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O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO CAPITALISTA NO SÉCULO XX: APROXIMAÇÕES ÀS IMPLICAÇÕES SOBRE A CLASSE TRABALHADORA Maria Dalva Casimiro da Silva Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense – UFF/PURO [email protected] Lourival Souza Felix Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de Londrina – UEL E-mail: [email protected] RESUMO Neste artigo apresentamos a nossa análise acerca do desenvolvimento do modo de produção capitalista no século XX destacando em nossa pesquisa as múltiplas formulações do Estado e a sua construção enquanto instrumento de reafirmação do capital. Há que se compreender que nas contradições imanentes ao capitalismo, o Estado assume uma funcionalidade que, no processo histórico de seu desenvolvimento, não nos permite atribuí-las, aos interesses das classes trabalhadoras e de seus segmentos. Ao contrário, seus mecanismos e estratégias apresentam íntimas e reservadas relações com o ideário burguês, cujos interesses vêm sendo mantidos e fortalecidos, à longa data, não por uma, mas pelas múltiplas “ofensivas do capital” nos marcos das relações sociais capitalistas situadas no cenário contemporâneo. Neste sentido, o Estado tem uma identidade que não está vinculada aos objetivos das classes populares, da classe que vive do trabalho ou dos grupos sociais organizados, mas sim das classes dominantes, que vivem da exploração do trabalho e da dilaceração dos direitos sociais. Nos servimos do materialismo histórico dialético enquanto referencial a fim de apreendermos criticamente a imanência do objeto analisado considerando a realidade em sua dinamicidade e a partir das suas contradições por meio do pensamento marxiano de autores contemporâneos. 1 – Relações de Produção Capitalista e a sua articulação com as formulações do Estado Moderno: antecedentes históricos.

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O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO CAPITALISTA NO SÉCULO XX: APROXIMAÇÕES ÀS IMPLICAÇÕES SOBRE A CLASSE TRABALHADORA

Maria Dalva Casimiro da Silva

Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense – UFF/PURO

[email protected]

Lourival Souza Felix

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de Londrina – UEL

E-mail: [email protected]

RESUMO Neste artigo apresentamos a nossa análise acerca do desenvolvimento do modo de produção capitalista no século XX destacando em nossa pesquisa as múltiplas formulações do Estado e a sua construção enquanto instrumento de reafirmação do capital. Há que se compreender que nas contradições imanentes ao capitalismo, o Estado assume uma funcionalidade que, no processo histórico de seu desenvolvimento, não nos permite atribuí-las, aos interesses das classes trabalhadoras e de seus segmentos. Ao contrário, seus mecanismos e estratégias apresentam íntimas e reservadas relações com o ideário burguês, cujos interesses vêm sendo mantidos e fortalecidos, à longa data, não por uma, mas pelas múltiplas “ofensivas do capital” nos marcos das relações sociais capitalistas situadas no cenário contemporâneo. Neste sentido, o Estado tem uma identidade que não está vinculada aos objetivos das classes populares, da classe que vive do trabalho ou dos grupos sociais organizados, mas sim das classes dominantes, que vivem da exploração do trabalho e da dilaceração dos direitos sociais. Nos servimos do materialismo histórico dialético enquanto referencial a fim de apreendermos criticamente a imanência do objeto analisado considerando a realidade em sua dinamicidade e a partir das suas contradições por meio do pensamento marxiano de autores contemporâneos. 1 – Relações de Produção Capitalista e a sua articulação com as formulações do Estado Moderno: antecedentes históricos.

Ao analisarmos o desenvolvimento das relações de produção no capitalismo do século XX não podemos deixar de considerar a constituição do Estado Moderno, cujo formato foi se forjando gradativamente ao longo dos séculos XVII e XVIII, coincidindo com a formação do Capitalismo. A junção dos seus interesses passaram a traçar uma sociedade que desse espaço ao aspecto público frente ao privado, que enfatizasse a conquista da cidadania, com relação à condição de súdito, que destacasse os códigos gerais em contraposição aos regimentos estamentais e que passasse a promover as relações impessoais de mercado em substituição às relações pessoais de troca e do clientelismo (Magalhães, 2005, p.129). Esse novo cenário anunciava a insurgência do homem portador de direitos contra o regime absolutista e o domínio, por uma classe, de uma sociedade conformada pelo ideário liberal (Couto, 2010, p.38). O Estado Moderno, no contexto da Europa Ocidental passou a existir a partir de uma estrutura organizativa da sociedade e das associações nela estabelecidas pelos indivíduos. A esse novo Estado lhe foi conferido também o papel de autêntico aparelho de gestão do poder. Na perspectiva do pensamento crítico de Marx a Gramsci, trata-se de uma organização criada para regular as relações sociais e neutralizar as situações de conflito, ou melhor, camuflar as lutas entre as classes antagônicas, colocando-se à disposição das forças dominantes que, na estrutura social reconhece os seus interesses enquanto legítimos e os impõem como sendo de interesse geral para todos os indivíduos. Considerando o processo histórico que inaugura a passagem do feudalismo para o modo de produção capitalista, Marx e Engels (2005) afirmam: Vimos, portanto, que os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da sociedade feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade feudal produzia e trocava – a organização feudal da agricultura e da manufatura, em suma, o regime feudal de propriedade – deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-la. Transformaram-se em outros tantos grilhões que era preciso despedaçar; e foram despedaçados. (...) Em seu lugar, surgiu a livre concorrência, com uma organização social e política apropriada, com a supremacia econômica e política da classe burguesa (Marx; Engels, 2005, p.44-45). Considerando a composição do Estado Moderno, pode-se identificar o novo significado assumido pela esfera privada, considerando-a, neste caso e principalmente, como o espaço das classes antagônicas, a partir de então, associada ao mercado e ao desenvolvimento das atividades econômicas, ou, de outro modo, das forças produtivas tendo como base fundante a produção e reprodução da riqueza material. A ideia de homem livre e de liberdade passa a ser difundida e compreendida de acordo com as necessidades do trabalho e à exploração da mão-de-obra assalariada – atendendo-se aos mecanismos do mercado sem restrições – daí o interesse em transformar o escravo em

“homem livre” – longe da subalternidade conferida a um “senhor”, todavia, imbricado à submissão de um novo modo de produção. A partir dessas colocações apresentaremos o Estado Moderno vinculado ao ideário burguês pondo em relevo as suas várias facetas.

