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1 O DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO EDUCACIONAL A PARTIR DA UTILIZAÇÃO DO ELETRÔNICO AGE OF EMPIRES 1 Marcos Miliano Araujo de Almeida 2 Universidade de Pernambuco [email protected] Resumo Utilizamos o jogo eletrônico Age of Empires, que possui no enredo acontecimentos históricos, como ferramenta da disciplina de História, em determinantes e diferentes processos de aprendizagem. Participaram da pesquisa os alunos da rede estadual de ensino, na cidade de Garanhuns. Inquietou-nos a questão inserida no campo da metodologia educacional, na busca de um aprendizado a partir do suporte de aparelhos eletrônicos, a saber: É possível desenvolver um método de ensino, com aprendizado involuntário e dinâmico a partir da utilização de um jogo eletrônico? Nossos estudos concluíram-se com a ratificação da maioria das hipóteses, no sucesso do teste de uma nova metodologia e no aperfeiçoamento da percepção dos jovens sobre suas capacidades. Palavras-Chave: 1. Aprendizagem, 2. História, 3. Jogos Eletrônicos, 4. Hiperativação, 5. Comportamento Social Abstract We use the electronic game Age of Empires, which has in the storyline historical events, as a tool of the History discipline, in determinants and different learning processes. The students of the state school network in the city of Garanhuns participated in the survey. We are concerned with the issue of educational methodology, in the search for learning from the support of electronic devices, namely: Is it possible to develop a teaching method, with involuntary and dynamic learning from the use of an electronic game? Our studies were completed with the ratification of most of the assumptions, the success of testing a new methodology, and the improvement of young people's perceptions of their capabilities. Keywords: 1. Learning, 2. History, 3. Electronic Games, 4. Hyperactivation, 5. Social Behavior O ADVENTO DA TECNOLOGIZAÇÃO Vivemos transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço público e na forma de produzir e consumir informações. É contraproducente ignorar, não aceitar ou 1 Esse artigo é um apanhado que tem a base na dissertação: O DESENVOLVIMENTO DE MÉTODOS EDUCACIONAIS PARA UM APRENDIZADO INVOLUNTÁRIO E DINÂMICO A PARTIR DA UTILIZAÇÃO DE ELETRÔNICOS: O JOGO AGE OF EMPIRES COMO FERRAMENTA NO APRENDIZADO DE HISTÓRIA, apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro – SP, em julho de 2015. 2 MILIANO, Marcos é mestrando em Culturas Africanas, da Diáspora e dos Povos Indígenas.

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O DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO EDUCACIONAL A PARTIR DA

UTILIZAÇÃO DO ELETRÔNICO – AGE OF EMPIRES1

Marcos Miliano Araujo de Almeida2

Universidade de Pernambuco [email protected]

Resumo

Utilizamos o jogo eletrônico Age of Empires, que possui no enredo acontecimentos históricos,

como ferramenta da disciplina de História, em determinantes e diferentes processos de

aprendizagem. Participaram da pesquisa os alunos da rede estadual de ensino, na cidade de

Garanhuns. Inquietou-nos a questão inserida no campo da metodologia educacional, na busca de

um aprendizado a partir do suporte de aparelhos eletrônicos, a saber: É possível desenvolver um

método de ensino, com aprendizado involuntário e dinâmico a partir da utilização de um jogo

eletrônico? Nossos estudos concluíram-se com a ratificação da maioria das hipóteses, no sucesso

do teste de uma nova metodologia e no aperfeiçoamento da percepção dos jovens sobre suas

capacidades.

Palavras-Chave: 1. Aprendizagem, 2. História, 3. Jogos Eletrônicos, 4. Hiperativação, 5.

Comportamento Social

Abstract

We use the electronic game Age of Empires, which has in the storyline historical events, as a tool

of the History discipline, in determinants and different learning processes. The students of the

state school network in the city of Garanhuns participated in the survey. We are concerned with

the issue of educational methodology, in the search for learning from the support of electronic

devices, namely: Is it possible to develop a teaching method, with involuntary and dynamic

learning from the use of an electronic game? Our studies were completed with the ratification of

most of the assumptions, the success of testing a new methodology, and the improvement of

young people's perceptions of their capabilities.

Keywords: 1. Learning, 2. History, 3. Electronic Games, 4. Hyperactivation, 5. Social Behavior

O ADVENTO DA TECNOLOGIZAÇÃO

Vivemos transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço público e na forma

de produzir e consumir informações. É contraproducente ignorar, não aceitar ou

1 Esse artigo é um apanhado que tem a base na dissertação: O DESENVOLVIMENTO DE MÉTODOS

EDUCACIONAIS PARA UM APRENDIZADO INVOLUNTÁRIO E DINÂMICO A PARTIR DA UTILIZAÇÃO DE

ELETRÔNICOS: O JOGO AGE OF EMPIRES COMO FERRAMENTA NO APRENDIZADO DE HISTÓRIA,

apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro – SP, em julho de 2015. 2 MILIANO, Marcos é mestrando em Culturas Africanas, da Diáspora e dos Povos Indígenas.

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subestimar as mudanças que o advento da “modernidade líquida3” produz na sociedade.

Os velhos conceitos estão caindo, os novos paradigmas repelem a fogo os antigos que se

derretem com a tradição, liquefazendo o que entendíamos como entendimento. O que nos

ensinaram por ordem é forçosa e radicalmente substituída por uma nova que desfaz o que

narrávamos como certo, previsível e estável. Nossos ideais de sociedade e estabilidade

estão moribundos e morrerão conosco, a sociedade vislumbra um novo conjunto de regras,

que nenhum de nós entende por completo. Nem todos os participantes são criados iguais4.

Os jovens anseiam por algo que nunca conheceram, querem experimentar o que

especulam seus pares, estão ávidos por controle, acham-se melhores que os seus pais,

vivem repletos de uma curiosidade barata, se reconhecem poderosos, mas não sabem que

o são por “estarem nas costas de gigantes”.

Vivemos um movimento internacional de nativos tecnológicos que querem acima de tudo

experimentar coletivamente as novas formas de comunicação e as propostas que elas

trazem. Estamos imersos até os olhos. A abertura de novos espaços públicos, com

potencialidades ainda inexploradas para o progresso social, nos coloca numa era de

transição social, marcada por decisões táticas e consequências inesperadas, sinais

confusos e interesses conflitantes e, acima de tudo, direções imprecisas e resultados

imprevisíveis.5

Como ratifica Bauman6: O “público” é colonizado pelo “privado”; o

“interesse público” é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas

de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição

pública das questões privadas e as confissões de sentimentos privados

(quanto mais íntimos, melhor). As “questões públicas” que resistem a

essa redução tornam-se quase incompreensíveis.

Presenciamos a morte de diversos ofícios e o aparecimento de pouco definidas profissões.

