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CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NA CRIANÇA: UM ESTUDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Eliete Cardoso Ribeirão Preto/SP 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO

O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NA CRIANÇA: UM ESTUDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Eliete Cardoso

Ribeirão Preto/SP

2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO

O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NA CRIANÇA: UM ESTUDO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto, como requisito parcial para a obtenção do título Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Escolar Orientadora: Profª. Drª. Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves

Ribeirão Preto- SP 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO

O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA NA CRIANÇA: UM ESTUDO NA EDUCAÇÃOINFANTIL

Comissão Julgadora:

________________________________ Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves

Orientadora

_____________________________ Filomena Elaine Paiva Assolini

2º examinadora

________________________ Tárcia Regina da Silveira Dias

3ª examinadora

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Dedico esse trabalho a Deus meu grande incentivador e amigo e ao grande amor da minha vida, minha filha e companheira de todas as horas Tairine Cardoso Nifosse.

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AGRADECIMENTOS A Deus, pelo fato da minha própria existência. Ao amor de Paulo César Nunes do Nascimento, que me ensinou a ver a vida com os olhos do coração, fazendo-me rever todos os princípios da existência humana, sempre crendo na força divina e na capacidade que o amor tem em transformar as pessoas. À Professora Drª. Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves, por acreditar que seria possível chegar ao final com sucesso. Aos meus queridos alunos de hoje e sempre. Aos meus amigos professores da Educação Infantil do Município de Monte Alto. Aos meus amigos da E.M.E.I.E.F. Irineu Julião de Vista Alegre do Alto. A Profº Mônica Hernandes Duran, minha professora de Didática no Magistério e minha amiga desde 1989, que sempre acreditou na Educação e no meu trabalho enquanto Educadora. A minha companheira de viagem e aventuras durante o mestrado Ana Lucia Cordeiro. A todos meus companheiros de luta e amigos que ingressaram comigo no mestrado em 2006, em especial a Ritamar e Ludovino. Às minhas irmãs Eliane, Elizete e Elizangela e aos meus sobrinhos, pelo exemplo, em que cada uma a seu modo, contribuiu e torceu pelo meu crescimento. A minha amiga confidente, companheira de todas as horas Elizabete Oliveira Santana. Aos meus anjos vestidos de branco, enviados por Deus que me ajudaram e me incentivaram de forma significativa na execução desse trabalho, cada um a seu modo; Andréa Sanches, Ângela Marangoni, Rodrigo Daltoe, Isabel Bedim, Eduardo Reis, Genaina Ferraudo, Elizangela Meira, Gilberto Nifosse, Ângela Márcia Morcelli, Helena Paiva, Ângela Sanches, Elaine Cristina, Eiji Sato, José Mario, Magali e Leodécio. A Dra Mara Silvia Rosalino que me fez acreditar em milagres. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Moura Lacerda, por ter me concedido a oportunidade de cursar o Mestrado permitindo que meu sonho de pesquisa em educação se tornasse realidade. Aos amigos que me conquistaram e que conquistei por todos os lugares onde estive em busca de aprendizagem. Às Professoras Filomena Elaine Paiva Assolini e Tárcia Regina da Silveira Dias pelas valiosas contribuições por ocasião da minha qualificação e pelo incentivo a este trabalho. Ao meu pai, de quem herdei toda essa vontade imensa de viver e vencer. A uma grande amiga e companheira que conquistei nesses últimos 8 meses e que foi peça fundamental para a conclusão do meu trabalho de Mestrado, Profº Vitória Hadad As minhas filhas do coração, Ana Tereza Gironi da Costa, Heloisa Fugita Ohno, Maria Eduarda Cardoso, Isabela Jorgetto. Ao grande amor da minha vida, minha filha Tairine Cardoso Nifosse que me faz refletir sempre sobre o amor incondicional que existe entre mãe e filha.

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CARDOSO, Eliete. O Desenvolvimento da escrita na criança: um estudo na Educação Infantil. (Dissertação de Mestrado) Ribeirão Preto, SP: Centro Universitário Moura Lacerda.

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo investigar a construção da escrita pela criança na

Educação Infantil. O processo da escrita se inicia muito antes da criança ir para a escola

aprender o alfabeto, juntar letras e por fim formar palavras. Esse processo é complexo e

está intimamente relacionado a símbolos que não se justificam em si mesmo. Segundo

Vigotski (1998), a construção da escrita é um processo que passa por gestos, brincadeira

de faz-de-conta e desenho. A criança realiza uma descoberta fundamental ao descobrir

que pode também desenhar a fala. Esse trabalho foi desenvolvido em uma creche

filantrópica de uma cidade do interior paulista, com uma turma de alunos de cinco a seis

anos, matriculados na Educação infantil. Durante o ano letivo de 2006 foram realizadas

atividades semanais, com duração de uma hora e meia, com esses alunos. Essas atividades

foram filmadas. Foram selecionados alguns episódios, que foram submetidos à análise

microgenética. Os resultados indicaram que a memorização, tão exigida pelo professor na

fase pré-escolar, não é o suficiente para que o aluno construa a escrita enquanto função

social.

Palavras-Chave: Escrita, Educação Infantil, Vigotski.

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................06

1- INTRODUÇÃO.......................................................................................................08

2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..........................................................................16

2.1 – O surgimento da escrita como marco na história da humanidade....................... 19

2.2 – O desenvolvimento da escrita na criança.............................................................22

2.2.1 – A importância do pensamento e da linguagem no desenvolvimento da escrita23

2.2.2 – As etapas da pré-história da escrita.............................................................. ....26

2.2.3 – O brinquedo na construção da escrita................................................................27

2.2.4 – O desenho no desenvolvimento da escrita .........................................................29

2.3 – Os métodos do ensino da escrita no Brasil, a partir dos anos 40, e sua repercussão nos dias atuais ...............................................................................................................30 3- REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO....................................................35

3.1- PROCEDIMENTO DE COLETAS DE DADOS.................................................36

3.2- PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS..............................................39

4- RESULTADOS E ANÁLISES DOS DADOS.........................................................42

4.1 – Episódio 1- Funções da linguagem escrita...........................................................42

4.2 – Episódio 2- O desenho e o ensino da escrita visto pela professora ................ ....46

4.3 – Episódio 3 – A escrita e o desenho como cópia...................................................50

4.4 – Episódio 4 – O brincar de escrever.......................................................................52

4.5 – Episódio 5 –Apropriação da escrita......................................................................57

4.6 – Episódio 6- Brincando com a escrita através da mímica e do desenho................62

5. CONCLUSÃO...........................................................................................................70

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................72

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1. INTRODUÇÃO

É MAIS FÁCIL DESINTEGRAR UM ÁTOMO DO QUE UM PRECONCEITO (Albert Einstein).

Durante quinze anos de trabalho na Educação Infantil, vivenciei situações de

inquietações, referentes ao processo de leitura e escrita convencional de algumas crianças.

Tinha uma noção restrita e quase imperceptível de como a criança se apropriava da escrita

e fazia uso dela. A escrita parecia-me relacionada apenas uma questão de memória, treino

motor e maturação: quanto maior o contato com as letras do alfabeto, mais fácil seria

reconhecê-las e, conseqüentemente, com precisão elas poderiam ser escritas e aprendidas.

Era como se, de repente, a criança aprendesse, depois de todo um trabalho de

apresentação das letras - primeiro as vogais, depois as consoantes, incluindo as quatro

formas da escrita do Alfabeto, como símbolo que representa um som (B+A=BA,

B+E=BE, etc.), como a visualização de desenhos com escritas (pendurados nas paredes da

sala de aula); a cópia da escrita do nome próprio e do que cercava o aluno no próprio

ambiente escolar como “LOUSA, MESA, CADEIRA, PORTA”, e também das

associações que ele deveria fazer com os desenhos apresentados como “ABACAXI,

BOLA, CASA, DADO”, que geralmente são usados para iniciar a apresentação de uma

letra a ser trabalhada.

Com este trabalho, começávamos a inserir a criança no mundo da escrita e da

leitura, e com o tempo ela amadureceria para o aprendizado da linguagem escrita e, ao

final do ano letivo, estaria apta a escrever e a ler, pois tivera contato com todas as letras

que formam o nosso alfabeto e suas referentes famílias silábicas.

Espera-se do professor da Educação Infantil, que ele seja uma continuação da mãe

na escola, e que sua função seja, antes do ensinar, o de cuidar. Proteger as crianças dos

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perigos do dia a dia, como cair ou mesmo trombar com o outro, bater a cabeça,

desentender-se com os amigos, etc., situações comuns às crianças que estão descobrindo o

mundo à sua volta. Em geral ele não é visto, e nem cobrado, como um profissional da área

da educação, cuja função vai além de cuidar, contribuindo para o desenvolvimento

significativo da criança, como cidadão pertencente a um grupo social específico.

Quando a criança ainda pequena chega à escola, esta deveria esta aberta e apta a

recebê-la, pois ela já traz dentro de si uma leitura de mundo historicamente construída pela

família a qual pertence, bem como pela da sociedade na qual se insere. O professor deveria

considerar, organizar e mediar toda essa experiência que o aluno traz para dentro do

ambiente escolar e não apenas ter como foco central o ensinar o alfabeto, por exemplo,

através de quatro formas diferentes de letra: letra bastão maiúscula e minúscula e letra

cursiva maiúscula e minúscula. Depois da apresentação das formas mais usadas de se fazer

letra, a criança começava, então, a escrever/copiar as letras. Primeiro se ensinava a letra

bastão, mais fácil de ser copiada e também de ser encontrada em materiais impressos,

como jornais, que o aluno utilizava para pesquisa. O fazer “pesquisa” com jornal, se

resumia em encontrar as letras do alfabeto que estavam sendo trabalhadas e as palavras

que iniciavam com a letra trabalhada (por exemplo, A).

As crianças escreviam, através da cópia dos traçados das letras, das sílabas

(formadas por uma vogal e uma consoante) e das palavras escritas na lousa pela

professora. Depois de terem trabalhado as noções de espaço, lateralidade e linha, as

atividades passavam a ser feitas no caderno. Geralmente, a professora escrevia várias

vezes a letra trabalhada, para que fosse possível a criança escrever ao lado e depois, como

tarefa, pedia que fossem feitas as pesquisas em jornais e revistas; num segundo momento,

ela carimbava desenhos no caderno e nomeava-os para que a criança os pintasse e depois

copiasse a palavra escrita. Era pedido também que ela copiasse as palavras pesquisadas,

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com o objetivo de treinar a escrita e perceber como se escrevia outras palavras que não

foram dadas pela professora, enfatizando que existiam muitas palavras iniciadas com

aquela letra.

O resultado era visível: havia as crianças que copiavam bem os traçados das letras

e palavras, chegando a passar da letra bastão para cursiva e havia crianças que não

copiavam, não conseguiam escrever daquele jeito, naquela linha; elas não entendiam o

processo. Muitas nem imaginavam porque tinham que fazer aquilo, escrever não tinha

significado, sentiam como uma atividade demorada e cansativa. Às vezes, para suprir as

necessidades diferentes do aluno, eram dadas atividades complementares, ou

simplesmente o deixava de lado, acreditando que, na 1º série, ele teria mais idade e estaria

mais amadurecido para o processo de alfabetização.

O período pré-escolar foi, e é até hoje, considerado por muitos profissionais da área

da educação como um período preparatório para que a criança ingresse na 1º série do

Ensino Fundamental, tendo mais chance de sucesso, facilitando o trabalho do educador

alfabetizador. Muitos estudos trazem essa concepção sobre a aprendizagem da escrita.

Compartilhando dessa percepção, Rego (2008, p. 1) nos mostra que:

[...] a maior parte dos trabalhos desenvolvidos na Pré-escola, em relação à alfabetização inspira-se na idéia de prontidão, período preparatório onde às crianças deveriam desenvolver pré-requisitos básicos para uma alfabetização futura. O pressuposto desta concepção é a crença na necessidade da maturidade para a lacto - escrita, que se daria através do treino de aptidões ou habilidades necessárias para aprender a ler e escrever: como orientação espacial, noção de lateralidade, discriminação visual e auditiva, coordenação motora fina, etc.

Sempre houve muitos questionamentos sobre a questão de “quem” de fato teria a

função ou responsabilidade de alfabetizar. Na prática, a alfabetização acaba ficando a

cargo do Ensino Fundamental, enquanto que à Educação Infantil seria atribuído o período

preparatório.

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Neste contexto me deparei com a busca para entender o porquê de algumas

crianças não aprenderem a escrever, já que existia empenho da professora e do aluno em

aprender. As condições para aprender, existiam, pois as crianças falavam bem, cantavam

bem, se alimentavam bem e, principalmente tinham boa saúde física e mental, mas não

aprendiam a escrever.

Ensinar daquela maneira era bom só para alguns alunos, mas, para outros, era

muito desgastante, desmotivador, inclusive para o professor. Algo precisava ser feito em

relação à Educação Infantil, que poderia contribuir de maneira significativa para melhorar

a qualidade de ensino naquela faixa etária.

Com a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases (nº. 9394/96), que garantia à

criança acesso à Educação Infantil, esperava-se uma mudança nesse quadro, mas a nova

Lei acabou não trazendo formas diferentes de se educar. O educar, na Educação Infantil,

ficou ainda muito vinculado ao cuidar e as questões educacionais ficaram em segundo

plano.

Em 1998, o Ministério da Educação e Cultura distribuiu exemplares do Referencial

Curricular para a Educação Infantil. Este material foi proposto aos educadores da

Educação Infantil para ser utilizado como instrumento do trabalho docente. Tratava-se de

propostas que mudavam radicalmente aquela prática repetitiva e mecânica de apresentação

da escrita, presente até então na Educação Infantil.

Essa proposta de inovação contida no Referencial Curricular para a Educação

Infantil acabou causando um grande impacto à Educação. Não sem certa resistência por

parte dos professores, especialmente quanto à prática pedagógica, ligada à questão do uso

da “cartilha” para se ensinar a ler e escrever. Apesar de ter sido “imposta” aos

professores, como afirma Saviani (1997), a proposta contribuiu para um novo momento da

Educação Infantil no Brasil. As crianças de 0 a 6 anos tinham o direito a um novo tipo de

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educação, que respeitasse seu processo de desenvolvimento, que promovesse seu

aprendizado e alguns professores começaram a buscar maiores informações dentro do

próprio Referencial Curricular para a Educação Infantil.

Ao se deparar com a proposta construtivista que o Referencial Curricular para a

Educação Infantil trazia como recurso para Educação, pôde-se perceber que a escrita se

iniciava muito antes da criança entrar para a escola, e que só aprender a partir do nome

próprio e depois juntar as letras para formar palavras não era escrever, era desenhar

signos. O processo de aquisição da escrita era muito mais complexo do que, até então, fora

do meu conhecimento e do grupo de professores que eu fazia parte.

Diante de proposta, é chegada à hora de se fazer uma reflexão no trabalho

desenvolvido dentro da Educação Infantil, e uma reavaliação das práticas pedagógicas,

partindo da necessidade de conhecer o como se dá a constituição do sujeito, além do

traçado das letras, do conhecimento do alfabeto e da memória para se juntar letras e

formar palavras. Faz-se necessário articular o brincar, o desenhar e o escrever

significativamente, deixando de priorizar a questão do traçado das letras.

O fato de uma criança escrever (copiar) o que o professor determina, ora seja uma

atividade colocada na lousa ou, no caderno, com o traçado bem feito e em cima da linha

não significa que ela esteja construindo a escrita, pois a cópia das letras, nem sempre tem

significado algum para o aluno, ele as copia como se estivesse desenhando-as. As letras

são símbolos que não têm significado em si mesmos. A escrita é muito mais que um ato

visual, mecânico e repetitivo.

A criança, no período pré-escolar, interage com o ambiente, tornando-o mais

agradável para si mesmo e é capaz de expressar sentimentos (felicidade e tristeza) e

construir situações a seu favor.

