O DIREITO INTERNACIONAL E A GUERRA · em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito O DIREITO INTERNACIONAL E A GUERRA: As tentativas históricas para o impedimento do uso da força Weverton Vilas Boas de Castro Belo Horizonte 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

O DIREITO INTERNACIONAL E A GUERRA:

As tentativas históricas para o impedimento do uso da força

Weverton Vilas Boas de Castro

Belo Horizonte

2010

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Weverton Vilas Boas de Castro

O DIREITO INTERNACIONAL E A GUERRA:

As tentativas históricas para o impedimento do uso da força

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito obrigatório para a obtenção de título de Mestre em Direito Público, na linha de pesquisa em Direitos humanos, processo de integração e constitucionalização do Direito Internacional.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da

Silva

Belo Horizonte

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Castro, Weverton Vilas Boas de

C355d O direito internacional e a guerra: as tentativas históricas para o

impedimento do uso da força / Weverton Vilas Boas de Castro. Belo

Horizonte, 2010.

146 f.

Orientador: Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito.

Bibliografia

1. Direito internacional público. 2. Segurança internacional. 3.

Arbitragem internacional. 4. Paz. I. Silva, Carlos Augusto Canêdo

Gonçalves. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 341

Bibliotecária: Erica Fruk Guelfi - CRB/MG 6/2068

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Weverton Vilas Boas de Castro

O DIREITO INTERNACIONAL E A GUERRA:

As tentativas históricas para o impedimento do uso da força

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito obrigatório para a obtenção de título de Mestre em Direito Público, na linha de pesquisa em Direitos humanos, processo de integração e constitucionalização do Direito Internacional.

Prof. Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva (Orientador) – PUC Minas

Prof. Dr. Mário Lúcio Quintão Soares – PUC Minas

Prof. Dr. Fábio Caldeira Castro Silva

Belo Horizonte, 03 de maio 2010.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado forças e inspiração em

meio a tantas lutas tornando possível a finalização desse trabalho.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva,

por sua paciência e compreensão demonstradas no decorrer desse caminho.

Agradeço aos Professores do Programa da Pós-Graduação em Direito da

PUC Minas e a seus funcionários pela dedicação e comprometimento.

Aos meus amigos que sempre me incentivaram ou contribuíram de forma

direta e indireta para a consecução desse objetivo, especialmente à Míriam

Bragança, Ana Paula Chaves, Francisco Belgo e Luciano dos Santos Diniz.

Em especial, agradeço aos meus pais e às minhas amadas Brenda e

Juliana por terem sido tão fraternas e amáveis mesmo nas minhas ausências e

indisponibilidades. Vocês são partes da minha vida!

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RESUMO

Durante séculos, a ameaça de guerra fora um estado permanente. O uso

da força foi um mecanismo lícito utilizado nas relações internacionais. Durante

séculos a guerra é analisada, inicialmente sob o prisma da religiosidade e da sua

justeza. Os argumentos para o seu uso sempre estiveram a serviço dos

interesses subjacentes de cada época e mesmo na contemporaneidade o

discurso retórico ainda é utilizado. No final do século XIX e início do século

XX, surgem algumas tentativas para interditar o recurso à força. É o ápice de um

direito de guerra. Com a evolução do Direito Internacional e com a criação de

instituições multilaterais, a guerra deixa de ser uma sanção, um instrumento de

solução dos litígios internacionais, para ser um ilícito internacional.

Durante diversos períodos históricos, tenta-se criar mecanismos para a

interdição do uso da força e para a solução de controvérsias internacionais. E o

sistema internacional de segurança internacional coletiva, sedimentado nesse

ramo do Direito e propagado há tempos, tentou impor-se como o sistema ideal na

garantia da paz. Porém, a proposta de ação coletiva continua natimorta e os

Estados continuam agindo na arena internacional de forma egoísta em nome de

sua soberania, desconhecendo a supremacia do Direito Internacional e relegando

ao mesmo um papel de ineficácia.

Palavras-Chave: Direito Internacional, uso da força, segurança internacional

coletiva, Liga das Nações e Organização das Nações Unidas.

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ABSTRACT

For centuries, the threat of war was a permanent state. The use of force

was a lawful mechanism used in international relations. For centuries the war is

examined, initially through the prism of religion and its accuracy. The arguments

for its use have always been to serve the underlying interests of each season and

even in contemporary times the rant is still used. In the late nineteenth and early

twentieth century, there are some attempts to ban the use of force. It is the

culmination of a law of war. With the evolution of international law and the creation

of multilateral institutions, the war ceases to be a penalty, an instrument of solving

international disputes, to be an illicit international.

During different historical periods, attempts to create mechanisms to ban

the use of force to solve international disputes. And the international system of

collective international security, settled in this branch of law and propagated for a

long time, tried to impose itself as the ideal system in ensuring peace. But the

proposal for collective action remains stillborn and the states continue acting in the

international arena so selfish on behalf of its sovereignty, ignoring the supremacy

of international law and relegating the same role of inefficiency.

Keywords: international law, use of force, international security collective, League

of Nations and the United Nations.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ONU – Organização das Nações Unidas

SDN – Sociedade das Nações ou Liga das Nações

CICV – Comitê Internacional da Cruz Vermelha

DIH – Direito Internacional Humanitário

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 07

2. O FENÔMENO DA GUERRA 11

2.1. Guerra Como Um Status Natural 11

2.2. A Teoria da Guerra Justa: Do Jus Ad Bellum Para o Jus In Belo 14

2.3. O Pragmatismo nas Justificativas de Guerras Justas

25

3. O DIREITO INTERNACIONAL, A PAZ E A SEGURANÇA INTERNACIONAL 30

3.1 A Formação dos Estados e o Direito Internacional 30

3.2 Os Tratados de Westfália e o Equilíbrio Europeu 34

4. O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO 41

5. A BUSCA PELA SEGURANÇA INTERNACIONAL 49

5.1. A Doutrina da Segurança Coletiva Internacional 53

6. O USO DA FORÇA SOB A ÉGIDE DA LIGA DAS NAÇÕES 58

7. A ONU E A REGULAÇÃO DO RECURSO À FORÇA 77

7.1 As Operações de Paz 87

7.2 A Legítima Defesa 92

8. CONCLUSÃO

104

REFERÊNCIAS 110

ANEXOS 117

117

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1. INTRODUÇÃO

As lutas, os conflitos e o uso da força para a resolução de controvérsias entre

os povos estrangeiros são eventos que marcaram a história da humanidade desde a

sua criação. Os litígios sempre coexistiram com a raça humana. Os seres primitivos

travavam lutas para conquistar territórios, alimentos, abrigos ou para subjugar aos

demais grupos, escravizando-os ou simplesmente aniquilando todos os seus

membros.

Na organização tribal, as disputas eram entre as tribos rivais e ainda nos

feudos, nos principados, nas Cidades-Estado, nos grandes e pequenos impérios e

nos Estados modernos, a utilização da força sempre desempenhou um papel

relevante na relação entre essas organizações, que assumiram um status

beligerante permanente, almejando prioritariamente maximizarem seus interesses.

A inexistência de um aparato normativo de proibição, sanção ou

constrangimento e a subjetividade da classificação daquilo que seria justo e injusto,

lícito ou ilícito, levou, como conseqüência, os Estados, durante séculos, lançarem

mão da força para a solução de suas disputas.

Mas, quando os povos buscaram garantir uma convivência pacífica num

cenário internacional mais seguro e se iniciam os movimentos contrários à guerra e

pela defesa da paz, concomitantemente surgem as tentativas de acordos, através de

realização de conferências mundiais, para regulamentar o curso dos conflitos ou os

seus impedimentos, mesmo que parciais.

Através das trocas culturais nos diversos setores da vida humana, o Direito

ultrapassa as fronteiras territoriais rumo à formação de um sistema normativo que

tem por objetivo coordenar vários interesses estatais simultâneos, com o Direito

deixando de regular somente as questões internas dos nacionais e passando a

disciplinar também as atividades que transcendem os limites físicos entre elas.

A incipiente institucionalização da sociedade internacional, dada também pela

criação das organizações internacionais, traz consigo a evolução de um Direito,

inicialmente um direito de guerra, que gradativamente passa a ser esse ramo

conhecido como Direito Internacional, apresentando-se como um mecanismo de

regulação das relações interestatais num ambiente totalmente anárquico e inseguro

e desprovido de regras de controle.

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Durante um longo período da História e antes mesmo do aparecimento formal

do Direito Internacional, tentou-se editar diversas regras de relacionamento externo

que visavam à estabilização do cenário mundial para garantir a segurança

internacional através da interdição do uso da força.

E o presente trabalho pretende realizar, assim, esse resgate histórico das

tentativas de implantação dos mecanismos de interdição do uso da força com

destaque para a possibilidade da operacionalização de um sistema de segurança

internacional coletiva fundamentada no Direito Internacional, analisando ao final a

eficácia dessa ciência nas questões pertinentes à paz e a segurança.

E é o resgate histórico e descritivo do papel do uso da força e da guerra,

como esse fenômeno marcou o início da relação entre os povos e suas

classificações como forma de justificação que tratará a segunda parte dessa

dissertação.

Em seguida, o trabalho abordará em sua parte terceira, como se deu a

evolução da normatização pelo Direito do intercâmbio entre os estrangeiros,

acompanhando a formação dos Estados passando pelos Tratados de Westfália e

pelo sistema de Equilíbrio Europeu. Comprovando que desde o seu nascedouro, o

Direito Internacional cuidou de regular o uso da força, confirmando a sua forte

relação com as questões relativas à manutenção da paz e segurança internacionais.

Ao configurar-se como um direito que objetiva organizar e estabilizar a

coexistência das nações no plano internacional por meio da construção de

mecanismos de interdição da guerra, na parte seguinte desse estudo será

dissertado sobre o papel do Direito Internacional Humanitário e suas tentativas de

regular a força não para o seu impedimento total, mas as formas de minimizar os

sofrimentos humanos quando o uso da força for inevitável.

A segurança internacional e a doutrina de segurança internacional coletiva

será o tema da quinta parte. Esse termo segurança coletiva foi instituído para

designar o sistema jurídico que deveria, substituindo à política de equilíbrio de

poder, garantir a segurança internacional com o término da primeira Grande Guerra,

através da institucionalização do uso da força. A expressão adquiriu conotações

mais amplas com o passar do século XX, ligadas à idéia de manutenção de um

regime de governança global.

A criação da Liga das Nações, o seu desempenho na manutenção da paz e

da segurança internacional, a tentativa de se criar um sistema de segurança coletiva

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e o fracasso dessa instituição ao não prevenir a guerra será também abordado na

parte de número sete.

Ao analisar o fracasso da Liga e a necessidade de se criar uma nova

organização, discutir-se-á a institucionalização da ONU e como se dá o controle do

uso da força na arena internacional sob os seus auspícios, elencados em sua Carta,

tema esse que estará delimitado na oitava parte da dissertação. Com as Nações

Unidas, a utilização da força, exceto em determinados casos previstos, como a

legítima defesa, deixa de ser uma ação natural, uma sanção ou um instrumento de

solução dos litígios, para ser um ilícito internacional. E a paz e a segurança

internacional tornam-se o objetivo primordial a ser alcançado pelo conjunto dos

sujeitos da sociedade internacional.

Porém, mesmo com todos os esforços e tentativas de impedimentos morais e

legais à utilização da força, os Estados continuam assumindo posição contrária para

submeterem-se a um ente superior. Pois, jamais houve a aceitação por parte dos

mesmos de um instrumento superior, garantidor da estabilidade e da ordem

internacional que venha a limitar a sempre evocada soberania estatal.

Os acontecimentos bélicos recentes são a prova do desconhecimento e do

desrespeito do papel das Organizações Internacionais, das suas decisões, de suas

regras e da existência de um princípio normativo internacional. E mesmo as

tentativas históricas de implantação de um sistema de segurança coletiva

internacional sejam na Liga das Nações ou nas Nações Unidas, não lograram êxito,

o que impõe ao Direito Internacional uma posição deslegitimante, na medida em que

fica evidente a negação de qualquer princípio regulador de ações no plano mundial.

Desse modo, tornar-se-á pertinente analisar o Direito Internacional como

mecanismo de manutenção da paz e da segurança internacionais, discutindo a sua

eficácia frente às questões relativas ao uso da força e à Segurança Internacional.

O objetivo da conclusão dessa pesquisa será, portanto, realizar uma análise

da atual fase do Direito Internacional, já que o mesmo mostra-se falho em coibir a

ocorrência de guerras, especialmente pela inoperância do princípio da segurança

coletiva, principal instrumento da ONU para obrigar os Estados a banirem a guerra

de seu receituários comportamentais.

Levando-se em conta, ainda, que o recurso à força continua a ser utilizado em

larga escala, configurando-se em um ato ilegal à luz dos preceitos e do ordenamento

jurídico internacional vigente, tornou-se imprescindível, então, a rearticulação de

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novos consensos para que o Direito Internacional se apresente, de fato, como um

sistema jurídico regulador da coexistência interestatal e garantidor da paz.

Quando o presente trabalho tratar de Direito Internacional, o mesmo estará

fazendo referência ao Direito Internacional Público, adotando o conceito defendido

por Valério Mazzuoli na publicação de sua autoria Curso de Direito Internacional

Público (2007), entendido como o ramo jurídico autônomo que tem por objetivo

principal disciplinar a sociedade internacional, da qual são membros as

Organizações Internacionais e os Estados, com reflexos voltados também para

atuação de indivíduos no plano internacional. Configura, ainda, como o conjunto de

princípios e regras jurídicas que disciplina e regem a atuação e a conduta da

sociedade internacional, que é formada por Estados, Organizações Internacionais e

indivíduos, tendo por objetivo alcançar metas que interessam à humanidade e, por

último, a paz, a segurança e a estabilidade nas relações internacionais. (MAZZUOLI,

2007).

Outro conceito que será considerado na presente dissertação refere-se ao

termo guerra, adotando-se o utilizado pelo mesmo autor em sua obra já referida

anteriormente, entendido como sendo todo conflito armado entre dois ou mais

Estados, durante certo espaço de tempo e sob a direção dos seus respectivos

governos com a finalidade de forçar um dos adversários a satisfazer a vontade do

outro. (MAZZUOLI, 2007).

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1. O FENÔMENO DA GUERRA

2.1. Guerra Como Um Status Natural

É fato que a guerra sempre foi o instrumento que os povos utilizaram nas

relações internacionais para resolverem os seus litígios, levando-se em conta, ainda,

que o uso da força, como um instrumento utilizado nas suas relações estrangeiras,

não representava uma ilicitude.

Em qualquer tipo de análise de relações entre os Estados, o conceito de guerra, entendido como um confronto militar de forças armadas regulares de Estados soberanos, não pode ser ignorado, pois ele permanece como um dos mais fortes e significativos das relações internacionais, em qualquer época da história, inclusive da atualidade. (SARAIVA, 2009, P.44).

Nos primórdios da humanidade o homem lutava para se defender das

hostilidades naturais que o ambiente lhe impunha, como o clima, matas, montanhas,

rios e mares. No início, o homem pensava no ser individual, em sua própria

sobrevivência. Mas, o desenvolvimento social e econômico despertou o sentimento

de agrupamentos humanos, transformados em clãs e, mais tarde, em tribos e povos.

Dos primeiros agrupamentos humanos, espelhados pelas várias regiões do

mundo, surgiram ajuntamentos de indivíduos que se identificavam por características

que a eles eram comuns, eram as comunidades em formação.

As comunidades humanas, cada vez mais unidas por laços mais fortes, sejam

sociais, culturais ou e até políticos, deixam de lado o individualismo e começam a

agir coletivamente para se defenderem das cobiças de outros grupos rivais. A luta

individualista pela sobrevivência, assim, cede lugar aos conflitos coletivos, quando

qualquer atitude de ofensa a um membro daquela comunidade passa a atingir a

todos que, de forma unida, passam a repreender o ofensor.

No intuito de preservar a própria vida e a dos demais membros de seu grupo,

o homem desperta a preocupação com a segurança também de suas posses,

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adquirindo o domínio dos elementos da natureza para defender-se das constantes

ameaças dos seus inimigos.

Porém, com a evolução social, os choques e as disputas entre os grupos

rivais por espaço, recursos naturais e materiais, também tiveram suas ocorrências

acrescidas e os conflitos foram ganhando organização.

No final da Pré-História, com a formação das primeiras civilizações surgem os

primeiros vestígios de uma guerra previamente organizada, que se diferenciava das

lutas entre os grupos que ocorriam à época. (MAZZUOLI, 2007).

As incipientes guerras vão perdendo o caráter primitivo, transformando-se,

gradativamente, em conflitos mais organizados, impregnados de novos métodos e

estratégias de combates, evidentemente guardadas as proporções dos avanços e

das novas descobertas técnicas e científicas de cada época histórica.

Desde o momento em que a consciência a moral e do direito vai se impondo ao estudo da guerra esta vai deixando de ser simples luta entre o bem e o mal, para passar ser matéria regida e disciplinada pelo Direito Internacional (notadamente o Direito Internacional) passou a, cada vez mais impregnar-se nas questões envolvendo o uso a força armada, impondo-lhes inúmeras restrições. Essa evolução (ainda em andamento) do fenômeno de guerra tem colocado em destaque a crescente preocupação do Direito em detectar os motivos que fazem os Estados recorrer à força. (MAZZUOLI, 2007, p.856).

A convivência em comunidade e a conseqüente inter-relação entre elas fazem

aparecer novas disputas e conflitos, tornando-se necessário a criação de regras e

normas de conduta, tentativas para organizar a vida em grupo. Com a evolução da

relação social entre esses grupos e comunidades com características diferentes,

surge, então, a necessidade de coexistência organizada e mais pacífica possível

entre elas, uma relação negociada.

Já entre 3500 e 3000 a.C. há indícios de leis que organizavam as sociedades

e tentavam restringir o uso da violência, além de tropas que recebiam treinamento

militar. Porém, no período que antecedeu os Estados modernos, desde a Pré-

História até o início da Renascença, a guerra era vista como um fenômeno natural,

não se cogitava a hipótese de poder banir a sua ocorrência através de mecanismos

jurídicos. (MAZZUOLI, 2007).

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Na idade Pré-Clássica as relações entre os povos continuam ligadas, ainda,

aos conflitos oriundos da guerra e da paz. As exceções começam a aparecer,

quando se tratava das relações comerciais, especialmente as que existiam entre os

povos babilônicos. (MAZZUOLI, 2007).

Mesmo na Antiguidade1, a ameaça de guerra permanece como um estado

permanente. O isolamento e a desconfiança em relação ao estrangeiro constituem

fontes permanentes de guerra. (MOREIRA, 2004).

Na Antigüidade, os povos viviam em acentuado isolamento. Reinavam entre eles sentimentos hostis em relação a estrangeiros, que eram considerados inimigos. As guerras, nessa época, pois, envolviam todos os habitantes dos países em luta, visto que todos eram considerados beligerantes. Os sobreviventes do país vencido eram transformados em escravos, os quais prestaram relevantes serviços na construção de pirâmides, monumentos públicos e palácios reais. (BORGES, 2009).

Os Estados só irão se relacionar entre si após a criação das cidades-estado

gregas. Todas essas idéias de relações entre os povos foram incorporadas às

estruturas do Direito e, mais tarde, difundidas pela igreja católica. Essa difusão,

associada aos princípios do Direito Natural, marcou toda Idade Média2. (MAZZUOLI,

2007).

“A guerra era fonte de glória para os reis e seus generais; critério seletivo,

dentro da classe ou casta militar. Representava a fonte de saques e lucros, e a

grande abastecedora de escravos.” (MATTOS, 1964, p.16).

A guerra continuou, portanto, sendo uma constante nas relações

internacionais durante a Idade Antiga. No período medieval, a tradição guerreira

advinda da Antiguidade permanece nas relações internacionais. As concepções

religiosas são altamente marcantes nesse período medievo, quando aparecem os

conceitos de guerras justas e injustas, baseados em concepções cristãs, como

forma de regular ou julgar moralmente os conflitos entre litigantes.

1 Idade Antiga, ou Antiguidade, foi o período que se estendeu desde a invenção da escrita (4000 a.C.

a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) e início da Idade Média (século V). (IDADE..., 2009).

2 O período da Idade Média foi delimitado como iniciado com a desintegração do Império Romano do

Ocidente, no século V (em 476 d. C.), e terminado com o fim do Império Romano do Oriente, com a Queda de Constantinopla, no século XV (em 1453 d.C.). (IDADE..., 2009).

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2.2. A Teoria da Guerra Justa: Do Jus Ad Bellum Para o Jus In Belo

Os conflitos armados não eram considerados como atos ilícitos, desde que

fossem considerados como justos, um conceito alicerçado, de início, em uma

concepção religiosa que estabelecia a distinção entre guerra justa e guerra injusta

nas relações com os povos estrangeiros. (PELLET, DAILLIER, 2002).

As regras sobre o denominado “jus belli” ou direito da guerra são antigas e foram elaboradas na assunção de haver uma nítida separação entre um tempo de paz e um tempo de guerra.(...). No final do século XIX, foi-se destacando do “jus belli” um setor muito particular, o denominado “jus in bello”, ou seja, aquelas normas que se conformariam num corpo que passou a ser denominado de Direito Humanitário: normas para regular as situações em que um conflito bélico já se encontra em curso. Há, contudo, outra feição das normas que tentam regulamentar a guerra. Trata-se do denominado “jus ad bellum”, conjunto de normas elaboradas no decorrer da história, que se têm vista conferir alguma clareza em situações de extrema violência, possivelmente com a finalidade de dar segurança nas relações entre os Estados, e menos com o desiderato de “humanizar” os conflitos ou mesmo de evitar a sua eclosão. Um dos pontos mais importantes do “jus ad bellum”, na sua origem, era a discussão sobre a legitimidade da guerras, estudos que tinham por finalidade evitar o uso da força, que não fosse legitimada pelo papa, considerado no sistema medieval como um árbitro natural entre os príncipes cristãos. Segundo os teóricos do direito internacional clássico, o “jus ad bellum” era um atributo da soberania do Estado. Em uma sociedade descentralizada como a internacional cada sujeito deveria velar pelo respeito de seus interesses contando com seus próprios meios, coercitivos ou não. Este era o significado da auto-tutela, sob cujo argumento os Estados poderiam recorrer licitamente à força – e a sua manifestação absoluta, a guerra – nas relações internacionais. (SARAIVA, 2009, p. 44-45).

A inexistência de um aparato normativo de proibição do uso da força na

crescente relação entre os povos estrangeiros e a subjetividade na classificação

daquilo que seria justo ou injusto nessa relação, propiciar aos diversos pensadores a

oportunidade para emitissem suas opiniões e discursos, impregnados de

concepções religiosas, humanistas ou mesmo políticas em cada época.

A busca pela definição de justiça da guerra ou propriamente na guerra foi

tomando uma grande proporção, na medida em que poderia representar uma forma

de justificação da ação de vários atores internacionais de acordo com os interesses

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subjacentes de cada um ou mesmo para dar uma resposta à sociedade de cada

época que clamava pela adoção de sentimentos religiosos a interdição dos conflitos

ou mesmo para amenizar os sofrimentos humanos impostos pelos combates.

E esse tipo de apropriação de significados foi, em cada época, fundamental

para a manipulação nas relações de poder, desde as comunidades primitivas até o

período contemporâneo, corroborando para o entendimento da afirmação de que “a

dominação passa pela simplificação das coisas: o bem e o mal”. (MAGALHÃES,

2006).

As diversas representações dadas ao conceito de guerra justa continuam,

portanto, sendo uma questão vital, visto que o mundo vive cercado com rumores de

guerras e conflitos.

A representação pode, portanto, ajudar a compreender as relações de poder ou pode ajudar a encobri-las. O poder do Estado necessita da representação para ser exercido e neste caso a representação sempre mostra algo que não é, algumas vezes do que deveria ser, mas, em geral, propositalmente o que não é. Representação pode, de um lado, ao distorcer a aparência revelar o que se esconde atrás desta e de outra forma encobrir os reais jogos de poder, os reais interesses e as reais

relações de poder. (MAGALHÃES, 2006).

É nesse sentido que diversos pensadores cristãos e juristas vêm, há 15

séculos, elaborando novos significados e representações para o conceito de guerra

justa, idéias contaminadas por ideologias que foram desvirtuando o real, cada um

ao seu tempo e de acordo com os interesses dominantes.

E foi em Roma que o tema sobre a guerra começou a ganhar conotações

jurídicas, quando se tenta regulamentar procedimentos bélicos, através da criação

de regras para se fazer uma guerra justa. Deste então surgiu o termo Jus In Bellum,

que se entende pelo direito aplicável na guerra ou para designar o direito da guerra,

quando esta parecesse justa. Os romanos acreditavam que a guerra sempre teria

lugar contra os povos bárbaros, considerados como tais aqueles que viviam fora do

seu domínio, tornando-se, desta forma, a conquista por territórios o mais importante

motivo para se guerrear. (MAZZUOLI, 2007).

E os pressupostos romanos para um direito alicerçado em uma natureza

religiosa, estabelecendo-se a distinção entre a guerra justa e a guerra injusta nas

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relações com os estrangeiros, perduraram por séculos, aparecendo nos

pensamentos de religiosos renomados e influentes da Igreja Católica Romana.

O conceito de guerra justa, na história das relações internacionais, deu-se a partir do esfacelamento do Império Romano, tendo sido uma introdução dos teólogos cristãos, no período conhecido como Patrística, sobretudo a partir de Santo Agostinho (354-430), fortemente influenciado pelo idealismo do neoplatonismo, continuada com a teologia moral dos pensadores católicos da Escolástica, já dentro do pensamento racionalista de decidida influência de Aristóteles. Na corrente que se fortaleceu a partir do pensamento de Santo Tomás de Aquino (1228 – 74), a questão do “justum vellum” acabaria por integrar a doutrina oficial da Teologia Moral da Igreja Católica, segundo a qual a guerra justa poderia ser resumida, em grandes linhas, como: a) a guerra baseada numa justa causa, definida em termos éticos; b) a guerra levada a cabo com uma reta intenção, no curso das hostilidades (sendo tal retidão expressa pelo desiderato de evitar fazer o mal e procurar, sempre que possível, fazer o bem) e c) aquela guerra formalmente declarada pela autoridade competente. Sem perder de vista que as regulamentações da guerra justa se referiam ao “orbis christianorum”, ou seja, às relações internacionais entre os príncipes cristãos, a guerra aos infiéis não mereceria quaisquer restrições, sendo, portanto, sempre um “bellum justum”.(SARAIVA, 2009, P.45).

No século V, Santo Agostinho (354-430) defendera que a guerra seria uma

extensão do ato de governar, sem que com isto todas as guerras se justificassem

moralmente. (GOLDIM, 2003).

Ele pregava suas concepções na tentativa de retirar as justificativas para ir

para a guerra que envolvesse o desejo de causar dano, a crueldade da vingança,

uma mente implacável e insaciável, a selvageria da revolta e o orgulho da

dominação, vendo a guerra como uma trágica necessidade do relacionamento entre

os povos. (GOLDIM, 2003).

Ora, guerras justas decorrem da injustiça do ex-adverso. Pois os bons não lutam contra os bons. Elas buscam, na realidade atingir a paz (...). Visam evitar se consume uma iniuria (no sentindo agostiniano de injustiça) São as defensivas, ou as que emanam da vontade de Deus. (MATTOS, 1964, p.61).

Agostinho justifica a guerra como um ato do governante na busca do bem

comum, desde que seguidas e respeitadas as leis de Deus, a guerra seria

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moralmente aceita. Como professor de retórica e teocrata, Agostinho utiliza-se dos

conceitos para justificar as ações empreendidas pelo governante em defesa da fé

cristã.

Agostinho de Hipona baseou-se na ética cristã para utilizar-se, de forma mais

clara, do conceito de guerra justa. Agostinho fazia a distinção entre uma guerra

justa e uma guerra injusta, considerando que os cristãos não podiam isentar-se de

participar em guerras justas. Agostinho interpretava a condenação do uso da

espada (Mateus. 26.52-3) como uma condenação sem a autorização de uma

autoridade legítima. (MARQUES, 2008).

“A doutrina de Santo Agostinho, acerca da guerra justa, deflui de sua noção

geral, refere-se à sociedade humana. Constitui corolário de sua filosofia do Estado.”

(MATTOS, 1964, p.59).

Para Igreja Católica, que se pronuncia através de Agostinho, seriam

consideradas injustas as guerras que buscassem o poder, a vingança e a

destruição. A guerra justa buscaria a paz e se limitaria a uma causa justa. A teoria

da guerra justa aparece, assim, nos pensamentos religiosos. (CASTRO, 2004).

A doutrina relativa à guerra justa somente será formulada em termos precisos no século V da nossa era, com Santo Agostinho e Santo Isidoro de Servilha. Sofrerá retoques, através de Graciano. Florirá na “Suma Theologica” de Santo Tomás. Para atingir, enfim, sua plenitude, nos séculos XIV e XVII, com a Escola Espanhola do Direito das Gentes.” (MATTOS, 1964, p.51).

Agostinho toma emprestado a Cícero o argumento de que “o recurso extremo

da guerra busca, a final, a restauração da paz”. (HUCK, 1996, p. 31).

A doutrina cristã da guerra justa encontra seu segundo expoente em Santo

Isidoro de Servilha. (MATTOS, 1964).

Para Santo Isidoro de Servilha, portanto é justa a guerra oriunda da razão legítima. Quer seja defensiva, travada em defesa do território nacional, - para repelir o invasor. Quer determine operações ofensivas, ad repetendas res, desde que, com esse ataque, vise obter pelas armas, um ressarcimento legítimo de um direito violado. Ora a reintegração num patrimônio, que sem causa, se perdeu. Não lhe importa, pois substancialmente, o aspecto tático da luta, e sim, sua motivação ético-jurídica”. (MATTOS, 1964, p. 67).

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O teólogo Tomás de Aquino (1225-1274), que veio a ser conhecido

posteriormente como São Tomás de Aquino, por exemplo, só consideravam a guerra

como um instrumento legal quando da observância de três requisitos: ser declarada

pelo príncipe ou autoridade competente, defender uma causa que seja justa e

possuir intenção lícita, além de existirem também algumas normas que

regulamentavam o combate. As guerras não poderiam ser travadas em dias santos,

por exemplo. (TSCHUMI, 2007).

Aqui a utilização de conceito de guerra justa dar-se-ia para justificação do

conflito deflagrado para atender o interesse do governante. De acordo com Tomás

de Aquino, seria o príncipe competente o detentor do poder de guerrear justamente,

desde que seja por uma intenção lícita, apontada pelo próprio soberano que numa

ação clara com os fins justificando os meios precedendo a máxima defendida por

Maquiavel3 séculos mais tarde em sua obra O Príncipe.

Para Santo Tomás, a guerra seria justa se fosse ordenada por um Príncipe,

que tivesse uma causa justa e se a intenção dos beligerantes justos fosse reta.

(MATTOS, 1964).

Tomás de Aquino observa que uma guerra justa deve apresentar uma causa

justa (reparação de um ilícito), uma intenção reta nas hostilidades, e ainda que seja

declarada pela autoridade competente. O fim da guerra estava intrinsecamente

ligado ao bem comum. (CASTRO, 2004).

Vale notar que a Roma cristã vivia em constantes conflitos, principalmente na

Idade Média, ora defendendo-se do ataque dos inimigos, ora tentando expandir as

suas influências através da cristianização de outros povos. Era preciso, nesse caso

arrumar representações para justificar os jogos do poder da época, baseados no

interesse da Igreja. Para isso, buscava-se na cristandade e na sacralização do termo

a justificação das guerras como justificativa moral para o seu uso, buscando uma

naturalização dos motivos dos conflitos, reforçando a tese de que “tem poder que é

capaz de tornar as coisas naturais”. (MAGALHÃES, 2006).

3 Nicolau Maquiavel, nascido em Florença em 1469, morreu em 1527. Foi historiador, poeta,

diplomata, músico italiano do Renascimento. Ë reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pelo fato de haver escrito sobre o Estado e o Governo. O "Príncipe" é o livro mais conhecido de Maquiavel e foi completamente escrito em 1513, apesar de publicado postumamente, em 1532. (NICOLAU..., 2009).

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“O Direito nascia do sentimento religioso. A norma jurídica emanava do

preceito, considerado divino, e a multiplicidade dos deuses cindia os povos.

Apartava as almas”. (MATTOS, 1964, p.15).

Com a organização do Estado moderno a partir do século XV, após lutas

internas do Rei com os senhores feudais, conflagraram-se outros conflitos externos

pela necessidade dos monarcas afirmarem seus poderes perante os impérios e a

Igreja. E cada um dos lados buscou em grupos de pensadores a justificação moral

de suas ações, através da adoção reiterada de novos significados para a nomeação

de justa.

Também nos séculos XV e XVI, na chamada Escola Espanhola do Direito

das Gentes, um grupo de teólogos e juristas hispânicos, teóricos e pensadores4,

dedicaram-se parte de seus trabalhos precipuamente à questão da guerra justa.

Essa escola inicia-se com Francisco de Vitória, em 1539 e termina com a morte de

Suarez, em 1617. (MATTOS, 1964).

A idéia de „guerra justa, lembram os autores, também pode ser admitida como „guerra contra os infiéis”, erigida a partir do expansionismo da igreja romana, católica, no qual as cruzadas condensam toda a sua magnitude. Situa-se neste enquadramento ideológico a expansão marítima e colonial da cristandade européia para a América, Ásia e África, a partir do século XVI, num quadro onde a escravidão e o tráfico de escravos de africanos e indígenas não devem ser esquecidos. (BRAGA, 2005).

Maquiavel, defensor do poder do príncipe soberano, contribui com a

propagação da tese de que a necessidade transforma uma guerra em justa.

(CASTRO, 2004).

O conceito de guerra justa toma formas mais definidas e, já no século 16, Pierino Belli, citando o estatutário Baldo de Ubaldis, setencia que a guerra somente poderá ser justa se for declarada por pessoa justa, por motivo justo, com justos objetivos e finalidades e, ainda, pela autoridade competente. (HUCK, 1996, p. 35).

4 Diversos autores conceberam também modelos teóricos cuja finalidade era garantir a paz entre os

povos. O movimento que objetivava proibir o uso da violência entre os povos ficou conhecido como Irenismo. Alguns intelectuais propuseram soluções para garantir a segurança dos homens, procurando impedir os conflitos entre as diferentes comunidades. Nas relações internacionais, o Irenismo é defendido pelos autores da corrente idealista, também chamados de utópicos. (TSCHUMI, 2007).

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Para o espanhol Francisco de Vitória5, “a única e só causa justa para fazer a

guerra é a violação do direito (...).” (MATTOS, 1964, p. 107).

Para Thomas More6, a guerra seria aceitável apenas com finalidade

defensiva e que nenhuma guerra que se conheça na história, no presente ou no

futuro foi justa. (GOLDIM, 2003).

Já Francisco Suarez (1548-1617) afirma que dois são os requisitos, para que

haja uma guerra justa: a capacidade jurídica do beligerante e a causa legítima e

necessária. (MATTOS, 1964).

O jurista italiano Alberico Gentile (1552-1608) e Hugo Grotius (1583-1645),

romanistas, versados em teologia e hostis ao Direito Canônico, somam-se aos

demais doutrinadores na análise do termo.

Para Gentile, as guerras são naturais e humanas, porém, entretanto só é

justa ao reduzir-se a defesa. (MATTOS, 1964).

Hugo Grotius7, jurista holandês e teólogo, já dizia, que a guerra somente

deveria ser empreendida quando houvesse comprovada necessidade. E que há

situações em que a razão para fazer a guerra seja tal que não se possa ou não se

deva negligenciá-la. Para se saber se a guerra é justa deveria se examinar tal

questão sob o ponto de vista do direito natural. (GROTIUS, 2005).

Para Grotius justa seria a guerra feita por quem possui o verdadeiro direito de

fazê-la. (MATTOS, 1964).

Emmerich de Vattel (1714-1767) afirmava a guerra justa seria a guerra legal.

(MATTOS, 1964).

No século XX, Hans Kelsen8, afirma que a guerra somente seria justa quando

houvesse violação ao Direito Positivo (Consuetudinário e Convencional),

5 Francisco de Vitória (1483-1512) foi um teólogo espanhol neo-escolástico e um dos fundadores da

tradição filosófica da chamada "Escola de Salamanca", sendo também conhecido por suas contribuições para a teoria da Guerra Justa e como um dos criadores do moderno direito internacional. (FRANCISCO..., 2009). 6 Para o inglês More (1478-1535), a guerra seria permitida apenas com finalidade defensiva e que

nenhuma guerra que se conheça na história, no presente ou no futuro foi justa. (GOLDIM, 2003). 7 O jurista holandês Grotius (1583-1645) já dizia em 1603 que não há como decidir as disputas

internacionais senão com a força. (GOLDIM, 2003). 8 O jurista austro-americano Kelsen (1881-1973), no século XX, também trata dessa temática ao

afirmar que a guerra somente seria justa quando houvesse violação ao Direito Positivo (Consuetudinário e Convencional), abrandando, pois, o Direito Natural. Mas, que com a Carta da ONU (Direito Convencional) somente a guerra defensiva (legítima defesa) poderia ser vista como justa. (MATTOS, 1999).

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abrandando, pois, o Direito Natural. Hans Kelsen defendia que a guerra justa como

sendo aquela praticada e justificada moralmente pelo governo. Para ele, como para

Vattel, a guerra justa seria a admitida pelo Direito. (MATTOS, 1964).

Já para os marxistas russos, o conceito de guerra justa seria aplicado em

qualquer guerra que fosse empreendida para o advento ou aceleração evolutiva do

socialismo. (MATTOS, 1964).