Substitui-se a durabilidade pela obsolescência programada. Conhecimentos antigos são

meramente antigos, ou pior, pejorativamente “coisa antiga”. O novo e desconhecido traz

nos seus inconsequentes experimentos a imprecisão, a imprevisão e a incerteza

característica das novas empreitadas. Pela primeira vez na história da humanidade, a

3 Termo cunhado por Zygmund Bauman quando definiu a sociedade pós-moderna, ao anunciar que o

que mudou foi a "modernidade sólida", que cessa de existir, e, em seu lugar, surge a "modernidade

líquida". A primeira seria justamente a que tem início com as transformações clássicas e o advento de

um conjunto estável de valores e modos de vida cultural e político. Na modernidade líquida, tudo é

volátil, as relações humanas não são mais tangíveis e a vida em conjunto, familiar, de casais, de grupos

de amigos, de afinidades políticas e assim por diante, perde consistência e estabilidade. 4 Jenkins (2009:30). 5 Jenkins (2009:38) 6 (2001:46)

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maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso

profissional estarão obsoletas no fim da sua carreira7.

A PESQUISA

É possível desenvolver um método de ensino, com aprendizado involuntário e dinâmico a partir da

utilização de um jogo eletrônico? Averiguamos como a interação com os eletrônicos

proporciona aprendizado, tornando esse processo mais eficaz, nesse processo

compreendemos a cognição nos jovens com uso do jogo eletrônico como ferramenta de

educação e como subsídio para a formulação de políticas públicas.

É difícil e de fundamental importância entendermos o jovem, seus processos de

aprendizagem e de interação social, dentro e fora dos muros da escola, dentro e fora do

mundo virtual. Esse trabalho pleiteia essa descrição. Podendo contribuir para o

aprimoramento da escola e do jovem, nessa relação tão contemporânea, quando

enxergamos os eletrônicos como influentes na vida de todos, e principalmente daqueles

que estão ainda em formação.

A verdadeira questão não é ser contra ou a favor, mas sim reconhecer as mudanças qualitativas

na ecologia dos signos, nesse ambiente inédito que resulta da extensão das novas redes de

comunicação para a vida social e cultural. Apenas dessa forma seremos capazes de desenvolver

estas novas tecnologias dentro de uma perspectiva humanista.

A PELEJA

Quando nos convidaram a dar aulas de História, durante a licença maternidade da

professora titular, pudemos durante quase quatro meses experimentar os fatos que

originaram essa pesquisa. Em duas turmas do nono ano, com uma média de 40 alunos

cada, pudemos perceber como as aulas de História e outras disciplinas que não fossem

matemática e português, eram relegadas a menor importância na escola. As Humanidades

sofrem com o pouco tempo disponível para transmitir o conteúdo e com a imagem que os

alunos tem: “História não tem serventia na vida”, os alunos simplesmente argumentavam

que “não conseguiam entender” a matéria, ou “não viam importância em saber o que

aconteceu no passado”, ou ainda que “não servia usar as coisas antigas nos dias

modernos”[sic].

Além dessas barreiras, ainda percebemos como os aparelhos smartphones, ocupavam

todo o tempo livre dos alunos, inclusive o tempo de aula, quando não eram obrigados a

7 Lèvy (1999:157)

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guarda-los. De certo modo é compreensivo que a estimulação que a tecnologia possa

oferecer, seja um competidor com o que se oferece em sala de aula.

Logo que assumimos a disciplina de história, fomos incumbidos de preparar a penúltima

avaliação do ano. Pudemos constatar que mesmo em questões retiradas dos exercícios do

livro, portanto já vistas pelos alunos, quando exigia-se respostas subjetivas, eram na

grande maioria, ou deixadas em branco ou inaceitavelmente respondidas. As notas de

períodos anteriores eram ruins, e então, com as questões subjetivas lançadas na maioria

da avaliação que aplicamos, as notas despencaram.

Tivemos dificuldades, mesmo ministrando aulas ditas por eles, “movimentadas”, em

atrair a atenção dos alunos para os assuntos, e tirar a atenção deles dos smartphones. Após

um episódio em que chamamos a atenção de um aluno por estar jogando durante a aula,

percebemos que de fato o aparelho poderia ser um inimigo, se naquele momento não

tivéssemos a epifania de usar o “inimigo” a nosso favor. O aluno havia dito que “não

prestava atenção na aula antes e não prestaria agora, mesmo sendo um professor novo,

pois preferia jogar que assistir aula, o jogo era mais ‘topado’8 “[sic]. De fato, naquela

escola, nenhuma aula poderia proporcionar o nível de envolvimento que um jogo

eletrônico, com áudio e imagens 3D, podia.

Desafiamos o aluno: “...se ele não começasse a gostar de história em um mês, ele não

precisaria fazer a prova do período e ficaria com nota 10. ” O desafio ecoou na sala e

pela primeira vez, o silêncio era absoluto, todos esperavam o desfecho da situação.

Explicamos que o aluno teria apenas que jogar, o jogo que indicaríamos e que ele teria

que responder a uma pergunta sobre o jogo, a cada aula. Imediatamente a sala ficou em

polvorosa e todos queriam a mesma condição. Estava quase montada a situação da

pesquisa! Escolhemos nas duas salas as 20 menores notas em que os atores quisessem

participar do desafio.

Mesmo sendo um migrante tecnológico, esse pesquisador pôde iniciar essa migração

ainda muito cedo. Felizmente tinha amigos em famílias ricas e dividiu, ainda na década

de 80 um teclado de MSX9. No início da década seguinte possuiu o próprio computador

8 Imaginamos que a gíria seja derivada da palavra do inglês TOP aportuguesada, com significação para

“algo que está no alto” ou coisa muito boa. 9 Este equipamento, lançado em 1985 (1988 no Brasil), contava com o teclado integrado à CPU e tinha

a versão do sistema 1.1 Br. Entre seus periféricos estavam presentes o joystick para jogos, o gravador

de fita cassete (para carregar dados na memória do computador, já que não existia RAM), o drive de

disquete 51/4” (algumas calculadoras hoje tem uma memória mais potente). Contava com suporte à

linguagem de programação MSX Basic, e opcionalmente com os sistemas operacional MSX-DOS.

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pessoal, já sendo usuário de e-mail. Assim que foi lançado o Jogo Age of Empires II10,

nossa família comprou. E foi esse jogo eletrônico que fornecemos para os alunos

apreciarem e responderem a nossa pesquisa.

Nesse estágio do desenvolvimento do ser humano chamado de adolescência, o indivíduo

tem necessidades específicas e experimenta, novamente, todos as sensações já vividas na

infância, compara-se mesmo à um segundo nascimento. Hall11 descreve o crescimento de

um indivíduo, como se ele “revivesse” o percurso da espécie humana em sua evolução.

Determinando assim os comportamentos que seguem um padrão universal e imutável. O

jovem teria o comportamento do ser humano no estágio entre a pré-história e a civilização.

Assim a adolescência seria definida como um período conturbado e tenso. Desse modo,

esse momento é considerado caótico e difícil pela velocidade com que se dão as

transformações.

OS MÉTODOS

Realizamos um trabalho na construção de conhecimentos dentro dos conceitos das

Ciências Sociais, mas conscientes que os estudos neurológicos são imprescindíveis para

a sedimentação desses novos conhecimentos aplicados à educação. Partimos da

observação de elementos simples, que podem ser utilizados por especialistas do

comportamento, na explicação de funções mentais mais complexas a serem analisadas

pela transdiciplinaridade. Inquietou-nos a questão inserida no campo da metodologia

educacional, na busca de um aprendizado a partir do suporte de aparelhos eletrônicos, a

saber: É possível desenvolver um método de ensino, com aprendizado involuntário e

dinâmico a partir da utilização de um jogo eletrônico?