- Estado Liberal do Século XVIII ao XX

O Estado Liberal constitui-se em uma das facetas do Estado Moderno e pode ser compreendido a partir do ideário liberal que, de acordo com Couto (2010) tem como aspectos basilares a autonomia e a liberdade cujas explicações seguem abaixo. De acordo com Couto (2010),

O conceito de autonomia indica o ato de estar livre de coerção. Implica que a escolha feita pelo homem não seja impedida de realização por outros, sejam eles homens ou instituições, e se realize através do exercício de liberdades. Assim, a autonomia materializou-se, no curso da história, primeiro pela liberdade da opressão como interferência arbitrária, noção esta que estava associada à fruição de direitos estabelecidos, configurando-se em liberdade como intitulamento. Após, a autonomia vinculou-se à liberdade política, que é consubstanciada pela participação dos indivíduos na administração dos negócios da comunidade em qualquer nível (Couto, 2010, p.39).

Aqui nasce uma nova concepção de liberdade individual calcada na participação política e na constituição de um espaço autônomo, identificada, principalmente, pela não ingerência do Estado. Couto identifica uma polaridade entre liberdade positiva e negativa. Segundo a autora,

A liberdade negativa traduziu-se pela não-interferência nas escolhas individuais e pode ser entendida como significando independência. Já a positiva está vinculada à ideia de decisão com autonomia. Enquanto a negativa representa a liberdade de, a positiva, a liberdade para, conformando as duas um mesmo campo, onde liberdade como independência e autonomia resulta no sentido da autodeterminação (Couto, 2010, p.40).

Podemos identificar a referida polaridade nas mais variadas concepções de liberdade e também de autonomia desenvolvida pelos pensadores liberais e, consequentemente, na definição do termo liberal. Desenvolvida por três escolas do pensamento liberal, Couto (2010, p.41) nos apresenta a definição de liberdade na concepção francesa, inglesa e alemã, como disposto no quadro abaixo:

Fonte: Couto, B.R., 2010.

O conceito de liberdade foi desenvolvido de formas distintas por cada uma das escolas descritas, sendo compreendida como ausência de coerção ou de obstáculos externos (Hobbes), na concepção inglesa; como autodeterminação (Rousseau) no ideário francês, e, no caso alemão, como liberdade política, salientando a importância da autonomia, e um desdobramento do potencial humano (Humboldt). Merquior (1991) resume da seguinte forma:

A teoria inglesa dizia que a liberdade significava independência. O conceito francês (de Rousseau) consistia em que liberdade é autonomia. A escola alemã replicou a isso que a liberdade é realização pessoal. O ambiente político da teoria francesa residia no princípio democrático; e o da teoria alemã era o Estado “orgânico”, uma mistura de elementos tradicionais e modernizados (Merquior, 1991, p.32).

Com isso, Merquior nos ajuda a identificarmos dois grandes padrões liberais presentes na história concreta da relação entre Estado e Sociedade. Trata-se de dois paradigmas que por fim, acabaram por direcionar o processo de desenvolvimento da esfera política em todo ocidente. O autor se refere aos paradigmas inglês e francês cujas bases de sustentação se firmavam, no primeiro caso, na limitação do poder estatal e, contrariamente, no fortalecimento da autoridade estatal a fim de que se garantisse a igualdade perante a lei, na realidade francesa (Merquior, 1991). Outra contribuição, não menos importante, é a reflexão desenvolvida por Malfatti (1998, p. 62-63) acerca das concepções liberais. O autor identifica dois grandes grupos de liberais cujo pensamento serviu como referencial para novas elaborações

34 De acordo com Couto (2010) autotelia significa a realização pessoal por meio do desdobramento do potencial humano (p.40).

Escola Concepção de liberdade Influência Pensadores Francesa Auto determinação Revolução Francesa Rousseau, Montesquieu e

Constant.

Inglesa

Ausência de coação Revolução Gloriosa

Iluminismo Hobbes. Locke, Bentham, Mill, Adam Smith e David

Ricardo

Alemã Liberdade política e

realização da autotelia34 -

Humboldt, Kant, Hegel

teóricas contemporâneas. Nesta concepção, há dois grupos compostos por liberais: os conservadores e os sociais.

LIBERAIS CONSERVADORES

LIBERAIS SOCIAIS

Dão ênfase à liberdade econômica, valorizando a liberdade política, porém, colocando-a em segundo plano.

Priorizam a liberdade política, dando maior importância e defendendo certa intervenção estatal

Defendem uma constituição que diga o que não se deve fazer, sendo-lhes permitido todo o resto.

Querem uma definição do que deve e do que não deve ser feito.

Confiança ilimitada no mercado.

Defendem a intervenção no mercado a fim de distribuir a produção dos bens.

Nada pode substituir a ação do mercado.

Deve haver uma limitada intervenção estatal, a fim de promover uma justa distribuição dos bens.

Fonte: Malfatti, S.A., 1998.

Uma concepção mais detalhada nos é apresentada por Merquior (1991) acerca das várias correntes do pensamento liberal, distinguindo-o em: Liberalismo Clássico, Liberalismo Conservador, estando este dividido em: Liberalismo Conservador Evolucionista e Semiliberalismo, Novos Liberalismos, sendo esta categoria composta por: Liberalismo Social e Liberalismo de Esquerda; e, por fim, o Neoliberalismo. Com isso, Merquior (1991) não nos deixa dúvida de que, por mais que o liberalismo tenha se fracionado em distintas vertentes e modos a fim de sustentar o modo de produção capitalista (abrangendo desde um ultra liberalismo a um liberalismo de esquerda), em sua essência, nunca deixou obscurecida a ideia de homem livre e autônomo. Acredito ser este o grande marco do liberalismo e que, historicamente, preserva, em um certo grau de imanência, as profundas marcas dos antagonismos entre as classes hegemônicas e as classes subalternas. Na esfera dos direitos e de sua garantia, Couto (2010) destaca que,

(...) os liberais clássicos defendem que os direitos devem ser exercidos somente pelos cidadãos livres e autônomos, e não por aqueles que vivem da venda de sua força de trabalho, não podendo, portanto, requeres esses direitos. Essa ideia restringe o usufruto dos direitos a apenas aqueles homens que eram proprietários tanto da terra como dos meios de produção, o que os colocava no patamar de liberdade e autonomia necessária para exercer esses direitos. Quanto aos trabalhadores, a ideia é de que sua situação de subordinação a quem o emprega limita sua capacidade de discernimento, devendo, portanto, ser impedido do usufruto dos direitos civis e políticos (Couto, 2010, p.43).

