O Diário de Suzana para Nicolas - James Patterson

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Katie é uma editora de Seattle que se apaixonou pelo homem perfeito: bonito, atencioso, sensível e apaixonado. Seu relacionamento com Matt, um poeta, cujo livro está sendo revisado por ela e prestes a ser lançado, está indo muito bem, até que um dia ele termina com ela sem nenhuma explicação... É claro que ela ficou arrasada! Não conseguia entender o que havia de errado com o seu relacionamento... No dia seguinte, ela recebe um pacote de Matt: nele, havia um diário, o diário da esposa dele, Suzana, escrito para o filho deles, Nicolas, e um bilhete dizendo que aquele diário explicaria o porquê do término. Ali estava registrada toda a história dos dois, desde quando Suzana largou o emprego de médica num hospital de Boston e foi para a ilha de Martha's Vineyard, após sofrer um infarto aos 36 anos e conheceu Matt, o pintor que ajudou na reforma da sua casa, até o primeiro ano do pequeno Nicolas.

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Depois de quase um ano juntos, o poeta Matt Harrison acaba de romper com Katie Wilkinson. A jovem editora, que não tinha qualquer dúvida quanto ao amor que os unia, não consegue entender como um relacionamento tão perfeito pôde acabar tão de repente. Mas tudo está prestes a ser explicado. No dia seguinte ao rompimento, Katie encontra um pacote deixado por Matt na porta de sua casa. Dentro dele, um pequeno volume encadernado traz na capa cinco palavras, escritas com uma caligrafia que ela não reconhece: “Diário de Suzana para Nicolas”. Ao folhear aquelas páginas, Katie logo descobre que Suzana é uma jovem médica que, depois de sofrer um infarto, decidiu deixar para trás a correria de Boston e se mudar para um chalé na pacata ilha de Martha’s Vineyard. Foi lá que conheceu Matt. E lá nasceu o filho deles, Nicolas. Por que Matt teria lhe deixado aquele diário? Agora, confusa e sofrendo pelo fim do relacionamento, é nas palavras de outra mulher que Katie buscará as respostas para sua vida. O diário de Suzana para Nicolas é uma história de amor que se constrói ao virar de cada página. Cada revelação é mais uma nuance sobre seus personagens. Cada descoberta é um fio a mais a ligar vidas que o destino entrelaçou.

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KATIEWILKINSONestavamergulhadanaáguaquenteemseuapartamentoemNova York. A banheira de louça era antiga e fora de moda, mas ainda

assimmaravilhosa.Oapartamentotinhaumar vintageromânticoefuncional.Guinevere, sua gatapersa, se encarapitaranapia comoumcasacode lã cinzaqueKatiehouvesseacabadodetirar.Merlin,seulabradorpreto,estavadeitadonochãoemfrenteàportaquedavaparaoquarto.Osdoisaobservavamcomumardepreocupação.

Katie abaixou a cabeça quando terminou de ler o diário encadernado emcouroeocolocousobreobanquinhodemadeiraaoladodabanheira.Sentiuocorpoestremecer.

Então começou a soluçar e viu que suasmãos tremiam. Estava perdendo ocontrole e isso não era algo que acontecesse com frequência. Ela era umapessoaforte,semprefora.SussurrouaspalavrasqueouviraumaveznaigrejadopaiemAsheboro,naCarolinadoNorte:

–Senhor,oh,Senhor,ondeoSenhorestá?Jamais imaginaria o efeito perturbador que aquelas páginas poderiam ter

sobreela.Éclaroquenãohaviasidoapenasodiárioqueadeixaratãoconfusaetensa.

Não,nãohaviasidoapenasodiáriodeSuzanaparaNicolas.AimagemdeSuzanalheveioàcabeça.Katiea viraemsuacasatãosingular

naBeachRoad,emMartha’sVineyard.Então pensou no pequenoNicolas aos 12meses de idade, com olhos azuis

absolutamentebrilhantes.E,porfim,visualizouMatt.PaideNicolas.MaridodeSuzana.

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Eex-namoradodeKatie.O que ela pensava deMatt agora? Poderia algum dia perdoá-lo?Não tinha

certeza. Mas nalmente compreendia um pouco do que havia acontecido. Odiário tinha apontado pequenos traços do que ela precisava saber, bem comolherevelarasegredosdolorososdequetalveznãoquisessetomarconhecimento.

Katieafundouumpoucomaisnaáguaeseviupensandonodiaemquehaviarecebidoodiário:19dejulho.

Alembrançafezcomquecomeçasseachorarnovamente.

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NAMANHÃDODIA19,Katiesentira-seatraídaaorioHudsoneacabaraindoaté o píer da empresa que vendia passeios de barco ao redor da ilha de

Manhattan.Uma vez, de brincadeira, ela eMatt haviam feito aquela pequenaviagem.Masacabaramgostandotantoquearepetirammuitasvezes.

Embarcounoprimeiropasseiododia.Estavatriste,mascomraivatambém.DeusdoCéu,elanãosabiaoqueestavasentindo.

Naquele horário, o barco não cava tão cheio de turistas. Pegou um lugarperto do parapeito do deque superior e observou Nova York de sua posiçãoprivilegiada.

Algumaspessoasanotaramsentadaalisozinha–principalmenteoshomens.Katienormalmente sedestacava emmeio àmultidão.Era alta–quase 1,80

metro – e tinha olhos azuis amistosos e simpáticos. Sempre pensara em simesmacomodesajeitadaetinhaasensaçãodequechamavaatençãoportodososmotivos errados.As amigas discordavam.Garantiam que ela era de tirar ofôlego,umarraso.Katiesemprereagiadizendo:“Ah, tá.Quemmedera.”Nãose via dessamaneira e sabia que jamais veria. Era uma pessoa comum, comooutraqualquer.Nofundo,erasóumameninaquecresceraemumafazendadaCarolinadoNorte.

Costumavaprenderos cabelos castanhosnuma longa trança, algoque faziadesdeos8anos.Antesissoadeixavacomumaaparênciademoleca,masagoralhe dava um quê de garota descolada da cidade grande. Sem querer, seupenteadoestavanamoda.Todaamaquiagemqueusavaseresumiaaumpoucode rímel e, às vezes, batom.Naquele dia, não passara nada. De nitivamente,nãoestavadetirarofôlegodeninguém.

Sentada no deque superior, lembrou-se de uma de suas falas preferidas dolmeUma aventura naÁfrica : “Cabeça erguida, queixo para fora, cabelos ao

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vento, a imagemperfeita daheroína”,HumphreyBogart provocavaKatherineHepburn. Esse pensamento a alegrou um pouco – umtiquinho, como amãedizia.

Seusolhosestavaminchadosdepoisdetantashoraschorando.Ohomemqueela amava havia terminado com ela na noite anterior – de repente e semexplicação.Tinhasidoumgolpeparaela.Nãoesperavaporaquilo.QuasenãopodiaacreditarqueMattadeixara.

Desgraçado! Como pôde fazer isso? Mentiu para mim todo esse tempo –durantetantosmeses?Éclaroquementiu!Filhodamãe!Cretino!

Queriapensarnoquehaviaacontecidoparasepará-los,maseramsóosbonsmomentosquetinhampassadojuntosquelhevinhamàmente.

Mesmo a contragosto, tinha de admitir que sempre conseguira conversarabertamente comele sobrequalquer coisa, semdi culdades. Falava comMattda mesma forma como batia papo com as amigas. Até elas, que sabiam serimplicantes quando queriam e que não tinham muita sorte com homens,gostavamdeMatt.Oqueaconteceu?Eraoquequeriadesesperadamentesaber.

Eleeraatencioso–aomenoshaviasido .Emjunhoele lheenviaraumarosapor dia porque era “seu mês de aniversário”. Sempre parecia perceber se elahaviausadoaquelablusaouaquelecasacoantes,semprenotavaossapatosdela,seushumores–osbons,osmause,devezemquando,ospéssimos.

Gostavamdasmesmascoisas–oupelomenoseraoqueeledizia.AssistiraAllyMcBealeOdesafionaTV,alugarMemóriasdeumagueixa, lerMoçacombrinco de pérola . Sair para jantar no One if by Land Two if by Sea edepoisbeber alguma coisa. Comer noWaterloo emWest Village, no Coup em EastVillage ou no Bubby’s na Hudson Street. Ver lmes estrangeiros no cinemaLincolnPlaza.Apreciar fotos antigas empreto ebrancoepinturas aóleoqueencontravamemmercadosdepulgas.IraNolitaeWilliamsburg.

Nasmanhãs de domingo ele ia à igreja com Katie, onde ela dava aulas decatecismo para as crianças em idade pré-escolar. À tarde cavam noapartamento dela – Katie lendo oTimes de cabo a rabo eMatt revisando ospoemas dele, que cavam espalhados na cama e pelo chão do quarto e atémesmosobreamesademadeiradacozinha.

Deixavam música tocando baixinho ao fundo. Tracy Chapman ou MacyGray,àsvezesSarahVaughan.Delicioso.Perfeitodetodasasmaneiras.

Ele fazia comque ela se sentisse empaz consigomesma, ele a completava,

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faziaalgumacoisaqueeraboaecerta.Ninguéma zerasesentirdaquelejeitoantes.Inteiraeabençoadamenteempaz.

OquepoderiasermelhordoqueestarapaixonadaporMatt?NadaqueKatieconhecesse.Uma noite, pararam num barzinho com jukebox na Avenida A. Os dois

dançarameMattcantou“AllShookUp”noouvidodela,imitandoElvisdeumjeito divertido e inesperadamente bom. Depois Matt fez um Al Green aindamelhor,deixando-adequeixocaído.

Elaqueriaficarcomeleotempotodo.Erapiegas,maseraverdade.QuandoeleestavaemMartha’sVineyard,ondemoravaetrabalhava,osdois

sefalavamportelefonedurantehorastodasasnoitesoutrocavame-mailsbem-humorados. Chamavam isso de “caso de amor a distância”. Só que ele nuncadeixavaKatieirvisitá-lo.Teriasidoesseosinaldealerta?

Dealgumaforma,tinhafuncionadobem–foram11maravilhososmesesqueparecerampassarnuminstante.Katieesperavaqueembreveeleapedisseemcasamento. Estava segura disso. Tinha até contado para amãe.Mas havia seenganado.Muito.Chegavaaserpatético.Sentia-seumaidiota–eseodiavaporisso.

Comopodia ter estado tão absurdamente errada a respeitodele?A respeitode tudo? Como não tinha sido alertada por seus instintos? Eles costumavamfuncionar.Elaeraumapessoainteligente.Nãoseenganavaassim.

Atéagora.E,DeusdoCéu,elahaviacometidoumerroimpressionante.Katie de repente se deu conta de que estava soluçando e de que todos ao

redoraencaravam.–Desculpem–disse,fazendoumsinalparaqueeles,porfavor,parassemde

olhar para ela. Corou. Estava envergonhada e se sentindo idiota. – Eu estoubem.

Maselanãoestavabem.Nunca se sentira tãomagoada em toda a vida.Nada sequer se comparava a

isso.Elahaviaperdidooúnicohomemqueamara.Nossa,comoamavaMatt.

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KATIE NÃO CONSEGUIU ir trabalhar naquele dia. Não conseguiria encarar opessoal do escritório. Ou um estranho no ônibus. Já havia sido alvo de

muitosolharescuriososnobarco.Quandovoltouparacasa,haviaumpacoteencostadonaportadafrente.Pensouquefosseummanuscritoenviadopelaeditora.Xingoubaixinho.Será

que não podiamdeixá-la empaz umminuto?Tinha o direito de tirar umdiapara si de vez em quando. Eles sabiam que ela se dedicava, que amava seuslivros.Sabiamquantoseimportavacomotrabalho.

Era editora sênior numaprestigiada editora deNovaYork especializada empoesia e romances literários. As pessoas eram simpáticas e o ambiente,agradável. Ela adorava seu trabalho. Tinha sido lá que conheceraMatt. FaziacercadeumanoqueelaseentusiasmaraaoleromanuscritodoprimeirolivrodepoesiadeleecompraraseusdireitosdepublicaçãodeumapequenaagêncialiteráriadeBoston.

Os dois se deram bem logo de cara,muito bem. Poucas semanas depois,estavamapaixonados–oupelomenoseranissoqueelaacreditavadofundodocoração,daalma,docorpo,damente,daintuiçãofeminina.

Comopodiaestartãoerrada?Oquehaviaacontecido?Porquê?Quandoseabaixouparapegaropacote,reconheceuacaligra a.EradeMatt.

Nãohaviadúvidaquantoaisso.Quasedeixouopacotecair.Tevevontadedeatirá-lolonge.Masnãofoioque

fez.Controladademais,esseeraoproblemadela.Umdosproblemas.Katie cou

olhando xamenteparaopacotedurantealgumtempo.No m,respiroufundoerasgouoembrulhodepapelpardo.

Oqueencontroufoiumpequenodiáriocomjeitodeantigo.Katie franziua

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testa.Nãoestavaentendendo.Entãocomeçouasentiroestômagorevirar.Nacapaestavaescritoàmão“DiáriodeSuzanaparaNicolas”.Escritoàmão,

masnãocomaletradeMatt.SeriaaletradeSuzana?Derepente,Katiesentiuacabeçagirando.Malconseguiarespirar.Também

nãoconseguiaraciocinardireito.Mattsempre forareservadoereticentesobreseu passado. Uma das poucas coisas que ela havia descoberto era o nome daesposa dele: Suzana. A informação escapara numa noite, depois de duasgarrafasdevinho.MasMattnãoquiserafalarmaisnadasobreoassunto.

AsúnicasdiscussõesdeleserammotivadaspelosilênciodeMattarespeitodeseupassado.Katieinsistiaemsabermaiseissosóofaziasecalar,oquenãoeratípicodele.Depoisdeumabrigadeverdade,elelhegarantiraquejánãoestavacasado com Suzana. Ele jurara. Depois dissera que aquilo era tudo o que iriacontarsobreoassunto.

Quem era Nicolas? E por que Matt havia mandado aquele diário? Por queagora?Estavaperplexaemaisdoqueperturbada.

Osdedostremeramaoabrirodiárionaprimeirapágina.HaviaumbilhetedeMattpresoaela.OsolhosdeKatiecomeçaramaseencherdelágrimas,queelasecoucomraiva.Leuoqueelehaviaescrito.

QueridaKatie,Nadadoqueeudissesseou zessepoderiachegarpertodeexpressaroque

estou sentindo. Foi tudo culpa minha. Assumo toda a responsabilidade.Sinto muito pelo que permiti que acontecesse entre nós. Você é perfeita,maravilhosa,linda.Nãofoivocê.Fuieu.

Talvezestediárioexpliqueascoisasmelhordoqueeujamaisconseguiria.Sepuder,leia-o.

Ésobreminhamulher,meufilhoeeu.Preciso avisá-la, porém, de que algumas partes provavelmente serão

difíceisdesuportar.Nuncaplanejeimeapaixonarporvocê,masmeapaixonei.

Matt

Katievirouapágina.

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Nicolasquerido,meupequenopríncipe,

Pormuitosemuitosanoseumepergunteisealgumdiaseriamãe.Naquele tempo, eu às vezes sonhava acordada pensando que seria

maravilhoso e sábio gravar uma ta de vídeo a cada ano para contar ameusfilhosquemeuera,oqueeupensava,quantoosamava,minhaspreocupações,oque me emocionava, me fazia rir ou chorar e me fazia pensar de formasdiferentes.Além,éclaro,detodososmeussegredosmaisíntimos.

Eu adoraria ter recebido tas deminhamãe emeupai contando-mequemforameoquesentiampormimeemrelaçãoaomundo.Porquenãoseiquemelessão,eissoémeiotriste.Não,émuitotriste.

Porissovougravarumvídeoporanoparavocê.Mastemmaisumacoisaquequerofazer,meuamorzinho.

Querofazerumdiário,estediário,eprometoescrevernelecomfrequência.Nomomentoemqueescrevoesteprimeirotexto,vocêtemduassemanasde

idade.Masquerocomeçarcontandoalgumascoisasqueaconteceramantesdevocênascer.Querocomeçarantesdocomeço,porassimdizer.

Istoéparavocê,Nick:ahistóriadeNicolas,SuzanaeMatt.

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Voucomeçarporumanoitedeprimavera,quenteeagradável,emBoston.

Naépoca,euerafuncionáriadoHospitalGeraldeMassachusetts.Faziaoitoanosqueeume tornaramédica.Haviacoisasqueeuamavaemmeu trabalho:verospacientesmelhorando,eatémesmo caraoladodaquelesquesabíamosque não se recuperariam.Mas também tinha a burocracia e os problemas dosistema de saúde pública do nosso país. E, claro, as minhas própriasimperfeições.

Eutinhaacabadodesairdeumplantãode24horaseestavamaiscansadadoque você poderia imaginar. Fui passear com meu golden retriever, Gustavus,tambémconhecidocomoGus.

Achoqueprecisotraçarumretratodemimmesmanaquelaocasião.Eutinhaquase 1,70metro e longos cabelos loiros. Não era linda, mas tinha uma boaaparência e um sorriso amigável namaior parte do tempopara amaior partedossereshumanos.Nãomepreocupavamuitocomasaparências.

Erasexta-feiraelembroqueo mdetardeestavamuitoagradável,comumaluzlinda.Eraotipododiapeloqualdágostoviver.

Aindamelembrodetudocomosetivesseacabadodeacontecer.Gus começoua correr,perseguindoumpobrepatoquehavia saídodo lago.

Estávamos no Jardim Público de Boston, perto dos pedalinhos. Era nossopasseio de rotina, principalmente quando Michael, meu namorado, estavatrabalhando.Enaquelanoiteeleestava.

Gus se soltou da guia e eu saí correndo atrás dele. Ele era um caçadortalentoso. Vivia capturando bolas, frisbees, embalagens de papel, bolhas desabão,reflexosnasjanelasdomeuapartamento,oquefosse.

Enquanto corria atrás deGus, senti de repente a pior dor de toda aminha

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vida.MeuDeus,oqueéisto?Foiumadortãofortequecaínochão.Entãopiorou.Sentiapontadasintensaspercorrendomeubraço,nascostase

até no maxilar. Fiquei ofegante. Não conseguia respirar. Não conseguia meconcentrar emnada no JardimPúblico. Tudo se transformou em um borrão.Não tinha certeza do que estava acontecendo comigo, mas alguma coisa medizia:coração.

Oqueestavahavendocomigo?Queriagritarpedindoajuda,masmesmodizeralgumaspalavrasestavaalém

das minhas forças. As árvores do jardim giravam ao meu redor. Pessoaspreocupadascomeçaramaseaproximareaseagruparpertodemim.

Gus voltou assustado. Pude ouvi-lo latindo. E então ele começou a lambermeurosto,maseumalsentiasualíngua.

Euestavadeitadadecostas,segurandoopeito.Coração?MeuDeus.Eusótenho35anos.“Chamem uma ambulância”, alguém gritou. “Ela está passando mal. Acho

queestámorrendo.”Nãoestoumorrendo!Queriagritar.Nãopossoestarmorrendo.Minharespiraçãoestava candomaisfracaeeuestavaapagando,indorumo

aonada.Ah,Deus,pensei.Continueviva,respire,fiqueconsciente,Suzana.Foi quando pensei em procurar uma pedra perto de mim.Agarre-se a esta

pedra,disseamimmesma,segurefirme.Acrediteiqueapedraeraaúnicacoisaquememanteria presa ao chãonaquelemomento assustador.Queria chamarporMichael,massabiaquenãoadiantaria.

Devoter cadodesmaiadaporváriosminutos.Derepentevolteiamimemedei conta do que acontecia. Eu estava sendo levada para dentro de umaambulância.Lágrimasescorriampelomeurosto.Meucorpoestavaencharcadodesuor.

Aparamédicanãoparavadedizer:“Asenhoravai carbem.Estátudobemcomasenhora.”Maseusabiaquenãoestava.

Olhei para ela com toda a força que consegui reunir e sussurrei: “Nãomedeixemorrer.”

Fiqueisegurandoapedrinhacomforçadurantetodootempo.Aúltimacoisade que me lembro é uma máscara de oxigênio sendo colocada sobre o meurosto,umafraquezamortalseespalhandopelocorpoeapedrapor mcaindo

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daminhamão.

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Então,Nicky,

Euestavacomapenas35anosquandotiveaquele infartoemBoston.PasseiporumacirurgiadepontedesafenanoHospitalGeraldeMassachusettsnodiaseguinte.Fiqueidelicençaemcasaporquasedoismesesefoiduranteaminharecuperaçãoque tive tempodepensar,pensardeverdade, talvezpelaprimeiraveznavida.

AvalieicuidadosaedolorosamenteaminhavidaemBoston,quantoelahaviasetornadocorrida:plantões,pesquisas,horasextras, jornadasduplas, trabalhoem excesso. Pensei em como eu vinha me sentindo antes daquele terrívelacontecimento.Tambémexamineiaminhapróprianegação.Minhaavóhaviamorrido por causa de problemas cardíacos. Minha família tinha histórico dedoenças cardíacas. E ainda assim eu nunca havia tomado os cuidadosnecessários.

Foidurantemeuperíododerecuperaçãoqueumamigomecontouahistóriadas cinco bolas. Nunca se esqueça desta história, Nicky. Ela é muitíssimoimportante.

Éoseguinte.Imagine que a vida seja uma brincadeira em que você ca fazendo

malabarismo com cinco bolas. As bolas se chamam trabalho, família, saúde,amigos e integridade. Você está mantendo todas as bolas no ar e um dianalmente se dá conta de que o trabalho é uma bola de borracha. Se você a

deixar cair, ela vai pular de volta. As outras quatro bolas – família, saúde,amigos e integridade – são feitas de vidro. Se você deixar cair alguma, ela vaicararranhada,oulascadaouvaisequebrardevez.Depoisdecompreendera

liçãodascincobolas,vocêterácomeçadoaatingiroequilíbrionasuavida.

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Nicky,eufinalmentecompreendi.

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Nick,

Comovocêpodeimaginar,issotudofoiantesdopapai,antesdoMatt.Deixe-mefalarsobreoDr.MichaelBernstein.Conheci Michael em 1996, na festa de casamento de John Kennedy e

CarolynBessettenailhadeCumberland,naGeorgia.Devoadmitirqueamboshavíamos tidovidasdemuita sorteaté então.Meuspaismorreramquandoeutinha2anos,mastiveafelicidadedesercriadacommuitoamorepaciênciapormeus avós em Cornwall, no estado de Nova York. Estudei na AcademiaLawrenceville emNova Jersey, depois naDuke e por último na Faculdade deMedicinadeHarvard.

Eumesentiaincrivelmenteprivilegiadaportersidoalunadecadaumadessastrêsinstituiçõesenãopoderiaterrecebidoumainstruçãomelhor–excetopelofatodenãoteraprendidoemqualquerumadelasaliçãodascincobolas.

MichaeltambémestudounaFaculdadedeMedicinadeHarvard,mashaviaseformadoquatroanosantesdeeuentrar lá.Sóviemosanosconhecernaquelecasamento. Eu era convidada de Carolyn e Michael, de John. Foi umacerimônia linda, cheia de esperança e promessas.Talvez isso tenha ajudado anosunir.

Masoquenosmantevejuntopelosquatroanosseguintesfoiumpoucomaiscomplicado. Em parte, foi pura atração física (algum dia vou falar com vocêsobre isso,masnão agora).Michael era–é – alto e elegante, comum sorrisoencantador. Nós tínhamos muitos interesses em comum. Eu adorava ashistóriasdele,sempretãodivertidas,diretasesarcásticas.Adoravaouvi-lotocarpianoecantaroquefosse,deFrankSinatraaSting.Alémdisso,amboséramosworkaholics – eu no Hospital Geral de Massachusetts, Michael no Hospital

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InfantildeBoston.Masnadadissoéamordeverdade,Nicolas.Podeacreditaremmim.Umdia,cercadeummêsdepoisdomeuinfarto,acordeiàsoitodamanhãe

o apartamento estavanum silêncio tãobomque resolvi cardeitadamaisumpouco,aproveitandoaquelatranquilidade.A nalmelevanteiefuiatéacozinhaparaprepararocafédamanhãantesdesairparaomédico.

Deiumpuloparatrásquandoouviumbarulho–umacadeiraarranhandoopiso.Nervosa,fuiverquemestavalá.

EraoMichael.Fiqueisurpresaaovê-loaindaemcasa,jáqueelesempresaíaantes das sete. Estava sentado à mesinha de madeira em que costumávamostomarocafé.“Vocêquasemefezinfartar”,eudisse,fazendopiada.

Michaelnãoriu.Sódeuumtapinhanacadeiraaoladodele.Então,comacalmaeoamor-próprioaqueeujáestavaacostumada,Michael

contou quais eram os três principais motivos pelos quais estava terminandonosso relacionamento. Disse que não conseguia conversar ou se relacionarcomigocomofaziacomosamigoshomens,queachavaqueeunãopoderiamaister lhos por causa do ataque cardíaco e que estava apaixonado por outrapessoa.

Saícorrendodecasa.Adorquesentinaquelamanhãfoiaindapiordoqueado infarto. Nada estava certo na minha vida. Eu tinha feito tudo errado atéentão.Tudo!!!

Eu adorava ser médica, mas atendia num hospital grande e burocráticodemaisemumcentrourbano.Eissosimplesmentenãoeraomelhorparamim.

Eu estava trabalhando demais – porque não havia mais nada de valor naminhavida.Ganhavabem,masgastavatudoemjantaresnacidade,viagensdenaisdesemanaeroupasdequeeunãoprecisavaoudequenemgostavatanto

assim.Sempre quisera ter lhos, a vida inteira.No entanto, ali estava eu, semum

companheiro, semum lho, semumplanoouqualquerperspectivademudarnadadisso.

Então eis o que eu z, meu menininho: comecei a viver a lição das cincobolas.

Pedi demissão do Hospital Geral de Massachusetts. Saí de Boston. Deixeiparatrástodososcompromissosqueestavammematando.Ememudeiparaoúnico lugardomundoemquesempre fui feliz, fuipara láa mdecurarmeu

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coração.Euvinhadandovoltasemaisvoltassemchegaralugaralgum,vivianolimite.

Alguma coisa em minha vida acabaria não aguentando essa rotina.Infelizmente,foimeucoração.

Nãofoiumamudançapequena,Nicky.Euhaviadecididomudartudo.

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Nicky,

Cheguei à ilha de Martha’s Vineyard como uma turista desajeitada,arrastandoabagagemdomeupassado,aindasemsaberoquefazercomela.Eupassaria os primeiros meses alimentando-me de comida integral e vegetaisfrescos e jogando fora revistas velhasquehaviamme seguido até a casanova.Tambémprocurariaumemprego.

Dos5aos17anos,passei todososverõesemMartha’sVineyardcommeusavós.Meuavôeraarquiteto,comomeupaitambémtinhasido,enãoprecisavadeumescritórioparatrabalhar.MinhaavóIsabelleeradonadecasaetinhaotalento de deixar tudomais confortável e aconchegante do que qualquer umpoderiaimaginar.

AideiadeestardevoltaaMartha’sVineyardmefaziabem.Euadoravatudolá.Guseeucostumávamosiràpraianocomeçodanoitee cávamosláaténãohavermaisluz.Brincávamoscomumabolaouàsvezescomumfrisbee,depoisnosaninhávamosnumcobertorparaesperarosolsepôr.

EuhaviaacertadodeassumiroconsultóriodeumclínicogeralqueestavasemudandoparaIllinois.Decertaforma,estávamostrocandodevida.EleiaparaChicagojustamentequandoeudeixavaavidanacidadegrande.Minhasalaeraum dos cinco consultórios médicos de uma casa branca de madeira emVineyard Haven. A casa tinha mais de 100 anos e quatro lindas cadeiras debalançoantigasnavarandada frente.Atéeu tinhaumacadeiradebalançonamesaemquetrabalhava.

Sermédicadointeriorsoavalindamenteparamim,comoasinetaderecreiodasescolasrurais.Fiqueicomvontadedependurarumaplacadizendo:SUZANA

BEDFORD–MÉDICADOINTERIOR.

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VolteiadarconsultasemmeusegundomêsemMartha’sVineyard.EmilyHowe, 70 anos, bibliotecária, honrada integrante do grupo Filhas da

RevoluçãoAmericana,severa, rmeecontratudooquehouvesseacontecidoapartirde1900,maisoumenos.Diagnóstico:bronquite.Prognóstico:bom.

Dorris Lathem, 93 anos, viúva três vezes, teve 11 cachorros quemorreramdevido a complicações da idade, sobreviveu a um incêndio em casa. Saudávelcomoumcavalo.Diagnóstico:velhasenhora.Prognóstico:viveráparasempre.

EarlChapman,pastorpresbiteriano.Principal característica: sempre achavaqueestavacerto.Diagnóstico:diarreiaaguda.Prognóstico:possívelreincidênciadoqueoCriadordeveconsiderarumacertodecontas.

Minhaprimeira listadepacientesparecia conter as anotaçõesdeumpoeta.Imaginei ummédico caminhando pelas ruas de Vineyard no início do séculoXX, comoventogelado soprandodas colinasdistantes, o leite congelandonaentradadascasasao ladodecarrinhosdemãoafundadosna lamade inverno.Láestariaele,atendendotardedanoiteaummeninoquecaiudotrenóeferiuobraçoeoorgulho.

Aquilo era paramim.Apenas uns 10 quilômetros de água e 120 de estradameseparavamdeBoston,maseuagoraestavavivendoumafantasiaque cavaaanos-luzdarealidadedelá.

Eumesentiacomosetivessevoltadoparacasa.

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Nicolas,

Eunãofaziaideiadequeoamordaminhavidaestavaaqui,sóesperandopormim.Sefizesse,teriacorridodiretoparaosbraçosdopapai.Namesmahora.

Quando cheguei a Martha’s Vineyard, estava insegura sobre tudo, masprincipalmente sobre onde me instalar. Dirigi pela ilha em busca de algumacoisa que dissesse “lar”, “você vai car bem aqui” ou “não precisa procurarmais”.

Há lugares lindosnanossa ilha,mas, embora eu a conhecesse bem, elamepareciadiferentedaquelavez.

Tudo estava diferente porque eu me sentia diferente. O lado oeste da ilhasempre foi especial para mim, porque passei muitos verões maravilhosos lá.Parecia um livro infantil ilustrado com fazendas e cercas, estradas de terra epenhascos. O leste era um turbilhão de mirantes, sacadas amplas, faróis eportos.

Masfoiumacasadaviradadoséculocomumaentradaparaembarcaçõesqueconquistoumeucoração.Aindasouapaixonadaporela.Érealmenteumlar.

Precisava de reformas, mas estava preparada para o inverno. E eu meapaixonei à primeira vista, ao primeiro cheiro, ao primeiro toque. Vigasrobustas–queumdia serviramde apoio aosbarcosque eramguardados ali–cruzavamoteto.Noandardecima,acabeiinstalandoportinholasparadeixarosol entrar formando círculos de luz.Tive depintar asparedesde azul, porquetodoo andardebaixo se abriaparaomar, comgrandesportasde correr quetraziamparadentrotudooquepudesseestardoladodefora.

Vocêpodeimaginarcomoera,Nicky,viverpraticamentenapraiadessejeito?Meu corpo eminha alma, cada pedaço demim sabia que eu tinha tomado a

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decisão certa.Atémeu lado racional estavade acordo.Euagoramorava entreVineyard Haven e Oak Bluffs. Às vezes trabalhava em casa ou visitavapacientes.O restante do tempo, atendia nohospital deMartha’sVineyard ouno pequeno pronto-socorro de Vineyard Haven, onde também fazia meuacompanhamentocardiológico.

