O Direito à cidade culturalmente preservada - CORE · 3.2. Direito ambiental x direito do...

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO O Direito à cidade culturalmente preservada Os planos diretores municipais e a tutela do Patrimônio Cultural Imóvel no Brasil Nathália Arruda Guimarães Tese de Doutoramento apresentada em atendimento às exigências do III Programa de Doutoramento da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Área de Especialidade: Ciências Jurídico - Políticas Orientador: Professor Doutor Fernando Alves Correia 2010

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO

O Direito cidade culturalmente preservada Os planos diretores municipais e a tutela do Patrimnio Cultural Imvel no Brasil

Nathlia Arruda Guimares

Tese de Doutoramento

apresentada em atendimento s

exigncias do III Programa de

Doutoramento da Faculdade de

Direito da Universidade de

Coimbra

rea de Especialidade: Cincias Jurdico - Polticas Orientador: Professor Doutor Fernando Alves Correia

2010

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A Eduardo, Clarisse e Sarah, minha famlia, minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Escrever uma tese nunca um ato isolado e unilateral. um evento coletivo que tem por resultado uma obra fruto do suporte de vrias pessoas e estruturas. De nada adiantaria um doutorando capaz, se no houvesse uma boa biblioteca. Em quase nada avanaria seu trabalho, se no fosse possvel a ele dedicar-se ao mximo, por horas a cada dia. Sua mente em pouco tempo estaria dispersa, se no fosse o estmulo dos que esto ao seu lado. Suas ideias seriam mal ordenadas na ausncia de um professor orientador preciso e preparado. Sua pesquisa frustrada, no fossem os livros e documentos escritos por tantos outros que se dedicaram ao mesmo assunto.

A tese , portanto, uma obra coletiva. nossa e de todos aqueles que citamos na lista bibliogrfica. nossa e de todos as bibliotecas que frequentamos, da faculdade que nos acolheu, dos professores que nos concedem orientaes e esclarecimentos valiosos, dos funcionrios dedicados que personificam as instituies, das estruturas fsicas e financeiras que viabilizam a pesquisa, dos amigos, irmos, maridos, esposas, filhos, filhas, pais e mes.

A concretizao da nossa tese no foge a essa regra. Gostaramos, portanto, de agradecer a todos e, sobretudo, agradecer a Deus, por ter nos permitido concluir este trabalho.

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RESUMO A tese que segue aborda o tema do patrimnio cultural imvel sob a perspectiva da atual ordem urbanstica brasileira. A anlise visa a demonstrar o momento vivido pelo Estado Federal brasileiro, que, ao ampliar suas funes, opta por implementar um planejamento territorial de carter pluridisciplinar, envolvendo aspectos diversos da dinmica das cidades, dentre eles as dimenses ambiental e cultural. O trabalho parte das noes de urbanismo e de direito urbanstico, enfrenta e assume conceitos de patrimnio cultural e seus elementos, centrando-se nos desenvolvimentos da interseo inevitvel estabelecida entre a salvaguarda do bem cultural imvel e o planejamento territorial. A tese ou a novidade cientfica que se pretendeu comprovar foi a de que a tutela dos bens culturais imveis, entendida como o reconhecimento jurdico do valor cultural que um bem material imvel aporta, poder ser alcanada por diversas vias, dentre elas a do planejamento urbano, especificamente atravs do plano diretor municipal. A perspectiva foi de direito urbanstico brasileiro, mas em toda a tese h comparaes significativas com o sistema urbanstico portugus e comparaes pontuais com alguns sistemas urbansticos ocidentais europeus. Palavras-chave: direito urbanstico planejamento urbano funo social da propriedade plano diretor patrimnio cultural.

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ABSTRACT

This thesis follows the topic of cultural heritage under the perspective of the current Brazilian urban order. The analysis aims to demonstrate the moment experienced by the Brazilian Federal Government, by which, extending their functions, choose to implement a multidisciplinary character of territorial planning, involving many aspects of the city dynamics, among them, environmental and cultural. This work assumes the notions of urbanism and urban laws; it faces and takes concepts of cultural heritage and its elements, focusing on developments in inevitable intersection established between the safeguarding cultural monuments, understood as the legal recognition of their cultural value, can be achieved by several means, among them: planning law, specifically through the local master plan. The perspective was Brazilian urban planning, but throughout the thesis there are meaningful comparisons with the Portuguese urban system and hoc comparisons with Western European urban systems. Keywords: Planning Law Urban Planning The Social Function of Property Local Master Plan Cultural Heritage.

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SUMRIO

Ttulo I Da localizao temtica ......................................................................................... 17

Captulo I O urbanismo .................................................................................................. 17

1. Introduo ................................................................................................................. 17

1.1. Do Mtodo .......................................................................................................... 26

2. A Cidade e o Urbanismo .......................................................................................... 28

2.1. A Cidade ............................................................................................................. 28

2.2. Cidade x Campo ................................................................................................. 33

2.3. O Urbanismo ...................................................................................................... 38

2.2.1. O urbanismo como fato social ........................................................................ 39

2.2.2. O urbanismo como cincia ............................................................................. 41

2.2.3. O urbanismo como poltica ............................................................................ 43

2.2.4. O urbanismo como tcnica ............................................................................. 43

3. A histria do urbanismo ........................................................................................... 61

3.1. O comeo do urbanismo contemporneo ........................................................... 62

3.2. Os componentes da modernizao ..................................................................... 62

3.2.1. As fases da modernizao............................................................................... 63

3.3. A primeira fase: a cidade da alta modernidade................................................... 64

3.3.2. O declnio urbano na Idade Mdia ................................................................. 66

3.3.3. Renascimento, Barroco, Classicismo (1420-1840 d.C.) ................................. 67

3.4. O urbanismo europeu fora da Europa: a colonizao do Brasil (1500-1822 d.C.) 68

3.4.1. As grandes navegaes e o descobrimento..................................................... 68

3.4.2. As caractersticas urbansticas na fase colonial .............................................. 69

3.4.3. A apropriao territorial ................................................................................. 70

3.5. A segunda fase: a cidade da Revoluo Industrial (1750 -1900 d.C.)............... 74

3.6. A terceira fase: a terceira revoluo urbana (1900 d.C. aos dias atuais) ............ 76

3.7. A planificao urbana e a gesto estratgica urbana .......................................... 84

4. O fenmeno da urbanizao no Brasil no sculo XX ............................................... 85

5. O fenmeno da urbanizao em Portugal no sculo XX .......................................... 90

Ttulo I Da localizao temtica ......................................................................................... 95

Captulo II Do direito urbanstico .................................................................................. 95

1. O direito urbanstico ................................................................................................. 95

1.1. Conceitos ............................................................................................................ 98

2. O objeto e o campo de atuao do direito urbanstico ............................................ 104

7

2.1. O objeto do direito urbanstico ......................................................................... 104

2.2. Campo de aplicao do Direito urbanstico ...................................................... 106

2.2.1. Campo de aplicao espacial..................................................................... 106

2.2.2. Campo de aplicao material .................................................................... 113

3. A natureza do direito urbanstico............................................................................ 116

4. Princpios do direito urbanstico brasileiro ............................................................. 122

4.1. Dos princpios elementares ............................................................................... 124

5. Relaes do direito urbanstico com outras disciplinas .......................................... 134

5.1. Direito urbanstico e o Direito Administrativo ................................................. 134

5.2. Direito urbanstico e direito da construo ....................................................... 137

5.3. Direito urbanstico e Direito Ambiental ........................................................... 139

5.4. Direito urbanstico e o direito do ordenamento do territrio ............................ 144

5.4.1. Posio adotada e situao brasileira ........................................................ 148

5.5. Direito urbanstico e o direito do patrimnio cultural ...................................... 151

5.6. Direito urbanstico e o direito econmico ........................................................ 152

6. Direito Constitucional Urbanstico ......................................................................... 154

6.1. Dos princpios constitucionais do direito urbanstico....................................... 164

Ttulo I Da localizao temtica ....................................................................................... 168

Captulo III Da disciplina urbanstica dos solos ......................................................... 168

1. Introduo ............................................................................................................... 168

2. Da propriedade em geral no Brasil ......................................................................... 174

2.1. Conceito e natureza do direito de propriedade bases constitucionais ........... 174

2.2. A funo social da propriedade e seus objetos na legislao brasileira ........... 184

3. Da propriedade em geral em Portugal .................................................................... 188

3.1. O direito de propriedade e sua funo social .................................................... 188

4. A tese do jus aedificandi ........................................................................................ 190

4.1. Concluses parciais .......................................................................................... 197

5. Do regime jurdico da edificao no Brasil e em Portugal ..................................... 199

5.1. Controle da atividade edilcia ........................................................................... 203

5.2. Licenas e autorizaes .................................................................................... 204

6. Da propriedade urbana............................................................................................ 206

6.1. Conceito e contedo urbanstico da propriedade: limitaes e restries urbansticas ................................................................................................................. 206

6.1.1. Das limitaes gerais e urbansticas da propriedade ................................. 208

6.1.2. Das servides............................................................................................. 214

6.1.3. Da desapropriao ..................................................................................... 219

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6.1.4. Regimes estrangeiros: breves comentrios ............................................... 232