Considerando, ainda, o liberalismo clássico, temos em Adam Smith outra marca maior do liberalismo que é a ideia de liberdade, autonomia e progresso atrelada à não intervenção do Estado no mercado. Para este pensador (e para outros tantos liberais

contemporâneos), o mercado é o único que apresenta condições objetivas de autodesenvolvimento humano (Couto, 2010, p.43). Interessante analisarmos a relação que este pensador estabeleceu com o contexto de sua época a fim de revolucionar o pensamento político na esteira do século XVIII. Somente assim, poderemos compreender a economia política clássica, como o alicerce para a consolidação do liberalismo e da economia contemporâneos combinados com o papel exercido pelo Estado e pelo mercado. Adam Smith (1723-1790) ao longo de sua vida se dedicou à investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, o que originou a sua conhecida obra intitulada A Riqueza das Nações (1776). Com ela Smith fundou a economia política, tornando esta, a primeira ciência de sua época a se desvincular da filosofia. O seu ideário, formulado a partir do pensamento econômico vigente na Europa remonta o período em que prevaleciam doutrinas que em seu conjunto compunham as ideias mercantilistas. Segundo este ideário,

(...) a riqueza de uma nação dependia, principalmente, do seu comércio exterior. A riqueza era concebida como sendo essencialmente constituída por moeda, e o volume de moeda num país não produtor de metais preciosos (como era o caso de todos na Europa) dependia de sua balança comercial. Na medida em que um país importasse menos do que exportasse, haveria uma entrada líquida de moeda, o que elevaria seu numerário, ou seja, sua riqueza. A política correta do soberano era, então, estimular de todas as formas a exportação, inclusive formando companhias privilegiadas de comércio e adquirindo colônias, e restringir ao máximo as importações (Smith, 1978, p. VI-VII).

Apropriando-se das ideias de Petty, Smith estabeleceu a diferença entre valor de uso e valor de troca das mercadorias. Singer (1978), ao prefaciar a obra Os Pensadores, direcionada ao pensamento econômico de Adam Smith afirma que, o valor de uso, na ótica do pensador liberal, constituinte da riqueza de uma nação, não guarda estreitas relações, necessariamente, com o valor de troca. Assim temos, nas palavras de Singer, que,

A riqueza de uma nação é expressa pelo seu produto per capita, o que é comumente aceito até hoje. (...) a utilidade de uma mercadoria, ou seja, a sua capacidade de satisfazer necessidades humanas, não é o fundamento do seu valor de troca, isto é, da quantidade de outras mercadorias que em troca dela podem ser obtidas. O valor de troca reflete o trabalho gasto na produção da mercadoria, donde Smith conclui que é “o trabalho anual de cada nação o fundo que originalmente a supre de todas as coisas necessárias e convenientes à vida” (Singer, 1978, p. X).

Ao se basear na teoria do valor-trabalho, desenvolvida por Petty ao longo do século XVII, Smith mostrou que a produtividade do trabalho vinculada ao grau de especialização ou, à extensão alcançada pela divisão do trabalho, seria condição sine

qua non para o crescimento da riqueza de uma nação. Antecipando-se aos acontecimentos pertinentes à Revolução Industrial, o pensador liberal já associava a divisão de trabalho a todos os seus elementos que mais tarde seriam considerados por Marx em O Capital (1867) em sua crítica ao modo de produção capitalista, à economia política e à teoria do valor-trabalho desenvolvida pelo próprio Smith. Tais elementos baseiam-se: 1 – no aumento da destreza; 2 – na economia de tempo e, 3 – no aperfeiçoamento do instrumental.

Temos aqui os aspectos iniciais que caracterizam o pensamento de Smith e que constituem a base do liberalismo econômico moderno e contemporâneo apresentado anteriormente por Merquior (1991):

A lógica da análise de Smith consiste na divisão do trabalho que depende da extensão do mercado, que é limitado por toda sorte de obstáculos opostos ao comercio externo e interno de cada nação. Refuta a tese mercantilista de que no comércio internacional, o que um país ganha o outro perde. Para ele, à medida em que o comércio expande a divisão do trabalho, todos os participantes ganham porque se beneficiam do aumento da produtividade do trabalho. Smith conclui que a política livre cambista deve ser posta em prática, pois só ela conduz ao desenvolvimento das forças produtivas. Deve-se, para isso, remover as barreiras ao comércio interno: as regulamentações corporativas, que vedam o exercício de numerosos ofícios aos que não passaram por longos períodos de aprendizado, as “leis dos pobres” que impedem a migração dos trabalhadores de uma paróquia a outra, etc. (Singer, 1978, p. VII).

O pensamento de Smith contribuiu sobremaneira para o processo de acumulação de capital e para a formulação das novas vertentes do liberalismo, demarcando as suas características e, consequentemente, o formato socioeconômico da sociedade moderna. O fulcro liberal predominante continha, em suas origens, os seguintes princípios, de acordo com Malfatti (1998, p. 67-68);

- Filosóficos: o liberalismo se propõe a garantir a liberdade, que pode ser compreendida em liberdade negativa, na concepção de alguns teóricos, e liberdade positiva, de acordo com as distinções apresentadas anteriormente. Aqui prevalece a defesa de um humanismo que considera o homem dotado de um alto grau valorativo. Metodologicamente, considera o individualismo, refutando a ideia de leis históricas ou holismo (consideração do indivíduo e da realidade em sua totalidade);

- Políticos: defesa do Estado de Direito considerando a legitimidade de um governo só é possível a partir do consentimento dos indivíduos que compõe uma sociedade. O Estado representativo fundamenta-se na representação dos interesses das maiorias sendo este processo organizado por partidos políticos.

- Sociais: defesa do pluralismo, da tolerância civil e religiosa, dos serviços sociais civis (registros de nascimento, casamento e óbito, por exemplo) e da igualdade de direitos do homem e da mulher.

