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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA
O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO
VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
MARÍLIA
2015
1
MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA
O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO
VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação
do Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.
MARÍLIA
2015
2
Pereira, Marcela Andresa Semeghini
Direito ao lazer: construção crítica do trabalho humano valorado segundo a (Des) Ordem Econômica Constitucional / Marcela Andresa Semeghini Pereira. – Marília: UNIMAR, 2015.
152f.
Dissertação (Mestrado em Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social) – Faculdade de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2015.
1. Direito ao Lazer 2. Trabalho Digno 3. Valoração do Trabalho Humano I. Pereira, Marcela Andresa Semeghini
CDD -- 341.6
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MARCELA ANDRESA SEMEGHINI PEREIRA
O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO
VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília
como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr.
Lourival José de Oliveira.
Aprovado em: __/__/____
_______________________________________________ Coordenação do Programa de Mestrado em Direito
Considerações___________________________________
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
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Dedico este trabalho aos meus filhos João Pedro e
Luiz Fernando, pelo tempo em que foram privados
da minha presença e pelo amor incondicional.
Dedico este trabalho, em geral, a todos
trabalhadores do mundo que, com o suor de seus
corpos, com a força de suas mãos, e com a exaustão
de seus nervos, produzem e reproduzem as
condições materiais e sociais de nossa existência.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu companheiro Danilo, pelo incentivo, parceria, amizade,
compreensão, afeto e contenção, em todos os sentidos, ao longo de todos os
momentos que envolveram o desenvolvimento das pesquisas e a elaboração
desta dissertação. Aos meus filhos João Pedro e Luiz Fernando, pelo incentivo,
compreensão, alegria, suporte às minhas “ausências” e pela inspiração em minha
vida, inclusive pelo auxílio acadêmico, quando apresentaram um seminário na
disciplina Teoria da Empresa.
Aos meus pais, Antonio Francisco Pereira e Maria Martha, e minha irmã
mais nova Laira, pela compreensão e apoio inconteste de sempre e pelo suporte
afetivo, familiar e humano dado ao longo de toda a trajetória que permeou
minha vida e este mestrado, em especial.
Ao professor Doutor Lourival José de Oliveira, o qual foi um privilégio e
grande honra tê-lo como orientador, pela paciência, apoio constante e
demonstração do caminho a ser percorrido nesta Dissertação.
Ao professor Doutor Jonathan Barros Vita pelos ensinamentos e auxílio
na escrita de dois artigos que serviram de base e aprendizado para todo o Curso
de Mestrado.
A querida amiga Luciana Teixeira, pelo companheirismo, força e
motivação prestados desde a graduação e antes, durante e depois do Mestrado.
As companheiras de curso Luitt, Catia, Isabel, pelos momentos de
descontração e alegria que tivemos e todos aqueles que tornaram esta jornada
leve e prazerosa.
Enfim, a todos os professores do Curso de Mestrado da Unimar, aos
colegas de turma e ao secretário José Augusto Marchesin, sempre prestativo,
gentil e bem humorado.
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É preciso admitir que o sábio uso do ócio é um
produto da civilização e da educação. Um homem
que trabalhou muitas horas por dia, durante a sua
vida, se entendia imprevistamente, não tem mais
nada para fazer. Mas, se este mesmo homem não
dispõe de uma certa quantidade de tempo livre, vê-se
privado das melhores coisas. Não existem mais as
razões pelas quais a grande massa da população
deva continuar a sofrer esta privação. Somente um
ascetismo para nos induzir a trabalhar muito, quando
não existe a necessidade disto.
(Bertrand Russell – Elogio ao Ócio)
(Etienne de la Boétie)
Todos os homens, de todos os tempos, e ainda os de
hoje, dividem-se entre escravos e livres, porque
quem não dispõe de dois terços do próprio dia é um
escravo, não importa o que seja de resto: homem de
Estado, comerciante, funcionário público ou
estudioso.
(Friedrich Nietzsche)
Deus pede estrita conta do meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta,
Mas como dar em tempo tanta conta,
Eu, que gastei sem conta tanto tempo?
Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bom tempo e não fiz conta;
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.
Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passa tempo.
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta.
Mas oh! Se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta
Não choravam sem conta o não ter tempo.
(Laurindo Rabello da Silva, O tempo)
O Caminho da Vida
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da be-
leza, porém nos extraviamos.
A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou
no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito
marchar a passo de ganso para a miséria e morticí-
nios.
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Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos
enclausurados dentro dela. A máquina, que produz
abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa
inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em
demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanida-
de. Mais do que de inteligência, precisamos de afei-
ção e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de vio-
lência e tudo será perdido.
(Charles Chaplin, O Último discurso, do filme O
Grande Ditador)
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O DIREITO AO LAZER: CONSTRUÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO HUMANO
VALORADO SEGUNDO A (DES) ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
RESUMO: O presente trabalho abordou o tema Direito ao Lazer, considerando-o como
Direito Fundamental, necessário para o desenvolvimento econômico e social, destacando-o
sobre o prisma da centralidade do trabalho humano. O Direito ao Lazer, ou tempo livre, está
relacionado ao divertimento e ao descanso, sendo conceituado de forma ampla, como por
exemplo, momento de reflexão, criatividade, crítica, ousadia. Enfim, é um momento no qual o
indivíduo tem ampla liberdade e autonomia, considerando-se a necessidade do tempo livre
como um dos requisitos para que o trabalho humano seja de fato valorizado. A utilização do
direito ao lazer de forma prazerosa deve ser aplicado tanto àqueles praticantes do trabalho
material quanto do trabalho imaterial. Um bom aproveitamento do tempo livre gera o
crescimento da subjetividade, da afetividade, da qualidade de trabalho e da vida, condições
essenciais para a efetivação do trabalho humano e digno. Enquanto resultados da presente
pesquisa obteve-se: que o Direito ao Lazer ou tempo livre é uma das condições necessárias à
obtenção da dignidade no trabalho e valoriza sua humanidade; que o tempo livre garante a
expressão da subjetividade humana, contribuindo para a construção de um ambiente de
trabalho criativo; que está contido na expressão “desenvolvimento social”, a existência do
tempo livre, em cumprimento ao mandamento constitucional consubstanciado no artigo 170
da Constituição Federal de 1988; que contribui para a emancipação individual e social; e o
tempo livre é necessário para o livre desenvolvimento integral da personalidade e
desenvolvimento das potencialidades do trabalhador. Utilizou-se, na presente pesquisa, a
técnica de orçamento de tempo. Muitos elementos da vida social estão associados à
distribuição temporal das atividades humanas e às reincidências, duração, frequência e
sequência de ordem. Apropriou-se do método de pesquisa materialista histórico, com a
perspectiva teórica e dialética, com pesquisas bibliográficas, adentrando em áreas afins, como
por exemplo, a Ciência Política, a História, a Sociologia e a Economia principalmente.
Palavras Chave: Direito ao Lazer. Trabalho Digno. Valoração do Trabalho Humano.
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LEISURE TO RIGHT: CONSTRUCTION WORK CRITICAL HUMAN VALUED BY
ECONOMIC (DIS) ORDER CONSTITUTIONAL
ABSTRACT: This study addressed the topic Right to Leisure, considering it as a Fundamental
Right, necessary for economic and social development by highlighting it on the prism of the
centrality of human labor. The Right to Leisure, or free time, is related to fun and relaxation,
being conceptualized broadly, such as moment of reflection, creativity, critical, daring.
Anyway, it's a moment in which the individual has complete freedom and autonomy,
considering the need of free time as a requirement for human labor is valued of fact. The use
of the right to a pleasurable way leisure should be applied both to those practitioners of the
material work as immaterial labor. A good use of free time generates growth of subjectivity,
affectivity, quality of work and life, essential conditions for the realization of human and
decent work. While results of this study were obtained: that the Right to Leisure or free time
is one of the conditions required to obtain the dignity at work and value your humanity; that
free time guarantees the expression of human subjectivity, contributing to the construction of
a creative work environment; that is contained in the term "social development", the existence
of free time, in compliance with the constitutional law embodied in Article 170 of the 1988
Constitution; contributing to social peace; and the free time is needed for the free
development of personality and full development of worker potentials. Was used in this study,
the time budget technique. Many elements of social life are associated with the temporal
distribution of human activities and of recidivism, duration, frequency and sequence order.
Appropriated the historical materialist research method, with the theoretical and dialectical
perspective, with literature searches, entering in related fields, such as Political Science,
History, Sociology and Economics mainly.
Keywords: Right to Leisure. Decent Work. Valuation of Human Labor.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
1 DO DIREITO AO LAZER ......................................................................................... 16
1.1 O CONCEITO (S) DE LAZER ..................................................................................... 16
1.2 HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO E DO DIREITO AO LAZER ............. 23
1.2.1 História do Direito do Trabalho no Brasil ................................................................... 310
1.3 FINALIDADES DO LAZER NA SOCIEDADE APÓS A REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL ........................................................................................................................ 343
1.3.1 Lazer como elemento cultural de uma sociedade de massa ......................................... 40
1.3.2 O Lazer como momento de questionamento do Fetichismo da mercadoria e da
Reificação do trabalhador ....................................................................................................... 422
1.4 A PRÁTICA DO DIREITO AO LAZER E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE
PROLETARIZAÇÃO...............................................................................................................46
2 O DIREITO AO LAZER ENQUANTO DIREITO SOCIAL ................................. 53
2.1 DIREITO AO LAZER: UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL .......................... 54
2.1.1 Garantias de práticas do Direito ao Lazer na Constituição Federal de 1988 ................ 57
2.2 A JORNADA DE TRABALHO ENQUANTO CONDIÇÃO DO DIREITO AO
LAZER ..................................................................................................................................... 59
2.2.1 Jornada diária de trabalho ............................................................................................. 61
2.2.2 Conceitos de jornada diária de trabalho ....................................................................... 62
2.2.3 Garantias ao Lazer ........................................................................................................ 65
2.2.3.1 Repouso Semanal ......................................................................................................... 66
2.2.3.2 Férias ............................................................................................................................ 67
2.3 CRÍTICA À FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E A
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ......................... 68
2.3.1 Métodos de flexibilização da jornada de trabalho ........................................................ 76
2.3.2 A flexibilização da jornada de trabalho e as horas extras: prática atual ....................... 77
2.3.3 Trabalho aos domingos e feriados: disposições normativas ......................................... 84
2.3.4 Crítica à 10ª Ementa da Confederação Nacional da Indústria para modernização
trabalhista ................................................................................................................................. 86
3 O LAZER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O CUMPRIMENTO DA
ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL .................................................................................... 90
3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO HUMANO: PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA .................................................................... 91
3.2 A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO E A PRÁTICA DO LAZER ................ 94
3.2.1 O trabalho imaterial e suas implicações no Lazer ...................................................... 98
3.2.2 O Trabalho Decente ............................................................................................... 10505
3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER NO BRASIL ............................................ 10707
3.3.1 Propostas de Políticas Públicas para práticas de Lazer ......................................... 10908
3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E AS PRÁTICAS DE LAZER ................. 11111
3.4.1 A função social da empresa em convergência com o tripé de sustentabilidade ..... 11818
3.5 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DO DIREITO AO LAZER ................................ 12323
3.5.1 A aplicabilidade dos Direitos Fundamentais .......................................................... 12323
3.5.2 Inconstitucionalidade por omissão ......................................................................... 12525
3.5.3 Instrumentos Constitucionais para garantia do Direito ao Lazer ........................... 12727
3.5.4 Mandado de Injunção ............................................................................................. 12929
11
3.5.5 A Ação Civil Pública .............................................................................................. 13131
3.6 CONCRETITUDE DO DIREITO AO LAZER ..................................................... 13535
CONCLUSÕES ................................................................................................................. 14343
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 14646
12
INTRODUÇÃO
O despertar para o interesse e estudo do tema Direito ao Lazer ocorreu no
desenvolvimento do Programa de Mestrado, considerando as necessidades de sua crítica,
multidisciplinar, por conta da forma que o tema era tratado por constitucionalistas.
Posteriormente o estudo do ambiente de trabalho, a falta de tempo livre para o trabalhador
apresentou-se de forma gritante e junto com o excesso de trabalho vieram às consequências
danosas à incolumidade física e psíquica do trabalhador, como por exemplo, o estranhamento,
alienação, acriticidade e submissão. Daí surgiu o estudo do Direito ao Lazer adotando-se
inicialmente o método dedutivo, com a sua conceituação e delimitação do objeto desaguando
em proposições que visem a garantí-lo em sua condição de Direito Fundamental.
O objetivo jurídico do trabalho é verificar até que ponto o Direito, a legislação
brasileira, garante a prática/fruição do Direito ao Lazer. Entendendo e refletindo o lazer não
apenas como tempo de não trabalho em que o homem descansa e se dedica a compromissos
familiares, religiosos e políticos; mas que possibilite ao homem desenvolver-se integralmente,
através da reflexão e prática de atividades prazerosas e educativas.
O presente trabalho é dividido em três capítulos e na tentativa de torná-lo mais
completo foram apresentadas as contribuições sociológicas, econômicas, políticas e a
evolução histórica referente ao tema considerando-se o meio ambiente do trabalho como fator
de centralidade na construção da sociedade enquanto produzindo efeitos diversos na condução
das relações sociais.
O primeiro capítulo consiste em uma abordagem histórica do Direito do Trabalho e do
lazer, sua importância, seu desenvolvimento e a influência da igreja e do Estado neste
processo. Foram apresentadas as principais contribuições dos filósofos frankfurtianos com
várias possibilidades de se usar o tempo livre. Também neste capítulo passou a tratar do lazer,
ou melhor, do conceito de Direito ao Lazer, considerando-se que não é possível atribuir a ele
um conceito único.
Abordou-se as principais contribuições marxistas e marxianas (trata-se de
interpretações de textos do próprio Karl Marx, dadas por outros autores) a respeito do lazer e
do trabalho. Marx, no primeiro capítulo do Capital, disserta sobre a inversão de valores entre
trabalhador e mercadoria. Apanhando esta postura conceitual e metodológica como matriz
para o desenvolvimento do presente estudo.
Após a análise da expressão lazer, no capítulo seguinte, volta-se ao estudo do Direito
ao Lazer, consubstanciando a análise técnica e jurídica. Este direito encontra-se fundamentado
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na Constituição Federal de 1988, apresentando-se como um dos Direitos Sociais que deve ser
amparado pelo Estado de forma direta e indireta, considerando-o como integrante da
composição que forma os Direitos Fundamentais.
A importância do Direito ao Lazer para o desenvolvimento psicológico, físico e social
foi realçado, tratando-o como sendo da responsabilidade do Estado, da família e dos demais
agentes sociais, muito embora a empresa seja apresentada como a principal responsável por
considerá-la como a beneficiária direta do trabalho prestado.
Abordou-se também o conceito de proletário e o processo de proletarização,
considerando que este vende seu trabalho e sua mente ao mundo capitalista, perdendo sua
subjetividade e personalidade e, consequentemente, seu Direito ao Lazer. Um dos fatores
responsáveis pela proletarização do trabalhador é a falta de tempo livre e a não prática do
Direito ao Lazer.
Falou-se sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho, a reestruturação
industrial, o surgimento de um regime de acumulação globalizado e a ênfase ao trabalho
imaterial, subjetivo e criativo é algo que desperta a necessidade da construção crítica sobre
aquilo que está sendo colocado enquanto trabalho humano.
A flexibilização das leis trabalhistas remete a importância da verificação do princípio
da dignidade da pessoa humana, fazendo com que parte das realizações de flexibilizações
praticadas atualmente ferissem estes princípios constitucionais.
As relações sociais capitalistas de produção tende a transformar o tempo de vida da
massa trabalhadora em tempo de trabalho e, por outro lado, cria ao mesmo tempo, as
condições objetivas imprescindíveis para reduzir este último e ampliar o tempo livre.
O intelecto e a criatividade passam a serem as condições essenciais e determinantes
neste novo mundo do trabalho, e neste contexto fica difícil distinguir o tempo de trabalho do
tempo livre, podendo gerar a compreensão ideológica no sentido de desconstruir a
necessidade de garantia de um tempo livre.
A máxima “nem só de pão vive o homem”, significa que a humanidade é muito mais
do que sua atividade laboral; é a junção de suas formas de manifestação de vida, as quais não
se reduzem somento no trabalho, sendo a universalidade de sua práxis.
Além de tratar da função social da empresa, apresentou-se a relevância do tripé de
sustentabilidade (Triple Bottom Line) que prega a união dos aspectos econômicos, sociais e
ambientais.
Há instrumentos jurídicos que podem garantir e proteger o Direito ao Lazer como, por
exemplo, a Ação Civil Pública, o Mandado de Injunção e Ação de Inconstitucionalidade por
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Omissão, assuntos abordados no último capítulo.
O tempo livre aparece como um tempo de liberdade e de vida, externo às coações
naturais e sociais, enquanto que o tempo de trabalho, mesmo humanizado, aparece no reino da
necessidade, pois o trabalho corresponde a uma imposição inerente a condição humana que é
a manutenção da vida. O tempo livre é o tempo no qual os indivíduos realizam, ativa e
voluntariamente, aquilo que desejam, sob seu controle consciente, e no qual procuram
satisfação e desenvolvimento.
Esta breve apresentação possibilitou que a conscientização da importância, não apenas
do estudo, mas da prática do Direito ao Lazer, da utilização do tempo livre de forma prazerosa
e agradável se constitua em Direito Fundamental a ser dotado de efetividade plena e imediata.
Há antinomia entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo externo a este, tempo no
qual se evidencia o imenso alívio de se ver livre do trabalho, enfim, e em uma única expressão,
o tempo livre. Um dos problemas atuais em termos de relações de trabalho é como preservar a
liberdade humana no trabalho. De que maneira é possível associar ao trabalho a arte, a música,
a família, tornando o trabalho algo possível de ser prazeroso? São indagações que precisam
ser aprofundadas e se constituem em pontos importantes deste estudo e ao mesmo tempo
servem para delimitar o objeto em análise.
Utilizou-se, na presente pesquisa, a técnica de orçamento de tempo, sendo esta uma
forma de analisar o tempo, quantificando-o e qualificando-o. Muitos elementos da vida social
estão associados à distribuição temporal das atividades humanas e às reincidências, duração,
frequência e sequência de ordem. A técnica de pesquisa sobre orçamento de tempo se baseia
em observação direta, entrevista e empregos de materiais documentais que permitem
estabelecer relatos especificados e medidos de modo como às pessoas dispõem de seu tempo,
nas limitações de um dia de trabalho, de um fim de semana, de uma semana completa ou
outro período qualquer. 1
São muitas as variáveis medidas ao longo do eixo de tempo da vida individual e social,
como, a hora do dia em que se dão as atividades, a frequência de sua ocorrência, sua posição
sequencial em relação a outras atividades. Também, considera-se o aspecto locacional das
operações diárias, variáveis socioeconômicas de atividades observadas; por exemplo, em que
ambiente social, em ação recíproca com quem, em benefício de quem, e a que custos por
unidade de tempo elas se realizam.
1 SZALAI, A. Tendências da pesquisa contemporânea sobre o orçamento de tempo. In: BAUMAN,
Zygmunt; EISENSTADT, S. N.; GALTUNG, Johan; et al. Sociologia. Série Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: FGV, 1976, p. 125.
15
O acesso desta técnica foi elaborado nos levantamentos sociais referentes a condições
de vida da classe trabalhadora. As longas horas de trabalho características do desenvolvimento
industrial e a luta travada desde o início pelo operariado organizado a favor da redução da
jornada torna compreensível que as proporções de trabalho e tempo disponível na vida
cotidiana dos trabalhadores tenham se tornado objeto de preocupação nos países em que a
industrialização avançava. 2
Observa-se que o tempo de vida, ou a ausência deste, têm sido o tema central de
levantamentos do orçamento de tempo realizados em praticamente todos os países onde o
estudo social alcançou certo estágio de desenvolvimento. Considera-se, dentro desta técnica
metodológica, que o tempo de vida somente pode ser interpretado de forma significativa
dentro do contexto global das atividades humanas.
A metodologia de pesquisa utilizada foi embasada pelo materialismo histórico, em
face da necessidade de confronto da realidade com a perspectiva teórica e dialética, pois o
exercício crítico permite compreender que o homem enquanto ser histórico na produção de
uma vida material estabelece relações de negação com o mundo e com ele próprio, criando
contradições e gerando conflitos nas relações que se tornam a base da organização de sua vida
social. Foram levantados dados a partir de pesquisas documentais (leis, decretos, resoluções e
tratados), e em pesquisas bibliográficas através de consulta em livros, artigos, dissertações,
teses e periódicos.
2 SZALAI, A. Tendências da pesquisa contemporânea sobre o orçamento de tempo. In: BAUMAN,
Zygmunt; EISENSTADT, S. N.; GALTUNG, Johan; et al. Sociologia. Série Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: FGV, 1976, p. 128-129.
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1 DO DIREITO AO LAZER
Neste capítulo será abordado o Direito ao Lazer, seu processo histórico, evolução e seus
conceitos, considerando o mesmo como o tempo de não trabalho, compromissos sociais e
políticos, um momento de liberdade do indivíduo que trabalha e do indivíduo que não
trabalha e o tempo de desenvolvimento integral de sua subjetividade.
No entanto, não há um consenso no conceito de lazer. Principalmente estudiosos da
área de sociologia, educação física e da área médica efetuaram estudos e pesquisas sobre o
lazer, apresentando vários entendimentos e múltiplas formas de práticas de lazer.
Para que haja melhor compreensão de todo o trabalho é essencial iniciar os estudos
abordando os principais tópicos apresentados sobre o tema lazer, demonstrando sua
importância e primordialidade para que a finalidade maior buscada pela Constituição Federal,
que é a dignidade da pessoa humana, seja de fato alcançada.
1.1 O CONCEITO (S) DE LAZER
Hannah Arendt3, com a expressão vita activa, pretende designar três atividades
humanas fundamentais que são o labor, trabalho e ação. Tratam-se de atividades fundamentais,
pois cada uma delas corresponde a uma das condições básicas, mediante as quais a vida foi
dada ao homem na terra (o homem sociológico).
O labor é a atividade correspondente ao processo biológico do corpo humano, cujo
crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades
vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é
a própria vida, a vida natural, biológica.
O trabalho é a atividade instrumental, e é desta maneira obrigada a procurar na ação (e
na linguagem) a relação com o outro que permite fundar a política. O trabalho é uma atividade
em que o homem não é presente no mundo, nem com outras pessoas, mas é somente com o
próprio corpo, ocupado para fazer frente à sua necessidade de permanecer em vida.
O trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer
ambiente natural, e dentro de suas fronteiras habita cada vida individual, embora esse mundo
se destine à sobrevivência e a transcender todas as vidas individuais. Assim, conclui-se que a
condição humana do trabalho é a mundanidade.
3 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 15-
16.
17
A ação, atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das
coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens
(e não o Homem) vivem na Terra e habitam o mundo. A pluralidade é a condição essencial da
ação humana pelo fato de que todos são humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a
qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir.
As três atividades e suas condições têm íntima relação com as condições mais gerais
da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a mortalidade. O labor assegura
a sobrevivência e a vida da espécie. O trabalho é seu produto, o artefato humano, emprestam
certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo
humano. A ação, quando se dedica a preservar corpos políticos, empresta condição para a
lembrança e para a história.
A condição humana é algo mais do que as condições nas quais a vida foi dada ao
homem, pois estes são seres condicionados, ela é tudo aquilo com o qual eles entram em
contato, tornando-se uma condição de sua existência.
Classifica-se o lazer como uma espécie de ação, uma vez que através da ação e do
discurso, os homens podem distinguir-se em vez de permanecerem apenas diferentes; a ação e
o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns em relação aos
outros, não como objetos materiais, mas enquanto seres humanos. Conforme Dante:
Pois em toda ação a intenção principal do agente, quer que ele aja por
necessidade natural ou vontade própria, é revelar sua própria imagem. Assim
é que todo agente, na medida em que age, sente prazer em agir; como tudo o
que existe seja sua própria existência, e como, na ação, a existência do
agente é, de certo modo, intensificada, resulta necessariamente o prazer. [...]
Assim, ninguém age sem que (agindo) manifeste o seu eu latente4.
No momento de ação o homem manifesta a sua personalidade e sua individualidade.
No entanto, este momento não deve ser condicionado, e sim há de ser um momento de
liberdade e de desenvolvimento de suas potencialidades. Verifica-se que o lazer é uma ação ou
uma omissão em que o homem utiliza o seu tempo livre manifestando o seu eu.
De acordo com Dumazedier5, nas sociedades do período arcaico, o trabalho e o jogo
estão integrados às festas em que o homem participa do mundo dos ancestrais. Estas
atividades possuem significações de mesma natureza na vida essencial da comunidade. A festa
abrange o trabalho e o jogo. Estas duas atividades apresentam-se de forma mesclada. Neste
4 Apud, ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000,
p. 188. 5 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva. 2ª ed., 2001, p. 26.
18
período, o lazer é um conceito inadaptado e confuso.
O lazer não existia nas sociedades pré-industriais. O trabalho inscreve-se nos ciclos
naturais das estações e dos dias, sendo intenso quando o clima é favorável e esmorece com o
clima desfavorável, o homem trabalha a para subsistência e não para acumulação e o tempo e
espaço de trabalho não eram inflexíveis. Por isso, nesta fase o tempo de trabalho e de não
trabalho não é delimitado.
Nas sociedades pré-industriais o domingo é guardado ao culto e as festas são ocasiões
de grande dispêndio de alimentos e de energia; constituem o inverso ou a negação da vida
cotidiana. Os festejos são indissociáveis das cerimônias, dependem geralmente do culto e não
do lazer. Para Dumazedier6, duas condições prévias na vida social tiveram de realizar-se a fim
de que o lazer se tornasse possível para a maioria dos trabalhadores, que são o trabalho
profissional e o limite arbitrário do tempo.
As atividades da sociedade não mais são regradas em sua totalidade por obrigações
rituais impostas pela comunidade. Pelo menos uma parte destas atividades escapa aos ritos
coletivos, especialmente o trabalho e o lazer. Este último depende da livre escolha dos
indivíduos, ainda que os determinismos sociais se exerçam sobre a livre escolha.
O trabalho profissional destacou-se das outras atividades. Possui um limite arbitrário,
não regulado pela natureza, sua organização é específica, de modo que o tempo livre é
nitidamente separado dele.
É na sociedade industrial que o relógio se torna instrumento indispensável de
mensuração do tempo e controle da vida. Nesta fase, o tempo liberado ao trabalho aparece de
forma delimitada.
O trabalho industrial apresenta-se fragmentado e dinâmico, juntamente com a divisão
social do trabalho, acarretando em maior fadiga e tensão física e emocional, impondo com
maior força a necessidade de repouso e evasão.
Também, com o maquinismo, há o aumento do número de automóveis, a multiplicação
das técnicas de comunicação de massa, o desenvolvimento das associações e grupos que
procuram satisfazer mais as individualidades de cada um, ampliando as opções de práticas de
lazer e procurando adequá-las às necessidades individuais e, principalmente, às necessidades
6 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva. 2ª ed., 2001.
19
do trabalho.
Nas sociedades industriais produzem-se mutações sociais e culturais que alteram
profundamente, não só o conteúdo das relações sociais, mais ainda a relação entre as
obrigações e as escolhas, os deveres sociais e os direitos individuais, os sistemas de valores
coletivos. Estas mutações introduzem as alternâncias mais importantes nas significações do
lazer e em suas relações com as obrigações básicas da cidade7.
A sociedade industrial, apesar do aumento de possibilidade de tempo livre, não será
para todos uma sociedade marcada pela valoração do lazer. Uma parte dos trabalhadores, seja
porque o trabalho é para eles fonte de criação cultural ou de responsabilidade social, seja
porque as necessidades de consumo são as mais fortes, seja por desinteresse para com as
atividades de tempo livre, assumirão jornadas, semanas, longos anos de trabalho como na
sociedade anterior. O conceito da palavra lazer, no entanto, ganhou destaque neste período e
vários estudiosos apresentaram conceitos e significados para delimitá-lo.
O significado da palavra lazer não é fácil de ser conceituado, visto que é um instituto
em que houve a preocupação em sua pesquisa recentemente. Existem algumas dificuldades
para apresentar seu significado, pois além de existirem vários conceitos apontadas ao lazer o
mesmo é apresentado como um fenômeno essencialmente problemático e ambíguo. De acordo
com Marcellino:
[...] a incorporação do termo ‘lazer’ ao vocabulário comum é relativamente
recente e marcada por diferenças acentuadas quanto ao seu significado. O
que se verifica, com maior frequência, é a simples associação com
experiências individuais vivenciadas que, muitas vezes, implica na redução
do conceito a visões parciais, restritas aos conteúdos de determinadas
atividades. Esta tendência restritiva, que pode ser constatada na linguagem
popular pela simples observação assistemática, é alimentada pelos meios de
comunicação de massa, na veiculação de programação de atividades, que se
dá separadamente, sob verbetes de setores culturais consagrados, via de
regra ligados ao esporte e à arte, e só mais recentemente distinguindo o lazer,
quase sempre associado a manifestações de massa, ao ar livre de conteúdo
recreativo8.
No Brasil, há certa escassez de estudos sobre o lazer, diferentemente do que ocorre nos
Estados Unidos, na União Soviética e em muitos países da Europa Ocidental. Com o grande
volume e a qualidade dos estudos feitos já foi reivindicado o surgimento de uma Sociologia
do Lazer.
7 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva. 2ª ed., 2001, p. 32. 8 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995, p. 188.
20
A palavra lazer advêem do termo latim licere, este significa ser lícito, ser permitido,
ter valor, é também sinônimo de folga e passatempo. O Dicionário Houaiss conceitua o lazer
como:
Acepções – Substantivo masculino – 1 tempo que sobra do horário de
trabalho e/ou do cumprimento de obrigações, aproveitável para o exercício
de atividades prazerosas; 2 – Derivação: por metonímia – atividade que se
pratica nesse tempo; 3 – Derivação: por extensão de sentido – cessação de
uma atividade; descanso, repouso.
Etimologia – tem sido ligado ao lat. licére ‘ser lícito, ser permitido, ter valor’,
através do arc. lezer ‘ócio, passatempo’; ver lic-; f. hist. sXIII lezer, 1619
lazer – Sinônimos – ver sinonímia de folga e passatempo9.
A concepção de lazer, em seu uso popular, se refere à prática de esportes, ao exercício
de atividades que trazem realização pessoal e ao nada fazer, a inação. O lazer é uma libertação
periódica do trabalho no fim do dia, da semana, do ano ou da vida de trabalho.
Para Renato Requixa10
lazer é uma ocupação livre e seus valores devem propiciar
condições de recuperação psicossomática e desenvolvimento pessoal/social. É um momento
de ociosidade e contemplação.
Ethel Medeiros considera o lazer como:
[...] espaço de tempo não comprometido do qual podemos dispor livremente,
porque já cumprimos nossas obrigações de trabalho e de vida, destacando
como funções do lazer para o homem contemporâneo, o repouso, a diversão
e o desenvolvimento pessoal11
.
Para esta autora, lazer está relacionado ao tempo de não trabalho e desobrigação
familiar, política e social, ou seja, no momento de lazer o indivíduo pode ser ele mesmo,
fazendo ou não fazendo algo.
Dentre as várias definições de lazer, a mais adotada pelos estudiosos é a dada pelo
sociólogo francês Joffre Dumazedier:
O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de
livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se
ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua
participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se
ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais12
.
O autor relaciona o lazer com a satisfação de algumas necessidades humanas como o
repouso, a diversão, a recreação, a distração e o desenvolvimento intelectual. Para
9
LAZER. In Dicionário Houaiss. Internet http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=lazer
&arypw=k. Acesso em 11 ago. 2013. 10
REQUIXA, Renato. Sugestões de diretrizes para uma política nacional de lazer. São Paulo: SESC,
1980, p. 35. 11
MEDEIROS, Ethel Bauzer. O lazer no planejamento urbano. Rio de Janeiro: FGV, 1971, p. 30-31. 12
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 34.
21
Dumazedier13
o lazer é uma atividade ou inatividade voluntária, onde o homem se sente
liberto de qualquer grilhão.
No descanso o homem libera-se da fadiga e se recompõe das deteriorações físicas e
mentais provocadas pelas preocupações das obrigações diárias, especialmente o trabalho. A
recreação é um fator de equilíbrio, é uma fuga para um mundo diferente. O desenvolvimento
permite uma participação social maior e mais livre, pode-se praticar a cultura desinteressada
do corpo, da sensibilidade e da razão; há possibilidade de integração voluntária à vida em
grupo; possibilita o desenvolvimento livre de atitudes adquiridas. No desenvolvimento pode
surgir condutas inovadoras e criadoras, ou não.
O que se verifica com frequência é a simples associação do lazer com experiências
individuais vivenciadas, o que reduz o lazer a definições de visões parciais, restritas aos
conteúdos de determinadas atividades. O lazer, comumente, é relacionado ao divertimento e
ao descanso.
Lazer não é sinônimo de não fazer visto que isto seria limitá-lo ao direito de opção a
não fazer algo. Este inclui esforços físicos capazes de satisfazer as pessoas. Pode-se citar as
práticas esportivas, sair para dançar, namorar, escrever um livro e até mesmo o trabalho
voluntário, dentre outras atividades. Para Dumazedier:
Podemos afirmar que o lazer representa um conjunto de aspirações do
homem à procura de uma nova felicidade, relacionada com um novo dever,
uma nova moral, uma nova política, uma nova cultura14
.
O lazer é um desejo, uma vontade do homem, no entanto este está em fase de
adaptação e entendimento de seu conceito e de sua prática.
O educador Marcellino define lazer:
[…] como a cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada
(praticada ou fruída) no ‘tempo disponível’. O importante, como traço
definidor, é o caráter ‘desinteressado’ dessa vivência. Não se busca, pelo
menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada
pela situação. A ‘disponibilidade de tempo’ significa possibilidade de opção
pela atividade prática ou contemplativa15
.
O autor dá ênfase à voluntariedade da ação ou omissão realizada pelo homem, pois o
lazer deve ter caráter voluntário e livre de obrigações ou coações externas: o que se busca é a
satisfação pessoal.
13
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 32. 14 DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva, 2ª ed., 2001, p. 272. 15 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995, p. 31.
22
Conforme dispõe Marcellino16
, há autores como Davi Riesman, dentre outros que
consideram o lazer como uma atitude, um estilo de vida que não depende de tempo
determinado, e há autores que privilegiam o aspecto do tempo como Dumazedier, Fourastié,
sendo o lazer todo tempo livre de qualquer trabalho e obrigação, seja obrigação social,
religiosa, ou política. Aos que consideram o lazer como atitude, destaca-se a satisfação
provocada pela atividade e, assim, até mesmo quando trabalhando pode-se sentir prazer. Os
que restringem o lazer a um tempo estipulado acreditam que, num certo período de tempo,
uma pessoa possa, por exemplo assistir desenho animado enquanto trabalha. Devendo-se
ressaltar que em nenhum momento ele estará livre de coação e de normas de conduta.
Dentre as visões doutrinárias do lazer destacam-se as mais importantes17
:
- A visão funcionalista do lazer se caracteriza por ser reacionária e conservadora, busca a paz
social, a manutenção da ordem, o controle social. Esta se divide em: romântica, utilitarista e
compensatória.
- Para os adeptos da visão romântica (Schmidt), o lazer tem uma conotação extremamente
positiva e feliz. Chegam a fazer poesia com a palavra lazer que é considerada plena de alegria,
beleza e liberdade.
- Para os adeptos da visão compensatória (Requixa), o lazer deve ser usado para restaurar a
dignidade do homem, pois este foi reduzido a subproduto mecanizado que gasta suas energias
em um trabalho inumano. O trabalho torna-se um meio de vida e não mais fonte de auto-
realização ou finalidade de vida, e a função do lazer seria compensar a insatisfação e a
alienação sofrida pelo trabalhador.
- A visão utilitarista reduz a função do lazer à ideia de se recuperar as forças e energias do
trabalhador ou sua utilização como instrumento de desenvolvimento.
Atenta-se que todas estas contribuições doutrinárias do lazer são válidas, no entanto
não são completas, é essencial ampliá-las visto que além de buscar o prazer, a diversão, o
lazer deve possibilitar ao trabalhador que ele pare para pensar, refletir, e isto possibilita que
ele se encontre consigo próprio, com sua realidade social, com os conflitos e crises que o
permeiam, o momento de lazer pode ser o único momento em que o trabalhador se sente apto
a questionar sua realidade social, podendo ter como função principal a autoconscientização do
trabalhador. O tempo de lazer deve ser considerado como um momento privilegiado, que
propicie mudanças sociais, morais e políticas.
16 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995. 17 MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1995, p. 50-57.
23
Um exemplo explícito de forma de lazer para manutenção da alienação e controle
social é a política do pão e circo, praticada no Império Romano, sendo o modo com o qual os
líderes romanos lidavam com a população para mantê-la fiel à ordem estabelecida e
conquistar o seu apoio. Nos tempos de crise, as autoridades acalmavam a população
construindo grandes arenas onde eram realizados espetáculos sangrentos envolvendo
gladiadores (normalmente escravos), animais ferozes, corridas de bigas, quadrigas, acrobacias,
corrida de cavalos, apresentação de teatros e palhaços. Também distribuíam, periodicamente,
cereais para o povo.
Pode-se verificar que na sociedade atual o que ocorre é o antilazer, a negação do lazer,
pois o tempo de lazer é utilizado, essencialmente, para alimentar a alienação e manter as
pessoas integradas ao modo de vida capitalista. De acordo com Katia Cavalcante:
[…] o lazer é uma construção ideológica, sob a qual o antilazer se aproveita
para penetrar mais eficazmente no modo de vida das pessoas, com o objetivo
de mantê-las perfeitamente integradas na sociedade industrial e urbana18
.
O lazer deve fazer com que o homem reflita sobre sua realidade social, e não ser
momento apenas de diversão ou possibilidade das pessoas se integrarem perfeitamente na
sociedade industrial e urbana, servindo como instrumento de dominação.
O lazer, assim como o próprio trabalho, se faz presente em toda a história da
humanidade, portanto, é notável a importância e a relevância desse tema. Assim como todos
têm Direito a um trabalho honesto, que os possibilite viver com dignidade, faz-se presente
também o Direito ao Lazer, como reposição de energia, como momento de reflexão,
criatividade e prazer.
Considerando a relevância do tema e para o melhor entendimento deste, no próximo item
será analisado a história do lazer e o contexto em que este se transforma em um Direito.
1.2 HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO E DO DIREITO AO LAZER
O trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer,
visto que desobedeceu a Deus quando comeu a maçã proibida. Na visão bíblica, o trabalho se
18CAVALCANTI, Katia Brandão. Esporte para todos: um discurso ideológico. Boletim de intercâmbio
4 (13): 16. Rio de Janeiro: SESC, p. 12-19.
24
apresenta como um castigo imposto, como uma injunção da precariedade humana e como
meio de purificação.19
Com a intensificação da vida econômica o trabalho passa a ser
valorizado e estimado, adquirindo força e aceitação no consenso social.
A palavra latina que dá origem ao vocábulo trabalho é tripalium, instrumento de tortura
para empalar escravos rebeldes e esta é derivada da palavra latina palus, estaca, poste onde se
empalam os condenados. Labor (em latim) significa esforço penoso, dobrar-se sob o peso de
uma carga, dor, sofrimento, pena e fadiga.
Para Lafargue20
, o trabalho é uma das dimensões da vida humana que revela sua
humanidade. É por ele que se dominam a força da natureza e é por ele que se satisfaz a
capacidade inventiva e criadora – o trabalho exterioriza, numa obra, a interioridade do criador,
especialmente o trabalho artístico e as citações literárias e/ou científicas.
Karl Marx considera o trabalho, no contexto da economia capitalista, exterior ao
trabalhador, sendo que não pertence à sua característica, desta forma o homem não se afirma
no trabalho, ele nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente
energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito. O trabalho externo,
em que o homem se aliena, é um martírio e um sacrifício21
.
O homem, em relação ao trabalho, passou pelas etapas da escravidão, servidão, trabalho
em corporações, sendo que a Revolução Industrial produziu talvez uma das maiores
transformações na Europa do século XVIII no que diz respeito a mudanças nas estruturas
políticas e na própria formação dos agentes sociais, que antes estava baseada na atividade
agrícola e a partir dessa transformação, passou a ter como centro a atividade industrial.