O tema delimitou a pesquisa entre os jovens12, de uma escola13 da rede estadual de ensino,

na cidade de Garanhuns – PE. Os alunos eram usuários de eletrônicos em seu cotidiano e

cursavam 14 o nono ano do ensino fundamental. O universo de estudo está em 40

estudantes de duas turmas no período matutino. Pautou-se pela convivência com os

alunos em períodos de aulas e intervalos, para anotação das narrativas que surgiram de

um roteiro flexível de perguntas. O experimento percorreu um total de três meses, em

dias não sequenciados.

10 Jogo eletrônico para computador e consoles portáteis desenvolvido pela Ensemble Studios e publicado

pela Microsoft. No gênero de estratégia em tempo real, os jogos da série são campeões de vendas e

caracterizam-se por marcar eventos históricos em seu enredo. 11 Stanley Hall (1904-1916) 12 Autorizados pelos pais, segundo o consentimento livre e esclarecido. 13 Pesquisa autorizada pela direção da escola. 14 O experimento foi feito nos três últimos meses do ano letivo de 2014.

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Envolveram-se na pesquisa, pelas entrevistas ou experimentando o uso do jogo eletrônico

Age of Empires II, 40 jovens, independentemente do gênero, na faixa etária (mas não

exclusivamente) dos 15 aos 17 anos. Demos preferência para experimentar a

aprendizagem utilizando o game15, aos indivíduos que demonstrassem maior interesse em

utilizar o software, representando 50% do universo. Os alunos restantes, responderiam

também ao questionário, mas não poderiam utilizar o jogo no período do experimento,

servindo assim de comparativo de aprendizagem entre jogadores e não jogadores nas

mesmas condições ambientais.

Os alunos que se submeteram a utilização do jogo, não poderiam distribuir cópias do jogo,

não poderiam executá-lo no período matutino, e quando o fizessem em outros horários

deveriam obedecer ao período estabelecido pelos pais, e nunca superior a duas horas entre

a segunda e a sexta-feira. Essas restrições tinham o objetivo de que a pesquisa não

interferisse nos horários de estudo estabelecidos por outras disciplinas, nem nos horários

estabelecidos pelos pais, nem que promovesse cansaço nos jogadores e que a pesquisa

não sofresse interferência pelos alunos-não jogadores, se utilizassem o game. Não houve

descumprimento aparente por nenhum aluno, para a solicitação.

Como éramos novos no ambiente daquela escola, demos ênfase aos vínculos de amizade

e confiança também fora da sala de aula, nas conversas de curta duração para preservar o

clima de informalidade e manter a confiança característico desse tipo de relação não

formal, nos períodos de intervalo para o “recreio” antes, depois 16 e entre as aulas.

Consideramos fatores emocionais e sociais além dos cognitivos, por entender que além

da passagem caótica pela adolescência, eles também poderiam sofrer influências no

convívio em suas residências17 e no entorno.

Tentamos, por ser um público tão diverso, beneficiá-lo com o ensino utilizando

eletrônicos18, concomitantemente proporcionando uma convivência salutar conosco e

com o grupo selecionado para a pesquisa, através do acesso à um grupo social eletrônico

criado através do aplicativo mensageiro para smartphone, que permite diálogo em tempo

integral, do qual podíamos dar suporte a qualquer aluno, compartilhando essa orientação

com os demais do grupo envolvido no experimento. Ao mesmo tempo procuramos

15 Designação popularmente adotada como sinônimo de jogo eletrônico, utilizaremos essa partícula

assim como a abreviação ‘jogo’, para que a redação não fique cansativa com a repetição do termo jogo

eletrônico. 16 O contato “face a face” deu-se apenas entre os muros da escola. 17 Preferimos não definir como lar, pois alguns jovens são originados de cidades próximas e passam a

semana na casa de tios, vivem na casa de familiares que não os pais, por vivenciarem a separação desses,

etc.... 18 Oferecendo aos jogadores, a cópia do jogo Age of Empires II adquirida por nós.

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aprimorar a nossa didática em sala de aula buscando elementos para melhor responder as

questões19 que por ventura pudessem surgir, durante os três meses do experimento.

Conduzimos o questionário para o exame de conceitos cujas narrativas ortodoxas da

condição humana tendem a se desenvolver: a emancipação, a individualidade, o tempo e

espaço, o trabalho e a comunidade, sendo essas também categorias que utilizamos na

determinação do DSC20. Demos ênfase as perguntas que gerassem respostas complexas e

maior importância as respostas mais reflexivas. Ou seja, aquelas que conduziam as

interações cognitivas mais elaboradas entre informações adquiridas com o game e os

dados existentes na estrutura cognitiva dos jovens.

A coleta de dados deu-se pelo questionário semiestruturado e pelo diário de campo da

observação participante. A aquisição desses dados primários teve o objetivo de

representar a expressão das narrativas, numa análise do gestual e do conteúdo21.

Para Minayo 22 , a entrevista semiestruturada combina perguntas

fechadas e perguntas abertas, em que o entrevistado tem a liberdade de

discorrer sobre o tema proposto. Kahn & Cannel23, afirmam que uma

entrevista é uma conversa destinada a fornecer informações pertinentes

para um objeto de pesquisa, e a entrada (pelo entrevistador) em temas

igualmente pertinentes com vistas a este objetivo.

E ainda por Geertz 24 , a etnografia supõe a presença durável e

continuada do investigador no grupo pesquisado, o que é caracterizada

pela temporalidade. Estabelece-se então, uma conversa entre

diferentes, uma relação com outro, e deste modo uma contribuição

“para ampliar o discurso humano”, tarefa “bem difícil, mas pouco

misteriosa”.

A técnica da entrevista enfocou entre outros aspectos o cotidiano no uso de eletrônicos,

19 O professor, enquanto mediador tem que ser um especialista no jogo, dominar as informações mais

diversas que possam surgir sobre o jogo, no nosso caso os fatos históricos e habilidades gerais para

utilização, já que ele não era conhecido pelos alunos. É importante destacar que pudemos ensinar temas

da disciplina de História, Geografia, Sociologia, Inglês, Gerenciamento do Tempo, Planejamento, entre

outras, através do smartphone, nos finais de semana de forma colateral e indireta, a partir das

informações subordinadas ao suporte que demos para o jogo eletrônico. 20 O Discurso do Sujeito Coletivo - DSC é uma técnica da Pesquisa Qualitativa, desenvolvida pelos

professores Fernando Lefèvre e Ana Maria Cavalcanti Lefèvre, da Universidade de São Paulo. A técnica,

consiste em analisar depoimentos, agrupando seus estratos num discurso-síntese redigidos na primeira,

como se uma coletividade estivesse falando. 21 Análise de Conteúdo, que pode ser definida como um conjunto de instrumentos metodológicos que

auxiliam a análise do material textual obtido nas entrevistas realizadas. Minayo (2000) 22 (2000) 23 (apud MINAYO, 2000) 24 (1989:27)

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inclusive no ambiente escolar, para que houvesse a apreensão da representação social, a

análise de conteúdo no discurso e entender a partir do texto e da fala, o resultado

simultâneo de um processo social e de conhecimento. Sobre as narrativas salientamos

alguns aspectos merecedores de atenção com a metodologia, que embora centradas na

vida do narrador, enfoca a utilização de jogos eletrônicos no cotidiano, com a

possibilidade de sua utilização como ferramenta pedagógica.