- Econômicos: defesa de um mercado sem restrições. Compreensão do trabalho enquanto fonte de riqueza (para todos?), dignidade, direito e dever de todos (não seria este parte do discurso burguês cujo lema na “era do progresso industrial” era - o trabalho dignifica o homem – como forma de controlar a mão de obra operária que já se encontrava em um profundo processo de heteronomia?). A propriedade privada é considerada a melhor estrutura para a atividade econômica, uma vez garantindo a liberdade. O lucro deve ser o maior estímulo para o trabalho e o progresso (ou a extração da mais valia a partir da desapropriação, ou do estranhamento entre o trabalhador e a mercadoria – fruto do seu trabalho?). Minimização da intervenção do Estado, sendo este substituído pelos indivíduos – dotados de liberdade e de autonomia. Ao Estado cabe a atividade de “suplente” nas áreas da Saúde, Educação e Segurança. Outras ingerências devem estar definidas em lei, sendo justificadas e limitadas no tempo e no espaço (Malfatti, 1998, p.68). Seguimos adiante na abordagem acerca do Estado de Bem Estar Social desenvolvido pelo Liberalismo de Esquerda, que se opões às ideias do Liberalismo Clássico de Adam Smith a partir das concepções de John Maynard Keynes e a formulação do keynesianismo. Importante mencionar que, por mais evidentes que fossem as divergências entre as duas concepções liberais, ambas preservavam em seu interior os interesses de manutenção do modo de produção capitalista e o seu controle pelas classes hegemônicas.

– As relações de produção capitalista na era dos monopólios

Durante o período compreendido entre fins dos séculos XIX e início do XX, ocorreu a transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. É nesse último que se colocam de forma mais acentuada as contradições do capitalismo que norteiam a exploração da classe trabalhadora. Essa nova organização do capitalismo em monopólios permite o acréscimo dos lucros do capital através do controle dos mercados (Netto, 2011, p. 20). Existe nesse momento uma tendência em relação ao acréscimo dos preços das mercadorias e o forte investimento em novas tecnologias, contribuindo para diminuição dos postos de trabalhos nas fábricas. No capitalismo monopolista há uma maior concentração de riqueza. Intensificam-se as contradições entre as classes antagônicas no capitalismo, pois há um ápice de contradições entre a socialização da produção e a apropriação privada dos meios de

produção. Permanecem os proletários sendo os produtores diretos, mas a eles não pertence a produção. Consoante à visão de Braverman (1980), na era dos monopólios ocorre a centralização do capital, juntamente ao processo de condensação de vários pequenos capitais em poucos grandes capitais. Assim sendo, ultrapassa sua forma pessoal limitada e limitadora, passando a uma forma institucional. Dessa forma prevaleceu a lógica do grande capital, no qual o processo de formação dos monopólios ocorre na medida em que os pequenos capitais são sugados, isto é, com o processo de monopolização aglutina-se a propriedade privada em um pequeno grupo que se torna dominante. O movimento da sociedade capitalista, como aponta Braverman (1980), ao impulso de inovar produtos diversos no aspecto econômico, em novos serviços e em novas indústrias implicam em novos processos de trabalho, como por exemplo: o rádio e a televisão que provocam novas necessidades de alteração nos instrumentos de produção dessas novas mercadorias. Além disso, determina a criação de novas categorias de trabalhadores, como é o caso dos radialistas e técnicos em televisão, dentre muitos outros. Essas necessidades e determinações de novos ramos ocorreram de forma generalizada. É por isso que o mercado passa a se tornar universal, a partir da expansão das mercadorias com as prestações de serviços, que são exemplos típicos do capitalismo monopolista. De acordo com Netto (2011), para o capitalismo se organizar na era de monopólios é necessário mecanismos extraeconômicos, como a contribuição do Estado para reproduzir a lógica do capital. Lucrar constantemente sobre a produção e principalmente sobre o seu produtor; o proletário, é a lógica do capitalismo monopolista: (...) a intervenção estatal incide na organização e na dinâmica econômica desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com suas funções econômicas (Netto, 2011. p. 25). A intervenção do Estado incide essencialmente na questão econômica. O Estado intervém com funções diretas e indiretas. Vejamos as funções diretas. No capitalismo monopolista o Estado é orientado para quando “empresas” estatais entrarem em dificuldades, a solução seja privatizá-las e subsidiar com dinheiro de fundos públicos o financiamento aos monopólios para a empresa antes estatal sair da ruína e, permitir cada vez mais melhores condições para ela aumentar sua produtividade. Enquanto nas funções indiretas; o Estado contribui para o crescimento do capital, por meio das encomendas-compras que o Estado realiza com as empresas privadas, com os investimentos públicos em meios de transportes e infraestrutura, com a preparação institucional da força de trabalho ao capital e com os gastos com investigação e pesquisa (Netto, 2011, p. 25-26).

O Estado oportuniza ao capital as possibilidades de gerar lucros maiores, atuando explicitamente como instrumento de organização da economia capitalista. Em épocas de crises, essa intervenção se torna mais explícita. E, além de qualificar a força de trabalho para servir ao capital com instalações de centros de ensino, de qualificação profissional entre outras, o Estado tem a responsabilidade de zelar pelas boas condições dos trabalhadores com atendimento médico e unidades básicas de saúde. Netto (2011) afirma que o capitalismo e o Estado ao se articularem, efetivam uma proposta de aumento da produção do capital, cuja finalidade é de trabalhar para neutralizar a classe operária, trabalho este que pretende estabelecer “consenso” entre classes antagônicas, burgueses e proletários, com garantias mínimas de direitos à classe trabalhadora.

A constituição do Estado de Bem Estar Social: interesse de quem e para quem?

O Estado de Bem Estar Social está associado ao keynesianismo, conjunto de concepções desenvolvidas pelo economista liberal John Maynard Keynes (1883-1946) que teve a sua maior expressão a partir da obra intitulada A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936). Suas ideias estão relacionadas ao contexto de sua época, caracterizado pelo desemprego, por deflações de preços e pela contração da produção industrial (Silva, 1996). Essas crises ocasionadas pelo colapso econômico de 1929 e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) fizeram com que as sociedades capitalistas avançadas aderissem parte das propostas da socialdemocracia35, forjando-se um mínimo de consenso em relação ao seu projeto de universalização do acesso aos serviços públicos e à instauração de uma ampla rede de proteção social. Neste caso, levou-se em conta o caráter economicamente funcional dessas medidas para a retomada do circuito de produção e consumo de mercadorias e serviços. O Estado de Bem Estar Social, assumiria, então, duas funções concomitantes, que consistiam na criação de condições: para a distribuição e consumo considerando a força de trabalho, e; para a circulação, atendendo as necessidades do capital (Montaño; Duriguetto, 2010, p.162). O que ocorreu foi uma incorporação parcial dos princípios socialdemocratas aos interesses inerentes à manutenção do modo de produção capitalista, mediatizada por uma crise precedida de sua superação. Nesta ótica, em busca das explicações sobre as referidas crises, por meios analíticos, Keynes (1996) tentou fundamentar teoricamente o que seriam suas iniciais sugestões acerca da intervenção do Estado. Esta poderia ser uma geradora de demandas a fim de garantir os níveis elevados de emprego. Silva (1996) nos afirma que

35 Sobre as concepções da social democracia europeia podemos consultar o estudo realizado pelo cientista político Adam Przeworski (1995). A partir de uma abordagem histórica o autor analisa todo o processo de desenvolvimento do ideário de origem marxista, combinados com princípios liberais moderados.