O escravo nada mais era do que um objeto de uso, não tendo nenhum tipo de direito
trabalhista. Conforme explicita Vianna22
, a escravidão era considerada justa e útil. Mesmo
Aristóteles afirmava que, para o homem adquirir cultura, era preciso ser rico e ocioso e isso
somente seria possível com a utilização dos escravos. O trabalho não tinha o significado de
realização pessoal.
Na figura do servo, embora com alguma proteção oferecida pelo senhor feudal, o
trabalhador não tinham liberdade alguma e trabalhava apenas nas terras de seus senhores. Os
servos tinham alguns direitos como o direito de herança de animais, objetos pessoais e até
mesmo do uso de pastos, mas os herdeiros deveriam pagar impostos de herança tão
exorbitante que se tornava inviável recebe-la.
19 BACAL. Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003. 20
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed., São Paulo: Hucitec, 2000. 21
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001, p.114. 22
VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: LTR, 1999, p. 30.
25
Com o surgimento das Corporações de Ofício, na Idade Média, o trabalhador adquiriu
certa liberdade. O homem que apenas trabalhava para o outro, passou a trabalhar para si
mesmo, exercendo atividade organizada de forma coletiva. Esta liberdade do trabalhador não
era plena, pois surgiram os mestres que ordenavam e chefiavam os aprendizes (menores que
recebiam dos mestres os ensinamentos de métodos de um ofício) e os trabalhadores. Em troca,
os mestres ofereciam salário, assistência médica e asseguravam o monopólio da profissão. As
corporações nada mais eram do que uma forma camuflada e branda de controle dos homens
para atender apenas aos anseios dos mestres.
A jornada de trabalho chegava até 18 horas no verão; muitas vezes terminava no pôr do
sol, por questão de qualidade de trabalho e não por proteção aos aprendizes e companheiros.
As corporações foram suprimidas com a Revolução Francesa, em 1789, pois foram
consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade do homem23
.
Na Revolução Industrial, que se deu no século XVIII na Inglaterra, houve necessidade de
modernização e adequação do Direito do Trabalho e do contrato de trabalho. Pode-se afirmar
que o modo de produção capitalista, que de início produziu um grande desequilíbrio na
condição da humanidade24
.
Os sindicatos surgem no século XVIII, na Inglaterra. Por intermédio dos sindicatos
(associação de assalariados com o fim de manter ou melhorar a condição de vida proletária),
os trabalhadores reivindicavam um direito que os protegessem e desejavam uma legislação
que inibisse os abusos do empregador e preservasse a dignidade humana25
.
Com a invenção da máquina e sua utilização, ocorreram mudanças nos métodos de
trabalho e nas relações entre patrão e empregado. A máquina a vapor, o tear mecânico e a
expansão do comércio e da indústria acarretaram uma drástica redução da mão de obra
utilizada e a consequente substituição do trabalho escravo, servil e corporativo, pelo trabalho
assalariado.
Em 15 de maio de 1891 o Papa Leão XIII divulga a Encíclica Rerum Novarum. Este temia
tanto o conflito de classes quanto as teorias defendidas pelos socialistas e pelos liberais.
Considerava o trabalho, em teoria e em prática, não como uma mercadoria, mas um modo de
expressão direta da pessoa, sendo que para a maioria dos homens o trabalho é a única fonte de
meios de subsistência e de realização onde desenvolvem suas habilidades.
23 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006, p. 5. 24
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006. 25
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006.
26
Consta na encíclica26
que o homem deve aceitar com paciência a sua condição, pois é
impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível e, portanto, as
diversas classes devem entrar num acordo, em nome de um organicismo. Faz, assim, crítica
aos socialistas: “instigam nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretendem que toda a
propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer
devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para o Estado”.
Também consta na referida encíclica que o homem deve aceitar com paciência sua
condição, pois é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível e,
portanto, as diversas classes devem entrar em um acordo, em nome de um organicismo.
A encíclica ajusta o papel superior da igreja tanto contra os socialistas (propagadores de
ódio entre as classes) como contra os liberais:
Toda a economia das verdades religiosas, de que a igreja é guarda e
intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres,
lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos os
outros, os que derivam da justiça. O que é vergonhoso e desumano é usar dos
homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na
proporção do vigor dos seus braços27
.
O papa defende o status quo e a resignação à situação social e econômica de todo ser
humano, propondo o cristianismo como o melhor dos meios para garantir a paz social.
Aos olhos da crítica marxista, a Rerum Novarum apresenta um conservadorismo explícito,
a exemplo de que em uma de suas passagens diz que certos tipos de trabalho não podem ser
exercidos por mulheres, pois estas são feitas para o trabalho doméstico. O trabalho doméstico,
somente exercido por mulheres, serviria para proteger a honestidade do sexo fraco e têm
natural correspondência com a educação dos filhos e com o bem-estar do lar.
A igreja compreende que a indústria é sua inimiga porque racionaliza o mundo, substitui a
magia pela ciência e o raciocínio, torna vã a fé na vida depois da morte com a confiança no
progresso. O papa ainda adverte para o perigo de que as classes pobres enriqueçam, pois
quanto menor o número de pobres, menor será o número de fiéis. A igreja e o Estado possuem
o mesmo objetivo que é a manutenção da ordem e o controle da sociedade28
.
26 LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XVIII. Sobre a
condição dos operários. Roma, 1981. Disponível em:
http://www.montfort.org.br/documentos/rerumnovarum.html. Acesso em: 12 ago. 2013.
27 LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XVIII. Sobre a
condição dos operários. Roma, 1981. Disponível em:
http://www.montfort.org.br/documentos/rerumnovarum.html. Acesso em: 12 ago. 2013.
28 LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XVIII. Sobre a
condição dos operários. Roma, 1981. Disponível em:
27
Neste período, começa a haver necessidade de intervenção estatal nas relações de trabalho,
dados os abusos que vinham sendo cometidos aos trabalhadores a ponto de menores e
mulheres trabalharem em jornadas excessivas, de mais de 16 horas por dia ou até o pôr-do-sol,
com salários aquém do mínimo para sobreviver de forma digna29
. Esta exploração se
comprova nos dizeres de Nascimento:
A imposição de condições de trabalho pelo empregador, a exigência de
excessivas jornadas de trabalho, a exploração das mulheres e menores, que
constituíam mão de obra mais barata, os acidentes ocorridos com os
trabalhadores no desempenho das suas atividades, e a insegurança quanto ao
futuro e aos momentos nos quais fisicamente não tivessem condições de
trabalhar, foram as constantes da nova era no meio proletário, às quais
podem-se acrescentar também os baixos salários30
.
Nos Séculos XVII e XVIII, de forma expressiva em países como a Inglaterra e a França, o
pensamento liberal legitimou a ascensão econômica, social e política da burguesia. Esta classe
propagou a ideologia do Estado Liberal ou liberalismo, segundo a qual todos tinham direito a
liberdade individual; escolha de seus representantes; ser proprietário de bens móveis e
imóveis; gerir livremente seus negócios.
Dentre as transformações política, ocorridas no período industrial, o Estado Liberal,
imbuído de plena liberdade contratual e não interferindo nas relações sociais e econômicas,
foi substituído pelo Estado interventor, em que atua na ordem econômica e nas relações
sociais utilizando de práticas proativas.
O Estado Liberal predominou no período entre o final do Século XVIII e o início do
Século XX, e aparecem em textos constitucionais, dentre os quais se destacam os dos Estados
Unidos da América, de 1787, e da França, de 1791.
O que se constatou foi que o funcionamento da Economia com as características do
Liberalismo, não logrou êxito em resolver os conflitos sociais e econômicos existentes à
época de sua hegemonia. Os ideais da propriedade privada e da liberdade econômica se
concretizaram e se sobrepuseram aos da liberdade, igualdade e da fraternidade, que existiram
apenas no papel. Assim, a grande massa de trabalhadores deixou de ser explorada pelos
senhores feudais e passou a ser oprimida pela Burguesia, sem qualquer intervenção do Estado
capitalista liberal.
Dessa forma, o papel intervencionista do Estado decorre de inúmeras inconsistências
apresentadas no modelo liberal, consolidadas, sobretudo, a) na Revolução Industrial, com
http://www.montfort.org.br/documentos/rerumnovarum.html. Acesso em: 12 ago. 2013. 29
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 23ª ed., 2006, p. 5. 30
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 10.
28
implicações na proletarização; b) na Primeira Guerra Mundial, que rompe com a tradição do
liberalismo econômico; c) na necessidade de intervenção na economia em decorrência da
crise de 1929, conciliando a iniciativa privada e a ação governamental; d) na Segunda Guerra
Mundial, que impôs a necessidade de um Estado controlador de recursos sociais; e) nas crises
cíclicas da economia; f) na insubsistência do ideal da livre força do mercado; g) na alteração
paradigmática entre da liberdade negativa para a liberdade positiva ou liberdades sociais.31
Este novo modelo de Estado se caracteriza por revalorizar as forças do mercado, na defesa
da desestatização e na busca de um Estado financeiramente mais eficiente, probo e
equilibrado, reduzindo-se os encargos sociais criados no pós-guerra, sem afastar totalmente o
Estado da prestação de serviços essenciais.
Lenio Streck dispõe, como fatores que colaboram para a transição do estado liberal para o
estado social, a) a formação de monopólios, afetando a concepção liberal de organização e
desenvolvimento da economia; b) a desestruturação dos fatores econômicos e a acentuação
das diferenças sociais em decorrência das crises; c) motivos externos à produção, como o
esgotamento de recursos naturais; d) a crescente preocupação com o bem-estar social
assentada em teorias socialistas; e) a alteração da concepção quanto à venda da força de
trabalho; f) a Primeira Guerra Mundial, com a destruição do mercado natural e a necessidade
de organização da economia pelo Estado.32
O Estado intervencionista surge para realizar o bem-estar da sociedade e melhoria das
condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente. O
Estado estava atuando para a manutenção da ordem pública, não interferindo nas relações
privadas.
O Estado de Bem-estar é uma modalidade do Estado intervencionista, empiricamente
apontado como o modelo adotado na Europa Ocidental. Este trata-se das políticas e
instituições criadas pelo Estado interventor da segunda metade do século XX com a intenção
deliberada e direta de garantir preceitos mínimos de qualidade de vida e dignidade para todos
os cidadãos sob os auspícios daquela sociedade nacional, daquele Estado. Neste sentido,
apenas alguns Estados assumiram grande parte das principais características deste Estado
assistencialista. Mas em todos os Estados intervencionistas, inclusive no Brasil, se
transformaram em Estados desenvolvimentistas, foram adotados ao menos alguns aspectos do
Welfare State.
31
STRECK, Lenio Luiz. BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria do estado. 7. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 70-71. 32
STRECK, Lenio Luiz. BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria do estado. 7. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 74.
29
Keynes é um dos teóricos do Estado de Bem-estar, não apenas nos seus pressupostos
econômicos, quanto nas suas preocupações com os efeitos sociais negativos do livre mercado.
Acompanhando Keynes, os Estados passam a interferir na economia para garantir pleno
emprego, via taxa de juros insignificantes que estimulariam empresas privadas a crescer e
aumentar o número de seus empregados, além da criação de estatais e iniciativas de obras
públicas que acolheriam trabalhadores. 33
Preconizava-se o auxílio social aos desempregados. A busca pelo pleno emprego,
justificada por Keynes principalmente em termos macroeconômicos, também teria o seu lado
sócio-político, já que se tratava também de impedir o caos do sistema pelas lutas de classe e
pela revolução.
Neste governo, o objetivo principal era o de organizar toda a economia e a sociedade em
torno do Estado, promovendo o chamado interesse nacional, interferindo e regulando todos os
aspectos das relações entre as pessoas. Nesse modelo, os sindicatos não tinham autonomia,
estando à organização sindical vinculada diretamente ao Estado.
No Brasil, o Estado Democrático, instituído na Constituição de 1988, compõe-se de
elementos característicos do Estado Liberal e do Estado Social. Os elementos próprios do
Estado Liberal, contidos na Constituição, são suficientes para garantir aos particulares, que
desenvolvem atividades mercantis no País, que não sofrerão imposições do Poder Público que
inviabilizem que seus negócios se realizem dentro dos parâmetros do sistema capitalista. Por
outro lado, os preceitos constitucionais provenientes do Estado Social direcionam a atuação
estatal junto à Economia, visando construir uma sociedade onde a pessoa humana viva com
dignidade, e para isso o Direito ao Lazer precisa ser garantido.
As primeiras leis trabalhistas foram ordinárias e posteriormente constitucionais, estas
exerceram influência no Brasil. Uma constituição que dispôs sobre o Direito do Trabalho é a
do México, de 1917, que em seu art. 123 disciplina a jornada diária de 8 (oito) horas. Fixa a
jornada máxima noturna de 7 horas, limita a jornada do menor de 16 anos a 6 (seis) horas, o
descanso semanal, a proteção à maternidade e outros direitos .
No campo das primeiras positivações relativas aos direitos econômicos e sociais, mostra-
se necessário destacar a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, redigida
no âmbito da Revolução russa de 1917 e promulgada no dia 03 de janeiro de 1918. Este
documento introduziu três novidades que, em sua substância, não aderiram tanto ao
33
GROPPO, Luís Antonio. DAS ORIGENS AO COLAPSO DO ESTADO DE BEM-ESTAR: UMA
RECAPITULAÇÃO DESMISTIFICADORA. Revista HISTEDBR On-line: Campinas, n. 20, 12/2005.
Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/20/art07_20.pdf. Acesso em: 19 dez.
2014, p. 68-75.
30
constitucionalismo ocidental de então quanto àquele que se seguiu, marcado pelo que se
convencionou denominar “economia de mercado”: declarou abolida a propriedade privada e a
possibilidade de exploração do trabalho assalariado (Capítulo II), rompendo com as anteriores
constituições e declarações de direitos que garantiam a propriedade privada como elemento
central; estabeleceu um tratamento diferenciado para os titulares de direitos de acordo com a
classe social, promovendo uma restrição às prerrogativas dos integrantes da burguesia;
estabeleceu o trabalho como dever obrigatório para todos. Essas inovações foram confirmadas
pela Constituição soviética de 10 de julho de 1918, que introduziu uma série de direitos
sociais (arts. 14 usque 17).34
Em 1919 foi publicada a Constituição da Alemanha (Weimar) que destacou a participação
dos trabalhadores nas empresas; a liberdade de união e organização dos trabalhadores para a
defesa e melhoria das condições de trabalho; o direito a um sistema de seguros sociais; o
direito de colaboração dos trabalhadores com os empregadores na fixação dos salários e
demais condições de trabalho, bem como a representação dos trabalhadores na empresa.
Também, no ano de 1919, o Tratado de Versalhes, assinado pelas potências mundiais
europeias, previu a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, com sede em
Genebra e composta pela representação permanente de 10 países, dentre os quais o Brasil. E
em 1946 é consolidada a vinculação da OIT à ONU, como instituição especializada para as
questões referentes à regulamentação internacional do trabalho. Na Conferência Internacional
do Trabalho de 1946 foi aprovado o novo texto constitucional da OIT.
Durante este período destaca-se a edição da Carta Del Lavoro no ano de 1927, na Itália,
criando um sistema corporativista fascista. O corporativismo objetivava organizar a economia
em torno do Estado, promovendo o interesse social, além de impor regras a todas as pessoas.
Este documento serviu de inspiração para outros sistemas políticos, como Portugal, Espanha e
Brasil. 35
As primeiras leis trabalhistas na Europa foram elaboradas para coibir os abusos sofridos
pelo proletariado e a exploração sofrida pelas mulheres e menores de idade. Surgiram leis
limitando a idade para o trabalho na indústria e a duração diária do trabalho.
No ano de 1948 é editada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, legislação
internacional, prevendo diversos direitos trabalhistas, como férias remuneradas, limitações de
34
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 32-33. 35
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989.
31
jornada, repouso e lazer, dentre outros, elevando esses direitos trabalhistas ao status de direito
humano.
As conquistas históricas do direito do trabalho também referem a conquistas do direito ao
lazer, visto que a redução das jornadas e a melhoria na qualidade de vida e qualidade de
trabalho estão intrinsecamente atreladas a maior e melhor tempo de utilização do tempo livre.
O Brasil sofreu influência de todas as legislações citadas, resultando na promulgação da
Constituição Federal de 1934 e na Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, que
representaram expressivos avanços nos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, próximo
tema a ser analisado.
1.2.1 História do Direito do Trabalho no Brasil
No Brasil, aquilo que precariamente pode ser chamado de indústria começa a surgir em
1808, com a chegada da família real. Tem-se que o processo de industrialização no Brasil foi
lento, ganhando algum dinamismo a partir do início do século XX, com o fim do tráfico
negreiro e da escravidão, surgindo às primeiras associações operárias e anticapitalistas, com o
prelúdio de formas de organização dos trabalhadores urbanos, incitando greves e
manifestações dos trabalhadores36
.
O processo civilizatório no Brasil desenvolveu-se de forma tardia se comparado aos países
Europeus, também a nossa industrialização e a instauração das leis trabalhistas, cuja
promulgação ocorreu apenas após a terceira década do século XX.
O Brasil sofreu influências advindas de países Europeus como a Inglaterra, Alemanha e
Itália que exerceram, de certo modo, alguma pressão no sentido de levar o Brasil a elaborar
leis trabalhistas. Também, o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ingressar na
Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada pelo Tratado de Versalhes em 1919,
propondo-se a observar normas trabalhistas foi fundamental para a observação de um sistema
próprio que passou a compor a chamada legislação trabalhista.
Ainda que já na década de 1910 já houvesse alguma forma de organizações anarco-
sindicalista e que a fundação do Partido Comunista seja de 1922, considera-se para fins desse
estudo, que os principais diplomas legais específicos de proteção ao trabalho humano
advieram somente após 1932, embora carecessem de uma ordem sistêmica, uma vez que se
36 CUNHA, Maria Inês Moura S. A. da. Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 11.
32
apresentava de forma fragmentada e despossuída da condição de abranger todos os
trabalhadores.
O direito sindical inicia sua fase intervencionista a partir de 1930, prolongando-se por
muitos anos. Dela permanecem ainda traços que não foram afastados da legislação e da
imagem que parte do movimento sindical tem sobre relações coletivas de trabalho. A fase é
intervencionista em decorrência da estrutura legal que, de forma heterônoma, passou a
interferir na organização e na ação dos sindicatos, à luz de princípios políticos autoritários,
bastante difundidos em países europeus, com reflexo no Brasil.
A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do
Direito do Trabalho. Esta garantia à liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo,
jornada de oito horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e menores, repouso
semanal, férias anuais remuneradas e o corporativismo.
No ano de 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho foi decretada, e com ela apresentou-
se a junção de várias leis trabalhistas já existentes e a criação de outras que formou a estrutura
primeira do sistema trabalhista normativo nacional. Trata-se da era Vargas, Vargas, com a
formação de um complexo unitário diante do trabalhador urbano, que no Brasil, apresentava-
se como algo novo. Nesta legislação os princípios e garantias constitucionais foram atestados
no Brasil37.
A legislação trabalhista, sindical e salarial adotada pelo Estado brasileiro a partir do Esta-
do Novo (1937-45) de aspecto corporativo e autoritário, seguirá vigente, quase intacta, duran-
te o período democrático de 1945 até 1964, e ainda durante o regime militar que se estende
até 1985. Durante todo esse tempo, coube ao Estado a gestão coercitiva dos salários, exercida
na fase democrática através da definição do valor de referência do "salário mínimo", ou do
estabelecimento dos salários do setor público, e durante a maior parte do regime militar atra-
vés de uma fórmula oficial de cálculo de correção do valor da totalidade dos salários do setor
privado. 38
Neste período, não só se definiu a participação permanente do Estado nas relações traba-
lhistas, constrangendo ou reprimindo a atividade sindical, como se optou por uma industriali-
zação com salários ínfimos, com utilização extensiva e rotativa de uma mão-de-obra cuja qua-
lificação nunca foi assumida como elemento importante no desenvolvimento da competitivi-
37 DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 44. 38
FIORI, José Luis. O NÓ CEGO DO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO. Revista Novos
Estudos. N. 40. Novembro/1994. Disponível em:
http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/74/20080626_o_no_cego_do_des_brasileiro.pdf.
Acesso em: 19 dez. 2014.
33
dade microeconômica. Uma opção por uma espécie de taylorismo sem fordismo. A defesa
dessa estratégia salarial foi assumida explicitamente pelas associações empresariais brasilei-
ras.39
A Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas das Constituições anteriores
consolidando estes direitos com as Leis 5.859/1972 que trouxe a regulamentação dos direitos
para as empregadas domésticas; a Lei 5.889/1973 que dispões sobre os trabalhadores rurais e
a Lei 6.019/1974 que regulamenta as atividades do trabalhador temporário. Essa Constituição
incluiu o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia sido criado pela Lei 5.107, de 13
de setembro de 1966. A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, não alterou os
direitos trabalhistas previstos na Constituição de 196740
.
Na Constituição Federal de 1988, foi estabelecido em seu artigo o artigo7º, incisos XXX a
XXXII e XXXIV, o equilíbrio entre trabalho e descanso, nos incisos XII a XV e XVII a XIX,
também foi disposto sobre a duração da jornada de trabalho não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Tratou sobre o repouso semanal
remunerado preferencialmente aos domingos, férias e licenças.
O jurista José Afonso da Silva preleciona:
O artigo 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o artigo
7º, trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este, porém,
ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art.
1º, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como
fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui
que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho, e no art. 193
dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso
tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da
efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da
dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa
do Brasil (art. 1º, III) [...] As condições dignas de trabalho constituem
objetivos dos direitos dos trabalhadores. Por meio delas é que eles alcançam
a melhoria de sua condição social (art.7, caput), configurando, todo, o
conteúdo das relações de trabalho, que são de dois tipos: individuais ou
coletivas41
.
39
FIORI, José Luis. O NÓ CEGO DO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO. Revista Novos
Estudos. N. 40. Novembro/1994. Disponível em:
http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/74/20080626_o_no_cego_do_des_brasileiro.pdf.
Acesso em: 19 dez. 2014. 40
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989. 41 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros,
1999, p. 292.
34
Portanto, o objetivo maior dos direitos sociais é garantir uma vida digna e humana aos
trabalhadores, sendo que somente poderá ser alcançada com a melhoria das condições de
trabalho e melhoria na qualidade de vida.
A Constituição Federal de 1988 e antes a Consolidação das Leis do Trabalho conferiram
aos trabalhadores segurança jurídica e justiça social, que são características essenciais em um
Estado Democrático de Direito. Nestas condições, a dignidade e a humanidade são
características fundamentais para a realização do contido nestas cartas, que serão produzidas
através da valorização do trabalho humano.
1.3 FINALIDADES DO LAZER NA SOCIEDADE APÓS A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Apesar de existirem formas de lazer em todas as sociedades, para alguns, o lazer
aparece como um fenômeno intrinsecamente ligado à industrialização, pois, nesta fase, o
capitalismo o expande a todos os campos da atividade humana fora da esfera de produção.
O mundo moderno dá ênfase à quantidade, sendo que a qualidade não é o essencial,
sendo-lhe subsidiária. O objetivo dos capitalistas é produzir para consumir, porém, a
distribuição das mercadorias é desigual, o que motiva a que os valores humanitários sejam
trocados pelos valores de mercado (valor-de-troca, valor-de-uso, preço), pois estes dão mais
lucros.
Quando surgem as especializações das qualificações, das funções (esta tendência
aumenta conforme a crescente divisão do trabalho cada vez mais racionalizada)
desaparecendo toda e qualquer imagem da totalidade, passando a existir uma maior autonomia
dos trabalhadores, embora as pessoas, mesmo especialistas, continuem sendo instrumentos do
sistema de produção, por exemplo: o capitalista não permite a seu empregado, engenheiro,
que em seu horário de trabalho vá pescar, caçar, dançar.
O mundo reificado aparece de maneira definitiva como o único mundo possível,
apreensível e compreensível que nos é dado. Mesmo que tal quadro irretratável nos traga o
desespero e faça com que se busquem uma vida mítica e alienada, não há liberdade, pois
concreta e essencialmente nada muda. Ocorre a impossibilidade de fuga, e não se obtêm uma
solução real para o problema.
Mészáros explica em seu livro O Poder da Ideologia, o processo de aceitação da
ideologia dominante:
35
Naturalmente, aqueles que aceitam tacitamente a ideologia dominante como
a estrutura objetiva do discurso ‘racional’ e do ‘erudito’ rejeitam como
ilegítima todas as tentativas de identificar as suposições ocultas e os valores
implícitos com que está comprometida a ordem dominante [...] a ideologia
dominante tem uma capacidade muito maior de estipular aquilo que pode ser
considerado como critério legítimo de avaliação do conflito, na medida em
que controla efetivamente as instituições culturais e políticas da sociedade.42
A ideologia dominante produz uma estrutura categorial que ameniza os conflitos
vigentes e tende a eternizar parâmetros estruturais do mundo social estabelecido. Desta
forma, esta faz com que o tempo livre seja tratado como secundário.
Pode-se afirmar, depois de todas estas explicações e interpretações que, os homens
(em geral) são uma espécie de robô mecânico e irracional manipulado pelo sistema
capitalista. Facilmente nota-se que a inteligência artificial das máquinas está substituindo a
inteligência natural dos homens.
Para Adorno e Horkheimer43
, a indústria é a mistificação das massas e a técnica
representa a perdição do homem, contribuindo para o controle da consciência individual a
racionalidade técnica torna-se a racionalidade da própria dominação. E é nesse contexto
em que espelha o direito positivo, um direito reificado e objetivo. Todos são meros
instrumentos para a produção de bens materiais, não há preocupação com a dignidade e a
personalidade humana, e percebe-se isso com o valor atribuído à mercadoria: ela acaba
sendo mais importante que o próprio ser humano que a produz.
Marx, apud Eagleton sintetiza com clareza o processo da reificação e alienação do
homem pelo sistema capitalista:
O capitalismo, em resumo, é um mundo em que sujeito e objeto estão
invertidos – um domínio em que se é sujeitado e determinado pelas próprias
produções, as quais retornam em forma opaca, imperativa, mantendo o poder
sobre a existência de cada um. O sujeito humano cria um objeto, o qual se
torna um pseudo-sujeito capaz de reduzir seu próprio criador a algo
manipulado. Quando o capital emprega trabalho, em vez de o trabalho
empregar o capital, os mortos assumem um poder vampiresco sobre os vivos,
uma vez que o próprio capital é trabalho ‘morto’ ou armazenado:
Quando menos você come, bebe, compra livros, vai ao teatro, sai para beber,
pensa, ama, teoriza, canta, pinta, luta esgrima etc.; mais você economiza e
maior se tornará o tesouro que nem traças nem larvas podem consumir – seu
capital. Quanto menos você é, quanto menos você expressa sua vida, mais
42 MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo: Editora Ensaio, 1996, p. 14-15. 43
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: O esclarecimento como
mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
36
você tem, maior é sua vida alienada e mais você acumula de sua essência
alienada... tudo o que você é incapaz de fazer, seu dinheiro pode fazer por
você [...] 44
.
A modernização das indústrias, a utilização das técnicas, assim como a divisão do
trabalho e a produção em série, são algumas das principais fontes de reificação do
proletariado. Estas se apresentam de forma dialética no processo capitalista: ao mesmo tempo
em que reifica e mistifica as massas.
Segundo Marcuse45
, o princípio do extremo individualismo coloca o homem em
conflito com a sociedade, pois subordina tudo e a todos para atingir um fim próprio que nunca
condiz com o fim esperado pela coletividade.
A indústria cultural é inflexível e impregnou a sociedade. Com a indústria cultural o
homem passou a caracterizar-se como um ser genérico, fungível, e o lazer está impregnado
por este conceito de indústria cultural, fazendo com que seja cada vez mais difícil ser este um
instrumento de libertação. Conforme Arendt:
Se realmente for comprovado esse divórcio definitivo entre o conhecimento
(no sentido moderno de know-how) e o pensamento, então passaremos, sem
dúvida, à condição de escravos indefesos, não tanto de nossas máquinas
quanto de nosso know-how, criaturas desprovidas de raciocínio, à mercê de
qualquer engenhoca tecnicamente possível, por mais mortífera que seja46
.
Recorre-se à analogia de Marx, tendo em vista que todos serão robôs desprovidos de
pensamento crítico, programados para fazer tudo o que nos for ordenado, tudo mecanicamente
calculado e decorado, uma máquina a favor do capitalismo, da alienação e da reificação.
De acordo com Marcuse, os homens aprenderam a se ajustar aos padrões do aparato
que são seguidos rigorosamente, pois todos agem de forma igualmente racional reforçando o
controle social: até mesmo as formas de descanso e de diversão são padronizadas e
controladas. O sucesso organizacional deste sistema torna a racionalidade crítica, uma
penumbra. Quando o indivíduo reivindicou liberdade irrestrita de pensamento ele utilizou
desta liberdade para seus próprios interesses lucrativos e egoístas:
A racionalidade individualista nasceu como uma atitude crítica e de oposição
que derivava a liberdade de ação da liberdade irrestrita de pensamento e
consciência e media todos os padrões e relações sociais pelo interesse
44
Apud. EAGLETON, Terry. Marx. São Paulo: Unesp, 1999, p. 33. 45
MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In: KELLNER, Douglas
(Ed). Tecnologia, guerra e fascismo – coletânea de Herbert Marcuse. São Paulo: Unesp, 1998. 46
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 11.
37
próprio racional do indivíduo. Ela transformou-se na racionalidade da
competição em que o interesse racional foi substituído pelo interesse do
mercado, e a conquista individual foi absorvida pela eficiência47
.
A reificação e a alienação enfrentadas pelo homem, proporcionadas pela propriedade
privada dos meios de produção, pela divisão do trabalho e pelo fetichismo da mercadoria
precisam ser superadas. O que se deve fazer em um primeiro momento é a conscientização,
não só do trabalhador, mas de todos os homens, de sua própria condição para que com isso
eles possam repensar sua vida e emancipar-se, libertar-se, arrebentando os grilhões dos
princípios capitalistas que exploram e dominam a consciência do indivíduo. Para que isto
possa se concretizar, é necessário que o trabalhador, em seu tempo de lazer, não apenas siga as
normas rígidas da dominação capitalista, mas reflita e questione sua condição, procurando
soluções práticas e precisas. Neste sentido, István Mészáros em sua obra “Para além do
Capital” comenta:
[...] o sistema de produção baseado na relação-capital está cheio de
antagonismos. Os capitalistas particulares e os trabalhadores individuais nele
funcionam apenas como personificações do capital e do trabalho e têm de
sofrer as consequências de dominação e subordinação implícitas na relação
entre as personificações particulares e o que está sendo personificado. A lei
do valor, por exemplo, que regula a produção do valor excedente, ‘parece
infligida pelos capitalistas uns sobre os outros e sobre os trabalhadores – e,
por isso, aparece de fato a penas como uma lei do capital atuando contra o
capital e contra o trabalho’. O trabalho – em suas personificações gerais e
nas particulares – é profundamente afetado pela subordinação estrutural ao
capital em todos os aspectos. (grifo do autor)48
.
Portanto, segundo Mészáros, tanto os empresários quanto os trabalhadores sofrem
influências do capital, desta forma a sua subjetividade e personalidade é afetada, devendo ser
adaptada à subordinação estrutural do capital.
Conforme a teoria da consciência adjudicada, de Lukács, o homem imbuído desta
consciência, tende a voltar-se contra todo este processo alienante e negar sua posição
coisificada frente ao sistema capitalista.
Lukács acreditava que a classe burguesa e a classe operária eram as únicas a terem
uma visão universal da sociedade capitalista. Sendo que a burguesia se mostrava apenas com
intenções econômicas particulares ocultando, conforme seus interesses, para as outras classes
47
MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In: KELLNER, Douglas
(Ed). Tecnologia, guerra e fascismo – coletânea de Herbert Marcuse. São Paulo: Unesp, 1998, p. 96. 48
MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas: Boitempo editorial, 2002, p. 204.
38
(e até para si mesma) a essência concreta da sociedade capitalista. Pois, desvendando o
verdadeiro sistema atual, a burguesia estaria abrindo mão de sua condição de classe
dominante. Portanto, resta apenas a classe proletária que tem como desafio transformar,
conscientemente, a sociedade sendo a única classe capaz de revolucionar e modificar a
realidade.
A consciência de classe adjudicada é a tomada de consciência da situação histórica da
classe, não é uma consciência imediata e imposta ao proletariado: é um produto da luta de
classes.
Levando-se em consideração que a Modernidade enfrenta uma crise de paradigmas,
pode-se ressaltar que é uma tarefa extremamente difícil identificar as classes sociais e seus
adeptos e pertencentes. Quando Lukács elaborou a teoria da consciência adjudicada49
, em
meados do século XX, as classes eram definidas e explicitadas (tinham pernas, braços, tinham
corpo e forma), porém, na sociedade atual estão indefinidas (alguns autores consideram que
não existem mais classes): não se encaixam em nenhuma classe específica e ao mesmo tempo
se encaixam em todas.
Atualmente, portanto, a consciência adjudicada precisa estar arraigada em todos os
homens, principalmente àqueles reprimidos e dominados pelo sistema capitalista. Não é
necessário pertencer a uma classe definida para possuir a consciência adjudicada, mas é
preciso ter consciência de sua condição reificada e ter vontade de transformar sua vida para,
posteriormente, mudar todo sistema atual sócio-cultural, econômico e político.
Os gregos chamavam de ócio o tempo livre, sendo esse mais valoroso que a vida de
trabalho. O ideal de sabedoria que se cultivava tinha no ócio sua condição essencial. A vida
dos gregos se passava, essencialmente, nos ginásios, nas termas, no fórum e em outros lugares
de reunião. O culto aos deuses representava função permanente no tempo por se acreditar que
o meio de atingimento da perfeição e a sabedoria passavam pela contemplação dos deuses.50
Para os gregos, a atividade era um meio, um instrumento, e o ócio era um fim em si
mesmo, algo a ser alcançado para ser desfrutado. A capacidade de desfrutar devidamente o
ócio é o fundamento do homem livre e da felicidade humana.
Em convergência com os gregos, acredita-se que o momento de lazer é aquele em que
o homem possui liberdade de utilização do seu tempo livre, neste momento ele pode
49
LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. 11ª ed. São Paulo: Publicações Escorpião, 1985. 50
BACAL, Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003.
39
descansar, refletir, desenvolver-se intelectualmente e fisicamente, divertir-se, confraternizar
com a família ou mesmo utilizar este tempo para contemplar a natureza, enfim, é quando o
homem alcança a felicidade humana.
O tema lazer despertou interesse dos estudiosos da medicina que o consideram como
fonte restauradora da higidez (saúde) da pessoa e de suas energias, fatos associados às
mudanças de hábitos ou quebra de rotina existencial; é considerado como modus vivendi,
modo de viver, de aproveitar a vida. Conforme dispõe Wladimir Martinez:
Para o trabalhador, massacrado pela rotina do dia a dia, o descanso e a
alternância de ares, são absolutamente imprescindíveis ao seu
restabelecimento periódico. Às vezes, o simples distanciamento do local de
trabalho, mediante viagens, é suficiente para o reequilibro da força perdida51
.
É essencial a saúde do trabalhador que este possua um tempo livre para descansar e
relaxar, desta forma poderá readquirir o equilíbrio mental e físico, a família também é
instituto fundamental para este equilíbrio.
Finaliza-se o presente tema com um apelo emocionado ao não trabalho, proposto por
Lafargue, uma Ode a preguiça:
Se, extirpando do peito o vício que a domina e que avilta sua natureza, a
classe operária se levantasse em sua força terrível, não para exigir os
Direitos do Homem, que não passam dos direitos da exploração capitalista;
não para reivindicar o Direito ao Trabalho, que não passa do direito à
miséria, mas para forjar uma lei de bronze que proíba o trabalho além de três
horas diárias, a terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria brotar
dentro de si um novo universo [...] Mas como exigir de um proletário
corrompido pela moral capitalista uma decisão tão viril? Como Cristo,
dolente personificação da escravidão antiga, os homens, mulheres e crianças
do proletariado sobem penosamente, há um século, o duro calvário da dor;
há um século, o trabalho forçado quebra seus ossos, mata suas carnes,
esmaga seus nervos; há um século, a fome retorce suas entranhas e alucina
suas mentes!... Preguiça, tenha piedade de nossa longa miséria! Preguiça,
mãe das artes e das virtudes nobres, seja o bálsamo das angústias humanas52
!
No item seguinte será tratado sobre a contextualização do lazer na sociedade moderna,
onde os meios de comunicação de massa, como a televisão e o rádio exercem influência
constante nas práticas dos trabalhadores.
51
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Noções de Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 1997, p. 286. 52
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 2000, p. 112.
40
1.3.1 O Lazer como elemento cultural de uma sociedade de massa
O surgimento dos meios de comunicação de massa, a industrialização e a urbanização
implicará na padronização das condutas sociais do lazer, que se apresentara como elemento
cultural de uma sociedade de massas.
Conforme o sociólogo Domenico de Masi53
, todos os meios de comunicação de massa
são globalizados, assim como a ciência, o dinheiro, a cultura. As informações televisivas
contêm imagens e vozes que são transmitidas em todo o mundo, em tempo real. Também os
mercados monetários são globalizados, enfim, a vida inteira é globalizada.
A prática do lazer tem a intenção de homogeneizar, uma vez que todos compartilham
de um conjunto comum orientado para produção. A atitude do público faz parte do sistema, e
esta prática massificada do lazer é uma das expressões de controle da consciência individual.
Conforme leciona Sarah Bacal54
, há o desvio dos problemas em se converter o lazer
em atividade criadora, incentivando o consumo como objetivo capaz de preencher suas
exigências de gratificação, sua vida. Os publicitários não propõem lazeres que não exijam
poder de compra. De acordo com o sociólogo Giovanni Alves, o consumo fetichizado tomou
conta da sociedade atual, para ele:
Na medida em que sob o capitalismo fordista o consumo fetichizado ocupou
o tempo de vida e lazer, criaram-se as condições sociometabólicas para que o
tempo de vida esvaziado de conteúdo se tornasse tempo de trabalho
estranhado e fetichizado nas condições do capitalismo toyotista. Portanto,
antes de ser reduzida a trabalho abstrato fictício, a vida foi esvaziada de
conteúdo efetivamente humano pelo consumo fetichista.
O capitalismo global, o fetichismo da mercadoria com sua carga
manipulatória penetrou na produção, ampliando os territórios da existência
inautêntica. O toyotismo como ideologia da produção de mercadorias contém
em si uma dimensão fetichista de alta intensidade visando à 'captura' da
subjetividade do trabalho pelo capital. Por isso, o trabalho toyotizado é
trabalho estranhado densamente fetichizado no sentido de ocultar, com
sutileza, a exploração e dominação do capital envolvendo objetivamente com
seus dispositivos linguístico-organizacionais o trabalhador assalariado e o
homem-que-trabalha.
Ao mesmo tempo, a derrocada do compromisso fordista-keynesiano e a crise
da sociedade de consumo (crise da 'classe média'), com a persistência do
consumo densamente fetichizado devido à exacerbação da manipulação com
a crise do capital, ampliaram e intensificaram a carga de estranhamento,
fazendo surgir a 'consciência intranquila' que caracteriza o proletariado pós-
53 MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante. 5ª ed., 2000, p. 141. 54 BACAL, Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003, p. 87.
41
moderno. É ela que permite recompor de forma contraditória a classe do
proletariado com demandas radicais55
.
O consumo fetichista, tempo de lazer, colabora com o estranhamento e a alienação do
homem visto que este consome o que está condicionado a consumir, desta forma não se
encontra consigo mesmo e com sua subjetividade. No momento em que o homem é
condicionado em suas ações, mesmo nos momentos de não trabalho, este perde sua
humanidade e sua dignidade, visto que é um estranho para si mesmo.
Neste prisma, para os autores Adorno e Horkheimer, o cinema e o rádio não se
apresentam como arte, pois são propagadores de uma ideologia destinada a legitimar o lixo
cultural produzido. Já a televisão é uma junção do rádio e do cinema.