Iniciamos o tratamento dos dados através das vistas às notas tomadas das narrativas

oriundas das respostas do questionário; repetidas vezes, que permitiu destacar o discurso

chave (sentido principal ou substantivo de uma afirmação) ou pontos principais da

narrativa de cada aluno. Com um agrupamento posterior desses dados estruturamos sua

análise e interpretação através do Discurso do Sujeito Coletivo – DSC.

O DSC tem a função de reconstruir, com pedaços de discursos

individuais, como em um quebra-cabeças, tantos discursos-síntese

quantos se julgue necessário para expressar uma dada “figura”, ou seja,

um dado pensar ou representação social sobre um fenômeno. [...]é,

assim, uma estratégia metodológica que, utilizando uma estratégia

discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação social, bem

como o conjunto das representações que conforma um dado

imaginário25.

Para a produção do Discurso do Sujeito Coletivo as três operações seguintes são necessárias:

A. Expressão chave | B. Ideias centrais | C. O DSC, propriamente dito

A escolha metodológica do discurso do sujeito coletivo se justifica porque tal procedimento

busca captar as representações sociais sob a perspectiva conceitual de Moscovici26. O processo

tem o objetivo de captar a voz humana e coletiva de uma representação social. A captura de um

discurso individual, mas que, à luz de pressupostos teóricos da teoria das representações sociais,

revelam sua voz coletiva, ou seja, o compartilhamento de um grupo de um mesmo imaginário

social. O conjunto dos DSC revela tanto as diferentes faces desse imaginário ou da representação

social do tema investigado como permite identificar as possíveis ancoragens.

Na escolha do jogo Age of Empires II demos importância maior ao contexto, pois foi ele

que nos ajudou a conectar a vivência com o eletrônico com a nossa experiência de vida,

no que tange o conhecimento, o envolvimento e o gosto pelo estudo dos fatos históricos.

A imersão27 no contexto do jogo que providenciaria essa relação foi complementada por

situações de elaboração e mapeamento da experiência vivida pelos alunos, durante o jogo

25 Lefèvre e Lefèvre (2003:19). 26 (2003). 27 Do ato de imergir metaforicamente ao jogo, causando uma captura total da atenção do utilizador.

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e o acompanhamento por parte do professor, pelas intervenções, avaliações informais e

orientações, como suporte.

Na medida que havia uma grande estimulação de suas mentes, pela imersão característica

do jogo eletrônico, havia também a modificação anatômica do cérebro, ou seja, o

aprendizado, com mais eficiência e rapidez. É nesse sentido que os eletrônicos com sua

capacidade de apreensão e mobilidade despontam como ferramentas de aprendizagem.

Dentro desse pensamento, procuramos a cada aula, solicitar aos alunos-jogadores

atividades que deveriam ser executadas após cada “jornada” de jogo:

a. Cumprimento de objetivos pré-determinados 28 por nós, associados ao

jogo: antes de cada nova fase (batalha ou campanha com nova civilização), que

lessem algo29 sobre a campanha histórica da personagem;

b. Fórum através do grupo criado no aplicativo de mensagem instantânea,

com delimitação nos assuntos ligados aos acontecimentos históricos

experimentados na campanha ou na batalha do jogo Age of Empires;

c. A produção de textos, que discorressem sobre a experiência30 com a batalha

ou civilização “experimentada” no jogo, sem exigências para a forma do texto,

que deveria ser mais o informal possível31, onde contivesse comentários sobre a

topografia, a localização no globo terrestre, da batalha e o nível tecnológico da

civilização.

Com essas atividades buscou-se o aprofundamento ao contexto do jogo, e a ampliação

consequente do conhecimento sobre História, e mesmo que acompanhássemos o

desenvolvimento de todas, não havia uma avaliação formal, direcionada à nota, mas um

comentário pessoal a cada produção do aluno, anotados nos textos e devolvidos na aula

ou pelo aplicativo mensageiro32. Um dos textos sempre seria escolhido para que os

colegas do grupo pudessem apreciar. No entanto poderíamos, num segundo momento,

com a metodologia no uso do jogo sendo implantada, sugerir uma avaliação nesses

parâmetros:

28 Estabelecer metas provoca um melhor armazenamento das experiências. 29 Essa “pesquisa” não possuía uma quantidade ou qualidade definida, mas voluntariamente ainda na

segunda semana do experimento, certamente depois de jogarem bastante, alguns alunos buscavam o

máximo de informações possível sobre as personagens e suas ações, chegando até a nos solicitar

indicação de livros sobre as civilizações. 30 As lições extraídas das experiências servem para antecipar como serão úteis os conhecimentos em

contextos futuros. 31 Os alunos trouxeram na primeira vez, apenas frases ou no máximo um período, ao final dos três

meses já conseguiam redigir verdadeiros relatos de uma página. 32 A explicação de como poderiam ter feito, aperfeiçoa a experiência permitindo a retomada mais rápida

do problema.

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a. Discussão sobre a ação dos personagens no curso da história ou contexto do jogo.

b. Avaliação do aprendizado adquirido, por meio de provas subjetivas.

c. Execução de trabalhos e preparação de projetos no contexto abordado pelo jogo.

As diversas oportunidades para aplicar as lições aprendidas em cada insucesso no jogo,

em novos contextos são providenciadas pela possibilidade de reinício do jogo, da fase ou

do fragmento a partir do ponto salvo – O jogador pode melhorar a interpretação de suas

ações, e as experiências são armazenadas e organizadas na memória de forma que são

capazes de acessa-las e construir simulações mentais.

HIPERATIVAÇÃO – UM FRENESI INFORMATIVO E SEMIÓTICO

A Hiperatividade é um estado excessivo de energia, que pode ser motora (física e

muscular) ou mental (intenso fluxo de pensamentos). Se algum órgão ou glândula de

nosso corpo estiver trabalhando em demasia, dizemos que ele está hiperativo.

Para um especialista, o sintoma hiperatividade, por si só pouco tem a dizer, e assim

inespecificamente pode ocorrer em múltiplas situações do dia a dia de pessoas normais,

sem causar qualquer espécie de problema.

Dizem do “paciente” hiperativo (cerebral) que é desatento, que não possui um bom

desempenho na escola e tende a ter problemas com a leitura e outras tarefas acadêmicas...

E se há um garoto que não para quieto, dizem logo “Esse menino não é normal! ” – Pode

até parecer uma observação carregada de conhecimento, se sai da boca de um professor

ou outro pretenso especialista em comportamento. É uma tarefa das mais difíceis avaliar

ou provar normalidade de quem quer que seja! Já a cem anos o mestre Machado de Assis

já tratava dessa “anormalidade generalizada” em O Alienista. E como concluiu: “Se ser

anormal é normal então não existe anormalidade! ”

O que é verdade: a hiperativação33, seja de que ordem for, de que gênero seja, de que

grau possa ser - leva a um comportamento de inquietude e de impulsividade. Esse

comportamento, parece ser muito comum em nosso cotidiano, todo o tempo somos ultra

estimulados pela mídia, e o jovem contemporâneo toma essa hiperativação como padrão

de vida. Vivemos uma total mudança no ambiente, em comparação a algumas décadas,

esse pesquisador, por exemplo, sentava-se espantado, aos 8 anos de idade, diante de uma

TV colorida, pela primeira vez em sua vida! Isso aconteceu a menos de 3,5 décadas. Hoje

33 Cunhamos esse termo para designar o indivíduo que seria hiperativo pelos estímulos da mídia. Se

usássemos o termo “hiperativo”, poderíamos causar uma confusão com um dos componentes do

comportamento das pessoas que desenvolvem o Déficit de Atenção. Apesar dos indivíduos hiperativados

e os hiperativos terem atividades cerebrais hiperestimuladas, o são por causas diferentes.