A formalização da teoria da guerra justa, em termos jurídicos, deveu-se ao teólogo dominicano espanhol, Francisco de Vitória (1486-1546) haveria regras superiores ao poder dos reis, mesmo que fossem eles ungidos por um direito divino reservado a eles, e tal superioridade seria resultante do fato de estarem elas inscritas na natureza humana. Assim sendo, na sua “Relectio de Jure Belli”, Francisco de Vitória compendiaria a teoria oficial da Teologia Moral Católica, vigente em seu tempo, dando-lhe uma vestimenta racional e, o que é de extrema importância, transformando princípios éticos em regras jurídicas o autor traria para a conceituação de guerra justa a necessidade de ela pretender reparar a efetiva violação de um direito, mas de um direito de grande importância, na medida em que o castigo de guerra devesse ser proporcional à gravidade da violação de um direito: a correspondência e a proporcionalidade entre, de um lado, o castigo e as violências combatidas na guerra e, de outro, os valores violados a que se buscava reparar, seriam as medidas para qualificar-se uma justa. Francisco Suarez (1546-1617) acrescentaria à teoria de Francisco de Vitória, o elemento de que a violação de um direito deveria ser seguida da constatação de que não teria havido qualquer outro modo de reparação, além da guerra, que passou a ser considerada como a “última raio”, Hugo Grócio (1583-1645) retiraria quaisquer conotações religiosas que pudesse haver na teoria da guerra justa, sendo a guerra, portanto, a manifestação de um jogo contratual entre os Estados todo-poderosos; seria justa a guerra que os príncipes todo-poderosos assim a considerassem. Essas teorias, contudo, até o século XX, mostraram-se inoperantes a ponto de infringir-se a um Estado que empreendesse uma guerra considerada injusta qualquer sanção internacional, elaborada e aplicada pela totalidade dos Estados soberanos. (SARAIVA, 2009, p.45-46).

Concomitante às iniciativas de se buscar uma espécie de regulação para o

uso da força na resolução de controvérsias internacionais, ganhava força, também,

um sentimento humanitário exigindo que os Estados respeitassem algumas normas

para se evitar ou ao menos minimizar o sofrimento de milhares de pessoas

inocentes atingidas por conflitos armados. A guerra, encarada como um ato

abominável, se não pudesse ser totalmente abolida, deveria ser regulada com

concepções humanitárias, fixadas por meio de tratados.

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Mas foi no final do século XIX e início do século XX, quando as conferências

tornaram-se processos normais de resolução coletiva dos grandes problemas

internacionais, que a opinião pública e começa a clamar pelo surgimento de uma

moralidade prática universal, passando a condenar o uso da força nas relações

internacionais. (THOMPSON, 1953).

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a ascensão

das idéias liberais, a opinião pública ganha força e exige o fim das mortes insensatas

nos conflitos e a necessidade de evitar sofrimentos desnecessários nos combates,

além de empunhar a bandeira pela paz internacional e não ao horror das guerras.

A guerra e a pobreza passam a ser vistas, assim, como problemas morais

permanentes, além de se constituírem como falhas na ordem moral universal. A

convicção de um universo moral tinha sido quebrada; a convicção de uma

comunidade mundial exigindo uma multidão de reformas sociais e institucionais

tomou seu lugar. A mente, o corpo e a alma de sociedade moderna exigiram um

sistema universal de segurança internacional, anunciado como um passo essencial,

repudiando grandes conflitos de poder, procurando garantir a paz perpétua.

(THOMPSON, 1953).

Mas, com o crescimento da atenção para todas as formas de projetos

humanitários, verifica-se o desenvolvimento de um direito, esse eminentemente um

direito para a guerra, normas até então costumeiras que foram regulando os

embates ainda existentes, porém a partir desse momento, essas regras passam a

garantir a integridade física e a diminuição dos sofrimentos dos combatentes e da

população civil atingida.

Sobretudo a partir do século XX, marcado pelo Jus in bello, com as duas

grandes Conferências de Haia, em 1899 e 1907, elaboram respectivamente, três e

treze convenções sobre a prevenção da guerra, a condução das hostilidades e o

regime da neutralidade. Realizam-se, igualmente, progressos no domínio

humanitário, com a proibição parcial do uso da força, através do Pacto da Liga das

Nações e, depois a proibição total da agressão armada através do Pacto Briand-

Kellog, datado de 28 de agosto de 1928. Dessa maneira, tem-se a evolução

gradativa desse direito de guerra, embasado nas considerações humanitárias e

fixado por meio de tratados. (PELLET, DAILLIER, 2002).

No plano internacional, além das Convenções de Haia e uma emenda

conhecida como Doutrina Drago-Porter, além da criação da Corte Permanente de

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Arbitragem (CPA) ainda no ano de 1907, mesmo não proibindo totalmente a guerra,

aparecem como tentativas de regulação do uso da força.

A doutrina Drago-Porter aprovada em Haia em 1907, defende a proibição aos

Estados de recorrerem à força para cobrar dívidas dos demais, o que representa o

primeiro elemento proibitivo de ação militar, válido para aqueles sujeitos estatais que

adotaram o documento da Convenção, além da necessidade da resolução dos

litígios pela arbitragem. Já a criação da CPA representa a implantação de uma

jurisdição permanente com competência para julgar conflitos. (BRANT, 2007).

Nesse sentido, pode-se afirmar que o mundo vivia sob as hostes de um direito

de guerra, que apenas objetivava regulá-la e não a impedi-la, visto que o recuso à

guerra era um direito vigente, mesmo com as tentativas de sua abolição.

Inicialmente, essas as normas que deveriam ser respeitadas nos combates

eram consuetudinárias e mais tarde eram provenientes de acordos bilaterais.

Contudo, a idéia inicial de criar um direito internacional que regulasse os meios para

amenizar o sofrimento dos combatentes, tornou-se realidade a partir do ano de

1864, com a Convenção de Genebra, adotada por 16 Estados para a melhoria das

condições dos feridos militares em combate.

Nesse contexto, procurava-se um fundamento para excluir a utilização

abusiva das armas como meio de solucionar controvérsias, a adoção da força

somente seria justificável quando fosse considerada lícita e justificável à época.

Antes que nascesse a etapa moderna do DIH, existiam normas, tanto de costume como de direito, que podiam ter aplicação nos conflitos armados. Tratava-se de acordos, geralmente bilaterais, concluídos antes, durante ou depois das hostilidades, que almejavam assegurar um tratamento recíproco aos feridos ou aos prisioneiros, para fixar os termos de uma rendição ou de uma capitulação, para decidir uma trégua ou um cessar fogo ou para levar a cabo as ações humanitárias derivadas da execução de um tratado de paz. No entanto, estas normas dependiam de negociações freqüentemente injustas, e não gozavam de um respeito universal. (PEYTRIGNET, 2009).

Com as recorrentes convenções internacionais ganha força o papel

pacificador e humanitário de um novo direito, agora denominado Direito Internacional

Humanitário, destinado a regulamentar os problemas advindos de conflitos armados,

não mais pensando de forma stricto sensu, ou seja, nos métodos estratégias da

ação armada em si, mas almejando regular de forma lato sensu todo o conflito,

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pensando principalmente nas vidas humanas envolvidas e nas vítimas do uso da

força armada.

Porém, o objetivo desse ramo do Direito não seria mais justificar a guerra,

mas reprimi-la, por intermédio da sua proibição, da limitação das hostilidades, Jus in

Bello, durante os conflitos armados e do julgamento dos acusados de violação das

normas humanitárias. O Direito Internacional Humanitário, mais especificamente,

passa a atuar a partir do desrespeito à regra geral de interdição do uso da força até

a punição dos culpados, em busca do apaziguamento.

O esforço jurídico da comunidade internacional para opor-se à violência dos

conflitos armados passa a não se restringir apenas no período de duração dos

combates, mas permanece posteriormente. Ao terminarem as batalhas, torna-se

imprescindível a punição dos criminosos de guerra, daqueles que iniciaram

ilicitamente a luta, os que violaram as regras do Jus Contra Bellum, bem como dos

transgressores do Jus In Bello. (FERNANDES, 2006).

Com o Jus In Bello, as regras costumeiras passaram a regular as condutas de

proteção das vítimas advindas da guerra, dando ênfase as que protegiam os feridos

e os enfermos, que não deveriam ser tratados como prisioneiros, e sim, após o

devido tratamento, serem devolvidos aos seus exércitos. (FERNANDES, 2006).

No Jus In Bello, ou seja, no direito aplicável na guerra encontram-se a maior

parte dos princípios do Direito Internacional Humanitário. Salienta-se que o Jus In

Bello é a materialização do direito aplicável na guerra, ou seja, durante o conflito,

decorrente do Jus Ad Bellum o direito de guerra propriamente dito, ou seja, é àquele

que possibilita a realização da guerra quando esta parecer uma guerra justa.

Com a Carta das Nações Unidas de 1945, o conceito de guerra justa ganha

uma coloração leiga baseada no Direito Convencional, somente a guerra defensiva,

em legítima defesa, é agora considerada justa. (MATTOS, 1999).

Modernamente, considera-se como guerra justa aquela que está em

conformidade com as disposições legais que regem o Direito Internacional Público,

isto é, o conflito será considerado como tal quando obedecer aos ditames

consignados nas regras internacionais que os regulam. O entendimento da guerra

como justa é delimitada no subjetivismo dos Estados, já que o instituto da legítima

defesa é um pano de fundo para a exposição das políticas internacionais,

esquecendo estas dos princípios humanitários consignados nas normas que

regulam a guerra. Entretanto, há uma divergência entre a teoria e a pratica, visto

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que, os critérios subjetivos que determinam a legalidade e a legitimidade do conflito

armado internacional não são absolutamente eficazes em si mesmos. Nesse

contexto, pode afirmar que o Jus Ad Bellum encontra-se atualmente disciplinado

pela Carta da ONU e somente deve ser admitido naquelas situações descritas no

sétimo capítulo.

O emprego das armas está legitimado, assim, apenas até que a comunidade

de Estados, representados pela Organização das Nações Unidas, possa atuar em

conjunto para defender os agredidos e nos casos expressamente permitidos nos

dispositivos da Carta, sem os quais a guerra torna-se injustificável e passa a ser

considerada como uma guerra injusta.

2.3. O Pragmatismo nas Justificativas de Guerras Justas

A guerra foi, sem dúvida, o problema ético mais importante do último século.

Mas atualmente, a guerra continua a ser um problema ético que gera controvérsia e

disparidade das análises e justificativas para a sua utilização.

A Guerra tem sido analisada, há séculos, a partir de dois aspectos

fundamentais, o da legitimidade e da ilegitimidade, ou seja, se é justa ou injusta,

legítima ou ilegítima, e o da eficácia, de sua utilidade, ou ainda da adequação dos

meios utilizados aos fins propostos. (CASTRO, 2004).

Entretanto, persiste o entendimento de que a guerra nomeada como justa é

delimitada no subjetivismo dos Estados, visto que, os interesses submersos do

poder é que se utilizam da retórica pragmática através de nomeações e

representações com o intuito de defenderem a legalidade e legitimidade do conflito.

Esse mecanismo de representação demonstra como se dá o aparato de

dominação ideológica, através da manipulação da opinião pública, objetivando o

encobrimento seus reais interesses hegemônicos.

Para Zizek, a ideologia seria entendida como fenômeno psicossocial de falsa

consciência e ilusão, que, constitui-se numa ordem simbólica que estrutura

percepção da realidade pelo indivíduo. Para ele, as ideologias totalitárias são as

legitimadoras da dominação social. (ZIZEK, 1992).

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“A nomeação é um mecanismo de simplificação e de geração de preconceitos

que facilita a manipulação e a dominação. A estratégia de nomear facilita a

dominação.” (MAGALHÃES, 2008).

Os poderes hegemônicos foram utilizando, convenientemente, vários

significados para esse tipo de nomeação na tentativa de justificar a guerra como

justa, tornando-a um senso comum alicerçado na ideologia dominante.

“Tem poder quem é capaz de construir o senso comum. Tem poder quem é

capaz de construir certezas e logo preconceitos. (...) Este poder encoberto pela

representação distorcida (propositalmente distorcida) funda-se em ideologias, em

mentiras.” (MAGALHÃES, 2006).

As representações distorcidas do termo foram impregnando ideologicamente

a evolução do reconhecimento da legitimidade das guerras. Jamais houve uma

estabilidade do uso dessa linguagem, e o conceito foi adquirindo novos significados

como forma de impedir uma dialética contra os enganos encobertos pelos discursos.

“A representação distorcida com o objetivo de manipulação é feita com este

objetivo. A representação distorcida que encobre os jogos de poder é desonesta. O

objetivo é dominar, enganar e não dialogar.” (MAGALHÃES, 2006).

Essa representação está em curso, modificando-se, submetendo-se ao

interesse político, de acordo com os interesses postos e os jogos do poder.

O método pragmático auxiliou a consolidação desse aparato de dominação,

através do jogo de palavras e significados, utilizando-se de conceitos que são

modificados, ideologizados e submetidos aos interesses de cada época. Isso permite

a recriação de conteúdos e de novos significados como ferramenta de manipulação.

A realidade foi sendo propositalmente distorcida através de um discurso

pragmático em defesa de uma ideologia dominante, que buscava a simplificação

como forma de construir certezas na opinião pública.

O processo ideológico distorce a realidade e cria certezas construídas sobre fatos pontuais que procuram explicar uma situação complexa. O elemento de dominação presente procura construir certezas na opinião pública (MAGALHÃES, 2006).

A utilização de novos significados, sujeitos sempre às mudanças necessárias

em uma determinada época são utilizados para manipular, criar comportamentos e

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revelam um real encoberto pela ideologia hegemônica. E pragmatismo, como

método de recriação de signos de acordo com a contextualização e os interesses

subjacentes, através de usos diferenciados da linguagem, passa a ser uma

ferramenta de manipulações que se deram com o conceito de guerra justa.

Em Investigações Filosóficas (1953) Wittgenstein afirma que o significado das

palavras não depende daquilo a que elas se referem, mas de como elas são usadas.

A linguagem, dizia ele, é um tipo de jogo, um conjunto de peças ou equipamentos

(palavras) que são usadas de acordo com um conjunto de regras (convenções

lingüísticas). (WITTGENSTEIN, 1999).

Nesse sentido, o discurso teológico, político ou jurídico que muitos teóricos

elencam para abarcar a complexidade do uso desse conceito, concretiza-se apenas

em um plano ideal de justificação argumentativa, pois a realidade empiricamente

observável é o recurso à força, marcado por processos retóricos através do uso da

linguagem para a sua explicação.

O uso da linguagem nesse caso prova que os conceitos adquirem significados

diversos de acordo com a sua utilidade no mundo real. Não há uma verdade

absoluta e única, ela vai sendo criada de acordo com o momento.

Para o mesmo Wittgenstein, a linguagem tem múltiplas outras funções além

da mera designação de objetos ou coisas (que constitui a função semântica da

linguagem). O que pode ser facilmente comprovado pelo uso do conceito de guerra

justa.

Essa é apenas uma das inúmeras funções da linguagem. A virada lingüística

tenta explicar que, sob seu prisma, o que se entende por determinado signo

depende necessariamente do contexto em que este é utilizado, o que caracterizaria

uma abordagem pragmática da linguagem, aplicável aqui no conceito de guerra

justa. (ADEODATO, 2006).

No caso estudado, o discurso pragmático foi distorcendo a realidade para

manipular e encobrir os jogos desonestos, objetivando o engano e não permitindo o

desenvolvimento do processo dialético.

Verifica-se que os jogos de poder sempre buscaram a sobreposição do

terceiro elemento, uma ideologia que intervém para alterar os dados que se

apresentam, muitas vezes, encenados por concepções preconceituosas e

distorcidas.

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Constantemente, aparecem novos termos para definir o conceito que foi

sendo reinterpretado e essas definições foram se moldando através de um

movimento discursivo, provando assim ser possível justificar, criar novos significados

para uma guerra sendo dadas condições muito específicas, como forma de encobrir

o real. E as construções enunciativas são impregnadas desse conteúdo ideológico

que distorce a realidade.

Vale lembrar que os americanos são, no presente, os representantes das

representações da modernidade no âmbito do pragmatismo, pelo fato do exagerado

uso de nomeações para justificarem-se diante da invasão, destruição e extermínio

no Afeganistão e no Iraque.

Os episódios de 11 de setembro em Nova Iorque recolocaram em pauta o conceito de “guerra justa”, pragmaticamente pensado como auto-defesa. Diante da ineficácia simbólica, da idéia de „guerra limpa‟, „guerra tecnológica‟, onde não haveria mais “banhos de sangue” a ser exibido, nem combate “corpo a corpo”. (BRAGA, 2005).

O discurso pragmático para o encobrimento do real é recorrente no Estado

americano, que se utiliza dessa prática de simplificação e nomeação dos fatos para

exercer um poder simbólico de dominação sobre a sociedade civil mundial.

O consenso fabricado é o de que, embora se possa argumentar que a luta contra Saddam Hussein foi motivada por razões escusas e justificada por uma vergonhosa manipulação de dados, o ataque ao Afeganistão foi uma guerra santa, empreendida por motivos legítimos e com um objetivo honesto. Não foi. A manipulação de dados e as razões escusas já estavam presentes desde o início. (MANFREDI, 2009).

A guerra justa ocorre por razões humanitárias e pelo combate ao terrorismo,

mas sua verdadeira função é legitimar a intervenção do Império, produzindo um

inimigo, e conclamando todos os povos a se unirem contra ele numa cruzada pela

paz e pela justiça mundiais. (MANFREDI, 2009).

Para justificar suas ações intervencionistas, aceitas por boa parte da opinião

pública manipulável, os Estados Unidos lançam mão da simplificação simbólica

como ferramenta ideológica do império através de uma forte campanha publicitária

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destinada a convencer a opinião pública de que uma guerra é justa, fortalecendo

sua supremacia ideológica mundial. (MANFREDI, 2009).

Os poderes hegemônicos, representados pelos jogos de poder de cada

época, utilizam-se da retórica pragmática para denominar suas ações militares

sempre como justa, encobrindo os seus verdadeiros interesses escusos com um

manto sagrado, impregnado de ideologias que alteram e distorcem o real.

Contudo, apesar de todas as tentativas de governantes, políticos,

estrategistas, militares, filósofos, juristas e historiadores, no sentido de promover a

definição sobre a legalidade da guerra e sua justificação na justeza, esta forma

extrema do uso da força continua a dominar os principais acontecimentos

internacionais, assumindo as mais variadas formas e, para ainda justificá-las,

através dos mais contundentes argumentos.

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3. O DIREITO INTERNACIONAL, A PAZ E A SEGURANÇA

INTERNACIONAL

3.1. A Formação dos Estados e o Direito Internacional

No feudalismo o poder era descentralizado e estava compartimentado entre

os senhores feudais, a Igreja e os reis. Os senhores feudais dominavam com mãos

de ferro os seus feudos e exerciam seus poderes ilimitados sobre seus territórios e

seus escravos. A influente figura da Igreja Católica, paladino da defesa da fé, da

moral e dos costumes cristãos, exercia seu poder utilizando-se dos dogmas

religiosos através da disseminação da cultura do medo contra os possíveis hereges.

Existia, ainda, o rei que era o arrecadador de impostos e a figura sob a qual estava

confiada a segurança de todo o reino e da manutenção dos privilégios dos demais

partícipes da nobreza e do senhorio.

Na Idade Média, como o poder sobre os territórios, estava divido e a figura do

rei estava cada vez mais decadente, tornou-se necessário que cada feudo se

responsabilizasse por sua própria defesa.

Nesta época ainda não existia a figura do Estado moderno, embora houvesse

um conjunto comum de regras a serem seguidas. E com a descentralização do

poder político, cada senhor feudal contava com um pequeno exército que garantiam

a segurança de seus servos. Os servos se dedicavam ao trabalho braçal e às

atividades comerciais, como a garantia da subsistência do feudo, enquanto a própria

nobreza se dedicava à arte da guerra, tornando-se cavaleiros. (TSCHUMI, 2007).

Era a época das guerras privadas, onde os senhores feudais contratavam

soldados para o exercício da defesa de seus territórios contra a cobiça dos demais.

Os exércitos eram constituídos de guerreiros bem treinados e bem pagos, os

chamados exércitos mercenários.

Nesse período, havia grandes dificuldades de coibir os conflitos que ocorriam,

porque se tratavam de atos privados, onde os senhores feudais organizavam seus

exércitos, pequenos, porém capazes de atacar ou defender um feudo. Situação

oposta ocorria na idade antiga, quando a guerra era travada por grandes e

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poderosos impérios, tratando-se a guerra, neste caso, de uma questão

eminentemente pública. (TSCHUMI, 2007).

Com a crise do sistema feudal, houve a preocupação em se criar uma força

institucional centralizada que colocasse ordem ao caos e a anarquia que se

instalava à época. Foi necessário que houvesse um resgate do fortalecimento da

figura de um soberano, o que, posteriormente, impulsionou a criação dos Estados

modernos.

Nessa fase de transição do feudalismo para uma nova ordem reguladora dos

anseios da sociedade, pensadores iluministas começam a trabalhar com a idéia da

Constituição de um Estado que desempenhasse o seu papel regulador. (MAZZUOLI,

2007).

Mas, a figura do Estado fez com que os conflitos deixam de ser individuais ou

coletivos e passam a ser estatais, já que os Estados guerreiam, agora, entres si. E a

formação dos exércitos nacionais, com o invento da pólvora e a fabricação das

primeiras armas com poder de fogo provocou, a partir do século XV, uma

significativa mudança na história dos conflitos, tornando a guerra muito mais

perigosa e mortal. (TSCHUMI, 2007).

Com implantação do arcabouço estatal, constituindo por um exército próprio,

agora de caráter estatal, os conflitos passam a se configurarem como

eminentemente conflitos interestatais, de dimensões e proporção muito maior que os

anteriores, muito em função das descobertas de novos manejos e métodos de

guerrear.

As guerras passam a ser determinadas de acordo com os interesses

nacionais. Mesmo as sociedades mais desenvolvidas, que contavam com processos

mais avançados de participação política, se pautavam em suas relações exteriores

pelo uso da força, no qual só havia uma forma de o Estado aumentar sua

segurança: formando alianças militares capazes de garantir suas chances de vitória

na próxima guerra. (MAZZUOLI, 2007).

A busca pela satisfação de seus próprios interesses, sendo esses

econômicos ao almejarem, assim, a conquista de novos mercados consumidores e ,

muitas vezes, de fornecedores de mão de obra escrava e matéria-prima barata ou

mesmo por interesses meramente políticos, objetivando, com isso, o acréscimo de

suas posses territoriais no intuito de formarem grandes impérios ou bolsões de

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influência e domínios, fez com que os Estados passassem a agir egoisticamente na

arena internacional, pautando sua relação na ameaça e na força.

Para tanto, tornou-se necessário que os essas figuras estatais buscassem a

formação de alianças políticas e militares, para se auto-protegerem contra novos

inimigos que pudessem ameaçar seus domínios e para garantirem o mínimo de

segurança nas suas trocas comerciais com os novos amigos.

Essa foi a principal forma de garantir a segurança dos Estados no plano

externo, até o começo do século XX, era mesmo ampliar essas alianças militares e

políticas. As alianças baseavam-se em um sistema internacional anárquico e

descentralizado. (TSCHUMI, 2007).

Na busca de seus interesses e em nome da soberania estatal, a ameaça do

recurso à guerra manteve-se, assim, como um estado permanente. A tradição

guerreira permaneceu nas relações entre os povos e mesmo depois do surgimento

dos Estados, ela intensificou-se e tornou-se um status normal na relação interestatal.

Nesse sentido, o uso da força fora utilizado como um instrumento

preponderante nas relações internacionais até o final do século XIX e isso, até

então, não se configurava como uma ilicitude.

Os conceitos morais da sociedade européia da época, associado com as

idéias iluministas que estavam surgindo e, mais tarde, à teoria do liberalismo,

procurou impregnar a ordem internacional para que essa fosse mais estável e

pacífica, onde o direito internacional figurasse como centro das atenções.

(MAZZUOLI, 2007).

Ao lado de algumas tentativas estatais em defesa da segurança internacional,

com destaque para as alianças constituídas para interesses específicos, cresce a

pressão dos movimentos que passam a condenar o uso da força nas relações

internacionais e as injustiças produzidas por esses conflitos.

Acresce-se a isso o fato do crescimento do comércio internacional e o

desenvolvimento científico que também impulsionaram os Estados a buscarem a

promoção da ordem no meio internacional, dotando esse de maior segurança e

estabilidade, fazendo com que a possibilidade de ocorrência de conflitos entre eles

ficasse cada vez mais remota, seja pelo medo ou para se favorecerem com a

expansão dos negócios estrangeiros.

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Com o avanço da Revolução Industrial no século XIX surgiu a necessidade da

existência de um direito que transcendesse a esfera interna de um país para se

relacionar com outros Estados. (MAZZUOLI, 2007).

O clima de instabilidade e a insegurança permanente que prejudicava o

desenvolvimento comercial entre as nações, bem como a crescente pressão

exercida pelos movimentos que clamavam por uma moralidade de caráter

humanitário e pelo fim das hostilidades que vitimavam inocentes, os próprios

Estados iniciam um processo de busca por acordos e consensos, baseados em

normas costumeiras, num primeiro momento e posteriormente através de tratados

de garantia inicialmente bilaterais.

Esse clima de instabilidade do cenário internacional gerador de incertezas,

impedia o desenvolvimento econômico das nações e o bom êxito das negociações

comerciais, já que a desconfiança e insegurança presentes representavam um

grande obstáculo para o progresso das nações, fortalecia-se gradativamente o

consenso entre os Estados na defesa da necessidade da diminuição das

instabilidades através da formalização de acordos e alianças.

Foi pela busca de um cenário mais seguro, que foram surgindo alguns pactos

que garantissem o mínimo de estabilidade na convivência e na relação entre os

povos. Esses acordos e as convenções deles surgidas mostram-se como as

tentativas iniciais de regulação e impedimento do uso da força e do recurso ao

conflito armado no plano internacional.

As tentativas iniciais de acordos e pactos internacionais, oriundos de

conferências internacionais, visaram, assim, à criação de um ambiente mais seguro.

Desenvolve-se, a partir desses momentos, a institucionalização de mecanismos para

regulamentar os conflitos armados, além das formas e métodos dos conflitos

armados, com a imposição de regras e os usos permitidos de armamentos em

combates. Verifica-se, portanto, o ápice de um direito de guerra, regulamentando o

uso da força, os meios de sua aplicação e os momentos de usarem esse tipo de

recurso.

Porém, os Estados formaram um direito internacional totalmente

descentralizado, não existia um órgão superior com poder de obrigá-los. E esta

situação fez com que os governantes buscassem a garantia de cumprimento dos

nascentes tratados, na maioria das vezes com o uso da força quando os mesmo

eram descumpridos e a outra parte considerada como traidora.

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E essa situação perdurou, portanto, até o final do século XIX, pois o recurso à

força fora amplamente utilizado e inexistiam instrumentos normativos que

promovessem a sua total interdição. O Direito, assim, não era uma ferramenta

necessária, nas relações entre os Estados, ou seja, o recurso à guerra não

encontrava no Direito o seu impedimento.

3.2. Os Tratados de Westfália e o Equilíbrio Europeu

Mesmo após o surgimento dos Estados modernos, a guerra foi durante séculos

um status normal na relação interestatal, visto que a princípio a própria formação dos

Estados deu-se para atender aos anseios da defesa contra os inimigos. As alianças

formatadas visavam acima de tudo a busca de aliados para a proteção contra os

ataques externos, além de novos parceiros comerciais e principalmente militares.

As comunidades existentes no período de formação dos Estados Modernos,

que se deu no século XVII, não procuravam desenvolver meios jurídicos para

impedir a ocorrência dos conflitos. A guerra era algo rotineiro. Mesmo as alianças

militares não tinham o objetivo principal de impedir a existência de novos conflitos.

Elas tinham a finalidade de aumentar as possibilidades de vitória na guerra seguinte.

(TSCHUMI, 2007).

Além disso, as alianças militares, quanto mais fortes e poderosas, maior

capacidade as mesmas apresentavam para disseminar o medo de um ataque

conjunto contra aqueles que pudessem contrariá-las ou ameaçá-las em seus

interesses e, porventura, estivessem de fora desse grupo. Alem disso, entre os

partícipes ficava implícito um acordo de cavalheiros para a manutenção de um status

quo dos domínios e interesses de cada um deles.

Como na Idade Moderna a guerra se torna um monopólio do Estado e

aumentam-se proporcionalmente os impactos desses conflitos no cotidiano das

sociedades nacionais, intensifica-se, também, a ocorrência dos tratados de

garantias, como forma de aumentar a segurança entre esses entes.

E a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) foi o primeiro conflito generalizado

entre Estados e, ademais, como decorrência do mesmo foi firmada a Paz de

Westfália, consolidando o Direito Internacional e sacramentando a prevalência do rei

sobre a Igreja e os senhores feudais. (TSCHUMI, 2007).

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No absolutismo monárquico, os próprios reis, como chefes de Estado,

buscaram assumir um valor comum, passando a admitir a necessidade de um

princípio alicerçado numa convivência internacional mais pacífica entre essas

nações estrangeiras, em contraponto a um ambiente de permanente lutas e

desconfianças mútuas.

Os monarcas, embora procurem a glória militar, não deixam por isso, de se interessar pela manutenção da paz. Nos séculos XVI e XVII. (...) estabeleceram projetos de uma organização internacional para servir de enquadramento às relações pacíficas entre Estados. (...) os monarcas deviam aceitar uma limitação à soberania. Preferiram uma outra receita que deixasse intacta esta soberania, que acreditavam poder encontrar na aplicação de um princípio político, o princípio de equilíbrio, em vez da organização internacional. (PELLET, DAILLIER, 2002, p. 55).

Com a assinatura dos Tratados de Westfália, construído pelo Tratado de

Osnabrück e pelo Tratado de Münster, assinados em 1648, ao término da Guerra

dos Trinta Anos, surge um importante marco político e jurídico na Europa que define

a secularização da administração dos Estados, relegando ao Sacro Império Romano

um poder apenas simbólico até 1806, quando esse foi oficialmente extinto por

Napoleão. (TSCHUMI, 2007).

A quebra da unidade moral preconizada pela Igreja Católica consolidou a plena autonomia dos Estados, que passaram a exercer uma política de poder na qual o bem-estar do país se sobrepõe a quaisquer princípios religiosos ou morais – a chamada razão de Estado. (TSCHUMI, 2007, p.44).

A Paz de Westfália foi um dos marcos para o processo de formação dos

Estados modernos, a partir do qual o direito internacional adquiriu o status de um

ramo autônomo do Direito e onde os Estados modernos passaram a ser

considerados Estados juridicamente iguais, não havendo interferência de uns nos

assuntos internos de outros. (MAZZUOLI, 2007).

Quando os Estados tornam-se juridicamente iguais na esfera internacional,

com direitos e deveres inalienáveis, o que os tornam soberanos nas suas escolhas e

destinos, faz-se necessário não só a adoção de regras procedimentais de

comportamento na inter-relação estatal, mas ainda a afirmação solene do respeito e

do reconhecimento mútuo dessa igualdade, bem como a indispensável

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normatização dessa convivência para limitar as ações de cada um no plano

estrangeiro.

Mas, o escopo de obrigações assumidas pelos Estados ficou limitado a

poucas normas, como a imunidade de jurisdição dos Estados no tocante aos atos de

império ou o princípio de não interferência nos negócios internos de outra nação.

(TSCHUMI, 2007).

Apesar desse reconhecimento por todos os Estados das regras sobre a

autonomia política e a igualdade de todas as nações européias, tornou-se

necessário instituir um mecanismo jurídico que restringisse a situação de guerra que

prevalecia na esfera internacional. (TSCHUMI, 2007).

Com a finalidade de garantir a sobrevivência de pequenos reinos, frente a

poderosas monarquias, visto que não seria suficiente uma garantia dada apenas

pelos princípios gerais, foram elaborados dois artigos no Tratado.

Art. 123. Exortar o infrator a não cometer mais hostilidades, submetendo o caso à arbitragem, ou aos procedimentos da justiça. Art. 124. Todos os Estados-parte serão obrigados a auxiliar a parte prejudicada, através da mediação e do uso da força, a repelir o infrator. (TSCHUMI, 2007).

Analisando-se o artigo 123 conclui-se que não será mais permitido que os

Estados utilizem-se da força para a resolução de qualquer controvérsia, devendo

esses buscar a solução do reclame na arbitragem ou nos meios da Justiça.

A arbitragem passa a configurar-se como uma solução jurídica bastante

plausível para os conflitos internacionais surgidos após 1648. Durante a Idade

Média, esse instituto foi bastante eficaz na solução dos conflitos quando a Igreja

coagia os monarcas a participarem e aceitarem o resultado do laudo arbitral feito

pelo Papa. (TSCHUMI, 2007).

Porém, com a derrota da Igreja na Guerra dos Trinta Anos que retirou o poder

do Sumo Pontífice para impor esse modo de solucionar os problemas externos, já

que Westfália concedeu grande autonomia aos Estados, torna-se impossível colocar

em prática um sistema com normas de caráter vinculativo. A limitação que

representava um conjunto de regras mínimas de mútua abstenção, destinadas a

garantir a coexistência pacífica entre os Estados, fez com que o sistema de

adjudicação legal fosse uma grande ficção. (TSCHUMI, 2007).

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O resultado da Guerra foi não só a garantia da autonomia dos Estados,

através da afirmação da igualdade jurídica entre eles, como também a

independência política dos mesmos frente ao Império Romano e a Igreja Católica,

representada pelo Papa.

O artigo 124, por sua vez, declara que os Estados devem agir coletivamente

para repelir o transgressor que vitimou um Estado pela força, o que na prática seria

uma guerra de todos os signatários do Tratado contra um, o beligerante. Mas, isso

não significa, todavia, a implantação de um sistema de segurança internacional

coletiva, como pode parecer.

O mecanismo descrito no art. 124 do Tratado de Vestfália possui duas diferenças fundamentais em relação ao sistema de segurança coletiva. A primeira delas é que Vestfália (sic) procurava impedir a ocorrência apenas dos conflitos de longa duração. Os Estados continuavam livres para realizar guerras de agressão, desde que durassem menos de três anos. A segunda diferença é a ausência de uma organização internacional para determinar qual das partes era a responsável pela agressão e para comandar a ação militar coletiva. Essa diferença ocorria em função da própria limitação do direito internacional em 1648, que desconhecia os tratados multilaterais, que surgiram apenas no século XIX. Caso os arts. 123 e 124 tivessem sido implementados, a Europa pós-1648 possuiria um sistema de aliança militar multilateral bastante avançado, prevendo a utilização de mecanismos jurídicos para determinar a parte responsável pela agressão. (TSCHUMI, 2007. P.47).

Sem a existência de uma organização internacional com mecanismos

institucionais sólidos, a defesa da paz caiu no abstrato e a operacionalização de um

sistema de ação coletiva jamais poderia ser utilizada.

A instituição política que poderia ser utilizada para coordenar a ação coletiva

e a arbitragem no julgamento das demandas seria o Sacro Império, porém esse era

letra morta, visto que a assinatura de Westfália fulminou com o mesmo.

Nesse sentido, o Sacro Império não dispunha mais de qualquer autoridade

legal sobre a Europa, a conseqüência foi o não funcionamento do sistema coletivo,

já que essa instituição fora escolhida na assinatura dos Tratados com a entidade

responsável para julgar as divergências que porventura ocorressem e conceder o

aval para a ação coletiva contra o Estado agressor. (TSCHUMI, 2007).

O enfraquecimento do Sacro Império e a Igreja, únicas instituições que seriam capazes de julgar as partes envolvidas na guerra, inviabilizou a aplicação dos arts. 123 e 124 de Vestfália. (TSCHUMI, 2007. P. 47).

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Após a assinatura desses Tratados de Westfália, identificam-se algumas

tentativas de buscar-se a hegemonia pela coerção objetivando a preservação da

estabilidade e redução dos níveis de violência, pela articulação de mecanismos

internacionais de cooperação. A idéia de império, ressuscitada por Napoleão,

propiciaria o surgimento de uma diplomacia limitadora de ambições hegemônicas, a

partir do Congresso de Viena, em 1815, pela substituição do exercício unilateral do

poder nacional, do início da era moderna, pela concertação coletiva. (PATRIOTA,

1998).

O malogro dos arts. 123 e 124 dos Tratados de Vestfália e da teoria do direito natural levou a Europa a adotar a política de equilíbrio de poder como forma de garantir a coordenação entre os Estados no sistema internacional, entre meados do século XVII e início do século XX. Embora já existisse antes de meados do século XVII, foi somente a partir desta época que o equilíbrio de poder passou a ser aplicado de modo global, ou seja, como uma política envolvendo toda a Europa cristã, e não apenas uma determinada região do continente (como o equilíbrio existente entre os reinos da Itália nos séculos XV e XVI). (TSCHUMI, 2007. p.63-64).

O Congresso de Viena (1815) foi, após Westfália, o segundo grande ato da

consolidação do Direito Internacional, visto que ao marcar o fim das guerras

napoleônicas, estabeleceu um novo sistema multilateral de cooperação política e

econômica na Europa. (MAZZUOLI, 2007).

No fim das guerras implementadas por Napoleão, instituiu-se uma nova

ordem política européia, com o fim de manter o equilíbrio entre as grandes

potências, através de uma convivência harmônica, pactuando-se o respeito e a

manutenção dos espaços de influência política e econômica de cada uma delas.

Em l815 os estadistas europeus concordavam que a nova ordem internacional deveria ser baseada na manutenção do status quo definido em Viena. De acordo com essa perspectiva, a Quádrupla Aliança, que em 1818 com a adesão da França transforma-se numa pentarquia, deveria ser responsável pela manutenção da paz internacional. Já a Santa Aliança era concebida, pelos membros associados, como um instrumento de caráter retórico, “um caso de misticismo sublime e absurdo” nas palavras de Castlereagh (ministro dos Negócios Estrangeiros e Plenipotenciário britânico em Viena). (TSCHUMI, 2007).