Ttulo I Da localizao temtica ....................................................................................... 234

Captulo IV Estrutura Administrativa do Urbanismo ................................................... 234

1. Introduo ............................................................................................................... 234

2. Estrutura Administrativa portuguesa ...................................................................... 235

2.1. O Estado Portugus .......................................................................................... 235

2.2. rgos do Estado .............................................................................................. 235

2.3. Da diviso administrativa territorial ................................................................. 236

2.4. A administrao local autrquica ..................................................................... 237

i. Freguesia ............................................................................................................ 238

ii. Municpio ........................................................................................................... 240

3. Estrutura administrativa do urbanismo portugus .................................................. 243

3.1. Governo ............................................................................................................ 243

3.2. Ministrio do Ambiente, do Ordenamento do Territrio e do Desenvolvimento Regional ...................................................................................................................... 244

3.3. Direo-Geral do Ordenamento do Territrio e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU) ................................................................................................................. 245

3.4. Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional............................... 247

3.5. rgos e servios dos Municpios .................................................................... 250

3.6. rgos e servios das reas metropolitanas ..................................................... 252

3.7. rgos e servios das comunidades intermunicipais de direito pblico .......... 253

3.8. Entidades Empresariais..................................................................................... 255

4. Estrutura administrativa do urbanismo brasileiro ................................................... 257

4.1. Noes e conceito: o Estado brasileiro ............................................................... 257

4.1. A estrutura de competncias ............................................................................. 262

4.1.1 Competncia em matria de direito urbanstico ............................................ 264

4.1.2. Competncia da Unio em matria de direito urbanstico ............................ 265

4.1.3. Competncia dos Estados em matria de direito urbanstico ....................... 268

4.1.4. Instituio de novos Municpios ................................................................... 270

4.1.5. Competncia estadual para instituir Regies Metropolitanas, Aglomeraes Urbanas e Microrregies ........................................................................................ 271

4.2. Competncia estadual e o Estatuto da Cidade .................................................. 278

4.2.1. Consideraes ............................................................................................... 279

5. Competncia municipal na Constituio de 1988 .................................................. 279

5.1. Competncia municipal em matria de direito urbanstico .............................. 281

6. Concluses parciais ................................................................................................ 283

9

Ttulo II Direito proteo do patrimnio cultural imvel ......................................... 285

Captulo I O patrimnio cultural ................................................................................. 285

1. Introduo ............................................................................................................... 285

2. A cultura no Direito ................................................................................................ 295

2.1. O direito da cultura: breve histrico ................................................................. 305

3. O direito do patrimnio cultural em face de outras disciplinas .............................. 306

3.1. Da autonomia da disciplina do direito do patrimnio cultural ......................... 306

3.2. Direito ambiental x direito do patrimnio cultural ........................................... 308

3.2.1. A construo do conceito jurdico de meio ambiente na legislao Ambiental Brasileira - a evoluo dos conceitos antropocentrismo x ecocentrismo ............... 311

3.2.2. Do conceito ecocntrico/biocntrico noo restrita dos objetos do direito do ambiente ................................................................................................................. 316

3.3. Direito urbanstico x direito do patrimnio cultural ......................................... 320

4. Da posio assumida e suas implicaes ................................................................ 321

5. Das semelhanas entre as disciplinas ..................................................................... 324

5.1. Direitos difusos e bens patrimoniais ................................................................. 324

5.2. Dos princpios comuns ..................................................................................... 326

5.2.1. Do princpio da preveno ........................................................................ 326

5.2.2. Da sustentabilidade do cem cultural.......................................................... 328

5.2.3. Da qualidade de vida e da dignidade da pessoa humana........................... 329

5.2.4. Dos princpios gerais do direito do patrimnio cultural ............................ 333

6. A noo de patrimnio cultural .............................................................................. 336

6.1. Da natureza do patrimnio cultural .................................................................. 340

6.2. Alguns conceitos .............................................................................................. 342

6.2.1. Bem cultural .............................................................................................. 342

6.2.1.1. Do bem cultural propriamente dito ......................................................... 346

6.2.2. Bem cultural imvel .................................................................................. 352

6.2.3. Bem cultural construdo ou arquitetnico ................................................. 355

6.2.4. Bens arqueolgico, paleontolgico e espeleolgico ................................. 356

6.2.5. Patrimnio quilombola .............................................................................. 363

6.2.6. Bem paisagstico ....................................................................................... 364

6.2.7. Bens eclesisticos ...................................................................................... 367

6.2.8. Centro histrico ......................................................................................... 369

6.2.9. Locais ou lugares referncia ...................................................................... 372

6.3. Tutela, proteo, conservao e valorizao dos bens culturais....................... 373

7. Do direito constitucional da cultura........................................................................ 380

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7.1. A constituio da cultura em outros pases ...................................................... 385

7.2. Das competncias em matria de patrimnio cultural ...................................... 387

8. O patrimnio cultural e sua projeo mundial: principais convenes .................. 390

8.1. Unesco .............................................................................................................. 391

8.2. As convenes e recomendaes internacionais para salvaguarda do patrimnio cultural imvel ............................................................................................................ 393

9.2.1. Carta de Atenas (1931) ................................................................................. 393

9.2.2. Carta de Atenas sobre o urbanismo moderno (1933) ................................... 395

9.2.3. Conveno de Haia para a proteo dos bens culturais em caso de conflito armado (1954) ........................................................................................................ 396

9.2.4. A Carta de Veneza (1964) ............................................................................ 397

9.2.5. Conveno para a proteo do patrimnio mundial, cultural e natural de Paris (1972) ..................................................................................................................... 398

9.2.6. Recomendao sobre a salvaguarda dos conjuntos histricos e da sua funo na vida contempornea (1976) ............................................................................... 399

9.2.7. Conveno para salvaguarda do patrimnio arquitetnico da Europa (1985) ................................................................................................................................ 400

9.2.8. Carta Internacional sobre a salvaguarda das cidades histricas (1987)........ 402

9. O patrimnio cultural europeu ................................................................................ 402

Ttulo II Direito proteo do patrimnio cultural imvel ........................................ 405

Captulo II A cidade e o bem cultural imvel ............................................................. 405

1. Introduo ............................................................................................................... 405

1.1. Meios de salvaguarda do patrimnio cultural imvel ...................................... 411

2. Os meios primrios ................................................................................................. 411

2.1.1. A desapropriao ....................................................................................... 411

2.1.2. O inventrio ............................................................................................... 413

a. O inventrio no direito internacional ............................................................ 413

b. O inventrio e sua utilizao no Brasil ......................................................... 415

c. O inventrio no contexto do planejamento urbano ....................................... 419

2.1.3. O registro ................................................................................................... 420

2.1.4. O tombamento ........................................................................................... 421

2.2. Do regime de salvaguarda do patrimnio cultural em Portugal ....................... 449

2.3. A classificao do patrimnio cultural imvel em Portugal Decreto-Lei n. 309/2009 ..................................................................................................................... 450

2.4. Das outras formas de proteo do patrimnio cultural ..................................... 455

2.4.1. Sentena judicial ....................................................................................... 455

2.4.2. Lei.............................................................................................................. 458

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2.4.3. Instrumentos de carter urbanstico........................................................... 460

3. Os meios secundrios ............................................................................................. 461

3.1. Incentivos e benefcios fiscais e financeiros..................................................... 462

3.2. A educao patrimonial .................................................................................... 465

3.3. Instrumentos urbansticos ................................................................................. 467

3.4. Os instrumentos urbansticos do Estatuto da Cidade enquanto meios secundrios de salvaguarda do patrimnio cultural imvel (proteo, conservao e valorizao) 468

3.4.1. Parcelamento, edificao ou utilizao compulsrios (arts. 5 e 6) ........ 468

3.4.2. Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo (art. 7) ....... 469

3.4.3. Desapropriao com pagamento de ttulos da dvida pblica (art. 8) ..... 470

3.4.4. Usucapio especial de imvel urbano (arts. 9 a 14) ................................. 470

3.4.5. Direito de superfcie (arts. 21 a 24) ........................................................... 472

3.4.6. Direito de preempo (arts. 25 a 27) ......................................................... 473

3.4.7. Outorga onerosa do direito de construir e de alterao de uso (arts. 28 a 31) 473

3.4.8. Operaes urbanas consorciadas (arts. 32 a 34) ........................................ 473

3.4.9. Transferncia do direito de construir (art. 35)........................................... 474

3.4.10. Estudo de impacto de vizinhana (arts. 36 a 38) ..................................... 475

3.4.11. O plano diretor municipal enquanto meio secundrio de salvaguarda do bem cultural ............................................................................................................ 476

3.5. As leis de uso e ocupao do solo .................................................................... 484

3.6. As licenas edilcias.......................................................................................... 485

3.7. Os projetos de renovao urbana enquanto meio secundrio de salvaguarda dos bens culturais .............................................................................................................. 488

3.7.1. Os projetos de renovao no Brasil ............................................................. 492

3.7.2. Projetos e programas nacionais de renovao (revitalizao, reintegrao etc) ................................................................................................................................ 493