A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto
os interessados não se põem de acordo, mas cujas possibilidades ilimitadas
prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéticos a tal ponto
que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cultural pode vir a
triunfar abertamente já amanhã – numa realização escarninha do sonho wagneriano da obra de arte total
56.
De acordo com os autores de Frankfurt, as formas mais expressivas de lazer colaboram
com a alienação e empobrecimento cultural. As canções de sucesso, os astros, as telenovelas
são retransmitidas de forma invariante, estagnadas e com conteúdos que modificam apenas de
forma superficial. Os filmes adestram os telespectadores que já tem interiorizado uma
consciência animal, porque os filmes não permitem mais a fantasia, atrofiando a imaginação e
a espontaneidade do consumidor.
Neste esquema, portanto, as práticas de lazer se destinam a proibir, bloquear a
atividade intelectual. Um resultado prático disso é que o homem se sente realizado quando os
olhos vêem algo ou os ouvidos ouvem algo já previsto. Aqui, não há mais espaço para a
criatividade e a espontaneidade:
Assim a indústria cultural, o mais inflexível de todos os estilos, revela-se
justamente como a meta do liberalismo, ao qual se censura a falta de estilo.
Não somente suas categorias e conteúdos são provenientes da esfera liberal,
tanto do naturalismo domesticado quanto da opereta e da revista: as
modernas companhias culturais são o lugar econômico onde ainda sobrevive,
juntamente com os correspondentes tipos de empresários, uma parte da
esfera de circulação já em processo de desagregação. Aí ainda é possível
55
ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 125. 56
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: O esclarecimento como
mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 116-117.
42
fazer fortuna desde que não seja demasiado inflexível e se mostre que é uma
pessoa com quem se pode conversar. Quem resiste só pode sobreviver
integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural
ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao
capitalismo57
.
A humanidade está encurralada, não há como fugir da indústria cultural, e não há
como sobreviver sem entregar-se, há momentos da vida em que o lazer, o riso, a diversão
tornam-se um meio de ludibriar a felicidade. A diversão é uma maneira de fugir do sofrimento,
é uma fuga da própria realidade contemporânea.
A padronização do lazer decorre da padronização do comportamento, da padronização
da cultura, do trabalho, do pensamento. A sociedade é condicionada a adaptar-se a esta
realidade, pois que não existe liberdade de escolha.
Em contraponto a opinião dos autores, acredita-se que a mídia, a televisão, o rádio,
muitas vezes exercem influência positiva na sociedade, conseguindo cumprir a função social
dos meios de comunicação, como por exemplo, quando publicizam a inclusão social. No
entanto são casos raros e pontuais, não é regra.
O processo de transformação do homem em mercadoria e da mercadoria em algo que
tem vida, também é uma característica da sociedade atual responsável pelo estranhamento do
trabalhador, sobre este tema que tratar-se-à em seguida.
1.3.2 O Lazer como momento de questionamento do Fetichismo da mercadoria e da
Reificação do trabalhador
A necessária igualdade dos trabalhos humanos fica escondida sob a forma da
igualdade dos próprios produtos do trabalho, ou seja, o trabalho humano é confundido com a
própria mercadoria, esta que é o produto do trabalho humano possuindo valor secundário
quando é comparado com seu produto. O dispêndio de força de trabalho humano se
transforma em quantidade de valor dos produtos do trabalho, quanto mais tempo é dedicado a
determinada mercadoria, maior é seu valor.
Os trabalhadores assumem o aspecto de relação social entre os produtos do trabalho e
a relação com seu produto é mais intensa que a relação com um colega de trabalho. A
57
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: O esclarecimento como
mistificação das massas. In: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 121.
43
mercadoria se sobrepõe ao seu próprio produtor, é ela quem determina e molda a vida e o
comportamento do indivíduo. Não é mais o trabalhador quem dá vida à mercadoria, e sim é a
mercadoria quem dá vida a seu produtor. A função das mercadorias, que é a de dar satisfação
às necessidades humanas, vai além da física, transcende a um plano superior.
Para Karl Marx, o trabalhador desce ao nível de mercadoria, tornando-se um miserável;
e a penúria do trabalhador aumenta com o poder e o volume da sua produção; o resultado
necessário da concorrência é a acumulação do capital em poucas mãos, consequentemente,
um terrível restabelecimento do monopólio e a diferenciação entre capitalista e proprietário
agrário, bem como entre trabalhador rural e trabalhador industrial, deixa de existir, e toda a
sociedade se divide em duas classes: os que possuem propriedade e os trabalhadores
despossuídos de propriedade. Para ele, o trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais
barata, quanto maior número de bens produz e, com a valorização do mundo das coisas, a sua
humanidade é desvalorizada58
.
A mercadoria encobre as características sociais do trabalho dos homens (as próprias
relações sociais, as relações humanas), pois estas características se apresentam como
características materiais (a relação do homem com o seu produto se torna mais importante do
que a relação do homem com ele mesmo ou com o outro) e propriedades sociais
independentes do produto do trabalho. As mercadorias parecem auto constituirem-se, em um
exemplo, Marx apresenta o fetichismo: “[...] os produtos do cérebro humano parecem dotados
de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os seres humanos59
”.
É notório o poder que as mercadorias exercem sobre os seres humanos, elas parecem exercer
um controle irreversível sobre a vida das pessoas, que valorizam secundariamente o cérebro
humano criador das mercadorias e os homens que as constroem através do trabalho.
O trabalho é a atividade em que o homem domina as forças naturais, humanizando a
natureza; é onde o homem se cria. A atividade de trabalho deveria ser desta forma, ao
contrário do que ocorre, pois hoje revela-se apenas como o sofrimento do trabalhador ao
exercer uma atividade que é penosa e coercitiva.
Marx faz uma reflexão sobre o trabalho estranhado, verificando o seu lugar na
composição da socialidade humana, e de como tal composição se reequaciona a partir da
transformação do trabalho em elemento subordinado à troca e à propriedade privada. Ele
58
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 110-111. 59
MARX, Karl. O Capital - O Processo de Produção do Capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980, p. 81.
44
analisa o estranhamento como forma específica de exteriorização humana, especialmente o
domínio do trabalho assalariado sob o capitalismo.
O trabalho estranhado constitui-se quando a relação homem natureza passa a ser
mediada por outros elementos como intercâmbio, propriedade privada e divisão do trabalho,
que passam a ditar o conteúdo e a finalidade da atividade humana.60
O sonho de Marx é que haja uma sociedade em que (homens e mulheres) possam
desenvolver suas habilidades livremente, em que homens e mulheres possam aperfeiçoar-se
não apenas como ferramentas de trabalho para produção de mercadorias, mas também como
pessoas capazes de opinar e de esmerar sua personalidade.
[...] quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir;
quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais
aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador;
quanto mais civilizado o produto, tão mais bárbaro o trabalhador; quanto
mais poderoso o trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais
inteligência revela o trabalho tanto mais o trabalhador decai em inteligência
e se torna um escravo da natureza61
.
Em síntese, quanto mais empenho o trabalhador revela à mercadoria menos empenho
dedica a si mesmo. O trabalho é uma das causas de toda degeneração intelectual, de toda
deformação orgânica, da depreciação da arte, do belo e da supervalorização do vulgar e do
massificado (os gregos dos tempos áureos só sentiam desprezo pelo trabalho, apenas os
escravos trabalhavam e os homens livres faziam exercícios corporais e participavam de jogos
de inteligência).
A redução da pessoa humana à força de trabalho como mercadoria, por meio da
redução do tempo livre e aumento do trabalho estranhado é um dos elementos da sociedade
atual. Verifica-se que a função desta nova reestruturação é fragilizar a capacidade de
resistência à voracidade do capital.
Lafargue apresenta o trabalho estranhado como uma forma de violência tanto do corpo
quanto da alma. Ele considera que o trabalho é a causa principal da miséria do homem:
Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a riqueza social e suas
misérias individuais, trabalhem para que, ficando mais pobre, tenham mais
60
MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. In: FROMM, E. Conceito Marxista do homem.
Trad. Octávio A Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 61
MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. In: FROMM, E. Conceito Marxista do homem.
Trad. Octávio A Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 92.
45
razões para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da
produção capitalista62
.
O homem é um ser ativo dotado de energia e vitalidade, em desenvolvimento de suas
potencialidades e quando transformado em mera ferramenta de trabalho ele se sente limitado e
preso. Dessa forma ele não se aperfeiçoa, ou seja, não vive e não progride. O homem é livre
quando produz, mas sem o sofrimento pungente da necessidade física ou quando é um
estranho a ele mesmo e ao objeto que produz.
O homem só é livre quando se emancipa das coações, externas e internas, físicas e
morais, e quando não é reprimido pela lei nem pela necessidade. Mas tal coação é a realidade.
E sendo assim, pode-se considerar que para se libertar desta condição reificante tem-se de
fugir dessa realidade. Somente quando o homem pode jogar com suas faculdades e
potencialidades livremente é que consegue se emancipar, portanto, o único momento em que
ele tem para se libertar dos grilhões do capitalismo é no seu momento de lazer e por isto, este
momento deve ser utilizado como desalienação, como forma de questionamento e crítica da
realidade.
O processo que separa o trabalhador da totalidade, do produto de seu trabalho, de seu
corpo e da atividade coletiva que o possibilita ser social, é chamado de alienação. É a
alienação que transforma o homem em uma coisa, em objeto; pois o priva de sua própria
essência. Segundo a professora de Sociologia Isabel Faleiros:
O valor da mercadoria força de trabalho é determinado pelo tempo de
trabalho necessário à sua própria manutenção, pois o ato de dispêndio da
energia cria a necessidade de reposição, que, por sua vez, não requer apenas
a alimentação, o abrigo, vestimenta etc. Requer a recomposição também
através do sono, do descanso, da diversão e de outras atividades. A
realização de todos esses aspectos se dá num tempo calculado no valor da
força de trabalho e, portanto, já pago pelo trabalhador no ato de venda da
mesma63
.
O trabalhador não necessita apenas de subsídios para sua sobrevivência (vestimentas,
alimentação, moradia), necessita também de tempo livre para poder utilizá-lo de forma
voluntária, como forma de reposição das energias que perdeu no trabalho. Este tempo livre é
determinante quando realizado o cálculo do valor deste trabalhador. As férias, o tempo diário
62
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 2000, p. 79. 63
FALEIROS, Maria Isabel L. O lazer em questão: Redefinição no modo de vida de um grupo
operário. 1979, Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - PUC, São Paulo,1979, p. 23.
46
além da jornada de trabalho e o descanso semanal, são mercadorias e sua utilização é
determinada por normas produzidas pelo grupo.
Quanto mais o trabalhador se aliena (dedica-se ao seu trabalho massificado), menos
seu mundo interior lhe pertence; quanto mais o trabalhador se submete ao trabalho mecânico e
racional, mais a atividade do trabalhador perde seu caráter de atividade para adquirir um
caráter passivo.
Esta limitação reifica o trabalhador, ele não pode revelar sua personalidade e tem de
se submeter a um tempo e a um espaço físico delimitado. A mecanização da produção torna os
operários objetos isolados e abstratos, em que não mais realizam seu trabalho de forma
imediata e viva; a ligação entre eles é sempre realizada por meio de leis abstratas da
mecanização.
As relações de exploração e dominação do homem são opostas às de suas realizações,
como: seu bem-estar, prazer, felicidade e satisfações pessoais. Sem liberdade de pensar, as
atitudes do homem tornam-se mecânicas e irracionais, pois ele acaba se acostumando com o
que lhe foi ordenado, não tendo mais ânimo para resistir. Até mesmo no momento de lazer, o
trabalhador não se desprende das relações de produção, pois ele não apenas descansa ou
diverte-se, ele também consome objetos e serviços. Quando consome o resultado da produção
o indivíduo recupera a força que consumiu no trabalho e, dessa forma, produz novas energias,
originando a necessidade de se produzir mais.
Logo, o lazer completa o círculo alienante, coisificado, massificante, originado pelas
relações de trabalho assalariado. E é esse um dos pontos chave do trabalho: demonstrar a
importância do lazer como momento de reflexão, não utilizado como colaborador da
alienação, mas como elemento de crítica à sociedade capitalista.
1.4 A PRÁTICA DO DIREITO AO LAZER E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE
PROLETARIZAÇÃO
Faz-se necessária a análise do conceito de proletário e do processo de proletarização,
tendo em vista que este vende seu trabalho e sua mente, ou seja, o proletário se submete por
completo ao mundo capitalista, perdendo sua subjetividade e personalidade e,
consequentemente, seu Direito ao Lazer. Um dos fatores responsáveis pela proletarização do
trabalhador é a falta de tempo livre e a não prática do Direito ao Lazer.
47
O vocábulo proletário veio do latim proletarius e, designava, entre os romanos, a
classe dos cidadãos que por sua pobreza estavam isentos de qualquer contribuição fiscal,
cabendo-lhes, no entanto, o dever de procriar para que fornecessem os filhos para preencher
os clarões abertos nos exércitos mantidos pelo Estado.
Dizia-se, por isso, proletarii, porque lhes cabia dar cidadãos, proles (filhos), à
República. Proletário na linguagem atual designa o operário ou o trabalhador que aplica suas
atividades no trabalho manual ou mecânico, como empregado.
Segundo De Plácido e Silva64
, proletariado é um vasto grupo social constituído por um
subconjunto de trabalhadores dependentes que se ocupam em diversos ramos de atividade, no
âmbito do processo de produção capitalista, recebendo um salário em troca do trabalho
prestado, justamente daqueles que detém a propriedade dos meios de produção e o controle da
sua prestação de trabalho.
O proletariado é a classe mais baixa da comunidade qualquer que seja o critério
considerado (do econômico à própria qualidade do direito prestado). Indica uma classe
industrial pobre, de trabalhadores manuais que não possuem nenhum capital significativo e
vende o seu trabalho para sobreviver. Silva apresenta algumas características do proletariado:
Normalmente o proletariado tem uma ou mais características: a) ocupação
industrial, b) trabalho manual, c) pobreza e d) ausência da posse de capital. A
proletarização dos trabalhadores não-manuais refere-se à relativa redução de
renda, enquanto a proletarização dos camponeses refere-se à troca da
propriedade comunal pela propriedade privada da terra, possivelmente com
aumento de renda. No uso marxista, o termo abrange os assalariados
industriais e os trabalhadores agrícolas no seu significado mais amplo, inclui
qualquer pessoa que possua um pouco ou nenhum capital e que deve viver
do trabalho65
.
Para De Plácido e Silva, a proletarização consiste no processo pelo qual indivíduos de
camadas superiores (de elite) fazem-se proletários ou adquirem consciência própria do
proletariado. A falta de tempo livre é fundamental neste processo. Porém, não se aceita este
conceito, tendo em vista de que ninguém se faz proletário. A proletarização é uma prática e
um sentimento que é incorporado, sendo resultado de um longo processo histórico-social,
cultural, político e econômico.
64
PROLETARIADO. In: SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1993, p. 415. 65
PROLETARIZAÇÃO. In: BENEDICTO, Silva et al. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: FGV, 1986, p. 997-998.
48
Para Silva, a proletarização é um fenômeno social marcante em determinadas
situações históricas como a perda dos meios de produção sofrida por determinados grupos
sociais. A ocorrência da intensa transferência da propriedade dos meios de produção, realizada
no âmbito da Revolução Industrial, foi causa determinante do fenômeno da proletarização.
Para ele, a proletarização do empregado na atualidade refere-se à sua relativa diminuição de
rendimentos, ao passo que a proletarização do campesinato se relaciona com a mudança da
sua propriedade comunal para propriedade privada da terra.
A classe operária nasce e se delimita paralelamente ao nascimento, desenvolvimento e
consolidação do regime burguês. Os operários manufatureiros são os predecessores do
proletariado contemporâneo, que se molda em consequência da revolução industrial do final
do século XVIII.
Com o desenvolvimento da burguesia desenvolve-se também o proletariado, os
operários modernos, que só vivem se encontram trabalho, e só encontram trabalho se aumenta
o capital. Esses operários vendem-se diariamente como uma mercadoria, segundo Marx:
O crescente emprego de máquina e a divisão do trabalho, despojando o
trabalhado do operário de seu caráter autônomo, tiram-lhe todo atrativo. O
produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a
operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo,
o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de
manutenção que lhe são necessários para viver e perpetuar sua existência.
Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao custo de sua
produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho,
decrescem os salários. Mais ainda, a quantidade de trabalho cresce com o
desenvolvimento do maquinismo e da divisão do trabalho, quer pelo
prolongamento das horas de labor, quer pelo aumento do trabalho exigido
em um tempo determinado, pela aceleração do movimento das máquinas,
etc66
.
O progresso industrial consiste no período de transição da etapa manufatureira do
capitalismo, com a técnica artesanal e trabalho manual, para a produção capitalista fabril,
agora pautada na mecanização da produção. Este período tem início na década de 60 do
século XVIII, na Inglaterra.
O avanço das máquinas causou mudanças na organização da produção, pois a
Revolução Industrial do século XVIII teve como consequência mudança profunda na estrutura
social. A introdução das máquinas minimiza a necessidade do modo de produção manual. Em
66
MARX, Karl. O Manifesto Comunista. In: FERNANDES, Florestan. Marx e Engels – História. 3ª
ed. São Paulo: Ática, 1989. (Coleção Grandes Cientistas Sociais), p. 371.
49
1850 a classe operária inglesa apresenta cerca de 60% de toda a população ativa no país, e
eleva-se a burguesia industrial que aos poucos vai se tornando a classe dominante.
Lafargue67
diz que os proletários franceses se deixaram degradar pela religião do
trabalho a ponto de aceitar, após 1848, a lei que limitava em doze horas o trabalho nas
fábricas, como se esta conquista fosse algo revolucionário.
O proletariado industrial na Alemanha inicia-se na primeira metade do século XIX
ganhando maior ímpeto na década de 20. Neste país não houve uma revolução democrática
burguesa, o proletariado sofre não só a exploração capitalista, mas também a opressão
feudal68
.
O proletariado surge como resultado do empobrecimento e ruína das largas massas da
população rural e urbana, em especial dos camponeses, operários e artesãos das manufaturas.
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento:
O proletário é um trabalhador que presta serviços em jornadas de duração que
vai a 14 e a 16 horas, não tem oportunidades de desenvolvimento intelectual,
habita em condições subumanas, em geral nas adjacências do próprio local da
atividade, tem prole numerosa e ganha salário em troca disso69
.
Para Bugarola70
o proletário se caracteriza pela falta de plenitude psíquica, pois vive
de forma desumana de despersonalizada; sofre a desigualdade e possui necessidade de
libertação, imbuído de sentimento de solidariedade universal e com ânsia de justiça.
A condição de proletariedade é elemento fundante do trabalho estranhado: só há
trabalho estranhado porque há proletários ou homens e mulheres imersas numa condição
histórica e existencial de proletariedade, obrigados, por questão de sobrevivência, a se
submenterem às condições de exploração capitalista. Nesta condição não há desvinculação
de trabalho e vida, trabalho é vida e vida é trabalho. O tempo de lazer ou tempo de existência
não existe para o proletário.
A introdução das máquinas intensifica a desvalorização do trabalho e o desemprego
agrava a situação dos trabalhadores. As empresas industriais construídas não asseguram
trabalho para todos os camponeses e artesãos que se arruínam.
67
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec. 2000. 68
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva. 7ª ed., 1989. 69
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva. 7ª ed., 1989,
p. 7. 70
BUGAROLA. Sociologia Y teologia de la técnica. Madrid: BAC, 1957, p. 251.
50
A partir de 1825 começam as crises econômicas, milhares de operários são expulsos
das fábricas, surgindo o exército industrial de reserva (levas de milhares de desempregados
ameaçando os empregados, forçando-os a resignarem-se com as condições da inconsciência),
o que permite ao capitalista intensificar cada vez mais a exploração, mantendo os salários
abaixo do valor de miséria.
Os operários têm condições de vida miseráveis, vivem em casas pequenas, sem
higiene, sem vestimentas, alimentação precária, falta de conforto, e começam a surgir doenças
crônicas e epidêmicas, estes são alguns indicativos da vida do proletário.
Para Marx, os operários das fábricas são como soldados da indústria, sofrendo
pressões e vigilância constantes dos seus oficiais e suboficiais. Estes são escravos da classe
burguesa, do Estado burguês, da máquina e do dono da fábrica.
A classe média inferior, formada por pequenos industriais, pequenos comerciantes e
pessoas que possuem rendas como: os artesãos e os camponeses tornam-se proletários. Em
consequência do desenvolvimento industrial, até mesmo frações inteiras da classe dominante
se tornam proletárias, ou mesmo ameaçadas em suas condições de existência. Marx explica as
razões desse processo de proletarização:
[…] uns porque seus pequenos capitais, não lhes permitindo empregar os
processos da grande indústria, sucumbiram na concorrência com os grandes
capitalistas; outros porque sua habilidade profissional é depreciada pelos
novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as
classes da população71
.
A proletarização é um processo dominante que atinge a consciência e a prática de vida,
junto com o desenvolvimento do modo de produção capitalista. A proletarização se torna um
processo avassalador intrínseco a todo ser humano. A questão do tempo livre está
intrinsecamente ligada a este processo, sem o direito ao lazer, ao divertimento e à reflexão, em
que a proletarização se intensifica atingindo todas as camadas sociais. Conforme Lafargue:
E, no entanto, o proletariado, a grande classe que abrange todos os
produtores das nações civilizadas, a classe que, ao se emancipar, emancipará
a humanidade do trabalho servil e fará do animal humano um ser livre – o
proletariado, traindo seus instintos, desconhecendo sua missão histórica,
deixou-se perverter pelo dogma do trabalho. Duro e terrível foi seu castigo.
71
MARX, Karl. O Manifesto Comunista. In: FERNANDES, Florestan. Marx e Engels – História. 3ª
ed. São Paulo: Ática, 1989. (Coleção Grandes Cientistas Sociais), p. 371.
51
Todas as misérias individuais e sociais nasceram de sua paixão pelo
trabalho72
.
Segundo Arendt73
, a era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, e
resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma sociedade operária, concluindo,
assim, o processo de proletarização de todas as classes sociais. Esta sociedade que está para
ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores que já não conhece
outras atividades superiores e mais importantes ou em benefício das quais valerá a pena
conquistar essa liberdade. O maior exemplo dessa atividade, a qual se faz referência em todo
o trabalho, é o lazer, como fonte de conhecimento, crítica, o lazer como contraposição ao
trabalho mecânico.
A classe operária não emerge e não luta porque existe. Ao contrário, existe porque luta
e se forma nos concretos acontecimentos, nos quais ela se nega como força de trabalho e
afirma sua autonomia e sua importância no mundo do trabalho. Quando a classe operária se
nega como força de trabalho reivindicando sua autonomia e se recompondo politicamente,
ocorre a metamorfose do operário massa em operário social74
.
A formação da classe operária de hoje se dá com sua recomposição política e com
reivindicação para que seja reconhecido seu valor e sua importância, enquanto negação de sua
composição técnica e destaque de sua influência subjetiva, intelectual. Esta classe se
apresenta de forma criativa, inteligente, portadora de trabalho imaterial.
O exercício do tempo livre é fundamental para que esta classe pratique sua
criatividade, compreenda e desenvolva a sua subjetividade e potencialidades e viva
plenamente, para que desta forma os princípios da dignidade e da humanidade façam sentido.
As opções de lazer da classe proletária são limitadas, visto possuírem baixo poder
aquisitivo, estando limitadas a práticas baratas ou gratuitas como televisão, radio, passeios
rápidos, praças públicas e as famosas “peladas”, por exemplo.
Na grande empresa reestruturada, o trabalho do operário é um trabalho que implica
sempre mais (em diversos níveis) capacidade de escolher entre diversas alternativas, e,
portanto, a responsabilidade de certas decisões. Conforme Antonio Negri: “é a alma do
72
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 67. 73
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. 74
NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.
17.
52
operário que deve descer na oficina” 75
. É a sua criatividade, a sua subjetividade, que deve
prevalecer. Qualidade e quantidade do trabalho são reorganizadas em torno de sua
imaterialidade. Embora a transformação do trabalho operário em trabalho de controle, de
gestão da informação, de capacidades de decisão que pedem o investimento da subjetividade,
toque os operários de maneira diferente, segundo suas funções na hierarquia da fábrica, ela
apresenta-se atualmente como um processo irreversível.
Destacando a importância do lazer e o Direito como instituição mediadora no próximo
capítulo traz à baila as características jurídicas do lazer, sendo um Direito Social preconizado
pela Constituição Federal de 1988.
75
NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.
25.
53
2 O DIREITO AO LAZER ENQUANTO DIREITO SOCIAL
O Direito ao Lazer (ou Direito à Preguiça, como preferia Lafargue) é um cenário da
sociedade burguesa, e teria o objetivo de atingir a consciência do proletariado. É a crítica da
ideologia do trabalho, é a exposição das causas e da forma do trabalho na economia capitalista
ou o trabalho assalariado.
Este direito se encontra dentre um dos principais elementos protecionistas da
dignidade e humanidade no trabalho. Considera-se que a tutela do lazer foi estruturada, tanto
no plano internacional como no âmbito nacional, como direito fundamental, cuja finalidade
era é de estabelecer uma forma legal e segura de certificar a sua proteção.
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, traz explicitamente
o direito ao lazer como um dos direitos fundamentais para todo o ser humano, este ato deu um
grande passo para a melhoria da qualidade de vida do trabalhador: “Artigo XXIV - Todo ser
humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a
férias remuneradas periódicas.”76
Desta forma, o lazer ingressa na relação dos Direitos Humanos, onde a comunidade
internacional os considera como inerentes a todos os seres humanos e indispensáveis para a
realização dos princípios da dignidade, liberdade e justiça. No Brasil este direito foi incluído
no artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, e foi classificado como um direito fundamental
social.
Ao direito ao lazer não lhe é atribuída nenhuma área específica. O estudo de tal tema
tem sido essencialmente voltado à vertente social e psicológica da sua prática. A importância
deste direito se deve a proteção de um bem jurídico que, em geral, só possui tutela indireta.
Conforme dispõe Christian Marcello Mañas:
Hoje, porém, as atividades ligadas ao lazer mostram-se como ações sem
sentido, as quais preenchem espaços vazios. De fato, o lazer institucionaliza-
se sob a característica de evasão. A realidade tem demonstrado que os
períodos de lazer dos empregados restringem-se em descanso físico e mental
para uma nova jornada, além de se materializar na forma de hobbies
alienantes e no consumo de mercadorias, atuando como mero espaço de
compensação do trabalho, havendo uma flagrante limitação quanto à
inserção do sujeito trabalhador na esfera politica e cultural da sociedade,
tornando-se um ser alienado e acrítico frente aos problemas sociais que o
cercam77
.
76
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989. 77
MAÑAS, Christian Marcello. Tempo e Trabalho – A tutela Jurídica do tempo de trabalho e tempo
54
Portanto considera-se que o principal problema que se verifica no direito ao lazer é o
seu meio de utilização, ou seja, no tempo livre o homem descansa, consome, assiste televisão,
sendo que na maioria das vezes utiliza o tempo com atividades relacionadas à produção de
capital.
Juridicamente, o lazer é uma faculdade natural do ser humano que deve ser
amplamente reconhecida pelo direito positivo (ainda que não o seja no Brasil). Durante a
infância, por inaptidão para o trabalho, o tempo deve naturalmente, ser reservado para
brincadeiras, diversões e educação. Tem a função de restaurar as energias nos períodos de
trabalho e, por fim, àquele que contribuiu para criar riquezas apresenta-se o direito de se
aposentar.
Encontram-se algumas manifestações formais como forma de garantia e legitimidade
do lazer na Magna Carta e na Consolidação das Leis do Trabalho. Estas exposições serão
analisadas detalhadamente neste capítulo.
2.1 DIREITO AO LAZER: UM DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL
Conforme informa Otávio Amaral Calvet78
, a evolução da sociedade chegou ao estágio
em que os direitos de primeira dimensão já não mais garantiam o desenvolvimento dos
cidadãos, pois o exercício da sua liberdade é possível apenas com um mínimo existencial, e
este mínimo não era proporcionado no sistema liberal-burguês onde o despossuído apresenta-
se em condição de hipossuficiente e se encontra desamparado. Neste contexto surgem os
Direitos Sociais.
Desta forma, os Direitos Sociais são denominados de segunda geração, e são
essenciais para realização dos direitos de primeira geração, aquela que se refere às liberdades
públicas, pois em uma escala de necessidade da vida em sociedade. E um primeiro momento a
pessoa deve prover a sua subsistência, pois precisa se alimentar, se vestir, morar, descansar,
trabalhar, enfim, as pessoas precisam viver.
Consta expressamente na Constituição Federal, em seu artigo 6º que:
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
livre. São Paulo: LTR, 2005, p. 113. 78
CALVET, Otávio Amaral. Direito ao lazer nas relações de trabalho. São Paulo: Ltr, 2006, p. 36.
55
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta constituição.
O lazer apresenta-se como um Direito Social, em que todo ser humano tem não apenas
a possibilidade, mas o direito a ele. A importância do direito ao lazer, que é constantemente
suprimida e desvalorizada, está em pé de igualdade com o direito à segurança, à liberdade e
ao trabalho (que está no ápice de sua discussão) e outros direitos também essenciais ao ser
humano. Deve-se discutir o direito do trabalho sempre levando-se em consideração o direito
ao lazer, visto que este confere garantias primordiais àqueles direitos.
Os Direitos Sociais, junto com os direitos individuais, coletivos, da nacionalidade e
políticos/democráticos ou da cidadania, são Direitos Fundamentais do homem, sendo o lazer
também um Direito Fundamental. Para compreensão dos direitos sociais é necessário que se
apresente os Direitos Fundamentais. Segundo Canotilho estes Direitos cumprem:
[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:
(1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência
negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as
ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano
jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais
(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a
evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)79
.
Como liberdade positiva, portanto, é preciso fazer, promover, desenvolver os Direitos
Sociais/Fundamentais e, na segurança da liberdade negativa, é urgente proteger, defender, dar
sustentação – exigindo um não fazer, se é a violação, e, se o fizer, a sua retratação/punição.
No primeiro caso, promoção, já no segundo, a retaliação protetora.
Ainda, conforme Canotilho, os Direitos Fundamentais possuem função de prestação
social que significa direito do particular a obter algo através do Estado, quando não possuir
meios financeiros suficientes. Pode-se considerar que o direito ao lazer é uma função de
prestação social, o que ratifica a importância das Políticas Públicas de lazer no Brasil para a
realização e prática deste direito. De acordo com o jurista português:
Com base na indiscutível dimensão subjectiva dos direitos ‘sociais’ afirma-
se a existência de direitos originários a prestações quando: (1) a partir da
garantia constitucional de certos direitos; (2) se reconhece, simultaneamente
o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais, indispensáveis ao
exercício efectivo desses direitos; (3) e a faculdade de o cidadão exigir, de
79
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed.
Coimbra: Livraria Almeida, 2002, p. 407-408.
56
forma imediata, as prestações constitutivas desses direitos. Exs: (i) a partir
do direito ao trabalho pode derivar-se o dever do Estado na criação de postos
de trabalho e a pretensão dos cidadãos a um posto de trabalho [...]80
.
Ratificando, pode-se, incluir como exemplo o dever do Estado em ofertar alternativas
para a prática do direito ao lazer, sendo este um Direito Social de prestação.
Os Direitos Fundamentais primam por garantir uma vida digna, em que os princípios
da igualdade, da liberdade e da fraternidade (tais princípios foram idealizados na Revolução
Francesa de 1789, e passaram a ser constitucionais com a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de acordo com as Constituições Francesas de 1791 e 1793 e Americana de 1787)
devem ser objetivados e respeitados, sem distinções entre os homens. Constitui garantia
fundamental, pois sem este direito, a pessoa não sobrevive ou não possui vida social, e a todo
homem cabe o reconhecimento e a consolidação destes81
.
Os Direitos Fundamentais são inerentes ao homem, são inalienáveis (intransferíveis,
não se pode desfazer deles), são imprescritíveis (nunca deixam de ser exigíveis) e
irrenunciáveis (não se renuncia – não se abdica).
O Estado social no Brasil teve a função de produzir as condições e os pressupostos
reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos Direitos Fundamentais. Deve-se reconhecer o
estado de dependência do indivíduo em relação às prestações do Estado e fazer com que este
último cumpra a tarefa igualitária e distributivista, sem a qual não haverá democracia nem
liberdade. Conforme Bonavides: “Com o Estado social, o Estado-inimigo cedeu lugar ao
Estado-amigo, o Estado-medo ao Estado-confiança, o Estado-hostilidade ao Estado-
segurança” 82
.
Os direitos sociais, um dos tipos de direito fundamental, são apontados como liberdade
positiva que deve ser vigiada de forma obrigatória em um Estado social de Direito e tem
como finalidade a melhoria das condições de vida dos mais fracos e mais carentes, devendo
ampará-los evitando a distinção social. Tais direitos são essenciais, sendo de obrigação do
Estado a preservação destes, tendo-se como função e objetivo preservar e resgatar a igualdade
social. A Constituição Federal dispõe sobre os direitos sociais em seus artigos 6º ao 11º, de
forma exemplificativa, não os esgotando visto que se encontram espalhados de forma difusa
80
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed.
Coimbra: Livraria Almeida, 2002, p. 475. 81 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros,
2001. 82
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. Rev. Atual. São Paulo: Malheiros, 2003,
p. 338.
57
por toda a Constituição Federal.
É Direito que exprime com toda a força a tensão entre a norma e a realidade, entre os
elementos estáticos e os elementos dinâmicos da Constituição, entre a economia de mercado e
a economia dirigida, entre a liberdade e a planificação, entre o consenso e o dissenso, entre a
harmonia e o conflito, entre pluralismo e monismo, entre representação e democracia, entre
legalidade e legitimidade e até mesmo entre partidos políticos e associações de classe,
profissões ou interesses, as quais aparecem invariavelmente na crista da revolução
participatória deste tempo.
A Constituição define como princípios fundamentais os Direitos Sociais básicos que
são os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa; estabelece objetivos fundamentais para a
República como o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a
redução das desigualdades sociais e regionais, abrange genericamente a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desempregados.
José Afonso da Silva83
conceitua os Direitos Sociais como prestações positivas
oferecidas pelo Estado de forma direta ou indireta, enunciadas em normas constitucionais, que
propiciem melhores condições de vida aos hipossuficientes, tendendo a realizar a igualdade
nas situações desiguais. O Princípio da Isonomia ou igualdade diz que todos os homens são
iguais perante a lei, devendo o aplicador levar em consideração o pensamento de Aristóteles,
de que méritos iguais devem ser tratados igualmente, mas situações desiguais devem ser
tratadas desigualmente.
De acordo com o jurista, os Direitos Sociais se agrupam em cinco classes:
a) direitos sociais relativos ao trabalhador;
b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à saúde, à previdência e à
assistência social;
c) direitos sociais relativos à educação e à cultura;
d) direitos sociais relativos à família, a criança, ao adolescente e ao idoso;
e) direitos sociais relativos ao meio ambiente.
Este também classifica os direitos sociais em a) do homem produtor e b) do homem
consumidor. Os direitos sociais do homem produtor estão citados nos artigos 7 a 11 da Consti-
tuição. São os seguintes: liberdade de organização sindical, o direito de greve, o direito de
83SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros,
2001.
58
celebrar acordos e convenções coletivas de trabalho visando à melhoria da sua condição social,
o direito de participar na gestão da empresa e o direito de obter um emprego.
Os direitos sociais do homem consumidor estão indicados no artigo 6º da Constituição
e desenvolvidos no Título da Ordem Social. São os direitos à saúde, à segurança social, ao
desenvolvimento intelectual, ao igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação
profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família.
Conforme Bonavides84
, o problema que envolve a interpretação do princípio da
igualdade está em determinar se este representa ou não uma obrigação para o Estado de criar
na sociedade a igualdade fática. O Estado social é produtor de igualdade fática. Este conceito
deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer
equivalência de direitos. Obriga o Estado a prestações positivas; a prover meios, se necessário,
para concretizar comandos normativos de isonomia. A isonomia fática é o grau mais alto,
justo e refinado a que pode subir o princípio da igualdade numa estrutura normativa de direito
positivo.
Dessa forma, é eminente que o Estado proporcione ao trabalhador o direito ao lazer,
sendo este um direito fundamental. O direito ao lazer possibilita ao homem fazer uso de sua
liberdade e de sua criatividade. O lazer é o momento de prazer e autonomia do homem e por
isto tem grande importância.
2.1.1 Garantias de práticas do Direito ao Lazer na Constituição Federal de 1988
Todo trabalhador precisa de um ganho mensal mínimo para realização dos seus
direitos sociais, e neste rol encontra-se o lazer. No entanto, este mínimo não é o suficiente
para atender a estes direito, inclusive o lazer, este fica em segundo plano, pois o salário
mínimo mal cobre à custa com alimento, moradia, vestimenta. Desta forma, no tempo livre,
muitas vezes o trabalhador utiliza este momento para fazer horas extras ou “bicos”, de acordo
com Sarah Bacal:
[...] para se usufruiu do lazer, é necessário dispor de tempo, que é subtraído
ao tempo de trabalho, mas, contraditoriamente, o consumo do lazer exige
mais renda, o que implica mais tempo dedicado ao trabalho para obter mais
dinheiro, o que leva à negação do tempo e da liberação derivados daquela
subtração. Em última instância, acaba-se por negar o próprio prazer85
.
Para se exercer o direito ao lazer é necessário trabalhar mais, desta forma deixa-se de
84 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. Rev. Atual. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 342. 85
BACAL. Sarah. Lazer e o Universo dos Possíveis. São Paulo: Aleph, 2003, p. 88.
59
praticar este direito em detrimento do trabalho necessário para sua realização. Ou, ao exercê-
lo o faz atrelado aos modos de produção capitalista auxiliando-o consumindo o que a mídia
considera importante e transmitida através da televisão, folders, o direito ao lazer aparece
como instrumento de manutenção do sistema capitalista.
O direito ao lazer aparece na Magna Carta, sempre atrelado a alguma finalidade como
a tutela de menores (artigo 227), e principalmente relacionado com o desporto (artigo 217,
parágrafo 3º). Acredita-se que o direito ao lazer não é exclusivamente de menores, idosos ou
mesmo não se encerra na prática de esportes:
Artigo 7. São direitos dos trabalhadores [...] – inciso IV – salário mínimo,
fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades
vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim. (grifo nosso)
Artigo 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-
formais, como direito de cada um observados:
[...]
Parágrafo 3º – O Poder Público incentivará o lazer, como forma de
promoção social.
Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)
Nota-se, no artigo 217, parágrafo 3º, a importância do Poder Público quanto o
incentivo ao lazer, desta forma verifica-se que as Politicas Públicas são prioritárias e
fundamentais para a realização deste direito, além do incentivo a práticas esportivas, faz-se
necessária o incentivo ao lazer como momento de desenvolvimento mental, através de
práticas culturais e educativas.
Faz-se necessário relembrar o conceito e finalidade do lazer, este não se reduz somente
ao desenvolvimento físico, se estende a momentos de contemplação, divertimento, harmonia
com a família, sendo um tempo livre de obrigações laborais, sociais e políticas, o momento
em que o ser humano desenvolve suas potencialidades e exerce sua subjetividade.
No Título XIII, da Constituição Federal, que trata Da Ordem Social, dispõe sobre
diversas garantias como a saúde, a educação, a cultura, o desporto, a ciência, a comunicação
60
social, o convívio familiar, os direitos das crianças, adolescentes e idosos, o que se conclui é
que todos estes direitos só podem ser exercidos plenamente quando o direito ao lazer se
realiza, ou seja, quando o indivíduo se desvincula da produção capitalista e dedica seu tempo
a ações ou omissões livres. Acredita-se que o direito ao lazer é, portanto, instrumento de
extrema relevância para a efetivação dos direitos fundamentais.
A delimitação da jornada de trabalho e seu aparato jurídico são instrumentos do
Direito que objetivam garantir o lazer, no entanto deve-se expor a aplicabilidade desta
sistematização.
2.2 A JORNADA DE TRABALHO ENQUANTO CONDIÇÃO DO DIREITO AO LAZER
O descanso do trabalhador é uma das possibilidades de lazer, junto com o direito de
férias e do gozo dessas férias na forma que o empregado desejar, como: viajar, estudar, ler,
dormir, passear (são direitos sociais do trabalhador). A Constituição Federal assegura o direito
ao descanso, o direito ao repouso, às férias e ao gozo destas, à aposentadoria no artigo 7º, e
incisos:
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos
de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em
cinquenta por cento à do normal;
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais
do que o salário normal;
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a
duração de cento e vinte dias;
XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei.