(...) inúmeros economistas de orientação ortodoxa também advogaram gastos públicos para combater o desemprego, a exemplo de Pigou e Robertson. A crítica de Keynes se concentra na inconsistência entre os fundamentos teóricos desses autores, de um lado, e suas recomendações práticas, de outro (Silva, 1996, p.9).

A intervenção do Estado na economia consistia em um fator de monta para o bom funcionamento do modo de produção capitalista. Keynes acreditava que a intervenção estatal complementaria a ação e o funcionamento do mercado. Assim, seriam possíveis o alcance máximo do nível de emprego e a maximização do nível de bem-estar da coletividade (Silva, idem, p.20). Para Keynes (1996) o Estado deveria criar todas as condições econômicas para promover a circulação de capital por meio do consumo e do incentivo ao investimento em atividades produtivas pelo capitalista. Cabia ao Estado, (...) criar condições econômicas para reduzir as incertezas e ampliar as expectativas de venda e de lucro, reduzindo os juros, aumentando o capital circulante, promovendo o consumo, e assim incentivando o capitalista a investir na atividade produtiva (Montaño; Duriguetto, 2010, p.56). Expressara-se, portanto, a partir do Welfare State a grande motivação para o consenso, que era o de “atenuar as características mais nocivas do capitalismo”, em uma conjuntura de intensificação do confronto entre os blocos capitalista e socialista durante um momento da história em que denominamos de Guerra Fria, ocorrida entre 1946 e 1989, com o intuito de inviabilizar a propagação dos ideais mais radicais de nivelamento social implícitos na campanha socialista. A partir das suas análises iniciais, Keynes (1996) (propôs a incorporação do ideário socialista de planificação econômica prevendo as funções que o Estado deveria exercer para a superação da crise. Caberia ao Estado, antecipar receitas e gerar déficit, movimentando a economia e mantendo a demanda.

O Estado deverá exercer uma influência orientadora sobre a propensão a consumir, em parte através de seu sistema de tributação, em parte por meio da fixação da taxa de juros e, em parte, talvez, recorrendo a outras medidas. Eu entendo, portanto, que uma socialização dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas, fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. (...) Ademais, as medidas necessárias de socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade. (Keynes, 1996, p. 322).

Keynes (1996) defendia ser as grandes crises do capital um acontecimento estrutural provocado pela retração da demanda. Para ele falta de uma regulação externa do mercado ocasionava a exploração desenfreada da mão de obra. Decorrente da elevação no nível de exploração dos trabalhadores houve a redução da capacidade salarial tanto pelos efeitos inflacionários quanto pela elevação do desemprego. O baixo poder de compra impedia que os maiores consumidores das mercadorias vendidas no mercado – os próprios trabalhadores - usufruíssem de sua aquisição, havendo, o que Keynes chamou de “crise de demanda”. Como solução, somente o Estado, enquanto instituição política podia superar as limitações do mercado nos momentos de crise. A teoria keynesiana de regulação da economia inaugurara, dessa forma, o Estado de Bem-Estar Social, a partir da incorporação dos princípios de solidariedade desenvolvidos pela esquerda sindical europeia, e dos interesses de uma racionalidade burocrática capitalista.

- As formulações da ideologia neoliberal

O ideário neoliberal passou a ganhar espaço com a supressão do Estado de Bem-Estar Social, vigente entre os anos de 1945 (pós-guerra) e 1970. A sua bandeira principal – Menos Estado e mais mercado – consistia na acusação de que o Estado era o grande responsável pela crise que se instalara nos países de capitalismo avançado a partir da década de 1970, corroborando para o desenvolvimento do neoliberalismo. Na concepção de Montaño e Duriguetto (2010), a crise do Welfare State36 está exatamente vinculada à necessidade do modo de produção capitalista, que, para a sua manutenção e reprodução, partindo-se para o estágio mais elevado de exploração e de acumulação de capital, elimina gradativamente as conquistas sociais obtidas pelo conjunto da classe trabalhadora. Se, num dado momento, as necessidades mais expressivas da ordem capitalista demandaram certa abertura democrática, após a superação dessas necessidades houve a retomada dos processos antidemocráticos que, de fato, se traduz na marca central do desenvolvimento capitalista, incompatíveis com os interesses mais gerais da classe popular, que perpassa por uma radicalização democrática da vida econômica, social e política (Netto, 1993, p.73). Vale afirmar que a articulação entre o Estado e o mercado, as relações entre capital e trabalho, e os 36 Segundo Montaño e Duriguetto (2010, p.202-203) existem várias explicações interpretativas sobre a crise do Estado de Bem-Estar-Social. Todas as interpretações a concebem como sendo uma crise particular. Os autores mencionam Habermas (1980) que a interpreta enquanto uma crise de legitimidade do capitalismo tardio; Rosanvallon (1997) afirma ser esta uma crise do Estado-providência; Bresser Prereira (1998), considerando o caso Brasileiro, a interpreta como sendo uma crise fiscal, crise de governança e crise no modo de administração estatal. Por outro lado, autores como Mandel (1980), Mészáros (2009), Harvey (2004-2005) e O’Connor (1977), a concebem enquanto desdobramento da crise estrutural d capitalismo, ou seja, trata-se de uma crise que está assentada na crise capitalista de superprodução e de superacumulação.

