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    In Memorian

    do Sr. Eduardo Cabral

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    Agradeo a Deus e ao meu

    pastor e amigo

    Carlos Nogueira

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    Como Pastor do Dr. Eliardo Cabral, desejo parabeniz-lo por

    este exemplar biogrfico, que conta a comovente estria de sua vida.

    Que desde o seu nascimento houve uma luta travada do mal contra a

    sua existncia. Porm, Deus j o havia escolhido antes da fundao

    do mundo e atravs das suas misericrdias, sua vida foi preservada

    para encontrar a verdadeira alegria da vitria.

    Secularmente, como Promotor de Justia; espiritualmente,

    como Evangelista e Secretrio de Misses do Campo Monte Castelo,em Teresina-PI, da Igreja Assemblia de Deus Ministrio de

    Madureira, e que tambm pode dizer: eu e a minha casa serviremos

    ao Senhor.

    Recomendo ao caro leitor que leia esta obra, pois a mesma tem

    grandes lies de vida e lhe encorajar a vencer as duras

    adversidades existenciais.

    Pr. Carlos da Silva Nogueira

    Presidente da CONEMAD-PI e da Igreja Evanglica

    Assemblia de Deus Ministrio de Madureira em Teresina-PI

    Monte Castelo.

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    SUMRIO

    1. Estamos em Guerra......................................................................6

    2. Algumas Doenas Espirituais.....................................................143. Viajando nas Asas do Tempo.....................................................18

    4. Fora do Mundo dos Vivos Antes de Morrer................................22

    5. Ponte Estreita e Perigosa...........................................................30

    6. A Viagem dos Sonhos................................................................35

    7. A Viagem de Retorno.................................................................41

    8. Recordaes Amargas...............................................................44

    9. Deciso Confirmada...................................................................53

    10. Incio de Ministrio....................................................................58

    11. Mudana de Hbitos.................................................................63

    12. Dizimista Consciente.................................................................69

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    CAPTULO I Estamos em Guerra

    udo Acabado. Era maro de 1998. Rua Jaime da Botica,

    Planalto Ininga, em Teresina. No interior da casa n580, um

    homem estava preso nas garras de Satans. A luta estava

    travada. A derrota parecia certa, pois, a cada dia, a opresso

    aumentava e o desejo de morrer se tornava incontrolvel. Ao alcance

    da mo se encontrava dentro de uma pasta preta, de nilon, um

    revlver calibre 38, marca Taurus, com seis balas, aguardando a

    deciso de apertar o gatilho, quando o cano da referida arma se

    apoiasse na tmpora, no peito ou mesmo introduzido em sua boca.

    Em mais de uma ocasio, aquele miservel homem pegou e olhou

    detidamente aquela arma e buscava no seu interior coragem para

    cumprir as ordens que Satans colocava em sua mente.

    T

    Em determinada ocasio, quando tudo parecia irreversvel,

    o tal homem levou a sua mente ao seu tempo de infncia, mais

    precisamente ao seu nascimento, quase morto, ocasio em que, de

    fato, foi desenganado pelo mdico que trabalhou no parto. Detendo-se

    nesse fato, sem entender o motivo de ter meditado em sua

    sobrevivncia, quando aparentemente no tinha mais vida. A partirdaquele momento navegou atravs da mente, percorrendo um longo

    trajeto, pontilhado de muitas experincias dramticas, em que a vida e

    a morte andaram lado a lado em luta travada, como se fosse uma

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    guerra, em que, at aquele momento, a vida vencia todos os

    combates.

    Diante desse quadro, ele fechou os olhos, desistiu

    momentaneamente do seu intento, e passou a reviver a sua distanteinfncia. Infncia dividida em duas etapas bem distintas: a primeira do

    nascimento aos seis anos e a segunda dos sete aos doze anos.

    Quando tentava nascer, a sua me morava numa fazenda,

    situada a 34Km da sede do municpio. Primeiro filho de um casal

    campons com larga tradio rural no interior do Estado do Cear.

    Pessoas acostumadas com as constantes secas. Conheciam bem a

    paisagem do serto. Audes sem gua; ossos secos dos animais que

    morriam de fome nos campos e nas vrzeas sem pastos. Depois de

    setenta e duas horas preso no ventre de sua me; horas contadas do

    incio do trabalho de parto, no nasceu, mas foi arrancado a ferro. O

    mdico deu a sentena: no h esperana de sobrevivncia, mas,

    caso sobreviva, no prestar para nada, pois depender de remdios

    permanentemente, para ter uma vida de constantes convulses e

    diversos outros tipos de problemas de ordem neurolgica. De uma

    forma ou de outra e por vias das dvidas, mandaram chamar o Padre

    Lus, vigrio muito prestigiado no lugar, a enfermeira, Dona Alice, e o

    marido dela, seu Joo, que foram os padrinhos do menino, para no

    morrer pago. Um grande ferimento na cabea, conseqncia dos

    ferros usados para arranc-lo das entranhas da me. Ferimentoque no era a principal causa da provvel morte da criana, que

    morreria mesmo porque seus intestinos estavam sem funcionar.

    Tambm no urinava. Vencido o primeiro combate. Ali estava iniciando

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    a infncia aquele primognito. Nascido no seio de uma famlia de

    catlicos nominais e muito tradicionais.

    Sete tios paternos e algumas tias se encarregaram de

    oferecer carinhos e cuidados aquele pequeno vivente, que contava,ainda, com um grande afago por parte dos avs paternos.

    A criana, em verdade, no era atraente. Embora sendo

    criana, j apresentava sinais de feira, que seus parentes tentavam

    ignorar, mas logo deixaram transparecer, em suas palavras, as suas

    opinies sobre a extica aparncia da criana. O menino tinha uma

    cabea enorme, com uma tambm enorme cicatriz do lado direito,

    resultado do grande ferimento produzido pelos frceps. Olhos muito

    grandes. Era o que logo comearam a comentar: menino feio!.

    O ano era 1954, quando o aludido menino nasceu em

    janeiro. Corria o ano e a criana recebia algum carinho dos pais, mas

    j em janeiro de 1955, ele perdeu a ateno de sua me que acabava

    de dar luz a sua primeira irm. Este sim, parto normal, sem ferimento

    na cabea, proporcional ao corpo, olhos bonitos. Uma linda criana,

    diziam com convico. As atenes foram todas canalizadas recm-

    nascida que, por sua vez, perdeu para outra menina que nasceu em

    dezembro do mesmo ano de 1955. Pronto. Agora, em menos de dois

    anos, j so trs crianas, sem ter nascido ningum gmeo.

    O tempo parecia muito lento, mas logo chegou o ano de

    1960, quando a prole j era composta de seis filhos, dois meninos equatro meninas, sendo que o mais velho contava apenas seis anos de

    vida e era cada vez mais feio e triste. Diziam que seria um HOMEM,

    mas ningum falava nada das coisas que fazem um menino feliz. Ao

    contrrio, o que o garoto mais ouvia eram as frases proferidas pelos

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    parentes e que diziam: que menino feio!, menino da cabea

    grande!. Em 1960, adotando um projeto mal planejado, o pai daquele

    menino feio vendeu tudo o que tinha no interior do municpio e se

    transferiu para a cidade onde deu incio a uma nova atividadeprofissional. Deixou para trs a experincia que tinha adquirido de

    seus pais, incluindo seus avs, nascidos e criados em propriedades

    rurais, praticando a agricultura de subsistncia, dosada com a criao

    de pequenos rebanhos, ele avanou em direo ao comrcio varejista,

    de forma to insegura quanto um cego conduzindo um automvel. No

    se consegue fazer o que no se conhece.

    O casal e seus seis filhos pequenos fixaram residncia em

    uma pequena vila de um bairro distante do centro da cidade. Era

    verdadeiramente um mundo totalmente novo para aquele garoto de

    seis anos, que acabara de perder o contato com os nicos rostos at

    ali conhecidos: os dos seus parentes. Eles ficaram l no interior. Agora

    ele no tinha ningum para chamar de tio, nem um colo, no recebia

    mais nenhum abrao, nenhum carinho. Dois meninos se

    apresentaram, eram filhos de um vizinho, tambm comerciante. No

    se estabeleceu nenhuma amizade entre o recm-chegado e os

    meninos da cidade. Existia uma pequena diferena de idade,

    aproximadamente dois anos, que eles tinham a mais. Isto no impedia

    o relacionamento. Acontece que existia uma timidez to grande, uma

    introverso indisfarvel tomava conta daquele menino, que ainda topequeno, j podia sentir uma barreira que o separava dos demais: a

    sua aparncia. Todos diziam que ele era muito feio, ento ele

    acreditou que era mesmo muito feio. Ora, menino feio no meio dos

    outros no serve seno para ser objeto de zombaria. Um dizia:

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    parece um cabur, outro completava: olho de caminho. Logo o

    garoto feio corria chorando para a presena de sua me. Queixava-se

    das ofensas, mas a me que tambm achava seu pimpolho o mais

    feio de todos, recomendava que ele fosse brincar sozinho, tem nadano, vai brincar sozinho. Acontece, que o pai tinha um bom

    estabelecimento comercial, mas o filho no tinha um nico brinquedo.

    Ficaria para o resto de sua vida a lembrana daqueles caminhes que

    os filhos dos Seu Nenm, o vizinho comerciante, conduziam com

    habilidade manobrando os tais brinquedos com aqueles cordes.

    Que caminhozinho lindo! Balbuciava o referido menino. Fora do seu

    alcance, ele se contentava, ali, naquela janela, somente em

    contemplar aquele vai e vem dos belos caminhezinhos. Um dia ele

    ganhara o nico brinquedo de toda sua infncia, mas ficara na casa de

    sua av, em poder de um menino que ela estava criando, era tambm

    um caminho, mas muito mal feito, que nem parecia com os

    caminhes dos filhos do vizinho.

    Mas nem tudo era to mal assim. Algo existia naquele

    menino feio do interior, e sem amigos. Sobrevivente de um parto

    complicadssimo. A beleza dele comeou a desabrochar quando ele

    comeou a estudar. Agora, ele acabava de ganhar mais um slogan: o

    que tem de feio, tem de inteligente. Outros falavam,

    equivocadamente, tambm com uma cabea dessas... Ocorre que,

    enquanto o filho era um destaque inegvel no colgio, onde estudava,o pai estava indo falncia nos seus negcios. Falncia decretada em

    menos de dois anos de atividade comercial, pela completa falta de

    conhecimento da rea comercial. Caiu tudo por terra. Meninos fora do

    colgio. O que parecia ser belo naquele menino, estava sendo

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    enterrado, a famlia volta para o interior. A propriedade vendida para ir

    cidade virou um pesadelo, pois pertence aos compradores. No

    resta nada dela. Tudo fora investido no comrcio que acaba de

    quebrar. Seis filhos pequenos. Final de 1962. Os bens da famliaestavam em processo de inventrio, pois o patriarca havia falecido,

    sendo que os herdeiros estavam em completo desacordo com a ida do

    falido para o meio deles. O fardo no lhes seria leve, No seria e no

    foi. O casal e os filhos se alojaram em um antigo depsito. Quatro

    paredes sem luz e sem gua, que alis, quela poca no existiam

    (luz e gua), nem nas casas residenciais. A lamparina a querosene era

    a nica fonte de luz artificial noite. Redes para os meninos e uma

    cama, do que restou para o casal. Alis, cama onde seriam

    concebidos mais quatro filhos.