Nestes dispositivos, observa-se que o legislador objetivou limitar a jornada de trabalho,
e desta forma proporcionar melhor qualidade de vida do trabalhador evitando fadiga e
proporcionar momento de liberdade para utilizá-lo com a família, amigos. No entanto a tutela
direta do lazer não consta na legislação brasileira. O lazer é apenas um desmembramento do
direito do trabalho.
61
O artigo 7º, inciso XIV, da Constituição Federal, assegura aos trabalhadores urbanos e
rurais o direito à “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de
revezamento, salvo negociação coletiva”. Não há lugar para compensação, razão pela qual a
hora excedente à sexta deve ser remunerada como adicional de hora extra.
Para que o empregado possa ter direito à jornada diária de seis horas, o artigo 7º, inciso
XIV, da Constituição Federal, impõe três requisitos cumulativos:
trabalho em turno, isto é, o trabalho realizado por turmas de empregados que se suce-
dem na prestação do serviço (exemplo: turno matutino, vespertino e noturno);
sob o sistema de revezamento, ou seja, é preciso que as turmas de empregados se
revezem; e
de forma ininterrupta, atentando-se para o fato de que a atividade empresarial é que
não deve sofrer interrupção, e não a do trabalhador.
O inciso XXIV, do artigo 7º da Constituição Federal, traz o direito à aposentadoria, e
esta é uma das mais importantes conquistas dos trabalhadores. A situação do idoso se
assemelha à da criança, pois desta não pode ser exigido esforço físico, necessitando de tempo
livre para sua formação física e psicológica. O idoso deve desfrutar os últimos anos de vida
sem coação nem obrigação de trabalhar, restando-lhe preencher seu tempo de forma
voluntária: conversar com amigos, viajar, ler.
Considerando que o lazer é um tempo da vida em que não se tem a obrigação de
trabalhar, dispondo de seu tempo com liberdade e espontaneidade de fazer o que for melhor
para si, a aposentadoria é uma modalidade de lazer. O Estado moderno tem como objetivo
fornecer a seus trabalhadores condições decentes de vida, e a aposentadoria é um dos meios
para se alcançar este objetivo. Segundo Martinez:
[...] é preciso compreender a ociosidade do jubilado não só como pagamento
do salário socialmente diferido, mas situação alcançada graças ao trabalho
pretérito, pois o lazer não é gratuito, prêmio, júbilo ou mérito próprio da
idade alcançada86
.
A aposentadoria é algo alcançado através de um pagamento, sendo este é efetuado pelo
próprio tempo trabalhado, portanto, não é uma prerrogativa ou um presente, é um direito. O
sistema previdenciário é um tema que sempre se encontra em discussão, daí a importância de
86 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Noções de Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 1997, p. 284.
62
se ter uma previdência igualitária, necessitando de uma reforma inteligente e justa para todos
os trabalhadores.
2.2.1 Jornada diária de trabalho
A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, dispõe nos artigos 57 a 75 sobre as
regras gerais da jornada de trabalho, denotando períodos de descanso, trabalho noturno,
quadro de horário e penalidades e há também regras especiais que se encontram espalhadas
por toda a citada legislação.
As primeiras leis trabalhistas, de cunho protecionista, preocupavam-se em limitar a
jornada diária do trabalho, sendo necessário fixar um tempo razoável de trabalho humano
prestado nas empresas da sociedade industrial.
As primeiras leis, a respeito da jornada de trabalho, foram elaboradas na Inglaterra
(1847) e na França (1848) estabelecendo-se a jornada de dez e onze horas, justificando que o
trabalho manual muito prolongado arruinaria a saúde do trabalhador e o impediria de
desenvolver sua inteligência, o que prejudicaria a sua dignidade. Outros países também
adotaram medidas parecidas, dentre esses a Suíça (1877), fixando jornada em onze horas, a
Áustria (1885), em dez horas, os Estados Unidos (1868), em oito horas no serviço federal, a
Rússia (1887) em dez horas.
Acreditando que o trabalho não deve se prolongar por mais tempo do que as forças do
homem permitem, a jornada de oito horas foi se generalizando no início do século XX.
O Tratado de Versalhes foi assinado em julho de 1919, no momento em que a
Alemanha vencida, assina com a Entente e seus aliados a Paz de Versalhes, em Paris. A
Alemanha foi destroçada com o tratado, foi retirada a oitava parte do seu território, sua
população teve uma diminuição arrasadora, suas colônias foram para as mãos da Inglaterra e
da França. O exército Alemão ficou reduzido a 100 mil homens, somente para autodefesa
nacional. O país não poderia ter indústria bélica e nem construir aviões, tanques ou
submarinos. Também não haveria escola de guerra e nem estado maior das forças armadas. O
Tratado de Versalhes fez com que a Alemanha mergulhasse em uma crise econômica violenta.
Diante disto, surgiram as agitações e a propaganda nacionalista, usados mais tarde pelos
nazistas com o Partido Nacional-Socialista.
Foi através do Tratado de Versalhes, que efetivou a jornada diária de oito horas, junto
com a Organização Internacional do Trabalho e a promulgação da Convenção n. 1 pela
Conferência de Washington, também em 1919. Junto com o Tratado de Versalhes surgiu o
63
projeto de organização internacional do trabalho. A Parte XIII desse tratado é considerada a
constituição jurídica da Organização Internacional do Trabalho.
A organização da Conferência de Washington revelou uma nova abordagem da
comunidade internacional em relação à questão do trabalho, influenciada pela pressão das
redes sindicais e pelo impacto da Revolução Russa. Na vida política brasileira, esta nova
realidade se expressava na expansão do movimento operário, na politização do debate sobre
problemas sociais e na fundação do Partido Comunista, em 1922.
As Conferências e Tratados são consequências da necessidade de reduzir a jornada
diária do trabalho, devendo esta ser limitada, tendo em vista aspectos psicofísicos e outros (há
também a necessidade em criar condições mínimas de higiene e conforto no ambiente de
trabalho).
O aumento da produtividade está intrinsecamente relacionado ao empenho satisfatório
no trabalho (melhores condições de trabalho levam o trabalhador a se empenhar muito mais
em sua atividade). O limite da jornada de trabalho acarreta uma redução nos acidentes de
trabalho, pois este está vinculado à atenção na atividade desenvolvida. Cabe ao Estado
propiciar condições de vida e de trabalho decentes ao trabalhador, para que dessa forma
realize a felicidade e o bem comum. O excesso de tempo de trabalho traz também
consequências familiares, pois retira o marido e a mulher do seu lar, distanciando-os da
educação dos filhos.
2.2.2 Conceitos de jornada diária de trabalho
Segundo Nascimento87
, há três conceitos de jornada diária de trabalho: o primeiro diz
respeito à diária de trabalho como tempo efetivamente trabalhado, excluindo as paralisações
da atividade do empregado. Deve-se considerar que existem paralisações remuneradas que
são excluídas da jornada. Trata-se de descanso, que é contado como tempo de serviço efetivo,
razão esta que torna inaceitável este conceito.
O segundo conceito proposta decorre da teoria da jornada diária, como o tempo
disposto ao empregador no centro de trabalho. Centro do trabalho é diferente de local de
trabalho, aquele é o estabelecimento em que o empregado, após o trajeto de sua residência,
apresenta-se e desde este instante passa a correr o tempo de trabalho, já o local de trabalho é o
87
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 27ª ed. São Paulo: LTR, 2001,
p. 261-262.
64
lugar onde o trabalhador inicia e exerce sua atividade. A jornada se inicia assim que o
trabalhador chega ao local onde se apresenta e é exposto à subordinação.
A terceira teoria é a da jornada como sendo o tempo colocado à disposição do
empregador no centro de trabalho ou fora dele, abrangendo o período em que o empregado se
desloca de sua residência para o trabalho e vice-versa, sem desvio de percurso.
No sistema jurídico brasileiro, a posição da lei e da jurisprudência é diferente: na lei
predomina a orientação segundo a qual a jornada de trabalho concorre com o tempo à
disposição do empregador no centro de trabalho. O artigo 4º da Consolidação das Leis
Trabalhistas dispõe que: “Considera-se como de serviço efetivo o período em que o
empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo
disposição especial expressamente consignada.” Esta, portando, é a regra geral apontada pela
lei.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho filiou-se à terceira teoria (pelo
Enunciado n. 90), contando o tempo de serviço como aquele em que o empregado é
transportado em condução do empregador, estabelecido em local sem outro meio de acesso
público, de sua residência para o serviço e vice-versa. Quando houver transporte público
regular, as horas in itinere remuneradas são contadas apenas onde o transporte público não
alcance.
As razões para a limitação da jornada de trabalho são de ordem biológica, social, eco-
nômica, religiosa e familiar.
De acordo com Carlos Henrique Bezerra Leite88
, a duração de trabalho, compreende,
em geral, todo o período correspondente ao contrato, inclusive os períodos relativos a repouso
semanal remunerado e férias anuais remuneradas, sem fazer distinção quanto ao tempo em
que o empregado esteja efetivamente à disposição do empregador. Para este jurista:
[...] a jornada de trabalho abrange o tempo em que o empregado esteja não
só efetivamente trabalhado como também colocando a sua força de trabalho
à disposição do tomador do seu serviço, por período contratual ou legalmen-
te fixado. Concebida, inicialmente, com o sentido de jornada diária, hoje em
dia confere-se à expressão jornada de trabalho amplitude suficiente para al-
cançar, também, as noções de jornada semanal, jornada mensal e jornada a-
88
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:
LTR, 1997, p. 82.
65
nual. A expressão jornada de trabalho é utilizada, via de regra, para designar
duração do trabalho diário.89
Horário de trabalho é o lapso temporal compreendido entre o início e o termo final de
uma mesma jornada diária. É o período relativo ao início e término da jornada, bem como os
respectivos intervalos.
A lei estabelece o limite máximo da jornada de trabalho: jornada máxima diária é de 8
horas; cinco dias e meio ou 44 horas é a jornada semanal máxima; após doze meses de serviço,
o empregado adquire direito a férias de trinta dias.
Não há proibição para que o empregador estipule jornada diária inferior a 8 horas.
Algumas categorias profissionais já desfrutam de jornadas inferiores como bancários,
telefonistas e outros.
A prestação do serviço após o limite máximo diário (8 horas, é a regra) resulta no
direito do trabalhador perceber adicional de horas extras, na base de 50%, no mínimo, sobre o
valor da hora normal, conforme exposto na Constituição Federal, artigo 7º, inciso XVI.
Em casos excepcionais a lei admite a prorrogação da jornada diária. A jornada
elasticida é nociva ao trabalhador e a toda a sociedade, uma vez que pode redundar fadiga,
tornando-o suscetível a doenças, além de reduzir a oferta de emprego.90
O artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, permite o regime de
compensação de horário, ou seja, ao invés de o empregado trabalhar 8 horas por dia, de
segunda a sexta-feira, mais 4 horas no sábado, poderá laborar, por exemplo, 8,48 horas, de
segunda a sexta, sendo denominada de segunda inglesa totalizando, assim, 44 horas semanais.
Tal compensação, entretanto, somente será válida se precedida de negociação coletiva,
instrumentalizada em convenção ou acordo coletivo.
A jornada de trabalho diária pode ser prorrogada, nos casos:
- em até duas horas suplementares, com acréscimo de 50%, mediante acordo individual entre
empregador e empregado ou norma coletiva através de convenção ou acordo coletivo, como
permite o artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho;
- em até quatro horas suplementares, com acréscimo de 50%, nos casos de serviços inadiáveis
cuja execução acarrete prejuízos ao empregador, conforme disposto na Consolidação das Leis
do Trabalho, artigo 61. Neste caso não é obrigatória a negociação coletiva;
- em até duas horas suplementares, sem acréscimo, desde que para compensar a jornada
89 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:
LTR, 1997, p. 82-83 90 LEITE, Carlos Henrique Bezerra Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:
LTR, 1997, p. 83.
66
semanal de 44 horas, mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho, conforme disposto
na Constituição Federal, artigo 7º, XIII.
A prorrogação da jornada laboral sem acréscimo só é possível na hipótese de
compensação derivante de negociação coletiva.
Assim, com exceção do regime de compensação, todas as horas extraordinárias serão
remuneradas com adicional de, pelo menos, 50% do valor da hora normal.
Em conformidade com o disposto no artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, não
estão sujeitos à jornada diária máxima de oito horas, portanto não fazem jus a horas extras:
- os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de
trabalho, devendo tal condição ser anotada na CTPS e no Livro de Registro de Empregados
(inciso I);
- os gerentes, assim considerados os atuantes de cargos de gestão, aos quais se equiparam os
diretores e chefes de departamento ou filial (inciso II), salvo quando o salário do cargo de
confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do
respectivo salário efetivo acrescido de 40% (parágrafo único, com redação dada pela Lei n.
8.966, de 27.12.94).
2.2.3 Garantias ao Lazer
No Antigo Regime, as leis da Igreja garantiam ao trabalhador noventa dias de
descanso (cinquenta e dois domingos e trinta e oito feriados), durante os quais era proibido
trabalhar. Esta foi à causa principal da arreligiosidade da burguesia industrial e comerciante.
Desde que se viu no poder, ela aboliu os feriados e substituiu a semana de sete dias pela de
dez. libertou os operários do jugo da Igreja para melhor subjugá-lo ao trabalho. A revolta
contra os feriados aparece quando a moderna burguesia industrial comerciante toma corpo,
entre os séculos XV e XVI. Conforme Lafargue:
[...] o protestantismo, que era a religião cristã acomodada às novas
necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos com
o repouso do povo: destronou os santos do céu a fim de abolir, na Terra, seus
festejos. A reforma religiosa e o livre-pensamento filosófico não passavam
de pretextos que permitiram à burguesia, jesuíta e voraz, escamotear os
feriados do povo91
.
O direito às férias, o repouso semanal remunerado e as leis que limitam a jornada
diária de trabalho são uma conquista universal do trabalhador. Estes direitos visam garantir e
91
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 89.
67
defender o lazer, e tais direitos resultam de um processo histórico onde foram necessárias
várias greves, manifestações e transformações para que se consolidassem. Basta recordar o
Dia do Trabalho.
2.2.3.1 Repouso Semanal
O repouso semanal originou-se com os costumes religiosos e se efetivou no século
XVIII, com a Revolução Industrial.
Os princípios do repouso semanal remunerados são:
1. A semanalidade, ou seja, a cada seis dias de trabalho proporciona-se um descanso de
vinte e quatro horas.
2. A dominicalidade, este não é obrigatório. O descanso semanal deve ser, de
preferência aos domingos, em alguns casos não é possível à empresa proporcionar o dia de
domingo como descanso semanal, tendo em vista as necessidades de trabalho aos domingos
de alguns ramos comerciais e industriais.
3. A inconversibilidade, não sendo lícito converter em pagamento o direito ao
descanso semanal, podendo ser feito em feriados civis e religiosos, facultando ao empregador
a substituição por outro dia compensatório ou pagando em dobro.
4. A remunerabilidade igual à dos dias normais de trabalho (dias úteis), inclusive
pagamentos de horas extras.
Para ocorrer à remuneração do repouso semanal deve haver a frequência integral do
empregado durante a semana.
O repouso semanal remunerado tem origem religiosa e seu escopo é propiciar ao
trabalhador o refazimento das energias despendidas durante uma semana de trabalho. O
repouso semanal remunerado é estendido aos dias considerados feriados civis ou religiosos.
De acordo com o artigo 6º da Lei n. 605/49 não será devida a remuneração quando,
sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante toda a semana anterior,
cumprindo integralmente o seu horário de trabalho.92
A prestação de serviços nos dias destinados ao seu repouso semanal confere ao
empregado o direito à remuneração em dobro do dia trabalhado, salvo quando o empregador
determinar outro dia de folga. (Lei n. 605/49).
92 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São Paulo:
LTR, 1997, p. 85.
68
2.2.3.2 Férias
Os princípios que integram o direito às férias são os seguintes:
a) A anualidade, em que todo o empregado deve ter direito a férias anuais, depois de
decorridos 12 meses, prevista em prazo posterior para seu gozo.
b) A remunerabilidade, assegurando o direito à remuneração integral, como se
estivesse em serviço.
c) A continuidade, o fracionamento da duração das férias sofre limitações, para
preservar a concentração contínua do maior número de dias de descanso.
d) A irrenunciabilidade: o empregado não pode trocar as férias por salário, terá o
direito de usufruí-las, prevendo a lei apenas parte dessa conversão em dinheiro por meio do
abono de férias.
e) A proporcionalidade: a duração das férias pode sofrer reduções em razão de
ausências do empregado, como lhe pode ser assegurado um pagamento proporcional dos
períodos aquisitivos não completados em decorrência da extinção do contrato de trabalho.
Assim que o empregado é admitido pela empresa ele precisa cumprir determinado
período para conquistar o direito de férias. Esse período é chamado de período aquisitivo,
possuindo a duração de 12 meses, conforme o artigo 130 da Consolidação das Leis do
Trabalho: “Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o
empregado terá direito a férias”.
Quando o empregado ficar afastado do serviço durante o período aquisitivo, nas
situações de auxílio-doença concedido pelo INSS, previdenciário ou acidentário, o empregado
perde o direito às férias se este afastamento ultrapassar 6 meses. Se o período de afastamento
for de até seis (seis) meses, o empregado terá o direito às férias integrais, sem qualquer
redução. No caso de licença, se ultrapassar 30 dias não serão concedidas férias, assim como
ocorre quando há paralisação da empresa.
Perdendo o direito às férias, quando o empregado retornar ao serviço, inicia-se nova
contagem de período aquisitivo.
Se o empregador for assíduo, ou suas faltas forem justificadas, poderá gozar de seu
direito integralmente. As férias serão proporcionadas em dias corridos.
Período concessivo é o período subsequente aos 12 meses (do período aquisitivo), é o
período em que o empregador deve conceder as férias. Se não o fizer, o empregador, além de
ter de pagar em dobro, deve também conceder as férias (Consolidação das Leis do Trabalho,
artigo 137).
69
Em regra, as férias devem ser concedidas de uma só vez, mas há alguns casos
excepcionais, não enumerados em lei, em que é possível o fracionamento em dois períodos,
sendo que um desses períodos não deve ser inferior a dez dias. Conforme Consolidação das
Leis do Trabalho artigo 134:
As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12
meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito. §
1º - Somente em casos excepcionais serão as férias concedidas em 2
períodos, um dos quais não poderá ser inferior a 10 dias corridos. § 2º - Aos
menores de 18 anos e aos maiores de 50 de idade, as férias serão sempre
concedidas de uma só vez.
Há também o direito dos estudantes, menores de 18 anos, de férias coincidentes com
as férias escolares e, quando houver membros da mesma família no mesmo emprego, se não
acarretar prejuízo ao empregador, deverão gozar das férias na mesma época (Consolidação
das Leis do Trabalho, artigo 136).
Cabe ao empregador escolher o mês em que o empregado irá gozar as férias, e esta
concessão se dará no período concessivo. Não é permitido, em lei, a conversão integral das
férias em pagamento em dinheiro, porque a natureza das férias corresponde à obrigação de
fazer sendo irrenunciável. É possível a conversão de 1/3 das férias (dez dias).
Estas são, de conformidade com a lei, as garantias dos empregados de possuírem o
tempo livre para que, desta forma, possam descansar, refletir, questionar, divertirem-se, enfim,
aproveitarem o seu direito ao lazer.
Embora o Direito ao Lazer esteja amparado na legislação brasileira, verifica-se que o
processo de flexibilização (próximo tema a ser explanado), ou seja, ajuste das normas
jurídicas referentes ao Direito do Trabalho, muitas vezes ferem este direito, também foi
pesquisada as flexibilizações da jornada de trabalho.
2.3 CRÍTICA À FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E A APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Quando a Constituição Federal coloca o valor da pessoa humana como um princípio
fundamental no artigo 1º, inciso III, este deve ser realizado sob o olhar de diferentes aspectos
no cenário social, seja no tocante ao próprio interesse individual da pessoa, seja no plano
econômico ou social, demonstrando os limites a serem respeitados pela flexibilização sob
pena de tornar-se inconstitucional e violar o Estado Democrático de Direito.
70
A Constituição Federal de 1988 abrange o princípio da dignidade da pessoa humana,
descrevendo diversas dimensões deste princípio. Em seu artigo 170 determina que a ordem
econômica garanta a todos uma existência digna.
O processo de flexibilização, ou um ajuste das normas jurídicas aplicáveis ao Direito
do Trabalho, só é legítimo com a observação dos direitos e garantias fundamentais aplicáveis
a todo cidadão seja ele trabalhador ou não, sob pena de estar ferindo norma de cunho legal e
até mesmo podendo se tornar uma medida inconstitucional. Portanto, a flexibilização da
legislação trabalhista não pode ferir nenhum princípio constitucional.
A flexibilização trabalhista é conhecida como meio de adequação e redução das leis
trabalhistas. Este processo pode ser realizado através de negociações coletivas, sendo
apresentada como necessidade de mercado ou com a menor intervenção do Estado na
atividade econômica e redução das normas de proteção aos trabalhadores. Para Giovanni
Alves:
[…] a flexibilidade da força de trabalho expressa a necessidade imperiosa de
o capital subsumir, ou ainda, submeter e subordinar, o trabalho assalariado à
lógica da valorização, através da perpétua sublevação da produção (e
reprodução) de mercadorias, inclusive, e principalmente, da força de
trabalho. É por isso que a 'acumulação flexível' se apoia, principalmente, na
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho e ainda,
dos produtos e padrões de consumo. É a flexibilidade do trabalho,
compreendida como sendo a plena capacidade de o capital tornar domável,
complacente e submissa à força de trabalho, que irá caracterizar o 'momento
predominante' do complexo de reestruturação produtiva. […] o trabalho
flexível impõe-se como principal característica do novo e precário mundo do
trabalho. O que nos interessa salientar são os impactos do trabalho flexível
sobre a cotidianidade do homem-que-trabalha. É o foco sobre as
experiências pessoais das individualidades pessoais de classe que expõe a
dimensão da precarização do homem-que-trabalha93
.
Para o sociólogo Giovanni Alves, a flexibilização da legislação trabalhista corrobora
com o processo de desumanização do trabalhador, visto que sua vida se resume no seu tempo
de trabalho, mesmo em seu tempo de lazer o trabalhador se vê envolto a um padrão de
comportamento e de consumo que não permite fuga.
A possibilidade de flexibilização de contratos de trabalho colocam à disposição das
empresas um leque de modalidades de contratações atípicas, que muitas vezes ferem
princípios preconizados na carta constitucional.
Flexibilizar contratos trabalhistas como forma única de propiciar um incremento na
geração de empregos, na ânsia de combate ao crescente desemprego, com vistas ao
93 ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 88-89.
71
desenvolvimento econômico e social, apresentados por muitos através do termo modernidade,
pode ocasionar sérios riscos aos trabalhadores na medida em que retira do Estado o poder
intervencionista, o alicerce de proteção aos trabalhadores, fato este que poderia levar a
resultados desastrosos não somente para a saúde do trabalhador, como também afetaria a
primeira e mais importante entidade estatal que é a família, e consequentemente estaria
massacrando o princípio da dignidade da pessoa humana, e não mais seria taxado como
flexibilização, mas sim como flexibilização de exploração.
De acordo com Karl Marx94, em sua obra O Capital, a indústria moderna exige, por
suas características, variação e fluidez do trabalho, ou seja, este deve se adaptar e se adequar
as modificações constantes típicas. Marx também informa a respeito da elasticidade que as
máquinas e a força humana revelam, quando distendidas ao máximo pela diminuição
compulsória da jornada de trabalho. Para o autor, o trabalhador se desdobra para cumprir sua
função em um tempo de trabalho reduzido, faz em 1 (uma) hora o que deveria ser feito em 2
(duas), gerando maior exploração e desgaste físico e mental.
Nesta mesma linha de pensamento o sociólogo Giovanni Alves considera que a
flexibilização do trabalho possui duas características marcantes: “a precarização estrutural do
estatuto salarial (o que implica perdas históricas de empregos, vantagens salariais e direitos e
da classe do proletariado) e a constituição de uma nova precariedade salarial [...] ”95.
As flexibilizações não gerarão emprego, melhores salários, melhores condições de
trabalho, e sim são postas em prática, na maioria das vezes, para explorar ainda mais o
trabalhador e causar o estranhamento deste com a sua função e com ele mesmo. Para Alves:
Deste modo, a mundialização do capital, a ‘acumulação flexível’ e o
neoliberalismo constituíram nas últimas décadas de capitalismo global, um
novo (e precário) mundo do trabalho complexificado, fragmentado e
heterogeneizado. (grifo do autor)96.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes leciona que a flexibilização posta em prática na
atualidade afasta o Estado da proteção ao trabalhador, desampara-o, ficando suscetível a
violações do princípio da dignidade e do trabalho humano, para ela:
[...] a flexibilização e a desregulamentação, nos moldes hoje determinadas,
têm por escopo justamente afastar o Estado desta modalidade de relação
contratual e, conseqüentemente, em detrimento desses mesmos princípios e
94 MARX, Karl. O Capital: O processo de produção do capital. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1980, v. 1. 95 ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global.
Londrina: Praxis, 2009, p. 43. 96 ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global.
Londrina: Praxis, 2009, p. 46.
72
regras que resguardam aquele mínimo de dignidade, duramente
conquistado97.
E complementa, afirmando que:
Na verdade, tais imposições advindas do neoliberalismo e da globalização,
trazem, pois como resultado, o amargo retorno à pré-modernidade, o que
evidencia a volta da barbárie; ou, mais precisamente impõe uma nova forma
de regulação feudal, a ignorar completamente o longo percurso da conquista
desses direitos98.
De acordo com a autora, a flexibilização e a desregulamentação das leis trabalhista são
retrocesso e perda de direitos conquistados através de muita luta e momentos catastróficos de
exploração do trabalhador.
O processo de flexibilização de forma descuidada poderá redundar na
descaracterização do próprio Direito do Trabalho, a partir do momento que o mesmo é
apreendido como instrumento necessário à proteção do trabalho humano.
Caso os processos flexibilizatórios venham a negar esse valor e provoque a
fragilização da proteção dos direitos sociais, ter-se-á a própria inconstitucionalidade deste
processo de flexibilização.
A própria justiça social, aclamada e exigida por toda população, será um sonho ainda
mais distante. Sobre justiça social escreve José Afonso da Silva:
Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve dispor dos
meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua
natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a
pobreza absoluta e a miséria. O reconhecimento dos direitos sociais, como
instrumento de tutela dos menos favorecidos, não teve, até aqui, a eficácia
necessária para reequilibrar a posição de inferioridade que lhes impede o
efetivo exercício das liberdades garantidas. Assim, no sistema anterior, a
promessa constitucional de realização da justiça social não se efetivará na
prática. A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva no conceber a ordem
econômica sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a
todos existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso. Preordena
alguns princípios da ordem econômica - a defesa do consumidor, a defesa do
meio ambiente, a redução as desigualdades regionais e pessoais e a busca
do pleno emprego – que possibilita a compreensão de que o capitalismo
concebido há de humanizar-se (se é que isso seja possível). Traz, por outro
lado, mecanismos na ordem social voltados à sua efetivação. Tudo depende
da aplicação das normas constitucionais que contêm essas determinantes,
esses princípios e esses mecanismos. (grifo do autor)99.
97 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no
Contexto da Globalização Econômica Problemas e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 92. 98 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no
Contexto da Globalização Econômica Problemas e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 93. 99
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1999, p.764.
73
Buscando-se o equilíbrio social, frente à nova realidade, o processo de flexibilização
das normas trabalhistas não é uma imperiosa necessidade. A urgência, pois, não está na
modificação de normas jurídicas laborais, mas na implementação de políticas públicas que
propiciem o desenvolvimento econômico do país, com justa distribuição de renda e medidas
que inibam o engessamento do mercado de trabalho. Todavia, qualquer alteração a ser
promovida deve respeitar o núcleo de normas constitucionais, que deverá permanecer
inatingível, pois a ordem jurídica tem o dever de assegurar a dignidade da pessoa humana e o
valor social do trabalho, que são fundamentos do Estado Democrático de Direito.
É visível que o mundo vive o processo de globalização, ou mundialização, onde a
competitividade gera aceleração do desenvolvimento tecnológico, exigindo que as empresas
nacionais acompanhem esta evolução para conseguirem competir no mercado nacional e
internacional. No entanto, o desenvolvimento das máquinas gera o desemprego e a extinção
de postos de trabalho. Como forma de combater essas incursões apresenta-se a intervenção
estatal está na ordem do dia, sendo uma das formas de solução possível.
A globalização que o mundo está vivendo aumenta a competitividade, o que
acarreta aceleração da revolução tecnológica, sem o que as empresas não
conseguem competir no mercado. Isto vem causando taxas de desemprego
crescentes, que não se têm estabilizado, pois mesmo que crie novos e
especializados mercados, estes são insuficientes para a absorção do número
de postos extintos devido a substituição do homem pela máquina, além do
que a especialização é algo que demanda tempo para ser alcançada100.
O Direito do Trabalho visa à proteção do trabalho digno e à busca constante de uma
igualdade substancial, que resulta em uma sociedade justa. Historicamente, pois, o Estado
passou a regulamentar detalhadamente as condições de trabalho. Tal procedimento pode
possuir o condão de inibir a manifestação coletiva, na medida em que as regras intuitivas
surgem, de forma heterônoma, e de observação obrigatória, o que traz certa paralisia às lutas
constantes dos trabalhadores.
De qualquer forma, com a globalização da economia mundial, é necessário que o
Estado atue, de forma incisiva, na economia, a fim de possibilitar a criação, manutenção e
qualidade do emprego, conforme demonstra o professor Ingo Wolfgang Sarlet:
Com efeito, no âmbito da globalização econômica e da afirmação do
pensamento neoliberal, verifica-se que a redução do Estado, caracterizada
principalmente pela desnacionalização, desestatização, desregulação e
diminuição gradativa da intervenção estatal na econômica e sociedade, tem
ocasionado, paralelamente ao enfraquecimento da soberania interna e
externa dos Estados nacionais (sem que se possa, contudo, falar em seu
100 CARLI, Vilma Maria Inocêncio. A flexibilização dos Contratos de Trabalho. Campinas-SP: ME,
2005, p 50.
74
desaparecimento), um fortalecimento do poder econômico, notadamente na
esfera supranacional101.
Além de uma atuação segura por parte do Estado, cada dia mais o empregado
necessita de uma efetiva representatividade nas negociações trabalhistas, e a atuação sindical
revela-se um procedimento importante e necessário, na medida em que defenda e não ponha
em risco os direitos fundamentais.
A globalização da economia produziu efeitos substanciais nas relações individuais de
trabalho. E é certo dizer que tais inovações, como a tecnológica, por exemplo, juntamente
com a competitividade entre as economias transnacionais produzem um novo cenário jus-
laboral. Tais alterações, consideradas isoladamente, não maculam os princípios que norteiam
o Direito do Trabalho. Todavia, estes fatores, aliados a uma economia que não propicia o
crescimento econômico, produz distúrbios no mercado de trabalho, prejudicando tanto
empregados como também os próprios empregadores, em algumas situações.
A crítica que se faz sobre a flexibilização, como posta pelo sistema neoliberal, não é
fundamental, pois não está atrelada à exigência de uma ética de justiça social, inspirada em
uma ordem democrática que conserve o exercício de direitos fundamentais, assim como
ensina Silvano Gomes:
A globalização da economia demonstra dois pontos fundamentais: a
necessidade de adaptação do trabalho à demanda imposta pelo fenômeno
econômico, social e tecnológico, e a capacidade de flexibilização do trabalho
encarado modernamente, matéria de competência do Direito do Trabalho. No
entanto, há que se compreender denominação e conceituação do termo
flexibilização, afim de que melhor se faça a delimitação do problema102.
Vilma Maria Inocêncio Carli preleciona que:
A flexibilização é um fenômeno irreversível e o direito do trabalho deve
aceitá-la para não obstar o desenvolvimento, com ela conviver, apesar dela
promover melhorias no mercado de trabalho. Pela desregulamentação a taxa
de desemprego pode ter aumento significativo, pois, sabemos que os fatores
para seu surgimento são produzidos pela crise econômica, através das
transformações tecnológicas e de melhor qualidade de vida.103
Mesmo os flexibilistas admitem que o problema na geração de empregos não é fato
único e exclusivo das normas protecionistas que regram o Direito do Trabalho. Pois a própria
autora acima mencionada na posição de flexibilista assumida, mais adiante traz à baila
101 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição Federal de 1988.
Revista Dialogo Jurídico Ano I – Vol. I – Nº 1 – Abril de 2001 – Salvador BH, p. 06. 102
SILVA, Silvano Gomes da. Flexibilização do Direito do Trabalho. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002, p. 60. 103
CARLI, Vilma Maria Inocêncio. Flexibilização dos Contratos de Trabalho. Campinas: ME, 2005, p.
50.
75
questões de ordem tributárias bem como no sistema burocrático previdenciário e os custos
com encargos sociais.
A Constituição Federal de 1988 estabelece os permissivos de flexibilização de salário
bem como de jornada de trabalho segundo as normas contidas no artigo 7º incisos VI e VIII,
ao especificar que são os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem
à melhoria de sua condição social.
Hodiernamente existem regramentos que possibilitam flexibilização do Direito do
Trabalho, inclusive para questões primordiais como: salário, jornada de trabalho, contrato de
trabalho e outros. No entanto, estas modificações não geraram novos postos de emprego, ou
não se verificou melhora na situação econômica dos trabalhadores.
No caso da limitação da jornada de trabalho, esta é necessária para efetividade dos
princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano para que desta forma o
trabalhador tenha delimitado o tempo de trabalho e o tempo de lazer, podendo utilizar este
para descansar, refletir, harmonizar com a família, pescar, ir ao cinema, jantar fora, ler.
As novas demandas da sociedade moderna desafiam o Direito a apresentar soluções
para atender a empresa/empregador e o empregado. Desta forma emerge a necessidade de
adequar as jornadas de trabalho.
A flexibilização da jornada de trabalho é apresentada como uma situação em que o
trabalhador escolhe o horário em que deve estar na empresa para exercer sua função, neste
caso possui o horário livre, no caso da flexibilização em horário fixo o trabalhador deve estar
presente “obrigatoriamente” no horário determinado pelo empregador em um limite mínimo e
máximo de trabalho.104
O que se observa é que a flexibilização da jornada de trabalho não é resultado do
desemprego e do baixo salários, tratando-se de um meio de adequação às constantes
modificações da sociedade moderna. No entanto, deve-se destacar que estas adequações
devem, necessariamente, estarem condizentes com os princípios da Constituição Federal para
que desta forma os direitos indisponíveis dos trabalhadores não sejam lesados.
Para que se apresente proposta à redução da jornada de trabalho deve-se entender às
práticas atuais, por isso serão apresentados alguns métodos de flexibilização juridicamente
permitidos e utilizados por inúmeras empresas.
104 MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das Leis de Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.77.
76
2.3.1 Métodos de flexibilização da jornada de trabalho
De acordo com Sonia Mascaro Nascimento o horário flexível é uma estrutura de
trabalho na qual o trabalhador estabelece a sua jornada de trabalho, dentro de limites
específicos, de acordo com negociação entre as partes, possuindo também como característica
o horário de presença obrigatória que é comum a todos os funcionários, para realização de
tarefas que exigem interação entre os funcionários, e por horários de presença opcional, que
representa a parcela móvel da jornada de trabalho.105
Para Sonia Mascaro:
Como podemos notar, o horário flexível permite ao trabalhador dispor de sua
vida ativa de maneira mais autônoma, de acordo com o arbítrio de suas outras
necessidades. Dessa forma, é facultado ao empregado amortizar as exigências
cada vez mais sufocantes da organização e da técnica comuns à sociedade
pós-industrial106
.
Portanto, na prática do horário flexível o trabalhador tem “relativa” liberdade em seu
horário de trabalho, no entanto este deve cumprir as metas determinadas pelo detentor dos
meios de produção.
O trabalhador possui liberdade de organização de seu tempo, no entanto este, para o
cumprimento das metas, pode extrapolar de forma significativa a jornada de oito horas diárias,
com a intenção de aumento de salário ou promoção.
A compensação de horas, disposta na Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 59,
parágrafo 2º, é realizada por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, o excedente
de horas trabalhadas podem ser compensadas dentro de um período máximo de um ano, não
podendo exceder dez horas diárias.
O banco de horas é o sistema pelo qual a empresa poderá flexibilizar a jornada de
trabalho, diminuindo ou aumentando a jornada durante um período de baixa ou alta produção,
mediante a compensação dessas horas em outro período, sem redução do salário no período de
redução, bem como não será devido pagamento das horas aumentadas. De acordo com as
empresas esse sistema evita as demissões nos períodos de baixa produção e evita o pagamento
da extraordinariedade das horas excedidas, em períodos de alta produção107
.
O banco de horas não é favorável para o direito ao lazer, visto que o trabalho é
exercido de acordo com a necessidade do empregador e não de acordo com necessidades
105 NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro. Flexibilização do horário de trabalho. São Paulo:
Ltr, 2002, p. 135-136. 106 NASCIMENTO, Sônia Aparecida Costa Mascaro. Flexibilização do horário de trabalho. São Paulo:
Ltr, 2002, p. 136. 107ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 154.
77
pessoais do trabalhador. Este sistema de banco de horas coloca o operário ou empregado
inteiramente à disposição da dinâmica laboral do capital. Conforme dispõe Christian Marcello
Mañas:
No sistema brasileiro, a compensação de jornada – via banco de horas – é
muito vantajosa ao empregador, pois além de não onerar a folha de
pagamento com a 'eliminação de horas extras', ainda se pode utilizar de seu
poder potestativo para, quando for de sua conveniência, determinar quais os
dias os empregados trabalharão mais ou menos, sob a lógica da
produtividade108
.
Outro mecanismo de flexibilização da jornada de trabalho é o tempo parcial, neste a
duração não pode exceder 25 horas semanais. Este surgiu em 1944, através da Organização
Internacional do Trabalho, Convenção n 175, complementada pela Recomendação n. 182, esta
regulou o trabalho por tempo parcial109
.
A Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 58-A, dispõe sobre o trabalho parcial
determinando que o salário é proporcional à sua duração ajustada, em comparação com os
demais empregados na mesma função, que trabalham em tempo integral. Giovanni Alves
define o contrato de trabalho em regime de tempo parcial (“part-time job contract” ou “part-
time job agreement”, como é conhecido na Europa):
[…] aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas semanais. Tem
como fundamento legal a Medida Provisória 2.164-41 de 24/08/2001 – DOU
27/08/2001, que acrescentou o artigo 58-A na CLT. No caso dos contratos
novos, basta simplesmente contratar, com salário proporcional à sua jornada,
em relação aos empregados que cumprem, na mesma função, tempo integral.
No caso dos contratos já existentes, para os atuais empregados, a adoção do
regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a
empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação
coletiva110
.
A Constituição Federal brasileira, artigo 7º, inciso XIV, preconiza que os turnos de
revezamento funcionam através de jornadas de seis horas, podendo haver disposição
diferenciada por meio de negociação coletiva, atendendo principalmente as indústrias que
funcionam 24 horas por dia.
Conforme Arnaldo Süssekind, esta não é uma medida efetiva para a garantia do lazer
do trabalhador visto que há uma alteração em seu relógio biológico e este não possui rotina,
este problema é reconhecido pelo trabalhador pois este estipula jornada menor como forma de
108 MAÑAS, Christian Marcello. Tempo e trabalho – a tutela jurídica do tempo de trabalho e tempo
livre, 2005, p. 92. 109 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 448. 110
ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 155.
78
compensação111
.
Neste item tratou-se de mecanismos de flexibilização da jornada de trabalho, é de
suma importância à explanação do teletrabalho que também é considerado uma opção de
flexibilização, este será mencionado posteriormente, juntamente com o trabalho imaterial.