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Assim, as potências européias formariam, no século XIX, um sistema,

fundamentado em um auto-proclamado direito de intervenção, para proteger o status

quo, que impediu a eclosão de uma guerra continental por quase cem anos. O

Concerto Europeu funcionaria como um instrumento de preservação da estabilidade.

(PATRIOTA, 1998).

Em teoria, a política de equilíbrio assenta numa idéia mestra, a saber, que é necessário realizar entre os Estados uma repartição de forças de tal modo que elas se equilibrem.(...). (PELLET, DAILLIER, 2002, p.55).

Os interesses conflitantes das grandes potências foram decisivos para o fim

do equilíbrio europeu, pois na verdade os grandes gostariam de manter a suas

hegemonias sobre alguns territórios que também eram de interesses de outros

grandes.

As guerras iniciadas com o objetivo de restaurar o equilíbrio de poder, as ameaças de guerra para mantê-lo, as intervenções militares nos assuntos internos de um estado para combater a influência do poder de um terceiro estado, tenha ou não havido violação de normas legais, fazem com que as exigências do equilíbrio de poder entrem em conflito com os imperativos do direito internacional. As demandas da ordem são vistas como anteriores às da lei, precedendo também os interesses das pequenas potências e da manutenção da paz. (...). As Guerras Napoleônicas, que colocaram em risco os governos europeus no início do século XIX, serviram como um alerta de que a política de equilíbrio de poder, oficializada um século antes nos Tratados de Utrecht, não seria capaz de garantir, por si só, a segurança no continente. O esforço conjunto das outras quatro grandes potências européias (Grã-Bretanha, Rússia, Áustria e Prússia) para derrotar Napoleão serviu como uma lição de que os conflitos generalizados não poderiam ser evitados apenas com os cálculos utilitaristas que determinavam o equilíbrio de poder e, conseqüentemente, dissuadiam as potências a procurar modificar o status quo da Europa. (TSCHUMI, 2007.p.67).

A discrepância entre os interesses, principalmente da idéia de manutenção do

status quo, preconizada pela Grã-Bretanha, em relação, por exemplo, da Áustria e

da Rússia, provocou a ruína do sistema em 1822. (TSCHUMI, 2007).

Apesar da extinção do Governo Congressional, o consenso baseado em valores comuns estabelecido por Metternich, ao lado do equilíbrio de poder, ainda funcionou como um elemento fundamental para dissuadir as possibilidades de conflitos entre as grandes potências. Somente com a ascensão de Napoleão III da França e de Bismarck na Prússia é que a unidade e a paz entre os cinco grandes da Europa foi rompida. O período compreendido entre a Guerra da Criméia (1854 – 1856) e a unificação da

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Alemanha (1871) marcou o reordenamento do status quo na Europa. Porém, o novo equilíbrio de poder foi instituído sobre os alicerces muito frágeis, o que tornou um novo conflito generalizado entre as potências (Primeira Guerra Mundial), uma mera questão de tempo. (TSCHUMI, 2007. p.70).

Mas os europeus não desistiram na busca de instrumentos destinados

assegurar a paz e a segurança internacional através de uma cooperação que

desejavam aprofundar. A própria criação da União Européia9 no século XX, tem suas

raízes históricas, relacionadas a uma reação do continente aos episódios da

Segunda Guerra Mundial10. (Europa, 2010).

A União Européia foi criada com o objetivo de pôr termo às freqüentes guerras sangrentas entre países vizinhos, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1950, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço começa a unir econômica e politicamente os países europeus, tendo em vista assegurar uma paz duradoura. (Europa, 2010).

Pode-se afirmar que, no pano de fundo dessa iniciativa está a reedição de um

novo equilíbrio europeu, agora emoldurado pela tão alardeada globalização

econômica, visando a manutenção de um equilíbrio financeiro e econômico dos

povos, unidos pelos laços da estabilidade que busque uma paz que interesse a

todos.

9 Os seis países fundadores são a Alemanha, a Bélgica, a França, a Itália, o Luxemburgo e os

Países Baixos. Atualmente 10

É cada vez mais notória a disposição dos membros da União Européia para se dotarem das ferramentas necessárias à promoção do seu conjunto de valores comuns e à defesa dos seus interesses. São estes fatores que levaram ao lançamento das bases da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) no Tratado de Maastricht, em 1993. Estes alicerces foram desenvolvidos pelo seu sucessor, o Tratado de Amsterdã, que entrou em vigor em Maio de 1999. Logo, as questões relativas à segurança do continente, especialmente de seus membros, merecem destaque no interior do bloco. Nesse sentido, a Agência Européia de Defesa foi criada por uma Ação Comum do Conselho de Ministros de 12 de Julho de 2004 a fim de melhorar as capacidades de defesa; promover a cooperação no domínio do armamento; reforçar a base industrial e tecnológica no domínio da defesa. (EUROPA, 2010).

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4. O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

Ao tempo que o uso da força era um recurso comum na relação interestatal

para a solução de controvérsias, também se verifica a ocorrência de esforços e

tentativas para submeter os combates armados a limitações e condições destinadas

à proteção do ser humano contra as conseqüências geradoras dos sofrimentos,

danos, perdas humanas e de bens materiais necessários à sua sobrevivência.

Já que os Estados soberanos dispunham de total liberdade de fazer uso da

força nas suas relações e o direito de recurso às armas integrava o próprio conceito

de soberania estatal, sem representar um ato ilícito, nos conflitos deflagrados, os

combatentes e as populações eram expostos ao sofrimento indiscriminado e os

vencidos eram massacrados pelos vencedores.

Como se sabe, a guerra, nas suas origens, caracterizava-se pela ausência de

um ordenamento jurídico que regulasse as relações de interesses, havendo

prevalência da lei do mais forte. Porém, com o desenvolvimento e o progresso das

idéias humanitárias, observou-se a necessidade das partes em conflito preservarem

seu potencial humano, como também buscarem uma tomada de consciência do

caráter irracional, inútil e economicamente inviável das destruições e métodos

truculentos utilizados na guerra.

Os recorrentes e seculares clamores por uma moral humanista e com a

gradativa expansão e progresso das idéias liberais e humanitárias, evidencia a

necessidade das partes em conflito preservarem o ser humano, seja ele um soldado

combatente ou mesmo um integrante da população civil.

Nesse sentido, verifica-se ainda no ano 1000 a.C a existência de regras sobre

os métodos e os meios para a condução das hostilidades e algumas normas

tendentes à proteção de certas categorias de vítimas dos conflitos armados como as

mulheres e crianças, principalmente. Excetuando-se as regras costumeiras

vigentes, ressalta-se também a ocorrência de um grande número de tratados

internacionais bilaterais e multilaterais que contêm normas deste tipo. Podem ser

citados principalmente os tratados de paz, acordos internacionais de capitulações,

rendições e certos acordos de cessação de hostilidades, como, por exemplo, os

tratados de armistício. (SANTOS, 2007).

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As primeiras Codificações como o Código de Manu (II a. C – II d. C) e o dos

Sarracenos legislaram sobre o tema e, posteriormente, observam-se as

preocupações com a possibilidade de represálias, estes fatos serviram de inspiração

para se pensar mais tarde na criação do Direito Internacional Humanitário. Em suma,

aduz-se que ele esta fundamentado em regras (normas) convencionais ou de origem

consuetudinária especificadamente destinadas a regulamentar os problemas

advindos de conflitos armados. (COSTA, 2005).

Esses e outros preceitos morais de caráter humanitário, costumeiros, num

primeiro momento, foram sendo institucionalizados e positivados. Buscava-se, com

isso, amenizar os efeitos decorrentes da guerra, ditando normas para regular

algumas condutas e métodos no decorrer dos conflitos armados.

E foi a partir desses ideais que foram se instituindo as codificações, que

positivaram algumas normas relativas aos conflitos aramados. Por exemplo, o

Tratado de Paris11, que trouxe à tona a proibição da prática dos saques, protegendo

os navios mercantes neutros. Posteriormente, a Declaração de São Petersburgo12,

onde são consignadas as regras que proíbem o uso de armas com efeitos que

resultem em sofrimentos desnecessários nos combatentes na guerra terrestre. A

Declaração de Bruxelas, relativa a conflitos terrestres, emitiu também as tentativas

de dar garantias às pessoas alheias ao combate. (COSTA, 2005).

Deve ser ressaltada, ainda, como fonte precursora do chamado DIH, as

iniciativas de Henry Dunant que propiciaram o nascimento de um grande movimento

filantrópico, o conhecido Comitê Internacional da Cruz Vermelha - CICV, e ainda o

seu importante papel para a propagação, a universalização e o desenvolvimento

normativo do direito humanitário.

O direito internacional humanitário é o conjunto de normas internacionais, de origem convencional ou consuetudinária, especificamente destinado a ser aplicado nos conflitos armados, internacionais ou não-internacionais, e

11

O Tratado de Paris de 1856 significa o corolário da Guerra da Criméia, que opôs, de 1853 a 1856, a Rússia (derrotada) contra a Turquia, a França, a Inglaterra e o Piemonte-Sardenha. (TRATADO..., 2009). 12

Datado do ano de 1868, é o primeiro instrumento internacional que regula os métodos e meios de combate. A Declaração, considerada como enunciando o direito consuetudinário existente, proíbe o ataque a não combatentes, a utilização de armas que agravem inutilmente o sofrimento dos feridos ou que tornem a sua morte inevitável e o emprego de projéteis com menos de 400g contendo uma carga explosiva ou substâncias incendiárias. (DHNET, 2010).

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que limita, por razões humanitárias, o direito das Partes em conflito de escolher livremente os métodos e os meios utilizados na guerra, ou que protege as pessoas e os bens afetados, ou que possam ser afetados pelo conflito (SWINARSKI, 2002, pp. 29).

O patrocinador desse movimento filantrópico, Henry Dunant, após presenciar

a batalha no campo de Solferino, no ano de 1859, escrevera um livro intitulado

Lembranças de Solferino, no qual além de descrever os horrores que presenciou no

campo de batalha de Solferino, ao norte da Itália, onde as tropas francesas venciam

o exército austríaco, além de descrever os horrores que presenciou, expôs suas

idéias sobre os meios necessários para melhorar a assistência aos feridos nos

combates. Seu livro teve um extraordinário êxito pelo fato de que respondia às

preocupações humanitárias da época. (CICV, 2004).

As repercussões provocadas pelo ensaio de Dunant desembocaram na

formação, em 1863, de um Comitê Internacional de Socorros aos Feridos. Comitê

que foi o órgão fundador da Cruz Vermelha e o promotor das Convenções de

Genebra. (CICV, 2004).

Verifica-se que após a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha

(CICV) houve o surgimento de um importante marco para o fortalecimento do papel,

da universalização e do desenvolvimento normativo do Direito Humanitário.

A missão e a atuação do CICV na defesa do Direito Humanitário, na

fiscalização e monitoramento de sua aplicabilidade tem seu mandato reconhecido

internacionalmente. Nesse domínio, merece destaque a atuação da chamada

diplomacia humanitária. A atividade atenta aos governos e organizações

internacionais para as questões humanitárias, através da busca por um diálogo

contínuo com todas as partes que se encontram em divergências. (CICV, 2004).

O CICV atua também com base no direito de iniciativa, previsto nos Estatutos,

na qualidade de instituição independente e de intermediação, o CICV pode promover

qualquer iniciativa humanitária que tenha relação com o seu papel, e pode examinar

qualquer problema que necessite de análise por uma instituição deste tipo. (CICV,

2004).

Em tempo de paz, O CICV, através de suas sociedades nacionais se dedica a

tarefas relacionadas com os campos da saúde, da educação, da atenção em casos

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de desastres naturais, assim como à difusão dos princípios da Cruz Vermelha e das

normas fundamentais do DIH. (CICV, 2004).

A criação do CICV representou, assim, um grande avanço na efetivação do

DIH, nascido da preocupação e da necessidade em regulamentar a utilização dos

meios de guerra pelas forças beligerantes, a fim de aliviar o sofrimento imposto às

vítimas dos mesmos, civis ou militares.

O Comitê realiza seus esforços para a consecução plena desse Direito no

mundo, criando condições para uma manutenção das vidas humanas, atingidas

pelos conflitos, enquanto as hostilidades se desenrolam, e, até mesmo, depois de

celebrada a paz, até que as condições de vida se restaurem ao status quo anterior.

(NEVES E SILVA, 1996).

Como resultado ainda dos esforços de Henry Dunant, realiza-se nem

Genebra, na Suíça, a primeira conferência diplomática de 1864, a Primeira

Convenção de Genebra. Não obstante, nesta Convenção, estipulava essencialmente

o respeito e a proteção ao pessoal e às instalações sanitárias, se acordou o princípio

essencial de que os militares feridos ou doentes seriam recolhidos e cuidados,

qualquer que fosse a nação a que pertencessem.

Posteriormente, o DIH moderno, e mais particularmente o chamado direito de

Genebra continuou se desenvolvendo a partir de experiências dramáticas com o

aumento do sofrimento humano, isso induziu à elaboração de novas normas para

tentar limitá-lo. Essa comprovação fez com que sempre houvesse atraso de uma

Convenção, com respeito às guerras do momento.

Após a Primeira Convenção seguiram-se mais três encontros, que

aconteceram de 1864 a 1949, com a elaboração de tratados, que definem os direitos

e os deveres de pessoas, combatentes ou não, em tempo de guerra. Tais tratados

são inéditos, consistindo na base dos direitos humanitários internacionais. (CICV,

2004).

O Direito Internacional Humanitário passa, então, a ser a expressão utilizada,

portanto, para designar as normas consagradas nas quatro Convenções de Genebra

e nos dois Protocolos Adicionais às Convenções, ramo esse do Direito Público

Internacional aplicável no decorrer das situações de conflitos armados internacionais

e não-internacionais e também mesmo após o armistício.

Em 1899 e 1907 são produzidas as Convenções da Haia que trazem evoluções

significativas no que tange à guerra terrestre e marítima, já que regem as condutas

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das operações militares, direitos e deveres dos militares participantes, bem como

limita os meios de ferir o inimigo. (COSTA, 2005)

As Convenções da Haia vislumbraram a possibilidade de limitar a capacidade e

liberdade dos beligerantes, através da edição de regras que regulassem os conflitos

armados, ressaltando-se o aspecto de que algumas normas editadas nas treze

Convenções permanecem a regular o direito à guerra. (COSTA, 2005).

Nesta ocasião são definidos os direitos e deveres dos Estados e das pessoas

neutras em caso de guerra terrestre.

Os direitos consistem basicamente na inviolabilidade do território, lendo-se

por este o espaço aéreo, bem como o mar territorial e na subsistência do livre

comércio com os Estados conflitantes. Os deveres corroboram na obrigatoriedade

de tratamento igualitário de todos os beligerantes (princípio da imparcialidade), como

também a abstenção de qualquer envolvimento direto ou indireto nas hostilidades.

(COSTA, 2005).

A função do DIH passa a ser regulamentar o direito de guerra, Jus in Bello, até

mesmo porque regulamentar a limitação e a proibição do direito de recorrer à guerra

– Jus Ad Bellum – é o grande objetivo do Direito Internacional e do sistema das

Nações Unidas, instituição criada para este fim. (BORGES, 2006).

Logo, o DIH abarca, hoje em dia, as regras do chamado Jus In Bello, nas suas

duas vertentes principais, que são o direito da Haia, relativo à limitação dos meios e

métodos de combate, ou seja, da própria condução da guerra, e o direito “de

Genebra”, atinente ao respeito das vítimas da guerra.

Ao mesmo tempo em que rejeita o emprego da violência, o Direito

Internacional Humanitário impõe aos combatentes o respeito ao socorro oferecido às

vítimas dos conflitos armados. Os agentes que prestam ajuda humanitária

necessitam de imparcialidade e independência dos militares para que os interesses

das partes combatentes não deturpem a proteção dos não-envolvidos nas batalhas.

O socorro às vítimas não deve ser imposto pela via bélica e nenhuma ação armada

exclui a aplicação do Direito Internacional Humanitário, que se mantém impositivo

independentemente da legitimidade dos ataques.

Mas, se de um lado tem-se a norma internacional humanitária codificada em

tratados e convenções, ratificadas para serem respeitadas, de outro lado, vê-se, a

cada conflito, o desrespeito à norma e sua conseqüente violação com a ingerência

armada de Estados em território de outros sob o argumento de reprimir violações de

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direitos humanos ou humanitários ou para proteger os próprios cidadãos em perigo

nesses combates.

Essa concepção é desprovida de qualquer respaldo jurídico e transgride o

esforço pela paz proposto pela Carta da ONU. O DIH não se configura como um

direito dos Estados, embora o impulso da sua codificação moderna e do seu

desenvolvimento tenha sido amplamente promovido pelo Comitê Internacional da

Cruz Vermelha.

As medidas a serem tomadas para garantir o cumprimento do Direito

Internacional Humanitário excluem qualquer possibilidade do uso da força, em

oposição ao previsto no Capítulo VII. Inversa à idéia de intervenção, encontra-se a

de assistência humanitária.

Por outro lado, pode-se considerar que a evolução atual da codificação, com

algumas iniciativas tomadas pelas Nações Unidas, em matéria de direitos humanos

aplicáveis em situações de conflitos armados, e com a adoção de Convenções

relativas à limitação ou proibição de certas armas convencionais, provocou a

emergência de um chamado direito humanitário de Nova York. (CANÇADO

TRINDADE, PEYTRIGNET, DE SANTIAGO, 2004).

Contudo, nas operações de imposição da paz das Nações Unidas, previstas

no referido sétimo capítulo da Carta, está a base legal para o que recentemente se

passou a chamar de intervenção humanitária. Essa interferência pressupõe o

constrangimento forçoso da vontade dos que ainda resistem, cuja aplicação

independe do consentimento das partes envolvidas em um conflito armado.

Entretanto, isso em nada pode ser nomeado com Direito Internacional Humanitário.

Diante do exposto nesse dispositivo, a comunidade internacional,

representada pelas Nações Unidas, através do Conselho de Segurança, toma a

decisão política de interferir militarmente em conflagrações nas quais ocorra o

desrespeito de direitos humanos.

Não é o Direito Internacional Humanitário, assim, que legitima essas ações

denominadas erroneamente de intervenções humanitárias, mas o sistema instituído

em 1945 para fazer prevalecer o Jus Contra Bellum, já que as regras desse ramo

jurídico buscam a primazia do Jus in Belo nas relações conflituosas ao contrário do

Jus ad Bellum reinante outrora, visto que, o intuito defendido pelo DIH é aplicação

da justiça, ou seja, do direito na guerra e não mais o direito de fazer a guerra

simplesmente.

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Salienta-se que o Jus In Bello é a materialização do direito aplicável na

guerra, decorrente do Jus Ad Bellum o direito de guerra propriamente dito, ou seja, é

àquele que possibilita a realização da guerra quando esta parecer justa.

Modernamente, considera-se guerra justa aquela que esta em conformidade

com as disposições legais que rege o instituto, isto é, os conflitos serão

considerados como tal quando obedecer aos ditames consignados nas regras que

os regulam.

O entendimento da guerra como justa é delimitada no subjetivismo dos

Estados, já que o instituto da legítima defesa é um pano de fundo para a exposição

das políticas internacionais, esquecendo estas dos princípios humanitários

consignados nas normas que regulam a guerra, depreende-se, portanto que há uma

divergência entre a teoria e a pratica, visto que, os critérios subjetivos que

determinam a legalidade e legitimidade do conflito armado internacional não são

absolutamente eficazes em si mesmos.

Nesse contexto, pode afirmar que o Jus Ad Bellum encontra-se atualmente

disciplinado pela Carta de 1945 e somente deve ser admitido naquelas situações

descritas no Capítulo VII.

O emprego das armas estará legitimado, assim, apenas até que a

comunidade de Estados, representados pela Organização das Nações Unidas,

possa atuar em conjunto para defender os agredidos.

De acordo com o Jus In Bello, as regras costumeiras passaram a regular as

condutas de proteção das vítimas advindas da guerra, dando ênfase as que

protegiam os feridos e os enfermos, que não deveriam ser tratados como

prisioneiros, e sim, após o devido tratamento, serem devolvidos a seus exércitos,

ressalta-se, ainda, que a população civil, hospitais, médicos, enfermeiros e capelães

estavam isentos de aprisionamento, consignando no dever moral de serem

poupados dos ataques inimigos. (FERNANDES, 2006).

A condenação internacional dos conflitos armados não exclui a aplicação do

Jus in Bello, direito na guerra em vez de direito da guerra, expressão mais utilizada

na doutrina que representa melhor o significado do conceito.

As normas que limitam a violência, nas vertentes de Genebra (proteção de

vítimas e bens), Haia (regras de combate) e Nova Iorque (salvaguarda de direitos

humanos e limitação do uso de certas armas), devem ser respeitadas sem qualquer

distinção baseada na natureza ou origem do conflito armado ou nas causas

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defendidas pelas partes no conflito. Quando o Direito não logra evitar a guerra (Jus

Contra Bellum), necessita impor-se para buscar a paz após a eclosão das

hostilidades. (FERNANDES, 2006).

No Jus In Bello, encontram-se, assim, a maior parte dos princípios do Direito

Internacional Humanitário. O esforço jurídico da comunidade internacional para opor-

se à violência dos conflitos armados não se restringe, no entanto, ao período de

duração dos combates, mas permanece posteriormente. Ao terminarem as batalhas,

resta imprescindível a punição dos criminosos de guerra – ou seja, daqueles que

iniciaram ilicitamente a luta, os violadores do Jus Contra Bellum –, assim como dos

transgressores Do Jus In Bello. Jus Ad Bellum, Jus In Bello e Jus Post Bellum são,

portanto, noções úteis para a conceituação do Direito Internacional Humanitário.

(FERNANDES, 2006).

O Direito Internacional Humanitário, conseqüente de uma longa evolução

histórica, parte de uma concepção de que na impossibilidade de suprimir o uso da

força entre os Estados o importante é garantir o menor sofrimento possível dos

combatentes e proteger os civis inocentes.

O objetivo do Direito Internacional não é justificar a guerra, mas reprimi-la,

por intermédio da proibição no Jus Contra Bellum, da limitação das hostilidades

durante os conflitos armados no Jus In Bello ou do julgamento dos acusados de

violação das normas humanitárias no Jus Post Bellum. Já o Direito Internacional

Humanitário, mais especificamente, atua a partir do desrespeito à regra geral de

interdição do uso da força até a punição dos culpados, em busca do apaziguamento.

Finalmente, o DIH, dado seu caráter universal, pretende proteger o mundo

contra um caos total e contra atrocidades sem limites. E é por este motivo que o

artigo primeiro comum às quatro Convenções de Genebra recorda a

responsabilidade coletiva do conjunto das nações, não só para que elas respeitem

as suas normas, quando diretamente implicadas numa situação de conflito armado,

senão também para que elas as façam respeitar, pelas partes envolvidas em

qualquer conflito.

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5. A BUSCA PELA SEGURANÇA INTERNACIONAL

As tentativas históricas para a interdição do uso da força nas relações

internacionais evidenciam que a busca pela paz e pela segurança internacionais é

um tema recorrente há séculos, ou seja, há muito se persegue um ambiente mais

seguro e uma maior estabilidade no cenário mundial, seja para o desenvolvimento

econômico das Nações, seja para manutenção do status quo dos domínios e áreas

de influência das potências ou mesmo para atender aos anseios da opinião pública

nacional e internacional, que sempre se opõem às guerras.

Paralelamente e por outro lado, os próprios Estados iniciaram um processo de

busca por valores comuns para a garantia das suas integridades físicas ou

territoriais, através de tentativas de impedimentos acordados entre eles, seja por

meio da criação de meios de interdição da coação física para conseguirem uma

maior segurança nas suas relações comerciais e nos seus ganhos políticos ou

mesmo pactos de convivência ou alianças militares.

A Paz de Westfália apresentou-se como o primeiro marco que objetivou limitar

a duração dos conflitos através da criação de normas jurídicas. Entretanto, as

diversas guerras existentes após a consecução desses Tratados de Westfália

demonstraram que o sistema de adjudicação legal criado foi insuficiente para a

limitação das guerras por meio do direito.

Não diferente fora os resultados das regras oriundas do Congresso de Viena

que instituiu o Concerto Europeu, baseado num falso equilíbrio das forças das

grandes potências, rivais por si só e guiadas pela cobiça voltada aos territórios

dominados pelas demais. Portanto, o equilíbrio europeu estava à serviço dos

grandes, mas mesmo assim não impediu a ocorrência da guerra.

É inegável a contribuição dada para a busca da paz quando emergiram e se

fortaleceram os movimentos políticos e sociais que condenavam claramente a

utilização da força para resolução de controvérsias na arena internacional, passando

a guerra a ser encarada como um problema moral da sociedade.

A idéia de um sistema de segurança internacional não é algo tão novo. Ao

longo da História verifica-se o aparecimento também de discursos de estrategistas e

estudiosos que passaram a defender a paz e a condenação do uso da força nas

relações internacionais.

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Sedimentado em bases morais de caráter supranacional, há muitos séculos,

a paz e a segurança foram evocadas como alternativas ao status beligerante

predominante nas relações internacionais.

Os antecedentes da idéia de segurança internacional podem ser buscados em um passado longínquo. Desde que se esfacelara o sonho da monarquia universal, com o fim da Guerra dos Trinta Anos

13, os tratados de Vestfália,

que a encerra, criaram a base jurídica para uma Europa de Estados soberanos, que situaria a problemática da paz e da guerra em termos possíveis de serem descritos com base em uma escala cujos dois extremos seriam os do realismo e o de um idealismo internacionalista. Referências a Hobbes e Kant, representantes axiomáticos desses dois extremos, podem auxiliar no entendimento da evolução da noção de segurança internacional. (PATRIOTA, 1998, p. 10-11).

Na Prússia do século XVIII, Emanuel Kant (1724-1804) defendera a tese de

que a paz universal poderia ser garantida por um sistema jurídico apoiado por todos

os Estados. Kant imaginou uma aliança de todos os povos, uma espécie de liga de

nações destinada a salvaguardar a liberdade dos aliados e acabar com todas as

possíveis guerras. (PATRIOTA, 1998).

O projeto do célebre filósofo político Immanuel Kant fora o mais discutido

entre aqueles que propuseram limitar as guerras por meio do direito. .(TSCHUMI,

2007).

No texto À Paz Perpétua (1795), Kant apresenta um projeto de paz onde constam as seguintes idéias: a) proibição de tratados com reservas secretas relativas a futuros conflitos; b) proibição de se adquirir Estados por herança, troca, compra ou doação; c) extinção dos exércitos; d) proibição de dívidas públicas destinadas a financiar guerras; e) proibição da interferência em outros Estados através do uso da força; f) abolição de práticas desonrosas de guerra, como o emprego de assassinos e envenenadores. Em um segundo momento entrariam em vigor artigos definitivos para a paz perpétua entre os Estados, a saber: a) os Estados devem adotar uma constituição republicana; b) o direito internacional será baseado em uma federação de Estados livres; c) o direito cosmopolita dever ser limitado às condições de hospitalidade universal.(TSCHUMI apud.: KANT, 2007, p.60).

13

A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) iniciou-se em 1618 na Boêmia (hoje República Tcheca). Foi

o primeiro grande conflito europeu e provocou a fim do Sacro Império Romano de Nação Germânica. No início era um conflito religioso já que os protestantes não aceitavam o domínio de um imperador católico que ameaçava a liberdade de religião. Com a derrota dos protestantes pelas forças imperiais, os demais principados protestantes do Sacro Império entraram no conflito. Em seguida, a guerra tomou proporções internacionais e a França foi considerada a grande vitoriosa e consolidou o seu caminho para a expansão. Os Tratados de Vestfália, de 1648, puseram fim à Guerra deram base para a organização de uma Europa de Estados soberanos. (GUERRA..., 2009).

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Percebe-se que Kant, estipula em sua obra as regras necessárias à paz,

receituário que diz respeito ao fim da diplomacia secreta, a proibição de anexação

de territórios, estipula, ainda, o fim das forças armadas, veta a contração de dívidas

pelos Estados para cobrir gastos de guerras, utilização do uso da força na esfera

internacional, além de regras humanitárias nos combates. Acresce-se, segundo o

filósofo a adoção da forma de governo republicana, com Estados soberanos e um

direito sujeito à receptividade de todos.

Para Kant, se a população pudesse decidir entre fazer ou não fazer uma

guerra, dificilmente optaria pela primeira alternativa.

Como um filósofo liberal, Kant acreditava que a natureza humana seria

melhorada pelo do uso da razão. .(TSCHUMI, 2007).

Logo, a paz tornar-se-ia perpétua de modo natural, desde que fossem solucionadas as outras duas causas profundas da guerra. Para tanto, bastaria que os Estados adotassem o modelo democrático e respeitassem algumas regras práticas, como não tratar de modo hostil os estrangeiros, abolir os exércitos e não interferir nos negócios internos de outra nação. Essas medidas propostas por Kant solucionariam a questão das diferentes estruturas internas dos Estados. A anarquia, terceira causa profunda, chegaria ao fim com a implantação da Confederação de Estados. Entretanto, essa não seria um super Estado, com poder coercitivo sobre as demais unidades políticas ou um governo mundial, dotado de autoridade suprema. A federação de Kant seria uma liga de paz entre os povos. (TSCHUMI, 2007, p.62).

Pelo exposto, a confederação de Estados proposta por Kant não se

configuraria como uma instituição para o governo mundial ou mesmo um super

Estado com poderes supremos e coercitivos sobre as demais unidades, mas um

grande acordo consensual de povos, emanados pelo mesmo objetivo que seria a

busca da paz perpétua. Nesse sentido a liga seria apenas um símbolo do acordo,

sem se constituir em uma organização com poderes universais ou supranacionais.

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52

Esta liga não visa à nenhuma aquisição de alguma potência de Estado, mas meramente à conservação e à garantia da liberdade de um Estado para si mesmo e ao mesmo tempo para outros Estados aliados, sem que estes porém por isso possam ser submetidos (como homens no estado de natureza) a leis públicas e a uma coerção sob as mesmas. A exeqüibilidade (realidade objetiva) desta idéia da federalidade, que deve estender gradualmente sobre todos os estados e assim conduz à paz perpétua, mostra-se por si. Pois quando consente a fortuna que um povo poderoso e ilustrado possa formar-se em uma república (que tem de ser, segundo sua natureza, inclinada à paz perpétua) então esta dá para outros Estados um centro da união federativa para juntar-se a ela e assim garantir o estado de liberdade dos Estados, conforme a idéia do direito das gentes, e expandir-se sucessivamente sempre mais por várias ligações desse tipo. (KANT, 1989).

Kant defendera, ainda, a não-interferência em assuntos internos de outros

Estados, individualmente ou através da liga, sem o consentimento dessa liga. O uso

da força somente poderia ser permitido em caso de ocorrência de um ato de

agressão internacional. Nesse caso, os demais Estados, esses republicanos,

deveriam auxiliar a república nacional vitimada a repelir o ataque, como uma espécie

de aliança militar multilateral, não como uma agência ou organização internacional.

(...) o projeto de Kant apresenta uma concepção mais realista, e, portanto menos próxima (ainda que conserve algumas características) do ideal da segurança coletiva. Por realista, nesse caso, entende-se a intenção de assegurar a paz sem a criação de uma organização com poderes superiores aos Estados. A confederação de Kant não possui prerrogativa para formar um exército internacional. A paz deve ser mantida através da ação direta dos Estados, sem haver um comando das operações militares pela liga, o que torna esse projeto mais distante da segurança coletiva (...). Para Kant, os membros da confederação auxiliariam o Estado agredido em razão do interesse comum a todos os membros, de preservar a paz internacional. Não havia a necessidade de que uma organização internacional coagisse os Estados a colaborar com a operação militar coletiva. (TSCHUMI, 2007, p.63).

As características do sistema garantidor da paz defendido por Kant, mesmo

com suas peculiaridades, que o distingue do sistema de segurança coletiva,

aproxima-se, em muito, daquela doutrina, que mais tarde será proposta pelos

defensores da paz e da segurança internacional, inspirados nos pressupostos

kantianos.

Kant é, assim, invocado como fonte de inspiração ao processo de

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estabelecimento de mecanismos multilaterais de cooperação para a promoção da

paz, que começou com as Conferências de Haia de 1899 e 1907 numa a atitude

inversa com ênfase ao papel exercido pelo poder, sobretudo o militar, nas relações

entre Estados, que costuma ser associada a Hobbes14. (PATRIOTA, 1998).

a. A Doutrina da Segurança Coletiva Internacional

Com a criação das Organizações Internacionais no século XX, aparece um

fator de cunho inovador, pois elas trazem consigo novos instrumentos para a

promoção da solução pacífica de controvérsias ao invés do uso da força, propondo,

inclusive a utilização de ações coletivas, através da universalização de um sistema

de segurança internacional de ação conjunta, mas agora sob os auspícios de uma

entidade internacional.

A segurança internacional coletiva, proposta por esses novos sujeitos, mesmo

não existindo um consenso a respeito do significado desta expressão, configura-se

através de uma ação coercitiva implementada e sob a coordenação de uma

organização internacional apoiada pelos seus Estados-membros contra os Estados

agressores que, porventura, inflijam os preceitos do Direito Internacional,

ameaçando a paz e a segurança internacional.

Sintetizando o que a maioria dos autores entende por segurança coletiva,

Tschumi (2007) descreve o conceito em sua obra como um princípio do Direito

Internacional.

14

O inglês Thomas Hobbes (1588-1679), na obra intitulada Leviatã, datada do ano de 1651,

descreve o estado da natureza humana como de permanente luta de todos contra todos para manter sua liberdade e, se possível, aumentar suas posses. Contemporâneo da Guerra dos Trinta Anos, ele fala de uma vida em comunidade liderada por um soberano, que seria o Leviatã que, por ser humano também, tenderá a exercer autoridade ilimitada, provavelmente despótica, sobre os demais. Para Russell, Hobbes é incapaz de sugerir outra forma de relação entre os Estados que a guerra e a conquista. (RUSSEL, 1945).

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(...) é um princípio do direito internacional público contemporâneo que compele uma organização internacional, criticado com o apoio obrigatório dos seus membros, a implementar medidas coercitivas para repelir um ataque armado não justificado ou outra ação que viole a paz internacional.(TSCHUMI, 2007, p.17).

A repulsa ao ataque armado, exposto no conceito, refere-se à reação

contrária a um ataque que não esteja justificado de acordo com as normas previstas

nos instrumentos legais de caráter internacional. O ataque, nesse caso, se

configuraria como um ato ilícito de violação da paz internacional, ou seja, seria a

utilização da força armada ou a prática da violência em desacordo com as regras do

Direito Internacional. Exceção a essa regra seria as ações autorizadas pelos

dispositivos da norma internacional.

A segurança coletiva é um mecanismo que possui a finalidade de garantir em

última instância, através da utilização de sanções de caráter obrigatório, inclusive a

força, aplicadas por decisão e sob o comando de uma instituição de caráter

universal, a segurança internacional e a integridade territorial dos países-membros

frente a um ato de agressão cometido por outro Estado agressor.

Segundo um relatório de 1951 divulgado pela Comissão de Medidas Coletivas

da ONU, a segurança coletiva consiste em sanções aplicadas de forma conjunta

pela comunidade internacional.

(...) planos para um sistema de sanções que possa evitar a ação de qualquer Estado tentado a cometer agressão ou, não o conseguindo, assegurar que o agressor tenha de se defrontar não unicamente com sua vítima, mas com a força unida da comunidade internacional. (TSCHUMI, 2007, p.18).

A doutrina da segurança coletiva internacional se baseia, assim, na ação

coletiva de todos os Estados unidos contra outro Estado beligerante. Todos os

Estados fariam para a sociedade internacional o que ação policial faz para a

comunidade doméstica contra um transgressor. Todavia, essa ação conjunta dos

Estados emanados pelos objetivos comuns, deve submeter-se aos ditames da

entidade supranacional competente, para que as mesmas estejam legitimadas

juridicamente.

Embora, doutrinariamente a segurança coletiva internacional pode ser

considerada como um caso limitando de defesa coletiva, na medida em que

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representa uma universalização de uma aliança militar, ou seja, uma aliança de

todos os sócios contra um, é a confluência dos objetivos comuns que apresenta a

necessidade de um conserto. Essa é a condição sine qua non para a existência do

sistema de coletivo internacional, baseado na noção de obrigações morais

universais, como na Convenção da Liga e implícito e explícito na Carta das Nações

Unidas.

O concerto para a aliança militar, diferentemente do concerto europeu, estaria

baseado na ação conjunta estando abaixo de bandeira supranacional de uma

Organização Internacional, responsável pela coordenação militar, política e

estratégia da reação, que será proporcional e de acordo com cada momento, caso a

ocasião assim o exija.

Formulador moderno do realismo, teoria das Relações Internacionais que dá

ênfase ao forte papel militar do Estado soberano na arena internacional, o alemão

Hans Morgenthau (1904-1980) definiu segurança coletiva de um ponto de vista não

universal.

A assertiva de Morgenthau torna-se perfeitamente compreensiva, na medida

em que a teoria realista não crê na cooperação idealista voluntária e baseada na

confiança mútua, dada através de instituições, com um fator determinante do

funcionamento do sistema internacional. Os Estados, para essa corrente teórica,

configurarem-se como egoístas e ávidos por alcançarem seus próprios interesses,

mesmo sendo necessário formatarem alianças militares para alcançarem tais

objetivos pela força.

A segurança internacional coletiva, para o referido teórico seria como um

“princípio gerador de uma obrigação moral e jurídica, que transforma um ataque, por

qualquer país, a um membro de uma aliança em um ataque a todos os seus

membros”. (MORGENTHAU, 1973, p.213).