    O tempo foi passando, agora parecia mais lento ainda. O

    pai no tinha e nunca teve resistncia fsica para trabalhar no

    pesado. Nasceu filho de patro, viveu como um patro. Agora no

    tem outra alternativa: ou comia de esmolas, dadas pela me, viva, ou

    pega as ferramentas da roa, que a pouco tempo ele entregava aos

    seus trabalhadores, na sua ex-propriedade. Ele no agentava. Ia

    para a roa, levava uma cabaa com gua, e um pedao de fumo de

    corda, para fazer o que chamava p-duro, mas no produzia quase

    nada alm de muitas lgrimas.

    Meu filho, dizia ele, vendi tudo que tinha e fui para acidade porque eu nunca consegui estudar. Eu queria muito e no pude

    estudar. Ento fui para a cidade para dar estudos a voc, meu filho, e

    aos seus irmos. Eu no queria e no quero criar vocs aqui. Tenho

    desejo que vocs tenham um futuro diferente. Agora nada posso fazer,

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    no sou um homem da roa, no nasci para o trabalho pesado, no

    tenho resistncia. Cada vez chorava mais.

    L no depsito onde dormiam, a me chorava muito mais.

    A falta de esperana sufocava aquela famlia.O menino estava de volta ao seu habitat, mas o quadro

    agora j bem diferente. Alm de continuar bastante feio e triste, suas

    inseparveis caractersticas, passou a ser parte de um grave

    problema. A viva no tinha estrutura financeira para suportar. Em

    conseqncia disso e por outros motivos, inclusive uma nova

    gestao, os irmos daquele pobre e desanimado pai de famlia se

    tornaram muito revoltados, ameaando-o at de uma boa surra, pois

    entendiam que ele era o nico culpado por tudo que estava

    acontecendo a ele e a sua famlia.

    Portanto, como se tornou inevitvel, ele foi morar com sua

    famlia na fazenda de um bondoso parente (primo de sua me),

    distante dali muitos quilmetros. Igualmente distante ficava o futuro

    que aquele homem pretendia alcanar. Longe da escola, isto , dos

    estudos, o menino em referncia comea a trabalhar naquela fazenda

    em alguns trabalhos pesados, incluindo o trabalho em lavouras

    alheias, mediante pequenos pagamentos que eram utilizados no

    sustento (sobrevivncia) dos seus irmos. Alis, sobreviver, quela

    poca j seria uma vitria parecida com um milagre.

    Enquanto ele repassava na memria essas lembranas,deitado em uma rede no interior da referida casa, a porta do quarto se

    abriu. Entrou sua esposa, acendeu a luz, dizendo que estava ali para

    fazer os curativos em suas feridas. Ela estava falando das feridas do

    seu corpo fsico, enquanto ele acabava de lembrar de algumas das

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    feridas da sua alma. Aplicados os medicamentos, cuidadosa e

    carinhosamente, o quadro era desalentador, pois no se vislumbrava o

    menor sinal de melhora. A pele daquele miservel homem estava

    totalmente comprometida. A coceira era to cruel, que causararapidamente grandes estragos. Enormes feridas infeccionadas e

    tumores (furnculos), em espantosa quantidade.

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    CAPTULO II Algumas Doenas Espirituais

    Sentimento de culpa que atormentava aquele pecador

    era extremamente intenso. Ele no entendia a causa de

    to terrvel desconforto. Somente aps um longo tempo

    tomou conhecimento do motivo daquele fenmeno espiritual. Alm

    do sentimento de culpa, j estavam presentes naquela vida outros

    males, destacando-se a solido, o vazio existencial e os medos.

    OO primeiro grande medo que o atormentava,

    depois da morte, era no ter a sua sade de volta, pois desde

    novembro do ano anterior, 1997, que aquele terrvel mal estava

    alojado em sua pele. Acrescente-se a tudo isso o fato de no ser

    um filho da cidade. Logo no podia contar com nenhum parente ou

    com algum amigo. Viera do interior, sul do Estado, onde exercera a

    funo de Promotor de Justia durante nove anos. Agora, estava ali

    com a sade afetada, sem ter um amigo na cidade, sem dinheiro,

    ao contrrio, experimentava um processo de endividamento muito

    acentuado. Contava contra ele uma restrio em seu crdito

    financeiro, isto , uma indicao no SERASA. Um carro quecomprara financiado se encontrava transferido a um indivduo

    enganador, que h seis meses no pagava uma nica parcela do

    financiamento. Cara nas garras malditas dos agiotas. Descia em

    queda livre, rumo ao chamado fundo do poo.

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    Desejava encontrar um nico motivo para sorrir,

    para ser feliz, mas no conseguia ver nenhuma razo para viver,

    viver o futuro, talvez, por isso, voltou quela distante fazenda para

    viver novamente o passado, sem perceber que aquele passadoestava intimamente ligado ao momento que vivia e ao futuro que o

    Diabo tentava roubar-lhe.

    Sentado no alpendre da casa grande daquela

    fazenda, onde alguns homens conversavam. Todos estavam

    resignados. Ali nenhum tinha sonhos. Ningum ousava mudar

    absolutamente nada em sua vida. Viviam uma vida sem riscos,

    porm sem novidade, sem emoes. O mundo ali era muito

    pequeno. Todos se sentiam satisfeitos com qualquer coisa, menos

    um: o menino feio. Contava oito anos de vida, quando ouviu o seu

    pai comentar que os jovens iam servir ao Exrcito Brasileiro e que

    era servio obrigatrio aos dezoito anos. Queria amanhecer o dia

    seguinte com aquela idade para se mudar daquele lugar. No sabia

    que ainda teria mais trs anos pela frente at surgir a primeira

    oportunidade de voltar a estudar na cidade, em casa de parentes.

    Durante os referidos trs anos, aquele menino que parecia ficar

    mais feio, viveu numa pobreza financeira muito grande.

    O pai no permaneceu muito tempo naquela

    fazenda do parente de sua me, tamanha era a humilhao que

    sofria por parte dos filhos do proprietrio daquelas terras.Decidiu voltar ao depsito que ocupara

    anteriormente, na propriedade de sua me, e receber as

    humilhaes, e no poucas, dos seus prprios irmos.

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    Para um dos irmos, que era comerciante, o pai

    do garoto em tela passou a trabalhar. Contratado para fazer tijolos.

    O mtodo era o mais rstico. O mais primrio que se tem

    conhecimento: cavava-se o barro em local adequado, que eramexido com gua at ficar bem pastoso como uma massa.

    Colocava-se o barro numa forma que, retirada, deixava no cho

    dois tijolos de cada vez. A olaria, onde os tijolos eram feitos, ficava

    perto do aude, de onde o menino chamado feio trazia a gua para

    preparar o barro. Com os dois ps dentro do barreiro, pisando pra

    l e pra c, aquele garoto era o nico auxiliar do seu pai, durante

    um longo perodo em que conseguiram a sobrevivncia da famlia

    com os ps e as mos no barro.

    Enquanto trabalhavam no barreiro, isto , naquela

    olaria, eles no tinham outro alimento, no almoo ou na janta, alm

    do chib, uma mistura de gua, rapadura raspada e farinha de

    mandioca. Muitas vezes o pai tinha srias crises intestinais, alm

    do inusitado alimento, o calor era muito intenso. O trabalho era

    realizado debaixo de um sol escaldante.

    Agora tem que continuar, porque o dbito crescia

    no comrcio do irmo patro. Que fornecia algum mantimento para

    uma famlia de dez pessoas: o casal e oito filhos. O mais velho era

    o que pisava barro no barreiro com os prprios ps, enquanto o

    mais novo arrastava o bumbum no cho batido do depsito ondemoravam.

    Pai e filho conversavam debaixo de uma moita,

    enquanto tomavam o chib, na hora do almoo. Ele dizia ao filho

    algo que ficaria para o resto de sua vida. As grandes lies foram

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    passadas daquele pai para o filho ali naquela olaria. Destaquem-se

    estas: Um homem deve ser honesto, mesmo que no tenha nada

    na vida, mas no pode deixar de ser honesto.Um grande defeito

    de um homem ser fofoqueiro e mentiroso. Nunca queira o queno seu. Um ladro pior do que qualquer outro criminoso. E

    tantas outras lies de ordem moral, que no foram afetadas pela

    misria financeira, repentina, na vida daquele homem.

    Ali parado, olhos fixos no teto daquele quarto, que

    seria o palco do mais tenebroso desatino, aquele homem s

    percebeu que sua esposa falava com ele depois que ela o chamou

    vrias vezes. Parecia atolado no barreiro de barro de onde sara h

    tantos anos.

    O que foi que houve? Indagou ela.

    Nada.

    Parece que voc estava to distante.

    Quem? Eu? No. Impresso sua.

    Voc est melhor?

    Melhor...!? No sei. Acho que no. Acho que

    pouca coisa mudou. Quer dizer, a diferena que hoje estou mais

    velho.

    No consigo entender.

    Depois...um dia voc vai entender. Agora, saia e

    apague a luz. Eu quero dormir um pouco.Dormir era a fuga preferida daquele infeliz. A fuga

    da realidade. Aquele homem, mesmo sendo um promotor de

    justia, se encontrava vencido. Estava derrotado pela opresso

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    maligna. Satans lhe devorara tudo e ele no sabia, nem

    desconfiava da terrvel ao do Inimigo.

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    CAPTULO III Viajando nas Asas do Tempo

    o dormiu. Agora ele comeava a perceber a ligao

    estreita que existia entre o momento de sua vida e o seu

    passado. Alguma coisa precisava ser entendida. Foram

    muitas lutas. Muitas provas. Tudo em sua vida foi obtido mediante

    uma superao de obstculos aparentemente intransponveis.

    NDiante desse novo quadro que se desenhava,

    embora no esboando nenhuma melhora da sua sade (fsica,

    financeira e psicolgica), ele se afastou um pouco da obsessiva

    idia de suicdio, pois sentiu desejo de reviver mais um pouco o seu

    tempo de infncia e adolescncia.

    Ao retornar quela fazenda, ele se deparou com o

    seu pai numa situao pior do que a sua. Lembrou bem que seu

    genitor estava com um dente to infeccionado que o colocava

    gemendo dia e noite, impedindo-o completamente de trabalhar na

    mencionada olaria. Sem assistncia mdica, no lhe restava outra

    alternativa, seno esperar que a bolsa estourasse por fora do seu

    queixo, o que de fato ocorreu, derramando todo o pus, ou seja, a

    secreo que lhe provocava a quase insuportvel dor. Abatido,

    depois do inexplicvel sofrimento, que durou vrios dias, no tinhaabsolutamente nada para fazer um caldo. Ele chorou. Chorou de

    forma sentida, dizendo que se o pai dele fosse vivo ele no estaria

    naquela situao. Mandou uma filha, a mais velha, comprar fiado

    no fornecimento meio quilo de acar, 100g de caf e um pacote de

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    biscoitos. Ela foi, mas voltou sem trazer nada. Ainda restava um

    pouco de sal em uma lata e gua, no muito boa, no pote.

