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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB FACULDADE DE EDUCAÇÃO FE O DESENVOLVIMENTO DA MORAL SEGUNDO PIAGET E KOHLBERG: UMA EDUCAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA. DANIELE GOMES PRANDI Brasília DF 2013

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB

FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FE

O DESENVOLVIMENTO DA MORAL SEGUNDO PIAGET E

KOHLBERG: UMA EDUCAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA

AUTONOMIA.

DANIELE GOMES PRANDI

Brasília – DF

2013

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Daniele Gomes Prandi

O DESENVOLVIMENTO DA MORAL SEGUNDO PIAGET E

KOHLBERG: UMA EDUCAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA

AUTONOMIA.

Trabalho Final de Curso apresentado, como

requisito parcial para obtenção do título de

Licenciada em Pedagogia, à Comissão

Examinadora da Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília, sob a orientação da

Professora Drª. Teresa Cristina Siqueira

Cerqueira.

Orientadora: Drª. Teresa Cristina Siqueira Cerqueira.

Brasília – DF

2013

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PRANDI, Daniele Gomes Prandi.

O desenvolvimento da moral segundo Piaget e Kohlberg: uma

educação para o desenvolvimento da autonomia. /Daniele

Gomes Prandi: Brasília: UnB. 2013.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) –

Universidade de Brasília, 2013.

Orientadora: Profa. Dra. Teresa Cristina Siqueira Cerqueira.

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TERMO DE APROVAÇÃO

DANIELE GOMES PRANDI

O DESENVOLVIMENTO DA MORAL SEGUNDO PIAGET E

KOHLBERG: UMA EDUCAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA

AUTONOMIA.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido sob a avaliação da Comissão

Examinadora constituída por:

_____________________________________________________

Professora Teresa Cristina Siqueira Cerqueira (Orientadora)

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

_____________________________________________________

Professora Maria Alexandra Militão Rodrigues (Examinadora)

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

_____________________________________________________

Professora Fátima Lucília Vidal Rodrigues (Examinadora)

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

_____________________________________________________

Professora Simone Gonçalves de Lima (Suplente)

Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

Data da aprovação: ___/___/___

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Dedico este trabalho a Deus e aos meus pais, Márcio Felisberto Prandi e Cláudia Viana Gomes Prandi, pois devo tudo que sou a eles.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por ter me dado tantas benções.

Todo meu amor e gratidão ofereço a ele por ter sempre me guiado e me acudido

durante a caminhada da vida. Agradeço por ter me dado pais maravilhosos que

cuidaram e cuidam tão bem de mim. Seres incríveis de um coração gigantesco que

despejam amor e encantam meu dia-dia, sou imensamente grata ao meu pai e

minha mãe por tudo que fazem por mim e por aqueles que os rodeiam. Se eu puder

ser para os meus filhos metade do que meus pais foram pra mim, eu me

considerarei uma excelente mãe. Acredito que pertencer a esta família foi a maior

benção que Deus poderia ter me dado.

Meu muito obrigada para Cláudia, minha mãe, que sempre atarefada nunca

negou um tempo para me ouvir, ajudar, ler meus textos, aconselhar, dar bronca, dar

colo, ouvir meu choro e apoiar-me. Seu dom é ser mãe, é a melhor de todas para

mim. Uma mulher linda por dentro e por fora, alegra aqueles que estão ao seu lado

e me dá inspiração para ser brilhante como ela.

Sou grata ao meu pai, Márcio, que sempre teve muita paciência comigo, até

mesmo nos dias mais complicados, calmo e sereno cuida de mim e me defende de

tudo e de todos. Nunca conheci um homem com um coração tão bom, é meu

exemplo de honestidade, moral e ética. É meu “super-pai”, “super-amigo” e super-

herói. Dizem que essa figura de pai herói desaparece depois que a criança cresce,

mas a minha nunca desapareceu.

Agradeço aos meus irmãos, Guilherme Gomes Prandi e Renan Gomes

Prandi, por serem meus parceiros. Sei que qualquer coisa que eu precisar eu posso

contar com eles. “Um por todos e todos por um”, essa frase representa nossa

relação.

Sou grata ao meu namorado, Rafael Nazaro, por trazer ainda mais luz a

minha vida e irradiá-la de felicidade. Agradeço a paciência, o carinho, a atenção, o

zelo e o amor que tem por mim. Ele cuida e me apoia, dando-me força para encarar

os problemas que surgem.

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Sou grata pela minha melhor amiga, Jéssica Carvalho. “As inseparáveis” é

como nos chamam. Desde o primeiro dia que estive na UnB eu senti a energia

positiva que ela me dava, e desse dia até hoje que estamos juntas. O curso de

pedagogia não teria sido o mesmo sem ela, sem as piadas, as baladas (quando

éramos calouras), os trabalhos, o truco, as provas, as discussões sobre educação

quando todos desacreditavam da nossa ideologia, as aulas, os choros, as

gargalhadas, nada teria sido igual. Sou grata por ter feito parte desses momentos

tão incríveis e ter sido minha companheiríssima sempre.

Agradeço aos meus veteranos e aos meus colegas de turma que também

contribuíram muito para minha formação.

À minha amiga e parceira de oficina, Françoise Moncadá, que vivenciou

comigo muitas angústias durante nossa tentativa em construir uma educação

autônoma. Esteve aberta para compartilhar, dialogar e escutar quando eu precisei,

por isso minha gratidão.

Às crianças que contribuíram para que esse trabalho fosse possível e que me

alegravam com um sorriso.

Aos colegas do Projeto Autonomia minha gratidão pelas trocas, pelas

angústias e conquistas também.

Sou grata pelas professoras Fátima Vidal, Alexandra Rodrigues, Simone de

Lima e Regina Pedrosa por possibilitarem uma nova reflexão sobre educação.

Pessoas incríveis e inspiradoras que muito influenciaram na concepção de educação

que possuo.

A minha gratidão em especial para banca examinadora, Fátima e Alexandra,

que estiveram comigo desde o início. Foram parceiras na construção dessa nova

educação e souberam ouvir minhas angústias e me amparar quando o desanimo

surgia.

Agradeço à minha orientadora, Teresa Cristina, por ter me acolhido e me

apoiado. Sou grata pela paciência, compreensão e cuidado, aspectos que fizeram a

diferença para a construção deste trabalho.

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À todos aqueles que de alguma forma me influenciaram, levo comigo um

pedacinho de cada um. A estes o meu muito obrigada!

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“O amor é a força mais abstrata, e também

a mais potente que há no mundo.”

Mahatma Gandhi.

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PRANDI, Daniele Gomes. O desenvolvimento da moral segundo Piaget e Kohlberg:

uma educação para a construção da autonomia. Brasília, Distrito Federal:

Universidade de Brasília, Faculdade de Educação. Trabalho de Conclusão de Curso,

2013.

RESUMO

O presente estudo tem como tema a compreensão do desenvolvimento da moral segundo Jean Piaget e Lawrence Kohlberg para uma educação que facilite a construção da autonomia dos educandos. O desejo de investigar a moralidade surgiu a partir de uma experiência educacional inovadora que oferecia oficinas durante o contraturno da Escola Classe 209 Sul para vinte e cinco estudantes do segundo ao quinto ano do ensino fundamental. Observou-se, durante esta intervenção, que as crianças da Oficina de Corpo e Movimento relacionavam a moral com punições. Por este motivo, o objetivo da pesquisa é analisar razões dos estudantes relacionarem a moral com a punição. A metodologia é qualitativa e participativa e para a coleta de dados utilizou-se os diários de bordo escritos pelas educadoras da oficina. Notou-se, a partir do estudo das teorias sobre o desenvolvimento moral e a reflexão dos diários de bordo, que as crianças apresentavam características dos estágios da heteronomia e do nível pré-convencional. Conclui-se a partir das reflexões que os educandos da Oficina de Corpo e Movimento relacionam a moral com a punição porque eram submetidos à relação de coação adulta que os aprisionavam nos estágios iniciais da moralidade.

Palavras-chave: Desenvolvimento Moral, Educação, Autonomia, Punição.

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ABSTRACT

The present study has as its theme the understanding of moral development according to Jean Piaget and Lawrence Kohlberg for an education that facilitates the construction of students´ autonomy. The desire to investigate morality arose from an innovative educational experience that offered workshops during afternoon shift at Escola Classe 209 Sul for twenty-five students from the second to the fifth year of elementary school. It was observed during this intervention that children of Oficina de Corpo e Movimento relate moral to punishments. For this reason, the goal of this research is to analyze the reason students relate morality to punishment. The methodology is qualitative and participatory and for data collection that was used logbooks written by the workshop educators. It was noted from the study of the theories of moral development and from the reflections of logbooks that the children had characteristics of heteronomy stages and of pre-conventional level. It is concluded from the reflections that the students from Oficina de Corpo e Movimento relate moral to punishment because they were subjected to adult coercion which imprisoned them in the early stages of morality.

Key words: Moral Development, Education, Autonomy, Punishment.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ................................................................................................ 06

RESUMO ................................................................................................................... 10

ABSTRACT ............................................................................................................... 11

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................... 14

MEMORIAL .................................................................................................................................... 15

INTRODUÇÃO........................................ .................................................................................... 28

CAPÍTULO I: O DESENVOLVIMENTO DA MORAL SEGUNDO PIAGET E

KOHLBERG................................................................................................................31

1.1 Jean Piaget................................................. .....................................................32

1.1.1 Principais conceitos.....................................................................................33

1.1.2 Estágios do Desenvolvimento da Moralidade para Jean Piaget................36

1.1.3 Coação Adulta e Realismo Moral...............................................................43

1.1.4 Cooperação e Noção de Justiça.................................................................45

1.1.5 As Duas Morais..........................................................................................48

1.2 Kohlberg e o Desenvolvimento da Moralidade.................................................51

1.2.1 Nível 1 – Pré-convencional.........................................................................52

1.2.2 Nível 2 – Convencional...............................................................................54

1.2.3 Nível 3 – Pós-convencional........................................................................56

CAPÍTULO II: METODOLOGIA..................................................................................59

2.1 Contexto da Experiência: O projeto Autonomia e a Oficina de Corpo e

Movimento..............................................................................................................60

CAPÍTULO III: ANÁLISE DOS DIÁRIOS DE BORDO................................................63

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................79

PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS...........................................................................81

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REFERÊNCIAS..........................................................................................................82

APÊNDICE.................................................................................................................85

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso foi estruturado em três partes

consecutivas: Memorial Educativo, Monografia e Perspectivas Profissionais. A

primeira é referente à trajetória educacional da pesquisadora, pois esta influenciou

suas percepções de mundo e de educação. Está divida em sete tópicos que

apresentam desde o início da alfabetização até a etapa final da universidade.

A segunda parte é monografia, possuindo uma problemática e objetivos a

serem alcançados. O primeiro capítulo resgata a teoria sobre o desenvolvimento da

moral segundo Jean Piaget e Lawrence Kohlberg. O capítulo seguinte explica a

metodologia utilizada pela pesquisa. O terceiro capítulo é referente às análises dos

diários de bordo e o último apresenta as considerações finais.

A terceira parte encerra o trabalho científico a partir das perspectivas futuras

da pesquisadora, informando quais são as expectativas e quais os caminhos que

pretende seguir.

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MEMORIAL

1. O início.

Nasci no dia primeiro de março de 1992, fui presenteada ao ganhar pais

extremamente dedicados e carinhosos. Sou a caçula da família e tenho dois irmãos,

a diferença de idade é de oito anos, para o Renan, e dez anos, para o Guilherme. É

uma distância enorme entre os nascimentos quando se é criança. Eu via meus

irmãos como adultos e desejava fazer as mesmas coisas que eles, principalmente ir

para a escola. Lembro-me que pedia à minha mãe para me levar com eles, insistia

muitas vezes. Frequentar a escola seria uma grande conquista para mim.

Meus irmãos estudavam em um colégio particular no Lago Norte,

minha mãe conta que a professora do Jardim de Infância me chamou para assistir a

aula, participei e estava muito feliz com o convite. No dia seguinte fui deixá-los

novamente e a educadora chamou-me de novo para participar, eu estava

empolgada e me adaptando facilmente com a sala. No terceiro dia, ela pediu pra

minha mãe ir conversar com a diretora para me matricular. No entanto, meus pais

não puderam me matricular naquele ano. Eu fiquei sem entender, afinal, estava

gostando muito daquele ambiente e o impedimento me abalou.

No ano seguinte conseguiram me matricular nesse colégio, mas o meu desejo

em estar na escola já não era o mesmo. Só queria ficar com minha mãe e antes o

que era uma diversão tornou-se um problema. Talvez tenha ficado com algum

trauma, eu pensava que ficando ali minha mãe poderia não voltar, por isso eu

chorava muito e não tinha a mesma vontade nem o mesmo gosto de frequentar a

escola.

Tive dificuldades durante a alfabetização, não conseguia compreender por

que a letra “s” também tem som de “z” e todas as outras inúmeras questões que a

língua portuguesa carrega. Tive que fazer um reforço com a professora após as

aulas, mas não queria decepcionar os meus pais, mesmo sendo pequena, recordo

de me sentir envergonhada por frequentar o reforço de português. Apesar do meu

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constrangimento, meus pais não se importavam, pelo contrário, sempre me

incentivavam e apoiavam.

Consegui recuperar, mas os problemas com o português me acompanharam

durante toda a formação, ao contrário da matemática que, pra mim, era mais

simples, lógica e divertida.

2. A nova escola.

Estudei neste mesmo centro educacional, CECAP, até a quarta série,

corresponde ao quinto ano. Migrei para o Colégio JK, localizado na 913 Norte,

enquanto minhas amigas foram para o Leonardo da Vinci. Minha mãe queria que eu

fosse pra lá também, mas não foi possível naquele ano.

Iniciei a quinta série no ano de 2003, estava ansiosa para o primeiro dia em

uma escola diferente. A mudança foi grande, não tinha apenas um ou dois

professores como no CECAP, era um professor pra cada matéria. No início me

assustei, mas me adaptei com facilidade, isso me fazia sentir que estava crescendo

e deixando um pouco de lado a dependência que tinha dos meus pais.

Passei de ano com tranquilidade, sem me dedicar muito aos estudos.

Prestava atenção nas aulas, mas conversava bastante e nem sempre fazia os

deveres de casa.

Na sexta série continuei no Colégio Jk. Tive aula com uma professora de

matemática diferente da do ano anterior. Ela era conhecida como exigente e

autoritária pelos estudantes. Quando soube que teria aula com ela fiquei com receio

e evitei conversar durante suas aulas. Tivemos nossa primeira prova e eu tirei uma

nota alta, pois tinha facilidade com a matéria. A professora convidou a mim e outros

colegas para sermos monitores. Eu nunca tinha tido contato com esse tipo de

ensino, mas aceitei a proposta. Foi ótimo! O curioso é que a mesma professora que

era vista como rígida trouxe algo diferente para sala de aula.

Acredito que no momento em que eu ensinava e ajudava meus colegas eu

aprendia muito mais. Afinal, “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende

ensina ao aprender” (Paulo Freire). A aprendizagem também se tornou mais

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prazerosa quando assumi o papel de monitora. Uma amiga minha afirmava que

compreendia o conteúdo mais facilmente quando eu ensinava. Hoje entendo que a

facilidade que eu proporcionava para aprendizagem dela não era pela variável de eu

ser uma boa ou uma má monitora, mas sim pelo o fato de usar a mesma linguagem

que a dela.

3. Vai e volta.

Permaneci nesta escola até a sétima série. Mas no ano de 2006 cursei a

oitava série no Leonardo da Vinci. Minha mãe pediu que eu ficasse na mesma sala

que minhas antigas amigas do CECAP. Fiquei feliz por estar novamente com elas,

meninas que mantinha amizade desde o jardim de infância. Ao mesmo tempo em

que eu me sentia pertencendo ao grupo delas, também me sentia completamente

distante do restante da escola. Lá as pessoas eram padronizadas, todos precisavam

usar o tênis da marca “x” e ter o celular “y”. Quem não os tinham, como eu, não

recebia o mesmo tratamento, ainda que velado, era visto de forma diferente. Isto me

incomodava.

Não tínhamos afinidade com os professores, eles não sabiam nosso nome,

muito menos conheciam nossas dificuldades, raríssimas foram as exceções. Eu que

antes não precisava me esforçar e tirava notas altas, precisei me dedicar

completamente ao colégio, estudava, fazia os deveres, anotava tudo. Mesmo com

toda dedicação as notas eram péssimas. Os conteúdos eram imensos e até em

matemática, matéria que tenho facilidade, o meu rendimento foi ruim segundo os

padrões da instituição. Fiquei com receio de ter que fazer recuperação pela primeira

vez. Precisei fazer as provas finais, que eram destinadas àqueles que tiveram nota

abaixo de sete, mas consegui passar sem a recuperação.

No primeiro ano do ensino médio voltei para o Colégio JK. Sentia como se

estivesse em casa de novo, os professores eram nossos amigos e sabiam nossos

nomes, as pessoas eram diferentes, e não precisavam ser iguais para serem

aceitas. Tive uma facilidade com as matérias, muito do que eu tinha visto no ano

anterior era conteúdo novo para a turma, estavam tendo contato com a química,

física e biologia pela primeira vez no 1º ano. Mas no Leonardo da Vinci já víamos

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desde a oitava série. Por isso, parecia que eu estava revisando os conteúdos ao

voltar para o JK.

Conclui o primeiro ano com tranquilidade e no segundo ano do ensino médio

retornei para o Leonardo da Vinci. Já sabendo da cobrança do colégio tive que

estudar ainda mais que na oitava série. Eu me sentia muito inteligente quando

estava no JK, mas no Leonardo da Vinci parecia que a inteligência sumia e eu não

compreendia por que eu não conseguia guardar a quantidade de conteúdo que

insistiam em colocar na minha “tabula rasa”. Claro que na época eu não tinha a

consciência de que não somos meros receptores, até acreditava que aquele tipo de

ensino era o melhor que eu poderia ter e por isso me dedicava a ele.

No ano seguinte meu pai ficou desempregado, eu teria que ir para escola

pública cursar o último ano do ensino médio. Porém, o Colégio Jk elaborava uma

prova que dava bolsa integral para o primeiro colocado. Eu fiz sem acreditar, mas

desejava muito passar e consegui. Foi um alívio!

4. Universitária.

No meio do ano ocorreria o vestibular da Universidade de Brasília (UnB), e eu

precisava decidir que curso fazer. Estava perdida, não sabia o que desejar e nem

qual seria a profissão a minha profissão, não fazia ideia. O único desejo real que

possuía era pela dança, mas a UnB não oferece uma graduação relacionada. Como

não tinha nenhum curso que eu realmente desejasse resolvi optar por um que

tivesse menos concorrência. Acabei escolhendo pedagogia.

Passei no vestibular para pedagogia no meio do meu terceiro ano e entrei na

UnB no segundo semestre de 2009.

A primeira semana foi incrível, era tudo novo e lindo para mim. Fomos

acolhidos por nossos veteranos com várias atividades de integração entre o grupo, a

universidade e a pedagogia. Eu nunca gostei dos famosos trotes violentos da UnB e

fiquei feliz em saber que o meu curso possuía, assim como eu, uma visão diferente

sobre o trote. Acredito que se não fosse pela recepção aos calouros eu teria mais

dificuldades ao ingressar na universidade por ser tudo novo, contei inúmeras vezes

com a ajuda dos veteranos que nos receberam.

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O primeiro semestre foi marcado, para mim, como um descobrimento da vida

universitária e da minha adaptação a ela. Eu me sentia mais livre e independente,

até mesmo para ir ao banheiro durante as aulas, fato que antes era mediado pelo

professor. Eu adorava essa liberdade parecia que lá as pessoas deixavam seus

preconceitos e não se preocupavam com o olhar do outro. Encantei-me no início e

desejava passar o dia todo na UnB.

4.1 Projetos e vivências universitárias.

4.1.1 Projeto de extensão Educar dançando.

O primeiro projeto de extensão que participei foi o Educar Dançando no ano

de 2010 (meu segundo e terceiro semestre), ele oferece aulas de balé e música para

crianças carentes. Através dele tive o meu primeiro contato com as crianças e o

ensino. Estava começando o curso de pedagogia e ainda não tinha muitas

concepções sobre aprendizagem e educação. Fui auxiliar da turma de musicalização

juntamente com minha prima, que também faz pedagogia.

Lembro-me bem o quando a orientadora do projeto era rígida com as

crianças, e a frase que ela sempre dizia: “Paulo Freire é só na teoria, não existe

pedagogia do amor.”. A sua fala me angustiava, ficava perdida entre o que aprendia

nas aulas e o que ela exigia: sermos rígidos e autoritários com estudantes. Fiquei no

projeto durante um ano, mas acabei saindo por discordar completamente da

metodologia do mesmo.

Apesar de ter deixado as aulas divergindo do formato, acredito que pude me

desenvolver em vários aspectos. Aprendi a conviver com pensamentos contrários

aos meus e tive que me adequar a essa situação, mesmo que alguns pontos

divergissem do que acredito o Educar Dançando faz um trabalho importante com as

crianças carentes.

4.1.2 Projeto 3 fase 1.

O meu primeiro projeto três foi orientado pela professora Patrícia Pederiva,

ela trabalha com musicalização, mas meu objetivo era voltado para um trabalho com

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a dança. Pederiva aceitou fazer essa junção e no segundo semestre de 2010

iniciamos.

O projeto foi realizado no CEF. Pipiripau 2 na Zona Rural de Planaltina cujo

córrego Pipiripau passa perto da região, levando a origem do nome da escola. A

instituição recebia alunos das proximidades da região e de um assentamento do

Movimento Sem Terra. Atendia crianças da pré-escola até jovens do nono ano do

ensino fundamental. Os estudantes eram filhos de pessoas humildes, trabalhadores

das fazendas próximas ao colégio, a grande maioria chegava de ônibus ao local de

estudo. Possuíam aulas regulares durante toda a manhã e ensino integral na

segunda, quarta e quinta onde eram realizadas as oficinas do projeto.

A escola era simples e com pouco espaço. Precisavam de computadores,

salas maiores, telhados adequados e diversas outras necessidades físicas. Contudo

o que eu percebi foi a dedicação dos profissionais que ali atuavam para uma escola

de qualidade, preocupados com a formação dessas crianças e jovens.

Ofereci a oficina de dança juntamente com a Jéssica Carvalho dos Santos e

com a Laís Cardoso Amaral, todas integrantes do projeto 3. O nosso intuito era

mostrar a identidade e o cotidiano das pessoas que estudavam ali através da dança

e da expressão corporal. Os alunos gostaram da ideia e um grande número se

candidatou para entrar. Por volta de vinte integrantes a oficina de dança foi aberta.

Nossos encontros ocorriam apenas um dia na semana, quinta-feira, e por

conta da greve tivemos apenas cinco encontros. O tempo era curto, inicialmente

pesquisamos os ritmos que eles gostavam mais e pedimos para que o grupo

narrasse o seu cotidiano. Verificamos que os estilos musicais preferidos eram: hip-

hop, sertanejo, forró e música eletrônica. No segundo encontro fizemos uma mímica

musical, eles teriam que fazer o gesto no ritmo da música que estivesse tocando.

Fizemos esta atividade para demonstrar que é possível se expressar dançando. A

partir desse momento nós propusemos que fossem formados grupos com que

tivessem afinidade com o estilo musical para montarem uma coreografia que

expressasse corporeamente o cotidiano deles.

Dividiram-se em três grupos: hip-hop, sertanejo e música eletrônica. Os

encontros seguintes foram destinados para os próprios jovens elaborarem e

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ensaiarem a coreografia, sem muita interferência nossa. Dávamos alguma ajuda,

mas todo o trabalho de construção era feito pelos estudantes.

O último encontro foi para a apresentação do que foi feito. Outras oficinas

como batucada e rap também se apresentaram, a nossa foi a última. Por termos

poucos dias para o ensaio achávamos que não seria uma apresentação muito

complexa, mas as crianças nos surpreenderam. As meninas do sertanejo fizeram

movimentos ligados ao trabalho do lar. O grupo da música eletrônica ousou com o

futebol e os jogos eletrônicos. Foi incrível!

