências das Imagens e Físi- ca Médica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e um dos integrantes do grupo de pesquisa.

Resultados comparados - A avaliação do sistema de processamento de ima- gens no HC de Ribeirão Preto não in- terferiu na rotina médica do hospital- escola. Lá os exames de mamografia realizados passam inicialmente por um médico-residente para fazer um laudo, revisto por docentes radiologistas ou médicos contratados. Paralelamente, as mesmas imagens são levadas para o la- boratório de informática, onde são di- gitalizadas antes de serem avaliadas por um software que ainda não está no for- mato comercial. Os resultados do laudo médico são comparados com os emi- tidos pelo computador. "Estamos no processo de validação do sistema de processamento, um passo intermediá- rio para que possa ser aplicado na roti- na hospitalar", diz Marques.

As imagens trabalhadas até agora permitiram verificar que, com a aplica- ção do novo sistema de processamento, alguns procedimentos poderiam ter si- do evitados ou outros exames comple- mentares poderiam ter sido pedidos an-

tes da indicação de biópsia. Nos Estados Unidos, sistemas semelhantes aprovados pela agência norte-americana de contro- le de alimentos e medicamentos, a Food and Drug Administration (FDA), já fa- zem parte da rotina clínica. "Lá os médi- cos que trabalham com esses sistemas de apoio recebem do convênio um paga- mento adicional pelo uso", diz Marques.

Pesquisadores da Universidade de Chicago foram os pioneiros em estudos nessa área. Em 1998 eles lançaram, em parceria com a empresa R2 Technology, o primeiro sistema comercial de pro-

0 PROJETO

Auxílio ao Diagnóstico Computadorizado (CAD) na detecção de microcalcificações

MODALIDADE Linha Regular de Auxílio à Pesquisa

COORDENADORA ANNIE FRANCE FRERE SLAETS - Universidade de Mogi das Cruzes

INVESTIMENTO R$ 263.699,70 e US$ 74.289,61 (FAPESP)

cessamento de imagens de mamografia aprovado pelo FDA, chamado de Ima- geChecker. Posteriormente, outros dois programas semelhantes foram lançados nos Estados Unidos e um na Europa. O grande diferencial dos Estados Unidos é que a mamografia digital já está inse- rida na rotina das clínicas e dos hospi- tais. Isso facilita a utilização de sistemas de processamento de imagens, já que não há necessidade de adotar nenhum procedimento adicional, como a digita- lização de imagens.

Aqui a situação é bem diferente. Os poucos aparelhos digitais encontram- se em clínicas particulares. O sistema público de saúde e a maioria dos convê- nios trabalham com mamógrafos con- vencionais de raios X, semelhantes aos utilizados no começo da década de 1990, quando Annie France começou a se in- teressar pelo tema, que resultou em um projeto iniciado em 1997, financiado pela FAPESP.

Na época, ela dava aulas na Facul- dade de Engenharia Elétrica da USP de São Carlos, e o professor Kunio Doi, da Universidade de Chicago, esteve em São Carlos para falar das pesquisas que resultaram no primeiro sistema co- mercial de processamento de imagens de mamografia. Antes de se aposentar

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Imagem gerada em computador mostra detalhes da mama

na USP em 1998, Annie France reuniu um grupo de pesquisadores interessa- dos na mesma área. Hoje muitos estão espalhados em locais diferentes e dis- tantes entre si como Mogi das Cruzes, Ribeirão Preto, Sorocaba, Ca- nadá e Japão, mas ainda traba- lham no aperfeiçoamento do sistema de processamento de imagens de mamografia.

Nesse tipo de exame, o ta- manho da mama influencia no resultado da imagem. "Quanto maior, mais ruído na imagem", diz o engenheiro biomédico Henrique Jesus Quintino de Oliveira, participante do grupo de pesquisa. Isso ocorre porque os raios X se desviam ao atravessar o te- cido mamário, o que resulta na defor- mação da imagem. O efeito, chamado de espalhamento, pode chegar a 30% da radiação e interfere na qualidade da imagem do filme que vai ser analisado. Para chegar ao sistema que será trans- formado em um software comercial, foi necessário desenvolver um sistema de simulação computacional da mama e suas imagens. As simulações permitem que todos os parâmetros que con- tribuem para a formação da imagem sejam controlados e avaliados indivi-

dualmente, o que não é possível com imagens reais. Uma dessas simulações tem como objetivo avaliar qual a técni- ca de exposição ideal para detectar mi- crocalcificações.

s análises envolveram todas as condições da mama, como es- pessura, proporção de gordura e tecidos glandulares, além das condições técnicas dos equipa- mentos de raios X, do filtro que vai ser usado e do tempo de exposição.

O resultado é um programa que analisa detalhes da radio- grafia digitalizada e age como um interlocutor do médico.

"Ele alerta sobre possíveis detalhes que não foram detectados na análise visual", diz Annie France. Na prática, funciona como uma segunda opinião médica, re- comendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a avaliação de ma- mografias. No Brasil são mais de 40 mi- lhões de mulheres que se encontram na faixa etária indicada para a mamografia, um mercado potencial para a dissemina- ção desse novo sistema. Para a população feminina abaixo dos 30 anos, o exame mais indicado é a ultra-sonografia, por- que nessa fase a mulher tem mais tecidos

glandulares, difíceis de serem visualiza- dos com os raios X porque não propor- cionam muito contraste.

Embora a pesquisa tenha começado com o objetivo de melhorar a sensibi- lidade das imagens obtidas pelos apare- lhos de raios X que utilizam filmes, o sistema desenvolvido também pode ser utilizado nos equipamentos de mamo- grafia digitais. Como o sinal já está di- gitalizado, basta usar o software no apa- relho digital. Todo o processo torna-se mais simples ainda, e os diagnósticos mais precisos. Com isso, é possível a di- minuição no número de biópsias des- necessárias, sem contar que as lesões podem ser diagnosticadas mais preco- cemente, possibilitando às pacientes ini- ciarem o tratamento mais cedo.

A diminuição no número de bióp- sias negativas obtidas nos testes realiza- dos no Hospital das Clínicas de Pdbeirão Preto, que chegou à proporção de um ca- so positivo para cada seis procedimentos realizados, ainda não é a ideal, já que o preconizado sob o ponto de vista de ga- rantia de saúde da paciente e custo do serviço é uma biópsia positiva para cada quatro realizadas. Mas o novo sistema já avançou bastante e tudo indica que deve chegar, com mais alguns acertos, a uma relação próxima da ideal. •

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Page 68: O décimo planeta

TECNOLOGIA

GEOLOGIA

Olhar penetrante MARCOS DE OLIVEIRA

. exploração de miné- HB rios preciosos sem-

pre foi uma ativi- ■ ■ dade que dependeu B^B muito do esforço fí- ■ B sico de antigos ex- ■ B ploradores e, mais

recentemente, de ge- ólogos munidos de martelo para reco- lher amostras de rochas. Uma situação que começa a mudar e a incorporar o que há de mais avançado em tecnologia. O uso de satélites e as técnicas de pro- cessamento digital de imagens são al- gumas dessas novas ferramentas, como mostra o trabalho desenvolvido no Ins- tituto de Geociências (IG) da Universi- dade Estadual de Campinas (Unicamp). Por meio de imagens de dois satélites, o Landsat e o Terra, ambos lançados pela agência espacial norte-americana (Nasa), a equipe coordenada pelo professor Álvaro Penteado Crósta desenvolveu

um método de sensoriamento remoto aplicado à exploração mineral que iden- tifica locais favoráveis à ocorrência de minérios importantes comercialmen- te, como ouro, prata e cobre.

"A vantagem do novo método é de- limitar preliminarmente as áreas favo- ráveis às ocorrências minerais, sem a necessidade de um conhecimento de- talhado da geologia da região, que na maioria das vezes não existe, a um cus- to muito menor e em prazos bem mais reduzidos", diz Crósta. É uma forma de não precisar percorrer grandes áreas observando e coletando manualmente amostras de rochas, uma tarefa dispen- diosa e demorada.

O novo método utiliza imagens de satélites obtidas nos espectros visível, como uma fotografia, e infravermelho, invisível ao olho humano. Ele foi tes- tado em uma parceria com a empresa canadense de mineração Iamgold, que

Novo método de sensoriamento com imagens de satélite facilita a identificação de jazidas minerais

pretendia expandir suas atividades na re- gião da Patagônia, na Argentina, onde não existiam muitas informações geo- lógicas disponíveis. Um dos dirigentes da empresa é brasileiro e, em 1998, pro- curou Crósta, que já havia desenvolvido uma técnica de processamento digital de imagens de satélite para exploração mineral durante o seu doutorado no fi- nal da década de 1980, baseada na tec- nologia de sensoriamento remoto exis- tente naquela época. "A utilização de técnicas de sensoriamento para identi- ficar previamente áreas com minerais metálicos representa grande economia para as empresas que sabem, antecipa- damente, as áreas exatas aonde devem enviar geólogos para desenvolver traba- lhos mais detalhados, coletar amostras para análises químicas do teor de me- tais e, se os indícios se confirmarem, rea- lizar perfurações para localizar as reser- vas", diz Crósta.

68 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

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Região de Los Menucos, na Argentina (acima), e na imagem de satélite (abaixo): áreas com caulita, em vermelho, diguita, em amarelo, ilita e sericita, em verde: sinal de metais

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A parceria com a empresa cana- dense serviu para aperfeiçoar o método de processamento desenvolvido ante- riormente, utilizando imagens do sen- sor Thematic Mapper (TM) do satélite Landsat-5. O projeto foi realizado na Província de Rio Negro, no norte da Patagônia, região favorável ao uso de imagens de satélite para geologia por- que o clima é árido e a vegetação pou- co densa. Os pesquisadores localizaram inicialmente diversas áreas propícias à ocorrência de ouro e de prata, a partir das imagens do Landsat. Em cerca de 50 áreas identifica- das, 42 revelaram presença de ouro. "É um índice de acerto excelente, de 84%", comemora Crósta, também diretor do IG da Unicamp. De todos os lo- cais apontados, as análises e as perfurações realizadas pela empresa durante dois anos mostraram a presença de ouro e prata nas proximidades da localidade de Los Menucos. Mas o resultado final indicou que os teores de ouro não eram suficientes para a exploração comercial.

Pouco tempo após a conclusão des- se trabalho regional com o Landsat TM, foi lançado um novo sensor multies- pectral a bordo do satélite Terra, deno- minado Aster, sigla de Advanced Space- borne Thermal Emission & Reflection Radiometer, desenvolvido pela Nasa e pela Agência Espacial do Japão. Esse é um dos cinco sensores para captar ima- gens que estão instalados no Terra, lan- çado em dezembro de 1999 como parte do programa Sistema de Observação da Terra, EOS na sigla em inglês, da Nasa, que inclui também o satélite Aqua. O objetivo do programa é a análise de vá- rios parâmetros ambientais e climáti- cos do planeta.

O sensor Aster capta a energia solar refletida e a energia termal, esta relacio- nada à temperatura emitida pela super- fície da Terra, por meio de 14 bandas espectrais, representadas por faixas de ondas eletromagnéticas desde a região do visível até vários comprimentos de onda no infravermelho. O Landsat uti- liza a mesma técnica, mas as informa- ções captadas são restritas porque ele trabalha com apenas sete bandas. As in- formações do Aster baseiam-se em fai- xas de radiação eletromagnética mais

estreitas e servem, entre várias outras aplicações, para identificar em detalhes as características de diferentes minerais.

Conhecendo as características da área de Los Menucos, por meio do tra- balho realizado anteriormente e cientes de seu potencial para o desenvolvimen- to e teste de técnicas de processamento adequadas às novas imagens do Aster, os pesquisadores da Unicamp elabora- ram um projeto para a aplicação das técnicas disponíveis proporcionadas pe- lo novo sensor.

equipe, composta por Crósta, pelo professor Carlos Roberto de Souza Filho e pelo douto- rando Diego Fernando Du- cart, obteve também o suporte da empresa Iamgold para o de- senvolvimento do projeto. "Eles nos deram apoio logístico para o desenvolvimento dos tra- balhos de campo, necessários para validar os resultados obti- dos com o emprego das novas

técnicas desenvolvidas para as imagens do Aster." Os pesquisadores brasileiros também tiveram a colaboração da Uni- versidade Nacional de Rio Cuarto, na Argentina, por meio do professor Jorge Coniglio, um ex-aluno de pós-gradua- ção do IG-Unicamp.