mecanismos de representação democrática e de cidadania consolidados ao longo da permanência do Estado de Bem Estar Social sofreram grandes alterações com a referida crise. A assertiva defendida pelos autores acima coincide com o pensamento neoliberal que, apesar de se manifestar apenas na década de 1970, carrega em seu cerne o ideário do liberalismo clássico defendido, principalmente, por Adam Smith e David Ricardo, cujo pensamento centrava-se na livre concorrência, na auto-regulamentação da economia e no aumento do bem estar dos indivíduos por meio do individualismo, além do repúdio da chamada “mão invisível do mercado” à qualquer interferência estatal. Nesta ótica, ao Estado cabia, tão somente, o provimento de alguns bens e serviços essenciais, como, educação, aplicação e cumprimento das leis e segurança. Montaño e Duriguetto (2010) tecem algumas considerações acerca dos principais referenciais da teoria neoliberal: Hayek (2010) e Friedman (1962), que desenvolvem as suas análises se opondo duramente ao Estado de Bem Estar Social. Para o primeiro, trata-se de um Estado intervencionista, que nos países centrais representa o “caminho da servidão”37. Como resposta, Hayek apresenta as primeiras ideias da “ofensiva neoliberal”. Em sua concepção encontra-se expressa a defesa à concorrência e ao individualismo, em oposição ao socialismo e a todas as derivações que levam ao coletivismo. Hayek baseia-se em um individualismo cujos elementos foram apropriados da filosofia clássica e cristã, que em seu sentido essencial apregoa o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais (Hayek, 2010, p.40). Assim como outros pensadores que defendem a não intervenção estatal, Hayek tece duras críticas ao keynesianismo. Em primeiro lugar porque este põe em risco os propósitos e princípios do liberalismo ao privilegiar a intervenção do Estado em benefício dos cidadãos. Em segundo, em decorrência do primeiro ponto, passa a limitar a liberdade econômica e política dos indivíduos (Montaño; Duriguetto, 2010, p.66). Interessante observarmos que as orientações dadas por Hayek, ao defender o retorno do crescimento econômico, estão longe de significar, de acordo com os autores, uma divergência ideológica. Ao contrário, significa uma oposição estratégica entre liberais

37 O “caminho da servidão” está relacionado ao “Programa” apresentado por Hayek cuja tese se baseia na defesa do liberalismo e individualismo em oposição aos métodos utilizados para o alcance dos objetivos de justiça social e igualdade social. De acordo com o autor, (...) o método específico pelo qual a maior parte dos socialistas espera alcançar esses fins, (...) o socialismo equivale à abolição da iniciativa privada e da propriedade privada dos meios de produção, e à criação de um sistema de “economia planificada” no qual o empresário que trabalha visando ao lucro é substituído por um órgão central de planejamento (Hayek, 2010, p.55)

(os keynesianos e os neoliberais) que visam ao mesmo desenvolvimento da acumulação capitalista (idem, ibidem). Seguindo a mesma perspectiva, Milton Friedman apresenta um conjunto de itens que poderiam ser considerados enquanto pilares do neoliberalismo: a efetivação de um Estado mínimo para as questões pertinentes à garantia dos direitos sociais (saúde, educação, lazer) e políticos e, por outro lado, o fortalecimento do Estado, por mais que se acredite em sua perda relativa de poder e autonomia, assim como apontam Montaño e Duriguetto (2010) e a sua intervenção nas questões pertinentes ao mercado e à economia na defesa da mundialização do capital. A questão que nos parece central no ideário de Friedman encontra-se no seu próprio questionamento: Como nos podemos beneficiar das vantagens de ter um governo e, ao mesmo tempo, evitar a ameaça à liberdade? (Friedman, 1964, p.1). A resposta, dada pelo pensador liberal está atrelada à função do Estado que, nesta concepção, deve ter os seus objetivos limitados e o seu poder descentralizado, além de defender a liberdade individual, por uma lado, preservando a lei e a ordem e, por outro, avigorando os contratos com a esfera privada.

- O neoliberalismo na realidade brasileira

No Brasil, o Neoliberalismo encontrou o seu espaço na década de 1990, com os governos Fernando Collor de Mello (1989-1991) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), onde a política foi intensificada em seus dois mandatos. A cartilha neoliberal formulada e implementada por Margareth Thatcher, na Inglaterra (em 1979), passou a ser aplicada no contexto brasileiro gradativamente e os seus efeitos foram devastadores no que se refere ao conjunto de reivindicações e conquistas sociais adquiridas na década de 1980. A redução dos impostos para as classes mais altas, os cortes de gastos do governo nas áreas fundamentais de interesse da população, como saúde, educação e habitação em prol do investimento no mercado por meio da abertura econômica do país às importações, além das privatizações e da desregulamentação da economia foram os itens que passaram a fazer parte da agenda política dos governos direcionada pelo FMI e pelo Banco Mundial, cujas determinações ocorrera no Consenso de Washington, nos EUA em finais da década de 1980. O ideário neoliberal atrelado à “necessidade” de uma “Reforma do Estado”, fora tomada à cabo pelo Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, que via na “reconstrução” do Estado uma das principais tarefas a serem cumpridas na década de 1990. A grande investida partia de um questionamento: “como reconstruir e repensar o Estado no contexto global” – a “reforma” do Estado passaria a ser, a partir de então, a questão central. A grande investida neoliberal “apenas” recupera os princípios do liberalismo econômico ao propor medidas de alteração nas funções do Estado. No contexto atual passou a ser de grande monta reformar o Estado em “crise”, responsável pela queda das taxas de

crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e do aumento da taxa de inflação (Pereira, 1997, p.7). O então ministro defendia o retorno do Estado ao cumprimento das suas funções “clássicas” que correspondia à defesa e garantia da propriedade privada, a manutenção dos contratos coma as empresas privadas, o incentivo à competitividade e a “garantia dos direitos sociais”. Os aspectos básicos que envolveriam uma reestruturação do Estado, segundo Pereira, consistiam: - na delimitação da abrangência institucional e a redução do tamanho do Estado; - a demarcação do seu papel regulador seguida de sua desregulamentação e; o aumento da capacidade de governança e de governabilidade (Pereira, p.8), o que ocorreria nos moldes das determinações da política neoliberal. Pereira (1997) afirma que,

(...) ao invés do Estado mínimo, a centro esquerda social-liberal propôs a reconstrução do Estado, para que este possa - em um novo ciclo - voltar a complementar e corrigir efetivamente as falhas do mercado, ainda que mantendo um perfil de intervenção mais modesto do que aquele prevalecente no ciclo anterior (p.17) A formulação de um “Estado Social Liberal” (na afirmação de Bresser Pereira) seria consubstanciada pela sua “eficiência”, voltado integralmente para a competitividade de mercado e menos voltado para a proteção (Pereira, 1997, p.52), passando a ser de responsabilidade das organizações “públicas não estatais” (as chamadas instituições do “Terceiro Setor” ou da “Sociedade Civil” as executoras dos serviços sociais, mais especificamente. Na contramão das concepções formuladas por Bresser Pereira, Behring (2008) nos situa, a partir de um trajeto teórico analítico percorrido à luz da tradição marxista, no século XX, mais precisamente nas profundas mudanças ocorridas no cenário político, econômico e social entre a segunda metade da década de 1980 e início da década de 1990. A autora desenvolve a sua análise acerca da formação do capitalismo brasileiro, considerando os principais traços e tensões da formação social brasileira e um processo inicial de destruição e de “contrarreforma” do Estado. Podemos destacar as análises críticas e profícuas feitas pela autora considerando dois prismas: a crise econômica e o processo de democratização no Brasil ocorridos nos anos 1980, e a entrada do Brasil em um processo de mundialização, tendo como ponto preponderante uma ofensiva neoliberal iniciada nos anos 1990.