Essa experiência foi gratificante para mim, pela primeira vez consegui usar a

metodologia que eu realmente acreditava, dando assim, mais liberdade às crianças.

Os estudantes puderam escolher em qual oficina participar e tiveram autonomia para

organizarem-se e mostrarem que podem fazer um lindo trabalho sem a interferência

direta dos professores. Eles realmente fizeram um belo trabalho e mesmo que não

tenha sido mérito meu, fiquei orgulhosa pelo o que construíram.

4.1.3 Projeto 3 fase 2.

O início de 2011 começou, eu ainda não tinha decidido qual projeto 3 fazer,

gostava da proposta da Patrícia Pederiva, mas não sabia até quando conseguiria

conciliar a dança com a música. Informaram-me que a Fátima Vidal estava ofertando

projeto 3 com o Tadeu Maia e a com Alexandra Rodrigues a respeito de práticas

pedagógicas inovadoras. Eu já tinha sido aluna na Fátima e gostava muito da forma

que ensinava, assim como o respeito que ela mantinha pelos seus alunos.

Interessei-me pela professora e também possuía grande afinidade com o tema,

admito que a junção dos dois pontos propiciou uma curiosidade ainda maior sobre

esse caminho da educação.

Fiz parte do primeiro grupo de estudantes do Projeto Autonomia, conforme o

chamávamos, mas seu nome real é Diálogos com Experiências Educacionais

Inovadoras. O projeto surgiu pela reflexão de “ex-pais” da Associação Vivendo e

Aprendendo, descontentes com o ensino tradicional da escola pública buscavam

uma nova práxis na educação, visando autonomia de todos os integrantes desse

processo. Juntaram-se ao grupo professores da Faculdade de Educação – FE e do

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Instituto de Psicologia – IP da Universidade de Brasília por partilharem do mesmo

sonho.

A partir dessa interlocução os professores Tadeu, Fátima e Alexandra

reuniram-se para ofertar o projeto 3 que participei. A primeira fase teve o intuito de

promover o estudo e a aproximação com escolas que possuíam uma educação

diferenciada, espalhadas por várias partes do mundo. Estudamos nesse semestre

sobre algumas delas, todas seria impossível, mas tivemos como base a Escola da

Ponte em Portugal e a Vivendo e Aprendendo em Brasília.

4.1.4 Projeto 3 fase 3.

Eu estava cursando a fase 3 por já ter feio a fase 1 em outro tema, mas o

Projeto Autonomia estava na sua segunda fase. Esse momento foi de visualizar o

dia-dia da teoria que estudamos no semestre passado. Visitamos a Casa dos

Pássaros, que também foi fundada por uma associação de ”ex-pais” da Vivendo e

Aprendendo, e a própria V&A.

Deveríamos, após as visitas iniciais, escolher uma das escolas para pesquisar

sobre alguma questão que nos inquietasse. Eu escolhi a Vivendo e Aprendendo,

pois notei, no primeiro dia em que estive lá, que as crianças sentiam prazer de estar

na escola, gostavam de frequentar aquele ambiente. Queria entender por que os

educandos possuíam uma percepção positiva da V&A, já que na maioria das

escolas isso não ocorre.

Fiz cinco observações em sala de aula, entrevistei a professora, o auxiliar da

turma e as coordenadoras da escola, além de ler entrevistas e vídeos feitos com ex-

alunos da instituição. Percebi que a maioria das crianças gosta de ir para a V&A por

quê:

- São acolhidas no início do ano sem imposições.

- São tratadas com respeito e carinho pelos integrantes da escola.

- A forma como se lida com o aprender é diferente, os professores instigam a

curiosidade, valorizando os questionamentos e dúvidas

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A união desses pontos torna a aprendizagem algo divertido e prazeroso.

Fazendo com que a escola seja um lugar divertido de estar.

4.1.5 Projeto 4 fase 1.

Enquanto eu estava cursando o projeto 3, o Autonomia também tornava-se

projeto de extensão em parceria com as professoras Simone Gonçalves de Lima e

Regina Lucia Sucupira Pedrosa do Instituto de Psicologia – IP. Formamos uma

turma com estudantes de vários cursos: pedagogia, letras, psicologia, artes cênicas

e história.

Em maio de 2011 o projeto ofertou um curso de extensão para discutir e

aprender sobre práticas educacionais inovadoras. Possuía dois espaços

intercalados de diálogo: um presencial e um virtual. Os encontros presenciais eram

realizados quinzenalmente na sala Papiros da Faculdade de Educação – Unb e os

virtuais na plataforma Aprender (http://www.aprender.unb.br). Além dos

organizadores do IP e da FE citados acima junto com as colaboradoras do GEPEPI

(Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Práticas Inovadoras) o curso foi

formado por professores de escolas públicas (Escola Classe 209 Sul, Escola Classe

304 Norte, Escola Classe 104 Norte e Escola Classe QI 15 – Lago Sul) e grupos

comunitários (Vivendo e Aprendendo e Casa dos Pássaros).

O curso propiciou uma maior interação com as escolas, principalmente com

a EC 209 Sul, a diretora demonstrava enorme interesse pela intervenção do projeto

em sua instituição. O colégio era de tempo integral e contava com a ajuda de

monitores, estes eram estudantes de faculdades particulares, de diversas

graduações, que foram contratados pelo Governo do Distrito Federal – GDF para

fazerem intervenções educacionais (durante o período vespertino) sem nunca terem

recebido algum preparo para tal atividade.

Tentávamos nos organizar entre os estagiários da pedagogia e integrantes do

projeto de extensão para criar oficinas no contraturno com as possibilidades que nos

era possível. Buscamos assim trabalhar com habilidades que já possuíamos.

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Eu tinha uma aproximação com a dança, decide oferecer uma Oficina de

Dança. No entanto a Françoise Moncadá, também estudante de pedagogia,

procurou-me sugerindo uma parceira, ela trabalhava com questões também

relacionadas ao corpo como a dançaterapia. Propôs que abríssemos o tema da

oficina para “Corpo e Movimento”, pois assim poderíamos explorar um campo maior

de atividades. Adorei a ideia e a parceria.

Iniciamos a discussão sobre como construir nossa oficina. Decidimos que

seria construída de forma compartilhada, feita por várias mãos, pés e corpos

pertencentes ao grupo do Corpo e Movimento. Desejávamos ampliar a compreensão

da relação que o corpo possui com o espaço, com o tempo e com a música. Porém

nosso objetivo principal e primordial era desenvolver a autonomia, a criatividade, a

solidariedade, o trabalho em grupo e a cooperação dentro da Escola Classe 209 Sul.

A restrição da nossa oficina era a participação obrigatória, não poderia

participar quem fosse obrigado. A participação deveria partir da vontade de estar ali.

Iniciamos com mais de vinte integrantes do segundo ao quinto ano do ensino

fundamental. Nossos encontros eram as segundas-feiras das 14h30min às

16h30min.

Tivemos momentos em que planejamos o que faríamos na semana seguinte

junto com os educandos. Normalmente dividíamos a oficina em duas partes, a

primeira era de atividades e brincadeiras sugeridas pelas crianças. A segunda,

chamados de atividade surpresa, era uma dinâmica elaborada por mim e pela

Françoise. Mas a maior parte do tempo as atividades eram brincadeiras

relacionadas ao corpo e o movimento como “O mestre mandou”, “Queima-senta” e

outras.

Saíamos desanimadas em alguns encontros, por parecer que nada estava

certo. Sentia-me angustiada ao ver que para as crianças a moral era estabelecida

pelo autoritarismo, pela punição e pelo grito. Não foi fácil mostrar que a moralidade

pode ser estabelecida em relações de respeito mútuo onde as regras impostas dão

lugar aos combinados acordados pelo grupo.

No final conclui que os paradigmas não são quebrados com facilidade e nem

rapidamente, sei que não pude transformar a prática da escola completamente. Mas

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eu pude mostrar outra forma de ensino e aprendizagem para aquelas crianças e que

talvez tenham levado consigo algum elemento de nós.

4.1.6 Projeto 4 fase 2.

Iríamos continuar o segundo semestre de 2012 com as intervenções durante

as tarde na Escola Classe 209 Sul. No entanto, eu resolvi migrar para a Oficina de

Perguntas Ideias – ofertada no semestre anterior pela Rafaella Cerveira e pela

Jéssica Carvalho dos Santos – por acreditar que essa oficina fosse o que realmente

buscávamos para a educação. Não que o grupo de Corpo e Movimento também não

trouxesse essa temática ou fosse menos importante, mas por que Perguntas e

Ideias trabalhava mais com os conteúdos e eu queria visualizar na prática como isso

funcionaria.

A Oficina de Perguntas e Ideias abriu espaço para as crianças dizerem suas

curiosidades, questionamentos e ideias para através do estudo e da pesquisa

encontrarem suas respostas ou formularem novas perguntas.

O integral teve alguns problemas para começar por falta de monitores e

merenda, por isso só iniciamos as oficinas no dia três de outubro. Nós não

dividíamos as turmas por idade fazíamos um agrupamento vertical, por isso a faixa

etária era de sete a quinze anos. Deste modo, os próprios educandos poderiam

ensinar uns aos outros possibilitando também as trocas entre crianças mais novas e

mais velhas. No início dividimos grupos de interesse, algumas meninas gostariam de

estudar sobre lendas urbanas e uma sobre histórias românticas, outro grupo

interessou-se por moda e três meninos buscaram sobre a história do videogame.

No fim, algumas crianças saíram e outras faltavam muito, o que acabou de

desfavorecendo a oficina. As meninas que estiveram mais presentes durante os

encontros fizeram um livro de romance todo feito por elas sem praticamente

intervenção nossa. O trabalho foi corrido, pois tivemos alguns problemas com a

escola e acabamos encerrando as oficinas antes do previsto. Mas de qualquer forma

a confecção do livro pelas meninas foi um incentivo para elas continuarem a produzir

suas próprias histórias. Voltamos na escola, como prometido, para entregar as

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cópias do livro para cada uma que participou de sua construção. Elas ficaram muito

felizes ao ver o que tinham produzido, e nós ainda mais.

5. Ao trabalho.

6.1. Colônia de Férias.

Fui auxiliar da Oficina de Música durante o dia 1 a 22 de julho de 2012 na

colônia de férias do Iate Clube de Brasília. Nela trabalhei com dinâmicas que

estimulassem o ouvir, interpretar, reconhecer e criar. Todas focadas na aproximação

com a música, com a ampliação da criatividade e com a diversão dos participantes.

Os professores que já trabalhavam na instituição seguiam o método

comportamentalista, as crianças eram sempre presenteadas com figurinhas, pirulito

e balinha quando faziam algo que era pedido ou quando acertavam e ao descumprir

as regras eram punidas, ou seja, usavam reforço positivo e negativo a todo o

momento. Eu achava curioso, pois antes de me tornar educadora eu não percebia o

quanto isso ocorre, mas hoje percebo com facilidade e que mesmo com todas as

críticas a essa metodologia ela é, para mim, a mais usada até os dias de hoje na

educação em escolas ou dentro das próprias famílias.

De qualquer forma, a experiência que obtive na colônia de férias foi de

extrema aprendizagem. Tive a possibilidade de ter contato com colonins de quatro a

treze anos, pude visualizar as diferentes etapas do desenvolvimento e as diversas

abordagens para cada uma delas. Apesar de seu foco ser o entretenimento, o meu

objetivo era atrelar educação e diversão. Um desafio, que deveria estar presente na

escola também. Acredito que consegui cumprir parte do meu foco e acabei

proporcionando alegria não só para as crianças, mas para mim.

6.2. Reforço escolar.

Apesar de não concordar com o reforço escolar e com a forma de ensino

vigente da escola eu queria trabalhar. O emprego que considerei adaptável à minha

grade horária conturbada da UnB era o de aulas particulares. O primeiro dia foi um

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tanto quanto difícil. Após um tempo eu comecei a perceber como adaptar meus

princípios, como educadora, à demanda que os pais e empresa me exigiam. Mas,

não foi e nem é fácil adaptá-los. Um instrumento que me ajudou foi o lúdico,

busquei, também, conciliar o interesse do educando com a meta da escola (ainda

que ela fosse aposta aos meus ideais).

Uma aluna minha do quinto ano do ensino fundamental uma vez questionou-

me sobre o que pretendi ser no futuro. Respondi que gostaria de ser professora,

afinal era o curso e o trabalho que já exercia. Espantada me olhou e disse: “Você

não pode ser professora”. Questionei o porquê de sua afirmação. Ela me respondeu

dizendo: “Você é muito boazinha, os alunos vão te fazer de gato e sapato. Tem uns

meninos que aprontam muito, você não pode ser boazinha, tem que mandar eles

logo pra direção, se não eles aprontam mesmo.” Percebi, mais uma vez, que para as

crianças a moral se faz através do castigo e alguém como eu não poderia ter moral

com a turma.

Tenho diversos questionamentos a respeito da moralidade e mesmo que

muitas vezes não concorde com o reforço escolar, eu considerei meu trabalho

individual com as crianças riquíssimo. Acredito que foi o momento que eu mais

aprendi como educadora e apesar de todas as questões fiquei satisfeita com o

desenvolvimento cognitivo dos meus educandos e com o meu próprio.

7. Projeto 5 – Monografia.

Depois das experiências e dos estágios obrigatórios finalizados chegou a

hora de iniciar o trabalho de conclusão do curso – o projeto 5. Durante as vivências

acima descritas uma questão principal me angustiou: a moralidade. Nosso projeto

sempre buscou formar pessoas autônomas, mas existe um processo e estágios para

que a moralidade possa alcançar a autonomia.

Para tentar compreender uma das angústias que surgiram tive como

orientadora a professora Teresa Cristina Siqueira Cerqueira e a minha pesquisa

estudará o desenvolvimento moralidade segundo Piaget e Kohlberg.

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INTRODUÇÃO

A moral é estudada por diversos autores, mas a presente pesquisa terá um

enfoque voltado para o desenvolvimento psicológico da moral, entre os principais

psicólogos que investigaram a respeito da moralidade encontram-se: Freud, Skinner,

Piaget, Kohlberg e outros. Na psicanálise a moral é vista dentro de um panorama

afetivo, a consciência da mesma está relacionada ao controle e repreensão dos

sentimentos eróticos pela própria criança, seus desejos serão frustrados e o medo

da perda do afeto parental leva interiorização das normas e das regras. Do ponto de

vista comportamental, o individuo é um mero produto resultante de influências

externas e seus comportamentos foram todos aprendidos. Portanto, nessa

perspectiva o mais valorizado é a dimensão social da moralidade. Os costumes,

hábitos e valores da sociedade precisam ser perpetuados. Para que isto ocorra os

behavioristas utilizam a punição e a recompensa. Tal metodologia pode motivar os

indivíduos a agirem “bem” apenas para evitar uma punição futura (AZEVEDO, 2010).

Nota-se que ao investigar o desenvolvimento da moralidade são encontrados

inúmeros paradigmas e abordagens teóricas, sendo que, cada uma delas se propõe

a estudar alguma dimensão do ser humano, seja biológica, sociológica, individual ou

cultural. As diversas formas de análise permite o entendimento do ser humano nas

suas várias dimensões. O ser humano faz parte de um sistema interdinâmico e

complexo, no qual existem subsistemas como o comportamental, intelectual, afetivo

e moral. Suas partes estão interligadas, mas o estudo isolado de uma delas pode

trazer contribuições para a compreensão do sistema como todo. (AZEVEDO, 2010)

Este trabalho vai utilizar a dimensão cognitiva da moralidade a partir da teoria

piagetiana e kohlberguiana com enfoque na educação. O nível mais elevado do

desenvolvimento da moral segundo o psicólogo Jean Piaget (1996) é a autonomia,

termo utilizado com bastante frequência entre os educadores.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a autonomia é vista tanto como

capacidade a ser desenvolvida quanto principio didático. O último valoriza a atuação

do estudante na construção de seus próprios conhecimentos a partir de sua

experiência e conhecimentos prévios. O primeiro refere-se à capacidade de

governar-se, posicionar-se, exercer relações cooperativas, ter discernimento,

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estabelecer princípios éticos e etc. No entanto, os PCNs inferem que mesmo com o

destaque da escola para a autonomia relacionada ao conhecimento, esta não

ocorrerá sem o desenvolvimento da autonomia moral.

Para que os professores consigam ajudar seus educandos na construção da

autonomia é necessário que os educadores compreendam o processo de

desenvolvimento da moral para que, assim, possam elaborar estratégias que

facilitem tal desenvolvimento.

A partir da compreensão da relevância desse assunto, o tema da presente

pesquisa é “O desenvolvimento da moral segundo Piaget e Kohlberg: uma educação

para a construção da autonomia”. O desejo de investigar sobre a moralidade surgiu

a partir de uma experiência educacional inovadora que oferecia oficinas durante o

contraturno da Escola Classe 209 Sul. Notou-se durante a Oficina de Corpo e

Movimento que os educandos seguiam com mais facilidade as regras impostas por

punições, gritos e desrespeito, portanto, o seu juízo moral estava relacionado às

punições. De acordo com esta problemática, o presente trabalho de conclusão de

curso busca compreender a seguinte questão: Por que as crianças da Oficina de

Corpo e Movimento relacionavam a moral com as punições?

Para compreender essa questão, apresenta-se os objetivos abaixo.

Objetivo Geral: Analisar as razões das crianças em relacionarem a moral com

a punição.

Objetivos Específicos:

1) Identificar, a partir dos diários de bordo, os aspectos das teorias de Piaget e

Kohlberg sobre a moralidade.

2) Verificar como o educador pode facilitar o desenvolvimento da autonomia.

Este trabalho pretende, portanto, não só compreender as razões das crianças

relacionarem a punição com a moral, mas também verificar como o educador pode

facilitar o desenvolvimento da autonomia. É necessário ressaltar que a presente

pesquisa não tem o intuito de elaborar formas universais para promover a

autonomia, mas busca verificar dentro do contexto sociocultural da Oficina de Corpo

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e Movimento se isso foi possível e como as educadoras conseguiram ou não facilitar

tal desenvolvimento.

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CAPÍTULO I: O DESENVOLVIMENTO DA MORAL SEGUNDO PIAGET E

KOHLBERG.

Este capítulo explicará o desenvolvimento da moral segundo as teorias de

Jean Piaget e Lawrence Kohlberg.

Inicialmente, fará uma breve reflexão sobre o que é moral ou que seria uma

conduta moralmente adequada. Segundo Kant (apud MENIN, 1996) pode-se pensar,

por exemplo, que é errado roubar, pois tal ação prejudica alguém e por que se todos

roubassem estaria instaurado um caos. Entretanto, o individuo deixa de roubar

apenas para evitar punições, e não por que sua ação lesa outras pessoas. Ou seja,

o fato de não roubar não significa agir moralmente bem, o que identifica uma

conduta moralmente adequada é a justificativa daquele comportamento e não sua

conduta em si.

Agir moralmente bem também não significa, necessariamente, agir conforme

as leis e regras da sociedade a que pertence. Cada cultura possui suas próprias leis

e costumes, o que é correto em um país pode ser considerado completamente

errado em outro. Sendo o “certo” e o “errado” relativos dependendo do olhar de cada

grupo. Por este motivo, a moral “pede um princípio universal ou, ao menos,

universalizante” (MENIN, 1996, p. 38). Logo, a moral precisa indicar o que é bom ou

correto em qualquer lugar do mundo, independente da cultura ou sociedade. Para

Kant (apud MENIN, 1996), tal princípio seria agir segundo uma máxima na qual a

própria pessoa desejasse que esta se tornasse uma lei universal. Assim, roubar não

poderia ser moralmente correto, pois se o mundo inteiro agisse desta forma seria um

completo caos.

Para Piaget (1994, p. 23) “Toda moral consiste num sistema de regras, e a

essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o individuo adquire

por essas regras”. É a partir da compreensão de como a consciência vai respeitar as

regras que Piaget e Kohlberg desenvolvem suas pesquisas. Piaget escolhe a

observação do jogo de bolinhas para fundamentar sua teoria, porém não deu

continuidade sobre este tema, focando-se no desenvolvimento intelectual em geral

(BIAGGIO, 1997). No entanto, Kohlberg aprofunda os estudos sobre a moralidade e

para isso apresenta dilemas morais a seus entrevistados. Este capítulo apresenta os

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estágios do desenvolvimento da moralidade de ambos os autores. Piaget elaborou

dois grupos de estágios, o primeiro diz respeito à prática das regras (quatro

estágios) e o segundo a consciência da mesma (três estágios), sendo o último o

mais relevante. Já Kohlberg divide o processo de desenvolvimento da moral em três

níveis contendo, cada um, dois estágios.

1.1 JEAN PIAGET.

Inicialmente, será apresentado a história de vida, os conceitos principais, o

desenvolvimento da moralidade, a coação adulta, a cooperação e as duas morais

segundo a teoria formulada por Piaget.

Inicialmente, será apresentado a história de vida, os conceitos principais, o

desenvolvimento da moralidade, a coação adulta, a cooperação e as duas morais

segundo a teoria formulada por Piaget.

Jean Piaget nasceu no dia nove de agosto de 1896 em Neuchâtel - Suíça.

Desde criança Piaget interessava-se pela ciência, realizando seu primeiro trabalho

científico com dez anos. Em 1915 cursou biologia na universidade Neuchâtel, três

anos após fez doutorado com uma tese sobre moluscos de Valois.

Piaget vai para Zurique onde inicia seus estudos sobre psicologia, mudança

que contribuiu para firma-se no campo da psicologia experimental favorecendo sua

aptidão epistemológica. Realizou estudos com André Lalande (1867-1911) sobre

filosofia, em Paris. Seu trabalho sobre a padronização do teste de raciocínio de Burt

foi publicado em quatro artigos, em 1921 e 1922. Claparéde (1873-1940) interessou-

se por suas pesquisas e possibilitou seu ingresso no Instituto Jean-Jacques

Rousseau de Genebra, em 1921. A partir deste momento Piaget passa a ter mais

liberdade para desenvolver seus estudos sobre a criança.

De 1925 a 1929, o biólogo dá aulas de filosofia, psicologia e sociologia em

Nechâtel, mas sempre dando continuação a seus estudos sobre a lógica e ontologia

infantis em Genebra.

Torna-se Diretor assistente na Universidade de Genebra, em 1929, e em

seguida codiretor do Instituto Jean-Jacques Rousseau, sendo, também, professor de

história do pensamento científico, período em que começa a escrever sobre

epistemologia genética. Foi nomeado, no mesmo ano, a diretor do Departamento

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Internacional de Educação, o que favoreceu a introdução de suas reflexões sobre o

desenvolvimento das crianças na área da educação.

Em 1936 a Universidade de Harvard dá a Piaget o título de Doutor Honoris

Causa. Lecionou sobre sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas da

Universidade de Genebra, de 1939 a 1952. Tornando-se, em 1940, diretor do

Laboratório de Psicologia Experimental desta Universidade. Em 1950 já havia

publicado inúmeros livros relativos a psicologia da criança, assim como a Introdução

à Epistemologia Genética, dividindo-o em três volumes: O pensamento matemático;

O pensamento físico; O pensamento biológico, psicológico e sociológico. Consegue,

em 1955, inaugurar o Centro Educacional de Epistemologia Genética com o apoio

da Fundação Rockefeller.

Piaget morre em setembro de 1980, deixa publicado mais de setenta livros e

possuindo uma enorme importância para o século XX.

1.1.1 PRINCIPAIS CONCEITOS.

Segundo La Taille (2006), Piaget tenta responder em suas pesquisas a

seguinte questão: “Como os homens constroem o conhecimento”. A partir dela o

biólogo baseou seus estudos, chamou sua teoria de epistemologia genética.