A nova técnica identifica nas ima- gens a assinatura espectral dos minerais, que é a forma como os materiais da su- perfície da Terra interagem com a radia- ção eletromagnética. Cada tipo de ro- cha interage com a radiação do Sol, refletindo ou absorvendo determina-

O PROJETO

Avaliação das imagens multiespectrais do sensor Advanced Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer

MODALIDADE Linha Regular de Auxílio à Pesquisa

COORDENADOR ÁLVARO PENTEADO CRóSTA Unicamp

INVESTIMENTO R$ 66.925,75 e US$ 21.450,00 (FAPESP)

dos comprimentos de onda, transfor- mando-se numa espécie de impressão digital desse material. Esses minerais são formados pela ação das águas com temperaturas extremamente elevadas ou de vapor, cuja circulação é relacio- nada a processos vulcânicos. "As águas termais, junto com vapor, ao mesmo tempo que removem e transportam os metais de rochas que estão em profun- didade e os depositam de forma con- centrada mais próximos à superfície, também modificam as rochas existen- tes e criam os minerais de alteração hi- drotermal. Desse modo, a presença des- ses minerais em superfície pode ser usada como um indicador da ocorrên- cia de mineralizações metálicas abaixo da superfície", explica Crósta.

"Com o Aster foi possível avançar mais no detalhamento da composição mineralógica da alteração hidrotermal, um fenômeno que nessa região decorre de atividade vulcânica antiga", diz Crós- ta. A alteração hidrotermal é a denomi- nação dos minerais que estão associados à ocorrência de metais.

Imagem tridimensional - Uma vez identificados os vários minerais de al- teração hidrotermal, por meio da apli- cação de técnicas de processamento de imagens que extraem seletivamente apenas a informação de interesse den- tre a enorme quantidade de outras in- formações contidas nas imagens Aster, eles são transpostos para mapas que mostram as zonas de alteração hidro- termal sobrepostas a imagens de rele- vo topográfico também captadas pelo mesmo sensor. A composição cartográ- fica resulta numa projeção com carac- terísticas tridimensionais da região.

As imagens finais não mostram de forma direta o ouro, cobre ou qualquer outro metal, mas exibem a presença de minerais de alteração como caulinita, ilita, alunita e sílica. Eles são indicado- res indiretos da eventual presença de metais preciosos. "Extraímos da ima- gem a assinatura espectral relacionada à composição química e à estrutura dos minerais que estão na superfície do ter- reno", diz Crósta. Muitos materiais da superfície da Terra, incluindo os mine- rais, possuem assinaturas espectrais distintas, que são captadas pelos sen- sores multiespectrais e utilizadas para analisá-los.

70 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

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Imagem em infravermelho de toda a região de Los Menucos. Em vermelho, a sílica indica área com potencial para ouro e prata

"No caso de Los Menucos, nós iden- tificamos, com a nova técnica de pro- cessamento das imagens, os locais onde ocorriam os diversos minerais de alte- ração hidrotermal relacionados às ocorrências de ouro e depois fomos ve- rificar os resultados no campo", conta Crósta. O segundo estudo para a con- firmação do método de mapeamento de alteração com imagens Aster aconte- ceu na cordilheira dos Andes, na região de Quellaveco ao sul do Peru e norte do Chile, em uma mina de cobre já conhe- cida e em fase inicial de exploração. As cores encontradas no mapa, como a vermelha, indicam a presença dos mi- nerais de alteração chamados de quart- zo (sílica) e ilita de alta cristalinidade. Eles funcionam como um sinal que identifica na área pesquisa da a pre- sença de cobre. "Nessa representação utilizada, quanto mais vermelha a área da imagem, maior a probabilidade de encontrar o cobre", explica Crósta.

Temperatura preciosa » Nessas pes- quisas com imagens multiespectrais, é de fundamental importância o uso da técnica analítica de espectroscopia de reflectância. Para isso, foi utilizado o Laboratório de Espectroscopia de Re- flectância do próprio Instituto de Geo- ciências (veja Pesquisa FAPESP n° 86). Nele é feita a caracterização espectral das amostras das rochas para a identifi- cação do mineral e a comparação com os resultados obtidos a partir das ima- gens multiespectrais. Esses estudos in- cluem também a análise da cristalini- dade do mineral, fator que pode dar indicações das temperaturas em que os minerais de alteração se formaram, in- formação importante na identificação de jazidas de metais preciosos.

O projeto também resultou em um mestrado, um doutorado e publica- ções em revistas científicas internacio- nais da área. As próximas ações de pes- quisa do grupo já estão traçadas. Eles

deixam a Patagônia e a cordilheira dos Andes, locais propícios ao uso do sen- soriamento remoto para exploração mineral porque possuem boas condi- ções de exposição superficial de rochas e vegetação pouco densa - ao contrário da Amazônia, onde a cobertura vegetal dificulta a identificação de reservas mi- nerais por esse método - e partem pa- ra o Nordeste brasileiro, mais precisa- mente na serra da Borborema, entre Rio Grande do Norte e Paraíba. Lá exis- te grande concentração de pegmatitos, rochas que produzem gemas para pe- drarias e joalheria, como água mari- nha, turmalina e várias outras, além de vários tipos de minerais industriais. "No caso dos pegmatitos, as ocorrên- cias também têm relação com a circu- lação de águas termais e, portanto, com a presença de minerais de altera- ção hidrotermal nas rochas, o que per- mite estudá-las utilizando as imagens multiespectrais do Aster." •

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 71

Page 72: O décimo planeta

f TECNOLOGIA

NOVOS MATERIAIS

Bisturi autolimpante Revestimento cerâmico esteriliza instrumentos médicos e odontológicos

YURI VASCONCELOS

combate às infecções hospitalares ga- nha um novo aliado. É uma fina ca- mada de um material cerâmico à ba- se de oxido de titânio que agrega propriedades bactericidas e antimi- crobianas à superfície de instrumen- tos médicos e odontológicos como bisturis, pinças e brocas. A boa notí-

cia para profissionais da saúde e pacientes é da em- presa Science Solution, uma spin-off, ou empresa originada de uma instituição, no caso o Laborató- rio Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) do Instituto de Química da Universidade Es- tadual Paulista (Unesp) em Araraquara. Os quatro sócios-pesquisadores, Luiz Gustavo Pagotto Simões, André Luiz de Araújo, Daniel Tamassia Minozzi e Cauê Ribeiro, todos químicos graduados na Uni- versidade Federal de São Carlos (UFSCar), fazem pós-graduação na Unesp e mantêm a empresa ins- talada no Centro Incubador de Empresas Tecnoló- gicas (Cinet) da Fundação Parqtec, em São Carlos.

O trabalho de pesquisa na universidade levou os quatro a criarem um material nanoestruturado que é auto-esterilizante e foi batizado de Nanox Bacte- ricida. Ele é uma espécie de tinta cerâmica que não altera as propriedades originais dos instrumentos cirúrgicos. A tecnologia rendeu duas patentes e já está sendo negociada com indústrias nacionais e do exterior, que produzem os instrumentos médicos e odontológicos, cujos nomes permanecem em sigilo a pedido das próprias empresas.

Os utensílios revestidos pelo filme nanométrico de dióxido de titânio (Ti02) têm as suas proprieda- des bactericidas ativadas quando estão na presença da luz ultravioleta (UV), existente em câmaras pró-

prias com esse tipo de radiação ou mesmo na presença de luz so- lar. Além de destruir a parede celu- lar das bactérias, esse sistema elimina também os fungos e toda matéria or- gânica. "O efeito da luz sobre o material aciona um processo de oxirredução, em que dois materiais interagem, perdem e ga- nham elétrons. Nesse caso a interação com o oxido de titânio, sob a ação do UV, degrada a matéria orgânica." Esse processo físico-químico é semelhante à ferrugem que cresce sobre uma base de ferro, sob a ação da temperatura e da umidade, absorvendo e reagindo com o oxigênio.

Sem sujeira - "O Ti02 também decompõe coran- tes, gorduras e defensivos agrícolas", diz Simões. "Outra propriedade do material é ser autolimpan- te. Ele é eficaz na limpeza de poeiras e de pequenas quantidades de gordura e, por isso, pode ser tam- bém aplicado num grande número de produtos com superfície de aço, cerâmica e vidro, como fo- gões, geladeiras, janelas de vidro de automóveis, de prédios e de residências." No Japão, paredes e pisos de alguns hospitais são pintados com tintas conten- do partículas micrométricas de Ti02 para minimi- zar a possibilidade de contaminação dos ambientes e reduzir os índices de infecção hospitalar.

A produção do novo revestimento - ou coating - bactericida, diz o pesquisador, é de custo relativa- mente baixo e não requer equipamentos sofistica- dos. Primeiro o material que vai receber o revesti- mento é imerso em um recipiente contendo um polímero líquido à base de água e íons de titânio à temperatura ambiente. Depois é aquecido num

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Protótipos de materiais metálicos

recobertos com cerâmica à base de oxido de titânio

forno entre 300 e 400 graus Celsius. O tratamento térmico

faz com que os íons de titânio transformem-se em dióxido de titâ-

nio. De quatro a seis horas, o filme na- noestruturado bactericida é formado na

superfície do material. "Em tese, os equi- pamentos médico-odontológicos recobertos

com Nanox não precisariam ser esterilizados em autoclaves, como é feito atualmente. Bastaria

colocá-los numa câmara na presença de luz ultra- violeta, porque a película bactericida que os reveste é fotoativada", diz Simões.

Além do filme nanoestruturado, o novo mate- rial também pode ser produzido na forma de pó. Nesse caso, o Nanox tem várias aplicações relacio- nadas à sua capacidade de absorção dos raios ultra- violeta. Isso porque ao mes- mo tempo que possui efeito ^ bactericida o produto impe- de que a radiação UV pene- tre no material. "Os filtros solares para proteção de ra- diação UV, por exemplo, possuem em sua composição dióxido de titânio, mas de uma fase química diferente da usada nos instrumentos. Acrescentando pequenas fra- ções de Nanox em pó é pos- sível potencializar a ação pro- tetora dos filtros solares", diz o sócio Araújo. Ele esclarece que, no bactericida, o dióxi- do de titânio encontra-se na

O PROJETO

Aplicação de coating cerâmico em superfícies metálicas

MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Peguenas Empresas (Pipe)

COORDENADOR Luiz GUSTAVO PAGOTTO SIMõES - Science

INVESTIMENTO R$ 74.728,63 (FAPESP)

fase anatase e, no protetor solar, na fase rutilo. "Fase, na química, é o nome dado a

determinada forma de um material em que ele mantém a mesma composição química,

mas com arranjo atômico diferente", diz Araú- jo. O dióxido de titânio possui três fases distintas

(anatase, rutilo e brookite) e quando ele está 100% na fase anatase suas propriedades bactericidas são potencializadas. Segundo os pesquisadores da Sci- ence, existe um produto similar ao Nanox vendi- do no Brasil por uma multinacional alemã, mas que não é 100% na fase anatase. Além disso, esse material não é disponibilizado na forma de pelícu- la nanoestruturada, mas apenas em pó, o que limi- ta seu campo de aplicação.

Para desenvolver o produto, os quatro sócios da Science contaram com o apoio tecnológico do Liec, laboratório que integra o Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos dez centros de pesquisa, inova- ção e difusão mantidos pela FAPESP. Para finan- ciar as pesquisas, a empresa tem o apoio do Progra- ma Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP. Das duas patentes já depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a primeira se refere ao processo genérico de obtenção de filmes e óxidos nanoestruturados e a outra está relacionada ao efeito bactericida dos fil- mes e pós nanométricos 100% anatase.