    Cado ali, no interior daquela casa da citada Rua

    Jaime da Botica, aquele Promotor de Justia estremeceu, aovislumbrar, atravs da memria, situao mais difcil vivida por seu

    pai. Parou um pouco. Pensou mais um tempinho e logo voltou para

    perto do seu pai que se encontrava naquele interior to distante, no

    tempo e no espao. Viu o pai ali deitado esmorecido e com muita

    fome. Lembrou claramente da atitude que adotou: foi casa do seu

    tio no para pedir fiado novamente. No. Foi l pedir emprestado o

    cachorro chamado Fox, que era bom de pre.

    O Fox pegava pre na corrida. E foi assim que o

    menino, que um dia seria um Promotor de Justia, retornou para

    casa levando trs pres. Ao tomar o caldo dos bichos, o doente

    comeou a ter uma expressiva melhora, ocasio em que disse que

    nunca tinha tomado um alimento to especial.

    Decorrido mais algum tempo naquele lugar, a

    famlia j estava morando numa modesta casa. Sara do depsito,

    mas a qualidade de vida permanecia a mesma. No se

    apresentava nenhuma perspectiva de uma vida melhor.

    Conduzindo um jumento com duas ancoretas, o

    menino, que j contava onze anos, ia buscar gua para beber em

    um aude distante, exatos seis quilmetros de sua casa.Eram duas cargas todos os dias: uma para sua

    casa e outra para a casa de sua av, de onde vinha o minguado

    (mas providencial) sustento de seus irmos menores (sete irmos

    pequenos).

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    Enquanto retirava a gua das ancoretas e a

    colocava nos potes da casa de sua av, em uma manh quente de

    domingo, aquele menino ouviu uma pergunta que, de acordo com a

    resposta, mudaria a trajetria de sua vida.O esposo de sua tia Zilda, de nome Sales,

    perguntou ao seu compadre Eduardo:

    Compadre, voc deixa esse menino ir comigo

    para o Quixad, para estudar?

    Se ele quiser ir, compadre, eu deixo. Sei que

    fico de pernas quebradas, porque ele quem me ajuda, mas...

    Era a resposta que o menino queria ouvir.

    Pois compadre, ajeite o menino, mais tarde tou

    saindo e vou levar esse bixim. Esse menino, compadre, o que tem

    de feio, tem de inteligente...

    Era o comentrio que ele no queria ouvir.

    At a hora da partida para a cidade, sem

    conscincia do que estava acontecendo, o menino viveu a deliciosa

    vida com esperana. Vida com alegria. Alegria de sonhar que iria

    estudar. Que teria uma nova vida. At esqueceu o fato de que

    deixaria naquele lugar a sua famlia em profunda misria financeira.

    chegada a hora. O Jipe azul, de paralamas

    arredondados, estava na porta da casa de sua av. O carro era

    fretado pelo tio comerciante na cidade. Viera visitar os familiares daesposa que morava naqueles confins dos sertes.

    O menino se sentou no banco traseiro e ali ficou

    pensativo. A vontade de mudar de vida lhe tiraria a saudade dos

    irmos e pais, alm das coisas daquele lugar, que, mesmo ruins,

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    ele gostava e no sabia. verdade. Ele gostava de pegar piaba de

    anzol no aude. Gostava de armar fojos nas veredas dos pres.

    Gostava de...gostava....

    A tia, momentos antes da sada, indagou: Onde t a bolsa do menino? Ele respondeu:

    Bolsa?! Tenho no senhora.

    Eu tou falando bixim das roupas, voc no

    entendeu no?

    O menino olhava assustado para aquele monto

    de gente em volta sem saber o que dizer.

    Eu no tenho roupa...s tem esse calo e essa

    blusa eu ganhei hoje pra viajar. Os chinelos o papai fez de pneu

    com tiras de couro cru. No tenho outras no senhora.

    Ele no sabia nem conseguia imaginar o tamanho

    da humilhao que sofreria dali pra frente.

    Ocorre que o tio que o convidara estava decidido

    a ajud-lo.

    Ao anoitecer, estava entrando naquela cidade

    pela segunda vez. A primeira em companhia dos seus pais, para

    estudar. Agora, a segunda vez levado por seu tio, tambm para

    estudar.

    Assim, tomado de comovente gratido quele

    bondoso homem, que ficaria em sua mente para sempre, o agoraPromotor de Justia dorme um pouco mais distante do suicdio.

    CAPTULO IV Fora do Mundo dos Vivos Antes de Morrer

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    o havia encontrado coragem para ceifar sua prpria

    vida, no entanto, tambm no se encontrava encorajado

    para continuar vivendo. Ali estava morando em uma casaalugada. Considerava o aluguel muito alto. O chamado custo de

    vida tambm muito caro. Quando viera do interior, sem conhecer

    ningum, alm de alguns poucos colegas de profisso, ele no

    conseguiu fazer amizade seno com dois alcolatras: um muito

    violento, que sempre conduzia um revlver 38 cheio de balas e

    outro tremendamente escarnecedor, muito debochado mesmo.

    Mas, agora, como estava com a pele quase toda infeccionada e

    tomando antibiticos at os cachaceiros se afastaram dele.

    N

    Ali ele estava s. No queria incomodar seus

    colegas de trabalho. Um deles, em certo dia, tentou falar do

    evangelho de Jesus para ele, mas foi logo e prontamente rejeitado

    por aquele homem que entendia diferente. Alis, o nico crente

    naquela instituio ministerial.

    No! No aceito! Da minha vida cuido eu.

    Sustentava com uma veemncia espantosa.

    Depois voc vai entender que no pode viver

    sem a proteo de Deus. Sustentava o colega evanglico.

    Aquele homem ainda no estava preparado para

    ouvir as grandes verdades que no conhecia. Ele pensava quetinha o direito de fazer ou no fazer o que bem entendesse, sem o

    controle de ningum.

    Quase no saia daquele quarto alm das

    constantes sadas em pensamento.

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    E foi nas asas da sua imaginao que se

    deslocou Escola Santa Ins em Quixad, onde estudou quando

    ali esteve pela primeira vez, em 1960. Da referida escola, ele

    guardava timas recordaes. Visitou tambm quela escolaparticular, no bairro Puti, onde fora matriculado por determinao

    do seu tio, que no permitiu a sua permanncia no Grupo Escolar,

    por causa do ensino que, no seu entendimento, era fraco.

    Naquela escola, o menino do interior estudava na

    mesma turma do casal de filhos adotivos do seu tio.

    Como seus primos guardavam entre si

    caractersticas bem distintas: a menina bem morena, bem escura, e

    o menino muito branco, alm de outros detalhes que distinguiam

    um do outro, certo dia a professora quis saber dele se o referido

    casal era filho legtimo ou no dos seus tios. O embarao estava ali

    diante daquele menino que nunca caiu na simpatia da irm do seu

    pai. Por um instante ele exitou, mas logo ele lembrou da orientao

    recebida do pai l na olaria: um homem no deve ser mentiroso.

    Professora, eles so criados pelos meus tios

    como se fossem filhos.

    Voc t dizendo que eles so adotivos?

    Isso mesmo.

    Duas horas depois ele j estava sabendo quanto

    custava dizer a verdade. A humilhao foi muito grande e o Diabono o levou de volta para a fazenda porque o Sr. Sales era

    verdadeiramente um homem bom e estava mesmo decidido a

    ajudar aquele pr-adolescente a sair do barro.

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    chegado o ano de 1966. A seca no serto era

    severa. Devastadora. No auge da crise o pai daquele menino

    compareceu ao comrcio do Sr. Sales, onde momentaneamente o

    garoto se encontrava s, ocasio em que aquele homem se dirigiuao filho, dizendo o seguinte:

    Meu filho, eu no consegui arranjar nada para

    levar pros seus irmos e l em casa eu no deixei nada, coloque a

    numa sacola umas duas rapaduras, uns quilos de farinha e uns

    biscoitos pra eu levar e depois eu falo com o compadre Sales. Ao

    que o filho respondeu ao pai:

    Papai, acho melhor o Senhor falar logo com ele.

    A resposta do menino tinha como base outra lio

    que aprendera na olaria, quando seu pai lhe disse que no se deve

    pegar coisa nenhuma alheia, sem autorizao do proprietrio.

    Cumpre lembrar que no ouve a solicitao ao Sr. Sales, tendo o

    Sr. Eduardo retornado a sua casa sem levar absolutamente nada

    para os filhos que l passavam fome.

    Aquele garoto no estava passando fome,

    juntamente com seus irmos mais novos, no entanto sentia a

    mesma angstia. Sofria o sofrimento deles. Tinha dentro de si um

    desejo muito grande de vencer aquela terrvel dificuldade.

    Em determinado dia estava no comrcio do seu

    tio Sales, quando ali chegou uma senhora que morava em SoPaulo, olhou fixa e demoradamente para aquele garoto, antes de

    formular a seguinte pergunta:

    - Voc quer ir morar em So Paulo? Se quiser, eu

    te levo para minha casa. Voc vai estudar e ser um homem.

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    - No senhora. Posso ir no senhora. Papai no

    deixa eu ir com a senhora no senhora.

    Ali ele ficou com muita curiosidade. Indagava a si

    mesmo de como seria a vida num lugar to distante. Alis, halguns anos morava um tio seu em So Paulo. Durante alguns dias,

    ele ficou entendendo que acabara de perder uma boa oportunidade

    de mudana de vida. Mudana de vida para ele, mas que no

    significava melhora nenhuma na vida de seus pais e seus irmos.

    Ainda permaneceu naquele lugar por mais um

    pouco de tempo. Ocorre que, como estava oprimido, por causa das

    constantes e severas humilhaes que sofria, um tio de seu pai de

    nome Antnio, aconselhou ao sobrinho a retirada do seu filho

    daquele lugar, antes que algo pior viesse a acontecer.

    E foi assim que, aos catorze anos de idade,

    aquele adolescente voltou para a dura realidade da casa dos seus

    pais, onde a pobreza era extrema. A fome e a doena rondavam

    aquela casa. Aquele rapazinho entrou num estado de to grande

    desnimo que quase no falava nada com ningum. Estava sempre

    calado e em algum lugar sozinho. No gostava de ficar perto de

    gente. Nem mesmo com a av dele aceitava falar alguma coisa.

    Quando falava, era pronunciando as palavras pela metade, como

    se fosse uma parte da palavra para dentro dele mesmo. Algo

    estava para acontecer e aconteceu: comeou a ter contato combebidas alcolicas, para logo em seguida fazer uso de cigarros.

    Juntamente com os vcios, chegou a ele tambm um forte

    sentimento de revolta e um tremendo impulso de violncia. Com

    tais atributos, passou a se envolver em confuses e brigas, pois

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    quando ingeria bebidas alcolicas ficava bastante transtornado, ou

    seja, como se fosse louco. Enfurecido.