Exceto por Gus, cava sozinha, levando uma vida solitária, mas me sentiafelizamaiorpartedotempo.

Talvez fosse porque na época não zesse ideia do que estava perdendo:seupapaievocê.

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Nicolas,

Euestavavoltandodohospitaldecarroquandoouviumbarulhoestranho.Oqueeraaquilo?Pssssss...

TivequepararnoacostamentoedescerdomeuJeepparadarumaolhada.Ah,queótimo. Umpneudoladodireitoestavacompletamentevazio.Euaté

poderia trocá-lo– senão tivesse tiradooestepeparadar espaçopara todasasminhascoisasnamudança.

Pegueiocelulare ligueiparaopostodegasolina,furiosacomigomesmaporprecisarchamaralguém.Umcaraatendeuemetratoucomcertopaternalismo.Outro cara viria consertar o pneu furado. Isso fez comqueme sentisse “umamulherzinha”,algoqueeudetestava.Eusabia trocarpneuperfeitamentebem.Tenho orgulho daminha autossu ciência e independência. E da boa e velhateimosia.

Estavaencostadanaportadoladodocarona, ngindoadmirarapaisagemetentando aparentar para os carros que passavam que era esse o motivo daminhaparada,quandoumcarroestacionoubematrásdomeu.

Enãoeradopostodegasolina,comcerteza.AmenosqueelestivessemmandadoumJaguarconversível.“Estáprecisandodeajuda?”,perguntouumhomem.Elejáestavacaminhando

emdireçãoaomeucarroe,sinceramente,eunãoconseguiatirarosolhosdele.“Não, obrigada... liguei para o posto. Vão chegar logo. Obrigada, mesmo

assim.”Haviaalgofamiliarnele.Fiqueimeperguntandosehaviacruzadocomeleem

algumadaslojasdailha.Ouquemsabenohospital.Mas ele era alto e bonito. Imaginei que me lembraria. Tinha um sorriso

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simpáticoetranquilo,alémdeumjeitodescontraído.“Possotrocaropneu”,eleseofereceu,edealgumaformaconseguiu nãosoar

paternalistaquandodisse isso. “Omodelodomeucarroé so sticado,maseu,naverdade,não.”

“Obrigada, mas tirei o meu estepe para ganhar espaço para coisas maisimportantes,comomeuaparelhodesomeminhacoleçãodecastiçaisantigos.”

Eleriu...efoitãofamiliar.Quemeraele?Deondeeuoconhecia?“Mas co lisonjeada”, continuei. “Um homem num conversível reluzente

dispostoatrocarumpneuparamim...”Eleriudenovo–umarisadasimpática.Muitofamiliar.“Ah,‘eusouvasto...contenhomultidões’.”“WaltWhitman!”,eudisse,eentãomelembreidequemeleera.“Vocêfazia

issootempotodo,citarWaltWhitman.Matt?”“SuzanaBedford!Eutinhaquasecertezadequeeravocê.”Ele coumuitosurpresodecruzarcomigodessejeitodepoisdetantotempo.

Deviafazerquase20anosdesdeaúltimavezquetínhamosnosvisto.MattWolfeestavaaindamaisbonitodoqueeumelembrava.Tinha37anos

e o passar do tempo havia lhe feito bem. Eramagro, com cabelos castanhosbem curtos e um sorriso encantador. Estava ótimo. Ficamos conversando noacostamento.Elehaviasetornadoadvogadoetambémnegociavaobrasdearte.Tive que rir quando eleme disse isso.Matt costumava brincar que jamais setornariaumhomemdenegócios.

Elenãose surpreendeuquandosoubequeeueramédica.Oqueoespantoufoio fatode eunão estar comalguém,de ter voltadoparaMartha’sVineyardsozinha.

Ficamosali, falandodenossasvidas.Eleeradivertido,bomdeconversa.Naépocaemquenamorávamos,Matttinha18anoseeu,16.Foioúltimoanoemquemeus avós alugaramumacasadeveraneiona ilha,mas eu evidentementenuncame esqueci dela ou de seusmuitos encantos. Sonhava comomar e aspraiasdeládesdequemedavaporgente.

Achoqueambos camosumpoucodecepcionadosaoveroguinchoamareloparandoatrásdenós.Seiqueeu quei.Poucoantesdemevirarparairembora,Matt resmungoualgumaspalavras sobrecomoaquilohavia sido legal–omeupneufurado.Entãomeperguntouoqueeuiafazernosábadoànoite.

Achoquefiqueivermelha.Seiquefiquei.

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“Vocêestámeconvidandoparasair?”“Sim, Suzana, estou. Agora que encontrei você de novo, quero ver você de

novo.”Eu disse que adoraria sair com ele no sábado.Meu coração estava batendo

forte,oqueinterpreteicomoumótimosinal.

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Nick,

Quando cheguei em casa no nal daquelamesma tarde, havia um homemsentado na minha varanda. Eu não fazia a menor ideia de quem seria. Nãopodia ser o cara daTV a cabonemo da companhia telefônica, já que ambostinhamestadolánodiaanterior.

Erao faz-tudoque iameajudarcomqualquercoisanochaléqueprecisassedeumatomada,umacabamentoouumaescadaparachegarlá.

Enquantodávamosumavoltapelochalé,fuiapontandováriosdosproblemasqueeuhaviaherdado:janelasquenãofechavam,pisosqueprendiamasportas,um vazamento no banheiro, uma bomba d’água com defeito, uma calhaquebradaeumacasainteiraprecisandoserlixadaepintada.

Acasaeramuitobonitinha,masnadaprática.Masohomemfoiótimo:tomounotas, fezperguntas inteligentesemedisse

quepoderia arrumar tudo até antes dopróximomilênio. Fechamosonegócioali mesmo (o queme deu a nítida sensação de que eu haviame saídomuitobem).

De repente, a vida estava parecendo muito melhor. Eu tinha um novoconsultório que adorava, um faz-tudo bem recomendado e um encontro comMatt.

Quando nalmente queisozinhaemmeuchalédefrenteparaomar,jogueiosbraçosparacimaegriteiviva.

Entãoeudisse:“MattWolfe.Hum.Imaginesó.Quelegal.Quebacana.”

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Nick,

Quase todomundoumdia já sonhouoqueaconteceria se alguémdequemgostavanaépocadaescolaoudafaculdaderessurgisseemsuavida.Paramim,essapessoaeraoMatt.

Quemsabeele fosseumapequenapartedoquehaviameatraídodevolta aMartha’sVineyard?Provavelmentenão,masquempodesaberdessascoisas?

Mesmoassim,eumeatraseiquaseumahoraparanossoencontrodesábadoànoite.Preciseiinternarumpaciente,voltarcorrendoparacasaedardecomerao Gustavus, me arrumar e encontrar meu bipe antes de sair. Além disso –precisoconfessar–,souumpoucodesorganizadaàsvezes.Meuavôcostumavadizer:“Suzie,vocêtemmuitacoisanacabeça.”

Quando entrei no Lola’s, que é um lugar bacana da praia entre VineyardHaveneOakBluffs,Mattestavaesperandocomumagarrafadevinho.Pareciarelaxado,oquemeagradava.Alémdebonito–eissotambémnãoeraruim.

“Matt,sintomuito,muitomesmo”,eudisse.“Esteéumdosproblemasdesaircommédicos.”

Eleriu.“Depoisde20anos...oquesão20minutos?Ou50?E,alémdisso,vocêestá

linda,Suzana.Vocêvaleaespera.”Fiqueilisonjeada,aindaqueumpoucoenvergonhada.Faziaalgumtempoque

ninguémmeelogiava,nemmesmobrincando.Maseugostei.Eanoitepassousuavemente,comosedeslizasseemlençóisdecetim.

“EntãovocêvoltoudevezparaVineyard?”,Mattperguntoudepoisdeeulhecontaralgunsdosacontecimentos–nãotodos–quelevaramàminhadecisão.Nãofaleisobreoinfarto.Iriafalar,masdepois.

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“Adoroestailha.Sempreadorei.Sintocomosetivessevoltadoparacasa”,eudisse.“Sim,volteiparasempre.”

“Comoestãoosseusavós?”,eleperguntou.“Eumelembrodosdois.”“Meuavôestáótimo.Masminhaavómorreuháseisanos.Docoração.”Matt e eu conversamos sem parar – sobre trabalho, verões em Vineyard,

faculdade,nossos20anos,nossos30,sucessosedecepções.Entreos20eos30anos,elehaviamoradonomundotodo:Positano,Madri,Londres,NovaYork.Tinha28quandoentraraparaaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeNovaYorke faziadoisanosquehaviavoltadoparaVineyard.Adoravaaquele lugar.Foi muito bom conversar com ele de novo, uma viagem maravilhosa pelaestradadaslembranças.

Depoisdojantar,Mattmeacompanhouemseucarroatéemcasa,enquantoeu dirigia na frente. Estava apenas sendo gentil. Quando chegamos ao chalé,saímosdenossoscarroseconversamosumpoucomaissobumalindaluacheia.Euestavamedivertindodeverdade.

Elecomeçouarir.“Vocêselembradonossoprimeiroencontro?”,perguntou.Eulembrava.Tinhachovidomuitoefaltaraluz.Eumearrumeinoescuroe,

porengano,pegueiumalatadearomatizadordeambientesemvezdespraydecabelo.Passeitodaanoitecomaquelecheiro.

Mattfezumacaretaeperguntou:“Vocêselembradaprimeiravezqueeutivecoragemdebeijarvocê?Provavelmentenão.Euestavaapavorado.”

Issomesurpreendeuumpouco.“Eunãopercebi.Peloquelembro,vocêsemprefoimuitoseguro.”“Meuslábios tremiameeuestavabatendoosdentes.Eueramuitoa mde

você.Enãoeraoúnico.”Dei risada. Aquilo podia ser uma bobagem, mas era divertido. De certa

forma,saircomMattdenovoeraarealizaçãodeumafantasia.“Nãoacreditoemnadadisso,masestouadorandoouvir.”“Suzana,possobeijarvocê?”,perguntouelecomavozsuave.Dessavezeraeuqueestavatremendoumpouco.Tinhaperdidoaprática.“Tudobem.Querdizer,tudoótimo.”Matt se inclinou para a frente e me beijou com toda a doçura. Um único

beijo,apenasum.Masfoiomáximo,depoisdetodosaquelesanos.

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QueridoNicky,

Bizarra!Àsvezesestaéaúnicapalavraquepossousarparadescreveravida.Simplesmentebizarra.

Lembra do faz-tudo de que eu tinha falado? Bem, ele foi àminha casa namanhã seguinte ao meu encontro com Matt, para dar um jeito em algumascoisas.Percebiapresençadeleporcausadolindobuquêde oresdocampoquemedeixara.

Láestavamelas:cor-de-rosa,vermelhas,amarelas,azuiseroxas,lindasnumvasodevidroaoladodaportadafrente.

Muitodoce,muitogentileinesperadamentetocante.PrimeiropenseiqueeramdeMatt,mas,puxavida,nãoeram.Haviatambémumbilhete.CaraSuzana,suacozinhaaindaestásemluz,mas

espero que essas ores iluminem um pouco o seu dia. Talvez possamos sairqualquerhoradessasparafazeroquevocêquiser,ondevocêquiser. EleassinouVanGogh–maisconhecidocomoocaraquepintaasparedesdasuacasa.

Aquilomexeucomigo.Atéanoiteanterior,eunãohaviasaídocom ninguémdesdequevieradeBoston.NãotiveravontadedesaircomninguémdepoisqueMichaelBernsteinmedeixara.

En m,ouviopintor/faz-tudomartelandoalgumacoisaemalgumlugaresaí.Láestavaele,encarapitadofeitoumagaivotanoaltodotelhadoíngreme.

“VanGogh”,gritei.“Muitoobrigadapelasflores.Sãoumpresentelindo.Vocêfoimuitogentil.”

“Ah,denada.Elasmelembraramvocêeeunãoresisti.”“Bem,vocêadivinhou:sãoasminhaspreferidas.”“O queme diz, Suzana? Quem sabe um dia desses a gente possa sair para

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comer,passear,verumfilme,fazerpalavrascruzadas.Esquecialgumaopção?”Sorrisemquerer.“As coisas estãomeiomalucas paramim agora, com os pacientes e tudo o

mais. Preciso dar prioridade a isso por enquanto.Mas foi muito legal da suapartemeconvidar.”

Ele aceitoumeunão com tranquilidade e um sorriso.Depois passou amãopelocabeloedisse:

“Entendo.Masvocêdeve saberque, senão sair comigoaomenosumavez,tereiqueaumentaropreço.”

“Não,eunãosabiadisso”,respondi.“Pois é. Também acho desprezível, uma política de negóciosmuito injusta.

Masoquesehádefazer?Omundoéassim.”Deiumarisadaedisseaelequelevariaoassuntoemconsideração.“Aliás, quanto devo pelo trabalho extra que você já fez na garagem?”,

perguntei.“Aquilo?Nãofoinada...nadamesmo.Degraça.”Deideombros,sorrieacenei.Oqueeletinhaditoerabomdeouvir–talvez

porqueomundonãofosseassim.“Obrigada,VanGogh.”“Nãohádequê,Suzana.”Eeleretomouasuatarefadepôrumtetosobreminhacabeça.

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QueridoNicolas,

Estou cuidando de você enquanto escrevo e só posso dizer que você émaravilhoso.

Às vezes, olho para você e simplesmente não acredito que sejameu. Vocêtemoqueixodoseupai,mastemomeusorriso.

Acaixinhademúsicadoseuberçotoca“WhistleaHappyTune”,domusicalOreieeu.Quandopuxamosacordinhaeamelodiacomeça,vocêrinamesmahora.Achoqueopapaieeuadoramosouviressacançãotantoquantovocê.

Às vezes, à noite, quando estou voltando tarde para casa ou dando umacaminhada,ouçoessamelodianaminhacabeçaesintomuitasaudadedevocê.

Nesteexatomomentovocêestádormindoeeuqueriaapenaspegá-lonocoloesegurá-loomaispertodemimpossível.

A outra coisa que sempre faz você dar risada é “uni, duni, tê”.Não sei porquê.Talvez seja o somouo ritmodas palavras. Só que, quando chegamos ao“sorvetecolorido”,vocêjáestádandogargalhadas.

É difícil imaginar você com qualquer outra idade que não seja a que temagora. Mas acho que todas as mães tendem a pensar nos lhos assim, acongelá-los no tempo e guardá-los na mente como ores em uma gaveta,perfeitos e eternos. Às vezes, quando nino você, sinto como se estivessesegurando um pedacinho do céu nos braços. Tenho a sensação de que hámuitosanjosprotetoresaoseuredor,aonossoredor.

Agoraacreditoemanjos.Sódeolharparavocê,meumenininhoquerido, éimpossívelnãoacreditar.

Estoupensandoemquantoeuameivocêquandoestavanaminhabarriga,emcomo o ameino instante em que nos conhecemos . Quando o vi pela primeira

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vez, você olhou direto para o papai e para mim. A expressão em seus olhosdizia:“Oi,euestouaqui!”

Vocêestavamuitoalerta,conferindotudoaoredor.Finalmenteopapaieeupudemosvê-lodepoisdenovemesesimaginandocomovocêseria.Segureiasuacabeça e a encostei gentilmente em meu peito. Você era 2,7 quilos de purafelicidade.

Depoisqueeuosegurei,foiavezdopapai.Elenãoconseguiaacreditarcomoumbebêdeapenasalgunsminutosdeidadepodiaestarolhandodiretoparaele.

OmenininhodoMatt.NossopequenoNicolas.

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OMENININHODOMATT.NossopequenoNicolas.

Katie Wilkinson largou o diário, suspirou, depois respirou fundo. Sentia agarganta seca e dolorida. Passou os dedos nos pelosmacios deGuinevere e agata ronronou baixinho. Assoou o nariz num lenço de papel. Não estavapreparadaparaaquilo.DefinitivamentenãoestavapreparadaparaSuzana.

OuparaNicolas.E,acimadetudo,nãoparaNicolas,SuzanaeMatt.–Istoétãomalucoetãoruim,Guinny–disseelaparaagata.–Eumemeti

numabaitaconfusão.MeuDeus,quedesastre.Katiese levantoue couandandodeumladoparaooutronoapartamento.

Sempre tiveramuito orgulhodele.Grande parte da decoraçãohavia sido feitaporelamesma.Adoravaaideiadevestirumacamisetaeumshortconfortávelepassar o diamontando armários e estantes. Sua casa tinhamóveis antigos demadeira,velhostapetesbordadosepequenasaquarelas.

Ela colocara em seu escritório o antigo armário de compotas da avó, queainda guardava o cheirinho de doces feitos em casa. Agora ele exibia várioslivros de papel-pergaminho costurados a mão que a própria Katie zera.Aprendera a encadernar naEscola deArtesanato dePenland, naCarolina doNorte.Havia uma frase que ela adorava e na qual acreditava: “Mãos à obra ecoraçãoemDeus.”

Katietinhamuitasperguntasafazereninguémpararespondê-las.Bem,issonãoeradetodoverdade.Haviaodiário.

Suzana.Gostavadela.Droga,elagostavadeSuzana.Nãoqueria,maseraoqueestava

acontecendo. Em circunstâncias diferentes, era provável que elas fossem

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amigas.KatietinhaamigascomoSuzanaemNovaYorketambémnaCarolinadoNorte.Laurie,Robin,Susan,Gilda,Lynn–váriasboasamigas.

Suzana havia sido corajosa ao deixar Boston e se mudar para Martha’sVineyard.Tinhaidoparaláàprocuradeseramédicaeamulherquesonhara.Haviaaprendidoumaliçãocomseuataquecardíacoquasefatal:aproveitarcadainstantedavidacomosefosseumpresente.

EquantoaMatt?OqueKatiesigni cavaparaele?Seriaapenasmaisumcasode amor condenado ao m?Katie se sentia uma pecadora.De repente, tinhavergonha de si mesma. Quando era criança, o pai costumava lhe perguntar:“VocêestáagindodeacordocomDeus,Katie?”Agoraelajánãotinhacerteza.Não sabia se suas ações estavam de acordo com ninguém. Nunca havia sesentidoassimenãoestavagostandodasensação.

–Idiota–sussurrou.–Imbecil.Vocênão,Guinevere.EstoufalandodoMatt!Cretino!

PorqueMattnãohaviasimplesmenteditoaverdade?Eleestavatraindoumaesposamaravilhosa?PorquenãocontarasobreSuzana?OusobreNicolas?

ComoKatiepodia terpermitidoqueMatt escondesseessepassado?Elanãohaviainsistidotantoquantopoderia.Porquê?Nãoeradoseufeitiopressionar.E também não gostava de ser pressionada. Com certeza não tinha a menorinclinaçãoparaconfrontos.

Masomotivomais fortehaviasidoaexpressãoquetomavacontadosolhosde Matt toda vez que começavam a falar sobre o passado dele. Havia umatristezamuito grande –mas também sinais de raiva. EMatt haviajurado quenãoeramaiscasado.

KatienãoparavadeselembrardanoiteterrívelemqueMattadeixara.Aindaestava tentando entender. Será que tinha sido boba por con ar nele, alguémqueelaacreditavaamar?

Na noite do dia 18 de julho, ela havia preparado um jantar especial.Cozinhava bem, embora raramente tivesse tempo de fazer algo muitoelaborado.Arrumaraseubelojogodeporcelanaeostalheresdaavónamesadeferrodapequenavaranda.Compraraumadúziaderosas,vermelhasebrancas.Pusera Toni Braxton, Anita Baker,Whitney Houston e Eric Clapton no CDplayer.

QuandoMatt chegou, ela lhe fezuma surpresamaravilhosa: entregou-lheoprimeiroexemplardolivrodepoemasqueeleescreveraequeelahaviaeditado.

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Tinhasidoumtrabalho feitocomamor.Tambémdeuaeleanotíciadequeaediçãoteria11milexemplares–umnúmerosurpreendenteparaumacoletâneadepoemas. ”Você estáno caminho certo.Não se esqueçados amigosquandoficarfamoso”,Katiebrincara.

Menosdeumahoradepois,elaestavasederramandoemlágrimas,tremendoe se sentindo emumpesadelo.Elaperceberaquehavia algo errado assimqueMattchegara.Estavanosolhosdeleeemseutomdevoz.

Matt en m lhe dissera: “Katie, precisamos terminar. Não posso continuarcom você. Não vou mais vir a Nova York. Sinto muito. Eu precisava dizerpessoalmente.Foiporissoquevim.Seicomoissoparecehorríveleinesperado.”

Não, elenão sabia, não fazia ideia. Ela cara arrasada.Ainda estava. Tinhaconfiadonele,seabriracomoanenhumaoutrapessoa...Eacabaramagoada.

E ela queria conversar com ele. Tinha coisas importantes a dizer. Massimplesmentenãotiverachance.

Depois que ele fora embora, ela abrira uma gaveta da antiga cômoda queficavapertodaportaquedavaparaavaranda.

LáestavaescondidooutropresenteparaMatt.Umpresenteespecial.Katieopegouecomeçouatremerdenovo.Sentiuoslábiosestremecereme

osdentes baterem.Não conseguia evitar, não conseguiaparar.Desatou a ta,rasgouopapeldepresenteeentãoabriuapequenacaixaretangular.

Ah,MeuDeus!Katie começou a chorar no instante em que olhou para o conteúdo da

caixinha. Sentiu as lágrimas escorrendo em seu rosto. A dor foi quaseinsuportável.

Tinha uma notíciamuito importante emaravilhosa para compartilhar comMattnaquelanoite.

Dentrodacaixahaviaumchocalhodeprata.Elaestavagrávida.

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Nicolas,

Este é o ritmo da minha vida, regular e reconfortante como as marés doAtlânticoqueeuacompanhodacasa.Émuitonatural,bomecerto.Nofundodocoração,seiqueesteéomeulugar.

AcordoàsseisdamanhãelevoGusparaumalongacaminhadaatédepoisdafazendaRowe.Há um vasto campo onde deixam os cavalos, queGus semprepara e ca observando. Imagino que ele ache que sejam golden retrieversgigantes.Acabamossaindonumafaixadepraiamargeadapordunasdecercadetrêsmetroscomumavegetaçãoquebalançaaoventoepareceacenarparanós.Devezemquandoacenoparaelatambém(àsvezessoutãomalucaquechegaaserconstrangedor).

O trajeto varia,mas emgeral acabamospassandopelapropriedadedeMikeStraw,quetemumcaminholadeadoporantigoscarvalhos.Quandoestáquenteouchovendo,asárvoresservemdeproteção.Gusparecegostardessapartedodiaquasetantoquantoeu.

Oqueeumaisgostonessascaminhadaséa sensaçãode tranquilidadeepazinterior. Acho que grande parte disso se deve ao fato de eu ter retomado asrédeasdaminhavidaesalvadoamimmesma.

Lembre-sedascincobolas,Nicky–lembre-sesempredascincobolas.É exatamente nisso que penso quando começo a percorrer a longa estrada

quenoslevadevoltaparacasa.Pouco antes de entrar no caminho de carros, passo pela casa vizinha dos

Bone. Melanie Bone foi muitíssimo gentil e generosa quando me mudei eajudoucomtudooquepôde:demartelo,pregosetintasaumalistadetelefonesúteis. Ela ainda me deixava ligar da casa dela e sempre me oferecia uma

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limonadabemgelada.Foicomelaqueconseguionúmerodofaz-tudo.Ela tem a minha idade e quatro lhos (que Deus a ajude). Sempre co

impressionadacomquemconseguefazerisso.Todasessasmãessãoincríveis.Osimples fato demanterem as atividades extracurriculares das crianças é comoadministrarumacampamentode férias.Melanie éumamulherpequena, compoucomaisde1,50metrodealtura.Temoscabelosmuitopretoseumsorrisosimpáticoencantador.

Já contei que as crianças dos Bone são todas meninas? E têm entre 1 e 4anos!Comosemprefuipéssimacomnomes,euasorganizochamando-aspelasidades.“ADoisestádormindo?”“ÉaQuatroqueestábrincandonobalanço?”“AchoqueistovaiservirnaTrês.”

OsBoneriemquandofaçoissoeachamtãodivertidoqueelegeramGusumnúmero cinco honorário. Nossa, se as pessoas cassem sabendo do meusistema,jamaisiriamaoconsultóriodaDra.Bedford.

Masaspessoasvãoaomeuconsultório,Nicky,eeuascuro.Eestoucurandoamimmesma.

Agora preste atenção no que aconteceu depois. Tive outro encontro comoMatt.Fuiconvidadaparaumafestanacasadele.

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Meuhomenzinho,

Acasa cavaemVineyardHaveneerabonita,debomgosto,impressionanteemuitocara.Nãopudedeixarde caradmirada.Todososhomens,mulhereseaté mesmo crianças ao redor pareciam se enquadrar num único grupo: o depessoasbem-sucedidas.EraomundodeMatt.PareciaquetodaapartericadeNovaYork, inclusiveaelitedasáreasmaiselegantesdeManhattan,estavaemVineyard.Havia convidados em todos os deques, caminhos de pedra e váriosambientes maravilhosamente bem decorados que se abriam para o mar semfim.

Acasacomtodacertezanãotinhanadaavercomigo,masmesmoassimeupudepercebersuabelezaeoamorquehaviamdedicadoaodecorá-la.

Mattmepegoupelobraçoemeapresentouaseusamigos.Aindaassim,mesenti deslocada. Não sei exatamente por quê. Eu tinha ido a muitos eventoscomoaqueleemBoston.Solenidadesdeinauguraçãodenovasalasnohospital,coquetéis grandes e pequenos, uma quantidade interminável de convites paraeventossociaisqueviravamnotícianosjornaisdeBoston.

Maseudefatomesentidesconfortável.NãoquisdizerissoaMattparanãoestragaranoitedele.MeuspassatemposemMartha’sVineyarderamatividadesmais caseiras.Cultivar umahorta, instalar persianas e impermeabilizar o pisodavaranda.

Acertaalturadafesta,chegueiaconferirseminhasmãosnãoestavamcomnenhumresquíciodatintabrancaquehaviausado.

Sabequaleraasensação,Nick? Àsvezes,quando camosnósdoissozinhos,conversamos na língua do Nicky. É aquela linguagem especial de palavrasinventadas, barulhos estranhos e engraçados e outros códigos e sinais que só

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nósdoisentendemos.Daíalguémtocaacampainha–ounósprecisamosiraomercadooualgumaoutracoisa–eeupossojurarqueesqueçocomofalarcomoumaadulta.

Era assim que eu estava me sentindo nessa festa. Eu havia passado muitotempousandobotasde borracha emacacõesmanchadosde tinta.Estava forade sincronia com aquele mundo. Gostava do novo ritmo que estava criandoparamimmesma.Tranquilo,simples,descomplicado.

Então, quando eu estava pela festa passeando e participando de bate-paposatéagradáveis,umavozinha,umavozdecriança,faloucomigo.

Ummenininhoseaproximoudemimchorando.Deviateruns3ou4anos.Nãovipai,mãeoubabáporperto.

“Oqueaconteceu?”,eumeabaixeieperguntei.“Vocêestábem,garotão?”“Eucaí”,elesoluçou.“Olhe!”Equandoolhei,viumarranhão feioemseu joelho.Tinhaatéumpoucode

sangue.“Comoelesabequevocêémédica,Suzana?”,perguntouMatt.“As crianças sabem essas coisas”, respondi. “Vou levá-lo para dentro para

limparojoelho.Estevestidobrancoeraparaserchique,masachoquepareceuumjalecoparaele.”

Estendiamãoeomenininhoasegurou.DissequesechamavaJackBrandon.Era o lho de George e Lillian Brandon, que estavam na festa. Com umvocabulário muito adulto, ele explicou que a babá estava doente e os paishaviamprecisadolevá-lo.

Quandopassamospelaportadosfundos,umamulherseaproximoudemimpreocupada.

“O que aconteceu com omeu lho?”, perguntou ela, parecendo realmenteirritada.

“Jacklevouumtombo.Vamospegarumband-aid”,disseMatt.“Não é nada sério”, disse eu. “Foi só um arranhão. Eu sou Suzana, aliás,

SuzanaBedford.”Amãe de Jackme deu apenas um breve aceno de cabeça. Quando tentou

pegaramãodomenino,elesevirouinesperadamenteeabraçouminhaspernas.Percebiqueamãeficouincomodada.Virou-separaumaamigaedisse:“Elaestápensandoqueémédica,é?”

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Nick,

Olhe só,preste atenção, apartequevou contar agora émágica. Isso existe.Podeacreditaremmim.

Numanoite,depoisdeumdiamuitolongonoconsultório,aintrépidamédicadointeriordecidiucomeralgumacoisaacaminhodecasa.

Eu estava cansada demais para cozinhar, ou mesmo ter de decidir o quepreparar.Naquelanoite,umhambúrguerdoHarry’s estariadebom tamanho.Se viesse acompanhado de uma porção de batatas fritas, então, seria a formaperfeitadeterminarodia.Euprecisavadeumprazerproibido.

Achoquepassavaumpoucodasoitoquandoentreinalanchonete.Eunãooviinicialmente.Eleestavasentadoaoladodajanela,jantandoelendoumlivro.Na verdade, eu estava nametade domeu hambúrguer quando o vi. Era VanGogh,omeupintor.

Euhaviatidomuitopoucocontatocomeledesdequereceberaaquelaslindasores do campo no vaso de vidro. Às vezes, quando estava saindo para o

trabalho, eu o ouvia consertando alguma coisa no telhado ou o agravapintando a casa, mas raramente trocávamos mais do que meia dúzia depalavras.

Levanteiparapagaraconta.Eupoderiateridoemborasemdaroi,jáqueeleestavadecostasparamim,masissomepareceuindelicadoeesnobe.

Pareinamesadele eperguntei comoestava.Ele cou surpresodemever eperguntouseeunãoqueriatomarumcafé,comerumasobremesaouqualqueroutracoisa.Porsuaconta.

Deiumadesculpaqualquer, dizendoqueprecisava voltar para casa e cuidardoGus,maselejáestavaarrumandoumlugarparamimeacabeimesentando.

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Gostei da voz dele – não tinha dado atenção a ela antes. Gostei dos olhostambém.

“O que você está lendo?”, perguntei, sentindo-me constrangida, talvez umpoucoassustada,equerendopuxarpapo.

“Duascoisas...MobyDick”,disseele,exibindoumexemplar.“E PescartrutanaAmérica.Casoeunãopegueabaleia,játenhoumplanoB.”

Deirisada.VanGogheramuitointeligente.Eengraçado.“MobyDick, hum, é a sua leitura de férias ou uma ressaca de culpa porque

nuncaoleuatéofinalnaescola?”“Asduasalternativas”,admitiuele.“Éumadaquelastarefasque camavida

inteira emnossa lista de coisas a fazer.O livro ca lá olhandopara a gente edizendo: ‘Não vou embora até que vocême leia.’ Agora estou eliminando osclássicosparapoderfinalmentemeconcentraremromancesbaratos.”

Ficamos conversando por mais de uma hora naquela noite e o temposimplesmentepassouvoando.Derepentemedeicontadecomoestavaescuroláfora.