Já no Dicionário de Política, Norberto Bobbio (1909-2004) define a expressão

em termos essencialmente globais, ou seja, de caráter universal.

(...) a garantia da integridade territorial e da independência de cada Estado por todos os Estados, com base em um acordo prévio sobre o status a ser definido, com aceitação dos riscos envolvidos nesse esforço e poder suficiente para lidar com qualquer combinação de Estados que venham a desafiar o sistema. (BOBBIO, 1998, p.1202).

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O mesmo pensamento divergente sobre o alcance do funcionamento se

universal ou não é compartilhado por Estados distintos, para alguns a coerção ao

transgressor pela força dar-se-ia com uma ação conjunta de todos contra um, sem a

necessidade de um guarda-chuva protetor representado por uma organização que

agisse em nome e com a participação de seus membros.

Nesse caso, para uma corrente de Estados, que almejam regulamentar as

relações conflituosas no cenário mundial, os beligerantes deveriam ser isolados e

contidos pelo resto da sociedade internacional em futuros conflitos. Outros,

contrariando esse pensamento, passam a defender a tese de que os que se

utilizassem da força seriam tratados como os transgressores da lei. (FONTOURA,

1999).

O termo segurança coletiva internacional foi ganhando contornos dos mais

variados, porém trata-se de um mecanismo para regular e para controlar a força de

um sistema internacional. Neste sistema, a agregação imprópria ou uso impróprio do

poder, pelo uso da força, deveria ser prontamente contido pela constituição de uma

força contrária com a preponderância de um poder unificado. Um grupo estaria apto

a agir em qualquer situação que colocasse a paz mundial em jogo. Deveria haver

não um equilíbrio de forças, mas uma comunidade de poder; não rivalidades

organizadas, mas uma paz comum organizada por um arcabouço jurídico

resguardado por uma entidade supranacional.

Nesse sentido, a coexistência dos conceitos de segurança coletiva postulada

em termos universais com a necessária contraposição ao conceito adotado para

definir os acordos de segurança territorialmente circunscritos, as alianças militares,

apresenta relevância na medida em que se situa no cerne das diferentes

interpretações dadas ao termo segurança coletiva.

Henry Kissinger na sua obra Diplomacy de 1998 esclarece a diferença entre

alianças e segurança coletiva.

(...) alianças nas quais a América participou (como a OTAN) geralmente foram descrias como instrumentos de segurança coletiva internacional. Porém, isto não é como o termo foi concebido originalmente, os conceitos de segurança coletiva internacional e de alianças são diametralmente opostos. Foram dirigidas alianças tradicionais contra ameaças específicas e obrigações precisas, definidas para grupos específicos de países unidos por interesses nacionais compartilhados ou preocupações de segurança mútuas. Segurança coletiva internacional não define nenhuma ameaça particular, não há nenhuma garantia a uma nação individualmente, e não há

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discriminação contra nenhuma. É projetada, teoricamente, para resistir a qualquer ameaça à paz, para quem fosse ameaçado e contra quem poderia ser dirigido. Alianças sempre presumem um adversário potencial específico; a segurança coletiva internacional defende o direito internacional na teoria, o qual busca em muito sustentar o mesmo que um sistema judicial apóia um código criminal doméstico. (...). (KISSINGER, 1998, p.249).

A idéia contempla o objetivo de que cada agressão seria suprimida, não por

uma aliança parcial especificamente dirigida contra certas ocasiões, mas por um só

agrupamento compacto e universal, unindo todos contra um, o agressor.

O sistema coletivo evitaria a guerra provendo um impedimento para agressão

e defenderia os interesses dos Estados pacíficos caso ocorresse um conflito

armado. Por poder e persuasão, um sistema coletivo buscaria intimidar a agressão,

apresentando-se como um guarda-chuva protetor para todas as nações, essas

unidas em uma instituição, para agirem contra um potencial agressor.

Em caso de guerra, o sistema de segurança, agrupando recursos, defenderia,

portanto, os interesses de seus sócios contra qualquer nação que ameaçasse atacar

um deles, seria portanto uma coalizão universal institucionalizada e abrangente, com

suas normas e regras positivadas em um documento formal de sua constituição.

(...) segurança coletiva internacional tem um papel importante para o jogo da promoção da paz e da cooperação. Para eles, debaixo de um sistema de segurança coletiva internacional, os Estados provavelmente se uniriam através de uma coalizão, pois os mesmos fizeram compromissos explícitos ou implícitos para assim fazerem e porque passam a ter interesses em proteger uma ordem internacional. A segurança coletiva internacional não só seria preferível por gerar equilíbrio em um ambiente anárquico, por prover um melhor balanceamento contra agressores, mas também porque nutre um ambiente no qual a agressão passaria a ser menos provável acorrer. O otimismo sobre a promessa de segurança coletiva internacional é que os Estados principais compartilharão valores semelhantes e interesses. (KUPCHAN. Apud.: BROWN , 1995, p. 397).

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2. O USO DA FORÇA SOB A ÉGIDE DA LIGA DAS NAÇÕES

A eclosão da Primeira Guerra causou mais um enorme rompimento social,

tendo gerado ondas mais fortes de repulsa à morte insensata e aos sofrimentos

humanos impostos pelos conflitos armados de escala mundial.

A política de equilíbrio da Europa, para os americanos, seria a causa das

dores desse continente, já que esse sistema não visava evitar crises ou mesmo as

guerras. Seu objetivo não era a paz, e sim a estabilidade e a moderação. O

equilíbrio de poder não atenderia por completo a todos os membros do sistema

internacional, mas apenas as grandes potências, quando essas não estivessem

rivalizando-se.

(...) o princípio do equilíbrio (...) é invocado tanto para justificar as guerras defensivas, com o fim de restabelecer um equilíbrio desfeito, como para servir de pretexto a guerras preventivas contra um Estado cujo progressivo poderio possa por em causa o equilíbrio. (PELLET, DAILLIER, 2002, p.55).

Portanto, o próprio equilíbrio seria o causador dos conflitos, visto que em

nome da manutenção do status quo era possível guerrear, preventivamente ou

defensivamente.

No decorrer do conflito, verificou-se a necessidade de se buscar uma solução

para a anarquia imposta pelas disputas e rivalidades, principalmente das grandes

potências, no plano global. Nesse momento, há um resgate dos preceitos antigos

que dariam fôlego para incentivar a institucionalização de mecanismos mais

eficientes de manutenção da paz e da segurança internacional, numa tentativa de se

buscar marcos regulatórios para as ações estatais, evitando-se, assim, o surgimento

de novas disputas sangrentas.

A concepção de uma organização mundial capaz de evitar a recorrência à

guerra, a partir de um esforço coletivo de preservação da paz alicerçado no direito

internacional, seria uma das possibilidades estudadas e estava baseada em

discussões e estudos sobre o assunto há tempos.

A idéia de organizar politicamente a sociedade internacional nasceu como reação à anarquia que resulta dos conflitos internacionais e à insuficiência da doutrina do equilíbrio. Tem por ambição integrar num sistema unitário

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todos os Estados do mundo, sistema que compreenda um certo número de instituições capazes de prevenir e resolver os conflitos de interesses entre os seus membros, à imagem das estruturas da sociedade estatal. (PELLET, DAILLIER, 2002, p.71).

Um dos estudos seria um trabalho de março de 1915 intitulado Para a

Vacância de Guerra. Esse relatório detalhava uma liga de nações com propostas

para a formação dessa organização internacional. Preparado por um grupo de

intelectuais britânicos, denominado de Grupo de Bryce, liderados pelo historiador,

jurista e diplomata inglês Lord Bryce Papers. As propostas tiveram uma grande

influência no ideário produzido durante a Primeira Guerra Mundial para a

constituição de uma liga de nações. Mas, essas propostas não recomendavam uma

cooperação social ou econômica internacional e nem mesmo a adoção de medidas

de administração internacional, porém transformaram-se em fonte inspiradora de

conceitos chaves encarnados em 1919 na Convenção da Liga das Nações. (DUBIN,

1970).

Outra proposta marcante foi apresentada por um grupo de americanos,

estudiosos e cientistas políticos de Cambridge, liderado por Goldsworthy Lowes

Dickinson, e posteriormente esse grupo ficou conhecido como Grupo Dickinson. Eles

afirmavam que a causa subjacente era uma anarquia internacional, posição contrária

à visão britânica oficial, que pregava que a guerra tinha sido produzida somente por

militarismo alemão. O grupo insistiu que não só o militarismo germânico, mas

também através da eliminação da anarquia do sistema, as guerras futuras seriam

evitadas. Para se alcançar este fim, prescreveram um receituário de paz de

reconciliação fundada na autodeterminação nacional e numa liga de paz européia

equipada com um instrumento de sanção coercitiva para assegurar a determinação

pacífica de disputas. Estas medidas seriam acompanhadas por limitação e o controle

democrático de política externa. (DUBIN, 1970).

Todos esses ideais de paz permaneceram em efervescência e as propostas

foram sendo assumidas por diversos outros grupos de estrategistas e pensadores

que traçavam inúmeros projetos para uma organização internacional responsável

por dirimir as disputas e acabar com a anarquia na arena internacional.

Eram apontados, entre outras coisas, para que todas as disputas que

surgissem fora do âmbito do direito internacional ou da interpretação de tratados

seriam decididas por um tribunal de arbitragem ou algum outro tribunal judicial, além

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de acrescentar que todas as outras disputas seriam investigadas por um conselho

de investigação e conciliação, onde os Estados, sócios da liga, fariam provisões para

uma defesa mútua, diplomática, econômica ou militar, no caso da possibilidade de

qualquer um deles sofrer ataques de outro Estado. (DUBIN, 1970).

Os liberais democráticos pregavam a necessidade da institucionalização da

sociedade internacional através da criação de organismos multilaterais para servirem

de fóruns de resolução de disputas e de controle das ações estatais no plano

internacional, para assim alcançarem a segurança e a paz tão almejada, através da

adoção de um sistema de segurança internacional coletiva.

Nesse sentido, a solução liberal era desenvolver organizações internacionais

análogas aos poderes legislativos nacionais e aos tribunais. Já que os Estados

soberanos não poderiam deixar de existir, uso da força poderia ser monitorado por

instituições como é no nível doméstico. O sistema internacional antes baseado em

uma política de equilíbrio de poder deveria basear-se em um segurança coletiva

internacional, garantido por instituições. (NYE JR., 2000).

O intuito da proposta da criação de um parlamento internacional como parte

do ideário liberal seria para que esse órgão emitisse normas de conduta dos Estados

nas suas relações estrangeiras. Ao serem instituídas leis supranacionais, que

deveriam ser seguidas e respeitadas por todos, esses Estados, ao cometerem atos

falhos, poderiam ser enquadrados como transgressores da lei por terem praticado

um ilícito à luz das mesmas. Já os tribunais deveriam prestar ao papel de julgar

esses ilícitos e condenar os culpados, aplicando-lhes uma sanção, além disso, seria

o lócus para a resolução de controvérsias entre esses atores.

Entretanto, foi entre os líderes norte-americanos que esse ideal de segurança

coletiva internacional, garantido por uma instituição, foi levado mais a sério e tomou

uma proporção política sem precedentes, visto que o próprio presidente desse país

assumiu as articulações e a defesa desse discurso.

(...) a formulação inicial desse princípio coube a Woodrow Wilson, que governou os EUA entre 1913 e 1921, e ao seu amigo e principal assessor, Edward Mandell House, conhecido como “Coronel” House. (...). Inspirado pelos valores norte-americanos, House procurou adaptar os utópicos projetos de uma Liga da Paz Mundial à realidade internacional. (TSCHUMI, 2007, p. 98).

A convicção com que o presidente norte-americano Woodrow Wilson abraçou

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a causa da segurança coletiva, sob a coordenação de uma liga de nações, além da

sobrevivência de sua visão idealista permite que se lhe reconheça senão a

paternidade da idéia, ao menos o título de maior entusiasta e proponente, mesmo

não sendo capaz de incluir o país governado por ele na futura Organização.

Wilson teve a visão de uma organização mundial, a Liga das Nações, que manteria a paz através da segurança coletiva, no lugar das alianças. Apesar de Wilson não ter conseguido convencer seu próprio país quanto ao seu mérito, a idéia permaneceu. (KISSINGER, 1998, p.28).

Wilson divergia do pensamento daqueles que acreditavam que a segurança

dar-se-ia pela formatação de uma aliança de poderosos, que pela coação e pelo

medo manteriam a paz e a convivência harmônica na esfera global. A comunidade

de poder defendida pelo norte-americano seria um agrupamento universal baseado

na cooperação e na confiança mútua, onde todos os membros buscariam os mesmo

objetivos que seria a paz.

O que o presidente tinha em mente por comunidade de poder era um conceito

completamente estranho à diplomacia da época, tornando-se a base da ordem

internacional proposta por Wilson. (TSCHUMI, 2007).

Embora os críticos chamassem Wilson de utópico, ele acreditou que

organizando a segurança internacional, através da cooperação voluntária longe dos

egoísmos, estaria fazendo uma mudança prática na política mundial. Ele acreditava

que meros acordos de papel e tratados não seriam suficientes; seriam necessárias

organizações e regras para implementar tais acordos, além de espírito de união

entre todos. Este é o motivo pelo qual Wilson acreditou tanto na idéia de uma liga de

nações.

O que Wilson idealizava era uma associação universal das nações, para manter a segurança inviolável do caminho dos mares para o uso comum e livre de todas as nações do mundo, e para impedir qualquer guerra que comece de maneira contrária a dispositivos de tratados ou sem aviso, e total submissão das causas à opinião do mundo – uma garantia virtual da integridade territorial e da independência política. O remédio de Wilson, segurança coletiva, pressupunha as nações do mundo unidas contra a agressão, a injustiça e, presumivelmente, o egoísmo excessivo. Em discurso diante do Senado, no início de 1917, Wilson afirmou que direitos iguais entre os Estados era a pré-condição para a manutenção da paz pela segurança coletiva, independente do poder de cada nação. (RODRIGUES, 1988, p. 57).

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O esboço da concepção de uma liga de nações, que viria a ser a Liga das

Nações mais tarde, foi apresentado por Wilson pela primeira vez em maio de 1916 e

complementado por acréscimos britânico e francês. (FLEMING, 1956).

Wilson pregou como exigência da paz a meta ambiciosa da destruição de

qualquer potência arbitrária, em qualquer parte do mundo, que pudesse, isolada ou

secretamente, por decisão própria, perturbar a paz do mundo. Uma liga de nações

assim composta, e animada por tais intenções, resolveria crises sem guerras.

(RODRIGUES, 1988).

No mundo pacífico concebido por Wilson não teria lugar para a arbitrariedade,

cobiças e egoísmos, pois coexistência e inter-relação de poderes ambiciosos, agindo

de forma arbitrária na condução de suas políticas externas seria um forte ingrediente

à guerra e as desavenças, esse era o motivo do forte posicionamento do presidente

americano que pregava a destruição desses sujeitos e uma diplomacia limpa e

transparente sem os acordos diplomáticos obscuros reinantes até então no falso

equilíbrio.

Na opinião americana, não era a ausência de um equilíbrio de poder que

produzia instabilidade, mas a tentativa de obtê-lo. Wilson propôs fundar-se a paz no

princípio da segurança coletiva e na paz como conceito legal. (RODRIGUES, 1988).

Woodrow Wilson, presidente americano durante Primeira Guerra Mundial, considerou as políticas de equilíbrio de forças imoral porque violaram a democracia e a autodeterminação nacional. Na visão de Wilson, o equilíbrio de forças era sempre um grande jogo desacreditado. Era uma ordem velha e má que prevaleceu antes da guerra. Para ele, o equilíbrio de poder era uma coisa que poderia não existir no futuro. (NYE JR., 2000, p. 81).

Na tentativa de obter o equilíbrio e dada a necessidade de mantê-lo, as

nações utilizavam-se da diplomacia secreta e da formatação das alianças militares,

lançando mão das ameaças e do uso da força, o que por si só eram fatores que

geravam instabilidade, além de serem um instrumento contrário aos requisitos para a

manutenção da segurança.

O clamor da moralidade prática nas relações internacionais que soava há

séculos por exigência da opinião pública mundial impregnou os pensamentos do

presidente Wilson, a ponto do estadista defender uma ordem mundial onde a

resistência à agressão fosse baseada na moral, não em critérios geopolíticos,

tentando a estabilidade via segurança coletiva, como um substituto ao método

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tradicional europeu de alianças e equilíbrio de poder.

Quando o pensamento americano em política externa e a tradição diplomática européia se enfrentaram na conferência de Paz de Versalhes, em 1919, a diversidade na experiência histórica de ambos ficou evidente. Os líderes europeus queriam renovar o sistema existente segundo métodos familiares; os promotores americanos da paz achavam que a grande guerra não resultara de conflitos geopolíticos sem solução, mas das erradas práticas européias. Em seus famosos quatorze pontos, Woodrow Wilson disse aos europeus que a partir de então o sistema internacional deveria basear-se não no equilíbrio de poder e sim na autodeterminação étnica; que sua segurança não viria de alianças militares, mas da segurança coletiva; e que sua diplomacia não podia mais ser conduzida secretamente por especialistas e sim se basear em acordos abertos, negociados as claras. Wilson viera, evidentemente, mas a fim de remodelar todo um sistema de relações internacionais praticados por quase três séculos que de discutir os termos da conclusão da guerra ou restaurar a ordem internacional antes existente. (KISSINGER, 1998, p.15).

Como forma de dar exemplo para a comunidade internacional européia, o

presidente Wilson enviou ao Congresso de seu país um programa constituído de

quatorze itens, os famosos 14 pontos de Wilson, era para ele o esboço de um

receituário para paz e que deveria ser seguido por todos os povos.

1. Abolição da diplomacia secreta, isto é, todos os acordos internacionais deveriam ser negociados publicamente e não poderiam conter cláusulas ocultas; 2. Plena liberdade de navegação; 3. Eliminação das barreiras econômicas entre as nações, ou seja, liberdade de trocas; 4. Limitação dos armamentos nacionais ao nível mínimo compatível com as necessidades de segurança; 5. Ajuste imparcial das pretensões coloniais, levando-se em conta também os interesses dos povos colonizados; 6. A evacuação da Rússia, o que significava a anulação do tratado de Brest-litovski; 7. A restauração da independência da Bélgica; 8. A devolução da Alsácia-Lorena à França; 9. Reajustamento de fronteiras nacionais italianas, de acordo com linhas divisórias de nacionalidades bem perceptíveis; 10. Autonomia dos povos da Áustria-Hungria, ou seja, plena aplicação do princípio das nacionalidades; 11. Restauração da Romênia, do Montenegro e da Sérvia, assegurando-se acesso ao mar dos sérvios; 12. Autonomia dos povos até então submetidos aos turcos. Além disso, os estreitos do Bósforo e dos Dardanelos passariam a estar permanentemente abertos. 13. Criação de uma Polônia independentemente, habitada por uma população de origem indiscutivelmente polonesa e como pleno acesso ao mar; 14. Criação de uma sociedade ou liga das Nações, com o objetivo de arbitrar as futuras pendências entre as nações, concretizando-se assim o tão sonhado direito internacional público. (RODRIGUES, 1988, p.57-58).

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A nova ordem internacional que emergia defendia que os interesses nacionais

deveriam ser colocados a serviço de valores éticos e na adesão a um sistema

jurídico multilateral, isso representava uma ruptura revolucionária com séculos de

diplomacia européia. Essa era baseada na hegemonia egocêntrica, realizada às

escuras sem o mínimo de transparência, além de ser fundamentada no equilíbrio

entre os principais centros de poder e na separação clara entre moral individual e

coletiva, prevalecendo, evidentemente a individual.

Em junho de 1918, a comissão de criação da Liga concluiu suas deliberações,

recomendando, entre outras sugestões, que a Liga contasse a com meios

coercitivos para obrigar os Estados a honrarem as obrigações contraídas.

(KISSINGER, 1998).

A Organização deveria dispor de uma força militar permanente ou estar capacitada a mobilizar, quando necessário, contingentes nacionais para compor uma força militar internacional. O trabalho propunha a criação de um Estado-Maior que teria a tarefa de organizar e treinar as tropas de uma força permanente ou coordenar o treinamento e a mobilização de contingentes nacionais. O Estado maior teria a incumbência de manter planos atualizados para o emprego dessa força, assim como de responder pela condução das operações no terreno. Cada estado designaria um ou mais representantes para os seus quadros e, em caso de serem as forças militares acionadas, o comandante no teatro operacional seria um oficial designado pela organização. Essas sugestões foram recebidas com ceticismo pelo próprio governo francês, que, mesmo assim, as enviou ao presidente Wilson antes da conferência de Paz. (FONTOURA, 1999, p. 41).

Mas, as concepções de cunho militarista não encontravam aceitação fácil no

seio do povo americano de perfil idealista, personificado em seu presidente. O que

Wilson buscava era que fossem firmados compromissos morais voluntários sem a

idéia de utilizar uma força internacional para coibir o uso da outra força individual.

E foi por esse motivo que na conferência de paz, Wilson assegurou que os

Estados Unidos jamais ratificariam qualquer tratado o qual pusessem a força do país

à disposição de um grupo ou organismo, acrescentando que tal força substituiria o

militarismo nacional pelo militarismo internacional. (VERRIER, 1981).

A resistência americana ao intuito militarista supranacional defendido pela

França, fez com que das idéias francesas apresentadas na Conferência de Paz

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fossem aproveitadas somente a sugestão do estabelecimento de uma comissão

permanente para as questões militares, navais e aéreas, que passou a constar no

nono artigo do Pacto. Os planos franceses de dotar a Liga de meios coercitivos

advogavam a necessidade dos Estados manterem contingentes militares em estado

de prontidão e a conveniência dos arsenais nacionais serem limitados. Os Estados

não podiam dispor de armamentos pesados, acima de certa tonelagem ou calibre,

que ficariam sobre a guarda da Liga. (ALMEIDA, 1938).

A contribuição da resistência americana para a derrota da proposta francesa

foi decisiva e a nova proposta deixava de lado a criação de uma força militar

internacional sob o comando da nova organização, bem como as limitações sobre o

poderio das forças armadas nacionais.

Em janeiro de 1919, reunia-se a Conferência de Paris, convocada para

estabelecer as condições de paz com a Alemanha, e dela elaborou-se os termos do

Tratado de Versalhes, exemplo típico de uma paz imposta e não negociada. Nesse

tratado, a idéia de segurança coletiva internacional emergiu como um conceito novo

das relações internacionais, por buscar responder a um anseio generalizado das

comunidades nacionais a favor de uma paz duradoura e contra a intolerável

existência de guerra mundial. (RODRIGUES, 1988).

Sob forte influência e inspirada no ideário de Wilson, a Conferência de Paz

que selou o fim da Primeira Guerra Mundial, cria a Liga das Nações também

conhecida como Sociedade das Nações, Organização Internacional que seria o

símbolo da paz fundado na cooperação pela segurança internacional.

Por este instrumento, o pacto da Liga das Nações, passamos a nos apoiar primordialmente numa grande força, na força moral da opinião pública do mundo – nas purificadoras e compulsórias influências da publicidade... do mesmo modo como as coisas refratárias à luz são por elas destruídas, que o sejam pela luz devastadora da expressão universal da condenação do mundo. (KISSINGER, 1998, p.52).

A Conferência de Paris aprovou o texto e instituiu o Tratado de Paz e o Pacto

criador da Liga das Nações. E o Presidente norte-americano Woodrow Wilson seria,

então, o grande proponente do ideário da paz através da formação de uma

organização internacional que almejava estabelecer um consenso global. Sob os

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auspícios dessa entidade mundial, o poder cederia à moralidade, e a força das

armas aos ditames da opinião pública. (RODRIGUES, 1988).

O choque da Primeira Guerra Mundial permite encarar uma verdadeira revolução através da construção de um poder internacional de direito superior de Estados: A Sociedade das Nações é criada pela conferência de Paz de Versalhes em 28 de abril de 1919, com o objetivo de manter, em tempo de paz, a solidariedade dos povos democráticos e impedir uma nova guerra civil internacional. (PELLET, DAILLIER, 2002, p.72).

A utopia de Woodrow Wilson tornava-se realidade, era criada a entidade que

ostentava a materialização dos anseios da opinião pública contra o uso da força

indiscriminada que gerava lutas sangrentas que disseminava o ódio. A Liga ascendia

novamente as esperanças daqueles que sempre acreditavam na paz perpétua.

Destaque-se sobre este esforço da própria comunidade internacional, o Pacto da SDN, que inovou sobre o uso da força, sendo um tratado que sustentava a primazia que os Estados conferiam à diplomacia multilateral, e obrigando os Estados a utilizarem meios pacíficos para resolverem suas controvérsias, e de não recorrerem à guerra até que estes fossem exauridos, pois a guerra era matéria de interesse de toda a sociedade e não somente dos Estados divergentes. (SARAIVA, 2009, p. 46).

Qualquer controvérsia deveria ser analisada e suas nuances mediadas no

interior do organismo, ou seja, a mediação seria realizada pela Liga. Dessa forma, a

mesma ocorreria sob estruturas institucionais e dar-se-ia independente da vontade

do Estados demandantes e seria realizada obrigatoriamente nesses termos.

De igual forma, a sanção coletiva passaria a ser realizada pela coação de

todos os membros contra o Estado agressor que agiu ilicitamente na forma de todos,

que seriam os defensores da paz, contra um, o transgressor.

Na Liga, a idéia de mediação compulsória estava incorporada, bem como a

teoria que uma maioria dos defensores da paz poderia coagir os beligerantes. “Seria

função da Organização Internacional determinar quando ocorreu um ato de

agressão e seria dever dos Estados-membros agirem juntos para suprimir este ato.”

(PATRIOTA, 1998, p.16).

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O Pacto criador da Liga não proibiu a guerra de forma fática e decisiva, porém

deu ênfase ao papel da mediação da entidade, na medida em que conferia um prazo

de três meses, expirados após da decisão arbitral da mesma, para que os Estados

pudessem se utilizar do recurso da força. Isso demonstra a existência de uma

confiança implícita no pensamento dos idealizadores que certamente acreditavam

que as partes acatariam as decisões proferidas por esse órgão, sem a necessidade

do recurso às armas.

De acordo com os artigos 12, 13 e 15 do Pacto da Liga das Nações, os

Estados-membros não recorreriam à guerra antes da expiração desse prazo de três

meses após o anúncio da decisão arbitral ou judicial ou do relatório do Conselho.

Além disso, se comprometeriam a não declarar guerra a nenhum membro da Liga

que tivesse aceitado a sentença judicial ou arbitral ou que tivesse acolhido as

recomendações do relatório do Conselho aprovado por unanimidade. Caso esses

artigos fossem violados, o membro transgressor ficaria sujeito às medidas

coercitivas previstas no artigo 16 do Pacto. (FONTOURA, 1999).

A Liga ao se propor ser o fórum multilateral para a resolução de controvérsias

acreditava nas boas intenções dos membros que, para essa, acabariam por acatar

suas resoluções e ainda se habilitariam a agirem de forma coletiva para

assegurarem a segurança internacional.

Com a nova ordem internacional inaugurada com o nascimento da Sociedade

das Nações tentava-se impedir o uso da força por um compromisso moral de todos

os sócios de dar cabo ao sistema do equilíbrio europeu, banindo de vez as alianças

militares pontuais para dar lugar ao sistema coletivo de segurança.

A preservação da paz não mais se apoiaria no tradicional cálculo de poder,

mas no consenso mundial, respaldado por um instrumento de policiamento. Um

agrupamento universal de nações democráticas faria o papel de curadoria da paz,

substituindo os antigos sistemas do equilíbrio de poder e das alianças. (KISSINGER,

1988).

A primeira formulação jurídica da idéia de segurança coletiva se exprime,

assim, nos Artigos 10 e 16 do Pacto da Liga das Nações, segundo os quais cada

Estado membro se compromete a respeitar e preservar a integridade territorial e a

independência política de todos os membros da Liga, e o Estado que recorrer à

guerra será sujeito a sanções e poderá ser coagido militarmente por forças das

partes contratantes. (FONTOURA, 1999).

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O Pacto não prescrevia a adoção de medidas militares operadas diretamente

por um ente superior, que nesse caso seria a própria Organização, mas pelas forças

unidas dos demais integrantes da Sociedade, que caso assim o decidissem

poderiam coagir o agressor com a utilização de suas forças nacionais agindo em

conjunto. Isso nada mais era do que a formalização do fracasso da proposta

francesa de dotar a Liga de um poder militar próprio e autônomo.

Os franceses procuravam constituir um verdadeiro sistema de segurança coletiva, com um efetivo militar próprio capaz de repelir prontamente quaisquer agressões. Entretanto, a aspiração do governo da França não foi atendida, pois seria rejeitada pelo Congresso dos Estados Unidos, além de representar um temor à noção de segurança concebida por Wilson. Para o presidente dos EUA o projeto apresentado pela França apenas substituiria o militarismo nacional pelo internacional. (TSCHUMI, 2007, p.116-117).

A operacionalização do sistema de segurança coletiva dependeria da vontade

soberana dos membros para se disporem a colocar seus efetivos à disposição da

paz mundial.

A doutrina de segurança coletiva internacional foi encarnada na Convenção da Liga das Nações que, em troca, era parte dos tratados que puseram fim à Primeira Guerra Mundial. Prova disto é que alguns dos artigos da Convenção da Liga das Nações, as referências à segurança coletiva internacional eram especialmente notáveis. O Estado que iniciasse uma guerra estaria imediatamente sujeito a sanções econômicas, e a Liga das Nações poderia recomendar medidas adicionais com exércitos. Isto parece duro, mas havia ambigüidades. Todos os sócios tiveram que concordar em aplicar segurança coletiva internacional. Quando os Estados assinaram a convenção, eles concordaram em cumprir artigo 16, mas na prática cada Estado decidiria que tipos de sanções aplicariam e como os implementariam; eles não eram monitorados por qualquer autoridade superior. Logo, a Liga das Nações não representava o fim do sistema anárquico de Estados, mas um esforço para os mesmos agirem coletivamente com disciplina no sistema. (STROMBERG, 1956, p. 250-251).

Em linhas gerais, o sistema de segurança coletiva do Pacto da Liga fora

concebido para que todos os seus membros se comprometessem a respeitar e a

manter a integridade territorial e a independência política de cada um deles contra a

agressão externa. O modelo de segurança coletiva proposto por Wilson carecia de

objetividade e estaria fadado ao fracasso, pois ele delegava somente aos Estados a

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responsabilidade por uma união acima das obrigações jurídicas, mas por uma

obrigação moral de auxiliar aqueles vitimados injustamente.

A base que permite afirmar que Wilson não objetivava implementar um verdadeiro sistema de segurança através da Liga das Nações é a recusa do presidente dos EUA em transferir algumas prerrogativas da alçada dos Estados para a SDN. A segurança coletiva exige que os Estados transfiram para uma organização internacional a decisão sobre o uso da força contra os Estados. Os países-membros que forem contrários ao uso da força em um caso específico devem se manifestar no âmbito da organização. Porém, se a instituição decidir pela realização da ação militar coletiva, todos os membros, quando solicitados, são obrigados a colaborar com a organização, cedendo tropas e quaisquer outros recursos solicitados. (TSCHUMI, 2007, p.116).

Contrariamente à proposta francesa, Wilson, defendia que na necessidade do

uso da força, caberia aos próprios Estados implementar a operação militar e não à

Liga das Nações, cabendo a cada Estado decidir como iria participar da ação militar

seja através da cessão de tropas, de armas, de pessoal especializado ou mesmo

nenhum deles. (TSCHUMI, 2007).

Para o Presidente norte-americano, seriam os Estados os responsáveis pela

garantia da paz internacional e da sua manutenção, cabendo a eles próprios agirem

em conjunto, utilizando-se da força coletiva quando necessário, inclusive liderando

as operações militares e não à Liga das Nações.

O membro transgressor, considerado como tendo cometido um ato de guerra

contra todos os demais membros da Liga, estaria sujeito às medidas coercitivas

previstas no Pacto, entre as quais o imediato rompimento de todas as relações

comerciais ou financeiras. Além disso, o conselho da Liga poderia recomendar quais

os efetivos militares, navais ou aéreos que deveriam ser cedidos pelos membros

interessados para compor uma força internacional destinada a fazer respeitar os

compromissos da Liga. (FONTOURA, 1999).

Fica evidente que o sistema operativo da Liga para a manutenção da

segurança estava sempre condicionado às possibilidades que poderiam ser

adotadas, não configurando as assertivas do Pacto como normas imperativas, que

constrangesse o Estado no cumprimento das mesmas, podendo, assim,

transparecer como sendo imposições através de obrigações legais para a atuação

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dos mesmos.

A segurança deveria ser uma responsabilidade coletiva, dada através de um

acordo político entre os defensores da paz e da moralidade. Os membros cederiam

suas forças armadas em nome do bem comum da humanidade através da união

entre os legalistas contra o Estado transgressor.

Se nenhum Estado agressor atuasse junto com outro, a preponderância de

poder estaria no lado dos Estados defensores da legalidade. “Logo, a segurança

internacional seria uma responsabilidade coletiva na qual nenhum país agressor

formaria uma coalizão contra os que sofreram a agressão. A paz seria indivisível.”

(RAVENAL, 1975, p. 698).

Como os Estados poderiam provocar um sistema novo de segurança coletiva internacional? Primeiro, a agressão ilegal seria considerada uma guerra ofensiva. Segundo, intimidar-se-ia a agressão formando uma coalizão que deixaria de fora qualquer Estado agressor. Se todos se empenhassem em ajudar qualquer Estado vitimado, haveria uma preponderância no lado das forças não-agressoras. Terceiro, se o impedimento falhasse e a agressão acorresse, todos os demais Estados concordariam em punir o Estado que cometeu o ato de agressão. Esta doutrina de segurança coletiva internacional assemelhava-se um pouco com as políticas de equilíbrio de poder. Tentava-se intimidar uma agressão desenvolvendo uma coalizão poderosa, e se esse impedimento falhasse, existia uma disposição de usar a força. (RAVENAL, 1975, p. 699).

No sistema de segurança coletiva não se formariam as alianças específicas

contra potenciais agressores, como no sistema do equilíbrio europeu. A colisão dar-

se-ia de forma global contra aquele Estado que cometeu o ato de agressão.

As diferenças são, portanto, importantes entre a segurança coletiva

internacional e o chamado equilíbrio europeu. Primeiro, em segurança coletiva

internacional, o enfoque estava nas políticas agressivas de um Estado em lugar de

sua capacidade. Isto contrastou com política de equilíbrio de poder, na qual foram

criadas alianças contra qualquer Estado que estivesse aumentando sua influência;

quer dizer, o enfoque estava na capacidade de Estados. Além disso, no sistema de

segurança coletiva internacional não seriam formadas alianças com antecedência, já

que não seria conhecido previamente qual Estado seria um possível agressor.

Seriam todos contra um. Já no sistema de equilíbrio de poder as alianças eram

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arranjadas anteriormente à consumação do ato de agressão. Ainda, a segurança

coletiva internacional foi projetada para ser global e universal sem Estados neutros.

(RAVENAL, 1975).

O Pacto da Liga tinha a pretensão de ser ponto de equilíbrio das nações com

base na transparência nas negociações e no desejo de cooperação de todos. Não

seria mais um equilíbrio fundamentado na hegemonia dos poderes centrais numa

união forjada por interesses subjacentes.

A nova organização internacional deveria ser um dispositivo de redistribuição

das vantagens. Não se tinha em mente a criação de um super estado, já que o

nacionalismo persistia totalmente na época. Um governo mundial estava fora de

cogitação, a guerra tinha produzido um nacionalismo egoísta em todos os cantos e

não havia uma idéia de pensamento internacional, a busca dos próprios interesses

era que o que prevalecia, mesmo com a pretensão comum de eliminar as guerras

futuras.(STROMBERG, 1956).

Mas como o Pacto da Sociedade das Nações não proibiu a guerra

propriamente dita. A análise dos seus dispositivos leva à conclusão sobre a

legalidade no uso da força pelo Estado em cinco hipóteses: legítima defesa

individual ou coletiva, descumprimento do laudo arbitral, sentença ou decisão

unânime do Conselho, ou quando não houvesse uma decisão unânime por tal órgão.

Não existia um princípio imperativo que previsse a proscrição ao uso da força.

No Pacto da Liga, a guerra ainda era considerada um recurso legítimo à disposição

dos Estados, sinal de sua soberania. O documento introduziu apenas a idéia de

prazo moratório: a guerra era uma opção legal para dirimir controvérsias, mas não

deveria ser preferida. Eram necessários que se tentasse primeiro a utilização de

mecanismos de solução pacífica e, somente após o fracasso dessas tentativas de

equacionamento de conflitos, decorrido um prazo de três meses, tornava-se lícito

recorrer às armas.

Os membros da organização acabaram atribuindo papel preventivo à Liga,

que passou a recomendar a adoção de medidas proporcionais às circunstâncias de

cada conflito, independentemente da existência de violações. O leque de ações

compreendia desde exortações à paz até a persuasão por meio da ameaça do uso

de força armada. (ALMEIDA, 1938).

A Liga não preveniu a guerra. Os Estados Unidos ficaram de fora e a

comunidade Britânica tinha as suas reservas. Estes Estados não aceitariam um

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compromisso prévio de ir para uma guerra de outro ator estatal. A ida para guerra

para algo que seus cidadãos poderiam não estar interessados a lutar era real para

qualquer governo. A França era a defensora mais entusiástica do sistema de

segurança da Liga. Mas além de apoiar a organização, ela construiu também

alianças fora da Liga e sabotou seu compromisso para afiançar uma redução geral

de armamentos. Para os franceses, a Liga era simplesmente um sistema de força

contra a Alemanha. (RODRIGUES, 1988).