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Segundo Vigotski (1998), a criança antes de pertencer a um grupo escolar já

pertence a uma sociedade construída historicamente pelo “outro”, portanto, já traz uma

visão de mundo elaborada previamente, não podendo ser vista como uma criança que não

tem vivência ou mesmo nenhum conhecimento sobre a escrita, ainda mais vivendo num

mundo letrado como o nosso.

Essas questões me levaram a estudar sobre o processo da aquisição da escrita pelo

qual a criança passa, e rever conceitos das práticas pedagógicas até então tidas como

recursos para a educação. Era hora de rever o papel da escola e do professor junto ao

aluno, e a função da escrita para o mesmo.

Pude compreender que a escrita está intimamente relacionada a signos que não se

justificam em si mesmos e é na interação com o adulto, que ela se realiza. As discussões

sobre o trabalho desenvolvido na Educação Infantil têm sido cada vez mais freqüentes e

necessárias.

O construtivismo teve e tem até hoje uma grande responsabilidade na melhoria da

qualidade da educação brasileira. Segundo Assolini (2007) ele desencadeou intensas

mudanças na maneira de os educadores brasileiros entenderem o processo de

alfabetização e, por algum tempo, achou-se que a adoção do construtivismo seria a

solução para a Educação Brasileira.

[...] Desta forma, é possível concluir que não é a adoção de um modismo teórico, tal como vem sendo feito com o construtivismo, que irá solucionar os problemas das relações ensino/aprendizagem na educação infantil. (BRASIL, 1996, p. 42).

É necessário perceber que a criança está inserida num meio socialmente construído

pelo homem, quando partimos da idéia de que a criança vai se apropriando do que já foi

desenvolvido pela sociedade a que pertence e que tudo isso está em constantes mudanças;

percebe-se que ela não é um ser vazio, já traz consigo sua história cultural, construída

através do contato com o “outro” desde o seu nascimento.

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Segundo Vigotski (1998), o aprendizado escolar tem como meta orientar e

estimular os processos de desenvolvimento, fazendo com que a criança progrida na sua

compreensão de mundo; o professor não é mais visto apenas no papel de informante ou

detentor do saber e, sim, no papel de mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento.

Se antes considerava-se que o professor entrava na sala e transmitia conhecimento - cabia

ao aluno copiar e decorar aqueles ensinamentos, reproduzindo-os com fidelidade - agora

considera-se o professor em um papel de mediador do conhecimento, no qual as

experiências e vivências do aluno são consideradas como ponto de partida para aquisição

de novos conhecimentos, cabendo ao professor promover essa integração entre

conhecimento prévio do aluno e o conhecimento científico que lhe é novo naquele

momento.

A valorização do alfabeto no ensino da escrita nos remete à própria criação do

sistema da escrita por nossos antepassados, como coloca Rizzo (1998, p. 14):

[...] O ensino da escrita sobrepunha-se ao da leitura [...] O ensino do alfabeto deu origem ao termo alfabetizar e ao primeiro método de ensino, que conhecemos pelo nome de alfabético. Saber escrever era sinal de status, e somente classes privilegiadas tinham acesso ao ‘ensino das primeiras letras’ e isso vigorou até muito recentemente. [...] esse procedimento era bastante repetitivo e demorado.

Ainda nos tempos atuais encontramos o ensino da escrita de forma mecânica,

repetitiva e fragmentada, partindo se das letras à formação de palavras. Segundo Veigas

(2008), o grande número de analfabetos existentes no País, incluindo as pessoas que

apenas escrevem o próprio nome, parece indicar que a escola não tem sido para todos.

Mesmo na escola, são visíveis as dificuldades que os alunos têm de representar a escrita

com significado e coerência.

A esse respeito é fundamental refletirmos através da fala de Smolka, (1988),

[...] a escrita é mais uma linguagem que proporciona a interação do sujeito com outros, com o mundo. Por isso precisa ser contextual, desempenhar função social, precisa ser consciente e não reprodutora. Não se trata, então, apenas de “ensinar” (no sentido de transmitir) a

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escrita, mas de usar, fazer funcionar a escrita como interação e interlocução na sala de aula, experienciando a linguagem nas suas várias possibilidades. É possível perceber que a escrita sempre deve ter um significado, uma função que quer dizer algo a alguém, a escrita é um momento de reflexão e tem que ser valorizada no seu processo de apropriação. (p.45)

Com essas indicações sobre o que ainda acontece nas escolas referente a como é

ensinada a escrita, ou de como se pensa que o aluno da educação infantil se apropria da

escrita, é que este trabalho tem como problema: Considerando que a escrita não é um ato

mecânico, apenas a serviço da memória, e que tem uma função social, que caminhos

percorre uma criança para dela se apropriar?

É através da teoria sócio-interacionalista de Vigotski e seus seguidores, Luria e

Leontiev que buscamos o novo olhar para o desenvolvimento da escrita, pois

a criança precisa fazer uma descoberta básica - a de que se pode desenhar, além de coisas, também a fala. Foi essa descoberta, e somente ela, que levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases; a mesma descoberta conduz as crianças á escrita literal. Do ponto de vista pedagógico, essa transição deve ser propiciada pelo deslocamento da atividade da criança do desenhar coisas para o desenhar a fala. (VIGOTSKI, 1998, p.153).

Neste sentido, este estudo pretende investigar, levando em consideração o processo

histórico-cultural, os elementos presentes na Educação Infantil que contribuem para a

construção da escrita, em uma creche filantrópica que atende crianças de 5 a 6 anos de

idade, de uma população de baixa renda, de uma cidade do interior paulista.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este trabalho tem como fundamentação teórica os estudos de Lev Seminovich

Vigotski (1896-1934).

Vygotsky foi professor e pesquisador, nasceu em Orsha, pequena cidade da

Bielorrusia em 17 de novembro de 1896. Viveu na Rússia e morreu de tuberculose aos 37

anos.

Em Moscou, a partir de 1924, começa a colaborar com o Instituto de Psicologia.

Durante os anos de 1924 a 1934, rodeado por um grupo de colaboradores, cria sua teoria

histórico-cultural.

Vigotski escreveu várias obras, das quais uma grande parte se perdeu. Durante

muito tempo – de 1936 a 1956 – a publicação de seus escritos foi proibida na Rússia. Seus

trabalhos foram publicados, em russo, nos anos de 1982 e 1984 intitulados como “Obras

Completas”, porém não constam todos os textos que puderam ser conservados.

Segundo Oliveira (2005), a influência de Vigotski no meio educacional, com seus

ideais pedagógicos ainda nos dias atuais, teve como peça fundamental a divulgação da

importância de uma psicologia integrada numa mesma perspectiva biológico-social, que

faz parte de um processo histórico-cultural do qual todos os seres humanos participam

desde que nascem.

As idéias de Vigotski, segundo Oliveira (2005), “não se limitaram a uma

elaboração individual, ao contrário, multiplicaram e se desenvolveram na obra de seus

colaboradores Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaevich Leontiev” ( p.21).

Cole e Scribner (1998), através de seus estudos sobre Vigotski, declaram que ele

sempre criticou com veemência as teorias que “afirmam que as propriedades das funções

intelectuais do adulto são resultados unicamente da maturação [...] estão de alguma

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maneira pré-formadas na criança, esperando simplesmente a oportunidade de se

manifestarem” (p.8), desconsiderando a cultura, a natureza de cada pessoa e

principalmente a sua história enquanto ser pertencente a uma sociedade construída ao

longo da existência humana.

Vigotski via o pensamento Marxista como uma “fonte científica valiosa”, segundo

Cole e Scribner (1998):

A teoria marxista da sociedade (conhecida como materialismo histórico) também teve um papel fundamental no pensamento de Vigotski. De acordo com Marx mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na “natureza humana” (consciência e comportamento). Apesar de outros psicólogos repetirem essa proposta Vigotski foi o que tentou correlaciona-las a questões psicológicas concretas. Nesse seu esforço, elaborou de forma criativa as concepções de Engels sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos como os meios pelos quais o homem transforma a natureza e ao faze-lo , transforma a si mesmo (p.9).

Vigotski foi o primeiro Psicólogo moderno a sugerir “os mecanismos pelos quais a

cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa e que tudo deveria ser entendido a luz da

teoria marxista da história da sociedade humana” (1998, p. 8). Vigotski, dizia ainda que

para se reconstruir a origem do homem e o curso do desenvolvimento da consciência, e

consequentemente do comportamento, era necessário estudar os fenômenos dos processos

em movimento e mudanças.

Vigotski não era adepto da teoria do aprendizado de associação estímulo resposta e

muito menos queria que a sua idéia de “mediação” fosse interpretada nesse contexto. O

que de fato, ele tentou transmitir com essa noção de “mediação”, segundo Cole e Scribner

(1998), é que:

Nas formas superiores do comportamento humano, o individuo modifica ativamente a situação estimuladora como uma parte do processo de resposta a ela. Foi a totalidade da estrutura dessa atividade produtora do comportamento que Vigotski tentou descrever com o termo mediação (p.18).

Ao estender o conceito de mediação, na interação homem/ambiente pelo uso de

instrumento, ao uso de signos, Vigotski acredita na mudança do curso da história humana

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e no nível do desenvolvimento cultural da sociedade, segundo Newman e Holzman

(2002), ele dizia:

O pensamento não é apenas mediado externamente pelos signos. Ele é mediado internamente pelos significados. O ponto crucial é que a comunicação imediata da consciência é impossível não só fisicamente, mas psicologicamente. A comunicação da consciência só pode ser cumprida indiretamente, através de um caminho mediado. Esse caminho consiste na mediação interna do pensamento, primeiro pelos significados e depois pelas palavras. Portanto, o pensamento nunca é o equivalente direto dos significados das palavras. O significado medeia o pensamento em seu caminho á expressão verbal. O caminho do pensamento á palavra é indireto e internamente mediado (p.154).

Portanto, se o pensamento é mediado através do significado da palavra e a partir

daí acontece à comunicação verbal, nos permitindo viver em grupos, a escrita também

deve ser vista dentro desse processo de mediação. Newman e Holzman (2002) relatam

que:

Vigotski sustenta que se tornar proficiente na língua escrita - por mais complexo, fragmentário ou confuso que possa parecer na superfície - não é um processo descontínuo, mas unificado de desenvolvimento: Do mesmo modo como as crianças aprendem a falar, elas devem ser capazes de aprender a ler e escreve (p.122).

Esse processo ainda não faz parte da realidade escolar brasileira, o ensino da

escrita muitas vezes e arbitrariamente transmitida e imposta pelo professor. A escrita é

trabalhada de forma que não está interligada ao processo histórico da criança, ela é

trabalhada de forma fragmentada. Essa escrita apresentada aos alunos na escola, dificulta

sua apropriação, pois acaba não tendo significado para o mesmo. De acordo com Vigotski

(1998):

A escrita ocupou um lugar muito estreito na pratica escolar [...] até agora a psicologia tem considerado a escrita simplesmente como uma complicada habilidade motora. Notavelmente, ela tem dado muito pouca atenção à linguagem escrita como tal, isso é, um sistema particular de símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo desenvolvimento cultural da criança (p.140)

Com estudos científicos da corrente histórico-social, que tem como base os escritos

de Vigotski e de seus colaboradores Leontiev e Luria, pesquisadores como Smolka (1999),

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Oliveira (1993), Rego (1995), Pino (1993), provocam a reflexão sobre a escrita na

educação, na tentativa de dar um outro significado ao processo ensino/aprendizagem.

Como afirma Leontiev (1978):

A apropriação da cultura produzida pelo homem, no decorrer de sua história social, é um item fundamental para sua humanização [...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana (p. 267).

O processo de aquisição da escrita pelo qual a criança passa se inicia muito antes

dela entrar para a escola. A criança não é uma tábula rasa, mas carrega consigo toda a sua

história-cultural. Aprender o alfabeto, juntar letras e, por fim, formar palavras é um

processo complexo e que se dá ao longo da sua existência.

Quando a criança passa a freqüentar a escola, várias habilidades motoras como o

andar, correr, brincar, cantar, já fazem parte do seu dia a dia, já são inerentes a ela. As

habilidades cognitivas como falar, escutar, rabiscar, representar, sentir, opinar, são

adquiridas com a vivência e percepções que ela tem com o primeiro meio social em que

está inserida: a família. Essa leitura de mundo que a criança traz para a escola é que acaba

por torná-la um ser único, capaz de viver em sociedade e entender o meio em que vive.

Vygotsky (1998) faz uma advertência importante quanto a escrita:

A escrita deve ter significado para a criança [...] uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem (p. 156).

2.1 O surgimento da escrita como marco na história da humanidade

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A humanidade, a partir da linguagem, passa a construir uma forma para se

comunicar, e a aquisição da linguagem determina de forma significativa à evolução e

perpetuação da espécie humana. Através da linguagem surge a necessidade da escrita.

A escrita divide a história da humanidade em: pré-história (antes da escrita) e

história (depois da escrita). A evolução da escrita surgiu como uma necessidade de

comunicação através do espaço geográfico e do tempo (passado, presente e futuro).

Ao registrarmos o conhecimento, através da escrita, desenvolvemos assim uma

comunicação silenciosa, que tinha como objetivo ser promulgada através das pessoas e do

tempo, possibilitando ao homem planejar sua ação. As leituras feitas, através das palavras,

uniam-se ao pensamento, possibilitando a comunicação entre as pessoas.

André (2007, p. 34), coloca que:

A escrita foi criada historicamente pelos homens envolvidos no processo de trabalho e transformação da natureza. Embora na filogênese os registros documentais demonstrem que sua primeira função foi servir como recurso à memória, no decorrer do seu desenvolvimento histórico, passou a ser apropriada de outras formas pelos homens, adquirindo complexas funções culturais. A importância que a escrita adquiriu na nossa cultura hoje, torna praticamente imprescindível sua transmissão de geração para geração através da escolarização, de modo a haver necessidade das crianças aprenderem a escrever ainda na tenra idade.

Com essa fala ela nos remete a uma reflexão necessária sobre a função da escrita, e

o que é escrita para a criança. O fato de a criança aprender a escrever ainda na tenra idade,

não significa que devemos ensinar-lhe as letras do alfabeto ou mesmo ensiná-las a juntar

letras para formar palavras que juntando formam frases, mas devemos sim respeitar o

processo da pré-história da linguagem escrita.

Segundo André (2007), a experiência histórico-social é construída através de um

processo coletivo que é o trabalho, que possibilitou ao homem planejar sua própria ação,

através de signos construídos ao longo da história da humanidade, permitindo assim a

possibilidade de comunicação entre si. A escrita surge, então, nesse contexto.

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Faz importante destacar também que, segundo Bakhtin (1997), como a palavra se

desenvolve pelo convívio social, é evidente que questões como os valores sociais,

culturais e ideológicos estejam presentes nesse processo. Essa forte ligação acaba por

marcar os signos por valores ideológicos. Por isso Bakhtin afirma que “a realidade dos

fenômenos ideológicos é a realidade objetiva dos signos sociais” (p.36).

Os signos criados pelo homem ao longo da existência humana, correspondem ao

processo histórico-cultural que ele está inserido, portanto, os signos são socialmente

estabelecidos e influenciados por diferentes ideologias. Isso significa dizer que também

estão sujeitos a transformações o tempo todo. Esta questão é tratada por Bakhtin como

campo de lutas ideológicas.

A linguagem escrita se insere nessa questão, pois a criança já nasce num mundo

letrado, e o aprendizado dessa linguagem implica sua inserção nessa cultura, com esses

valores e significados atribuídos socialmente.

Portanto faz se necessário considerar a importância da escola, e da Educação

Infantil, neste contexto, pois, segundo Assolini (2007, p. 2):

Ser alfabetizado constitui, nas sociedades letradas, um direito que deve estar ao alcance de todos os cidadãos. Cada vez que um aluno abandona a escola sem ter-se apropriado dos instrumentos básicos de leitura e escrita, fica claro que a sociedade fracassa em seu empenho de dotar seus integrantes dos recursos necessários para participar ativamente dela. [...] É fundamental, portanto, uma pedagogia que possibilite ao aluno atribuir e produzir sentidos, empreender diferentes gestos de interpretação, o que lhe permitirá entender o funcionamento da ideologia em um texto. Uma pedagogia que desloque o educando da posição de sujeito repetidor para a de autor.