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existe muito mais estímulos: a TV, a Internet, os games, comunicação instantânea à palma

da mão, toda a mídia é vetor da hiperativação.

Os alunos narram que fazem a lição de casa e ao mesmo tempo executam quatro ou cinco

outras atividades: são aplicativos de mensagens instantâneas, em conexão com os amigos,

navegando na internet, vendo TV, ouvindo músicas, jogando... E alternam-nas

ininterruptamente. Esse dispêndio de esforço e tempo por parte do jovem, é associado

com diversão34. Seria o contrário de concentrar, ou seja, o que acreditávamos ser uma

condição para o aprendizado, associado pelo adolescente de hoje à “sofrimento”. Esse

comportamento teria correlação com o fenômeno da Cultura da Convergência explicado

por Jenkins35:

Trata-se de convergência dos meios de comunicação e cultura

participativa – a convergência refere-se ao fluxo de conteúdos através

de múltiplas plataformas de mídia, a cooperação entre múltiplos

mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos

meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das

experiências de entretenimento que desejam.

E continua: A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por

mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos

cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com

outros.

Também há uma correlação desse comportamento efêmero do jovem com a Inteligência

coletiva36, em um compartilhar intenso: onde acordam, comem, trabalham, estudam...

juntos, na hora de dormir continuam conectados, dividindo até esse momento! Embora

possam viver em cidades diferentes ou países diferentes.

Os indivíduos e os grupos não estão mais confrontados a saberes estáveis, os padrões

invertem-se, e a dependência e o isolamento de outrora é rechaçado. Tudo é definido por

uma maleabilidade de líquido, a níveis que não poderíamos nós, imaginar. Mas temos que

experimentar. É exatamente essa maleabilidade líquida que torna esse comportamento

efêmero. [...]eles não mantem a forma por muito tempo. Dar-lhes forma é mais fácil que

mantê-los nela.37

34 Palavra derivada do verbo “divertir”, de origem etimológica no latim medieval divergĕre, que significa

desviar a atenção, distrair, tendo como antônimo a palavra “concentrar”. 35 (2009:29) 36 A inteligência coletiva é um conceito que descreve um tipo de inteligência compartilhada que surge

da colaboração de muitos indivíduos em suas diversidades. É uma inteligência distribuída por toda

parte, na qual todo o saber está na humanidade, já que ninguém sabe tudo, porém todos sabem alguma

coisa. Pierre Lèvy. 37 Bauman (2001:15)

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O jovem tem muita energia. Como não a utiliza para atividades utilitárias, além do estudo,

pois os pais cumprem a função de provedor, essa energia é naturalmente canalizada para

os games, assim tenham acesso. É importante que façamos desse dispêndio de energia,

que é prática inclusive de relaxamento e distração, de mola propulsora para o aprendizado,

sem que precisemos deixar de promover o intuito prazeroso inicial. Então, a utilização do

eletrônico, ao invés de ser motivo de distração ou dispersão, será uma ferramenta de

“sedução” ao estudo e a aprendizagem – um instrumento didático – negando a falsa

dicotomia de que a prática do jogo eletrônico é oposta à aprendizagem.

Em um mundo em que a tecnologia torna possível criar universos, situações ilusórias

poderosas, é possível ampliar tanto a alienação como também o nível de experimentação

com um direcionamento. A vivência em uma sociedade tecnológica potencializa

deslocamentos importantes no comportamento do indivíduo, principalmente daquele em

que suas estruturas emocionais e cognitivas estão sedimentando-se. Por meio da

tecnologia, vemos uma infância que agora pode ter acesso a informações vindas de todas

as partes do mundo, comunicar-se rapidamente, e vivenciar no presente, trocas

significativas, em vez de voltar-se exclusivamente para sua preparação para a idade adulta.

As tecnologias presentes nos dispositivos eletrônicos fomentam uma nova forma de

percepção do mundo: de relação com a instantaneidade da informação; da construção das

habilidades cognitivas; das liberdades e da relação com a autoridade de pais e mestres. É

estabelecida a ilusão de um mundo imediato, que potencializa outros funcionamentos

cognitivo e intersubjetivo. Esse contexto provoca-nos a entender essas demandas, para

articular a experiência pedagógica no mundo de quem mudou a forma de brincar, a

linguagem falada e escrita, a ociosidade e os espaços para usufrui-la, a forma de ler e

escrever, e a relevância dada às imagens.

As mudanças comportamentais provocadas em crianças e adolescentes pela difusão de

culturas estrangeiras, em especial a americana38, é patente, se vivenciamos a negação da

tradição e dos princípios, como impedir que os modelos encomendados pelo mercado

sirvam para a deturpação da nossa cultura, o indivíduo é formado dentro de uma ótica

imagética, visual e interativa, e o vendedor de imagens mais eficiente em voga é a

televisão, onde filmes e novelas são os difusores de comportamentos tomados como

padrão pelo “mundo além de nós”39 que deve ser imitado.

Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a

partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do

fluxo midiático e transformados em recursos através dos

38 Do Estados Unidos da América. 39 Percepção sobre si, semelhante ao complexo de inferioridade, que há no povo brasileiro desde o

período colonial, em relação aos estrangeiros.

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quais compreendemos nossa vida cotidiana.40

Para o jovem, nativo do advento da tecnologização da sociedade, a assimilação do uso

dos lançamentos tecnológicos cotidianos é natural, as diferentes linguagens e aplicativos,

oferecidos são facilidades para a vida e vem atender suas necessidades mais corriqueiras

de excitação. O uso dos dispositivos eletrônicos, portáteis ou não, proporcionam acesso

sem barreiras a emoções, a condutas privadas e nem tanto e a pensamentos que são por

vezes ainda vedados no mundo da vida real. Murray41 nos conta da experiência de ser

transportado para um lugar primorosamente simulado ser prazerosa em si mesma,

independente do conteúdo da fantasia. O consumo se tornou aspiração de vida, consumo

de bens “duráveis”42, de amores, de identidades... Para que as possibilidades continuem

infinitas, nenhuma deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre43.

Compreender as particularidades desses grupos, tão ativos e interligados e dar atenção às

suas perspectivas sobre o presente e o futuro, leva-nos a analisar as mudanças de atitude

dentro e fora das unidades escolares. O barateamento dos meios de produção e acesso do

produto eletrônico e a mudança nos comportamentos de consumo geram processos mais

complexos e autônomos na relação entre o jovem, a sociedade e a educação. O que torna

necessária a reflexão sobre as práticas em sala de aula.