“Precisoirembora.Voupegarcedonotrabalhoamanhã”,disseeu.“Eutambém”,respondeuele,sorrindo.“Minhachefeatualpraticamenteme

escraviza.”Deirisada.“Poisé,fiqueisabendo.”Levanteie,poralgummotivotolo,aperteiamãodele.“VanGogh,eunemseioseunomedeverdade”,disse.“ÉMatthew”,respondeuele.“MatthewHarrison.”Seupai.

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Quando voltei a encontrar Matt Harrison, ele estava pairando sobre o

mundo, em cimadomeu telhado,martelando comvigor. Era de nitivamenteum bom funcionário, cuidadoso. Foi alguns dias depois da nossa conversa noHarry’s.

“Ei,VanGogh!”, gritei, desta vez sentindo-memais relaxada e até feliz porvê-lo.“Querumrefrescooualgumaoutracoisa?”

“Estouquaseterminando.Jávoudescer.Adorariaumabebidagelada.”Ele entrouno chalé cincominutosdepois.Estavamoreno feitoumamoeda

decobre.“Comoestãoascoisasnoplaygrounddasgaivotas?”,perguntei.Eleriu.“Bem...equentes.Acreditesequiser,estouquaseterminandoseutelhado.”Droga.Justoagoraqueeuestavacomeçandoagostardetê-loporperto.“E como estão as coisas aqui embaixo?”, perguntou Matt, sentando-se na

cadeira de balanço com sua bermuda des ada e a camisa aberta. A cadeiraescorregouparatrásebateunatreliçaqueapoiavaasfloresdavaranda.

“Muito bem”, respondi. “Nenhuma história trágica nas trincheiras hoje, oqueébom.Naverdade,euadoroomeutrabalho.”

De repente, atrás de Matt, a treliça se soltou e começou a cair na nossadireção.Demosumpulo,masconseguimosevitarqueela tombassedevezeaempurramos de volta ao lugar.Nossas cabeças caram cobertas de pétalas derosaeclematites.

Quando olhei para o meu faz-tudo, comecei a rir. Parecia uma dama dehonramalvestida.Elereagiuimediatamentedizendo:

“Ah,evocê,queestáparecendoaCarmenMiranda?”

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Matt pegou martelo e pregos e prendeu a treliça. Meu único trabalho foisegurá-lanolugarenquantoisso.

Senti sua pernamusculosa e rme roçar naminha.Depois, senti seu peitotocarminhascostasquandoelesepôsatrásdemimparabateroúltimoprego.

Estremeci.Eletinhafeitoaquilodepropósito?Oqueestavaacontecendoali?Nossos olhares se cruzaram e algo importante pareceu passar num ash

entrenós.Oquequerquetenhasido,meagradou.Porimpulso,outalvezporinstinto,pergunteiseelequeriaficarparaojantar.“Nadademais.Bifegrelhadoemilho...coisasimples”,eudisse.Ele hesitou e eu me perguntei se ele tinha alguém. Era um homemmuito

bonito.Masminhainsegurançaevaporouquandoeledisse:“Estou meio sujo, Suzana. Você se importaria se eu tomasse um banho?

Adorariaficarparajantar.”“Temtoalhaslimpasembaixodapia”,eudisse.Assim,elesubiuparatomarbanhoeeufuifazerojantar.Asensaçãofoiboa.

Dealgonatural,simples,familiar.Foiquandomedeicontadequenãotinhanembifesnemmilho.Porsorte,

Mattnunca cou sabendoque fui à casadeMelaniepedir comida... e que elame deu vinho, velas e até mesmo meia torta de cereja para a sobremesa.TambémmedissequeadoravaMatt,quetodomundogostavadele,e quesorteasua.

Depoisdojantar, camossentadosnavarandaconversando.Maisumavezotempovooue,quandoolheiparaorelógio,viquejáeramquase11horas.Malpudeacreditar.

“Amanhãédiadetrabalharnohospital”,eudisse.“Tenhoquefazerarondadocomeçodamanhã.”

“Eu gostaria de retribuir a gentileza”, disse Matt. “Levá-la para jantaramanhã.Possoconvidá-laparajantarcomigo,Suzana?”

Não conseguia tirar meus olhos dos dele. Os olhos de Matt eram de umcastanhoincrivelmentesuave.

“Sim,éclaro.Malpossoesperar”,eudisse.Simplesmentesaiu.Eleriu.“Vocênãoprecisaesperar.Euaindaestouaqui,Suzana.”“Eusei...egostodisso.Mas,aindaassim,malpossoesperarporamanhã.Boa

noite,Matt.”

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Eleseinclinouparaafrente,beijoumeuslábiosdeleveefoiembora.

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Oamanhã nalmentechegou.VeiotrazidoporGus.Tododia,bemcedinho,

elevaiatéavarandaebuscaojornal.Quecachorrolegalecompanheiro!Naquelatarde,VanGoghmelevouparapassearemsuavelhacaminhonetee

pudeverMartha’sVineyardcomonuncahavianotado.Eumesenticomoumaturista.Ailhaécheiadebelosrecantos,fendasepaisagensimpressionantesquenuncadeixamdemesurpreendereencantar.

Acabamos o passeio nos lindos e multicoloridos penhascos de Gay Head.MattmelembrouqueumdospersonagensdeMobyDick,oarpoadorTashtego,eraumindígenanativodaquelaregião.Eutinhaesquecido.

Uns diasmais tarde, depois de ele terminar algumas coisas na casa, saímosparaoutropasseio.

Dois dias depois, fomos até a ilha Chappaquiddick. Havia uma plaquinhaminúscula na praia:POR FAVOR, NÃO PERTURBE NEM MESMO OS MEXILHÕES OU AS

VIEIRAS.Legal.Nósnãoperturbamosninguém.Seiquepodeparecerbobo,masparamimbastavaestarnocarrocomMatt.

Derepenteolheiparaeleepensei:Ei,estoucomumcaramuitolegalevamossairembuscadeaventura. Faziamuitotempoqueeunãomesentiadessejeito.Issoestavamefazendofalta.

Foi naquele exato momento que Matt me perguntou no que eu estavapensando.

“Em nada. Só curtindo a paisagem”, respondi. Foi como se tivesse sidoflagradafazendoalgoproibido.

“Seeuadivinhar,vocêmediz?”,eleinsistiu.“Claro.”“E, se eu adivinhar”, continuou ele, sorrindo, “nós vamos ter mais um

encontro.Talvezamanhã.”

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“Massenãoadivinhar,nuncamaisnosveremos.Vamosapostaralto.”Eleriuedisse:“Nãoseesqueçadequeeuaindaestoupintandoasuacasa.”“Vocêprejudicariaapinturaporvingança,nãoé?”Mattfingiuterficadoofendido:“Eu souVanGogh. Sou um artista.” Ele fez umapausa, piscou paramim e

entãoacertounamosca:“Vocêestavapensandoemnós.”Nemdisfarçareuconsegui.Fiqueicompletamentevermelha.“Talvez.”“Sim!”,gritouele,erguendoosbraçosemtriunfo.“Eaí?”“Émelhorvocêficarcomasmãosnovolante.Eaíoquê?”“Eaí,oquevocêquerfazeramanhã?”Comeceiariremedeicontadequefaziaissocomfrequênciaquandoestava

comele.“Não faço ideia. Gus está precisando de um bom banho, então só tinha

imaginado fazer isso, iraomercadoe talvezalugarum lme.EstavapensandoempegarOpríncipedasmarés.”

“Parece ótimo. Perfeito. Adorei o livro, mas nunca vi o lme. Fiquei commedodoresultado.Sequisercompanhia,euadorariaassistircomvocê.”

EuprecisavaadmitirqueeramuitodivertidoestarcomMatt.Eleeraoopostodo meu ex-namorado, Michael Bernstein, que nunca parecia fazer qualquercoisa sem um motivo lógico, nunca tirava um dia de folga e provavelmentenuncaentrounumabelaestradinhasinuosasóporqueelaestavaali.

Mattnãopodiasermaisdiferente.Pareciaseinteressarportudonoplaneta:era jardineiro, observador de pássaros, leitor compulsivo, ótimo cozinheiro,campeãodepalavrascruzadas, jogavabasquetee,éclaro,eramuitohabilidosocomascoisasdacasa.

Lembrodeterolhadoparaorelógioacertaalturadurantenossopasseio.Masnão zissoporquequeriaqueeleterminasse.Foijustamenteporquenãoqueriaque terminasse. Estava me sentindo feliz demais naquele dia. Simplesmentepasseandocomele,semdestinocerto.

Respireifundoeinaleitudoaomeuredor:arelva,oazulrefrescantedocéu,aareia,omarquerugia.Maisdoquetudo,porém,eusorviMatthewHarrison.Acamisade anelaxadrezrecém-lavada,acalçajeans,aluminosidadedesuapelemorenaerosada,oscabeloscastanhosmeiocompridos.

InspireiMatteosegureidentrodemim,desejandonuncamaisexpirar.Algo

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muitobomestavaacontecendo.VocêdeveestarseperguntandosobreMattWolfe,oadvogado,não?Bem,eu

telefonei várias vezes para ele, mas todas as chamadas caíram na secretáriaeletrônicaeelenuncameligoudevolta.Masailhaépequena,então talvezeletenhaficadosabendo.

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Nicky,

Matt Harrison e eu nos encontramos todos os dias das duas semanasseguintes. Quase não podia acreditar. Passava o tempo todo me beliscando.Ficavasorrindosozinha.

“Você já andou a cavalo, Suzana?”, Matt me perguntou num sábado demanhã.“Éumaperguntaséria.”

“Achoquesim.Quandoeracriança”,respondi,arrastandoaspalavrascomoumautênticopeão.

“Resposta perfeita, porque você está prestes a virar criança de novo. Agoramesmo, hoje. Aliás, você já andou num cavalo azul-celeste com listrasvermelhasecascosdourados?”

Olheiparaeleebalanceiacabeça,negando:“Achoqueeumelembrariadisso.”“Euseiondetemumcavaloassim”,disseele.“Naverdade,seiondetemum

montedessetipo.”FomosatéOakBluffse láestavameles.MeuDeus,quecenário.Dezenasde

cavalos pintados de muitas cores formavam um círculo sob o maisdeslumbrante tetodemadeiraqueeu já tinhavisto.Cavalosentalhadosàmãocom reluzentes narinas vermelhas e olhos pretos de vidro galopavamincansáveisemseuspostesnumcírculodealegria.

Matthewme levara ao carrossel FlyingHorses, omais antigodopaís – quecontinuavafuncionando,paracriançasdetodasasidades.

Subimos no brinquedo com a plataforma girando sob nossos pés eencontramosasmontariasperfeitas.

Quando a música começou, segurei o poste prateado e quei subindo e

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descendo, subindo edescendo.Fui enfeitiçadapelo encantodaquele carrossel.Matt estendeuamãopara seguraraminhae tentou roubarumbeijo–oque,parameuespanto,conseguiu.Quebelocavaleiroeleera!

“Onde você aprendeu a montar assim, caubói?”, perguntei, enquantosubíamosedescíamosandandoemcírculos.

“Ah, eumontei durante anos”, disseMatt. “Fiz aulas aqui aos 3 anos. Estávendoaquelegaranhãoazulalinafrente?Azuldacordocéu?Azulprofundo?”

“Sim,senhor.”“Elemederruboualgumasvezes.Nossa, leveiunsdoistombosfeios.Foipor

isso que z questãode que vocêpegasse essa éguadaprimeira vez. Ela temotemperamentotranquiloeumacoberturaaveludada.”

“Elaé linda,Matt.Sabe,realmenteandeiacavaloquandoeracriança.Estoume lembrando de tudo. Eu costumava andar a cavalo com o meu avô emGoshen,emNovaYork.Engraçadoeumelembrardissoagora.”

Boaslembrançassãocomotalismãs,Nicky.Cadaumadelaséespecial.Vocêsas coleciona, uma a uma, até que um dia olha para trás e descobre que elasformamumlongocordãocolorido.

Ao nal daquele dia, eu teria o primeiro de uma série de lindos talismãsrelacionadosaMatthewHarrison.

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KATIENUNCAIRIAESQUECERaprimeiravezqueviuMattHarrison.Foiemsuapequena e confortável sala na editora. Ela queria conhecê-lo desde que

leraCanções de um pintor de casas, que lhe pareceram histórias excelentes,mágicas, transpostas em poemas poderosos e tocantes. Ele escrevia sobre ocotidiano–sobrecuidardeumjardim,pintarumacasa,enterrarumcachorroamado, ter um lho–,mas aescolha depalavrasmostravao essencial da vidaem sua forma mais perfeita. Ainda estava maravilhada por ter descoberto otrabalhodele.

E aí ele entrou em sua sala e ela cou aindamaismaravilhada.Oumelhor,couem transe. As partes mais primitivas de seu cérebro e de seu sistema

nervoso comoum todo travaramna imagemdiantedela – opoeta,o homem.Katiesentiuocoraçãopalpitarepensouminhanossa.Cuidado,cuidado.

Ele eramais alto do queKatie. Ela calculou pelomenos 1,85metro. Tinhaum belo nariz e um queixo de aparência forte. Todo o seu rosto era muitoharmonioso, como seus poemas. Seu cabelo era castanho-claro leve, sedoso eligeiramente comprido. A pele exibia o bronzeado forte de quem trabalha aosol.Ele sorriueela torceuparaquenão tivessesidodesuaaltura,doseu jeitodesengonçadooudacaradebobaqueestava fazendo,masgostoudelemesmoassim.Comonãogostaria?

Os dois jantaram juntos naquela noite e ele fez a gentileza de deixá-laescolher.Mais tarde, insistiuemque tomassemumvinhodoPorto,porcontadele.Apesar de ser umdianomeioda semana, foramaum clubede jazznoUpperWestSide.Eleadeixouemcasaàstrêsdamanhã,desculpando-semuitoe sinceramente e dando-lhe um beijo doce na bochecha para em seguida iremboradetáxi.

Katie cou nos degraus da entrada do prédio até conseguir recuperar o

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fôlego, talvez pela primeira vez desde que ele entrara em sua sala. Tentoulembrar...MatthewHarrisoneracasado?

Ele voltou à sala dela na manhã seguinte para trabalhar, mas os doisescaparam ao meio-dia para o almoço e não voltaram mais. Foram a váriosmuseus, onde cou claro que ele entendia de arte. Não se exibiu, mas Katiepôdeperceberqueelesabiatantoquantoela.Nãoparavadepensar:queméessecara?Eporqueestoumepermitindosentiroqueestousentindo?

Edepois...porquenãofaçoalgoparamesentirassimotempotodo?Ele foi à casa de Katie naquela noite e ela continuou espantada por tudo

aquiloestaracontecendo.Katieeraconhecidaentreasamigaspornão dormircom qualquer um, de ser romântica demais e muito antiquada em relação asexo. Mas ali estava ela com aquele poeta e pintor de casas bonito einegavelmente sexy deMartha’s Vineyard e não podia não car com ele. Elenão a pressionou de forma alguma. Na verdade, pareceu quase tão surpresoquantoelaporestarali.

–Nãoseioquedizer–murmurouKatieeosdoisriramnervosamente.–Éexatamenteoqueeuestoupensando–disseMatt.Naquelanoitechuvosa,osdoisforamparaacamapelaprimeiravez.Eleafez

notaramúsicadasgotasdechuvacaindonarua,no telhado,nasárvores.Eralindo,eracomomúsica.Maslogohaviamseesquecidodoruídodachuvaetudoomais,excetopelotoquedooutro.

Foi tudo tão natural, tranquilo e bom na cama que Katie cou um poucoassustada. Era como se ele a conhecesse haviamuito tempo. Ele soube comoabraçá-la, como e onde tocá-la, quanto esperar e, então, quando se deixarexplodir dentro dela. Ela adorou a forma como ele a tocou, o jeito carinhosocomobeijouseuslábios,seurosto,opescoço,ascostas,osseios,tudo.

–Vocêémaravilhosaenãotemamenor ideiadisso,nãoé?–elesussurrouemseuouvidoesorriu.–Vocêtemumcorpodelicadoeolhosfascinantes.Eeuadoroasuatrança.

–Vocêeaminhamãe–disseKatie,soltandoatrançaedeixandooslongoscabeloscaíremsobreosombros.

–Hum.Adoroessevisualtambém–disseMatt,piscandoparaela.Quando ele foi embora na manhã seguinte, Katie teve a sensação de que

nunca havia cado com ninguém daquele jeito, nunca havia experimentadotamanha intimidade com outra pessoa.Meu Deus, por que não?, ela se

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perguntou.ElajáestavacomsaudadedeMatt.Eraloucura,algocompletamenteridículo,

nadaavercomela.Mas, sim,elaestava comsaudadedele.MeuDeus,porquenão?

Quando chegou à editora naquelamanhã, ele já a esperava. Katie sentiu ocoraçãodarumpulo.

–Émelhoragentetrabalharumpouco–disseela.–Ésério,Matthew.Ele não disse nada, só fechou a porta da sala e beijou Katie até ela ter a

impressãodeestarderretendo.Eleenfimseafastou,olhouemseusolhosedisse:–Fiqueicomsaudadedevocêassimquefuiemboradasuacasa.

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Nicolas,

Eume lembro de tudo como se tivesse acontecido ontem. As cenas aindaestão nítidas e vivas em minha mente. Matt e eu estávamos seguindo pelaestradaEdgartown-VineyardHavennomeuJeep.Gusestavaconosco,sentadono banco de trás e parecendo um daqueles leões que guardam a BibliotecaPúblicadeNovaYork.

“Vocênãopodeacelerarumpouco?”,Mattperguntou,batucandonopainel.“Assim,euchegomaisrápidoindoapé.”

Admito: sou uma motorista cuidadosa e que dirige devagar. Matt haviadescobertomeuprimeirodefeito.

“Fui vencedora do prêmio Segurança em Primeiro Lugar da minhaautoescola. O certi cado está pendurado embaixo do meu diploma demedicina.”

Matt riu e revirou os olhos castanhos. Ele entendia todas asminhas piadasidiotas.

Estávamos indopara a casa damãedele.Matt achouque seria interessantequeeuaconhecesse.

Interessante?Oqueissosignificariaexatamente?“Opa, aquela é minhamãe!”, Matt disse de repente. “Minha nossa, lá está

ela.”Ela estava no telhado da casa quando chegamos, consertando a antena da

TV.SaímosdomeuvelhoJeepazuleMattachamou.“Mãe,estaéaSuzana.EesteéoGus,oCãoMaravilha.Suzana...minhamãe,

Jean.Foielaquemmeensinouaconsertarcoisasdacasa.”Amãedeleeraaltaemagraetinhaoscabelosgrisalhos.Gritouparanós,de

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ondeestava:“Muito prazer em conhecê-la, Suzana. Você também, Gus. Vão sentar na

varanda,porfavor.Sóprecisodeumminutinho.”“Isso se a senhora não descer deslizando pelo telhado”, disseMatt. “Ainda

bemquetemosumamédicaemcasahoje.”“Eunãovoucairdotelhado”,Jeangarantiu,rindoevoltandoaotrabalho.“Só

caiodeescadas.”Matt e eu nos sentamos a uma mesa de ferro forjado na varanda. Gus

preferiu carnojardim.Acasaeraumantigochalédedoisandarescomvistaparaoportoaonorteeparaumextensomilharalaosul.Depoisdeles,vinhambosquesdensosquedavamaimpressãodeestarmosnoMaine.

“Istoéumamaravilha.Foiaquiquevocêfoicriado?”,perguntei.“Não,eunasciemEdgartown.Compramosestacasaalgunsanosdepoisque

meupaimorreu.”“Sintomuito,Matt.”Eledeudeombros.´“Achoqueéoutracoisaquetemosemcomum.”“Entãoporquevocênãomecontou?”,pergunteiaele.Elesorriu.“Achoquenãogostomuitodefalarsobrecoisastristes.Agoravocêconhece

omeudefeito.Qualéavantagemdeconversarsobretristezasdopassado?”Jean apareceu de repente trazendo chá gelado e umprato cheio de cookies

comgotasdechocolate.“Bom,prometoquenãovoufazeruminterrogatóriosobresuavida,Suzana.

Somos grandinhas demais para esse tipo de coisa”, disse ela, piscando paramim. “Mas adoraria saber sobre seu trabalho.O pai doMatthew eramédico,sabia?”

Olheiparaele.Mattnãohaviamecontadoissotambém.“Meupaimorreuquandoeutinha8anos.Nãomelembrodemuitacoisa.”“Ele é discreto sobre alguns assuntos, Suzana. Matthew cou muito triste

quandoo paimorreu.Não espere que ele fale sobre isso.Achoque ele pensaqueaspessoasvãoficarsemgraçaporsaberemqueelesofre.”

ElapiscouparaMatteelepiscoudevoltaparaela.Deuparaperceberqueosdoiserammuitopróximos.Foialgobomdever.Muitofofo.

“Então me fale sobre você, Jean. A menos que seja uma pessoa discreta

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também.”“Ah, não sou mesmo!”, disse ela, dando risada. “Minha vida é um livro

aberto.Oquevocêquersaber?”Jeaneraumaartista,umapintora.Elamemostrouseuchaléeumpoucodo

seutrabalho.Eramuitobom.Peloqueeuentendiadearte,tinhaquasecertezade que suas pinturas poderiam estar à venda em grandes galerias. Jean haviaemolduradoumafrasedeAnnaMaryRobertsonMoses,umaartistadescobertaaos 80 anos e que cara conhecida como Vovó Moses. O quadro dizia: “Eupintodecimaparabaixo.Docéuparaasmontanhas,ascolinas,depoisogadoeentãoaspessoas.”

Quandoelogieiseutrabalho,Jeanriuedisse:“Umavezviumachargemostrandoumcasaldiantedeumquadroabstrato.

A pintura tinha uma etiqueta de preço indicando 1 milhão de dólares. Ohomemvirouparaamulheredisse:‘Bom,sobreopreçooartistaconsegueserbastanteclaro.’”

Ela enxergava com bom humor o próprio trabalho – qualquer coisa, naverdade.PudevermuitodelaemMatt.

AtardevirounoiteeMatteeuacabamos candoparaojantar.Houvetempoaté para ver um inestimável álbumantigo comalgumas fotos deMatt quandobebê.

Ele erauma gracinha , Nick. Tinha os seus cabelos loiros e aquele olharcorajosoquevocêfazàsvezes.

“Não tem nenhum bumbum de fora em cima de um tapete de ursinho?”,pergunteiaJeanenquantoolhavaasfotos.

Elariu.“Olhe com atenção e tenho certeza de que vai encontrar. Ele temumbelo

bumbum.Sevocêaindanãoviu,peçaparadarumaolhada.”Aífuieuqueri.Jeaneraumafigura.“Muitobem.Oshowacabou”,disseMatt.“Estánahoradepegaraestrada.”“Acabamosdechegaràparteboa”,disseJean,fazendobeicinho.“Vocêéum

estraga-prazeres.”Eramquase11danoitequandofinalmentenoslevantamosparasair.Jeanme

deuumabraçoforteesussurroupertodomeuouvido:“Elenuncatrazninguémaqui.Então,independentementedoquepensedele,

eledevegostarmuitodevocê.Porfavor,nãoomagoe.Ele ésensível,Suzana.E

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éumcaramuitolegal.”“Ei!”,Mattfinalmentegritoudocarro.“Podemparar,vocêsduas.”“Tardedemais”,disseamãedele.“Nãotemmaisvolta.Eutinhaquecontar

tudo.Suzanaagorasabeobastanteparalargarvocê.”

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Provavelmente não tinha mais volta mesmo – para mim. Eu estava me

apaixonando por Matthew Harrison. Mal conseguia acreditar, mas estavaacontecendo,seéquejánãohaviaacontecido.

O Hot Tin Roof é uma casa noturna que ca no aeroporto de Martha’sVineyard, emEdgartown.Matt e eu fomos lá para comer ostras e ouvir bluesnumasexta-feiraànoite.Àquelaaltura,euiriaaqualquerlugarcomele.

Muitas celebridades entravam e saíam de lá: Carly Simon, Tom Paxton,William Styron e a esposa, Rose. Matt achou que seria divertido carmossentadosnobarolhandoaspessoaspassarem.Efoimesmo.

“Querdançarestamúsica?”,Mattmeperguntoudepoisquecomemosnossasostrasetomamoscerveja.

“Dançar?Nãotemninguémdançando,Matt.Achoqueaquinãoéumlugarparadançar.”

“É minha música preferida e eu adoraria dançar com você. Quer dançarcomigo,Suzana?”

Fiqueivermelha–algoquenãocostumaacontecercomfrequência.“Ah, vamos lá”, Matt sussurrou ao meu ouvido. “Ninguém vai contar aos

outrosmédicosdohospital.”“Estábem.Umamúsicasó.”“Quandoadançaébenfeita,umamúsicasemprelevaaoutra”,disseele.Começamos a dançar bem devagar no nosso cantinho. As pessoas caram

olhando.Oqueeuestavafazendo?Oquehaviaacontecidocomigo?Oquequerquefosse,eramuitobom.

“Estátudobem?”,Mattperguntou.“Tudo ótimo, na verdade. Que música é esta? Você disse que era a sua

preferida.”

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“Ah,nãofaçoamenorideia,Suzana.Sóqueriaumadesculpaparapuxarvocêparapertodemim.”

Dizendo isso,Mattme abraçouumpoucomais forte. Eu adorava estar nosbraços dele. Adorava, adorava, adorava. Pode ser piegas, mas é a mais puraverdade. O que posso dizer? Eu me sentia meio zonza seguindo com ele aoritmodamúsica.

“Precisoperguntarumacoisa”,elesussurroubempertinhodomeuouvido.“Estábem”,sussurreiemresposta.“Comovocêestásesentindoemrelaçãoanós?Atéagora?”Deiumbeijonele.“Assim.”Elesorriu.“Écomoeumesintotambém.”“Quebom.”“Eu morei com uma pessoa por três anos”, contou Matt. “Nós nos

conhecemos na Universidade Brown. Martha’s Vineyard não deu certo paraela,masdeuparamim.”

“Quatroanos.Ummédico”,confessei.Mattseaproximouemebeijoudelicadamentenoslábiosmaisumavez.“Vamosparacasacomigoestanoite,Suzana?”,eleconvidou.“Querodançar

umpoucomais.”Respondiqueadorariairparacasacomele.Às vezes eu pisco de um jeito que Matt chama de “a famosa piscada de

Suzana”. Aquela noite foi a primeira vez que pisquei assim para ele. E eleadorou.

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Mattmoravaemumapequenacasavitorianacheiadedetalhesemmadeira

que enfeitavam as calhas e suavizavam os cantos. Os corrimãos, treliças ecornijaspareciamsaídosdeumbolodecasamentocuidadosamenteconfeitadoedispostosalicomtodaaatenção.

Eraaprimeiravezqueelemeconvidava.Derepente, queinervosa.Sentiabocaseca.Não tinha cadocomninguémassimdesdeMichael,queaindaeraumalembrançaruim.

Entramosnacasaeaprimeiracoisaquepercebiforamoslivros.Asalaerasóestantes.Haviamilhares de livros lá.Meus olhos percorriam as prateleiras decima a baixo: Scott Fitzgerald, John Cheever, Virginia Woolf, Anaïs Nin,omasMerton,DorisLessing.Umaparede inteira eradedicadaa coletâneasde poesia: W. H. Auden, Wallace Stevens, Hart Crane, Sylvia Plath, JamesWright,ElizabethBishop,RobertHaydenemuitos,muitosoutros.Haviaaindaum globo terrestre antigo, um barquinho em estilo inglês com as velasmanchadas e inclinadaspara o lado, algumaspeçasnáuticas de bronze e umagrandemesademadeiracobertadeblocosdeanotaçãoepapéisdiversos.

“Adoreiestasala.Possodarumaolhada?”,perguntei.“Eutambémadoro.Claroquepodeolhar.”Fiqueicompletamentesurpresacomapáginaqueestavasobreumapilhade

papéis.DiziaCançõesdeumpintordecasas:PoemasdeMatthewHarrison.Matterapoeta?Elenãotinhamecontado.Achoqueelenãogostavamesmo

defalarsobresi,não?Queoutrossegredosteria?“Está bem, está bem. Eu escrevo umas coisinhas. Só isso”, ele admitiu,

falando baixinho. “Tenho esse problema desde os 16 anos e venho tentandofazer alguma coisa a respeito disso desde que saí da Brown. Sou formado emliteraturaeempinturadecasas.Ébrincadeira.Vocêescreve,Suzana?”

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“Naverdade,não”,respondi.“Masandopensandoemcomeçarumdiário.”

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Dizemqueno sul daFrançaháumanoite especial conhecida como “noite

das estrelas cadentes”. Quando ela chega, tudo ca simplesmente perfeito emágico. Segundo os franceses, as estrelas parecem se derramar do céu, comoleitedeumajarra.

Aquelanoite foiassimparanós.Havia tantasestrelasque imagineiestarnocéu.

“Vamosdarumacaminhadanapraia,vamos?”,disseMatt.“Tiveumaideia.”“Jápercebiquevocêtemmuitasideias.”“Talvezsejaopoetaqueexistedentrodemim.”Ele pegou um cobertor, o aparelho de CD e uma garrafa de champanhe.

Percorremosumatrilhasinuosaemmeioàrelvaaté nalmenteencontrarmosumafaixadeareiaparaestenderocobertor.

Matt abriu o champanhe e o líquido cintilou no ar da meia-noite. EntãoapertouoplayeamelodiadeDebussysubiuaocéuestrelado.

Matt e eu dançamos de novo, em outro espaço e outro tempo. Giramos egiramos,acompanhandooritmodomar, levantandoareia,deixandopara trásapenasosrastrosdenossospés.Minhasmãosbrincaramemsuascostasesuanuca.Passeiosdedosporseuscabelos.

“Nãosabiaquevocêdançavavalsa”,eudisse.Eleriu.“Eutambémnão.”Era tarde quando voltamos da praia, mas eu não estava cansada. Pelo

contrário. Estava mais desperta do que nunca. Por dentro, continuavadançando,cantandoevoando.Nãoesperavaquenadadaquiloacontecesse.Nãonaquele momento, talvez nunca. Parecia fazer mil anos desde o dia em quehaviainfartadonoJardimPúblicodeBoston.

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Nicky,eumesentiumapessoadesorte...muitoabençoada.Mattpegougentilmenteaminhamãoemelevouatéoquartodelenoandar

decima.Euqueriair,masaindaestavacommedo.Nãofazianadadaquilohaviaalgumtempo.

Nenhum de nós disse nada, mas, de repente, quei boquiaberta. Ele haviatransformado o andar de cima num espaço amplo e lindo, arrematado porclaraboiasquepareciamabsorverocéudanoite.Adoreitudo.MattligouoCDplayerdoquarto.

SarahVaughan.Perfeito.Mattmedissequepodiaverestrelascadentesdacama.“Umanoiteconsegui

contar16.Foimeurecorde.”Ele se aproximou demim, lenta e deliberadamente, atraindo-me como um

ímã.Sentiosbotõesdetrásdaminhablusasendoabertoseumarrepionanuca.Seus dedos desceram por minhas costas, acariciando-me de ummodomuitosuave.Eletirouaminhablusaeeuavi utuaratéochão,comoumafolhanabrisa.

Eu estavamuitopertodele,me sentiamuitopróximadele, ofegante, zonza,leve,fantásticaemuitoespecial.