Criada em julho de 2004, a Science nasceu com o objetivo de desenvolver coatings e óxidos nano- métricos para modelagem, modificação de superfí- cies e aplicação em indústrias, principalmente, pe- troquímicas. A expectativa dos pesquisadores é colocar o Nanox no mercado em julho deste ano, durante uma feira de produtos hospitalares em São Paulo. "Já estamos em negociação com empresas dos setores médico-hospitalar e de eletrodomésti- cos de linha branca. Participamos recentemente de uma feira de nanotecnologia e uma empresa suíça demonstrou interesse pelo produto. Recobrimos

algumas pinças de alta preci- são para uso cirúrgico e para

manipulação de semicondu- tores, que estão em testes na Suíça", diz Luiz Simões. "Ao mesmo tempo, já realizamos testes laboratoriais com pe- quenas placas de aço inox de fogões e de geladeiras. Agora vamos fazer aplicações em pe- ças maiores para que o clien- te possa testá-las." Fogões e geladeiras de aço inox reves- tidos com Nanox estariam protegidos de riscos e de ama- relamento, processo resultan- te da formação de óxidos in- desejados na superfície. •

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T TECNOLOGIA

QUÍMICA

Sem cheiro e menos tóxica Pesquisadores da USP desenvolvem método para produção de tintas quase sem odor

Fabricar uma tinta de parede sem cheiro para ambientes que possam ser utiliza- dos logo em seguida à aplicação é um ob- jetivo perseguido pelas indústrias quími- cas há cerca de duas décadas. O produto seria útil em hospitais, escolas e restau- rantes, locais onde é indesejável a pre- sença de vapores responsáveis pelo odor

característico das tintas. A solução ficou mais próxima de ser alcançada com estudos do Centro de Engenharia de Sis- temas Químicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP). A pesquisa, coordenada pelo enge- nheiro químico Reinaldo Giudici, apresentou resultados satisfatórios e conseguiu reduzir a concentração de monô-

eros residuais - substâncias tóxicas responsáveis pela aior parte do cheiro das tintas - para menos de 100 par-

es por milhão (ppm), ou seja, 0,01% ou 0,01 grama de monômero para cada 100 gramas de emulsão polimérica, resina que é o principal componente da tinta. Embora o cheiro não tenha sido totalmente removido, ele ficou qua- se imperceptível.

"Os processos mais eficientes para remoção de odor hoje utilizados comercialmente não conseguem concentra- ções menores do que 1.000 ppm, dez vezes maior do que obtivemos", diz o pesquisador. "Para chegar a esse resulta- do, prolongamos e intensificamos a reação química de po- limerização, de modo que mais monômeros reajam e sejam transformados em polímeros." Para entender o que isso quer dizer é preciso, antes, compreender como se dá o pro- cesso de fabricação das tintas látex, à base de água (sem sol- ventes), as mais utilizadas para pintura de paredes internas e externas. O principal componente desse produto é uma emulsão aquosa constituída por polímeros, macromolécu- las formadas a partir de unidades estruturais menores, os monômeros. Os monômeros mais utilizados nas tintas látex são o acetato de vinila (que dá origem às tintas vinílicas) e o acrilato de butila (matéria-prima das tintas acrílicas). Usual- mente dois tipos de monômero são polimerizados conjun- tamente de modo a se obter determinadas propriedades no polímero. Os monômeros estireno e butadieno, por sua vez, são usados na fabricação de um látex empregado em

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revestimentos de papel cuchê - o mes- mo utilizado nesta revista -, produto que também será beneficiado com a nova tecnologia.

Para que a polimerização ocorra, substâncias químicas conhecidas como iniciadores são misturadas aos monô- meros e, numa reação em cadeia, essas pequenas moléculas transformam-se em macromoléculas, que são os polímeros. O problema é que durante esse proces- so, realizado em um reator a uma tem- peratura média de 60 a 80 graus Celsius, os monômeros não rea- gem completamente, restando ao final da polimerização uma pe- quena quantidade desses com- postos que permanecem intactos na emulsão polimérica e, depois, na tinta. Quando ela é aplicada na parede, a água presente na emul- são evapora e as partículas poli- méricas se unem formando um filme que recobre a superfície. "Por serem substâncias voláteis, os monômeros também evaporam, fa- zendo surgir o cheiro característico das tintas, em geral desagradável. Depen- dendo de sua natureza e concentração no ar, podem ter diferentes níveis de to- xicidade", explica Giudici. "Além de ir- ritantes das mucosas das vias respirató- rias, os monômeros residuais podem causar náuseas, alergias e outras sensa- ções desagradáveis."

Para reduzir a concentração de mo- nômeros no produto final, a alternativa encontrada pelos pesquisadores foi in- tensificar a reação. Eles alteraram as con- dições de operação do processo a fim de consumir mais monômeros residuais. Assim, entre outras coisas, a equipe mo- dificou a temperatura da reação, alte- rou a concentração dos componentes e variou a presença de reagentes. "Tive- mos cuidado para não comprometer a produtividade do processo e, ao mes- mo tempo, não alterar as propriedades finais do látex. Pelo contrário, melhora- mos sua qualidade porque reduzimos os teores de monômero residual", expli- ca Giudici.

Atualmente, o processo mais empre- gado para redução de odor em tintas é a chamada desvolatilização, que, apesar de eficaz, apresenta desvantagens em rela- ção ao método desenvolvido na Escola Politécnica. Esse processo consiste no

borbulhamento de um gás, geralmente vapor de água, no polímero em emulsão para fazer com que os monômeros pre- sentes se volatilizem, ou seja, sejam ex- pulsos do produto. "O inconveniente da desvolatilização é que esse processo gera resíduos que não podem ser lançados no ambiente, por serem poluentes", lembra Giudici. Com isso, os efluentes precisam ser tratados, o que acrescenta uma etapa ao processo produtivo, tornando-o mais longo e mais caro.

 tecnologia desenvolvida pe- la equipe da USP levou sete anos para ficar pronta e foi financiada pela FAPESP dentro do programa Parce- ria para a Inovação Tecnoló- gica (Pite). Inicialmente, o projeto foi firmado com a

Rhodia, empresa multinacional francesa do setor químico. Mas, ao longo do tra- balho, ela vendeu as suas unidades de fa- bricação de látex de estireno e butadieno para a finlandesa Raisio Chemicals, que fez o investimento conforme o estabele- cido no Pite. Em seguida, a Raisio Che- micals foi adquirida pela multinacional suíça Ciba Especialidades Químicas, parceira atual no projeto. Com a conclu- são das pesquisas na USP, o processo en- contra-se em fase de testes nos laborató- rios da empresa no Brasil e na França.

O PROJETO

Desenvolvimento de processos de polimerização para a produção de polímeros com baixo teor de monômero residual

MODALIDADE Programa Parceria para a inovação Tecnológica (Pite)

COORDENADOR REINALDO GIUDICI - USP

INVESTIMENTO R$ 55.000,00 + US$ 259.000,00 (FAPESP) R$ 135.000,00 (Ciba Especialidades Químicas)

Ainda não há previsão de quando a nova tecnologia será implantada pela empresa, que, num primeiro momento, vai testá-la em escala semi-industrial. "Como os testes industriais ainda não foram iniciados, não sabemos se será mais interessante, do ponto de vista eco- nômico, utilizar nosso processo isolada- mente ou combinado com a desvolati- lização. Como a desvolatilização é feita por último e, como a presença de mo- nômeros residuais seria menor, haveria pouca produção de efluentes, reduzindo o custo de tratamento", diz Giudici.

"O projeto realizado com a USP foi muito importante para a Ciba Especia- lidades Químicas. Foi excelente o conta- to e a troca de informações com os pes- quisadores envolvidos no projeto, que sempre demonstraram preocupação na aplicabilidade dos resultados nos proces- sos industriais", diz Odair Araújo, do laboratório de polimerização da Ciba e coordenador do projeto na empresa. "Outro aspecto foi a qualidade dos resul- tados obtidos, que nos possibilitou obter uma visão importante do potencial de aplicação na planta piloto e, futuramen- te, na planta industrial. Poderíamos dizer que o projeto Ciba Especialidades Quí- micas e Universidade de São Paulo foi um sucesso e pretendemos, no futuro, continuar a fazer esse tipo de convênio."

Além da criação de um processo ca- paz de produzir tinta praticamente sem cheiro, o grupo da USP também desen- volveu métodos de monitoramento on- line de reações de polimerização em emulsão. O processo é baseado em sis- temas de espectroscopia, que utilizam a absorção e reflexão de radiações eletro- magnéticas no produto por meio de la- ser, permitindo detectar a presença e a quantidade de determinadas substân- cias. Assim, esses métodos permitem monitorar remotamente e em tempo real várias propriedades e variáveis du- rante a polimerização. "A cada 15 segun- dos, sabemos qual é a quantidade de monômero residual, a concentração e a composição do polímero e o tamanho médio das partículas poliméricas. Esses dados são fundamentais para fazermos um rígido controle do processo e imple- mentarmos as condições de operação de maneira precisa", diz Giudici. •

YURI VASCONCELOS

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f TECNOLOGIA

PETRÓLEO

Investimento profundo Prêmio da Petrobras revela novos sistemas e novos profissionais para a indústria petrolífera

YURI VASCONCELOS

Petrobras atingirá, neste ano, a auto-suficiência na produção de petróleo. A meta, perseguida há tempos pela empresa, é fruto, en- tre outras coisas, do investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novas tecnologias, que lhe permitiu aprimorar as técni-

cas de prospecção e exploração petrolífera. Neste ano, a companhia irá investir R$ 1 bilhão em P&D e continuará mantendo estreito contato com universidades e institutos de pesquisa em todo o Brasil. Como reconhecimento à impor- tância da academia para o fortalecimento da in- dústria de petróleo, a Petrobras instituiu em 2005 o Prêmio Petrobras de Tecnologia, dirigido a es- tudantes de graduação, mestrado e doutorado. Além de proporcionar o surgimento de novos mé- todos e processos tecnológicos de interesse da companhia, o concurso também incentiva o sur- gimento de profissionais especializados não só na área petrolífera mas também na produção de energia em vários segmentos como gás natural, biodiesel e hidrogênio.

Divido em nove categorias, a primeira edição do prêmio Petrobras contou com a participação de 335 alunos inscritos, oriundos de 18 estados brasileiros. "O objetivo foi dar uma abrangência nacional, e a intensa participação mais a quali- dade dos trabalhos superaram as nossas melho- res expectativas", destaca Carlos Tadeu da Costa Fraga, gerente executivo do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). Os autores dos trabalhos vencedores receberam R$ 20 mil na categoria doutorado, R$ 15 mil, no mestrado e R$ 10 mil,

na graduação, além de uma bolsa de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi- co e Tecnológico (CNPq) nas modalidades de mestrado, doutorado ou pós-doutorado.

Líder mundial na exploração em águas pro- fundas e ultraprofundas, a Petrobras retira cerca de 70% de sua produção desses poços, situados a profundidades acima de 400 metros entre a su- perfície da lâmina d'água e o solo marinho. O projeto vencedor na categoria Tecnologia de Pro- dução contempla exatamente essa área de explo- ração. O trabalho, de autoria de Jorge de Almeida Rodrigues Júnior, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), teve como objetivo o desenvolvimento de novos fluidos de perfuração para poços localizados em grandes profundidades. Esses fluidos são respon- sáveis, entre outras funções, pela lubrificação das rochas, o que facilita a perfuração. Ao mesmo tempo, eles devem apresentar elevada viscosidade nos momentos de pausa da perfuração, impedin- do a deposição de cascalhos gerados no processo e que podem causar a obstrução do poço. No en- tanto, em razão dos diferentes tipos de formação

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geológica e das condições de tempera- tura e pressão existentes ao longo do processo, a perfuração é feita em fases e o fluido precisa ser trocado a cada eta- pa do trabalho.

O produto formulado pelo pesqui- sador da UFRJ, sob orientação das pro- fessoras Regina Sandra Veiga Nascimen- to e Elizabeth Roditi Lachter, mostrou, em laboratório, ser adequado para per- furação de todas as fases do poço com a vantagem de ser menos agressivo ao ambiente e mais barato do que os flui- dos utilizados comercialmente. "O flui- do será patenteado e os testes em cam- po serão a próxima etapa do projeto", diz Rodrigues Júnior. Para o desenvol- vimento da pesquisa, a equipe contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Agência Nacio- nal de Petróleo (ANP).