Epistemologia, pois seria filosofia da ciência, a parte que estuda o fenômeno do

conhecimento e genética porque teria um sentindo de epistemologia da construção

do conhecimento, sua gênese e evolução. Piaget ressalta a seguinte noção sobre

Epistemologia Genética encontrada em seus trabalhos:

O conhecimento não poderia ser concebido como algo predeterminado nas estruturas internas do individuo, pois que estas resultam de uma construção efetiva e continua, nem nos caracteres preexistentes do objeto, pois estes só são conhecidos graças à mediação necessária dessas estruturas; e estas estruturas enriquecem e enquadram (PIAGET, 1983. p. 3).

Ou seja, para o autor, todo conhecimento leva consigo um fator de

elaboração novo. Sendo que, o grande problema está sobre o aumento dos

conhecimentos, na mudança de um conhecimento menos elaborado para um mais

complexo.

Apesar da pergunta voltada para o ser humano, e não somente para a

criança, Piaget volta grande parte de suas pesquisas para a criança, por ser nela

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que esse processo inicia-se e por ser a fase em que o individuo mais constrói o

conhecimento. Para o pesquisador a inteligência deve ser dividida entre função e

estrutura. A primeira para a adaptação com a finalidade de sobrevivência. A

segunda para descrever a inteligência, sendo organizada por processos que vão do

menos complexo até os mais elaborados. O crescimento, portanto, estaria associado

à reorganização da inteligência e não a acumulação de conhecimentos (LA TAILLE,

2006).

Piaget desenvolveu alguns conceitos, um deles foi o de assimilação. Retirou o

termo da biologia, mas para psicologia piagetiana possui outro significado. La Taille

(2006) afirma que quando o sujeito entra em contato com o objeto de conhecimento

ele retira determinadas informações, interpreta-as assimilando algumas e se

desfazendo de outras. Piaget (1983, p. 52) afirma que a noção de assimilação

“implica a de integração dos dados da estrutura anterior ou mesmo a constituição de

nova estrutura sob a forma elementar de um esquema”. Define ainda três aspectos,

o primeiro é referente à assimilação reprodutora em que o bebê repete a ação de

sugar o peito mesmo sem leite. O segundo é a assimilação recognitiva, na qual o

bebê recusa o dedo em favor do mamilo. O último diz respeito à assimilação

generalizadora “uma vez adquirido o esquema de sucção do polegar, tudo o que é

preensível é levado à boca e sugado” (MOTANGERO e NAVILLE, 1998, p. 116).

As estruturas mentais são capazes de se modificar para dar conta das

informações de um objeto e acomodá-lo. O sujeito que entra em contato com um

novo objeto pode ficar desequilibrado nessa relação e para conhecer esse objeto ele

precisa acomodar-se, buscando um processo de equilibração. É nesse momento

que ocorre o desenvolvimento da inteligência entre o desequilíbrio e o reequilíbrio

em que é preciso se desestabilizar para acomodar o objeto mais complexo e

equilibrar-se novamente. O mesmo desenvolvimento ocorre com a abstração

empírica e reflexiva. Abstração empírica são as informações que o sujeito retira do

objeto do conhecimento, porém nesse processo o ser também pode pensar a

maneira de relacionar e a respeito das ações que ele faz sobre o objeto, o pensar

sobre seria a abstração reflexiva. Por exemplo, ao dar uma alface para uma criança

ela pode observar sua cor, sentir sua textura e seu gosto, dessa forma, estaria

fazendo uma abstração empírica. No entanto, se ela pensar sobre os benefícios

daquele alimento, ou questionar seu cultivo com agrotóxicos e discutir sobre os

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malefícios do mesmo, dessa maneira estaria fazendo uma abstração reflexiva sobre

a alface (LA TAILLE, 2006).

Piaget (1983) propõe níveis para explicar a construção do conhecimento,

estes poderiam ser divididos em muitos, mas existem três principais. O conceito

desses níveis remete que o desenvolvimento da inteligência não é linear, fugindo do

acumulo de informação, ocorrendo por uma lógica da inteligência que será superada

por um estágio à frente formando uma nova lógica de conhecimento. A sequência do

desenvolvimento da inteligência, para Piaget, passa por cada estágio, não sendo

possível pular nenhum deles.

Sensório-motor (0 a 02 anos) é o primeiro estágio no qual a inteligência

começa a se estruturar antes mesmo da linguagem. Chama-se dessa forma, pois é

a fase conhecida por ações (motor) e percepções (sensório). A criança quando

nasce não tem clareza que o ambiente em que ela se encontra há objetos e por isso

ela precisa formular a noção de objeto assim como a de causalidade. Precisará

entender que há objetos no mundo, sendo ela um deles, e que esses interagem e

causam efeitos entre si, a criança inicialmente acredita ser onipotente e nesta

relação ela começará a perceber que o universo tem l eis e regras independentes da

sua vontade (LA TAILLE, 2006).

“Em outras palavras, a ação primitiva exige simultaneamente uma indiferenciação completa entre o subjetivo e o objetivo e uma centração fundamental, embora radicalmente inconsciente, em razão de achar-se ligada a esta indiferenciação” (PIAGET, 1983, p. 7).

A partir da indiferenciação e da centração das ações primitivas, Piaget (1983)

ressalta um terceiro aspecto que lhes é congruente: a sua não coordenação entre si.

Da falta de coordenação decorre a ausência de diferenciação entre sujeito e objeto.

Durante o intervalo de um a dois anos ocorre uma revolução que “consiste em

descentralizar as ações em relação ao corpo próprio, em considerar este como

objeto entre os demais num espaço que a todos contém” (PIAGET, 1983, p. 8),

desta forma, a criança passa a se conceber como fonte e dono de seus movimentos.

O segundo nível é o pré-operatório (02 a 07 anos) o conceito principal desse

estágio é o da representação, ou seja, “a capacidade de pensar um objeto através

de outro objeto” (LA TAILLE, 2006). Surge a função simbólica e com ela o

desenvolvendo da linguagem. No entanto, a criança ainda demonstrará

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características de egocentrismo, no sentido de que ela não consegue se colocar no

lugar do outro. Nesse período o individuo já possui estruturas mais elaboradas do

que as anteriores, mas ainda encontra-se em contradição por apresentar um

conhecimento da realidade distorcido.

Com a introdução da linguagem, do jogo simbólico, da imagem metal e todas

as outras representações as situações são modificadas, no qual ações simples que

garantem a interdependência de sujeito e objeto fazem surgir um novo tipo de ação,

a interiorização ou conceptualização. Porém, existem algumas dificuldades para a

interiorização das ações (PIAGET, 1983), neste nível a criança consegue imaginar

suas ações, interiorizando-as, mas não possui ainda um pensamento reversível de

sua representação, fato que só ocorrerá na fase seguinte.

O último nível, operatório, conforme seu nome é marcado pela operação. Isto

significa uma ação interiorizada reversível. Ação no sentido de trabalhar no mundo,

e uma ação interiorizada seria imaginar uma ação. Sendo pela primeira vez

reversível porque a criança pode pensar a ação e reverter o que pensou. Piaget

(1983) divide este nível em concreto e formal. A diferença é que na fase das

operações concretas (07 a 12 anos) a criança precisará de algo palpável, vivenciado

ou concreto para compreender a operação e revertê-la. Já no período operatório

formal (12 anos em diante) o educando consegue fazer as hipóteses sem necessitar

do concreto, podendo formular somente com o campo imaginário.

1.1.2 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO DA MORALIDADE PARA JEAN

PIAGET.

Piaget (1994) também desenvolve estágios para buscar compreender o

processo de construção da moralidade em seu livro “Juízo Moral na Criança” para

isto, o estudioso faz suas pesquisas através do jogo de bolinhas de gude. Inicia com

duas questões a respeito das regras deste jogo: 1) “Como os indivíduos se adaptam

pouco a pouco a essas regras, como então observam a regra em função de sua

idade e de seu desenvolvimento mental.”. 2) “Que consciência tomam das regras, ou

em outras palavras, que tipos de obrigações resultam para eles, sempre de acordo

com as idades, do domínio progressivo da regra.”. Para entendê-las o autor fará um

indagações e as divide em duas partes.

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A primeira foi feita com crianças de quatro a treze anos em que o

entrevistador questiona o entrevistado sobre como jogar o jogo das bolinhas e o

pede para ensiná-lo. A etapa seguinte é referente à consciência da regra, o perito

pergunta ao menino (a) se ele (a) poderia inventar uma nova regra para o jogo, uma

regra que ninguém tivesse criado antes.

A partir dos resultados obtidos através da investigação do jogo de bolinhas

Piaget (1994) propõem, primeiramente, quatro estágios referentes à prática das

regras. Em seguida, escreve sobre a consciência da regra e a divide em três etapas.

Os estágios, tanto os referentes à prática de regra, quanto aos da consciência de

regra, serão abordados em ordem a seguir.

Antes é necessário ressaltar que as pesquisas foram feitas em Genebra –

Suíça durante o século XX e, portanto, a faixa etária e os resultados obtidos através

das indagações poderiam não ser os mesmos se os estudos fossem baseados em

crianças de outros locais do mundo e em tempos diferentes. Além do que, a teoria

piagetiana acredita que o desenvolvimento cognitivo-psicológico é resultado da

relação entre o ser e o meio ambiente, sendo assim, um processo de

desenvolvimento interno que desconsidera as relações histórico-sociais que o

individuo está inserido e os valores de uma determinada cultura escolar que também

influenciam durante esse processo. Mesmo com esta lacuna em sua teoria, Piaget

trouxe grandes contribuições para uma educação inovadora, mas é preciso ter

consciência de que a cultura é algo fundamental durante este desenvolvimento.

1.1.2.1 Estágios da prática de regras.

Piaget (1994) divide os estágios da prática de regras em quatro: motor,

egocêntrico, cooperação nascente e consciência das regras.

1.1.2.1.1 Motor.

O primeiro estágio é formado por bebês ou crianças abaixo de dois anos de

idade. É chamado de Motor por ser marcado por hábitos motores onde “a criança

manipula bolinhas em função de seu próprio desejo” (PIAGET, 1994, p. 33) e

Individual por fazer parte de esquemas ritualizados pela própria criança que dão

origem a um jogo individualizado.

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Primeiramente o pesquisador notou que a criança “possui uma falta de

sequência e direção na sucessão de comportamentos”, isto por que a menina

observada utilizava as bolinhas de gude de diferentes formas podendo ser a comida

na panelinha, ovos em um ninho ou qualquer outro objeto que ela desejasse.

Percebe-se aqui o jogo simbólico, sem regras e individualizado.

Nota-se, em seguida, que há também uma regularidade na qual a garota

tenta colocar as bolinhas de gude em uma mesma cavidade da poltrona, e o que

antes era um desafio, tornou-se “um esquema motor ligado à percepção de

bolinhas” (PIAGET, 1994, p. 36). No fim, a ação foi transformada em rito e a menina

a repete sem dificuldades, porque assimilou e acomodou o que já foi um novo

objeto.

Este processo de repetição é importante, pois é a partir dos rituais e dos

símbolos individuais que é desencadeado o desenvolvimento das regras e dos sinais

coletivos. No entanto, é preciso resaltar que, isto favorece, mas não é a condição

única para tal desenvolvimento, pois, mais a frente, os comportamentos também

serão mediados pelo elemento da obrigação.

Apesar desta etapa não possuir regras coletivas é, como descrito acima,

fundamental para a formação de esquemas mais elaborados para as etapas

seguintes. Iniciam-se com símbolos individuais para compor adiante representações

coletivas, como a linguagem, essenciais para o aprimoramento cognitivo humano.

1.1.2.1.2 Egocêntrico

Este estágio é marcado pelo egocentrismo, no entanto La Taille (2006) alerta

que a palavra egocentrismo foi um conceito perigoso que Piaget se arrepende de

utilizar. Porém, o autor utiliza-o não com o sentido de que a criança está totalmente

centrada nela, mas sim que o individuo tem dificuldade de perceber o ponto de vista

do outro, pois o enxerga centrada em si.

Nesta etapa a criança de dois a cinco anos apresenta condutas sociais e, ao

mesmo tempo, comportamentos essencialmente individuais. O menino deseja jogar

com os mais velhos, recebendo “do exterior o exemplo de regras codificadas”

(PIAGET, 1994, p. 33). Em seguida, começa a acreditar que “seu jogo está de

acordo” podendo agora realizar seu desejo estritamente motor encontrado no prazer

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em acertar a bolinha. Por estar focado em satisfazer um prazer, o jogador

egocêntrico não se importará com o que o seu companheiro de partida está fazendo

ou que regra utiliza, “o menino desse estágio está convencido de conhecer a

verdade integral: cada um para si, e todos em comunhão com o Mais Velho”

(PIAGET, 1994, p. 43). Esta mesma conduta pode ser observada no diálogo de

crianças entre dois a seis anos, em que parecem conversar entre “monólogos

coletivos”, ou seja, ainda que estejam no grupo, falam para si mesmas, “neste caso,

cada uma se sente em comunicação com o grupo, porque se dirige interiormente ao

adulto, que conhece e compreende tudo, mas aí cada um si ocupa apenas de si

próprio” (PIAGET, 1994, p. 43).

La Taille (2006) dá o exemplo de um garoto egocêntrico que pede o carrinho

para o pai sem especificar qual seria o carrinho dentre os inúmeros que possui, pois

acredita que por ela saber qual é o brinquedo, o outro também saberia. Apresenta

este tipo de comportamento por não ter alteridade, não consegue, ainda, se colocar

no lugar do outro.

Neste estágio, portanto, a criança imita e aceita as regras exteriores, mas as

utiliza de forma individualizada por não separar o “ego” do “socius”.

1.1.2.1.3 Cooperação Nascente.

O terceiro estágio da prática de regras é marcado por uma necessidade de

entendimento mútuo. Nesta fase a criança já enxerga seu adversário no jogo e se

importa com ele. Joga, não para si mesma, para vencer. O jogo, que antes se

baseava no prazer essencialmente motor e egocêntrico, tornou-se social. Os

indivíduos buscam a compreensão das regras do jogo, no entanto, dão respostas

divergentes sobre como jogar quando são questionados isoladamente. Mesmo

assim conseguem se entender imitando quem parece saber mais e não

argumentando quando existem pontos que levam à dúvida. Em outras palavras,

fazem um jogo simplificado.

Assim, os meninos de sete a dez anos só chegam a se entrosar, no decorrer de uma mesma e única partida, e são incapazes de legislar sobre o conjunto dos casos possíveis, tendo cada um, a respeito das regras do jogo, uma opinião ainda completamente pessoal (PIAGET, 1994: p. 47).

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A cooperação que começa a se estabelecer nesta etapa se desenvolve cada

vez mais no plano do pensamento deixando de lado a crença de uma regra sagrada

para a reflexão da mesma. A criança chega a coordenações coletivas

momentâneas, mas não se interessa pelas leis do jogo e nem sente a necessidade

de discutir a respeito delas. Ainda falta, neste momento, o raciocínio formal, ou seja,

a consciência das regras o que propiciaria a utilização das mesmas em quaisquer

circunstâncias. Isto só irá ocorrer na etapa seguinte.

1.1.2.1.4 Codificação das Regras

Entre onze e doze anos que o interesse pela reflexão e discussão das regras

aparece. Os jovens deste estágio respondem com coerência ao questioná-los sobre

as leis do jogo, concordando com precisão sobre regras estabelecidas em uma

partida.

Piaget espanta-se ao ver a quantidade de regras e formas de jogar que um

menino de onze anos pode gravar. Afirma que a complexidade do jogo de bolinhas é

tão grande quanto à das regras ortográficas. Termina por criticar a pedagogia

tradicional que tenta despejar nas cabeças os conteúdos ortográficos, as mesmas,

pelas quais, assimilam com tranquilidade a extensa e minuciosa lei do jogo de

bolinhas. Justifica, neste sentindo, que: “a memória depende da atividade e uma

verdadeira atividade supõe o interesse” (PIAGET, 1994: p. 49).

O autor conclui a explicação sobre a prática das leis do jogo com a seguinte

simplificação da divisão das etapas:

1) Simples práticas reguladoras individuais;

2) Imitação dos maiores com egocentrismo;

3) Cooperação;

4) Interesse pela regra em si mesma.

1.1.2.2 A consciência das regras.

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Além dos estágios da prática das regras, o estudioso propõe algo mais

relevante do que a prática, a consciência da regra. Divide esta evolução da

moralidade em três estágios que se seguem abaixo: anomia, heteronomia e

autonomia.

1.1.2.2.1 Anomia.

Durante o primeiro estágio da consciência de regras, a criança está

fortemente ligada a hábitos motores que se tornarão ritos, pelos quais o individuo

sente prazer. A bolinha servirá para suprir seus desejos motores e suas fantasia s

simbólicas. O hábito levará a criança a desenvolver regras essencialmente

individuais, pois, nesta fase o individuo não compreende, ainda, as regras coletivas.

Piaget (1994) ressalta que mesmo com a mínima idade inúmeros

acontecimentos exteriores impõem sobre a criança a noção de regularidade. Fatos

físicos como a mudança do dia para a noite ou a pressão que os próprios pais

exercem sobre o bebê para realizar algumas obrigações. Logo se percebe que

desde o início da vida o ser humano está ligado a um grande conteúdo de regras.

1.1.2.2.2 Heteronomia.

Piaget (1994) afirma que o segundo estágio tem início quando a criança

começa a querer jogar conforme as regras exteriores. Os indivíduos heterônomos

concebem as regras como imutáveis, sendo isto, uma característica necessária para

que a lei venha a ser legítima. O fato é devido à crença de que as regras são

constituídas por uma espécie de divindade, pois são advindas de uma autoridade.

As crianças acreditam que é obrigação seguir o que foi imposto e quem estabelecer

contratos sociais para modificar as leis, estará cometendo um delito.

É preciso lembrar que aqui a criança possui relações de coação, o que

implica em um respeito unilateral, ao contrário da cooperação que estabelece

relações de troca entre iguais. A coação aliada ao egocentrismo infantil impede que

o individuo promova um contato recíproco com o adulto. O mais velho, por sua vez,

aproveita a situação para se favorecer em vez de buscar a igualdade. “No tocante às

regras morais, a criança intencionalmente se submete, mais ou menos por completo,

às regras prescritas” (PIAGET, 1994: p. 58). A criança pode até se submeter às leis

e tentar, mas é importante ressaltar que ela não as utiliza na prática.

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Portanto, nesta fase a criança ”não assimilou ainda o sentido de existência de

regras” (La Taille,1992 p. 50), por esse motivo as concebe como a imposição

definida por Deus, tornando as regras imutáveis e inflexíveis. A moral será, assim,

baseada no respeito pela autoridade e pela obediência.

1.1.2.2.3 Autonomia.

Este estágio tem início por volta dos dez anos começando na segunda

metade da fase da cooperação. A regra para criança não será imposta pelo meio

exterior como na heteronomia, mas sim por contratos feitos a partir do grupo. Piaget

(1994) destaca três principais mudanças em relação à etapa anterior. Primeiramente

é ressaltado que as regras não são mais imutáveis como antes, possuem maior

flexibilidade e podem ser modificadas desde que haja um acordo mútuo. A inovação

será permitida, assim como as opiniões, porém só serão incorporadas à legislação

se passarem pela avaliação dos demais. As pessoas autônomas “não acreditam

mais em que tudo tenha sido feito da melhor maneira no passado e que o único

meio de evitar os abusos é respeitando religiosamente os costumes estabelecidos”

(PIAGET, 1994: p. 61).

Em segundo lugar, a criança entende que as regras não são eternas, mas

percebe que são transmitidas através de gerações. O terceiro e último destaque é

referente à origem do jogo e das regras, nele as crianças, assim como os adultos,

compreendem que as regras não foram impostas por Deus, mas sim criadas pelas

próprias crianças. O autor usa o exemplo do jogo de bolinhas em que no início eram

arremessados simples objetos arredondados para brincar, com o passar do tempo

as crianças foram estabelecendo regras até se tornar um jogo.

Agora, a união entre cooperação e autonomia supera a da coação com o

egocentrismo, “é a partir do momento em que a lei de cooperação sucede a regra de

coação que ela se torna uma lei moral efetiva” (PIAGET, 1994: p. 64). Isto por que

as regras estabelecidas pela coação são feitas entre desiguais, não sendo

combinadas, mas imposta por uma autoridade. Ulterior a isto, a autonomia se baseia

em relações entre iguais, em trocas, cujas regras serão instituídas por um contrato

social fazendo com que as leis tornem-se parte da consciência individual de cada

um.

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A dificuldade reaparece todas as vezes em que a criança, fiel a uma regra que a favorece, é tentada a deixar na obscuridade tal artigo da lei ou tal ponto do processo, que favoreça o adversário. Mas o caráter próprio da cooperação é justamente levar a criança à prática da reciprocidade, portanto, da universalidade moral e da generosidade em suas relações com os companheiros (PIAGET, 1994: p. 64).

Piaget (1994) infere que a autonomia conduz de uma melhor forma o respeito

às regras do que na heteronomia, pois as crianças autônomas conseguem separar a

fantasia anárquica da inovação que surgi através de uma via constitucional, sendo

assim, democrática. A pessoa que quiser modificar a lei não estará cometendo um

delito como antes, mas terá seu direito de apresentar suas ideias ao julgamento dos

outros jogadores para que sejam incorporadas ao jogo. As normas racionais,

principalmente a de reciprocidade, só podem ser desenvolvidas através da

cooperação. Tendo tanto a razão, quanto a cooperação necessidade uma da outra.

O respeito mútuo surge assim como necessário para que ocorra a autonomia, tal

respeito liberta as crianças da lei imposta, além de substituir as normas da

autoridade por uma derivada da própria ação e consciência.

É necessário ressaltar que características ligadas aos estágios acima

descritos são encontradas nos adultos como, por exemplo, o egocentrismo. Também

se pode notar na criança o inverso, traços do adulto, como a cooperação. Desta

forma, o individuo pode apresentar condutas cooperativas referentes à prática das

regras, mas sua consciência da regra pode estar mais ligada ao estágio da

heteronomia. Portanto, os estágios globais para Piaget (1994) não são definidos

apenas pela autonomia ou pela hetenomia, mas sim por fases de heteronomia e

fase de autonomia, ocasionando um processo que se repete a cada novo conjunto

de regras ou reflexão.

1.1.3 COAÇÂO ADULTA E REALISMO MORAL.

Durante a fase da heteronomia percebe-se que a criança concebe as regras

como fixas e obrigatórios, como visto anteriormente. Esta atitude é, na verdade, o

reflexo da coação que os adultos exercem sobre os mais novos. As relações

estabelecidas através da coação são caracterizadas por um respeito unilateral, de

relações desiguais, nas quais um é superior ao outro. Isto promove e reforça o

estágio da heteronomia.

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Para compreender melhor a coação adulta é preciso envolver-se também com

o realismo moral. Piaget (1994) dá este nome para a tendência da criança

considerar os valores e deveres independentes da consciência e obrigatórios pela

imposição. O realismo moral é essencialmente heterônomo, pois o bem estará nas

condutas obedientes. A regra é observada em seu caráter único e rígido,

desprezam-se as nuances e só é considerado aquilo que foi escrito, refutando o

sentido aplicado da lei. Por exemplo, uma pessoa que quebrou quatro pratos sem

querer é mais culpado do que aquele que quebrou um de propósito. Isto demonstra

uma responsabilidade objetiva em função material do prejuízo e não a respeito da

desobediência das regras. Segundo as pesquisas de Piaget (1994) até os dez anos

de idade existem dois tipos de respostas, um avaliado a partir da quantidade

material do dano causado (responsabilidade objetiva) e outro em função da intenção

daquele que promoveu a ação (responsabilidade subjetiva). O autor chega a uma

média de sete anos para as avaliações de responsabilidade objetiva e nove anos

para as subjetivas. Depois dos dez anos não verificou nenhuma resposta baseada

na quantidade material da conduta.