3.7.1.1. A renovao urbana no Brasil: desafios sociais ...................................... 496

3.7.1.2. Renovao urbana e patrimnio cultural ................................................ 498

3.7.1.3. Da renovao urbana: soluo para os problemas sociais e valorizao do patrimnio cultural? ................................................................................................ 499

3.7.2. A renovao urbana em Portugal .............................................................. 499

4. Meios cautelares ..................................................................................................... 506

5. Meios repressivos ................................................................................................... 507

6. A estrutura administrativa do patrimnio cultural imvel...................................... 510

6.1. Brasil ................................................................................................................. 510

12

6.2. Portugal ............................................................................................................. 511

7. Alguns problemas jurdicos decorrentes da salvaguarda do patrimnio cultural ... 513

7.1. A propriedade privada e o patrimnio cultural ................................................. 513

7.2. Bens culturais x funo social da propriedade.................................................. 515

7.3. Propriedade, patrimnio cultural e indenizao ............................................... 515

7.3.1. O direito de indenizao do proprietrio ................................................... 517

8. A conservao, valorizao e sustentabilidade do bem cultural imvel ................ 518

Ttulo III - Do planejamento urbanstico e a salvaguarda do patrimnio cultural imvel ................................................................................................................................................ 524

Captulo I - O regime jurdico do planejamento urbanstico ....................................... 524

1. Introduo ............................................................................................................... 524

2. O planejamento: uma instituio jurdica do Estado Social de Direito .................. 526

2.1. Os planos administrativos em geral: distines e caractersticas .................... 529

2.2. Tipologia dos planos ......................................................................................... 530

2.3. Planos econmicos e territoriais ....................................................................... 531

2.4. Obrigatoriedade dos planos .............................................................................. 534

3. O planejamento territorial ....................................................................................... 535

Ttulo III - Do planejamento urbanstico e a salvaguarda do patrimnio cultural imvel ................................................................................................................................................ 538

Captulo II - O planejamento urbanstico no Brasil e em Portugal ............................. 538

1. O regime jurdico dos instrumentos de planejamento territorial no Brasil e no mundo ............................................................................................................................. 538

2. A estrutura do planejamento urbanstico no Brasil ................................................ 538

3. A estrutura do planejamento urbanstico em Portugal............................................ 539

4. A estrutura do planejamento urbanstico na Frana ............................................... 540

5. A estrutura do planejamento urbanstico na Itlia .................................................. 544

6. A estrutura do planejamento urbanstico na Sua ................................................. 545

7. A estrutura do planejamento urbanstico na Alemanha .......................................... 548

8. A estrutura do planejamento urbanstico na Espanha ............................................. 550

9. Tipologia dos planos ............................................................................................... 558

9.1. Planos territoriais brasileiros ............................................................................ 558

9.1.1. Classificao com base na eficcia jurdica ................................................. 558

9.1.2. Classificao conforme o mbito espacial de aplicao ............................... 559

I Nvel nacional ................................................................................................... 560

II Nvel regional................................................................................................... 564

III Nvel estadual ................................................................................................. 565

13

IV Nvel municipal .............................................................................................. 570

9.2. Tipologia dos planos territoriais portugueses ................................................... 580

9.2.1. Nvel nacional ........................................................................................... 581

9.2.2. Nvel regional ............................................................................................... 581

9.2.3. Nvel supramunicipal .................................................................................... 581

9.2.4. Nvel municipal ............................................................................................ 581

9.2.5. Nvel submunicipal ....................................................................................... 582

10. O planejamento democrtico ................................................................................ 583

11. O ordenamento urbanstico na ausncia de planejamento urbano. As normas legais de direta aplicao .......................................................................................................... 589

Ttulo III - Do planejamento urbanstico e a salvaguarda do patrimnio cultural imvel ................................................................................................................................................ 591

Captulo III - Dos planos urbansticos municipais ........................................................ 591

1. Introduo ............................................................................................................... 591

2. O planejamento municipal: o processo ................................................................... 595

2.1. Instrumentos do planejamento municipal ......................................................... 597

2.2. Princpios do planejamento local ...................................................................... 604

3. Os fins da funo pblica de planificao territorial .............................................. 608

3.1. Fins de desenvolvimento .................................................................................. 609

4. O Plano Diretor Municipal: o resultado ................................................................. 612

5. O Plano Diretor: funo e objetivos ....................................................................... 614

6. Contedo material do Plano Diretor ....................................................................... 619

7. Natureza jurdica do Plano Diretor ......................................................................... 621

8. O processo de planejamento e a composio do Plano Diretor .............................. 624

9. A lei do Plano Diretor ............................................................................................. 627

10. Contedo formal e eficcia da lei do Plano Diretor ............................................. 630

11. Execuo do Plano Diretor ................................................................................... 632

12. Reviso do Plano Diretor ..................................................................................... 632

Ttulo III - Do planejamento urbanstico e a salvaguarda do patrimnio cultural imvel ................................................................................................................................................ 638

Captulo IV Anlises conclusivas: a tutela do bem cultural imvel por meio dos Planos Diretores Municipais - Os planos territoriais em concreto............................................... 638

1. Introduo ............................................................................................................... 638

2. A tutela e o planejamento territorial ....................................................................... 641

3. Plano Diretor: a funo de tutela do patrimnio cultural ....................................... 643

3.1. As zonas especiais de interesse cultural ........................................................... 644

4. Anlise dos planos .................................................................................................. 648

14

5. As regies do Brasil e suas capitais ........................................................................ 649

5.1. Regio Norte ..................................................................................................... 650

5.1.1. Belm Par ............................................................................................. 650

5.2. Nordeste ............................................................................................................ 652

5.2.1. Salvador Bahia ....................................................................................... 652

5.3. Centro-Oeste ..................................................................................................... 654

5.3.1. Goinia Gois ......................................................................................... 654

5.4. Sudeste .............................................................................................................. 659

5.4.1. So Paulo So Paulo ............................................................................... 659

5.5. Sul ..................................................................................................................... 663

5.5.1. Porto Alegre Rio Grande do Sul ................................................................ 663

6. Os distritos de Portugal e os Concelhos/Municpios correspondentes ................... 670

6.1. Norte ................................................................................................................. 670

6.1.1. Braga ......................................................................................................... 670

6.2. Centro ............................................................................................................... 674

6.2.1. Lisboa ........................................................................................................ 674

6.3. Sul ..................................................................................................................... 683

6.3.1. Faro............................................................................................................ 683

Concluses finais ................................................................................................................... 686

Referncias ............................................................................................................................ 692

Anexo I ................................................................................................................................... 724

Anexo II ................................................................................................................................. 727

TABELAS Tabela 1 - MAIORES AGLOMERAES URBANAS DO MUNDO (2000) .................................. 85 Tabela 2 - METRPOLES NO BRASIL E SEU CRESCIMENTO (2000) ........................................ 89 Tabela 3 - Bens Culturais e seus elementos ........................................................................................ 346

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PRINCIPAIS ABREVIATURAS E SIGLAS AAM Arquivo Alosio Magalhes CA Cdigo Administrativo CCDR Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional CE Cdigo das Expropriaes CF Constituio Federal CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna CNDU Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano ComUrb Comunidades Urbanas CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia CTN Cdigo Tributrio Nacional DGEMN Direo Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais DIEESE Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Scio-Econmicos DL Decreto-Lei DTA Diretivas territoriais de ordenamento territorial EC Estatuto da Cidade EIA Estudos prvios de impacto ambiental EIV Estudos prvios de impacto de vizinhana EPCI tablissement public de coopration intercommunale FJP Fundao Joo Pinheiro GAM Grandes reas metropolitanas IMC Instituto dos Museus e da Conservao IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatstica ICCROM Centro Internacional de Estudos para a Conservao e Restaurao dos Bens Culturais ICOM Conselho Internacional dos Museus Icomos Conselho Internacional dos Monumentos e Stios IDH ndice de Desenvolvimento Humano IGESPAR Instituto de Gesto do Patrimnio Arquitetnico e Arqueolgico Incra Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPH ndice de Pobreza Humana IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ITR Nova rea urbana e transferncia de competncia impositiva federal LAL Lei das Autarquias Locais MP Medida Provisria ONGs Organizaes No-Governamentais ONU Organizao das Naes Unidas PAC Plano de Acelerao do Crescimento PADD Projet damnagement e dveloppement durable PDDI - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado PDLIs Planos de Desenvolvimento Local Integrado PDMs Planos Diretores Municipais PDR Plano de Desenvolvimento Regional PIB Produto Interno Bruto PIDDAC Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administrao Central PLU Plano Local de Urbanismo PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

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POS Plano de Ocupao do solo PRG Piani regolatori generali PRONAC Programa Nacional de Apoio Cultura PROT Planos regionais de ordenamento do territrio PSMV Plans de sauvegarde et de mise em valeur RIDE Regio Integrada de Desenvolvimento e Entorno do Distrito Federal RJIGT Regime Jurdico dos Instrumentos de Gesto Territorial RJRU Regime Jurdico de Reabilitao Urbana RJUR Lei de Reabilitao Urbana SCOT Esquemas de coerncia territorial SIPA Sistema de Informao para o Patrimnio SRU Sociedades de Reabilitao Urbana SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia SUDECO Superintendncia do Desenvolvimento do Centro-Oeste SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste SUDESUL Superintendncia de Desenvolvimento do Sul TJMG Tribunal de Justia de Minas Gerais UE Unio Europeia Unesco Organizao para a Educao Cincia e Cooperao Unesp Universidade Estadual Paulista V.g. verbi gratia ZEIS Zona especial de interesse social ZPPAUP Zone de Protection du Patrimoine Architectural, Urbain et Paysager

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Ttulo I Da localizao temtica

Captulo I O urbanismo

A cidade um fato natural como uma gruta, um ninho, um formigueiro. Mas tambm uma consciente obra de arte e inclui na sua estrutura coletiva, muitas formas de arte mais simples e mais individuais. O pensamento toma forma na cidade e por sua vez as formas urbanas condicionam o pensamento. Porque o espao, no menos do que o tempo, engenhosamente reorganizado nas cidades: nas linhas e contornos das muralhas, no estabelecer planos horizontais e elevaes verticais, no utilizar ou contrastar a conformao natural. A cidade contemporaneamente um instrumento material de vida coletiva e um smbolo daquela comunho de fins e de consensos que nasce em circunstncias particularmente favorveis. Juntamente com a linguagem, talvez a maior obra de arte do homem (MUMFORD, 1970)1.