O trabalho vencedor na categoria Tecnologia de Produtos foi realizado

pelo engenheiro químico( Manoel Or- lando Alvarez Méndez nos laboratórios da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Metodis- ta de Piracicaba (Unimep). "Nosso pro- jeto é sobre um problema da indústria, que é a geração de coque, um resíduo com alto teor de carbono e baixo teor de cinzas resultante da refinação do pe- tróleo. Nossa intenção foi utilizá-lo como matéria-prima para a fabricação dos chamados materiais carbonosos ativados (MCA), que têm larga aplica- ção industrial", diz Méndez.

Pressão baixa - Os MCA apresentam elevada área superficial, grande quanti- dade de poros em sua estrutura e são utilizados em vários processos de ad- sorção (retenção de moléculas de uma substância na superfície de um sóli- do), como a purificação de gases e água. Além disso, esses materiais tam- bém podem ser empregados no arma-

zenamento de gás natural. "Recheamos um tanque de armazenamento com co- que de petróleo ativado e preenchemos o espaço livre com gás natural, que será adsorvido pelo coque. Com isso, au- mentamos a densidade do gás e pode- mos trabalhar com uma pressão menor do que a usual. Com a pressão mais baixa, é possível construir tanques mais leves, de paredes mais finas. Essa é uma vantagem do uso do coque nesses processos de armazenamento", diz o pesquisador, ressaltando que, com a colocação do coque, a capacidade de armazenamento de gás cairia pela me- tade. A pesquisa ainda está na fase labo- ratorial. "Sabemos que existem poucos grupos de pesquisa no exterior traba- lhando nessa mesma linha de estudo (transformação de coque em MCA), mas até agora ninguém conseguiu avan- çar para uma escala comercial."

Na categoria Tecnologia de Gás, o projeto vencedor saiu do Laboratório

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de Materiais Cerâmicos da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Assinado pelos alunos Márcio Dias Lima, Mônica Jung de Andrade e Renato Bonadiman, o trabalho tratou da síntese de nanotu- bos de carbono que são uma nova clas- se de materiais que medem de 1 a 50 na- nômetros - 1 nanômetro é igual a 1 milímetro dividido por 1 milhão de ve- zes - de diâmetro e até 1 milímetro de comprimento. Eles são formados por uma camada de átomos de carbono en- rolados como um cilindro. "Estudos mostram que esse material pode atingir uma altíssima resistência à ruptura sob tração, cerca de cem vezes superior ao de aços de alta resistência", afirma Bo- nadiman. A inovação do grupo gaúcho foi o uso de gás natural veicular (GNV) no processo de síntese dos nanotubos de carbono pelo método CCVD (Ca- talytic Chemical Vapor Deposition ou deposição química de vapor catalisada, em português), técnica para a produção de nanotubos em larga escala.

"Normalmente, a fonte de carbono utilizada na síntese de nanotubos, por meio da técnica CCVD, é o gás metano. Nós propusemos o emprego de GNV como fonte de carbono por ser um gás muito barato quando comparado ao meta- no puro. A troca de matéria- prima pode reduzir os custos de produção", afirma Bonadi- man. "Esse é um trabalho de desenvolvimento contínuo e ainda estamos evoluindo nos métodos de síntese, como também na aplicação dos na- notubos." Atualmente estão em estudo muitas aplicações para esse material, como em compósitos para in- dústria aeronáutica e automotiva, dis- positivos eletrônicos, telas de computa- dores e sistemas de armazenamento de hidrogênio.

Orientado pelo professor Liacir dos Santos Lucena, o físico potiguar Deilson Tavares, do Centro Interdisciplinar de Estudos Avançados sobre Sistemas Complexos em Petróleo e Gás da Uni- versidade Federal do Rio Grande do Norte, levou o primeiro prêmio na cate- goria Tecnologia de Exploração. O tra- balho apresentou vários métodos para melhorar a resolução de imagens do subsolo na exploração de petróleo. Esse

tipo de imagem, chamada sísmica, é materializada a partir da reflexão de on- das sonoras produzidas por uma deter- minada fonte sonora. Para sondagens em terra, utilizam-se explosivos e, no mar, são empregados canhões de ar.

ensores distribuídos na su- perfície captam a reflexão das ondas de som e, a partir desses dados, elaboram-se as imagens do subsolo", diz Tavares. Essas imagens são fundamentais para a desco- berta de novas jazidas de petróleo. Técnicas que en- volvem o processamento de imagens sísmicas são o meio

mais econômico para a obtenção de visualizações em larga escala do sub- solo. "O método que desenvolvemos, batizado de WTDecon, possibilita a elaboração de uma imagem muito mais bem definida com menor erro de posicionamento das estruturas, bem como a visualização de detalhes que são imperceptíveis quando se usam outros métodos", diz Tavares, que já teve seu trabalho publicado na revista científica Integrated Compu- ter-Aided Engeneering. Dado o suces- so da inovação, a Petrobras está in- corporando esse novo método ao arsenal tecnológico utilizado na ex- ploração de petróleo.

Na categoria Energia o vencedor foi Wagner Pinheiro, do Instituto Militar de Engenharia, com o projeto Constru- ção de um equipamento de sublimação em espaço reduzido para fabricação de células solares de filme fino de baixo cus- to. Eduardo Abreu, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, venceu na ca- tegoria Recuperação de Petróleo com o projeto Desenvolvimento de novas estra- tégias para a recuperação avançada de hidrocarbonetos em reservatórios de pe- tróleo. Na categoria Refino e Petroquí- mica, os vencedores foram Edson Silvei- ra, Marcos Gelesky, Carla Scheeren e Glédison da Fonseca, todos da UFRGS. O nome do projeto deles foi Nanopartí- culas de metais de transição em líquidos iônicos: síntese, caracterização e aplicação em reações de hidrocarbonetos.

Na categoria Segurança Operacio- nal e Preservação Ambiental, o vence- dor foi Fábio Coimbra de Macedo Soa- res, da UFRJ, com o projeto Dispersão atmosférica de gás natural por ruptura em duto submarino pressurizado e val- vulado. Os ganhadores na categoria Transporte de Petróleo e Derivados fo- ram Marco Antônio Rosa, Joanes Dias, Júlio César Grion, Leandro Lima e Nel- son Soares Júnior, da Pontifícia Univer- sidade Católica do Rio de Janeiro, com o projeto Análise do desempenho de um reparo em duto corroído utilizando mul- ticamadas metálicas coladas. •

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O TECNOLOGIA

MEDICAMENTOS

Garantia de vida Biofármaco para bebês será produzido em grande escala

m biofármaco produzi- do pelo Instituto Bu- tantan em parceria com a Sadia, que tem como matéria-prima pulmões suínos, deve evitar a morte de cerca de 50 mil crianças recém-nas- cidas por ano, vítimas

da síndrome do desconforto respirató- rio (SRD). A doença, típica de bebês prematuros, é causada pela deficiência de surfactante pulmonar, substância que se forma nos pulmões do bebê no final da gravidez e que serve para fun- cionamento pleno da respiração. Pro- duzido naturalmente pelos pulmões, o surfactante age no interior dos alvéo- los, permitindo que eles se mantenham abertos durante a expiração. Quanto menor o tempo de gestação, maior a incidência da SRD. O tratamento é fei- to com a aplicação de surfactante na traquéia do bebê, logo após o nasci- mento. A dose do medicamento impor- tado custa R$ 700,00, o que torna invi- ável a distribuição na rede pública de saúde. Um problema que começa a di- minuir com a fabricação em larga escala do primeiro surfactante produzido com tecnologia nacional a partir dos pulmões suínos, com custo previsto de cerca de 40% a 50% do valor do importado.

Atualmente, o Instituto Butantan produz 4 mil doses por ano. A meta é chegar a 200 mil. Para isso, a Sadia, que enviava os pulmões suínos em cami- nhões refrigerados para o instituto, vai se encarregar da primeira fase do pro- cesso, a extração do surfactante. Uma área com 40 metros quadrados foi montada pela empresa em sua unidade

Recém-nascido: plena respiração com surfactante

de Uberlândia, em Minas Gerais, onde serão preparados 500 quilos de pulmões de suínos por semana. Inicialmente, eles são lavados e moídos. Após a moa- gem, é adicionada uma solução salina aos pulmões, posteriormente filtrada. Em seguida, adiciona-se à mistura a ce- lulose, responsável pela absorção do surfactante. Em vez de mandar os pul- mões ao Butantan, a empresa enviará, por semana, 300 quilos de celulose com o surfactante. As outras duas etapas, de purificação e liofilização, ficarão por conta do instituto.

As pesquisas que deram início ao medicamento começaram em 1997 e

O PROJETO

Desenvolvimento industrial de surfactante pulmonar de origem animal

MODALIDADE Projeto Temático

COORDENADOR ISAIAS RAW - Instituto Butantan

INVESTIMENTO R$ 1.062.917,31, US$ 193.000,00 e € 145.000,00 (FAPESP e Ministério da Saúde)

resultaram em uma nova tecnologia de extração do surfactante de pulmões de suínos, que substitui o uso de centrífugas de alta velocidade por um tipo de papel chamado DEAE celulose (veja Pesquisa FAPESP n° 70). Depois de cumpridas todas as etapas de testes pré-clínicos, foi iniciado no ano passado o ensaio clínico para validação do medicamento, com 33 instituições de todo o Brasil. Os tes- tes estão previstos para terminar na metade deste ano, mas os resultados mostram que tanto o surfactante impor- tado quanto o nacional são igualmente eficazes. "A quantidade de produto ne- cessária também é a mesma para a so- brevivência das crianças", diz o profes- sor Isaias Raw, presidente da Fundação Instituto Butantan.

A coordenação dos testes clínicos está a cargo do Instituto das Crianças do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Pau- lo (USP). O financiamento da pesquisa desde o início contou com o apoio da FAPESP. O projeto mais recente é um projeto temático financiado também pe- lo Ministério da Saúde dentro de um convênio firmado em 2005. Numa pri- meira fase, toda a produção do biofár- maco será distribuída a maternidades públicas do país. •

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.a HUMANIDADES

HISTORIA

Acadêmicos apontam excessos históricos em romantização de ex-presidente

GONçALO JúNIOR

m momento flagrado pelo fotógrafo da revista Manchete em 8 de junho de 1964 revelava o ex- presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) com

H H um aspecto de tristeza e desolação, no momento em que um assessor lhe mostrava a edição com a manchete de sua cassação e de mais 40 políticos

^■^P do jornal Última Hora. O mundo ruía sob seus ^^^ pés. O sonho de voltar à Presidência em 1965 es-

tava sepultado, numa manobra de seus principais adversários, Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, governadores de Minas Ge- rais e da Guanabara, respectivamente, que o transformou num dos vilões do regime militar que começava. Nunca tivera a ima- gem tão arranhada. Além de responsabilizado pela "deteriora- ção" do governo pelo general Costa e Silva, seu nome chegou a ser ligado a denúncias de corrupção na construção de Brasília.

Pouco mais de 40 anos depois, a foto se tornara apenas a re- ferência de um episódio do passado de contexto bem diferente do Juscelino mostrado na minissérie JK, exibida a partir da pri- meira semana de janeiro pela Rede Globo. São dois momentos distintos: o de bandido e o de herói popular. Mais que fazer jus- tiça histórica, o teledrama superdimensiona ainda mais o mito do ex-presidente mais idolatrado de todos como nunca se viu na história política brasileira.

Apresentado como visionário, Juscelino virou símbolo da 0 modernidade de uma época cada vez mais idealizada e romanti- | zada, marcada pela construção de uma nova capital para o país, 1 Brasília, pelo florescimento da indústria automobilística e de ele- g trodomésticos e pelo seu êxito em superar as crises de instabili- s dade e chegar até o fim de seu mandato. Compreender esse fenô-

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meno tem se tornado um desafio em importantes universidades brasileiras.