1.5 – Relações de Produção Capitalista e a Classe Trabalhadora

A dinâmica da sociedade capitalista tem uma gama de implicações complexas acerca da classe trabalhadora. Por isso, é que recorremos aos constructos teóricos de Antunes (2010) para compreendermos a classe trabalhadora atual. Segundo Antunes (2010) devemos analisar os novos elementos que no pensamento marxiano não são encontrados, por serem elementos da contemporaneidade, porém Marx é indispensável para tal compreensão que são identificados com a flexibilização das relações de trabalho, propiciando espaço fértil para o trabalho precário, parcial, temporário e subcontratado. A classe trabalhadora vive hoje um processo de desproletariazação, no sentido da queda quantitativa do operariado industrial. Contrariamente, existe uma expansão do assalariamento ampliando o setor de serviços: (...) vivencia-se também uma subproletarização intensificada, presente na exploração do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, “terceirizado”, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado (...) (Antunes, 2010, p. 47). Com o processo de subproletarização como expõe Antunes (2010), os países centrais se tornam referência para a imigração, provocada pelas altas taxas de desemprego estrutural que atinge o mundo do trabalho em escala global. A atual tendência do mercado de trabalho é reduzir o número de trabalhadores centrais e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos. (...) enquanto vários países de capitalismo avançado viram decrescer os empregos em tempo completo, paralelamente assistiram a um aumento da forma de subproletarização, através da expansão dos trabalhadores parciais, precários, temporários, subcontratados etc. (Antunes, 2010, p. 50). As alterações no interior da classe do trabalho vão para além da subproletarização. Antunes (2010) refere-se ao processo duplo, por um lado de qualificação e por outro de desqualificação dos trabalhadores. A qualificação diz respeito à substituição do trabalho realizado pelo homem e que agora é realizado pela maquinaria do capital. Mesmo havendo a substituição do trabalho vivo por trabalho morto no processo de produção, não implica a classe trabalhadora sob o risco de desaparecer, o que ocorreu e ocorre é a diminuição dos trabalhadores com seus empregos, especialmente os trabalhadores manuais (Antunes, 2010). Se a máquina existe em função da produção, obviamente terá de haver homens para com elas produzirem, seja no setor de engenharia, gerência, ou no setor de administração. Não é mais o trabalhador industrial que desempenha essas funções, mas esses homens continuam vendendo sua força de trabalho. Portanto, com a evolução

cientifica e tecnológica, os trabalhadores certamente terão de qualificar-se para executar atividades com as máquinas. A desqualificação ocorre em grande parte com os trabalhadores industriais manuais. É esse segmento da classe trabalhadora que mais sofre com o trabalho parcial, precário, setores de serviços entre outros que corresponde a 50% dos trabalhadores dos países avançados, incluindo os desempregados, os quais de acordo com o autor são denominados como subproletariado moderno (Antunes, 2010). Evidencia-se, portanto, que ao mesmo tempo em que se visualiza uma tendência para a qualificação do trabalho, desenvolve-se também intensamente um nítido processo de desqualificação dos trabalhadores, que acaba configurando um processo contraditório que superqualifica em vários ramos produtivos e desqualifica em outros (Antunes, 2010, p. 58). È viável afirmar de acordo com o autor supracitado, que o processo de desqualificação atinge especialmente os trabalhadores dos setores de serviços, dos precários e dos parciais. Contrariamente, um movimento de qualificação do trabalho intelectual. Isto significa uma supervalorização do trabalhador intelectual em detrimento da desvalorização do trabalhador manual. A precarização do trabalho e seu impacto na classe trabalhadora ocorrem em escala global. Frente a todo este desenho da classe trabalhadora, percebe-se uma redução do operariado industrial e fabril, paralelamente a um aumento significativo do trabalhador precário, parcialmente explicitando alterações da classe trabalhadora. De acordo com Antunes (2010), isto acontece devido a lógica histórica do capitalismo, mas precisamente a lógica do capital assumindo a partir da década de 1970. Este processo de alteração da classe operária está relacionado a um resultado que coloca a obviedade do que significa o capitalismo. O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços (Antunes, 2010, p. 47). Nos países de capitalismo avançado é mais explícito o aumento do “trabalhador parcial em função da automação, da robótica e da microeletrônica, logo oportunizando ao capital uma capacidade de diminuir custos com trabalho vivo” (Antunes, 2010, p. 49). Temos aqui uma questão central em nossa discussão: o avanço do capitalismo em sua capacidade de aumentar a produção e as implicações sobre a classe trabalhadora. Ainda conforme os postulados teóricos de Antunes (2010), o subproletariado são trabalhadores que além de encontrar-se em situação de trabalho precário está vinculado aos serviços terceirizados. Isso faz com que as empresas realizem contratações por tempo