A metodologia educativa em voga, já não prende a atenção dessa nova geração. Discutir

educação implica em discutir o uso de eletrônicos como ferramenta. Os games, os

aplicativos e a internet, todos coexistem e concorrem no processo de formação das

pessoas a partir da palma de suas mãos. A mídia convergida está assumindo o papel de

educadora44, disseminando ideologias, vertendo e invertendo valores e conhecimentos,

fortalecendo e renegando comportamentos, ocupando territórios que antes cabiam

inicialmente a família e a igreja e depois a escola – a socialização.

O jovem por sua vez não percebe essa hiperativação, uma vez que nativos dessa época,

não experimentaram a “não hiperestimulação” como os maiores de 40 anos. O acesso à

informação no mundo tecnológico não é adiado como sempre foi no ambiente escolar, a

quietude e a concentração do modo que a escola sempre exigiu, não faz parte do dia-a-

dia hiperativado, que vem a tornar o ambiente escolar algo entediante, ou sem estímulos

40 Jenkins (2009:30) 41 (2003) 42 Não há mais bens duráveis, a obsolescência programada dos produtos pela empresa, para que haja

um giro maior no mercado é regra adotada também no comportamento, nada mantêm-se por muito

tempo, tudo liquefaz-se e evapora. 43 Bauman (2001:74) 44 Mesmo que esse não seja o seu papel precípuo ou explícito, e que também pode deseducar.

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suficientes.

Jogo eletrônico - Age of Empires II

Não queremos aqui analisar o jogo eletrônico escolhido, isso demandaria esmiuçar tudo

que implica em sua constituição, o hardware, o código fonte, a funcionalidade, a

jogabilidade, o sentido do jogo, a referencialidade e a sociocultura, e realizar essa análise

completa necessitaria de um trabalho interdisciplinar. Aqui faremos uma brevíssima

passagem em alguns aspectos de jogo para situá-los.

Age of Empires é uma série de jogos eletrônicos para computador e consoles portáteis

desenvolvida pela Ensemble Studios e publicada pela Microsoft. Pertence ao gênero

estratégia em tempo real e é caracterizada por marcarem eventos históricos. A série foi

considerada um sucesso comercial, vendendo mais de 15 milhões de cópias.

O jogo Age of Empires II: The Age of Kings com a expansão45, The Conquerors, que

utilizamos em nosso experimento, foi lançado em 199946. Retrata as conquistas militares

da Idade Média, início da Idade Moderna e a conquista espanhola do Império Asteca. O

utilizador escolhe uma civilização para jogar e a desenvolve ao longo da sua história em

campanhas47 e batalhas, com a opção de constituir a civilização da Idade da Pedra até a

Idade do Ferro, subdivididas em: idade das trevas, a idade do feudo, idade dos castelos e

a idade do império desde o Renascimento, assim passando por mil anos da História da

Humanidade.

Progredindo no game, permite-se o uso de novas unidades, nova construções e novas

tecnologias, com isso exigindo dos jogadores recursos que estão disponíveis no “terreno”

do jogo na forma de ouro, pedras, madeira e comida. Para que esses recursos sejam

extraídos são necessárias construções que são unidades beneficiadoras dos recursos –

algumas dessas edificações como o mercado ou a universidade, são exigidas para avançar

no desenvolvimento da civilização.

Cada civilização deve “atualizar a tecnologia” das unidades para aperfeiçoá-las. Com o

mercado é possível comprar e vender recursos, pagando impostos, e submetendo-se as

oscilações dos preços de compra e venda. Aspira-se desenvolver a civilização o mais

rápido possível, e manter-se mais desenvolvido que as outras civilizações para estar apto

45 Uma expansão permite ao consumidor, ampliar um jogo eletrônico, adicionando fases, módulos e

unidades. No caso do Age of Empires II, permite-se um upgrade na Inteligência Artificial do jogo, e a

adição de civilizações, fases e unidades. 46 Ano de nascimento da maioria dos alunos envolvidos no experimento. 47 Uma "campanha" é uma série de missões interligadas com um enredo específico.

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a defesa ou conquista de territórios e recursos. É interessante que as unidades “religiosas”

tem o poder de converter unidades de uma civilização para a outra, desde aldeões até

catapultas (os operadores dela).

Como objetivo principal nesse jogo eletrônico, deve-se cumprir as cinco campanhas

históricas, que permitem ao utilizador especializar-se nas condições envolvidas. Tudo é

reproduzido: tanto as condições climáticas como neve, seca, etc. Como o relevo com

montanhas, charcos, rios, florestas, planícies, vales, desertos; e a escassez ou abundância

de recursos, assim como o isolamento de áreas.

As cinco campanhas que contém os cenários baseados na História são: Genghis Khan na

Eurásia, Barbarossa, Saladino na Terra Santa, Joana D'arc e William Wallace. Nas duas

últimas campanhas, o jogador pode controlar a própria personagem, nas outras, recebe

ordens como General de Exército. As campanhas de William Wallace, Saladino e

Genghis Khan, podem ter um final alternativo aos acontecimentos históricos.

Uma "campanha" delimita batalhas e missões históricas, seguindo um foco e um sentido

também históricos, mesmo em algumas campanhas sendo permitido um final alternativo

à História, a nossa escolha por esse jogo eletrônico justifica-se não pela precisão absoluta

dos fatos históricos, mas pela experiência humana - pensamos em concentrar o

aprendizado não apenas nos fatos históricos, mas nos princípios de como os humanos

fizeram a História ou como poderiam tê-la feito. Afinal a História foi escrita pelos

vencedores!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluimos os trabalhos, felizes por averiguar a interação com o jogo eletrônico na

facilitação do aprendizado involuntário e dinâmico, e ratificamos a possibilidade do

método de ensino que desponta como a chave para a evolução cognitiva, na utilização

dos eletrônicos. Anunciamos os resultados de modo a contribuir com o aperfeiçoamento

do ensino em nosso país, e na consecução de nossos objetivos estabelecidos para esse

trabalho.

Afirmamos nossas hipóteses, na potencialização do funcionamento cerebral dos

educandos, com o método de ensino experimentado, e ratificado pela melhora na

porcentagem de conteúdo apreendido pelos alunos, após a utilização da ferramenta de

ensino proposta; os eletrônicos que apareciam como vilões, aliados da dispersão,

permitem que a necessidade de hiperativação dos jovens seja preenchida em sintonia e na

direção do melhor aproveitamento dos estudos, em nosso caso da disciplina de História.

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Finalmente pudemos negar a hipótese de que o eletrônico é um empecilho para a

aprendizagem, se seu potencial para atrair a atenção e capturar a concentração no estado

de Flow, seja pensado e submetido à um planejamento pedagógico, e aproveitado em suas

características, para negar um status de dispersor, e ratifica-lo como ferramenta de ensino.

Ainda durante nossos experimentos pudemos ratificar nossas impressões sobre o

potencial pedagógico nos jogos eletrônicos, com o estímulo que fez os alunos enxergarem

a emoção em conhecer os fatos históricos. Sobre o desafio que fizemos ao aluno, que ele

apreciaria os conhecimentos de História em um mês, não foi preciso ser nem conferido,

tão pouco o aluno incomodou-se com a menção, tão empolgado que viu-se ao executar o

jogo que o fez ter outras percepções. Foi visível o seu crescimento.