A "heroicização" de Juscelino Ku- bitschek vem desde o início da Nova República - embora cinco anos antes o filme de Silvio Tendler Os anos JK (1980) já tivesse deflagrado o processo, que dignificou tanto ele quanto João Gou- lart (1918-1976) - em Jango (1984) -, só que numa outra perspectiva, não só do docu- mentário como também para trazer a história recente do país que massacrara a trajetó- ria desses personagens. É o que explica a cientista social cario- ca Mônica Almeida Kornis, autora da tese de doutorado em comunicação "Uma histó- ria do Brasil recente nas minis- séries da Rede Globo".

Tanto que, lembra ela, a primeira cédula criada no governo José Sarney, de Cr$ 100.000,00, ainda em 1985, an- tes mesmo do padrão cruzado, trazia o rosto de JK estampado, juntamente com imagens de Brasília e outras reali- zações importantes de seu governo. "Ele renasceu naquele momento e pas-

sou a ser o ícone da democracia brasi- leira. O que a minissérie faz agora é re- afirmar esse lugar", diz Mônica, cujo estudo foi defendido na Escola de Co- municações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), com orientação de Ismail Xavier - à procura de editor, no momento.

ilmes de época sobre o ex-pre- sidente chegaram a ser usados em campanhas de candidatos já a partir do final dos anos 1980. Mais recentemente, Fer- nando Henrique Cardoso re- correu à sua figura de moder- nizador do Brasil. O presidente Lula fez o mesmo, sobretudo a partir da crise política inaugu- rada no ano passado. E não fo- ram somente eles. A pesquisa-

dora da Universidade de Campinas (Unicamp) Rosilene Dias Montenegro lembra que Fernando Collor levou para seu palanque nada menos que Sa- rah e Márcia Kubitschek - a viúva e a filha de JK - e explorou, também, a imagem de político jovem, dinâmico. E qual era o discurso de Collor? "A mo-

dernização do país, termo que re-signi- fica a visão de desenvolvimento."

Em 2001 Rosilene defendeu a tese de doutorado em história "Juscelino Kubitschek: mito e mitologia política do Brasil moderno", orientada por Ma- ria Stella Martins Bresciani e ainda iné- dita em livro. Ela recorda que Anthony Garotinho, na última campanha presi- dencial, apareceu tendo ao fundo uma fotografia de Getúlio de um lado e Jus- celino de outro. De acordo com Rosile- ne, a habilidade política de JK - seu po- der de persuasão - é uma qualidade reconhecida por todos os políticos de sua época, inclusive por Lacerda. "Não é porque morreu que JK virou santo, mas negar suas qualidades políticas, des- conhecer sua liderança singular é tentar desqualificar uma possibilidade extre- mamente rica produzida por nossa cul- tura", pondera.

Ingredientes - Pesquisadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mônica Kornis analisou seis produções de época da Globo realizadas a partir da Nova República: Anos dourados (1986), Anos rebeldes (1992), Agosto (1993), In-

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Juscelino, altos e baixos na vida do homem público: informado de sua casacão e fazendo um discurso no Rio

cidente em Antares (1994), Decadência (1995) e Hilda Furacão (1998). O traba- lho acabou focado nas duas primeiras, ambas escritas por Gilberto Braga, que tiveram Juscelino como político de destaque. Para Mônica, mais que em Anos dourados, na minissérie JK seu he- roísmo é ressaltado e faz com que o mito ressurja de forma mais intensa, porque a história é centrada em sua pessoa e trajetória política.

Uma história, aliás, com bons ingre- dientes para a ficção: a trajetória de um menino que cedo perdeu o pai e teve na mãe uma figura importante para a so- brevivência da família, até tornar-se um presidente da República, depois de passar pela opção primeira da profissão de médico. "No caso da minissérie, assim como a mídia sempre faz ao se referir a ele, os telespectadores tendem a juntar tudo e a achar que JK estimulou o surgi- mento da bossa nova e do Cinema No- vo, por exemplo, o que não é verdade."

Assim, a marca "anos dourados" vem sendo alimentada há décadas. Inicial- mente, Mônica procurou analisar como a TV, com o olhar do presente, da rede- mocratização do país, representava a

história do Brasil dos últimos 50 anos. Enfatizou não só o contexto de produ- ção como também discutiu o formato que esse conteúdo assumiu na ficção pa- ra representar fatos, personagens e pe- ríodos históricos importantes. Ela deu importância à linguagem da produção ficcional voltada para um grande públi- co. "Daí ter sido fundamental analisar a narrativa desses seriados, cuja estrutura costuma ser ancorada em esquemas sim- plistas e de fundamento moral."

Foram identificadas características comuns entre todas as minisséries. A exceção de Agosto, baseada no romance histórico de Rubem Fonseca, que tem uma narrativa um pouco mais comple- xa. Nas demais, diz a autora, a visão po- lítica se revela como algo que se move no interior de um drama moral, mani- queísta, nos quais os políticos apare- cem em extremos como bons ou maus - e os primeiros são identificados como modernos e honestos.

Mesmo naquelas em que só há uma ambientação de época e com destaque para o choque geracional, como é o caso de Anos dourados, a pesquisadora identi- ficou uma divisão entre personagens mo-

dernos (moralmente positivos, nos quais se enquadram os jovens) e conservadores (imorais, nos quais só existem adultos). "A história do período, das questões po- líticas às comportamentais, passa a ser as- sim polarizada. Esse se torna o conheci- mento histórico veiculado pela mídia."

No caso de JK, a minissérie, opina Mônica, a narrativa estabeleceu uma empatia com a figura do ex-presidente, apresentada como moderna, honesta, simpática, empreendedora e sedutora. "Enfim, um tipo construído com desta- que para atributos de ordem pessoal e moral e, assim, contrapostos, por exem- plo, às figuras da UDN, tanto políti- cos quanto eleitores." A história se faz a partir desses parâmetros e das forças políticas assim apresentadas. "É lógico que existe uma liberdade na ficção, e que, sobretudo na televisiva, há a preocupa- ção em destacar as tramas românticas e que os autores não estão preocupados em dar uma aula de história."

O fato, porém, diz a pesquisadora, é que a história está ali. Ou melhor, o pro- duto "história do Brasil" está presente e é veiculado por meio de valores morais e pessoais. "Acho que, se existe uma preo-

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cupação em refletir criticamente sobre uma minissérie, o debate não pode se restringir a considerações do tipo 'é bem ou malfeito', 'a reconstituição his- tórica está ou não fiel aos fatos'." Mes- mo com o apuro técnico nas produções da Globo e a preocupação com a fideli- dade da reconstituição histórica, é pre- ciso construir uma ficção histórica atenta a esses aspectos.

Caberia aos cientistas sociais saírem da posição de espectadores de final da noite e se debruçarem com mais rigor no exame dos meandros de uma produ- ção audiovisual de massa que conforma um certo conhecimento sobre a história do país. "Essa questão é ainda pouco valorizada, do meu ponto de vista. Os

professores continuam utüizando o ma- terial audiovisual como recurso glamou- roso para falar de fases da nossa história, sem discutir a própria forma que esse conteúdo assume nesse meio. Não se tra- ta de minissérie trazer ou não prejuízos. A questão é ter consciência e visão crí- tica disso, sobretudo no caso dos profes- sores, historiadores e cientistas sociais."

Fez-se necessário reconhecer, por- tanto, a existência de uma mediação entre o fato e a sua representação. Não basta discutir se os acontecimentos fo- ram ou não como a televisão - ou mes- mo o cinema - os apresentou. Basta observar Agosto, que mostrou a crise po- lítica que levou ao suicídio de Vargas numa outra perspectiva, diferente, cen-

trada no presidente, porém representada como uma figura amarga, sofrida. "Não há glamour em Vargas."

O telespectador, nesse processo, é sempre passivo? As minisséries da Glo- bo serão sempre lembradas pela co- mentada relação que houve em Anos rebeldes e a crise que levou ao impeach- ment de Collor. Os jovens "caras-pinta- das" teriam ido às ruas pedir a queda do presidente aparentemente influencia- dos pela produção. Mônica é mais cau- telosa ao avaliar o episódio. "A mídia acompanhou a repercussão da audiên- cia e fez a relação com os caras-pinta- das. Havia um momento de efervescên- cia favorável, mas não estabeleço essa ligação direta, por força da minissérie.

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umemm

A mídia, sim, foi responsável por essa relação de causa e efeito."

Incertezas - Em sua tese, Rosilene Montenegro encontrou raízes bem dis- tantes para justificar a imagem que se construiu de Juscelino. Ela partiu da premissa de que o momento de pro- fundas incertezas vivido na década de 1950 propiciou a efervescência do ima- ginário, dos mitos e mitologias políti- cas existentes. Resultou disso a criação de um novo mito político e a reelabora- ção de conhecidas mitologias políticas. "Busquei a apreensão das imagens e do imaginário do mito Juscelino Kubits- chek, representados pela memória acer- ca desse mito, produzidos por diferen-

Operário olha admirado o nascimento da nova capital feita por JK em tempo recorde

tes segmentos sociais - intelectuais, ca- madas populares, biógrafos, correligio- nários políticos e o próprio JK."

Percebeu que o modelo político surgiu a partir de sua própria interven- ção no processo de construção enquan- to tal e que, em determinado momento de sua instituição, atende e se confunde com os sonhos, anseios e esperanças de um futuro melhor por parte do coleti- vo social. "Muitos anos depois incita a força criadora do imaginário mitológi- co do retorno a um tempo de felicida- de, harmonia e prosperidade, o tempo da idade de ouro, confundido com as mitologias políticas da modernidade."

Nesse raciocínio, a impressão do mi- to Juscelino Kubitschek, principal perso-

nagem dos "anos dourados" brasileiros no imaginário coletivo, deve-se também à seguida recorrência à narrativa de sua vida, a qual é apresentada através de uma lógica ordenada pelas fases de um tempo contínuo do surgimento, auge e morte, ou o tempo do apelo, do poder e glória, e do martírio de JK.

objetivo da pesquisa de Rosilene não foi descons- truir o mito JK. "Poderia sê-lo, mas optei por mos- trar sua construção, devi- do à compreensão de que os mitos são elementos de representação do mun- do que gostaríamos de criar, revelam a narrativa fabulosa e podem tam- bém escamotear, falsear a

chamada realidade. Mas são poderosos instrumentos de mobilização de subje- tividades de pujança política, à medida que acionam símbolos e imaginários caros ao coletivo social, conforme já o percebia Georges Sorel, em Reflexões so- bre a violência."

O poder de Juscelino junto à mídia teria, em parte, contribuído para sua imagem histórica. Rosilene ressalta que ele cooptou grande parte da impressa, a começar pelo acordo que firmou com Assis Chateaubriand, dos Diários Asso- ciados. "Logo, a transmissão de uma narrativa mítica de progresso, mudan- ça, superação de problemas econômi- cos e construção de um futuro prós- pero mexe com o imaginário coletivo, porque instiga anseios, sonhos recôndi- tos." Daí a importância de compreen- der o contexto ou a configuração histó- rica que produzem o mito.

Que candidato a presidente que explorar o legado de JK será mais be- neficiado com isso nas eleições de 2006? A pesquisadora não arrisca no- mes. "Não temos ainda elementos suficientes para isso. Pode ser que os maiores beneficiados sejam os políti- cos, porque a história de Juscelino pode ser interpretada também como uma possibilidade moralmente aceitável de se fazer política, o que pode amenizar a rejeição aos políticos de modo geral e à política nesse momento de profun- da descrença." •

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O HUMANIDADES

ARTES CÊNICAS

São Paulo nova, Ato I CARLOS HAAG

FOTOS MIGUEL BOYAYAN

iscreta ao nas- cer, a República logo se tomou de amores pelo espetáculo. As- sim, se a monar- quia deu pouca atenção ao as-

pecto das cidades, o novo regime, "mo- derno", queria mostrar que o Brasil mudara, fazia parte da civilização, cujo sinônimo, no início do século 20, era a Paris de Haussmann, com seus bule- vares, iluminação elétrica e grandes ave- nidas, todas desaguando na catedral dos tempos industriais, a ópera. O Rio de Ja- neiro adaptou-se rapidamente ao novo modelo do governo. O prefeito Pereira Passos botou abaixo a velha cidade, re- construindo Paris no centro carioca por meio do conjunto de grandes edifí- cios, cuja jóia da coroa era o Teatro Mu- nicipal, inaugurado, não à toa, em 14 de julho (dia da Bastilha) de 1909.