1. Introduo

Garcia de Enterria inaugura seu clssico Lecciones de Derecho Urbanstico afirmando que poucos temas atuais mais apaixonantes e eloquentes que o tema do Urbanismo podem ser encontrados pelo estudioso das cincias sociais 2. A urbanizao, uma das caractersticas essenciais da poca contempornea, pode ser considerada como o fenmeno mais importante da segunda metade do sculo XX3, tendo sido atestada como processo imperioso em todos os pases da Amrica e da Europa. No Brasil, a populao considerada urbana aumentou progressivamente de 32% desde a dcada de 1940, chegando atualmente a corresponder 81% dos habitantes do pas4. Na Europa, o fenmeno ocorre de maneira semelhante. Em Portugal, segundo dados de 1991, do total de habitantes do continente, 68% residem em reas predominantemente urbanas5. Relativamente ao ano de 2003, um estudo publicado pela Human Development Reports6, programa das Naes Unidas, indica porcentagens expressivas da populao urbana em alguns pases do mundo: Austrlia: 91,1%, Luxemburgo: 91,8%, Canad: 80,4%, Blgica: 97,2%, USA: 80,1%, UK: 89,1%, Frana: 76,3%, Itlia: 67,4%, Alemanha: 88,1% e Espanha: 76,5%7.

1 MUMFORD, Lewis. The culture of cities. Nova York: Harvest books, 1970. 2 Pocos temas actuales ms apasionantes y vivaces puede encontrar el estudioso de las ciencias sociales que el tema de urbanismo. Cf. GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de Derecho Urbanstico. v. I. Madrid: Editorial Civitas, 1978. p. 22. 3 JACQUIGNON, L.; DANAN, Y.M.. Le Droit de Lurbanisme. Paris: Editions Eyrolles, 1978. p. 1. 4 Dados obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), segundo sinopse preliminar de Censo Demogrfico de 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001. Disponvel em: . Acesso em: 27 abr. 2006. 5 Indicadores Urbanos do Continente. Srie Estudos. n. 80 (1999). Instituto Nacional de Estatstica. Apud. CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 31. 6 Dados obtidos no site do Programa das Naes Unidas: Human Development Reports. Disponvel em: . Acesso em: 27 abr. 2006. 7 Os dados utilizados para concluso do levantamento publicado pelas Naes Unidas fundamenta-se nos critrios adotados por cada pas para a anlise de sua populao urbana ou rural, da certa dificuldade de precisar exatamente a populao urbana atingida pelo estudos publicados. Conferir alguma estatstica no site http://www.statistiques-mondiales.com/population_urbaine.htm. Acesso em: 28 ago. 2009.

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Ainda que se possa contestar a preciso dos ndices estatsticos, a urbanizao da humanidade um fenmeno irrefutvel da sociedade industrializada, tendo ocorrido em maior ou menor amplitude de acordo com a histria e o desenvolvimento econmico de cada pas. A essa sociedade urbana corresponde, tal a sua importncia, a uma verdadeira Revoluo Urbana, equivalente Revoluo Industrial do sculo XIX8. O espao habitado no planeta deixou de ser predominantemente rural e passou a ser, em regra, urbano. Tal revoluo se verifica na medida em que a transformao urbana se apresenta de forma surpreendentemente acelerada: em 50 anos foi construdo no solo mais do que em trs sculos, o que representa uma triplicao da superfcie das cidades9. Diante desse cenrio, o urbanismo passa a ser, em um primeiro significado, uma nova realidade, uma nova forma de assentamento humano e de aproveitamento e ordenao do espao que, pela primeira vez em vrios milnios da histria humana, substitui os modos da civilizao rural que parecia haver logrado uma articulao quase perfeita entre o homem e a terra10. Em segundo lugar, o urbanismo passa a ser um fenmeno que gera problemas e implica em reduo da populao rural. no meio urbano que se assistir deteriorao do ambiente, desorganizao social, carncia de habitao, ao desemprego, aos problemas de higiene, transportes e circulao e destruio do patrimnio cultural11. nesse mesmo contexto, entretanto, que o urbanismo tambm gerar respostas novas, cada vez mais complexas e procedentes de diversas reas, como a arquitetura, a arte, a histria, o direito, a sociologia, a psicologia, a economia, as engenharias, a ecologia, todas elas devendo estar coordenadas e articuladas para concretizar solues12. E as solues promovidas pelo novo urbanismo daro conta de uma alargada gama de fatos e interesses. Acompanhando a ampliao de funes do Estado Social de Direito, o direito urbanstico passa a compreender finalidades de naturezas mltiplas, tocando questes ligadas ao direito ambiental, ao patrimnio cultural e econmico, formando interseces interdisciplinares que carecem de desenvolvimento terico, bem como o abandono de prticas ultrapassadas de gesto das cidades.

a) O urbanismo e a cultura

O processo de coordenao ou integrao de interesses no contexto urbano tem origem na mudana a que se assistiu na sociedade ocidental. Desde o sculo XIX (Revoluo Industrial)13,

8 L.; DANAN, Y.M.. Le Droit de Lurbanisme. Paris: Editions Eyrolles, 1978. p. 1. 9 A expanso das cidades vem em seguida ao fenmeno de esvaziamento dos campos e sobretudo do aumento da populao mundial nos ltimos dois sculos. Enquanto a populao mundial quadruplica aps 1850, a populao urbana se multiplica por dez. Cf. HAROUEL, Jean-Louis. Histria do Urbanismo. 4. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004. p. 101 e HEYMANN, A. LExtension des Villes. Paris: PUF, 1973. 10 GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo; PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de Derecho Urbanstico. Vol I. Madrid: Editorial Civitas, 1978. p. 22. 11 SILVA, Jos Afonso da. Direito Urbanstico Brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1997. p. 21. 12 Em consequncia dos fenmenos urbanos verificados hoje, desenvolve-se com grande desenvoltura o direito urbanstico, ambiental e o direito do patrimnio cultural. No contexto dessas disciplinas, possvel analisar a relevncia e o desenvolvimento do ordenamento do territrio, o desenvolvimento sustentvel das cidades, os planos urbansticos na diviso do uso do espao e os problemas comuns das cidades, entre eles, as questes ligadas produo dos bens imveis urbanos na maioria das vezes voltada para a produo habitacional e sobretudo s tcnicas de renovao confrontadas com os interesses de conservao e preservao do patrimnio cultural arquitetnico. 13 A descoberta do tempo, o conhecimento e reconhecimento do passado, a apropriao de setores cada vez mais numerosos e extensos do patrimnio resulta de uma srie de rupturas sucessivas. Destacam-se a ruptura do Renascimento, do humanismo, das luzes, com a apario de correntes filosficas, necessidade reconhecida de novos estudos, aproximao positiva dos fenmenos, o movimento dos saberes, a confrontao do presente com a antiguidade, tudo que conduz ao tempo do conhecimento. Em seguida aponta a doutrina a Revoluo Francesa, que teve efeitos mundiais na estrutura da propriedade. E a terceira ruptura se verifica com a Revoluo Industrial, que refora a necessidade da apropriao do patrimnio cultural e a salvaguarda dos traos do passado. A produo em massa provocou uma ruptura fundamental entre dois perodos da criao humana e conduziu tomada de conscincia de que s o passado pode produzir a beleza. Balzac dizia que ns temos os produtos, no temos mais as obras. Assim como Victor Hugo dizia que a indstria substituiu a arte. Cf. FRIER, Pierre-Laurent. Droit du patrimoine culturel. Paris: PUF, 1997, p. 21-22.