    Com o nico propsito de ajudar ao filho e sem

    saber o que estava fazendo, o pai daquele jovem passou a levar ofilho presena de um umbandista, para expulsar dele o coisa

    ruim, fato que ocorreu pela primeira vez no final de 1968.

    O tal umbandista deu logo a sentena: ele um

    mdium de nascena e precisa ser desenvolvido, para fazer

    trabalhos com muito poder, inclusive de mover as coisas com um

    simples olhar.

    Isso interessou muito quele jovem. Como todas

    as pessoas viventes, ele gostou demais da idia de ter poder

    sobrenatural. Aceitou a proposta de se desenvolver, sem desconfiar

    de nada. Claro, ele no sabia que se tratava de uma grande

    mentira do servo de Satans.

    Durante as sesses de Umbanda, para

    desenvolver a sua mediunidade, era ingerida uma boa quantidade

    de marafa e fumados muitos cigarros, o que contribuiu mais e

    mais para os vcios que j tomavam conta daquele pobre infeliz,

    que parecia, no entanto, animado com a idia de ter poderes.

    Alm da possibilidade de se tornar um vidente, o

    jovem j alimentava, o sonho de casar-se com uma sobrinha do

    macumbeiro, que tambm era dada prtica maligna da feitiaria. chegado o ano de 1970. Agora ele j est

    contando dezesseis anos de vida. Quando no estava no chamado

    terreiro de macumba, ele cuidava do gado de uma fazenda que seu

    pai tomava conta e amansava burro bravo. Esclarea-se que no

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    ano de 1968, em outubro, o Sr. Eduardo conseguiu emprego na

    referida fazenda, o que significou espantar a fome e a misria, pois

    ali ele tinha direito a leite e peixe com abundncia para a sua

    numerosa famlia.O Jovem se tornou um pegador de boi bravo nos

    carrascos do serto. Pegava um boi bravo em qualquer lugar do

    mato. Certa vez, como desafio, ele pegou um boi no mato fechado,

    carrasco, montado num cavalo em plo, isto , sem sela, e sem

    camisa, ou seja, alm de no vestir um gibo de couro, que protege

    a pele, ainda tirou a prpria camisa ficando nu da cintura para cima.

    Era um espanto, diziam os que presenciaram a faanha. Agora,

    ele estava desejando algo mais: queria pegar um boi bravo no

    carrasco, noite, s com o claro da lua. Ele, em verdade, desejava

    mostrar que era capaz de fazer alguma coisa sobrenatural, para

    provar que era mesmo dotado de poderes estranhos.

    Mas no seu interior batia, fortemente, de forma

    induvidosa, um sentimento de que tinha muita coisa errada. Ele no

    poderia casar-se com aquela macumbeira to cheia de problemas

    e, principalmente, porque ele no tinha nada alm da prpria vida.

    Alm disso, ele comeou a questionar a utilidade daqueles

    possveis poderes, no tocante desejada mudana em sua

    trajetria de vida. Ele decidiu e comeou a falar para algumas

    pessoas que iria embora para So Paulo, logo que tivesse seusdocumentos pessoais em mos, especialmente, o certificado de

    reservista, ou de dispensa do servio obrigatrio das Foras

    Armadas. Sustentava com muita convico: no ficarei aqui. Essa

    vida no a que eu desejo para mim. Duas horas da madrugada

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    dentro de curral tirando leite de vaca no o que desejo continuar

    fazendo.

    Mais uma vez a esposa daquele miservel

    homem entrou naquele quarto. Dessa vez para dar-lhe umapssima notcia:

    - No agento mais. Voc vai ficar mais uma vez

    sozinho.

    Ela se referia ao primeiro casamento fracassado

    do seu marido.

    - Tem problema no, ele rebateu: voc saindo

    por aquela porta, e eu colocando um fim em tudo isso com um

    simples t!.

    Disse isso enquanto apontava o indicador para a

    sua prpria tmpora direita.

    E em tom muito agressivo, como de costume, ele

    falou para ela: voc j devia ter era ido. V! V logo! Suma da

    minha frente! Quem voc pensa que para me afrontar com esse

    tipo de insulto e ameaa? Voc tem que entender que eu sou um

    cabra macho e no abro nem para um trem cheio de chumbo.

    Ela chorou, mas segurando o filhinho caula nos

    braos que contava dois meses de vida, decidiu ficar e suportar

    mais um pouco com resignao.

    Pouco depois da desavena e dos impropriosproferidos pelo doente, ele dormiu novamente. Era o que mais

    gostava de fazer naqueles difceis dias da sua vida.

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    CAPTULO V Ponte Estreita e Perigosa

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    avegando numa velocidade superior velocidade da luz,

    aquele pobre homem estabelecia paralelos entre a sua

    infncia, adolescncia e juventude, com os dias que estava

    vivendo ali naquela capital mafrense.

    NEle j estava convencido pelo seu prprio

    entendimento de que no seria curado de tantas feridas no seu corpo

    fsico. O que ele no tinha conscincia era de que sua alma estava

    muito mais doente do que a sua carne.

    Realmente ele desejava ver aquilo chegar ao fim.

    Ocorre que os remdios no produziam nenhum resultado. Ele sofria

    tambm com o pensamento de que sua famlia(esposa e filhos) iria,

    possivelmente, para o controle de outro homem como costuma

    acontecer em casos semelhantes(morte ou separao voluntria).

    Sentia cimes. Cimes imaginrios da esposa. Concordara e at

    mandara ir embora, no dia anterior, pensando em morrer, mas ele

    sabia que para viver, sem ela, seria mais complicado.

    bom salientar, que ele sempre desejou ter uma

    famlia. No entanto, no conseguia cuidar satisfatoriamente da famlia

    que tinha. Perdera a primeira: esposa e um filho e estava ficando sem

    a segunda: esposa, duas filhas e um filho. O sentimento de culpa

    aumentava a cada dia.

    De forma incontida, agora ele voltava ao passado,

    talvez buscando explicao para certos acontecimentos, quem sabe,desejando entender o momento dramtico que estava vivendo.

    Longe. Bem longe, no tempo e no espao, ele

    comeou a reviver mais um perodo de sua vida em uma outra olaria.

    Olaria situada numa fazenda de nome So Bernardo. Lembrava bem

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    que o ano era 1972. Os dois anos anteriores foram de estiagem(secas

    severas). O Sr. Eduardo saiu daquela fazenda, que tomava conta. No

    tinha para onde ir. Foi morar na aludida fazenda So Bernardo. O filho,

    que completara dezoito anos em janeiro acabara de ser dispensadopelo glorioso Exrcito Brasileiro, por insuficincia fsica temporria.

    No recebeu logo o tal certificado de dispensa e no tinha dinheiro

    para viajar com destino a So Paulo: seu grande sonho; sua grande

    esperana de mudar de vida.

    Portanto, enquanto no obtinha o valor da

    passagem, e para no ser mais um desocupado, foi para a olaria com

    o Raimundo e o Zez. Seu trabalho, desta vez, no seria amassar o

    barro com os prprios ps. No, esse seria o trabalho destinado ao

    Zez. A sua tarefa era cortar lenha para queimar os tijolos fabricados

    naquela olaria. O almoo no seria o chib. O alimento era um feijo

    to bichado, que, enquanto cozinhava, os gorgulhos iam subindo e

    eram lanados fora da panela com uma colher. Mas a maioria deles

    morria no prprio gro e viravam alimento tambm. Feijo com sal,

    farinha, rapadura e gorgulho. No almoo e na janta. Eles, Raimundo e

    Zez, diziam que a comida tinha o melhor tempero do mundo: a fome.

    A tristeza naquele jovem era visvel. Tudo lhe parecia

    sem esperana. O tempo agora estava passando um pouco mais

    rpido. Era bem diferente do tempo em que contava apenas oito ou

    nove anos de idade. A sua expectativa de ingressar na carreira militarj era pgina virada. A possibilidade de concluir pelo menos o primrio

    fugia completamente do seu controle. Trabalhava sozinho no mato

    cortando lenha com um pesado machado. Dormia ao relento: rede

    armada de um lado para outro. No tinha a quem recorrer e no sabia

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    recorrer. No sabia falar com Deus. No sabia quem era Deus.

    Durante sua infncia ouviu muito sua me falar de So Francisco e de

    Nossa Senhora de Ftima. Alis, nome dado por ela a um dos filhos e

    a primeira filha, Francisco e Ftima. A me do rapaz fazia promessa ese dizia devota de tais santos, mas aquele jovem no tinha nenhuma

    devoo a ningum. Ele s queria mesmo era sair dali. A ajuda

    poderia ser de qualquer santo. Surpreendentemente ele no estava

    confiando nos tais poderes dos guias da umbanda para tirar-lhe

    daquele lugar, nem para deles obter qualquer outro benefcio. E foi na

    completa ignorncia espiritual que ele recorreu a uma senhora que ele

    tambm no conhecia: A padroeira do Brasil, Aparecida. Ocorre que

    sem questionamento do aspecto espiritual, certo dia o Sr. Eduardo foi

    aquele lugar levando um convite que fora formulado por um tio do

    mencionado jovem, irmo da me dele, chamado Ricardo. Este

    mandara convidar o sobrinho para trabalhar com ele na cidade de

    Quixad e na vizinhana vendendo confeces de porta em porta. Era

    o conhecido Galego.

    Eis uma aparente e nova oportunidade. E seria at

    boa, caso ele tivesse um pouco mais de facilidade na comunicao

    verbal com as pessoas e fosse menos tmido.

    O tio Ricardo era bastante animado e com ele o

    aludido sobrinho trabalhou at o incio de fevereiro de 1974, quando

    embarcou em um nibus para So Paulo cheio de esperanas. Umacoisa, todavia tirava-lhe a alegria: a lembrana do lugar onde se

    despediu dos seus pais e dos seus irmos. O lugar era muito ruim e

    distante da cidade. A pobreza nunca se afastava daquela famlia.

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    Beber, ele no estava bebendo, mas ia vrias vezes

    janela do quarto para fumar. Fumava e soprava a fumaa pela janela

    sem perceber que uma boa parte daquele veneno ficava ali mesmo no

    quarto e atingia em cheio o seu filhinho de apenas alguns meses devida que dormia em um bero. Ali, naquele quarto, Ele desejava

    ardentemente viver o passado, porm de modo diferente, sem a

    devida conscincia de que o passado era semelhante fumaa que

    ele soprava naquela janela: nunca mais voltaria quele lugar.

    O nico meio ao seu alcance para tocar o passado

    era o que ele estava usando: a sua lembrana.

    Diariamente ele demorava olhando umas dez

    imagens de santos ali expostas no seu dormitrio, todavia no

    clamava a nenhuma delas. Somente olhava. bem da verdade, ele

    no estava clamando a ningum. Ele queria mesmo era morrer, mas

    no morria.

    Depois de fazer os curativos naquela manh, sua

    esposa conversou demoradamente com ele. Pouco a pouco, aquele

    homem se tornava mais esmorecido. No tinha mais nenhum projeto.

    Estava se entregando. Considerava-se vencido. No reunia foras

    para reiniciar.