Já São Paulo amargava uma modor- ra colonial, que era, para as elites pau- listanas, motivo de vergonha, já que também queriam ter a sua Paris. "A vida social fechada nas fazendas e restrita às missas era substituída pela busca cada vez mais constante das ruas e praças, dos encontros na esfera pública, da vida em sociedade, referenciada pelos pa- drões do mundo dito civilizado", obser- va a historiadora Margareth Rago, da Unicamp. No início do século, um colu- nista do jornal O Estado de S.Paulo ex- ternava as queixas paulistas: "Há muito retraimento das famílias e pouca socia- bilidade. Falta um ponto de reunião, condigno com o bom gosto dos paulis- tas". A solução, segundo ele, seria "um

teatro que vai operar uma transforma- ção radical nos hábitos da cidade, fa- zendo com que se inicie uma fase nova de vida noturna que não pode parar aí". Naqueles tempos, São Paulo não podia parar. O prefeito republicano Antônio Prado (1840-1929) fazia coro: "A cidade não tem vida social e um Teatro Muni- cipal atenderá tanto a parte material como a educativa", declarou, tentando aplacar os ânimos dos adversários, que não viam tal obra como prioritária.

Barões do café - "O que contava era o monumento que a cidade ganharia: um símbolo tanto político e cultural quanto estético, a serviço da moderni- dade. Sua construção correspondia aos anseios da elite paulistana de ver a ci- dade equipada com um grande teatro lírico, à altura do lugar que ela ocupa- va no país, como representante de um centro urbano das primeiras indústrias nacionais e dos barões do café", analisa Maria Elena Bernardes, autora da te- se de doutorado, defendida na USP, O estandarte gbrioso da cidade: o Teatro Municipal de São Paulo (1911-1938). Em verdade, o que se pretendia não era apenas erguer uma casa de ópera, mas iniciar um novo movimento urbano para São Paulo, fazer dela uma metró- pole para as elites, com características européias e, numa dimensão nacional, assegurar a mediação entre os interes- ses dos cafeicultores e os do governo federal. "A concepção da cidade para Prado era uma metrópole cosmopolita internacional, que incorporava ele- mentos do urbanismo francês e inglês, como os bulevares e parques, onde os palácios neoclássicos se tornariam refe-

rência na organização do espaço da cida- de", observa o historiador Nicolau Sev- cenko. O catalisador da renovação seria o Municipal, primeiro monumento assu- mido pelo poder público paulista.

"A gestão da cidade se desenrolava até então sem a tutela governamental: expansão urbana, saneamento, presta- ção de serviços como água, energia, transporte etc. tudo se materializava graças a proposições de origem priva- da, sem articulação entre as ações. An- tônio Prado vai ser a figura paradigmá- tica nesse espectro desconjuntado de transformação urbana", avalia o arqui- teto Hugo Segawa, da USP. Mas, dife- rente do expansivo Pereira Passos, que realizava uma grande intervenção de saneamento físico-social e de embele- zamento urbano, Prado optou por uma cirurgia urbana discreta do triângulo central (ruas 15 de Novembro, São Ben- to e Direita). O bisturi abriria o corte com a criação de um teatro nos moldes da Ópera de Garnier. As primeiras dis- cussões sobre o Municipal iniciaram-se em 1895, mas apenas em 1903 uma lei autorizou a sua construção. As obras fi- caram a cargo do arquiteto Ramos de Azevedo. O edifício levou oito anos para ser completado e custou 4.500 contos de réis, o dobro do orçamento aprovado.

Não se poupou dinheiro: adornado com pinturas a ouro e um grande lus- tre, com 700 pingentes de cristal e 220 lâmpadas, era o prédio mais alto da São Paulo de 1911. Foram usados 4 milhões e meio de tijolos, 700 toneladas de es- truturas de ferro que geraram uma cons- trução de 3.600 metros quadrados, ele- vando-se de uma esplanada conjugada a jardins que ocupavam 12.600 metros

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Teatro Municipal ajudou na modernização urbana e estética da cidade

quadrados. Havia lugares para 1.816 espectadores, todos presentes em 12 de setembro de 1911, quando o teatro foi inagurado, realizando, segundo a revis- ta Ilustração Paulista, "o seu destino de mostruário de civilização". Já em 1906, um vereador propunha "melhorias do entorno malcuidado do monumental edifício, como a transformação do vale do Anhangabaú num jardim público". O palco começava a sair do edifício para tomar a cidade. "Ainda não era corrente em São Paulo se falar em in- tervenção urbana planejada. A gestão de Prado foi uma etapa preparatória para instaurar os primeiros debates de natureza urbanística em São Paulo", conta Segawa.

O Municipal, ao lado das estações férreas (como a da Luz), nos moldes da intervenção de Haussmann, foi a cente- lha que espalhou o fogo da moderniza- ção pela "vila" acanhada. Em 1910, um ano antes de sua inauguração, um grupo de figuras da sociedade propusera a cons- trução de três grandes avenidas. "Não é quimera esperar que São Paulo possa mostrar a vontade ingente de seus filhos demolindo, e, nas ruínas, erguer uma nova cidade, digna dos progressos do século", escreveu o autor do projeto, Ale- xandre de Albuquerque. As novas vias estabeleciam uma ligação reta entre o Municipal e as estações ferroviárias, a conexão com o bairro nobre dos Cam- pos Elíseos e um caminho para a região além-rio Tietê, setor de expansão da me- trópole futura. "Longos bulevares, defi- nindo pontos de fuga monumentais, valorizariam edifícios como o Munici- pal e as estações de trem, solução calca- da no sistema de circulação parisiense,

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Para prefeito, metrópole sem vida precisava de teatro

com a Ópera de Garnier como ponto visual culminante", analisa Segawa. Nem todos viam com bons olhos.

"Um belo dia, um grupo de bandi- dos se deu conta que São Paulo não ti- nha o aspecto de uma cidade moderna e que lhes faltava o dinheiro para pros- titutas e para o jogo. Disparou, então, a moda do patriotismo. Todos os jornais gritam o hino do embelezamento. Mãos à picareta! Abaixo velhas casas. Alar- guem a city. Queremos teatros como Paris, jardins como Berlim. Derrubadas as casas, tudo o que deveria ser embelezado era propriedade do bando", denunciou o jornal operário La Battaglia, em 1912, comparando a elite paulista e o gabinete Prado a "membros da alta camorra". São Paulo, po- rém, não podia mais parar de ser Paris. A ponto de arrancar de Clemenceau o estupor: "São Paulo é tão curiosamente fran- cesa que durante a minha esta- dia de uma semana pela cidade não me recordo da sensação de estar no exte- rior". Enfim, modernos.

Essa modernização, no entanto, trouxe incômodos. "De todos os bares da cidade, o do Municipal era o mais concorrido da sociedade e um dos mais visados pela polícia. O elogio do pro- gresso passa a ser contrastado com o que denunciavam os seus altos custos. Embora muitos se felicitassem pela im- portação de costumes europeus, outros lamentavam a perda da simplicidade da vida provinciana, atentando para os males introduzidos pela modernização, como as drogas", afirma Margareth. O Municipal também foi palco da pri- meira bofetada contra as elites do café,

a Semana de 22. Ainda que restrita àqueles que pagassem 186 mil-réis por camarote, para ouvir odes contra o burguês, as dissonâncias de Villa-Lo- bos e, no hall do teatro, uma exposição com obras de Anita Malfatti, Di Caval- canti e Rego Monteiro. Escandaloso nos anos 1920, Mário de Andrade vol- tou ao Municipal em 1935, dessa vez como diretor do Departamento de Cul- tura, realizando revoluções culturais mais substanciosas na vida do teatro do que a mera afronta.

ário possibilitou à popula- ção o acesso ao equipa- mento mais suntuoso da cidade, estabelecendo a

f obrigatoriedade de uma recita gratuita de ópera, além de outras a preços populares", conta Maria Elena. "O público que vai ao Municipal? Mas esse

f não representa absoluta- mente o povo da cidade que elegeu os donos da prefeitura para que ela sub- vencionasse uma empresa para que esta, por preços exorbitantes, satisfizes- se uma moda de elite", esbravejou o au- tor de Macunaíma. Apesar dos esforços de Mário, ao sair, em 1938, tudo voltou ao mesmo, situação que parece se man- ter até hoje. "Enquanto as estruturas ju- rídicas dos teatros municipais do Rio e de São Paulo estiverem condicionadas ao paternalismo estatal e sujeitas às in- tempéries de mudanças políticas, não existem soluções viáveis para um traba- lho de aprimoramento artístico a longo prazo", avisa o maestro Isaac Karabt- chevsky, que já foi diretor artístico dos dois teatros.

"A inevitável e obrigatória mudança das direções artísticas enseja todo o tipo de amadorismo, de cancelamento de temporadas a mudanças abruptas de orientação musical. Fala-se na transfor- mação desses teatros em fundações, mas isso esbarra nos problemas que atingi- ram recentemente a Itália, onde, por fal- ta de respaldo comunitário, o governo reduziu os recursos para pagamento de pessoal e artistas convidados", con- ta. "Nossa tradição não é comunitária, mas deveríamos achar um jeito de pre- servar, à frente dos teatros, profissionais que contribuam para o resgate e evolu- ção dos corpos estáveis." Afinal, no caso do Municipal de São Paulo, há um pas- sado de glória, com a passagem, pelo seu palco, de estrelas como Isadora Dun- can, Caruso, Gigli, Toscanini, Callas, Te- baldi etc. O que restou dessa glória toda? Não foram sons ou gestos, mas roupas, trajes de cena de grande beleza e valor histórico. "O acervo de hoje, que remon- ta à década de 1940, conta com cerca de 50 mil peças, quantia digna da Ópera de Paris ou do Metropolitan de Nova York. Mas ele foi negligenciado, atacado por pragas ou simplesmente descartado", re- vela Fausto Viana, pesquisador da USP e coordenador do projeto Traje em Cena: Catalogação dos Figurinos Teatrais do Theatro Municipal de São Paulo, finan- ciado pela Fundação Vitae, que realizou a catalogação e a higienização de figuri- nos de mais de 60 óperas.

Há raridades como os trajes de uma Aída feitos todos à mão, o figurino usa- do por Renata Tebaldi em sua passagem por São Paulo, os costumes criados por Denner para a ópera Lakmé, de Delibes, e, tesouro, todas as roupas do Bale do IV Centenário, idealizadas por Portinari, Di

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Cavalcanti, Burle Marx, Lasar Segall, entre outros. "É importante que figuri- nos de valor histórico ou estético sejam preservados para pesquisas e não sejam reutilizados em montagens do teatro", afirma Viana, que ressalta não ser sua intenção "engessar" o acervo do teatro, apenas proteger os trajes mais antigos (com mais de 30 anos) ou cujo design ou designer tenham importância museo- lógica. Contando com uma equipe de 75 voluntários, sem onerar os cofres pú- blicos, o grupo já organizou 3.800 figu- rinos, separados por ópera, época e figu- rinista. Todo esse trabalho, no entanto, está em risco de ser perdido. O Munici- pal está transferindo os figurinos cata- logados para um galpão aberto do Me- trô e ainda não se decidiu a doar a parte museológica do acervo para o Museu do Teatro Municipal (que, pasmem, não pertence ao teatro, mas à Divisão de Iconografia e Museus).