Ficou provado que os Estados não seriam assim tão inocentes e obedientes

ao ponto de submeterem seus interesses aos compromissos morais sonhados pelos

idealizadores da Liga e positivados no Pacto de criação da mesma.

A incapacidade da Liga de se impor ficou evidente desde a institucionalização

de seu documento constituinte que se voltou, principalmente, para reafirmar

princípios e não obrigações, princípios esses que se pensava deveriam influenciar a

condução da política externa dos governos nacionais.

O fracasso da Liga pode ser percebido também pela sua não-universalidade e

pelas lacunas de seu sistema de segurança coletiva. Essas deficiências levaram ao

ressurgimento das práticas de política de poder e do equilíbrio entre alianças.

(KISSINGER, 1998).

O que prejudicou o sistema de segurança da Liga, e que era talvez mais

decisivo que a associação dos Estados Unidos, foi o conflito não resolvido nas

políticas externas dos poderes principais, que jamais se uniriam pela paz, tendo

ainda fortes desavenças que estavam pendentes entre elas.

Percebe-se que essa idéia de segurança coletiva, formulada inicialmente ao fim da Primeira Guerra, já nascia sob a égide o desequilíbrio, pois representava a concepção diplomática de uma única potência, a qual acabou não participando do sistema de segurança da Liga das Nações, ao não ratificar o Tratado de Versalhes. Concebida a partir os desígnios de um único governo, o qual acabou se ausentando do sistema, a segurança coletiva rudimentar adotada na Liga ficou sob a responsabilidade dos Estados pouco afeiçoados com esse princípio. (TSCHUMI, 2007).

As concepções dos interesses nacionais dos grandes colidiam-se

mutuamente com os princípios da Liga e, conseqüentemente, estourou mais um

grande conflito mundial de grandes proporções, a Segunda Guerra Mundial que a

Liga não teve a capacidade de prevenir.

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Dentre as razões por que a Liga falhou ao prevenir a Segunda Guerra

Mundial era que a execução da Convenção tinha sido apoiada por um poder armado

insuficiente e uma resolução insuficiente da forma como usar tal poder. Seria

perfeitamente aceitável substituirmos a palavra Liga para as palavras britânicas e

francesas e política externa americana para a execução de termos da Convenção de

oposição contra a Alemanha e o Japão. É importante ressaltar que nada chamado

de segurança coletiva internacional existiu senão a soma dos interesses de

Inglaterra, França e Estados Unidos, os grandes poderes que se opuseram ao eixo.

(STROMBERG, 1956).

O poder armado da Liga era simplesmente inexistente, pois ele dependia da

vontade dos membros em cederem contingentes e armamentos, além de agirem em

conjunto para coibir o agressor. Não havia nenhuma capacidade operativa na

execução de um sistema de segurança coletiva, além disso, eram as próprias

potências que se apresentavam com as maiores divergências o que impediria

qualquer entendimento mútuo.

A guerra não tinha sido proscrita e os cursos de ação imaginados pelo

sistema de segurança coletiva eram de difícil implementação, sanções e ações

militares.

(...) a repugnância dos Estados para renunciar parte da soberania em troca de segurança coletiva internacional através da Liga das Nações ficou mais evidente com o fracasso dos Estados Unidos para se integrar na própria criação do novo organismo. O Senado americano recusou ratificar a Convenção que criara a Liga das Nações. Como resultado, o sistema de segurança coletiva internacional teve que funcionar sem o que tivesse o seu jogador maior. (NYE JR., 2000, p. 82).

A Convenção da Liga “incorporava as novas idéias de segurança, mas nunca

isso foi um tema claro no interior da organização e nem os seus partidários sabiam o

que significava de fato, tanto que seus idealizadores admitiam sua natureza

experimental.” (HAAS, 1995, p. 40).

A ineficácia da noção de segurança adotada na Liga demonstra que os

mecanismos jurídicos para a preservação da paz no entre-guerras tornaram-se

reféns dos interesses das grandes potências, já que as normas para limitar as

guerras de agressão eram aplicadas apenas contra Estados fracos e que não

fossem aliados importantes das potências do Conselho. (TSCHUMI, 2007, P.22).

Porém, a Liga contribuiu para o fortalecimento da adoção de medidas de

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impedimento do uso da força nas relações internacionais, na medida em que

incentivou a ocorrência de inúmeras conferências e debates sobre o tema.

Mesmo com a incapacidade de evitar inúmeros conflitos no período entre

guerras, o resultado positivo do Pacto foi a consagração, pela primeira vez, sobre os

auspícios de uma Organização Internacional, do conceito de que a força deveria ser

utilizada apenas como último recurso para solucionar as profundas controvérsias

entre os Estados. Esse espírito, impulsionado pelo temor de uma nova guerra total,

inspirou a assinatura de vários tratados de abstenção do recurso à força pelos seus

signatários como forma de solução de litígios. São firmados o Protocolo de Genebra

para a Solução Pacífica de Controvérsias, em 1924, e os Tratados de Locarno, em

1925; são adotadas as resoluções da Assembléia Geral da Sociedade das Nações

em 1925 e 1927, as resoluções da Sexta Conferência Internacional dos Estados

Americanos em 1928, todos reafirmando a ilegalidade da guerra. (CERQUEIRA,

2005).

Merece destaque nessa nova seara de acordos e convenções o Pacto de

Paris de 1928 estipulando a renúncia à guerra como um instrumento de política

nacional, conhecido como Pacto Briand-Kellog.

Através do Pacto Briand-Kellog (ou Pacto de Paris, de 1928), de grande contribuição para o desenvolvimento do “Jus ad Bellum”, cristalizou-se o entendimento sobre a ilicitude da guerra de agressão, e, principalmente, de que qualquer recurso unilateral à guerra como forma de solução de controvérsias entre Estados deveria ser expurgado como instrumento de política nacional em suas relações internacionais, devendo, ainda, ser resolvida por meios pacíficos qualquer pendência entre estes. (SARAIVA, 2009, p. 47).

O Tratado Geral da Renúncia à Guerra fora a grande contribuição que se

verificou nesse período de funcionamento da Liga. A adoção em Paris em 27 de

agosto de 1928 do Pacto Briand-Kellog, com a iniciativa dos EUA e da França, tal

acordo estatui para que as partes renunciassem ao recurso à guerra e a condenam

como recurso para a resolução dos litígios internacionais. De certa forma, este

tratado é ainda mais progressista que o Pacto da Sociedade das Nações, cujos

dispositivos não chegaram a banir por derradeiro a guerra. (CERQUEIRA, 2005).

A experiência do Pacto da Liga e do Pacto Briand-Kellog trouxeram consigo

tentativas de regulamentação efetivas do uso da força, diferente dos conceitos

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filosóficos e cristãos de épocas anteriores que deixavam para o Estados e seus

governantes a responsabilidade de empreenderem uma guerra desde que os

mesmos a denomina-se como justa, justificando-as de acordo com os interesses de

cada um deles.

O que mais importa observar, com a experiência histórica do Pacto da

Sociedade das Nações e do Pacto Briand-Kellog, foi que a guerra total, ao ter

exigido uma regulamentação igualmente total da paz, veio colocar, assim, uma pá de

cal nas teorias vigentes dos séculos anteriores, que tinham repudiado a discussão

sobre a guerra justa, iniciada com os teólogos espanhóis. O direito de ir à guerra não

mais poderia ser deixado ao livre talante dos Estados, tidos como entidades

soberanas e que somente admitiriam limitações auto-impostas. (SOARES, 2003).

Apesar dos problemas, a Liga desempenhou uma ação internacional que

repercutiu também no acervo de instrumentos existentes no campo das técnicas de

manejo de conflitos, pois teve que regulamentar algumas dificuldades territoriais,

jurídicas e financeiras oriundas de guerras, além de intervir em conflitos de outra

natureza. (FONTOURA, 1999).

Portanto, e diante das extensões inacreditáveis da destrutividade das guerras, o direito de ir à guerra não mais poderia ser deixado ao livre talante dos Estados, tido como entidades soberanas e que somente admitiriam limitações auto-impostas. Houve mesmo teorias, no entre-guerras, que consideravam a guerra como um fenômeno de tal maneira anti-humano que, em hipótese alguma, se poderia permitir sequer a de um “jus ad Bellum”. (SARAIVA, 2009, P. 48).

A Liga teve, ainda, na sua concepção a inspiração para a criação da ONU.

Em sua época institui-se o primeiro tribunal internacional a caráter permanente, a

Corte Internacional Permanente de Justiça (CIPJ) e também criou-se a Organização

Internacional do Trabalho.

Mas, a Segunda Guerra Mundial confirma a incapacidade política da Liga em

evitar outro conflito armado, selando o seu derradeiro destino. Porém, os ideais

universais permaneceram vivos, permitindo assim, que a opinião pública

internacional influenciasse uma nova reflexão sobre os erros e falhas da Liga,

criando-se a possibilidade da institucionalização de outra Organização capaz de unir

todos os povos na busca pela paz duradoura.

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A ineficácia da segurança coletiva, a falta de sintonia entre França e Grã-Bretanha no pós-guerra, a não participação dos EUA na Liga e a paz punitiva com a Alemanha tornaram o surgimento de um novo conflito uma simples questão de tempo. (TSCHUMI, 2001, p.100).

A primeira experiência moderna de criar uma organização universal de Estados dedicados à paz e a segurança internacional não prosperou nos moldes desejados.

O sistema de segurança da Liga das Nações não foi capaz de resolver nenhum dos quinze casos de agressão internacional ocorridos no período em que esteve em vigor. O sistema internacional funciona de acordo com o interesse das grandes potências, e não, conforme as regras do direito internacional, a rudimentar segurança coletiva não foi aplicada de um modo capaz de assegurar a preservação da paz. Cada potência buscava firmar o seu próprio sistema de segurança. Como os membros permanentes do Conselho possuíam interesses distintos, na maioria das crises internacionais (nas mais significativas) não foi possível obter um consenso mínimo capaz de tornar eficaz a aplicação de sanções ou o uso da defesa coletiva. Os casos resolvidos pela Liga em consonância com os princípios do direito internacional (nenhum através da rudimentar segurança coletiva) diziam respeito sempre a questões envolvendo apenas pequenos Estados. . (TSCHUMI, 2001, p.191).

Mas, a respeito de suas falhas, facilmente observáveis, a Liga estabeleceu

precedentes no campo da cooperação multilateral para a solução de conflitos e

serviu como inspiração da criação da ONU mostrando caminhos que não poderiam

ser trilhados sob pena da mesma condenação ao fracasso na manutenção da paz e

da segurança internacional.

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3. A ONU E A REGULAÇÃO DO RECURSO À FORÇA

Com a incapacidade da Sociedade das Nações de evitar a Segunda Guerra

Mundial, conflito que aconteceu entre os anos de 1939 e 1945, e antes mesmo do

término dessa luta armada iniciam-se os movimentos para o estabelecimento uma

nova organização internacional, essa de caráter geral e fundada na igualdade

soberana de todos os Estados pacíficos.

Desta forma, com o final do conflito mundial, tem-se a criação da Organização

das Nações Unidas, a ONU, com o objetivo primordial da manutenção da paz e da

segurança internacionais.

A ONU fora concebida e fundamentada nos mesmos princípios norteadores

da Liga, com a esperança de fundar a paz num acordo entre as partes vitoriosas

para, assim, se alcançar a estabilidade no mundo.

Por meio da cooperação multilateral que deveria está regulada por um

ordenamento jurídico eficiente e compatível com a sobrevivência dos interesses dos

Estados soberanos, pretendia-se um ambiente mais seguro nas relações

internacionais das nações.

De início, pensava-se em reformar a Liga das Nações, mas a intensidade do

conflito e as falhas do Pacto levaram as grandes potências a considerar a criação

dessa nova organização. Tais idéias começaram a se materializar ganhando corpo

na Conferência de Dumbarton Oaks, de agosto a outubro de 1944, quando a China,

os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética se reuniram para discutir o

assunto. (FONTOURA, 1999).

Naturalmente, após os inúmeros debates das propostas apresentadas, que

foram sendo analisadas de maneira pormenorizadas levando-se em conta os

interesses conflitantes das potencias vitoriosas da Guerra, surgem os projetos para a

reconstrução jurídica e política do mundo através do estabelecimento de uma

Organização Internacional universal.

Após um exaustivo processo negociador e de articulação política de toda a

ordem para a conjugação dos diversos interesses em jogo, imagina-se que se tinha,

naquele momento, um esboço bem consistente daquilo que serviria de base para a

elaboração da Carta da ONU.

Na conferência que se realizou em São Francisco, em 1945, o texto da Carta

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das Nações Unidas, tratado de constituição da nova Organização, foi finalizado,

preservando-se os pontos essenciais acordados entre os grandes vencedores da

Segunda Guerra Mundial. A Carta resultou, assim, de um processo de negociação

que ocorreu durante esse conflito internacional. (FONTOURA, 1999).

Os propósitos e finalidades da ONU, elencados no preâmbulo da Carta

Constitutiva, discrimina as intenções, dentre outras, de preservar as gerações

vindouras do flagelo a guerra; de garantir os direitos fundamentais do homem, da

dignidade e no valor do ser humano, assim como das nações grandes e pequenas;

de estabelecer condições e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de

outras fontes do direito internacional possam ser mantidos; de promover o progresso

social e melhores condições e vida e a de garantir, pela aceitação de princípios e a

instituição dos métodos que a força armada não será usada a não ser no interesse

comum. (NAÇÕES UNIDAS, 1945).

(...) a Carta da São Francisco, que constitui a ONU, em 1945, veio coroar os esforços empreendidos até então no sentido de buscar-se a proibição do emprego da força nas relações internacionais, de modo que a Carta das Nações Unidas, em três momentos, menciona o uso individual da força pelos Estados: 1º) no art. 2°, par. 3º, quando determina aos membros que resolvam suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de tal modo a não ameaçar a paz, a segurança e a justiça internacionais; 2º) no art. 2, par. 4º, quando determina aos membros que evitem a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de outro Estado, constituindo a pedra angular no sistema da Carta, sendo, mesmo, considerado por muitos estudiosos como autêntica norma de “jus cogens”; e 3º) no art. 51, quando preserva o que chama o que chama de direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, exceção à regra geral de interdição do uso da força pelos Estados, em caso de ataque armado ou tentativa de ataque, e a título transitório, isto é, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas que o caso requer. (SARAIVA, 2009, p.48).

Visando alcançar os objetivos contidos em sua Carta, a arquitetura jurídica

básica da ONU foi formatada com a decisão de se instituir um órgão reduzido e

centralizador, o Conselho de Segurança - CSNU15, no qual as grandes potências

15 O Conselho tem como principal atribuição a manutenção da paz e segurança internacionais,

considerado como o órgão primordial da Organização. Compõe-se por cinco membros permanentes e dez não-permanentes. Os membros permanentes são a China, a França, a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos. Os membros não- permanentes são eleitos pela Assembléia Geral, com mandato de dois anos. Esses membros permanentes têm poder de veto nas decisões da Organização das Nações Unidas. Esse veto tem o poder de impedir uma ação futura, que porventura seja proposta pela Organização. (MAZZUOLI, 2007).

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vitoriosas gozariam de privilégios especiais na condução dos assuntos relativos à

paz e à segurança internacionais.

A grande inovação trazida pela carta da ONU foi a contrapartida dessa proibição, que se verifica com a transferência do direito de uso da força para um órgão da organização, o conselho de segurança. Conseqüentemente, a carta retirou da esfera dos estados-membros a competência discricionária de recorrer à guerra em qualquer circunstância, salvaguardado, todavia, o direito natural de legítima defesa. (RAMINA, 2002, p.153-154).

O privilégio do grupo de potências vencedoras da Guerra, transformou-se no

poder de veto dado a cada uma delas, que passaram a ter, ainda, assento

permanente no Conselho de Segurança da ONU.

A ONU apresenta grandes semelhanças com a Liga das Nações, mas tendo

mecanismos inovadores de proibição do uso da força para a manutenção da paz e

da segurança internacional, novos mecanismos que foram criados com o intuito de

preencher diversas lacunas contidas no Pacto dessa última.

A própria existência de normas que impõem aos sujeitos do sistema jurídico internacional a proibição geral do uso da força e o dever de resolução pacífica dos litígios revela que este sistema centralizou a prerrogativa do uso da força numa entidade distinta dos seus sujeitos: a Organização das Nações Unidas, que, por meio de seus órgãos e agentes, faz cumprir as normas deste sistema jurídico, assegurando o respeito à integridade de cada qual dos sujeitos que compõem o sistema, especialmente daqueles que possam vir a ser prejudicados ou afetados pelo comportamento desviante de um dos sujeitos. (SARAIVA, 2009, p. 49).

O regime de sanções da ONU, por exemplo, configura-se como um

aprimoramento em relação ao da Liga, visto que o artigo 41 da Carta foi elaborado

para remediar os defeitos do regime do Pacto. O texto em foco proporciona ao

CSNU a responsabilidade para impor sanções de diversos tipos. Além disso, os

artigos 25 e 48 da Carta tornaram compulsória a execução de regime de sanções

instituído pelo Conselho de Segurança. Na época da Liga, cada Estado decidia

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soberanamente sobre a sua implementação. (FONTOURA, 1999).

No tocante ao uso da força, a mudança foi radical. A guerra tornou-se um ilícito internacional com a proibição do recurso "a ameaça ou ao uso da força" dispondo o CSNU da responsabilidade principal para tomar as providências necessárias para obrigar o Estado faltoso a mudar seu comportamento, obedecidos os requisitos dos artigos 39 (caracterização da violação: ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão) e 41 (aplicação de sanções não-militares de se recorrer a força). Lembre-se que no Pacto da Liga das Nações a guerra ainda era considerada um recurso legítimo à disposição dos Estados, sinal de sua soberania. O Pacto introduziu apenas a idéia de prazo moratório: a guerra era uma opção legal para dirimir controvérsias, mas não deveria ser preferida. Era preciso que se tentasse primeiro mecanismos de solução pacífica e, somente após o fracasso dessas tentativas de equacionamento de conflitos, decorrido um prazo de 3 meses, tornava-se lícito recorrer às armas. Dentro do sistema da ONU, os únicos empregos legítimos da força armada decorrem da aplicação do princípio da legítima defesa individual ou coletiva (art.51) ou do cumprimento de mandato aprovado pelo CSNU (arts. 42, 48, 53). Também seria possível invocar o caso do uso da força pelos movimentos de libertação nacional, que, para a Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU), passaram a poder recorrer legitimamente à luta armada para implementar seu direito de autodeterminação. O Conselho da Liga limitava-se a recomendar a adoção de medidas militares, ao passo que o CSNU pode determinar a imposição de “bloqueios, embargos e outras sanções coercitivas”, em consonância com o artigo 42 in fine, bem como mobilizar tropas sediadas nos Estados membros. Essas tropas seriam previamente identificadas por meio de acordos especiais assinados entre o CSNU e os Estados membros ao amparo do artigo 43 (tipos de forças, grau de prontidão, localização geral e equipamentos disponíveis). Tanto a Liga como as Nações Unidas previram a criação de uma comissão de Estado-Maior para acompanhar os assuntos militares e assistir os respectivos Conselhos. (FONTOURA, 1999, p. 53).

O Tratado Constitutivo traz, assim, normas inovadoras em termos do uso da

força e da ilicitude da guerra somente permitida em alguns casos descritos no artigo

51 da mesma Carta. Em termos gerais, com a adoção da Carta pelos membros

ONU, os mesmos devem resolver suas controvérsias por meios pacíficos, de modo

que não se perturbem a paz, a segurança e a justiça internacionais.

Destarte, se o sistema universal de segurança coletiva proíbe o uso ou ameaça do uso da força pelos Estados, e impõe-lhe o dever de resolverem suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, em contrapartida a ONU, através de seus órgãos, deverá zelar pela manutenção da paz e segurança internacionais, exercendo ou autorizando o uso da força armada, quando necessário para o cumprimento desse fim. A coletividade dos membros do sistema se responsabilizaria então pela integridade individual de cada membro contra eventuais agressões armadas externas, e,

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teoricamente, se o sistema funcionasse a contento, os Estados não mais precisariam firmar alianças políticas e militares, pois sua segurança estaria garantida pela comunidade internacional. (SARAIVA, 2009, p. 49).

Em seu segundo artigo, verifica-se que os Estados devem evitar a ameaça ou

o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de outros

Estados, ou ainda qualquer outra ação incompatível com os propósitos da

Organização. Os membros devem dar, ainda, às Nações Unidas toda assistência em

qualquer ação adotada consoante a Carta, abstendo-se de prestar auxílio a qualquer

Estado contra a qual a Organização aja de modo preventivo ou coercitivo.

(FONTOURA, 1999).

Os membros da ONU assumiram o compromisso de acatar as sanções e as

decisões emanadas pelo Conselho, mas, cujo sistema de votação implica o direito

de veto daqueles membros permanentes, representados pelas potências

vencedoras do conflito mundial.

O Conselho pode, portanto, deliberar sobre qualquer ameaça a paz, ruptura

da paz ou ato de agressão, sendo-lhe permitido, inclusive, imiscuir-se em assuntos

afetos a jurisdição interna dos Estados, desde que as medidas estejam amparadas

pelo sétimo capítulo da Carta. (FONTOURA, 1999).

Conselho de Segurança é o órgão das Nações Unidas que tem como principal atribuição a "manutenção da paz e segurança internacionais" (art. 24 §1°) sendo atualmente considerado - ao menos teoricamente - como o órgão primordial da organização. É composto por cinco membros permanentes e dez não permanentes. Membros permanentes são (segundo a ordem a Carta da ONU); a China, a França, a Rússia (desde 1992, tendo sucedido a implosão da ex-URSS), o Reino Unido e os Estados Unidos da América. Os membros não permanentes são eleitos pela Assembléia Geral, com mandato de dois anos. Os membros permanentes do Conselho de Segurança têm poder de veto nas Nações Unidas. Esse veto é inicial e impeditivo de uma ação futura porventura proposta pela organização. Em outras palavras, o veto é um voto negativo ao interior do processo decisório que tem como efeito inibir e impedir a adoção de uma decisão. Por fim, cumpre dizer que o Conselho e Segurança é assessorado, em questões de caráter militar, por uma comissão de Estado-Maior formada pelos Chefes de Estado-Maior, dos membros permanentes do Conselho de Segurança, investida das responsabilidades de direção das forças armadas colocadas por tais membros à disposição do Conselho. (MAZZUOLI, 2007, p. 520-521).

Na prática, o Conselho de Segurança dispõe de um poder de ação bem mais

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amplo e compulsório que o Conselho da Liga, que apenas recomendava a adoção

de medidas. Isso posto, esse órgão pode não só tratar e executar as ações qualquer

situação que ameace à paz ou atos de agressão, além de deliberar sobre assuntos

internos dos Estados membros.

Do ponto de vista normativo-estrutural, um sistema de segurança coletiva deve estabelecer, também, uma centralização do monopólio do uso da força na comunidade internacional dos Estados ou em algum órgão que a represente. No mesmo sentido, a Carta da ONU, em seu artigo 24, §1º dispõe: “a fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais, e concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja em nome deles. (KELSEN, 1996, p. 149-150).

Conforme exposto na Carta, os membros da ONU deverão prestar assistência

mútua para a execução das medidas determinadas pelo referido Conselho,

proporcionando-o, a seu pedido e em conformidade com acordos especiais, forças

armadas, assistência e facilidades; além de manter em prontidão contingentes de

forças aéreas nacionais, para a combinação de uma ação coercitiva internacional;

aceitarão e implementarão as decisões do Conselho, ao qual conferem a principal

responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais. (NAÇÕES

UNIDAS, 1945).

Embora o termo segurança coletiva não esteja mencionado explicitamente no

tratado constitutivo que originou a ONU, pode-se considerar que o sistema é

contemplado na Carta medida que a mesma trata da reação coletiva contra as

violações das normas nela contidas.

Praticamente todo o sistema das Nações Unidas foi estabelecido com base no princípio da segurança coletiva mundial, segundo o qual a paz internacional só pode ser alcançada respeitando-se certos parâmetros mínimos de convivência entre os Estados, entre elas e a segurança e a proteção os direitos humanos. (MAZZUOLI, 2007, p.518).

O sistema de segurança coletiva da Carta das Nações Unidas é reforçado por

uma gama de propósitos e princípios, capitulados no primeiro e segundo artigos

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daquele instrumento, que deve direcionar o relacionamento dos Estados na arena

internacional. Mas, jamais houve um entendimento entre os detentores do poder de

veto do Conselho para o efetivo funcionamento do sistema de segurança coletiva da

Carta.

A base comum da pentarquia que comanda o Conselho, a saber, a China, o

Reino Unido, a França, a Rússia e os Estados Unidos da América será obviamente a

exclusão da possibilidade do uso do sistema de segurança coletiva internacional

contra eles mesmos ou contra os interesses dos seus aliados.

O problema começa quando o sistema pune somente os atos que os seus operadores estão preparados ou dispostos a punir. Este é precisamente o caso do atual sistema de segurança coletiva. Sua operação não é automática, vez que as grandes potências reservaram-se o direito de responder de forma discricionária e seletiva às eventuais situações de agressão armada. (SARAIVA, 2009, p. 50).

Acresce que, embora o guarda-chuva de uma organização como as Nações

Unidas por sua quase universalidade, possa conferir um verniz de legitimidade a

uma intervenção ditada por uma ou poucas potências, a ativação do Artigo 4316 está,

ainda, longe de ser uma idéia aceita pelas potências. (CARDOSO, 1998).

A visão definitiva do Artigo 43 é de um exército internacional permanente das Nações Unidas que pode ser convocado pelo Conselho de Segurança e [é] comandado, no mais alto nível, pelo Secretário-Geral. Tal visão não é factível hoje e poderá nunca vir a sê-lo, pelo menos para uma potência maior que é capaz [sozinha] de impor a paz. Definitivamente, o grupo de estudo não se mostrou disposto a apoiar esse conceito [contido no Artigo 43]. Mas entre esse conceito e a realidade atual há muitas alternativas que atendem a muitas das [nossas] preocupações. (WURMSER AND DYKE. 1993, p.18).

16

O artigo 43 da Carta das Nações Unidas afirma que: 1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais. 2. Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da assistência a serem proporcionadas. 3. O acordo ou acordos serão negociados o mais cedo possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão concluídos entre o Conselho de Segurança e Membros da Organização ou entre o Conselho de Segurança e grupos de Membros e submetidos à ratificação, pelos Estados signatários, de conformidade com seus respectivos processos constitucionais. (NAÇÕES UNIDAS, 1945).

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Em suma, sem a implementação do Artigo 43, todo o sistema de segurança

coletiva que se intentou consolidar na Carta torna-se impraticável e continua a ser

letra natimorta.

A não-efetivação da Comissão de Estado-Maior e dos acordos especiais

impossibilitou a utilização do princípio da segurança coletiva, conforme estabelecido

nos arts. 42 a 48 da Carta, o que tem obrigado o Conselho de Segurança a delegar

parte de sua autoridade aos Estados-membros quando se faz necessária a

utilização da força, de acordo com o capítulo VII da Carta. Assim, em razão da

inoperância do sistema de segurança coletiva da ONU, a Organização precisaria

investir um grande poder aos Estados que fazem uso da legítima defesa coletiva

para tornar essas operações eficazes. (TSCHUMI, 2007).

Assim sendo, mesmo com tantos avanços normativos na Carta, no período da

guerra fria, marcado pelas rivalidades ideológicas e ameaças subjacentes entre os

dois principais atores do sistema internacional, Estados Unidos e a União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas, as Nações Unidas, principalmente o Conselho de

Segurança, permaneceu em estado de letargia, o que veio a caracterizar a sua

história desde os primeiros tempos do pós-guerra.

As duas principais potências, membros permanentes do Conselho de

Segurança utilizavam-se de seus poderes de veto e assim engessaram, em grande

medida, a atuação da Organização.

Com o fim do sistema bipolar de poder, nasceu um sentimento da

necessidade de uma nova ordem internacional centrada na ONU e na reformulação

do limitado papel dessa Organização, desempenhado desde os primeiros tempos de

sua criação.

O recurso ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, relativo à invasão

do Kuwait pelas tropas do Iraque na Primeira Guerra do Golfo, reforçava a

percepção de que finalmente caminhava-se em direção a uma ordem multilateral, na

segurança coletiva e na observância do direito internacional. (PEREIRA, 2007).

O recurso à ONU expressava, naquele momento, o reconhecimento, por parte

das grandes potências e de seus aliados, da primazia e da legitimidade dessa

Organização como o principal mecanismo de solução de conflitos internacionais.

Admitia-se que as Nações Unidas, pela natureza de sua Carta e por suas

próprias finalidades, eram não só o foro legítimo, como também o instrumento

apropriado para centralizar os esforços na direção da paz e da reconstrução da

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ordem internacional. (PEREIRA, 2007, p.3).

O ordenamento jurídico internacional contemporâneo, instituído e expresso

pela Carta da ONU, trouxe, portanto, avanços significativos na normatização do

comportamento estatal na esfera além fronteiras nacionais, na medida em que

condena veementemente o uso da força, bem como sua ameaça.

Cumpre ressaltar que é de extrema importância o fato de as normas contidas na Carta da ONU constituírem direito novo. Houve um claro desprezo das teorias dos séculos anteriores por haver um direito incontestado de os Estados fazerem a guerra, o que significou que, em matéria de “Jus Ad Bellum”, os usos e costumes internacionais, de tão grande importância como fonte das normas do Direito Internacional Público, não tiveram qualquer relevância, na regulamentação dos conflitos, então regulados unicamente pelas normas da Carta da ONU, as quais passaram a ser reguladas por um direito novo; (...) mesmo que se considere que as normas elaboradas pelos Estados, no âmbito da ONU, possam ressentir-se da mesma fraqueza que esta organização, há outras manifestações normativas que consagram o mesmo direito novo e, portanto, reafirmam as limitações que o Direito Internacional impõe, na atualidade, ao “Jus Ad Bellum” dos Estados, por mais poderosos que sejam eles. (SARAIVA, 2009, p. 50).

Ao condenar claramente a proibição da ameaça ou o uso da força nas

relações internacionais, a guerra tornou-se uma agressão proscrita, mas considera

lícitas as contramedidas representadas pela legítima defesa individual ou coletiva

dos Estados e pelas decisões do Conselho de Segurança que compreendam o

emprego da força armada. Entretanto, o recurso à coação militar somente é

autorizado depois de esgotados todos os recursos para alcançar pacificamente, ou

até por meios coercitivos, determinado objetivo. (PEREIRA, 2007).

Mas, apesar dos avanços normativos que a Carta introduziu os mesmos não

impediram que existissem inúmeros conflitos armados após a sua vigência. Mesmo

que a maioria dessas guerras ocorram entre países menores ou subdesenvolvidos,

as lutas armadas tem sido uma constante no cenário mundial, comprovando o

desrespeito à autoridade da ONU e sua incapacidade de deter e coagir os

transgressores da lei internacional.

Uma análise superficial relativa à eficácia das Nações Unidas poderia indicar que, no tocante à preservação da paz internacional, a organização foi bem-sucedida. Afinal, não ocorrem conflitos armados opondo em lados rivais as grandes potências desde a Guerra da Coréia (1950-1953).

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Contudo o estudo mais aprofundado sobre as guerras ocorridas no pós-1954 demonstra que a realidade dos fatos é bem diferente.O número de guerras ocorridas por ano cresceu significativamente desde o final da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1990. A década de 1990 registrou uma média de 35 a 40 guerras por ano. Porém, em geral essas guerras têm ganhado destaque reduzido, pois a grande maioria dos conflitos (mais de 90%) ocorreu nos países subdesenvolvidos, tratando-se de guerras civis. A participação dos Estados na distribuição das guerras apresenta-se bastante desigual. Embora a maioria das guerras tenha ocorrido nos países pobres, aqueles que mais recorreram ao uso da força militar continuam sendo as grandes potências. Principalmente durante a Guerra Fria as grandes potências enfrentavam-se com freqüência, agindo contra os aliados da superpotência rival. Não foram as Nações Unidas que evitaram a confrontação direta entre EUA e URSS, mas o fato de que uma guerra entre as superpotências provocaria a destruição de todo o planeta, dada a capacidade nuclear de ambos os países (TSCHUMI, 2007, p.193-194).

A invasão do Iraque pelos aliados dos norte-americanos, sem a autorização

prévia das nações unidas, constitui-se também como um emblemático exemplo

sobre o papel da ONU na manutenção da paz impondo meios de impedir o uso da

força.

A ONU, mesmo com a existência de lacunas na sua concepção e

funcionamento, impostas pelas falhas de comportamento e pelos interesses não

convergentes de seus sócios, ainda representa ser o baluarte do Direito

Internacional na defesa da paz e da segurança internacional, o que não a desobriga

realizar uma auto-critica para realizar reformas em suas estruturas tão necessárias

para que essa entidade não se torne apenas um símbolo decorativo de luxo na

ordem internacional.

Urge-se a indispensável necessidade de rediscutir o papel e os atributos

dessa Organização, da ampliação do seu Conselho de Segurança através da

rediscussão do mecanismo do poder de veto no seu interior, do fortalecimento da

Assembléia Geral, como um órgão decisório, além da necessidade de dotar a

Organização de autonomia referente a um efetivo militar e de recursos financeiros,

bem como da aplicabilidade de seus preceitos normativos de alcance universal

nessa nova realidade mundial.

Para que possa atuar de forma independente na manutenção da segurança

internacional e efetivar suas decisões, torna-se indispensável a utilização de uma

força militar de pronto emprego e a redistribuição das contribuições econômicas

entre os Estados-Membros, de modo a evitar a interferência hegemônica. Tudo isso

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acoplado a um processo de fortalecimento de legitimidade, do alcance e das

competências dos órgãos jurisdicionais do sistema das Nações Unidas.

O importante é preservar a ONU não apenas como um foro ideal para

discutirem-se os mecanismos de manutenção da paz e da segurança internacionais,

em vista de sua universalidade, legitimidade e experiência reunidas, mas também

como única fonte legitimadora do emprego da força, pois sem essa chancela

qualquer ação deve ser reprimida por configurar-se como ilegal à luz do Direito

Internacional.

Portanto, toda e qualquer intervenção unilateral por violação aos direitos humanos (humanitários, democráticos, etc) é considerada ilegal, de acordo com o dever de não-ingerência, independentemente de quaisquer justificativas morais que possam ser argüidas. (TSCHUMI, 2007, p.229).

Logo, se for permitido aos Estados utilizarem-se das armas para coagir

unilateralmente qualquer transgressão internacional seja uma violação dos direitos

humanos, com a imposição de uma intervenção humanitária ou defesa da

implantação da democracia, isso significará, na prática, o fim de qualquer restrição

jurídica ao uso da força. Criar-se-á um clima de insegurança permanente entre todos

os Estados, semelhante àquele que provocou as duas grandes guerras. Acresce-se

a isso o fato de que a regulamentação sobre o uso da força possui caráter restritivo,

visto que os demais casos listados na Carta constituem exceções. Portanto, para

todas as demais questões vale a regra geral: o uso da força está proibido e só será

permitido com a expressa autorização do Conselho de Segurança ou naqueles

casos previstos e explícitos na Carta, norma internacional que garante a supremacia

da ONU.

a. As Operações de Paz

Diante da inoperância de seu sistema de segurança coletiva, as operações de

manutenção da paz passaram a ser utilizadas pela ONU e amplamente aceitas pela

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comunidade internacional como uma das técnicas mais importantes de

administração de conflitos daquela organização.

A utilização dessas operações de paz foi a saída encontrada para responder e

tentar e explicar, ainda que em parte, o fracasso da montagem e do funcionamento

de um sistema de segurança coletiva.

Embora essa modalidade de intervenção não esteja contemplada

explicitamente na Carta da ONU, entende-se, com base na doutrina chamada de

poderes implícitos, que o emprego desse mecanismo é legítimo, pois almeja atender

aos propósitos contidos no documento constitutivo, o que favorece a solução

pacífica de controvérsias mediante a presença de um terceiro imparcial, geralmente

um contingente, armado ou desarmado, no terreno. (FONTOURA, 1999).

Após o fim da guerra fria, a utilização da denominação operações de paz foi

feita de forma genérica, ultrapassando os limites de sua aplicabilidade, para

englobar todas as atividades que são promovidas tendo por objetivo prevenir,

manter e restaurar a paz, inclusive as que se enquadram no âmbito da ajuda

humanitária internacional prestada a Estados ou regiões.

Essa elasticidade do uso do conceito de manutenção da paz decorreu,

sobretudo, da atitude de membros permanentes do Conselho de Segurança, que

buscaram usar a ONU como instrumento de suas políticas externas e instância

legitimadora de iniciativas nacionais e regionais. Nesse contexto, as operações de

manutenção da paz foram empregadas como uma espécie de panacéia para ajudar

na solução de todo e qualquer conflito regional, tornando-se a face mais visível das

Nações Unidas perante a opinião pública. (FONTOURA, 1999).

Porém, após algumas com as intervenções mal sucedidas, o Conselho

passou a atuar com mais cautela na criação de novas operações de manutenção da

paz. Além dos custos elevados das missões, em termos de recursos humanos e

financeiros, também se verificou que as operações de manutenção da paz da ONU,

embora possam abrigar mandatos multidisciplinares, dificilmente serão bem

sucedidas se forem violados seus princípios tradicionais do consentimento das

partes, da imparcialidade e do uso da força somente em casos de autodefesa.

A utilidade dessas operações de paz está justamente em proporcionar

condições para a evolução das conversações políticas ou monitorar a execução de

um acordo previamente concluído, sem mencionar os benefícios paralelos das

atividades nas áreas de remoção de minas, de recuperação da infra-estrutura física.

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(FONTOURA, 1999).