    - Noto voc muito calado. O que voc tem pensado

    tanto? Indagou a esposa.

    - Eu no gostaria de falar dessas coisas agora. Eleretrucou.

    - Que coisas? Posso saber?

    - No. Quer dizer, at pode...eu que no quero...

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    - Eu acho que voc vai sair dessa. Voc um

    vencedor. Tem gente muito pior do que voc.

    - Tem mesmo. T morto e sepultado.

    - Fale assim no. Voc ainda novo. Tenha f.- Tenha o qu? Ora vamos...venhamos e

    convenhamos. F...f lutar pelo que quer. Lutei demais. Deu nisso.

    T na pior. Agora no luto mais por nada. Acabou. Acabou mesmo.

    - Tente relacionar dez coisas boas em sua vida e

    voc vai ver que tem muito mais.

    - Tem mais nada...

    - Procure lembrar.

    - Lembrar o que mais tenho feito. No posso viver

    de lembranas. As lembranas do passado no esto me ajudando

    em nada no presente.

    - , mas lembre que voc formado em Direito e por

    isso voc ...

    - Esquea isso.

    Ele falou para ela esquecer, mas foi exatamente

    esse tema que ocupou a sua mente nas longas horas seguintes.

    CAPTULO VI A Viagem dos Sonhos

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    o dia 12 de fevereiro de 1974, com vinte anos de idade, ele

    chegava em So Paulo por volta das 16:00 horas. Foi levado

    da estao rodoviria para a casa do seu tio que morava na

    zona norte daquela metrpole. Depois do primeiro banho de guaquente(chuveiro eltrico), o humilde rapaz foi at ao porto de

    entrada daquela casa e olhou atentamente para o desconhecido.

    Muita fumaa no ar, mas, em verdade, alm da fumaa havia muitas

    outras coisas no ar.

    N

    A notcia j estava l. Eles j sabiam do

    comportamento daquele moo nordestino, quando estava embriagado.

    Portanto, antes da primeira bebedeira, naquele lugar, o recm-

    chegado foi levado a um terreiro de umbanda, para receber uns

    passes e ficar livre das perturbaes causadas pelos encostos.

    Tava na cara que era encosto ruim, sustentavam com convico.

    Naquele terreiro, ele ouviu mais uma vez o enganoso

    relato: ou desenvolve a mediunidade, para receber os seus guias, ou

    voc fica doido. O mensageiro do Satans acrescentou que em

    contrapartida, caso fosse feito o processo de desenvolvimento, os

    poderes seriam muito grandes, inclusive movimentar as coisas sem

    toc-las.

    Dessa vez, ao contrrio da anterior, ele no sentiu

    vontade de aceitar aquela proposta coisa nenhuma. O rapaz estava

    em So Paulo com a inarredvel determinao de mudar sua trajetriade vida, mas no sendo um macumbeiro. Isto no. Ousou, em

    verdade, ser um advogado. Como?! Um advogado?! Sim, quem sabe

    um promotor de justia.

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    De um certo homem, empresrio, recebeu a seguinte

    lio: voc precisa mesmo de um negcio para ganhar muito

    dinheiro. No apenas dinheiro, mas muito dinheiro.

    No entendimento dele, quem tem muito dinheiro notem nenhum tipo de problema. Defendia sua tese com unhas e dentes

    afirmando que tudo se resolve com dinheiro.

    Era um homem casado, de cuja unio tinha um casal

    de filhos, ainda crianas. A sua esposa era bem jovem e bela, mas,

    mesmo assim, ele tinha uma poderosa amante; uma espcie de

    crebro dos negcios dele. Alis, empresas que cresciam

    rapidamente, como ele desejava. O tempo passou rapidamente e,

    quando o filho estava ingressando na universidade, a amante

    (crebro dos negcios, como ele gostava de dizer) morreu com um

    cncer exatamente no crebro. As atividades sofreram um inevitvel

    abalo. Ele ficou muito desanimado, pois perdera mais do que o amor

    secreto da vida dele; perdera a insubstituvel administradora das suas

    empresas. Mas, de qualquer modo, como quem tem dinheiro, no tem

    problema, ele tocou os seus negcios a partir dali como pde.

    Ocorre que, mais um tempinho, o filho sofreu um

    grave acidente no trnsito; perdeu as duas pernas e morreu dizendo

    que no podia morrer, enquanto o referido empresrio e pai chorava

    confessando que estava morrendo juntamente com o filho.

    A mulher, que j freqentava habitualmente oscentros de umbanda, revoltada com a amante do marido, passou a

    freqent-los diariamente, onde contraiu uma manifesta insanidade

    mental. Mas, como tinha muito dinheiro, no se deve nem pensar em

    problemas. Faltava a filha. A moa engordou demais; tornou-se um

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    tanto boba, casou-se com um malandro, drogado, traficante de

    drogas, que entrou naquela brecha para mostrar, claramente, o que

    acontece a quem perdeu a dcima segunda aula de Jesus e no

    busca em primeiro lugar o Reino de Deus.Matriculado em uma escola para adultos, ligada e

    mantida pelo SESI, ele concluiu o antigo primrio que ficara inacabado

    h alguns anos l em Quixad. No final de 1975 estava sendo

    diplomado. No precisa mais dizer que ele tinha uma certa facilidade,

    quando o assunto era estudar.

    Nos dois anos seguintes, 1976-1977, num curso

    supletivo e estudando de forma surpreendente(intensamente), ele

    conseguiu o diploma do equivalente ao antigo ginsio. oportuno

    ressaltar que em novembro de 75 seus pais e irmos foram residir em

    So Paulo, sendo que, a partir da, passou a receber grande incentivo

    por parte dos seus pais.

    No se pode perder de vista a indisfarvel

    indefinio no tocante a uma religio. No se decidira pelo baixo

    espiritismo, embora o freqentasse, notadamente quando se sentia

    oprimido ou de ressaca da bebida.

    No se sentia atrado por nenhuma igreja evanglica

    e ningum, ningum mesmo, lhe falou do evangelho de Jesus durante

    aqueles anos. Falavam e o levavam constantemente para os terreiros

    de macumba.Mas foi ainda assim, sem saber quem era Jesus, que

    do incio de 1978 at junho de 1979, ele obteve o diploma no mesmo

    curso supletivo do equivalente ao antigo cientfico ou colegial(2 grau

    ou Mdio).

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    De julho a dezembro de 1979 freqentou um

    cursinho e estudou ainda mais intensamente, com o determinado

    propsito de ingressar numa faculdade de Direito. Inscreveu-se em

    dois vestibulares: o famoso e difcil vestibular da FUVEST, queselecionava para a USP(Universidade de So Paulo as velhas

    ARCADAS de tantas celebridades e no vestibular das Faculdades

    Metropolitanas Unidas FMU).

    Nas opes, tanto de uma quanto da outra, ele

    colocou Direito nas duas primeiras e Economia na terceira opo.

    Aprovado na primeira fase do elitizado vestibular da

    FUVEST, no logou xito na segunda etapa. Os detalhes no so

    interessantes agora. Chamado a se matricular na Metropolitana,

    figurando na primeira chamada, pois obtivera timo resultado no

    vestibular.

    Pode at parecer inacreditvel, mas aquele jovem

    no realizaria o to acalentado sonho de se formar em Direito, pelo

    menos era o que ele estava vislumbrando atravs da sua tica

    puramente humana. A faculdade era particular e muito cara. Alm

    disso, ele estava desempregado. Saliente-se que ele no tinha

    nenhuma profisso que lhe assegurasse um bom salrio. Trabalhara

    inicialmente, como ajudante na oficina do seu tio, onde rapidamente

    aprendeu a soldar com solda eltrica. medida que avanava nos

    estudos ia mudando com muito sacrifcio de atividade. Saiu da soldaeltrica, na fbrica, e passou para o comrcio, como vendedor, e

    depois em um escritrio que fazia a contabilidade de uma empresa

    comercial. quela poca era muito difcil sair de uma metalrgica e

    passar para o comrcio ou para qualquer outro tipo de servio. Em

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    todos os lugares era exigida uma tal experincia de pelo menos dois

    anos na atividade pretendida. Em seis anos, havia trabalhado em sete

    lugares diferentes, detalhe que dificultava mais e mais a obteno de

    um novo emprego. Algumas pessoas mais prximas comearam asugerir que ele tinha que desistir daquele curso, pois ele no tinha a

    mnima condio financeira para pagar aquela faculdade to cara.

    Ora, deveria se dar por satisfeito com um curso de operador de

    computador sustentavam com um tom bem insinuante e crtico.

    Ainda restava o ento crdito educativo cuja

    solicitao foi negada.

    Decorridos os primeiros seis meses, ele j

    reconhecia o limite. Caso a segunda solicitao do crdito educativo

    tambm fosse negada, ele teria mesmo de reconhecer a derrota. O

    sonho viraria um tremendo pesadelo. A insegurana era muito grande.

    O desnimo tomava conta. Tudo o aconselhava a desistir. Resolveu

    permanecer ali ate a divulgao do to esperado resultado da seleo

    do crdito educativo.

    Seu quadro se agravava mais e mais com a

    presena de uma ex-namorada, que teve um filho dele, durante o

    perodo do cursinho, pr-vestibular, ou seja, no final de julho 1979.

    Disse que estava grvida. Ele exigiu que ela no interrompesse a

    gestao. poca, completando um ano e reconhecido pelo pai,

    necessitava de ajuda para o seu sustento.Saliente-se que aquela criana tornou-se um homem

    digno. Hoje um cidado casado, honesto e trabalhador.

    O final de tanta ansiedade chegou e foi colado numa

    parede daquele prdio. Um dos cinco nomes aprovados era o dele:

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    Jos Eliardo de Sousa Cabral. De longe ele leu o nome que saltava

    aos seus olhos: CABRAL. Com o resultado to esperado, vieram

    tambm os pessimistas:

    - Se eu fosse voc, no aceitaria o crdito educativo,voc no termina de pagar o dbito nunca.

    - Se voc fosse eu, sem o crdito educativo, voc

    no se formaria nunca, porque eu no posso pagar o curso. Agora s

    quero estudar. Depois de formado eu vou pensar no pagamento.

    Ele no estava preocupado com o dbito nem com o

    diploma, queria mesmo era uma profisso que transformasse

    definitivamente a sua vida. Muitos estavam estudando ali em busca de

    status, pois j estavam com suas vidas resolvidas financeiramente,

    mas o Eliardo Cabral no era gerente de banco, no era comerciante,

    como muitos alunos daquela escola superior de Direito.

    CAPTULO VII A Viagem de Retorno

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    om o diploma registrado no MEC e a carteira de advogado

    no bolso, o jovem advogado partiu de volta para a sua terra

    natal no final de dezembro de 1985. Antes de retornar ao

    Cear, Eliardo Cabral sofreu uma grande decepo na reaprofissional.

    CAinda lhe faltava um ano para concluir a graduao

    em Direito, quando ele conheceu um senhor de cabelos brancos, que

    falava com muito domnio o portugus e era professor de latim. Dizia-

    se advogado h muitos anos, com escritrio muito bem localizado no

    centro da capital paulista. Era em um prdio situado na Praa Carlos

    Gomes, muito prximo, portanto, dos fruns: cvel, criminal e do

    Palcio da Justia.