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vivenciamos um processo que se desenrola at hoje de transformao muito rpida, que faz aumentar o nvel de concentrao urbana. E essa concentrao urbana que ocorreu na maior parte das cidades ocidentais implicou destruio de estruturas pr-existentes. Ncleos antigos, antes essenciais para o desenvolvimento econmico da vila, passaram a ser imprprios circulao ou desapareceram simplesmente para dar lugar ao novo na era funcional das cidades14. Muitas mudanas foram promovidas para atender a novas realidades urbanas em pouco espao de tempo. Para construir uma cidade que atendesse urbanizao galopante, promoveu-se a destruio rpida das estruturas do passado. Toda essa ao do homem na busca pelo progresso, gerou tambm um mal-estar ou ameaa, que est na origem do desenvolvimento do conceito de patrimnio, entendido como algo que faz parte da nossa memria coletiva e que tem que ser preservado15. Pires16, em inspirada sntese, anota que a relao da recproca constitutividade da cultura e da cidade ope-se a da recproca destruio. Paradoxalmente, so alguns processos construtivos da cidade que tambm ameaam e destroem a cidade cultural, as referncias da memria coletiva, as representaes de mundo, o patrimnio arquitetnico, esttico, histrico, as ambincias e os cenrios importantes da vida da comunidade, com repercusso direta ou indireta na gerao e no consumo de bens e servios culturais. De outra parte, a prpria cultura que investe contra a cidade fsica, impondo a substituio de espaos de sociabilidade, sepultando, pelo inconsciente coletivo, formas e escalas e formando novos mapas de geografia cultural que levam deteriorao espaos consolidados e emergncia de novas centralidades pela relao funcional cultura e espao, ou seja, pela consagrao de novos locus de reforo identidade17. Soma-se a essas foras aparentemente antagnicas certa crise da modernidade causada por um mal-estar generalizado, ancorado em um pensamento ps-moderno desordenado e teoricamente confuso. Fala-se em conteno do crescimento (esquizofrenia da construo e urbanizao excessiva do territrio)18 e tenta-se resgatar certos valores que podem nos auxiliar na obteno de algum equilbrio, na medida em que as mudanas urbanas, tecnolgicas e econmicas provocam insegurana, riscos e descontinuidades. Surge uma inegvel preocupao com aquilo que deve ser mantido e reconhecido por seu valor cultural. Resta incontornvel desenvolver as noes de herana, de preservao e de sustentabilidade. Tais conceitos passam a ser utilizados nos discursos conservadoristas e sustentam a ideia de que o processo de urbanizao dever respeitar os traos de identidade deixados atravs dos tempos por aqueles que nos precederam. Assiste-se a uma verdadeira tomada de conscincia de que existe uma relao indissocivel entre a produo da cidade e a formao de uma identidade cultural. Ao mesmo tempo em que a 14 Assim como em Portugal, na dcada de 1950 tivemos uma desmensurada f no progresso tecnolgico, e nessa altura o antigo era considerado obstculo. O restauro e a conservao, ao lado de uma noo extremamente liberal de propriedade privada, representavam um dispndio de recursos e tcnica que no se justificavam. Era um tempo em que se queria esquecer a histria em prol de um grande otimismo no desenvolvimento futuro. A opo era o novo, a cidade nova, que traduzia os paradigmas do espao aberto, da forma que segue a funo da arquitetura moderna. Asituao muda nas dcadas de 60 e 70 com o advento de uma conscincia de que o desenvolvimento logartimo no era sustentvel, e passamos a assistir uma gradual passagem de uma cultura de expanso para uma cultura de requalificao das cidades, a qual se processava atravs de um desenvolvimento urbanstico de carter qualitativo e no mais quantitativo. Cf. VENUTI, Giuseppe Campos. Urbanismo y Austeridad. Madrid: Siglo XX, 1981. p. 45 e ss. 15 Cf. CARVALHO, Jorge. Formas Urbanas. Coimbra: Minerva Coimbra, 2003. p. 30. O mundo contemporneo, ao procurar a novidade, rompe com o passado prximo e distante, criando para si mesmo uma constante e sofrida nostalgia pelo antigo. Cf. ARAJO, Fernanda. O Actual Regime Jurdico da Proteco e Salvaguarda do Patrimnio Arquitectnico Portugus. Patrimnio/Territrio Interaces. Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, Coimbra, n. 18/19, p. 9-39, dezembro 2002 junho 2003. 16 Cf. PIRES, Maria Coeli Simes. Direito Urbanstico, meio ambiente e patrimnio cultural. Revista de Informao legislativa, Braslia, n.151, p. 207-230, jul/set, 2001. 17 O lugar mais do que um espao fsico onde se cravam estruturas de concreto. Ele d forma ao tempo e nele sentimos a presena de elementos diversos que se completam, a vida em seu exerccio. Cf. ANTUNES, Lus Filipe Colao. Contributo para uma Percepo Jurdico-Cultural do Centro Histrico. Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, Coimbra, n. 7, p. 67-92, junho, 1997. 18 Cf. ANTUNES, Lus Filipe Colao. Contributo para uma Percepo Jurdico-Cultural do Centro Histrico. Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, Coimbra, n. 7, p. 67-92, junho, 1997.

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cidade se cria por diversos fatores, ela representa uma sociedade, um ncleo humano e expe uma vida e uma cultura. Forma-se o que se conceitua hoje como patrimnio cultural, composto, dentre outros, por bens materiais que se dispersam no territrio, como o caso dos bens arquitetnicos, paisagsticos e arqueolgicos. Tal patrimnio composto por propriedades imveis cujo valor e relevncia cultural lhes conferem hoje tratamento especial pela legislao e pela doutrina19. No Brasil, o interesse pela cultura repousa em uma legislao nacional que comeou a se mobilizar e a despertar em 1933, ocasio em que o Decreto n. 22.928, de 12 de julho conferiu a cidade de Ouro Preto o ttulo de Monumento Nacional20. As primeiras leis de urbanismo se formalizaram, por sua vez, em 1826, quando foi promulgada a lei de desapropriao por utilidade pblica para a execuo de obras de comodidade geral e decorao pblica. Aps, sobreveio a Lei n. 57, de 16 de maro de 1836, regulando a desapropriao por utilidade municipal ou provincial para abertura ou melhoramento de estradas, canais, portos aguadas, construes de pontes, ranchos ou servides e comodidades necessrias ao uso destes objetos; bem como abertura ou melhoramento de ruas, praas, decoraes, monumentos, aquedutos, fontes e logradouros pblicos (art. 1)21. Desde o incio, as questes do urbanismo passaram indiretamente pelos interesses do patrimnio cultural imvel. Era da alada do governo no momento de tratar dos espaos, prezar pela beleza da cidade. A questo esttica, ainda que secundria, sempre foi de interesse da matria urbanstica. Ocorre que as disciplinas dos interesses urbansticos e culturais se desenvolveram separadamente. Apesar de se tocarem mutuamente nas questes ligadas ao patrimnio cultural, suas leis e rgos tcnicos se especializaram. Existe um Ministrio da Cultura e um Ministrio das Cidades no plano nacional no Brasil, assim como nos demais entes federativos a estrutura se repete, com secretarias estaduais e municipais de desenvolvimento e da cultura. Atualmente a distino entre as disciplinas vai se tornando menos acentuada ao se reconhecer que um moderno direito urbanstico passa a assumir dimenses mltiplas do territrio, tomando em conta, para alm dos aspectos fsicos, as dimenses dinmicas, sociais e simblico-culturais das cidades e do campo22. A planificao urbana surge, nesse contexto, como uma tentativa de conter as tendncias destrutivas e expansivas das cidades, onde se dever privilegiar uma viso integrada do territrio que busque harmonizar e articular o espao construdo antropormofizado (cidade e campo) com o espao natural e cultural, na medida em que tudo integra um ecossistema.

19 Verificar no direito portugus, o conceito em NABAIS, Jos Casalta. Direito do Patrimnio Cultural. Legislao. Almedina: Coimbra, 2003, p. 190 e no direito brasileiro a legislao pertinente: Decreto-Lei n. 25/37. O tema ser desenvolvido em pormenores na segunda parte deste trabalho. 20 No se ignoram as anteriores manifestaes legislativas que tambm denotam certa preocupao do governo brasileiro com o patrimnio cultural. Miranda anota que j em 1742 o ento vice-rei do Brasil, Andr de Melo e Castro, Conde de Galveias, escreveu ao governador de Pernambuco, Luis Pereira Freire de Andrade, ordenando a paralizao das obras de transformao do Palcio das Duas Torres, construdo por Maurcio de Nassau, em um quartel para as tropas locais. Em outra ocasio, possvel verificar que o art. 178 do Cdigo Criminal do Imprio, de 1830, considerava criminosa a conduta consistente em destruir, abater, mutilar, ou danificar monumentos, edifcios, bens pblicos ou quaisquer outros objetos destinados utilidade, decorao ou recreio pblico. Por outro lado, ainda que se tenham registros de propostas de lei encaminhadas pela Sociedade Brasileira de Belas Artes em 1920 e 1923, somente em 1933 houve expressamente a aprovao do Decreto que tombou a cidade de Ouro Preto. Cf. MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do patrimnio cultural brasileiro. Belo Horizonte: DelRey, 2006, p. 1 e ss. 21 Cf. SILVA, Jos Afonso. Direito Urbanstico Brasileiro. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2006, pg. 54. 22 O aspecto fsico do territrio diz respeito a sua expresso de ordenao territorial, seu traado, arruamento, ocupao, configurao de uma relao direta com a terra e com a natureza sob o prisma da horizontalidade, pelos seus cheios e vazios e pela sua verticalidade. A dimenso dinmica da cidade aquela que se identifica na trama urbana, na sua lgica de mobilidade funcional, estimulada pela cadeia de bens, servios e rendas, essencialmente palco de produo econmica. A dimenso sociolgica aquela que se verifica na cidade enquanto espao de representao da conformao ou estratificao social, de expresso das relaes sociais de produo e dos correspondentes graus de cidadania. J a simblica aquela que diz respeito aos dados de cultura e valor transcendente de materialidade da cidade, o elemento que integra culturalmente, d identidade coletiva a seus habitantes e tem um valor de marca e de dinmica com relao ao exterior. Nesse sentido, PIRES, Maria Coeli Simes. Cidade e Cultura Recprocas Interferncias e suas Representaes. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 40, p. 189-217, jul/dez 2001.