Piaget (1994) acredita que os julgamentos baseados pelo prejuízo material

são, na verdade, um produto da coação adulta conduzidas pelo respeito infantil. Os

pais demonstram um desgosto pelo dano material que foi cometido, a criança

percebe a reação do adulto e passa a adotar as regras ao pé da letra em função da

quantidade do prejuízo. Cabe ao adulto a noção da influência que tem sobre o mais

novo, pois aqueles pais que educam os filhos a partir da moral da intenção

conseguem com facilidade despertar a responsabilidade subjetiva, por isto o

estudioso também verifica o aparecimento de julgamentos a partir da intenção em

crianças de seis e sete anos.

Tais resultados foram obtidos através das respostas de avaliações feitas

pelas crianças a partir de histórias sobre roubo e desajeitamento, no entanto as

histórias referentes à mentira tiveram outra forma de julgamento, no qual os

aspectos relevantes ao material dos atos foram reduzidos ao mínimo. Piaget (1994,

p. 125) analisou que: “a mentira é tanto mais grave quando mais inverossímil e mais

seu conteúdo se afasta da realidade”. Por exemplo, chover para cima seria uma

mentira vilã, pois a mãe perceberia facilmente que não corresponde a verdade ou

porque isto seria impossível. Já a mentira de um menino que esconde a nota da

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prova de seus pais não seria tão grave. Logo se percebe que as crianças mais

novas possuem uma maior tendência para a responsabilidade objetiva, com passar

do tempo, o individuo entende que a afirmação é falsa, esta não constituirá uma

calúnia, mas sim um erro ou exagero. Portanto, quanto mais grave a mentira menos

aparente ela será, ao contrário do que pensam os mais novos.

As crianças podem julgar desta maneira devido à coação adulta que impõem

a regra de não mentir fazendo com que o mais novo interprete-as como sagradas e

objetivas, desprezando o caráter mais profundo da lei. O realismo moral e a

responsabilidade objetiva são, desta forma, frutos de uma colocação prática

inadequada das regras. Sendo que:

[...] é na medida em que os hábitos de cooperação tiverem convencido a criança da necessidade de não mentir que a regra lhe parecerá compreensível, que ela se interiorizará e dará origem apenas a julgamentos de responsabilidade subjetiva (PIAGET, 1994, p. 131).

Piaget (1994) define três etapas, inicialmente a mentira é vilã porque é objeto

de punição, quando suspendida a punição, mentir é permitido. Na etapa seguinte, a

mentira é vilã em si mesma e ainda que retirassem as punições não seria aceita.

Finalmente a cooperação entra em contato com o julgamento e mentir torna-se

errado, pois se opõem à confiança e à afeição mútua.

Portanto, o realismo moral das crianças e a responsabilidade objetiva são

causados pela relação entre a coação adulta e o egocentrismo infantil. O respeito

unilateral obriga a criança aceitar as ordens dos mais velhos, o que explica o

surgimento da percepção de exterioridade das regras e o caráter literal do

julgamento moral por uma criança. No entanto, a cooperação e o respeito mútuo são

necessários para o desenvolvimento do individuo, a verdade deixará, assim, de ser

um dever imposto pela heteronomia para tornar-se um bem admitido pela

consciência autônoma.

1.1.4 COOPERAÇÃO E A NOÇÃO DE JUSTIÇA.

Cooperação é a relação entre dois ou mais indivíduos que acreditam ser

iguais, aqui não pode existir a superioridade de um deles e nem o respeito unilateral.

Para que haja cooperação é preciso ter respeito mútuo e reciprocidade entre os

sujeitos. A partir deste tipo de relação que o individuo se desenvolve, pois há uma

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construção de trocas e não mais uma via única de obediência e imposição. Segundo

Menin (1996, p. 52) cooperar é “operar com [...] É estabelecer trocas equilibradas

com os outros [...] de forma com que cada pessoa possa colocar seus argumentos”.

É através das trocas de conhecimento que o sujeito aprende. La Taille (1992, p. 59)

infere que: “Somente com a cooperação, o desenvolvimento intelectual e moral pode

ocorrer, pois eles exigem que os sujeitos descentrem para compreender o ponto de

vista alheio”. A cooperação é construída empiricamente no qual é necessário um

processo lento de desenvolvimento que se opõem ao egocentrismo. Esta seria a

forma ideal de relação entre os indivíduos, pois só a cooperação leva à autonomia,

ou seja, à reciprocidade, ao respeito mútuo e à liberdade.

Para compreender a coação, a teoria piagetiana fundamentou-se através do

interrogatório, porém para verificar o desenvolvimento da cooperação é preciso

procurar nos movimentos íntimos da consciência ou nas atitudes sociais, o que

problematiza o estudo através de perguntas. Portanto, para analisar a cooperação

Piaget (1994) propõe o estudo de uma das noções da moral que incide diretamente

na cooperação, a justiça. Tal noção é a mais instrutiva para o estudioso, pois esta

engloba todas as outras noções morais, sendo também a mais racional delas.

Piaget (1994) recupera alguns aspectos da heteronomia e da autonomia para

refletir sobre a justiça retributiva, imanente e distributiva. A justiça retributiva

caracteriza-se por dois tipos de sanções que vão de encontro às relações de coação

e à heteronomia, a primeira sanção é a expiatória utilizada pelas autoridades, estas

acreditam que a forma de reconstruir a ordem é por meio de uma repreensão

severa, muitas vezes acompanhada por castigos dolorosos. As sanções expiatórias

não apresentam semelhança entre a sanção e o ato sancionado. Por exemplo, o

menino que mente para o pai levará palmadas como punição, ou seja, sua

transgressão não possui relação alguma com a punição que recebeu. A necessidade

será em fazer com que a gravidade da infração esteja na mesma proporção do

castigo.

A segunda forma de sanção na justiça retributiva é pela reciprocidade, cujos

aspectos se aproximam da cooperação e das relações de igualdade. Piaget (1994,

p. 163) afirma: “podemos agrupar sob o nome reciprocidade simples ou

propriamente dita às sanções que constituem em fazer à criança exatamente o que

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ela fez”. A criança compreende que está ligada aos seus semelhantes e no

momento que a regra é violada não se tem mais a necessidade de puni-la

dolorosamente basta que os danos sociais causados pelo culpado sejam notados e

refletidos sobre o infrator, fazendo com que o próprio individuo deseje o

restabelecimento das relações anteriores. As regras aqui não tem um caráter

exterior, mas sim interior no qual o sujeito é participante. Tanto a noção de expiação

quanto a de reciprocidade, podem ser encontradas em qualquer idade, porém a

segunda normalmente predomina sobre a primeira. As crianças de onze e doze anos

tendem a considerar as medidas de reciprocidade, no qual as sanções são definidas

pela “ruptura do elo de solidariedade e a obrigação de uma reposição em ordem”

(PIAGET, 1994, p. 176), já as crianças abaixo dos dez anos defendem que quanto

mais severa a punição, menos chance terá de reincidência. Portanto, à proporção

que a criança se desenvolve a noção de reciprocidade torna-se mais aparente.

A segunda justiça abordada por Piaget (1994) é a imanente, nesta

perspectiva a criança tende a acreditar que toda infração das regras será castigada,

ainda que por forças da natureza ou por sanções automáticas. Uma questão

apresentada para os entrevistados era a do menino que desobedece a mãe e que

por isso no dia seguinte cai da ponte. O autor percebeu que a maioria das crianças

de seis anos respondeu que a afirmação era correta, pois o menino desobedeceu a

sua mãe e por esta razão sofreu a punição no dia ulterior ao cair da ponte. Esta

forma de pensamento diminui conforme o aumento da idade dos participantes,

sendo que uma das justificativas para a crença da justiça imanente é a influência da

coação adulta sobre os menores.

Já a justiça distributiva, ao contrário da imanente e da justiça por sanções

expiatórias, apresenta ideias sobre equidade que completam o sentido de igualdade.

A primeira possibilita que as diferenças sejam respeitadas e manifestadas sem

nenhum tipo de descriminação, a equidade, portanto, é formada a partir das relações

de cooperação. Segundo, Sampaio, Camino e Roazi (2009, p. 1)

Justiça distributiva designa um constructo relacionado à maneira como as pessoas avaliam as distribuições de bens positivos (renda, liberdade, cargos políticos) ou negativos (punições, sanções, penalidades) na sociedade. Ao fazer julgamentos distributivos, os indivíduos avaliam, a partir de parâmetros que determinam qual método distributivo é mais ou menos justo aplicar no contexto da

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distribuição, em que medida a distribuição favoreceu ou prejudicou os envolvidos.

Piaget (1994) aponta a questão de que muitas vezes os adultos beneficiam as

crianças mais obedientes em detrimento das outras. Tal tratamento pode ser visto

como justo para a justiça retributiva e injusto para a distributiva. Em relação a este

julgamento o estudioso faz entrevistas com as crianças para compreender como

estas avaliam de acordo com sua idade. Nota que para os pequenos a necessidade

da sanção supera a igualdade. No entanto, para os maiores a justiça distributiva

prevalece sobre a retributiva, mas é claro que se encontram as duas formas de

respostas em ambas as idades dependendo do contexto que vive aquele sujeito, o

ambiente que utiliza a prática estendida de punições e regras extremamente rígidas

favorece a perpetuação da justiça retributiva. Já onde a educação moral ocorre

muito mais por exemplos do que pela punição dos pais, a ideia de igualdade poderá

se desenvolver mais cedo. Piaget (1996, p. 32) ressalta ainda que:

[...] tanto a recompensa como a punição são incontestavelmente a marca da heteronomia moral: é quando a regra é exterior ao individuo, que, para conquistar sua sensibilidade, torna-se necessário um símbolo de aprovação. O esforço autônomo rejeita tais procedimentos. De outro lado, e sobretudo, a recompensa é o complemento de certa da competição entre os indivíduos a qual nossa educação moral clássica tem usado como recurso da pedagogia.

Percebe-se que a recompensa abre espaço para a competição entre as

crianças e jovens, tal elemento está em confronto com a cooperação, pois onde há

competição, há individualismo, egoísmo, portanto, características oposta à

cooperação. A escola que deveria proporcionar a cooperação e a autonomia muitas

vezes acaba criando um ambiente que favorece, na verdade, o desenvolvimento da

competição e da heteronomia.

1.1.5 AS DUAS MORAIS.

Jean Piaget aborda sobre as duas morais em seu último capítulo do livro

“Juízo Moral na Criança”, resgata na sociologia, na filosofia e na pedagogia autores

para refletir sobre sua pesquisa. Porém este tópico dará um enfoque maior para a

teoria moral de Durkheim e Piaget.

Segundo Piaget (1994), Durkheim considera toda moral imposta pelo grupo

ao individuo e pela coação adulta à criança. Os princípios morais são exteriores ao

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sujeito, não cabendo a este alterá-los ou elaborá-los por sua vontade. Para o

sociólogo todo ato moral é caracterizado pelo dever e pelo bem, isto é devido ao

nascimento da moral a partir da religião. Os atos obrigatórios foram sancionados na

medida em que os procedentes da noção do sagrado aparecem, acarretando

proibições rituais e prescrições positivas. A moral acaba por proibir e obrigar sem

esclarecer seus motivos e razões. La Taille (1992) afirma que o dever estipulado por

Durkheim corresponde ao sentimento de obrigatoriedade que é experimentando

perante uma regra moral, fazendo com que a obedeça. Além do caráter de

obrigatoriedade ou de dever para moral, existe um caráter de “desejabilidade”, isto

significa que o objeto do dever precisa ser atraente ou parecer bom para que seja

obedecido. Portanto, Durkheim apresenta uma dualidade entre o bem e o dever para

que a moral ocorra.

Propõe também três elementos na moralidade, o primeiro é referente ao

espírito de disciplina, consiste no conjunto de regras estabelecidas pela sociedade

que servem para regularizar a conduta. Além da regularidade há também a

autoridade, que faz compreender a ascendência da força moral que exerce sobre o

sujeito. A consciência individual seria o produto da interiorização dos diversos

imperativos coletivos. Sendo que somente a disciplina permite o desenvolvimento

das personalidades. (PIAGET, 1994)

O apego aos grupos sociais é o segundo elemento para Durkheim por que:

[...] a sociedade é, ao mesmo tempo, fonte e guardiã da civilização, porque ela é o canal pelo qual a civilização chega até nós, ela nos aparece como uma realidade infinitamente mais rica, mais alta que a nossa individual, uma realidade de onde vem tudo o que é importante a nossos olhos e que, no entanto, nos ultrapassa, porque destas riquezas intelectuais e morais das quais ela guarda o depósito, apenas algumas parcelar chegam até cada um de nós. (...) Ao mesmo tempo que nos ultrapassa, está dentro de nós, já que não pode viver a não ser em nós e por nós (apud LA TAILLE, 1992, p. 56).

Portanto, para Durkheim a sociedade é superior e exterior ao individuo,

podendo puni-lo, porém também está dentro do sujeito que pertence e que faz parte

dela trazendo assim um sentimento de apego e o aspecto de “desejabilidade” ou de

querer bem.

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O último elemento é a autonomia moral que reside em conhecer

racionalmente as leis morais, sendo estas fixas, como as leis do mundo físico, cabe

apenas ao sujeito respeitá-las. Por conseguinte, autonomia moral seria desejar, com

conhecimento de causa, que as leis impostas e criadas pela sociedade sejam

seguidas. O sociólogo defende, assim, o modelo de educação tradicional que utiliza

métodos autoritários. Busca uma educação moral que concebe o professor como o

sujeito principal, é do mestre que tudo vai depender, cabe a este ensinar apenas a

moral de sua sociedade ignorando qualquer outra. Deverá impor a moral explicando

suas razões, mas nunca deixando de lado a noção de sua autoridade. Quando

necessário será severo e inflexível quanto ao respeito pelas regras utilizando

sanções, para que a criança compreenda que algo sagrado foi por ele profanado (LA

TAILLE, 1992).

Piaget (1994) discorda de Durkheim em vários pontos. Nota-se que o

sociólogo defende uma interiorização da cultura pela qual a criança pertence. Porém

o psicólogo acredita na participação ativa do sujeito em seu desenvolvimento moral

e cognitivo. A teoria durkeimiana busca a reestruturação da educação moral

tradicional enquanto Piaget demonstra uma aproximação com os ideais da “Escola

Ativa” que visa à ruptura da pedagogia convencional. Durkheim defende o caráter

fixo das regras, enquanto o desenvolvimento máximo da moral de Piaget estaria na

autonomia que modifica e elabora suas próprias regras. O primeiro entende a

sociedade como uma unidade definindo o dever e o bem, o segundo possui outra

concepção de sociedade que apresenta duas formas de relações interindividuais:

coação e cooperação.

Para Piaget (1994) o dever – ou seja, o sentimento de obrigação – encontra-

se nas relações de coação. É durante o início do desenvolvimento moral que se

percebe isto, tudo se torna dever e obediência ao mais velho. O bem está na

obediência e quem tentar modificar ou transgredir a lei deve ser punido através de

sanções expiatórias para que a regularidade das regras seja mantida. Ora, percebe-

se que há grande semelhança das características das relações de coação com a

moral definida por Durkheim. É por assim dizer, que Piaget (1994) afirma que a

teoria da moralidade do sociólogo encontra-se incompleta, pois, para o psicólogo a

segunda noção de Durkheim, que seria o bem, é produto das relações de

cooperação. La Taile afirma: “Na heteronomia, o dever determina o bem (é bom o

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que é conforme às regras aprendidas), na autonomia, o bem determina o dever

(deve-se agir de uma determinada forma porque é bom). Por este motivo, Piaget

(1994) infere que na dualidade entre dever e bem existe um equivoco, pois o dever

precisa estar relacionado a uma “desejabilidade”, porém nem toda a ação boa

precisa do elemento de obrigação que se estabelece pelo dever.

Desta forma nota-se que as duas morais para Piaget encontram-se entre a

coação e a cooperação. A primeira se assemelha a moral da teoria de Durkheim e a

heteronomia, enquanto a segunda está na autonomia que prevê a reciprocidade, o

respeito mútuo e a flexibilidade das regras.

É necessário ressaltar que as pesquisas foram feitas em Genebra – Suíça

durante o século XX e, portanto, a faixa etária e os resultados obtidos através das

indagações poderiam não ser os mesmos se os estudos fossem baseados em

crianças de outros locais do mundo e em tempos diferentes. Além do que, a teoria

piagetiana acredita que o desenvolvimento cognitivo-psicológico é resultado da

relação entre o ser e o meio ambiente, sendo assim, um processo de

desenvolvimento interno que desconsidera as relações histórico-sociais que o

individuo está inserido e os valores de uma determinada cultura escolar que também

influenciam durante esse processo. No entanto, mesmo com esta lacuna em sua

teoria, Piaget trouxe grandes contribuições para uma educação inovadora.

1.2 KOHLBERG E O DESENVOLVIMENTO DA MORALIDADE.

Lawrence Kohlberg, nascido em 1927 nos Estados Unidos da América,

ampliou e completou os estudos sobre o desenvolvimento moral de Piaget. Kohlberg

embasa sua pesquisa na observação de cinquenta homens norte-americanos, entre

dez e vinte e seis anos de idade, entrevistando-os em triênios durante dezoito anos.

Em um segundo momento o pesquisador e seus colaboradores apresentam a

revisão de mais de quarenta pesquisas realizadas em 27 culturas diferentes, sendo

a colaboradora no Brasil a professora Ângela Maria Brasil Biaggio. A partir das

observações de estudantes universitários chilenos e brasileiros a estudiosa encontra

resultados análogos aos propostos por Kohlberg (BIAGGIO, 1997).

Kohlberg busca compreender a razão do julgamento moral de seus

entrevistados, por exemplo, uma pessoa pode dizer que enganar é errado por ser

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desonesto, já a outra pode julgar ser errado, pois a conduta pode diminuir a

confiança. Ou seja, dois julgamentos iguais com razões diferentes, sendo a última o

fator de distinção da maturidade do processo de raciocínio. Para descobrir tais

razões autor descreve algumas estórias permeadas por dilemas morais, em seguida

elabora questões sobre os dilemas. (DUSKA e WHELAN, 1994. p. 54).

A partir das análises de suas entrevistas, Kohlberg propõem seis estágios em

três níveis, contendo em cada nível dois estágios. Para o estudioso a sequência dos

estágios é invariável. O sujeito não pode, assim, atingir um nível mais elevado se

antes não tiver passado pelos mais elementares. Outra característica, é que o

individuo não consegue entender a maneira de pensar de um estágio a frente do

dele. Duska e Whelan (1994) afirmam que a mudança de estágios ocorre quando se

cria um desequilíbrio cognitivo, quando a perspectiva cognitiva não consegue

resolver um dilema, passa a ser atraída para o estágio seguinte que consegue de

forma mais tranquila resolver as dificuldades, sendo, assim, mais atraente.

1.2.1 Nível 1 – Pré-convencional.

Este nível é mais comum entre pré-adolescentes de 10 a 13 anos, mas outras

faixas etárias, assim como a dos adultos, também podem estar nesta etapa do

desenvolvimento moral. Nela o julgamento de uma conduta será justificado pela

recompensa ou pela punição, por exemplo, o sujeito afirma que mentir é errado, pois

poderia ser punido, ou por que não ganharia nada em troca. O pré-adolescente se

sente indefeso, fraco e depende. Vê o adulto como alguém superior que é detentor

do poder de sanções, podendo dar-lhe prazer ou sofrimento. Menin (1996, p. 55)

afrima que:

O primeiro nível é chamado de pré-moral ou pré-convencional, pois as crianças (por volta dos 10 anos) decidem o que é certo fazer – roubar ou não – baseando-se somente em interesses próprios, individuais, na base de “o bem é aquilo que eu quero”, ou para evitar punições.

As normas seguidas por este individuo não são aquelas criadas por ele. Em

seu pensamento as regras são estáveis e servem apenas para mostrar que ações

podem causar dor ou prazer. Tal concepção estimula o egoísmo, o que ocasiona

uma falta de identidade com o grupo. Portanto, o pré-adolescente se sente entranho

a sociedade, vendo-a como um conjunto de pessoas distintas que o submetem a

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regras. Enxergar a sociedade como unidade, superando o egocentrismo e se

colocando no lugar do outro está alem de seu universo cognitivo (DUSKA e

WHELAN, 1994).

1.2.1.1 Estágio 1 – Orientação para a punição e obediência

Segundo Kolberg (Apud Duska e Whelan, 1994, p. 63) “as consequências

físicas de uma ação determinam a bondade ou a malícia da própria ação, sem que

haja preocupação com o significado humano ou o valor dessas consequências”. Na

verdade, existe um desejo de fazer com que o individuo saia deste estágio, porém é

extremamente cômodo para os adultos que os adolescentes permaneçam nele. O

sujeito aqui é especialmente obediente, o que torna conveniente reforçar condutas

para que a criança não supere tal nível. Duska e Whelan (1994) ressaltam que

Kohlberg percebia uma vontade real dos adolescentes em aceitar um grau mais

elaborado do raciocínio de uma etapa acima, mas que tal fato não é favorecido pelas

ações dos mais velhos.

1.2.1.2 Estágio 2 – Orientação relativista instrumental

Para Kohlberg, a boa ação é “aquela que satisfaz de modo instrumental as

suas necessidades pessoais e, ocasionalmente, as necessidades dos outros” (apud

DUSKA e WHELAN, 1996, p 65). As relações poderão ser comparadas as de

comércio, com características de honestidade e reciprocidade. No entanto, a

reciprocidade é definida entre “você me dá e eu te em troca”, situando-se distante da

lealdade e da gratidão.

Existem, no segundo estágio, progressos em relação ao primeiro. No estágio

dois, aparece uma percepção mais compatível de sociedade e positivista sobre o

que é bom. O sujeito torna-se mais hedonista, pois antes o bem se dava durante

uma tentativa de evitar punições, mesmo que ainda seja egoísta, agora fará o bem

visando o prazer de da recompensa. Sua visão de sociedade torna-se mais

adequada, o individuo encara as outras pessoas do grupo como iguais a ele. Por

isso acredita que “se ajudo alguém, alguém me ajudará” cooperando com o todo

para obter seu prazer através dele. A figura da autoridade também é modificada,

antes eram sábias e potentes, no estágio 2 o individuo já admite que as autoridades

podem errar e serem punidas pelo erro. O adolescente consegue se colocar no lugar

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da outra pessoa, tendo assim, a consciência de que é igual ao outro inclusive à

autoridade (DUSKA e WHELAN, 1994).

1.2.2 Nível 2 – Convencional

Antes de se chegar neste nível é necessário passar por uma visão concreta e

egoísta até obter noção do valor, das práticas e das normas do grupo. As ações do

sujeito são baseadas na realização de uma expectativa do grupo, isto é devido ao

desejo de agradar e de se sentir pertencente àquele conjunto. No segundo estágio a

socialização acontece para que sejam realizadas trocas, no nível 2 ocorre uma

verdadeira socialização, na qual pretende-se viver em harmonia com o todo. Sendo

assim, mais importante ter estima e aprovação da comunidade do que receber

recompensas. “O segundo nível é chamado convencional, pois o que decide o que é

certo ou errado são as convenções sociais ligadas à pessoas importantes,

autoridades formalizadas ou instituições reconhecidas socialmente” ( MENIN, 1996,

p. 55)

1.2.2.1 Estágio 3 – Orientação interpessoal do “bom menino, boa

menina”.

O egoísmo do estágio 2 não desapareceu por completo, antes o prazer era

físico, na terceira etapa o prazer encontra-se na aceitação social (prazer

psicológico). O sujeito precisa ser gentil e respeitoso para ser um bom menino, tal

comportamento acaba gerando condutas estereotipadas. Sendo que, agora, o auto-

sacrifício, que define o bem e o mal, é necessário para o sucesso do grupo.

Comportamento bom é aquele que agrada aos outros ou que os ajuda, sendo por estes aprovado. Há uma conformidade à imagem estereotipada daquilo que é maioria ou comportamento natural. Julga-se este pelas intenções. Ser bem-intencionado torna-se importante pela primeira vez. Recebe aprovação sendo gentil. (DUSKA e WHELAN apud KOHLBERG, 1994, p. 71).