Ao contrário do que os mais conservadores, ou ‘cegos’ dizem: que o uso dos eletrônicos

é um “mal hábito”, “é passa tempo de vagabundo”, “é o inimigo da aprendizagem” 48, o

jogo que experimentamos sobressaiu-se como a melhor metodologia de aprendizagem,

segundo os próprios alunos. O jogo Age of Empires, ofereceu um treinamento intensivo

em história da humanidade, fez os alunos interessarem-se por outros assuntos da

disciplina, como se fosse a resenha do futebol, ou a última fofoca sobre a novela. A

capacidade de realização promovida pela sua utilização foi além da cooperação entre a

satisfação (sistema límbico) e cognição (córtex cerebral), diante do desafio de estudar

para aprender.

Durante a utilização do Age of Empires II notamos como o interesse dos alunos aumentou

em relação a arte (desenvolvimento do jogo, gráficos, caracterização); a História

(propriamente dita, não apenas a abordada pelo jogo, mas o que acontecia na época, no

Brasil e em outros continentes); as Ciências (como cada povo desenvolveu recursos, para

ter construções e armas melhores que outros – ou a percepção de que de uma fase para

outra, eles precisaram construir uma universidade para progredir, e como o conhecimento

foi tão importante no avanço das civilizações, ou como os treinamentos de unidades, as

faziam melhores; a Matemática (quando analisaram que pagavam impostos e ágio entre

os mercados) e a Geografia (todos eles começaram a procurar no mapa do mundo, onde

especificamente acontecia cada batalha, onde cada civilização surgiu, prosperou, etc.) e a

incorporação de conhecimentos em conceitos gerais.

Ainda atrelada a prática conseguimos perceber como brincando, modificaram

profundamente algumas competências imprescindíveis para o desenvolvimento escolar

como o jeito de pensar, a vontade por conhecer, a memória – fazendo referência a

situações do jogo, quando explicava na aula um assunto correlato, a concentração, a

48 Criada lei que proíbe o uso de celulares nas escolas.

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imaginação, a autoestima e até a personalidade – com mais atitude e direcionamento nas

escolhas.

Para os alunos, ficou logo evidente as coisas que poderiam aprender, pelo próprio

contexto do jogo: os fatos históricos e, por conseguinte outras coisas que o jogo trouxe,

como o gerenciamento do tempo, conhecimento geográfico dos continentes,

planejamento, estratégia, muitas palavras na língua inglesa, entre tantas outras, e ainda de

modo divertido.

Foi unânime entre os alunos, que de fato eles nunca pensaram que poderiam aprender

algo de modo tão fácil e prazeroso, muitos ficaram surpresos quando perguntei ao final

do experimento, em tom de informalidade, sobre os cinco personagens históricos

presentes no jogo, sobre o clima e relevo das regiões do globo onde se passaram as

campanhas, sobre épocas da história e em que situação estava a sociedade em termos de

técnica, sobre conceitos de mercado (oferta e procura) e nenhum teve dificuldade em

explanar muito bem, com riqueza de detalhes sobre todos os questionamentos. Sem

dúvida, os eletrônicos serão mediadores de aprendizagem no futuro. Em sua utilização

como ferramenta pedagógica está a chave para a evolução do ensino.

Inclusive a nossa percepção sobre os alunos sofreu mudança: mesmo já os tendo em conta

como seres individuais que mereciam tratamento o menos generalizado possível.

Percebemos que os

subestimava: eles foram tão mais interativos quanto pudéssemos dar meios, tão

fantasticamente mais imaginativos que éramos em sua idade, e ainda mais ativos e

entregues à ludicidade das atividades.

O jogo Age of Empires proporcionou uma gama de experiências que certamente

contribuirão para o desenvolvimento futuro dos jovens jogadores em questão, pela

capacidade de ajudar a estruturar o pensamento, concatenar as relações históricas, os

princípios políticos e o funcionamento psíquico. E como desenvolveram a percepção

sobre a ação e o significado.

O jogo foi utilizado para externar emoções mais facilmente, permitiu a construção de um

mundo ao modo do jogador – ao reviver a história modificando os fatos, na função

modgame, vivenciando papéis simbólicos, exercitando a capacidade de abstrair e

generalizar, dessa forma questionando a história enquanto criação dos adultos. A partir

do estudo das narrativas – respostas complexas às questões do questionário, obtivemos

um “compêndio” de expressões que foram subsídio para relacionarmos a Ideia Central

ao:

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Discurso do Sujeito Coletivo:

Ideia

Central Trechos do Discurso do Sujeito Coletivo

Ass

um

ir p

apéi

s,

Em

anci

paç

ão e

Ris

cos

“Eu sentia que era o general, no final do estágio eu tinha certeza que podia comandar qualquer

quartel desse daqui. Foi muito bom sentir que podia mudar o rumo da História. Cada vez que eu

errava, parecia que tinha sido por nada, sempre recomeço o estágio sabendo que vou passar. E se

eu salvava o jogo no meio do estágio, aí ficava ainda mais certo que ia passar, eu sabia onde tinha

errado. Todo o tempo eu tenho controle do jogo, sei tudo o que está acontecendo. Mesmo se eu erro,

sei até como não errar de novo. Eu perdia a batalha, ou a fase, mas tipo recomeçava com mais

vontade. Me chateava quando perdia, mas logo esquecia e aproveitava que eu sabia parte dos

movimentos da civilização inimiga. ”

Info

rmaç

ão “

na

hora

cer

ta”

e “a

ped

ido

”, e

xp

lora

r, p

ensa

r

late

ralm

ente

, re

pen

sar

os

ob

jeti

vo

s

“Sempre o jogo dá as informações, mas como o Professor disse que tudo foi baseado de verdade nas

características da civilização, eu vou ler mais sobre ela na internet, da minha e da do inimigo.

Quando eu ia pesquisar como aconteceu a batalha na História eu podia pensar melhor a “minha”

batalha. Sabendo o que aconteceu no final e porque, ficava fácil entender tudo que estava

acontecendo. Quando eu li como aconteceu, eu podia, sabendo o que eu tinha (recursos), agrupar

melhor e não fazer besteira, como os caras da história de verdade. Aí eu lia mais e mais, procurava

tudo que tinha escrito sobre o acontecimento. ”

A u

tili

zaçã

o

ped

agóg

ica

do

jogo

“Em tudo os professores podiam usar o jogo: em história, é claro! Mas em inglês, em português, em

artes, em educação física, em geografia, em ciências... Tipo, podia ver como eles falavam em português

o que aparece em inglês no jogo, o Professor diz que eles podiam falar errado ou com gíria. Podia saber

as áreas dos países (espaços Geográficos), o que eles usavam para melhorar as coisas que usavam em

ciências. Como um povo lutava melhor, era mais forte, por que treinava uma educação física, como os

Vikings. Como eles enfeitavam, pintavam as casas e as coisas. ”

O t

empo/e

spaç

o

“...jogando, muitas vezes eu pensei que estava lá, no jogo, esquecia que estava em casa ou na Lan-

house. Nem ouvia o barulho dos meninos ou de meus irmãos do lado, minha mãe também gritou

comigo dizendo que eu não estava ouvindo ela. Ficava às vezes “viajando” quando percebia que

era meu quarto pequeno e não aquela área do jogo. Eu jogava muito Tempo, nem percebia o tempo

passar, ficava cansado, mas logo voltava para jogar mais”

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O t

rab

alh

o e

a c

om

un

idad

e

“Eu trabalharia com qualquer das profissões do jogo, tinha os aldeões que cuidavam da terra e

colhiam, outros que eram mineiros e os que cortavam árvores e outros que pescava, eles eram

importantes por que eram esses recursos que davam chance de a gente ficar mais forte e avançar, e

ganhar as batalhas, mas eu preferia ser um dos soldados ou o general. Mas sem os aldeões a

civilização perdia logo por que não tinha quem trabalhasse de verdade, mas sem soldados e só com

aldeões não dava certo. Todo mudo era preciso e uns ajudavam os outros. Todo mundo tem que se

ajudar numa comunidade. Eu agora entendo melhor lá onde vivo, vou ajudar a fazer tudo melhor.