"Seria fundamental preservar esse legado para que ele possa servir como material de pesquisa para a posterida- de. Mais importante ainda seria a cria- ção de um museu de teatro, não apenas com os trajes do Municipal, mas reu- nindo os muitos acervos de figurinos teatrais espalhados pelo país, funda- mentais para se poder guardar a histó- ria da nossa cena", diz. Não parece di- fícil avaliar as conseqüências danosas de reutilizar (e com certeza no proces- so, inutilizar) trajes antológicos apenas para vestir um figurante numa monta- gem atual. Afinal, do teatro que foi cria- do para "civilizar" São Paulo não restou grande coisa, além de sua história, dos fantasmas que, dizem, habitam o teatro e, concretamente, esses figurinos. A ci- dade os merece. •

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O HUMANIDADES

LITERATURA

A biblioteca de babel Edusp lança caixa com dois volumes ricamente ilustrados com os livros de José e Guita Mindlin

Ie ne fay rien

tem Ceei amou tanto Peri: por 20 anos o bibliófilo e ex-industrial José Mindlin caçou a primeira edição de O guarani, de José de Alen- car, de 1857. Nos anos 1960, um grego misterioso ofereceu a seus amigos o

livro por US$ 1 mil, mas, para desespero de Mindlin, ninguém se lembrou de avisá-lo. Dez anos depois ele pediu a um livreiro londrino que arrematasse o original num leilão, mas o inglês, achando o livro muito caro, o perdeu. Por fim, em Pa- ris, ele acabou comprando, por um preço bem maior do que os an- teriores, o seu objeto de desejo. No vôo de volta, dormiu e deixou o livro caído no tapete do avião e só deu falta do seu tesouro ao de- sembarcar. Por três dias a companhia aérea procurou Peri e Ceei e os achou em Buenos Aires e os trouxe de volta ao colecionador. Co- chilada à parte, não se pode acusar o empresário de indisciplinado quando o assunto são livros. No entanto, dono de mais de 30 mil exemplares, esse filho de imigrantes russo e sua mulher, Guita (apaixonada por ele e por sua mania), apelidaram sua portentosa coleção de Biblioteca InDisciplinada de Guita e José Mindlin, cujo ex-líbris, sintomaticamente, é "Não faço nada sem alegria".

Agora ele decidiu compartilhar a sua "loucura mansa" com todos os leitores por meio de dois belíssimos volumes que levam como tí- tulo o nome de batismo de sua biblioteca, editados numa parceria entre a FAPESP, a Edusp e a Fundação Biblioteca Nacional. Destaques da Biblioteca InDisciplinada de Guita e José Mindlin é um deleite vi- sual, em especial o primeiro volume, dedicado à Brasiliana, um dos

sans Gayeté

(Montaigne, Des livres)

Ex Libris José Mindlin

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Di Cavalcanti criou esta mulher para livro de Drummond Juan Miro ilustra Parler seul: poeme, livro de Tristan Tzara

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MARC CHAGALL

POÈMES GRAVURES ORIGINALES SUR BOIS DE

MARC CHAGALL

CRAMER ÉDITEUR GENÈVE

196I

Única obra de Chagall com ilustrações e poemas do pintor

orgulhos do bibliófilo paulista, com as primeiras edições das Orbas (sic) de Cláudio Manoel da Costa, de O Uraguay, de Basílio da Gama, a Marilia de Dirceo, de 1810, a Phalenas, de Machado de As- sis, com dedicatória do autor, um char- me presente também nas edições origi- nais de Paulicea desvairada, de Mário de Andrade, entre outros. A caixa com a seleta da biblioteca de Min- dlin traz, ainda, a Crônica de Nuremberg, de 1493, o Poema em louvor de Santa Cruz, do século 9, bem como obras ilustradas por Miro, Di Ca- valcanti, Chagall etc. "Foi di- fícil fazer a seleção, pois os li- vros têm vida e linguagem próprias, apesar da sua apa- rente imobilidade, e pratica- mente todos eles, bem como os documentos raros, se con- sideravam com direito de ser escolhi- dos", conta Mindlin. No final, valeu o mote do ex-líbris. "A biblioteca não foi planejada. Ela foi crescendo ao sabor de

nossos interesses, meu e de Guita, tendo como principal objetivo a leitura, e não o desejo de colecionar. Daí a indiscipli- na, mas relativa, já que ela entra quando sou tentado a comprar obras que não se enquadram nas vertentes definidas por mim", explica. Afinal, como ele gos- ta de lembrar: "Os livros foram feitos para a gente e não a gente para os livros".

frase, aliás, tem uma irmã quase gêmea: "A gente procu- ra o livro e o livro procura a gente". Mindlin ressalta que é o prazer, não a cobiça, que o move e o faz gastar pequenas fortunas para levar um volu- me a morar em sua estante (tantas que o obrigaram a alugar outro imóvel para guar- dar o que não coube em sua casa). "È um vínculo misterio-

so entre o caçador e a presa, como se uma afinidade criasse a atração de um pelo outro, de tal modo que o exemplar ansiosamente procurado durante anos

acaba um dia se situando como que de- liberadamente no caminho de quem o procura", observa o amigo Antônio Cân- dido. "Assim, depois de reunidos, os li- vros parecem formar uma sociedade com vida própria, dotada de coerência que vai obrigando o amador a seguir sua linha de força. Por isso, diz Mindlin, sua biblioteca foi crescendo por si mesma."

E cresceu a um tamanho tão formi- dável que várias instituições estrangei- ras tentaram comprá-la do casal. Mas eles preferiram deixar parte do acervo, cerca de 10 mil volumes da Brasiliana, para a Universidade de São Paulo, que dedicará um terreno de 10 mil metros quadrados, com toda a tecnologia de conservação necessária, no seu campus, para erguer uma biblioteca a partir do material doado. Estudantes e pesquisa- dores terão, por exemplo, acesso à His- tória geral do BraziL, de Varnhagen, de 1876, ou às Viagens de Hans Staden, numa edição de 1557 (presente nos li- vros recém-lançados). Ele já leu tudo aquilo? "O contato físico com o livro já

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ERE BE-^t .GINNETH^

THE BOOK OF 5THE TALES OF íCANTERBURY

Um Pantagruel, de Rabelais, numa bela edição francesa de 1948

é algo prazeroso. Se eu fosse ler tudo que há na minha biblioteca, precisaria de pelo menos uns 300 anos e, mesmo assim, de nada adiantariam. Durante esse tempo, novos livros surgiriam e eu precisaria de mais 300 anos", fala. Essa paixão ("Eu brinco que há no meu amor aos livros um conteúdo patológico, mas é uma patologia que faz sentir bem, em- bora seja incurável", graceja) nasceu cedo. Leitor assíduo da revista Tico- Tico (da qual possui uma coleção quase completa), aos 13 anos, Mindlin com- prou o seu primeiro livro importante, o Discurso sobre a história universal, de Bossuet, numa edição portuguesa do sé- culo 18.0 vírus estava inoculado. Hoje sua biblioteca de obras sobre o Brasil é considerada maior e melhor do que a da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Metal Leve - Mindlin foi repórter de O Estado de S.Paulo aos 15 anos, fez direi- to na Faculdade do Largo São Francis- co (onde conheceu Guita, com quem se casou em 1938 e que é a encaderna- dora oficial da coleção do marido), ad- vogou por 15 anos, defendendo imi- grantes europeus que queriam entrar no Brasil durante o Estado Novo e, em 1950, virou empresário. Alguns clientes o procuraram para redigir um contrato de sociedade com uma fábrica alemã de pistões, mas desistiram do negócio, que interessou o advogado. Com outros só- cios ele montou a Metal Leve, por causa do alumínio, matéria-prima dos produ- tos. Com JK e o desenvolvimentismo, a empresa se transformou numa potência do setor de autopeças e chegou a em- pregar 6 mil trabalhadores. O patrão,

Um favorito do colecionador: os Canterbury Tales ilustrado por Eric Gill

no entanto, não tinha a mínima idéia do que produzia, com a cabeça nos li- vros e longe da mecânica. Em 1996 ven- deu suas ações. Sem vergonha da sua "ignorância" técnica, pediu aos filhos que lhe dessem o seguinte epitáfio: "José Mindlin. Fabricou pistões a maior parte da vida, sem saber o que eram". Preferia e prefere ler. São de 80 a 100 livros por ano, incluindo-se as releituras. O volu- me só cresce, como se pode ver em Des- taques da Biblioteca InDisciplinada, plena de tesouros antigos recentes. "Dinheiro a gente recupera, mas um livro raro não."

Bonito lema de um colecionador que vê tanta beleza nas capas, lombadas e le- tras de seus volumes. "O livro transmite pensamentos, traduz emoções, estimu- la a imaginação e o sonho, permite que nossas vivências cotidianas se transfor- mem em um mundo cheio de encantos e seduções, dando à vida um sentido in- telectual e espiritual de inestimável va- lor", avisa. Um amor assim não se vê em qualquer lugar. Como o de Ceei por Peri, é coisa digna de livros. Como esses. •

CARLOS HAAG

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 93

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Resenha

O mundo de cabeça para baixo Brasilianista mostra como a vinda de dom João VI

ao Brasil revirou o sistema colonial

CARLOS HAAG

i PATRICK WILCKEN

IMPÉRIO A DERIVA PORTUGUKSA 11 mundo estava de

I ponta-cabeça. ' Dois anos antes

de o Brasil se de- clarar independente de Portugal, uma revolu- ção no Porto pregava a necessidade de Portu- gal ficar independente do Brasil. "A idéia de ser reduzida a um status de colônia afeta todos os cidadãos que conservam um sentimento de digni- dade nacional", afirmava, em 1820, o Manifesto da Nação Portuguesa aos Soberanos e Povos da Euro- pa. O paradoxo de um movimento anticolonial em pleno solo europeu era o resultado final de uma troca de valores iniciada com a vinda da fa- mília real para o Brasil, em 1808, fugida das tropas de Napoleão. "Nunca antes a realeza européia ti- nha colocado os pés em suas colônias, ficando in- suladas da fonte de sua riqueza e prestígio. Apenas no século 20 é que reis e rainhas passaram a circu- lar por seus impérios, ainda assim, para reafirmar o abismo entre colônia e metrópole. Logo, a expe- riência da corte portuguesa no Brasil foi única e sem precedentes", analisa Patrick Wilcken em seu relato dos 13 anos que a realeza lusa passou no Rio.

Por um paradoxo espantoso, a metrópole se viu reduzida à "colônia da colônia": o Império es- tava à deriva, indicando tanto o movimento do poder, deslocado para o Rio de Janeiro, quanto o ápice da decadência portuguesa, que já ameaça- va Lisboa bem antes dos franceses. Afinal, já em 1800, um conselheiro de dom João VI avisara o monarca de que, em breve, Portugal se transfor- maria numa província da Espanha, e "a única for- ma de defender a independência da Coroa é criar um grande império no Brasil". Em 1805, também antes de Bonaparte, os ingleses defendiam a mu- dança real para o Rio, uma manobra política que pretendia eliminar a intermediação lusitana nos negócios britânicos. A chegada dos franceses, en- tão, apenas adiantou um movimento que se colo- cava havia décadas para o soberano indeciso, que, em 1808, se viu no fogo cruzado entre a entrada das tropas de Junot em seu país e a ameaça de

Império à deriva: a Corte portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821

Patrick Wilcken

Editora Objetiva 328 páginas R$ 34,90

Lord Strangford de bom- bardear Lisboa se não fu- gisse para o Brasil.

Apesar de planejada meses antes, a saída da Corte foi patética. Na pres- sa, as caixas com a biblio- teca real ficaram esqueci- das no porto. Na chegada à colônia, novos sustos. Uma coisa era ter escra- vos num lugar remoto da América, outra era convi-

ver com eles. A escravidão já não existia em Por- tugal desde 1761, mas, por aqui, chegavam, a cada ano, 20 mil negros. A Corte apavorou-se com a idéia de manter as instituições imperiais numa cidade dominada por cativos, alguns dos quais, para surpresa geral, usavam jóias, cartola e chei- ravam rape.

Que lugar era aquele? O medo fez a Corte mais generosa com os negros e há relatos do rei e de Carlota Joaquina libertando escravos em plena rua, durante seus passeios. O monarca igualmente foi gentil com seu protetor (quase carcereiro) bri- tânico e, cumprindo promessa feita antes de deixar a Europa, abriu os portos para as "nações amigas".