2.3.2 A flexibilização da jornada de trabalho e as horas extras: prática atual
Faz-se importante a análise do posicionamento do trabalhador diante de uma mudança
em seu horário de trabalho. Verifica-se que não há consenso ou resposta positiva quanto à
redução da jornada, visto que muitas vezes resulta na redução salarial do trabalhador e este
está condicionado a acumular e consumir, por isso a redução salarial é impensada em um
mundo em que o ter é mais valorizado que o ser.
Apontou-se neste estudo a escassez de pesquisas recentes sobre a jornada de trabalho,
a realização de horas extras e a flexibilização da jornada de trabalho no Brasil, demonstrando
a pouca importância que é dada a este tema, mesmo assim, para entender a realidade brasileira,
mesmo que defasada, utilizou-se de pesquisas realizadas pelo Dieese entre os anos de 1996 a
2005.
De acordo com pesquisa apontada pelo Dieese, quase 80% dos trabalhadores fazem
hora extra. A pesquisa apontou que: “Dos empregados consultados, apenas 21% declararam
não trabalhar acima da carga horária contratada. Outros 36,4% dos trabalhadores confirmaram
fazer horas extras às vezes e 22,1% declararam que raramente trabalham a mais. Já 19,3%
deles disseram que realizam horas extras frequentemente.”112
Este resultado demonstra que a
jornada de 8 horas é constantemente extrapolada.
Os trabalhadores que atuam no comércio apresenta o maior percentual de extrapolação
da jornada de trabalho, chegando a 50,6% no ano de 2003 mantendo o alto índice em 2005
(56,6%).
E, quando os trabalhadores são questionados sobre os motivos da realização destas
horas extras: “Do total de pesquisados, 45,3% disseram que fazem horas extras para
complementar a renda mensal; 23,4% afirmaram que o fazem para demonstrar
comprometimento com a empresa; 14,6% declararam que o realizam para poder comprar
111 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 449. 112
Info Money. Quase 80% dos brasileiros fazem horas extras, aponta Dieese. Disponível em:
http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/quase-80-dos-
brasileiros-fazem-horas-extras-aponta-dieese/6319/. Acesso em: 02.set.2013.
79
algum bem; 9,8%, para ter dinheiro para atividades de lazer e cultura e 2,4%, para ficar bem
perante os colegas.”113
O maior percentual dos entrevistados declara que o objetivo da hora
excedente é aumento da renda mensal. Com o fim da hora extra, deveria haver a redução da
taxa de desemprego de até 3,3 pontos percentuais.
O Dieese (entidade criada pelo movimento sindical e que há 54 anos realiza estudos,
pesquisas e análises de temas de interesse dos trabalhadores) constatou, em pesquisa realizada
entre os anos de 1996 a 2004:114
- Em relação aos encargos sociais no Brasil, os empresários defendem a tese de que estes
representam 102% do salário dos trabalhadores partindo de um cálculo que não é correto.
Vários itens que são considerados encargos nessa conta são, na verdade, parte da remuneração
do trabalhador, como é admitida pelos próprios consultores empresariais. Encargos sociais são
as parcelas do custo do trabalho para a empresa que não vai para o bolso do trabalhador.
Encontram-se, nesta situação, o pagamento de férias, 13º salário, descanso semanal
remunerado, FGTS. Tudo isso vai para o bolso do trabalhador e, portanto, não é encargo
social.
- O peso dos salários no custo total de produção no Brasil é baixo, em torno de 22% de acordo
com a Confederação Nacional das Indústrias. Uma redução de 9,09% na jornada (de 44 para
40 horas) representaria um aumento no custo total da produção de apenas 1,99%.
- Comparando-se este pequeno acréscimo no custo médio de produção com os expressivos
ganhos de produtividade, tal impacto é muito possível de ser absorvido pelo setor produtivo,
isto sem considerar a perspectiva ganhos futuros de produtividade. A variação da
produtividade do trabalho entre os anos de 1988 e 2008 está em torno de 84%, segundo dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para indústria de transformação.
- Como o salário médio real, nos últimos anos, não apresentou significativa expansão, o
expressivo crescimento da produtividade do trabalho poderia ser transformado na redução da
jornada legal de trabalho no Brasil, fato este que ocorreu pela última vez há mais de 20 anos,
na Constituição de 1988.
- A redução da jornada de trabalho é um dos instrumentos para a distribuição de renda no país.
113
Info Money. Quase 80% dos brasileiros fazem horas extras, aponta Dieese. Disponível em:
http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/quase-80-dos-brasileiros-
fazem-horas-extras-aponta-dieese/6319/. Acesso em: 02.set.2013. 114
CUT. Dieese demonstra com dados que 40 horas semanais são viáveis e benéficas para todos.
Disponível em: http://www.contee.org.br/noticias/msoc/nmsoc1091.asp. Acesso em: 02.set.2013.
80
- O Brasil tem um contingente grande de desempregados - em torno de 3 milhões, apenas nas
sete regiões metropolitanas pesquisadas pela PED. A proposta de redução da jornada das
atuais 44 para 40 horas semanais, tem potencial para gerar mais de 2,5 milhões de postos de
trabalho.
- A duração da jornada efetivamente trabalhada no Brasil é uma das maiores no mundo.
Soma-se ainda, a isto, a falta de limitação semanal, mensal ou anual para a realização de horas
extras. Em diversos países há limitação anual para a realização de horas extras, como na
Argentina, Uruguai, Alemanha, França, cujos limites ficam entre 200 e 280 horas/ano, em
torno de 4 horas extras por semana. O fim das horas extras teria um potencial para gerar em
torno de 1 milhão de postos de trabalho. Por esta razão, é necessário combinar a redução da
jornada com mecanismos que coíbam e limitem a utilização das horas extras.
- A jornada de trabalho no Brasil está cada vez mais flexível, dado que às tradicionais formas
de flexibilização do tempo - como a hora extra, o trabalho em turno, o trabalho noturno, as
férias coletivas -, somaram-se novas formas - como a jornada em tempo parcial, o banco de
horas e o trabalho aos domingos.
- Além de extenso e flexível, o tempo de trabalho no Brasil vem sendo intensificado em
função das diversas inovações técnico-organizacionais implementadas pelas empresas como,
por exemplo, a polivalência, a concorrência entre os grupos de trabalho, as metas de produção
e a redução das pausas.
- Num contexto de crescente demanda do setor produtivo para que os trabalhadores se
qualifiquem, a redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários, em muito contribui
para este desafio na medida em que liberaria mais horas para que o trabalhador tivesse
melhores condições de qualificar-se.
- A redução da jornada de trabalho, também possibilita aos trabalhadores dedicar mais tempo
para o convívio familiar, o estudo, o lazer e o descanso, melhorando a qualidade de vida dos
trabalhadores.
- A combinação de todos estes fatores desencadeados pela redução da jornada de trabalho,
sem redução de salários, provoca a geração de um círculo virtuoso na economia, combinando
a ampliação do emprego, o aumento do consumo interno, a elevação dos níveis da
produtividade do trabalho, a melhoria da competitividade do setor produtivo, a redução dos
acidentes e doenças do trabalho, a maior qualificação do trabalhador, a elevação da
arrecadação tributária, enfim um maior crescimento econômico com melhoria da distribuição
de renda.
81
Conforme informação do Dieese, a redução da jornada de trabalho (há uma cartilha
defendendo esta causa, com o lema “Reduzir a jornada é gerar emprego”) de 44 horas para 40
horas semanais de trabalho, seria suficiente para manter a produtividade e competitividade das
empresas, aumentaria a oferta de emprego, consequentemente haveria redução nos
indicadores de desemprego e, principalmente, melhoraria a qualidade de vida dos funcionários,
proporcionando uma vida digna e humana.
No entanto, o Dieese verificou que nos casos em que a jornada de trabalho é definida
em contrato coletivo, há pouco avanço em relação à lei, exceto quanto aos critérios de
distribuição do tempo de trabalho na semana, como a supressão do trabalho aos sábados,
mediante compensação ao longo da semana ou por outras formas de compensação.
Nesta pesquisa, verificaram que apenas 15% das negociações apresentaram cláusulas
de jornada inferior ao limite legal de 44 horas semanais. Pertencem, em sua maioria, ao setor
industrial, restringindo-se, quase sempre, aos trabalhadores alocados no setor administrativo,
com destaque para os acordos realizados em empresas estatais nos ramos elétricos e de
saneamento básico, e também no setor dos serviços telefônicos.
A realização de trabalho em horário suplementar, além da jornada de trabalho, é uma
das questões mais negociadas sobre o tempo de trabalho. Aproximadamente 96% das
negociações analisadas apresentam uma ou mais cláusulas sobre horas extras. Em 26% das
negociações, o percentual é definido em valor único. Já em 70% dos documentos são
definidos valores diferenciados, segundo critérios acordados pelas partes: seja por dia da
semana (ex.: horas extras em dias úteis serão pagas com um percentual; em dias de descanso,
com outro) ou pela quantidade de horas extras por dia (exemplo: até duas horas extras de
trabalho, um percentual; acima disso, outro).
O fato a se destacar na negociação do percentual de hora extra é o elevado número de
cláusulas que se balizam pela legislação nos contratos coletivos. Em 14% dos contratos, o
adicional de hora extra é exatamente igual ao da lei. Se forem somados a esses os contratos
que não possuem cláusulas sobre o tema e os que possuem percentuais diferenciados, sendo
um deles igual a 50%, chega-se a 65% do total de negociações. Ou seja, mais da metade das
negociações consideradas pagam o adicional previsto em lei para todas ou boa parte das horas
extras praticadas pelos trabalhadores.
Em estudo publicado pelo Dieese no ano de 2005115
, observou-se que, no período de
115
Info Money. Quase 80% dos brasileiros fazem horas extras, aponta Dieese. Disponível em:
http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/quase-80-dos-brasileiros-
fazem-horas-extras-aponta-dieese/6319/. Acesso em: 02.set.2013.
82
1996 a 2004, mais de um terço das negociações apresentou redução nos percentuais
anteriormente negociados para o adicional de hora extra. Desde então, as mudanças ocorridas
no valor da hora extra – seja pela redução, seja pelo aumento – foram raras, indicando uma
estabilização do quadro observado em 2004. Ressalte-se que poucas negociações impõem
limites à realização da hora extra. Quando tratam do assunto, o fazem na forma de
compromisso das empresas em restringir o uso das horas extras apenas a situações
excepcionais e de comprovada necessidade. Não se verificou qualquer cláusula que defina
limites de horas extras por dia, mês ou ano, salvo em acordos de Banco de Horas116
.
O Dieese demonstrou, em pesquisa realizada nas Regiões Metropolitanas e Distrito
Federal no ano de 2005, as taxas de desemprego da população economicamente ativa e
quantidade de desempregados, em Salvador a taxa de desemprego chegou a 24,4%.117
De acordo com Dieese118
, apesar de um grande número de cláusulas presentes nos
acordos e convenções coletivas tratarem da temática do tempo de trabalho, boa parte pouco
avança em relação ao que está estabelecido em lei, tanto no que se refere à duração normal e
extraordinária do tempo de trabalho, como à distribuição desse tempo. Nesse aspecto, a
exceção fica por conta das cláusulas sobre a flexibilização do tempo de trabalho por meio do
Banco de Horas, em que diversas regras foram negociadas. Também estão praticamente
ausentes conquistas relacionadas ao controle da intensidade do tempo de trabalho, em
consonância com a legislação brasileira, onde também estão ausentes regras relacionadas a
esta questão. Se, por um lado, observam-se poucas garantias em relação ao tempo de trabalho
no processo de negociação coletiva, por outro lado sabe-se que têm sido inúmeras as
transformações no local de trabalho com impactos sobre esse tempo, sobretudo a partir de
meados dos anos de 1990.
A pesquisa também demonstrou que além da maior flexibilização do tempo de
trabalho, observam-se, ainda, outras transformações diretas neste tempo que têm resultado em
sua intensificação. Um exemplo é a diminuição dos intervalos que muitas vezes ocorre no
cotidiano do local de trabalho, sem que faça parte do processo de negociação. Observa-se, nos
documentos pesquisados, que não há referência aos intervalos individuais e coletivos, a não
ser para aquelas categorias para as quais há previsão legal.
116
DIEESE. O tempo de trabalho no Brasil: o negociado e o não negociado. Nota Técnica n. 05/11. 117
DIEESE. A JORNADA DE TRABALHO NO BRASIL Convênio SE/MTE N°.04/2003-DIEESE.
Disponível em:
http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAB0CD8FE72AD/Prod02_2006.pdf.
Acesso em: 03 set. 2013. 118
DIEESE. O tempo de trabalho no Brasil: o negociado e o não negociado. Nota Técnica n. 05/11.
83
Outra mudança que tem impactado o ritmo do trabalho está relacionada às metas
negociadas nos acordos sobre a participação nos lucros ou resultados - PLR. Sabe-se que as
metas de produção e produtividade levam, frequentemente, ao aumento do ritmo de trabalho e,
em consequência, à incidência de doenças e acidentes laborais. O Dieese, em pesquisa
realizada entre os anos 1985 e 2005, demonstra a evolução de jornada de trabalho e emprego
resultando em elevação nas práticas de horas extras e diminuição expressiva no índice do
rendimento médio real dos ocupados no trabalho principal.
Também a questão da polivalência tem sido apontada no Brasil, e em outros países,
como de grande impacto no processo de intensificação do tempo de trabalho. Isto porque o
rodízio de função leva o trabalhador a estar sempre no setor ou função onde a demanda é
maior, mantendo-se em ritmo acelerado o tempo todo, com poucos intervalos de descanso e
recuperação, denominados pelo empregador como "tempos mortos". Apesar de relevante, não
foi observado no material pesquisado nenhuma garantia referente a esta questão. Outro ponto
observado é a diminuição de tempo estipulado para se realizar uma tarefa.
Os resultados das pesquisas realizadas pelo Dieese são preocupantes, embora haja
ocorrido o desenvolvimento tecnológico e melhorias que contribuíram para a redução do
tempo de trabalho (facilidade no transporte, fácil acesso a informação), consequentemente
aumento do tempo livre, o que se verifica é a exploração sofrida pelo trabalhador que faz com
que este tende trabalhar cada vez mais, tem menos tempo para cumprir uma determinada
tarefa e prática de horas extras constantes. O desejo de jornada diária de quatro horas,
apontada pelo filósofo Bertrand Russel parece ser utópica, mesmo considerando que
proporciona todo o conforto material almejado pelo homem:
[…] devido a produtividade das máquinas, precisa-se hoje de menos trabalho
do que antes para proporcionar um padrão aceitável de conforto à espécie
humana. Alguns autores afirmam que uma jornada diária de uma hora
bastaria, mas tal estimativa talvez não leve em consideração a Ásia, por
exemplo. Eu prefiro pensar, para estar seguro de minha posição, que quatro
horas de trabalho diário de todos os indivíduos adultos seriam suficientes
para produzir todo o conforto material que pessoas razoáveis poderiam
desejar. […] Hoje, porém, divido à motivação do lucro, o lazer não pode ser
distribuído de maneira uniforme: alguns ficam sobrecarregados de trabalho,
outros sem trabalho nenhum119
.
A redução da jornada de trabalho está relacionada à mudança de valores, não apenas
119 RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 109.
84
de empregadores, mas também dos empregados e da sociedade considerando que as
modificações na legislação trabalhistas devem seguir estes valores, inclusive considerando
como sendo uma função social, visto que além de gerar mais empregos, melhoraria em
demasia a qualidade de vida dos trabalhadores possibilitando a efetivação do princípio da
dignidade.
2.3.3 Trabalho aos domingos e feriados: disposições normativas
Conforme já comentado em item anterior o repouso semanal remunerado está
disciplinado nos artigos. 67 e 68 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como nos artigos
da Lei nº 605/49.
O artigo 1º da Lei nº 605/49 preleciona que: "Artigo 1º. Todo empregado tem direito ao
repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos
domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feridos civis e religiosos,
de acordo com a tradição local".
A legislação prevê que em virtude de exigências específicas das empresas, poderá ser
concedida autorização em caráter transitório ou permanente para o trabalho aos domingos. Há
regra inserta no art. 8º combinado com o artigo 10 da Lei nº 605/49:
Artigo 8º Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta
pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados
civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração
respectiva, observados os dispositivos dos artigo 6º e 7º.
Artigo 10. Na verificação das exigências técnicas a que se referem os artigos
anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica, permanentes ou
ocasionais, bem como as peculiaridades locais.
Parágrafo único. O Poder Executivo, em decreto especial ou no
regulamento que expedir para fiel execução desta lei, definirá as mesmas
exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas a elas sujeitas,
ficando desde já incluídas entre elas as de serviços públicos e de transportes.
O trabalho aos domingos nos estabelecimentos do comércio varejista em geral foi
autorizado pelo Decreto nº 99.467/90. A autorização ficava condicionada à prévia de um
acordo ou convenção coletiva de trabalho, conforme o artigo 1º do decreto:
Artigo 1º Fica facultado o funcionamento aos domingos do comércio
varejista em geral, desde que estabelecido em Acordo ou Convenção
Coletiva de Trabalho, respeitadas as normas de proteção ao trabalho e o art.
30, inciso I, da Constituição Federal.
85
A Lei 10.101/2000 alterou o Decreto 99.467 autorizando o trabalho aos domingos no
comércio varejista em geral, independentemente da prévia celebração de convenção ou acordo
coletivo de trabalho.
Artigo 6º. Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho aos
domingo no comércio varejista em geral, observado o artigo 30, inciso I, da
Constituição.
Parágrafo Único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo
menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo,
respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em
acordo ou convenção coletiva.
Desta forma, através autorização legislativa federal, o trabalho aos domingos no
comércio varejista em todo o território nacional, em 1997, foi plenamente autorizado. As
empresas deveriam conceder o repouso semanal no domingo pelo menos uma vez no período
máximo de quatro semanas, respeitar as demais normas de proteção ao trabalho e outras
previstas em convenção coletiva.
De outra parte, em relação aos feriados, não havendo qualquer autorização expressa,
em princípio, ao comércio varejista em geral estava vedado o direito de funcionar em tais
datas.
Quando o trabalhador exercer suas funções aos domingos, o repouso deverá ser
concedido de forma antecipada, ou seja, de segunda a sábado. A não observância de tal
regramento poderá submeter à empresa a fiscalização e autuação pelo Ministério do Trabalho
e do Emprego.
Nos dias em que o empregado trabalhar aos domingos, o repouso deverá ser concedido
de forma antecipada, de segunda a sábado. A não observância de tal regramento poderá
submeter à empresa a fiscalização e autuação pelo Ministério do Trabalho e do Emprego.
O Ministério do Trabalho e Emprego esclarece que nada impede o trabalho durante mais
de sete dias consecutivos, isto porque nosso sistema não é de descanso hebdomadário. A
obrigação da empresa é conceder o repouso durante a semana, que se inicia da segunda-feira e
finaliza no domingo. Caso o empregado goze o repouso semanal na segunda-feira e na sexta-
feira da semana posterior, trabalhará por dez dias consecutivos sem violar qualquer disposição
legal trabalhista.
As empresas legalmente autorizadas a funcionar aos domingos são obrigadas a organizar
escalas de revezamento, a fim de que cada empregado usufrua de pelo menos um domingo de
folga no mês, sendo os restantes em outros dias da semana A escala de revezamento será
efetuada por meio de livre escolha do empregador (artigo 6º do Decreto n. 27.048, de agosto
de 1949, e alínea "b" do artigo 2º da Portaria n. 417, de 10 de junho de 1966).
86
No dia 24 de março de 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria
375120
, que dispõe sobre pedidos para autorização de trabalho em domingos e feriados,
elencando no art. 2 e alíneas os documentos necessários: laudo elaborado por instituição
Federal, Estadual ou Municipal, indicando as necessidades de ordem técnica e os setores que
exigem a continuidade do trabalho, com validade de quatro anos; acordo coletivo de trabalho
ou anuência expressa de seus empregados, manifestada com a assistência da respectiva
entidade sindical; e escala de revezamento. As autorizações serão concedidas por até dois
anos, renováveis por igual período.
Esta norma também declara que a empresa que tiver histórico de reincidência em
irregularidades no que se refere à jornada de trabalho ou norma de segurança, terá o pedido
negado.
Verifica-se que a legislação trata o trabalho aos domingos e feriados como exceção,
em regra estas datas devem ser de tempo livre e de lazer em que o trabalhador utilize destes
momentos para harmonizar com sua família, ler, descansar, pescar, ir ao cinema, viajar,
contemplar algo enfim, momento de liberdade.
2.3.4 Crítica à 10ª Ementa da Confederação Nacional da Indústria para modernização
trabalhista
No ano de 2012, a Confederação Nacional da Indústria, publicou 101 ementas
propondo a modernização das leis trabalhistas121
. O argumento para a publicação e efetivação
das demandas é que além da necessidade de adequação às transformações decorrentes da
globalização há a necessidade de garantia de competitividade às empresas possibilitando a
oferta de produtos e serviços a preços acessíveis aos consumidores, e a geração de mais e
melhores empregos.
Também relatam que o sistema trabalhista do país não atende às necessidades da soci-
edade brasileira contemporânea e que o Brasil possui um regime legalista rígido e com pouco
espaço para negociação, a regulação tem escassa conexão com a realidade produtiva. Como
120 BRASIL. Portaria MTE n. 375, de 21 de março de 2014. Disponível em:
www.legisweb.com.br/legislacao/?id=268222. Acesso em 30 mai. 2014. 121
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 101 Propostas para Modernização Trabalhista.
Brasília: CNI, 2012. Disponível em
http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.
pdf. Acesso em 24 jun. 2013.
87
resultado, o trabalho formal no Brasil tem um alto grau de conflito e de insegurança jurídica, é
excessivamente onerado e configura uma barreira ao crescimento da produtividade.
Dentre as ementas há a que propõe o trabalho aos domingos e feriados sem a
obrigatoriedade de autorização Ministério do Trabalho e do Emprego, sendo permitido para
todas as atividades laborais, é o empregador que deve verificar a necessidade desta jornada.
O Repouso Semanal Remunerado aos domingos e feriados é um costume religioso,
sendo parte da cultura da sociedade. No entanto, em função da globalização e da
competitividade da economia os agentes produtivos tentam “por todos os meios” incluir os
domingos e feriados como dias úteis de trabalho.
A décima ementa da Confederação Nacional da Indústria propõe que o trabalho aos
domingos e feriados seja estendido para todas as categorias, sem restrições, desde que se
mantenha o direito a repouso semanal remunerado e às formas de pagamentos contidos na
legislação vigente.
A proposta visa permitir o trabalho em domingos e feriados, sem necessidade da
autorização pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, para todas as categorias, a partir de
negociação coletiva ou de escala de revezamento especial para tais dias, de forma que para
cada domingo e para cada feriado fosse escalado um grupo de funcionários diferente.
A Constituição Federal de 1988 garante aos trabalhadores o direito a um dia de
repouso por semana, preferencialmente aos domingos, a Consolidação das Leis do Trabalho
em seu artigo 67 e seguintes proíbe o trabalho aos domingos e feriados, salvo motivo de
conveniência pública ou necessidade do serviço.
A lei 605/1949, estabelece que todo o empregado tem direito ao repouso de 24 horas
consecutivas, preferencialmente aos domingos e nos limites das exigências das empresas. O
Decreto 27.048/1949 definiu a relação de algumas atividades consideradas “essenciais” e que
independem de autorização prévia para funcionamento.
Em 2007, com a edição da Lei 11.603/2007, houve a ampliação da possibilidade do
trabalho aos domingos. Este benefício foi exclusivo para as atividades de comércio. O
trabalho nos feriados ficou autorizado desde que previsto em convenção coletiva de trabalho e
nos limites da legislação local.
A lógica para a restrição do trabalho nesses dias é frágil e está em sentido contrário à
tendência de consolidação de um conjunto de atividades nos domingos. O descanso semanal
precisa ser mantido e esse direito está garantido constitucionalmente.
Com a concessão deste benefício, há necessidade de fiscalização do trabalho, podendo
a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego determinar o cancelamento da
88
autorização a qualquer tempo.
O processo de autorização do trabalho aos domingos é burocrático, iniciado com a
solicitação de autorização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego local. Esta
deve estar acompanhada do laudo técnico indicando a necessidade de ordem técnica e os
setores que exigem a continuidade do trabalho e o acordo coletivo de trabalho ou anuência
expressa de seus empregados, manifestada com a assistência da respectiva entidade sindical,
também deve constar a escala de revezamento organizada a fim de que, em um período
máximo de sete semanas de trabalho, cada empregado usufrua de um domingo de folga.
A ementa propõe um projeto de lei ordinária alterando o artigo 67 e seguintes da
Consolidação das Leis do Trabalho e alteração da Lei 605/1949 e Decreto 27.048/1949 para
determinar a permissão do trabalho aos domingos e feriados.
O ganho esperado com a efetividade desta modificação é o aumento da produtividade
e da competitividade das empresas brasileiras, além do número de empregados e de salários
pelos trabalhadores e o aumento de arrecadação de impostos pelo Estado.
A família e sua unidade são elementos primordiais para a qualidade de vida de todo ser
humano, devendo ser valorizada e protegida pelo Estado que apesar da necessidade de
flexibilizações das leis trabalhistas, precisa ser mantida sob pena de ir contra a efetividade do
princípio da dignidade e da humanidade.
A aprovação do trabalho aos domingos e feriados seria uma tragédia às famílias
brasileiras visto que os domingos e os feriados são tempo livre em que todos passam juntos. É
um dia em que utilizam para reunir-se, conversar, trocar informações, enfim, é um dia em que
estreitam os laços familiares e mantêm a unidade.
De acordo com o Professor de Direito do Trabalho Lourival José de Oliveira:
As novas rotinas de trabalho, como por exemplo, naquelas atividades que se
exige o trabalho aos domingos e feriados com vistas a compensar o horário
gasto em forma de banco de horas, podem traduzir a própria desagregação
familiar ou a transformação dessa estrutura para algo nutrido por outras ne-
cessidades que não mais a afetiva e sim a racional, sintonizada de acordo
com as necessidades do modo de produção em que a família está envolvi-
da122
. Portanto, os membros do núcleo familiar trocam as relações de afeto e espontaneidade
por comportamentos racionais e de encontro com as exigências do mundo do trabalho,
122
OLIVEIRA, Lourival José de. As transformações ocorridas no ambiente de trabalho e seus efeitos
na organização familiar no Brasil. Disponível em
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo-id=2898.
Acesso em 01 jun. 2013.
89
resgatando Kant que escreve que o homem deixa de ser um fim em si mesmo, deixa de ser ele
mesmo para se tornar um instrumento de realização do mundo capitalista.
Esta desagregação familiar, ligada à precariedade do trabalho, podem gerar danos
psicológicos devastadores aos membros da família como: sensação de incapacidade, vergonha,
desespero, depressão e outras doenças mentais que podem resultar em doenças físicas, baixa
auto-estima, uso de drogas e bebidas, violência familiar e fora do núcleo familiar.
A própria Constituição Federal, conforme já citado neste artigo, estabelece o repouso
semanal remunerado preferencialmente aos domingos, ou seja, somente em situações
excepcionais o repouso pode ser em outro dia da semana. Tornando este estabelecido como
regra, todos os membros da família podem se reunir neste dia, mesmo que todos exerçam
alguma atividade laboral. No entanto, se a cada membro for dada um dia da semana diferente,
não será possível o exercício da intimidade familiar e a vida de cada um será voltada,
fundamentalmente, ao trabalho. Neste sentido, ensina o professor Lourival:
É possível, sem radicalização, afirmar que a família, na forma como está se
comportando diante do modo de produção atual (capitalismo globalizado),
com as alterações a ela impostas, não possui condições de cumprir com seus
deveres, constitucionalmente consagrados. Diante disso, tem-se como desa-
guadouro o não cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana123
.
O ser humano que não exerce as atividades familiares ou que pertence a um núcleo
familiar desagregado não possui qualidade de vida, não possui referência e aspectos mínimos
para se considerar digno, consequentemente, verifica-se uma desestruturação social, ou seja,
toda a sociedade sentirá os efeitos devastadores de um mundo onde a família é deixada em
segundo plano, onde esta é desvalorizada e não praticada.
A prática desta ementa, de acordo com os resultados supra citados, apresenta-se
totalmente inviável e prejudicial não apenas ao trabalhador, mas a toda a sociedade e desta
forma é primordial a intervenção do Estado para fazer valer sua função de protetor e
garantidor dos princípios constitucionais.
No próximo capítulo, aponta-se alguns instrumentos jurídicos, políticos, econômicos e
sociológicos para a concretização do Direito ao Lazer que, além da importância de sua fruição
por crianças e adolescentes, também é fundamental para os trabalhadores.
123
OLIVEIRA, Lourival José de. As transformações ocorridas no ambiente de trabalho e seus efeitos
na organização familiar no Brasil. Disponível em
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo-id=2898.
Acesso em 01 jun. 2013.
90
3 O LAZER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O CUMPRIMENTO DA ORDEM
ECONÔMICA E SOCIAL
Quando se trata dos direitos trabalhistas verifica-se que o objetivo fundamental é a
conquista da dignidade da pessoa humana. A luta por este princípio está marcada pela busca
da liberdade e, principalmente, pela busca por um tempo de existência.
O filósofo Bertrand Russell em sua obra O Elogio ao Ócio, retrata a repulsa a
supervalorização do trabalho e a crença de que este seja um meio de felicidade, segundo ele:
[...] eu acho que se trabalha demais no mundo de hoje, que a crenças nas
virtudes do trabalho produz males sem conta e que nos modernos países
industriais é preciso lutar por algo totalmente diferente do que sempre se
apregoou.
Quero dizer, com toda a sinceridade, que muitos malefícios estão sendo
causados no mundo moderno pela crença na virtude do trabalho, e pela
convicção de que o caminho da felicidade e da prosperidade está na redução
organizada do trabalho124
.
Para este filósofo a felicidade não se encontra no tempo de trabalho. Ela está presente
no tempo de existência, no tempo em que o homem se realiza e se liberta do estranhamento
originado no ambiente de produção e é neste tempo em que o homem vive com dignidade.
O homem vive de forma digna e humana quando é tratado como um fim em si mesmo,
quando possui possibilidade de desenvolver suas potencialidade e sua subjetividade, podendo
manifestar suas opiniões livremente, no entanto atualmente este é confundido com a própria
mercadoria que produz, muitas vezes sendo mais valorizada que esta.
De acordo com o filósofo Bertrand Russel:
[...] num mundo em que ninguém tenha de trabalhar mais do que quatro
horas diárias, todas as pessoas poderão saciar a curiosidade científica que
carregarem dentro de si e todo pintor poderá pintar seus quadros, sem passar
por privações, independente da qualidade de sua arte. Acima de tudo haverá
felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em frangalhos, fadiga e má
digestão. O trabalho exigido será suficiente para tornar agradável o lazer,
mas não levará ninguém à exaustão. Homens e mulheres comuns, tendo
chance de viverem vidas felizes, se tornarão mais afáveis, menos
persecutórios e menos propensos a olhar os outros com desconfiança. O
gosto pela guerra desaparecerá, em parte por este motivo, em parte porque a
guerra implicará trabalho longo e penoso para todos. Dentre todas as
qualidades morais, a boa índole é aquele de que o mundo mais precisa, e ela
é o resultado da segurança e do bem estar, não de uma ida de luta feroz. Os
modernos métodos de produção tornaram possíveis a segurança e o bem
estar para uma parcela maior de pessoas, mas, apesar disso, continuamos
124 RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p.23- 25.
91
preferindo o sobre-trabalho para alguns e a penúria para os demais. Ainda
somos tão energéticos quanto éramos antes de existirem as máquinas. Nesse
aspecto, temos sido tolos, mas não há razão para sermos tolos para sempre125
.
O direito ao lazer deve ser usufruído para desenvolvimento da criatividade,
personalidade e subjetividade do ser humano. Deve ser utilizado como um tempo de
existência, um tempo de vida livre em que o homem pode ser. Trabalhando 4 horas diárias o
trabalhador terá tempo para exercer seu eu, sendo este o tempo suficiente, hodiernamente,
para que se cumpra sua jornada.
Enfatiza-se a importância do direito ao lazer como momento de reflexão, não utilizado
como colaborador da alienação, mas como elemento de crítica social e econômica e como
momento fundamental para uma vida digna e humana.
3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO HUMANO: PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA
A Constituição Federal de 1988, ao referir-se a dignidade como fundamento da
República e do Estado Democrático de Direito reconheceu que é o Estado que existe em
função da pessoa humana, e não o oposto, já que o ser humano constitui finalidade e não meio
da atividade estatal. Portanto, a principal função do Estado é o bem estar das pessoas e
proporcionar, a estas, uma vida digna.
Celso Ribeiro Bastos, a respeito do assunto nos ensina que:
A Constituição traz como fundamentos do Estado brasileiro a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, a crença nos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Estes fundamentos
devem ser entendidos como o embasamento do Estado; seus valores
primordiais, imediatos, que em momento algum podem ser colocados de
lado126
.
O Estado deve fazer valer os princípios constitucionais, e quando necessário, deve
intervir de forma direta ou indireta para garantir o cumprimento dos objetivos fundamentais
da República e do Estado Democrático de Direito.
O capital, quando dissemina o trabalho estranhado corrói os atributos da pessoa
humana. Para compreensão da importância do trabalho humano e digno é essencial entender o
125 RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 34-35. 126
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo: Saraiva. 1995, p. 149.
92
significado de pessoa humana e o que caracteriza a humanidade. A pessoa humana possui três
atributos fundantes e fundamentais: individualidade; subjetividade e alteridade127
.
Na individualidade o homem como espécie humana é o ser-em-si, sendo uma
construção histórica. Cada homem é um indivíduo único e este possui uma história e
experiências só dele que formam sua identidade humano-pessoal. Na sociedade atual a
individualidade é reduzida a individualismo e o homem se encontra só se reduzindo ao
“indivíduo mônoda” que basta a si próprio128
.
A subjetividade, de acordo com o sociólogo Giovanni Alves, representa o ser-para-si
mesmo. É o ser que realiza efetivamente sua individualidade pessoal e manifesta sua
singularidade dispondo de sua própria vida pessoal no espaço-tempo ou território da
existência pessoal sendo capaz de criticas e negar a condição imposta. Havendo a quebra da
subjetividade o homem torna-se incapaz de dispor de si e de sua natureza humana, este aliena-
se e perde o controle de sua vida pessoal129
.
A alteridade se apresenta pela dimensão de ser-com-o-outro que caracteriza a pessoa
humana. Somente quando a relação com o outro é que a pessoa possui humanidade. Neste
atributo o homem se torna o ser político e social e desenvolve suas potencialidades. Quando o
homem se relaciona com o outro este é capaz de dispor de si e intervir na sociedade, não com
finalidade egoísta, mas sim exercer sua função social. De acordo com Giovanni Alves:
A ideia da corrosão da pessoa humana por meio da ‘vida reduzida’ baseia-se
efetivamente no processo de redução do tempo de vida a tempo de trabalho.
Temos, desse modo, a escassez do tempo para-se e a deriva do Self. Eis um
aspecto fundamental da precarização do homem-que-trabalha que pode ser
expressa na formulação da diminuição da composição orgânica do genérico
do homem determinada pela relação tempo de vida/tempo de trabalho.
Na verdade, o processo de modernização é o processo de constituição do
tempo de vida em territórios de existência inautêntica e a redução do tempo
de vida em tempo de trabalho estranhado e fetichizado. O trabalho
estranhado fetichizado é o trabalho dominado intransparente e perverso que
ocupa o tempo de vida. Com a sociedade em rede, ele flui nos interstícios
sociais130
.
A falta de tempo de vida, ou tempo de lazer, faz com que o homem se torne um
estranho a ele mesmo e a outro ser, desta forma, o direito ao lazer é urgente ao trabalhador
127
ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 117. 128
ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 117-118. 129
ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 119. 130
ALVES, Giovanni. Dimensões da Precarização do trabalho: ensaios de sociologia do trabalho.
Bauru: Canal6, 2013, p. 124.
93
para que este possua tempo de existência, tempo com a família e tempo para desenvolver-se
como pessoa humana.
Portanto a pessoa humana é caracterizada por sua história de vida e o contexto em que
se encontra por sua personalidade e por sua vida social e política e suas atitudes perante a
sociedade. Esta pessoa humana possui como princípio fundamental e primordial a dignidade e
este princípio tende a ser garantido pelo Estado e pela sociedade.
O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental no ambiente de trabalho, é
desrespeitado quando há exploração do homem através do trabalho, onde o ambiente de
trabalho é insalubre, onde o salário mínimo não supre as necessidades básicas do trabalhador.
Este princípio abrange todos os seres humanos considerando o homem na qualidade de
ser que se encontra no centro do universo jurídico, visto ser o homem imagem e semelhança
do Criador, derivando assim sua grandeza e dignidade.
O valor dignidade da pessoa humana vincula-se à tradição do pensamento cristão, ao
colocar cada homem relacionado com um Deus que também é pessoa. Dessa verdade
teleológica que identifica o homem à imagem e semelhança do Criador, derivam sua eminente
dignidade e grandeza, bem como seu lugar na história e na sociedade. Por isso, a dignidade da
pessoa humana não é, nem nunca foi, uma criação constitucional, mas um dado que preexiste
a toda experiência especulativa, razão por que, no âmbito do Direito, só o ser humano é o
centro de imputação jurídica, valor supremo da ordem jurídica131.
Todo ser humano deve ser respeitado, e o princípio da dignidade da pessoa humana, no
âmbito do Direito do Trabalho, deve ser respeitado, sendo efetivadas condições justas,
equitativas e satisfatórias de trabalho.
O princípio da dignidade é violado sempre que o indivíduo é tratado como um objeto
ou instrumento de geração de lucro, sendo desumanizado e não possibilitando que este
desenvolva suas potencialidades. Segundo Kant, as pessoas devem ser referenciadas como um
fim em si e como seres humanos, e não como um meio, uma mercadoria para se adquirir lucro,
ou um objeto à venda:
No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a
coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer
equivalência, compreende uma dignidade132.
131 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da pessoa Humana, no
Contexto da Globalização Econômica Problemas e Perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 21. 132 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo
Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 58.
94
Portanto, o homem, como ser racional, é um fim em si mesmo e não o uma mercadoria
explorada por outrem. A liberdade de pensamento e principalmente a liberdade no ambiente
de trabalho é primordial para que o homem se sinta humano e digno.
A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito e
constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as
suas dimensões “considerada a democracia” o único regime político capaz de propiciar a
efetividade desses direitos desrespeitados no Estado autoritário, e que podem voltar a ser com
as medidas flexibilizatórias.
Estas medidas visam alterar as condições de trabalho de acordo com as modificações
geradas, principalmente pela globalização, no entanto deve-se certificar que estas
flexibilizações, tema tratado no capítulo anterior, não violarão os princípios da dignidade e do
trabalho humano, princípios estes preconizados na Magna Carta.
As flexibilizações da legislação trabalhista resultam das modificações das relações de
trabalho e da reestruturação produtiva, resultado da nova morfologia, afetam as práticas de
lazer do trabalhador, tema que será explorado em seguida.
3.2 A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO E A PRÁTICA DO LAZER
De encontro com os ensinamentos do sociólogo Ricardo Antunes133
, é importante
demonstrar e especificar as principais metamorfoses do trabalho e da “classe-que-vive-do-
trabalho”, a fim de compreender as transformações que estão se operando e os efeitos que
estão sendo produzidos em termos de redução do tempo livre.
As principais características que devem ser citadas são:
- Redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável e especializado,
herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista. Este proletariado vem
dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo o conjunto de
trabalhadores estáveis que se estruturavam através de empregos formais, herança da fase
taylorista/fordista. Aumento do novo proletariado fabril e de serviços, presente nas diversas
modalidades de trabalho precarizado. São os terceirizado, subcontratados, part-time (no
contrato por tempo parcial, o "part-time", do artigo 58-A da Consolidação das Leis
Trabalhistas, as jornadas diárias podem ser desiguais desde que o limite diário não ultrapasse
133
ANTUNES, Ricardo. A nova era da precarização estrutural do trabalho? In: Condições de trabalho
no limiar do século XXI. Organizadores: ROSSO, Sadi Dal; FORTES, José Augusto A. Brasília:
Finatec, 2007, p. 16-18.