Não sei se vai ser divertido assim quando for trabalhar de verdade. Eu jogava muito tempo, nem

percebia o tempo passar, ficava cansado, mas logo voltava para jogar mais. Acho que se o trabalho

for assim, eu vou trabalhar muito tempo também. ”

Quadro do Discurso do Sujeito Coletivo - Miliano (2015)

Sintetizando os resultados obtivemos a formulação do quadro seguinte:

Quadro Síntese: Representações dos alunos sobre o uso do jogo eletrônico e o aprendizado

Discurso sobre as

capacidades pessoais

descobertas com o

jogo.

Discurso sobre o

interesse pelo

conhecimento

motivado pelo jogo.

Discurso sobre o

jogo como

ferramenta de

aprendizagem.

Discurso sobre o

tempo de

utilização do

jogo.

Discurso sobre os

conceitos sociais

imediatos aprendidos

com o jogo.

Todo o tempo eu

tenho controle do

jogo, sei tudo o que

está acontecendo.

Aí eu lia mais e

mais, procurava

tudo que tinha

escrito sobre o

acontecimento.

Em tudo os

professores

poderiam usar o

jogo

Muitas vezes eu

pensei que estava

lá, no jogo e nem

percebia o tempo

passar.

Todo mundo era

preciso49, e uns

ajudavam os outros.

Todo mundo tem que

se ajudar numa

comunidade.

Quadro Síntese do DSC - Miliano (2015)

A partir da coleta das narrativas e do método, descritos em nossa metodologia,

apreendemos da fala dos alunos sua unificação num único discurso, no intuito de reforçar

o pressuposto da R epresentação Social porque é uma forma de conhecimento

socialmente elaborada e faz parte da cultura do grupo estudado.

O conjunto de resultados pode ser interpretado pelas reflexões mais elaboradas sobre a

ideia de uso do jogo eletrônico como ferramenta de aprendizagem, atrelada a mudança

no método de ensino vigente. A partir do discurso coletivo podemos estabelecer a

relação com aspectos educacionais como também com a satisfação na utilização do

jogo eletrônico.

49 No sentido de ser importante.

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Com absoluta certeza, o uso do jogo eletrônico Age of Empires, como ferramenta

pedagógica foi capaz de potencializar o funcionamento cognitivo dos alunos envolvidos,

que melhoraram seu interesse pela disciplina, multiplicaram o conhecimento contextual

em história da humanidade e suas fases, promovendo o entendimento de história para suas

vidas, ampliaram o gosto pela leitura, inclusive da literatura de base histórica, melhorando

a relação professor/aluno, aluno/aluno. O que representou um progresso na porcentagem

de conteúdo apreendido sobre a disciplina 50 , sem desgastes com desmotivação ou

desinteresse.

2.1. Conclusão

Com o jogo eletrônico que utilizamos, repetimos, dentro de um planejamento e

direcionamento pedagógico em sua utilização, a busca pelo conhecimento deu-se pela

busca voluntária pelo aluno, em suas residências, nos smartphones, nos trajetos que

percorriam, na escola e nos diversos ambientes em que aprendiam de modo ativo e

prazeroso, contínuo e quase natural, tornando assim o uso do jogo eletrônico um excelente

mediador pedagógico.

É evidente que como qualquer ferramenta, sem um planejamento, uma adaptação ao

contexto, a atenção ao domínio na utilização, o jogo eletrônico será tão ineficaz como

qualquer aula sem a promoção da aprendizagem.

A partir de tudo isso a função do professor não pode mais ser a de difusão do

conhecimento apenas, agora isso é feito de forma mais eficaz por outros meios e com o

papel de agente, assumido pelo aluno. O preceptor deve incorporar o mediador e

incentivar a aprendizagem e o pensamento, assim como ratificar a sua condição de

referência para os alunos, amar o que tomou como missão de vida e distribuir o afeto

indistintamente para todos os seus pupilos, isso quando acontece, é totalmente percebido

por eles e, suficiente para que o mestre, assuma o controle da sala apenas com um olhar.

O respeito dos educandos pelo educador e vice-versa, proporciona o desenvolvimento da

aula, de modo agradável e interativo. A despeito do que os “obsoletos”, que possam

argumentar, o professor modelo é um animador da inteligência, é um pai, com a

autoridade, e a responsabilidade, mas repleto também de amor. Suas funções serão de

50 Apenas metade dos 40 alunos envolvidos na pesquisa receberam o jogo Age of Empires II para

experimentar, foram orientados a não distribuir cópias, os outros 20 alunos que participaram da

pesquisa foram solicitados a não utilizar o jogo Age of Empires II durante os três meses de nosso

experimento. Os alunos jogadores melhoraram suas performances dos conteúdos de história, alguns

passando de 20 para 80% de domínio. Os outros alunos que continuaram utilizando eletrônicos

normalmente, e que não usaram o jogo, mas participaram das entrevistas, não tiveram aumentos muito

significativos nas médias da disciplina de História.

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acompanhante da evolução de seus discípulos, de gestores de sua aprendizagem,

excitador da comunhão de saberes e de mediador personalizado dos trajetos da

aprendizagem de cada “filho”.

Os mundos virtuais que os jovens adentram pelas pequenas telas, a cada instante, são a

chave para o avanço das tecnologias intelectuais, e amplificadores dos aspectos

evolutivos das mentes. Qualquer um que não aceite o rótulo da obsolescência deveria

experimentar o aperfeiçoamento nas suas funções cognitivas: imaginação, percepção,

memória, raciocínio, imergindo em qualquer jogo eletrônico, ao invés de negar o que já

está sedimentado como prática das novas gerações.

De um modo como nunca aconteceu antes, os talentos aprendidos por um profissional na

sua formação são quase obsoletos ao final de sua vida. Há uma mutação no que se entende

por profissional, especialista, profissão. Outro dia nos perguntaram: “...qual sua

profissão...” e epifanicamente tivemos que responder: “Qual você precisa? ” – No

mercado das atividades remuneradoras da Mais Valia, temos que fazer muito, atuarmos

em diversas áreas, a nossa noção de profissão acaba por ser um problema a definir! A

melhor pergunta da moça, para nós, seria: “Que competências o senhor tem? ” – Hoje no

mundo em que cada indivíduo é um universo, cada pessoa possui uma coleção particular

de talentos.

Com esse novo suporte de informação e de comunicação emergem gêneros de

conhecimentos inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos

atores na produção e tratamentos dos conhecimentos. Qualquer política de educação terá

que levar isso em conta.

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REFERÊNCIAS

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