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O envolvimento entre a disciplina dos solos e a disciplina do patrimnio cultural passa a ser inafastvel. O reconhecimento da relevncia cultural de bens imveis localizados nas cidades e no campo est expresso na ordem jurdica dos pases e ampliam-se os tratados, cartas e recomendaes internacionais que tocam diretamente o tema. O mundo desperta definitivamente para as questes ligadas ao patrimnio cultural, ainda que no seja simples tutelar os bens que o compe23. assim que, dentro do contexto das cidades contemporneas, no se poder deixar de abordar as questes ligadas ao patrimnio cultural existente, uma vez que a cada cidade correspondem uma histria e uma identidade a ser preservadas.

b) O direito e a cidade culturalmente preservada

A semelhana das outras cincias, o Direito contemporneo se debrua sobre as questes do urbanismo, do patrimnio cultural e tende a se especializar. Sua interveno na disposio espacial do cenrio urbano (incluindo o ambiente rural) passa a influenciar decisivamente a vida e o desenvolvimento da cidade. Dentro de um contexto atual em que o Estado intervencionista chamado a buscar um equilbrio entre interesses particulares e coletivos, a relao do indivduo com o solo vista de maneira diversa daquela encontrada no Estado liberal24. A propriedade passa a ser definida dentro de uma perspectiva social e a relao jurdica estabelecida no direito de propriedade se insere em um novo contexto pblico e privado25. A evoluo dos fenmenos urbanos e a demanda crescente de normas reguladoras que disciplinem o direito de propriedade forjaram um sistema interdisciplinar que envolve a urbe, os fatos econmicos e sociais do crescimento e a renovao das vilas. Todos coadunados com os interesses sociais e culturais de preservao do patrimnio das cidades. De fato, os espaos culturais aquelas zonas onde so possveis encontrar sinais ou vestgios de cultura material, tais como monumentos, castelos, torres, caladas, pontes, albufeiras, restos arqueolgicos, manifestaes arquitetnicas que tenham sido expresso relevante da cultura tradicional de um povo, cascos antigos de nossas cidades. Em suma, elementos que no nosso ordenamento jurdico so considerados como bens integrantes do patrimnio histrico, se encontram imersos na mais ampla problemtica do uso do territrio26. A relevncia do patrimnio cultural urbano reflete-se sobremaneira nos tratados e convenes internacionais e, entre outras iniciativas, na criao da Unesco, em 1946, uma organizao que estabeleceu entre seus fins a proteco do Patrimnio Cultural dos povos27. De certo, embora no sem antecedentes noutras eras, somente no sculo XX se toma conscincia (quer por parte dos

23 A partir do momento em que se tutela o bem cultural, declarando sua natureza pblica e fazendo recair sobre a propriedade um regime diverso, com encargos especficos, passa-se a enfrentar um dos maiores problemas dessa disciplina: a gesto, que importa em conservao, valorizao e proteo do patrimnio cultural. Cf. SILVA, Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares. Da Contemplao da Runa ao Patrimnio Sustentvel. Contributo para uma Compreenso Adequada de Bens Culturais. RevCedoua, n. 10, p. 69-93, ano V, 2002. Coimbra, 2003. 24 Com a ampliao do papel do Estado de direito, as funes e os objetivos da administrao pblica se estenderam. Nesse diapaso, o direito urbanstico se desenvolveu e, assentado na planificao, trouxe instrumentos especiais para a ordenao das cidades. No presente destacaremos os planos diretores e a renovao urbana. Sobre os instrumentos do direito urbanstico, conferir GUIMARES, Nathlia Arruda. O papel do municpio com o novo Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Temas&Ideias, 2004. 25 Nesse sentido, TEPEDINO, Gustavo. Aspectos da propriedade privada na ordem constitucional. In: TUBENCHLACK, James e BUSTAMANTE, Ricardo (Coord.). Estudos Jurdicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurdicos, 1001. p. 323. 26 ALONSO IBANEZ, Maria del Rosario. Los Espacios Culturales en la Ordenacion Urbanstica. Madrid: Marcial Pons, 1994. pg. 17. Texto original: los espacios culturales, esto es, aquellas zonas en donde es posible encontrar huellas o vestigios de cultura material, tales como monumentos, castillos, torreones, calzadas, puentes, embalses, restos arqueolgicos, manifestaciones arquitectnicas que son o han sido expresin relevante de la cultura tradicional de un pueblo, cascos antiguos de nuestras ciudades, en suma, elementos que en nuestro ordenamiento jurdico tienen la consideracin de bienes integrantes del patrimonio histrico, se encuentran inmersos en la ms amplia problemtica del uso del territorio. 27 NABAIS, Jos Casalta. Instrumentos Jurdicos e Financeiros de Proteo ao Patrimnio Cultural. Coimbra: CEFA, 1998. p. 38.

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governantes, quer por parte dos cidados e grupos de cidados) da importncia do patrimnio cultural e se envidam esforos globais para a sua preservao28. A declarao universal dos direitos dos povos expressa em seu art. 14 que todo povo tem direito s suas riquezas artsticas, histricas e culturais29.

A importncia do patrimnio cultural fica ainda explcita ao verificarmos, para alm das manifestaes internacionais, a importncia conferida atualmente sua salvaguarda nas Cartas Fundamentais e na legislao urbanstica do Brasil e Portugal.

A Constituio brasileira assume e delineia um Estado Cultural, ao garantir no art. 215 em seo especialmente destinada cultura: o Estado garantir a todos o pleno exerccio dos direitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, e apoiar e incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes culturais30.

Em seguida, no art. 216, a Constituio brasileira define o contedo do patrimnio cultural brasileiro como os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade31, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira; estabelece a obrigatoriedade do poder pblico, com a colaborao da comunidade, de promover e proteger o patrimnio cultural brasileiro, por meio de inventrios, registros, vigilncia, tombamento e desapropriao e de outras formas de acautelamento e preservao.

A Constituio portuguesa, por sua vez, refere-se ao patrimnio cultural em trs momentos ou segmentos da sua ordenao. Numa primeira oportunidade o patrimnio cultural integra as tarefas fundamentais do Estado, que passa a assumir o dever de proteger e valorizar o patrimnio cultural do povo portugus, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do territrio (art. 9, e). Isso significa que, dentre as misses elementares do Estado portugus, ou seja, suas razes de ser, encontra-se a de proteger e valorizar o patrimnio cultural do povo portugus, uma tarefa lato sensu concretizada ou explicitada, sobretudo na Parte I, dedicada aos direitos e deveres fundamentais. A encontramos, pormenorizadamente, o patrimnio cultural (art. 9, e, art. 66, n 2, c; art. 73, n 3; art. 78, n 2, c, da Constituio portuguesa)32.

Em se tratando da normativa infraconstitucional especial, destaquemos, no Brasil, o Decreto-Lei n. 25/37, que dispe acerca das medidas de tutela, proteo, valorizao e conservao dos bens culturais em geral. Em Portugal, a matria tratada no nvel infraconstitucional, entre outras normativas, pela Lei de Bases da Poltica e do Regime da Proteo e Valorizao do Patrimnio Cultural, Lei n. 107/2001 de 8 de setembro, normativa que veio revogar a ento Lei do Patrimnio Cultural portugus, n. 13/85, de 6 de julho33.