A maneira de como a escrita tem sido ensinada na educação infantil permite dizer

que é um ensinamento que não estabelece relação com a vida da criança. Os elementos

que ela já traz consigo são ignorados, não por descaso, mas por desconhecimento que o

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professor tem sobre os fatos sócio-históricos que originam a escrita e o como se dá a sua

apropriação enquanto função social.

É válido, portanto, buscar nos estudos científicos mais recentes tanto no campo da

lingüística, da psicologia, da metodologia de ensino, subsídios para rever essa questão

fundamental para os seres humanos.

2.2 O desenvolvimento da escrita na criança

Um dos fatores que levou Vigotski e Luria a investigarem o desenvolvimento da

escrita pela criança não foi apenas considerar o que ela já trazia apropriado dentro de si,

mesmo antes dela ir para a escola, ou seja, seu desenvolvimento real, e sim analisar o que

ela era capaz de apropriar-se com a intervenção do adulto, do “outro”, ou seja, qual seria

sua potencialidade seu desenvolvimento potencial, que permitiria realizar sozinha o que

até pouco tempo era realizado com a ajuda do outro.

A Psicologia Infantil ainda não escreve, com precisão, sobre a história da

linguagem escrita; apenas nos remete a fazer investigações científicas que nos mostram os

caminhos percorridos por uma criança para se apropriar da escrita, bem como quais

caminhos os educadores comprometidos com o desenvolvimento infantil têm que

percorrer para que haja interação e mediação nesse processo histórico. É o que Vigotski

(1998) descreve como a pré-história da escrita.

Beatón (2005), pesquisador sobre Vigotski da Universidade de Havana, concebe as

funções de domínio externo como produções culturais.

Segundo ele é através das interações sociais que o indivíduo se apropria dos

instrumentos culturais criados ao longo da história cultural da humanidade, como a escrita

e o cálculo, que acabam levando ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores

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internas, que por sua vez, são produtos das mudanças culturais ocorridas durante os

processos de construção da sociedade humana e transformadora da atividade psíquica.

2.2.1 A importância do pensamento e linguagem no desenvolvimento da escrita.

É impossível falar da escrita sem nos reportarmos à importância da relação entre

fala e do pensamento.

A conquista da linguagem é um marco no desenvolvimento humano, assim como a

escrita. Todos os grupos humanos têm uma língua. Vigotski nos chama a atenção para a

linguagem que tem papel primordial no desenvolvimento do pensamento.

Vigotski (1998) afirma que “a fala torna-se um elo intermediário e de fundamental

importância para relacionar-se com o mundo”, pois é através dela que vamos dando

significado para as coisas da vida.

Como meio de efetiva comunicação entre as pessoas, surgem os signos que são

construídos culturalmente. Um sujeito não inventa signo por si próprio ou só para ele, ele

desenvolve a capacidade da representação simbólica por estar inserido numa cultura que

fornece dados para que ele desenvolva esse campo simbólico. O principal lugar onde isso

acontece é na linguagem, e essa é uma capacidade específica do ser humano.

É através da linguagem, que nos tornamos diferentes de todos os demais seres

vivos; ao nascermos já passamos a ter convívio com adultos falantes de certa língua, são

eles os responsáveis pela nossa fala, pois é através dessa fala que damos significado a tudo

que nos cerca, e é por essa via que a criança toma conhecimento que as coisas do mundo

têm nomes e significados.

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Existem duas funções básicas da linguagem que são abordadas por Vigotski: a

primeira função é a de comunicação e intercâmbio social, que está presente tanto na

espécie humana como na espécie animal.

Nos animais, essa primeira função de comunicação e intercâmbio social, está

ligada a algum tipo de linguagem que é gestual ou sonora, com objetivo explícito de

“comunicação de troca” entre as espécies. Assim, também, existe essa primeira função de

comunicação e intercâmbio social na criança ao nascer, que é o choro. Chorar é o primeiro

meio de comunicação que a criança estabelece com o outro, e a primeira função do ato da

linguagem que tem apenas a função comunicativa, não existindo nenhuma pretensão de

transmissão de informação precisa, mesmo porque isso nem é possível. É o outro que vai

dando significado a esse choro, estabelecendo, assim, uma relação entre ele e o mundo

simbólico.

A segunda função da linguagem, Vigotski classifica como inteligência prática,

quando, por exemplo, a criança quer algo que com seu próprio corpo não conseguem

alcançar, e existe, dentro do seu campo perceptível e visual, algo em que ela subindo

alcance, ela se utiliza desse instrumento, agindo assim inteligentemente dentro daquele

ambiente, num plano concreto sem mediação simbólica. Essa inteligência prática também

é perceptível na espécie animal: um chipanzé é capaz de puxar para dentro da jaula um

cacho de banana que esteja fora dela, desde que exista no seu campo visual e perceptível a

vara, agindo assim dentro de um plano concreto sem mediação simbólica.

Essa segunda função da linguagem aparece por volta dos dois anos de vida da

criança, e Vigotski a chama de pensamento generalizante; é onde a linguagem se liga ao

pensamento e aqui eles se unem e não se separam mais. A criança, através da

comunicação, começa a nomear as coisas existentes e perceptíveis por ela; ao nomear, ela

acaba por classificar as coisas, por exemplo: ao chamar um cachorro de cachorro, ela está

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colocando aquele cachorro numa classe de coisas do mundo que são agrupáveis como ele,

ou seja, todos os cachorros independente de cor, forma, raça, tamanho, etc., são colocáveis

numa mesma categoria para ela poder usar o rótulo cachorro, e ao mesmo tempo distinguir

essa categoria de todas as outras - o cachorro, não é um gato, uma mesa, etc. Ao falar

“cachorro”, penso no cachorro que eu conheço, mas algo que tem pêlo, quatro patas, que

late, etc. Portanto, quando falo “cachorro” essa palavra serve para que eu classifique o

mundo em duas grandes categorias: tudo que é cachorro e tudo que não é cachorro.

Segundo Oliveira (1993), a inteligência do homem passa nesse momento a ser uma

inteligência abstrata, que acontece de dentro pra fora através do pensamento, sendo capaz

de circular por momentos e espaços ausentes do espaço atual, recuperando coisas do

passado.

O ato de nomear e o ato de classificar tornam-nos capazes de abstrair, generalizar,

classificar, através do sistema simbólico articulado, compartilhado, organizado

culturalmente por nossos antepassados, sendo possível apenas ser feito pela espécie

humana. A linguagem permite que o sujeito transite pelo tempo em termos simbólicos. O

pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a

existir.

Vigotski (1998) nos diz que é através do o convívio entre os adultos e através dos

diálogos estabelecidos entre eles é que a criança vai se apropriando da linguagem ao longo

do seu desenvolvimento, possibilitando seu relacionamento e organizando seu modo de

agir e pensar. A fala evolui de uma fala exterior (imitação), para uma fala egocêntrica (fala

pra si mesma) e desta, para uma fala interior (pensa e executa o pensamento); a partir daí o

pensamento torna-se verbal e a fala racional, isso é um processo dinâmico e não linear.

Segundo Gontijo, C. M. M. (2001), o papel do adulto na construção cultural do

pensamento/linguagem/comunicação, na criança é tão importante, significativo e essencial

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para a criança, que Leontiev (1978), recorrendo ao curso de Piéron sobre hominização,

comenta que, se fossem destruídas todas as pessoas adultas da face da Terra e só restassem

às crianças pequenas e as objetivações, a história seria interrompida e teria que ser

recomeçada, pois a continuidade da história se deve à transmissão da cultura humana para

as novas gerações por meio da comunicação que se desenvolve entre as pessoas.(p.35)

2.2.2 As etapas da pré-história da escrita

Segundo Vigotski, (1998), a construção da escrita não pode ser alcançada de

maneira mecânica e externa; a única forma de se tentar compreender a escrita é

Compreender a história do desenvolvimento dos signos. E a partir daí mostrar o que leva

as crianças a escreverem, revelando essa pré-história da linguagem escrita.

Quando Vigotski propõe a pré-história da escrita ele fala primeiramente sobre o

“gesto”, que é caracterizado por ele como o primeiro signo visual da comunicação

humana, não sendo nada mais do que a escrita no ar. Ao longo da história do

desenvolvimento da criança, o gesto torna-se uma forma de representação para a criança,

principalmente quando o adulto atribui significado a ele. Na ontogênese o gesto é o ponto

inicial na pré-história da escrita.

O gesto é um reflexo da criança que projeta o corpo em direção ao que quer,

quando o adulto responde satisfatoriamente ao desejo da criança, isso significa que seu

gesto já é uma representação da linguagem. Quando a criança passa a usar o gesto para ser

atendida, demonstra que se apropriou do gesto como forma representativa, como função

simbólica. Esta apropriação só pode ser realizada através da interação, da mediação do

outro .

Esse processo é dinâmico e vai se construindo historicamente através do tempo,

pela criança, passando ainda, pelo brinquedo de faz de conta, pelo desenho, até chegar à

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descoberta básica, que se dá quando ela percebe que além de desenhar objetos e coisas,

pode desenhar as palavras, para que ela se aproprie da escrita.

Como exemplifica Oliveira (1993), quando a criança brinca de cavalinho, ela usa

um cabo de vassoura para representar o cavalo, ela coloca o cabo de vassoura entre as

pernas e sai pulando, como se estivesse em cima de um cavalo. Nesse momento, ele está

brincando de faz de conta, pois atribui ao cabo de vassoura o significado de cavalo, ela

não está relacionando-o como “objeto” cabo de vassoura; com isso, ela promove uma

relação do mundo concreto para um plano imaginário; é, também, através do gesto e do

faz de conta, que ela transita pelo mundo simbólico das representações da língua e do

pensamento e a partir daí, ela vai elaborando sua fala e pensando mais sobre os objetos,

tornando os gestos e o brincar de faz de conta um marco importante no processo de

aquisição da escrita.

Mesmo quando uma criança inicia o ato de desenhar ela inicia através de rabiscos e

esses são considerados como gestos, que representam a fala. “O gesto é o signo visual

inicial que contem a futura escrita da criança.” (Vigotski, 1998, p.141).

Para Vigotski, o aprendizado promove o desenvolvimento; ele aparece como um

marco fundamental na vida do sujeito. O aprendizado se dá de fora para dentro, por causa

do processo cultural que o sujeito está inserido, o caminho para o aprendizado está aberto

para o desenvolvimento, ele não se fecha.

2.2.3 O brinquedo na construção da escrita Vigotski (1998) nos diz que “a representação simbólica no brinquedo é,

essencialmente, uma forma particular de linguagem num estágio precoce, atividade essa

que leva, diretamente, a linguagem escrita” (p.147).

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Desde muito pequenas, as crianças já brincam com seus pares e com os adultos que

fazem parte do seu convívio. Para Vigotski, o ato de brincar é uma importante fonte de

promoção de desenvolvimento. Quando está brincando de “faz-de-conta”, a criança está

agindo no mundo imaginário onde a situação é definida pelo significado estabelecido pela

brincadeira e não pelos elementos reais concretamente presentes. O brinquedo proporciona

uma situação de transição entre a ação da criança com objetos concretos e suas ações com

significados.

O jogo simbólico das crianças pode ser entendido:

[...] como um sistema muito complexo de ‘fala’ através de gestos que comunicam e indicam os significados dos objetos usados para brincar. É somente na base desses gestos indicativos que esses objetos adquirem, gradualmente, seu significado [...] (VIGOTSKY, 1998, p.143).

O jogo faz parte da pré-história da escrita, pois ele estabelece uma ligação entre o gesto e a

escrita. No jogo, uns objetos se constituem como signos de outros, ou seja, passam a

representá-los.

Ao brincar, a criança representa a realidade. O símbolo e a imaginação existentes

no jogo estão subordinados ao real. Este é o motivo por que a brincadeira, embora seja real

para a criança, desenvolve a representação simbólica.

Portanto ao brincar, há uma ação real, uma operação real e imagens reais, mas a

criança, apesar de tudo, age com o cabo da vassoura, como se fosse um cavalo, e isto

indica que há algo imaginário no jogo como um todo, que é a situação imaginária.

Apesar da imaginação não ser o elemento principal da brincadeira, o prazer

também não é. Para Vigotski, o prazer não é uma característica definidora do brinquedo,

há atividades muito mais prazerosas do que brincar, por exemplo; o chupar chupeta,

mesmo a criança não se saciando; nos jogos de competição, o prazer está em apenas

quando o resultado a favorece.

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O brinquedo proporciona a possibilidade de a criança viver uma situação

imaginária. Vigotski (1998) nos chama a atenção para dizer que o brinquedo é “uma

atividade condutora que determina o desenvolvimento” e “a medida que o brinquedo se

desenvolve, observamos um movimento em direção á realização consciente de seu

propósito.É incorreto conceber o brinquedo como uma atividade sem propósito”(p.135).

2.2.4 O desenho no desenvolvimento da escrita O desenho representa uma etapa preliminar no desenvolvimento da escrita pela

criança. A criança desenha de memória, desenha o que conhece o que tem significado

para ela.

O próprio desenho da criança torna-se simbólico para ela a partir do momento em

que a criança já tem a linguagem falada, ela consegue então, através também daquela

representação gráfica, dizer algo. Ou seja:

[...] notamos no desenho que uma criança com três anos de idade ainda não é consciente do significado simbólico do seu desenho, o que só será dominado completamente, por todas as crianças, em torno dos sete anos de idade. (Vigotski, 1998, p.147 e 148).

Mesmo assim a criança, a principio, não se preocupa com a similaridade da

representação gráfica do objeto em questão, ela utiliza o desenho com uma “marca” que o

ajudará a lembrar-se de algo, que ele fará através da linguagem.

O desenho faz parte de um estágio preliminar no desenvolvimento da escrita, é

através do desenho que a criança descobre que pode também desenhar a fala,

representando-a através dos signos.

Luria (1988, p.174) afirma que:

o desenho é brincadeira, um processo autocontido de representação;em seguida, o ato completo pode ser usado como estratagema, um meio pra o registro. Mas pelo fato de experiência direta do desenho ser tão rica, frequentemente deixamos de obter, da criança, a fase pictográfica da escrita em sua forma pura.

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Apenas um desenho feito pela criança pode ser tornar um conto ou história, pois o

mesmo é carregado de significado.

Luria, ao percorrer as fases da escrita, indicou quais caminhos ela percorre,

mostrando-a em sua função social.

.

2.3. Os métodos do ensino da escrita no Brasil, a partir dos anos 40 e sua repercussão

nos dias atuais.

No Brasil, a questão do processo de alfabetização teve características bem

marcantes. Por volta da metade do século XX, segundo Assolin (2007), “buscava-se o

melhor método para ensinar a ler”.

Por muito tempo a alfabetização se deu através de dois métodos: a) método

sintético (letra/fonema/sílaba) - nesse método a criança tinha que dominar o alfabeto e a

grafia dele, aprendiam as silabas em ordem alfabética (da simples para a complexa) até

chegar na formação de palavras, obedecendo sempre uma certa hierarquização, vai da letra

ao texto através da soletração e silabação; b) método analítico (palavra/frase/texto/sílaba)

- nesse método partia-se do todo(palavra) para as partes (sílabas).

A partir desses métodos criados para ensinar a criança a ler e a escrever, é que

surgem as cartilhas. Estas misturavam os dois métodos, sintético e o analítico, passando a

ser chamado de Método Misto.

No Brasil, desde a década de 40, optou-se pelo denominado “Método Misto”, que

traz características tanto das metodologias sintéticas de alfabetização quanto das

metodologias analíticas. (Assolini, 2007). Como exemplo, podemos citar a cartilha

“Caminho Suave” publicada em 1948, por Branca Alves de Lima, que traz toda a fase do

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período preparatório da escrita e leitura, considerando-se que era possível ensinar a todas

as crianças igualmente, através da silabação. (SCHLICKMANN, 2001)

A cartilha tinha como objetivo unificar o sistema da escrita, sendo ensinado de uma

maneira geral a todos e com o objetivo de integrar a criança ao meio social, através do

processo de alfabetização.