O raciocínio do terceiro estágio possibilita a diferenciação da ação para a

consequência e a intenção da pessoa. Os membros do grupo exercem papéis

determinados para que possa existir harmonia. No entanto, há alguns problemas,

nem todas as pessoas cumpriram de forma adequada seus papéis ou, ainda, em

determinadas situações os papéis podem se chocar, além do que, o individuo

participa de diversos grupos, o que proporciona situações conflitantes.

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Em resumo: o estágio 3 oferece modelos e estereótipos a serem imitados; nele o serviço a uma comunidade ou a um grupo é mais importante que o serviço em benefício do próprio. Contudo, não se pode parar no estágio 3. Como foi dito, a pessoa nesse estágio torna-se consciente de que: a) os papéis estão em conflito; b) as pessoas não assumem os próprios papéis com fidelidade; c) a sociedade é composta de grupos diferentes, cujos valores e objetivos estão em conflito (DUSKA e WHELAN, 1994, p. 75).

Tais conflitos desequilibram o ser despertando uma identificação com um

estágio do desenvolvimento moral mais elevado que o anterior.

1.2.2.2 Estágio 4 – Orientação à lei e à ordem constituída.

O individuo enxerga a sociedade como um sistema regido por regras e

autoridades fixas e legitimas, portanto, qualquer modificação traria o caos para a

sociedade. O sistema mais adequado para este sujeito é o que prevê a ordem a

partir de princípios e critérios morais. O bom comportamento seria aquele que

atende os deveres e assumi as responsabilidades sociais, pois a lealdade não será

mais com o grupo e sim com a lei. A grande diferença do estágio 3 pro 4 é que antes

a valorização estava nos grupos, agora ela se encontra em cumprir o dever. O herói

no quarto estágio é aquele fiel à lei.

Há uma autoridade, para as regras fixas e para a manutenção da ordem social. O comportamento certo consiste em cumprir o próprio dever, em mostrar respeito à autoridade e em manter a ordem social dada, vista como objetivo em si mesma (KOHLBERG apud DUSKA e WHELAN, 1994, p. 75).

Kohlberg divide o quarto estágio em 4A e 4B, sendo que o primeiro segue

com rigor as regras sem analisar o contexto, já o segundo apresenta uma maior

flexibilidade. Por exemplo, uma mulher estava prestes a morrer de câncer se não

tomasse um remédio especifico. O farmacêutico vendia-o dez vezes mais caro do

que o preço da fábrica, o marido da mulher pediu dinheiro emprestado, mas só

conseguiu metade do preço cobrado, pediu ao farmacêutico que aceitasse a metade

e que depois pagaria o resto, o vendedor recusou. O esposo durante a noite roubou

a farmácia e levou o remédio para que sua mulher pudesse sobreviver. O individuo

do estágio 4A entenderia os motivos que levaram o homem a cometer o furto, mas

de qualquer forma ele infringiu a lei e por isso deve ser punido por sua conduta. O

sujeito do 4B admitiria que roubar é contra a lei, porém a regra de não roubar reflete

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no bem-estar da maioria, neste caso, especifico, poderia não representar a vontade

da maioria (DUSKA e WHELAN, 1994).

Portanto, o individuo do estágio 4B está preocupado com o desejo da maioria

em prol do bem-estar coletivo, sendo as regras o reflexo de combinados do grupo.

Se uma lei não estiver servindo o bem comum, deverá ser submetida a mudanças

que atendam tal demanda.

O quarto estágio encontra-se na maioria do adultos, estes exibem um maior

respeito pela autoridade, pelas regras fixas e pela manutenção da ordem social. No

entanto, ainda não há um questionamento às leis, e nem a consciência de que

podem, muitas vezes, ser injustas. Isto só ocorrerá, pela primeira vez durante o nível

seguinte (BIAGGIO, 1977).

1.2.3 Nível 3 – Pós-convencional.

Durante os estágios anteriores a conduta era estabelecida pelo medo da

punição (orientação para punição e obediência), em seguida para obter prazer

(orientação relativista instrumental), depois para agradar um grupo (orientação

interpessoal do “bom menino, boa menina”) e, por último, por que a lei deve ser

seguida (orientação à lei e à ordem constituída). Nota-se que em todas as etapas

passadas o individuo ampliava sua percepção do que é um sistema social, no nível

pós-convencional o sujeito busca, na verdade, questionar suas normas e valores

para que a sociedade esteja o mais perto possível de uma ordem ideal. A razão

seria a base no julgamento do que é o ideal. Tais perguntas e julgamentos trazem

para este nível um caráter único e inexistente nos níveis anteriores: a autonomia. A

partir dela a pessoa torna-se livre do que a sociedade pensa. Para a teoria

kohlberguiana a autonomia é a posição ética mais adequada que alguém poderia

ter, sendo que o sujeito autônomo passa a ter uma ideia própria do que é justo e

errado, passando a pensar seus princípios e condutas e não simplesmente

obedecendo algo imposto pelo exterior (DUSKA e WHELAN, 1994).

Duska e Whelan (1994) afirmam que Kohlberg acreditava, no início de suas

pesquisas, que este nível era alcançado pelas pessoas ao sair da escola secundária

superior dos Estados Unidos, correspondendo ao ensino médio. Porém, constatou, a

partir de estudos mais aprofundados, que entre o nível convencional e o pós-

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convencional existe um período de transição, o estágio quatro e meio. Caracteriza-

se por: ceticismo, egoísmo e relativismo. Este período configura as condições

necessárias para que o sujeito consiga chegar à autonomia.

1.2.3.1 Estágio 5 – A orientação para o contrato social democrático.

O quinto estágio dá continuidade à lógica do quatro e meio, o individuo

consciente do relativismo da sociedade, de suas crenças e valores, compreende que

algo considerado correto para um grupo, talvez não seja para o outro. Questiona

como um cético sobre as bases que foram criadas suas leis, por quem, para quem e

se estas são justas para servir o bem social. Para entender suas questões acredita

que “a resposta melhor é recorrer a considerações racionais de utilidade social,

acertadas democraticamente e sujeitas à revisão e reforma” (DUSKA e WHELAN,

1994, p. 84).

Neste estágio a lei não é mais vista como fixa para manter a ordem social, ao

contrário, as legislações devem ser modificadas pelos homens, pois, as que não são

justas precisam ser reelaboradas. O individuo nesta fase diria que é preciso criar

regras que impeçam a superfaturação do farmacêutico sobre o remédio naquele

exemplo da mulher adoentada. As leis devem, assim, ser modificadas através de

vias legais e contratos democráticos (BIAGGIO, 1997) e para que a sociedade

perdure é necessário que a prática de pensar criticamente sobre as leis, regras,

valores e costumes seja continua.

1.2.3.2 Estágio 6 – Princípios universais de consciência.

Kohlberg descrever o estágio 6 recorrendo à literatura, à grande homens

contemporâneos (Gandhi, Martin Luther King, Buda) e à santos (São Paulo, São

Francisco de Assis), pois não pôde basear-se nas entrevistas de sua pesquisa por

serem escassos os exemplos deste estágio encontrados nela. O que identifica tais

personalidades é a sabedoria de ir contra as convenções impostas, não por

egoísmo, mas pela preocupação com a dignidade do outro. O estágio mais alto

definido por Kohlberg é aquele composto por heróis morais (DUSKA e WHELAN,

1994).

O justo, o certo é definido pela decisão da consciência de acordo com princípios éticos escolhidos autonomamente e que apelam para complexidade lógica, a universalidade e a consistência. Tais

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princípios são abstratos e éticos (a regra de outro, o imperativo categórico) e não são regras morais concretas como os Dez Mandamentos. Em essência, são princípios universais de justiça, reciprocidade, igualdade de direitos e respeito pela dignidade dos indivíduos (KOLBERG apud DUSKA e WHELAN, 1994, p. 86).

A grande diferença dos níveis deste estágio é que durante o quinto os

pensamentos estão relacionados à utilidade e bem-estar social. Já no sexto, como

Kohlberg explica acima, o sujeito recorre à compreensão lógica, à universalidade, e

à consistência (DUSKA e WHELAN, 1994). O pensamento pós-convencional chega

ao nível mais alto, o individuo descumpre as leis que não puderem ser modificadas

pelas vias democráticas. Assim, uma desobediência civil é revelada pelos que não

se conformam com o poder estabelecido pela opressão, sendo, portanto, fiéis aos

seus princípios (BIAGGIO, 1997).

Piaget e Kohlberg – estudiosos construtivistas – acreditam que o

desenvolvimento da moralidade ocorre a partir da interação de fatores internos e

externos gerando conflitos e dilemas que impulsionam o ser para as etapas

seguintes da moralidade. Sendo esta, analisada em sua dimensão cognitiva que

passa por transformações no decorrer de seu desenvolvimento, a moral é construída

ao mesmo tempo em que as demais dimensões que constituem o ser humano.

Podem-se perceber, com clareza, os estágios definidos por Piaget permeados nos

níveis do desenvolvimento da moral de Kohlberg, O primeiro nível definido é

marcado pelo egocentrismo e um respeito unilateral do adulto que pode gerar prazer

ou dor. Durante o quarto estágio kohlberguiano existe uma vontade em interagir com

o meio social, também descrita por Piaget durante a fase da heteronomia em que a

criança começa a ter os primeiros contatos com as regras do jogo definida pelos

mais velhos. A plena maturidade moral chega, para ambos teóricos, com a

construção da autonomia, sendo necessário passar por todo o processo dos

estágios anteriores para alcançá-la.

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CAPÍTULO II: METODOLOGIA

A presente pesquisa é, segundo a natureza dos dados, qualitativa. Ao

contrário da abordagem quantitativa que busca enumerar e medir eventos, a

metodologia qualitativa parte para a “obtenção de dados descritivos mediante

contato direto e interativo do pesquisador com a situação do objeto estudado”

(NEVES, 1996, p. 1). O pesquisador procura compreender os fenômenos a partir da

perspectiva dos participantes da situação estudada;

Para Ludke (1986) não há uma separação entre pesquisador, o objeto de

estudo e os resultados da pesquisa. Ressalta que a metodologia participante possui

como principal fonte de dados o ambiente natural e o pesquisador como seu

instrumento. A percepção dos sujeitos sobre a vida, sobre o objeto ou sobre

determinado assunto são o foco especial da atenção do pesquisador, esse costuma

estar mais preocupado com o processo do que com os resultados.

A pesquisa foi participante conforme os procedimentos de coleta de dados.

Corroborando com Rocha e Aguiar (2003), o desenvolvimento da pesquisa

participante fundamenta-se através uma mudança de comportamento do

pesquisador e do pesquisado perante uma relação em que todos são “co-autores”

para proposição de melhorias para os problemas daquele grupo.

Deve-se partir da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos do processo, em suas diferentes dimensões e interações - a vida real, as experiências reais, as interpretações dadas a estas vidas e experiências tais como são vividas e pensadas pelas pessoas com quem inter-atuamos.

(BRANDÂO, 2007, p. 54).

Brandão (2007) afirma que a relação entre o sujeito-objeto deve ser

progressivamente convertida para sujeito-sujeito, pois todas as culturas são fontes

de saber e quando tal conhecimento interage com o conteúdo científico há o

surgimento de um novo conhecimento transformador. A unidade entre teoria e

prática precisa existir para que a teoria seja construída e reconstruída a partir da

reflexão crítica de uma prática continua.

A pesquisadora esteve implicada entre prática e a teoria e para compreender

a questão do trabalho precisará refletir sobre a experiência que teve na oficina e as

condutas e percepções dos educandos a respeito do tema. As intervenções

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ocorreram durante a Oficina de Corpo e Movimento no período vespertino da Escola

Classe 209 Sul com crianças de sete a quinze anos de idade, do segundo ao quinto

ano do ensino fundamental, o número de integrantes variava de 10 a 25 pessoas.

Foram realizados dez encontros às segundas-feiras, do dia 9 de abril ao dia 25 de

junho de 2012. Serão retiradas oito situações do diário de bordo das monitoras

Françoise Moncadá e Daniele Prandi (eu) para análise dos dados.

2.1 CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA: O Projeto Autonomia e a Oficina de

Corpo e Movimento.

As primeiras conspirações do Projeto Autonomia surgiram durante o III

Seminário “Porque sim não é resposta”, oferecido pela Associação Pró Educação

Vivendo e Aprendendo, realizado no final do ano de 2009. Contou com a

participação do educador (idealizador da Escola da Ponte) José Pacheco.

Um grupo de pais, entusiasmados com a presença e experiência do

professor, intensificou os diálogos sobre educação democrática que pretende

desenvolver a autonomia dos estudantes, onde este se torna protagonista da

construção de seu conhecimento. A partir dos princípios de inclusão, autonomia,

solidariedade e responsabilidade os primeiros organizadores do projeto, Rodrigo

Koblitz e Dioclécio Luz, conseguiram agregar mais parceiros para pensar uma nova

escola. Juntaram-se ao grupo outros “ex-pais” da Vivendo e Aprendendo,

professores da Faculdade de Educação – FE e do Instituto de Psicologia – IP da

Universidade de Brasília – UnB, alguns ex-alunos da FE participantes do Grupo de

Estudos e Pesquisas em Educação e Práticas Inovadoras – GEPEPI e a Escola

Classe 204 Norte (CERVEIRA, 2012).

As professoras Simone Gonçalves de Lima e Regina Lúcia Sucupira Pedroza

do IP fizeram uma parceria com os professores Tadeu Queiroz Maia, Maria

Alexandra Militão Rodrigues e Fátima Lucília Vidal Rodrigues da FE apresentando

uma proposta a respeito de um projeto de extensão chamado de Diálogos Com

Experiências Pedagógicas Inovadoras – Projeto Autonomia. Os professores da

Faculdade de Educação ofertaram, também, os Projetos 3 e 4 para os estudantes de

pedagogia que buscavam práticas educacionais que fugissem do tradicional.

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Segundo Cerveira (2012) o Projeto Autonomia encontrou algumas

possibilidades de parceria com a Escola Classe 304 Norte, Escola da Natureza,

Escola Classe 209 Sul, Escola Classe QI 15 Lago sul além da Associação Pró

Educação Vivendo e Aprendendo e a Casa dos Passáros. Neste período não se

iniciou nenhuma oficina nas escolas, mas foi oferecido um curso de extensão

semipresencial que teve início no dia 4 de maio de 2011 com o intuito de apresentar

a proposta e a metodologia daquele grupo de educadores.

Em junho de 2011 a diretora da EC 209 Sul expôs a demanda de ações

práticas afirmando que a equipe escolar desejava promover a autonomia das

crianças e por este motivo convidava os professores da UnB e os demais estagiários

para irem até a escola cujo ambiente estaria à disposição para a experiência e ação

do projeto.

As primeiras intervenções práticas surgiram com as observações em sala

feitas pelas estagiarias Amanda Lima e Camila Maia. No turno vespertino o

estudante de matemática, Marcos Cruz, desenvolvia oficinas de matemática e

intervia com a criação de uma caixa de brinquedos. No ano seguinte, 2012, o Projeto

Autonomia interviu na escola com uma quantidade maior de oficinas. Os

participantes do projeto eram de diversos cursos: pedagogia, artes cênicas, história

e letras. Trabalhando em oficinas individuais ou com mais de um monitor, foram

ofertadas as seguintes:

Oficina de Perguntas e Ideias – Monitoras Jéssica Carvalho e Rafaella

Cerqueira.

Oficina de Yoga, Arte e Educação – Monitora Carla.

Oficina de Teatração – Monitor Wellington Oliveira.

Oficina de Sons – Monitoras Flávia Duarte e Carolina Bessoni.

Oficina de Contação de História – Monitores Bill Nascimento e Paula Lobo

Oficina de Corpo e Movimento – Monitoras Daniele Prandi e Françoise

Moncadá.

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O presente trabalho analisará apenas a Oficina de Corpo e Movimento.

Inicialmente não possuía esse nome, pois teria como única monitora a Daniele (eu)

e seria apenas de Dança, no entanto, Françoise (também estudante de pedagogia)

estava à procura de um Projeto que possibilitasse a conciliação do tema

corporeidade. A estudante colocou sua questão para a professora Fátima Vidal que

visualizou uma possível parceria com a Daniele, já integrante do Projeto Autonomia

desde 2011. A parceria foi feita e a oficina modificou-se com novas contribuições,

Françoise sugeriu a ampliação do tema para também trabalhar com questões

corporais e não apenas com a dança. Decidiram, assim, que o nome da oficina seria

Corpo e Movimento.

A ampliação do tema possibilitou grandes possibilidades de trabalho, a

conscientização corporal era um dos intuitos, mas o objetivo principal desta e de

todas as outras oficinas era o desenvolvimento da autonomia, assim como a

cooperação, o respeito mútuo e a solidariedade. Portanto, o tema da oficina era

apenas um meio para a construção da autonomia.

Durante esta tentativa algumas angústias surgiram, uma delas é a

problemática desta pesquisa científica que pretende analisar os diários de bordo da

Daniele Prandi e da Françoise Moncadá para poder compreender tal questão.

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CAPÍTULO III: ANÁLISE DOS DIÁRIOS DE BORDO.

O presente capítulo, diferente dos outros, será escrito na primeira pessoa,

pois como estive implicada no que vou analisar não poderia tratar de uma forma

distanciada. Considerarei as percepções e os comportamentos das crianças de

acordo com os estágios do desenvolvimento da moral de Piaget (1994) e da teoria

kohlberguiana. Tentarei analisar quais são razões pelas quais as crianças

relacionam a moral com a punição e verificar como buscamos desenvolver a

autonomia dos participantes da Oficina de Corpo e Movimento.

Abaixo segue a apresentação escrita que eu e a Françoise fizemos para

apresentar para a Escola Classe 209 Sul o que pretendíamos.

Esta oficina tem como objetivo primário, mas não necessariamente o mais

importante, a conscientização corporal. Buscamos despertar o desejo das crianças

em compreender a relação que seu corpo possui com o espaço, a música e o

tempo. Através deste exercício não visamos somente à expressão corporal, mas

também ansiamos p elo desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da

solidariedade, do trabalho em grupo e da cooperação. Para isto nos apoiaremos nas

experiências dos alunos para elaborarmos dinâmicas atrativas em momentos de

visualização de um mundo entre o movimento, a música, o corpo e a mente.

Queremos instigar a curiosidade dos estudantes para este tema, lidando com

ele de forma agradável e lúdica formando uma parceria com seus integrantes pela

criação de questionamentos sobre este assunto, como também rompendo os

desafios entre o corpo em contato com o movimento e a música, na medida do que

isso for possível.

Este tema abre uma variedade de opções para, junto com as crianças,

brincarmos aprendendo, sentindo nosso corpo e tentando explorar algumas das

possibilidades que ele nos permite executar. Assim, podemos cogitar atividades que

o foco não seja apenas a expressão corporal como brincadeiras do próprio cotidiano

dos alunos, capoeira, ioga, alongamento, estilos musicais e outras que forem do

desejo dos estudantes.

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Pretendemos manter um grande diálogo com o grupo, construindo uma

oficina feita por todos os integrantes do mesmo, esperamos que ela seja um

momento de interação entre os alunos e seu próprio corpo, mas também buscamos

uma interação entre nós, para aprendermos uns com os outros sempre visando o

respeito à individualidade de cada ser.

Como demonstra a proposta acima, a Oficina de Corpo e Movimento tinha

como objetivo principal desenvolver a autonomia dos educandos. Para isto, era

preciso estabelecer relações de cooperação. A cooperação que é oposta a

competitividade, afinal a segunda muitas vezes gera guerra e brigas, enquanto a

primeira estabelece trocas, reflexões e crescimento. No entanto, para desenvolver

relações cooperativas é preciso existir um reciprocidade e respeito mútuo como

afirma Piaget (1994), porém dificilmente encontro esta maneira de se relacionar nos

métodos tradicionais de ensino que colocam o professor em um local afastado e

superior aos alunos, estes devem obediência e respeito ao docente. A relação do

ensino tradicional é a de coação, pois, é uma “relação assimétrica, na qual um dos

polos impõe ao outro sua forma de pensar, seus critérios, suas verdades” (LA

TAILLE, 1992, p. 58). Acredito que o respeito dos estudantes pelo educador deve

existir, porém, assim como Piaget (1994), eu defendo as relações que são dirigidas

por um respeito mútuo, diferente daquele respeito unilateral, até por que a

cooperação e a autonomia que busco se desenvolvem através do respeito entre

todos participantes do grupo.

Durante a oficina eu e minha parceira, Françoise Moncadá, tivemos grandes

desafios, mas tentávamos, mesmo que por vezes errando, desenvolver a autonomia

dos integrantes. Fizemos diversas atividades algumas das quais sugeridas pelas

crianças, outras elaboradas por nós, buscávamos, sempre que possível, que as

regras fossem combinadas, discutidas e acordadas. Tentamos fazer com que a

nossa oficina fosse elaborada por todos os integrantes da mesma. Percebo que

nossa dificuldade estava em desconstruir a percepção das crianças sobre a forma

que ocorre o respeito pelas regras. Parecia que a moral estava relacionada à figura

de um professor autoritário e punitivo.

Abaixo seguem alguns relatos do meu diário de bordo, assim como o da

Françoise Moncadá, que retratam a forma que tentamos trabalhar com as crianças

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para o despertar da autonomia e alguns exemplos de como a punição estava

relacionada ao respeito pelas regras.

O trecho abaixo foi escrito por mim, retrata um pequeno momento ocorrido no

primeiro encontro com as crianças (dia 9 de abril de 2012). Os estudantes foram

levados para o pátio da escola, um representante de cada oficina contou

rapidamente o que seria a proposta de sua oficina, em seguida [...] colamos as

cartolinas (feitas com tanto pensar e carinho por nós) nas portas de cada sala

destinada àquela oficina. Entregamos, um pouco confusas, os papéis para as

crianças escreverem o seu nome na cartolina referente à oficina de sua preferência.

Depois dos nomes colados iniciamos as oficinas com quinze integrantes.

Bom, se queríamos uma oficina que desenvolvesse a autonomia, seria

contraditório da nossa parte se impuséssemos e obrigássemos a oficina que as

crianças deveriam estar. A escolha do que participar foi a primeira forma que

encontramos para desenvolver a autonomia, uma forma simples, mas que vai de

encontro a “desejabilidade”. A teoria durkheimiana, como explicado no primeiro

capítulo, defende que não há dever sem “desejabilidade”, no entanto, para o

sociólogo o dever seria o sentimento de obrigatoriedade, mas este só poderia existir

através do bem (sentimento de “desejabilidade”) que deriva do apego à sociedade.

Piaget (1994) concorda que o dever está relacionado ao bem, mas nem toda ação

boa está relacionada ao dever. De qualquer forma, se a criança tem a possibilidade

de escolha, atendendo o seu desejo, esta poderá encontrar mais facilmente o dever

que possui com aquele grupo. Não por obrigatoriedade, mas por sua própria vontade

de estar ali.

A descrição a seguir também ocorreu no primeiro encontro, foi uma grande

contribuição que as meninas deram para a oficina, pois o que buscávamos era

justamente a troca entre as nossas experiências e as das crianças, talvez já

percebessem qual era o nosso intuito.

Quando terminamos a atividade, três meninas vieram falar comigo e pediram

para fazermos uma brincadeira. Falei que achava legal e pedi pra elas sugerirem na

roda para sabermos se todos estariam de acordo [...] Depois da proposta ter sido

levada pro grupo, todos aceitaram. Uma criança saía da sala (escolhida por par ou

ímpar americano) e todos que ficaram deveriam imitar os movimentos que o

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“capitão” inventava e mudava [...] A criança quando retornava pra sala deveria

observar a todos e tentar adivinhar quem era o capitão. Ela então teria três chances

para tentar adivinhar e se não conseguisse, pagaria uma prenda. Achei interessante

essa questão da prenda ter surgido porque eu e Dani estávamos conversando na FE

pela manhã sobre uma atividade que gostaríamos de fazer com eles e que teria uma

prenda. A Dani levantou a questão que a prenda muitas vezes está associada com a

questão do castigo, da vergonha. E, ficamos de pensar em possibilidades de usá-la

ou não em algumas brincadeiras. Enfim, não tivemos tempo, porque as crianças nos

trouxeram o desafio no mesmo dia. Na hora, levamos a questão pra eles. (Escrito

por Françoise Moncadá)

A prenda seria uma espécie de castigo para o jogador que não conseguiu

realizar um determinado objetivo, constituindo, assim, um erro que deve ser punido.