Elelevouasmãosatémeuquadrileentãomeinclinouparatrásemedeitouna cama com delicadeza. Fiquei olhando para ele sob a luz da lua e o acheimuitobonito.Comoaquilohaviaacontecido?Porquederepenteeutinhatantasorte?

Elemecobriucomseucorpocomoumacolchanumanoitefria.Eissoétudooquevoudizer,tudooquevouescrever.

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QueridoNicky,

Espero que você consiga tudo o que quiser quando crescer, mas acima detudoamor.Quandooamoréverdadeiro,quandoécerto,podenosdarotipodealegriaquenãoseconseguedenenhumaoutra forma.Eumeapaixonei.Estouapaixonada. Então posso falar por experiência própria. Também tive longosperíodossemamornaminhavidaeadiferençaéindescritível.

Nósémuitomelhordoqueeu.Porfavor,nãodêatençãoaqualquerpessoaquelhedigaocontrário.Enunca

deixedeacreditarnoamor,Nicky.Tudo,menosisso!Olhoparaassuasmãozinhaseosseuspezinhos.Contoosseusdedinhossem

parar,mexendo-os gentilmente, como se fossem contas de um ábaco. Beijo asua barriguinha até você dar risada. Você é tão inocente. Continue assimquandooamorchegar.

Olheparavocê.Comoéqueeupossosertãoabençoada?Vocêéperfeito.Seunarizesuabocasãolindos.Osolhoseosorrisosãoseustraçosmaismarcantes.Ejádáparaversuapersonalidadedesabrochando.Elaestánoseuolhar.Noquevocêestápensandoagora?Nomóbilequepairaacimadoberço?Nacaixinhademúsica?

Papaidiriaquevocêdeveestarpensandoemmeninas,ferramentasecarros.Ele garanteque as coisasdequevocêmais gosta são carrosbacanas,meninasbonitasebolosdeaniversário.“Éummeninodeverdade”,dizele.Massabedoquevocêmaisgosta?Deursinhosdepelúcia.Vocêétodocarinhosocomeles.

Papaieeunosdivertimospensandoemtodasascoisasboasqueesperamporvocê.Masoquemaisdesejamoséquevocêameequesejasemprecercadodeamor. Isso é uma dádiva. Se eu puder, vou tentar ensinar você a recebê-lo.

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Porquenãoteramorénãoserabençoado,queéoquemaisimportanavida.Nósémuitomelhordoqueeu.Sevocêprecisardeprovas,bastaolharparanós.

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“Oi,éoMatt.Temalguémemcasa?Suzana,vocêestáaí?”

Asbatidasnaportadaminhacozinhaerampersistentes,comoseumparentede fora da cidade chegasse para uma visita inesperada. Abri a porta e parei,boquiabertadesurpresa.

EraMatt,sim,masnãoMattHarrison.MeuvisitanteeraMattWolfe.Atrás dele, na entrada da minha garagem, pude ver seu cintilante Jaguar

conversível.Porondeelehaviaandado?Aindanãohaviaretornadominhasligações.“Oi”, disse ele. “Nossa, comovocê estábem, Suzana.Na verdade, você está

ótima.”Eleseinclinouparaafrenteeeudeixeiquemedesseumbeijonorosto.Não

tinhaporquemesentirculpada,masmesentimesmoassim.“Oi,Matt.Comovocêestá?Acabeideprepararumchá.Entre.”Ele entrou e foi logo encontrando um lugar confortável e ensolarado na

cozinha, fazendo pose de quem queria botar a conversa em dia. E nós comcertezatínhamosmuitaconversaparabotaremdia.

“Passei amaiorpartedomês forada cidade, Suzana.Pensei em ligar váriasvezes, mas estava no meio de um problema jurídico. Infelizmente, era naTailândia.”

Derepenteelesorriu.“Você sabe... conversa daqui, resolve dali, blá-blá-blá. E você, como tem

passado?Andoutomandosol.Estácomumaaparênciafantástica.”“Bem,obrigada...vocêtambém.”Eu precisava dizer a ele. Decidi inclusive contar a Matt Wolfe a versão

completadoqueestavaacontecendonaminhavida.

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Eleouviu,sorrindoemalgumaspartes,remexendo-sedeumjeitonervosoemoutras.Deuparaperceber que estava aceitando tudomeio a contragosto,masele continuou ouvindo atentamente. Quando terminei, ele se levantou dobanquinhodacozinhaemedeuumabraço.

“Estou felizporvocê,Suzana”,disse, sorrindo. “No fundo,eu sabiaquenãodeviaterviajado.Agoradeixeiescaparmaisumavezamelhorcoisaquepoderiameacontecer.”

Quandovi,estavadandorisada.MattWolfetinhaseuladocafajeste.“Ah,Matt,seuelogioéumamor.Obrigadaporserumbomamigo.Obrigada

porservocê.”“Bem,possoperderograndeprêmio,masvoutirarmeutimedecampocom

algumadignidade.Mas que sabendo, Suzie, que se esse carahesitarou se euperceberalgumabrecha,euvolto.”

DemosumarisadaeeuoacompanheiatéoJaguar.Decertaforma,sabiaqueMatt cariabem.Duvidavadequeeletivesse cadosozinhonaTailândia.Alémdisso,vamoscombinarqueelehaviapassadoquaseummêssemtelefonarparamim.

FiqueiolhandoMattentraremseucarroqueeraseuorgulhoealegria.“Sabe que acho que vocês dois vão se dar bem?”, gritei da varanda. “Na

verdade,achoqueosdoisMattsvãogostarmuitoumdooutro.”“Ah, que ótimo! Agora eu preciso gostar do cara também?”, gritou ele em

resposta.A última coisa que o ouvi dizer antes de ligar o poderoso motor do

conversívelfoi:“Esperoqueelesaibaduelar.”

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“Muitobem.Oqueestáhavendo?Podefalar,Suzana.Euquerosaber.Dá

para notar que tem alguma coisa acontecendo”, disseminha vizinha e amigaMelanieBone.“Dáparasentir.”

Melanie tinha razão. Eunão havia contado a ela sobre o progresso demeurelacionamentocomMatt,maselahaviadecifradoissopelaexpressãoemmeurostoetalvezatémesmopormeuspassossaltitantes.

Estávamos caminhando na praia perto de nossas casas. As crianças e Gusbrincavamànossafrente.

“Vocêéesperta”,eudisse.“Emetida.”“Issoeujásei.Agoramedigaoqueeunãosei.Desembuche.”Nãoconseguimaisresistir.Maiscedooumaistarde,euteriadecontar.“Estou apaixonada, Mel. Isso nunca me aconteceu. Estou completamente

apaixonadaporMattHarrison.Enãofaçoideiadoquevaiacontecer.”Eladeuumgrito.Entãosaltoualgumasvezesnaareia.Eraumagraçaeuma

ótimaamiga.Egritoudenovo.“Issoéperfeito,Suzana.Eusabiaqueeleeraumbompintor,masnão fazia

ideiadosoutrostalentosdele.”“Sabiaqueelefazpoemas?Éumpoetamuitobom.”“Não!Vocêestábrincando.”“Equeéumótimodançarino?”“Issonãome surpreende.Ele semovimenta commuitahabilidade emcima

dos telhados.Mas como isso aconteceu? Quer dizer, como a coisa passou dereformanacasaaisso?”

Comeceiarir.Estavamesentindocomoumaadolescente.Coisasassimnãoacontecemamulheresadultas.

“Nósconversamosnalanchoneteumanoite.”

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Melanieergueuumasobrancelha.“Tá.Vocêsconversaramnalanchonete.Edaí?”“EuconversocomMattsobrequalquercoisa,Melanie.Issonuncaaconteceu

comnenhumoutrohomem.AtéospoemasqueMatt faz sãodo jeitoque elefala.Sãorealistase,aomesmotempo,conseguemmedeixarcomacabeçanasnuvens.Eleéapaixonado,excitante.Eéhumildetambém.Talvezmaisdoquedevesseser,àsvezes.

Melaniederepentemedeuumabraço.“Meu Deus, Suzana, é pra valer! Mais do que isso, é impossível. Parabéns,

vocêestáperdidamenteapaixonada.”Gargalhamoscomoduasmeninasde15anosedepoisvoltamoscomGuseaslhasdeMelanie.Naquelamanhã,nacasadela,conversamossempararsobre

tudo:dosprimeiros encontros àprimeiragravidez.Melaniemeconfessouqueestavapensandoemterumquinto lho,oqueme impressionou.Paraela, terum lhoerasimplescomoorganizarumarmário.Elacontrolavaavidacomosefosseumaprateleiradedespensa.Cadacoisaemseulugarebemguardada.

Naquelamanhã, também fantasiei sobre ter lhos,Nicolas. Sabia que teriauma gravidez de risco por causa do meu problema cardíaco, mas não meimportei com isso. Talvez alguma coisa dentro demim tivesse certeza de quevocê estaria aqui um dia. Um sinal de esperança. Um desejo profundo. Ouapenasasimplesinevitabilidadedaquiloaqueoamorentreduaspessoasleva.

Você...oamorlevouavocê.

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Coisasruinsacontecem,Nicolas.Àsvezes,semomenorsentido.Àsvezes,de

formainjusta.Àsvezes,issoésimplesmenteumadroga.A caminhonete vermelha entrou na esquina a quase 100 quilômetros por

hora,masacoisatodapareceuaconteceremcâmeralenta.Gusestavaatravessandoarua,indoparaapraia,ondegostadecorrerelatir

paraasgaivotas.Foiumazar.Euvitudo.Tenteigritarparaqueeleparasse,masfoitardedemais.A caminhonete fez a curva em disparada. Quase pude sentir o cheiro da

borrachadospneusquandoelesderraparamnoasfaltoquente.Entãovioladoesquerdodopara-choqueatingirGus.

Maisum segundo e ele teria escapado. Se a caminhonete estivesse andandomenos10quilômetrosporhora,nãooteriaatropelado.OuquemsabeseoGusfossemaiságil,unsdoisanosmaisjovem,issonãotivesseacontecido.

Foiumacoincidênciairrevogáveleapavorante.Gus cou estiradonabeirada estrada.Foimuito triste. Segundos antes, ele

estavacorrendoemdireçãoàágua,tãodespreocupadoeindefeso.“Não!”,gritei.Acaminhoneteparouedoishomensde20epoucosanos comabarbapor

fazerdesceramdela.Osdoisusavambandanascoloridas.Ficaramolhandoparaoquehaviamfeito.

“Desculpe,eunãovi”,gaguejouomotorista,agarrandoaprópriacalça jeansenquantoolhavaparaopobreGus.

Eunãotinhatempoparadiscutir,paragritarcomele,parapensar.PrecisavaconseguirsocorroparaoGus.

Jogueiminhaschavesparaomotorista. “Abraaportade trásdomeu Jeep”,griteienquantopegavaGusnocolocuidadosamente.Eleestavamoleepesado,

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masaindarespirava,aindaeraoGus.Entãoodeiteinapartedetrásdocarro.Estavafrágil,ensanguentado,eseus

olhosdocesefamiliaresestavamdistantes.Eleolhouparamimeganiudedor.Meucoraçãoficouempedaços.“Nãomorra,Gus”,sussurrei.“Aguente rme,garoto”,pedi, jásaindocomo

carro.“Porfavor,nãomedeixe.”Liguei paraMatt do celular e ele foi se encontrar comigono veterinário.A

Dra.PugatchatendeuGusnamesmahora,talvezportervistoodesesperoemmeurosto.

“A caminhonete veio rápido demais,Matt”, eu disse a ele, lembrando cadadetalhedacena.

Mattficouaindamaisfuriosodoqueeu.“Éaquelaporcariade curva.Ficopreocupado todavezquevocê sai.Preciso

fazerumaentradadecarrodooutroladodacasaparavocêpoderverarua.”“Issoéhorrível.Gusestavacomigoquando...”Parei de falar. Ainda não havia contado aMatt sobre o infarto. Gus sabia,

masMatt,não.Euprecisavacontarlogo.“Calma,estátudobem,Suzana.Vaificartudobem.”Mattmeabraçoue,emboranãoestivessetudobem,eraomelhorquepoderiacarnaquelemomento.Afundeinopeitodelee queiali.EntãosentiqueMatt

estava tremendo um pouco. Ele e Gus também eram amigos. Matt haviaassumidoextraoficialmenteamaiorpartedasbrincadeirasdebolacomGus.

Aveterinária voltouduashorasdepois.Paroudiantedenós epareceu levaruma eternidadepara começar a falar.Agora eu sabia comomeuspacientes sesentiamquandoeuhesitavaounãoconseguiaencontraraspalavras.Osrostosdelesaparentavamcalma,massuaexpressãocorporalrevelavaooposto.Elessóqueriamteroalíviodereceberboasnotícias,apenasboasnotícias.

“Suzana, Matt...”, a Dra. Pugatch disse a nal. “Sinto muito. Sinto muito,muitomesmo.Gusnãosobreviveu.”

Caí no choro e meu corpo começou a tremer incontrolavelmente. Gussempreestiveraaomeu lado.Erameumelhoramigo,meucompanheiro,meuparceirodecorrida,meuconfidente.Nósestávamosjuntoshavia14anos.

Coisasruinsacontecemàsvezes,Nicolas.Lembre-sesempredisso,maslembretambémqueéprecisoseguiremfrente

dealgumamaneira.

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A gente levanta a cabeça, olha para alguma coisa bonita, como o céu ou omar,esegueemfrente,caramba.

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Nicolas,

Nodiaseguinte,recebiumacartainesperada.Não sei omotivo,mas, em vez de abri-la e ler logo o que trazia, só quei

paradameperguntandoporqueMattHarrisonhaviaenviadoumacartaquandopoderiafacilmentemetelefonarouiràminhacasa.

Fiqueiimóveldiantedavelhacaixadecorrespondênciaamareladadaentradadecarros.Entãoabri a carta comcuidadoea segurei com forçaparaquenãofosselevadapelovento.

Em vez de tentar parafrasear o que a carta dizia, Nicky, vou incluí-la nodiário.

QueridaSuzana,Vocêéumaexplosãodecravosnumquartoescuro.OuoaromainesperadodopinheiroamilhasdedistânciadoMaine.Vocêéaluacheiaquedásentidoàmeia-noite.EaexplicaçãodaáguaParaosseresvivos.Vocêéumabússola,umasafira,

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ummarcadordelivros.Umamoedarara,umapedralapidada,umaboladegudeazul.Vocêéumsaberantigo,umapequenaconcha,umamoedadeprata.Vocêéumquartzoprecioso,umacaneta-tinteiroeacorrentedeumrelógiopreferido.Vocêéumcartãodediadosnamoradosgasto,amadoerelidocentenasdevezes.Vocêéafacedeumheróicelebradopormuitosestampadanumamedalhaantiga.VocêémelecanelaeespeciariasdasÍndiasperdidaspelobarcoqueumdiafoideMarcoPolo.Vocêéumarosaguardada,umaneldepérola,eumagarrafavermelhadeperfumeencontradapertodoNilo.Vocêéumaalmavelhadeumlugarantigo,demilanos,séculosemilêniosatrás.Evocêpercorreutodoessecaminhosóparaqueeupudesseamarvocê.Euamo.

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MattO que posso dizer, Nicolas, que o seu bom e querido pai não tenha dito

melhor?Eleéumescritorimpressionanteenemseiseelesabedisso.Euoamomuito.Quemnãoamaria?

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Nicky,

LigueiparaMattbemcedonodiaseguinte,assimquetivecoragem,pertodassete damanhã. Eu estava acordada desde pouco depois das quatro, pensandoqueprecisavaligarparaele.Chegueiaensaiaroquedeviadizerecomo.Nãoseiser desonesta nem manipular as pessoas e isso às vezes me deixa emdesvantagem.

Seriadifícil.Seriaimpossível.“Oi,Matt, éaSuzana.Esperonãoestar ligandocedodemais.Vocêpodevir

aquiemcasahojeànoite?”Foitudooqueconseguidizer.“Claroqueposso.Naverdade,euialigareconvidarvocêparasair.”Matt chegou pouco depois das sete da noite. Estava usando uma camisa

xadrezamarelaecalçaazul-marinho,algobastanteformalparaele.“Querdarumacaminhadanapraiaeveropôrdosolcomigo,Suzana?”Eraexatamenteoqueeuqueriafazer.Eleleuaminhamente.Assimque atravessamos a ruaquedavanapraia e pusemosos pésna areia

aindaquente,eudisse:“Podemosconversar?Precisocontarumacoisa.”“Éclaro.Sempregostodeouvirosomdasuavoz”,disseelesorrindo.PobreMatt.Euduvidavadequeelefossegostardoqueestavaporvir.“Temumacoisaquevenhoquerendocontar já fazumtempoe cosempre

adiando.Nemseidireitocomoabordaroassunto.”Elesegurouminhamãoeabalançougentilmentenoritmodosnossospassos.“Considereoassuntoabordado.Podefalar,Suzana.”“Porquevocêestátãoarrumadohoje?”,eumelembreideperguntar.“Porque tenho um encontro com amulhermais especial de toda a ilha. É

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esseoassuntoquevocêestavacomdificuldadedeabordar?”Aperteiamãodele.“Nãoexatamente.Não,nãoé.Muitobem,lávai.”“Agoravocêestámedeixandoassustado”,Mattdisseafinal.“Desculpe”, sussurrei. “Desculpe. Matt, pouco antes de eu me mudar para

Vineyard...”“Vocêteveumataquedocoração”,eledissecomavozmaissuavedomundo.

“Quase morreu no Jardim Público, mas não morreu, graças a Deus. E agoraestamos aqui e acho que somos duas das pessoas mais sortudas do mundo.Tenho certezade que eu sou.Estouaqui segurandoa suamãoeolhandoparaseusolhosazuistãolindos.”

Parei de caminhar e quei encarando Matt, sem acreditar no que estavaacontecendo.Osolestavasepondoatrásdosombrosdele.SeriaMatthewumanjo?

“Háquantotempovocêsabedisso?Comosoube?”,gaguejei.“A ilha é pequena, Suzana. Soube antes de começar a trabalhar para você.

Fiqueiesperandoencontrarumavelhinhadeandador.”“Eu usei mesmo andador por uns dois dias em Boston, depois da cirurgia.

Entãovocêsabia,masnuncamecontou.”“Não achei que deveria. Sabia que você iria me contar quando estivesse

pronta. Imagino que agora esteja, Suzana. E isso é muito bom. Nas últimassemanas, tenho pensadomuito no que aconteceu com você e cheguei a umaconclusão.Quersaberqual?”

SegureiobraçodeMatt.“Claroquequero.”“Bom, eunão consigoparardepensar coisas assimquando estamos juntos.

Fico pensando em como tive sorte por você ter sobrevivido e nós podermosestarjuntosnestedia,vendoosolsepôr.Ouentãomepegoimaginandocomofuiabençoadoporvocênãotermorridoeagoraestarmossentadosnavarandajogando cartas ou vendo uma partida qualquer de beisebol na televisão. Ououvindo Mozart ou até mesmo aquela música romântica cafona do SavageGardendeque você gosta.Nãoparodepensar que cadadia e cadamomentosãoincrivelmenteespeciaisporquevocêestáaqui,Suzana.”

Comecei a chorar e foi aí que Matt me tomou em seus braços. Ficamosabraçadosnapraiaduranteumbomtempoeeunãoqueriaqueelemesoltasse

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nuncamais.Nuncamesmo.Nóscombinamostãobem.Nãoparavadepensar:Estemomentonãoéespecialdemais?Nãofuieuquemfoiabençoada?

“Suzana?”,elesussurrou.“Estouaqui,nosseusbraços.Nãovoualugarnenhum.”“Quebom.Queroquevocêestejasempreaí.Adorotervocênosmeusbraços.

Agora tem uma coisa que eu preciso dizer. Suzana, eu te amomuito. Adorotudoquetemavercomvocê.Sintosaudadequando camoslongeporalgumashoras.Quandoestoutrabalhando,malpossoesperarparaqueanoitechegueeeupossa ver você.Venhoprocurandopor vocêhámuito tempo, sónão sabiadisso.Masagoraeusei.Suzana,vocêquersecasarcomigo?”

Eumeafasteiumpoucoeolheinosolhoslindosdaquelehomemmaravilhosoque eu tinha encontrado ou que talvez tivesseme encontrado.Não conseguiaparar de sorrir e o calor que se espalhou dentro de mim foi uma sensaçãoincrível.

“Euteamo,Matt.Tambémtenhoestadoàsuaprocurahámuitotempo.Sim,euqueromecasarcomvocê.”

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KATIEFECHOUODIÁRIOcomforça.Doeumuito ler aquelaspáginas.Adose tinha idomuito alémdoque ela

conseguia suportar. Matt a havia alertado no bilhete de que isso poderiaacontecer,eaconteceu.Algumaspartesprovavelmenteserãodifíceisdesuportar.Difíceisdesuportar?Comoelehaviasidosutil.

O diário não parava de fazer comque ela se surpreendesse.Agora a estavadeixandocomciúme,algoqueelanãoimaginavasercapazdesentir.ElaestavacomciúmedeSuzana.Sentiu-se idiotaemesquinha.Nempareciaelamesma.Talvezfossemoshormônios.Outalvezfosseapenasumareaçãonormalatudooquevinhalheacontecendo.

Cerrouosolhoscomforça.Sentia-seterrivelmentesozinha.Passouosbraçosem volta do corpo. Precisava conversar com alguém.Guinevere eMerlin nãoestavamdandocontadorecado.Pormaisirônicoqueparecesse,apessoacomquemelaqueria falareraaqueestavaemMartha’sVineyard.Maselanão irialigar para Matt, ainda que desejasse muito isso. Telefonaria para as amigas,Laurie,GildaouSusan,masnãoparaele.

Desviou o olhar para as prateleiras repletas de livros. Seu apartamentoparecia uma pequena livraria independente.Orlando, de Virginia Woolf,Aépocadainocência,deEdithWharton,BellaToscana,deFrancesMayes,HarryPotter e o cálice de fogo , de J. K. Rowling,O deus das pequenas coisas , deArundhati Roy. Katie era leitora voraz desde os 7 ou 8 anos. Lia de tudo,qualquercoisaqueparasseemsuasmãos.

Sentia-semeio enjoadadenovo.Tambémestava com frio.Enrolou-senumcobertor e cou assistindo aAlly McBeal na TV. O episódio mostrava oaniversário de 30 anos da personagemprincipal.Katie chorou.Nemde longeelaseria loucacomoAllyeseusamigos,masaindaassimoseriadomexiacom

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ela.Ficou deitada no sofá da sala sem conseguir parar de pensar no bebê que

cresciadentrodela.–Estátudobem,bebezinho–sussurrou.Pelomenoseuesperoquesim.Katie se lembrou da noite em que havia engravidado. Enquanto estava na

cama, fantasiara ter um bebê,mas logo pusera o pensamento de lado:nuncaqueigrávida. Jamais sequer chegara a suspeitar de uma gravidez, porque seu

ciclo eramuito regular. Só atrasara uma vez, quando ela jogava basquete pelaUniversidadedaCarolinadoNorte,porqueseupercentualdegorduranocorpoficarabaixodemais.

NaquelaúltimanoitecomMatt,Katiepensouquenunca tinhasidodaquelejeitoantes.Algumacoisahaviamudadoentreeles.

Elasentiuissopelaformacomoeleasegurou,comoolhouparaelacomseusolhoscastanhosluminosos.Elapercebeubarreirasserompendoeimaginouquehavia chegado a hora, que ele estaria pronto para lhe contar coisas sobre asquaisnãoconseguiafalar.

Será que isso o assustou? Será que ele sentiu o mesmo que eu naquelemomento?Foiissoqueaconteceu?

Nunca havia se sentido tão próxima deMatt como naquela noite. Sempreadoravaestarcomele,masaquilohaviasidoespecial.Matteelaprecisavamumdooutro.

Tudohaviacomeçadodeformamuitonatural:eleentrelaçaraseusdedosnosdeKatie.Entãopassaraobraçolivreparabaixodelaeencararaseusolhos.Suaspernas se tocaram. Seus corpos se atraíram. Ela e Matt não desgrudaram oolharum instante sequer.Foi como seosdois se tornassemum, comonuncahaviaacontecidoatéentão.

Os olhos dele diziameu te amo, Katie. Ela não poderia ter se enganadoquantoaisso.

Era desse jeito que ela sempre quisera que fosse,simplesmente assim . Elahavia pensado nisso – sonhado com isso – milhares de vezes antes deacontecer.OsbraçosfortesdeMattsegurandosuascostas,aslongaspernasdeKatie cruzadas atrás dele. Jamais conseguiria se esquecer daquela imagem,daquelasensação.

Ele pairou sobre ela de forma leve, apoiando-se nos cotovelos, nos joelhos.Era atlético, gracioso, generoso, dominante. Sussurrou seu nome sem parar:

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Katie,queridaKatie,minhaKatie,Katie,Katie.Foi naquela hora , ela sabia. Ele estava em total sintonia com Katie e ela

nunca havia sentido um amor assim antes. Estava amando aquilo, estavaamandoMatt.Elaopuxouparadentrodesieelesfizeramumbebê.

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NA MANHÃ SEGUINTE, Katie sabia exatamente o que precisava fazer. Setehoras.Eracedo,masnãoparaisso.

Ligou para casa – emAsheboro, uma cidade aninhada entre asmontanhasBlueRidgeeGreatSmoky—,ondeavidasempreforamaissimples.Maisafáveltambém.Muito,muitomaisafável.

Então por que havia saído de lá? , ela se perguntou enquanto o telefonetocava. Para ir atrás de seu amor pelos livros? Eles eram sua paixão, algo querealmenteamava.OuseráqueelaapenassentiranecessidadedeverummundomaiordoqueaquelequeconhecianocoraçãodaCarolinadoNorte?

– Oi, Katie – disse a mãe, atendendo ao telefone no terceiro toque. –Acordoucomasgalinhashoje.Comovocêestá,querida?

Agora a casa emAsheboro tinha identi cador de chamadas.Tudomudava,não?Paramelhoroupior.

–Oi,mãe.Comoestãoascoisas?–Estámelhorhoje?–perguntouamãe.A mãe havia acompanhado o relacionamento: primeiro Katie lhe contara

sobreterconhecidoMattemNovaYork.Depoisligaradiversasvezesparafalarsobre ele, o que a deixara feliz – mais ainda quando Katie disse queprovavelmenteiriamsercasar.

Agoraelehavia terminadocomKatie,queestavasofrendo.Elanãomereciaisso.Amãehaviatentadoconvencê-laairparacasa,masKatienãoqueria.Elaeraduronademais.Umamulherdacidadegrande.Elaaconheciamuitobem.

–Umpouco.É, estou...Na verdade,não.Ainda estouumcaco. Estou numestadolamentável. Estoudesesperada. Jurei que nunca permitiria que umhomemfizesseissocomigoeaquiestoueu.

Katiecomeçouacontaràmãesobreodiárioesobreoqueelahavialidoaté

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então. A lição das cinco bolas. A rotina de Suzana em Martha’s Vineyard.ComohaviasereencontradocomMattWolfe.

–Sabeoqueéestranho,mãe?EugostodaSuzana.Droga.Souumaidiota.Eudeveriaodiá-la,masnãoconsigo.

–Éclaroquenãoconsegue.Bom,pelomenosesseabestalhadodoMatttembomgostoparamulheres–disseamãe,rindocomocostumavafazer.

Elaeramuitodivertidaquandoqueria.Katieadoravaofatodeterherdadoosensodehumordamãe.Sónãoestavacomvontadedebrincaragora.

Conteaela,pensouKatie.Contetudo.Mas não conseguiu. Havia contado a suas duas melhores amigas em Nova

York–LaurieRaleigheSusanKingsolver–,masnãoconseguiadizeràmãequeestavagrávida.Aspalavrassimplesmentenãosaíamdesuaboca.

Por que não?, Katie se perguntou, embora soubesse a resposta.Não queriamagoaramãeeopai.Eleseramimportantesdemaisparaela.

Sua mãe cou em silêncio por um instante. Além de trabalhar comoprofessora do primeiro ano em Asheboro, Holly Wilkinson era a grandeconselheira deKatie havia 30 anos. Ela sempre estavadisponível e sempre lhedavaapoio–mesmoquandoKatiefoiparaatemidaNovaYorkeseupai couummêssemfalarcomela.

Conte,Katie.Elavaientender.Elapodeajudarvocê.MasKatienãoconseguiufalar.Engasgoucomaspalavrasesentiuoestômago

revirando.Katieconversoucomamãeporquaseumahora,depoisfaloucomopai.Era

quasetãochegadaaelequantoàmãe.Seupaierapregadoremuitobem-vistonaregiãoporquefalavadoamoraDeus,emvezdotemoraEle.Aúnicavezemque carabravodeverdadecomKatiefoiquandoelaarrumousuascoisasesemudouparaNovaYork.Maselesuperouissoeofatonuncamaisfoimotivodebrigas.

A mãe e o pai dela eram assim. Pessoas boas. E ela também era, pensou,sabendoqueeraverdade.

Então por queMatt a havia deixado? Como ele pôde simplesmente sair davida dela? E o que aquele diário poderia lhe contar que de alguma forma afizessecompreender?

Qual era o grande segredo que aquele diário trazia? Que Matt tinha umamulher inteligente e maravilhosa e um lho lindo e amado e que Katie fora

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apenasumerro,umcasocomumamulherdeNovaYork?Queforaaprimeiravez que ele havia dado um mau passo em seu casamento de comercial demargarina?Queraiva!Queraiva!

Quandoterminouaconversacomopai,KatieficousentadaemseuescritórionacompanhiadeGuinevereeMerlin.Elesseenroscaramnosofájuntocomadonaeostrês caramolhandoparaorioHudsonpelajanela.Elaadoravaorio,aformacomoelemudavatodososdias,oumesmováriasvezesnumsódia.Orioeraumalição,assimcomoaliçãodascincobolas.

–Oqueeudevofazer?–sussurrouelaparaGuinevereeMerlin.Seusolhosseencheramdelágrimas,queescorrerampelorosto.

Pegou o telefone de novo. Ficou sentada batucando nervosamente noaparelhocomasunhas.Precisoureunirtodaacoragemquetinha,maspor mconseguiudigitaronúmero.

Quase desligou,mas esperou toque após toque. Então entrou a gravação dasecretáriaeletrônica.Katieengasgouquandoouviuavoz:

“Aqui é Matt. Sua mensagem é importante para mim. Por favor, deixe orecadodepoisdobipe.Obrigado.”

Katiedeixouumrecado.Esperavaquefosseimportanteparaele.–Estoulendoodiário–disse.Efoitudo.

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Venhaaonossocasamento,Nicky.Esteéoseuconvite.Queroquevocêsaiba

exatamentecomofoiodiaemquesuamãeeseupaijuraramamoreterno.Nevava fraco na ilha. Os sinos tocavam no ar limpo e frio de dezembro

quandonossosconvidadoschegaram,congelando,àGayHead,aprimeiraigrejabatista fundada por indígenas nos Estados Unidos. É também uma das maisencantadorasdopaís.

Só existe uma palavra para descrever o dia do nosso casamento: felicidade.Matt e eu estávamos radiantes. Eu estava praticamente voando entre os anjosentalhadosnosquatrocantosdotetodacapela.

Emesentimesmocomoumanjousandoumvestidobrancoantigobordadocompérolas.Depoisde15anos longedeMartha’sVineyard,meuavôveio sóparamelevaratéoaltaremnossacerimôniaecumênica.TodososmeusamigosmédicosdeBostonenfrentaramoinvernoe zeramaviagematélá.Algunsdosmeus pacientes septuagenários também foram. A igreja cou lotada. Tinhagenteempé.Comovocêdeveterimaginado,quasetodomundodailhaéamigodoMatt.