Durante anos a cartilha foi peça fundamental para a alfabetização das crianças,

mesmo o professor dizendo: “A cartilha é só um meio, nós não ficamos só na cartilha”;

ela era considerada como transmissor de conhecimento pronto e acabado, sendo para o

professor um facilitador no processo ensino-aprendizagem. Ignorava-se a idéia de que a

criança construía seu próprio conhecimento. Por isso, durante anos - e ainda nos dias

atuais - alguns professores têm essa idéia de cartilha impregnada no processo de

alfabetização, ensinando a ler e escrever pelo método visual, mecânico e repetitivo.

A escola não pode ser um lugar restrito em relação a sua função maior que é

ensinar e promover a cidadania entre as pessoas, e muito menos a alfabetização ocupar-se

de forma restritiva a decodificação e memorização das letras. A escrita tem a função social

de tornar os leitores capazes de adquirir conhecimentos de sua própria história humana,

dentro do tempo em que se vive e do passado, construindo assim a sua própria história. O

que se observa com os métodos de ensino da escrita nos últimos anos, segundo Assolini

(2007) é que:

[...] ler é entendido como sinônimo de decodificar; escrever, por sua vez, significa copiar, e, para tanto, o sujeito precisa dominar uma série de habilidades, tais como coordenação visual motora, orientação espacial, etc. Essa visão reducionista de alfabetização traz como resultado, para dentro da escola, a desconsideração das práticas sociais mais amplas, nas quais a leitura e a escrita são necessárias e efetivamente colocadas em uso (p.40).

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Considerando que o ensino da escrita e da leitura envolve muito mais que uma

série de habilidades motoras, visual, espacial e mecânica, e que tem função social, já que

vivemos em sociedade, a mesma deve ser organizada a ponto de se tornar necessária às

crianças, tendo relevância a sua vida, tornando se assim significativa para ela. A escrita

não mais pode ser imposta de forma aleatória pelo professor.

Assolini (2007, p. 1) relata que, na década de 70 começou uma preocupação no

sentido de “buscar entender como as crianças aprendem a ler e escrever e o que pensam a

respeito da escrita”. Essa busca é ainda bastante significativa para pesquisadores da área

da pedagogia e da psicologia.

Assolini (2007) cita as consideráveis contribuições dos estudos feitos por Emilia

Ferreiro e Ana Teberoski, que articularam a existência de mecanismo do sujeito do

conhecimento (sujeito epistêmico) que, na interação com a linguagem escrita (objeto do

conhecimento) explicam a emergência de formas idiossincráticas de compreender o

objeto.

No que se refere às investigações sobre este tema, Rocha (1999, p.62) analisa e

discute o percurso das pesquisas que abordam a educação de crianças de 0 a 6 anos no

Brasil:

Enquanto a escola se coloca como espaço privilegiado para o domínio dos conhecimentos básicos, as instituições de educação infantil se põem, sobretudo com fins de complementaridade à educação da família. Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o aluno e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas no espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade” (ou até o momento que entra na escola).

O processo histórico sobre a escrita na Educação Infantil é marcado pela idéia de

que precisam existir caminhos pré-definidos para se ensinar a ler e a escrever às crianças

pequenas. Os professores, em sua maioria, não vêem que a criança já nasce dentro de

processo histórico-cultural construído ao longo da história da humanidade e que carrega

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consigo um mundo de significados apresentado pelo “outro”. Muitas vezes os educadores

acabam não dando a devida importância ao papel do “outro” e do “meio social” a que a

criança esta inserida.

É importante ainda ressaltar, segundo Rego (2008, p. 2) que:

As críticas dirigidas ao modelo tradicional, apesar de corretas e necessárias, foram mal interpretadas, fazendo com que a alfabetização na pré-escola fosse identificada apenas como adestramento mecânico e repetitivo. Como não se sabia como alfabetizar de forma diferente, o trabalho com a linguagem escrita foi ignorado e substituído por outras atividades.

Todos estão sendo convidados hoje a compreender esse processo histórico da

escrita, e a buscar possibilidades de transformação nas práticas pedagógicas que não terão

significado algum se não forem buscadas na pré-história da escrita, considerando as

relações sociais entre as pessoas e a cultura em que se está inserido.

Os pesquisadores Smolka (1999), Oliveira (1993) e Rego (1995) que se baseiam na

visão sócio-histórica, fundamentada em Vigotski, afirmam em suas pesquisas que, no que

se refere a alfabetização, não adianta saber as letras do alfabeto e apresentar um escrita

sem significado; para escrever é preciso compreender a função social da escrita, que ela

representa algo, e que com ela se realiza a comunicação e/ou registro de algo.

Segundo Assolini e Tfouni (2008):

As metodologias de ensino e as concepções sobre aprendizagem, que mantêm alunos e professores aprisionados a um fazer pedagógico em que se destacam, sobretudo, os passos e as etapas a serem, rigorosamente, por eles seguidas, acabam por sustentar uma pedagogia de alfabetização em que ambos (aprendizes e professores) ocupam, inevitavelmente, a posição de “escreventes” que apenas realizam “tarefas subalternas” (p.40).

Portanto é preciso entender que não é somente realizando um trabalho com a

aquisição do código escrito que se tornará o aluno alfabetizado, é necessário considerar a

pré-história da escrita para que esta de fato assuma sua função social. Ao se utilizar as

metodologias tradicionais, deixa-se de buscar no conhecimento científico disponível, a

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alfabetização através dos aspectos do letramento, que pode ser entendido como “um

processo de aquisição da escrita por uma sociedade” (TFOUNI,1995, citado por

ASSOLINI, 2007, P.1)

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3. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório, que tem em Vigotski o suporte metodológico

para essa investigação, pois ele foi um cientista revolucionário, que propôs um método

para construção de uma ciência verdadeiramente humana, baseada na metodologia não

dualista.

Vigotski (1998) afirma que “‘Estudar alguma coisa historicamente significa

estudá-la no processo de mudança’ esse é o requisito básico do método dialético”. (p.86).

Segundo Vigotski (1998), numa pesquisa, abranger o processo de desenvolvimento

de uma determinada coisa, em todas suas fases e mudanças - do nascimento á morte -

significa, fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma vez que “é

somente em movimento que um corpo mostra o que é”. Assim, o estudo histórico do

comportamento não é um aspecto auxiliar do estudo teórico, mas sim sua verdadeira base.

(p.86).

Para Vigotski (1998) o método é parte essencial da pesquisa, não somente como

meio ou instrumento, mas “é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o

resultado do estudo” (p.86).

Dessa forma, sua base metodológica se baseia nos conceitos marxistas

fundamentais sendo relevante para compreensão de formas exclusivamente humanas de

atividades psicológicas, tanto no nível teórico como no prático. Newman e Holzman

(2002) enfatizam a proposta de Vigotski do método como instrumento-e-resultado,

salientando a dificuldade de se compreender tal relação. Enfatizam que tal método, como

atividade prático-crítica, transforma a totalidade do que existe, sendo uma atividade

revolucionária especificamente humana (GONÇALVES, 2003).

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Vigotski (1998) define os fatores essenciais da análise psicológica em três

pontos:

(1) na análise do processo em oposição a uma análise do objeto; (2) uma análise que revela as relações dinâmicas ou causais, reais, em oposição à enumeração das características externas de um processo, isto é uma análise explicativa e não descritiva; e (3) uma análise do desenvolvimento que reconstrói todos os pontos e faz retornar á origem o desenvolvimento de uma estrutura (p. 86).

3.1 - PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados no ano letivo de 2006, com os alunos da Educação

Infantil de uma Creche Filantrópica, de um município do interior paulista, a partir de

atividades semanais desenvolvidas com as crianças, que envolveram: desenhos, histórias,

escrita, jogos, brincadeiras, etc. Todas as atividades foram filmadas.

Para que as filmagens pudessem ser feitas, foi pedida autorização da diretora da

instituição e dos responsáveis pelas crianças, garantindo-se que a identidade das mesmas

seria resguardada.

As atividades na creche iniciaram-se no início de maio e foram desenvolvidas

durante todo o ano letivo de 2006. Havia duas turmas de 25 alunos cada, denominadas Pré

A e Pré B, cujas crianças já tinham seis anos ou completariam seis anos no decorrer do

ano letivo que freqüentavam. Elas permaneciam no local das 7h15 às 17h15, de segunda a

sextas-feiras e, no período da manhã, tinham atividades escolares dentro da sala de aula, e

no período da tarde tinham atividades complementares também no mesmo ambiente.

A coleta de dados para a pesquisa foi desenvolvida em sessões - semanais no

primeiro semestre e mensais no segundo semestre - sempre às sextas-feiras, com duração

de uma hora (das 14h30 às 15h30). Neste trabalho somente participaram os alunos da

turma do Pré A. O horário dessa intervenção era reservado normalmente para atividades

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complementares, nas quais a professora geralmente trabalhava com histórias, jogos, etc.

Durante a pesquisa, as atividades a serem desenvolvidas nesse horário eram definidas e

propostas pelos pesquisadores, sendo que a presença da educadora durante esse período

era opção dela própria.

O principal registro dessas atividades desenvolvidas em sala (sessão de uma hora)

foi feito através de filmagem, com câmara de vídeo. Havia dois pesquisadores em sala,

conduzindo as atividades, e um deles manejava a câmera de vídeo. Houve sessões em que

essa câmera ficava em lugar fixo da sala. Ambos os pesquisadores são participantes do

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Representação e Constituição do Sujeito, do PPGE –

CUML, coordenado pela Profa. Dra. Marlene F. C. Gonçalves. Um deles é a autora desse

presente trabalho, e o outro era um bolsista de Iniciação Científica, que fez outro recorte

sobre os dados para seu trabalho de pesquisa.

Complementando este registro, foram realizados ainda anotações em diário de

campo, com o registro de observações durante cada sessão de coleta de dados.

Foram realizadas 10 sessões de coletas de dados.

O ambiente da sala de aula foi muito importante na hora da análise dos dados, pois

ele dava indícios sobre como a escrita era trabalhada naquele contexto. A educadora

responsável pela classe (com Diploma em Habilitação Específica para o Magistério e

registrada na Creche como auxiliar de Serviços Gerais, com uma carga horária de 44 horas

semanais na Instituição) esteve presente na maioria das sessões quando eram propostas as

atividades para a pesquisa.

Apesar da professora não ser o foco inicial da pesquisa, suas ações acabaram

fazendo parte dos dados coletados, pelo modo como se apresentava na sala de aula, pelas

intervenções e pelas interações que ali se estabeleceram com as crianças, principalmente

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indicando o sentido de como a criança percebe a escrita e como ela/professora ensinava e

cobrava das crianças questões ligadas à escrita.

Durante a coleta de dados foram utilizados, também, como materiais de apoio

pedagógico, folha sulfite, tesoura, cola, lápis preto, giz, lousa, livros, bola, etc.

A partir das filmagens, seis episódios foram selecionados e transcritos,

episódios esses em que se destacavam aspectos relevantes para a compreensão de como se

dá à escrita.

A análise teve como pressuposto que a escrita se fundamenta em um processo em

que o sujeito se constitui historicamente por fazer parte de uma sociedade em

transformação constante.

O primeiro episódio selecionado e transcrito mostra uma gincana de perguntas, na

qual a classe foi dividida em dois grupos. As perguntas foram feitas com o objetivo de

perceber a interação deles com o que acontece no mundo, por exemplo, “quem é o

presidente do Brasil?” E também em relação a eles, como por exemplo, “quem sabe dizer

seu nome completo?” “Quem sabe escrever seu nome?” Também foram feitas perguntas

sobre o porquê é importante termos nome. E, por fim, quem sabia ler e escrever e para que

serve a Escrita e a Leitura.

O segundo e o terceiro episódios transcritos ocorreram na sessão do dia 25 de

agosto. Nesses dois episódios foi feita uma sondagem sobre a escrita, através do desenho,

“a escrita do nome do desenho”, com intuito de saber se a criança já percebe que, além de

desenhar, pode também desenhar a fala, partindo do pressuposto que as crianças desenham

aquilo que tem significado para si mesmas.

O quarto e quinto episódios selecionados ocorreram no dia 15 de setembro. Foi

fundamentado no texto “O desenvolvimento da Escrita na criança”, de Luria (1988), com

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o objetivo de fazer uma sondagem da escrita, através de ditados de palavras, num primeiro

momento, e depois frases.

O sexto episódio a ser transcrito, ocorreu em 27 de outubro, com atividades

voltadas para a leitura e escrita. Foi sugerida a brincadeira com mímica e com desenho, na

qual todos os alunos eram convidados a sortear uma palavra e depois poderiam representá-

la através da mímica (utilizando apenas o corpo) ou do desenho, para os colegas de classe

tentarem adivinhar. As palavras colocadas no saquinho para a brincadeira da mímica, a

serem lidas ou representadas por mímicas, eram palavras que representavam ações do

próprio dia-a-dia da criança como: pular corda, dançando, dormindo, comendo; ou de

animais, como: cobra, gato, cão, galinha, etc. E as palavras a serem representadas por

desenhos eram palavras que estavam associadas a desenhos dentro da sala de aula e que

eram trabalhadas através de sua inicial, como: abacaxi, lua, peteca, igreja, etc.

3.2. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS

A pesquisa em questão foi feita através da videogravação e todo material coletado

perfez um total de cerca de dez horas. Foi feito um recorte no material e selecionaram-se

seis episódios: 1- Funções da linguagem escrita; 2- O desenho e o ensino da escrita visto

pela professora; 3 – A escrita e o desenho como cópia; 4 – O brincar de escrever; 5 -

Apropriação da escrita; 6- Brincando com a escrita através da mímica e do desenho. Os

mesmos foram analisados através da abordagem metodológica, referida como “análise

microgenética”.

Sobre a análise microgenética, Góes (2000) afirma que,

trata-se de uma forma de construção de dados que requer a atenção a detalhes e o recorte de episódios interativos, sendo o exame orientado

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para o funcionamento dos sujeitos focais, as relações intersubjetivas e as condições sociais da situação, resultando num relato minucioso dos acontecimentos (p.9).

A análise microgenética é um recurso valioso para a pesquisa em educação, pois

permite que o material documentado possa ser recortado em partes, ou seja, em episódios

que sejam significativos para a finalidade do estudo, buscando delinear o caminho das

transformações em seu tempo real.

Góes (2000) destaca que a análise microgenética deve ser entendida “como uma

microanálise interpretativa para fins de estudos cognitivo-interacionais”. É muito usada

como alternativa para um estudo de caso ou uma pesquisa participante, pois é considerada

“micro” porque se pode fazer um recorte do caso e analisá-lo em sua minúcia, e “genética”

por se entender que ela é histórica, onde o movimento dos acontecimentos se dá entre o

presente e o passado.

O fato de a microgenética ser analisada em minúcias, remete às proposições que

Vigotski já fazia,

Sobre o funcionamento humano, e, dentre as diretrizes metodológicas que ele explorou, estava incluída a analise minuciosa de um processo, de modo a configurar sua gênese social e as transformações do curso de eventos. Essa forma de pensar a investigação foi denominada por seus seguidores como “análises microgenéticas” (VIGOTSKI,1981,1987a, apud GÓES, 2000) .

Todos os recortes feitos nessa pesquisa foram analisados em suas minúcias, com o

objetivo de investigar o processo humano em sua origem, ou seja, na sua gênese e nas

relações com o “outro”, para poder compreender a ação do sujeito.

Segundo Góes (2000), com bases nos estudos sobre a análise microgenética é

possível sugerir que:

a caracterização mais interessante da análise microgenética está numa forma de conhecer que é orientada para minúcias, detalhes e ocorrências residuais, como indícios pista, signos de aspecto relevantes de um processo em curso; que elege episódios típicos ou atípicos (não apenas situações prototípica) que permitem interpretar o fenômeno de interesse; que é centrada na intersubjetividade e no funcionamento enunciativo-

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discursivo dos sujeitos; e que se guia por uma visão indicial e interpretativo-conjetural (p.21).