95
oito horas. O empregador pode manejar o horário do trabalho conforme melhor atenda a
dinâmica de seu negócio) como exemplo, recepcionistas em consultórios médicos e
secretárias, existindo entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem em escala
global;
- Aumento significativo do trabalho feminino em diversos países avançados e também na
América Latina, onde foi expressivo o processo de feminização do trabalho. Esta expansão
tem movimento inverso da temática salarial, onde os níveis de remuneração das mulheres são
em média inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo em relação
aos direitos sociais e do trabalho, que também são desiguais;
- Expansão dos assalariados médios no setor de serviços, que inicialmente incorporou
parcelas significativas de trabalhadores expulsos do mundo produtivo industrial, como
resultado do amplo processo de reestruturação produtiva, as políticas neoliberais e do cenário
de desindustrialização e privatização, mas que sentem as consequências do processo de
reestruturação. As mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão também afetaram o
mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submetem à racionalidade do capital e
à lógica dos mercados;
- Crescente exclusão dos jovens, que atingiram a idade de ingresso no mercado de trabalho e
que, sem perspectiva de emprego, muitas vezes aumentam as fileiras dos trabalhos precários,
dos desempregados, sem perspectivas de trabalho, dada a vigência da sociedade do
desemprego estrutural. Exclusão dos trabalhadores idosos pelo capital, com idade próxima de
40 anos e que, uma vez excluídos do trabalho, dificilmente conseguem reingressar no
mercado de trabalho;
- Utilização da inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho, nas mais
diversas atividades produtivas;
- Crescente expansão do trabalho no Terceiro Setor, assumindo uma forma alternativa de
ocupação, através de empresas de perfis mais comunitários, motivados predominantemente
por formas de trabalho voluntário, abarcando um amplo leque de atividades, onde
predominam aquelas de caráter assistencial, sem fins diretamente mercantis ou lucrativos e
que se desenvolvem a margem do mercado; e
- Expansão do trabalho a domicílio, permitida pela desconcentração do processo produtivo,
pela expansão de pequenas e médias unidades produtivas. Através da telemática e das
tecnologias de informação, com o avanço da horizontalização do capital produtivo, o trabalho
produtivo doméstico vem presenciando formas de expansão em várias partes do mundo. O
96
trabalho produtivo a domicílio mescla-se com o trabalho reprodutivo doméstico, aumentando
as formas de exploração do contingente feminino.
Outra característica a se destacar da metamorfose do trabalho e do homem-que-
trabalha é o aumento da sua intensidade. De acordo com o professor da Universidade de
Brasília Sadi Dal Rosso134
, a intensidade tem a ver com a maneira como é realizado o ato de
trabalhar, este se refere ao grau de dispêndio de energias realizado pelos trabalhadores na
atividade concreta. Esta compreensão também pressupõe que a atenção esteja concentrada
sobre a pessoa do trabalhador, sobre a sua coletividade, e não sobre outros componentes do
processo de trabalho que têm capacidade de alterar os resultados, tais como as condições
tecnológicas.
Atualmente, o trabalho é herdeiro de uma jornada mais reduzida em número de horas
trabalhadas, mas também de um grau de intensidade muito maior de trabalho do que em
épocas anteriores. Intensidade são condições de trabalho que determinam o grau de
envolvimento do trabalhador, seu empenho, seu consumo de energia pessoal, seu esforço
desenvolvido para concluir as obrigações a mais.
No capitalismo contemporâneo, a intensidade do trabalho está voltada para os
resultados que devem ser qualitativa e quantitativamente superior, razão pela qual se exige um
consumo maior de energias do trabalhador. Esta intensificação é observada quando há maior
gasto de energias do empregado sejam elas físicas ou psíquicas (trabalho imaterial).135
A noção de intensidade revela o engajamento dos trabalhadores significando que eles
produzem mais trabalho, ou trabalho de qualidade superior, em um mesmo período de tempo
considerado e a noção de produtividade restringe-se ao efeito das transformações tecnológicas.
Na história do desenvolvimento econômico, a elevação da intensidade do trabalho
cotidiano constitui uma forma fundamental de crescimento. A intensificação como geradora
de crescimento econômico, acredita-se, trata-se de mais uma forma de exploração da mão-de-
obra.
O Século XXI apresenta um cenário profundamente contraditório e extremamente
crítico visto que se o trabalho ainda é central para a criação do valor – reiterando seu sentido
de perenidade – estampa, em patamares assustadores, seu traço de superfluidade, da qual são
134
ROSSO, Sadi Dal. Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporâneo. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 20. 135 ROSSO, Sadi Dal. Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporâneo. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 21.
97
exemplos os precarizados, flexibilizados, temporários, além do enorme exército de
desempregados e desempregadas que se esparramam pelo mundo.
Presencia-se o avanço da chamada era da mundialização do capital, pode-se verificar
também uma fase da mundialização das lutas sociais do trabalho (como exemplo a população
indo às ruas e manifestando-se exigindo direitos e melhorias), nelas incluídas as massas de
desempregados que se ampliam em escala global. Desse modo, um desafio maior da
humanidade é dar significado ao trabalho humano e digno, tornando a vida dotada de sentido.
Instituir uma nova sociedade dotada de valor humano e social dentro e fora do trabalho. Este é
um desafio vital nesta era.
As práticas de lazer, nesta nova morfologia do trabalho, apresentam-se de forma
tímida, ou muitas vezes são ocultadas, agravando a exploração, alienação e estranhamento no
trabalho e na vivência diária gerando consequências negativas tanto ao homem-que-trabalha
quanto àqueles que não trabalham, visto que estão privados da presença física e psíquica de
um ente próximo. Neste sentido, o filósofo István Mészáros informa que o tempo disponível
é a única alternativa contra a sujeição à penúria e indignidade:
O trabalho obtém concessões ao preço de ser forçado a constantemente
reduzir o volume de trabalho necessário requerido para assegurar a
continuidade do processo de reprodução capitalista. Todavia, não conquista o
poder de tornar aceitável a legitimidade (e a necessidade) de organizar a
produção de acordo com o princípio do tempo disponível: à longo prazo,
única salvaguarda viável contra a sujeição à extrema penúria e à indignidade
do desemprego em massa. E o capital, por outro lado, obtém êxito em
transformar os ganhos do trabalho em sua própria auto-expansão lucrativa e
dinâmica ao elevar incansavelmente a produtividade do trabalho; entretanto,
não encontra solução adequada para crescentes complicações e perigosas
implicações do desemprego crônico e da superprodução concomitante, que
prenunciam seu colapso final como modo socialmente viável de reprodução
produtiva136
. (grifo nosso)
O lazer, hodiernamente, é utilizado pelo homem que trabalha apenas como momento
de reposição de energia e de descanso mental, visto que este não possui ânimo ou mesmo
condições financeiras para utilizar este momento de outras formas como viajando, lendo um
livro, fazendo exercícios.
No próximo tema, será abordado o trabalho imaterial, este sofreu as maiores
influências das modificações do trabalho, dentre elas a dificuldade em separar o tempo de
trabalho e o tempo de lazer.
136
MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas: Boitempo editorial, 2002, p. 667.
98
3.2.1 O trabalho imaterial e suas implicações no Lazer
O desafio atual, no mundo do trabalho, é ultrapassar as limitações ideológicas
estruturais para se chegar a um novo patamar na reflexão crítica sobre as transformações do
trabalho e enfrentar o debate sobre a fragmentação social que o regime de acumulação
capitalista/individualista acarreta. Deve-se abandonar todo saudosismo pelas grandes
homogeneidades da época taylorista e todo determinismo implícito nas análises que
apontavam apenas os determinantes da reorganização especializada e flexível do capital e de
suas firmas.
O emprego está cada vez mais concentrado em atividades de serviços e elementos da
imaterialidade que transformam o trabalho industrial. Verifica-se ser necessário introduzir a
questão da materialidade e da imaterialidade discutindo não apenas a transição entre elas,
como também consequências, entre as quais que o trabalho imaterial é profundamente
transformado, produzindo efeitos nocivos sobre a saúde física e mental dos trabalhadores.
O trabalho imaterial é o trabalho vivo, intelectual, autônomo e hegemônico, é uma
forma de reprodução da subjetividade. A qualidade e quantidade do trabalho vivo (praticado
pelo sujeito vivente que é presente no tempo e se opõe ao capital, trabalho morto que é pre-
sente no espaço. É potência ontológica que produz um acréscimo do saber e produz) são or-
ganizadas em torno de sua imaterialidade. A matéria prima do trabalho imaterial é a subjetivi-
dade e o ambiente ideológico no qual esta subjetividade viva reproduz produtos ideológicos.
A reestruturação industrial, a emergência de um regime de acumulação globalizado,
baseado na produção de conhecimentos e num trabalho vivo, pode ser pensada como processo
contraditório e esta contradição se encontra no presente das novas formas de exploração e da
composição técnica do trabalho, nas velhas e nas novas lutas do proletariado.
O retrato fiel é um trabalhador massificado não apenas pelos níveis de mobilização das
forças de trabalho aos quais chegava à produção em série, mas pelo nivelamento de suas
qualidades. O taylorismo mobilizava enormes massas de camponeses e os considerava como
operários desqualificados, mas adequados a uma divisão técnica do trabalho que lhes
reservava tarefas cada vez mais simples e repetitivas.
O operário taylorista era duplamente massificado pelos contingentes de forças de
trabalho concentrados nas grandes fábricas e na tendencial indistinção, do ponto de vista da
divisão técnica do trabalho, de suas características pessoais, subjetivas. Sua subjetividade era
evacuada pela organização capitalista da produção ao mesmo tempo em que as organizações
da esquerda execravam sua falta de consciência política.
99
Conforme Masi137
, hodiernamente vive-se uma fase de transição que consiste na
passagem da consideração do corpo como elemento onívoro e principal, a considerar como tal
a mente. Passa-se para fase do trabalho imaterial. O ciclo do trabalho imaterial é pré-
constituído por uma força de trabalho social e autônoma capaz de organizar o próprio trabalho
e as próprias relações com a empresa.
Esta transformação começou a manifestar-se de maneira evidente no curso da década
de 1970, na primeira fase da reestruturação, quando as lutas operárias e sociais, opondo-se à
retomada da iniciativa capitalista, consolidaram os espaços de autonomia conquistados no
curso do decênio precedente. A subordinação destes espaços de autonomia e organização do
trabalho imaterial às grandes indústrias no curso da fase de reestruturação sucessiva não muda,
mas reconhece e valoriza a nova qualidade do trabalho. O trabalho imaterial tende a tornar-se
hegemônico, e irreversível138
.
Na medida em que se desenvolve a grande indústria, a criação de riqueza real vem a
depender menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregado do que da
potência dos agentes que vêm colocados em ação durante o tempo de trabalho. A criatividade
e a intelectualidade tornam-se elementos essenciais e determinantes.
É a apropriação da produtividade geral, bem como a compreensão da natureza e o
domínio sobre esta através da sua existência enquanto corpo social e o desenvolvimento do
indivíduo social que se apresenta como grande pilar de sustentação da produção e da riqueza.
O trabalho em forma imediata cessou de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho
cessou e deve cessar de ser a sua medida, o valor de troca deve cessar de ser a medida do
valor de uso. A mais valia da massa cessou de ser a condição do desenvolvimento da riqueza,
e o não-trabalho dos poucos cessou de ser condição do desenvolvimento das forças gerais da
mente humana.
O capital é a contradição em processo, pelo fato de que tende a reduzir o tempo de
trabalho a um mínimo enquanto do outro lado põe o tempo de trabalho como única medida e
fonte da riqueza. Ele diminui este tempo na forma de tempo de trabalho necessário, para
acrescê-lo na forma de tempo de trabalho supérfluo; fazendo do tempo de trabalho supérfluo a
condição “questão de vida e morte” daquele necessário. Segundo Negri:
[...] de um lado, o capital reduz a força de trabalho a ‘capital fixo’,
subordinando-a sempre mais no processo produtivo; de outro ele demonstra,
137
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 221. 138
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
100
através desta subordinação total, que o ator fundamental do processo social
de produção é tornado agora ‘o saber social geral’139
.
O conhecimento e o saber se apresentam como elementos essenciais do processo de
produção social. Dentro da atividade do trabalho imaterial é difícil distinguir o tempo de
trabalho do tempo da produção ou do tempo livre. Encontra-se em plena vida global, na qual é
quase impossível distinguir entre o tempo produtivo e o tempo de lazer.
Quando o trabalho se transforma em trabalho imaterial ele é reconhecido como base
fundamental da produção, este processo não investe somente a produção, mas a forma inteira
do ciclo “reprodução-consumo” o trabalho imaterial não se reproduz na forma de exploração,
mas na forma de reprodução da subjetividade criativa e inovadora.
Durante o período da política clássica, o intelectual era totalmente estranho aos
processos de trabalho e a sua atividade não podia exercitar-se senão nas funções
epistemológicas e de vocação ética, já no curso da “fase disciplinar” a exterioridade do
trabalho intelectual frente aos processos de trabalho tornou-se menor.
Hoje, no período em que o trabalho imaterial é qualitativamente generalizado e
tendencialmente hegemônico, o intelectual se encontra por inteiro no interior do processo
produtivo. Quer a atividade do intelectual se exercite na formação ou na comunicação, quer
nos projetos industriais ou nas técnicas das relações políticas, em todos os casos, o intelectual
não pode mais ser separado da máquina produtiva. O intelectual está aqui em completa
adequação aos objetivos da libertação sendo o novo sujeito, poder constituinte não sabe do
que, potência do comunismo de base consumista140
.
O trabalho imaterial se encontra no cruzamento da nova relação produção-consumo,
pois é o trabalho imaterial que ativa e organiza a relação produção-consumo. A ativação, seja
da cooperação produtiva, seja da relação social com o consumidor, é materializada dentro e
através do processo comunicativo. É o trabalho imaterial que inova continuamente as forças e
as condições da comunicação, dá forma e materializa as necessidades, o imaginário e os
gostos do consumidor. E estes produtos devem ser potentes produtores de necessidades, do
imaginário, de desejos. A particularidade da mercadoria produzida pelo trabalho imaterial está
no fato de que ela não se destrói no ato do consumo, mas alarga, transforma, cria o ambiente
ideológico e cultural do consumidor (exemplo típico do fetichismo da mercadoria, tema que já
139
NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.
30. 140NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
101
foi discutido anteriormente). Ela não reproduz a capacidade física da força de trabalho, mas
transforma o seu utilizador.
Conforme Negri o trabalho imaterial produz uma relação social e na presença desta
reprodução a sua atividade tem um valor econômico:
[...] se a produção é hoje diretamente produção de relação social, a “matéria-
prima” do trabalho imaterial é a subjetividade e o “ambiente ideológico” no
qual esta subjetividade vive e se reproduz [...] O fato de que o trabalho
imaterial produz ao mesmo tempo subjetividade e valor econômico
demonstra como a produção capitalista tem invadido toda a vida e superado
todas as barreiras que não só separavam, mas também opunham economia,
poder e saber141
.
É cada vez mais notória a conscientização de que as atividades cerebrais predominam
em relação às manuais, que as atividades virtuais prevalecem sobre as tangíveis. Seja no
horário de trabalho, seja durante o lazer, o homem age sempre mais com a cabeça, em vez de
usar a força física.
Conforme Domenico de Masi, a atividade intelectual mais apreciada é a “criatividade”,
que é outro elemento distintivo, um novo valor central da sociedade pós-industrial:
[...] a criatividade é uma poção feita de muitos ingredientes: conscientes e
inconscientes, emocionais e racionais. É uma mistura de fantasia e
concretude. Para obtê-la, num grupo, seja ele um time, uma equipe
empresarial ou uma nação, são necessários diversos fatores: um clima de
entusiasmo, tanto uma motivação individual quanto a consciência de que se
trata de uma missão coletiva e uma liderança apaixonante, carismática142
.
Para que haja criatividade são necessárias muitas horas de reflexão, estes momentos
podem resultar em obras de arte, um novo teorema, um livro. A criatividade deve estar
relacionada à realização e propagação daquelas ideias para que faça sentido à sociedade e ao
próprio pensador.
O sociólogo Domenico de Masi critica o tempo extra, ou overtime (hábito que se
consolidou ao longo dos anos por parte dos executivos de colarinho branco, de permanecer no
escritório muito mais tempo do que aquele estritamente necessário, mesmo quando não são
remunerados pelas horas extras), dedicado ao trabalho, pois este destrói a criatividade e a
agilidade de uma empresa, afetando até mesmo a vida familiar e o crescimento pessoal do
empregado. Quanto mais se permanece trancafiado no seu local de trabalho, menos se
recebem estímulos criativos. Com uma carga menor de trabalho seriam gerados mais
empregos e aumentaria a criatividade dos empregados, sem falar no desperdício de recursos
141
NEGRI, Antonio e LAZZARATO, Maurizio. Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.
46. 142
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 160.
102
como telefone, energia elétrica. Enfim, deve-se destacar a melhoria na qualidade de vida do
empregado.
A solução que Masi propõe é o teletrabalho. Há autonomia dos tempos e dos métodos,
coincidência entre o lar e o local de trabalho, redução dos custos e do cansaço provocado
pelos deslocamentos, melhoria da gestão da vida social e familiar, relações de trabalho mais
personalizadas, além da possibilidade de redução das horas de trabalho propriamente dito. O
trabalho poderá ser difundido até em zonas isoladas, deprimidas ou periféricas. Haverá mais
trabalho disponível para categorias que eram excluídas: deficientes físicos, idosos. Conforme
Masi:
Teletrabalho é um trabalho realizado longe dos escritórios empresariais e
dos colegas de trabalho, com comunicação independente com a sede central
do trabalho e com outras sedes, através de um uso intensivo das tecnologias
da comunicação e da informação, mas que não são, necessariamente, sempre
de natureza informática. Formas existem muitas: empresas de trabalho à
distância, escritórios-satélite, centros comunitários, trabalho a domicílio,
trabalho em escritórios móveis, como, por exemplo, aqueles instalados nos
ônibus da equipe dos políticos durante as campanhas eleitorais143
.
As desvantagens podem ser: isolamento, marginalização do contexto e da dinâmica da
empresa, o problema da reestruturação dos espaços dentro de casa, dos hábitos pessoais e das
relações familiares. Há dificuldade em manter os subalternos sob controle, pois com o
teletrabalho este controle é mais difícil de ser exercido, seja de acordo com as relações
pessoais, seja do ponto de vista do processo de trabalho. O controle só pode ser feito com o
produto acabado. O efeito sindical e organizacional mais grave é a atomização política. A
reunião dos trabalhadores na empresa motiva a formação da consciência operária.
O trabalho é considerado como uma atividade física, cansativa e desagradável, que
desejavam que acabasse o quanto antes, ao passo que estão motivados quando desejam que
algo continue e que não acabe. O esforço mental, quando criativo, não só admite como ainda
exige amor, atração e dedicação. A pessoa deve sentir-se atraída a realizá-lo, pois só pode ser
feito por puro prazer. A tendência natural é eliminar ao máximo o dever físico e incrementar
ao máximo o prazer criativo. Há muitos anos, a Microsoft aboliu o controle sobre os horários
da produção, permitindo, inclusive, que se trabalhe de bermudas. Com o teletrabalho utiliza-
se o tempo para trabalhar, mas este trabalho estará intrinsecamente ligado ao prazer de
realizá-lo.
143
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 214-215.
103
A alternativa proposta pelo teletrabalho, embora tentadora, não garantiria a eficácia do
Direito ao Lazer, visto a dificuldade notória em separar o tempo de trabalho do tempo
disponível, havendo a possibilidade do trabalho constante e interminável.
Domenico de Mais acredita que o trabalho pode dar prazer se for essencialmente
intelectual, inteligente e livre. Quando o trabalho é psíquico, criativo e unido a uma grande
motivação, pode até nem ser percebido: quem escreve poemas, compõe uma música ou pinta
um quadro sente-se feliz neste momento. Um escultor pode esculpir durante horas sem se dar
conta do tempo, um poeta pode escrever e meditar o tempo todo, sem adormecer. No trabalho
intelectual deve prevalecer à motivação, e este pode nos agradar tanto que nem se nota o
cansaço. O trabalho imaterial, assim como o trabalho material, não está livre das forças
coercitivas e alienantes do mundo capitalista.
As atividades intelectuais são quase sempre prazerosas e se apresentam como um
desafio, uma realização pessoal. Muito trabalho físico requer pouco repouso da mente, no
entanto, para que se tenha poucas ideias é necessário muito ócio. Como dispõe Masi:
[...] o ócio criativo não é ficar parado com o corpo, ou uma ação corporal
não-obrigatória. O ócio criativo é aquela trabalheira mental que acontece até
quando estamos fisicamente parados, ou mesmo quando dormimos à noite.
Ociar não significa não pensar. significa não pensar em regras obrigatórias,
não ser assediado pelo cronômetro, não obedecer aos percursos da
racionalidade e todas aquelas coisas que Ford e Taylor tinham inventado
para bitolar o trabalho executivo e torná-lo eficiente. O ócio criativo
obedece a regras completamente diferentes. Mas é o alimento da ideação. É
uma matéria-prima da qual o cérebro se serve. Do mesmo modo que a
máquina usava matérias-primas como o aço e o carvão, transformando-as
em bens duráveis, o cérebro precisa de ócio para produzir ideias144
.
A criatividade se alimenta de reflexão ou exercício, que podem parecer perda de tempo,
mas na verdade é uma perambulação do corpo e da mente, que consequentemente resultam
numa obra de arte, num novo teorema, num romance ou em uma invenção. A criatividade é
uma das manifestações do trabalho imaterial e este tende a prevalecer na sociedade pós-
industrial.
Pode-se resumir as características do trabalho imaterial como sendo: trabalho vivo,
intelectual, inteligente, criativo, livre, psíquico, automotivador, interativo, hegemônico e
forma de reprodução da subjetividade. O trabalho imaterial também está voltado para a
produção capitalista, mas não de mercadorias, e sim à produção de criações, novidades e a
prática destas ideias, com a vantagem de ser um trabalho voluntário; prazeroso e motivador.
144
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 235.
104
Com a consolidação do trabalho imaterial voltado para obtenção de lucro está
completo o processo de invasão do capitalismo, penetrando a mente, a intelectualidade e a
criatividade, estando voltados essencialmente à produção. Esta observação comprova que o
trabalho intelectual está focado na quantificação, portanto é um trabalho alienado e estranhado
e estes aspectos acompanham o trabalhador nos momentos de lazer.
Por exemplo, a mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão, a
precarização das condições de trabalho, a adoção de critérios quantitativistas para a avaliação
da produção do trabalho docente, a intensificação e a desvalorização do trabalho docente e a
redução dos direitos trabalhistas, são elementos que, além da restrição de tempo disponível,
geram danos para o trabalho intelectual.
O tempo livre e o tempo de trabalho se confundem, portanto aquele que exerce o
trabalho imaterial não separa o momento do ser livre do momento de obrigação, desta forma é
explorado constantemente.
Em todas as atividades que concentram grandes volumes de capital e que desenvolvem
competição ilimitada, como atividades financeiras e bancárias, telecomunicações, grandes
cadeias de abastecimento urbano, sistemas de transportes, ramos de saúde, educação, cultura,
esporte e lazer e em outros serviços imateriais, o trabalho é cada vez mais cobrado por
resultado e por maior envolvimento do trabalhador, esta cobrança reduz o tempo livre e a
vontade do trabalhador em realizar e desenvolver suas potencialidades e vontades subjetivas.
A transição do trabalho material para o imaterial gera desgastes intelectuais e
relacionais que a atividade imaterial impõe ao trabalhador. Nesta atividade o tempo de
trabalho e o tempo de lazer não são delimitados com facilidade, visto que o trabalho imaterial
acompanha o trabalhador nos momentos de tempo livre podendo gerar uma vida de trabalho
constante.
Destaca-se que, atualmente, não existe trabalho essencialmente intelectual ou trabalho
essencialmente manual. Todo trabalho intelectual e imaterial demandam ações manuais e todo
trabalho manual exige ação mental. O que há são tarefas predominantemente intelectuais e
predominantemente manuais.
Considerando a importância do direito ao lazer para a efetivação do trabalho digno e
humano, ou seja, o trabalho decente, abaixo será abordado o conceito e as condições para a
existência deste.
105
3.2.2 O Trabalho Decente
O conceito de Trabalho Decente foi oficialmente divulgado pela primeira vez através
da Organização Internacional do Trabalho em 1999 e foi eixo da comunicação do Diretor
Geral da OIT a 87ª Conferência Internacional do Trabalho reunida em junho desse ano em
Genebra145
.
Para a Organização Internacional do Trabalho, o Trabalho Decente é produtivo e
adequadamente remunerado exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, e que
seja capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que dependem do seu trabalho para
viver. Trata-se do trabalho que permite satisfazer às necessidades pessoais e familiares de
alimentação, educação, moradia, saúde e segurança146
.
Este é o trabalho que garante proteção social nos impedimentos do seu exercício
(desemprego, doença, acidentes e outros), assegura renda ao chegar à época da aposentadoria
e no qual os Direitos Fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras são respeitados.
É uma atividade no qual as relações entre cada trabalhador ou trabalhadora e seus
empregadores ou empregadoras estão devidamente regulamentadas por lei, especialmente no
que se refere aos Direitos Fundamentais, sendo autorregulada através de acordos negociados
em um processo de diálogo social em diversos níveis, o que implica o pleno exercício do
direito da liberdade sindical, o fortalecimento de instituições da administração do trabalho e
das formas de representação e organização dos atores sociais.
O Trabalho Decente abrange a dimensão quantitativa e qualitativa do emprego. De
acordo com Laís Abramo, o Trabalho Decente propõe medidas de geração de postos de
trabalho e de enfrentamento do desemprego e superação de formas de trabalho que geram
renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza ou
que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras ou degradantes. Ratifica a
necessidade de que o emprego esteja associado à proteção social e à noção de direitos do
145
ABRAMO, Laís. Trabalho decente, informalidade e precarização do trabalho. In: ROSSO, Sadi
Dal; FORTES, José Augusto A. Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília:
Finatec, 2007, p. 40. 146
ABRAMO, Laís. Trabalho decente, informalidade e precarização do trabalho. In: ROSSO, Sadi Dal;
FORTES, José Augusto A. Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília: Finatec, 2007, p.
40.
106
trabalho entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação
coletiva147
.
Esta noção de trabalho tenta integrar objetivos sociais e econômicos, reunindo as
dimensões do emprego, dos direitos no trabalho, da segurança e da representação, em uma
unidade com coerência interna e que tem sentido quando considerada na sua totalidade.
Existe, obviamente, uma forte relação entre o Trabalho Decente e a Dignidade
Humana. O trabalho supõe produção e rendimentos e também integração social, identidade e
dignidade pessoal. Um trabalho decente é aquele no qual o seu rendimento e as condições em
que este se exerce estão de acordo com as expectativas do trabalhador e da sociedade estando
dentro das aspirações razoáveis.
Este trabalho deve manter o equilíbrio entre a vida doméstica e a vida familiar e
permitir manter os filhos nas escolas evitando que sejam levados ao trabalho infantil. Trata-se
das capacidades pessoais para competir no mercado, manter-se em dia com as novas
tecnologias e preservar a saúde, física e mental e desenvolver as qualificações empresariais
recebendo uma parte equitativa da riqueza que se ajuda a criar e de não ser objeto de
descriminação. Caracteriza-se por poder expressar-se e ser ouvido, no lugar de trabalho e na
comunidade.
Quando ocorre a redução do trabalho vivo e o tratamento da força de trabalho como
mercadoria, ou a redução da pessoa humana ao mero exercício de atividades laborais,
reduzindo e corroendo o campo de desenvolvimento humano-genérico, conclui-se que o
trabalho decente se torna cada dia mais utópico.
O Trabalho Decente significa não ter que esforçar-se excessivamente e a possibilidade
de ter uma aposentadoria razoável, estando livre do trabalho excessivo e superando a pobreza.
Desta forma, conclui-se que não há trabalho decente sem que fique garantido o tempo livre.
É fundamental, para que haja um Trabalho Decente, que sejam apresentadas propostas
e ações para práticas do Direito ao Lazer, sendo o Estado o principal agente na execução
destas ações, dentre elas as Políticas Públicas.
147
ABRAMO, Laís. Trabalho decente, informalidade e precarização do trabalho. In: ROSSO, Sadi Dal;
FORTES, José Augusto A. Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília: Finatec, 2007, p.
41.
107
3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER NO BRASIL
A necessidade da prática do lazer sempre esteve presente na vida do ser humano, tendo
em vista de que este necessita do tempo de lazer para descansar, relaxar, desenvolver-se e
divertir-se, no entanto o seu significado varia de acordo com o momento histórico assim como
a função do Estado também varia de acordo com as exigências políticas, econômicas e sociais.
No contexto atual, a função do Estado é proporcionar que todos tenham direito a um
espaço e tempo de lazer, ou seja, este é um direito social de todos, sendo essencial e
primordial a todo ser humano. O lazer é um dos maiores fenômenos da esfera da cultura
responsável pela potencialização da rede de sociabilidade, em que grupos se organizam
ampliando a rede de troca de sociabilidade e enriquecendo a experiência pessoal e coletiva148
.
O tema é tratado, quanto à formulação de ações, na Constituição Federal, artigo 217, 3º e
último parágrafo do inciso IV: “O Poder Público incentivará o lazer como forma de promoção
social.”
As Políticas Públicas orientam as ações da administração pública, com a utilização de
métodos e normas para estabelecer a sinergia entre administração pública e sociedade, entre
Estado e atores sociais. A partir da sua elaboração e execução, as Políticas Públicas
demonstram a execução do poder político, que envolve a distribuição e redistribuição de
poder, os processos de decisão e seus conflitos, além da repartição de custos e recursos para
oferta de bens e serviços públicos149
.
Quando se trata de políticas públicas considera-se que haja uma intervenção que deve
convergir com a realidade social e política do público-alvo da ação. O lazer, alvo de políticas
públicas, deve ser entendido, conforme Marcellino:
[...] Não esse lazer com dia, hora, atividades e local marcado. Não esse lazer
para combater o estresse de um dia exaustivo de trabalho que se repetirá no
amanhecer seguinte. Nem esse lazer muito em moda, que pode ser usufruído
pelos poucos brasileiros que chegam ou que poderão chegar à aposentadoria
em condições de saúde para, então, gozarem a vida. Trata-se, pois, de
compreender o lazer como uma demanda social de primeira necessidade.
Significa compreender o lazer como um direito social, que deve ser alvo de
148
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Esporte: políticas públicas. São Paulo: Autores
Associados, 2001, p. 123. 149
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
Transformação da Realidade. Disponível em: http://www.fit.br/home/link/texto/politicas_publicas.pdf.
Acesso em: 15 ago 2013.
108
atendimento por parte do Estado com o intuito de garantir o bem estar das
populações [...]150
.
De acordo com Marcellino151
quando se trata de uma política de lazer significa não apenas
de uma política de atividades, que na maioria das vezes acabam por se constituir em
movimentos isolados, e não em política de animação como processo; significa falar em
redução da jornada de trabalho – sem redução de salários, e, portanto, numa política de
reordenação do tempo, numa política de transporte urbano.; significa, também, falar em uma
política de reordenação do solo – urbano, incluindo aí os espaços e equipamentos de lazer, o
que inclui a moradia e seu entorno; e, finalmente, numa política de formação de quadros,
profissionais e voluntários para trabalharem de forma eficiente e atualizada. Resumindo: o
lazer tem sua especificidade, inclusive como política pública, mas não pode ser tratado de
forma isolada de outras questões sociais.
A instituição que iniciou o debate sobre o lazer no Brasil foi o Sesc Serviço Social do
Comércio que, nas décadas de 60 e 70, começa a criar mecanismos de difusão da área. O lazer
passa a ser o campo prioritário de ação da instituição e, essa área se consolida, devido à aber-
tura e intercâmbio com a França, através do sociólogo Joffre Dumazedier, e da sistematização
do conhecimento (Centro de Estudos do Lazer) levando em conta novas concepções e técnicas
de investigação sobre o tema152
.
Nesse sentido, a instituição pretendia assumir um papel complementar ao do Estado,
buscando integrar-se ao poder público e, através de suas propostas incutir no “tempo livre”
dos trabalhadores os valores necessários ao aumento da produtividade e ao cultivo de uma
sociedade organizada, onde os conflitos dão lugar ao espírito comunitário que se pretendia
criar.
Além da difusão do lazer via Sesc, a partir de 1969 era cada vez mais frequente o uso
do termo lazer nos discursos políticos, destacando principalmente as práticas consideradas
saudáveis como forma de combate ao ócio - considerado um perigo social.
O lazer se constituiu, aos poucos, como um instrumento de disciplina e organização da
sociedade, voltado ao ajustamento e a educação social, fato que pode ser observado através da
150
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Esporte: políticas públicas. São Paulo: Autores
Associados, 2001, p. 91. 151
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e Esporte: políticas públicas. São Paulo: Autores
Associados, 2001, p. 11. 152
MARCELLINO, Nelson Carvalho; SAMPAIO, Tania Mara V.; CAPI, André Henrique C.; SILVA,
Débora A. M. Políticas Públicas de Lazer Formação e Desenvolvimento de Pessoal. Curitiba: Print,
2007, p. 11-12.
109
análise das formas de controle dos usos diversificados do “tempo livre”, que na época passa-
ram a ser substituídos por formas de lazer institucionalizadas. Ao aproximar as propostas de
lazer de valores e interesses relacionados à saúde, à moral e à higiene, a área logo se aproxi-
mou das discussões vinculadas à Educação Física, o que justifica em grande parte a presença
maciça dos profissionais desta área, até os dias de hoje, no âmbito do lazer153
.
De forma bastante paradoxal os usos do tempo livre dos trabalhadores começaram a se
relacionar com as formas de lazer institucionalizadas, instaurando-se assim uma discussão em
torno do lazer mais adequado, melhor e verdadeiro, a construção de uma verdade capaz de
justificar o lazer como um valor social imprescindível.
O que se conclui é que o direito de propriedade e os direitos do consumidor
sobrepõem˗se aos direitos sociais dos cidadãos, e o lazer torna˗se acessível apenas para uma
minoria, apresentado como um tipo muito específico de propriedade.
Como a liberdade e autonomia são realidades intangíveis no Capitalismo, caberá às
políticas públicas de lazer promover a possibilidade de questionamento dos modelos de lazer
pautados no controle, no assistencialismo e no consumo. É fundamental pensar também em
um tempo no qual a população possa usufruir de atividades que colaborem na construção de
sua criticidade, na apuração de um gosto estético e de um senso ético que supere os modelos
prontos veiculados pela sociedade do consumo.
3.3.1 Propostas de Políticas Públicas para práticas de Lazer
As políticas públicas podem ser realizadas através de ações afirmativas, estas são
políticas focadas na alocação de recursos em benefício de pessoas e grupos discriminados e
vitimados pela exclusão sócio-econômica que tem como objetivo combater discriminações
éticas, raciais, religiosas, de gênero, com o objetivo de aumentar a participação de minorias
no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais e em atividades
culturais e de lazer, são conceituadas por Joaquim Benedito Barbosa Gomes como:
[...] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas à discriminação racial, de
gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir
ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo
153 MARCELLINO, Nelson Carvalho; SAMPAIO, Tania Mara V.; CAPI, André Henrique C.; SILVA,
Débora A. M. Políticas Públicas de Lazer Formação e Desenvolvimento de Pessoal. Curitiba: Print,
2007.
110
por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso aos bens
fundamentais como a educação e o emprego154
.
As ações afirmativas possuem como finalidade a eliminação de discriminações,
desigualdades e injustiças. Portanto são instrumentos que devem ser utilizados na defesa e
efetivação de práticas de lazer, promovendo a realização de atividade nos espaços coletivos.
Estas ações devem ser exigidas, exaltadas e materializadas com o crescente
comprometimento da sociedade, em caráter compartilhado, através de adoção de
comportamentos, atitudes e políticas. O exercício criativo e participativo deve embasar a
formulação das práticas afirmativas.
As ações afirmativas são medidas temporárias que contribuirão à proporção que
dinamizam o processo de equalização das condições dignas de existência, colaborando para a
concretização dos Direitos Fundamentais, dentre eles o direito ao lazer.
Apresenta-se algumas propostas de ações afirmativas, com o objetivo de inclusão
daqueles que não têm acesso a opções a espaços de lazer, ou medidas de incentivo ao lazer
que são necessárias e urgentes para a realização deste direito, e concomitante defesa dos
princípios da dignidade e da humanidade do trabalhador:
- Prática de um salário mínimo que possibilite, além da compra de alimento, vestimenta,
moradia, transporte, a possibilidade de práticas de lazer como viagens (ao menos uma por
ano), idas ao cinema (ao menos uma a cada quinze dias), compra de livros, acesso a filmes,
enfim um salário que propicie a aquisição de itens de entretenimento e lazer;
- Projetos de urbanização para a construção de parques em todos os bairros e nestes devem
conter arborização, jardinagem, espaços de leitura, passeio, repouso, passeio com animais,
práticas de exercício, quadras de futebol, voleibol, basquetebol com a possibilidade deste
espaço vir a ser usufruído e “protegido” pela população e ente público local;
- Todos os condomínios residenciais particulares e, principalmente os financiados pelo
Programa Minha Casa Minha Vida devem possuir espaço para área de lazer, com parques
infantis e espaços para caminhada, leitura, prática de esportes;
- Concessão de transporte público suficiente, confortável e com preço acessível,
proporcionando tranquilidade e dignidade aos trabalhadores que se deslocam até o ambiente
de trabalho e quando retornam às suas casas, neste momento podem ouvir música, ler um
livro/revista;
154
GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. O debate constitucional sobre as Ações Afirmativas.
Disponível em: http://www.mundojuridico.com.br. Acesso em: 15 nov. 2013.
111
- Incentivo financeiro para a efetivação de projetos culturais como a apresentação de peças
teatrais, corais, bandas musicais, salas para a apresentação de filmes e documentários,
bibliotecas públicas, museus;
- Promoção de concursos culturais para premiação de trabalhos artísticos como pinturas, letras
de música, apresentações musicais, livros infantis, livros de ficção; e
- Fiscalização, repúdio ao trabalho infantil e construção de escolas integrais suficientes para
crianças cujos pais trabalham, nestas escolas devem ser ofertadas alimentações e atividades
lúdicas que possibilitem o desenvolvimento físico e mental das mesmas.
Acredita-se que há possibilidade de elaboração e exploração de inúmeras outras
propostas, para incentivo ao lazer, no entanto a intervenção do Estado para a realização das
mesmas é fundamental.
A importância da pró-atividade na implantação destas e de outras propostas por parte
do Estado reside na valorização do trabalho e do trabalhador, visto que estas ações
possibilitariam o reconhecimento, compensação, e retorno a contribuição que o homem que
trabalha prestou e presta a sociedade.
Enfatiza-se que estas propostas necessitam da potencialização do comprometimento
coletivo para sua realização, todos devem estimular e incentivar a adoção de medidas que
colaborem com as práticas de lazer. Quando cita-se o comprometimento coletivo se insere a
importância da participação dos trabalhadores, família, empresa e Estado.
Declara-se a importância de todos os agentes na realização do direito ao lazer, para
efetivação do princípio da dignidade e da humanidade, incluindo da função social da empresa
e na sua colaboração a este processo, tema que será tratado a seguir.
3.4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E AS PRÁTICAS DE LAZER
No contexto da globalização as empresas se apresentam como agentes influentes e
determinantes, de acordo com Ulrich Beck:
[...] o aparecimento da globalização permite aos empresários e suas
associações a reconquista e o pleno domínio do poder de negociação que
havia sido politicamente domesticado pelo Estado do bem-estar social
capitalista organizado em bases democráticas. A globalização viabilizou algo
que talvez já fosse latente no capitalismo, mas ainda permanecia oculto no
seu estágio de submissão ao Estado democrático do bem-estar, a saber: que
pertence à empresa, especialmente àquelas que atuam globalmente, não
apenas um papel central na configuração da economia, mas a própria
112
sociedade como um todo – mesmo que seja “apenas” pelo fato de que ela
pode privar a sociedade de fontes materiais (capital, impostos, trabalho).155
Para o autor, a economia globalizada extingue os fundamentos do Estado e da
economia nacional, se chocando com a desestruturação do Estado moderno. Para Beck, o
aparecimento da globalização acabaria com as bases sindicais e com o Estado nacional, pelo
desmantelamento do aparelho e da tarefa do Estado com vistas à “concretização da utopia
anarco-mercadológica do Estado mínimo”156
. As empresas ganham papel relevante nesse
contexto, com destaque sua função social.