Ele estava irresistívelnumsmokingpreto elegante, comos cabelos cortadosespecialmenteparaaocasião(masnãocurtosdemais),osolhosbrilhandoeseulindosorrisomaisiluminadodoquenunca.

Você consegue visualizar a cena, Nicky? Tudo isso e a neve soprandosuavementedomar?Foiumaglória.

“Está tão feliz como eu?”, Matt se inclinou na minha direção e sussurrouquandoficamosdiantedoaltar.“Vocêestálinda.”

Sentimeurostocorar,oquenãoeracomum.EueraaDra.Controle,aDra.Autocon ança,aDra.SeguraasPontas.Mas,quandoolheinosolhosdeMatt,todasasminhasdefesascaírametivecertezadequeaquiloeraperfeito.

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“Nuncaestivemaisfelizoumaiscertaarespeitodequalquercoisaemminhavida”,eudisse.

Nós zemosnossosvotosnodia31dedezembro,poucoantesdaviradadoano.Haviaalgumacoisaquasemágicaemnos tornarmosmaridoemulhernavéspera do ano-novo. Para mim, foi como se o mundo inteiro estivessecomemorandoconosco.

Segundos depois de Matt e eu fazermos nossos votos, todos na igreja selevantaramegritaram:“Felizano-novo,MatteSuzana!”

Entãoplumasbrancascaíramdedezenasdefaixasdecetimquehaviamsidocolocadasnotetodaigreja.Matteeufomosbanhadosporumachuvadeanjosenuvens.Entãonosbeijamosenosabraçamosapertado.

“Que tal o seu primeiro instante de casada, Sra. Harrison?”, ele meperguntou.Achoquegostoudedizer“Sra.Harrison”–eugosteideouvir.

“Se soubesseque ia ser tãomaravilhoso, teriame casado comvocê20 anosatrás”,respondi.

Mattsorriuecontinuoucomabrincadeira.“Comopoderíamosternoscasadohá20anos?Nósnãonosconhecíamos.”“Ah,Matt,nósnosconhecemosavidainteira.Sópode.”Naquelemomento,lembrei-medoqueMattdissenanoiteemquemepediu

emcasamentonapraiaemfrenteàminhacasa.“Ficopensandoemcomotivesorte por você ter sobrevivido e nós podermos estar juntos neste dia.” Eumesenti a mulher mais sortuda domundo por estar ali, comMatt, na noite donossocasamento.

Foi assim que me senti, foi exatamente essa a sensação, e agora eu estoumuitofelizporvocêtambémterestadolá.

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Nicolas,

Matteeutivemostrêssemanasdeluademel,quepassaramvoando.Ficamos a primeira semana em Lanai, no Havaí. É um lugar maravilhoso,

incrível,comapenasdoishotéisemtodaailha(deveserporissoqueBillGatesoescolheuparapassarsualuademeltambém).LogodescobriqueamavaMattaindamais do que quando eleme pediu em casamento. Fizemos planos paranão iremboradeLanai.Elepintariacasase terminariasuaprimeiracoletâneadepoemas.Euseriaamédicadailha.

Na segunda semana, fomos para Hana, em Maui, e foi quase tão especialcomoLanai.Tínhamosummantra:“Nãoéumasorte?”Achoquedissemosissocentenasdevezes.

Passamos a terceira semana emMartha’s Vineyard,mas praticamente semver ninguém, nemmesmo Jean ouMelanie Bone e suasmeninas. Estávamosnosdeleitandocomanovidadeeamaravilhadeestarmosjuntospelorestodasnossasvidas.

Imaginoquenemtodasasluasdemeldeemtãocerto,masanossadeu.Nick,voucontarumacoisaqueseupaifez,algotãoatenciosoeespecialquevai carparasemprenomeucoração.

Mattme acordou com um presente em todos os dias de nossa lua demel.Alguns erampequenos; outros,divertidos; e outros, ainda, extravagantes.MascadaumveiodocoraçãodeMatt.

Nãoéumasorte?

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Nunca vou me esquecer disso. Comecei a me sentir muito mal, fraca e

nauseada.Mattjátinhasaídoparatrabalhareeuestavasozinhaemcasa.Senteinabeiradabanheiracomasensaçãodequeminhavidaestavaseesvaindo.

Comecei a suar frio eminha nuca cou encharcada. Pela primeira vez emmais de um ano, quis ligar para um médico. Parecia estranho querer outraopinião.Eraeumesmaquemsempremediagnosticava.

Mas naquele dia me senti mal o bastante para querer perguntar a outrapessoa “Ei, o que você acha?”.Mas, em vez disso, joguei água fria no rosto edisse amimmesmaque aquiloprovavelmente seriaumprincípiode gripe.Eunãovinhamesentindomuitobemnosúltimosdias.

Tomeiumremédioparaoestômago, troqueideroupae fuiparao trabalho.Aomeio-dia estavame sentindomuitomelhor e, na hora do jantar, já haviaesquecidooincidente.

Namanhã seguinte,mepeguei sentadanabeiradabanheiramaisumavez,fracaenauseada.

Foiquandoeusoube.Telefonei para o celular deMatt e ele cou surpreso por eu ligar tão cedo,

logodepoisdeeletersaídodecasa.“Vocêestábem?Estátudobem,Suzana?”“Acho... que tudo acaba de car perfeito”, eu disse. “Será que você poderia

voltar para casa agora? E, no caminho, passar numa farmácia e comprar umteste de gravidez? Quero ter certeza absoluta, mas, Matt, acho que estamosgrávidos.”

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Nicolas,

Vocêestavacrescendodentrodemim.Oquepossodizer,Nicky... a felicidade inundounossos corações e todosos

cômodosdenossochalénapraia.Elaveiocomoumamaréaltanumanoitedeluacheia.

Depois do casamento,Matt se mudou paraminha casa. Foi ideia dele. Eledisse que seria melhor alugarmos a casa dele, já que eu estava tão bemestabelecidacommeuspacienteseapoucadistânciadohospital.Foiatenciosoegentil da parte dele, como sempre. Mesmo sendo um homem tão grande eforte,eleéincrivelmentegentil.Seupapaiéocara.

Euteriasentidosaudadedomar,denossojardimedasvenezianasquebatemanoitetodaquandoestáventando.Masnãofoipreciso.

Decidimos que seu quarto seria no antigo solário. Achamos que você iriaadorar a forma como a luz da manhã entra pelos peitoris e preenche cadacantinho e cada fresta. Então papai e eu começamos a transformar parte dosolárionumquartodebebê,escolhendocoisasdequeachamosquevocêfossegostar.

PusemospapeldeparedecomhistóriasdaMamãeGansa.Depoisseusursoseos primeiros livros. Penduramos painéis coloridos de tecido sobre seu berço,quefoidoseupapaiquandoeleerabebê.AvovóJeanoguardouportodosessesanos.Sóparavocê,filho.

Enchemos asprateleiras comumaenormevariedadedebichosdepelúcia ebolasdetodososesportespossíveis.

Papaifezumcavalodebalançodemadeiracomumalindacrinavermelhaedourada. Ele também fez ummóbile delicado com planetas, luas e estrelas e

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umacaixinhademúsica.Todavezquepuxamosacorda,elatoca“WhistleaHappyTune”.Pensoem

vocêsemprequeouçoessacanção.Malpodíamosesperarparaconhecê-lo.

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Nick,

Mattfezdenovo.Quandovolteidotrabalho,haviaumpresenteemcimadamesadacozinha.Estavaembrulhadoemumpapeldouradocomcoraçõeseumlaçodefitaazul.NãohácomoamarMattmaisdoquejáamo.

Sacudi o embrulho e umbilhete se soltouda ta.Dizia: “Vou trabalhar atémais tarde hoje, Suze, mas estarei pensando em você, como sempre. Voltoantesdas22h.Matt.”

EumepergunteiondeMattiriatrabalharatéas22h,maslogodeixeiparalá.Desfizoembrulhocuidadosamente.Haviaumacaixinha.Levanteiatampa.

Dentroestavaumlindíssimocolarantigodeprata.Ummedalhãonoformatode coração com uma grande sa ra preso a uma corrente. Devia ter uns 150anos.

Apertei o fecho e o coração se abriu para revelar a mensagem que estavagravadaemseuinterior.

Nicolas,SuzanaeMatt:parasempreum.

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Nick...

HáalgunsanossaiuumlivrochamadoAspontesdeMadison.Achoquepartedo motivo do enorme sucesso dele é o fato de tanta gente sentir falta deromantismo em suas vidas. Mas um dos argumentos do livro era que ashistóriasdeamordurampoucotempo–paraospersonagensprincipais,RoberteFrancesca,apenasalgunsdias.

Nicky,por favor,nãoacreditenisso.Oamorentreduaspessoaspodedurarmuito tempoquandoelas amama simesmase estãoprontasparadaramoraoutrapessoa.

Euestavapronta.EMatttambém.Seupai está começandoamedeixar semgraça.Ele ébomdemais eme faz

muitofeliz.Comohoje.Eleaprontoudenovo.Acasaestavacheiadeamigoseparentesquandodescidoquartoestamanhã

comminhacaradesonoeumpijamalargocor-de-rosa.Tinhaesquecidoqueerameuaniversário,meus36anos,masMattnão.Ele

havia preparado um café da manhã surpresa... e como quei surpresa.Inacreditavelmentesurpresa.

“Matt?”,eudisse,rindoenvergonhadaecruzandoosbraçosnafrentedomeupijamaamassado.“Euvoumatarvocê.”

Elepassouporentreaspessoasqueestavamamontoadasnacozinha.Traziaumcopodesucodelaranjanasmãoseumsorrisobrincalhãonoslábios.

“Vocês são testemunhas do que minha mulher disse. Ela parece doce einofensiva,masnaverdadeéumaassassina.Felizaniversário,Suzana.”

AvovóJeanmedeuopresentedelaeinsistiuqueeuoabrisseimediatamente.Dentro do pacote havia um lindo roupão de seda azul, que eu vesti para

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escondermeupijamade anela.Deiumabraço apertadonelaporme levar opresenteperfeito.

“O café está pronto egostoso!”, gritou Matt e todo mundo se aproximoususpirandodamesa,queestavacobertadepães,ovosmexidos,umavariedadesdefrios,obolocaseirodeJeanemuitocaféquente.

Depois que se fartaram com o café da manhã e, sim, com obolo deaniversário, todos foramembora enosdeixaramsozinhos emcasa.Matt e eunosatiramosnosofádasala,queeragrandeeconfortável.

“Eaí,comosesente,Suzie,fazendomaisumaniversário?”Nãopudedeixardesorrir.“Sabe,amaioriadaspessoastempavordeaniversários.Elaspensamai,meu

Deus, estou cando velha. Pois eu sinto o oposto. Para mim, cada dia é umpresente extraordinário. Sópor estar aqui.Principalmentepor estar aqui comvocê.Obrigadapelafestadeaniversário,Matt.Euteamo.”

EntãoMatt soubeexatamenteoque fazer.Primeiro,ele seaproximouemedeuumbeijonabocadelicadamente.Depoismepegounocoloemelevouaténosso quarto, no andar de cima, onde passamos o resto da manhã do meuaniversárioe,precisoadmitir,amaiorpartedatardedomeuaniversário.

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QueridoNicky,

Ainda me sinto um pouco abalada ao escrever sobre o que aconteceu háalgumassemanas.FoiodiaemquemaistrabalheidesdequesaídeBoston.

Umoperáriodaconstruçãocivil foi levadoàspressasparaopronto-socorrodo hospitalmais oumenos às 11 damanhã.Matt o conhecia e conhecia suafamília.Ohomemtinhacaídodeumaescadademaisdecincometrosebatidoacabeça.NaépocaemquedeiplantãonoHospitalGeraldeMassachusetts,vimuitoscasosdetraumaassim.Coloqueiopronto-socorroparafuncionaratodovapor,dandoordenseorientações.

Ohomemsechamava JohnMacdowell.Era casado, tinha30anosequatrolhos. A ressonância magnética mostrou um hematoma intracraniano.

Precisávamos diminuir a pressão sobre o cérebro dele imediatamente. Penseique estivesse diante de alguém à beira da morte. Não queria deixar que issoacontecesseaumjovempai.

Ele teve uma parada cardíaca.Quasemorreu,mas conseguimos trazê-lo devolta.TivevontadededarumbeijoemJohnMacdowell simplesmenteporeleestarvivo.Foramnecessáriasquasetrêshorasparaestabilizá-lo.

Amulherdeleveiovê-locomascrianças.Estavafragilizadaenãoconseguiaparardechorar.Ela sechamavaMegeestavacomummenininhonocolo.Apobre moça parecia estar carregando o peso do mundo nas costas.Provavelmente,foiassimqueelasesentiunaqueledia.

PediumsedativoleveparaaSra.Macdowellemesenteiaoseuladoatéqueelaserecuperasse.Ascriançasestavamevidentementeassustadastambém.

Pegueiumadasmeninasnocolo,ade2anos,eacaricieideleveseuscabelos.“Opapaivaificarbem”,eudisse.

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Amãe couolhando,absorvendominhaspalavras.Oqueeuestavadizendoeramaisparaeladoqueparaascrianças.

“Ele só levouum tombo, comoacontece comvocês às vezes.Então a gentedeuumremédioparaeleefezumcurativobemgrande.Agoraelevai carbem.Eusouamédicadeleeprometoisso.”

Amenininhaeasoutrascriançasprestaramatençãoemcadapalavraqueeudisse.Bemcomoamãedelas.

“Obrigada,doutora”, amulher nalmente sussurrou. “NósamamosmuitooJohn.Eleéumapessoamuitoboa.”

“Eu sei. Deu para perceber pela preocupação de todo mundo. Todos oscolegasde trabalhodelevieramaopronto-socorro.Elevai car internadoporalgunsdias.Quandochegarahoradereceberalta,eulheexplicareioqueseráprecisofazeremcasa.Asituaçãodeleéestávelagora.Querqueeu quecomascriançasumpouco?Vocêpodeirvê-lo.”

A menininha desceu do meu colo. A Sra. Macdowell passou o bebê queestavaemseusbraçosparaosmeus.Ele eramuitopequenininho, tinhauns2ou3meses.Amãenãodeviatermaisdoque25anos.

“Tem certeza, Dra. Bedford? A senhora tem tempo para isso?”, ela meperguntou.

“Tenhotodootempodomundoparavocê,Johneascrianças.”Fiquei ali sentada, segurando aquele bebê, e não pude deixar de pensar no

menininhoque cresciadentrodemim.E tambémnamortalidade e emcomonósaenfrentamostodososdiasdanossavida.

Eu sabia que era uma médica muito boa. Mas foi só naquele momento,segurandoobebezinhodosMacdowell,quesoubequeseriaumaboamãe.

Não,Nick,eusoubequeseriaumaótimamãe.“O que foiisso?”, eu disse. “Matt... amor, tem alguma coisa acontecendo.

Estou comumpouco de... dor.Nossa.Não, émaisdoqueumpoucodedor”,faleicomdificuldade.

DeixeiogarfocairnochãodaBlackDogTavern,ondeestávamosjantando.Issonãopoderiaestaracontecendo.Nãoagora. Aindafaltavamsemanasparaoparto.Eunãopodiaestartendoumacontração.

Mattagiuimediatamente.Eleestavamaispreparadoparaaquelemomentodoqueeu.Atiroudinheirosobreamesaemelevouparaforadorestaurante.

Parte de mim sabia o que estava acontecendo. Pelo menos era no que eu

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acreditava.ContraçõesdeBraxtonHicks. Sãosóumtreinamentodocorpo,nãosigni camquechegouahoradeobebênascer.Asgrávidasàsvezestêmessasdores, inclusive noprimeiro trimestre da gestação,mas quando a dor aparecenoterceiro,podeserconfundidacomtrabalhodeparto.

Mas minha dor parecia estaracima do útero, espalhando-se sob o pulmãoesquerdo.Pareciaumafacadaemedeixavasemar.

EntramosnoJeepeseguimosdiretoparaohospital.“Tenho certeza de que não é nada”, eu disse. “Nicky só está dando uma

amostradecomoeleestábemfisicamente.”“Quebom”,disseMatt,semtirarosolhosdaestrada.Eu estava sendo monitorada semanalmente, porque a gravidez era

consideradadealtorisco.Mastudoiabem,maisdoquebem,atéentão.Seeuestivessecomalgumproblema,saberia.Nãosaberia?Euestavasemprealertaaqualquerindício.Ofatodeeusermédicamedeixavaaindamaispreparada.

Maseuestavaerrada.Haviaumproblema.Dotiposobreoqualvocêàsvezespreferenemsabercomantecedência.

Estaéahistóriadecomonósdoisquasemorremos.

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Nicolas,

Nós tínhamosamelhorobstetradeMartha’sVineyardeumadasmelhoresdetodaaNovaInglaterra.ADra.ConstanceCotterchegouaohospitalcercade10minutosdepoisdeeuentrarlácomMatt.

Eu já estava me sentindo melhor, mas Connie cou ao meu lado,monitorando-me durante as duas horas seguintes. Pela pressão que fazia nomaxilar, dava para perceber que ela estava tensa. Ela estava preocupada commeu coração.Ele seria forte o su ciente?Ela tambémestavapreocupada comvocê,Nicky.

“Issoéperigoso”,disseConnie, tirandoqualquer ilusãominha.“Suzana,suapressão está tão alta que estou avaliando se não seria melhor fazer o partoagora.Seiquenãoestánahora,masvocêmedeixoupreocupada.Oqueeu voufazer é mantê-la aqui esta noite por garantia. E quantas noites mais foremnecessárias.Enão,essadecisãonãoéalgoquevocêpossacontestar.

Olhei para Connie como quem diz você deve estar brincando . Sou médica.Moropertinhodohospital.Possovirparacáimediatamenteseforpreciso.

“Nem adianta. Você vai car”, continuou ela. “Vá assinar os papéis dainternação.Vouvoltarparavervocêantesdeirembora.Issonãoénegociável,Suzana.”

Eraestranhomeinternarnohospitalemqueeutrabalhava.Maisoumenosuma hora depois,Matt e eu estávamos nomeu quarto esperandoConnie. Euestava explicando a ele o que sabia até então, principalmente sobre pré-eclampsia.

Elequeriasabertodososdetalhesefezmuitasperguntas.Entãoeuexpliqueieviqueeleseremexeudesconfortavelmentenacadeira.

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“Foivocêquequissaber”,eudisse.Conniefinalmentevoltou.Aferiuminhapressãodenovo.“Suzana, está mais alta do que antes”, disse. “Se não baixar nas próximas

horas,vouinduziroparto.”EununcatinhavistoMatttãonervoso.“Voupassaranoiteaquicomvocê,Suzana”,disseele“Não precisa”, eu disse. “E car sentado numa cadeira desconfortável me

vendodormir?Ébesteira.”Mas Connie olhou para mim e, em seu tom usado apenas com pacientes,

disse:“Achoumaótimaideia.ÉmelhorqueMattfiquecomvocê,Suzana.”EntãoConnieaferiuminhapressãoemeexaminoumaisumavezantesdeir

embora.Fiqueiobservandoorostodela,procurandoporqualquer sinaldeproblema.

Quetipodeolhareraaquele?Conniemeencaroudeumjeitoestranhoeeunãoconseguientenderdireito

oquesignificavaaquelaexpressãoemseurosto.Entãoeladisse:“Suzana,nãoestouconseguindoouvirdireitoocoraçãodobebê.Precisamos

tirá-loagora.”

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QueridoNicolas,

Avidainteiraeudesejeiterumfilho.Queriapartonatural,igualaminhamãeeaminhaavó.Conniesabiaoquantoissoeraimportanteparamim.Matteeuzemosaulasdepreparaçãojuntos.Elameouviafalarsobreissosempararem

seuconsultórioemesmoquandoalmoçávamosjuntas.Pude ver a tristeza em seu rosto quando ela se aproximou de mim. Ela

segurouminhamãocomforça.“Suzana”, ela sussurrou, “eu queria trazer este bebê aomundo do jeito que

vocêsempresonhou.Masvocêsabequenãopossopermitirquevocêouobebêcorramriscos.Precisamosfazerumacesárea.”

Meusolhosseencheramdelágrimas,maseuassenticomacabeça.“Eusei,Connie.Confioemvocê.”Depoisdisso,foitudomuitorápido.Connie administrou sulfato demagnésio para tentar evitar a eclampsia. Eu

mesentipiordoquenunca,comumadordecabeçalancinante.Matt cou o tempo todo ao meu lado enquanto me preparavam para a

cesárea. Um médico novo lhe disse que era uma emergência e que ele nãopoderia car comigo.Graças aDeusConnievoltounaquele exatomomentoeautorizouqueMattficasse.

Connie então me contou o que estava acontecendo. Meu fígado estavainchado. A contagem de plaquetas no sangue estava assustadora e a minhapressãoestavaem19por13.

Pior,Nicky,oseucoraçãoestavabatendomaisfraco.“Vocêvai carbem,Suzana”,Conniedizia.Suavoz soavacomoumecode

umcâniondistanteeasluzesdasalapareciamgirardescontroladamente.

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“EoNicky?”,sussurrei,comoslábiosressecados.Tinha esperanças de que ela respondesseNicky vai car bem também ,mas

Connienãodissenada.Meusolhosseencheramdelágrimasdenovo.Fuilevadaparaasaladecirurgia,ondeelesnãoestavamapenasprontospara

umpartocomotambémparamefazerumatransfusãodesangue.Acontagemdasminhasplaquetashaviacaído.Eusabiaoqueestavaacontecendo.Setivesseumahemorragiainterna,eumorreria.

Quando estava recebendo a anestesia peridural, vi o Dr. Leon, meucardiologista, ao lado do anestesista.Por que Leon estava ali? Ah, Deus, não.Porfavor,nãodeixequeissoaconteça.Porfavor,euimploro.

Puseramumamáscaradeoxigênionomeu rosto.Eu tentei resistir.Connielevantouavoz:

“Não,Suzana.Fiquecomooxigênio.”Eracomoseeuestivessepegandofogo.Sóquenãoconseguiamelembrarque

o sulfato de magnésio provocava isso. E não sabia que meus rins estavamfalhando,queasplaquetasestavamperigosamentebaixasequeapressãohaviasubidoaindamais,paraalarmantes20por11,5.Nãosabiaque tinharecebidoinjeções de esteroides para acelerar a maturação dos pulmões do bebê eaumentarsuaschancesdesobrevivência.

Osminutos seguintes foramumborrão.Vi um afastador surgir e percebi apreocupaçãonorostodeConnie.Eladesvioudepressaoolhardomeu.

Ouvi ordens entrecortadas, bipes frios e insensíveis das máquinas e Mattdizendo palavras encorajadoras. Escutei um som alto de sucção quandolimparamolíquidoamnióticoeosanguededentrodemim.

Fiqueientorpecida,tonta,comumasensaçãoestranhadenãoestarlá,denãoestaremlugarnenhum,naverdade.

Oquemetrouxedevoltadesseoutromundofoiumchoro.Umchoronítidoeforte.Vocêestavaanunciandosuachegadacomoumbravoguerreiro.

Matt,Connieeeucomeçamosachorartambém.Vocêeratãopequenininho,tinhapoucomaisde 2,7quilos.Mas eramuito forte.E alerta.Principalmenteconsiderandooestresseporquehaviapassado.

Vocêolhoudiretoparaopapaieparamim.Nuncavoumeesquecerdisso. Aprimeiravezqueviseurosto.

Consegui pegá-lo em meus braços antes de levarem você para a UTIneonatal.Olheiparaseusolhos lindos,quevocê lutavaparamanterabertos,e

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conseguisussurrarpelaprimeiravez:“Euteamo.”Nicolas,oGuerreiro!

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NAQUELA NOITE, Katie sentiu-se confusa e com medo mais uma vez.Enquanto lia mais algumas páginas do diário, forçou-se a comer umas

garfadasdemacarrãocomlegumeseabeberumpoucodechá.Nãoajudou.Tudo estava indo rápido demais em sua cabeça e principalmente em seu

corpoqueseinchava.Umbebêhavianascido.Nicolas,oGuerreiro.Outrocresciadentrodela.Katie precisava analisar tudo aquilo racionalmente. Quais eram as

possibilidades?Oquepoderiaestaracontecendoagora?MattteriatraídoSuzanaportodosessesmeses?Teriatraídoenãoseriaaprimeiravez?Matthaveriasedivorciadodela?TeriaeleabandonadoSuzanaeNicolaspor

algummotivoqueaindairiaserreveladonodiário?SuzanateriatrocadoMattporoutrapessoa?Suzanateriamorrido?Seucoraçãoteriaparado?Suzanaestariaviva,masmuitodoente?OndeSuzanaestariaagora?TalvezKatiedevessetentarligarparaela.Talvez

elasdevessemconversar.Nãosabiaseissoeraumaboaideiaouumdospioreserrosdasuavida.

Tentoupensarnasituação.Oquetinhaaperder?Umpoucodeorgulho,masnãomuitomais do que isso.Mas e Suzana? E se ela não tivesse ideia do queMattvinhafazendo?Seriapossível?Claroquesim.Nãoeramaisoumenosissoo que havia acontecido comKatie?Agora qualquer coisa lhe parecia possível.Tudoerapossível.Entãooquehaviadefatoacontecido?

Era devastador... insuportável. Ela havia sido abandonada pelo homem queamavaeemquemcon ava,aquelequeachavaqueentendiatãobem.Issonãochegavaaserincomum,oqueeraaindamaistriste.

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Ela se lembrou de um momento especí co com Matt que a encorajara acontinuar. Numa noite, ele havia acordado ao lado dela chorando. Ela oabraçara por um bom tempo e acariciara seu rosto. Finalmente, Mattsussurrara: “Estou tentandomuito deixar tudo para trás. E vou conseguir. Euprometo,Katie.”

MeuDeus,eratudoumaloucura!Katie deu um soco na própria coxa. Estava como pulso acelerado.O peito

doía.Levantou-se do sofá, correu até o banheiro e pôs para fora o que havia

comido.

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UM POUCO MAIS TARDE, Katie foi até a cozinha e fez mais chá. Ela eGuinevere caram sentadas olhando para as paredes. Ela mesma havia

colocadoosarmários.Osfuncionáriosdacarpintariajáatéaconheciam.Katietinhasuaprópriacaixadeferramentaseseorgulhavadenuncaprecisarchamarozeladorparaconsertarqualquercoisa.Entãoconserteoquehádeerradocomseucoração,pensouKatie.Conserteisso!

Finalmente,pegouotelefone.Merlinabriuumolhosonolentoe couobservandoenquantoadonadigitava

nervosamente alguns números e esperava alguém atender do outro lado dalinha.

–Oi,mãe. Sou eu – disse ela com uma voz que saiu num tommuitomaisbaixodoquepretendia.

–Eusei,Katie.Qualéoproblema,querida?Vocênãopodevirparacasaporpelomenosunsdias?Achoquefariabematodosnós.

Eramuitodifícil,muitoruim.–A senhora pode pedir ao papai para pegar o telefone também? – falou. –

Chameopapai,porfavor.– Estou aqui, Katie – disse o pai. – Estou no escritório. Atendi quando o

telefonetocou.Comovocêestá?Elasuspiroufundo.–Bom...euestougrávida–Katiedisseafinal.E então os três começaram a chorar ao telefone... porque eles eram assim.

MasamãeeopaideKatielogoaestavamreconfortando:– Está tudo bem, Katie. Nós amamos você, nós estamos com você, nós

entendemos.Porqueeleseramassimtambém.

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Nicolas,

Para registro. Você começou a dormir a noite toda logo no começo. Nãotodasasnoites,masamaioriadelas,desdequandovocê tinhamaisoumenosduassemanasdevida,parainvejadetodasasoutrasmães!

Às vezes você acorda faminto, acho que porque cresce muito enquantodorme.Quegulosinhovocêé!Vocêmamaqualquercoisa quelhedou–sejaopeito,amamadeiracomleiteoucomágua.Vocêpegatudo,semreclamar.

Na primeira vez que voltamos à pediatra depois dos check-ups que foramnecessários quando você saiu do hospital, ela nem acreditou em como vocêprestavaatençãoaosbrinquedosdoconsultório.

“Eleéextraordinário...éincrível,Suzana”,elaexclamou.Edissequevocêera“muitointeligenteeforte”quandolevantouacabecinhaaoserpostodebruços.

Issoéumgrandefeitoparaumbebêdeduassemanas.Nicolas,oGuerreiro!VocêfoibatizadonaigrejaMaryMagdalene.Odiaestavalindo.Vocêusoua

minha roupa de batizado – uma relíquia da família daminha tia Romelle, deNewburgh,NovaYork, feita àmão, que tambémhavia sidousadapelosmeusprimos e vários outrosparentes ao longodosúltimos 50 anos,mas estava emperfeitascondições.Vocêficouumagraçaeganhoumuitoselogios.

O monsenhor Dwyer cou encantado por você. Durante o batizado, vocênãoparoudetentartocaramãodeleepegarolivrodeorações.Ficouolhandodiretoparaele,absolutamenteatento.

Perto do nal da cerimônia, percebendo que você não havia perdido ummovimento sequer, o monsenhor Dwyer disse: “Não sei o que você vai serquandocrescer,Nicolas.Poroutrolado...vocêjácresceu.”

Hojeémeuprimeirodiadevoltaaotrabalho.Nãoédesurpreender,mas já

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estoucomsaudade.Não,naverdadeémaisdoqueisso:eumesintoperdidasemvocê.

Escreviumacoisaenquantoestavapensandoemvocê,entreumaconsultaeoutra:

OurodamãeMeuamoréritmoRimaebalé.AmoseurisoOquevocêéAquieondeforEnquantopuder.Achoquepoderiafazercentenasdeversinhossobrevocê.Elessimplesmente

surgem em minha mente quando você faz alguma coisa engraçada, sorri oumesmoquandodorme.Oqueeupossodizer?Vocêinspirapoesia.

Matttambémadorameusversos.E,vindodele,issoéumelogioetanto.Nãose engane quanto a isso.O escritor da família é o papai.Mas ainda assim euadorofazeressespoeminhasparavocê.Acabodepensaremmaisum!

VocêémeuNickyqueeuadoroVocêdáumsorrisoeeuopegonocoloDouumabraço,façocafunéBeijosuabochecha,abarrigaeopé.Doumontesdebeijosedepoissabeoquê?Corrodevoltaparabeijarmaisvocê.Bem,rapazinho,agoraprecisoparar.Minhapróximapaciente jáchegou.Se

elasoubesseoqueestoufazendoatrásdaportafechadadoconsultório,nacertairiacorrendoparaaclínicadeEdgartown.

Penseiqueseriafácilvoltaraotrabalho candosópormeioperíodo,queeuiriame acostumar à rotina de novo.Mas, desde que cheguei hoje demanhã,tudooquequisfazerfoiverfotossuaseescrevermeuspoemasbobos.

Sealguémestivessemeespiando,pensariaqueeuestouapaixonada.Eestou.

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Nicky,soueudenovo...

Esta noite ouvi você chorando eme levantei para ver qual era o problema.Você olhou para mim todo tristinho. Seus olhos azuis são sempre muitoexpressivos.

Veri quei sua fralda,masnão era isso.Tentei lhedardemamar,mas vocêtambémnãoestavacomfome.