A análise microgenética dos fatos que foram selecionados e transcritos contribuiu

significativamente para essa pesquisa, principalmente no entendimento sobre a

importância de considerarmos a pré-história da escrita, segundo Vigotski.

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4 - RESULTADOS E ANÁLISE DE DADOS

Os resultados aqui apresentados, através de uma análise microgenética, foram

selecionados e divididos em seis episódios, com o objetivo de percorrer sobre o “como se

dá o desenvolvimento da escrita pela criança na pré-escola”. A análise foi feita

fundamentada na teoria de Vigotski sobre a pré-história da escrita, que surge como uma

alternativa de reflexão sobre o ensino da escrita na Educação Infantil.

Nos episódios apresentados, P1 e P2 são os pesquisadores em sala. Professora,

refere-se à educadora da creche, e os nomes apresentados - fictícios - são das crianças.

Episódio I – Funções da Linguagem Escrita

Esse episódio foi extraído do contexto de uma gincana, na qual foram lançadas,

entre outras, as questões: “Para que serve a Escrita?” e “Para que serve a Leitura?”. Estes

elementos propiciaram uma reflexão das crianças sobre o tema, bem como sua

manifestação para os pesquisadores.

(...)

(19) P1(pesquisador 1): Vou fazer a pergunta... o grupo inteiro tem que

responder, hein?... Pra você, pra que serve a escrita?... Pra você, pra que

serve escrever o nome, pra que serve isso?... Vamos lá, pra que serve a escrita,

pra que serve escrever?... Pensem, pensem...

(20) No instante que P1 fala “pense”, Eugênio fecha os olhos, põe o dedão na

boca e bate nas pernas insistentemente, levanta da cadeira, levanta e abaixa o

braço com a mão fechada por várias vezes, com o indicador da mão direita para

cima.

(21) As crianças do outro grupo começaram a falar.

(22) P2 (pesquisador 2): Um de cada vez aqui, vai, Eugênio, vem aqui, você já

pensou?

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(24) P1: Ficam todos sentados, um de cada vez, vou chamar. Pra que serve

escrever?

(25) Eugênio: Pra saber de quem que é o desenho. (Eugênio vai sentar

andando de costas e sorrindo.).

(26) P1: Muito bem... Senta. Vem cá, Vivian, diz: Pra que serve a escrita?

(28) Vivian - Pra aprender.

(29) P2: Pra que serve a escrita, Armando?

(30) Armando - Pra lê, pra lê, pra lê.

(31) P1: Vem você, Anderson. Vem falar, para que serve a escrita?

(32) Anderson - Pa, Pa, Pa, apende a lê.

(33) P1: Quem mais vai falar?

(34) Humberto: Eu (e vem sorrindo).

(35) P1: Para que serve escrever?

(36) Humberto: (ele fecha os olhos e fala): Para aprender escrever.

(37) P1: Muito bem. Laura, para que serve escrever?

(38) Laura: Pra aprender a lê.

(39) P1: Mais alguém?... Bom, agora vou fazer outra pergunta, para todos

também. “PARA QUE SERVE LER”, “PARA QUE SERVE A LEITURA”?

(40) Eugênio e Anderson se levantaram imediatamente.

(41) P1: Vem você, Anderson.

(42) Anderson - Pa, Pa, que seve a leituia? Pa que seive? Pa, Pa, Pa isqueve?

(neste momento ele abre a mão esquerda e com o dedo indicador da mão direita

ele faz como se estivesse escrevendo na mão esquerda aberta) Pa isqueve.

(43) P1: Está bom, senta.Vem, Eugênio... Para que serve a leitura, para que

serve, você sabe ler?

(44) Eugênio: Pra pode lê as coisas que estão escritas.

(45) P1: Alguém mais que falar aqui?

(46) Vivian se levanta com o dedo na boca. E depois coloca os quatro dedos na

boca e balança o corpo.

(49) P2: Tira a mãozinha da boca.

(50) Vivian tira a mão da boca, sorri e coloca de novo a mão na boca.

(51) P1: Para que serve você ler as coisas?

(52) Vivian: Pra aprende escrever

(53) P1: Alguém mais quer falar?

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(54) A Kátia e o Armando levantaram-se.

(55) P1: Vem, Kátia, depois vem você, Armando.. Para que serve a leitura?

(56) Kátia - Pra aprende a lê, não sei...

(57) P1: Vem, Armando, pra que serve a leitura?

(58) Armando - Pra..... (nesse momento ele parou de falar, baixou os olhos, fez

um silêncio de uns 5 segundos e depois respondeu) para entender as coisas

que tá escrita.

(59) P1: Alguém quer falar?

(60) Vitório levantou-se.

(61) P1: Para que, serve a leitura?

(62) Vitório: Pa aprende lê as coisas.

(63) P1: Muito bem.

(64) P1: Para que serve ler, Humberto?

(65) Humberto:Pra escreve.

(66) P1: Laura!

(67) Laura (do lugar onde estava respondeu): Não sei..., não sei... (e depois foi

perto do P1).

(68) P1: Para que serve ler? Para que você acha que serve ler?

(69) Laura:Pra ir pra uma escola (ela fala com o dedo indicador dentro do

ouvido), pra i pra uma escola de escrever e lê.

(70) P1: Mais alguém? Amanda. Pra que você acha que serve ler?

(71) Amanda:Pra aprender a lê.

(72) P1: Isso, muito bem! Vem você que ainda não foi, Hugo. Para que você

acha que serve ler?

(73) Hugo: Pra aprender.

Ao perguntar para as crianças o “Para que serve a escrita” e depois o “Para que

serve a leitura,” buscava-se identificar, através da fala da criança, “como” ela entendia, ou

seja, “como” ela se apropriava do que era “escrita” e do que era “leitura”, podendo

perceber que significado ela dava à escrita e à leitura para a sua vida.

As palavras: escrita/escrever; ler/leitura, são palavras que têm um significado

muito complexo, principalmente para as crianças em idade pré-escolar.

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Um fato importante a ser ressaltado é que antes de ser perguntado o que era Escrita

ou Leitura, outras perguntas foram feitas aos alunos, e todos queriam participar,

respondendo, pois eram perguntas que faziam parte do seu dia-a-dia e relacionadas ao suas

próprias experiências. Quando solicitados a responder para que serve a escrita e leitura,

poucos quiseram arriscar uma resposta, e mesmo os que responderam, pôde-se perceber

ainda sua dificuldade em responder, pois alguns não tinham respostas e outros não tinham

um conceito pré-estabelecido do que era escrita/escrever e ler/leitura.

Os resultados apontaram que as crianças, em sua maioria, justificaram a existência

da escrita e da leitura por elas mesmas: a escrita serve pra “ler”, como se observa nas

falas (30) (32), (38); e a leitura serve para escrever, como se observa nas falas (42), (52),

(65), (73), parecendo não ter adquirido ou se apropriado da função da escrita.

O mesmo não ocorreu com duas crianças que indicaram a função para a linguagem

escrita. Na fala (26) Eugênio respondeu sobre a ESCRITA: Pra saber de quem é o

desenho, numa clara referência à orientação de nomear as atividades desenvolvidas em

sala. A escrita aqui assume a função de marcar, refere-se ao autor do trabalho.

Sobre a LEITURA na fala (58), Armando disse: Pra entender as coisas que tá

escrito - ampliando o conceito. Ao ler, passa-se a entender o que está escrito, não só

repetir os sons que as letras daquela palavra lhe remetem: Destaca-se aqui que a

apropriação da escrita - começando pelo seu próprio significado - é um processo de

construção, a partir das experiências vivenciadas fora e dentro da escola.

Outro fato relevante é na fala (69), onde podemos perceber que, para Laura, a

escrita e a leitura significam ir para uma escola de aprender a ler e escrever e é nessa outra

“escola” que isso é possível.

Aqui se percebe um fato muito comum entre as crianças que freqüentam creches;

elas geralmente parecem não reconhecer a creche como escola, um lugar que também se

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aprende a ler e escrever. As crianças ficam na creche até poderem ir para a 1º série do

ensino fundamental e isso acontece quase sempre por volta dos sete anos. A partir daí

começa uma nova fase de descobertas. Quando ela falou “ir para uma escola de aprender

a ler e escrever”, fez, provavelmente, uma referência à escola de ensino fundamental, que

não é a creche.

A creche, ainda nos dias atuais, desempenha mais a função de cuidar do que

educar, principalmente porque é considerada, por muitos, apenas como uma continuação

do lar. É dada tanta ênfase ao cuidar no sentido de garantir a alimentação e saúde, que

acaba se sobrepondo a importante questão educacional. Na creche as crianças tomam café

da manhã, escovam os dentes, tomam banho, são ajudadas a trocarem as roupas, almoçam,

dormem, tomam remédio, são penteadas, brincam, etc., e por isso, talvez, a criança

acredita não ser uma escola. Ela tem uma idéia de que a escola não terá o que tem na

creche, os trabalhos lá serão para serem alfabetizados, ou seja, para aprender a ler e a

escrever.

Quando a Laura fez essa referência, foi perguntado se ela tinha irmãos que iam à

escola de aprender a ler e escrever, e ela disse que sim, ficando claro que o processo

histórico-cultural do qual a criança faz parte acaba sendo o formador de conceitos ao

longo da sua vida.

Episódio 2 - O desenho e o ensino da escrita visto pela professora

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Nessa atividade, foi proposto às crianças que falassem o que gostariam de

desenhar, em seguida foi pedido que desenhassem o que tinham falado e, por fim,

escrevessem o nome do desenho ou dos desenhos que tinham feito.

Considerando que o desenho é uma etapa valiosa para a aquisição da escrita, essa

atividade foi proposta para se observar e evidenciar as relações que aí se estabelecem.

(01) P 1: Fale o que você vai desenhar, e depois escreva o nome do desenho. (...)

(58) P 2: Carla, você?

(59) Carla: Uma menina e um menino.

(60) P 2: Uma menina e um menino!

(...)

(79) P 2: E você, o que fez aqui, Carla?

(80) Carla: Uma casa, uma menina, um jardim.

(81) P 2: Uma casa, uma menina, um jardim. Mostra pra mim onde está escrito

a palavra casa, a palavra menina e a palavra jardim.

Nome O que falou que

iria desenhar O que desenhou Escrita do desenho

Carla Menina e um

menino

Menina

Casa

Jardim

Menina

Casa

Neari

(82) Carla mostra a palavra menina e a palavra casa

(83) P 2: Cadê o jardim, Carla? Você vai escrever?

(84) Carla: Eu não sei escrever

(85) P 2: Claro que você sabe. Você escreveu casa e menina.

(86) Carla: É.

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(87) P 2: É, vai lá, senta direitinho (Carla estava sentada de lado e não de

frente para a carteira onde estava a atividade). Aí você consegue.

(88) Carla se posiciona certo na cadeira, abaixa uma das mãos, olha para a

folha e coloca o lápis na boca.

(89) Professora: Concentre-se que você vai lembrar, vai falando pra você

mesma JARRRDIMMM, JARDIM que você vai lembrar.

(90) Carla abaixa a cabeça,.... Na mão direita ela está com o lápis, passa o lápis

na carteira pra frente e pra trás, a outra mão fica abaixada; ela olha para trás,

rabisca com o lápis a calça que está vestindo, balança com a mãozinha direita

o lápis, olha para Pesquisadora 2 e escreve algo na folha.

(91) Fernando: Vai, Carla!

(92) P 2: Deixa-a pensar.

Carla fica com a mão parada em cima da carteira, a outra mão coloca na boca e

olha para a professora. Fica alguns segundos assim, depois posiciona o lápis na

folha e escreve algo.

(93) P 2: Ela a olha como se quisesse que você falasse (referindo-se a

professora).

(94) Professora: É o costume, né, eles sabem que eu vou falando, né?

(95) P 2: Agora!!!

(Carla nesse momento está séria e parecendo chateada por não conseguir).

(96) Professora: Né, Carla?

(97) Carla posiciona o lápis na folha e escreve.

(98) P 2: Certinho.

(99) Professora: Fala, Carla, fala pra você, JARDIM, qual é a letra que

lembra... Fala primeiro, escuta, depois você lembra.

(100) Carla fica séria e com o lápis posicionado na folha, olha para o lado e

escreve algo, olha para trás e escreve algo, olha novamente ao lado. Fica com o

lápis em cima da folha, põe o dedão no canto da boca, olha para frente, para

folha, olha para o lado, abaixa a mão da boca, murmura algo, coloca a mão

entre as pernas e fica com a mão direita segurando o lápis em cima da folha.

Carla olha para trás, porque Ana disse-lhe algo (inaudível), depois vira pra

frente e vira pra trás dizendo: “Quê?”, a Ana coloca a mão para proteger a boca

e diz algo em seu ouvido. Carla vira para frente e fica com o lápis em cima da

folha, mas não acrescenta nenhuma letra. A Ana insiste em dizer-lhe algo.

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(101) P 2: Deixa-a (referindo- se a Ana).

Carla acrescenta N na escrita EAR, ficando EARN e em seguida apaga a letra

N e coloca um M na frente de EAR ficando MEAR e em seguida apaga o M e

coloca um N na frente de EAR, ficando NEAR, e continua segurando o lápis

na mão direita em cima da folha.

A Ana continua falando algo que a P 2 não compreende.

(102) P 2: Deixe-a.

(103) Carla fica séria, coloca a mão no rosto (entre a boca e o nariz) fica com o

braço apoiado na mesa com a mão erguida, segurando o lápis, coloca os dedos

na boca, e acrescenta algo na escrita e apaga logo em seguida. Fica com a mão

parada segurando o lápis, murmurando algo e com a outra mão para baixo.

Carla acrescenta a letra I no final da escrita NEAR, ficando NEARI. Fica em

silêncio, com expressão séria, segurando o lápis e não acrescenta mais nada na

escrita do desenho do jardim e entrega a folha para o pesquisador.

Buscava-se aqui observar como as crianças fazem a escrita, a partir do desenho que

ela mesma tinha escolhido fazer, considerando que, segundo Vigotski (1998), a criança

desenha aquilo que tem significado para ela. Não se pode ignorar que essa construção tem

fundamentação no “outro”, que está ensinando. Portanto, mediante aquilo que se aprende,

o “outro” tem papel fundamental na aprendizagem, e o papel da professora da classe faz

parte desse processo da construção da escrita feita pela criança. A interferência dela nas

atividades propostas pelos pesquisadores foi tão marcante junto às crianças, que ficou

difícil separar as crianças no seu papel de construção espontânea das interferências da

professora.

Sua visão sobre a escrita acaba por contagiar/determinar o como a criança se

apropria dela. Das crianças é cobrada a lembrança das letras trabalhadas, como fica claro

nas falas (89) e (99) da professora.

O episódio faz refletir sobre o “como” se ensina a criança a escrever, que

exigências são impostas para que ela escreva como pode ser observado nas falas tanto da

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pesquisadora como da professora: (85), (87), (89). Foi feito de tal forma que a escrita não

teve significado para a criança, considerou-se que se ela sabia escrever algumas palavras,

outras ela conseguiria escrever, como foi afirmado na fala (85), e o mais intrigante é que

se vinculou o aprendizado da escrita ao posicionamento que a criança deveria ter na

carteira (87) – “se sentar direito na cadeira, se pensar bem, se falar alto para si mesma,

com certeza se lembrará das letras e escreverá”. Parte-se de uma forma pré-determinada

pelo professor, que se utiliza de regras que não têm significado algum para a criança.

Quando Carla desenha casa e menina e escreve corretamente casa e menina, pode

ser que não tenha aprendido a escrever, mas apenas se lembrar das letras que formam a

palavra casa e menina, tornando assim a escrita uma habilidade de mãos e dedos, como já

dizia Vigotski. O fato, também, de ela escrever perfeitamente as palavras casa e menina

não quer dizer que ela saberia escrever jardim, pois parece que ainda não fazia ligação

entre o som das letras com as letras que deveriam ser desenhadas para formar a palavra.

