O dia em que eu nasci, morra e pereça

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Corrente renascentista O dia em que eu nasci, morra e pe Camões

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Lírica Camoniana

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  • 1. Cames Corrente renascentista

2. O dia em que eu nasci, moura e perea,no o queira jamais o tempo dar,no torne mais ao mundo, e, se tornar,eclipse nesse passo o sol padea.luz lhe falte, o sol se lhe escurea,mostre o mundo sinais de se acabar,nasam-lhe monstros, sangue chovao ar, a me ao prprio filho no conhea.s pessoas pasmadas de ignorantes,as lgrimas no rosto, a cor perdida,cuidem que o mundo j se destruiu. gente temerosa, no te espantes,que este dia deitou ao mundo a vidamais desgraada que jamais se viu! 3. TEMA A maldio da existnciaO dia em que eu nasci, morra e perea,O seu nascimento foi maldito. O fatalismo.No o queira jamais o tempo dar,Diferencia-se dos outros homens at naNo torne mais ao mundo e, se tornar,Eclipse nesse passo o sol padea. desgraa. Ele superior, o seu nascimento foiapocalptico. O eclipse corresponde ao fim doA luz lhe falte, o sol se lhe escurea, mundo, era uma inteno divina.Mostre o mundo sinais de se acabar,Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar,A me ao prprio filho no conhea.As pessoas pasmadas, de ignorantes, O poeta amaldioa o dia em que nasceu eAs lgrimas no rosto, a cor perdida,deseja, se se voltar a repetir, se deemCuidem que o mundo j se destruiu.fenmenos extraordinrios para que todos gente temerosa, no te espantes,fiquem sabendo que nesse dia nasceu aQue este dia deitou ao mundo a vida pessoa mais desgraada.Mais desgraada que jamais se viu! Recusa do dia em que nasceu. Desconcerto pessoal. AUTOBIOGRAFIA 4. Assunto: O sujeito potico fala sobre otempo em que nasceu, revelandosentimentos disfricos de que esseO dia em que eu nasci, morra e perea,acontecimento nunca se devia terNo o queira jamais o tempo dar,acontecido.No torne mais ao mundo e, se tornar,Eclipse nesse passo o sol padea.A luz lhe falte, o sol se lhe escurea,Mostre o mundo sinais de se acabar, Soneto apocalptico.Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar, Referncias bblicas: Apocalipse e base noA me ao prprio filho no conhea. Livro de Job. O poeta, a diferena de Job, perdea confiana.As pessoas pasmadas, de ignorantes,Imagens violentas (sangue chova o ar).As lgrimas no rosto, a cor perdida,Cuidem que o mundo j se destruiu.Hiprbole.Referncia ao leitor futuro ( gente temerosa). gente temerosa, no te espantes,Que este dia deitou ao mundo a vidaMais desgraada que jamais se viu! Moura/perea/padea = morra; Rostro = rosto/face; Cuidem = saibam; Desaventurada = infeliz; 5. Estrutura interna Desenvolvimento do temaO dia em que eu nasci, morra e perea,No o queira jamais o tempo dar, Amaldioa o dia emDiviso em partes:No torne mais ao mundo e, se tornar, que nasceu 1. parte: 1. quadra -Eclipse nesse passo o sol padea.Maldio ao mundo.A luz lhe falte, o sol se lhe escurea,2. parte: 2. quadra Cenrio monstruosoMostre o mundo sinais de se acabar,e1. terceto -Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar,RecriaodeumA me ao prprio filho no conhea.cenriomonstruoso para uma eventualAs pessoas pasmadas, de ignorantes,repetio do dia emAs lgrimas no rosto, a cor perdida, Prev a reaco das que nasceu.Cuidem que o mundo j se destruiu. pessoas 3. parte: 2. terceto - gente temerosa, no te espantes, Recusa do dia em queQue este dia deitou ao mundo a vidaLana o repto final nasceu.Mais desgraada que jamais se viu! 6. Estrutura interna Desenvolvimento do temaO dia em que eu nasci, morra e perea,O eu lamenta ter nascido, assumindo umaNo o queira jamais o tempo dar,atitude masoquista nos pedidos formulados,No torne mais ao mundo e, se tornar, cujos efeitos podero atingir toda aEclipse nesse passo o sol padea. humanidade.O dia do nascimento surge aqui amaldioadoA luz lhe falte, o sol se lhe escurea, mas tambm personificado, sugerindo o seuMostre o mundo sinais de se acabar, poder destruidor.Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar,A me ao prprio filho no conhea.Efeitos produzidos nos humanos pelaAs pessoas pasmadas, de ignorantes, transformao que o sujeito espera queAs lgrimas no rosto, a cor perdida,ocorra na natureza.Cuidem que o mundo j se destruiu.Justifica-se e confirma-se o pedido auto e gente temerosa, no te espantes,heterodestrutivo que inicia e percorre todoQue este dia deitou ao mundo a vidao texto.Mais desgraada que jamais se viu! 7. O dia em que eu nasci, moura e perea,no o queira jamais o tempo dar,no torne mais ao mundo, e, se tornar,eclipse nesse passo o sol padea.1 momento: constitui a maldio e depoisa recriao de um cenrio monstruoso queluz lhe falte, o sol se lhe escurea,mostre o mundo sinais de se acabar,o poeta deseja que se materialize numanasam-lhe monstros, sangue chovaeventual repetio do dia do seuo ar, a me ao prprio filho no conhea.nascimento.s pessoas pasmadas de ignorantes,as lgrimas no rosto, a cor perdida,cuidem que o mundo j se destruiu.2 momento: constitui uma justificaoperante a gente temerosa da razo da gente temerosa, no te espantes,recusa do dia em que nasceu da violncia de que este dia deitou ao mundo a vidaum cenrio desejado para a sua eventual mais desgraada que jamais se viu!repetio. 8. MODOS VERBAIS UTILIZADOSO dia em que eu nasci moura e perea.No o queira jamais o tempo dar,No torne mais ao mundo, e, se tornar,Eclipse nesse passo o sol padea.A luz lhe falte, o cu se lhe escurea, ConjuntivoMostre o mundo sinais de se acabar, InfinitivoNasam-lhe monstros, sangue chova o ar, IndicativoA me ao prprio filho no conhea.As pessoas, pasmadas de ignorantes,As lgrimas no rostro, a cor perdida,Cuidem que o mundo j se destruiu. gente temerosa, no te espantes,Que este dia deitou ao mundo a vida IndicativoMais desaventurada que se viu! 9. Forma potica e rimasSoneto com rimas:O dia em que eu nasci moura e perea. ANo o queira jamais o tempo dar, B InterpoladaNo torne mais ao mundo, e, se tornar, BEclipse nesse passo o sol padea. AA luz lhe falte, o cu se lhe escurea, AMostre o mundo sinais de se acabar, B EmparelhadaNasam-lhe monstros, sangue chova o ar, BA me ao prprio filho no conhea. AAs pessoas, pasmadas de ignorantes, CAs lgrimas no rostro, a cor perdida, DCuidem que o mundo j se destruiu. E Interpolada gente temerosa, no te espantes, CQue este dia deitou ao mundo a vida DMais desaventurada que se viu! EEsquema rimtico: ABBA / ABBA / CDE / CDE 10. Recursos estilsticos Pleonasmo - Reiterao da maldio. O dia em que eu nasci moura e perea. No o queira jamais o tempo dar, No torne mais ao mundo, e, se tornar, Hiprbole: "No o queirajamais destruiu", "Que este dia Eclipse nesse passo o sol padea. Inverso que jamais se viu" - Acentuar bemtoda a maldio que lana sobre o A luz lhe falte, o cu se lhe escurea,dia do seu nascimento. Mostre o mundo sinais de se acabar, Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar,Metfora: Nasam-lhe monstros, sangue chova o ar A me ao prprio filho no conhea.Enumerao As pessoas, pasmadas de ignorantes, Adjetivao: "pasmadas, perdida, temerosa" - As lgrimas no rostro, a cor perdida,Palavras carregadas de negativismo. Cuidem que o mundo j se destruiu. gente temerosa, no te espantes, ApstrofeNomes carregados de negativismo: "eclipse, monstros, Que este dia deitou ao mundo a vida sangue, lgrimas" - Terror, medo. Mais desaventurada que se viu! Modo conjuntivo: "lhe falte", "se escurea", "nasam-Anfora: No/ No lhe" - Traduz o intenso desejo de amaldioar tudo. 11. O dia em que eu nasci, morra e perea, O euNo o queira jamais o tempo dar,amaldioa o diaNo torne mais ao mundo e, se tornar, em que nasceuEclipse nesse passo o sol padea.A luz lhe falte, o sol se lhe escurea,Mostre o mundo sinais de se acabar, EfeitosNasam-lhe monstros, sangue chova o ar, Maldies produzidos nasA me ao prprio filho no conhea.pessoasAs pessoas pasmadas, de ignorantes,As lgrimas no rosto, a cor perdida,Cuidem que o mundo j se destruiu. Apela s pessoas para que no se espantem, pois naquele dianasceu o ser mais infeliz do gente temerosa, no te espantes,MundoQue este dia deitou ao mundo a vidaMais desgraada que jamais se viu! 12. Este texto coloca-nos de chofre em contato com o que h de mais ntimo epro-fundo em Cames, isto , em contato com o prprio poeta.E como? Em primeiro lugar, pela estreita relao Cames-poeta e Cames-personagem, Cames-sujeito e Cames-objeto da sua poesia. Depois, pelasituao de desespero que aparece como ponto de chegada de uma sriede temas: iluso, engano, desengano, sofrimento, frustrao... Em terceirolugar, pelo tom de ira e furor, de revolta cega, e contudo lcida,especificamente camoniana. E depois, ainda, por temas muitocaratersticos e definidores da viso da vida do poeta: a ligao donascimento e da morte; as relaes ambguas com a me; a viso de siprprio como um ser desmesurado, mesmo monstruoso; a sensao dedesgraa maior. MATOS, Maria Vitalina Leal de, 1987.Ler e Escrever. Lisboa: IN-CM 13. Disciplina: PortugusProf.: Helena Maria Coutinho