Então peguei você no colo e me sentei na cadeira de balanço ao lado doberço.

Ficamos indo para a frente e para trás, para a frente e para trás, como asondasdomar.

Lentamente, seus olhos começaram a se fechar e suas lágrimas sedissolveramemdocessonhos.Coloqueivocêdevoltanoberçoe queiolhandoseubumbunzinhosubiredescer.Entãovireivocêdecostase queiobservandosuabarriguinha.

Achoquevocêsóprecisavadeumpoucodecompanhia.Seráquesóqueriaserabraçadoeninadoeteralguémfalandocomvocê?

Euestouaqui,querido.Esemprevouestaraquiparavocê.“Oquevocêestáfazendo,Suzie?”,Mattsussurrou.Eunãotinhaescutadoospassosdele.Opapaiconseguesersilenciosocomo

umgato.“Nicknãoestavaconseguindodormir.”Matt olhou para o berço e viu a suamãozinhaminúscula en ada na boca

comoummordedor.“MeuDeus, como ele é lindo”, sussurrouMatt. “Estou falando sério... ele é

maravilhoso.”

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Olheiparavocê.Nãohaviaumcentímetroseuquenão zessemeucoraçãodisparar.

Mattpassouosbraçospelaminhacintura.“Querdançar,Sra.Harrison?”Elenãomechamavaassimdesdeodiadonossocasamento.Meucoraçãose

agitoucomoumpassarinhonumchafariznumdiadeverão.“Achoqueestãotocandoanossamúsica.”Naquelanoite,Matt e eu camosdançandoao somdasnotasque saíamda

suacaixinhademúsica.Passandopelosbichosdepelúcia,pelaMamãeGansa,porseucavalinhodebalanço,pelasestrelaseasluasque utuamnoseumóbile.Dançamosdevagarecommuitoamorsobaluzsuavedoseuquarto.

Quandoamúsicaparou,Mattmebeijouedisse:“Obrigado, Suzana. Obrigado por esta noite, esta dança e, principalmente,

porestemenininho.Omeumundo inteiroestábemaqui,nestequarto.Seeunãotivermaisnada,játereitudo.”

E então estranhamente – magicamente –, como se a caixinha de músicaestivessedescansando,elatocoumaisumdocerefrão.

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Nick,

Hojeprecisei carodiainteirofora,trabalhando,eMelanieBonefoicuidarde você. Como as meninas foram passar uma semana noMaine com amãedela,Meldeuuma folgaparaavovó Jeanaqui.Éestranho car longedevocêportantotempo.Nãoconsigoparardepensarnoquevocêestáfazendoagora.

Eagora.Eagora.Naúltimavezemquemesentitãocansada,euestavatrabalhandofeitodoida

em Boston, no Hospital Geral de Massachusetts. Talvez seja porqueultimamente ando fazendo malabarismo com milhares de coisas de novo.Trabalharesermãedeumbebêémaisdifícildoqueeuimaginava.Sempretivegrande respeito por todas as mães, mas agora ele é ainda maior. Mães quetrabalhamfora,mãesemtempointegral,mãessolteiras...todassãoincríveis.

Hojeaconteceuumacoisanohospitalquemefezpensarnoseuparto.Umamulherde41anosdeNovaYorkestavapassandoas fériasaquie teve

de ser levada às pressas para o hospital. Estava no sétimomês de gravidez enadabem.Elateveumahemorragia.Foiumacorrerianaemergência.Amulheracabouperdendoobebê,foiterrível,eeupreciseitentarconsolá-la.

Você deve estar se perguntando por que estou escrevendo sobre isso. Eumesmapenseiduasvezesantesdelhecontaressahistóriatriste.

Maselafezcomqueeumedesseconta,maisdoquenunca,dequantosomosvulneráveis,decomoviverpodeserigualaandarnacordabamba:umpassoemfalsoecaímos.Osimplesfatodeveraquelapobremulherhojeedemelembrardequantotemossortemedeixousemar.

Ah,Nicky, às vezes eu gostariadepoder guardar você emum lugar seguro,

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comoumarelíquiapreciosa.Masoqueéavidasenãoavivermos?Achoqueseibemdisso.

Lembro-medeumditadoqueminhaavócostumavausar:umhojevaledoisamanhãs.

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Queridoexibidinho,

Você está começando a segurar amamadeira.Ninguémconsegue acreditar.Essemenininhosealimentasozinhoaos2meses!Cadanovaexperiênciasuaéumpresenteparamimeopapai.

Às vezes comeio boba e parece quemeumundo são sapatinhos de bebê,carroscomporta-malasgrandesearotinacaseira.Entãoacabeidecidindoqueprecisavaterumafotosuafeitaporumprofissional.

Achoquetodamãeumdiafazisso,não?Hojeeraodiaperfeito.AlguémemNovaYorkestá interessadonospoemas

depapaieele foipara lá.Mattestá sendomuitodiscretoquantoa isso,masanotíciaéótima.Entãonósdoisficamossozinhosemcasaeeutinhaumplano.

Vesti você com um macacão jeans desbotado (muito legal), suas botinhas(iguais àsdopapai) eumbonédoRedSox (comaabameiode lado).Depoistivequedesistirdoboné.Vocênãoodeixounacabeçadejeitonenhum.

Eisoqueaconteceu,sóparaocasodevocênãolembrar.Assim que chegamos ao estúdio de fotogra a, você olhou para mim como

quemdissesseissoéumbaitaerro.Achoquefoimesmo.Ofotógrafoeraumhomemdeuns50anossemomenorjeitocomcrianças.

Não que ele fosse ruim, só era sem noção. Fiquei imaginando que aespecialidadedeleeramnaturezas-mortas,porqueeletentouagradarvocêcomumavariedadedefrutaselegumes.

Bom, uma coisa é certa. Agora temos uma coleção inusitada de fotogra assuas. Você começa com o olhar de surpresa, que rapidamente se transformanumaexpressãode incômodo.Depois vema fase irritada, que logodá lugar àparte furiosa do álbum. E por último, mas não menos importante, vem a

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catástrofeirreparável.Pelomenostenhoumconsolo:vocênãovaicontaraopapai.Elenacertairia

repetirmilharesdeeuavisei.Perdoesuamãeporisso.Prometoquenuncavoumostraressasfotosàssuas

namoradas,aosamigosdefaculdadeouàvovóJean.ElaasexibiriaemtodasasvitrinesdeVineyard.

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Nicky,

Estava frio,mas agasalhei você bem e fomos fazer um piquenique na praiaBend in theRoad para comemorar o aniversário de 37 anos do papai.Minhanossa,comoeleestávelho!

Fizemosanjosecastelosnaareiaeescrevemosseunomeem letrasgigantesqueasondasvieramapagar.Entãonósoescrevemosdenovo,ondeaáguanãopudessealcançá-lo.

Foimuitodivertidovervocêeopapaibrincandojuntos.Vocêsdoissãopeixeepeixinho,caradeum,focinhodooutro,talpaital lho!Oseujeito,aformacomo semove, os gestos são todos deMatt. E vice-versa.Às vezes olho paravocê e consigo imaginar o papai quando menino. Vocês dois são alegres,graciososeatléticos,umacoisalindadesever.

Depois de terem lutado contra ouriços-do-mar e monstros de areia, vocêsvoltaramaolençolcomquehavíamosforradoochão.FoiquandoMatten ouamãonobolsoetirouumacartaqueentregouparamim.

“O editor de Nova York não quis minha coletânea ainda, mas ganhei umprêmiodeconsolação”,disseele.

Elehaviamandadoumpoemaparaumarevista,aAtlanticMonthly,eiriaserpublicado.Mattnemhaviamecontadoqueestavafazendoisso.Dissequenãoqueria que eu soubesse caso não desse certo. Mas deu certo, Nicky, e elerecebeuacartanodiadoaniversáriodele.

Perguntei se eupodia ler opoema e ele desdobrououtropapel. Estava comele o tempo todo. Meus olhos se encheram de lágrimas quando vi o título:“NicolaseSuzana”.

Mattme contou que vinha anotando todas as coisas que digo e canto para

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vocêequetinhaseesforçadoparaentreouvirmeuspoeminhaserimas.Dissequeopoemanãoerasódele,masmeutambém.Dissequeeraaminha

voz que ele escutava quando lia esses versos, de modo que nós os havíamoscriadojuntos.

Papaileupartedopoemaemvozalta,tendoosomdasondaseosgritosdasgaivotasaofundo.

NicolaseSuzanaPorelesascopasdasárvoresseagitameoshomensvoltamparacasadeterrasdistantes.Elestransformampalhaemouroseuamoréofaroldosnavegantes.Porelesachuvavemdocéuealuaseentregaaumacantigadeninar.Elesrealizamosdesejosdasfontesefazemcançõesparaasconchasdomar.Éassimqueabençoamomundominhaesposaemeufilho.Comelesopoucoviramuito.Poreleseuvivo.Oquepoderiasermelhordoqueisso?Nada,nadamesmo.Papaidissequeestefoiomelhoraniversáriodavidadele.

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Nicolas,

Algoinesperadoaconteceueinfelizmentenãofoibom.Chegoumaisumavezahoradassuastemidasvacinas.Detestoterquefazer

vocêpassarporisso,mas,comosuamédicadeVineyardestavadeférias,resolviligarparaumamigodeBostonqueépediatra.JáeratempodefazerumavisitaaBostondequalquermaneira.

Enquantoestivéssemos lá,eu tambémpoderia fazerumcheck-upereverosamigos,olharasvitrinesnaNewburyStreet,comernoHarvardGardense–omelhordetudo–exibirvocê,NickyRepique.

FomosdebalsaatéWoodsHoleepegamosaRota3àsnovedamanhã.Eranossaprimeiraaventuraforadailha.AviagemdeNicolasàcidadegrande!

Começamospeloseumédico.Asaladeesperadoconsultórioeraexatamenteoquesepoderiaesperar.Gizesdeceraeblocosespalhadosportodososcantos.Umrelógiopretoemformadegatomexiaorabocomosolhosacompanhandoopassardotempo.Vocêficouhipnotizadoporele.

Os outros bebês estavam chorando e agitados, mas você cou sentadoquietinho,observandotudoaoredor.

“NicolasHarrison”, a recepcionista chamou a nal. Foi engraçado ouvir seunome anunciado de forma tão solene. Quase cheguei a esperar que vocêrespondesse“Presente”.

Foi bom vermeu velho amigoDanAnderson e elemal pôde acreditar emcomovocêjáestavagrande.Dissequeviumuitodemimemvocê(eéclaroqueissomedeixouemocionada,mas,paraser justa, tivedemostraraele fotosdopapaitambém).

“Você parece muito feliz, Suzana”, Dan disse enquanto media, apalpava e

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examinavavocê,Nicky.“Eestoumesmo,Dan.Nuncamesentitãofeliz.Éumamaravilha.”“Sairdacidadelhefezmuitobem.Eolhesóparaesseseufuturozagueiro!”Eufiqueitodaboba.“Ele éomelhormenininhodoplaneta.Como sevocênunca tivesseouvido

issoantes,né?”“Nãodevocê,Suzana”,elerespondeu,colocandovocêdevoltanomeucolo.

“Éótimovê-ladenovo,mamãeBedford.E,noquedizrespeitoaesterapazinhoaqui,eleestávendendosaúde.”

Masissoeujásabia.

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Depoischegouaminhavez.

Fiquei sentadanamaca, jávestida, esperandooDr.PhilBermanvoltar.EletinhasidomeumédicoemBostonesemantiveraemcontatocomoespecialistade Martha’s Vineyard. O trabalho de um complementava o do outro muitobem.

Os resultados dos exames estavam demorando um pouco mais do que onormal.Umadas enfermeiras tinha cado cuidando de você do lado de fora,maseuestavaansiosaparapegá-lonocoloetambémparavoltarparaVineyard.FoiquandoPhilentrouepediuqueeuoacompanhasseatéasaladele.

Como éramos velhos amigos, conversamos sobre amenidades por unsminutos.EntãoPhilcomeçouafalardetrabalho.

“Nãogosteimuitodoseutestedeesforço,Suzana.Seueletrocardiogramaestáumpoucoalterado.Tomeia liberdadede ligarparaaDra.Davis. SeiqueGailfoi sua cardiologista quando você cou internada aqui. Ela já está com seuhistóricomédicoqueveiodeVineyardevaiencaixá-laparaumaconsultaaindahoje.”

“Espereumpouco,Phil”,eudisse,perplexa.Aquilotinhadeestarerrado.Euvinha me sentindo bem... ótima, na verdade. Estava na melhor forma domundo.“Issonãopodeestarcerto.Vocêtemcerteza?”

“Pelo seu histórico, eu estaria sendo negligente se não insistisse que GailDavis desse uma olhada em você. Ei, Suzana, você já está aqui. Martha’sVineyard é bem longe. Vá a essa consulta. Não vai demorar muito. NóscuidamosdoNicolas.Seráumprazer.”

EentãoPhilcontinuou,alterandoumpoucootomdevoz:“Suzana,nósnosconhecemoshámuito tempo.Sóqueroquevocêcuidedo

quequerque issopossaser.Talveznãosejaabsolutamentenada,masgostaria

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deouvirumasegundaopinião.Você fariaomesmose fossecomumpacienteseu.”

PareceuumdéjàvuseguirpeloscorredoresacaminhodoconsultóriodeGailDavis.MeuDeus, por favor,nãodeixe issoacontecerdenovo.Nãoagora.Porfavor,Deus.Tudoestátãobomnaminhavida.

Entreinasaladeesperacomoseestivessepassandopelanévoapesadadeumpesadelo. Não conseguia me concentrar nem pensar direito. Um mantrasinistronãoparavadeserepetiremminhacabeça:istonãoestáacontecendo.

Umaenfermeira se aproximoudemim.Eu a conheciada épocado infarto.“Podevircomigo,Suzana”,disseela.

Euaseguicomosefosseumaprisioneiranocorredordamorte.Istonãoestáacontecendo.

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Fiquei lá por quase duas horas.Acho que z todos os exames cardiológicos

queexistem.E,mesmosabendoquevocêestavaemboasmãosnoconsultóriodoDr.Berman,fiqueipreocupada.

Quando os exames nalmente acabaram, Gail Davis entrou. Estava com aexpressãoséria.Lembreiamimmesmaqueesseeraojeitodela,queagiaassimatémesmoemfestaseeventossociais,masnãoajudoumuito.

“Vocênão teveoutroataquecardíaco,Suzana.Possotranquilizá-laquantoaisso. Masduas das suas válvulas estão frágeis. Suspeito que o problema tenhasidoprovocadopeloinfarto.Oupelagravidez.Comasválvulasprejudicadas,seucoraçãotemdi culdadeparabombearosangue.Vocêsabeoqueissosigni ca,Suzana, mas tenho a obrigação de deixar claro. Este é um alerta. Você temmuitasorteporrecebê-lo.”

“Nãoestoumesentindotãosortuda”,eudisse.“Algumaspessoasnuncarecebemumalertaeentãonãotêmaoportunidade

deevitarumproblemamaissério.Queroquefaçamaisalgunsexamesquandovoltar a Martha’s Vineyard, depois discutiremos suas opções. Talvez sejanecessáriosubstituirasválvulas,talveznão.”

Agoraestavadifícilrespirar.EumerecusavaachorarnafrentedeGail.“Étãoestranho”,eudisse.“Tudopodeestarindoperfeitamentebemeentão

um dia,bum, somos apanhados de surpresa... ummaldito emísero golpe quenemtivemoschancedever.”

GailDavisnãodissenada,apenaspôsamãogentilmentenasminhascostas.

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Nicky,

ComodiziaMicheleLentini,uma italianinhamal-humoradaqueeraminhamelhoramigaemCornwall,NovaYork: ah,MãedoCéu.Ou,comodiziamosBluesBrothers,nãovãonospegar,estamosnumamissãodivina!

Olheipeloretrovisoreláestavavocê,mexendoospezinhosparacimaeparabaixoeesticandoosbracinhosnaminhadireção.Omundopassavapornóseeutinhaaimpressãodequenossocaminhoparacasaeraumaqueda.

Euconverseicomvocê,Nicky.Tivemosumaconversamuitoséria.“Minha vida está tão ligada a você que parecia impossível que alguma coisa

ruim pudesse me acontecer agora. Mas acho que o amor nos dá essa falsasensaçãodesegurança.”

Pensei nisso por um instante. Ter me apaixonado por Matt e estar tãoapaixonadaporelehaviamedadoumasensaçãodesegurança.

Como qualquer coisa ruim conseguiria nos atingir? Que mal poderiaaconteceranós?

Evocêmedáamesmasensação,Nick.Comooquequerque fossepoderianosseparar?Comoéqueeunãooveriacrescer?Issoseriacrueldemais.Deusnãopermitiria.

As lágrimas que eu havia segurado no escritório da Dra. Davis de repenteinundaram meus olhos. Sequei-as logo e me concentrei na estrada que noslevavaparacasa.Entãoseguiviagemnomeuritmotipicamentelentoeseguro.

Fuiconversandocomvocêpeloretrovisor,olhando-onacadeirinhanobancodetrás.

“Vamosfazerumacordo,estábem,menininho?Todasasvezesqueeu zervocêsorrir,teremosmaisumanojuntos.Umanointeiroparacadasorriso.Isso

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se chama pensamentomágico, Nicky. Só pelo que você sorriu no passeio dehoje, já temospelomenosumadúziaamaisdeanos juntos.Nesse ritmo,vouchegaraos136anos.”

Comeceiarirdomeuprópriosensodehumormaluco.Derepentevocêabriuomaiorsorrisoqueeujávi.Eissomefezrirtantoque

sóolheiparatrásesussurrei:“Nicolas,SuzanaeMatt:parasempreum.”Essaéaminhaoração.

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Nicolas,

Já se passaram quatro longas e nervosas semanas desde que estivemos emBostonerecebiasinformaçõessobreminhasaúde.MattestápasseandodeJeepcomvocê e eu estou sentadana cozinha como sol entrandopela janela.Estámuitobonito.

Tenho em mãos todos os laudos médicos. Estou com um problema nasválvulas cardíacas, mas existe tratamento. Não vamos substituí-las porenquanto e de nitivamente não estamos pensando em transplante. Por ora,tudoserátratadocomradiação.

Masfuialertada:nãoseviveparasempre.Aproveitecadamomento.Possosentiramanhãsedesenrolando,trazendocomelaacanção,osaleo

aromadavegetaçãolitorânea.Meusolhosestãofechadoseosinodeventoestátocandocomabrisadomar

láfora.“Nãoéumasorte?”,eudigoemvozalta,afinal.Queeuestejasentadaaqui,olhandoapaisagemdestedialindo...QueeumoreemMartha’sVineyard,tãopertodomarquepoderiajogaruma

pedranaágua...Queeusejamédicaeadoreoquefaço...Quede alguma forma,pormais improvávelque fosse, eu tenha encontrado

MatthewHarrisonenóstenhamosnosapaixonado...Que nós tenhamos um menininho esperto com lindos olhos azuis, um

sorrisomaravilhosoeumcheirinhodebebêqueeusimplesmenteadoro.Nãoéumasorte,Nicky?Nãoésimplesmentemuitasorte?Éoqueeuacho,pelomenos.

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Essaéoutradasminhasorações.

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Nicolas,

Vocêestácrescendoeissoémaravilhosodesever.Eusaboreiocadainstante.Espero que todos os outros papais e mamães do mundo se lembrem deaproveitaressesmomentosetenhamtempoparaisso.

Vocêadoraandardebicicletacomamamãe.Temseuprópriocapacetinhoeumassentoqueodeixaseguroeconfortávelnaminhagarupa.Pegouma taeamarroumamamadeiracomáguaàsuacadeirinhaesaímosparapassear.

VocêadoracantareolharparatodasaspessoasepaisagensemVineyard.Édivertidoparaamamãetambém.

Você tem muitos cachinhos loiros. Sei que se cortá-los eles nunca maisvoltarão – e você será um menininho e não mais um bebê. Adoro ver vocêcrescer,mas aomesmo temponão gosto de sentir que este período passa tãorápido.Édifícilexplicar.Nãoseicomodizer.Masháalgodemuitopreciosoemse observar um lho dia após dia. Quero me agarrar a cada momento, cadasorriso, cadaabraçoebeijo. Imaginoque isso tenhaavercomamar quevocêprecisedemimeternecessidadedelhedarmeuamor.

Queroreviverissotudodenovoedenovo.Cadaumdosinstantesquesepassaramdesdequevocênasceu.Eudissequeseriaumaótimamãe.

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Ultimamente,todososdiastêmsidomuitocompletosparamim.

Todas asmanhãs, sem falta,Matt se viraparamimquando acordamos,mebeijaesussurraemmeuouvido:“Temosohoje,Suzana.Vamoslevantarevernossomenino.”

Mashojeestásendoumdiadiferenteparamim.Nãoseidizerporque,masminha intuição me diz que alguma coisa está acontecendo. Não sei se gostodisso.Aindanãotenhocerteza.

Continuei não me sentindo muito bem depois que o papai saiu para otrabalho e eu lhe dei sua comida e arrumei você. É uma sensação esquisita.Nada muito ruim, mas também não muito bom. Estou meio zonza e maiscansadadoqueonormal.

Tãocansada,naverdade,quepreciseimedeitar.Devo ter caídono sonodepoisquepus vocênoberço,porque,quandoabri

meusolhosdenovo,ossinosdaigrejadacidadeestavamtocando.Jáerameio-dia.Metadedodiatinhasepassado.Foiquandodecididescobriroqueestavaacontecendo.Eagoraeusei.

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Nicolas,

Depois que o papai colocou você para dormir hoje, nós nos sentamos navaranda e camos vendo o sol se pôr no mar num esplendor de laranja evermelho. Matt cou acariciando suavemente meus braços e minhas pernas.Adoro esse toquemaisdoquequalqueroutra coisanomundo.Eupodia carassimporhoras.Eàsvezesficomesmo.

Ele temandadomuito empolgadocomsuaspoesias.Ogrande sonhodele éver uma coletânea delas publicada e agora há pessoas mostrando interessenisso. Adoro o entusiasmo na voz dele e por isso o deixei falar sobre seutrabalhoseminterrompê-lo.

Só depois, quando ele havia me contado todas as suas novidades, eu disseafinal:“Matthew,aconteceuumacoisahoje.”

Elesevirounosofáeseendireitou.Estavacomoolharcheiodepreocupaçãoeatestafranzida.

“Ah, não, desculpe”, eu disse, para acalmá-lo. “Aconteceu uma coisa boahoje.”

PudesentirMattrelaxareperceberissotambémemseurosto:“Entãooqueaconteceuhoje,Suzana?Falesobreoseudia.”Olegaléqueoseupapaisemprequerouviroquetenhoadizer.Eleescutae

atéfazperguntas.Algunshomensnãofazemisso.“Bem, às quartas-feiras eu não vou trabalhar a menos que haja uma

emergência. Como não houve nenhuma hoje, graças a Deus, quei em casacomoNick.”

Mattdeitouacabeçanomeucoloemedeixouacariciarseusespessoscabeloscordeareia.Elegostadissoquasetantoquantoeugostodocarinhodele.

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“Issoparecemuito legal.Talvez eu comece a tirar as quartas-feiras de folgatambém”,elebrincou.

“Nãoéumasortepoderpassarasquartas-feirascomoNicky?”Mattpuxoumeurostoparapertododeleemedeuumbeijo.Nãoseiquanto

tempoestanossaincrívelluademelirádurar,maseuaadoroenãoqueroquetermine.Matthew é omelhor amigoque eupoderia querer.Qualquermulherteriamuitasortedeestarcomele.Esealgumdia,quemsabe,issoacontecer,sevocêganharoutramamãe,tenhocertezadequeMattaescolheriamuitobem.

“Foi isso que aconteceu? Você e Nick tiveram um ótimo dia juntos?”,perguntouele.

OlheinofundodosolhosdeMatt.“Euestougrávida.”EentãoMattfezacoisacerta:medeuumbeijosuaveesussurrou:“Euteamo,Suzana.Vamostomarcuidadoparadartudocerto.”“Estábem”,sussurrei.“Voutomarmuitocuidado.”

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Nicolas,

Nãoseiporquê,masavidanormalmenteémaiscomplicadadoqueagenteplaneja.FuiaomeucardiologistadeVineyard,conteiaelesobreagravideze zalguns exames. Então, por recomendação dele, fui a Boston conversar com aDra.Davis.

Nodiadaconsulta,fuiparaotrabalho, queiláporalgumashorasedepois,àtarde,dirigiatéBoston.EunãohaviacontadoaoMattsobreocheckup.Acheiqueelepoderia carpreocupado.Masprometi amimmesmaqueconversariacomeleassimquevoltasse.

Aluzdavarandaestavaacesaquandopareiocarronafrentedagaragemporvoltadassetehorasdaquelanoite.Euhaviameatrasado.MattjáestavaemcasaeavovóJeantinhaidoembora.

Sentiumcheirodeliciosodecomidacaseira:frango,batataassadaemolhodecarneaquecendoacasainteira.Ah,elefezojantar,pensei.

“CadêoNicky?”,perguntei,entrandonacozinha.“Na cama. Ele estava exausto. Parece que vocês dois tiveram um longo dia

hoje,querida.Vocêestásecuidandodireito?”“Estou”,respondi,dando-lheumbeijo.“Naverdadesóatendidoispacientes

hoje.FuiaBostonmeconsultarcomaDra.Davis.”Mattparoudemexeromolho.Elemeencarousemdizernada.Pareceutão

magoadoqueeunãopudesuportar.“Eudeviatercontado,Matthew,masnãoqueriaaborrecervocê.Eu sabiaque

vocêiria carpreocupadoenãoqueriaqueissoacontecesse.SabiaquevocêiriainsistiremirparaBostoncomigo.”

Foiuma frasenervosae sempausa,uma tentativademeexplicar.Oqueeu

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haviafeitonãoeracerto,masnãoeraerradotambém.Mattresolveudeixarporissomesmo.

“E?”,disseele.“OqueaDra.Davisdisse?”MinhamenteretornouaoconsultóriodeGailDavis,devoltaàmacaemquequeisentadaimóvel,emmeioaumanévoadeemoções:Oqueeladisse?Oque

eladisse?“Bem,euconteisobreobebê.”“Certo.”“Eelaficou...elaficoumuitopreocupada.Gailnãogostoudanotícia.”Aspalavrasseguintes carampresasnaminhagarganta,quasemedeixando

sem ar. Eu quase não conseguia falar.Meus olhos se encheramde lágrimas ecomeceiatremer.

“Eladissequeumagravidezéumriscomuitogrande.Dissequenãodevoterestebebê.”

Agora os olhos de Matt também estavam cheios de lágrimas. Ele respiroufundoeentãofalou,rompendoosilêncioentrenós.

“Suzana,euconcordocomela.Nãosuportariaperdervocê.”

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Agoraeuestavachorando,soluçandoetremendomuito.

“Nãodesistadestebebê,Matt.”Olhei para ele esperando alguma palavra de conforto. Mas ele continuou

quieto.Finalmente,sacudiuacabeça:“Sintomuito,Suzana.”Saídecasacorrendo,desorientada.Fuiemdireçãoàpraia,pelarelvaaltaque

brotava da areia. Precisava respirar ar fresco, fugir, car sozinha. Estavaabalada, ofegante, cansada.Havia um rugido enormenaminha cabeça, e nãoeraobarulhodomar.

Deiteinaareiaechorei.Estavamesentindoterrível,triste,inconsolávelpelobebê dentro de mim. Pensei em Matt e em você. Será que eu estaria sendoegoísta,teimosa,boba?Eueramédica.Conheciaosriscos.

Essebebêeraumpresentepreciosoeinesperado.Eunãopodiadesistirdele.Passeiosbraçosemvoltadocorpoe queimebalançando,equilibrandoaquelesentimentopeloquepareceramhoras.Converseicomobebezinhoquecresciadentro de mim. Então olhei para a lua cheia e soube que estava na hora devoltarparacasa.

Matt esperavapormimnacozinha.Pudevê-lo soba luz suave e amareladaenquantovoltavadapraia.Comeceiachorardenovo.

Então z uma coisa estranha, bati à porta eme ajoelhei, nem sei por quê.Talvez porque eu estivesse exausta. Talvez por outro motivo, algo maisimportante,queeuaindanãoconhecia.

Correrparaapraiatinhasidominhareaçãoaosofrimento,masumaatitudeegoístatambém.EunãodeviaterfugidoedeixadovocêeMattsozinhos.

“Meperdoepor ter saídocorrendodaquele jeito”,pediquandoMattabriuaporta.“Porterfugidodevocê.Eudeviaterficadoeconversado.”

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“Você sabe muito bem que não há o que perdoar, Suzana”, sussurrou eleacariciandosuavementemeuscabelos.

Mattmelevantouemedeuumabraço.Fui inundadaporumsentimentodealívio enquanto ouvia seu coração bater forte. Ele apoiou o queixo emminhacabeçaedeixeiocalordeletomarcontadomeucorpo.

“Équenãoquerotirarestebebê,Matt.Issoétãoterrívelassim?”“Não, Suzana, não é. Terrível é a possibilidade de perder você. Eu não

suportariaisso.Nãoconseguiriaviversemvocê.Euteamomuito.AmovocêeoNicky.”

Page 141: O Diário de Suzana para Nicolas - James Patterson

Ah,Nicky,

Àsvezesavidapodeserimplacável.Aprendaisso,meumenino.Eu tinha acabado de voltar para casa depois de passar algumas horas no

consultório. Apenas rotina, nada de mais, nada estressante. Na verdade, euestavamesentindomuitoalegre.

Volteiaochaléparadarumacochiladaantesdeatendermaisumpacienteàtarde.Vocêtinhaidopassarodianacasadavovó.Matttinhaidotrabalhar.

Eu ia dar uma relaxada, tirar uma bela e revigorante soneca. Tinha umaconsultamarcadacomConnienodiaseguinte...sobreobebê.

Caí na cama, sentindo-me zonza de repente. Meu coração acelerou umpouco.Estranho.Acabeça começouadoerdonada.Àsvezes tenhodoresdecabeça quando o clima muda de repente, então achei que fosse isso o queestivesseacontecendo.

Fiquei pensando se deveria esperar até o dia seguinte para conversar comConnie.Talvezeuestivessemesentindomelhordaliaumahoraouquandoachuvafinalmentecomeçasseacair.

Então imaginei que a preocupação quanto à minha saúde já estivessecomeçandoamedeixarneurótica.

Calma, Suzana, disse a mim mesma.Deite-se, feche os olhos e diga ao seucorpopararelaxar.

Osolhos,aboca,opeito,abarriga,osbraços,aspernas,ospés,osdedos.Váparadebaixodocobertorerelaxe.Você só precisa de uma hora, uma pausa. Vai estar se sentindo melhor

quandoacordar.Apenasdurma,durma,durma...

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“Suzana,estátudobem?”

O sussurro deMatt fez eume virar na direção dele. Ainda não estavamesentindomuitobem.Eleseaproximoumais,parecendopreocupado.

“Suzana,vocêconseguefalar,meuamor?”“TenhoumaconsultacomaConnieamanhã”,eudisse,afinal.Foi estranho.Precisei de todas asminhas forças apenaspara articular essas

poucaspalavras.“VocêvaiterumaconsultacomaConnieagoramesmo”,disseMatt.Quando chegamos ao consultório, bastou ela olhar para mim para dizer:

“Comtodoorespeito,masvocêjátevediasmelhores,Suzana.”Elaaferiuminhapressão,colheusangueeumaamostradeurina,depois fez

um eletrocardiograma. Passei por todos os exames atordoada. Estava mesentindoocapordentroebastantepreocupada.