Mesmo a professora já tendo trabalhado as sílabas JA, JE, JI, JO, JU, e DA, DE,

DI, DO, DU, a palavra jardim não poderia ser formada pela criança, a sonoridade das

letras que, juntas, poderiam formar uma palavra no período inicial da escrita não era fator

determinante para se escrever.

A criança escutou a professora falar, repetir várias vezes a palavra, mas não se

lembrou das letras que formavam a palavra, no caso jardim, e escrever na folha.

Pode-se perceber na expressão de Carla que ela não imaginava como escrever a

palavra jardim. Mostrou-se séria quando o “outro” (professora) dizia para ela pensar, falar

alto, que ela lembraria.

Quando a criança descobre que também pode desenhar a fala através dos signos,

ela descobre a beleza do mundo e começa a sentir como parte desse mundo, que tem a

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função de se transportar do presente ao passado e do presente ao futuro através da escrita,

pois, ao escrevermos, fazemos parte de um mundo letrado e inteiramente fascinante.

Outro fato relevante a ser considerado é que ainda, nos dias atuais, a escrita é

trabalhada através das letras soltas e depois sílabas.

Na sala de aula havia sempre escrito na lousa as letras e suas respectivas famílias

silábicas e no caderno de classe também pôde ser observada essa seqüência, só que a cada

letra trabalhada, a professora carimbava desenhos e escrevia na frente para o aluno copiar

por três vezes, considerando assim estar ensinando-o a escrever. A isso sempre foi dado o

nome de período preparatório para o ensino fundamental.

É comum na educação infantil, de maneira geral, apresentar as letras do alfabeto

para as crianças e depois carimbar desenhos e escrever na frente para que elas copiem a

palavra e aprendam a escrever. Parece muito desestimulante e cansativo esse trabalho de

cópia sem significado. O próprio processo inicial da escrita não parece ser prazeroso para

a criança. Ele apresenta-se desestimulante, por ser repetitivo, cansativo e cheio de regras

que são difíceis de serem assimiladas naquele momento.

A escrita deveria, segundo Vigotski, (1998) “ser relevante à vida do aluno”, bem

como ter significado em si mesma - “eu estou escrevendo por quê?” Ou “Eu escrevo por

quê?” “Eu estou lendo por quê?” Ou “Eu leio por quê?” são questões que deveriam ser

claras para as crianças quando questionadas sobre a escrita e a leitura.

A escrita não mais pode ser considerada apenas como um hábito de mãos e dedos,

como é citado por Vigotski (1998), e nem ensinada de forma mecânica.

Episódio 3 - A escrita e o desenho como cópia

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Um outro fator relevante que aconteceu durante as atividades, em um dos

episódios, refere-se a um desenho que foi pedido para as crianças fazerem. Eles teriam que

representar o que mais gostavam através dele. Durante o processo foi perguntado a cada

um, o que estavam desenhando e depois quando todos tinham acabado, foi pedido que

escrevessem os nomes dos desenhos que tinham feito.

(01) P I: Fale o que você está desenhando.

(...)

(26) P 2: E você, Vivian, o que vai desenhar?

(27) Vivian: Um coelhinho.

(28) P 2: Um coelhinho?

(...)

Após todos terem terminado de desenhar, passei perguntando o que as

crianças tinham desenhado até chegar à Vivian e constatar:

nome o que falou que iria desenhar

o que desenhou escrita do desenho

VIVIAN COELHINHO SOL SOL

Eu percebi que a folha dela estava toda apagada, mesmo assim era possível

identificar desenhos de pessoas, tanto masculinas como femininas, inclusive

o desenho do coelhinho que ela disse que desenharia a princípio. Perguntei-

lhe o que ela tinha desenhado e ela respondeu: um sol. De fato vi o SOL

desenhado no canto esquerdo da folha, no alto e embaixo estava escrito a

palavra SOL. Mediante a folha toda apagada, questionei sobre o porquê de

ela ter apagado os outros desenhos que havia feito, já que desenhava muito

bem. Vivian apenas sorriu. Perguntei-lhe novamente o que tinha desenhado e

depois apagado ela disse: minha família, meu pai, minha mãe, minha irmã,

um coelhinho.

- “Por que você apagou tudo?”, perguntei-lhe e a resposta foi: - “eu não

sabia escrever coelhinho e nem escrever o nome do meu pai, da minha mãe,

da minha irmã e SOL eu sei, é mais fácil de escrever”.

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Papel, lápis, tinta, canetas fazem parte da nossa vida desde muito cedo e, para

muitas crianças, isso tem significado muito antes de entrarem para a educação infantil.

Poder brincar de desenhar letras faz parte da vida de muitas crianças, pois tem sempre

“alguém” que nos mostra como escrever nosso nome usando as letras e por fim muitas

crianças acabam por ficar desenhando as letras do próprio nome. A partir daí, se

estimuladas, elas começam a pedir para o outro, que escreva outros nomes para que elas

possam copiar. A maioria adora copiar as letras do seu nome, do nome da mamãe, do

papai, etc., fazendo isso, às vezes, muito antes de irem para escola.

Quantas Viviam deixam de tentar escrever por causa do sistema de ensino da nossa

escrita? Ora, se ela desenha, com similaridade do real, algo que lhe é significativo e depois

prefere apagar tudo e substituir pelo desenho do SOL e pela escrita SOL, alegando

escrever Sol porque é mais fácil, faz-me deduzir que, escrever para ela é copiar o que está

na lousa e o que a professora coloca no caderno. O que estamos fazendo com o ensino da

escrita? Estamos segundo Vigotski, realmente ensinando as “letras” e não “a linguagem

escrita”, não está considerando-se a pré-história da escrita, e ainda, supervalorizando a

“memória e a atenção”, esquecendo que a criança é um ser histórico, pertencente a uma

sociedade que vive em transformação.

Ocorre-me, a idéia de que a escrita SOL, nesse momento esta associada a cópia, da

palavra, a lembrança,ou seja a “memória”, das letras que forma a palavra sol.

Na rotina de sala de aula, a palavra sol é sempre escrita na lousa pela professora,

pois a mesma sempre faz referência sobre o tempo e escreve para que eles copiem:

HOJE O DIA ESTÁ.......... “SOL” ou “CHUVA”.

Como a palavra SOL tem apenas três letras, e colocada abaixo do desenho do SOL,

fica fácil para o aluno memorizar e reproduzir/copiar, sem o auxílio da professora.

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Como a memória é um recurso da espécie humana, para podermos viver em grupo

e perceber as coisas que nos afetam, Vivian faz uso dela também para poder escrever, pois

sabe que algumas letras juntas formam palavras, porque ela decora a palavra que está

associada ao desenho. O fato de escrever a palavra Sol, não significa que ela saiba

escrever outras palavras, mesmo porque ela demonstrou claramente não querer arriscar

colocar letras abaixo dos desenhos que tinha feito da família e do coelhinho. Percebe-se,

assim, que a escrita é ainda trabalhada de forma “mecânica” e “imposta” como “hábito de

mãos e dedos” pelo professor da educação infantil.

Como a criança sentirá necessidade de escrever se não for encorajada a escrever

suas idéias e pensamentos? Sendo a escrita trabalhada como decodificação e não como

linguagem, que é diferente da fala, mas organiza o pensamento.

Episódio 4 – O brincar de escrever

Nessa atividade foi proposto às crianças “brincar de escrever”.

(01) P2 - Escuta o que P1 vai falar. Enquanto isso, eu vou entregar uma folha

de sulfite (em branco) para vocês e lápis preto, para podermos “brincar de

escrever”.

(02) P1 – Lembrando... Escreva o nome atrás da folha e vire a folha, para

brincar de escrever.

(03) Professora – Escreva o nome e vire a folha.

(04) Eugênio - Eu adoro escrever!

(05) P 2 - É? Por que você adora escrever?

(06) Eugênio - É legal!

(07) P 2 - E, por que é legal?

(08) Eugênio – Por que eu gosto.

(09) P 2 – Por que você gosta?

(10) Eugênio – Ai, ai, a, cada pergunta!

(11) P 2 (Risos) – Mas... Escrever é legal? Por quê?

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(12) Eugênio - Porque eu gosto.

(13) P 2 – Tá... Por que você gosta?

(14) Eugênio - Porque eu aprendo.

(15) P 2 – Hahahahaaa... Você aprende? E quando você lê?

(16) Eugênio - Você tá brincando!

Eugênio parece ficar inquieto com as perguntas feitas, pois se vira de lado

e encosta-se na parede e olha para outro lado, desviando assim o olhar, como

se não quisesse mais falar no assunto.

Enquanto isso o P1 diz que fará um ditado de palavras e que eles poderão

escrever na folha. Serão ditadas três palavras e as palavras serão escritas uma

debaixo da outra.

(...)

(26) P 1 - Todo mundo já colocou o nome na folha, colocou o número 1 na

folha?... Vamos lá, número 1, vou falar uma palavra... – RELÓGIO...,

RELÓGIO..., RELÓGIO....

Nesse momento varias crianças falaram juntas como se escreve relógio

(27) P 1 - Faça como você quiser, como você achar que se escreve relógio.

(28) P 2 - Pode desenhar, quem não conseguir escrever.

Nesse momento a professora responsável da classe aproxima-se da P 2.

(29) Professora - Se você coloca a figura, eles escrevem rapidinho, mas,

agora, se você fala só a palavra eles têm dificuldade. É engraçado isso, né?

As crianças perguntaram novamente como escreve relógio.

(30) P 2 - Escreva como você sabe.

(31) Professora - Desenhe o relógio como você achar, e deixa a folha no lugar,

João.

Eugênio colocou o número 1 (no canto esquerdo da folha) e desenhou o

relógio

(32) Professora – Quem não sabe, desenha o relógio.

(33) Professora - Não deixe ver não, ninguém pode ver, cada um tem que fazer

do seu jeito. (ela diz isso para o Armando, porque o João está vendo como ele

escreveu relógio)

(...)

(53) P 1 - palavra 2...... RÁDIO....... Vou falar, hein? Preste atenção, vou falar,

RÁDIO, número 2 - RÁDIO, vamos lá, RÁDIO!

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(54) Professora (se dirige ao Eugênio) - escreve RÁDIO na frente do número 2.

(Eugênio tinha feito o desenho do rádio na folha).

(55) Eugênio – “R A”...

(56) Professora faz um gesto afirmativo e diz: Coloque na frente do RÁDIO o

R A (referindo-se ao desenho feito na folha).

Eugênio prontamente coloca o R A na frente do desenho.

(57) Professora (sorri) - Muito bem, agora escreve RÁDIO...... DI.... O

(58) Professora - (referindo-se ao Eugênio) DI DI DI O

(59) Eugênio - Qual é o DI?

(60) Professora - Você esqueceu?

Eugênio balança a cabeça com gesto de afirmação e, em seguida, levanta a

mão que segura o lápis, balançando-o e batendo-o na cabeça repetidamente,

chegando até a fechar os olhos.

(62) Professora - Pare de bater na cabeça, que não adianta!

(63) Eugênio – Adianta, sim.

(65) P 2 - O que você está fazendo, Eugênio?

(66) Eugênio - Tentando descobrir como se escreve rádio (continua batendo o

lápis na cabeça)

(67) P 2 - Você descobriu?

(68) Eugênio - Ainda não, estou pensando.

(69) Professora (refere-se à classe em tom de voz alto e olhando para Eugênio)

Qual é o DI ........DI ....... DI...... RÁDIIIIO , fala gente RÁ-DI-O.

(70) Os alunos - RÁDIO .....DI.....DI....

(71) Professora - Ninguém lembra qual é o DI?(olha novamente para Eugênio)

(72) Uma criança no fundo da sala – DIA.

(73) P 2 (dirigindo ao Eugênio) - dia, como se escreve DIA.

(74) Professora - Você sabe (referindo-se a Eugênio), lembra Eugênio - preste

atenção!

(75) Eugênio - Balança a cabeça num gesto de negação e encosta-se à parede,

parecendo desanimado por não lembrar, e continua batendo com o lápis na

cabeça.

(76) Eugênio (depois de alguns segundos) diz - Háááá.......não dá...., vou no

RELÓGIO que é mais fácil (até então ele só tinha escrito RE para o desenho do

relógio)e soletra em voz alta ;RE-LO-JO- JO e diz: L O (aí, ele escreve na

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folha ao lado do RE.....LO- ficando RELO ) parece que ...( ele diz em voz alta

como que para si mesmo).

(77) P 2 - Parece o que?

(78) Eugênio - Não sei, olha que a gente parou no K. Repete a sílaba JO JO

....., acho que a gente não estudou o JO.

(79) P 2 – Não?

(80) Eugênio - Tia, Tia (chamando a professora que estava com outro aluno e

não veio naquele momento, assim, o aluno não acrescentou mais nada naquela

escrita).

O recorte acima nos mostra, a princípio, o prazer que o Eugênio, através das falas

(04); (06); (08); (12); (14) demonstrou pela escrita. Junto a esse recorte, percebe-se o

desconforto da professora quando propusemos “brincar de escrever”, ditando palavras. Ela

justifica que seria mais fácil colocar um desenho na lousa para eles escreverem, porque

ditando teriam dificuldade para escrever, como está claro na fala (29), onde ela afirma até

achar “graça” dessa dificuldade, ou seja, ela faz essa referência desenho/ escrita, porque é

através desse recurso que ela ensina os alunos a escreverem. Quando ela percebe que a

proposta é diferente daquela a que as crianças estão acostumadas, ela se justifica,

parecendo prever que o resultado não será satisfatório.

As palavras quando ditadas passam pela memória, mas para poderem ser

representadas através das letras, tem que se fazer significativas, pois o aluno só representa

o que tem significado pra ele. Mesmo apesar da escrita da palavra já ter sido produzida por

cópia pelo aluno várias vezes, se ela não foi construída significativamente, ele não

consegue representá-la, pois as letras não se justificam em si mesma. Quando se junta

letras para representar palavra deve-se ter em mente que a palavra está vinculada à questão

social e que é construída ao longo da nossa história. O que é possível perceber é que as

crianças são treinadas a escrever determinadas palavras, geralmente o professor faz

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desenhos como casa, sol, gato, abacaxi, etc., e escreve na frente para que o aluno copiar e

depois repetir várias vezes para memorizar. Alguns alunos acabam decorando as letras que

se usa para representar uma determinada palavra e reproduz automaticamente e outros não

conseguem.

O que chama a atenção, ainda naquele momento, foi que a escrita ensinada aos

alunos não parece “uma escrita construída” ao longo da educação infantil; mas “uma

escrita transmitida”, podendo até dizer que arbitrariamente imposta pelo professor,

ensinando o aluno a decorar as letras e, mais, cobrando isso com ênfase.

Eugênio mostra-se um menino esperto, participativo, inteligente, que durante as

atividades propostas, às quais ele estava presente, contribuiu significativamente com a

pesquisa, principalmente por trazer para dentro da sala de aula sua visão pessoal de mundo

e seu conhecimento adquirido junto à família. Era notória a importância que Eugênio dava

à leitura e à escrita na sua vida, e o encantamento dele quando era a hora do conto; ele era

capaz de recontar as histórias, de colocar personagens e de até inventar falas. No próprio

relato acima, Eugênio já consegue tornar seus desenhos bem próximos da realidade

formal, tem uma oralidade muito boa, seu pensamento é rápido e criativo, traz consigo

uma riqueza valiosa que é a sua leitura de mundo, construída a partir de sua existência.

A professora sabe que se trata de uma criança que se destaca pela inteligência, por

isso, sua atitude foi de indignação pelo fato de Eugênio não se lembrar do D I, como

mostra na fala (74). Fica claro nas falas (60); (69); (71); (74), que ela priorizou o lado

mecânico da escrita e o supervalorizou, demonstrando o seu descontentamento com o

grupo e com ele, Eugênio, principalmente por não lembrarem como faz o D I, já que eles

escreviam todos os dias, no caderno a palavra DIA.