    Tudo lhe parecia um verdadeiro presente. Ora, quem

    est se formando, especialmente em Direito, quer logo mostrar

    servio. Colocar em prtica o que aprendeu nos bancos da escola. A

    alegria tornou-se maior quando o Dr. Gomes lhe ofereceu uma

    sociedade no referido escritrio.

    Concludo o curso, j no incio do ano de 1985, o

    jovem bacharel recebeu uma carteira provisria de advogado. O seu

    nome passou a figurar no quadro dos advogados de So Paulo. O

    Dr. Gomes mandou imprimir alguns blocos de formulrios para

    peties com os dois nomes: primeiro o dele, Dr. Gomes, e um pouco

    abaixo o nome do novel advogado. Ambos indicavam no aludidodocumento os respectivos nmeros de inscrio na OAB/SP.

    Surpreendentemente, quando Cabral no conseguia

    vislumbrar nada mais venturoso, pois j se encontrava scio de um

    escritrio de advocacia, aconteceu o inusitado: o entusiasmado

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    advogado chegou ao final da tarde ao aludido escritrio, vindo de uma

    demorada audincia no Frum Regional de Pinheiros (capital),

    ocasio em que encontrou o escritrio todo revirado. As mquinas de

    escrever no se encontravam no local. Ausentes, tambm, estavam osblocos de papis de peties e as pastas dos clientes. As gavetas

    estavam praticamente vazias.

    Antes das suposies, Cabral ligou para o Dr. Amaral,

    amigo advogado que freqentava quase diariamente aquele escritrio,

    onde conversava demoradamente e passava grandes dicas da

    advocacia para o colega mais novo. Em verdade, Amaral era um

    advogado em final de carreira, bastante idoso, e demonstrava muito

    apreo pelo novo colega, a quem fazia declaraes de amizade:

    - Dr. Amaral, boa tarde, o que se passa? Acabei de

    chegar ao escritrio e aqui t tudo revirado.

    - Aguarde a um pouco que eu j estou indo ao seu

    encontro.

    - Mas me diga logo o que foi que houve.

    - O Gomes est preso.

    No demorou muito tempo, pois o seu escritrio era

    muito prximo dali, o Dr. Amaral chegou.

    Sem rodeios, passou rapidamente a relatar os fatos:

    - O Gomes no tem inscrio na Ordem, pois ele no

    nem bacharel em Direito.- Mas doutor...

    - Ele realmente professor de portugus e de latim. E

    nada mais.

    - E eu?! Como fico?!

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    - No se preocupe, porque eles j examinaram a sua

    inscrio e constataram que verdadeira. Alm disso, o Gomes sai

    logo, pois ele tem um problema muito grave no corao, sendo que

    poder morrer a qualquer momento.- Mas Dr. Amaral, ele foi preso s por falso exerccio

    da advocacia?

    - No, ele tem outras acusaes contra ele, depois eu

    te contarei tudo.

    Acontece que ele nunca lhe contou toda a verdade e

    nem houve necessidade disso. Com o que Eliardo Cabral soube do

    seu scio, foi o bastante para largar tudo naquela grande capital e

    voltar definitivamente para a sua terra natal, com a dura lio de que

    perigoso depositar toda confiana no Homem, que , por natureza,

    falvel. Mas, lamentavelmente, ele ainda no sabia que fiel Deus,

    conhecimento que veio obter alguns anos depois.

    CAPTULO VIII Recordaes Amargas

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    liardo Cabral continua no Planalto Ininga, na Rua Jaime da

    Botica, n580, em Teresina, em janeiro de 1998, onde ainda

    consegue suportar a idia de suicdio, mas no resiste o

    impulso de ir Maranguape-Ce e reviver o ano de 1986 naquelacidade.

    ESua esposa tenta iniciar um dilogo, mas ele no

    aceita. Foge da conversa sob o argumento de que vai dormir, como

    costumeiramente fazia.

    Tudo parecia muito confuso. Contava trinta e dois

    anos de vida. Um alcoolismo no assumido, mas que j se tornara

    preocupante e indisfarvel. Fumava exageradamente e se envolvia

    muito facilmente com mulheres no recomendveis. O seu pequeno

    escritrio, alm de muito modesto, situado no mesmo prdio do frum,

    tornou-se rapidamente em um ponto de encontro amoroso. s vezes,

    ele estava ali s portas fechadas com uma namorada, quando outra

    chegava e comeava a bater na porta, gerando um ambiente

    extremamente desagradvel. Os comentrios circulavam quase

    sempre com alguns acrscimos. A imagem daquele recm-chegado

    advogado j no era boa, decorridos pouco mais de trs meses

    naquela comarca. Residia na casa da sua irm mais velha, que era

    funcionria do Banco do Brasil, juntamente com o seu esposo.

    O comportamento daquele jovem com as mulheres

    levou severos aborrecimentos ao seu cunhado, que atendia, comfreqncia, os telefonemas de mulheres, que ligavam noite

    procurando informaes do tal namorador.

    A insatisfao do cunhado foi aumentando pouco a

    pouco e chegou ao ponto de gerar distrbios no seu relacionamento

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    conjugal. Muitas vezes Eliardo chegava de madrugada, bastante

    embriagado, falava sozinho, incomodava mesmo aquele casal: sua

    irm e seu cunhado.

    Decidiu morar sozinho. A irm concordou com a idiae no tinha motivo para discordar, bem bvio que no. Uma das

    namoradas queria que ele fosse logo morar com ela. Ele no quis.

    Pensava em recuperar os doze anos que vivera em So Paulo, quase

    sem se divertir, dedicado aos estudos e ao trabalho. Mas, contrariando

    os seus propsitos, em Abril de 1986, precisamente no dia 19, ele

    conheceu a mulher que seria sua primeira esposa. Em 30 de maio do

    mesmo ano, aconteceu o que lhe parecia ser a soluo de alguns

    problemas. Casou-se e transferiu o pequeno escritrio de advocacia

    para a Serra da Ibiapaba, regio prspera, sendo que fixou residncia

    na cidade de Tiangu.

    De junho de 1986 a novembro de 1988, Eliardo Cabral

    causou e viveu um perodo de grande tribulao. Sem Deus em sua

    vida, o alcoolismo se tornou mais e mais intenso; as desavenas

    conjugais tornaram a convivncia insuportvel para ambos, o que

    resultou em momentos de separao, com duras perdas materiais e

    morais para ele.

    No incio de 1988, largou tudo em Tiangu e retornou

    para So Paulo, levando apenas alguns objetos de uso pessoal.

    Sem dinheiro e sem equilbrio emocional, em SoPaulo ele no foi aceito pelos seus familiares. O nico que lhe recebeu

    foi o seu pai. A prpria me o mandou de volta, dizendo que ali no

    servia mais para ele. Sustentava que o lugar dele era com a esposa e

    o filhinho de um ano de vida que ficara com a me. Ele at concordou

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    em voltar, diante da irremedivel rejeio, mas no tinha dinheiro

    suficiente para voltar. Alm disso, a esposa tinha ficado muito

    magoada, talvez no o aceitaria de volta e o sentimento de vergonha e

    culpa o atormentava, empurrando-o para a bebida alcolica de formairresistvel. Bebia e se embriagava diariamente. Chorava de dor na

    alma por no conseguir acertar. Sentia uma presso muito

    esmagadora contra o seu eu, algo que no conseguia entender estava

    acontecendo em sua vida. Verdadeiramente, ele no vivia como

    gostaria, mas no conseguia sair daquela rota, no conseguia mudar

    a sua trajetria e ningum estava conseguindo lhe ajudar. Ningum ali

    tinha o que ele precisava, e O QUE tinha no estava ali; ele ainda no

    conhecia O QUE poderia lhe ajudar. Ele no enxergava a sada. Foi a

    que o seu sogro entrou na sua histria alm de ser sogro:

    - Meu filho, volte. Disse-lhe ao telefone, para fazer o

    concurso de promotor no Piau. As inscries j esto abertas.

    - No tenho...

    - Amanh mesmo mandarei o dinheiro pra voc voltar.

    Tire passagem para Sobral, que mandarei algum lhe esperar.

    Naquela plataforma da rodoviria estava uma mulher

    visivelmente abatida, de culos escuros, bem escuros, que no

    conseguia sorrir, mas era ela quem estava ali, a sofrida esposa e uma

    irm dela.

    - Fez boa viagem? Ela indagou.- Mais ou menos...Como est o...? Perguntou pelo

    filho e comeou a chorar.

    - Se preocupe no, t todo mundo te esperando. Eles

    ainda te querem. J recuperei a tua mquina de escrever.

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    Foram conversando no nibus no percurso de 86Km

    que separam Sobral de Tiangu. Ele se sentia um miservel, culpado

    por tudo. Uma angstia tomava conta do corao dele. O desejo de

    beber se tornava cada vez mais incontrolvel. Acontece que ele sabiaque se ingerisse bebida alcolica, estragaria tudo, pois ele se tornava

    em outra pessoa quando estava embriagado. Ficava, como diziam,

    irreconhecvel, muito violento, com atitudes muito estranhas.

    Conseguiu se conter e foi pouco a pouco superando a

    vergonha. Ningum lhe humilhava, mas era assim que se sentia,

    humilhado. Quase no advogava. Quando ia ao frum, sentia as

    conseqncias dos seus atos. J no tinha mais o escritrio, nem

    lugar para morar. Vendera tudo por qualquer preo e perdeu o dinheiro

    todo. No tinha mais nada alm da vergonha e os outros atributos j

    mencionados. Algum indagava-lhe:

    - Voc j voltou?! Demorou pouco...indagava um.

    - Vai fazer o qu agora? Perguntava outro.

    - Vou fazer o concurso pra promotor l no Piau.

    Respondia e eles sorriam, fazendo pouco caso.

    Na primeira quinzena de agosto de 1988, Eliardo

    Cabral estava recebendo o comprovante de ter sido aprovado em

    terceiro lugar no concurso para Promotor de Justia no estado do

    Piau. Em catorze de novembro do mesmo ano, assumiu uma das

    promotorias de justia da comarca de So Raimundo Nonato, ondefixou residncia com a esposa e o nico filho do casal.

    Em junho de 1989, foi transferido para a comarca de

    Floriano, onde viveu com a esposa e o filho at janeiro de 1992,

    quando houve a separao definitiva do casal.