Mas, a aceitação desse tipo de ação é a legitimação da morte do sistema de

segurança coletiva das Nações Unidas, já que a precondição de segurança coletiva

internacional, a execução coletiva, é inacessível na ausência de maquinaria

internacional apropriada e obrigações que unem claramente instrumentos legais

reconhecidos.

Nesse sentido, torna-se imperativo distinguir, com clareza, as categorias a

que pertencem um sistema de segurança coletiva conforme encontra-se elencado na

Carta, fundamentado na intervenção com o uso da força, e, do outro lado, a

existência de um repertório de mecanismos políticos e diplomáticos desenvolvidos

pela comunidade internacional, o que inclui como modalidade de intervenção

armada concedida, as chamadas operações de paz das Nações Unidas.

(CARDOSO, 1998).

(...) O sistema de segurança coletiva da Carta, mais que natimorto, não será aparentemente, recuperável. Isso não impediu o desenvolvimento, no âmbito das Nações Unidas, das operações de paz como uma técnica de apoio à solução ou administração de conflitos. Imaginá-las parte integrante ou mecanismo para a operação de um sistema militar de segurança coletiva que nunca chegou a existir será um equívoco capaz de comprometer, irremediavelmente, as conclusões que se venha a tirar daí. (CARDOSO, 1998, p.46).

As operações de paz estão em um universo distinto daquele que se

pretendeu na concepção da Carta, para a criação e o funcionamento de um sistema

de segurança coletivo, inspirado em uma concepção militar e apoiado em recursos

predominantemente militares. Ao fazê-lo, singulariza o papel atribuído à Comissão

do Estado-Maior do Conselho de Segurança na montagem de um sistema universal

de segurança.

Quando as Nações Unidas foram criadas, a paz e a segurança foram definidas essencialmente em termos de técnicas específicas de solução de disputas como negociação, mediação, arbitragem, e procedimentos judiciais, sob o Capítulo VI da Carta, e dos meios militares, no Capítulo VII. Os instrumentos pacíficos foram desenhados a partir de idéias do século XIX sobre como administrar a Europa e o equilíbrio do poder. As experiências da I e da II Guerras Mundiais, e das muitas guerras havidas desde então, mostra, contudo, que o mundo continua a basear-se principalmente nos meios militares. Na verdade, boa parte do mundo ainda

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opera nos limites do paradigma militar. Conseqüentemente, os fundadores das Nações Unidas deram ao Conselho de Segurança o poder jurisdicional para comandar órgãos militares de larga escala, e estabeleceram uma Comissão do Estado-Maior como seu único órgão subsidiário [original]. O subseqüente e inovador desenvolvimento das operações de paz, para as quais não há provisões na Carta, foi uma resposta à necessidade histórica, mas trouxe em sua esteira um conjunto inteiramente novo de funções. Deveria ser, portanto, muito claro para todos que a concepção tradicional de paz e de segurança em termos pura ou predominantemente militares não é mais suficiente para a administração do sistema internacional.” (WISEMAN, 1990, p. 32-51).

Robert Siekmann em sua tese National Contingents in United Nations

Peace-keeping Forces enumera as peças desse sistema e os mecanismos de

interação entre elas:

O Conselho de Segurança tem o poder de determinar a existência dessas [ameaças à paz, quebras da paz, e desses atos de agressão] (Artigo 39) e „pode agir por intermédio das forças aéreas, navais ou terrestres que sejam necessárias para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais‟ (Artigo 42). O Artigo 43 dá seguimento ao determinar que „Todos os Membros das Nações Unidas, para contribuir com a manutenção d paz e da segurança internacionais, deverão por à disposição do Conselho de Segurança, a pedido deste e nos termos do acordo ou acordos especiais, forças armadas (...) necessárias para os fins da manutenção da paz e da segurança internacionais.‟ O Artigo 45 acrescenta que „Para permitir a adoção de urgentes medidas militares pelas Nações Unidas, os Estados membros deverão pôr imediatamente à disposição contingentes da força aérea nacional para ação conjugada internacional com uso de força. A comissão do Estado-Maior integrada pelos Chefes de Estado-Maior dos Membros Permanentes do Conselho de Segurança, é responsável, perante o Conselho, pela direção estratégica de quaisquer forças armadas colocadas à disposição do Conselho de Segurança ( Artigo 47,3). Esse, em termos gerais, é o sistema de segurança coletiva, que compreende ação com uso da força contra agressores – omnes contra unum – pelas forças de sanção. Com acordos como os imaginados no Artigo 43, as Nações Unidas teriam os „dentes‟ que faltaram à Liga das Nações. Nos termos do Convênio da Liga das Nações, o Conselho podia apenas recomendar aos Membros que contribuíssem com tropas para ação coletiva contra ato de agressão, em uma base ad hoc (Artigo 16,2). Na realidade, nem o sistema da Liga das Nações nem o sistema das Nações Unidas foram postos em prática, e nenhum acordo nos termos do Artigo 43 foi até hoje concluído. (SIEKMANN, 1991, p. 01).

A Comissão do Estado-Maior, que não teve até hoje contingentes para

mobilizar, jamais conseguiu superar os impasses para a sua criação. As potências,

principalmente aquelas com assento permanente no Conselho de Segurança,

rejeitavam a limitação do uso de suas forças, e insistiam em preservar a

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possibilidade de convocá-las, a qualquer tempo, para atender a interesses nacionais

emergentes. (CARDOSO, 1998).

Seria igualmente enganador não distinguir entre as operações de paz e as

ações de emprego da força já sacramentadas pelas Nações Unidas, que são as

operações militares autorizadas pela ONU, porém sob o comando unificado de uma

grande potência. Tampouco caberia incluir entre as operações de paz, ou a elas

procurar assemelhar, a mobilização, que porventura tenha sido abençoada por

alguma resolução do Conselho de Segurança. Uma vez mais se tem aqui uma

intervenção feita por Estados membros, com o endosso das Nações Unidas, sem

que a operação, que implica o possível uso da força e que não conta obviamente

com o consentimento do Estado em cujo território ocorre, seja realizada sob o

controle e a orientação diretos da Organização. (FONTOURA, 1999).

Mas, o sistema não se mostrou perfeito e apresenta seus problemas práticos

de custos financeiros e políticos das operações, além disso, verificam-se alguns

fracassos nessas operações, quando a decisão de sua adoção aparece tardiamente

ou na impossibilidade de atuar com a ausência de um contingente militar

permanente a serviço da Organização, que permitiria o envio rápido de forças

capazes de projetar a manutenção da paz.

Além disso, as operações de manutenção da paz não devem ser confundidas

também com o processo de promoção da paz, que está voltado para as negociações

políticas destinadas a encontrar uma solução definitiva para o conflito. Apesar das

críticas e do fato de não serem apropriadas para qualquer tipo de conflito, pode-se

afirmar que as operações de manutenção da paz continuam sendo instrumento de

grande utilidade para que a ONU cumpra seu propósito fundamental previsto no

artigo 1º da Carta das Nações Unidas ao respaldar seus instrumentos promotores da

solução pacífica de controvérsias.

A fim de manter a eficácia e legitimidade das Nações Unidas nesse campo, é

conveniente que se preservem as operações de manutenção da paz na sua forma

consagrada pela experiência da ONU com aperfeiçoamentos nos sistemas de

planejamento, deslocamento e condução dessas missões, mormente através do

sistema de pronto emprego e do Quartel-General de Missão Rapidamente

Desdobrável, e que elas sejam utilizadas somente para situações em que são

adequadas. (FONTOURA, 1999).

No momento, pode-se identificar no Conselho uma clara tendência de

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utilização das operações de manutenção da paz, sob o comando do Secretário geral

das Nações Unidas, somente em cenários de conflitos de baixa intensidade e nos

quais haja o consentimento dos principais atores no terreno com a presença das

tropas e observadores da ONU,

Já nos cenários mais complexos, notadamente nos casos de conflitos de

maior intensidade com riscos de envolvimento de tropas da missão em situações de

combate, existe virtual consenso na Organização de que a ONU não dispõe dos

recursos humanos, materiais e financeiros nem da estrutura de comando

necessários para intervir militarmente.

Nesses casos, que costumam exigir ações de imposição e uso da força, a

tendência é que o Conselho continue autorizando coalizões ad hoc de Estados

membros, ou entidades ou arranjos regionais ou sub-regionais, para agir com base

no capítulo VII da Carta das Nações Unidas., já que não se verifica movimentos

objetivos para a criação de uma força de pronto emprego militar no seio da

Organização.

b. A Legítima Defesa

Com a criação das Nações Unidas, o uso da força fica terminantemente

proibido, aceitável apenas em algumas situações excepcionais. O uso da força pelos

Estados está essencialmente sujeito às normas do Direito Internacional. Na

contemporaneidade, mesmo um Estado atacado deve ter a sua escolha de

contramedidas inserida no império da lei internacional vigente.

Desde a fundação da Organização das Nações Unidas em 1945, o sistema

jurídico internacional preconizou, portanto, a proibição explícita do uso da força. Esta

norma central da Carta das Nações Unidas e a sua equivalência no Direito

Internacional costumeiro proíbem os Estados de utilizarem a força de caráter militar,

mesmo se o governo de um Estado não tenha sido reconhecido internacionalmente.

E esta interpretação do artigo 2º, parágrafo 4º da Carta das Nações Unidas é

incontestável, visto que as controvérsias dizem respeito às exceções para o uso da

força, nomeadamente as circunstâncias em que o direito à legítima defesa nos

termos do artigo 51 da mesma Carta pode ser exercido. (SARAIVA, 2009).

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93

A legítima defesa refere-se, portanto, a uma exceção à regra geral da Carta

da ONU, segundo a qual todos os seus membros deverão evitar a ameaça ou o uso

da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer

Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os seus propósitos.

Diferentemente do que ocorreria até o início do século XX, em razão da

ampla liberdade para o uso da força que dispunham os Estados, visto que não se

configurava uma ilicitude o uso das armas para a resolução de controvérsias, não

era necessário buscar justificativas legais para uma ação militar, recorrendo-se ao

argumento de uma resposta evocando-se da legítima defesa. As justificativas, até

então, voltavam-se para o campo pragmático impregnadas de ideologias, sejam

filosóficas, políticas ou religiosas de cada época buscando dar conotação de guerra

justa ou não, de acordo com o interesse encoberto nos discursos.

Porém, a partir do momento em que a guerra é proibida e torna-se um ilícito

internacional, a legítima defesa passou a ser a única justificativa capaz de legitimar o

uso da força pelos Estados sem a necessidade do consentimento prévio do

Conselho de Segurança da ONU. Mas, além, da ação em legítima defesa, nas quais

os Estados têm o direito de se defender contra uma agressão armada, as guerras de

libertação nacional, no âmbito do direito consagrado de autodeterminação dos

povos, são também autorizadas.

As únicas condições capazes de justificar um ataque armado perante o direito internacional são: a legítima defesa (individual ou coletiva) e os movimentos de descolonização e de libertação nacional. Atualmente qualquer violação à paz internacional que não se enquadre em nenhuma dessas duas condições é considerada. Caso o Estado agressor não cesse o mecanismo de segurança coletiva constante na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU). (TSCHUMI, 2007, p.17).

Os únicos empregos legítimos da força armada decorrem da aplicação do

cumprimento de mandato aprovado por esse órgão, levando-se em conta o princípio

da legítima defesa individual ou coletiva e se aceitado, costumeiramente, as ações

de descolonização e libertação nacional.

Nos termos do artigo 51 da Carta, o emprego da legítima defesa por um

Estado, é aceitável apenas no caso desse Estado ser vítima de ataque armado

vindo de outro Estado, e ainda assim, em caráter provisório, até que o Conselho de

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Segurança da Organização tome as providências necessárias. O direito do Estado à

legítima defesa está condicionado à existência de um ataque prévio, real e efetivo.

O instituto da legítima defesa é garantido até que o Conselho de Segurança desta organização tome medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. A legitimidade e os limites para a implementação de tal política tornam-se requisitos lógicos para a preservação dos pilares fundamentais do Direito, quais sejam a segurança jurídica e a cooperação pacífica entre os Estados. (MATA DIZ, 2007, p.2).

Não se justifica, portanto, nenhum ataque sem a autorização expressa do

Conselho de Segurança das Nações Unidas, salvo em resposta de um ataque

armado injustificado.

Desta forma, o direito à legítima defesa acabou por ser reconhecido pelo

artigo 51 da Carta das Nações Unidas, segundo o qual:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão de modo algum atingir a autoridade e a responsabilidade que presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção da paz e da segurança internacionais. (NAÇÕES UNIDAS, 1945).

Analisando-se essa assertiva capitulada na Carta, nota-se que o direito à

legítima defesa está condicionado à ocorrência de um ataque armado contra um

membro das Nações Unidas e até que o Conselho de Segurança venha a tomar as

medidas necessárias à manutenção da paz e da segurança internacionais.

A legítima defesa, é exceção temporária às regras de uma sociedade policiada, é uma faculdade subsidiária, provisória e controlada. O caráter provisório e controlado da legítima defesa resulta dos elementos processuais invocados pelo artigo 51; o seu caráter subsidiário deduz-se da responsabilidade principal do Conselho, expressão da comunidade internacional na manutenção da paz, e do caráter temporário do exercício da legítima defesa. Trata-se de uma reserva que permite aos Estados, vítimas de uma agressão armada defender-se, individualmente ou

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coletivamente. Ela deve respeitar algumas condições. A primeira é processual: os Estados devem informar o Conselho de Segurança tão logo seja possível; a Segunda de fundo: o Conselho de Segurança pode adotar medidas que substituem a legítima defesa; a terceira resulta do direito internacional geral: os meios utilizados no contexto da legítima defesa; a terceira resulta do direito internacional geral: os meios utilizados no contexto da legítima defesa devem responder à agressão e serem proporcionais a ela. Fora dessa hipótese, a resposta militar constitui um ato de represália, ou seja, simplesmente uma forma de justiça privada ou vingança. (SARAIVA, 2009, p.56).

A condição para o exercício da legítima defesa individual ou coletiva, exposto

no artigo 51, é a ocorrência de um ataque armado contra um Estado, devendo ele

próprio declarar ter sido vítima de uma agressão armado e comunicar imediatamente

ao Conselho de Segurança da ONU.

O referido artigo da Carta das Nações Unidas clarifica de maneira

inquestionável que a legítima defesa é possível como uma conseqüência de um

ataque realizado com armamentos militares. Logo, passa a ser uma reação a ser

adotada em resposta a um ataque e esse deve ser configurado com as forças das

armas, ou seja, qualquer outra espécie de ameaça psicologicamente implícita ou

explícita não se apresenta com armas e exércitos.

Certamente já existia a pretensão de delimitar o tipo de ataque mereceria a

reposta da legítima defesa. Os idealizadores da Carta ao fizerem a inclusão do

termo armado após a palavra ataque nesse dispositivo não o fizeram

desapercebidos e sem esse objetivo claro de definir quando poderia ser utilizada a

justificativa de contra-ataque.

Além disso, a utilização da força se utilizado do mecanismo de legítima

defesa, em conformidade com o Direito Internacional vigente, deve ser em resposta

a um ato de um Estado, o que significa que deve ser atribuível a um Estado. Além

disso, o ataque em questão tem de ser comparável à luta interestatal, na sua

dimensão e efeitos. Por último, o artigo 51 da Carta das Nações Unidas leva ao

entendimento também que o ataque armado não tenha cessado, mas que esteja em

curso quando do direito à legítima defesa é exercido. (SARAIVA, 2009).

Ainda que o artigo 51 da Carta da ONU não limite expressamente a legítima defesa aos ataques armados por um Estado, esta leitura é apoiada pelo conceito da Carta das Nações Unidas e pelo direito das nações em geral. No contexto do artigo 2, §4º da Carta das Nações Unidas, a legítima defesa

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é uma exceção à proibição do uso da força nas relações inter-estatais. A um Estado é permitido basear-se em legítima defesa, se for afetado por um outro Estado que utilize ilegalmente a força. O ponto crucial no contexto do artigo 51 da Carta das Nações Unidas é que as medidas defensivas que um Estado atacado emprega afetam, na maioria dos casos, a integridade territorial do outro Estado. (SARAIVA, 2009, P. 59).

Além da ocorrência de um ataque armado, conforme já visto, torna-se

requisito imprescindível para o exercício do direito de legítima defesa a evidente

necessidade de resposta a um ataque já ocorrido. Presentes os requisitos da

necessidade e da ocorrência de um ataque armado, o direito internacional

costumeiro ainda impõe aos Estados uma limitação que é a proporcionalidade do

ataque, de modo que o Estado deverá usar de meios proporcionais e necessários

para a sua defesa, inclusive no que tange ao caráter provisório da situação criada17.

A legítima defesa aparece e apresenta-se como um direito do Estado e não

uma obrigação, princípio este já consolidado no Direito Internacional geral. Nota-se

ainda que a Carta das Nações Unidas trate a legítima defesa como um direito

inerente. Mesmo que a doutrina não seja unânime em considerar a legítima defesa

como um Direito Natural, o certo é que esse realmente configura-se como um direito

inerente à soberania estatal.

O direito de legítima defesa é considerado como um direito inerente, significando que é um direito natural e fundamental do Estado, do qual depende a própria preservação do Estado, e será exercido de forma regular e legítima quando determinadas condições estiverem presentes. (SARAIVA, 2009, p.55).

17

O direito costumeiro consagrou três critérios fundamentais para o uso da legítima defesa:

necessidade, proporcionalidade e imediatismo. Necessidade significa que o uso da força deva ser absolutamente fundamental para repelir a agressão sofrida, evitando novos ataques. Assim, em caso de um ataque isolado que preceda o início de uma guerra, o Estado atacado deve esgotar os meios de solução pacíficos antes de adotar quaisquer ações militares hostis. A proporcionalidade refere-se à intensidade das medidas coercitivas adotadas pelo Estado agredido. Assim, não é permitido, por exemplo, realizar uma guerra de grandes proporções como resposta a um ato de breve guerra. Nesse caso, o Estado agredido poderia adotar uma pequena represália armada, desde que o objetivo não seja punitivo, mas sim, defensivo (necessário para evitar novos ataques). Imediatismo significa que não pode haver um intervalo de tempo muito longo entre o ataque armado ilegal e a adoção da legítima defesa. Contudo, deve-se considerar que, quando a legítima defesa implica a realização de uma guerra é aceitável que exista um intervalo de vários meses, necessário para que ocorram as tentativas de solucionar a questão por meios pacíficos e para a mobilização das forças armadas. (TSCHUMI, 2007, P.212-213).

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Anote-se que o princípio da legítima defesa vem sendo invocado, de maneira

recorrente, em episódios significativos que envolvem o uso da força e não são raras

as ocasiões em que os Estados, principalmente os mais poderosos, com o propósito

de justificar agressões infundadas, pretendem proteger-se sob o manto da legítima

defesa. Porém, há um consenso no sentido de se admitir que um dos limites ao seu

exercício é o de reprimir o ataque agressor. (SARAIVA, 2009).

O art. 51 da Carta da ONU estabelece que a legítima defesa pode ser realizada de forma individual ou coletiva. Embora a legítima defesa seja acionada após o início de um ato e agressão, os Estados têm procurado fazer uso desse mecanismo como forma de dissuadir eventuais governos rivais e começarem uma nova guerra. Antigamente a defesa coletiva era um recurso utilizado essencialmente para aumentar as possibilidades de êxito na guerra seguinte. Atualmente, com a evolução da diplomacia e o aumento do fluxo de comunicações entre os Estados, a defesa coletiva funciona essencialmente como uma forma de evitar o início de novos conflitos. (TSCHUMI, 2007, P.233-234).

Conforme já abordado, a Carta em seu artigo que trata da legítima defesa a

vincula de forma positivada a um ataque armado, porém alguns autores defendem

que esse mesmo artigo traria uma extensão da legítima defesa às situações em que

a força defensiva é utilizada antes de o ataque ter se iniciado, desde que tal ataque

seja iminente. (DIAS, 2007).

Desta forma, uma vez que se exige a existência de um ataque armado, seria

oportuno questionar se existe a possibilidade da ocorrência de legítima defesa

quando os Estados se utilizem do artifício argumentativo para justificar ações

preemptivas ou preventivas, essas baseadas em uma possível ameaça futura de

ataque inimigo.

As diferentes definições de ações preemptivas e preventivas e a licitude delas

também se constituem em motivos de controvérsias entre os doutrinadores do

Direito Internacional.

Porém, é dominante o entendimento de que a ação armada preemptiva

configura-se por uma ação de antecipação quando onde se destaca o caráter

iminente de um ataque adversário contra a integridade territorial, a soberania ou as

forças armadas do Estado que a ela recorre. É uma ação de resposta a algo

concreto e prestes a ocorrer comprovadamente, em que a iniciativa de defesa é do

outro que é a vítima em potencial. (Correia, 2004).

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O vocábulo ação preemptiva se refere, assim, conforme bem descreveu Dias

(2007) ao “início de uma ação militar porque se percebe que um ataque do

adversário é iminente e que há vantagens em atacar primeiro, ou ao menos em

evitar que o adversário o faça”. (DIAS, 2007, p.146).

Neste sentido, a preempção se apresenta como uma ação motivada pela

lógica da vantagem daquele que realiza primeiro, e, como tal, é passível de

confusão com outra expressão, a prevenção, que indica, no campo da estratégico-

militar, a ação que busca reverter um declínio de poder em relação a um adversário,

por temor das conseqüências desse declínio (LEVY, 1987).

Embora semelhantes e próximos, os dois conceitos divergem em vários

aspectos, principalmente no objetivo da ação e no tempo do transcurso do prazo até

que se materializasse o ataque futuro. Portanto, quanto ao objetivo, a prevenção

visa minimizar as perdas decorrentes de um possível embate futuro, ao passo que a

preempção visa maximizar as vantagens com um ataque antecipado; quanto ao

tempo, a preempção configura-se como a resposta tática a um ataque iminente, ao

passo que prevenção é uma resposta estratégia a uma ameaça de longo prazo.

(LEVY, 1987).

Um ataque preemptivo decorre de uma situação na qual o Estado que tem razões para crer que no curto prazo será vítima de um ataque, ao qual, então, busca se antecipar, para evitar o risco de que os danos do ataque futuro o deixem incapacitado de reagir; por outro lado, um ataque preventivo se funda na percepção de quem ataca de que suas reservas de poder, que garantem sua segurança no momento presente, estão diminuindo relativamente às de um competidor real ou potencial, havendo a probabilidade de que, no futuro, a dissuasão não mais produza efeitos e o Estado hoje mais forte venha a ser vítima de um ataque por parte do hoje mais fraco, donde o ataque preventivo para impedir que essa configuração futura de forças venha a se concretizar. Entendida aquela como antecipar-se a um ataque iminente, atacando em primeiro lugar, parece que a idéia de preempção envolve necessariamente o atacar antes de ser atacado, donde ser inafastável a nota do recurso à força; ação preemptiva e ataque preemptivo podem, pois, ser tidos como sinônimos. Da idéia de prevenção, contudo, não se pode dizer a mesma coisa: ações preventivas são perfeitamente imagináveis que não impliquem no uso da força: p.ex., para evitar que, no futuro, a relação de poder com um vizinho seja invertida, um Estado pode tomar medidas de incentivo ao desenvolvimento econômico ou mesmo investir na renovação de seu arsenal, de forma a contrabalançar os acréscimos de poder do outro lado. Assim sendo, entre ação e ataque preventivos existe uma relação de gênero/espécie, pela qual todo ataque preventivo representa uma ação preventiva, nem toda ação preventiva implica em ataque preventivo. (DIAS, 2007, p.152-153).

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A preempção então não seria mais do que um objetivo tático e rápido ao

antecipar-se defensivamente, ao passo que a prevenção visa objetivos estratégicos,

de ação que possa evitar uma possibilidade de médio e longo prazo.

A prevenção, assim, por se voltar a objetivos de longo prazo, tem uma dimensão estratégica que a mera preempção não alcança, reduzida que é a um objetivo tático. Isso permite vê-la – prevenção – como um motivo para a guerra e, só por isso, pode-se falar em guerras preventivas. (DIAS, 2007, p. 155).

Em síntese, é possível caracterizar como preempção aquele ataque

antecipado, quando o quadro visualizado e as atitudes indicavam que uma ação

adversária era iminente e seus resultados poderiam ser lesivos a integridade do

vitimado. Entretanto, quando se busca evitar uma ameaça não tão iminente, mas

que poderia ser concretizada num futuro mais ou menos próximo, caso deixassem

de agir, ameaçando seu poder político ou estratégico militar, essa ação para a

doutrina dominante configura-se, portanto, como preventiva.

As ações antecipadas do uso da força contra um ataque armado que ainda

não está em curso, ou seja, que ainda não ocorreu, traz a tona a necessidade de

analisar-se a licitude tanto da preempção quanto da prevenção.

Uma parte da doutrina interpreta o artigo 51 de maneira restritiva, limitando a

autorização da legítima defesa aos casos em que o ataque está em curso. A

segunda corrente entende que a autorização abrange tanto ataques em curso

quanto ataques iminentes. Entretanto, há doutrinadores que entendem que o

potencial destrutivo do ataque futuro poderá permitir a defesa antes do ataque se

tornar iminente. Há ainda outros que entendem que as regras da Carta sobre uso da

força foram revogadas em função da prática dos Estados após 1945. (DIAS, 2007).

Mas, quanto à ação preemptiva, visto que o artigo ora discutido, ao mencionar

que nada, ou seja, absolutamente nada, limitará o direito de legítima defesa contra

um ataque armado, muitos estudiosos reafirmam a fundamentação moral da

utilização dessa resposta defensiva, condicionando a licitude da defesa à existência

de um ataque. Porém, tornou-se imprescindível observar as nuances que implicam e

definem a iminência.

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A caracterização do conceito de iminência compõe-se de três elementos: uma manifestação com o objetivo de atacar, um grau de preparação ativa que faça da intenção de atacar um possível perigo e uma situação geral, em que a espera, ou qualquer ação que não seja a guerra, aumente o risco grandiosamente (WALZER, 1977, p. 81).

Diante disso, surge o primeiro questionamento sobre a proposição da licitude

da ação preemptiva que responde a um ataque iminente, ou seja, que ainda não

está em curso, se dirigindo a um Estado que de fato não cometeu ato ilegal. Um

outro questionamento se encontra no fato de que, ao se antecipar à agressão, o

ataque preemptivo materializa aquilo que era duvidoso, o uso da força que pode

escalar para uma guerra total entre os dois Estados. (DIAS, 2007).

Além do exposto, deve-se levar em conta os seus efeitos negativos para a

estabilidade das relações internacionais, pois ao se permitir a defesa contra o

ataque ainda iminente, estar-se-ia estimulando o agressor a agir antes, para garantir

a vantagem estratégica do primeiro ataque, o que prejudicaria as chances de

eficácia de meios pacíficos para a solução de controvérsias entre os demandantes,

em especial da via diplomática. Com isso, ao invés de prevenir o uso da força, a

permissão da legítima defesa por preempção estaria estimulando esse o recurso às

armas. (DIAS, 2007).

A ação não poderá ser justificada como legítima defesa; isso, contudo, somente pode ser feito posteriormente, perante uma instância encarregada do controle do uso da força. (...). A chave, pois, para que se possa, sem prejuízo para a ordem internacional, considerar a ação preemptiva como estando abrangida pela autorização da legítima defesa, reside justamente na institucionalização de controles do uso da força. No que se refere ao Conselho de Segurança, é de se notar que o art. 51 da Carta, ao determinar que “as medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa deverão ser imediatamente reportadas ao Conselho de Segurança”, já prevê esse controle e permite que se aceite, ao menos em tese, a preempção no rol das hipóteses permitidas de uso unilateral da força. (DIAS, 2007, p.166).

Se a preempção, entendida como o emprego da força que se antecipa a um

ataque iminente, pode, nos termos acima da aceitabilidade por parte do Conselho de

Segurança, ser entendida como permissiva ao uso da força em legítima defesa, o

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mesmo não se pode dizer da prevenção que envolva o recurso ao ataque armado

prévio. A prevenção, por não se dirigir contra uma agressão, nem mesmo contra

uma agressão iminente, não pode ser encaixada no conceito ideal de legítima

defesa, conforme descrito.

A legítima defesa preventiva, nos termos em que é formulada, logo, não pode

ser considerada como legítima defesa, visto que dispensa o requisito do ataque

atual, em curso ou iminente, revelando-se verdadeira ação preventiva, cuja

autorização deve está sujeita aos ditames do Conselho de Segurança das Nações

Unidas.

O requisito do ataque prévio ou mesmo iminente, entendendo que a ação

preventiva, em hipótese alguma não é conciliável com o texto do artigo 51 da Carta,

obriga os proponentes da legitimidade dessa teoria a buscar a norma que embasa

suas conclusões no costume internacional. Mas, a ação preventiva não pode ser

chamada sequer de uma legítima defesa preventiva, pois não se constitui e não está

inserida nessa seara de ação defensiva.

A guerra preventiva, termo mais correto para esse tipo de ato, deve ser,

assim, entendido como uma maneira ilegal de recurso à força contrário ao Direito

Internacional consagrado na Carta da ONU.

Isso posto, o que se verificou na segunda Guerra do Golfo com o ataque dos

americanos e aliados, sem a autorização expressa do Conselho de Segurança, não

é resultado do uso do direito à legítima defesa, já que inexistia qualquer ataque

armado do Iraque aos Estados Unidos, mesmo que iminente. Portanto, também não

poderia ser chamado de um ataque preemptivo, como os americanos tentaram

denominá-lo.

Esse conflito configurou-se, portanto, como uma autêntica guerra de

agressão, proscrita pelo Direito Internacional. E o discurso retórico americano de

uma legítima defesa preventiva ou preemptiva, não possui, assim, embasamento

normativo no Direito Internacional.

Esse evento abriu precedentes perigosos, com relação à interpretação

extensiva do direito à legítima defesa, do ataque comprovadamente ilegítimo, que

mais uma vez relegou um papel inócuo para a ONU.

A inegável ocorrência de um ato de agressão por parte dos Estados Unidos e

seus aliados aliado à inoperância da Organização frente aos agressores e

transgressores da lei internacional, também evidenciou a ineficácia das sanções do

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Direito Internacional para as grandes potências, principalmente para os membros

permanentes do Conselho de Segurança.

Em razão dessa inoperância das Nações Unidas e de seu Conselho de

Segurança, cada vez mais os Estados tenderão a utilizar-se desse artifício por meio

de um discurso pragmático e retórico, procurando aumentar suas possibilidades de

usar o argumento da legítima defesa, transformando-a numa excelente justificativa

para realizar guerras cujo caráter legal é bastante duvidoso.

Mas, recorrer à guerra para resolução de controvérsias continua a apresentar-

se como um ato ilícito internacional, não podendo ser utilizado pelos Estados, a

menos nesses casos de legítima defesa, comprovada por uma agressão injusta.

Caso contrário, a ação desencadeada serve como pretexto falso para operações de

guerra.

Assim, à primeira vista, ataque preemptivo, ataque preventivo e guerra preventiva, por caracterizarem recurso à força armada, estariam abrangidos pela proibição da violência nas relações internacionais, independentemente do motivo que as explica. Somente se as circunstâncias do fato em questão se subsumiram à facti species de uma norma que excepcione essa interdição geral é que se poderá dizer que são lícitas. No sistema da Carta, como visto, somente duas exceções são previstas em que se considera lícito o recurso à força armada: a ação do Conselho de Segurança para a manutenção ou restauração da paz e segurança internacionais e a hipótese de legítima defesa “contra um ataque armado”. (DIAS, 2007, p.156).

Por isso, não faz sentido falar em legítima defesa preemptiva ou em legítima

defesa preventiva como sendo duas espécies de legítima defesa, pois essas para

configurarem-se como ato de defesa deveriam estar se dirigido contra uma

agressão, além de estarem presentes outros requisitos de legalidade da ação

defensiva como a necessidade concreta dos meios empregados e a comprovação

da necessidade de seu emprego. (DIAS, 2007, p.157).

A legítima defesa, pois é, única, i.e., independentemente das características do fato concreto, se ele corresponder à hipótese de incidência da norma que exclui a ilicitude do uso unilateral da força, este episódio será considerado legítima defesa, e igual será, sempre, o efeito de tal reconhecimento – a exclusão da antijuridicidade do emprego da força. Assim, o que se há de fazer é determinar se o ataque preemptivo ou o ataque ou guerra preventivos podem ser justificados como legítima defesa,

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ou seja, se subsumem à norma autorizadora da legítima defesa no direito internacional. Como já se viu, essa norma, em que pese a opinião contrária de que o direito costumeiro anterior a 1945 ainda descreveria o regime vigente sobre o assunto, só pode ser extraída da Carta das Nações Unidas, principalmente da disposição contida no seu art. 51, ainda que se levem em conta as alterações que eventualmente tenham sido introduzidas pela prática dos Estados no sistema das Nações Unidas. (DIAS, 2007, p.157-158).

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8. CONCLUSÃO

A tese idealista, representada pela supremacia do Direito Internacional

garantido por Organizações Internacionais de caráter supranacional, configurada

através de um sistema legal internacional, cuja função seria organizar e coordenar

os aspectos do intercâmbio internacional através instrumentos próprios para resolver

as controvérsias, vem cada vez mais perdendo sua credibilidade.

Por outro lado, a tese realista que sustenta a crença de que, de acordo com a

conveniência posta em um determinado momento, os Estados são levados a ignorar

a lei, permanecendo orientados apenas pelos seus reais interesses, ganhos força e

se confirma.

Com o encrudecimento desse realismo de um estado de natureza

hobbesiano, em que há a forte presença do ardor pelas disputas inerente a cada ser,

tem-se a ascensão institucionalizada de um multilateralismo belicoso e de exceção,

onde a anarquia internacional ainda ocupa um lugar destacado na ordem mundial

vigente.

Fruto da negativa dos sujeitos estatais, que jamais aceitaram relativizar a sua

soberania almejando a busca da estabilidade e da paz mundial, a rejeição torna-se

ainda mais latente quando os mesmos não reconhecem a supremacia de uma força

superior que os regulem, monitorando-os nas suas ações no plano internacional.

E esse comportamento anárquico não se apresenta como um fato

essencialmente contemporâneo. Todavia, no decorrer dos séculos viram-se

inúmeras tentativas de impedimento e controle desse livre agir, característica da

sempre evocada soberania estatal.

Porém, a inexistência de um aparato normativo cogente com clara proibição,

previsão de sanções, constrangimentos e a subjetividade na classificação daquilo

que seria justo e injusto, lícito ou ilícito, levaram como conseqüência, a permanência

do uso da força como meio de solução de suas disputas.

Os Estados, por diversas ocasiões buscaram os seus argumentos explicativos

dessas ações anárquicas no discurso retórico, atribuindo o significado conveniente

pra eles da justa guerra e, mais tarde justificando estarem utilizando a legítima

defesa.

Pelo estudo comparado dos diversos autores e das representações dadas ao

termo, verifica-se, portanto, a adoção, de forma proposital, de novos significados

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acerca do conceito, claramente a serviço dos jogos de poder de cada época. Logo,

as guerras podem ser justas ou não conforme os interesses, critérios morais, legais

e os significados adotados pelos usos dessa nomeação.

O pragmatismo, como paradigma filosófico caracterizado pela ênfase dada à

utilidade e sentido prático, útil de acordo com a conveniêcia momentânea, esteve à

serviço do encobrimento do real, através da nomeação simplista de guerra justa,

tornando-se um forte mecanismo ideológico de dominação e manipulação da

sociedade, sem, no entanto, deixar transparecer os reais interesses subjacentes

nos discursos utilizam dessa retórica. Mas, a representação daquilo que seria justo

no uso da força foi adquirindo novos significados, até ganhar um critério de

legalidade.

Com o passar dos tempos e a ocorrência sistemática de novos e velhos

conflitos que reapareciam, ficou evidente que os instrumentos criados para a

promoção da interdição do uso da força, dada ou pela institucionalização de normas

de impedimento ou pela criação de Organizações Internacionais não lograram êxito.

As tentativas históricas de contenção da força no plano internacional não

impediram, definitivamente, que os sujeitos estatais agissem quando assim o

desejassem e de acordo com a sua própria vontade, recorrendo constantemente à

guerra para conquistar e impor seus objetivos. A guerra fora e continua a ser,

portanto, um instrumento utilizado de forma recorrente por esses atores para a

resolução de suas controvérsias.

Mesmo após a força se tornar um ato de violência proscrita pelo Direito

Internacional, deixando de ser um direito do Estado para representar um ilícito, se

transformando em um princípio básico do atual e moderno Direito das Gentes e

mesmo após o aparecimento de um direito de guerra, das alianças centradas em um

concerto europeu, da realização de encontros que culminaram em convenções, da

criação da Liga das Nações e das Nações Unidas, a guerra continua exercendo um

papel de destaque. E as tentativas centradas na busca de instrumentos para

promoção da paz e proibição da guerra mostraram-se incapazes de corrigir a

conduta de Estados na obtenção da satisfação de seus interesses.

Tampouco, mesmo os estadistas que fundaram a Liga das Nações e as

Nações Unidas, quando se voltaram para a construção de mecanismos para a

promoção da solução pacífica de controvérsias ou mesmo para a defesa da

implantação de um sistema de segurança coletiva, alicerçado no Direito

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Internacional, foram competentes para tornarem eficazes essas tentativas de

impedimento definitivo do uso da força na esfera global.

Os idealizadores da Liga procuraram criar uma organização capaz de obrigar

os Estados a agir contra qualquer violação da paz internacional. Porém, não a

dotaram de poderes suficientes para controlar a livre ação dos Estados no plano

internacional, visando assegurar a paz. As idéias da criação de efetivos militares

próprios, ou mesmo de sistema de pronto-emprego, não prosperaram e o máximo

alcançado foi o estabelecimento de uma Comissão Permanente para assuntos

militares, uma medida muito tímida para garantia da paz que seria dada por uma

falsa e contraditória idéia de sistema de segurança coletiva.