Esse episódio confirma que a linguagem escrita não tem e não terá significado

algum se estiver apenas sendo trabalhada como treino ortográfico e memorizada, para a

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criança; a escrita tem que ter um significado especial, tem que ser relevante à sua vida.

Constata-se aqui que o processo histórico-cultural que a criança está inserida não

está sendo considerado e é a isso que Vigotski e essa pesquisa nos remetem a refletir,

sobre a pré-história da escrita.

Não é mais possível simplificar a escrita. Como disse Vigotski (1984, p.139):

“Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se

ensina a linguagem escrita”.

Quando Vigotski afirma “não se ensina a linguagem escrita” ele quer dizer que se

esquece de se considerar o processo que antecede a escrita, buscando o como a criança

constrói e se apropria da linguagem escrita, ou seja, como atribui significados àqueles

rabiscos, para que a escrita não seja uma mera habilidade motora.

Estamos no séc. XXI e muitos estudiosos já falam sobre a importância da pré-

história da escrita na Educação Infantil, e se percebe que ainda é usado os mesmos

critérios de 50 anos atrás, o da silabação, método esse trazidos nas cartilhas oferecidas aos

alunos durante décadas e que até hoje é usado por alguns professores, o que limita o

aprendizado do aluno.

Episódio 5 - Apropriação da escrita

A criança apropria-se da escrita quando ela consegue ler a palavra representada

pelas letras que formam o nosso alfabeto, ou seja, consegue entender o que aquela palavra

significa. Percebe ainda que é possível desenhar a fala através das letras de forma

significativa.

A – ARMANDO

(19) P1 - Vamos lá, vou fazer um ditado, vou falar e vocês vão escrever, hein?

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(...)

(21) P 2 - E depois, vamos perguntar o que vocês escreveram. Então, P1 vai

falar três palavras e depois três frases, está bom?

(...)

(26) P 1 - Todo mundo, pôs, o número 1?...... Vamos lá, número 1. Vou falar

uma palavra – RELÓGIO, RELÓGIO, RELÓGIO.

(...)

(39) Armando-representou a palavra relógio com as letras RELÓQO (desenhou

um relógio)

(...)

(53) P 1 - palavra 2...... RÁDIO......., vou falar, hein? Preste atenção! Vou falar

RÁDIO, número 2 RÁDIO, vamos lá, RÁDIO.

(...)

(82) P 2 - Cadê seu rádio, Armando? Deixe-me ver.

(83) Armando - também não respondeu, só apontou para a folha e nela tinha o

desenho do rádio e a escrita convencional da palavra RÁDIO.

(...)

(90) P 1: Próxima palavra - todo mundo, Oh... vai CADEIRA, CADEIRA.

Número 3 - CADEIRA.

(...)

(104) Armando só mostrou o desenho da cadeira e a escrita dela com as letras

CADRA.

(...)

(113) P 1 - Vamos lá, palavra número 4 - Eu estou com fome.

(...)

(120) P 2 - referindo-se ao Armando, pergunta: O que é este desenho?

(121) Armando - Uma boca e uma panela com comida.

(...)

(138) P1 - Vamos lá, a última hein? O Brasil é campeão.... O Brasil é campeão!

(139) Professora - Ponha o cinco na frente e escreve.

(140). P 1 - O cinco é assim (o pesquisador escreve na lousa) e repete: O Brasil

é campeão! Em seguida, diz novamente como escreve o cinco.

O pesquisador 2 chega próximo ao Armando, porque percebeu que ele

estava murmurando e tentou escutar o que ele falava. Ele está dizendo pra si

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“Brasil é campeão”. Ele abaixou e levantou a cabeça várias vezes e ficou

olhando pra frente como se procurasse algo. Pôs e tirou o lápis de cima da

folha, até que olhou para o pesquisador 2 e disse: Eu não sei escrever

“campeão”.

(141) P 2 - Escreva como você acha que é.

(142) Armando – ficou olhando para o P2 e colocou algumas letras.

(143)

Depois de andar pela sala voltei até Armando.

(148) P2 - pediu pra ver a folha e ele representou a escrita O Brasil é campeão

com as letras URDAZIOECPHP e desenhou a bandeira do Brasil.

(...)

(169) P1 - O que você escreveu? (nesse momento o aluno vem até o

pesquisador 1 para ler todas as palavras e frases ditadas, para que pudéssemos

ver que recursos ele utilizou para isso).

PALAVRAS

DITADAS DESENHOS

ESCRITA DAS

PALAVRAS

LEITURA DAS

PALAVRAS

1-RELÓGIO RELÓGIO RELÓQO RELÓGIO

2-RÁDIO RÁDIO RÁDIO RÁDIO

3- CADEIRA CADEIRA CADRA CADEIRA

4-ESOU COM

FOME

UMA BOCA E

UMA PANELA

COM COMIDA

DENTRO

EU ETO NOME EU ESTOU COM

FOME

5-O BRASIL É

CAMPEÃO

BANDEIRA DO

BRASIL URDAZIOECPHP

O BRASIL É

CAMPEAO

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(170) Armando lê para P1, na seqüência que as palavras foram ditadas,

mostrando com o dedo em cima da escrita dele – relógio, rádio, cadeira, eu

estou com fome e Brasil é campeão.

(171) P1 - Armando você gosta de escrever?

(172) Armando - Gosto.

(173) P1 – Por quê?

(174) Armando – Eu gosto de aprender e ler.

B – HUGO

(19) P 1 - Vamos lá, vou fazer um ditado, vou falar e vocês vão escrever, hein?

(21) P 2 - E depois vamos perguntar o que vocês escreveram. Então P1, vai

falar três palavras e depois duas frases, está bom?

(38) Hugo - colocou o número 1 ao contrário e representou a palavra relógio

com as letras RELOGO e desenhou um relógio.

(...)

(53) P 1 - palavra 2...... RÁDIO.......,vou falar, hein? Preste atenção, vou falar,

RÁDIO, número 2 - RÁDIO, vamos lá, RÁDIO.

(...)

(80) P 2 - Cadê seu rádio, Hugo?

(81) Hugo - Não respondeu, só apontou para a folha e nela tinha o desenho do

rádio e a escrita convencional da palavra RÁDIO.

(...)

(90) P 1: Próxima palavra - todo mundo, Oh... vai, CADEIRA, CADEIRA,

número 3 - CADEIRA.

(91) Professora - cadeira , não precisam ficar afobados.

(92) P 1 - CADEIRA, CADEIRA.

(99) Hugo mostra o desenho de cadeira e a escrita CADEIA.

(...)

(113) P 1- Vamos lá, palavra número 4 - Eu estou com fome.

(114) Professora - Eu estou com fome.

(115) P 1 - Eu estou com fome.

(...)

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(118) P 2 - E você, escreveu? (Referindo-se ao Hugo). Lê pra mim bem alto.

(119) Hugo mostrou a folha onde ele tinha feito o registro da escrita da frase,

escrevendo o nº4 ao contrário e as letras EU IT O MO ME.

(120) P 2 - Lê para mim, bem alto.

(121) HUGO -... Eu ito com fome, e depois ele leu em voz alta EU ITO COM

FOME. (com o dedo em cima da escrita EU ITO MO ME)

(122) P 2 - Muito bem!

(...)

(138) P1 - Vamos lá, a última, hein? O Brasil é campeão.... O Brasil é

campeão.

(139) Professora - Ponha o cinco na frente e escreve.

(140). P 1 - O cinco é assim (o pesquisador 1 escreve na lousa) e repete: O

Brasil é campeão, em seguida, mostra novamente como escreve o cinco.

(142) Hugo – Tem que pôr Brasil (ele soletra e escreve) e diz, não sei escrever

C A M..

(143) P 2 - Não sabe como escreve o CAM ? E digo, C A M.

(144) Hugo – CAM PI PI ÃO.

(145) P 2 - Escreveu? (o pesquisador aponta para o nº. 5)

(146) Hugo levantou o braço, e com um gesto, coçou a cabeça e leu: BRASIL

É CAMPEÃO (Representando com as letras BRASIL EAO PIAO).

(163)P 1 - Chamou o Hugo e perguntou: O que você escreveu? Lê para mim (o

aluno com seu próprio dedo indicou o que ele escreveu através da leitura que

fez).

PALAVRAS

DITADAS DESENHOS ESCRITA DAS PALAVRAS

LEITURA

DAS

PALAVRAS

1-RELÓGIO RELÓGIO 1-RELOGO LELOGIU

2-RÁDIO RÁDIO 2-RÁDIO RÁDIO

3- CADEIRA CADEIRA -CADELA CADEIRA

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4- ESTOU

COM FOME _________________ EUITOMCFOME

ESTOU COM

FOME

5- O BRASIL

É CAMPEÃO _________________ BRASILEAO PIAO

BRASIL É

CAMPEÃO

(164) P 1 - Você gosta de escrever?

(165) Hugo - Eu gosto, porque aprende.

(166) P 2 – Por que você escreve?

(167) Hugo - Para aprender a escrever.

Pode-se observar neste episódio que a apropriação da escrita já começava fazer

parte da realidade de algumas crianças. Iniciava-se uma relação entre as palavras com o

símbolo gráfico, pois se percebeu o uso correto das letras que formaram as palavras

ditadas; percebeu-se, ainda, a correspondência que o aluno fez entre desenho e escrita. O

desenho, como pôde ser observado, teve uma relação significativa para o aluno, ele o

representou de forma significativa para si próprio, conseguindo representá-lo através da

fala.

Tanto Hugo quanto Armando estavam começando a se apropriar do significado que

cada letra representava para formar uma palavra, ou seja, já estavam se utilizando da

escrita convencional; afirmamos isso ao perceber a escrita das três primeiras palavras

ditadas, como se pôde observar nas tabelas acima.

Mesmo ao final do trabalho proposto, quando questionados pelo pesquisador, os

alunos liam o que tinham escrito, mesmo a escrita não estando ortograficamente certa,

podendo-se perceber que eles usaram o desenho como auxiliar da atividade mental, a

memória, para poder ler as frases nº. 4 e nº. 5.

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Quando Armando leu “EU ESTOU COM FOME”, através da escrita

EUTLENOME, ele se utilizou do desenho da “Boca e da Panela de comida cheia” que

tinha feito, com intuito de lembrar a frase EU ESTOU COM FOME. Percebeu-se aqui

uma ação mediadora entre signo e instrumento, desenho e escrita, atingindo seu objetivo

pessoal. A mesma coisa aconteceu quando Armando leu através da escrita

URDAZIOECPHP - BRASIL É CAMPEÃO, pois como ele não sabia como escrevia a

frase, utilizou-se do desenho da bandeira do Brasil que é um recurso de memória

disponível para nós, seres humanos, que foi usado nesse momento como instrumento de

mediação da escrita.

Já em relação ao Hugo, o mesmo não se utilizou do desenho para falar o que tinha

escrito, ele já conseguiu construir uma hipótese sobre a escrita convencional, fazendo uso

correto de algumas palavras e tendo erros de grafia em outras, o que não o impediu de ler

corretamente a frase ditada.

Com isso, é possível perceber que as crianças não lêem letras e, sim, palavras.

Essas associações, através de desenhos, escritas inacabadas, permitem que a criança

construa novas bases nas funções psicológicas superiores, é fundamental que ela tenha

espaço para poder “lançar-se” no mundo da linguagem escrita, resolvendo assim questões

que ainda não domina.

Episódio 6 – Brincando com a escrita através da mímica e do desenho

A criança percebe que pode representar uma palavra através do corpo (mímica),

do desenho, da fala, e por fim da escrita.

Neste episódio foi proposto que as crianças lessem palavras tiradas de um saquinho

e as representassem através de mímicas ou desenhos feitos na lousa, para que os amigos

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adivinhassem. Se não conseguisse ler, o pesquisador a leria para ele, em voz baixa. Com

objetivo de incentivar a escrita, foi proposto (para quem quisesse) dar nome ao desenho da

lousa.

Brincando com a Mímica

(01) P 2 - Tem um saquinho na mão do P1, estão vendo? O que vocês acham

que tem dentro deste saquinho?

(02) Anderson – Leitas

(...)

(05) P 2 - São letras, sim. Mas essas letras, elas estão juntas, ou estão

separadas, soltas?

(06) Classe em coro - Juntas.

(07) P2 - Então isso quer dizer o que? Que aí tem o que? Está escrito o que?

Uma....? Alguém sabe me dizer? Uma...

(08) Alguém no fundo da sala fala – palavra

(11) P2 - Quem falou? Alguém falou certo, aí.

(12) Eugênio - foi a Larissa

(...)

(15) P2 - Então estas letras, estão todas jogadas. Aí, quando elas ficam

juntinhas, elas formam uma palavra?

(16) Classe - Uma palavra.

(17) P2 - Legal, uma palavra. Só que agora, nós vamos brincar com essas

palavras. Eu vou chamar alguém aqui na frente e cada um vai tirar uma

palavra do saquinho. Tem uma palavra pra cada um. Eu vou chamar um e o

P1 vai chamar outro. Aí, vocês vão tentar ler a palavra e se não conseguir não

tem problema. Nós vamos falar no ouvido de vocês, e vocês terão que fazer

uma mímica, para representar a palavra..Alguém já brincou de mímica?

(20) Eugênio - Adoro, eu adoro mímica.

(...)

(25) Eugênio - Você faz as coisas pro outro tentar descobrir o que é que é.

(26) P 2 - Isso mesmo.

(27) Eugênio - Eu adoro mímica, (e jogo a cabeça pra trás, fechando os olhos e

abrindo os braços)

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(28) P2 - Então ta, vamos brincar de mímica.

(34) P2 – Amanda, já brincou de mímica?O Eugênio, eu sei que já brincou.

Quem mais já brincou? Você já brincou?(referindo - se à Amanda)

(35) Amanda - mexeu a cabeça, negativamente.

(36) P 2 - Ilma, você já brincou de mímica? E você, Anderson?

(37) Ilma e Anderson – mexem a cabeça fazendo gesto afirmativo

(40) Vitório – Eu não brinquei.

(41) P2 - Então tá bom, nós vamos brincar. Vamos lá, quem quer vir primeiro?

(43) P2 – Vem, Ilma, vem você primeiro. Vem tirar uma palavra do saquinho..

(45) P2 - Tenta ler o que está escrito ( a aluna tirou a palavra PULA CORDA)

(46) Ilma – balança a cabeça, negativamente.

(47) P2 - Não sabe ler?

(48) P1 – Mexe a cabeça dizendo que não

(49) P2 - Você sabe que letrinhas têm aí? Sabe?... Não?... Então, o P1 vai falar

pra você, e você vai imitar sem falar.

(50) P1 - Fala no ouvido da Ilma a palavra,

(51) Ilma, ao ouvir, demonstrou ter entendido o como representar a palavra

através da mímica.

(52) P2 - Todo mundo vai prestar atenção na Ilma e vocês vão tentar adivinhar

o que é, que ela vai tentar falar pra vocês.

(53) Ilma – faz o gesto circular com os braços levantados e pula

(54) Anderson - levanta-se imediatamente, e diz, apontando para a Ilma -

pulando coirda.

(55) P2 - ÃÃÃÃ

(56) Anderson - pulando coirda.

(57) P2 - Muito bem, palmas para o Anderson.

(...)

(60) P2 – Venha, Anderson. (ele tira do saquinho a palavra DANÇANDO)

(61) P2 - Ele não sabe ler? Não?

(62) Anderson balança a cabeça negativamente?

(63) P2 - Então vá lá, o P1 vai falar no seu ouvido..

(65) P2 - O Anderson vai imitar

(66) Anderson – começa a balançar o corpo como se estivesse dançando.

(67) P2 - O que ele está fazendo?

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(68) Classe responde: dançando.

(...)

(74) P2 - Sabe o que está escrito, Kátia?

Kátia balança a cabeça, negativamente.

(76) P2 - Você conhece alguma letrinha?

Kátia esteve de costas até esse momento com a mão na boca e não responde

nada.

(77) Professora - Veja se conhece alguma letrinha por aí, Kátia. (Anderson

fala alguma coisa e a professora da classe chama a sua atenção), é a Kátia

agora, Anderson.