Anos depois, com a expulsão dos franceses, uma campanha que custou a vida de 250 mil lu- sitanos, era hora de dom João voltar, mas o ro- busto soberano, temeroso da situação instável em seu país, ficou no Rio. A imobilidade real foi as- sunto até no Congresso de Viena, onde Taylle- rand sugeriu que o impasse seria solucionado se o Brasil fosse elevado à condição de Reino Unido, com Portugal e Algarve. Assim se fez e a colônia ficou em igualdade com a metrópole. Nisso, a di- ferença marcante entre os movimentos de inde- pendência das colônias espanholas, todos violen- tos, e a pacífica transição ocorrida por aqui. Com a vinda da família real, a equação colonial se in- vertera e a pressão por liberdade foi sendo disten- dida. Afinal, em 1808, éramos uma nação eman- cipada; em 1820, a própria metrópole queria independência do Brasil; 1822 só ocorreu por- que a experiência de o Brasil funcionar como centro do Império falhou. Não precisávamos mais de Portugal. O mundo voltava, aos poucos, ao seu prumo. Ao menos por uns tempos.

94 ■ MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

Page 95: O décimo planeta

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ocorridos com mulheres cativas que enfrentaram, direta ou indiretamente, o sistema. A Caetana que dá título ao livro foi uma escrava que se recusou a consumar o seu casamento, arranjado contra sua vontade, com outro escravo, por ordem de seu senhor. As outras mulheres mostram como funcionava o universo patriarcal.

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Novos horizontes no estudo da linguagem e da mente Noam Chomsky Editora da Unesp 364 páginas, R$ 42,00

O polêmico Chomsky está de volta ao seu campo de estudo inicial, após anos falando sobre tudo, a lingüística. Nesse

livro, ele retoma idéias dos anos 1960 sobre a origem da revolução cognitiva, afirmando a linguagem como um objeto biológico que deve ser analisado com os métodos das ciências naturais. Aprofundando os conceitos, Chomsky os discute de forma histórica, aponta para novos caminhos de como alcançar o conhecimento. Editora da Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

O pensamento católico no Brasil Antônio Carlos Villaça Editora Civilização Brasileira 336 páginas, R$ 42,90

Reedição de um clássico publicado originalmente em 1975, o estudo de Villaça historiciza o catolicismo

brasileiro, datando a sua evolução e demonstrando sua conexão com o próprio desenvolvimento do país. Dos tempos coloniais aos atuais, o autor apresenta todos os estágios dessa fé no Brasil e as figuras que foram responsáveis pela sua manutenção por tantos séculos.

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Memória e história MEMÓRIA E HISTÓRIA BORIS

Boris Fausto Graal 261 páginas, R$ 39,00

Um dos nossos maiores historiadores, Boris Fausto ganhou uma merecida coletânea de seus textos mais recentes, publicados em jornais e revistas. Dividido em quatro partes (América

Latina: semelhanças e estranhamentos; História, interpretações e idéias; Temas brasileiros; Cenas da Microhistória), traz o pensamento preciso do pesquisador, livre para discorrer sobre temas os mais diversos com seu estilo seco e intenso. Graal/Paz e Terra (11) 3337-8399 www.pazeterra.com.br

A real história do real: uma radiografia da moeda gue mudou o Brasil Maria Clara do Prado Editora Record 573 páginas, R$ 49,90

Colunista do jornal Valor, a jornalista Maria Clara do Prado usou todo o seu

conhecimento prático ao cobrir a consolidação da nova moeda e juntou a ele uma pesquisa densa, realizando uma história ao mesmo tempo fascinante e precisa dos bastidores, do comportamento dos protagonistas, enfim de tudo o que levou à estabilização monetária do Brasil com a implementação do Plano Real. Editora Record (21) 2585-2000 www.editorarecord.com.br

0 imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964 Jorge Ferreira Editora Civilização Brasileira 390 páginas, R$ 45,90

Para aqueles em que a menção do PTB só traz à cabeça os escândalos recentes

do mensalão, esse estudo de Jorge Ferreira. Analisando o período compreendido entre 1945 e 1964, quando o golpe militar colocou fim ao regime democrático, o livro mostra como o getulismo deitou raízes fortes e profundas no imaginário popular e na relação delicada das trabalhadores com o Estado e com o capitalismo.

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Page 96: O décimo planeta

Ficção

Sobre os rumos da instituição

lhou para o seu cãozinho e disse: Neném, precisamos mudar esse estado de coisas. Sou um pesquisador, tenho uma opinião própria sobre o projeto, e não posso aceitar

resignadamente que os rumos do saber acadêmico continuem assim, prestando contas, cumprindo prazos, participando de congressos, produzindo ar- tigos... E clamou aos céus: por Netuno, a vida é muito mais do que isso!

Neném ficou estático, contemplando fixamen- te seu dono; ou melhor, permaneceu tal como es- tava, antes de lhe dirigirem sentenças tão resolutas. Uma coceira intensa atrás da orelha desviou sua atenção. Passada a coceira, começou a farejar em vol- ta de onde estava sentado e, abanando seu rabinho coto, deu um latidinho, como quem assentisse na conclamação em discurso proferida pelo orador.

Mas, quê?! Trabalhar como um coveiro, deposi- tando sobre o leito marmóreo dos grandes pensa- dores as lápides em notas de rodapé, em cujo epi- táfio se lê idem, ibidem7. Empunhava sua caneca azul com chá de menta, dirigindo a Neném um semblante inflamado: uma república, com efeito, também necessita de coveiros; mas e quanto aos vi- vos? Resta-lhes algo a ser dito? Uma mísera verda- dezinha sequer? Se não, então tudo não passa de uma tarefa classificatória, planejada por um siste- ma fechado e perverso, em que a tarefa principal consiste numa embromação infinita sem nenhum outro resultado além de taxonomia bibliográfica. E é por isso que insisto: não só a vida é muito mais do que isso, como me disponho a mostrá-la. E es- bravejou: ao computador, Neném! Se falta cora- gem para expressar-me diretamente em assem- bléia, falar-lhes umas boas verdades, esbocemos ao menos algumas considerações sobre os propósitos

BRUNO SIMõES

iniciais da pedra fundamental da instituição — propósitos esses os mais louváveis — e compare- mo-los com os seus atuais resultados — corretos, reconheço, mas muito aquém daquilo que podería- mos alcançar. E, a partir disso, investiguemos as cau- sas: enumeremos os motivos mundanos, os virtuo- sismos vaidosos e frívolos que resultaram nesse torpor absoluto. Neném pegou seu osso de borra- cha e, sem nenhuma hesitação, acompanhou seu dono até o quarto, para redigirem o relatório.

Senhor diretor, Com o perdão do desplante, deixo de lado o

tradicional "venho por meio desta". Se é a vossa se- nhoria que me dirijo, logo a apresentação está su- bentendida. Como funcionário dessa instituição há mais de dez anos, dou por certo que o motivo de minha carta não o surpreenderá. Afinal, como diretor, sois um dos mais diretamente envolvidos e, portanto, responsáveis pela lamentável situação em que se encontra nossa auspiciosa morada do conhecimento. Mas não o culpo. Sabeis bem que a história, nossa infalível albergadora dos fatos, há muito atesta que não é de hoje que as coisas chegaram aonde chegaram, donde a constatação de que a vossa mencionada responsabilidade está diluída no oceano das contingências.

O que gostaria de tratar aqui não ignora o re- sultado eficiente e devido das tarefas almejadas e cumpridas, mas prefiro ater-me ao entorno de di- versos elementos que, a meu ver, foram emprega- dos levianamente no correr do processo.

Estive conversando com Neném, meu leal con- selheiro, especialista em questões prementes, sobre alguns incômodos que me aturdiram no espaço hierárquico da instituição; e embora Neném não faça parte do projeto, tenho cada vez mais a forte

96 • MARÇO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 121

Page 97: O décimo planeta

convicção de que é de "gente" como ele que neces- sitamos para a obtenção de melhores resultados.

Entenda: creio que, em primeiro lugar, tergi- versa-se em demasia nas nossas reuniões mensais. Todos queremos colaborar, trazendo novas análi- ses e informações referentes aos tópicos delimita- dos no cronograma, mas acabamos apenas nos submetendo a um festival de frases de efeito, grace- jos e comentários retorcidos. Como já disse, não tenho dúvidas de que, no final das contas, conse- guimos atingir o programado. Mas, pergunto-lhe — da mesma forma que consultei Neném —, será que isso não ocorreria de modo mais profícuo, caso conseguíssemos, como se costuma dizer, sair um pouco da teoria, partindo finalmente para a práti- ca? Não estaríamos nos amotinando nos muros que encerram o universo do saber, ignorando a existência de vida inteligente no mundo real, efeti- vo, onde as coisas acontecem? Em suma, o que se tem feito durante essas nove décadas de reconheci- mento e respaldo público não é pura divagação em nome da tradição?

Mencionei a pessoa de Neném, e insisto nesse ponto, porque se não é ele quem escreve direta- mente esta carta, ainda assim é o espírito ilustrado de meu cãozinho que perfaz a minha letra — sim, é hora de trazer a verdade à baila: é num quadrú- pede doméstico que me baseio, num assíduo fre- qüentador de pet shop, com menos de cinco quilos, fruto dos percalços de uma sociedade consumista imprestável. O senhor não pode ouvir agora os la- tidos frenéticos e agudos de Neném, tomado de fú- ria em virtude dessa calamidade apática de que o pus a par. Garanto-lhe, porém, que não é sem ra- zão que Neném late, apoiando-me nessa luta que deflagro contra a mesmice institucional. Se até hoje

outros funcionários não lhe comunicaram nada a esse respeito, é porque se encontram entorpecidos pelos fungos da burocracia que, ao cultivarem sua colônia, transformam a espontaneidade em má-fé. O balcão da copa, por exemplo, onde tomamos nosso ordinário e aguado cafezinho: ao nos defron- tar com nossos conhecidos, todos dizemos um sau- dável e sorridente bom dia!, como vai!, quanto tempo!, mas, pelas costas, granjeamos os pensa- mentos mais insidiosos e nefastos.

(desculpe por persistir tanto no conectivo e; mas, o senhor sabe: nunca é coisa só) • Tenho consciência do risco que corro ao pôr nossa instituição em xeque à luz dos conselhos que Neném tão solicitamente me ofertou. Não que te- nhamos abandonado a solidariedade nas reuniões e na convivência quase diária. Contudo, que medi- das poderíamos tomar para dissipar esse ambiente pasmado do profissional, que se comporta como quem tudo sabe, mas nada diz, já que — reza a pa- ranóia — os outros se apropriariam indevidamen- te das idéias alheias.

E torno a reclamar: a objetividade que nos falta, Neném tem de sobra, e isso sem tergiversar; mesmo sendo muito novinho, ele vai direto ao ponto...

Uma súbita descarga elétrica apagou a tela do computador. Um ganido seco e breve. Ao chão, en- quanto seu dono escrevia, após muitos latidos, Ne- ném abandonara seu osso de borracha e começou a roer o cabo ligado à tomada — a única maneira honesta de dar cabo àquilo tudo.

BRUNO SIMõES é tradutor, mestre em Filosofia pela USP e atualmente desenvolve uma tese de doutorado sobre o pensamento conservador.

PESQUISA FAPESP 121 ■ MARÇO DE 2006 ■ 97

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A hanseníase ainda é um sério problema de saúde pública em nove países. O Brasil é o segundo país com maior índice da doença, perdendo apenas para índia. Como parte de nossas ações de responsabilidade social, assumimos, desde 2000, o compromisso junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) de combater à hanseníase. A Novartis fornece gratuitamente à OMS a medicação necessária para erradicar a doença do mundo. Na primeira etapa da doação (2000 a 2005) foram necessários US$ 40 milhões em investimentos, que permitiu a cura de 4 milhões de pessoas. Agora, o acordo se extende até 2010. Para essa nova fase serão destinados até US$ 24,5 milhões, dependendo do número de J casos que podem ser detectados nos próximos anos. 0 desafio assumido pela Novartis e pela \JJ fsj O VA R.T I S OMS é atender os atuais casos em tratamento no mundo e eliminar definitivamente essa doença.