Depois deme examinar,Connie se sentou comMatt e eu. Ela não pareciafeliz.

“Suapressãoestáalta,masaindavailevarumdiaoumaispararecebermosoresultado dos seus exames de sangue.Vou pedir urgência.De certa forma, ascoisasestãoestáveis,masnãomeagradao jeitocomovocêestavasesentindo.Ou a sua aparência. Estou pensando em interná-la e concordo com a Dra.Davis sobreoaborto.Éclaroqueadecisãoé sua,masvocêestácorrendoumgranderisco.”

“Pelo amor de Deus, Connie”, eu disse. “Só não parei de trabalharcompletamente,masestoufazendotodoorestodireitinho.Estousendomuitodisciplinadaecuidadosa.”

“Entãoparedetrabalharcompletamente”,sentenciouela,sempestanejar.“Ésério, Suzana.Não estou gostando do que está acontecendo com você. Se for

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para casa e zer repousoabsoluto, então teremos uma chance.Do contrário,vouterdeinterná-la.”

SabiaqueConnieestavafalandosério.Elasemprefalava.“Estouindoparacasa”,murmurei.“Nãovoudesistirdestebebê.”

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QueridoNicolas,

Desculpe, querido. Já faz ummês desde que escrevi pela última vez. Vocêvemmeocupandobastanteetambémandocansada.Voutentarcompensar.

Aos11mesesdeidade,suaspalavraspreferidassãopapai,mamãe,uau,olha,barco,bola,água(aua),carro eluz–estaéacampeã.Vocêé loucoporluzes.Olhaparaelasediz“uz”.

Você parece um brinquedo de corda ultimamente. A gente o solta e vaiembora.

Eu estava no meio do meu rap “Seja um bommenino” quando o telefonetocou. Era a enfermeira de Connie Cotter, que me pediu para aguardarenquantotransferiaaligação.

Umaeternidadepareceu transcorrerantesqueConnieatendesse.Enquantoisso, você se aproximou e tentou pegar o telefone da minhamão. “Ah, vocêquerconversarcomaDra.Cotter?”,brinquei.

“Suzana?”,disseConnie.“Oi,estouaqui.Emcasaedescansando.”“Suzana...recebemosoresultadodoseuúltimoexamedesangue...”Ah,aquela terrívelpausaqueosmédicos fazemembuscadaspalavrasmais

adequadas.Euaconheçomuitobem.“E... eu não gostei. Você está entrando na zona de perigo. Quero internar

você imediatamente e colocá-la no soro. Vou lhe mostrar os resultados dosexames.Emquantotempovocêachaqueconseguechegaraqui?”

Aspalavras rugiramnaminhacabeçacomouma tempestade, levando todasas minhas forças. Fiquei arrasada. Precisei me sentar imediatamente. Aindacomotelefonenaorelha,coloqueiacabeçaentreaspernas.

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“Nãosei,Connie.EstoucomoNicky.Mattestánotrabalho...”“Nadadisso, Suzana.Vocêpode estar emperigo, querida. Senão ligar para

Jean,eumesmaligo.”“Não,não.Euligo.Vouligaragoramesmo.”Desliguei o telefone e você se agarrou à minha mão com força. Soube

exatamenteoquefazer.Deveteraprendidocomseupapai.Lembrodeterpostovocênoberçoparadormirepuxadoacordinhadacaixa

de música. Começou a tocar “Whistle a Happy Tune”. É tão linda... mesmocomtodoomeunervosismo.

Lembrodeteracendidoasualuznoturnaefechadoascortinas.LembrodeestardescendoaescadaparaligarparaavovóJeaneparaoMatt.Eésódissoquemelembro.

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Mattme encontrouno chão aopéda escada,mole comoumabonecade

pano.Estavacomumcorteprofundoao ladodonariz.Teria roladopor todosos degraus? Ele ligou para a vovó Jean e me levou às pressas para o pronto-socorro.

De lá, fui transferida para a unidade de terapia intensiva. Despertei com osomdaspessoasemintensaatividadeaoredordaminhacama.Mattnãoestavaemlugaralgum.

GriteiporMatteeleeConniechegaramaomeuladoemsegundos.“Você levou um tombo feio, Suzana”, Matt foi explicando. “Desmaiou

enquantodesciaaescada.”“Obebêestábem?Connie,eomeubebê?”“Aindaouvimosbatimentos cardíacos, Suzana,mas a situaçãonão éboa.A

suapressãoestáaltíssima,assuasproteínasestãodisparandoe...”Elafezumapausalongaobastanteparaeusaberquehaviaoutrograndee.“Eoquê?”,perguntei.“Vocêestácomtoxemia.Deveserporissoquedesmaiou.”É claro que eu sabia o que isso signi cava. Meu organismo não estava

conseguindo ltrartoxinaseelasestavamcirculandopelosangue,envenenandoa mim mesma e ao bebê. Eu nunca tinha ouvido falar que isso poderiaacontecernumestágiotãoinicialdagravidez,masConnienãoseenganaria.

Eu ouvia a explicação de Connie como sons desarticulados. Não conseguiamontar as frases naminha cabeça. Parecia que alguma parte domeu cérebronão estava funcionando. Imaginei que podia até sentir o sangue intoxicadocirculardentrodemim,comoseeufosseumarepresaprestesaromper.

Então ouvi alguém mandando Matt sair do quarto e uma equipe deemergênciaentrando.Derepente,haviamédicoseenfermeirasaomeuredor.

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Colocaramumamáscaradeoxigêniosobremeunarizeminhaboca.Eusabiaoqueestavaacontecendocomigo:Meusrinsestavamfalhando.Minhapressãoestavacaindo.Meufígadonãoconseguiadarcontadovenenoquecirculavanosangue.Euestavaentrandoemconvulsão.Injetaramsorocommedicaçãonaminhaveiaparapararasconvulsões,mas

entãocomeçouumahemorragia.Eu sabia que estava apagando. Sabia muito mais do que gostaria de saber.

Estavaassustada, utuandoparaforadocorpoecaindonumtúnelescurocomparedesquepareciamseestreitar,arrancandooardemim.

Euestavamorrendo.

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Matt couaoladodaminhacamadiaenoite.Nãomedeixousozinhaum

minuto e quei preocupada com ele. Nunca o amei tanto. Ele é o melhormarido,omelhoramigoqueumamulherpoderiater.

Connievinhameverconstantemente,trêsouquatrovezespordia.Elaéumamédicamuitodedicadaeumagrandeamiga.

Euaouviaeouviaopapai,sónãoconseguiaresponderanenhumdeles.Nãosabiabemporquê.

Pelo que consegui deduzir das conversas deles, sabia que havia perdido obebê. Se eu pudesse chorar, teria chorado por toda a eternidade. Se pudessegritar,teriagritado.Comonãoconseguiafazernemumacoisanemoutra,sofrinomais terrível silênciodomundo.Atristeza coupresadentrodemimeeuprecisavabotá-laparafora.

A vovó Jean também cou comigo por longos períodos. Assim comomeusamigos e médicos de Vineyard e até mesmo de Boston. Melanie Bone e omarido,Bill,mevisitaramtodososdias.AtémesmoMattWolfeveiomeveresussurroupalavrasgentis.

Escutavafragmentosdoqueaspessoasaomeuredordiziam.“Senão forproblema,quero trazeroNickyaquihojeà tarde”,papaidissea

Connie. “Ele está comsaudadedamãe.Achoqueé importantequeaveja.”Eentão Matt completou: “Nem que seja pela última vez. Acho que eu deviachamaromonsenhorDwyer.”

Matttrouxevocêaomeuquartodehospital,Nicolas.Eentãovocêeopapaicaram sentados ao lado da minha cama a tarde toda, contando histórias,

segurandoaminhamãoedespedindo-se.Ouvia a voz de Matt falhando e cava preocupada com ele. O pai dele já

morreu hámuito tempo,Matt tinha apenas 8 anos,mas ele nunca superou a

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perda.Elenemfalasobreopai.Temmuitomedodeperderalguémdenovo.Eagoraeraamimqueeleestavaprestesaperder.

Eu cavaapenasesperandoali–oupelomenoseuacreditavaestarali.Queoutraexplicaçãopoderiahaver?

Comoeupoderia terouvidoseuriso,Nicky?Ouvocêdizendo“mama”paramimnaescuridãodomeusono?

Maseuouvi.Asuavozinhadocepenetrounomeuabismoemeencontrounolugarescuro

e profundo em que estava presa. Foi como se você e o papai estivessem meacordando de um sonho estranho, como se suas vozes fossemum farol ameguiar.

Esforcei-meparasubir,paravoltar,paraalcançarosomdassuasvozes...paracima,paracima,paracima.

Euprecisavavervocêeopapaimaisumavez...Precisavafalarcomvocêsmaisumavez...Então senti um túnel escuro fechando-se atrás de mim e achei que talvez

tivesse encontrado a saída daquele lugar solitário. Tudo estava cando maisiluminado.Jánãohaviaescuridãoaomeuredor,apenasraioscálidosetalvezaluzacolhedoradeMartha’sVineyard.

Euestavanocéuantes?Tinhachegadoaocéuagora?Qual eraa explicaçãoparaoqueestavasentindo?

Eaíoinesperadoaconteceu.Euabriosolhos.“Oi,Suzana”,Mattsussurrou.“GraçasaDeusvocêvoltouparanós.”

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HAVIAUMLIMITE de leituradodiárioqueKatieconseguiasuportarporvez.Mattaalertarasobreissonobilhete:algumaspartesprovavelmenteserão

difíceis de suportar. Agora Katie sabia que não era apenas difícil, masavassalador.

Estavapassandoporummomentoemquecomeçavaaduvidarquehouvessefinaisfelizesnavidareal,mashavia.

Existiamcasaisnormaiseequilibrados,comoseusamigosLynnePhilBrown– que moravam em Westport, Connecticut, numa pequena chácara muitocharmosacomseusquatro lhos,doiscachorroseumcoelho–, que,atéondeelaeseuscolegassoubessem,continuavamapaixonados.

Nodia seguinte,Katie ligouparaLynnBrowne seofereceuparacuidardascrianças naquela noite, uma oferta imperdível. Elaprecisava passar um tempocomosBrown.Precisavadocaloredoconfortodeterumafamíliaporperto.

Lynndesconfiouimediatamente.–Katie,oquehouve?Oqueestáacontecendo?–Nada. Só estou com saudadede vocês.Pensenisso comoumpresentede

pré-aniversáriodecasamentoparavocêePhil.Acavalodadonãoseolhamosdentes.JáestounaestaçãoGrandCentral,acaminhodaí.

ElapegouotremparaWestportechegouàcasadeLynnePhilàssete.Pelomenosnãotinhaprecisadoficaratétardenoescritório.

Ascrianças–Ashby,Tory,KelseyeRoscoe–tinham,naordem,8,5,3e1ano. Eles adoravam Katie, achavam-na maravilhosa. Amavam sua trançacompridaeofatodeelasertãoalta.

EntãoLynnePhil saírampara seu“encontroromântico”eKatie coucomascrianças.Naverdade,nãosentiaqueestivessefazendoumfavoraosamigos,mas incrivelmente grata a Lynn e Phil por “aceitarem-na”. Eles haviam

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conhecidoMatt Harrison e gostado dele. Estavam a par de boa parte do quehavia acontecido entre ele e Katie. Também não conseguiam entender nada.AntesLynnachavaqueKatieeMattestariamcasadosatéofinaldoano.

Anoitefoiótima.OsBrowntinhamumacasinhadehóspedesquePhilviviaplanejando reformar. Era aonde Katie sempre ia para brincar com os quatropequenos. Eles se divertiam brincando com ela, escondendo sua mala e suasroupas ouusando suasmaquiagens.Katie tirou fotos das crianças, depois eleslavaram juntos a caminhonete de Lynn, andaram de bicicleta, assistiram a Afugadasgalinhasecomerampizza.

QuandoLynnePhil chegaramemcasapertodas11danoite, encontraramKatieeascriançasdormindosobrealmofadasecolchasespalhadasnochãodacasadehóspedes.

Naverdade,elaestavaacordadaeouviuLynnsussurrandoaomarido:–Elaéomáximo.Vaiserumaótimamãe.IssofezosolhosdeKatieseencheremdelágrimaseelatevequesufocarum

soluçoenquantofingiadormir.Katie counacasadosBrownatésábado,quandopegouo tremdas18hde

volta a Nova York. Antes de ir embora, contou a Lynn que estava grávida.Sentia-se cansada de tanto brincar,mas também viva de novo, rejuvenescida.En m, estava melhor. Acreditava nos pequenos milagres de todos os dias.Tinhaesperança.Sabiaquehaviafinaisfelizesnavidareal.Tinhafénafamília.

Maisoumenosnametadedaviagem,Katietirouodiáriodedentrodabolsa.

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ELADESCEUDOTREMdeWestportnaestaçãoGrandCentral,quehavia sidorestauradaeestavasimplesmentelinda.Passavaumpoucodasseteemeia

danoiteeelaprecisavacaminharumpouco.Manhattanestavacongestionada,principalmentedetáxisoucarroscommotoristas játensos,buzinandonavoltadofimdesemana.

Elatambémestavatensa.Odiáriofaziaissocomela.Aindanãotinhaarespostadequeprecisavaparatocarsuavidaadiante.Não

haviasuperadoMatt.EnãohaviasuperadoSuzanaeNicolas.Estava pensando emuma coisa que havia lidono começo do diário, a lição

das cinco bolas: trabalho, família, saúde, amigos e integridade.O trabalho eraumaboladeborracha,certo?

Depoisdedescobririsso,Suzanahaviaassumidoocontroledaprópriavidaeconseguido a tranquilidade que buscava. Ela conseguira se libertar de tudo:trabalho,estresse,pressão,prazos,discussões,multidões,brigasdetrânsito.

Termergulhado na realidade de outra pessoa levaraKatie a reavaliar o quevinhafazendonopilotoautomáticoao longodosúltimosnoveanos.Elahaviaconseguido aquele emprego aos 22 anos, logo depois de se formar pelaUniversidade da Carolina do Norte de Chapel Hill. Havia tido a sorte deestagiardurantedoisverõesnumaeditoraemChapelHill,oqueabriraportasimportantesparaelaemManhattan.

Tinha se estabelecido emNovaYork cheia de planos e haviamuitas coisasque adorava na cidade. Ainda assim, nunca se sentia em casa, nunca seconvenciadequeeraaqueleolugaremquedeveriaestar.Àsvezes,aindaseviacomoumaturistanacidade.Umaturistaaltaedesajeitada.

Agora imaginava que talvez soubesse o porquê disso. Sua vida estavadesequilibradahaviamuito tempo.Elapassaramuitasmadrugadasno trabalho

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ouemcasa,lendoeeditandomanuscritos,tentandodeixá-losdamelhorformapossível. Era um trabalho recompensador, maso trabalho era uma bola deborracha.

Família,saúde,amigoseintegridadeeramasbolasdevidropreciosas.Obebêqueestavadentrodelacertamenteeraumaboladevidro.

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NAMANHÃ SEGUINTE, pertodas 11horas, pegouum táxi comduasde suasmelhoresamigas,SusanKingsolvereLaurieRaleigh.Estavamacaminho

deseuginecologista,oDr.AlbertK.Sassoon,naRua78Leste.Susan e Laurie foram com ela para dar apoiomoral. Sabiam da gravidez e

insistiramemirjunto.CadaumaseguravaumadasmãosdeKatie.– Você está bem, querida? – Susan perguntou. Ela trabalhava como

professora do ensino fundamental no Lower East Side.Haviam se conhecidoquando Katie passara uns dias numa casa de veraneio nos Hamptons.Tornaram-seamigasdesdeentão.Katie tinha sidomadrinhadecasamentodeSusanedepoisdeLaurie.

–Estou.Claroquesim.SónãoconsigoacreditarnascoisasqueaconteceramnosúltimosdiasouqueeuestejaindoaoSassoonagora.

Deus,porfavor,meajude.Porfavor,medêforças.Quando desceu do táxi, Katie se descobriu encarando inexpressivamente

pedestresefachadasdeprédiosconhecidosnaRua78Leste.OquediriaaoDr.Sassoon?QuandoKatieestiveraalinoúltimocheckupanual,Albert carafelizaosaberqueelaestavanamorando.Eagoraisto.

Tudo era um borrão para ela, embora Susan e Laurie estivessem fazendotodososesforçosparaanimá-la.

–Oquequerquevocêdecida–LauriesussurrouquandoKatie foichamadaparaoconsultóriodoDr.Sassoon–,vaidartudocerto.Vocêémaravilhosa.

Oquequerqueeudecida.MeuDeus,simplesmentenãoconsigoacreditarqueissoestejaacontecendo.

AlbertSassoonarecebeucomumsorrisoeissofezKatiepensaremSuzanaeseujeitogentildetratarospacientes.

–Eentão?–disseoDr.SassoonquandoKatieseacomodou.

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– Então. Eu estava tão apaixonada que parei de usar o anticoncepcional. Eengravidei–disseKatie,dandoumarisada.

EntãocomeçouachorareAlbertseaproximoudelaeapoiousuacabeçanopeitodele.

–Estátudobem,Katie.Estátudobem.Estátudobem.–Achoqueseioquevoufazer–Katie nalmenteconseguiudizerentreum

soluçoeoutro.–Acho...quevou...ter...obebê.–Issoéótimo,Katie–disseoDr.Sassoon,dandotapinhasgentisnascostas

dela.–Vocêvaiserumamãemaravilhosa.Vaiterumfilholindo.

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Nicolas,

Hoje voltei do hospital. Émaravilhoso estar em casa. Nossa, sou amulhermaissortudadomundo.

Fico vendo todos esses cômodos tão familiares, seu quartinho perfeito, aforma como a luz da manhã se derrama pelas janelas e ilumina tudo nocaminho.Comoéemocionanteestardevoltaaqui.

A vida é um grandemilagre, uma série de pequenosmilagres a cada dia.Agentesóprecisaaprenderaolharparaelasobaperspectivacorreta.

AdoroonossochalezinhonaBeachRoadmaisdoquenunca,Nicky.Gostodelecadavezmais,decadafrestinhaerachadura.

Matt preparou um almoço delicioso para nós. Ele é um cozinheiro muitobom, tão hábil com uma espátula e uma frigideira quanto é com pregos emartelo. Ele colocou umamanta xadrez vermelha e branca no solário e nószemos um piquenique lá. Saladaniçoise, pão integral, chá gelado.Maravilha.

Depoisdoalmoço,nós três camossentados lá,elesegurandoaminhamãoeeusegurandoasua.

Nicolas,SuzanaeMatt.Afelicidadeésimplesassim.

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Nick,seumalandrinho,

Cadamomentocomvocêmesurpreendeemeenchedealegria.Ontem,dia1odejulho,leveivocêparaentrarnomarpelaprimeiravez.Você

simplesmente adorou. A água estava ótima, com ondas bem pequenas, ideaispara o seu tamanho. E a praia em si estava aindamelhor, sua caixa de areiaparticular.

Vocêeratodosorrisos.Eeutambém,éclaro.Quando chegamos em casa, por acaso mostrei a você uma foto de nossa

vizinhaBaileyMaeBone,quetem2anos.Vocêcomeçouasorrireentão jogouumbeijinho.Vocêvaisedarmuitobemcomasmeninas.Massejalegal,comoseupapai.

Vocêtembomgosto.Adoraolharparacoisasbonitas:asárvores,omare...fontesdeluz,éclaro.Vocêtambémgostadebatucarnasteclasdonossopiano,oqueéumagraça.

Evocê adoralimpar.Saiempurrandoumaspiradordepódebrinquedopelacasaepassatoalhasdepapelporqualquermanchinhaqueencontre.Talvezeupossatirarvantagemdissoquandovocêforumpoucomaisvelho.

En m, você é uma grande alegria. Cada sorriso seu, cada risada, cadachorinhodedengoficamguardadosnomeucoração.

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“Acorde,linda.Euamovocêaindamaishojedoqueamavaontem.”

É assimqueMattme acorda todas asmanhãs desde que voltei do hospital.Mesmo que eu ainda esteja com sono, não me importo de ser despertadaquandoéporsuavoztranquilamedizendoessaspalavrasdoces.

Comalgumassemanasemcasa,sentiqueiarecuperandoasforças.Comeceia fazer longas caminhadas na praia em frente ao chalé. Até atendi algunspacientes.Fizmaisexercíciosdoquedurantetodaaminhavida.

Outras semanas sepassarameme fortaleci aindamais. Fiquei orgulhosademimmesma.

Numamanhã,acordeicomMattdepéao ladodacamacomvocênocoloeum sorriso nos lábios. Na verdade, vocês dois estavam sorrindo. Logo farejeiumaconspiração.

“Agoraéo cial!O mdesemanaprolongadodafamíliaHarrisoncomeçou.Acorde,linda.Euteamo!Masjáestamosatrasadosparaodiadehoje.”

“O quê?”, perguntei, olhando pela janela do quarto. Ainda estava escuro láfora.

Vocêfinalmenteolhouparaseupaicomoseeletivesseficadocompletamentemaluco.

“Pode descer, lhote”, disseMatt, botando você em cima da cama, aomeulado.Entãoolhouparamimeanunciou:“Façaassuasmalas.Nósvamosviajar.Levetudooqueprecisarparatrêsdiasdeglória,Suzana.”

Euestavaapoiadanoscotovelos,encarandoMattcomcuriosidade.“Trêsdiasdeglóriaonde?”“Fiz uma reserva para nós no Hob Knob Inn, em Edgartown. Tem camas

kingsize,cafédamanhãcolonialechádatarde.Vocênãovaiprecisarlevantarumdedo,lavarumpratoouatenderumtelefonema,Suzana.Oqueacha?”

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Acheimaravilhoso.Exatamenteoqueeuprecisava.

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Estaéumahistóriadeamor,Nicolas,minha,suaedopapai! Elacontacomo

a vida pode ser boa quando se está com a pessoa certa. Fala de como énecessárioaproveitarcadainstantecomessapessoaespecial.Cadamilésimodesegundo.

Nossos três dias de aventura começaram no carrossel Flying Horses, ondemontamoscavalosencantadosecircundamosasaltascolinasdeOakBluffs.Láestávamos nós,montando os pôneis sob aquele belo teto colorido, como nosvelhostempos.Quebarato!

Fomos a praias a que não íamos hámuito tempo: Lucy Vincent, na SouthRoad,QuansooeHancock,praiasparticularesnasquaisMatt,dealgumaforma,conseguiuautorizaçãoparaentrarmos.

CaminhamosdemãosdadaspelapraiaLighthouseepelaLobsterville–alémdaminhapreferida:aBendintheRoad.

Comofoirevigoranteestarnaquelaspraiasdenovocomopapaiecomvocê.Aindaconsigovisualizá-lasenosverpasseandoporelas.

AndamosdecarroçanafazendaScrubbyNeckevocênãoparouderir.Deucenourasaoscavaloseriutantoque queicommedodequefossepassarmal.Estavaencantadopelascrinasdoscavalos.

Nóscomemosemtodososmelhoresrestaurantesdaregiãotambém.ORedCat,oSweetLifeCafé,oL’Etoile.

Vocêpareciaumrapazinhosentadoemseucadeirão,tãocrescido,sorrindoàluzdevelas.

AssistimosaRumpelstiltskinno an teatroTisbury e fomos a uma contaçãodehistóriasnoteatroVineyard.Vocêsecomportoumuitobem.

Pertodeondeestávamoshospedadoshaviauma lojadeartesanatochamadaSplatter, onde nós mesmos zemos nossas xícaras e pires. Você usou azuis

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fortes e amarelos bem clarinhos para decorar seu prato com manchas quededuzimosquerepresentavamopapai,vocêeeu.

Eentãochegouahoradevoltarmosparacasa.

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Nicky,

Vocêselembradealgumacoisadisto?Quandoviramosaúltimacurvanavoltaparacasa,vimoscarrosestacionados

de todas as maneiras ao longo da Beach Road. Muitos outros automóveis,utilitáriosecaminhõesseguiamaténossaentradadecarros,masoestranhofoiqueaentradanãoestavamaislá.

No lugar dela havia um anexo. A nova entrada cava do outro lado,exatamentecomoseupapaihaviaprometido.

“Oqueétudoisto?”,pergunteiaMatt,surpresa.“Umapequena reforma, Suzana.Ouo humilde começode uma reforma. É

seu novo consultório. E tem tudo que o antigo não tinha. Agora você nãoprecisa sair tantas vezes de casa para atender.Ounem precisa sair. Está tudobemaqui,nonossoquintal.Etematévistaparaomar.”

Quandodescemosdocarro,dezenasdosnossosamigosecolegasdetrabalhodeMattestavamnogramadoparanosrecebercomaplausos.Vocêcomeçouabaterpalmastambém,Nicky.

“Suzana!Matt!”,nossosamigoscantavamnoritmodaspalmas.Euestavaboquiaberta,muda,boba.Eleshaviampassadoosúltimostrêsdias

trabalhandoparacriaraqueleespaçoinacreditável.“Ainda preciso fazer a parte elétrica e a hidráulica”,Matt disse em tom de

desculpas.“Istoédemais”,eudisse,dando-lheumabraçoapertado.“Não”,elesussurrouemresposta.“Nãoénemosu ciente,Suzana.Sóestou

muitofelizdetervocêemcasa.”

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Nicolas,meudoceNicolas,

Tudo parece estar entrando nos eixos de novo. O tempo realmente passavoando.Amanhãvocêfaz1ano!Nãoéomáximo?Puxa!

O que eu posso dizer além de que é uma bênção acompanhar seucrescimento, ver seu primeiro dente nascer, estar por perto enquanto vocêcomeçaaandar,aensaiarasprimeiraspalavras,aconstruirpedaçosdefrasesedesenvolversuapersonalidade?

Estamanhãvocêdescobriuasbotasdetrabalhoqueopapaiguardanapartede baixo do closet.Quando saiu lá de dentro, você estava calçado com elas emorrendo de rir. Daí eu caí na gargalhada e o papai entrou e começou a rirtambém.

Nicolas,SuzanaeMatt!Quetrio.Nósvamoscomemorarseuaniversárioamanhãmesmo.Jáprovidencieiseus

presentes.Umdeleséumquadrocomfotosdasnossas férias.Escolhiasduasmelhoresemandeiemoldurar.

Nãovoudizerqualéaminhapreferida.Vaisersurpresa.Masvoudizerqueelaestaránamolduraprateadaquetemluas,estrelaseanjos.Éasuacara.

Estáquasenahoradecantar“Parabénsparavocê”!

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Nicolas,

Jápassadameia-noite, entãoéo cialmente seuaniversário.Viva!Parabéns!Opapaieeuestamosbancandoosbabões.Nãoconseguimosresistir:demosasmãoseentramosdemansinhonoseuquarto.Ficamosobservandovocêdormire jogando-lhebeijinhos.(Vocêtambémjásabefazer isso,éummeninomuitoesperto.)

Opapailevouumdosseuspresentes:umCorvetteconversívelvermelho,queelepôscomcuidadoaopédoseuberço.Vocêsdoissãoloucosporcarros.Devesercoisademenino,essapaixãoporvelocidade.

Mattheweeunosabraçamosenquantoolhávamosvocêdormir–oqueéumdos maiores prazeres do mundo.Não perca a chance de velar o sono de seusfilhos.

Então z uma travessura e puxei a cordinha da sua caixa de música, paratocar “Whistle a Happy Tune”. Matt e eu dançamos ao som dela. Acho quepoderíamoster cadoalianoitetoda,abraçados,vendovocêdormir,dançandoacançãoquesemprevaifazercomquemelembredevocênoberço.

Vocênãoacordou,masumsorrisoveioenfeitarseurosto.“Não é uma sorte?”, sussurrei para Matt. “Isto não é a melhor coisa que

poderiaaconteceraumapessoa?”“É,sim,Suzana.Étãosingeloetãobom.”Depois o papai e eu fomosnos deitar e zemos a segundamelhor coisa do

mundo.Mattacaboucaindonosononosmeusbraços–osrapazesfazemissoquando realmente gostamda gente – e eume levantei para escrever isto paravocê.

Euteamo,meuamor.Agentesevêpelamanhã.Malpossoesperar.

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Olá,meudoceNicolas,éopapai.

Eujádissequantoteamo?Jádissequantovocêépreciosoparamim?Pronto– agora disse. Você é o melhor menininho do mundo, o melhor lho quealguémpoderiadesejar.Euteamomuito.

Ontemdemanhã aconteceu uma coisa. E é por isso que sou eu quem estáescrevendoparavocêemvezdamamãe.

Sintoqueprecisoescrever.Nestemomento,aúnicacertezaemminhavidaéadequeprecisobotaristoparafora.Precisofalarcomvocê.

Pais e lhos precisam conversar.Muitas pessoas têmmedo de demons trarsuas emoções, mas não quero que isso aconteça entre nós. Quero poder lhedizeroqueestousentindosempre.Comoagora.

Masestásendomuitodifícil,Nicky.Acoisamaisdifícilquejátivededizeraalguém.

Amamãeestavaindobuscarseupresentedeaniversário,assuaslindasfotosemolduradas.Elaestavatãofeliz.Linda,bronzeadaemuitoemformaporcausadas caminhadas na praia. Lembro-me do momento em que ela saiu. Nãoconsigotiraressaimagemdaminhacabeça.

Suzanaestavacomumsorrisoradiantenorosto.Vestiaummacacãoamareloe uma camisa branca leve. Seus cachos louros balançavam conforme elacaminhavacantarolandoasuamúsica,“WhistleaHappyTune”.

Eudeviateridoatéela,abraçado-a,dadoumbeijodedespedida.Massógritei“Teamo”e,comoamamãeestavacomasmãosocupadas,elasó mejogouumbeijo.

Não paro de visualizar Suzana me jogando aquele beijo. Eu a vejo seafastando,olhandoparatrásedandosuafamosapiscada.Pensarnisso,naquela

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piscadadivertidadela,mefazchoraragora,enquantotentoescrever.Ah,Nicky,Nicky,Nicky.Comovoudizerisso?Comovouescreverisso?Filho,amamãeteveuminfartoacaminhodacidade.Ocoraçãodela,queera

tãograndeetãoespecial,nãoaguentoumais.Não consigo aceitar que isso realmente tenha acontecido. Não entra na

minhacabeça.DisseramqueelaestavainconscientequandobateunacercadeproteçãodaOldPondBridgeRoad.O Jeepdela caiu e bateude ladona água.Nãofuiolharolocaldoacidente.Éumaimagemquenãoprecisoternaminhacabeça.Oqueeuvejojábasta.

ADra. Cotter disse que Suzana teve um infarto fulminante emorreu semsofrer, mas quem pode garantir isso? Espero que ela não tenha sentido dor.Detestopensarquepossatersentido.Seriacrueldemais.

Ela estava incrivelmente feliz na última vez em que a vi. Estava tão linda,Nick.Ah,meuDeus,eusóqueriaverSuzanaumaúltimavez.Épedirmuito?Éabsurdo?Nãoachoqueseja.

Maséimportanteparamimquevocêsaibaquenãofoiculpadamamãe.Elaera uma motorista muito cuidadosa, jamais teria corrido qualquer risco. Eusempreimplicavacomelasobreseujeitodedirigir.