(78) P2 - Vira para mim, Kátia, eu vou ler para você a palavra e você irá

representá-la. (A palavra era DORMINDO).

(79) P2 - Então ela vai imitar.

(...)

Kátia coloca as mãos no lado direito da face e inclina a cabeça, fechando os

olhos.

(...)

(84) Humberto – Dormindo.

(86) Humberto vem a frente e tira palavra (COBRA)

(87) P2 - Ele sabe o nome das letras?

(88) P1 - Balança a cabeça, afirmativamente.

(89) P2 - De todas? Então vai, Vamos ver quem sabe o que ele vai imitar.

(90) P1 - Fala no ouvido o nome da palavra (COBRA)

(91) Humberto - deita-se no chão, arrasta-se e faz movimento de onda.

(...)

(96): Amanda - Cobra.

(97) P2 - Muito bem. Vá lá Amanda, escolher uma palavra.

(98) Amanda vai até o P1, para pegar a palavra no saquinho.

(99) P2 - Você sabe o que está escrito, aí? Veja se você sabe as letrinhas.

(100) Professora - Mostra ao P1, as letrinhas que você conhece.

Amanda reconhece algumas letras da palavra, e o P1 fala a palavra no seu

ouvido (BEBENDO ÁGUA)

(101) Amanda – Fecha a mão e movimenta até a boca, várias vezes.

(102) Anderson - Bebendo leite

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(103) João - Bebendo suco

(104) Armando - Bebendo água

(...)

(110) P2 - Vamos lá escolher uma palavrinha? Vire o, assim de lado, P1(P2

pede para o P1 virar a criança de frente para que ela possa filmá-lo).

(111) Armando segurou o papel na mão e olha atento a escrita da palavra.

(112) P2 - Mas não pode falar, leia e fale no ouvido do P1.

(113) Professora – Veja se você consegue ler.

(114) Armando com os lábios, como se estivesse lendo (Balbucia) por alguns

segundos, balança a cabeça como se estivesse em dúvida.

(115) Professora - Não sabe, Armando?

(116) P2 - Veja até onde ele sabe, P1.

(117) P1 - Com o dedo mostra letra por letra, e depois pergunta (C com

O.............)

(118) Armando - CO

(119) P1 - mostra (M E...........)

(120) Armando – ME

(121) P1 - mostra (D... O............)

(122) Armando - Fala DO

(123) P1 - Então lê tudo junto.

(124) Armando – Comedo.

(125) P1 - Ele está pulando o N.

(126) P2 - Então você ajuda.

(127) P1 - Fala ao ouvido do Armando

(128) Armando – sorri, demonstrando que estava feliz por ter quase acertado.

(130) P2 – Deixe-me ver a palavra, por favor? Nesse momento, Eugênio, antes

do Armando imitar, lê a palavra e fala.

(131) Eugênio – Comendo.

(...)

(135) P1 - Palmas pro Eugênio

(136) P2 – Vem, Eugenio, agora, vem aqui. Vamos lá, pega uma palavra no

saquinho.

(137) Eugênio - Pega uma palavra, e já balbucia alguma coisa.

(138) P2 - Não fale alto, fale ao ouvido do P1.

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(139) Eugênio - Coloca as duas mãos entre a boca, e fala a palavra que ele leu.

(141) P2 - Então, você vai imitar?

(142) Eugênio - Vai pra o chão, de gatinho, e ele abre boca e fecha.

(143) A classe - um cavalo, um coelho, um cachorro, uma cobra, gato.

(pronunciado pela Vivian).

(145) P1 - Palmas para Vivian.

(...)

Esse recorte nos mostra que somos seres constituídos de uma história cultural

adquirida ao longo de nossa existência, o mundo à nossa volta é que determina a nossa

compreensão sobre aquilo que está à nossa volta.

Foi notória a facilidade que todas as crianças tiveram em representar a palavra

através da mímica e dos demais alunos em acertar as palavras imitadas. O mais

interessante é que, independente dos “grupos” a que pertenciam, eles atingiam o objetivo.

Na classe, é possível observar as crianças que não reconheciam as letras, as que

conheciam os nomes de algumas letras, as que reconheciam e davam nome a todas as

letras e as que sabiam as sílabas simples e conseguiam ler a palavra toda.

As crianças são seres participantes ativos e vigorosos da sua própria existência,

mostrando cada estágio de seu desenvolvimento, adquirindo os meios para intervir de

forma competente no seu mundo e em si mesma.

A pesquisa evidencia a necessidade de buscar compreender a apropriação da escrita

através da luz da teoria histórico-cultural de Vigotski que, com base em Marx, segundo

Newman (2002),ele “insistia em que o ponto de partida da ciência e da historia é-a-vida-

que-se-vive e não as interpretações ou abstrações extrapoladas da vida”(p.24). A criança

tem que ser vista no seu processo histórico e em constante mudança, não se pode deixar de

lado a leitura de mundo que ela adquiriu a partir do convívio com o “outro” .

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Brincando com o Desenho

(...)

(196) P2-Ana, vá lá, tire uma palavra do saquinho e tente ler.

(197) Ana pegou a palavra do saquinho (LUA)

(198) P2 - Você sabe o que é?

(199) Professora – Leia, Ana.

(200) Ana abraça o P1, e fala em seu ouvido a palavra.

(201) P1 - Balança a cabeça, afirmativamente.

(202) P2 - Ela acertou?..., Ela leu a palavra!

(203) P2 - Muito bem, Ana. Vá à lousa e desenha o que você leu.

OBS: A professora se dirige à lousa e começa apagar as listas de palavras

com sílabas va, ve, vi, vo, vu (vela, vovô, fivela, cavalo), da matéria dada em

sala de aula no período da manhã.

(204) Professora - Desenhe o que você leu.

(205) Ana pega o giz e escreve LU.

(206) P2 - Não, não, faz o desenho.

(207) Professora, apaga o LU e diz bem alto: é desenharrrr, não é escrever.

Ana fica parada olhando para professora.

(208) Ana desenha o rosto de uma menina.

(209) P2 - Quem sabe o que a Ana desenhou?

(210) Professora, fala no ouvido da Ana e apaga o desenho dela,

rapidamente.

(211) Professora - Desenhe o que você leu, Ana. Ana fica olhando para

Professora parecendo não entender o que ela queria que fizesse.

(212) P2 – Deixe-a fazer do jeito que ela quer.

(213) Ana desenha uma menina novamente.

(214) P2 - Alguém sabe o que é isso?

(215) Eugênio - Uma menina.

(216) P2 - É isso Ana, uma menina.

(217) Ana, balança a cabeça com gesto afirmativo.

(218) P2 - Muito bem, então, pode sentar; quem sabe escrever menina, lá?

(219) Anderson – Eu.

(220) P2 - Vá lá, então, Anderson; Pode sentar, Ana.

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(221) Professora - ME... NI... NAAAA.

(222) P2 - Pode deixar (P2 diz para a professora, porque era necessário que

ele representasse a escrita sem o auxílio dela e sim, como ele achava que se

escrevia menina... e ele rapidamente representou com três letras A V L,

parecendo não ter dúvidas de que realmente estava lá escrito menina).

(223) P2-Olha, lá, o Anderson escreveu menina.

(224) P2 - Pode sentar Anderson

(...)

(226) P2 Carla.

(227) P2 – Carla, pega a palavra “IGREJA”. Veja se você consegue ler a

palavra.

(...)

(230) Carla fica olhando para a palavra e balançando o corpo.

(231) P2 - Ela soube ler?

(232) P1 - Não. E falado a palavra no ouvido dela.

(233) P2 – Então, desenhe.

(234) Carla - Não sei.

(235) P2 - Vá lá tentar desenhar do jeito que você sabe.

(236) Professora - O que o P1 falou no teu ouvido, você desenha (deu um giz

na mão da Carla).

(237) Carla – Pergunta pra professora: Como eu vou desenhar?

(238) Professora - De qualquer jeito.

(239) Eugênio - Repete de qualquer jeito, Carla.

Enquanto Carla desenha ...

(242) P2 - Quem sabe escrever Igreja?

(244) P2 – Vem, Armando.

(245) Armando - Pega o giz e escreve a letra I e pára, olhando para a

professora.

(246) Carla ao lado, com o dedo indicador, parece escrever no ar a letra G.

(247) P2 – Senta, Carla e dirige-se ao Armando dizendo para ele, escreva do

jeito que você sabe.

(248) Eugênio - Eu sei, tia.

(249) Carla - não senta, fica ao lado de Armando, parecendo que ela sabia e

queria ajudá-lo.

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(250) P2- Deixe-me ver, Armando - Eu queria ver o que ele tinha escrito.

Pode sentar, Carla.

(251) Armando escreveu na lousa, as letras IGEGA.

(252) P2 – Amanda, vem.

(253) Amanda – dirige-se ao P1 e tira uma palavra do saquinho.

(254) P1 - ela só reconheceu as letras (da palavra PETECA) e não leu.

(255) P2 – Desenhe a palavra,

(256) Amanda, desenha na lousa.

(257) Eugênio – Coelho. Ele fala antes de ela terminar o desenho.

(258) P2 – Espere ela terminar de desenhar. Eugênio demonstrava uma

grande ansiedade em participar, estava inquieto.

(259) P2 - Está lindo! Deixa-me ver? O que é isso? É um brinquedo!

(260) Kátia – Uma peteca.

(261) P2 - Uma peteca! Quem quer ir à lousa, escrever PETECA?

(262) Eugênio - Eu, eu.

(263) P2 - Vá Eugênio, vá, é a última vez.

(264) Eugênio escreve PTECA

(265) P2 - Muito Bem! Eugênio volta pra roda demonstrando grande

satisfação, sorri para todos, se joga no chão e deita com a mão na cabeça.

(...)

Quando foi proposto “brincar” com leitura e escrita, pareceu que as crianças se

mostraram mais participativas. O próprio significado da palavra “brincar” já contribuiu

para causar uma descontração no ambiente, sendo unânime a participação dos alunos na

“Brincadeira”.

Pareceu, naquele momento, que escrever não era uma coisa tão cheia de regras, que

precisasse usar a memória para escrever. Na classe, percebia-se que era um recurso super-

valorizado pela professora, pois toda vez que propúnhamos atividade de escrita muitas

crianças não participavam, porque a professor sempre interferia com as falas: “Como você

não lembra?”, “Nós já trabalhamos isso”, “Pense, fale em voz alta que você vai lembrar”.

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Percebe-se na fala (199); (204); (207); (210); (211); (211); (221) que a escrita está

intimamente relacionada ao método visual, mecânico, repetitivo e apenas a serviço da

memória. A riqueza do seu recurso histórico, já inerente e construído no dia-a-dia, através

do convívio com o “outro”, bem antes da criança ir para a escola. Não faz parte desse

momento em que ela aprende sobre “escrita”. A criança demonstra claramente, através do

seu corpo, com seus gestos representativos e através do seu desenho, que é capaz de

representar objetos que tenham uma similaridade muito grande com o real.

Outro aspecto relevante a se destacar neste estudo foi o fato de não se ter percebido

mudanças no processo de ensino da escrita e nem avanço no aprendizado da escrita pela

criança. No final do ano letivo os recursos usados pela professora para ensinar o aluno a

escrever eram ainda os mesmos, utilizados no início de maio, quando começou a pesquisa.

As exigências, o sistema de decorar e decodificar as letras e sílabas e até a

atividade dada nos cadernos, apresentavam uma ordem, a ordem alfabética, que seguiam

primeiro o treino/cópia das letras, depois das sílabas e de palavras, iniciando com aquela

letra trabalhada. Outro fato importante a destacar é que as crianças agiam da mesma forma

para escrever como no início das atividades propostas na pesquisa, em relação à escrita.

Ao propor atividades de escrita, muitos alunos não participavam e os participantes, ao

colocar letras para formar uma palavra, buscavam na memória, através da silabação

(falando em voz alta, para si mesmo) e se não lembravam, pediam o auxílio da professora.

A Professora falava as letras e eles colocavam no papel, demonstrando claramente que

tinham decorado as letras.

A intenção desse estudo foi investigar os elementos presentes na Educação Infantil

que contribuem para a construção da escrita, levando em consideração o processo histórico

cultural presente na Educação Infantil e na Escrita, que vai além de decorar letras e

construir palavras.

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5. CONCLUSÃO

A presente pesquisa, através dos recortes feitos e analisados, pretendeu investigar

os elementos presentes na Educação Infantil que contribuem para a construção da escrita,

levando em consideração o processo histórico cultural presente na Educação Infantil e na

Escrita sobre a pré-história da escrita, considerando-a como marco na apropriação da

linguagem escrita e não mais na “habilidade de mãos e dedos”.

O que se observou sobre a questão do desenvolvimento da escrita pela criança, na

Educação Infantil, é a necessidade de considerarmos o seu percurso, através do processo

histórico-cultural. Para Vigotski (1998), a história fundamenta o conceito de cultura e

sociedade, colocando-a de duas formas: história como “abordagem dialética geral das

coisas” e como “história humana”, querendo dizer, com isso, que o “conhecimento é um

processo histórico que segue as leis da dialética”. Esse processo, construído pela sociedade

humana e que tem como peça fundamental o convívio, desde o nascimento, com o “outro”,

é o que nos torna capazes de vivermos em sociedade, pois para a psicologia histórico-

cultural, o desenvolvimento da aprendizagem da criança se dá do “social para o

individual”. Esse “outro” é o grande responsável pelo significado que damos para o que

nos cerca em nossas vidas, tornando-nos seres capazes de vivermos numa sociedade em

movimento e mutação constante.

A presença da educadora em sala acabou por trazer à luz questões importante sobre

o ensino da escrita na alfabetização, que não eram foco no início do trabalho, mas acabou

por indicar a dificuldade de se trabalhar o desenvolvimento da escrita a partir da função

social da escrita.

Não se pode mais considerar a escrita apenas como habilidade de “mãos, dedos e

memória” e muito menos como um método somente visual, mecânico e repetitivo. Não

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mais podemos ensinar apenas letras às nossas crianças numa mesma sala de aula, onde as

informações, em geral, são as mesmas para todas elas, e como podemos verificar nas

análises, cada uma responde de uma forma diferente, demonstrando que a aprendizagem

não segue um modelo pré-estabelecido. Há de se considerar também e, seguindo a teoria

vigotskiana que houve uma grande mudança, ao longo da existência humana sobre a

escrita.

Sabemos que as primeiras escritas representadas pelos nossos antepassados foram

através de pictogramas, e depois com a criação do nosso sistema alfabético e silábico a

escrita passou a representar os sons da fala. Portanto, mas do que representar sons da fala,

a escrita precisa ser vista como signos que representa algo, ou seja, a escrita tem que ser

vista como um sistema de signos simbólicos.

A aprendizagem não corresponde a um modelo linear, as informações recebidas

pelos alunos são absorvidas de acordo com o processo histórico cultural/social de cada

um, afirmando assim, o conceito de que cada criança já traz para a escola a sua leitura de

mundo e a sua visão de escrita.

Deve-se ter claro em nosso papel de educadores, que não nos cabe apenas ensinar a

escrita através das letras, mas ensinar a linguagem escrita como função social, ficando

evidente que nossa ação mediadora é de fundamental importância para o desenvolvimento

do aprendizado da escrita.

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REFERÊNCIAS

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ASSOLINI, E.F.P. Alfabetização-Aspectos Históricos e Alguns Pontos para Discussão. 2007. Disponível em <www.jperegrino.com.br/Artigos/2007/alfabetizacao.htm>

ASSOLINI, F. E. A. e TFOUNI, L.V. Letramento e Trabalho Pedagógico. Revista Eletrônica Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua Portuguesa. Disponível <http://www.mocambras.org/0001mocambras/0001mocambras_textos/fundaeduc_alfab/fea_letra.trab.ped.por_fep.assolini_lv.tfouni.pdf> Acesso em jun/2008.

ASSOLINI, F.E.P. Pedagogia da leitura parafrástica. Dissertação de mestrado. FFCLRP-USP, 1999.

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