No sistema da Liga estava mascarado um propenso sistema obrigatório e

compartilhado de legítima defesa coletiva. Os Estados seriam obrigados moralmente

a defender com seus próprios recursos uma parte agredida e a impor as sanções

contra o agressor. A conseqüência foi a coroação do fracasso da ordem pensada

pela inócua Liga, pensada por um abstrato compromisso de segurança firmado no

Pacto de 1919.

A doutrina da segurança coletiva concebida pela Liga e ainda persistente na

ONU, postulada com os Estados-membros formando uma coalizão universal em

resposta a uma agressão armada contra um Estado vitimado aparece, até o

presente momento, como uma letra morta nos tratados que criaram essas duas

Organizações.

Sem a existência formal de um aparato militar permanente da própria

Organização, a execução do sistema continua a ser uma utopia, visto que, na

ausência de um efetivo com um comando armado independente, torna-se um

verdadeiro engodo acreditar na formação de uma grande coalizão de Estados para

lutar em uma guerra. Além disso, a ausência dessa força impossibilita uma resposta

rápida do sistema para conter o agressor, tornando-o mais uma vez ineficaz.

Levando-se em conta também que alguns Estados são especialmente aliados

por razões históricas ou ideológicas e outros alimentam clima de rivalidades antigas

entre eles, a doutrina mostra-se simplista quando não apresenta também as

respostas adequadas, explicando, por exemplo, como poderá haver a formação de

uma coalizão forçando alguns Estados a lutar contra os seus aliados históricos.

A teoria, apesar de condenar a neutralidade, pressupõe implicitamente que a

mesma isenção e a neutralidade devem ser a tônica a ser seguida, pois para o seu

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funcionamento, os atores não podem ser amigos e nem inimigos um dos outros,

devem comporta-se friamente no mundo globalizado, já que é imprescindível

estarem sempre prontos para serem aliados ou transformarem-se em rivais um dos

outros quando a ocasião assim exigir. Para isso, não poderia haver nenhum tipo de

laço afetivo ou de inimizade entre os mesmos, a ponto que os amigos não pudessem

ser tão amigos que os impedisse de se tornarem inimigos ou vice versa.

Um sistema coletivo dependente das iniciativas restrita aos Estados, logo,

tornou-se comprovadamente uma falácia, sendo imprescindível para tal o

funcionamento do sistema jurídico de sociedade internacional compartilhado e aceito

por todos os sócios, operado por uma estrutura política universal composta

essencialmente por um poder de exército, com força suficiente para prevenir uma

ampla violência.

A real condição de funcionamento do sistema coletivo pediria a precedência

desses contingentes internacionais que através de uma força militar internacional, ou

seja, um exército independente, operado sob o controle direto da agência

internacional autorizada a decidir conclusivamente quando e como a força deveria e

poderia ser usada.

A ONU, que deveria afirmar a sua autoridade normativa com a obrigação de

impor as suas determinações através do Conselho de Segurança, também não

logrou implementar a adoção de um força militar permanente, conforme previsto no

artigo 47, parágrafo 3º da Carta, que seria a principal encarregada pela consecução

desse objetivo de operar um sistema coletivo por intermédio e com a coordenação

da Comissão de Estado Maior.

Os inúmeros e recorrentes conflitos internacionais, mesmos os de pequena

escala, evidenciam e comprovam que o problema político da sociedade internacional

perdura mesmo após as diversas tentativas de regulamentação do sistema

internacional, já que as políticas externas de algumas Nações, principalmente das

grandes, colidem periodicamente com as resoluções internacionais.

Os mecanismos de impedimento e contenção do uso da força e sua possível

sanção coletiva não funcionam como consubstanciado nas normas jurídicas

internacionais, visto que a ONU não possui capacidade política para impor o

princípio da segurança coletiva sem a realização de amplas reformas na instituição.

Os mecanismos institucionais da manutenção da paz e da segurança internacional

seguem e funcionam de acordo com a política de poder das grandes potências, e

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não as regras jurídicas estabelecidas no escopo do Direito Internacional.

Verdade é que os riscos da erosão do Direito Internacional e da autoridade da

ONU continuam vindo à tona. Os acontecimentos recentes, notadamente o

acirramento dos ânimos no Oriente Médio, a prática de atos de terrorismo

internacional e especialmente a Segunda Guerra do Golfo, com a invasão da aliança

liderada pelos norte-americanos no Iraque, têm colocado em prova o

reconhecimento às regras internacionais e o reconhecimento do papel das Nações

Unidas.

Os episódios armados, representados pela ação militar desencadeada pelos

Estados Unidos e seus aliados, colocou em evidência o desrespeito às instituições

multilaterais, em especial à legitimidade da ONU, do seu Conselho de Segurança e a

validade das normas internacionais.

A eficácia do Direito Internacional na regulação da ação interestatal e no trato

às questões relativas ao uso da força legítima, choca-se com a vontade dos

Estados, principalmente quando se refere aos interesses das potências com assento

permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

E é a discricionariedade dos Estados, ou seja, a aceitação voluntária deles de

uma regulação de seus comportamentos, através de um ordenamento jurídico de

alcance universal, que aparece como o elemento mais decisivo do enfraquecimento

desse Direito Internacional, deslegitimando-o quando estão em jogo os interesses

das grandes poderes militares e econômicos, os mesmos que comandam o clube de

Estados através do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Principalmente

para essas potências, não há lei, não há órgão e nada que possa impedi-las de

colocarem em prática um egoísmo estatista soberano.

Apesar da defesa de muitos doutrinadores sobre a supremacia e eficácia do

Direito Internacional independente do seu poder coercitivo atribuindo ao mesmo uma

maior validade na crença de que os próprios Estados detêm interesses em respeitá-

lo, os fatos demonstram que a inexistência de execução coativa das regras

referentes à manutenção da segurança internacional, torna-o inoperante e ineficaz.

Com a falta de uma autoridade política superior aos Estados soberanos,

nenhuma regra legal terá qualquer força, uma vez que uma potência possuidora de

maior poder de dissuasão sobre os demais países, sempre evitará as sanções e

agirá de modo discricionário, desconhecendo, assim, solenemente o ordenamento

jurídico internacional.

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O elemento coercitivo constitui-se como um fator preponderante e

responsável pela exitosa regulação pelo Direito Internacional. Pois, sem esse

elemento essa ciência apresenta-se com eficácia duvidosa, pois é freqüentemente

violada, além disso, tem sua validade incerta, visto que os seus preceitos são

raramente aplicados coercivamente, em caso de violação e da manutenção da

segurança internacional.

Por mais utópico que seja, é necessário, aliadas às iniciativas de reforma da

ONU, a formatação de um grande acordo entre os poderes centrais no sistema

internacional, para reconhecimento do Direito Internacional como ordenamento

superior e regulador da vida na sociedade internacional. A organização do sistema

internacional passa pela relativização da soberania estatal nos assuntos mais vitais

de política externa, e uma vontade conseqüente para seguir as diretrizes um Direito

supranacional.

Está claro que essas condições prévias subjetivas de um sistema de

segurança internacional executável estão muito longe de serem cumpridas, e é

duvidoso que uma tendência nessa direção possa ser discernida na política

internacional contemporânea. Mas, caso não seja reconhecida a supremacia da

Carta das Nações Unidas como fonte do Direito Internacional que deve ser

respeitado por todos os Estados, sobretudo no que diz respeito ao direito do recurso

à força, e não sejam criados mecanismos adequados de sanção a serem adotados,

para superar esses problemas, institucionalizar-se-á perpetuamente a anarquia

internacional e a guerra.

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ANEXO A- TRATADO DE RENÚNCIA À GUERRA

(PACTO DE PARIS OU BRIAND-KELLOG)

O PRESIDENTE DO REICH ALEMÃO, O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, SUA MAGESTADE O REI DOS BELGAS, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FRANCESA, SUA MAGESTADE O REI DA GRÃ-BRETANHA, DA IRLANDA E DOS TERRITÓRIOS BRITÂNICOS D'ALÉM-MAR. IMPERADOR DAS ÍNDIAS, SUA MAJESTADE O REI DA ITÁLIA, SUA MAJESTADE IMPERADOR DO JAPÃO, O PRESIDENTE Da REPÚBLICA DA POLÔNIA, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA TCHECOESLOVACA:

Compenetrados do dever solene que lhes cumpre de desenvolver o bem-estar da humanidade;

Persuadidos de que chegou o momento de se proceder a uma franca renúncia à guerra como instrumento de política nacional, afim de que as relações pacíficas e amistosas atualmente existentes entre seus povos possam ser perpetuadas;

Convencidos de que todas as mudanças nas suas mútuas relações só devem ser baseadas nos meios pacíficos e realizadas dentro da ordem e da paz e que toda Potência signatária, que, daqui em diante, procurar desenvolver os interesses nacionais recorrendo à guerra, deverá ser privada dos benefícios do presente Tratado;

Na esperança de que, estimuladas pelo seu exemplo, todas as outras nações do mundo unir-se-ão a esses humanitários esforços, e, aderindo ao presente Tratado logo que este entrar em vigor tornarão aptos os respectivos povos para gozarem de suas benéficas estipulações, unindo assim nações civilizadas do mundo em uma renúncia comum guerra, como instrumento de sua política nacional;

Decidiram concluir um Tratado, e, para esse fim, designaram como seus Plenipotenciários respectivos, a saber:

O PRESIDENTE DO REICH ALEMÃO: O Sr. Dr. Gustav Stresemann, Ministro dos Negócios Estrangeiros ; O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: O Honrado Frank B. Kellagg, Secretário de Estado; SUA MAGESTADE O REI DOS BELGAS: O Sr. Panl Hymans, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Ministro de Estado;

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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FRANCESA: O Sr. Aristide Briand, Ministro dos Negócios Estrangeiros; SUA MAGESTADE O REI DA GRA-BRETANHA DA IRLANDA E DOS TERRITÓRIOS BRITÂNICOS D'ALEM-MAR, IMPERADOR DAS ÍNDIAS: Pela Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e todas as Partes do Império Britânico que não são individualmente Membros da Sociedade das Nações : O Muito Honrado Lord Cushendun, Chanceler do Ducado de Lancnster. Rerrotárin de Estado para os Negócios Estrangeiros ad-interim; Pelo Domínio do Canadá: O Muito Honrado William Lyon Mackensie King, Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros; Pelo Commonwealth, da Austrália: O Honrado Alexander John McLachlan, Membro do Conselho Executivo Federal; Pelo Domínio da Nova Zelândia: O Honrado Sir Christopher James Parr, Alto-Comissário da Nova - Zelândia na Grã-Bretanha; Pela União Sul-Africana: O Honrado Jacobus Stephanus Smit. Alto-Comissário da União Sul-Africana na Grã-Bretanha; Pelo Estado Livre da Irlanda: O Sr. William Thomas Cosgrave, Presidente do Conselho Executivo; Pela Índia: O Muito Honrado Lorà Cushendun, Chanceler do Ducado Lancaster, Secretário de Estado para os Negócios Estrangeiro, ad-interim; SUA MAGESTADE O BEI DA ITÁLIA: Conde Gaetano Manzoni, Seu Embaixador Extraordinário. e Plenipotenciário em Paris; SUA MAGESTADE O IMPERADOR DO JAPÃO: Conde Uchida, Conselheiro Privado; O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA POLÔNIA: O Sr. A. Zaleski, Ministro dos Negócios Estrangeiros; O PRESIDENTE DA REPÚBLICA TCHECOSLOVACA: O Sr. Dr. Eduard Benès, Ministro dos Negócios Estrangeiros;

Os quais, tendo-se comunicado seus poderes respectivos, encontrados em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo I

As Altas Partes contratantes declaram solenemente, em nome dos respectivos povos, que condenam o recurso à guerra para a solução das controvérsias internacionais, e á ela renunciam como instrumento de política nacional nas suas mútuas relações.

Artigo II

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As Alta Partes contratantes reconhecem que o ajuste ou a solução de todas as controvérsias ou conflitos qualquer natureza ou origem, que se suscitem entre elas: nunca deverá ser procurado senão por meios pacíficos.

Artigo III

O presente Tratado será ratificado pelas Altas Partes contratantes designadas no preâmbulo, de acordo com exigências das respectivas constituições e entrará em vigor entre elas imediatamente do depósito, em Washington de todos os instrumentos de ratificação.

O presente Tratado, quando em vigor, conforme prevê o parágrafo precedente, ficará aberto, pelo tempo necessário à adesão de todas as outras Potências do mundo. Cada instrumento atestando a adesão de uma Potência será, depositado, em Washington, e o tratado, imediatamente depois desse depósito, entrará em vigor entre a Potência que assim der a sua adesão e as outras Potências contratantes.

Ao Governo dos Estados Unidos competirá fornecer cada Governo designado no preâmbulo e a todo Governo que aderir ulteriormente ao presente Tratado, uma cópia autêntica do mesmo e de cada um dos instrumentos de ratificação ou de adesão. Ao Governo dos Estados Unidos incumbirá, outrossim, notificar telegràficamente aos ditos Governos, o depósito, logo que este se realizar, de cada instrumento de ratificação ou da adesão.

EM FÉ DO QUE, os Plenipotenciários respectivos assinaram o presente, Tratado, em língua francesa e em língua inglesa, tendo os dois textos igual força, e nele apondo os seus selos.

FEITO em Paris, aos vinte e sete de agosto de mil novecentos e vinte e oito.

Gustav Stresemann. Frank B. Kellogg. Paul Hymans. Ari Briand. Gushendun. W. L. Machensie King. A. J. Maclachlan. C. S. Parr. J. S. Smit. Liam T. MaeCosgair. Cushendun. G. Manzoni. Uchida. August Zaleski. Dr. Eduard Benès.

Dado no Palácio da Presidência, no Rio de Janeiro D. F., aos dez de abril de mil novecentos e trinta e quatro 113º da Independência e 46º da República.

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L. S. GETULIO VARGAS.

L. S. CAVALCANTI DE LACERDA.

E, declarando aprovado o mesmo Tratado cujo teor fica acima transcrito o ratifico e, pela presente, o dou por firme e valioso, para produzir os seus devidos efeitos, e ser fielmente cumprido.

Em firmeza do que, mandai passar esta Carta, que assino, e é salada com o selo das armas da Republica e subscrita pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores.

Dado no Palácio da Presidência, no Rio de Janeiro –. DF, aos dez de abril de mil novecentos e trinta e quatro, 113º da Independência e 46º da Republica.

L. S. Getulio Vargas. L. S. Cavalcanti de Lacerda

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ANEXO B - PACTO DA SOCIEDADE DAS NAÇÕES

LIGA DAS NAÇÕES

As altas partes contratantes Considerando que, para desenvolver a cooperação entre as Nações e para lhes garantir a paz e a segurança, importa: aceitar certas obrigações de não recorrer à guerra;

Manter claramente relações internacionais fundadas sobre a justiça e a honra;

Observar rigorosamente as prescrições do Direito Internacional, reconhecidas de ora em diante com regra de conduta efetiva dos Governos;

Fazer reinar a justiça e respeitar escrupulosamente todas as obrigações dos Tratados nas relações mútuas dos povos organizados;

Adotam o presente Pacto que institui a Sociedade das Nações.

Art. 1º. São Membros fundadores da Sociedade das Nações os signatários cujos nomes figuram no Anexo do presente Pacto, assim como, os Estados igualmente constantes do Anexo, que ao referido Pacto acederem sem nenhuma reserva estabelecida por uma declaração entregue à Secretaria durante os dois primeiros meses da entrada em vigor do mesmo e que será notificada aos outros Membros da Sociedade.

Todo o Estado, Domínio ou Colônia que governe livremente e não esteja designado no Anexo pode tornar-se Membro da Sociedade, se sua admissão for aceita por dois terços da Assembléia contanto que dê garantias efetivas de sua sincera intenção de observar seus compromissos internacionais e adote o regulamento estabelecido pela Sociedade sobre suas forças e armamentos militares e navais.

Todo Membro da sociedade pode, depois de um aviso prévio de dois anos, retirar-se da mesma com a condição de ter até esse momento, cumprido todas as suas obrigações internacionais, incluídas as do presente Pacto.

Art.2º. A ação da Sociedade, tal qual está definida no presente Pacto, será exercida por uma Assembléia e um Conselho, auxiliados por uma Secretaria permanente.

Art.3º. A Assembléia compor-se-á de Representantes dos Membros da Sociedade. Reunir-se-á em épocas fixas e em qualquer outra ocasião, se as circunstâncias exigirem, na sede da Sociedade ou em qualquer outro lugar que for designado.

A Assembléia tomará conhecimento de toda questão que entre na esfera de atividade da Sociedade ou que afete a paz do mundo.

Cada Membro da Sociedade não poderá ter mais de três Representantes na Assembléia e só disporá de um voto.

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Art.4º. O Conselho compor-se-á de Representantes das Principais Potências aliadas e associadas, assim como de Representantes de quatro outros Membros da Sociedade. Esses quatro Membros da Sociedade serão designados livremente pela Assembléia e nas épocas que lhe agradar escolher. Até a primeira designação pela Assembléia, os Representantes da Bélgica, do Brasil, da Espanha e da Grécia serão Membros do Conselho.

Com aprovação da maioria da Assembléia, o Conselho poderá designar outros Membros da Sociedade, cuja representação será de então por diante permanente no próprio Conselho. Poderá, com a mesma aprovação, aumentar o número dos Membros da Sociedade que serão escolhidos pela Assembléia para serem representados no Conselho.

O Conselho reunir-se-á quando for necessário e ao menos uma vez por ano na sede da Sociedade ou no lugar que for designado.

O Conselho tomará conhecimento de toda questão que entrar na esfera de atividade da Sociedade ou que afetar a paz do mundo.

Todo membro da Sociedade não representado no Conselho será convidado a enviar um Representante quando o referido Conselho tiver de conhecer uma questão que o interesse particularmente.

Cada Membro da Sociedade representado no Conselho só disporá dum voto e só terá um Representante.

Art.5º. Salvo disposição contraria do presente Pacto ou das cláusulas do presente Tratado, as decisões da Assembléia e do Conselho serão tomadas pela unanimidade dos Membros da Sociedade representados na reunião.

Todas as questões do processo que se aventarem nas reuniões da Assembléia ou do Conselho, incluída a designação das Comissões encarregadas de inquéritos sobre pontos particulares, serão reguladas pela Assembléia ou pelo Conselho e decididas pela maioria dos membros da Sociedade representados na reunião.

A primeira reunião da Assembléia e a primeira reunião do Conselho serão convocadas pelo Presidente dos Estados Unidos da América.

Art.6º. A Secretaria permanente funcionará na sede da Sociedade. Terá um Secretário Geral, secretários e demais pessoal necessário.

O primeiro Secretário Geral está designado no Anexo. Mais tarde, o Secretário Geral será nomeado pelo Conselho, sujeito à aprovação da maioria da Assembléia.

Os secretários e o pessoal da Secretaria serão nomeados pelo Secretário Geral, com aprovação do Conselho.

O Secretário Geral da Sociedade será de direito Secretário Geral da Assembléia e do Conselho.

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As despesas da Secretaria serão custeadas pelos Membros da Sociedade, na proporção estabelecida pela Repartição Internacional da União Postal e Universal.

Art.7º. Genebra será a sede da Sociedade.

O Conselho em qualquer ocasião poderá decidir estabelecer a sede em outro lugar.

Todas as funções da Sociedade ou dos serviços que a ela se prendem incluída a Secretaria, são igualmente acessíveis a homens como a mulheres.

Os Representantes dos Membros da Sociedade e seus agentes gozarão, no exercício de suas funções, privilégios e imunidades diplomáticas.

Os edifícios e terrenos ocupados pela Sociedade, seus serviços ou reuniões, são invioláveis.

Art.8º. Os Membros da Sociedade reconhecem que a manutenção da paz exige a redução dos armamentos nacionais ao mínimo compatível com a segurança nacional e com a execução das obrigações internacionais impostas por uma ação comum.

O Conselho, tendo em conta a situação geográfica e as condições especiais de cada Estado, preparará os planos dessa redução, sujeitos a exame e decisão dos diversos Governos.

Esses planos deverão ser objeto de novo exame e, se for possível, duma revisão cada dez anos pelo menos.

Após sua adoção pelos diversos Governos, o limite dos armamentos assim fixado não poderá ser excedido sem o consentimento do Conselho.

Considerando que a fabricação particular de munições e material de guerra levanta grandes objeções, os Membros da Sociedade encarregarão o Conselho de assentar as medidas precisas para evitar seus perigosos efeitos, tendo em conta as necessidades dos Membros da Sociedade que não podem fabricar munições e material de guerra de que carecem para sua segurança.

Os Membros da Sociedade comprometem-se a trocar, do modo mais franco e mais completo, todas as informações relativas ao quantum de seus armamentos, aos seus programas militares e navais, e à condição de suas indústrias suscetíveis de ser utilizadas para a guerra.

Art.9º. Formar-se-á uma comissão permanente para dar ao Conselho sua opinião sobre a execução dos arts. 1º e 8º e, de modo geral, sobre as questões militares e navais.

Art.10. Os Membros da Sociedade comprometem-se a respeitar e manter contra toda agressão externa a integridade territorial e a independência política presente de todos os Membros da Sociedade. Em caso de agressão, ameaça ou perigo de agressão, o Conselho resolverá os meios de assegurar a execução desta obrigação.

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Art.11. Fica expressamente declarado que toda guerra ou ameaça de guerra, quer afete diretamente ou não um dos Membros da Sociedade, interessará à Sociedade inteira e esta deverá tomar as medidas apropriadas para salvaguardar eficazmente a paz das Nações. Em semelhante caso, o Secretário Geral convocará imediatamente o Conselho a pedido de qualquer Membro da Sociedade.

Além disso, fica declarado que todo Membro da Sociedade tem o direito de, a título amigável, chamar a atenção da Assembléia ou do Conselho sobre qualquer circunstância de natureza a afetar as relações internacionais e que ameace, conseqüentemente, perturbar a paz ou o bom acordo entre as Nações, do qual depende a paz.

Art.12. Todos os Membros da Sociedade convêm que, se entre eles houver um litígio que possa trazer rompimento, o submeterão ao processo de arbitragem ou ao exame do Conselho. Convêm mais que, em nenhum caso, deverão recorrer à guerra antes de expirar o prazo de três meses depois da sentença dos árbitros ou do parecer do Conselho.

Em todos os casos previstos neste artigo a sentença dos árbitros deverá ser dada num prazo razoável e o parecer do Conselho deverá ser lido nos seis meses, a contar da data em que tiver tomado conhecimento da divergência.

Art. 13. Os membros da Sociedade acordam que, se houver entre eles um litígio suscetível, na sua opinião, de uma solução arbitral e se esse litígio não puder ser resolvido, de modo satisfatório, por via diplomática, será submetido integralmente à arbitragem.

Entre os geralmente suscetíveis de solução arbitral, declaram-se os litígios relativos à interpretação de um Tratado, a qualquer ponto de direito internacional, à realidade de qualquer fato que, se fosse determinado, constituiria rompimento de um compromisso internacional, ou a extensão ou natureza da reparação devida pelo mesmo rompimento.

O Tribunal de arbitragem ao qual a causa for submetida será o Tribunal designado pelas partes ou previsto nas suas Convenções anteriores.

Os Membros da Sociedade comprometem-se a executar de boa fé as sentenças proferidas e a não recorrer à guerra contra todo Membro da Sociedade que com elas se conformar. Na falta de execução da sentença, o Conselho proporá as medidas que devam assegurar seus efeitos.

Art. 14. O Conselho será encarregado de preparar um projeto de Tribunal permanente de justiça internacional e de submetê-lo aos Membros da Sociedade. Esse Tribunal tomará conhecimento de todos os litígios de caráter internacional que as Partes lhe submetam. Dará também pareceres consultivos sobre toda pendência ou todo ponto que lhe submeta o Conselho ou a Assembléia.

Art.15. Se entre os Membros da Sociedade houver um litígio capaz de produzir um rompimento e se essa divergência não for submetida à arbitragem prevista pelo artigo 13, os Membros da Sociedade convirão em submetê-lo ao Conselho. Para isto

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basta que um deles avise do litígio o Secretário Geral, que tomará todas às disposições para um inquérito e um exame completos.

No mais breve prazo, as Partes devem comunicar-lhe a exposição de sua causa, com todos os fatos pertinentes e peças justificativas. O Conselho poderá ordenar sua aplicação imediata.

O Conselho se esforçará em assegurar a resolução do litígio. Se a conseguir, publicará, na medida que julgar útil, uma exposição relatando os fatos, as explicações que comportam e os termos da resolução.

Se o litígio não puder ser resolvido, o Conselho redigirá e publicará um relatório, votado por unanimidade ou por simples maioria de votos, para fazer conhecer as circunstâncias da divergência e as soluções que recomendar como mais equitativas e melhor apropriadas à espécie.

Todo Membro da Sociedade representado no Conselho poderá igualmente publicar uma exposição dos fatos do litígio e de suas próprias conclusões.

Se o parecer do Conselho for aprovado por unanimidade, não entrando no computo da mesma unanimidade o voto dos Representantes das Partes, os Membros da Sociedade comprometem-se a não recorrer à guerra contra qualquer Parte que se conforme com as conclusões do referido parecer.

No caso em que o Conselho não consiga fazer aceitar seu parecer por todos os membros que não os Representantes de qualquer Parte do litígio, os Membros da Sociedade reservam-se o direito de agir como julgarem necessário para a manutenção do direito e da justiça.

Se uma das Partes pretender e se o Conselho reconhecer que o litígio implica uma questão que o direito internacional deixa à competência exclusiva dessa Parte, o Conselho constatará isso num parecer, mas sem recomendar solução alguma.

O Conselho poderá, em todos os casos previstos no presente artigo, levar o litígio perante a Assembléia. A Assembléia deverá também tomar conhecimento do litígio a requerimento de uma das Partes; esse requerimento deverá ser apresentado no prazo de quatorze dias a contar o momento em que a divergência foi levada ao conhecimento do Conselho.

Em toda questão submetida à Assembléia as disposições do presente artigo e do artigo 12, relativas a ação e aos poderes do Conselho, aplicar-se-ão igualmente à ação e aos poderes da Assembléia. Fica entendido que um parecer dado pela Assembléia com aprovação dos Representantes dos Membros da Sociedade representados no Conselho e com uma maioria dos outros Membros da Sociedade, excluídos, em cada caso, os Representantes das Partes, terá o mesmo efeito que um parecer do Conselho adotado pela unanimidade de seus Membros, excetuados os Representantes das Partes.

Art.16. Se um Membro da Sociedade recorrer à guerra, contrariamente aos compromissos tomados nos artigos 12,13 ou 15, será "ipso facto" considerado como

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tendo cometido um ato de beligerância contra todos os outros Membros da Sociedade. Estes comprometer-se-ão a romper imediatamente com ele todas as relações comerciais ou financeiras, a interdizer todas as relações entre seus nacionais e os do Estado que rompeu o Pacto, e a fazer cessar todas as comunicações financeiras, comerciais ou pessoais entre os nacionais desse Estado e os de qualquer outro Estado, Membro ou não da Sociedade.

Neste caso, o Conselho terá o dever de recomendar aos diversos Governos interessados os efetivos militares ou navais pelos quais os Membros da Sociedade contribuirão, respectivamente, para as forças armadas destinadas a fazer respeitar os compromissos da Sociedade.

Os Membros da Sociedade convêm, além disso, em prestarem uns aos outros auxílio mútuo na aplicação de medidas econômicas e financeiras a tomar em virtude do presente artigo, a fim de reduzir ao mínimo as perdas e inconvenientes que dele possam resultar. Prestar-se-ão igualmente apoio mútuo para resistir a toda medida especial dirigida contra um deles pelo Estado que romper o Pacto. Tomarão às disposições necessárias para facilitar a passagem através do seu território das forças de qualquer Membro da Sociedade que participe duma ação comum para fazer respeitar os compromissos da Sociedade.

Poderá ser excluído da Sociedade todo membro que se tiver tornado culpado de violação de um dos compromissos resultantes do Pacto. A exclusão será pronunciada pelo voto de todos os outros membros da Sociedade representados no Conselho.

Art. 17. Em caso de litígio entre dois Estados, dos quais um somente seja membro da Sociedade ou se nenhum deles fizer parte, o Estado ou os Estados estranhos à Sociedade serão convidados a se submeterem às obrigações que se impõem aos seus membros com o fim de se resolver a pendência, segundo as condições achadas justas pelo Conselho. Se o convite for aceito, às disposições dos artigos 12 a 16 serão aplicadas sob reserva das modificações julgadas necessárias pelo Conselho.

Desde a remessa do convite, o Conselho abrirá um inquérito sobre as circunstâncias do litígio e proporá à medida que lhe parecer melhor e mais eficaz no caso, em questão.

Se o Estado convidado, recusando aceitar as obrigações de membro da Sociedade para o fim da resolução do litígio, recorrer à guerra contra um membro da Sociedade, às disposições do artigo 16 lhe serão aplicáveis.

Se as duas Partes convidadas recusarem aceitar as obrigações de membro da Sociedade com o fim de resolver o litígio, o Conselho poderá tomar todas as medidas e fazer todas as propostas de natureza a impedir as hostilidades e solucionar o conflito.

Art. 18. Todo tratado ou compromisso internacional concluído para o futuro por um membro da Sociedade deverá ser imediatamente registrado pela Secretaria e por ela

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publicado logo que possível. Nenhum desses tratados ou compromissos internacionais será obrigatório antes de ser registrado.

Art.19. A Assembléia poderá, de tempos em tempos, convidar os membros da Sociedade a procederem a um novo exame dos tratados tornados inaplicáveis, assim como das situações internacionais, cuja manutenção poderia pôr em perigo a paz do mundo.

Art. 20. Os membros da Sociedade reconhecem, cada um no que o concerne, que o presente Pacto abriga as obrigações ou acordos inter se incompatíveis com seus termos e comprometem-se solenemente a não contrair semelhantes acordos ou obrigações para o futuro.

Se antes de sua entrada na Sociedade, um membro assumiu obrigações incompatíveis com os termos do Pacto, deverá tomar medidas imediatas para delas se libertar.

Art. 21. Os compromissos internacionais, tais como, tratados de arbitragem, e os acordos regionais como a doutrina de Monroe, que asseguram a manutenção da paz, não são considerados incompatíveis com nenhuma das disposições do presente Pacto.

Art.22. Os princípios seguintes aplicam-se às colônias e territórios que, em conseqüência da guerra, cessaram de estar sob a soberania dos Estados que precedentemente os governavam e são habitados por povos ainda incapazes de se dirigirem por si próprios nas condições particularmente difíceis do mundo moderno. O bem-estar e o desenvolvimento desses povos formam uma missão sagrada de civilização, e convém incorporar no presente Pacto garantias para o cumprimento dessa missão.

O melhor método de realizar praticamente esse princípio é confiar a tutela desses povos às nações desenvolvidas que, em razão de seus recursos, de sua experiência ou de sua posição geográfica, estão em situação de bem assumir essa responsabilidade e que consistam em aceitá-la: elas exerceriam a tutela na qualidade de mandatários e em nome da Sociedade.

O caráter do mandato deve ser diferente conforme o grau de desenvolvimento do povo, a situação geográfica do território, suas condições econômicas e todas as outras circunstâncias análogas.

Certas comunidades que outrora pertenciam ao Império Otomano, atingiram tal grau de desenvolvimento que sua existência como nações independentes pode ser reconhecida provisoriamente, com a condição que os conselhos e o auxílio de um mandatário guiem sua administração até o momento em que forem capazes de se conduzirem sozinhas. Os desejos dessas comunidades devem ser tomados em primeiro lugar em consideração para escolha do mandatário.

O grau de desenvolvimento em que se encontram outros povos, especialmente os da África Central, exige que o mandatário assuma o governo do território em condições que, com a proibição de abusos, tais como o tráfico de escravos, o

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comércio de armas e álcool, garantam a liberdade de consciência e de religião, sem outras restrições, além das que pode impor a manutenção da ordem pública e dos bons costumes, e a interdição de estabelecer fortificações, bases militares ou navais e de dar aos indígenas instrução militar, a não ser para a polícia ou a defesa do território, e assegurem aos outros membros da Sociedade condições do igualdade para trocas e comércio.

Enfim, há territórios como o sudoeste africano e certas ilhas do Pacífico austral, que, em razão da fraca densidade de sua população, de sua superfície restrita, de seu afastamento dos centros de civilização, de sua contigüidade geográfica com o território do mandatário ou de outras circunstâncias, não poderiam ser melhor administrados do que pelas próprias leis do mandatário, como parte integrante de seu território, sob reserva das garantias previstas acima no interesse da população indígena.

Em todos os casos, o mandatário deverá enviar anualmente ao Conselho um relatório acerca dos territórios de que foi encarregado.

Se o grau de autoridade, fiscalização ou administração a ser exercido pelo mandatário não faz objeto de uma convenção anterior entre os membros da Sociedade, será estatuído expressamente nesses três aspectos pelo Conselho.

Uma comissão permanente será encarregada de receber e examinar os relatórios anuais dos mandatários e de dar ao Conselho sua opinião sobre todas as questões relativas à execução dos mandatos.

Art.23. Sob a reserva e em conformidade com às disposições das Convenções internacionais atualmente existentes ou que serão ulteriormente concluídas, os membros da Sociedade:

1. Esforçar-se-ão por assegurar e manter condições de trabalho equitativas e humanas para o homem, a mulher e a criança nos seus próprios territórios, assim como em todos os países aos quais se estendam suas relações de comércio e indústria e, com esse fim, por fundar e sustentar as organizações internacionais necessárias;

2. Comprometem-se a garantir o tratamento equitativo das populações indígenas dos territórios submetidos à sua administração;

3. Encarregam a Sociedade da fiscalização geral dos acordos relativos ao tráfico de mulheres e crianças, ao comércio do ópio e de outras drogas nocivas;

4. Encarregam a Sociedade da fiscalização geral do comércio de armas e munições com o país em que a fiscalização desse comércio é indispensável ao interesse comum;

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5. Tomarão às disposições necessárias para assegurar a garantia e manutenção da liberdade do comércio e de trânsito, assim com equitativo tratamento comercial a todos os membros da Sociedade, ficando entendido que as necessidades especiais das regiões devastadas durante a guerra de 1914 a 1918 deverão ser tomadas em consideração;

6. Esforçar-se-ão por tomar medidas de ordem internacional a fim de prevenir e combater moléstias.

Art.24. Todas as repartições internacionais anteriormente estabelecidas por tratados coletivos serão, sob reserva do consentimento das partes, postas sob a autoridade da Sociedade. O mesmo se fará com todas as demais repartições ou comissões que forem posteriormente criadas para regular e resolver questões de interesse internacional.

Para todas as questões de interesse internacional decididas pelas convenções gerais, mas não submetidas à fiscalização de comissões ou repartições internacionais, a Secretaria da Sociedade deverá, se as Partes o pedirem e se o Conselho consentir, reunir e distribuir todas as informações úteis e prestar toda a assistência necessária ou desejável.

O Conselho poderá decidir de custear pela Secretaria as despesas de qualquer repartição ou comissão posta sob a autoridade da Sociedade.

Art.25. Os membros da Sociedade comprometem-se a encorajar e favorecer o estabelecimento, e cooperação das organizações voluntárias nacionais da Cruz Vermelha, devidamente autorizadas, que tiveram por fim o melhoramento da saúde, a defesa preventiva contra moléstias e o alívio do sofrimento no mundo.

Art. 26. As emendas ao presente Pacto entrarão em vigor desde sua ratificação pelos membros da Sociedade, cujos representantes compõem o Conselho, e pela maioria daqueles cujos representantes formam a Assembléia.

Todo membro da Sociedade tem a liberdade de não aceitar as emendas apresentadas ao Pacto, deixando nesse caso de fazer parte da Sociedade.

ANEXO

I – Membros fundadores da Sociedade das Nações signatários do

Tratado de Paz

Estados Unidos da América, Bélgica, Bolívia, Brasil, Império Britânico, Canadá, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia, Índia, China, Cuba, Equador, França, Grécia, Guatemala, Haiti, Hedjaz, Honduras, Itália, Japão, Libéria, Nicarágua,

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Panamá, Peru, Polônia, Portugual, Romênia, Estado Servio – Croata – Esloveno, Sião, Tcheco. Eslováquia, Uruguai.

Estados Convidados a Aderir ao Pacto

Argentina, Chile, Colômbia, Dinamarca, Espanha, Noruega, Paraguai, Holanda, Pérsia, Salvador, Suécia, Suíça, Venezuela.

II – Primeiro secretário geral da Sociedade das Nações o ilustre Sir James Eric Drummond, K.C. M. G., C.B.

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ANEXO C - CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS

Preâmbulo

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.

CAPÍTULO I

PROPÓSITOS E PRINCÍPIOS

ARTIGO 1 - Os propósitos das Nações unidas são:

1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;

3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e

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4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.

ARTIGO 2 - A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:

1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.

2. Todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta.

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

5. Todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo.

6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.

7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.

CAPÍTULO II

DOS MEMBROS

ARTIGO 3 - Os Membros originais das Nações Unidas serão os Estados que, tendo participado da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional, realizada em São Francisco, ou, tendo assinado previamente a Declaração das Nações Unidas, de 1 de janeiro de 1942, assinarem a presente Carta, e a ratificarem, de acordo com o Artigo 110.

ARTIGO 4 - 1. A admissão como Membro das Nações Unidas fica aberta a todos os Estados amantes da paz que aceitarem as obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispostos a cumprir tais obrigações. 2. A admissão de qualquer desses Estados como Membros das Nações Unidas será efetuada por decisão da Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.

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ARTIGO 5 - O Membro das Nações Unidas, contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Segurança, poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de Membro pela Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios poderá ser restabelecido pelo conselho de Segurança.