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    E foi morando em Floriano, que, em maio de 1990,

    Eliardo Cabral comprou o seu primeiro carro novo: um Fiat Prmio,

    vermelho perolizado, parecia um carrinho de brinquedo. Era um carro

    muito lindo. Financiado em seis parcelas iguais. Quando ele pagou aterceira parcela, colocou a sua, ento, esposa e o filho no aludido

    veculo e, nele, viajou para a cidade de Tiangu-Ce. Naquela cidade,

    Eliardo comeou mais uma bebedeira, como de costume. J

    embriagado e dirigindo o aludido carro, em alta velocidade, ele foi ao

    aude do Jaburu. Durante o banho naquele aude, ele ingeriu grande

    quantidade de aguardente. Ao retornar para a cidade, imprimiu

    150km/h e, com tal velocidade, colidiu com um jumento, cujo acidente

    causou quase perca total do carro. Eliardo no sofreu nada, alm da

    desmedida ressaca fsica e moral. bom salientar que, quem via o

    carro aps o acidente, logo perguntava sobre as vtimas e se o

    automvel tinha batido num poste ou em alguma rvore, tamanho era

    estrago na frente do automvel. Perdeu um carro novo. Estava com

    poucos quilmetros rodados. Voltou de nibus para Floriano e ficou

    sem carro durante vrios meses. Antes de consumada a separao,

    Cabral conseguiu trocar o Fiat restaurado por um Kadet, semi-novo,

    pagando a diferena em vrias prestaes. O Kadet era um carro

    muito bom. SLE, dourado, motor 1.8, tinha grande estabilidade e

    oferecia bastante conforto, pois dotado de ar condicionado e direo

    hidrulica.Concretizada a separao, ele entregou todos os

    mveis que revestiam a casa sua ex-mulher e ficou com o carro, que

    seria usado, como foi, para suas farras e desventuras durante o

    perodo permitido pela separao e depois pelo divrcio.

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    Certa vez amanheceu o dia. Cinco horas da manh.

    Os pardais comearam a sua revoada. Os passarinhos j estavam

    cantando. O sol j mostrava o seu vermelho. E ali estava Eliardo

    Cabral sentado ao p daquela mesa; sozinho e bastante embriagado.Na noite anterior, estivera com algumas mulheres em

    sua volta. Elas chegavam, uma de cada vez. Pouco tempo depois, j

    se podiam contar quatro, at seis em volta da mesa. Isto

    costumeiramente. Proferiam palavras fteis, destitudas de qualquer

    sinceridade. Da mesma maneira que chegavam, saam e iam embora,

    ou seja, uma de cada vez, e ali ele permanecia sozinho.

    Estou aqui pior do que um cachorro pensou,

    consciente de que estava completamente embriagado. Comeou a

    chorar. Lembrou que em sua casa no havia ningum esperando por

    ele. Pensou, por um instante, que poderia, quela hora, estar em

    casa, ao lado de uma famlia: esposa e filhos. No entanto, estava ali.

    Sem o respeito de ningum. claro que desejava sair daquela

    situao, mas no sabia onde estava a sada.

    Nessa fase de completo desatino e amargura, viajou

    para Teresina, onde passou um dia inteiro bebendo. Ao retornar para

    Floriano, bastante embriagado, no incio da noite, dormiu ao volante,

    enquanto o Kadet estava em alta velocidade. Aconteceu. O carro saiu

    da estrada e bateu com grande violncia numa mureta de proteo,

    margem de um abismo. Levado para Floriano na carroceria de umcaminho. Houve perda quase total do veculo. Eliardo Cabral nada

    sofreu, alm de uma grande ressaca fsica e moral.

    Decorridos um ano e seis meses, sua situao jurdica

    j estava consumada. Com a sentena de divrcio em suas mos, ele

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    casou-se, em trinta de julho de 93, com a mulher que agora coloca

    remdios em suas feridas fsicas e tenta aliviar as conseqncias das

    feridas espirituais, mas sem xito, v o marido e pai de seus pequenos

    filhos, definhando, definhando passos largos rumo a um grande eterrvel abismo.

    Ali estava aquele homem, que visto em determinado

    ngulo, parecia um vencedor, pois sara de um barreiro de barro para

    ser um Promotor de Justia combativo e vitorioso no Tribunal do Jri.

    No entanto, ali tambm estava, no fundo daquela rede, um homem

    que no ia nada alm de um derrotado. Um homem abatido,

    acabrunhado, sem projeto de vida, sem sonhos, sem nenhum desejo

    alm do maldito desejo de morrer. No me resta mais nada, pensava

    ele.

    Quando ele buscou na memria e no encontrou mais

    nenhum nome para recorrer, ele cedeu: porqu no Deus?, indagou

    e ficou quieto. Quieto e confuso. No sabia como recorrer a Deus e

    no tinha a mnima conscincia de que acabava de clamar ao Todo-

    Poderoso e Pai Eterno.

    Sua casa cheirava muito mal. incrvel. Algo como se

    fosse assim um tapete molhado ou um sof com mofo. Era um cheiro

    muito forte e que no saa, mesmo quando se colocava os sofs no

    sol e se fazia uma boa faxina, sempre permanecia aquele cheiro

    horrvel, mas como no recebia visitas, alm dos cobradores, davapara ir suportando.

    Na manh de dia 22 de maro de 1998, um

    ensolarado domingo, por volta das oito horas, a sua esposa foi ao

    quarto e disse:

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    - O Dr. Hosaas t l fora, e quer falar com voc.

    - Mas eu no quero falar e no tenho o que falar com

    ele, entendeu bem isso?

    - Doutor, ele disse que no tem o que falar com osenhor no. Ele t meio confuso, t bastante doente, melhor o

    senhor voltar outro dia. Foi o que ela disse ao visitante.

    - No! Eu quero falar com ele agora. Insistiu.

    Aquele determinado homem, que alm de Promotor de

    Justia, era e crente, sendo que esta qualidade no agradava muito

    ao colega que estava cado naquela casa.

    Ela voltou ao quarto e j em tom de aborrecimento, e

    com razo, disparou:

    - melhor voc ir logo falar com ele.

    - No possvel...o que ser que esse homem quer

    comigo, que no pode ser depois? brincadeira um negcio

    desses.

    - Diga l Hosaas...rapaz eu tou meio ruim de

    sade...um problema na minha pele...

    - Eu vim lhe buscar para a Igreja e no diga que no

    vai.

    - E eu no vou mesmo no. Nem a roupa posso vestir.

    Ligeiro ela fica toda suja de secreo desses tumores e feridas.

    Voc t vendo aqui?Depois de muita insistncia e muita recusa, o Dr.

    Hosaas pronunciou as seguintes palavras:

    - Voc no vai porque o Diabo no deixa voc ir. At

    logo.

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    - , pode at ser, mas eu no vou mesmo no. At

    outro dia Hosaas.

    Ao voltar ao local onde estava literalmente cado,

    aquele doente ouviu novamente aquelas palavras, agora no seuesprito: O Diabo no deixa voc ir.

    Levantou-se, como o filho prdigo, e foi ter com Deus

    ainda naquela manh no templo da Segunda Igreja Batista em

    Teresina. Ali ele se lanou nos braos do Pai Eterno e por Ele foi

    recebido como filho, colocando um ponto final no longo perodo

    de escravido nas garras do Diabo. Ali, naquela manh, o Diabo

    perdeu.

    CAPTULO IX Deciso Confirmada

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    voltou noite para confirmar a sua mais acertada

    deciso. Entrou naquele santurio, onde se cultuava ao

    Deus nico e verdadeiro. Ali era pregado o Evangelho de

    Jesus Cristo na sua forma genuna.

    EFoi entrando, lentamente, naquele santurio como se

    estivesse desconfiando de alguma coisa. Algo diferente aquele

    homem sentia naquele lugar. Olhava as pessoas e notava um certo

    brilho nelas, assim como se elas fossem mais limpas, fisicamente

    falando, do que ele. Tudo era novidade. Um conjunto formado por

    cinco homens louvava a Deus com alguns hinos e courinhos que

    ele no conhecia. Alis, ali ele no conhecia nada.

    Em certo momento, antes de ser dado incio ao culto,

    que estava previsto para as 19:30h, chegou quele lugar o Dr.

    Hosaas Matos, o que fora convid-lo na manh daquele

    inesquecvel dia e, aproximando-se do seu convidado, foi logo

    perguntando:

    - Voc est gostando? Ao que Eliardo Cabral

    respondeu com sinceridade:

    - Tou gostando. O problema que agora eu no

    posso fazer o curso, porque tou sem dinheiro e doente, mas quero

    deixar feita a minha inscrio, pois logo que eu puder, farei o curso.

    - Que curso? Indagou o Dr. Hosaas sorrindo.

    - Ora, curso para ser crente. Eu j decidi ser umcrente, assim como vocs. Respondeu aquele que no sabia nada

    da Bblia nem de crentes, mas s vezes os criticava sem saber o

    que dizia.

  • 8/14/2019 o Diabo Perdeu

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    - Para voc ser um crente, no precisa fazer curso

    no incio, basta confessar em pblico que aceita Jesus como seu

    nico e suficiente Salvador.

    - Isso eu j fiz, tou decidido...- Voc vai confirmar a sua deciso quando o pastor

    terminar a pregao da Palavra de Deus e perguntar se algum

    quer aceitar a Jesus como Salvador. A voc levanta a sua mo

    direita e o pastor lhe chamar l na frente para orar por voc.

    Eliardo Cabral permaneceu sentado ali numa cadeira

    mais ou menos no meio do santurio. Sentia-se diferente de todos

    os que se encontravam naquele templo evanglico. Em verdade,

    sentia-se mal cheiroso, em conseqncia das enfermidades no seu

    corpo e muito mais por causa dos seus vcios e pecados. Ali

    sentado, como estava, ele ainda repassava, por ser inevitvel,

    como se fosse um filme, toda a sua vida. Mas agora ele se sentia

    vencido pelo Poder de Deus e no mais do inimigo. J no

    desejava o suicdio e no queria viver como o senhor da sua

    prpria vida, sem dar satisfao a ningum dos seus atos. Ele j

    desejava ter uma experincia com o Deus dos crentes.

    E foi com tal propsito que levantou a sua mo

    direita, na hora do apelo, e caminhou em prantos incontidos, isto

    mesmo, chorando copiosamente at a presena do Deus que ele

    no conhecia. Estava comeando uma nova fase na vida daquelehomem.

    Voltou para sua casa e comunicou sua deciso sua

    esposa:

    - A partir de agora, eu serei um crente.

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    - Crente!? !? Hum...!

    - Crente, sim...terei uma nova vida.

    - bom mesmo...

    - Voc vai ver.Trs meses depois, a sua esposa tambm aceitou a

    Cristo como Salvador e Senhor de sua vida. Saliente-se que, ao

    contrrio do seu marido, Adriana no fumava, nem bebia, e gozava

    boa sade.

    - Voc precisa parar de fumar. Voc ainda t

    fumando e isto no certo. Assim falava a esposa recm-

    convertida ao Evangelho.

    - Da bebida voc sabe que j tou livre, mas no

    deixarei o cigarro com sofrimento. Ou Deus me liberta sem

    sofrimento, ou continuarei fumando. Eu no vou fazer

    absolutamente nada. Deus quem vai fazer.

    E Deus fez mesmo. Certo dia ele acendeu um

    cigarro e quando comeou a fum-lo, notou a presena de um

    crente, bastante conhecido na igreja, debruado numa janela, a uns

    cinco metros de distncia. Ambos ficaram calados: crente e

    fumante. O fumante soltou discretamente o cigarro e, com muita

    vergonha, foi a um local deserto clamar ao Senhor em alta voz:

    Deus, se tu me queres como crente, ento me livra do cigarro. Eu

    sei que no fui feito para fumar, na minha cabea no tem chamin,eu no posso falar contigo, Senhor, soltando fumaa pela boca e

    pelo nariz. Ajuda-me Senhor...