As crianças durante este jogo utilizam a justiça retributiva, pois aquele que errou e

perdeu deve sofrer uma sanção expiatória. Como descrito no capítulo teórico, no

domínio da justiça retributiva Piaget (1994) encontra dois tipo de sanções. As

primeiras, de acordo com o desenvolvimento da moral, seriam as expiatórias.

[...] as quais nos parecem ir a par com a coação adulta e com as regras de autoridade. [...] o único meio de recolocar as coisas em ordem é reconduzir o individuo à obediência, por meio de um repressão suficiente, e tornar sensível a repreensão, acompanhando-a de um castigo doloroso. A sanção expiatória apresenta, pois um caráter de “arbitrária” [...], isto é, de não haver nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e o ato sancionado (PIAGET, 1994, p. 161).

Interpreto que as crianças utilizaram esta forma de sanção, pois quando o

capitão não acerta deve pagar uma prenda que não possui relação alguma com o

erro cometido, como, por exemplo, imitar um macaco. Ou seja, a prenda (que

comparo com a sanção) estabelecida pelo grupo para o jogador que cometeu um

erro não possui semelhança entre o motivo da falha e a punição designada. Por este

motivo, considero que as crianças utilizaram a justiça retributiva dentro do jogo

através de uma sanção expiatória, que a chamam de prenda.

Este aspecto das prendas pertence a uma tradição dentro dos jogos.

Segundo La Taille (1992, p. 59): “toda tradição pode configurar uma relação de

coação, pois as razões que levam a respeitá-la costumam limitar-se a afirmação de

que tem que ser assim pois sempre foi assim” As prendas estão presentes nos jogos

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e brincadeiras há muito tempo, pertencem à tradição dos jogos infantis, e apesar de

serem uma brincadeira, retratam “uma construção racional com base na experiência”

(CABRAL, 2002, p. 30). Alguns elementos do jogo, portanto, podem ser comparados

às relações de coação que os educandos vivenciam, por exemplo, a criança que

perdeu é o sujeito que deve sofrer punições, o erro no jogo constitui a infração das

regras, o restante dos jogadores forma o grupo que representa o poder da

autoridade. Por isto é necessário problematizar e refletir com as crianças sobre estas

questões que são o reflexo das relações que se constituem na vida real para que

não continuemos reproduzindo, mesmo sem notar, as relações de coação.

O exemplo a seguir descreve o dia em que nós pedimos para as crianças

escreverem ou desenharem no papel quais atividades corporais gostariam de fazer

durante a nossa oficina. Muitos queriam dançar, brincar de pique-pega e pique-

esconde. Mas, o curioso foi que os meninos a todo o momento queriam brincar de

briga (como diziam eles), mas quando pedi para colocarem no papel o que

gostariam de fazer eles não desenharam e nem escreveram o verdadeiro desejo

deles. Não expressaram o que queriam, mas por serem recriminados quando o

fazem, eles não expõem aquele desejo.

A partir deste relato, vou ressaltar duas questões. A primeira demonstra a

forma com que nós tentávamos tornar a oficina algo próximo às crianças. Um jeito

prático que encontramos foi perguntar o que esperavam e desejavam daquela

oficina, pois a partir das respostas obtidas nós poderíamos elaborar encontros mais

compatíveis com o desejo das crianças. Queríamos passar a noção de que a oficina

não era minha, nem da Françoise. A oficina era de todos os seus integrantes. Só

assim, estaríamos abrindo espaço para as relações de cooperação, em que não há

um sujeito superior. As crianças nos ensinavam como brincar, o que brincar e em

contrapartida nós também trazíamos elementos desconhecidos para os educandos.

Corroborando com esta ideia Montangero e Naville (1998) reafirmam que para

Piaget a cooperação era valorizada por se tratar de uma forma equilibrada entre as

trocas. Tal equilíbrio só é possível através da igualdade, é a partir desta que a

cooperação surge.

Em segundo lugar, mesmo questionando-os sobre a sua vontade alguns

meninos não responderam de fato seu real desejo. Responderam o que nós

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gostaríamos de ouvir. Sabem que não gostávamos quando brincavam de briga, por

isso nem se quer levaram esta questão para o debate. Talvez por receio da punição,

ou por simplesmente achar que nós negaríamos. Colocamos essa questão para o

grupo do Projeto Autonomia e a professora Simone de Lima sugeriu uma brincadeira

de luta que não possui um contato físico. Joga-se em duplas, um dos companheiros

precisa imaginar que seus pés estão fixados no chão por raízes. O outro tentará

derrubá-lo (mas não poderá encostar) através de movimentos com o braço. Devem

inverter os papéis quando este conseguir abalar o equilíbrio do seu par. Durante

outro encontro nós fizemos a brincadeira sugerida e os participantes gostaram

muito. Portanto, nem tudo o que os educandos queriam fazer era possível, mas de

qualquer forma nós buscávamos possibilidades para adequar o desejo das crianças

com as atividades da oficina.

O trecho abaixo demonstra uma angústia que não era só minha, mas da

minha parceira e também de outros “oficineiros” do Projeto Autonomia. Eu reparava

que quando as professoras ou outra pessoa da escola gritava as crianças ouviam,

faziam silêncio e demonstravam certo respeito. Nós pedíamos, conversávamos,

questionávamos, mas não éramos ouvidas. Não desejava que as crianças ficassem

todas caladas e paradas enquanto eu ou a Fraçoise falávamos, o que queria era que

as crianças e nós pudéssemos falar e sermos ouvidas. Sentia um desconforto

quando pedíamos por muitas vezes para ouvir um colega enquanto uma monitora

entrava na sala gritava silêncio e as crianças a respeitavam. Poderia ser mais fácil

para nós se fizéssemos o mesmo, porém perderia completamente o sentido.

De acordo com uma percepção minha, as crianças veem nossa oficina como

um momento sem regras, apenas de brincadeira sem nenhum intuito por trás.

Precisamos trabalhar combinados, esclarecer responsabilidades, limites e

possibilidades. A impressão que tenho é que elas só ouvem quem grita ou impõem

algo, não dando tanta atenção para quem respeita suas vontades e seu ser. Mas

podemos entender que elas estão acostumadas com gritos e imposições trazendo

dificuldades em desconstruir estes costumes. Ninguém disse que seria fácil, vamos

buscando melhores soluções, experimentando nossos pensamentos até acharmos

uma forma mais eficiente para plantarmos nossa semente da autonomia.

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A partir dos estudos sobre o desenvolvimento da moral consigo compreender

com mais facilidade o motivo destes comportamentos. Kohlberg descreve que o

nível pré-convencional

[...] está atento às normas culturais, aos rótulos de bem e de mal, de certo e de errado, mas o interpretam baseando-se nas consequências hedonísticas/físicas da ação (punição, recompensa, troca de favores) ou, então com base no poder daqueles que

Como ressaltado anteriormente, o pré-adolescente de 10 a 13 anos é

especialmente obediente, afinal baseia suas condutas a partir da recompensa ou da

punição. Esta situação e extremamente cômoda para o adulto que acaba exercendo

reforços para que a criança permaneça neste nível. Relacionado a isso, percebo o

estágio da heteronomia definido por Piaget (1994), este ocorre pelas relações de

coação nas quais a criança interpreta as regras como fixas e sagradas, quem as

desobedecer deverá ser punido.

[...] o adulto abusa da situação, em lugar de procurar a igualdade. No tocante às regras morais, a criança intencionalmente se submete, mais ou menos por completo, às regras prescritas, Mas estas, permanecendo, de qualquer forma, exteriores à consciência do individuo, não transformam verdadeiramente seu comportamento. É por isso que a criança considera a regra como sagrada, embora não a praticando na realidade (PIAGET, 1994, p. 58).

Nós não estabelecíamos relações de coação, em que o adulto é superior e o

mais novo obediente e passível a punições ou recompensas. Acredito que por isso

as crianças tinham mais dificuldades para nos ouvir e respeitar os combinados que

fazíamos. Na visão de Kohlberg esse nível só julga como certo e errado aquilo que

obtiver uma consequência física ou hedonista, já que nós não utilizávamos nenhuma

recompensa, nem punição talvez as crianças não achassem que fosse tão errado

descumprir os combinados e desrespeitar o momento da fala do outro. Ou talvez

estivessem extremamente habituadas com uma moral que só se dá por sanções

expiatórias que não conseguiram compreender a nossa forma de se relacionar.

O fato é que os participantes da oficina estavam acostumados com as

relações de coação adulta, pois para o mais velho é cômodo que a criança perceba

a regra como sagrada. Porém, esta relação aprisiona o sujeito no estágio da

heteronomia. Afinal, as regras são exteriores ao individuo, pois, o ambiente dá

estímulos necessários para que a autonomia seja desenvolvida. No entanto, este é

um processo lento de superação da heternomia para o despertar da autonomia.

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Antes eu sentia dificuldade para entender as condutas das crianças, mas

agora percebo que não é tão rapidamente que um educando no estágio da

heteronomia passa para autonomia. Se o ambiente não proporciona elementos para

o desenvolvimento da moral mais difícil será a construção da autonomia. Para

facilitar este processo é preciso que o educador estimule práticas de cooperação e

igualdade.

O próximo relato apresenta um exercício para a autonomia. Discutíamos

muito durante as reuniões do Projeto Autonomia sobre alguns dispositivos, um dos

que conseguimos utilizar na prática foi o planejamento, que consiste na organização

da oficina por todos os integrantes do grupo.

Resolvemos fazer o planejamento da próxima oficina as outras crianças.

Mostramos uma cartolina para escrevermos todos juntos nosso planejamento. Iniciei

explicando que nossa oficina começa às 14h30min e vai até às 16h30min, a seguir

questionei então quanto tempo teríamos de oficina. Eles ficaram um pouco confusos,

mas tentamos aos poucos explicar, até que disseram que teríamos duas horas de

oficina. Falei que deveríamos fazer o planejamento de acordo com as duas horas.

Eles sugeriram que nós fizéssemos um relaxamento ao final, elegendo cada dia uma

pessoa diferente para contar uma história durante essa atividade. Fran teve a ideia

de contarmos histórias através de movimentos e elegemos essa atividade para ser a

primeira do próximo encontro. Solicitaram dinâmicas com dança e música (hip hop e

da novela “Rebelde”) e um aquecimento para iniciá-las. Depois minha parceira pediu

pra que tivesse uma atividade surpresa que nós traríamos e por fim deixamos um

tempo para elaborar, novamente, a aula seguinte e cinco minutos para organizar a

sala.

A partir do estudo da teoria de Piaget sobre o desenvolvimento da moral,

posso inferir que as crianças da Oficina de Corpo e Movimento apresentavam, na

maior parte dos encontros, comportamentos do estágio da heteronomia. Se o que

quereríamos era construir a autonomia, então o nosso dever seria propor atividades

que estimulassem tal desenvolvimento, propusemos o planejamento coletivo.

Chamo de exercício porque as crianças não podiam ser consideradas, ainda,

autônomas conforme a teoria de Piaget (1994). Os participantes também não

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estavam no nível estágio mais alto do nível pós-convencional, para Kohlberg o

sujeito nesta etapa

seria aquele que corresponderia a um julgamento propriamente moral e autônomo. Inspirado por Kant, Kohlberg descreve o julgamento deste estágio como aquele inspirado em princípios éticos mais do que em contratos sociais. Basicamente, os princípios de justiça, igualdade, liberdade, e dignidade de toda e qualquer vida humana seriam os critério para se julgar a “corretude” de uma ação (MENIN, 1992, p. 56)

Para o pesquisador os que conseguem chegar ao estágio mais alto deste

nível são pouquíssimos, as crianças da oficina não apresentaram características do

sexto estágio.

Eu também não estou nessa etapa da moralidade, mas busco refletir e

analisar para que os meus julgamentos sobre o que é bom ou ruim sejam baseados

pelos princípios de igualdade, liberdade e dignidade. Não é fácil para os professores

se adequarem esta forma de educação, que visa à autonomia. A educação escolar

pela qual passei era estabelecida através da obrigação e da coação adulta,

características da moral que a teoria durkheimiana defende. Ainda que eu não

concorde com esse tipo de educação moral, carrego comigo os traços que esta

deixou em mim. A educação para a autonomia era algo que eu nunca tinha

vivenciado antes. Por esse motivo, ressalto que o exercício da autonomia era tanto

para os estudantes, quanto para mim.

O planejamento feito pelas crianças é uma prática utilizada pela Escola da

Ponte, que fica em Portugal e possui uma educação bem diferente da tradicional. Lá

não existem aulas, nem turmas separadas pela idade ou tempo escolar. Os

estudantes reúnem-se em grupos pequenos para compreender um assunto

especifico determinado por eles. Recebem a ajuda do professor, mas também

aprendem pela internet, livros, vídeos e com os próprios colegas. Organizam seu

tempo naquele espaço a partir do planejamento.

Os estudantes desta escola fazem seus planejamentos individuais, mas na

Oficina de Corpo e Movimento nós fizemos o coletivo. Para isto, as crianças

precisavam fazer acordos. Pois como éramos um grupo, não poderia ser feito aquilo

que somente uma pessoa desejasse. Durante essa prática as crianças tiveram uma

maior noção de tempo, e de como dividir as atividades que queriam dentro dele. Foi

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necessário que exercitassem a escuta para que chegassem a um consenso, além

de utilizarem a cooperação para discutir (fazendo trocas) sobre qual seria a melhor

forma de organização e quais seriam as atividades mais adequadas para estarem

nele.

Portanto, o planejamento em grupo proporcionou o exercício da autonomia

para as educadoras e para os educandos a partir do diálogo, da organização

coletiva e da cooperação.

A atividade a seguir foi criada durante um planejamento e surgiu através de

um conflito entre meninas e meninos. Os últimos pediam sempre para jogar futebol,

enquanto as meninas se recusavam. Discutimos durante o planejamento qual

solução daríamos para aquele problema. Eu e minha parceira propusemos às

crianças que fizéssemos um futebol imaginário para que tanto as meninas quanto os

meninos pudessem jogar. Todos aceitaram o acordo e o colocamos em prática no

encontro que seque o relato abaixo.

A próxima atividade no planejamento era o “futebol imaginário” [,,.] A idéia

que tínhamos era de criar uma bola e jogarmos juntos usando o corpo em

movimento e a imaginação. Fizemos uma grande roda com todos de mãos dadas.

Aproveitando a ótima Oficina de Yoga e Arte que tivemos com a Carla na semana

anterior, chamei as crianças para se reunirem no centro do círculo, inspirando o ar

ao fechar a roda e soltando o ar quando voltássemos a abri-la. Logo em seguida, a

Dani convidou o grupo para “fazermos” a bola. Uma bola que começou bem grande.

Um menino, falou para pintarmos a bola e perguntamos qual cor ela teria. As

crianças iam dizendo as cores e seguramos as latas de tinta com as duas mãos e

depois da contagem regressiva jogamos todos em cima da bola deixando-a colorida.

A bola foi ficando menor moldada por nossas mãos o que fazia com que nos

aproximássemos no centro da sala. Pedi para as crianças voltarem a formar o

grande círculo e carreguei a bola para meu lugar na roda. Ela estava muito pesada e

exigia um grande esforço para segurá-la. Assim, começamos a jogar a bola uns para

os outros, usando várias possibilidades. Foi muito divertido! (Escrito por Françoise

Moncadá) .

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Acredito que este momento foi de grande entrosamento para o grupo, tivemos

que imaginar a bola gigantesca com a cor que um colega sugeriu e a cada momento

com uma nova modificação. Construímos e demos forma aquele objeto que ao

mesmo tempo em que era fruto da imaginação de vários sujeitos também era

singular. Foi uma troca de criatividade a partir da colaboração do grupo.

Percebo que a relação de cooperação esteve presente. Estávamos entre

iguais, no sentido de que qualquer um dos participantes poderia dar cor e forma para

a bola. Foi preciso a colaboração daqueles que espontaneamente diziam a

configuração e também dos que a partir da palavra do outro imaginavam uma bola

que apesar de ter características informadas pelo colega era extremamente pessoal.

Segundo Montangero e Naville (1998, p. 121):

A cooperação, no sentido geral, consiste no ajustamento do pensamento próprio ou das ações pessoais ao pensamento e às ações dos outros, o que faz pondo as perspectivas em relação recíproca. Assim, um controle mútuo das atividades é exercido entre os parceiros que cooperam.

A atividade que surgiu a partir de um conflito entre as crianças pode ser

considerada uma relação de cooperação porque foi preciso que tanto os meninos

quanto as meninas se ajustassem a um determinado ponto que fosse comum aos

dois, permitindo a adequação daqueles pensamentos antagônicos e durante a

atividade teve existir a recíproca em ouvir o colega e imaginar, assim como propor

novos elementos para o formado do objeto. Portanto, as crianças tiveram que

colaborar e cooperar, umas com as outras, para que a atividade e o acordo fossem

feitos.

O próximo relato é sobre um encontro que tivemos grande dificuldade para

realizar a atividade proposta.

Pedi que eles sugerissem o que poderíamos fazer pra melhorar nossa

Oficina e me sentei dizendo que daquela forma não daria pra continuar. Por alguns

segundos tivemos um silêncio na sala e enquanto algumas crianças voltaram a

conversar, uma das meninas veio do meu lado e falou no meu ouvido para eu

colocar pra fora da sala as crianças que não queriam colaborar. Pedi à ela que

falasse pra todo o grupo sua idéia e perguntei depois o que eles achavam. Foi

interessante porque os meninos que estavam atrapalhando mais na atividade,

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disseram que não concordavam com a idéia, algumas meninas concordaram e

alguns se omitiram. (Escrito por Françoise Moncadá)

Éramos um grupo e se algo não estava dando certo, era preciso que coletivo

decidisse o que fazer para melhorar. Françoise colocou para turma sua insatisfação,

pois naquele dia as crianças não estavam respeitando a fala do outro e nem as

atividades que foram propostas. A solução para menina foi a de mandar para fora da

sala aqueles que não colaboravam, usou, assim, a justiça retributiva.

Para Piaget (1994) esta justiça é definida pela proporcionalidade entre o ato e

a sanção. Na justiça retributiva há duas formas de punição para o sujeito que

infringiu as regras. A primeira, como explicado anteriormente, é a sanção expiatória

que não faz relação entre a punição definida e o conteúdo do ato sancionado, é

inerente a relações de coação e de obediência.

Poderíamos inferir que a menina utilizou a justiça retributiva a partir de uma

sanção expiatória, cuja punição seria expulsar da sala quem não estivesse

colaborando. Provavelmente a garota viu suas professoras utilizando esta forma de

punição durante as aulas e apenas reproduziu a justiça que está acostumada.

Momentaneamente, pode até funcionar, pois os meninos iam sair da sala e

poderíamos ter um ambiente mais calmo durante a oficina. No entanto, se os

garotos não estivessem conosco, como poderíamos ajudá-los no desenvolvimento

da cooperação? Na oficina seguinte poderiam voltar colaborando conosco, porém é

certo que só colaborariam para não serem punidos. Para mim, este é o grande

problema da sanção expiatória, utilizando-a nós estaríamos condicionando os

estudantes a contribuírem apenas pelo medo da punição e não pela consciência do

bem comum. Tal atitude só estimularia a heteronomia ou o nível pré-convencional.

Preferimos não seguir a proposta da menina, mas levantamos uma questão

para turma. Será que a oficina só funcionaria a partir de punições, ou poderíamos

simplesmente cooperar e respeitar o outro.

Porém, novamente tivemos dificuldades para fazer as atividades, como

demonstra o relato a seguir.

Nesta segunda-feira atendemos ao pedido de algumas crianças, fizemos a

oficina do lado de fora da sala. Sentamos no pátio, em frente à nossa sala, e aos

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poucos formamos uma roda. Havia vinte e quatro crianças, nós iniciamos com uma

conversa sobre o planejamento anterior para lembrar quais foram as atividades

propostas. A primeira era a queima-dança, sugerida por uma menina que não estava

presente. Nós não lembrávamos ao certo quais eram as regras da atividade, mas

outra integrante nos lembrou. A queima-dança é parecida com a queimada habitual,

a diferença é que nessa só pode jogar a bola quando a música parar.

Minha parceira tentava organizar as equipes, enquanto eu arrumava o som.

As crianças estavam muito dispersas no pátio, conseguimos dividir as equipes com

extrema demora e dificuldade. Enfim começamos, mas durou pouco. Um grande

número de jogadores se dispersou novamente. Por esse motivo, resolvemos

cancelar a atividade e, voltamos para dentro da sala.

Eu conversei com as crianças e disse que não iríamos mais fazer a oficina do

lado de fora, pois daquele jeito seria impossível. Utilizei a justiça retributiva a partir

da sanção por reciprocidade que consiste em reverter “toda sua intensidade na

proporção em que as medidas de reciprocidade fazem compreender ao culpado o

significado de sua falta” (PIAGET, 1994, p. 162). Ao contrário da sanção expiatória,

a de reciprocidade se aproxima da cooperação e das regras por igualdade, mas

torna-se contraditória quando utilizada para responder o mal com o mal segundo

Piaget (1994). O seu objetivo real é fazer com que a criança compreenda as

consequências de seus atos.

Mesmo que esta forma de sanção esteja próxima às relações de cooperação,

ainda prefiro evitá-la ao máximo por acreditar que a conversa, o acordo e o exemplo

são formas mais construtivas para resolver as questões que se apresentam. Neste

caso não consegui evitar a sanção, mas também conversamos em seguida sobre a

atitude deles. Acredito que tenha sido necessário para os educandos

compreenderem a gravidade de seus atos.

No encontro seguinte, tivemos uma surpresa como descrita abaixo.

Este dia foi um pouco diferente. Eu arrumava as cadeiras quando um grupo

de crianças entrou na sala dizendo que não queriam participar mais da oficina. Da

seguinte forma (diálogo abaixo elaborado pela Fran com minha ajuda):

Dani: Por que, gente?

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E: Porque lá fora é mais divertido. Vocês não podem nos obrigar a ficar na oficina.

Dani: Calma, gente! Vamos sentar e conversar sobre isso.

Várias Crianças: Ah não!

(Aos poucos conseguimos sentar para conversarmos)

E: - Professora, a gente quer sair da oficina! Não é que a gente não gosta da oficina,

mas é porque lá fora é mais legal.

Fran: - Por que lá fora é mais legal?

E: - Porque a gente pode fazer o que a gente quiser, pode jogar queimada,

conversar, dançar vários ritmos diferentes.

Fran: - Mas gente, quem é que faz o planejamento das atividades da oficina?

(silêncio) São vocês que escolhem no final da oficina, quais as atividades que vão

acontecer na semana seguinte. Vocês escolhem todas as atividades e eu e a Dani

ficamos com uma atividade surpresa pra vocês. E qual que foi a atividade da

semana passada? (silêncio) Queimada com música.

V: - Lá fora é mais divertido!

E: - Aqui na sala é quente, é abafado!

Fran: - Eu também acho! O que acontece gente: Semana passada a gente decidiu

fazer a atividade no pátio e foi muito difícil porque vocês ficaram muito dispersos. Eu

e a Dani não conseguíamos falar e reunir vocês porque ficava cada um pra um

canto.

E: Ah não, é muito chato! ...

Fran: - Gente, deixa eu explicar uma coisa pra vocês: No Integral, vocês tem no

período da manhã as aulas e à tarde não é um momento pra vocês ficarem à toa na

escola, sem fazer nada.