ARTIGO 6 - O Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta, poderá ser expulso da Organização pela Assembléia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança.

CAPÍTULO III

ÓRGÃOS

ARTIGO 7 - 1. Ficam estabelecidos como órgãos principais das Nações Unidas: uma Assembléia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um conselho de Tutela, uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado. 2. Serão estabelecidos, de acordo com a presente Carta, os órgãos subsidiários considerados de necessidade.

ARTIGO 8 - As Nações Unidas não farão restrições quanto à elegibilidade de homens e mulheres destinados a participar em qualquer caráter e em condições de igualdade em seus órgãos principais e subsidiários.

CAPÍTULO IV

ASSEMBLÉIA GERAL

COMPOSIÇÃO

ARTIGO 9 - 1. A Assembléia Geral será constituída por todos os Membros das Nações Unidas. 2. Cada Membro não deverá ter mais de cinco representantes na Assembléia Geral.

FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES

ARTIGO 10 - A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e, com exceção do estipulado no Artigo 12, poderá fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles, conjuntamente, com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos.

ARTIGO 11 - 1. A Assembléia Geral poderá considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer recomendações relativas a tais princípios aos Membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles conjuntamente.

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2. A Assembléia Geral poderá discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, que a ela forem submetidas por qualquer Membro das Nações Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja Membro das Nações unidas, de acordo com o Artigo 35, parágrafo 2, e, com exceção do que fica estipulado no Artigo 12, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interessados, ou ao Conselho de Segurança ou a ambos. Qualquer destas questões, para cuja solução for necessária uma ação, será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembléia Geral, antes ou depois da discussão.

3. A Assembléia Geral poderá solicitar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.

. As atribuições da Assembléia Geral enumeradas neste Artigo não limitarão a finalidade geral do Artigo 10.

ARTIGO 12 - 1. Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembléia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite.

2. O Secretário-Geral, com o consentimento do Conselho de Segurança, comunicará à Assembléia Geral, em cada sessão, quaisquer assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que estiverem sendo tratados pelo Conselho de Segurança, e da mesma maneira dará conhecimento de tais assuntos à Assembléia Geral, ou aos Membros das Nações Unidas se a Assembléia Geral não estiver em sessão, logo que o Conselho de Segurança terminar o exame dos referidos assuntos.

ARTIGO 13 - 1. A Assembléia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a:

a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação;

b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

2. As demais responsabilidades, funções e atribuições da Assembléia Geral, em relação aos assuntos mencionados no parágrafo 1(b) acima, estão enumeradas nos Capítulos IX e X.

ARTIGO 14 - A Assembléia Geral, sujeita aos dispositivos do Artigo 12, poderá recomendar medidas para a solução pacífica de qualquer situação, qualquer que seja sua origem, que lhe pareça prejudicial ao bem-estar geral ou às relações amistosas entre as nações, inclusive em situações que resultem da violação dos dispositivos da presente Carta que estabelecem os Propósitos e Princípios das Nações Unidas.

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ARTIGO 15 - 1. A Assembléia Geral receberá e examinará os relatórios anuais e especiais do Conselho de Segurança. Esses relatórios incluirão uma relação das medidas que o Conselho de Segurança tenha adotado ou aplicado a fim de manter a paz e a segurança internacionais.

2. A Assembléia Geral receberá e examinará os relatórios dos outros órgãos das Nações Unidas.

ARTIGO 16 - A Assembléia Geral desempenhará, com relação ao sistema internacional de tutela, as funções a ela atribuídas nos Capítulos XII e XIII, inclusive a aprovação de acordos de tutela referentes às zonas não designadas como estratégias.

ARTIGO 17 - 1. A Assembléia Geral considerará e aprovará o orçamento da organização.

2. As despesas da Organização serão custeadas pelos Membros, segundo cotas fixadas pela Assembléia Geral.

3. A Assembléia Geral considerará e aprovará quaisquer ajustes financeiros e orçamentários com as entidades especializadas, a que se refere o Artigo 57 e examinará os orçamentos administrativos de tais instituições especializadas com o fim de lhes fazer recomendações.

VOTAÇÃO

ARTIGO 18 - 1. Cada Membro da Assembléia Geral terá um voto.

2. As decisões da Assembléia Geral, em questões importantes, serão tomadas por maioria de dois terços dos Membros presentes e votantes. Essas questões compreenderão: recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais; à eleição dos Membros não permanentes do Conselho de Segurança; à eleição dos Membros do Conselho Econômico e Social; à eleição dos Membros dos Conselho de Tutela, de acordo como parágrafo 1 (c) do Artigo 86; à admissão de novos Membros das Nações Unidas; à suspensão dos direitos e privilégios de Membros; à expulsão dos Membros; questões referentes o funcionamento do sistema de tutela e questões orçamentárias.

3. As decisões sobre outras questões, inclusive a determinação de categoria adicionais de assuntos a serem debatidos por uma maioria dos membros presentes e que votem.

ARTIGO 19 - O Membro das Nações Unidas que estiver em atraso no pagamento de sua contribuição financeira à Organização não terá voto na Assembléia Geral, se o total de suas contribuições atrasadas igualar ou exceder a soma das contribuições correspondentes aos dois anos anteriores completos. A Assembléia Geral poderá entretanto, permitir que o referido Membro vote, se ficar provado que a falta de pagamento é devida a condições independentes de sua vontade.

PROCESSO

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ARTIGO 20 - A Assembléia Geral reunir-se-á em sessões anuais regulares e em sessões especiais exigidas pelas circunstâncias. As sessões especiais serão convocadas pelo Secretário-Geral, a pedido do Conselho de Segurança ou da maioria dos Membros das Nações Unidas.

ARTIGO 21 - A Assembléia Geral adotará suas regras de processo e elegerá seu presidente para cada sessão.

ARTIGO 22 - A Assembléia Geral poderá estabelecer os órgãos subsidiários que julgar necessários ao desempenho de suas funções.

CAPITULO V

CONSELHO DE SEGURANÇA

COMPOSIÇÃO

ARTIGO 23 - 1. O Conselho de Segurança será composto de quinze Membros das Nações Unidas. A República da China, a França, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do norte e os Estados unidos da América serão membros permanentes do Conselho de Segurança. A Assembléia Geral elegerá dez outros Membros das Nações Unidas para Membros não permanentes do Conselho de Segurança, tendo especialmente em vista, em primeiro lugar, a contribuição dos Membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para osoutros propósitos da Organização e também a distribuição geográfica equitativa.

2. Os membros não permanentes do Conselho de Segurança serão eleitos por um período de dois anos. Na primeira eleição dos Membros não permanentes do Conselho de Segurança, que se celebre depois de haver-se aumentado de onze para quinze o número de membros do Conselho de Segurança, dois dos quatro membros novos serão eleitos por um período de um ano. Nenhum membro que termine seu mandato poderá ser reeleito para o período imediato.

3. Cada Membro do Conselho de Segurança terá um representante.

FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES

ARTIGO 24 - 1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles.

2. No cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. As atribuições específicas do Conselho de Segurança para o cumprimento desses deveres estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VIII e XII.

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3. O Conselho de Segurança submeterá relatórios anuais e, quando necessário, especiais à Assembléia Geral para sua consideração.

ARTIGO 25 - Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta.

ARTIGO 26 - A fim de promover o estabelecimento e a manutenção da paz e da segurança internacionais, desviando para armamentos o menos possível dos recursos humanos e econômicos do mundo, o Conselho de Segurança terá o encargo de formular, com a assistência da Comissão de Estado-Maior, a que se refere o Artigo 47, os planos a serem submetidos aos Membros das Nações Unidas, para o estabelecimento de um sistema de regulamentação dos armamentos.

VOTAÇÃO

ARTIGO 27 - 1. Cada membro do Conselho de Segurança terá um voto.

2. As decisões do conselho de Segurança, em questões processuais, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove Membros.

3. As decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes, ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for parte em uma controvérsia se absterá de votar.

PROCESSO

ARTIGO 28 - 1. O Conselho de Segurança será organizado de maneira que possa funcionar continuamente. Cada membro do Conselho de Segurança será, para tal fim, em todos os momentos, representado na sede da Organização.

2. O Conselho de Segurança terá reuniões periódicas, nas quais cada um de seus membros poderá, se assim o desejar, ser representado por um membro do governo ou por outro representante especialmente designado.

3. O Conselho de Segurança poderá reunir-se em outros lugares, fora da sede da Organização, e que, a seu juízo, possam facilitar o seu trabalho.

ARTIGO 29 - O Conselho de Segurança poderá estabelecer órgãos subsidiários que julgar necessários para o desempenho de suas funções.

ARTIGO 30 - O Conselho de Segurança adotará seu próprio regulamento interno, que incluirá o método de escolha de seu Presidente.

ARTIGO 31 - Qualquer membro das Nações Unidas, que não for membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não for Membro das Nações Unidas será convidado, desde que seja parte em uma controvérsia submetida ao Conselho de Segurança a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia. O

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Conselho de Segurança determinará as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não for Membro das Nações Unidas.

ARTIGO 32 - Qualquer Membro das Nações Unidas que não for Membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não for Membro das Nações Unidas será convidado,desde que seja parte em uma controvérsia submetida ao Conselho de Segurança,a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia. O Conselho de Segurança determinará as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não for Membro das Nações Unidas.

CAPÍTULO VI

SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS

ARTIGO 33 - 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. 2. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias.

ARTIGO 34 - O Conselho de Segurança poderá investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia, a fim de determinar se a continuação de tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais.

ARTIGO 35 - 1. Qualquer Membro das Nações Unidas poderá solicitar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia, ou qualquer situação, da natureza das que se acham previstas no Artigo 34.

2. Um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá solicitar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia em que seja parte, uma vez que aceite, previamente, em relação a essa controvérsia, as obrigações de solução pacífica previstas na presente Carta.

3. Os atos da Assembléia Geral, a respeito dos assuntos submetidos à sua atenção, de acordo com este Artigo, serão sujeitos aos dispositivos dos Artigos 11 e 12.

ARTIGO 36 - 1. O conselho de Segurança poderá, em qualquer fase de uma controvérsia da natureza a que se refere o Artigo 33, ou de uma situação de natureza semelhante, recomendar procedimentos ou métodos de solução apropriados.

2. O Conselho de Segurança deverá tomar em consideração quaisquer procedimentos para a solução de uma controvérsia que já tenham sido adotados pelas partes.

3. Ao fazer recomendações, de acordo com este Artigo, o Conselho de Segurança deverá tomar em consideração que as controvérsias de caráter jurídico devem, em

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regra geral, ser submetidas pelas partes à Corte Internacional de Justiça, de acordo com os dispositivos do Estatuto da Corte.

ARTIGO 37 - 1. No caso em que as partes em controvérsia da natureza a que se refere o Artigo 33 não conseguirem resolve-la pelos meios indicados no mesmo Artigo, deverão submete-la ao Conselho de Segurança.

. O Conselho de Segurança, caso julgue que a continuação dessa controvérsia poderá realmente constituir uma ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais, decidirá sobre a conveniência de agir de acordo com o Artigo 36 ou recomendar as condições que lhe parecerem apropriadas à sua solução.

ARTIGO 38 - Sem prejuízo dos dispositivos dos Artigos 33 a 37, o Conselho de Segurança poderá, se todas as partes em uma controvérsia assim o solicitarem, fazer recomendações às partes, tendo em vista uma solução pacífica da controvérsia.

CAPÍTULO VII

AÇÃO RELATIVA A AMEAÇAS À PAZ, RUPTURA DA PAZ E ATOS DE AGRESSÃO

ARTIGO 39 - O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.

ARTIGO 40 - A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes de fazer as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no Artigo 39, convidar as partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões , nem a situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança tomará devida nota do não cumprimento dessas medidas.

ARTIGO 41 - O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos , postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas.

ARTIGO 42 - No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas.

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ARTIGO 43 - 1. Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais.

2. Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da assistência a serem proporcionadas.

3. O acordo ou acordos serão negociados o mais cedo possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão concluídos entre o Conselho de Segurança e Membros da Organização ou entre o Conselho de Segurança e grupos de Membros e submetidos à ratificação, pelos Estados signatários, de conformidade com seus respectivos processos constitucionais.

ARTIGO 44 - Quando o Conselho de Segurança decidir o emprego de força, deverá, antes de solicitar a um Membro nele não representado o fornecimento de forças armadas em cumprimento das obrigações assumidas em virtude do Artigo 43, convidar o referido Membro, se este assim o desejar, a participar das decisões do Conselho de Segurança relativas ao emprego de contigentes das forças armadas do dito Membro.

ARTIGO 45 - A fim de habilitar as Nações Unidas a tomarem medidas militares urgentes, os Membros das Nações Unidas deverão manter, imediatamente utilizáveis, contigentes das forças aéreas nacionais para a execução combinada de uma ação coercitiva internacional. A potência e o grau de preparação desses contingentes, como os planos de ação combinada, serão determinados pelo Conselho de Segurança com a assistência da Comissão de Estado-Maior, dentro dos limites estabelecidos no acordo ou acordos especiais a que se refere o Artigo 43.

ARTIGO 46 - O Conselho de Segurança, com a assistência da Comissão de Estado-maior, fará planos para a aplicação das forças armadas.

ARTIGO 47 - 1. Será estabelecia uma Comissão de Estado-Maior destinada a orientar e assistir o Conselho de Segurança, em todas as questões relativas às exigências militares do mesmo Conselho, para manutenção da paz e da segurança internacionais, utilização e comando das forças colocadas à sua disposição, regulamentação de armamentos e possível desarmamento.

2. A Comissão de Estado-Maior será composta dos Chefes de Estado-Maior dos Membros Permanentes do Conselho de Segurança ou de seus representantes. Todo Membro das Nações Unidas que não estiver permanentemente representado na Comissão será por esta convidado a tomar parte nos seus trabalhos, sempre que a sua participação for necessária ao eficiente cumprimento das responsabilidades da Comissão.

3. A Comissão de Estado-Maior será responsável, sob a autoridade do Conselho de Segurança, pela direção estratégica de todas as forças armadas postas à disposição

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do dito Conselho. As questões relativas ao comando dessas forças serão resolvidas ulteriormente.

4. A Comissão de Estado-Maior, com autorização do Conselho de Segurança e depois de consultar os organismos regionais adequados, poderá estabelecer subcomissões regionais.

ARTIGO 48 - 1. A ação necessária ao cumprimento das decisões do Conselho de Segurança para manutenção da paz e da segurança internacionais será levada a efeito por todos os Membros das Nações Unidas ou por alguns deles, conforme seja determinado pelo Conselho de Segurança.

2. Essas decisões serão executas pelos Membros das Nações Unidas diretamente e, por seu intermédio, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte.

ARTIGO 49 - Os Membros das Nações Unidas prestar-se-ão assistência mútua para a execução das medidas determinadas pelo Conselho de Segurança.

ARTIGO 50 - No caso de serem tomadas medidas preventivas ou coercitivas contra um Estado pelo Conselho de Segurança, qualquer outro Estado, Membro ou não das Nações unidas, que se sinta em presença de problemas especiais de natureza econômica, resultantes da execução daquelas medidas, terá o direito de consultar o Conselho de Segurança a respeito da solução de tais problemas.

ARTIGO 51 - Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

CAPÍTULO VIII

ACORDOS REGIONAIS

ARTIGO 52 - 1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas.

2. Os Membros das Nações Unidas, que forem parte em tais acordos ou que constituírem tais entidades, empregarão todo os esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e entidades regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança.

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3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da solução pacífica de controvérsias locais mediante os referidos acordos ou entidades regionais, por iniciativa dos Estados interessados ou a instância do próprio conselho de Segurança.

4. Este Artigo não prejudica, de modo algum, a aplicação dos Artigos 34 e 35.

ARTIGO 53 - 1. O conselho de Segurança utilizará, quando for o caso, tais acordos e entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no entanto, levada a efeito de conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho de Segurança, com exceção das medidas contra um Estado inimigo como está definido no parágrafo 2 deste Artigo, que forem determinadas em consequência do Artigo 107 ou em acordos regionais destinados a impedir a renovação de uma política agressiva por parte de qualquer desses Estados, até o momento em que a Organização possa, a pedido dos Governos interessados, ser incumbida de impedir toda nova agressão por parte de tal Estado.

2. O termo Estado inimigo, usado no parágrafo 1 deste Artigo, aplica-se a qualquer Estado que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi inimigo de qualquer signatário da presente Carta.

ARTIGO 54 - O Conselho de Segurança será sempre informado de toda ação empreendida ou projetada de conformidade com os acordos ou entidades regionais para manutenção da paz e da segurança internacionais.

CAPÍTULO IX

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ECONÔMICA E SOCIAL

ARTIGO 55 - Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

ARTIGO 56 - Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.

ARTIGO 57 - 1. As várias entidades especializadas, criadas por acordos intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional, saitário e conexos, serão vinculadas às Nações Unidas, de conformidade com as disposições do Artigo 63. 2. Tais entidades assim vinculadas às Nações Unidas serão designadas, daqui por diante, como entidades especializadas.

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ARTIGO 58 - A Organização fará recomendação para coordenação dos programas e atividades das entidades especializadas.

ARTIGO 59 - A Organização, quando julgar conveniente, iniciará negociações entre os Estados interessados para a criação de novas entidades especializadas que forem necessárias ao cumprimento dos propósitos enumerados no Artigo 55.

ARTIGO 60 - A Assembléia Geral e, sob sua autoridade, o Conselho Econômico e Social, que dispões, para esse efeito, da competência que lhe é atribuída no Capítulo X, são incumbidos de exercer as funções da Organização estipuladas no presente Capítulo.

CAPÍTULO X

CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL

COMPOSIÇÃO

ARTIGO 61 - 1. O Conselho Econômico e Social será composto de cinquenta e quatro Membros das Nações Unidas eleitos pela Assembléia Geral.

2 De acordo com os dispositivos do parágrafo 3, dezoito Membros do Conselho Econômico e Social serão eleitos cada ano para um período de três anos, podendo, ao terminar esse prazo, ser reeleitos para o período seguinte.

3. Na primeira eleição a realizar-se depois de elevado de vinte e sete para cinquenta e quatro o número de Membros do Conselho Econômico e Social, além dos Membros que forem eleitos para substituir os nove Membros, cujo mandato expira no fim desse ano, serão eleitos outros vinte e sete Membros. O mandato de nove destes vinte e sete Membros suplementares assim eleitos expirará no fim de um ano e o de nove outros no fim de dois anos, de acordo com o que for determinado pela Assembléia Geral.

4. Cada Membro do Conselho Econômico e social terá nele um representante.

FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES

ARTIGO 62 - 1. O Conselho Econômico e Social fará ou iniciará estudose relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos e poderá fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembléia Geral, aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas.

2. Poderá, igualmente, fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos.

3. Poderá preparar projetos de convenções a serem submetidos à Assembléia Geral, sobre assuntos de sua competência.

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4. Poderá convocar, de acordo com as regras estipuladas pelas Nações Unidas, conferências internacionais sobre assuntos de sua competência.

ARTIGO 63 - 1. O conselho Econômico e Social poderá estabelecer acordos com qualquer das entidades a que se refere o Artigo 57, a fim de determinar as condições em que a entidade interessada será vinculada às Nações Unidas. Tais acordos serão submetidos à aprovação da Assembléia Geral. 2. Poderá coordenar as atividades das entidades especializadas, por meio de consultas e recomendações às mesmas e de recomendações à Assembléia Geral e aos Membros das Nações Unidas.

ARTIGO 64 - 1. O Conselho Econômico e Social poderá tomar as medidasadequadas a fim de obter relatórios regulares das entidades especializadas. Poderá entrar em entendimentos com os Membros das Nações Unidas e com as entidades especializadas, a fim de obter relatórios sobre as medidas tomadas para cumprimento de suas próprias recomendações e das que forem feitas pelas Assembléia Geral sobre assuntos da competência do Conselho. 2. Poderá comunicar à Assembléia Geral suas observações a respeito desses relatórios.

ARTIGO 65 - O Conselho Econômico e Social poderá fornecer informações ao Conselho de Segurança e, a pedido deste, prestar-lhe assistência.

ARTIGO 66 - 1. O Conselho Econômico e Social desempenhará as funçõesque forem de sua competência em relação ao cumprimento das recomendações da Assembléia Geral. 2. Poderá mediante aprovação da Assembléia Geral, prestar os serviços que lhe forem solicitados pelos Membros das Nações unidas e pelas entidades especializadas. 3. Desempenhará as demais funções específicas em outras partes da presente Carta ou as que forem atribuídas pela Assembléia Geral.

VOTAÇÃO

ARTIGO 67 - 1. Cada Membro do Conselho Econômico e Social terá um voto. 2. As decisões do Conselho Econômico e Social serão tomadas por maioria dos membros presentes e votantes.

PROCESSO

ARTIGO 68 - O Conselho Econômico e Social criará comissões para os assuntos econômicos e sociais e a proteção dos direitos humanos assim como outras comissões que forem necessárias para o desempenho de suas funções.

ARTIGO 69 - O Conselho Econômico e Social poderá convidar qualquer Membro das Nações Unidas a tomar parte, sem voto, em suas deliberações sobre qualquer assunto que interesse particularmente a esse Membro.

ARTIGO 70 - O Conselho Econômico e Social poderá entrar em entendimentos para que representantes das entidades especializadas tomem parte, sem voto, em suas deliberações e nas das comissões por ele criadas, e para que os seus próprios representantes tomem parte nas deliberações das entidades especializadas.

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ARTIGO 71 - O Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais, encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própria competência. Tais entendimentos poderão ser feitos com organizações internacionais e, quando for o caso, com organizações nacionais, depois de efetuadas consultas com o Membro das Nações Unidas no caso.

ARTIGO 72 - 1. O Conselho Econômico e Social adotará seu próprio regulamento, que incluirá o método de escolha de seu Presidente. 2. O Conselho Econômico e Social reunir-se-á quando for necessário, de acordo com o seu regulamento, o qual deverá incluir disposições referentes à convocação de reuniões a pedido da maioria dos Membros.

CAPÍTULO XI

DECLARAÇÃO RELATIVA A TERRITÓRIOS SEM GOVERNO PRÓPRIO

ARTIGO 73 - Os Membros das Nações Unidas, que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a plena capacidade de se governarem a si mesmos, reconhecem o princípio de que os interesses dos habitantes desses territórios são da mais alta importância, e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios e, para tal fim, se obrigam a:

a) assegurar, com o devido respeito à cultura dos povos interessados, o seu progresso político, econômico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra todo abuso;

b) desenvolver sua capacidade de governo próprio, tomar devida nota das aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo de suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes e os diferentes graus de seu adiantamento;

c)consolidar a paz e a segurança internacionais;

d)promover medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar uns com os outros e, quando for o caso, com entidades internacionais especializadas, com vistas à realização prática dos propósitos de ordem social, econômica ou científica enumerados neste Artigo; e

e)transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro caráter técnico, relativas às condições econômicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os Capítulos XII e XIII da Carta.

ARTIGO 74 - Os Membros das Nações Unidas concordam também em que a sua política com relação aos territórios a que se aplica o presente Capítulo deve ser

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baseada, do mesmo modo que a política seguida nos respectivos territórios metropolitanos, no princípio geral de boa vizinhança, tendo na devida conta os interesses e o bem-estar do resto do mundo no que se refere às questões sociais, econômicas e comerciais.

CAPÍTULO XII

SISTEMA INTERNACIONAL DE TUTELA

ARTIGO 75 - As nações Unidas estabelecerão sob sua autoridade um sistema internacional de tutela para a administração e fiscalização dos territórios que possam ser colocados sob tal sistema em consequência de futuros acordos individuais. Esses territórios serão, daqui em diante, mencionados como territórios tutelados.

ARTIGO 76 - Os objetivos básicos do sistema de tutela, de acordo com os Propósitos das Nações Unidas enumerados no Artigo 1 da presente Carta serão:

a) favorecer a paz e a segurança internacionais;

b) fomentar o progresso político, econômico, social e educacional dos habitantes dos territórios tutelados e o seu desenvolvimento progressivo para alcançar governo próprio ou independência, como mais convenha às circunstâncias particulares de cada território e de seus habitantes e aos desejos livremente expressos dos povos interessados e como for previsto nos termos de cada acordo de tutela;

c) estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo língua ou religião e favorecer o reconhecimento da interdependência de todos os povos; e

d) assegurar igualdade de tratamento nos domínios social, econômico e comercial para todos os Membros das nações Unidas e seus nacionais e, para estes últimos, igual tratamento na administração da justiça, sem prejuízo dos objetivos acima expostos e sob reserva das disposições do Artigo 80.

ARTIGO 77 - 1. O sistema de tutela será aplicado aos territórios das categorias seguintes, que venham a ser colocados sob tal sistema por meio de acordos de tutela:

a)territórios atualmente sob mandato;

b)territórios que possam ser separados de Estados inimigos em conseqüência da Segunda Guerra Mundial; e

c)territórios voluntariamente colocados sob tal sistema por Estados responsáveis pela sua administração.

2. Será objeto de acordo ulterior a determinação dos territórios das categorias acima mencionadas a serem colocados sob o sistema de tutela e das condições em que o serão.

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ARTIGO 78 - O sistema de tutela não será aplicado a territórios que se tenham tornado Membros das Nações Unidas, cujas relações mútuas deverão basear-se no respeito ao princípio da igualdade soberana.

ARTIGO 79 - As condições de tutela em que cada território será colocado sob este sistema, bem como qualquer alteração ou emenda, serão determinadas por acordo entre os Estados diretamente interessados, inclusive a potência mandatária no caso de território sob mandato de um Membro das Nações Unidas e serão aprovadas de conformidade com as disposições dos Artigos 83 e 85.

ARTIGO 80 - 1. Salvo o que for estabelecido em acordos individuais de tutela, feitos de conformidade com os Artigos 77, 79 e 81, pelos quais se coloque cada território sob este sistema e até que tais acordos tenham sido concluídos, nada neste Capítulo será interpretado como alteração de qualquer espécie nos direitos de qualquer Estado ou povo ou dos termos dos atos internacionais vigentes em que os Membros das Nações Unidas forem partes.

2. O parágrafo 1 deste Artigo não será interpretado como motivo para demora ou adiamento da negociação e conclusão de acordos destinados a colocar territórios dentro do sistema de tutela, conforme as disposições do Artigo 77.

ARTIGO 81 - O acordo de tutela deverá, em cada caso, incluir as condições sob as quais o território tutelado será administrado e designar a autoridade que exercerá essa administração. Tal autoridade, daqui por diante chamada a autoridade administradora, poderá ser um ou mais Estados ou a própria Organização.

ARTIGO 82 - Poderão designar-se, em qualquer acordo de tutela, uma ou várias zonas estratégicas, que compreendam parte ou a totalidade do território tutelado a que o mesmo se aplique, sem prejuízo de qualquer acordo ou acordos especiais feitos de conformidade com o Artigo 43.

ARTIGO 83 - 1. Todas as funções atribuídas às Nações Unidas relativamente às zonas estratégicas, inclusive a aprovação das condições dos acordos de tutela, assim como de sua alteração ou emendas, serão exercidas pelo Conselho de Segurança. 2. Os objetivos básicos enumerados no Artigo 76 serão aplicáveis aos habitantes de cada zona estratégica. 3. O Conselho de Segurança, ressalvadas as disposições dos acordos de tutela e sem prejuízo das exigências de segurança, poderá valer-se da assistência do Conselho de Tutela para desempenhar as funções que cabem às Nações Unidas pelo sistema de tutela, relativamente a matérias políticas, econômicas, sociais ou educacionais dentro das zonas estratégicas.

ARTIGO 84 - A autoridade administradora terá o dever de assegurar que o território tutelado preste sua colaboração à manutenção da paz e da segurança internacionais. para tal fim, a autoridade administradora poderá fazer uso de forças voluntárias, de facilidades e da ajuda do território tutelado para o desempenho das obrigações por ele assumidas a este respeito perante o Conselho de Segurança, assim como para a defesa local e para a manutenção da lei e da ordem dentro do território tutelado.

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ARTIGO 85 - 1. As funções das Nações Unidas relativas a acordos de tutela para todas as zonas não designadas como estratégias, inclusive a aprovação das condições dos acordos de tutela e de sua alteração ou emenda , serão exercidas pela Assembléia Geral. 2. O Conselho de Tutela, que funcionará sob a autoridade da Assembléia Geral, auxiliará esta no desempenho dessas atribuições.

CAPÍTULO XIII

CONSELHO DE TUTELA

COMPOSIÇÃO

ARTIGO 86 - 1. O Conselho de Tutela será composto dos seguintes Membros das Nações Unidas:

a) os Membros que administrem territórios tutelados;

b) aqueles dentre os Membros mencionados nominalmente no Artigo 23, que não estiverem administrando territórios tutelados; e

c) quantos outros Membros eleitos por um período de três anos, pela Assembléia Geral, sejam necessários para assegurar que o número total de Membros do Conselho de Tutela fique igualmente dividido entre os Membros das Nações Unidas que administrem territórios tutelados e aqueles que o não fazem.

2. Cada Membro do Conselho de Tutela designará uma pessoa especialmente qualificada para representá-lo perante o Conselho.

FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES

ARTIGO 87 - A Assembléia Geral e, sob a sua autoridade, o Conselho de Tutela, no desempenho de suas funções, poderão: a) examinar os relatórios que lhes tenham sido submetidos pela autoridade administradora; b) Aceitar petições e examiná-las, em consulta com a autoridade administradora; c) providenciar sobre visitas periódicas aos territórios tutelados em épocas ficadas de acordo com a autoridade administradora; e d) tomar estas e outras medidas de conformidade com os termos dos acordos de tutela.

ARTIGO 88 - O Conselho de Tutela formulará um questionário sobre o adiantamento político, econômico, social e educacional dos habitantes de cada território tutelado e a autoridade administradora de cada um destes territórios, dentro da competência da Assembléia Geral, fará um relatório anual à Assembléia, baseado no referido questionário.

VOTAÇÃO

ARTIGO 89 - 1. Cada Membro do Conselho de Tutela terá um voto. 2. As decisões do Conselho de Tutela serão tomadas poruma maioria dos membros presentes e votantes.

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PROCESSO

ARTIGO 90 - 1. O Conselho de Tutela adotará seu próprio regulamento que incluirá o método de escolha de seu Presidente. 2. O Conselho de Tutela reunir-se-á quando for necessário, de acordo com o seu regulamento, que incluirá uma disposição referente à convocação de reuniões a pedido da maioria dos seus membros.

ARTIGO 91 - O Conselho de Tutela valer-se-á, quando for necessário,da colaboração do Conselho Econômico e Social e das entidades especializadas, a respeito das matérias em que estas e aquele sejam respectivamente interessados.

CAPÍTULO XIV

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA

ARTIGO 92 - A Corte Internacional de Justiça será o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Funcionará de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e faz parte integrante da presente Carta.

ARTIGO 93 - 1. Todos os Membros das Nações Unidas são ipso facto partes do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.2. Um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá tornar-se parte no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em condições que serão determinadas, em cada caso, pela Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança.

ARTIGO 94 - 1. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a conformarse com a decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte. 2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença.

ARTIGO 95 - Nada na presente Carta impedirá os Membros das Nações Unidas de confiarem a solução de suas divergências a outros tribunais, em virtude de acordos já vigentes ou que possam ser concluídos no futuro.

ARTIGO 96 - 1. A Assembléia Geral ou o Conselho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, sobre qualquer questão de ordem jurídica. 2. Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembléia Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades.

CAPÍTULO XV

O SECRETARIADO

ARTIGO 97 - O Secretariado será composto de um Secretário-Geral e do pessoal exigido pela Organização. o Secretário-Geral será indicado pela Assembléia Geral

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mediante a recomendação do Conselho de Segurança. Será o principal funcionário administrativo da Organização.

ARTIGO 98 - O Secretário-Geral atuará neste caráter em todas as reuniões da Assembléia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela e desempenhará outras funções que lhe forem atribuídas por estes órgãos. O Secretário-Geral fará um relatório anual à Assembléia Geral sobre os trabalhos da Organização.

ARTIGO 99 - O Secretário-Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais.

ARTIGO 100 - 1. No desempenho de seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do Secretariado não solicitarão nem receberão instruções de qualquer governo ou de qualquer autoridade estranha à organização. Abster-se-ão de qualquer ação que seja incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente perante a Organização. 2. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a respeitar o caráter exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do Secretariado e não procurará exercer qualquer influência sobre eles, no desempenho de suas funções.

ARTIGO 101 - 1. O pessoal do Secretariado será nomeado pelo Secretário Geral, de acordo com regras estabelecidas pela Assembléia Geral. 2. Será também nomeado, em caráter permanente, o pessoal adequado para o Conselho Econômico e Social, o conselho de Tutela e, quando for necessário, para outros órgãos das Nações Unidas. Esses funcionários farão parte do Secretariado. 3. A consideração principal que prevalecerá na escolha do pessoal e na determinação das condições de serviço será a da necessidade de assegurar o mais alto grau de eficiência, competência e integridade. Deverá ser levada na devida conta a importância de ser a escolha do pessoal feita dentro do mais amplo critério geográfico possível.

CAPÍTULO XVI

DISPOSIÇÕES DIVERSAS

ARTIGO 102 - 1. Todo tratado e todo acordo internacional, concluídos por qualquer Membro das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado. 2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de conformidade com as disposições do parágrafo 1 deste Artigo poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas.

ARTIGO 103 - No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta.

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ARTIGO 104 - A Organização gozará, no território de cada um de seus Membros, da capacidade jurídica necessária ao exercício de suas funções e à realização de seus propósitos.

ARTIGO 105 - 1. A Organização gozará, no território de cada um de seus Membros, dos privilégios e imunidades necessários à realização de seus propósitos. 2. Os representantes dos Membros das Nações Unidas e os funcionários da Organização gozarão, igualmente, dos privilégios e imunidades necessários ao exercício independente de sus funções relacionadas com a Organização. 3. A Assembléia Geral poderá fazer recomendações com o fim de determinar os pormenores da aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo ou poderá propor aos Membros das Nações Unidas convenções nesse sentido.

CAPÍTULO XVII

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS SOBRE SEGURANÇA

ARTIGO 106 - Antes da entrada em vigor dos acordos especiais a que se refere o Artigo 43, que, a juízo do Conselho de Segurança, o habilitem ao exercício de suas funções previstas no Artigo 42, as partes na Declaração das Quatro Nações, assinada em Moscou, a 30 de outubro de 1943, e a França, deverão, de acordo com as disposições do parágrafo 5 daquela Declaração, consultar-se entre si e, sempre que a ocasião o exija, com outros Membros das Nações Unidas a fim de ser levada a efeito, em nome da Organização, qualquer ação conjunta que se torne necessária à manutenção da paz e da segurança internacionais.

ARTIGO 107 - Nada na presente Carta invalidará ou impedirá qualquer ação que, em relação a um Estado inimigo de qualquer dos signatários da presente Carta durante a Segunda Guerra Mundial, for levada a efeito ou autorizada em consequência da dita guerra, pelos governos responsáveis por tal ação.

CAPÍTULO XVIII

EMENDAS

ARTIGO 108 - As emendas à presente Carta entrarão em vigor para todos os Membros das Nações Unidas, quando forem adotadas pelos votos de dois terços dos membros da Assembléia Geral e ratificada de acordo com os seus respectivos métodos constitucionais por dois terços dos Membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do Conselho de Segurança.

ARTIGO 109 - 1. Uma Conferência Geral dos Membros das Nações Unidas, destinada a rever a presente Carta, poderá reunir-se em data e lugar a serem fixados pelo voto de dois terços dos membros da Assembléia Geral e de nove membros quaisquer do Conselho de Segurança. Cada Membro das Nações Unidas terá voto nessa Conferência.

2. Qualquer modificação à presente Carta, que for recomendada por dois terços dos votos da Conferência, terá efeito depois de ratificada, de acordo com os respectivos

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métodos constitucionais, por dois terços dos Membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do Conselho de Segurança.

3. Se essa Conferência não for celebrada antes da décima sessão anual da Assembléia Geral que se seguir à entrada em vigor da presente Carta, a proposta de sua convocação deverá figurar na agenda da referida sessão da Assembléia Geral, e a Conferência será realizada, se assim for decidido por maioria de votos dos membros da Assembléia Geral, e pelo voto de sete membros quaisquer do Conselho de Segurança.

CAPÍTULO XIX

RATIFICAÇÃO E ASSINATURA

ARTIGO 110 - 1. A presente Carta deverá ser ratificada pelos Estados signatários, de acordo com os respectivos métodos constitucionais.

2. As ratificações serão depositadas junto ao Governo dos Estados Unidos da América, que notificará de cada depósito todos os Estados signatários, assim como o Secretário-Geral da Organização depois que este for escolhido.

3. A presente Carta entrará em vigor depois do depósito de ratificações pela República da China, França, união das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América e ela maioria dos outros Estados signatários. O Governo dos Estados Unidos da América organizará, em seguida, um protocolo das ratificações depositadas, o qual será comunicado, por meio de cópias, aos Estados signatários. 4. Os Estados signatários da presente Carta, que a ratificarem depois de sua entrada em vigor tornar-se-ão membros fundadores das Nações Unidas, na data do depósito de suas respectivas ratificações.

ARTIGO 111 - A presente Carta, cujos textos em chinês, francês, russo, inglês, e espanhol fazem igualmente fé, ficará depositada nos arquivos do Governo dos Estados Unidos da América. Cópias da mesma, devidamente autenticadas, serão transmitidas por este último Governo aos dos outros Estados signatários.

EM FÉ DO QUE, os representantes dos Governos das Nações Unidas assinaram a presente Carta.

FEITA na cidade de São Francisco, aos vinte e seis dias do mês de junho de mil novecentos e quarenta e cinco.