    Era o final daquela tarde. O sol acabava de se pr. O

    sol sumiu l no horizonte e o vcio sumiu em algum lugar que

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    somente Deus sabe. O vcio passou a ser odiado por aquele

    homem, que hoje no aceita nem o cheiro da fumaa de cigarro.

    Cumpre lembrar que, mesmo durante um tratamento de

    pneumonia, aquele homem fumava.A libertao da bebida foi bem rpida, o vcio do

    cigarro demorou um pouco mais. A cura das feridas na pele, no

    entanto, demorou bastante tempo, mas foi completa.

    Deus passou a trabalhar no carter de Eliardo

    Cabral, com eficincia tratando, consequentemente, as feridas da

    sua alma. Era um homem violento.

    Apenas para esclarecer, oportuno lembrar que,

    com a sua brutalidade dosada com a bebida alcolica, havia

    traumatizado a sua filha mais velha, que passou a ter um

    verdadeiro pavor do pai. Certo dia, enquanto ele bebia na rea, a

    criana que contava pouco mais de trs anos, se aproximou dele

    com um pedido: pai, pare de beber, porque quando o senhor bebe,

    eu fico muito nervosa. Pediu e logo saiu dali chorando.

    A me da criana veio a ele em seguida, e deu a

    notcia:

    - quando voc chega em casa, ela quer se esconder

    em algum lugar. Ela no te agenta mais...nem eu...

    - Tudo o que eu fao errado. Todo mundo faz o que

    quer e ningum fala nada, mas eu, tudo que fao um absurdo. evidente que ele desejava justificar os seus erros.

    Estava perdendo tudo que mais queria: uma famlia.

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    Agora, entretanto, entedia que Deus daria soluo ao

    seu problema. E, de fato, Deus agiu com mo poderosa e

    transformou a vida daquele miservel homem.

    A Bblia Sagrada nos assegura, no Evangelho escritopor Joo, 8:32 e 36: e conhecereis a Verdade e a Verdade vos

    libertar; se pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis

    livre. Alm disso, oportuno lembrar o que preceitua o Salmo 37,

    versculo 5: entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele

    tudo far.

    CAPTULO X Incio de Um Ministrio

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    m setembro de 1998, Eliardo e Adriana participaram de

    um Encontro de Casais com Cristo ECC a convite do

    amigo e agora irmo em Cristo, Dr. Hosaas Matos e sua

    esposa, do qual saiu bastante edificado.

    EDurante os seis anos seguintes quele encontro, o

    Senhor levantou Eliardo como preletor nos encontros de casais

    com Cristo realizados em Teresina, em So Lus e em algumas

    cidades do interior do Maranho.

    E foi s vsperas de um desses encontros de casais

    com Cristo, em Teresina, que Eliardo Cabral recebeu um

    telefonema de So Paulo e na linha estava a me dele com a

    seguinte informao:

    - O seu pai est entubado numa UTI do Hospital do

    Cncer e se voc no vier v-lo com muita urgncia, no vai

    encontr-lo com vida. Ao que ele respondeu:

    - Eu no posso ir antes de segunda-feira, porque

    amanh, sexta-feira, estar comeando mais um encontro de

    casais com Cristo e eu estarei servindo ao Senhor neste encontro.

    - Pois , se prepare porque o seu pai est bastante

    deformado em conseqncia do seu problema de sade.

    Eliardo Cabral tinha conhecimento do grave quadro

    clnico que atingira seu pai a mais de um ano, segundo notcia dada

    por uma das irms dele e confirmada pela prpria me, querecomendara cautela, deixando para ir a So Paulo quando

    estivesse mais prxima a morte do seu pai.

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    Em verdade, ele viajou a So Paulo na tera-feira

    seguinte, com o propsito definido de se despedir do seu pai que

    estava deixando esta existncia.

    J no hospital, em So Paulo, subiu em companhiade uma de suas irms ao nono andar daquele prdio, onde, em um

    leito o seu pai vivia aparentemente os ltimos dias ou horas de

    vida. Encontrou o seu velho pai, conforme informao de sua me,

    bastante deformado, em conseqncia do cncer que havia tido

    incio na prstata e, agora, um avanado e grave problema de

    leucemia, sendo certo que os pulmes no funcionavam

    satisfatoriamente e o corao estava duramente afetado por causa

    do quadro geral de sua sade.

    A informao colhida ali no local era de que ele

    morreria com uma certa brevidade, pois contrairia infeco

    generalizada, caso os aparelhos que o sustentavam vivo fossem

    mantidos como estavam, pois desligados ele teria morte

    instantnea.

    Sem poder ajudar ao seu pai ou aos que cuidavam

    dele e sem ter a quem recorrer alm do prprio Senhor da Vida,

    Eliardo Cabral buscou e encontrou apoio de um pastor evanglico

    e, com ele, subiu novamente ao nono andar daquele edifcio no dia

    seguinte. Seu pai ainda estava consciente, mas no podia falar,

    pois estava com um tubo na sua boca, outro no nariz, uma seringacom sangue no pescoo e outra com soro no brao, e vrios fios

    com adesivos em seu trax. Era mesmo um quadro tenebroso, em

    que a presena da morte era indisfarvel.

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    Sem perda de tempo, pois no poderia permanecer

    ali por mais de meia hora, o pastor Jonas apresentou ao Sr.

    Eduardo o Senhor Jesus e o seu plano de salvao, isto no bojo de

    um lindo e eficiente sermo. Ao final da exposio, o Sr. Eduardorespondeu por escrito que aceitava a Jesus como seu Salvador.

    Pai e filho ali em lgrimas. O filho estava surpreso,

    pois conhecia muito bem a posio do seu pai em relao aos

    crentes. Ele sempre que falava sobre crentes, demonstrava um

    elevado grau de preconceito, afirmando que morreria na lei em que

    houvera nascido. Saliente-se que o Sr. Eduardo nunca aceitara

    conversar ou mesmo ouvir um pregador do Evangelho de Cristo.

    Ciente da salvao do seu velho pai, Eliardo Cabral

    retornou Teresina um tanto aliviado, entendendo que seu pai

    partiria para o Paraso, salvo em Jesus Cristo. oportuno lembrar

    que os boletins saam diariamente apresentando um quadro que se

    dizia ora grave ora gravssimo.

    Decorridos alguns dias sem receber as notcias que

    eram sempre as mesmas, ou seja, o quadro no se alterava.

    Surpreendentemente, ao conversar com a sua sogra,

    a esposa de Eliardo Cabral ouviu dela a inacreditvel notcia que o

    Sr. Eduardo estava em casa e dormindo. Sem querer acreditar,

    pensando ser mal entendido, o prprio Eliardo Cabral conversou

    com a sua me e constatou a veracidade dos fatos, ao ouvir dela oseguinte relato:

    - Meu filho, verdade. O seu pai est dormindo aqui

    e parece que ele estava morrendo, mas era de fome. Tem comido

    tudo que se d a ele.

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    - Depois eu ligarei novamente, para falar

    pessoalmente com ele.

    Assim aconteceu. Poucos dias depois, Eliardo Cabral

    conversou pessoalmente com seu pai, que ainda viveu catorzemeses antes de partir, salvo nos braos de Jesus Cristo.

    A sua f restou bastante edificada diante do milagre

    que ele mesmo presenciou em relao ao seu pai. Aumentou mais

    e mais o desejo de continuar a caminhada com Cristo, seu

    Redentor.

    Ocorre que, enquanto crescia espiritualmente, a sua

    situao financeira, no entanto, permanecia fora de controle. Vrios

    dbitos. Ele contraa uma dvida para pagar outra. Decorridos cinco

    anos, j contava dezoito dbitos grandes e se encontrava enrolado

    nas garras de agiotas. Vendia chequinhos de convnio aos tais

    agiotas, pagando-lhes juros impensveis. A situao parecia sem

    soluo aos olhos humanos. Todo o seu salrio era canalizado para

    pagamento de dbitos, pagamento de penses alimentcias e o

    restante era entregue aos agiotas. No devolvia os dzimos, sendo

    que uma vez ou outra colocava uma cdula de R$ 1,00 no

    gazofilcio da igreja que congregava.

    Dinheiro no tinha. Em compensao, ele tambm

    no sofria mais do terrvel vazio em sua alma. O doloroso buraco

    que existia no seu interior j estava preenchido. Jesus sarou parasempre aquela amarga ferida. No tinha dinheiro mesmo, mas tinha

    esperana de dias melhores. J sentia um profundo

    arrependimento de um dia ter pensado em acabar com a sua

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    prpria vida. Agora sentia um grande desejo de viver na Presena

    de Deus e recuperar o tempo perdido.

    CAPTULO XI Mudana de Hbitos

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    o longo dos anos, Eliardo Cabral havia adquirido alguns

    hbitos. Um deles era colecionar pssaros em gaiolas.Outro era caar. Entendia o primeiro como hobby e o

    segundo como esporte. Prticas ilegais e perversas que no foram

    renunciadas por ele assim to facilmente. Ao contrrio, chegou a

    agravar mais e mais o seu raqutico quadro econmico com a

    manuteno de referidos hbitos, pois viajava com freqncia em

    busca daquele torpe prazer. Como sabia que se tratava de algo

    ilegal, no conseguia se livrar do desagradvel e diablico

    sentimento de culpa. Guardava em casa as armas e armadilhas e,

    no quintal, tinha um elevado nmero de marrecos e patos

    selvagens. Tratava todo o seu criatrio como peas preciosas.

    Oferecia s suas aves gua limpa e abundante em amplos tanques

    e alimentao de boa qualidade. Mas uma coisa faltava queles

    viventes: a liberdade para voar e, consequentemente, glorificar a

    Deus. Nenhuma daquelas aves foi planejada pelo criador para viver

    mutilada num cativeiro, mas para voar e voar alto, de acordo com o

    projeto de Deus para suas vidas.

    A

    Deus passou a incomodar o corao daquele homem

    no sentido de parar de uma vez por todas com as caadas e ele

    parou. Lubrificou toda a sua armadilha e a guardou, como seguarda um trofu. Mas Deus no queria apenas que ele parasse de

    caar e guardasse os seus apetrechos de caada. No. Deus

    queria mais. Deus continuou agindo no corao dele, inquietando-o

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    no sentido de retirar todas as aves do seu quintal e de jogar os

    objetos usados na caada fora, em algum lugar distante.

    Ele resistiu durante um ano e alguns meses.

    Entendia que no estava pecando. Ora, que mal faz?!, pensavaele. No estou ofendendo a ningum!, sustentava, se sentindo

    cheio do direito de ter os seus bichinhos de estimao. Ora,

    afinal de contas, j abri mo de tudo nessa vida: bebia e muito,

    agora no bebo mais, j no me encontro com os companheiros de

    copo. Todos se afastaram, inclusive zombando de mim, por causa

    do Evangelho. Fum