O conceito de função social, como entende-se atualmente, foi formulada pela primeira
vez por São Tomás de Aquino, quando afirmou que os bens apropriados individualmente
teriam um destino comum, que o homem deveria respeitar.157
Uma das doutrinas filosóficas que fundamentou as mudanças do século XIX foi o
racionalismo, concepção segundo a qual a razão era o centro de todas as ações humanas. A
expressão descarteana “penso, logo existo” demostra bem a visão de ser humano racional.
No campo econômico, a Revolução Industrial caracterizou-se pela liberdade como
fundamento da organização econômica, o mercado era regido por uma força invisível que
regulava o funcionamento da economia no âmbito interno e externo.158
Surgiram alterações na
ordem social, formando-se novas classes sociais: a burguesia, os detentores dos meios de
produção, e os trabalhadores.
Em vista dessas transformações, os institutos jurídicos daquela época foram
fortemente marcados por um espírito de liberdade ilimitada.159
No direito civil, o pressuposto
de que o ser humano tem uma racionalidade ilimitada gerou a igualdade formal entre as partes
contratantes; todos os seres humanos são dotados de razão, sendo plenamente capazes de
cuidarem da sua própria vida por meio da deliberação racional. Tomando como pressuposto
que o ser humano quer o seu próprio bem.
155
BECK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 14. 156
BECK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 1999, p. 16. 157 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato: conceito e critérios de aplicação.
Brasilia: Revista de Informação Legislativa, a. 42 n. 168 out./dez, 2005. 158
SMITH, Adam. Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações. São Paulo:
Hemus, 1981. 159 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato: conceito e critérios de aplicação.
Brasilia: Revista de Informação Legislativa, a. 42 n. 168 out./dez, 2005.
113
Essa liberdade conferida pela racionalidade ilimitada, quando exercida em matéria
contratual, revelou-se inviável para o convívio social, porque muitos abusos foram praticados
pelo exercício estrito da mesma. O exemplo destacado no período foi o modo como eram
celebrados os contratos de emprego, por meio dos quais se escravizavam os trabalhadores
com jornadas enormes a baixíssimos salários e condições de trabalho desumanas.
O jurista e político Karl Renner elaborou o conceito de função social. Renner definiu
que a função social de um instituto seria o reflexo da função econômica neste âmbito.
Qualquer processo econômico que observo isoladamente do ponto de vista
técnico é por sua vez uma parte da totalidade do processo social de produção
e reprodução, separado pelo pensamento. Se esse processo for visto em
conjunto, a função econômica torna-se função social do instituto jurídico.160
Portanto, para Renner, função deve ser analisada abrangendo não apenas as partes,
mas a sociedade para que a função econômica torne-se função social.
Contudo, na Constituição da Alemanha de 1919, o conceito de função social assumiu
outra proporção. O artigo 153 da Constituição Alemã de 1919 dispunha o seguinte:
Art. 153. A Constituição garante a propriedade, cujo conteúdo e limites serão
fixados pela lei. [...] A propriedade obriga. Seu uso constituirá, também, um
serviço para o bem comum.
Ao falar-se que “a propriedade obriga”, estabeleceu-se ao proprietário a necessidade
de cumprir a determinados deveres – no caso, um serviço – em consonância com a sociedade.
O direito não pode ser um fim em si mesmo; está a serviço da proteção da dignidade da
pessoa humana e do bem estar social.
Outro jurista que estudou a função social foi Leon Duguit, expoente do sociologismo
jurídico. Duguit encontrava na solidariedade a explicação de todos os fenômenos de
convivência. O ser humano não seria auto-suficiente, o que ensejaria uma interdependência
inevitável. A atividade particular de cada ser humano deveria harmonizar-se com as atividades
dos demais, resultando numa divisão geral do trabalho. 161
Duguit sustentava que as transformações pelas quais o direito civil passa, levariam a
uma alteração dos conceitos jurídicos tradicionais. Lecionava que todo ser humano teria uma
função social a desempenhar e deveria desenvolver sua individualidade física, moral e
intelectual, enfim, deveriam desenvolver toda a potencialidade. No mesmo sentido, ao falar da
160 RENNER, Karl. Gli istituti del diritto privato e la loro funzione sociale. Bologna: Il Mulino, 1981,
p. 49. 161
DUGUIT, Leon. Derecho subjetivo y la función social. Las transformaciones del derecho (público
privado). Tradução de Carlos Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975.
114
propriedade, disse que essa não seria um direito absoluto. A propriedade assumiria condição
indispensável para o desenvolvimento e notoriedade da sociedade e, portanto, a propriedade
não seria um direito, mas uma função social.162
Ele também criticava a forma pela qual o direito protegia a propriedade, unicamente
individualista e que não se preocupava com o exercício legítimo desse direito, o que
provocava um uso pouco evoluído da propriedade na sociedade, permitindo-se a existência de
propriedades usadas para especulação comercial, com finalidade unicamente financeira.163
O significado de função social como finalidade social está caracterizado no art. 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil164
, o qual dispõe que “na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
O instituto da função social constitui em um meio de se exigir que se cumpra o que
está disposto em lei e que se resolvam interesses em conflito. Permite-se o exercício de
determinado direito, mas pode-se exigir que esse exercício seja socialmente útil. Portanto,
nesse sentido, a essência do termo “função social” implica compensação, a qual se dá por
meio da realização de deveres de ação ou de abstenção por parte do titular de um direito
subjetivo.
A Constituição Federal tem normas que estabelecem qual o conteúdo da função social
da propriedade urbana e rural:
Artigo 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
O Código Civil165
, artigo 1228, parágrafo 1º, ao tratar da função social da propriedade,
exige que o exercício do direito de propriedade seja compatível com a preservação da flora,
162
DUGUIT, Leon. Derecho subjetivo y la función social. Las transformaciones del derecho (público
privado). Tradução de Carlos Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975. 163 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 164
BRASIL. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm. Acesso em: 19 dez. 2014. 165
BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em:
115
fauna, belezas naturais, equilíbrio ecológico, patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.
Impõem-se limites ao direito do empresário, como o dever de não ferir a dignidade dos
trabalhadores, nem prejudicar a concorrência, o consumidor ou o meio ambiente de forma
indiscriminada. O conceito de função social da propriedade fica, pois, absorvido pelo conceito
de função social da empresa.
A função social também significa “responsabilidade social”. Nesse caso, que aparece
relacionado à função social da empresa, é o da atribuição de deveres não relacionados com as
suas atividades, tais como auxiliar na preservação da natureza, no financiamento de atividades
culturais, ou no combate de problemas sociais, no auxílio ao desenvolvimento da região em
que atua.
Entende-se que o principal objetivo de uma empresaria é gerar renda e riqueza para a
sociedade, propiciando o crescimento de todos, através da produção, distribuição de seus pro-
dutos e consequentemente, a criação de empregos e o pagamento de tributos, sendo esta a sua
função social.
A empresa deve exercer sua função social na região em que está localizada, ou seja,
esta deve devolver a comunidade parte de seus ganhos e compensar os danos causados (polui-
ção, desmatamento). Esta deve identificar os principais problemas regionais e propor soluções
para os mesmo, também tem como função a proposição de ações que tragam resultados soci-
ais.
Na legislação brasileira observa-se algumas disposições da função social. Uma dessas
disposições é o da “função social da propriedade”, que está previsto na Constituição Federal
de 1988 nos artigos: artigo 5°, XXIII como limitador da propriedade; artigo 170 como princí-
pio da ordem econômica e social; artigo 186 ao tratar dos critérios e exigências da função
social da propriedade rural.
O exercício da empresa deve se ater aos parâmetros constitucionais que regem o exer-
cício da atividade econômica. O artigo 170 da Constituição Federal serve como norteador do
que se deve entender por função social da empresa.
Sendo a empresa a detentora dos meios de produção e a beneficiária dos lucros, cabe a
esta exercer a função social. Neste diapasão, comenta Fabio Konder Comparato:
[...] O princípio da função social da propriedade ganha substancialidade pre-
cisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 19 dez. 2014.
116
disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compro-
misso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual os efeitos do princí-
pio são refletidos com maior grau de intensidade é justamente a propriedade,
em dinamismo, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à fun-
ção social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função
social da empresa166
.
A função social da empresa é justificada pelos seus fins, seus serviços e suas atribui-
ções. Esta atua como fonte de imposição de comportamentos positivos, prestação de fazer,
ações que gerem benefícios à sociedade.
Tendo em vista que a empresa possui atividade determinada, esta passou a ser uma
instituição social, vez que provê grande parte dos bens e serviços da sociedade e dá ao Estado
importante parcela das suas receitas fiscais. Também possui elevado grau de desenvolvimen-
to, importância e influência e por isso se faz necessária.
A empresa é ainda, responsável pelo emprego de grande parcela da comunidade onde
está inserida, caracterizando-se assim como uma das garantias fundamentais do sustento, ge-
ração e circulação de renda, bens e capitais da sociedade.
Deve-se destacar o tratamento do trabalhador de uma empresa ou sociedade. Além de
salários justos e estar adequado à legislação trabalhista, é preciso cuidar do bem estar dos seus
funcionários, proporcionando um ambiente de trabalho agradável, preocupação com a saúde
do trabalhador e da sua família. De encontro com este preceito, apresenta-se algumas propos-
tas às empresas para a prestação da função social que é a ampliação e eficácia da utilização do
tempo livre:
- Conceder salários que propiciem aos funcionários uma vida digna, sendo suficiente para
compra de vestimentas, moradia, transporte, alimentação, educação e atividades de lazer;
- Abolição de horas extras, principalmente as não remuneradas, e abolição do banco de horas.
Quando necessário trabalho além do horário, aumentar o quadro de funcionários, colaborando
também com a diminuição do desemprego;
- Diminuir a intensidade do trabalho, colaborando assim com a efetivação de um trabalho de-
cente e digno;
- Criação de espaços de lazer, ambientes onde o trabalhador pode refugiar-se, um ambiente à
parte do ambiente de trabalho onde se possa exercer seu lado humano conversando com um
amigo, lendo um livro, descansar;
166
COMPARATO, Fabio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. RDM 63. São
Paulo: RT, p. 77.
117
- Possibilidade de visita à empresa, proporcionando que pessoas próximas dos funcionários,
familiares e amigos, possam conhecer o local de trabalho e entender o que é realizado neste
espaço;
- Construção de um ambiente coletivo onde membros da família e amigos tenham livre aces-
so, desta forma, no tempo livre, a mãe pode auxiliar o filho no dever de casa, pode dialogar
com um amigo, pode receber alguém para tratar assunto particular;
- Realização de eventos festivos a cada sessenta dias para que haja estreitamento de relacio-
namento entre os colegas de trabalho e suas famílias, e desta forma se identifiquem mais com
o que fazem se sentindo mais à vontade no dia-a-dia de trabalho;
- Propõe-se que, além da obrigatoriedade de distribuição de cestas básicas e vale transportes,
disponibilizar aos funcionários livros, DVDs de filmes e documentários, CDs de músicas,
ingressos para cinema, peças de teatro, musicais, shows de mágica, ingressos de circo, enfim,
incentivo a atividades culturais e recursos para contribuir com ações laborais e cotidianas
mais criativas e prazerosas;
- Também é possível que as empresas exerçam a sua função social através de incentivos fi-
nanceiros contribuindo com a construção e preservação de praças de lazer, quadras esportivas,
construção de bibliotecas, patrocinar contadores de histórias, publicação de livros, gravação
de CDs, reflorestamento para melhora de vida dos habitantes e caminhadas ecológicas.
O trabalho deve ser tratado com primazia, na forma do artigo 193 da Constituição
Federal. Ou seja, na ordem econômica, o trabalho não pode ser simplificado e reduzido a
expressões monetárias, fazendo do homem trabalhador uma mera engrenagem da produção.
Desde o nascimento do controle capitalista do processo de trabalho, este não é
considerado, para grande parte da sociedade, uma atividade livre, auto-determinada, na qual, e
pela qual os indivíduos realizam plenamente as potencialidades inerentes à sua condição
humana. Trabalha-se coagido pelas necessidades, trabalha-se sob o controle de terceiros ou
contra terceiros, para se obter salário e sem ter em vista o desfrute da própria atividade.
As propostas apresentadas objetivam aumentar a liberdade dos trabalhadores, e a sua
humanidade com a finalidade de realização de suas potencialidades, sendo esta também uma
das funções sociais da empresa.
Hodiernamente, quando se trata da função social da empresa deve-se atentar para o
tripé de sustentabilidade, em que os aspectos econômicos, sociais e ambientais precisam
interagir.
118
3.4.1 A função social da empresa em convergência com o tripé de sustentabilidade
O termo “Triple Bottom Line” surgiu na década de 1990 e tornou-se de conhecimento
do mundo em 1997, com a publicação do livro Cannibals With Forks: The Triple Bottom Line
of 21st Century Business de John Elkington, e desde então organizações como o GRI (Global
Reporting Initiative) e a AA (AccountAbility) vêm promovendo o conceito do Triple Bottom
Line e o seu uso em todas as empresas do globo.
A figura a seguir representa as três dimensões do tripé de sustentabilidade e seu im-
pacto direto na organização, que muitas vezes tem que se adaptar a novas realidades e inovar
em seus processos e produtos para que progrida seguindo esses conceitos e seja competitiva.
Neste tripé estão contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem in-
terargir, de forma holística, para satisfazer a formulação. Anteriormente, uma empresa era
sustentável se tivesse economicamente saudável, ou seja, tivesse um bom patrimônio e um
lucro sempre crescente, mesmo que houvesse dívidas. Para um país, o conceito incluía um
viés social. O desenvolvimento teria que incluir uma repartição da riqueza gerada pelo cres-
cimento econômico, seja por meio de mais empregos criados, seja por mais serviços sociais
para a população em geral. Esse critério, na maioria das vezes, é medido pelo Produto Interno
Bruto (PIB) do país, o que para o novo conceito é uma medição limita. A perna ecológica do
tripé trouxe, então, um problema e uma constatação. Se os empresários e os governantes não
cuidassem do aspecto ambiental podiam ficar sem matéria-prima e talvez, sem consumidor,
além causarem danos ambientais.
119
A dimensão econômica da sustentabilidade refere-se aos impactos da organização so-
bre as circunstâncias econômicas de seus stakeholders e os sistemas econômicos nos níveis
local e global. Assim, o desempenho econômico engloba todos os aspectos das interações
econômicas da organização, incluindo as medidas tradicionais usadas na contabilidade finan-
ceira e os valores intangíveis que não aparecem sistematicamente nas citações financeiras.
Essencialmente, a ideia do tripé da sustentabilidade é que as empresas obtenham sua
licença para operar não somente satisfazendo os seus acionistas através de lucros e dividendos
(tripé econômico), mas pela satisfação simultânea de outros stakeholders da sociedade (em-
pregados, comunidades, clientes e outros), através do melhor desempenho nos tripés ambien-
tal e social167
.
Estas três dimensões também são reconhecidas pelo Instituto Ethos168
, fundado em
1998 e referência no mercado brasileiro em responsabilidade social empresarial, que afirma
que o adjetivo sustentável traz ao conceito de desenvolvimento um enorme desafio: conciliar
eficiência econômica, equidade social e equilíbrio ecológico. Conforme Sachs169
, precursor do
termo eco desenvolvimento, acrescenta as dimensões espaciais e a cultural, segundo Sachs :
- Sustentabilidade social – busca o estabelecimento de um padrão de desenvolvimento que
conduza à distribuição mais equitativa da renda, assegurando a melhoria dos direitos das
grandes massas da população e a redução das atuais desigualdades sociais.
- Sustentabilidade econômica – é possível através de inversões públicas e privadas e da aloca-
ção e do manejo eficiente dos recursos naturais para redução dos custos sociais e ambientais.
- Sustentabilidade ecológica – entendida como o aumento ou a manutenção da capacidade de
suporte do planeta, mediante intensificação do uso do potencial de recursos disponíveis, com-
patível com um nível mínimo de deterioração deste potencial; e a limitação do uso dos recur-
sos não renováveis pela substituição por recursos renováveis e, ou, abundantes e inofensivos.
- Sustentabilidade espacial - busca uma configuração urbano-rural mais equilibrada, evitando-
se a concentração da população em áreas metropolitanas ou em assentamentos humanos em
ecossistemas frágeis.
167
SIGMA PROJECT. The SIGMA Guidelines. Disponível em: <http://www.projectsigma.com>.
Acesso em: 16 jul. 2014. 168
INSTITUTO ETHOS. Critérios essenciais de responsabilidade social empresarial e seus
mecanismos de indução no Brasil. São Paulo: Instituto Ethos, 2006. 169
SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São
Paulo: Livros Studio Nobel, 1993.
120
- Sustentabilidade cultural – garantia da continuidade das tradições e continuidade da plurali-
dade dos povos.
Em termos estratégicos, esse modelo propõe que através de um bom gerenciamento do
seu desempenho e dos seus impactos econômicos, ambientais e sociais, as empresas
aumentam o seu valor a curto e longo prazo, bem como criam maiores oportunidades e
reduzem riscos. Sendo evidente também, o ganho da sociedade e dos trabalhadores quando
conjugados os aspectos econômicos, social e ambiental, influenciando diretamente na
consequência de um ambiente de trabalho salubre e até mesmo divertido.
Os pontos a seguir representam o comportamento e as atitudes essenciais que são evi-
denciados nas empresas que buscam gerenciar e reportar de acordo com a linha do tripé da
sustentabilidade170
):
- Aceitação de responsabilidade: o modelo é baseado na concepção de que as empresas são
responsáveis não somente pela geração de valor para os acionistas ou proprietários, mas tam-
bém para os stakeholders.
- Transparência: as empresas têm a obrigação, dentro dos limites comerciais, de ser transpa-
rentes em relação às suas atividades e aos seus impactos, além do desempenho financeiro.
- Operações e planejamento integrados: para a empresa contribuir para a prosperidade econô-
mica (incluindo o retorno aos acionistas), a qualidade ambiental e o bem-estar social, é neces-
sário que essas dimensões sejam refletidas no planejamento estratégico.
- Comprometimento com o engajamento dos stakeholders: a interação com os stakeholders
internos e externos é um processo que informa os objetivos do negócio e é desenvolvido com
base em rigorosa pesquisa e diálogo.
- Avaliação e relatório multidimensional: a análise sistemática e a verificação do desempenho
econômico, ambiental e social, em conjunto com uma comunicação estruturada dos resulta-
dos, são os mecanismos mais frequentes para tornar concreto o que a empresa sustenta como
age e como assume os seus compromissos.
O conceito do tripé da sustentabilidade tornou-se amplamente conhecido entre as em-
presas e os pesquisadores, sendo uma ferramenta conceitual útil para interpretar às interações
170
SUGGETT, D.; GOODSIR, B. Triple bottom line measurement and reporting in Australia: making
it tangible. Melbourne: DPA – Document Printing Australia, 2002.
121
extra-empresariais e, especialmente, para ilustrar a importância de uma visão da sustentabili-
dade mais ampla, além de uma mera sustentabilidade econômica.
De encontro com este conceito deve-se destacar o tratamento do capital humano de
uma empresa ou sociedade. Além de salários justos e estar adequado à legislação trabalhista, é
preciso cuidar do bem estar dos seus funcionários, proporcionando um ambiente de trabalho
agradável, saúde do trabalhador e da sua família. Sendo salutar a análise das consequências da
prática das atividades econômicas nas comunidades, e como podem contribuir para a melhoria
da qualidade de vida das pessoas.
O trabalho deve ser tratado com primazia, na forma do artigo 193 da Constituição Fede-
ral. Ou seja, na ordem econômica, o trabalho não pode ser simplificado e reduzido a expres-
sões monetárias, fazendo do homem trabalhador uma mera engrenagem da produção, conju-
gado ao tripé da sustentabilidade – ganho econômico, social e ambiental – o ganho de quali-
dade de vida do trabalhador encerra o ciclo.
O capital natural de uma empresa ou sociedade é um elemento ambiental do tripé. A-
credita-se que toda atividade econômica tem impacto ambiental negativo. Nesse aspecto, a
empresa ou a sociedade deve pensar nas formas de diminuir esses impactos e repor ou com-
pensar o que não é possível amenizar. Assim uma empresa que usa determinada matéria-
prima deve planejar formas de repor os recursos ou, se não é possível, diminuir o máximo
possível o uso desse material, assim como saber medir a pegada de carbono do seu processo
produtivo. Além disso, deve ser considerada a adequação à legislação ambiental e a vários
princípios discutidos hodiernamente como o Protocolo de Kyoto.
O autor Fritjof Capra171
traz importante contribuição ao tema ensinando que "sustentá-
vel" não se refere somente ao tipo de interação humana com o mundo que preserva ou conser-
va o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras, ou que
visa unicamente à manutenção prolongada de entes ou processos econômicos, sociais, cultu-
rais, políticos, institucionais ou físico-territoriais, mas uma função complexa, que combina de
uma maneira particular cinco variáveis de estado relacionadas às características acima. Capra
exemplifica:
Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos
levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São
problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interde-
171
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix, 1997.
122
pendentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população quan-
do a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies ani-
mais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério Me-
ridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a
degradação do meio ambiente combina-se com populações em rápida expan-
são, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tri-
bal que se tornou a característica mais importante da era pós-guerra fria.172
Para que a sociedade una-se novamente a teia da vida deve construir, nutrir e educar
comunidades sustentáveis, nas quais pode-se suprir vontades e necessidades sem
impossibilitar as chances das gerações futuras. Para realizar essa tarefa, é importante aprender
valiosas lições extraídas do estudo de ecossistemas, que são comunidades sustentáveis de
plantas, de animais e de microorganismos. Para compreender essas lições, é necessário
aprender os princípios básicos da ecologia. Constata-se que este autor valida a necessidade do
tripé, ou seja, a interdependência entre os fatores sociais, econômicos e ambientais.
Em complemento aos ensinamentos de Capra, considera-se também que os operadores
do direito, cientes da fundamentalidade de uma análise sistêmica, elaborem leis condizentes
com o momento da sociedade, visto que o Direito é efetivo não quando opera no plano do
“dever ser” e sim no instante que se relaciona com a realidade da sociedade, ou seja, o plano
do “ser”.
Através desta reflexão, finaliza-se o presente tema convocando o Poder Público, a
sociedade, empresas públicas e privadas, as famílias e todos os homens a assumirem a
responsabilidade em buscar e manter um meio ambiente equilibrado, para o bem de todos e a
preservação da humanidade, não focando apenas o aspecto econômico, visto que atualmente o
enfoque social e ambiental são deixados de lado em detrimento do lucro.
O Tripé da Sustentabilidade demonstra que não só é possível, mas primordial, a
efetivação deste direito conjugado ao desenvolvimento econômico e social, alcançando, desta
forma, o princípio da dignidade da pessoa humana e a manutenção da ordem econômica. O
lazer está inserido nos três aspectos do tripé: econômico – disposição de condições financeiras
para práticas de lazer; ambiental – necessidade de um ambiente saudável e agradável para
práticas de atividades físicas, relaxante e social – todos têm necessidade de tempo disponível
para dispor de momentos de liberdade.
No próximo item serão apresentados alguns instrumentos jurídicos para a garantia do
direito ao lazer. É importante salientar que estes institutos asseguram os direitos do
trabalhador hipossuficiente e são necessários para o cumprimento da função social da
172
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix, 1997, p. 23.
123
empresa.
3.5 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DO DIREITO AO LAZER
Após ser verificada a importância do direito ao lazer no desenvolvimento intelectual,
físico e mesmo na saúde do indivíduo, visto ser um momento essencial para que este possua
qualidade de vida e dignidade, tratar-se-à neste item dos meios pelos quais o direito ao lazer
pode ser concretizado.
Considera-se essencial a participação do Estado, como visto anteriormente, por meio
de Políticas Públicas, também a participação da sociedade, da empresa, da família e do
próprio indivíduo, visto que as garantias e direitos são conquistados através de luta e prática
dos direitos.
Serão apresentadas algumas considerações sobre aspectos relacionados com a
inconstitucionalidade por omissão referente ao direito ao lazer, ação civil pública e algumas
alternativas para a sua concretização dentro das relações de trabalho.
3.5.1 A aplicabilidade dos Direitos Fundamentais
O dispositivo constante no artigo 6º da Constituição Federal se enquadra,
doutrinariamente, como norma programática. De acordo com Alexandre Lunardi173
, embora
haja aparente semelhança, tecnicamente, as definições de aplicabilidade e eficácia são
diferentes. Eficácia diz respeito à capacidade da norma produzir efeitos, e se divide em
eficácia jurídica e eficácia social. Se a norma produz efeitos jurídicos, diz-se que ela possui
eficácia jurídica, bem como, se ela é capaz de produzir efeito no mundo dos fatos, tem-se que
ela possui eficácia social.
Na Constituição Federal, artigo 6º, buscou atingir tanto eficácia jurídica como eficácia
social do direito ao lazer, contudo, para alcançar estas finalidades, é necessária a sua
normatização a qual este direito seria protegido e garantido a sua defesa e aplicabilidade.
O direito ao lazer não se apresenta como norma constitucional auto-executável. Norma
auto-executável é aquela dotada de aplicação imediata, sendo revestida de plena eficácia
jurídica. Esta é considerada como norma não-executável, onde apenas indica princípios, não
sendo dotada de eficácia imediata, exigindo, portanto, providência legislativa para sua
173
LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação
de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008.
124
efetivação.
A Constituição possui cláusulas de valor meramente moral que são considerados
avisos ou lições. Estas não possuem meios de aplicabilidade sendo necessárias ações
legislativas para que esses preceitos sejam efetivados174
.
As normas não-executáveis demonstram uma intenção do legislador em realizar a
mesma, no entanto esta realização não tem aplicação imediata, é uma meta para o futuro, uma
intenção de realização do Estado. Aparentemente observa-se uma norma vazia no que se
refere a sua eficácia, sendo apenas uma sugestão ou recomendação legal.
Nem todas as normas possuem a densidade que as tornem aptas a serem aplicadas de
forma imediatamente. O que se verifica é que as constituições atuais são essencialmente
compostas por normas programáticas. É essencial que estas normas possuam aplicabilidade
imediata, para que não ocorra o rompimento com a estrutura constitucional do Estado
Democrático de Direito.
Flávia Piovesan afirma que as normas programáticas são elementos sócio-ideológicos
que caracterizam a Constituição. Portanto o Poder Público tem o dever de estabelecer
programas constitucionais de ação social, a serem desenvolvimentos tendo como base a
atuação integrativa da vontade constituinte e os valores sociais, tendo como fim a justiça
social. Por isso a fundamentabilidade das Políticas Públicas e sua adequação a realidade social
e necessidades da sociedade175
.
Portanto, a inobservância da norma programática é um descumprimento da
Constituição Federal e, consequentemente, inconstitucional. Deve-se verificar também a
essencialidade destas normas, foi tratado em todo o texto da importância do direito ao lazer
em vários aspectos como o desenvolvimento socioeconômico, sendo inadmissível que este
direito não seja realizado e garantido.
Deve-se enfatizar o parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição Federal, este determina
que todas as normas de direito fundamental, possui aplicabilidade imediata, sendo o direito ao
lazer Fundamental Social, confirma-se que esta norma se aplica ao mesmo.
Para o jurista Paulo Bonavides todas as constituições são necessariamente abstratas e
genéricas, no entanto estas devem ser asseguradas, visto que as generalidades e abstrações não
lhes retira a natureza de prescrições jurídicas eficazes:
174 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª ed. rev., atual., e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61. 175 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª ed. rev., atual., e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 68.
125
As declarações constitucionais, quer quando postas de maneira sistemática,
com rigor técnico, quer quando esparsas ou difusas no texto do instrumento
constitucional, formam indubitavelmente a categoria mais abstrata e
genérica das normas programáticas, aquelas cujo teor aparentemente mais
filosófico que jurídico tem provocado tenaz impugnação de alguns
constitucionalistas (entre estes, na velha doutrina constitucional francesa,
Esmein e Carré de Malberg), obstinados em não reconhecer-lhes natureza e
eficácia de prescrições jurídicas176
.
O princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais precisam ser expandidos, por todo o texto constitucional, sendo redundante
tratar de Direito Fundamental e sua aplicabilidade.
Pode até ser inexigível a aplicabilidade instantânea da norma constitucional
programática, contudo, é necessário e possível exigir ao Poder Legislativo um cronograma de
prestação da atividade, como observa-se com a política agrícola no artigo 187, ou então da
prestação de saúde pública, nos artigos 197 e 198 da Constituição Federal.177
Diante da inexistência de uma normatividade mínima após 20 anos de Constituição,
não se verifica ações do Poder Público, através de Políticas Públicas ou mesmo fiscalização
do exercício deste direito no dia a dia.
3.5.2 Inconstitucionalidade por omissão
A Constituição Federal, de 1988, é instrumento primordial para a concretude de alguns
direito, entre eles o direito ao lazer, com Zeno Veloso a Constituição deve possuir efetividade
e seus preceitos devem ser realizados:
Para que não se transformasse num patético 'catálogo de intenções', deixando
de ter aplicabilidade por causa da inércia ou da resistência do legislador e
das autoridades incumbidas de editar leis ou ato reguladores de normas
constitucionais que careçam destas providências, a Carta Magna tem alguns
preceitos e instituiu um mecanismo de defesa com vistas a garantir a
obediência a seus comandos, objetivando conferir efetividade a seus
propósitos e dar concretitude a seus princípios. Se a Constituição formal ou
escrita não se transformar numa Constituição viva e real, não terá passado de
uma 'folha de papel'. E não são poucos os espíritos retrógrados e passadistas
que sonham com isto178
.
O controle jurisdicional de constitucionalidade pode atuar quando houver omissão
176
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 246. 177 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação
de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008. 178
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2ª. ed. rev. atual. e amp. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 247.
126
legislativa e referir-se ao direito ao lazer, sendo este um Direito Fundamental Social,
conforme consta no na Constituição Federal de 1988, artigo 6º, caput.
O autor José Afonso da Silva define a inconstitucionalidade por omissão nos casos em
que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar
plenamente aplicáveis normas constitucionais179
.
A inconstitucionalidade por omissão tem origem quando uma norma constitucional
depende de lei ou de interferência administrativa para que o direito seja exercido. A
responsabilidade pela realização destes atos é do Poder Público e a responsabilidade pela
omissão pode recair tanto para o Poder Legislativo como para o Poder Executivo.
Em teoria, a configuração da inconstitucionalidade por omissão ocorre de maneira
simples. Na inconstitucionalidade por omissão um direito não se efetiva em decorrência do
legislador que não incluiu a lei necessária para proteção deste direito, ou o administrador que
não protegeu administrativamente a aplicação do direito.
Esta omissão é constatada de forma clara quando a Constituição determina um prazo
para que determinada lei ou ato normativo seja editado para que um direito constitucional se
torne realizável. De acordo com Anna Candida, quando a norma é programática dirigida, esta
nem sempre tem aplicabilidade imediata:
Em se tratando de normas programáticas dirigidas, por exemplo, à ordem
econômica e social em geral, e que nem sempre têm ou podem ter uma
integração legislativa imediata, a caracterização de inércia legislativa, no
tempo, não é de fácil solução. É claro que é necessário um lapso, por
exemplo, o decurso de uma legislatura, para que tal possa ser verificado.
Impõe-se, portanto, a adoção de mecanismos e providências para solucionar,
do modo mais eficaz possível, o problema180
.
José Afonso da Silva relaciona a omissão constitucional com a omissão de prestação
de direitos sociais. Não havendo a prática do Poder Público de atos legislativos nem atos
administrativos essenciais a dignidade do ser humano, tem-se a possibilidade de interposição
da ação de inconstitucionalidade por omissão, tendo em vista ser um dever do Estado a
garantia destes direitos181
.
Existe estreita relação da omissão inconstitucional com os direitos sociais previstos no
artigo 6º da Constituição Federal. Estes aspectos de concretude das normas constitucionais
179
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001,
p. 47. 180 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição. São Paulo:
Max Limonad, 1986, p. 221. 181 Apud SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 48.
127
encontram maior importância no que refere aos direitos sociais, uma vez que elas possuem um
forte caráter programático, estas estabelecem não só direitos, mas também traçam o objetivo e
o fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo que a sua concretização só poderá
ocorrer após uma intensa prática do Legislativo e do Executivo.
A garantia dos Direitos Sociais é fundamental para a efetivação da democracia no
plano econômico, social e político, sendo violado este direito há quebra de princípios
primordiais da Constituição brasileira.
Paulo Bonavides demonstra a estreita relação que existe entre as normas
constitucionais e dos direitos fundamentais com os direitos sociais:
Não se deve por outro lado, esquecer que a programaticidade das normas
constitucionais nasceu abraçada à tese dos direitos fundamentais. Os direitos
sociais, revolucionando o sentido dos direitos fundamentais, conferiu-lhes
nova dimensão, tendo sido inicialmente postulados em bases
programáticas182
.
Em um primeiro momento os Direitos Sociais foram compreendidos como normas
programáticas e hodiernamente devem ser considerados como normas de aplicabilidade
imediata, estando atrelado a realização da dignidade da pessoa humana e também a garantia
do Estado Democrático de Direito, o direito ao lazer encontra-se no rol de essencialidade e
imediatidade.
Portanto, há o desafio de conciliar dignidade humana, lazer, qualidade de vida e
trabalho, e para que esta conciliação seja possível, é necessária a aplicação imediata destes
direitos. No entanto, como já comentado, este é um dever do Estado, através principalmente
de Políticas Públicas, da empresa através da sua função social, da sociedade que deve exigir e
lutar para a realização de seus direitos e do indivíduo que deve valorizar o lazer e exercê-lo.
3.5.3 Instrumentos Constitucionais para garantia do Direito ao Lazer
Para evitar que a violação dos direitos e garantias possam ocorrer por omissão dos
Poderes, o legislador constituinte apresentou a ação de inconstitucionalidade por omissão para
casos de questionamento do direito em questão, bem como o mandado de injunção para casos
concretos de violação do direito.
A ação de inconstitucionalidade por omissão é prevista em nossa Constituição Federal,
ao lado da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade,
182 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 246.
128
no artigo 103, parágrafo 2º, a seguir:
Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida
para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de
órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
O objetivo da ação direta de inconstitucionalidade é buscar a realização plena de todas
as normas constitucionais, não permitindo que o legislador e o Estado prejudiquem ou
omitam-se a esta realização. Para Michel Temer a finalidade desta ação é a realização, na sua
plenitude, da vontade da Constituição. Nenhuma norma constitucional deixará de atingir a
eficácia plena, para Temer, mesmo as normas programáticas não podem deixar de serem
protegidas em razão da inércia do legislador. O que deve-se objetivar é que a omissão do
legislador não impeça a concretização de direitos constitucionalmente previstos.183
Para Alexandre Lunardi, o que torna a ação direta de inconstitucionalidade ineficiente
na prática, é o fato da Constituição não ter outorgado expressamente ao Supremo Tribunal
Federal, o poder de obrigar o Poder Legislativo a legislar sobre o direito sob o qual a omissão
legislativa foi configurada após um processo judicial, considerando o mesmo para o Poder
Executivo184
.
Atualmente, o resultado de uma ação de inconstitucionalidade por omissão é apenas
transmitir a informação ao Poder respectivo, tanto Legislativo como Executivo, da omissão
praticada. Isso ocorre em razão, de acordo com José Afonso da Silva, da proteção do princípio
da discricionariedade do legislador, que estabelece que o momento para a prática do ato é uma
decisão política do Poder em questão, não podendo, portanto, ser permitido que outro Poder
realize esta interferência sob a pena de violação do artigo 2º da Constituição Federal que
estabelece os Poderes da União como harmônicos e independentes entre si185
.
Conforme disposto na Constituição Federal, artigo 5º, § 1º os direitos fundamentais
possuem aplicabilidade imediata, o que leva à consideração de que existe um reforço no que
se refere à intenção do legislador em relação à "exigência do efetivo cumprimento das normas
constitucionais". Toda norma constitucional deve ser cumprida, essencialmente as normas de
direitos fundamentais.
Flávia Piovesan afirma que compete ao legislador, em razão de ser o destinatário de
183 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 17ª ed. rev. amp. São Paulo: Malheiros, 2001,
p. 51. 184 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação
de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008. 185
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001,
p. 48.
129
inúmeras normas constitucionais, o dever de proceder em tempo razoável à concretização dos
direitos fundamentais, sob o risco de inconstitucionalidade por omissão; o dever de se mover
para garantir esses direitos, sendo proibido reduzir a força normativa imediata destas normas à
mera força normativa de lei, bem como, não atuar de forma a criar normas materialmente
incompatíveis aos direitos fundamentais186
.
3.5.4 Mandado de Injunção
No mesmo sentido da ação de inconstitucionalidade por omissão, há no plano
individual, o mandado de injunção. Assim prevê a Constituição Federal: “Artigo 5º - LXXI -
conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania".
No tocante à finalidade do mandado de injunção, observa-se que se assemelha com a
ação de inconstitucionalidade por omissão. Os dois institutos intentam garantir um direito
constitucionalmente previsto, mas que não encontra exigibilidade em decorrência da ausência
de lei ou ato normativo.
A diferença entre as duas ações é que a ação de inconstitucionalidade por omissão é
genérica, intentada abstratamente contra o Poder Público, podendo ser proposta, inicialmente,
apenas perante o Supremo Tribunal Federal. Diferentemente, o mandado de injunção é
utilizado na busca concreta da possibilidade de exercício de um direito, constitucionalmente
previsto, inviabilizado por falta de norma regulamentadora, devendo existir uma decisão que
satisfaça as partes187
.
Quanto à prática do mandado de injunção, segundo a doutrina, em alguns casos o
judiciário estabelece um prazo para o legislador regulamentar o direito sob a pena do Poder
Judiciário aplicar imediatamente o direito, em caso de recalcitrância:
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, inspirado na experiência germânica,
adotou, em sede de mandado de injunção, a solução de, em determinadas
hipóteses, considerar suprível a omissão e, como consequência, estipular
prazo para que o legislador dê cumprimento à imposição constitucional,
removendo o estado omissivo. Na hipótese de o legislador não cumprir o
dever constitucional de legislar em tempo, dar-se-á, segundo a prática
186 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 107. 187 VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2ª. ed. rev. atual. e amp. Belo
Horizonte: Del Rey, 2000, p. 263.
130
legitimada pelo Tribunal, aplicação imediata ao preceito constitucional188
.
O mandado de injunção possui eficácia declaratória, uma vez que são reduzidas as
hipóteses em que o Tribunal concede o direito imediatamente até a superveniência da norma
reguladora. Por esta razão, não se encontra grande utilização destes institutos na defesa do
direito ao lazer. Um maior impedimento reside na dificuldade em definir o que seria no plano
individual o direito de pleitear a omissão da regulamentação do direito ao lazer.
Conforme Marcelo Cattoni189
, o Mandado de Injunção é uma garantia constitucional
processual do exercício de direitos constitucionais, inviabilizado por falta de norma regula-
mentadora. O mesmo autor complementa:
[...] a falta de norma regulamentadora pode viabilizar o exercício dos direitos
e não as normas que prescrevem ou “definem” esses direitos. Isso, inclusive,
porque a Constituição fala em “falta de norma regulamentadora que torne
inviável o exercício de direitos constitucionais” (artigo 5º, LXXI) e ao mes-
mo tempo, ao explicitar o seu caráter vinculante, determina a “aplicação i-
mediata” das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (artigo
5º, parágrafo 1º) expressos, implícitos ou decorrentes. (artigo 5º, parágrafo 2º)
É pois, necessário, distinguir a “definição dos direitos (seu caráter prima fa-
cie) do seu “exercício” (o caráter definitivo das normas que irão reger, em
cada caso, esse último), como base na diferenciação avançada, no marco do
Estado Democrático de Direito, entre discursos de justificação e discursos de
aplicação. O que quer dizer, pois, que a atividade realizada pelo poder judi-
cipario em sede de MI, não deve ser compreendida, como o foi pela doutrina
da tutela do exercício dos direitos no limite do possível, como sendo legisla-
tiva, mas de regulamentação, e regulamentação para o caso concreto. Tal ati-
vidade não deve ser, portanto, compreendida como sendo de justificação,
mas de aplicação do Direito. Diante disso, garantir processualmente, através
do Mandado de Injunção, o exercício de direitos constitucionais, cujo exer-
cício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora, consiste em a-
plicar diretamente a norma constitucional definidora de um direito a um caso
concreto, estabelecendo como esse direito deverá ser exercido. Tal ação de-
verá ser julgada através de um procedimento jurisdicional especial. Mas es-
pecial em que sentido? No sentido de que o Mandado de Injunção é uma a-
ção especial que visa à tutela de direitos constitucionais, cujo exercício está
inviabilizado por falta de norma regulamentadora.190
O autor esclarece que a decisão concessiva do Mandado de Injunção possui efeitos
declaratórios, constitutivos e, acrescenta também, efeitos condenatórios, sendo um
instrumento constitucional próprio para, no caso concreto, resolver a polêmica da existência
de norma regulamentadora, que inviabiliza a prática do direito ao lazer.