28 MIRANDA, Jorge. O Patrimnio cultura e a Constituio tpicos. In: Direito do Patrimnio. Lisboa: INA, 1996. p. 253-277. 29 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do Patrimnio Cultural brasileiro: Doutrina, Jurisprudncia, Legislao. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 2 30 Cf. MEDAUAR, Odete. Coletnea de Legislao Administrativa. Constituio Federal. 7. ed. So Paulo: RT, 2007. 31 Vale trazer referncia alguns comentrios de Lemaire sobre o patrimnio e a identidade cultural nas Amricas. Segundo esse autor, a origem da conservao e da restaurao do patrimnio que se concebe atualmente europeia. A adoo dessas concepes europeias em matria de patrimnio por outros pases de outros continentes, principalmente os pases em desenvolvimento um reflexo do colonialismo que marcou uma pgina das suas histrias. A questo da identidade que surge de um pas colonizado dever admitir os diversos grupos de povos com suas diversidades culturais, muitas vezes totalmente diversas. A salvaguarda de um patrimnio cultural , a princpio, um testemunho de reconhecimento e de respeito pelos povos que o geraram. Cf. LEMAIRE, R. Patrimoine et identit culturelle. In: VANDEN BEMDEN, Yvette (Dir.). Premires rencontres du patrimoine amrique latine-europe (Monuments, sites et documents historiques). Namur: Facults universitaire notre-daime de la paix, 1996.p. 299-304. 32 Cf. NABAIS, Jos Casalta. Instrumentos Jurdicos e Financeiros de Proteco do Patrimnio Cultural. Coimbra: CEFA, 1998. p. 33 e ss. 33 Apontamentos acerca da Lei n.13/85 podem ser encontrados em ALEXANDRINO, Jos Alberto de Melo. Uma nova lei de bases para o patrimnio. Cadernos de Cincia e Legislao, Lisboa, n. 24, p. 5-20, jan./mar. 1999 e em BRAVO, Jorge Manuel Almeida dos Reis. Proteco do Patrimnio Cultural, Etnogrfico, histrico e arqueolgico. Notas para uma reflexo. Revista Mnia, Braga, n. 4, p. 3-22, 1996. Acerca da atual normativa portuguesa que trata do patrimnio cultural daquele pas, conferir NABAIS, Jos Casalta; SILVA, Suzana Tavares da. Direito do patrimnio Cultural. Legislao. 2. ed. Almedina: Coimbra, 2006 e, do mesmo autor, Introduo ao Direito do Patrimnio Cultural. Coimbra: Almedina, 2004;

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No que se refere s normas destinadas ao planejamento territorial, destacamos no Brasil, a Lei n. 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, que regula o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos cidados, bem como do equilbrio ambiental, disciplinando, ainda, diretivas a serem observadas pelo legislador federal, estadual e municipal, quando da elaborao e aprovao dos planos urbansticos.

Em Portugal, a legislao urbanstica nacional centra-se na Lei n.48/98, de 11 de agosto, em que se estabelece as bases da poltica de ordenamento do territrio e de urbanismo e no Decreto-Lei n. 380/99, de 22 de setembro, onde se estabelece o regime jurdico dos instrumentos de gesto territorial34. O pas ainda dedica dois decretos de grande relevncia ao trato da disciplina dos bens culturais urbanos: O Decreto-Lei n. 307/2009 e o Decreto-Lei n. 309/2009, ambos de 23 de outubro.

A importncia do patrimnio cultural fica explcita ao verificarmos o espao concedido atualmente salvaguarda do patrimnio cultural arquitetnico na legislao mencionada, em ambos os pases.

No Brasil, a Lei n. 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, regula o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos cidados, bem como do equilbrio ambiental, disciplinando, ainda, diretivas a serem observadas pelo legislador Federal, Estadual e Municipal, quando da elaborao e aprovao dos planos urbansticos. De acordo com o Estatuto da Cidade, a poltica urbana35 no Brasil ter por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante proteo, preservao e recuperao do meio ambiente natural e construdo, do patrimnio cultural, histrico, artstico, paisagstico e arqueolgico36. Em Portugal, por sua vez, os planos urbansticos constituem instrumentos de tutela de bens culturais com suporte material37. Assim, traz expressa a Lei de Bases da Poltica de Ordenamento do Territrio e de Urbanismo (Lei n. 48, de 11 de agosto de 1998), que no artigo 3, alnea d, se refere defesa e valorizao do patrimnio natural e cultural como um dos fins da poltica de ordenamento do territrio e de urbanismo, bem como reabilitao e a revitalizao dos centros histricos e dos elementos de patrimnio cultural classificados como um dos objetivos do urbanismo e do ordenamento do territrio (art. 6). Alm da legislao nacional, a Conveno de Granada assinada por Portugal e por pases da Europa estabelece compromissos para as polticas dos Estados-Membros signatrios. Entre eles, o dever de incluir a proteo do patrimnio arquitetnico nos objetivos essenciais do ordenamento do territrio e do urbanismo e que garantam que tal imperativo seja tomado em considerao nas diversas fases da elaborao de planos de ordenamento e dos processos de autorizao de obras38. Para alm dos compromissos assumidos na legislao nacional e internacional, Portugal possui um Instituto da Habitao e da Reabilitao Urbana, I.P. (IHRU), instituto pblico integrado administrao indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e patrimnio prprio. Esse instituto regulado pelo Decreto-Lei n. 223/2007 e tem por misso assegurar a concretizao da poltica definida pelo Governo para as reas da habitao e da reabilitao urbana, de 34 Cf. CORREIA, Fernando Alves. Direito do Ordenamento do Territrio e do Urbanismo. Legislao Bsica. 8.ed. Coimbra: Almedina, 2008. 35 A Constituio brasileira de 1988 traz em detalhes sobre a realizao de polticas pblicas, como, por exemplo, nos Ttulos VII, VIII e IX. Sua expresso mais frequente o plano (embora com ele no se confunda), que pode ter carter geral ou regional. Tais polticas so expressas, comumente, em leis, segundo a tradio normativa brasileira. Mais detalhes sobre as polticas pblicas e sua configurao no sistema jurdico brasileiro, conferir: BUCCI, Maria Paula Dallari. Polticas Pblicas e direito administrativo. Revista de Informao Legislativa, Braslia, n. 133, p. 89-98, ano 34, jan./mar. 1997. 36 Diretrizes gerais dispostas no art. 2 , inciso XII, do Estatuto da Cidade. 37 SILVA, Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares. Da Contemplao da Runa ao Patrimnio Sustentvel. Contributo para uma Compreenso Adequada de Bens Culturais. Coimbra. RevCedoua, n. 10, p.69-93, Ano V-2.02, 2003. 38 Art. 10, da Conveno de Granada assinada em 3 de outubro de 1985, aprovada para ratificao pela Resoluo da Assembleia da Republica n. 5/91 e ratificada pelo Decreto do Presidente da Repblica de Portugal n. 5/91, ambos de 23 de janeiro. Antes dela, a Carta Europeia do Patrimnio Arquitetnico de Amsterd, de outubro de 1975, j considerava que a conservao do patrimnio arquitetnico depende largamente de sua integrao no quadro de vida dos cidados e da sua considerao nos planos de ordenamento do territrio e do urbanismo. Cf. Carta Europeia do Patrimnio Arquitetnico, 1975. FERREIRA, Jorge A. B. Direito do Patrimnio Histrico-Cultural. Cartas, Convenes e Recomendaes Internacionais. Atos Comunitrios. Coimbra: CEFA, 1998. p. 33.

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forma articulada com a poltica de cidades e com outras polticas sociais de salvaguarda e valorizao patrimonial, assegurando a memria do edificado e sua evoluo (art. 3, Decreto-Lei n. 223/2007). As atribuies do IHRU, I.P. traduzem uma coordenao entre salvaguarda do bem cultural imvel e a gesto territorial, servindo de exemplo para a estrutura brasileira, que no conhece semelhante organizao. Mencionemos, ainda na estrutura de Portugal, o IGESPAR, IP, criado atravs do Decreto-Lei n. 96/2007 de 29 de maro, resultando da fuso do Instituto Portugus do Patrimnio Arquitectnico e do Instituto Portugus de Arqueologia, incorporando tambm parte das atribuies da extinta Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. Atravs da Portaria n. 376/2007 de 30 de maro foi determinada a organizao interna do IGESPAR, IP, bem como aprovados os seus Estatutos. O IGESPAR o organismo central com jurisdio nacional e tem por misso a gesto, a salvaguarda, a conservao e a valorizao dos bens que, pelo seu interesse histrico, artstico, paisagstico, cientfico, social e tcnico, integrem o patrimnio cultural arquitetnico e arqueolgico classificado no pas (art. 3, Decreto-Lei n. 96/2007). O IGESPAR encontra similar na ordem brasileira no Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), mas aquele possui atribuies mais largas que o seu correspondente brasileiro por atuar como rgo da administrao central de Portugal e assumir funes relevantes perante todos os bens culturais do territrio nacional independentemente da graduao do interesse cultural e relevncia (municipal, regional ou nacional)39. O IGESPAR conta com direes regionais da cultura (Decreto Regulamentar n. 34/2007), que compem um sistema descentralizado da cultura e equilibram o acesso aos servios daquele rgo em todo o pas. Note-se, portanto, que os Estados brasileiro e portugus, na medida de suas diversidades e regimes jurdicos prprios, disponibilizam uma ampla rede de instituies e legislao especializadas tanto no domnio do direito urbanstico, quanto no domnio de direito do patrimnio cultural. Dever-se-, no entanto, reconhecer tambm que o dever do Estado suplanta a mera salvaguarda isolada dos bens culturais imveis. preciso responder a uma demanda inafastvel de conciliao entre o planejamento urbanstico e as polticas de proteo do patrimnio cultural. Alcanar efetivamente todos os elementos que compem a noo de salvaguarda do patrimnio cultural (tutela, proteo, conservao e valorizao) exige muito mais alm da introduo desses bens nos mapas que integram o contedo material dos planos diretores, dedicados ao detalhamento das reas das cidades. Requer que a poltica de tutela dos espaos considerados culturais esteja coordenada com a gesto da ordenao do territrio, no mesmo nvel que as polticas de conservao do meio ambiente natural, de equipamentos, servios e infraestruturas, tomando-se conscincia de que todas elas, da mesma maneira, devem ser fundamento dos respectivos programas econmicos com o que se pretenda uma utilizao racional e equilibrada do territrio40.