Dani: - Não é porque aqui a gente tenta fazer coisas divertidas que não estamos

aprendendo ou produzindo algo. O momento da manhã é de estudo, mas de tarde

também! É uma escola só. A gente tenta fazer algo divertido, mas aprendendo,

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estamos aprendendo a lidar com os outros, a tomar decisões coletivas, a escutar.

Na recreação, lá fora, vocês podem até aprender, mas aqui nosso objetivo é a

aprendizagem e não só o brincar por brincar.

I: - Professora, eu não estudo mais aqui na escola, mas eu vou começar a vir no

Integral. Quando eu estudava aqui, sempre teve oficina de Corpo e Movimento e era

muito legal. A professora fazia com a gente a atividade que a gente queria e depois

a gente fazia uma atividade dela.

Fran: - Como que você se chama? Então I, legal isso que você está falando. (e

expliquei novamente como acontece o planejamento de cada encontro, tentando

mostrar que no nosso grupo eles também tem espaço para escolher as brincadeiras

que querem).

Dani: - Eu acho que nós poderíamos atender ao pedido de vocês desde que se

comprometam a fazer a atividade, escutando quando formos falar com vocês,

porque nossa última saída não foi boa. Mas se vocês realmente fizerem o

combinado que vão colaborar, nós podemos fazer uma atividade lá fora.

M: Mas você disse que não iríamos mais sair.

Dani: Eu disse, pois da outra vez foi muito difícil, mas se vocês se comprometerem

nós podemos entrar em um acordo. .

Momento de negociação (ver aonde entra a parte da sugestão da queimada maluca)

M: - Professora, vamos lá pra fora primeiro porque depois do lanche, depois de

comer vai ser ruim ir lá pra fora correr.

Fran: Tudo bem então! (eu e Dani consentimos juntas com a cabeça)

Dani: Gente, então está combinado?! A gente vai agora lá pra fora e depois do

intervalo vamos a atividade surpresa que eu e a Fran tínhamos preparado . Vamos

então assinar o nosso Combinado? (burburinho... sim... não!)

M: Professora, parece fichamento!

Fran: - Vixi, é mesmo?

Dani: - Então, vamos deixar?! Vai demorar...

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Crianças: Vamos! Vamos!

Tivemos o auxílio de um dos monitores na condução das crianças para um

amplo gramado, localizado do lado de fora da escola. Éramos vinte duas pessoas,

eu preferi não participar da queima-senta, pois estava gripada e preferi me poupar.

Fiquei de juíza. Tivemos alguns conflitos, normais, durante a brincadeira em relação

às regras, mas as crianças cumpriram com o combinado.

Talvez este comportamento das crianças possa ter parecido um tanto quanto

rebelde. Mas não podíamos reclamar, pois o que queríamos era esta iniciativa.

Apesar de no início ter me sentido um pouco chateada com a vontade das crianças

em sair da oficina, depois percebi que os educandos estavam utilizando sua

autonomia. Nós sempre dizíamos que ninguém era obrigado a ficar na oficina e foi

esse um dos argumentos que uma garota utilizou.

Para Piaget (1992) durante o estágio da autonomia as regras não são mais

coercitivas, nem exteriores, podem ser modificadas e adaptadas conforme o grupo.

Para a teoria kohlberguiana o nível mais alto da moral admite a possibilidade da

modificação das leis no qual o elemento de obrigatoriedade é constituído pelo livre

acordo e pelo contrato, quando a regra é injusta aos princípios universais cabe ao

sujeito à responsabilidade moral de desobedecer às regras injustas e obedecer às

justas.

Não percebo que as crianças tenham atingido o nível mais elevado da teoria

kohlberguiana, afinal, exigiria um longo percurso para alcançá-lo. No entanto,

acredito que o estágio da moral das crianças tenha se desenvolvido durante a

oficina. Eu e a Françoise éramos a autoridade, ainda que evitássemos práticas

autoritárias, nós possuíamos autoridade. No estágio da heteronomia, a palavra da

autoridade ou as regras estipuladas não poderiam ser, de forma alguma,

modificadas ou contrariadas, pois quem o fizesse estaria cometendo um erro e

deveria ser punido. Já na autonomia as regras podem ser modificadas pelo grupo,

assim como as decisões precisam ser compartilhadas. Noto que as crianças

questionaram nossa decisão, essas não eram mais consideradas sagradas,

portanto, poderiam ser questionadas e discutidas.

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Acredito que com este comportamento os estudantes demonstraram que

podem também decidir e optar. Afirmando até que nós não poderíamos obrigá-los a

permanecerem na oficina. As crianças julgaram, portanto, que a obrigação não pode

ser mais definida pelo exterior como nas relações de coação propostas por Piaget

(1994). O que apresenta um grande avanço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pesquisa participante, da análise do diário de bordo e das

vivências durante os dez encontros da Oficina Corpo e Movimento noto que ao fim

deste trabalho consigo compreender com mais facilidade as angústias que estiveram

comigo durante o caminhar da oficina.

Primeiramente, percebo que a relação que os educandos faziam entre a

moral e a punição era compatível ao estágio da heteronomia descrita por Piaget

(1994) ou pelo nível pré-convencional definido pela teoria kohlberguiana. Portanto,

identifiquei que as crianças estavam no estágio da heteronomia e um dos motivos

para isto foi a falta de incentivo dos professores para o desenvolvimento da moral,

utilizavam as relações de coação que implicam no respeito unilateral em que um

sujeito é superior ao outro, tal relação distancia-se da moral autônoma, que surge a

partir da relação de cooperação. No estágio da heretonomia as regras são

coercitivas e as crianças devem ser obedientes à autoridade, os sujeitos desta etapa

costumam utilizar a justiça retributiva por sanções expiatórias, como o exemplo da

menina que nos sugeriu retirar da sala aqueles que não colaboravam ou quando

através do jogo sancionavam prendas (que comparo a punições) para o jogador que

tivesse errado. Isto é reflexo da coação adulta sobre a criança.

O nível pré-convencional da teoria kohlberguiana também possui esse caráter

e pode ser comparado ao estágio da heteronomia por apresentar grande

semelhança. Os sujeitos deste nível julgam o que é certo ou errado dependendo da

punição que receberem ou da recompensa. É por este motivo que às vezes

tínhamos dificuldades para nos relacionar com as crianças, pois, não dávamos

punições nem recompensas. Portanto, a punição encontra-se novamente vinculada

ao juízo moral.

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Em segundo lugar, verifico que durante a oficina eu e minha parceira

utilizamos algumas estratégias para facilitar o desenvolvimento da autonomia dos

educandos. Foi preciso o estabelecimento de um respeito mútuo, em que

precisávamos estar em igualdade com os participantes daquela oficina. O

planejamento em grupo foi uma das maneiras que encontramos de nos aproximar

daqueles sujeitos, pois possibilitou que todos os integrantes participassem da

elaboração dos encontros seguintes, o que nos retirava de uma posição superior

que delimita e impõe as atividades que eles teriam que fazer.

O respeito mútuo é fundamental para a moral autônoma, pois é a partir dele

que as relações de cooperação surgem. Percebo que a relação de cooperação

estava presente durante o planejamento, assim como nos momentos em que os

problemas surgiam e eu e a Françoise colocávamos para o grupo decidir o que

fazermos para melhorar, desta forma estabelecíamos as trocas que são

fundamentais para a cooperação.

Acredito que conseguimos facilitar o desenvolvimento da autonomia a partir

dessas estratégias, pois nos encontros finais os educandos demonstraram que não

eram submissos a nós e que não poderíamos obrigá-los a permanecer na oficina.

Bom, se perceberam que nós não tínhamos o poder para obrigá-los a isto, então

demonstram que superaram em algum aspecto o estágio da heteronomia, pois

compreenderam que também podiam decidir e questionar e que nós não tínhamos o

direito de obrigá-los.

Concluo, portanto, que a moral estava relaciona à punição para as crianças

em decorrência da coação adulta que aprisiona o individuo no estágio da

heteronomia. No entanto, acredito que dentro do contexto especifico desta escola foi

possível facilitar a construção da moral autônoma dos participantes através das

atividades, das reflexões e da maneira com que nos relacionamos com as crianças.

Percebo que não atingiram o nível ou o estágio mais alto da moralidade, mas noto

que o desenvolvimento do juízo moral ocorreu, o que representa uma grande

conquista.

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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS

Acredito que grande parte do que vivemos, lemos e ouvimos nos transforma,

por isso ao finalizar o curso de pedagogia sinto-me transformada. Sei que passarei

por diversas modificações em todo percurso da vida, mas agora ela parece estar

mais aparente. No início eu não sabia ao certo que curso fazer e por isso escolhi a

pedagogia para ingressar na UnB. Hoje me sinto próxima e encantada pela

educação, apesar dos inúmeros receios que tenho a respeito dela.

Possuo indecisões sobre o meu futuro profissional, os baixos salários e as

condições de trabalho são pontos desanimadores. Sonho com uma educação

transformadora baseada na autonomia do educando e no respeito mútuo,

infelizmente, a grande maioria das escolas públicas, apesar de afirmarem utilizar o

método construtivista, são marcadas por uma prática baseada no autoritarismo.

Enfrento, dessa forma, um grande dilema entre tentar modificar o sistema

educacional e o medo da frustração que isso poderia ocasionar.

Tenho receio de ser professora em escolas públicas pelos motivos citados

acima, mas ainda assim pretendo ser educadora na Secretária de Educação do

Distrito Federal, o ideal seria trabalhar em instituições públicas que usassem práticas

educacionais inovadoras. Se isto não for possível eu tentarei levar a educação para

locais que não sejam necessariamente uma escola, mas que também precisam de

um profissional da educação.

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APÊNDICE:

Diário de bordo

1) Dia 09 de abril de 2012

Eu e Fran nos encontramos na UnB para terminar de acertar o que falaríamos

na apresentação de nossas oficinas. Acabamos por ir juntas para escola, chegando

lá as 14:30 como foi o combinado, porém as apresentações já tinham começado.

Acredito que por falta dos monitores as crianças não tinham o que fazer e

resolveram assim, iniciar antecipadamente as apresentações para ocupar o tempo.

Eu iniciei explicando que em nossa oficina iríamos explorar as possibilidades que

nosso corpo nos permite, observando nosso andar, tendo consciência de que o

nosso corpo fala através de nossas expressões. Em um primeiro momento as

crianças prestaram atenção, mas depois ficaram mais dispersas querendo mostrar

outras formas de andar, tocando apenas o calcanhar no chão, por exemplo. Depois

a Fran pegou o microfone e falou com suas palavras sobre nossa oficina também.

A seguir, colamos as cartolinas (feitas com tanto pensar e carinho por nós)

nas portas de cada sala destinada àquela oficina. Entregamos, um pouco confusas,

os papéis para as crianças colarem na cartolina referente à oficina de sua

preferência. Depois dos nomes colados tivemos que iniciar as oficinas com quinze

integrantes, mesmo sem nos preparamos adequadamente. Isso foi devido ao corte

do repasse do vale-transporte dos monitores, impossibilitando a ida deles para

escola, não tendo assim, pessoas suficientes para cuidarem das crianças.

A Fran improvisou e deu certo. Pediu que fizéssemos uma roda, em que um

por um faria seu movimento, sendo repetido o movimento da primeira, segunda,

terceira pessoa e assim por diante. Começamos, pedindo sempre atenção, e

respeito pela fala do outro, algo que teremos que trabalhar de várias formas para

que eles possam entender a importância da escuta, e se apropriar disso. Poderemos

pensar em algo para que elas possam falar alto e todos ao mesmo tempo, já que

parece ser uma necessidade deles, mas deixar claro que teremos momentos

específicos para isso e momentos de falas individuais que devemos respeitar.

Entraram mais crianças no meio da dinâmica, elas não estavam presentes na

hora da escolha e por isso chegaram depois. Nós acolhemos, e explicamos a elas

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sobre nossa oficina e o que estávamos fazendo. Continuamos e por vezes tivemos

que pedir atenção.

Depois que terminamos essa dinâmica, três meninas propuseram que nós

fizéssemos uma brincadeira, que seria da seguinte forma: uma pessoa sairia da sala

e a seguir escolheríamos um mestre para fazer movimentos e a turma repetiria o que

o mestre fizesse. Então, a pessoa escolhida retornaria a sala e teria três tentativas

para descobrir quem era o mestre. Se errasse nas três tentativas teria que pagar

uma prenda, imitando algo. Fran e eu já tínhamos conversado sobre essa questão

das prendas, queríamos tentar desconstruir a ideia de prenda ser algo ruim, assim

pedimos para que elas pensassem numa prenda boa e que a pessoa que pagaria

teria que escolher alguém para dizer o que ela deveria fazer. E assim a brincadeira

começou.

O incrível foi a espontaneidade com que as crianças propuseram algo que

gostariam de fazer e que tinha uma forte coerência com o tema que nós estávamos

trabalhando, o que prova, na verdade, que elas têm uma grande bagagem de

vivências próprias, que nós muitas vezes não conhecemos, mas que com a ajuda

delas também podemos nos apropriar disso, assim vamos construindo a oficina

através de uma parceria entre todos os integrantes da mesma.

2) Dia 11 de abril de 2012.

Oficina de Corpo e Movimento para os professores e integrantes do proj.

Autonomia na Escola 209 Sul.

Confesso que tremi nas bases quando a Alexandra nos pediu para iniciarmos

as oficinas, era um desafio! Mas eu e minha parceira aceitamos, tivemos uma

semana para planejar o que faríamos. Pensávamos sozinhas, cada uma levando

para uma temática com que tínhamos mais aproximação. Fomos trocando propostas

por e-mail, tentando buscar uma melhor opção para fazermos uma oficina com os

professores. Eu visava uma maior integração entre UnB e escola e tentei refletir

como poderia fazer isso. Minha experiência com dança é a de salão, pensei o

quanto a dança em dupla pode facilitar uma integração a partir da aproximação de

nossos corpos e do contato entre a palma de nossas mãos.

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Aos poucos fui pensando em como fazer essa dinâmica, primeiramente defini

que fariam duplas, começando com um parceiro que seria chamado de “pessoa da

palavra” e assim ele conduziria o outro, depois trocariam e o primeiro então passaria

a “palavra” para seu companheiro. Depois pensei em, antes disso, explicar um

pouco sobre nosso caminhar, como a divisão do nosso peso é fundamental para nos

movimentarmos e como nós poderíamos andar de outras formas, propondo a eles

um caminhar diferente dentro da música. E ao final dessa dinâmica pedi para que

fizessem um movimento, uma expressão, um gesto que significasse o que eu iria

dizer a seguir, se aquilo fosse significativo para eles. A frase foi: Este meu

companheiro é um ser em constante processo de formação assim como eu, tendo

então muito a me oferecer da mesma forma que eu também tenho muito a oferecer

para ele.

Enviei meu pensamento para Fran, e ela me enviou os dela, e nós nos

completávamos em nossas ideias. Fran iniciou com uma massagem mútua entre

nós, que todos fizeram do seu jeito com a parceira da dupla, em seguida fomos para

o caminhar consciente e de formas diferentes; depois ela pensou em darmos fitinhas

coloridas para nossas duplas, tecendo assim um laço entre elas, pois cada um

colocou um laço no pulso da sua parceira. E para encerrar fizemos uma dinâmica

com o balão em que a minha parceira trouxe a ideia do cuidado com a criança

através da simbologia com os balões. Fran apenas pediu que enchêssemos os

balões e deixássemos o ele seguir seu movimento, apenas daríamos apoio a ele

sem segurá-lo. E assim fizemos, deixamos o balão seguir seu rumo dando encosto a

ele e dançando. Para encerrar lemos um mito greco-romano sobre o Cuidado e o

Homem que a Alexandra tinha nos sugerido. Depois abrimos a roda para reflexões

sobre o que tínhamos feito e a relação com o mito. Eles fizeram a associação do

Cuidado com a criança e a dinâmica, dizendo que o balão seria como a criança, nós

daríamos uma sustentação para ele, um apoio, mas devíamos deixar ele seguir seu

rumo, seu movimento, sua vontade, sua autonomia. E assim como no mito, a nossa

função é cuidar, não tomar posse, saber que por estar ao nosso cuidado não

significa que a criança seja nossa, e que não é nosso papel decidir que rumo ela

deve seguir ou o que ela deve fazer, significa apenas que ela tem nosso cuidado,

mas ela não nos pertence, ela pertence a si mesma. E por isso, cabe a ela decidir o

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que deve fazer,..o que querer, o que sentir. Cabe a nós, educadores, ajudá-la nessa

caminhada.

Eu acredito que o resultado foi bom. Conseguimos unir UnB e Escola 209,

geramos uma aproximação, quebrando um pouco do gelo e da separação que havia

ali. No início, estavam mais contidos em fazer o que era proposto, mas aos poucos

cada um foi se soltando e se apropriando do que fazíamos. Fiquei feliz, porque as

pessoas compreenderam o que nós buscávamos e comentaram ao final suas

percepções e vivência subjetiva ao longo da dinâmica.

3) Dia 16 de abril de 2012.

Aulas canceladas por falta de monitores devido ao corte de verba do GDF para o

vale-transporte.

4) Dia 23 de abril de 2012.

Planejamos para este dia uma aproximação maior com as crianças,

queríamos saber um pouco sobre suas personalidades, quantos anos têm, que série

cursam, onde moram, o quê gostam de fazer, o quê não gostam e o quê achassem

relevante dizer sobre si. Pediríamos para que ouvissem atentamente o relato dos

colegas, pois depois iríamos precisar.

Em um segundo momento, nós dividiríamos quatro grupos com cinco

integrantes cada, e brincaríamos de mímica da seguinte forma: um por um dos

participantes de cada compartilhamento teria que demonstrar através da mímica,

uma característica, um gosto e qualquer elemento que uma das pessoas de seu

grupo falou quando se apresentava. Os outros teriam que descobrir quem é a

pessoa que eles estão tentando imitar. No momento em que descobrissem outro

grupo começaria, fazendo ciclos de apresentações até todos serem imitados.

Por fim, abriríamos uma roda e pediríamos para eles falarem o que acham

legal ter e não ter na oficina, quais combinados nós poderíamos fazer para um

melhor convívio e o que eles gostariam que tivessem como atividades.

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Certo, o planejamento foi lindo, mas a prática foi triste! (desabafo)

Chegamos todas juntas, as crianças estavam divididas em duas turmas com

os monitores fazendo tarefa, a pedido da monitora entramos nas salas dizendo para

que, as pessoas que fossem da Oficina Corpo e Movimento, viessem conosco até

nossa sala. Em meio à confusão algumas crianças foram, mas outras diziam que

não tinham escolhido oficina alguma. E mais uma vez ficamos perdidas com a

desorganização. Uma grande parte dos nossos alunos faltou e muitos resolveram

entrar.

Alguns meninos corriam pelo pátio sem parar, pedi diversas vezes que

entrassem para darmos início à oficina, consegui me aproximar de um menino que

queria correr de qualquer forma e pedi para que ele fosse para a sala, ele então me

disse que não queria ir, pois queria brincar de pique-pega. Eu respondi dizendo que

em nossa Oficina ele poderia brincar disso, desde que colaborasse também. Eles

foram entrando na sala aos poucos. Expliquei rapidamente o ocorrido para Fran e

ela concordou que mudássemos o planejamento. Começamos pedindo para eles

desenharem ou escreverem aquilo que queriam fazer durante a Oficina.

Assim fizeram, em meio a brincadeiras de briga e discussões entre as

meninas por conta de um lugar na mesa. Recolhi as folhas com os pedidos e

perguntei se o que era sugerido tinha nexo com o corpo e o movimento. Eles

queriam muitas brincadeiras como pique-pega, pique-esconde, futebol e pular.

Alguns gostariam de dançar e outro grupo de meninas desenhou e montou uma

casa com o papel, e quando perguntei o que era elas não souberam responder,

acredito que não entenderam ao certo o que pedi pra fazer.

O curioso foi que os meninos a todo o momento queriam brincar de briga

(como diziam eles), mas quando pedi para colocarem no papel o que gostariam de

fazer eles não desenharam e nem escreveram o verdadeiro desejo deles. Não

expressaram o que queriam por saberem que não é certo ficar brincando de briga,

apesar de que não sei se sabem, mas por serem recriminados quando o fazem, eles

não expõem aquele desejo e continuam fazendo sem consciência de que aquilo

pode machucar de verdade. Apenas reproduzem o que veem nos desenhos, nos

filmes, nas novelas e jogos em que as lutas ganham mais destaque ainda com a

expansão do MMA (luta livre). Eu não recrimino a luta, acho que ela é um esporte

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que também pode ser um aliado na educação, porém deve ser feita de forma

adequada com especialistas.

Propus que fizéssemos uma mímica, as meninas adoraram, porém os

meninos não queriam. Disse que podíamos entrar em um acordo, a maioria das

pessoas queria mímica, mas se eles primeiramente brincassem de mímica, a

preferência do coletivo, depois poderíamos jogar futebol. Mas eles não aceitaram,

assim não fizemos acordo. Ficaram em um canto desenhando enquanto nós

brincávamos, aos poucos perceberam que a dinâmica estava interessante e foram

se integrando aos grupos.

Não sei se essa é a realidade, mas de acordo com uma percepção minha, as

crianças veem nossa oficina como um momento sem regras, apenas de brincadeira

sem nenhum intuito por trás. Precisamos trabalhar combinados, esclarecer

responsabilidades, limites e possibilidades. A impressão que tenho é que elas só

ouvem quem grita ou impõem algo, não dando tanta atenção para quem respeita

suas vontades e seu ser. Mas podemos entender que elas estão acostumadas com

gritos e imposições trazendo dificuldades em desconstruir estes costumes.

Ninguém disse que seria fácil, vamos buscando melhores soluções,

experimentando nossos pensamentos até acharmos uma forma mais eficiente para

plantarmos nossa semente da autonomia.

5) Dia 07 de maio de 2012.

Percebemos que vários alunos demonstraram interesse pela dança e a

música, através de seus desenhos elaboramos um planejamento que buscasse

contemplar os desejos das crianças. Fiz uma lista de aproximadamente vinte

minutos com variados ritmos nacionais e estrangeiros.

A primeira música foi “Abre que voy” cantada por Miguel Enriquez, uma salsa

cubana composta por uma percussão energética e contagiante. Nosso objetivo era

chamar atenção, e conseguimos. Primeiro usei o passo base da salsa para

começarmos, depois passei para uma brincadeira em roda que batemos palmas

com o colega de um de nossos lados depois com o do outro lado, como é feito nas

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rodas de salsa em que os casais interagem com outros casais. Eu não tinha

intenção de ensinar eles a dançarem salsa, queria apenas que eles sentissem a

música em seus corpos e se movimentassem, por isso, começamos a pedir que eles

fizessem movimentos e nós copiarmos. Eles ficaram um pouco tímidos,

principalmente os meninos, mas aos poucos se soltaram e nos guiaram também por

alguns momentos.

A próxima música era do filme “Se ela dança, eu danço.”, mistura o ritmo do

Hip Hop com a Música Clássica. Nós guiávamos quando ninguém queria criar um

movimento e quando víamos alguém criando o seguíamos, os meninos gostavam

muito da dança de rua, mas a maioria das vezes quem iniciava com novos passos

eram as meninas.

Fran sugeriu que fizéssemos duplas, um seria a estátua e o outro seria o

escultor. Esse poderia moldar sua estátua da forma que quisesse e teria que dar um

nome a ela, depois inverteríamos as funções (nessa atividade a música foi “Amigo,

estou aqui.” do filme “Toy Story”). Eles gostaram da brincadeira e repetimos por duas

vezes, foi então que deixei a lista de música tocando e esqueci que em seguida

seria a música “Dança com tudo.” que é o tema da novela das vinte horas da

emissora de televisão Globo. O som rolou e as crianças foram ao delírio, cantaram,

dançaram e pularam com o kuduro (ritmo que surgiu na Angola nos anos 90 e se

espalha por diversos países conquistando inúmeros dançarinos). Crianças de outras

oficinas foram se juntando a nossa, tornando-nos um número enorme de

integrantes. Quando a música terminou fizemos pausa para o lanche, mas as

crianças não queriam que tivesse intervalo, queriam continuar dançando e comendo

ao mesmo tempo, mas nós achamos que não seria adequado.