determinado e prestem serviços a outros setores. Isto significa que o trabalhador terá emprego enquanto durar este serviço que, geralmente, já está com seu tempo determinado. Nesta discussão se coloca a desregulamentação das relações de trabalho, ou seja, o trabalhador não tem garantias de emprego. Referente ao desemprego, de uma população economicamente ativa estima-se em 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo, pois, cerca de 35% encontram-se atualmente na situação de subutilização do trabalho (desempregado ou subemprego) (Pochmann, 1999, p. 39). Esta informação mostra a crise de desempregos que vivenciamos atualmente. Vale lembrar que essas altas taxas de desemprego incidem a totalidade da classe trabalhadora, mais precisamente os idosos, as mulheres, os imigrantes e os jovens. Assim ficam mais explícitas as exigências do mercado de trabalho, que além de empregar pequena parte da classe trabalhadora, ainda realiza um rigoroso processo de seleção para empregar. Sabe-se que atualmente existe uma parte da classe trabalhadora que é mais bem qualificada, ou seja, encontra-se empregada; e outra parte não tão qualificada, estando desempregada. Não que a qualificação seja critério para estar empregado, caso contrário, todos os trabalhadores qualificados estariam empregados. É claro que isso não ocorre efetivamente. Contudo, é a parte dos trabalhadores mais qualificados que consegue emprego. Portanto, resta saber se a parte da classe trabalhadora que não são tão bem qualificados, e, geralmente com altíssimas taxas de desempregos; se a eles é dada a oportunidade de se qualificarem e, posteriormente conseguirem um trabalho. Neste contexto, portanto, o que sobra a estes trabalhadores? Os mais qualificados têm mais possibilidade de permanecer (o que não significa segurança total) no mercado formal e, potencialmente, têm condição de viabilizar uma relação mais estreita entre o trabalho manual e o intelectual; os que não preenchem os requisitos da polivalência e qualificação vêem-se excluídos do mercado de trabalho formal, pois, com o enxugamento de postos de trabalho no setor industrial e com limites do setor de serviços, a maioria é obrigada a procurar ocupação na informalidade (Lira, 2006, p. 132). A classe trabalhadora, no capitalismo contemporâneo vivencia uma situação de desemprego em sua maior parte. O trabalho informal se coloca como forma de manter sua sobrevivência e mascarar a realidade. Dá-se a ideia de que a classe dos explorados faz parte do mercado de trabalho, mas na realidade sua situação é degradante (Antunes, 2009), pois, se em condições de trabalho formal, os trabalhadores estão em condições precárias, na informalidade, a ausência de direitos trabalhistas incidem em mais complicações nas condições de trabalho dos trabalhadores. Contudo faz necessário compreendermos que mesmo sendo trabalhadores no mercado de trabalho informal, eles contribuem para a produção de riqueza do capital. Os apontamentos acima acerca do desemprego e alternativas de emprego com o trabalho formal de modo global, também é uma realidade vivenciada pelos trabalhadores no

Brasil. De acordo com Lira (2006) são altas as taxas de trabalhadores que na falta de trabalho regulamentado, encontra no trabalho informal fonte de sua sobrevivência, mesmo que sejam sacrificados seus direitos trabalhistas. – Considerações Finais Conforme o momento histórico vivenciado, o Estado altera sua posição frente às classes fundamentais, capital e trabalho. Contudo, o mesmo não altera em nada sua essência, permanecendo como “o comitê gestor” dos interesses do capital de acordo com as concepções de Gramsci e de Marx aqui apresentadas. Em decorrência, devemos considerar os absurdos lucros do capital que possibilitaram à absorção das crises capitalistas, as greves e as insatisfações da classe trabalhadora, empregando parte significativa dos trabalhadores. Isso, de certa forma, extraiu a essência dos movimentos organizados, e a centralidade da luta de classes, fazendo com que adestrassem os lucros para formar em suas ações melhorias a fim de adotar uma posição de negociação e, não mais uma posição de confronto. A crise do Estado de Bem Estar Social está exatamente vinculada à necessidade do modo de produção capitalista, que, para a sua manutenção e reprodução, partindo-se para o estágio mais elevado de exploração e de acumulação de capital, elimina gradativamente as conquistas sociais obtidas pelo conjunto da classe trabalhadora. Se, num dado momento, as necessidades mais expressivas da ordem capitalista demandaram certa abertura democrática, após a superação dessas necessidades houve a retomada dos processos antidemocráticos que, de fato, se traduz na marca central do desenvolvimento capitalista, incompatíveis com os interesses mais gerais da classe popular. Vale afirmar que a articulação entre o Estado e o mercado, as relações entre capital e trabalho, e os mecanismos de representação democrática e de cidadania consolidados ao longo da permanência do Estado de Bem Estar Social sofreram grandes alterações com a referida crise. Apesar de se manifestar apenas na década de 1970, o pensamento neoliberal carrega em seu cerne o ideário do liberalismo clássico defendido, principalmente, por Adam Smith e David Ricardo, cujo pensamento centrava-se na livre concorrência, na auto-regulamentação da economia e no aumento do bem estar dos indivíduos por meio do individualismo, além do repúdio da chamada “mão invisível do mercado” à qualquer interferência estatal. Nesta ótica, ao Estado cabia, tão somente, o provimento de alguns bens e serviços essenciais, como, educação, aplicação e cumprimento das leis e segurança, como já vistos anteriormente. A informalidade do trabalho se tornou no capitalismo mais que estratégias de sobrevivência para os trabalhadores que não estão inseridos no mercado de trabalho formal. Ela se torna fator vital nas relações capitalistas de produção, pois permite uma ainda maior facilidade de contratação e despensa do trabalhador, já que se reduzem os

custos com direitos trabalhistas. Isto porque a informalidade do trabalho está de forma mais restrita aos setores de serviços que em partes são compostos por serviços terceirizados. - Referências Bibliográficas ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do no mundo do trabalho. 14ª edição. São Paulo: Cortez, 2010. ___________. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2ª edição. São Paulo: Boitempo, 2009. Behring, E. R; Boschetti, I. Política Social: fundamentos e história. 5ª edição. São Paulo: Cortez, 2008. Braverman, H. Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. Couto, B. R. “O Direito Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação possível?”. 4. ed., São Paulo: Cortez, 2010. Hayek, F. A. “O Caminho da Servidão”. Disponível em http://ffn-brasil.org.br/novo/PDF-ex/Publicacoes/Caminho_Servidao.pdf. Keynes, J.M. “Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda”. Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Lira, I. C. D. Trabalho Formal como Alternativa ao Desemprego: desmistificando a informalidade. In: SILVA, M. O. S; YASBEK, M. C. (orgs). Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2006. p. 130 – 160. Magalhães, J. A. F. de. “Ciência Política”. 3. ed. Brasília: Vestcon, 2005. Malfatti, S. A. “Propostas de Organização da Sociedade”. Cadernos Liberais, 9, São Paulo: Massao Ohno Editor, 1998. Marx, K.; Engels, F. “Manifesto Comunista”. São Paulo: Boitempo, 2005. Merquior, J.G. “O Liberalismo Antigo e Moderno”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. Montaño, C.; Duriguetto, M. L. “Estado, Classe e Movimento Social”. São Paulo: Cortez, 2010. Netto, J. P. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8ª edição. São Paulo: Cortez, 2011. ___________. Crise do Socialismo e Ofensiva Neoliberal. 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2001. Pereira, C. B. “A Reforma do Aparelho do Estado e as Mudanças Constitucionais” in Caderno MARE da Reforma do Estado, nº 6, Brasília-DF, 1997. Pochmann, M. O Trabalho sob Fogo Cruzado. São Paulo: Contexto, 1999.

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