Eu a amava demais e não tenho palavras para explicar como é uma sorteencontraralguémquesepossaamartantoeque–amaiorfelicidadedetodas–amevocêcomamesmaintensidade.

Ela foi a pessoa mais generosa que conheci, a mais carinhosa e solidária.Talvezoqueeumaisgostassenelafosseofatodeescutarcomtantaatençãooque lhedizíamos.Eela eradivertida.Seique fariapiadade tudo isso.E talvezesteja fazendo.Você está sorrindo agora, Suzana? Gosto de pensar que sim.Acreditoquesim.

HojefuiaocemitérioemAbel’sHillescolherumlugarespecialparamamãe.Ela só tinha 37 anos. Que coisa mais triste e inconcebível para mim e paratodososque a conheceram.Quepena,quedesperdício.Às vezes eu co commuita raiva e sinto uma vontade irracional de quebrar tudo . Não sei de ondeissovem.

Jáénoiteeestousentadonoseuquartoobservandoseuabajurdepalhacinhoformar sombras engraçadas na parede. O cavalinho de madeira que z paravocê me faz pensar no carrossel Flying Horses. Lembra quando fomos eandamosnoscavaloscoloridos?Nicolas,SuzanaeMatt.

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Eucoloqueivocênaminhafrenteevocêadoroumexernacrinafeitadepelosde cavalo de verdade. Posso ver amamãe andando na égua à nossa frente, amesmaemqueandaranaprimeiravezque fui lácomela.Suzanaseviraparanóseláestásuafamosapiscada.

Ah,Nick,comoeugostariadepodervoltarotempoatéasemanapassada,ouomês passado, ou o ano passado. Pensar num amanhã é quase insuportávelparamim.Comoeuqueriaquetivessehavidoum nalfeliz.Queriapoderdizersómaisumavez:Nãoéumasorte?

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Nickquerido,

Tem uma imagem de Suzana que não para de voltar à minha mente. Elamostraquemsuamamãefoieoqueeratãoespecialeúnicoaseurespeito.

Ela está ajoelhadanaminha frentenavarandaumanoite.Estámepedindoperdão,emboranãohajanadaaserperdoado.Naverdade,eraeuquemdeveriaestarpedindoperdãoaela.Elahaviarecebidoumanotíciamuitotristenaqueledia, mas, no m, só conseguia pensar em como poderia ter me magoado.Suzanasemprepensavanosoutrosprimeiro,masprincipalmenteemnósdois.MeuDeus,comoelanosmimou,Nicolas.

Hojeàtarde,umtelefonemainesperadomedespertoudemeuspensamentosedevaneios.

Eraparaamamãe.Claroqueapessoanãofaziaideiadoquehaviaacontecido.Foiaprimeiravez

que estaspalavras estranhas e terríveis saíramdaminhaboca, comochumbo:“Suzanafaleceu.”

Houve um longo silêncio do outro lado da linha, seguido por pedidos dedesculpas e condolências nervosas. Era o dono da loja demolduras no outroladodailha.Amamãenuncahaviaconseguidochegarláeasfotosqueelahaviamandadoemoldurarparavocêaindaestavamnaloja.

Disseaohomemqueiriabuscá-las.Dealgumaforma,fariaisso.Eumesintodesorientado.Háumvaziodentrodemimeàsvezesparecequeeupoderiamedesfazercomoumafolhadesedaeserlevadopelovento.Outrasvezes,écomosehouvesseumacolunadepedradentrodomeupeito.

Antes eu não conseguia chorar, mas agora choro o tempo todo. Ficopensandoqueminhaslágrimasvãosecar,masnãosecam.Eucostumavaachar

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quehomemnãochora,masagoraseiqueissonãoéverdade.Fico vagando pela casa, de um cômodo para outro, tentando

desesperadamente encontrar um lugar em que consigame sentir em paz. Dealguma forma, sempre acabo voltando para o seu quarto e me sentando namesma cadeira de balanço em que a mamãe cava conversando com você,lendohistóriasouinventandoseusversosbobos.

Éondeestouagora,olhandoparaasfotosquefuibuscarhoje.VendonóstrêssentadosnafrentedocarrosselFlyingHorsesnumatardeperfeitadecéuazul.Vocêestáencaixadoentrenós,Nick.Amamãeestácomosbraçosemvoltadevocê e as pernas enroscadasnasminhas.Você está dandoumbeijonela e euestou fazendo cócegas em você. Nós três estamos rindo e a cena ésimplesmentelinda.

Nicolas,SuzanaeMatt:parasempreum.

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Estánahoradelhecontarumahistória,Nick.Éumahistóriaquevoucontar

sóparavocê.Ficasóentrenósdois.Dehomemparahomem,meucompanheirinho.Naverdade,éahistóriamais tristeque jáouvieamais tristeque jácontei.

Ela me deixa com di culdade de respirar. Faz com que eu trema como umafolhaaovento,medáarrepios.

Muito tempo atrás, quando eu tinha apenas 8 anos, meu pai estavatrabalhando e morreu de repente. Não podíamos imaginar que isso fosseacontecer, então nunca nos despedimos. Amorte domeu paime assombroudurante anos. Eu tinha muito medo de perder outra pessoa assim de novo.Achoquefoiporissoquenãomecaseimaiscedo,antesdeconheceraSuzana.Eutinhamedo,Nicky.Ograndeefortepapaitinhaummedoterríveldeperderalguémque amasse. Esse é um segredo que não havia contado a ninguém atéconhecerasuamãe.Eagoraconteiavocê.

Puxo a corda da caixinha de música no seu berço e ela começa a tocar“Whistle a Happy Tune”. Adoro essamúsica, Nicky. Elame faz chorar, masnãomeimporto.Adoroasuamúsicaequeroescutá-ladenovo.

Estendoamãoparadentrodoberçoetocoasuabochechinha.Mexonosseuscabelosdourados,sempretãomaciosecheirosos.Éumapena

queeunãotenhadadoouvidosàmamãequandoeladisseparanãocortá-los.Dou-lhe um beijinho de esquimó, tocando gentilmente meu nariz no seu.

Faço issodenovo e você abreum sorrisomaravilhoso.Um sorriso seu vale omundointeiroparamim.

Ponho os indicadores nas suas mãozinhas e deixo que os aperte. Você émuitoforte,companheirinho.

Ouçoasuarisadalindaeelaquasemefazrir.

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“WhistleaHappyTune”continuatocando.Ah,meumenininhoqueridoeadorado.Ah,meufilhoamado.Amúsicaestátocando,masvocênãoestánoseuberço.Lembro-medamamãe saindonaquelamanhã.Eu gritei “Te amo” e elame

jogou um beijo. Então mexeu o nariz como sempre fazia. Você sabe como,conhece aquela expressão dela.Depois elame deu sua famosa piscada.Aindapossovê-la.PossoverSuzana.

Ela estava com os braços ocupados. Estava carregandovocê, meu lhoquerido. Queria que você fosse o primeiro a ver as fotogra as que haviamandadoemoldurar.Foiporissoqueolevoucomelaatéacidadenamanhãdoseuaniversário.

Suzanaocolocounocarroeoprendeucuidadosamentenacadeirinha.VocêestavanoJeepcomamamãequandoelabateunaOldPondBridgeRoad.Vocêsdoisestavamjuntos.Aindanãoconsigosuportarpensarnisso.

Eudeviaestarlá,Nicolas.Eudeviaestarcomvocêeamamãe!Talvezpudesseter ajudado. Talvez de alguma forma tivesse conseguido salvar vocês. Pelomenosteriatentado,eissosignificariamuitoparamim.

Ah,meupequeno,precisoouvir sua risadadenovo.Queromuitoolharnosseuslindosolhosazuis,encostarsuabochechamacianomeurosto.

Ah,meumenininhoquerido,minhacriança inocente,meu lhinhoeterno.Sintotantoasuafalta!Dóidemaissódepensarquevocênuncavaisaberoquesinto,nuncavaiouvirquantoopapaioama.Sintotanta,tanta,tantas audade,meuamor.Semprevousentir.

Masnãoéumasortequeeuotenhaconhecido,abraçadoeamadoduranteos12mesesqueDeuspermitiuquevocêficasseaqui?

Nãoéumasortequeeutenhaconhecidovocê,meufilhotãoqueridoeamado?

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KATIEERGUEULENTAMENTEorostoparaotetodobanheiroefechouosolhoso mais apertado que pôde. Um gemido baixo escapou de sua garganta.

Lágrimas se acumularam sob suas pálpebras e rolaram pelo rosto. Estavaofegante.Passouobraçoemvoltadesi.

MerlincomeçouaganirnaportaeKatiesussurrou:–Estátudobem,amigão.Ador crescia dentro dela como se ferro embrasa lhe cortasse os pulmões.

Ah,meuDeus,porquedeixouumacoisaassimacontecer?Por m,Katie abriuosolhos.Mas conseguia enxergar atravésdas lágrimas.

Havia um envelope preso ao diário, na última página. Dizia, simplesmente,Katie.

Secou as lágrimas com as duas mãos. Respirou fundo, para se acalmar.Respiroudenovo.Nãoajudoumuito.Por mabriuoenvelopebrancosimplesendereçadoaela.

Seus dedos tremiam enquanto ela desdobrava a carta. Estava escrita com aletradeMatt.Aslágrimasvoltaramacairquandoelacomeçoualer.

Katie,queridaKatie,Agoravocêsabeoqueeunãoconseguicontaravocêdurantetodosesses

meses.Agoraconhecemeus segredos.Euquis contar,praticamentedesdeodia em que nos conhecemos. Venho sofrendo hámuito tempo e nadamereconfortava.Porissoescondimeupassadodevocê.Logodevocê.

Há versos de um poema sobre barcos de pesca e suas tripulaçõesentalhados na Docks Tavern, em Vineyard: “Os barcos tão esperados/chegamvazios ouafundamnas profundezas./E os olhos primeiro perdemas lágrimas/ e depois o sono.” Vi esses versos uma noite quando nãoconseguia mais chorar nem dormir. A terrível verdade deles quase me

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esmagou.Matt

Foitudooqueeleescreveu.Katieprecisavademais.PrecisavaencontrarMatt.

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ELA ERA FORTE. Vencera seusmedos para irmorar emNova York sozinha.Sempretiveraacoragemdefazeroqueerapreciso.

AprimeiracoisaquefezpelamanhãfoipegaraponteaéreaparaBoston.DoAeroporto Logan, seguiria num carro commotorista atéWoodsHole e de lápegariaoferryparaMartha’sVineyard.

ChegouaoterminalemWoodsHole,comprouumapassagemeentrounumabalsadedoisandareschamadaIslander.

PrecisavafalarcomMatt.Eraerradonãodeixarqueelesoubessedetudo.Erasimplesmente errado. Ela não conseguiria viver assim. Matt precisava sabersobreobebê.

KatiepensouemSuzanaeemsuachegadaaVineyardduranteos45minutosdotrajetode11quilômetros.ImaginouseSuzanatambémhaviaestadoabordodo Islander. Lembrou-se das últimas palavras que escrevera para Nicolas: Agentesevêpelamanhã.Malpossoesperar.

De repente sedeu contadequenãohavia levadonenhummanuscritoparalernocaminho.Otrabalhoéumaboladeborracha,pensou.É,sim.

E ela teria perdido muita coisa se houvesse levado trabalho para fazer: osgolpes ritmados das ondas contra o velho casco da balsa, a graciosa ilha deMartha’s Vineyard se aproximando cada vezmais, a leve sensação de náuseatodavezqueumaondagrandebatianobarco.

Matt eraumabola de vidro. Ele estava arranhado,marcado, trincado,mastalveznãoestivesseestilhaçado.Outalvezestivesse.

Masnuncasaberiasenãofosseatrásdele.Com oIslander chegando cada vez mais perto de Vineyard, Katie não

conseguia tirar os olhos do terminal. Era uma construção cinza de um andarrevestida emmadeira que parecia ter 100 anos.A praia cava numdos lados

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deleeacidadezinhadeOakBluffsnooutro.Seuolharpercorreuoterminal,apraia,acidade...àprocuradeMatt.Nãooencontrouemlugaralgum.

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OS PRÉDIOS DE OAK BLUFFS começavam do outro lado da rua em frente aoterminal do ferry. Havia vários táxis coloridos, mas, é claro, Matt não

estavaláesperandoporela.Sequersabiadesuachegada.E,sesoubesse,talveznemtivesseidorecebê-la.

Katiefoiandandoemdireçãoaopontodetáxi.Derepentesentiuocoraçãodar um pulo. Avistara a Docks Tavern. Seria um sinal? Tinha de signi caralgumacoisa.Então,emvezdepegarumtáxi,seguiuparaobar.

MattestarianaDocksTavern?Erabemprovávelquenão,mas,dequalquerforma, tinha sido lá que ele leraos versosquemandarana carta junto comodiário.

Lá dentro estava escuro e enfumaçado, mas bastante agradável. Um velhojukebox tocava uma música de Bruce Springsteen. Havia uns 10 clientessentadosnobareváriaspessoasnascabinesdesgastadasdemadeira.Amaioriaolhouparaelaquandoentrou.Sabiaquesuaaparêncianãoestavadasmelhores,quesuavidanãoestavadasmelhores.

–Venhoempaz–disse,sorrindo.Noentanto,estavamuitonervosa.Eramtrêsdamanhãquandodecidiraira

Martha’s Vineyard. Precisava ver Matt de novo. Queria abraçá-lo e serabraçada,mesmo sabendo que talvez isso não fosse acontecer. Simplesmenteprecisavamuitodeumabraço.

Seus olhos percorreram devagar os rostos da clientela. Todos pareciam tersaídodeumacenadeMaremfúria. Sentiuocoraçãoacelerar.Mattnãoestavaali.Bem,pelomenosissoindicavaqueelenãoeraumclienteassíduo.

Levoualgunsminutospara encontraropoema, entalhadopertodeumalvodedardoseumtelefonepúblico.Leuosversosdenovo:

Osbarcostãoesperados

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chegamvaziosouafundamnasprofundezas.Eosolhosprimeiroperdemaslágrimasedepoisosono.

–Possoajudar?Ouoseuinteresseéapenasliterário?A vozmasculina a fez erguer os olhos do poema. Viu um barman de 30 e

poucos anos com a barba vermelha e uma beleza rústica. Talvez fossemarinheirotambém.

–Estouprocurandoumapessoa.Umamigo.Achoqueelecostumaviraqui–disseela.

–Eletembomgostoparabares,então.Qualéonomedele?Elainspirouetentounãodeixaronervosismotransparecernavoz.–MattHarrison–disse.Obarmanassentiu,masseusolhoscastanhosescurosseestreitaram.– Matt vem jantar aqui às vezes. Ele trabalha como pintor. Você é amiga

dele?– Ele também é autor de livros – disse Katie, sentindo-se um pouco na

defensiva.–Depoesia.Obarmandeudeombrosecontinuouaolharparaeladesconfiado.–Nãoqueeusaiba.Dequalquermaneira,elenãoestáaquihoje,comovocê

podever–disse, nalmentesorrindoparaela.–Eentão,oquevaiquerer?ParamimvocêtemcaradeCocaDiet.

– Não, nada, obrigada. Você sabe me dizer como chegar à casa dele? Soueditoradele.Tenhooendereço.

O barman pensou um pouco e então arrancou um pedaço de papel dobloquinhodepedidos.

–Vocêvaidecarro?–perguntouenquantoescreviaalgumasorientações.–Penseiempegarumtáxi.–Otaxistavaisaberchegarlá–disseele,semacrescentarmaisnada.–Todo

mundoaquiconheceMattHarrison.

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KATIE ENTROU NUM TÁXI AZUL-CELESTE enferrujado no terminal do ferry.Sentia-secansadaderepente.

–GostariadeiraocemitériodeAbel’sHill.Osenhorsabeondefica?O taxista simplesmente arrancou como carro em resposta.Katie imaginou

queelesoubesseondeficavatudonailha.Nãotiveraintençãodeofendê-lo.Abel’sHillficavaaunsbons20minutosdedistância.Eraumlugarpequenoe

pitorescoquepareciatãoantigoehistóricocomoqualquerdascasaspelasquaispassaramnocaminhoatéele.

–Nãovoudemorarmuito–disse ela ao taxista enquanto se esforçavaparasairdobancotraseiro.–Espereaqui,porfavor.

–Euespero,masotaxímetrovaificarrodando.–Tudobem–respondeuela,dandodeombros.–SoudeNovaYork,estou

acostumadacomisso.Otáxi couaguardandoenquantoelapercorrialentaereverentementecada

fileiradelápidesdandoatençãoespecialàsmaisnovas.O peito cou apertado e uma bola se formou em sua garganta enquanto

procuravapelotúmulo.Sentia-seumaintrusa.Finalmente, encontrou. O nome estava gravado numa lápide numa colina:

SuzanaBedfordHarrison.Sentiuocoraçãoapertardenovoeficoutonta.Ajoelhou-sejuntoaotúmulo.– Eu precisava vir, Suzana – sussurrou ela. –A esta altura sinto como se a

conhecesse.SouKatieWilkinson.Passou os olhos pela inscrição na lápide.Médica do interior, esposa muito

amadadeMatthew,mãeperfeitadeNicolas.Katie fez a oração que seu pai lhe ensinara quando ela tinha 3 ou 4 anos.

Então virou-se para a lápide menor ao lado da de Suzana e prendeu a

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respiração.Nicolas Harrison, um menino de verdade, lho adorado de Suzana e

Matthew.–Olá,menininho.Oi,Nicolas.MeunomeéKatie.Então ela começou a chorar descontroladamente. Envolveu o peito com os

braços e seu corpo todo começou a tremer. Eram lágrimas pelo pobre bebêNicolas.NãopodiaimaginarcomoMattconseguirasobreviverdepoisdisso.

ElaoimaginounoquartodeNicolaspuxandoacordadacaixinhademúsicadoberço,tentandoselembrardecomoo lhohaviasido,tentandotrazê-lodevolta.

Havia ores–margaridas,cravosegladíolos–emambosostúmulos.Alguémesteveaquirecentemente,talvezaindahoje. Mattsemprelhederarosas.Eraumbom homem, doce e gentil. Estava certa disso. Não havia feito uma escolharuim,apenasnahoraerrada.

EentãoKatienotououtracoisa,adataqueestavainscritanasduaslápides.18dejulhode2002.Sentiuumarrepioeosjoelhosfraquejaram.Odiaemqueela zeraojantar

para Matt em sua varanda em Nova York, quando lhe entregara o primeiroexemplar de seu livro, havia sido exatamente dois anos depois. Não era deespantarqueeletivessefugido.Masondeeleestariaagora?

Katieprecisavavê-lo.Umavezmais.

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LEVOU MAIS 20 MINUTOS para que o velho táxi percorresse o caminho docemitério até o antigo chalé que ela logo reconheceu como sendo o de

Suzana.Estavapintadodebrancoagora,comosacabamentoseasgrandesportasde

correremcinza.Haviaumjardimcheiodehortênsias,azaleiaselírios.DavaparaentenderporqueSuzanagostavatantodaquelacasa.Katiegostou

também.Erarealmenteumlar.Saiu devagar do táxi enquanto a brisa do mar brincava com seus cabelos.

Sentiuoventosuavetocarseurostoesuaspernas.Ocoraçãoestavaaceleradodenovo.

–Ficoesperando?–perguntouomotorista.Katiemordeuolábiosuperioredescruzouosbraçoscompridos.Olhoupara

orelógio:15h28.–Não,obrigada.Podeir.Voudemorarumpouco.Pagouacorridaeotaxistafoiembora.Sentiuocoraçãopresonagargantaaopercorrerocaminhodecascalhoque

levava até o chalé. Passou os olhos pela propriedade. Não viu sinal de Matt.Nenhumcarro.Talvezestivessenosfundos.

Bateuàportadafrente,aguardou,seremexeu.Entãousouavelhaaldravademadeira.

Ninguématendeu.Nossa,comoeraestranhoestarali.Seucoraçãosimplesmentenãoparavadebaterforte.Não percebera qualquer sinal de que houvesse alguém em casa,mas estava

determinada a esperar por Matt. Quase conseguia imaginá-lo aparecendo:botas,calçajeanssurrada,camisacáquieumsorrisocaloroso.

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SeráqueMattsorririaquandoaencontrasseali?Elaprecisavaconversarcomele,pôrparaforaascoisasquepesavamemseupeito.Seriaavezdeladefalar.Mereciaisso.Tinhasegredosqueprecisavacontar.

Esperou por um longo tempo. Então se sentou um pouco no gramado dafrente, acariciando a barriga e escutando o barulho do mar. No m, acabouatravessando a Beach Road... onde Gus, o cachorro de Suzana, havia sidoatropeladoporumacaminhonetevermelha.

Sentou-senapraiaemqueMatt eSuzanadançaramsoba luzda lua.Podiavê-los.EentãoseimaginoudançandocomMattmaisumavez.Elenãoeraumótimo dançarino, mas ela adorava estar em seus braços fortes. Não queriaadmitirissoagora,maseraverdade.Sempreseria.

Katieimaginouqueprovavelmentejádescobriraquasetudooquehaviaparadescobrir: Matt não conseguia parar de pensar em Suzana e Nicolas, nãoconseguiaparardesofrer.Deviaacreditarque jamaissuperaria isso.Talvezelenãopudesse suportar a ideiade vir aperder alguémdenovo.Haviaperdidoopaiquandoeraapenasummeninoe,agora,aesposaeofilhode1ano.

Não podia culpá-lo por isso, de jeito nenhum.Não depois de ler o diário ecompreenderoqueelehaviapassado.Naverdade–eissorealmentedoía–elaagoraoamavaaindamaisdoqueantes.

Katie levantouacabeçaeviuumamulherpequenadecabelosescurosepésdescalços usando um vestido azul-claro. Caminhava na sua direção,atravessandoaBeachRoad.Katienãotirouosolhosdela.

Quandoamulherseaproximou,elaperguntou:–VocêéMelanieBone,nãoé?Melanie tinha um sorriso muito amistoso e simpático, exatamente como

Katiehaviaimaginado.–EvocêéaKatie.AeditoradeNovaYorkdeMatthew.Elemefaloudevocê.

Dissequevocêeraesbeltaebonitaequetinhacabeloscastanhos,quasesemprepresosnumatrança,masqueàsvezesalgunsfiosficavamsoltosnorosto.

Katie tevemuita vontade de perguntar aMelanie o quemaisMatt dissera,masnãoconseguiu.

–Vocêsabeondeeleestá?–perguntou.Melaniebalançouacabeça.–Elenãoestáaqui.Sintomuito,Katie.NãoseiondeoMattestá.Naverdade,

estamostodospreocupadoscomele.Tinhaesperançasdequeeleestivessecom

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vocêemNovaYork.–Não–disseKatie.–Eunãootenhovistotambém.Quandoo mdatardechegou,MelaniedeuumacaronaaKatiedevoltaao

terminaldoferryemOakBluffs.Ascriançasforamnobancodetrásdocarro.EramsimpáticascomoamãeegostaramimediatamentedeKatie,quetambémasadorou.

–Nãodesistadele–MelaniedissequandoKatieestavaprestesaembarcarnoIslander. – Ele vale a pena. Matt passou pela pior experiência que qualquerpessoapoderiater,masachoquevaiserecuperar.Eleéumapessoamuitoboa...emuitoútilemcasatambém.E,Katie,seiqueeleamavocê.

Katie assentiu com a cabeça e se despediu da família Bone comum aceno.EntãofoiemboradeMartha’sVineyarddamesmaformacomohaviachegado:sozinha.

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OUTRA SEMANA LONGA E RUIM SE PASSOU. Katie mergulhou ainda mais notrabalho,masnãoparoudepensar emvoltar para aCarolinadoNorte.

De uma vez por todas. Teria o bebê lá, entre as pessoas que amava e que aamavam.

Faziapoucoquetinhachegadoaoescritórionaquelamanhãdesegunda-feiraquandoouviu seunome sendochamado.Acabarade transferiro chádo copodepapelazuldoLeCroissantparaaxícaradeporcelanaantigaquedeixavaemsuamesa.Seuestômagoatéquenãoestava tãomalnaquelamanhã.Ouentãoelaapenasseacostumaraaosenjoos.

–Katie,vocêprecisaviraqui.Katie!Rápido!Ficouumpoucoirritada.–Oquefoi,oquefoi?Estouindo.Calma!Sua assistente,Mary Jordan, estava de pé em frente a um janelão que dava

paraaRua53Leste.AcenouparaKatieseaproximar.–Venhalogo!Curiosa, ela foi até a janela e olhou para a rua lá embaixo. Derramou chá

quenteemsimesmae,senãofosseporMarytirá-lahabilmentedesuamão,axícarateriacaído.

KatiepassouporMaryeseguiupelocorredoratéoúnicoelevadordaeditora.Seus joelhos tremiame a cabeça girava.Afastavamechasde cabelosdo rosto,nervosa.Nãosabiaoquefazercomasmãos.

Oeditor-chefeeproprietáriodaeditoraestavasaindodoelevador:– Katie, preciso falar... – ele começou a dizer alguma coisa, mas ela o

interrompeulevantandoamãoebalançandoacabeça.– Eu já volto, Larry – disse, correndo para dentro do elevador, que logo

fechouasportas.

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Émelhorvocêserecompor,elapensou.Não,nãodátempo.Nãomesmo.Assalasdaeditora cavamnoúltimoandardoprédio,masoelevadordesceu

diretoatéoprimeiro.Katie desceu no saguão e se forçou a car parada lá dentro. Seus

pensamentos estavam impressionantemente claros, na verdade. De repente,tudopareciamuitosimplesparaela.

ElapensouemSuzana,emNicolaseemMatt.Pensounaliçãodascincobolas.Então saiudoprédiopara as ruasdeNovaYork e respirou fundoquandoo

soltocouseurosto.MeubomDeus,permitaqueeusejaforteobastanteparaenfrentaroquequer

queaconteçaagora.EntãoavistouMatthewnaRua53.

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MATT ESTAVA COM A CABEÇA levemente abaixada, ajoelhado na calçada amenos de cincometros de Katie, bem na frente do prédio da editora.

Haviasidoconscienteeeducadoobastanteparanão carnomeiodocaminhodaspessoas.Elanãoconseguiatirarosolhosdele.

Mas é claro quetodo mundo olhava para ele quando passava. Comopoderiam resistir? Ele estava lindo: bronzeado, arrumado, com os cabelos umpouco mais longos do que de costume. Vestia calça jeans, uma camisa dealgodãosurradamaslimpaebotasdetrabalhoempoeiradas.PareciaoMattqueelaconhecia,oMattaquemtinhaamadoequeagorasabiaqueaindaamava.

Ajoelhadonafrentedoprédiodela.Bemali,diantedela.Exatamente comoSuzanahavia feitonaquelanoitenavarandadeles–para

pedirperdão,emboranãohouvessenadaaperdoar.Katiesoubeoqueprecisavafazer.Seguiuseusinstintos,ocoração.InspiroueentãoseajoelhoudiantedeMatt,olhandoparaelemuitodeperto,

omaispertoqueconseguiu.Seucoraçãoestavadisparado.Tum-tum,tum-tum.ElaquiseratantoverMattmaisumavezealiestavaele.Eagora?Os pedestres começavam a se aglomerar perto deles, alguns reclamando da

perdadealgunspreciosossegundosacaminhodo trabalhoouaondequerquefossemcompressatodasasmanhãs.

Mattestendeuamão.Katiehesitou,masentãodeixouqueelesegurasseseusdedoscompridos.

Sentirafaltadaqueletoque.Nossa,ecomo!Elahaviasentidofaltademuitascoisas,masprincipalmenteda formacomo

sesentiaempazquandoeleestavaaoseulado.Pormaisestranhoquefosse,começouaseacalmar.Oqueissoqueriadizer?

Oquedeveriaaconteceraseguir?

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Porqueeleestavaali?Parapedirdesculpasouseexplicarpessoalmente?Paraquê?

Mattpor mergueuacabeçaeolhouparaela.Katiesentirasaudadedaquelescalmos olhos castanhos, ainda mais do que imaginara. Sentira falta do rostoforte,dasobrancelhafranzida,doslábiosperfeitosdele.

Mattfaloue,porDeus,comoelaansiavapelosomdavozdele.–Adoroolharnosseusolhos,Katie,evertodaessasinceridadedeles.Adoro

seu sotaque arrastado. Você é única e eu adoro isso. Adoro estar com você.Nuncamecansodisso.Nemporumminuto,desdequeaconheci.Vocêéumaótima editora. É uma ótima carpinteira também. Sim, você é alta, mas o quemaisimportaéquevocêéencantadora.

Katie percebeuque estava sorrindo.Não conseguiu evitar.Ali estavam eles,osdois,dejoelhosnocentrodacidade.Ninguémjamaispoderiaentenderoqueestavamfazendoeporquê.Talveznemelesmesmoscompreendessem.

–Olá,estranho–disseela.–Fuiprocurarporvocê,Matt.FuiatéVineyard.Finalmentetomeicoragem.

Mattsorriu.– Eu quei sabendo. Melanie e as meninas me contaram. Elas também

acharamvocêencantadora.–Eoquemais?–Katieperguntou.Ela precisava ouvirmais, sabermais, ansiavapor qualquer coisa que ele lhe

dissesse.Nossa,comoestavafelizporvê-lodenovo!Nãohaviaimaginadoqueficariatãoeufórica,qualseriaasensação.

–Oquemais?Bom,omotivopeloqual estou aqui,de joelhos, équequerome entregar a você, Katie. Tenho certeza disso. Finalmente estou pronto. Sevocêmequiser,souseu.Quero carcomvocê.Queroter lhoscomvocê.Euamovocê.Nuncamaisvoudeixá-la.Euprometo,Katie.Prometodetodoomeucoração.

Eentãoelessebeijaram.

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NAQUELEMÊSDEOUTUBRO, KatieWilkinsoneMattHarrisonsecasaramnacapela de Kitty Hawk, nas maravilhosas Outer Banks da Carolina do

Norte.As famíliasWilkinson eHarrison se deram bemdesde o começo e logo se

tornaramumasó.TodososamigosdeKatiedeNovaYorkforamaocasamento,passaramunsdiasnapraiae caramvermelhoscomocamarões. JáosamigosdaCarolinadoNortepreferiramasombradasvarandasedascopasdasárvores.Os dois grupos, entretanto, foram unânimes ao aprovar uma bebida típicarefrescantefeitacomuísque,geloehortelã.

Apesar deKatie sermagra, a barriga não estava aparecendomuito. Poucosconvidados sabiam da gravidez da noiva. Quando ela contou a Matt, ele aabraçouebeijouedissequeeraapessoamaisfelizdomundo.

–Eutambém–disseKatie.–Aliás,nóstambém.Acerimôniaea festa foramsimples,mas lindas, realizadassobocéuazule

semnuvens,numdiade temperaturabastanteamena.Altae fascinante,Katieparecia um anjo alado em seu vestido branco. O casamento foi singelo docomeçoao m.Asmesasestavamdecoradascomfotosdefamília.Asdamasdehonralevarambuquêsdehortênsiascor-de-rosaclarinho.

Enquanto fazia seus votos,Katie não pôde deixar de pensar:família, saúde,amigos,integridade–aspreciosasbolasdevidro.

Agoraelacompreendia.Eeraassimqueviveriadaliemdiante,aoladodeMattedolindobebêdeles.Nãoéumasorte?

FIM