Ao retornar pedimos para que ficassem somente as crianças da nossa oficina,

reduzindo bastante o número de alunos. Formamos uma roda, mas duas crianças

não queriam participar, o menino dizia que estava cansado e a menina não dizia

nada, Fran falou para eles que nós agora iríamos fazer um relaxamento, o menino

apresentou um pouco de resistência, mas acabou indo para roda, já a menina não

quis.

Pedimos que deitassem e fechassem os olhos, enquanto eu colocava uma

música para relaxar a minha parceira contava uma história para as crianças. Ao

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terminar o menino que não queria participar por estar cansado, dormiu. Deixamo-lo

dormindo e fomos montar o planejamento da próxima oficina com as outras crianças.

Mostramos uma cartolina para escrevermos todos juntos nosso planejamento.

Iniciei explicando que nossa oficina começa às 14h30min e vai até 16h30min, a

seguir questionei então quanto tempo teríamos de oficina. Eles ficaram um pouco

confusos, mas tentamos aos poucos explicar, até que disseram que teríamos duas

horas de oficina. Falei que deveríamos fazer o planejamento de acordo com as duas

horas. Eles sugeriram que nós fizéssemos um relaxamento ao final, elegendo cada

dia uma pessoa diferente para contar uma história durante essa atividade. Fran teve

a ideia de contarmos histórias através de movimentos e elegemos essa atividade

para ser a primeira do próximo encontro. Solicitaram dinâmicas com dança e música

(hip hop e da novela “Rebelde”) e um aquecimento para iniciá-las. Depois minha

parceira pediu pra que tivesse uma atividade surpresa que nós traríamos e por fim

deixamos um tempo para elaborar, novamente, a aula seguinte e cinco minutos para

organizar a sala.

6) Dia 14 de maio de 2012.

Chegamos e fomos organizar a sala enquanto as crianças, aos poucos, iam

ao nosso encontro. Novas crianças juntaram-se ao grupo e outros faltaram, ao todo

devíamos ter um montante com quinze integrantes. Iniciamos a dinâmica proposta

em que contaríamos histórias com o corpo. Um começava a história traduzida pelo

corpo e depois passava para quem ele preferisse. Mas não funcionou, os meninos

estavam muito eufóricos, nós chamávamos a atenção deles e ainda assim era em

vão. Por momentos conseguíamos montar a história, com resistência. Em algumas

partes dela vemos a influência do álcool e do cigarro que essas crianças recebem,

demonstrando cenas de bebedeiras com homens fumando ou tragédias.

Fran resolveu interromper a atividade, conversou com todos e pediu uma

sugestão deles para solucionar nosso problema. Uma menina falou em seu ouvido

para tirar de sala quem não tivesse colaborando. Quando a educadora compartilhou

a ideia para turma os meninos apresentaram resistência e as meninas concordaram.

Sem saber ao certo o que fazer nós preferimos dar continuidade à oficina.

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Seguimos para o aquecimento, um maior grupo fazia e colaborava, contudo

quatro crianças não queriam fazer e ficavam brincando de luta tanto na hora do

aquecimento quanto na dança. Enquanto a Fran tentava conversar com o menor

grupo eu dava continuidade as atividades, percebia que quem participava estava

gostando e eu deixava que criassem os movimentos com as músicas sugeridas por

eles na oficina passada.

Depois da dança o nosso planejamento era fazer o relaxamento e elaborar a

próximo encontro, mas conforme estava a agitação da turma preferimos não fazer o

planejamento. Eu contei uma história durante o relaxamento de Joãozinho e o jacaré

feroz, em que o animal tornava-se muito grato pelo menino por salvar sua vida. Ao

fim da minha história algumas meninas pediram para contar e nós a ouvimos, os

meninos interferiram algumas vezes, mas conseguimos prosseguir. E por fim

arrumamos as salas.

Acredito que temos que conversar com as crianças que não estiverem

satisfeitas com a oficina para vermos o que podemos fazer a respeito, já que, dessa

forma estão prejudicando quem tem interesse nas atividades propostas além de

estarem perdendo o tempo delas também.

7) Dia 21 de maio de 2012.

Chegamos às 14 horas e 20 minutos para podermos organizar a sala, mas

tivemos que esperar, pois outra colega da UnB estava fazendo uma atividade ali. Os

integrantes da nossa oficina iam se juntando a mim, que estava próxima a sala.

Alguns eram novos e diziam que queriam entrar nesta turma, perguntei de qual

oficina eles eram e eles afirmaram que não participavam de nenhuma e que não

vinham às segundas-feiras, porque o integral estava dividido, mas que agora ele

voltou ao normal, de segunda a quinta para todos (fato que a direção não nos

comunicou). Questionei se eles conheciam as outras oficinas e se era esta que eles

gostariam realmente ficar, e eles disseram que sim.

Enquanto isso, Jéssica (oficineira de Perguntas e Ideias) veio até a mim com

um menino, integrante da minha oficina, que tinha pedido a ela para participar da

sua turma afirmando que eu disse que ele poderia trocar. Respondi que não tinha

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dito isso e ele falou então que tinha sido a Fran, que estava mais afastada de nós.

Decidimos que ele poderia mudar já que não estava satisfeito (ele era um dos

meninos que não colaboravam com a oficina, sempre desatento e brincando de luta

com os amigos).

A sala foi desocupada e nós entramos para organizar as carteiras.

Começamos com uma roda de conversa para apresentação dos novos colegas,

falaram seus nomes, idades e séries. Notei que a faixa etária dos recém-integrantes

era um pouco maior do que a dos antigos. Depois disso, seguimos para uma

atividade que a Simone tinha me sugerido quando contei a ela sobre a necessidade

que algumas crianças têm em brincar de luta. Expliquei a eles desta forma: faremos

duplas, um dos companheiros terá que imaginar que seus pés estão fixados no chão

por raízes. O outro tentará derrubá-lo, mas não poderá encostar-se a ele, através de

movimentos com o braço. Devem inverter os papeis quando esse conseguir abalar o

equilíbrio do seu par.

Assim fizemos, eles aparentavam estar gostando da atividade. Uma menina

não queria fazer nada, eu perguntei a ela o porquê. Ela afirmou que gostava da

oficina, mas que naquele dia não queria participar. Eu disse que se ela não estava

disposta a participar naquele dia poderia ir para fora, como desejava.

Depois de um tempo a mesma menina retorna para sala com várias amigas,

algumas eu nunca tinha visto, questionei-a por que tinha voltado se antes me pediu

para não participar. Ela disse que não queria participar porque estava sem as

amigas, mas como as amigas estavam ali, ela decidiu voltar. Eu não gostei, falei

para ela que tínhamos feito um combinado, não era possível uma hora decidir não

participar e em um segundo momento tomar a decisão contrária, afinal nós temos

que arcar com as nossas decisões e atitudes. Contudo deixei-a ficar, mas com o

compromisso de levar suas decisões a sério.

Seguimos para uma roda, questionamos quais atividades e brincadeiras

relacionadas ao corpo e movimento que eles gostariam de fazer. Uma menina

sugeriu passanel, mas grande parte do grupo não gostou da ideia por acharem que

a brincadeira era muito infantil. Lembraram uma atividade feita na oficina de

teatração chamada Samurai que gostariam de fazer. Todos concordaram, com a

exceção da estudante que sugeriu o passanel.

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Tentei conversar e negociar com a menina, que estava acompanhada com uma

amiga, mas ela não quis participar de forma alguma da brincadeira e sua amiga a

seguiu. Disse que alguma coisa elas teriam que fazer, propuseram ler gibi e eu

aceitei.

A acompanhante da menina viu que a brincadeira estava interessante e

resolveu entrar, mas eu não aceitei porque no momento que eu tentei negociar ela

tomou uma decisão de não querer participar, e eu respeitei sua decisão, mas não é

possível ela mudar de decisão a todo o momento. Por isso, suas decisões devem

ser pensadas e refletidas. A menina não gostou e ficou chateada, mas eu dei a

oportunidade de escolha para elas, não impus nada em momento algum, faço isso

para elas aprenderem que tomar uma decisão (possuir autonomia) não é fácil, é

preciso ter responsabilidade e assumir as consequências de uma decisão.

O mesmo aconteceu com dois garotos. Eles não participavam da atividade

porque preferiam ficar desenhando, então deixava-os desenhar. Eu senti que um

deles queria participar das nossas atividades, mas a vontade em estar junto de seu

amigo era maior, por isso não se juntava a nós. Pedi apenas que eles ouvissem o

que íamos fazer para depois decidirem se participariam ou continuariam

desenhando. Assim fizemos e eles cumpriram com nosso combinado.

Fizemos pausa para o lanche e voltamos com menos alunos, tínhamos 17 e

fomos para 12, número que foi ainda mais reduzido com a aproximação do término

da oficina. Alguns pais buscaram seus filhos mais cedo, outros saíram para brincar

no intervalo e não voltaram nem nos avisaram.

Continuamos com uma atividade em que uma pessoa falaria um número ou

uma conta que o resultado deveria ser o número de integrantes de cada grupo. Por

exemplo, se a Fran escolhesse o número 3 teríamos que formar vários grupos

contendo três integrantes cada. Eles propuseram que as pessoas que sobrassem

deveriam sair da brincadeira até obtermos um vencedor. Nós concordamos, e

repetimos a atividade por duas ou três vezes atendendo ao pedido deles.

Ao final sentamos em roda para organizarmos o planejamento da próxima

aula. Eles escolheram e escreveram na cartolina as atividades que faremos e o

tempo para cada uma delas.

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Encerramos satisfeitas com o progresso deste dia, não é fácil, creio que aos poucos

estamos conseguindo evoluir.

8) Dia 28 de maio de 2012.

Novamente, ao nos reunir em roda para o início da atividade, havia crianças

querendo participar da oficina. Cleci, coordenadora do integral, pediu-me para fazer

uma lista com os nomes dos alunos da nossa oficina. Enquanto eu escrevia os

nomes solicitados, as crianças faziam uma breve apresentação.

Seguimos para primeira atividade proposta por eles, o morto-vivo. Eu conduzi

a brincadeira de uma forma diferente da convencional. Busquei desenvolver a

lateralidade, compus a brincadeira com elementos de direita e esquerda, além do

mortíssimo, para deitarem no chão, e do vivíssimo, no qual as mãos vão ao alto.

Eles estabeleceram que conforme as pessoas fossem errando, elas iam saindo.

Alguns, que saíram da brincadeira, pediram para conduzi-la. Fiz uma sequência de

condutores conforme iam solicitando o comando.

A segunda atividade foi solicitada pelos meninos, eles queriam jogar bola.

Sugerimos, no planejamento, que nós fizéssemos um futebol imaginário para

agradar os meninos e as meninas. Começamos em roda montando nossa bola,

deixamo-la extremamente grande e depois a pintamos. Ela foi diminuindo para

conseguirmos passá-la de mãos em mãos. Primeiro ela estava pesada, com o tempo

foi ficando leve e depois pequena. A atividade foi muito divertida, conseguimos

entrar no jogo imaginário e brincar com a bola elaborada por nós.

Saímos para a hora do lanche.

Estávamos com pouco tempo e tínhamos um monte de atividades propostas

no nosso planejamento. Pedimos para as crianças escolherem duas brincadeiras na

tentativa de acabar a oficina no horário previsto. Elas escolheram a dança das

cadeiras e o mestre mandou.

Fizemos as duas atividades e seguimos para o planejamento. Nesse pedimos

para separarem uma parte do horário para uma atividade surpresa que eu e a Fran

faremos. Tivemos dificuldade para alguns dos meninos colaborarem na confecção

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do planejamento. Conversamos com esses e eles afirmaram que não ajudavam,

pois tudo que nós elaborávamos era legal.

Acredito que estamos melhorando, conseguimos criar uma maior

aproximação com a turma, apesar de sempre termos muitos alunos inconstantes.

Precisamos melhorar alguns combinados como o respeito à fala.

9) Dia 4 de junho de 2012.

Nesta segunda-feira atendemos ao pedido de algumas crianças, fizemos a

oficina do lado de fora da sala. Sentamos no pátio, em frente à nossa sala, e aos

poucos formamos uma roda. Havia vinte e quatro crianças, nós iniciamos com uma

conversa sobre o planejamento anterior para lembrar quais foram as atividades

propostas.

A primeira era a queima-dança, sugerida por uma menina que não estava

presente. Nós não lembrávamos ao certo quais eram as regras da atividade, mas

outra integrante nos lembrou. A queima-dança é parecida com a queimada habitual,

a diferença é que nessa só pode jogar a bola quando a música parar.

Minha parceira tentava organizar as equipes, enquanto eu arrumava o som.

As crianças estavam muito dispersas no pátio, conseguimos dividir as equipes com

extrema demora e dificuldade. Enfim começamos, mas durou pouco. Um grande

número de jogadores se dispersou novamente. Por esse motivo, resolvemos

cancelar a atividade e, voltamos para dentro da sala.

Sentamos em roda, algumas crianças resistiam ao nosso chamado. Eu resolvi

me calar, aos poucos as crianças foram percebendo e se sentando ao nosso lado.

Fran começou a falar quando obtivemos silêncio, disse o quanto estava chateada

com a situação que havia ocorrido. Eu disse que não entendia por que eles pediam

para entrar na nossa oficina ou para irem para fora se, quando nós atendíamos ao

pedido deles, eles bagunçavam. Falei sobre o respeito que nós temos com a opinião

e a vontade deles e a falta de respeito que eles estavam tendo conosco. Questionei

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qual solução eles tinham para esta situação, e eles disseram para tirar de sala quem

não estivesse colaborando com a oficina. Nós questionamos se era necessária uma

punição como essa para conseguirmos construir nossa oficina ou será que não

teríamos outras formas. Fran afirmou que nós sabíamos o quanto eles estavam

acostumados com essa maneira, mas que nós poderíamos criar outras formas para

trabalharmos juntos. Pausamos a conversa e deixamo-los irem para o lanche.

Quando regressamos do intervalo, fizemos uma roda para brincar de adoleta.

Ao final, fomos para o planejamento, eu achei necessário falar um pouco sobre os

combinados. Inicie dizendo o quanto era cansativo ter que chamá-los várias vezes

para podermos começar nossas atividades ou sentarmos em roda. Perguntei qual

solução poderíamos dar para isso. Eles resolveram se comprometer em fazer a roda

ao chegar à oficina, pois sempre a iniciamos assim, e também em nos ajudar a

arrumar a sala. Falamos sobre a questão da escuta e da fala. Eles afirmaram que

vão colaborar mais com a nossa oficina.

Não deu tempo de fazermos o planejamento da segunda que vem, mas

combinamos que faríamos no início da oficina seguinte.

O dia foi caótico, mas acredito que os dois momentos de conversa com eles foi

enriquecedor e necessário para os próximos encontros.

10) Dia 11 de junho de 2012.

Este dia foi um pouco diferente. Eu arrumava as cadeiras quando um grupo de

crianças entrou na sala dizendo que não queriam participar mais da oficina. Da

seguinte forma (diálogo abaixo elaborado pela Fran com minha ajuda):

Dani: Por que, gente?

E: Porque lá fora é mais divertido. Vocês não podem nos obrigar a ficar na oficina.

Dani: Calma, gente! Vamos sentar e conversar sobre isso.

Várias Crianças: Ah não!

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(Aos poucos conseguimos sentar para conversarmos)

E: - Professora, a gente quer sair da oficina! Não é que a gente não gosta da oficina,

mas é porque lá fora é mais legal.

Fran: - por que lá fora é mais legal?

E: - porque a gente pode fazer o que a gente quiser, pode jogar queimada,

conversar, dançar vários ritmos diferentes.

Fran: - mas gente, quem é que faz o planejamento das atividades da oficina?

(silêncio) São vocês que escolhem no final da oficina, quais as atividades que vão

acontecer na semana seguinte. Vocês escolhem todas as atividades e eu e a Dani

ficamos com uma atividade surpresa pra vocês. E qual que foi a atividade da

semana passada? (silêncio) Queimada com música.

V: - Lá fora é mais divertido!

E: - aqui na sala é quente, é abafado!

Fran: - Eu também acho! O que acontece gente: Semana passada a gente decidiu

fazer a atividade no pátio e foi muito difícil porque vocês ficaram muito dispersos. Eu

e a Dani não conseguíamos falar e reunir vocês porque ficava cada um pra um

canto.

E: Ah não, é muito chato! ...

Fran: - Gente, deixa eu explicar uma coisa pra vocês: No Integral, vocês tem no

período da manhã as aulas e à tarde não é um momento pra vocês ficarem à toa na

escola, sem fazer nada.

Dani: - Não é porque aqui a gente tenta fazer coisas divertidas que não estamos

aprendendo ou produzindo algo. O momento da manhã é de estudo, mas de tarde

também! É uma escola só. A gente tenta fazer algo divertido mas aprendendo,

estamos aprendendo a lidar com os outros, a tomar decisões coletivas, a escutar.

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Na recreação, lá fora, vocês podem até aprender, mas aqui nosso objetivo é a

aprendizagem e não só o brincar por brincar.

I: - professora, eu não estudo mais aqui na escola mas eu vou começar a vir no

Integral. Quando eu estudava aqui, sempre teve oficina de Corpo e Movimento e era

muito legal. A professora fazia com a gente a atividade que a gente queria e depois

a gente fazia uma atividade dela.

Fran: - como que você se chama? Então I, legal isso que você está falando. ( e

expliquei novamente como acontece o planejamento de cada encontro, tentando

mostrar que no nosso grupo eles também tem espaço para escolher as brincadeiras

que querem).

Dani: - Eu acho que nós poderíamos atender ao pedido de vocês desde que se

comprometam a fazer a atividade, escutando quando formos falar com vocês,

porque nossa última saída não foi boa. Mas se vocês realmente fizerem o

combinado que vão colaborar, nós podemos fazer uma atividade lá fora.

M: Mas você disse que não iríamos mais sair.

Dani: Eu disse, pois da outra vez foi muito difícil, mas se vocês se comprometerem

nós podemos entrar em um acordo. .

Momento de negociação (ver aonde entra a parte da sugestão da queimada maluca)

M: - professora, vamos lá pra fora primeiro porque depois do lanche, depois de

comer vai ser ruim ir lá pra fora correr.

Fran: tudo bem então! (eu e Dani consentimos juntas com a cabeça)

Dani: gente, então está combinado?! A gente vai agora lá pra fora e depois do

intervalo vamos a atividade surpresa que eu e a Fran tínhamos preparado . Vamos

então assinar o nosso Combinado? (burburinho... sim... não!)

M: professora, parece fichamento!

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Fran: - Vixi, é mesmo?

Dani: - então, vamos deixar?! Vai demorar...

Crianças: Vamos! Vamos!

Tivemos o auxílio de um dos monitores na condução das crianças para um

amplo gramado, localizado do lado de fora da escola. Éramos vinte duas pessoas,

eu preferi não participar da queima-senta, pois estava gripada e preferi me poupar.

Fiquei de juíza. Tivemos alguns conflitos, normais, durante a brincadeira em relação

às regras, mas entramos em acordos.

Conseguimos fazer uma rodada completa da queimada e a outra teve que ser

interrompida para o momento do lanche.

Ao voltarmos para sala iniciamos uma roda dando balões para eles encherem,

iríamos fazer uma dinâmica parecida com a que fizemos com os professores e

participantes da oficina no início do projeto.

Fran levou um CD do grupo “Palavra Cantada” para dançarmos por ele.

Reunimos uma roda, e minha parceira iniciou explicando como seria a atividade e

pedindo para não esfregar os balões e deixá-lo seguir seu rumo. Ela entregou os

balões e foi botar o CD no som da escola, contudo o som não funcionou. Foi atrás

de outro som da escola, enquanto isso as crianças brincavam com os balões

batendo com ele na cabeça dos outros. O outro som não funcionou, e tivemos que

cancelar a atividade.

Novamente conversamos com ele sobre o acordo que tínhamos feito sobre

colaborar com a oficina e que eles não tinham cumprido o combinado. De qualquer

forma o som não ter funcionado colaborou com a bagunça, já que perdemos tempo

tentando fazê-lo funcionar, sem êxito.

Encerramos a oficina e tivemos ajuda de alguns para arrumar as cadeiras.

Gostei do fato deles colocarem a insatisfação em querer fazer atividades ao lado

de fora e combinarem que iriam colaborar conosco, apesar de não terem colaborado

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dentro de sala, ao menos ajudaram quando fomos para fora. Acredito já ter sido uma

pequena conquista.

11) Dia 25 de junho de 2012.

Chegamos e fomos para nossa sala, enquanto Fran permaneceu nela, com

algumas crianças, eu fui chamar o restante. Comunicamos aos integrantes que

faríamos a atividade no gramado, já que eles preferiam, e pedimos a colaboração

deles.

Encaminhamo-nos para lá, fizemos uma roda e eu comecei explicando. Iríamos

inicialmente marchar contando um, dois, três e quatro. Contudo só contaríamos o

número quando batêssemos com a perna direita no chão. Fizemos isso por alguns

instantes, depois eu acrescentei dizendo que continuaríamos marchando, mas no

“um” bateríamos palmas. Fizemos e às vezes eu intervia com alguns ajustes. Dei

continuidade com o número dois batendo a mão direita na perna direita e depois o

três permaneceríamos em silêncio. Alguns tinham um pouco de dificuldade

esquecendo que no “três” faríamos silêncio, mas normal. Pedi para que me

dissessem o que fazer no “quatro”. Um dos meninos sugeriu que cruzássemos os

braços. Continuamos nossa sequência com o novo movimento. Vi uma menina

fazendo movimentos muito legais e chamei a atenção para que nós

aproveitássemos o que ela fez. Era da seguinte forma: No “um” abrimos as pernas,

no “dois” cruzamos, no “três” abrimos novamente, no “quatro” tocamos o chão, no

“cinco” levantamos a cabeça... Terminamos de montar os movimentos até o número

oito da primeira e da segunda sequência e depois emendamo-las.

Fran pediu para que eles inventassem uma brincadeira que tivesse movimento

presente. Eles ficaram um pouco dispersos até que decidiram brincar de pique-

bandeirinha. Um menino e uma menina dividiram as turmas com muita dificuldade,

nós decidimos não interferir para que eles pudessem se organizar, ainda que

demandasse um bom tempo. Depois de muita discussão sobre como dividir os

times, enfim conseguiram se organizar. Começamos mas logo tivemos que parar

para lanchar.

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Quando voltamos do lanche, tive uma conversa com eles. Expliquei que seria meu

último encontro desse semestre, pois o próximo (que será o último dia do integral

antes do recesso) eu não poderei ir. Agradeci pelos momentos que estivemos

juntos, mas que no semestre que vem eu iria continuar com eles. Pedi para que

tirássemos uma foto de recordação e fossemos para o gramado brincar de queima-

senta.

A brincadeira começou e o P bateu na E, fui falar com o P. Ele apresentou

muita resistência pra falar comigo, dizia que eu não via quando batiam nele, mas

sempre que ele batia em alguém, eu via. Conversei com ele, dizendo que eram

muitas crianças e eu não podia ver todos ao mesmo tempo, mas que naquele dia

mesmo eu tinha visto outro colega batendo nele e tinha intervido. Pedi pra que ele

fosse conversar com a E, falar pra ela que ele não estava gostando, pedir para ela

parar de bater e se comprometer a não brigar também. Outro colega se aproximou

de nós falando para o P ir falar com a E, para refazerem a amizade, pois não tinham

o porquê de ficarem brigados. Chamamos a E, ela pediu desculpa e ele também.

Achei incrível a consciência do colega que veio me ajudar, ele contribuiu muito para

reaproximação dos dois.

Voltei para brincadeira depois dessa intervenção, percebi que algumas

pessoas se uniam para queimar outras, mas as uniões também se dissolviam

formando novas. Foi bem divertido! Eu corri um “bucado” e as crianças também!