39 Os bens a serem classificados em nvel municipal devem ser submetidos ao parecer do Governo, notadamente atravs do rgo especializado da cultura (IGESPAR). Da mesma maneira, os registros de classificao realizados pelos municpios e autarquias autnomas sero comunicados a este mesmo rgo. Segundo o item 1, do art. 93 da Lei n. 107/2001, de 8 de setembro, as Regies Autnomas e os municpios comparticipam com o Estado na tarefa fundamental de proteger e valorizar o patrimnio cultural do povo portugus, prosseguido por todos como atribuio comum, ainda que diferenciada nas respectivas concretizaes e sem prejuzo da discriminao das competncias dos rgos de cada tipo de ente. (...) E na sequncia, o item 1, do Art. 94 da mesma Lei dispe que A classificao de bens culturais como de interesse nacional incumbe, nos termos da lei, aos competentes rgos e servios do Estado, a classificao de bens culturais como de interesse pblico incumbe aos competentes rgos e servios do Estado ou das Regies Autnomas quando o bem ali se localizar, nos termos da lei e dos estatutos poltico-administrativos, e a classificao de bens culturais como de interesse municipal incumbe aos municpios. 2 A classificao de bens culturais pelos municpios ser antecedida de parecer dos competentes rgos e servios do Estado, ou das Regies Autnomas se o municpio a se situar. 3 Se outra coisa no for disposta pela legislao de desenvolvimento, o silncio do rgo competente pelo prazo de 45 dias vale como parecer favorvel. 4 Os registos de classificao das Regies Autnomas sero comunicados ao Estado, e os registos de classificao dos municpios sero comunicados ao Estado, ou ao Estado e Regio Autnoma. 5 A classificao de bens culturais pertecentes a igrejas e a outras comunidades religiosas incumbe exclusivamente ao Estado e s Regies Autnomas. Cf. Lei n. 107/2001, de 8 de setembro. In: CORREIA, Fernando Alves. Direito do Ordenamento do Territrio e do Urbanismo. Legislao Bsica. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2008. 40 IBANEZ, Maria del Rosario Alonso. Los Espacios Culturales en La Ordenacion Urbanstica. Madrid: Marcial Pons, 1994. p. 21.

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Nosso trabalho de pesquisa insere-se nesse contexto ftico e prtico de nosso tempo. Tratamos de analisar do ponto de vista jurdico e, mais precisamente, do ponto de vista do direito urbanstico, algumas questes ligadas gesto pblica das cidades e integrao sustentvel do patrimnio cultural material ali identificado. Parte-se da premissa de que o direito urbanstico atual assume a integrao dos diversos interesses coexistentes na dinmica de uso e mutao do territrio, tendo como norteador de suas intervenes os princpios e os fins do Estado Social que envolvem, entre outros, a sustentabilidade urbana e o direito qualidade de vida. A problemtica a ser desenvolvida na presente tese parte da seguinte observao e centra-se em um ponto: existe uma necessidade premente de integrar as polticas de salvaguarda e gesto do patrimnio cultural s polticas de planejamento territorial. Nesse sentido, observamos durante o desenvolvimento da tese em que medida a coordenao das polticas mencionadas poder ampliar o sentido de salvaguarda do patrimnio cultural. Nossa hiptese nuclear a de que a tutela do patrimnio cultural imvel poder-se- realizar por meio do planejamento urbanstico das cidades, especificamente atravs dos planos diretores municipais. Para alm da tutela, abordamos rapidamente qual a viabilidade jurdica atual da proteo, conservao e valorizao do patrimnio cultural a partir da implementao de instrumentos urbansticos. O tema privilegia a reflexo acerca dos instrumentos urbansticos e seu papel diante da identificada necessidade de uma salvaguarda integrada do patrimnio cultural imvel urbano41. Parte-se da afirmao de que o Plano Diretor42, instrumento central do direito urbanstico, tem por funes a tutela, a proteo, a conservao e a valorizao dos bens culturais43, devendo, portanto, estar coordenado com as polticas de preservao do patrimnio para, alm disso, constituir por si prprio instrumento de tutela, ainda que na ausncia de uma poltica de preservao especial44. O desenvolvimento do tema se justifica uma vez que a valorizao cada vez maior das questes ligadas ao ambiente, aos patrimnios histrico e arquitetnico, cultura e ao lazer sintomtica de um novo conceito de qualidade de vida urbana45. Atravs da salvaguarda do 41 Hoje verificamos uma enorme exploso no mbito do que consideramos patrimnio. Patrimnio tanto a obra de arte, a runa arquitetnica, como o lugar, o ambiente, o ncleo histrico, ou seja, a cidade histrica e a cidade consolidada. Mas tambm patrimnio o territrio e a paisagem humanizada. O interesse pelo passado alargou-se substancialmente e o urbanismo qualitativo de hoje deve absorver tais interesses gerindo a cidade existente. Cf. AGUIAR, Jos. A Conservao do Patrimnio Urbano e o Lugar das Novas Arquiteturas. In: COUTO, Clia (Coord.) Estratgias de Reabilitao de Centros Histricos. Actas da Conferncia realizada em 18 e 19 de junho de 1999, no mbito do 1 Frum Internacional de Urbanismo. Coleco Frum n. 4. Lisboa: URBE, 2001.p. 27-46 e VENUTI, Giuseppe Campos. Urbanismo y Austeridad. Madrid: Siglo XXI, 1981. 42 () o plano urbanstico , precisamente, o instituto fundamental e central do direito do urbanismo. A relao entre o direito do urbanismo e o plano de tal forma, que inconcebvel este ramo do direito sem plano (relao de necessidade). Cf. OLIVEIRA, Fernanda Paula. Instrumentos de Participao Pblica em Gesto Urbanstica. Coimbra: CEFA, 2000. p. 10. 43 A funo ampla do Plano Diretor decorre da noo de direito urbanstico que abrange o conjunto de normas concernentes ocupao, uso e transformao dos solos no apenas para fins urbansticos (de urbanizao e de construo), mas tambm para fins agrcolas, de valorizao e proteco da natureza, de recuperao de centros histricos etc. Assim, contraposta a ideia do urbanismo limitado ao domnio da urbe e sua urbanizao. No primeiro sentido, Cf. CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanstico e o Princpio da Igualdade. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. No sentido mais restrito, Cf. AMARAL, Diogo Freitas do. Ordenamento do Territrio, Urbanismo e Ambiente: Objecto, Autonomia e Distines. Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, Coimbra, n. 1, p. 11-40, junho, 1994. 44 Ainda que menos frequente, essa via utilizada em alguns planos diretores municipais portugueses, quando ento o legislador local delimita reas de proteo de uma srie de bens com valor cultural representativo, ainda que estes no estejam ainda classificados. A ocorrncia dessa medida de extrema importncia e garante a tutela de bens ameaados, sobretudo os arqueolgicos. Em seguida, desenvolveremos o tema com mais detalhes e para j trazemos colao o exemplo do plano diretor de Oliveira do Hospital, que integra na categoria de imveis notveis e stios arqueolgicos todos os elementos patrimoniais de relevante significado (...) classificados ou no (art. 52). Cf. RAPOSO, Jorge. Planos Diretores Municipais e Patrimnio. Inqurito aos PDMs de 1a gerao. Al-madan, Almada, srie II, n. 12, p. 82-94, dezembro, 2003. 45 O conceito de qualidade de vida urbana passa necessariamente por reflexes acerca da sua sustentabilidade. Como bem enuncia Hughes, humanitys numbers, styles of living and needs for adequate provision of food, shelter, employment, recreation, and that elusive concept quality of life, have to be considered globally, not in isolation, and in relation to the ability of the planet and its atmosphere to meet the demands made upon it. Cf. HUGHES, David (et al.). Environmental Law. 4. ed. London: Butterworths Lexisnexis, 2002. p. 20. Conferir, ainda, doutrina portuguesa: a qualidade de vida um resultado, uma consequncia derivada da interao de mltiplos fatores no mecanismo e funcionamento das sociedades humanas e que se traduz primordialmente numa situao de bem-estar fsico, mental, social e

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patrimnio cultural, contribui-se para a plenitude da realizao da dignidade da pessoa humana46. Manter o patrimnio cultural intacto integra tambm o conceito de desenvolvimento sustentvel e importa em solidariedade intergeracional47 a ser assumida pela sociedade de hoje em benefcio dos que viro a seguir48.

1.1. Do Mtodo A cincia uma atividade metdica, embora no seja a nica. Segundo Comparato, o sentido primignio de mtodo radica-se em hodos, isto , via ou caminho, com o prefixo meta indicando ligao ou sequncia49. E, a partir da etimologia, conclui o significado do termo: no campo intelectual, a ordenao do pensamento, a investigao racional, a pesquisa. Na pesquisa, o principal mtodo utilizado foi o fenomenolgico-hermenutico. Afinal, o direito uma cincia (ou prudncia?) interpretativa de fatos e normas, segundo valores e a hermenutica o trabalho de entender significaes.

cultural, no plano individual, e em relaes de solidariedade e fraternidade no plano colectivo. Cf.