188 LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 85. 189 CATTONI, Marcelo Andrade. Tutela Jurisdicional e Estado democrático de direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998, p. 184. 190 CATTONI, Marcelo Andrade. Tutela Jurisdicional e Estado democrático de direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998, p. 185-186.
131
O Mandado de Injunção deverá ser impetrado por um cidadão (ou um conjunto de
cidadãos) sempre que a ausência dessa norma regulamentadora tornar inviável o exercício do
direito ao lazer, ou seja, sempre que inexistirem normas tendentes a regulamentar as
circunstâncias que tornem possíveis o exercício dos anseios dessa comunidade em relação ao
lazer. O exercício jurisdicional será o de regulamentar estas circunstâncias, de forma a criar
condições que permitam, no caso concreto, o exercício do direito ao lazer.
Pode-se citar uma situação que, se aparecessem em demandas judiciais, serviriam
como exemplos pragmáticos, como a inviabilidade de acesso de pessoas carentes (como o
caso dos praticantes dos “rolezinhos”), de baixa renda, que vivem abaixo da linha da miséria
em shows musicais, peças de teatro, jogos de futebol, causada pelo alto custo dos ingresso, ou
a dificuldade em locomoção. A barreira de acesso nesses locais é maior quando há grande
procura pelos ingressos, como os jogos da Copa do Mundo de Futebol no Brasil (realizada no
ano de 2014), shows internacionais e espetáculos musicais.
A inexistência de norma que regulamente esta condição, de encontro com a
disponibilização de quantidade de vagas para essa camada da população, sem condições
financeiras de participar destas opções de lazer, inviabiliza o exercício da prática deste direito.
Para Alexandre Lunardi o proveito individual deste direito seria relacionado muito
mais com um reflexo de políticas públicas, do que uma prestação direta do Poder Público ao
cidadão. Para o mesmo autor é possível imaginar uma requisição de um portador de
necessidades individuais, que não vê o seu direito ao lazer efetivado em razão da falta de
acesso a um parque público, por omissão da administração na construção de rampas, por
exemplo. Este seu direito deveria, ser efetivado imediatamente, mas sem a vinculação da
decisão à atuação da administração estabelecendo a obrigação de realizar a obra, torna
impossível o seu exercício, ainda que exista decisão judicial favorável ao autor191
.
3.5.5 A Ação Civil Pública
O desenvolvimento tecnológico e social não afastou a exclusão social, as desigualda-
des econômicas e as dificuldades experimentadas tendo que ser necessário estabelecer por
meio de normas, regras que possam garantir a igualdade dos trabalhadores e o e a utilização
do tempo livre para desenvolvimento pessoal.
191 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação
de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008.
132
Todavia, é importante observar que leis e normas, por si só, não são garantias de efeti-
vidade dos Direitos Fundamentais. São necessários estabelecimentos de mecanismos que ga-
rantam a dignidade e humanidade do trabalhador, com a previsão de ações judiciais e desig-
nação específica de instituição para garantir o Direito ao Lazer.
De encontro com esta necessidade que a Constituição Federal de 1988 elegeu o Minis-
tério Público como guardião do regime democrático e consequentemente responsável por pos-
sibilitar o acesso à justiça, como órgão agente, interveniente, fiscalizador, tanto na esfera pro-
cessual quanto extraprocessual. Conferiu, portanto, ao órgão a legitimidade ativa concorrente
para a defesa dos direitos difusos, transindividuais e/ou coletivos, nos termos do artigo 129,
incisos II e III da Magna Carta.
A ação civil pública é um instrumento processual, de ordem constitucional, destinado à
defesa de interesses difusos e coletivos. Esta amparada no capítulo da Constituição Federal
relativo ao Ministério Público (artigo 129, inciso III), no entanto, a localização dessa norma
não afasta o caráter constitucional da ação civil pública também para aquelas promovidas por
entidades publicas e associações colegitimadas, como o sindicato. Este microssistema proces-
sual em âmbito coletivo regula especialmente a legitimatio ad causam – representação em
juízo – das tutelas coletivas, bem como se presta a considerar os limites da coisa julgada, que
podem ser observados pela sentença, efeito erga omnes.
O Ministério Público do Trabalho deveria atuar na luta para efetivar o lazer no Brasil,
tendo como atribuição constitucional o zelo pelos direitos sociais indisponíveis, ou melhor, de
incentivar qualquer prática que possibilite os direitos difusos e coletivos do cidadão trabalha-
dor e de sua família e que lhes proporcionem o gozo de seus direitos trabalhistas, humanos e
dignos. Conforme decisão do Tribunal Regional do Trabalho:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES COLE-
TIVOS, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do
Trabalho tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de in-
teresses difusos e coletivos na seara trabalhista, ficando a legitimidade para a
proteção de interesses individuais homogêneos condicionada à existência de
relevância social, ou ao menos no meio da categoria profissional, que a justi-
fique192
.
O parágrafo 1º, do artigo 129, da Constituição Federal, estabelece a regra da não
exclusividade do Ministério Público. A ação civil pública foi criada e pela Lei 7.347/85
(artigo 19), sendo disciplinada por essa lei e pelos dispositivos processuais do Código de
192
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 1ª Região. PROCESSO: 0103900-20.2009.5.01.0005 –
ACP. Relator: Desembargador Rildo Brito. Disponível em: http://www.trt1.jus.br/web/guest/consulta-
jurisprudencia. Acesso em: 20 nov. 2013.
133
Defesa do Consumidor (artigo 90), que juntos compõem um sistema processual integrado.
Subsidiariamente, aplicam-se as disposições do Código de Processo Civil (artigo 19 da Lei
7.347/85).
Conforme já citado, sua propositura pode ser feita pelo Ministério Público, pela União,
pelos Estados e Municípios. Em razão da intrincada organização da administração pública no
Brasil, também podem promovê-la as autarquias, as empresas públicas, as fundações e as
sociedades de economia mista. De forma muito importante, incumbe também às associações e
sindicatos promovê-la.
A legitimidade sindical para a ação pública ampara-se na previsão constitucional do
artigo 8º, inciso III, e na autorização concedida de forma genérica às associações na Lei da
Ação Civil Pública, artigo 5º, inciso V e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 82,
inciso IV. Esta legitimidade é fundamentada com base no princípio democrático que deve
fomentar práticas efetivas de atuação social e permite a organização da sociedade para defesa
dos interesses193
.
Busca defender um dos direitos resguardados pela Constituição Federal e leis especiais,
podendo ter por fundamento a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, bem como o ato
ilegal lesivo à coletividade sendo responsabilizado o infrator que lesa o meio ambiente,
consumidor, bens e direitos de valor artístico, interesses coletivos e difusos.
A proteção do direito ao lazer consiste em direito individual homogêneo, coletivo e di-
fuso, que são aqueles que consistem em espécies do gênero interesses transindividuais ou me-
ta-individuais. Tais direitos ultrapassam os direitos de sujeitos individuais, observado por si,
visto que sua lesão gera consequência a várias pessoas como membros familiares, a sociedade
e até mesmo o Estado.
Entende melhor por interesses coletivos, àqueles que são comuns à coletividade, desde
que presente o vínculo jurídico entre os interessados, como o condomínio, a família, o
sindicato entre outros. Por outro lado, os interesses são chamados de difusos quando, muito
embora se refiram à coletividade, não obrigam juridicamente as partes envolvidas, por
exemplo, a habitação, o consumo, entre outros.
A ação civil pública se mostra como um instrumento eficiente para tutelar os direitos
difusos, coletivos, individuais homogêneos, de forma a condenar em obrigação de fazer ou
não fazer e, ainda, de indenizar ou reparar o dano causado. A ação civil pública é eficaz na
193
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e Ações Coletivas: Acesso à justiça, jurisdição coletiva e
tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2ª ed. Revista ampliada. São Paulo:
LTr, 2008, p. 265
134
delimitação da jornada de trabalho:
ACÓRDÃO TRT 1ª T/RO 4723/99. RECORRENTES: MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO. Proc. Dra. Rita Pinto da Costa de Mendonça e
EMPRESA DE TRANSPORTES ATLAS LTDA. Dr. Fernando Augusto
Montalvão das Neves. RECORRIDOS: OS MESMOS. RELATORA: Juíza
Maria Joaquina Rebelo. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Versando a controvérsia
sobre o direito dos trabalhadores a uma jornada normal de trabalho limitada
a 8 horas por dia e 44 semanais, bem como o registro dessa jornada para fins
de apuração e pagamento de horas extras, possuindo, portanto, natureza
trabalhista, objetivando a defesa de interesses sociais constitucionalmente
garantidos, cabe à Justiça Obreira dirimí-la, a teor do art. 114, da
Constituição Federal, e art. 83, inciso III, da Lei Complementar nº 75/93.
DECISÃO: ACORDAM OS JUÍZES DA PRIMEIRA TURMA DO
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA
REGIÃO, UNANIMEMENTE, EM CONHECER DOS RECURSOS E
REJEITAR AS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
DO TRABALHO, DE ILEGITIMIDADE DE PARTE E DE AUSÊNCIA DE
REQUISITO ESSENCIAL. NO MÉRITO, AINDA SEM DIVERGÊNCIA,
DECIDEM DAR TOTAL PROVIMENTO AO APELO PARA,
REFORMANDO A R. DECISÃO RECORRIDA, JULGAR TOTALMENTE
PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA, A FIM DE
CONDENAR A RÉ NA OBRIGAÇÃO DE NÃO PROIBIR QUE SEUS
EMPREGADOS REGISTREM A REAL JORNADA DE TRABALHO
CUMPRIDA NOS CONTROLES DE FREQÜÊNCIA, SOB PENA DE
PAGAR MULTA CORRESPONDENTE A 100 UFIRS POR CADA
TRABALHADOR LESADO E A CADA MÊS DE DESCUMPRIMENTO,
A REVERTER AO FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR - FAT,
CONFORME OS FUNDAMENTOS. CUSTAS PELA RÉ DE R$100,00,
SOBRE O VALOR ARBITRADO DE R$5.000,00194
.
Os Promotores de Justiça utilizam-se da Ação Civil Pública - ACP, que ao longo do
tempo vem assumindo características voltadas para a realização do lazer, buscando a garantia
dos direitos fundamentais plenos. É uma forma de conferir eficácia a esses direitos fundamen-
tais concernentes a não discriminação, à igualdade, à proibição de tratamento degradante e ao
trabalho digno. A jurisprudência confirma a efetividade da ACP em caso de trabalho análogo
ao escravo, sendo esta condição totalmente contrária ao direito ao lazer e ao trabalho digno:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO -
O conjunto probatório revela que os trabalhadores que prestavam serviços ao
Réu não apenas não tinham CTPS assinada, mas também estavam sujeitos a
condições absolutamente indignas a qualquer laborista, seja pela inexistência
de equipamentos de proteção, primeiros socorros a despeito da atividade de-
senvolvida estar impressa de possibilidade de lesões, seja pela moradia abso-
lutamente sem estrutura, ausência de água potável, direito à intimidade, seja,
ainda, pela formação de truck system configurado na indução do trabalhador
a se utilizar de armazéns mantidos pelos empregadores em preço, em regra,
superfaturado, inviabilizando a desoneração da dívida. Nesse passo, devem
194
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 1ª Região. Relatora: Juíza Maria Joaquina Rebelo.
Disponível em http://zahlouthc.tripod.com/acordao.htm. Acesso em: 20 nov. 2013.
135
ser julgados procedentes os pedidos afetos a obrigações de fazer e não-fazer,
sob pena de multa diária. A indigitada situação deve ser veementemente
combatida; considerar o trabalho em condições aviltantes como normal em
face das circunstâncias de determinada região do País é transgredir a finali-
dade ontológica do Judiciário e fazer letra morta a legislação tutelar do tra-
balho. A dignidade da pessoa humana é um dos mais importantes pilares do
Estado Democrático de Direito195
.
Neste sentido, destacam-se como objeto das Ações Civis, ao lado das obrigações de
fazer, nestes casos garantir o direito ao lazer em sua prática, e de não fazer, o dano moral in-
dividual, fruto das pretensões de caráter individual homogêneo e o dano moral coletivo, onde
amplamente estão assegurados, os direitos dos trabalhadores hipossuficientes.
Em suma, este é um instrumento que pode ser proposto pelo Ministério Público, sindi-
cados, associações para garantir a prática do direito ao lazer, ou seja, certificar-se que o traba-
lhador ou uma classe de trabalhadores estejam exercendo o tempo livre.
Embora existam inúmeros instrumentos jurídicos para a garantia do Direito ao Lazer
observou-se, através de pesquisas na internet, a quase inexistência de julgados referentes a
estes direitos, concluindo que as pessoas ou desconhecem estes mecanismos ou não valorizam
as práticas de lazer, em detrimento do trabalho.
O próximo tema a ser tratado apresenta outras opções de aplicabilidade jurídica do Di-
reito ao Lazer.
3.6 CONCRETITUDE DO DIREITO AO LAZER
O direito ao lazer raramente é exigido na prática (em realização de pesquisa de
jurisprudência constatou-se esta escassez), diante das interpretações restritivas dos institutos
da ação de inconstitucionalidade por omissão, da ação civil pública e outros instrumentos
jurídicos por parte do Ministério Público e sindicatos e do mandado de injunção por parte do
Supremo Tribunal Federal, cabem algumas alternativas para manifestar a sua eficácia.
Uma solução apresentada seria utilizar o direito ao lazer como um critério
interpretativo de lei, ou como forma de preencher lacunas legislativas, isso significa que ao
realizar a interpretação de uma norma que entre em conflito com o período de descanso, deve-
se privilegiar a existência do direito ao lazer e a sua força de norma fundamental.
Para Alexandre Lunardi é possível refletir também que, diante do parágrafo 1º do
195
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 10ª Região. Recurso Ordinário n. 00011-2004-811-10-
00-6. Relatora: Juíza Flávia Simões Falcão. DJU 06.05.2005, p. 21
136
artigo 5º, deve-se aplicar o direito ao lazer ainda que pela forma da analogia. Em cada caso
prático onde for requerido, pode-se utilizar a norma que guarde maior semelhança com a
proteção do direito ao lazer. Um exemplo é a forma de balizamento de uma eventual
indenização por violação do direito ao lazer, através dos critérios de fixação valorativa do
dano moral, através da legislação civil196
.
Quando aborda-se a garantia ao lazer pretende defender não apenas uma quantidade
maior de tempo livre, ou tempo de lazer e sim proteger a qualidade deste tempo e que este
seja utilizado como momento de descanso, relaxamento, reflexão, ou mesmo adquirir
conhecimento inútil, de acordo com Bertrand Russel:
[…] a vantagem mais importante do conhecimento 'inútil' é, talvez, a de
incentivar a atitude mental contemplativa. O mundo tem revelado uma
exagerada tendência para a ação, não apenas uma ação sem prévia e
adequada reflexão, mas uma ação em momentos em que a sabedoria teria
aconselhado a inação. Essa tendência se manifesta de muitas formas, algumas
bem curiosas. Ostenta-se Hamlet como uma terrível advertência contra o
pensamento sem ação, mas não se ostente Othelo como advertência contra a
ação sem pensamento197
.
O direito ao lazer se subdivide em diversas áreas que compreendem todas as
atividades humanas não relacionadas diretamente com o trabalho, sendo o momento de não
trabalho e de não obrigação familiar, política ou social.
O autor Roger Stiefelmann Leal destaca a importância da mudança de prioridades
governamentais, para ele:
Outra hipótese a ser considerada na questão da eficácia proibitiva de
retrocesso social é o caso de uma mudança de prioridades governamentais
que venha a exigir o deslocamento de recursos de uma área para outra.
Imagine-se, a título de exemplo, uma alternância no governo. O governo
anterior tinha por prioridade a prestação de lazer, e, para isso, concretizou de
modo muito pormenorizado a norma constitucional que consagra o direito ao
lazer. O governo que assumiu, no entanto, tem outras prioridades como
educação e assistência social. Ao que parece, seria inconcebível considerar
inconstitucional a simples revogação da legislação sobre a promoção de lazer
com recursos públicos de modo a transferir tais recursos para outras áreas
como a educação e a assistência social. Evidentemente que, nessa hipótese, a
supressão da legislação concretizadora do direito ao lazer há de ser feita,
caso contrário, qualquer pessoa poderia pleitear o seu cumprimento por parte
do poder público, inviabilizando a concretização de outros direitos sociais do
modo pretendido pelo novo governo198
.
Apesar da importância do lazer, mesmo como momento de formação e
196
LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação
de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008. 197
RUSSEL, Bertrand. O elogio ao Ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, p. 43. 198 LEAL, Roger Stiefelmann. Direitos sociais e a vulgarização da noção de direitos fundamentais.
Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/ppgd/doutrina/leal2.htm> Acesso em 11 out.2013.
137
desenvolvimento intelectual, verifica-se que é um direito distante do tratamento como
prioritário pelo governo.
Ao lado das alternativas jurídicas que garantem a aplicação jurídica do direito ao lazer,
destaca-se também a sua aplicabilidade no ambiente de trabalho e os seus reflexos no
contexto social, buscando desta forma a garantia da dignidade da pessoa humana. O homem
mudou, suas buscas mudaram e o Direito não acompanhou esse processo.
O principal aliado do direito ao lazer é o tempo livre, atualmente, devido à
produtividade das máquinas, é necessário menos tempo de trabalho do que antes para que se
tenha um padrão aceitável de conforto e qualidade de vida. Diminuindo o tempo de trabalho
haveria mais tempo para o homem realizar-se e desenvolver suas habilidades, podendo utilizar
o seu tempo como bem entender.
Conforme já citado, Bertrand Russel acredita que se trabalha demais no mundo de hoje
e que do trabalho originam-se muitos males. Para este filósofo, quatro horas diárias de
trabalho seriam suficientes, tendo em vista os modernos métodos de produção. No entanto,
verifica-se que a sugestão de Russel está muito distante de sua efetivação, visto que a ambição
e busca insaciável por lucro colidem com a redução da jornada de trabalho e aumento da
empregabilidade, no entanto a sugestão é válida e precisa ser defendida. Nesta linha de
pensamento, comenta Karl Marx:
Trata-se agora de desenvolver livremente as individualidades, e não de
reduzir o tempo de trabalho necessário, tendo em vista criar trabalho
excedente; a redução do trabalho necessário da sociedade a um mínimo
passa a corresponder à formação artística, científica etc., dos indivíduos
graças ao tempo que se tornou livre e aos meios criados para todos199
.
Este tempo livre das individualidades, conquistado pelo tempo liberado através dos
progressos das forças produtivas do trabalho social, é o ideal emancipatório que surge neste
texto. Este tempo livre destinado ao desenvolvimento integral e livre dos indivíduos somente
é criado através do aumento da produtividade do trabalho que objetiva reduzir o tempo de
trabalho necessário em relação ao tempo de trabalho excedente, produtor de mais-valia, e
desta forma reduzir a jornada toda de trabalho; liberar o tempo para que este tempo liberado
possa se converter em arte, ciência.
Um dos métodos de defesa para a redução da jornada de trabalho é a intervenção
estatal, através de uma otimização da prestação de serviços públicos, através principalmente
de políticas públicas. Também não se pode falar em redução de jornada sem realizar uma
199
MARX, Karl. Elementos Fundamentales para la critica de la economia politica (borrador) 1857-
1858 [Grundrisse]. Buenos Aires: Siglo XXI Argentina Editores, vol.2, 1973. p. 229.
138
análise crítica sobre os encargos trabalhistas e a necessária redução da carga tributária, pois
estas duas políticas devem ser atendidas para que as necessidades dos trabalhadores, que não
conseguem prover a própria subsistência na hipótese de uma redução salarial, e a dos
empregadores que não poderão ser prejudicados tendo de manter a competitividade frente ao
cenário global e devendo ser estimulados economicamente, é primordial concretizar estas
medidas e que as mesmas se tornem viáveis para realização destes objetivos.
A excessiva cobrança de impostos para pagar serviços de saúde pública, educação
pública, transporte coletivo, segurança pública, entre outros, é um fator que colabora
grandemente para a perda do poder aquisitivo do salário e a impossibilidade de práticas de
lazer.
Pelo lado da empresa, a solução teria de advir da participação econômica do governo
na esfera federal, estadual e municipal, realizando uma efetiva redução da carga tributária e
encargos sociais agregados à mão-de-obra, de tal forma que os custos operacionais dos
empregadores se mantivessem na justa medida das suas possibilidades.
Com a sugestão da redução da jornada de trabalho, deve-se observar a intenção em
modificar o artigo 7º, inciso XVI, da Constituição Federal, bem como o artigo 61, § 2º da
Consolidação das Leis do Trabalho para elevar o valor do adicional de horas extras muito
além dos 50% sobre a hora normal do empregado a fim de que se torne inviável a prática da
sobrejornada, ou então em uma alteração mais radical, simplesmente estipular a proibição do
trabalho em jornada extraordinária, bem como os bancos de horas (artigo 7º, inciso XIII da
Constituição Federal)200
.
Este procedimento tem como meta, como foi verificada anteriormente em pesquisas
realizadas pelo DIEESE, a criação de novos postos de trabalho, pois com jornadas menores
nas empresas o empregador seria obrigado a ampliar o seu quadro de empregados de forma a
manter o mesmo volume de horas de produção, medida que só poderá ser viabilizada com a
redução de tributos e encargos trabalhistas como os apontado acima.
O pesquisador Cássio da Silva Calvete, economista do DIEESE, em seus estudos de
Economia Aplicada pela UNICAMP demonstra a viabilidade da redução da jornada de
trabalho no Brasil e explica esse processo através da falha ocorrida na Constituição Federal de
1988 que, apesar de reduzir a jornada de trabalho de 48 horas semanais prevista na
Constituição de 1934 para 44 horas semanais, errou em estipular um valor relativamente
baixo de adicional por hora extra de trabalho, o que permitiu que o número de empregados
200 LUNARDI, Alexandre. A função social do Direito ao Lazer nas relações de trabalho. Dissertação
de Mestrado. UNIFIEO/SP. 2008.
139
que trabalham além da jornada legal chegasse em 2002, em São Paulo, por exemplo, a 44,1%
no setor da indústria, em 62,2% no setor do comércio e a 38, 8% no setor de serviços,
segundo dados do DIEESE e SEADE. Ele descreve:
Conforme estudo de Dal Rosso (1998) a RJT ocorrida por ventura da nova
Constituição Brasileira de 1988 deixou de gerar boa parte dos postos de
trabalho em função do grande aumento da utilização das horas extras.
Enquanto que na França a RJT que iniciou-se em 1998 não gerou o número
de novos postos esperados, em parte, em razão da generalização da utilização
de Banco de Horas (Coutrot, 2001). Portanto, concomitantemente com a
redução da jornada de trabalho a legislação deverá contemplar o fim das
horas extras e o fim do Banco de Horas, ou no mínimo suas limitações, para
que o objetivo de geração de novos postos de trabalho alcance o mais
próximo do seu potencial máximo201
.
Estas medidas a médio e longo prazo significariam grande evolução nas condições
sociais, pois gerando mais empregos, haveria um crescimento significativo no número de
consumidores e também haveria estímulo à produção, gerando novos postos de trabalho.
A redução na jornada de trabalho, possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico,
permitiria o aparecimento de novos postos de trabalho, também sendo necessária a redução ou
extinção das horas extras, com estas ações a justiça social será eminente, além de
proporcionar a diminuição das desigualdades sociais e maior segurança jurídica, política e
social. Todos estes benefícios só são possíveis com a valorização do direito ao lazer. No
entanto, conforme informa o filósofo István Mészáros, este colide com os interesses do capital:
A única alternativa viável para tais práticas (a saber, buscar soluções na
reorientação da produção social da tirania do tempo mínimo para a
maximização do ‘tempo disponível’), obviamente exigiria a adoção de uma
contabilidade social radicalmente diferente, em lugar da inexorável
perseguição do lucro. Porém, é claro, a categoria ‘tempo disponível’,
enquanto princípio orientador, que pode ser utilizado criativa e
positivamente, do intercâmbio social, é totalmente incompatível com os
interesses da ordem estabelecida202
. (grifo do autor)
A Justiça do Trabalho tem responsabilizado algumas empresas pelo chamado "dano
moral existencial". Ele é entendido como uma espécie de dano imaterial causado ao
empregado pela imposição de excessivo volume de trabalho. A conduta do empregador
afrontaria o direito do empregado de dispor de seu tempo livre para as suas atividades sociais,
políticas ou culturais, atingindo a própria existência do indivíduo a ponto de vilipendiar o seu
direito de autodeterminação. Em última análise, as chances do empregado ser feliz em seu
projeto de vida seriam reduzidas por ato perpetrado pela empresa.
201 CALVETE, Cássio da Silva. A viabilidade da redução da jornada de trabalho no Brasil. Internet:
www.jornada.localweb.com.br, acesso em 11 out. 2013. 202
MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Campinas: Boitempo editorial, 2002, p. 674.
140
O pagamento das horas extras e de todos os demais direitos trabalhistas legalmente
garantidos já não seria suficiente. As decisões judiciais impõem às empresas condenação em
danos morais pelos efeitos impostos pela alegada prática ilícita do empregador na esfera
existencial do empregado. Parte-se da premissa, muitas vezes equivocada, de que o
empregado não tem condições de escolher o volume de horas de trabalho e a remuneração
disso decorrente.
Partindo-se da lógica de que todo o trabalho em jornada extraordinária ou a não
concessão de férias são medidas impostas pelo empregador contra a vontade do empregado,
impõe-se às empresas uma gama multifacetada de penas. Há a possibilidade de,
concomitantemente, ser a empresa obrigada a pagar: (i) multa administrativa decorrente da
lavratura de auto de infração e imposição de multa aos cofres públicos; (ii) horas extras com o
respectivo adicional ao empregado; (iii) indenização por dano moral existencial ao empregado;
e (iv) indenização por dano moral coletivo por atuação do Ministério Público do Trabalho.
Não se pode esquecer que a vida moderna exige cada vez mais tempo de todos os
indivíduos para a realização de qualquer tarefa. A felicidade está cada vez mais atrelada à
concretização de anseios de consumo, no seio de uma sociedade hedonista e consumista. As
discussões sociológicas e filosóficas deste modus vivendi são pertinentes e indispensáveis para
o estabelecimento de um novo paradigma para a humanidade.
Em artigo, o jornalista Arthur Rosa constata que a falta de tempo para a família, o
lazer e o estudo tem levado trabalhadores à Justiça para pedir indenização por um novo tipo
de dano que é o existencial. Normalmente o pedido é negado em primeira instância, sendo
aceito em Tribunais Regionais do Trabalho e havendo precedente do Tribunal Superior do
Trabalho. 203
Neste artigo, do dia 20 de novembro de 2013, há informação de que o juiz convocado
Raul Sanvicente acredita que “há dano existencial quando a prática de jornada excessiva por
longo período impõe ao empregado um novo e prejudicial estilo de vida, com privações de
direitos de personalidade como o direito ao lazer, à instrução, à convivência familiar”.
No Tribunal Regional do Trabalho, o relator considerou que a prática constante da rede
de supermercado deveria ser coibida por “lesão ao princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana.” Completando que a prática reiterada de obrigar aos empregados o
cumprimento de jornadas diárias além do mínimo permitido, com pagamento de horas extras,
é atribuir um olhar monetarista, inadmissível quando trata-se de Direitos Sociais.
203
ROSA, Arthur. Excesso de horas extras gera danos existenciais. Jornal Valor Econômico, São
Paulo, 20 de nov. de 2013, Legislação & Tributos.
141
De acordo com a desembargadora Ana Carolina Zaina, da 2ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho do Paraná, condenando a Spaipa S.A. Indústria de Bebidas, em pagar
indenização de R$ 10 mil a um motorista, obrigado a fazer horas extras além do permitido por
lei (duas horas), declara que a excessiva carga de trabalho foi um “empecilho ao livre
desenvolvimento do projeto de vida do trabalhador e de suas relações sociais” 204
.
Estes posicionamentos e argumentos são condizentes com todo este estudo,
constatando que para que haja o trabalho humano e digno é condição o exercício do tempo
livre. Portanto, há exemplos (ainda que poucos) de julgados positivos, aumentando o
otimismo e a esperança na valorização do direito ao lazer.
É importante salientar a importância e essencialidade do trabalho, sendo este também
uma prática fundamental para conquista da dignidade, humanidade e felicidade social, nesta
linha de pensamento, de acordo com Ricardo Antunes:
Na longa história da atividade humana, em sua incessante luta pela
sobrevivência, pela conquista da dignidade, humanidade e felicidade social, o
mundo do trabalho tem sido vital. Sendo uma realização essencialmente
humana, foi no trabalho que os indivíduos, homens e mulheres, distinguiram-
se das formas de vida dos animais. […] Esse fazer humano tornou a história
do ser social uma realização monumental, rica e cheia de caminhos e
descaminhos, alternativas e desafios, avanços e recuos. E o trabalho
converteu-se em um momento de mediação sócio-metabólica entre a
humanidade e natureza, ponto de partida para a constituição do ser social.
Sem ele, a vida cotidiana não seria possível de se reproduzir. Mas, por outro
lado, se a vida humana se resumisse exclusivamente ao trabalho, seria
efetivação de um esforço penoso, aprisionando o ser social em uma únida de
suas múltiplas dimensões. Se a vida humana necessita do trabalho humano e
de seu potencial emancipador, ela deve recusar o trabalho que aliena e
infelicita o ser social205
.
A crítica que se apresenta refere-se ao excesso de trabalho, de ambição, de lucro e sua
precarização, proletarização e o subemprego. De encontro com esta reflexão considera-se o
direito ao lazer como um Direito Fundamental, necessário e indispensável para que se viva
em uma sociedade humana, digna e justa.
Por fim, é necessário tornar evidente e renovada à crença e grande esperança que
norteou todo este trabalho e que há necessidade e vontade de sua continuidade, finalizando-o
com citação de Georges Friedmann:
Bem sei que, no limite, aparece a esperança, ‘a grande esperança do século
XX’ [agora do século XXI], de uma automatização cada vez mais completa
204
ROSA, Arthur. Excesso de horas extras gera danos existenciais. Jornal Valor Econômico, São
Paulo, 20 de nov. de 2013, Legislação & Tributos. 205
ANTUNES, Ricardo. A nova era da precarização estrutural do trabalho? In: Condições de trabalho
no limiar do século XXI. Organizadores: ROSSO, Sadi Dal; FORTES, José Augusto A. Brasília:
Finatec, 2007, p. 13.
142
das empresas, da redução do número de trabalhadores, da promoção do
homem ao papel de fiscal e demiurgo das máquinas, do
descongestionamento das cidades tentaculares, da multiplicação de bairros
suburbanos cada vez mais espalhados para longe, através dos campos, cada
vez mais propícios (teoricamente) às alegrias de uma vida íntima, familiar,
próxima da natureza. É preciso ainda que o homem do século XX [e agora o
do século XXI], o indivíduo real, tal como está moldado de fato pela
civilização técnica, seja capaz desta vida, é preciso ainda que ele a deseje! É
preciso ainda que ele encontre em si o poder de utilizar humanamente os
seus tempos livre que vão aumentando!206
O empregado qualificado conhece seus direitos trabalhistas, mas escolhe laborar em
jornadas extraordinárias para auferir rendimentos adicionais (horas extras com adicional, PLR,
melhor colocação no mercado com o recebimento de hiring bônus). A realização desta escolha
é a própria concretização de seu livre arbítrio.
Por isso, embora concorda-se que o tempo livre deva ser destinado ao
desenvolvimento integral humano, é notória que a redução da jornada de trabalho não torna
imediatamente o tempo liberado pelo desenvolvimento das forças produtivas em tempo
dedicado a este exercício de liberdade e auto realização. Há risco de que este seja degradado
pela cultura de massa e entretenimento, a indústria cultural, visando tão somente às
oportunidades econômicas do lucro. Por isso, a defesa e luta por este direito tende a ser
constante, visto ser a defesa do Direito à Liberdade e à Vida.
206
FRIEDMANN, Georges. Futuro do Trabalho Humano. São Paulo: Moraes, 1968, p. 137.
143
CONCLUSÕES
A Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, modificou todo o contexto no
ambiente do trabalho com a invenção de máquinas que substituía a mão de obra de muitos
homens e nas relações entre patrão e empregado. Estas transformações exigiram o
aperfeiçoamento e readequação das leis trabalhistas, incluindo o direito ao lazer. Com as
técnicas modernas surgiu a possibilidade de que o direito ao lazer, dentro de certos limites,
fosse um direito de todos, distribuído por toda a coletividade compreendendo-o como
interesse difuso, direito coletivo e direito individual homogêneo.
As relações de trabalho sofrem os efeitos das transformações produzidas pela
Revolução Industrial e pelo fenômeno da globalização e, como consequência, ocorre o
processo de reestruturação produtiva, sendo considerado como as modificações no sistema de
produção e prestação de serviços, em que as empresas adequam-se criando novos
procedimentos de trabalho, modificando a rotina do trabalhador resultando em alterações as
demais relações sociais que ocorrem fora do ambiente de trabalho.
Verifica-se que, com o surgimento da urbanização e da industrialização, os meios de
comunicação de massa se desenvolvem. O aparecimento da indústria moderna possibilitou o
fortalecimento do lazer de massa. A padronização dos meios de comunicação, a
industrialização e a urbanização unificaram as condutas sociais no lazer como elemento
cultural de uma e sociedade pertencente à indústria cultural.
A presente pesquisa trouxe a amplitude que deve ser considerado o conceito e
finalidade do Direito ao Lazer sendo, além de tempo de não trabalho, repouso, diversão,
recreação, desenvolvimento intelectual, prática de esportes e atividades que trazem realização
pessoal, estas devem possibilitar ao trabalhador o desenvolvimento de suas potencialidades e
um momento para pensar e refletir, proporcionando que se encontre com ele mesmo, com sua
realidade social, com os conflitos e crises que o permeiam. O tempo de lazer é um tempo
privilegiado, que possibilite mudanças sociais, morais e políticas.
Considerou-se que a proletarização é um processo dominante que ascende a
consciência e a vida ativa, juntamente com o desenvolvimento do modo de produção
capitalista. A proletarização se torna um processo avassalador consolidado a todo ser humano.
A questão do tempo livre está intrinsecamente ligada a este processo, sem o direito ao lazer,
ao divertimento e à reflexão, a proletarização se intensifica atingindo todas as camadas sociais.
Demonstra-se que a flexibilização das leis trabalhistas deve ser efetuada em
consonância com os princípios da Constituição Federal de 1988, com ênfase aos princípios da
144
dignidade da pessoa humana e do trabalho humano. No entanto, há casos em que esses
princípios não são observados, como ocorre no exercício do trabalho aos domingos e feriados.
E esta prática contribui com o processo de desagregação familiar resultando em parte da
eliminação do tempo livre em comunhão com a disponibilidade dos demais membros que
formam a família.
Em referência a jornada de trabalho, esta deve ser delimitada para que o trabalhador
tenha organizado o seu tempo de trabalho e o seu tempo de lazer, podendo utilizar este para
descansar, refletir, conviver com a família, sair com amigos, pescar, ir ao cinema, jantar fora,
ler. As condições para a realização dessa prática fazem parte do processo de valorização do
trabalho humano, que em último caso, constitui-se também na construção de um tempo livre,
que pode ser traduzida em parte no chamado direito ao lazer.
Desponta-se a necessidade da intervenção estatal em proteger a família e através desta
proteção, também a defesa das relações de trabalho ou vice-versa, por conta do
comprometimento dos dois ambientes citados. Compreender que o homem produz sua vida a
partir da produção do trabalho, cuja forma de realização expande-se alcançando o meio
ambiente familiar, estabelece novos limites que se encontram compreendido na própria
valorização do trabalho humano, tornando-se um ser multifacetário.
Apesar do tempo livre se apresentar como uma conquista jurídica, sistematizada na
legislação pátria e comum a todos os indivíduos, e do lazer ser um direito reconhecido como
um Direito Fundamental/Social se verifica que as conquistas históricas deste direito, não são
compartilhadas e usufruídas por todos. Atualmente o lazer está declarado na Constituição
Federal, artigo 6º, em relação a sua elaboração, e artigo 227, cabe ao Poder Público o dever de
incentivar o lazer ligado ao desporto como forma de promoção social. O direito ao lazer
precisa ser amplamente reconhecido pelo direito positivo e pela sociedade brasileira.
Diante do disposto na Constituição Federal de 1988, observa-se a urgência em conferir
a aplicabilidade não só do direito ao lazer, mas a todas as normas programáticas. Toda norma
constitucional é válida e deve necessariamente ser aplicada. Não se pode admitir que uma
norma constitucional, plenamente vigente, com plena força obrigatória de norma de direito
fundamental, não seja cumprida, deixando o cidadão brasileiro exposto a diversas violações
da sua dignidade.
Expostas as características e importância do lazer apresenta-se a necessidade da
concretização e formalização deste Direito que, atualmente, encontra-se na legislação
brasileira de forma dispersa e juntamente com outras garantias, não de forma isolada.
O objetivo da exposição sociológica, econômica e política foi propagar a importância
145
do Direito em se adequar as necessidades reais dos trabalhadores, e não o oposto, em que o
Direito enquadra a legislação para atender a finalidades específicas de uma minoria.
Uma das funções do Estado é proporcionar a todos o direito a um espaço e tempo de
lazer. Trata-se de um direito social essencial de todo ser humano, realizável através de
Políticas Públicas. Sugere, como propostas de realização do direito ao lazer, e
consequentemente dignidade e humanidade do trabalhador, um salário decente, projetos de
urbanização, transporte público suficiente e confortável, incentivos culturais, repúdio ao
trabalho infantil e qualidade na educação.
A empresa através de sua função social também deve propiciar que seus funcionários
exerçam o tempo livre de qualidade, colaborando assim para que se efetive o princípio da
dignidade e da humanidade do trabalhador. Indicou-se algumas ações condizentes como a
abolição das horas extras, diminuição da intensidade exigida no trabalho, atividades e
ambientes de integração com a família e incentivos a projetos culturais.
Aliado a função social, o princípio do Triple Botton Line confere a todas as empresas a
imperiosidade da confluência de aspectos econômicos, sociais e ambientais, para que o
empreendimento seja sustentável e de sucesso. No entanto, estas focam os aspectos sociais e
ambientais sempre em convergência com o objetivo econômico, sendo sempre este o principal
foco e alvo dos empresários.
Existem instrumentos jurídicos que possibilitam a concretização do direito ao lazer,
como a ação civil pública, o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por
omissão, sob a pena de não poder o trabalho ser considerado digno, no entanto estes
instrumentos são pouco utilizados pelos trabalhadores, por desconhecimento ou por já terem
assimilado as exigências de suas funções.
Por fim, declara-se que o direito ao lazer é fundamental para que se realize o que está
preconizado na Constituição Federal, artigo 170, onde há a defesa do trabalho humano e
digno. Não existe a possibilidade da construção de um trabalho digno, humano e decente, sem
que ocorra de fato a fruição do direito ao lazer. O prestígio dado a estes princípios, aplicados
ao trabalho, deve nortear a ordem econômica que somente se consubstancia com a sua
concretude.
No cenário atual, verifica-se que o direito não garante a prática do lazer, embora haja
legislação específica para delimitação da jornada de trabalho e instrumentos jurídicos
possíveis de serem utilizados, o homem se auto condiciona ao mais trabalho em detrimento do
tempo disponível. Portanto a legislação não se impõe sem ação individual e social, é
necessária a ação humana para que sua função seja efetivada e é preciso vontade.
146
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