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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES- RJ O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS VANIRA FONTES FEITOZA CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES- RJ

O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS

VANIRA FONTES FEITOZA

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ

2006

VANIRA FONTES FEITOZA

O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, da Faculdade de direito de Campos , como requisito à obtenção do título de Mestre.

Prof. Orientador:

Drª.Heloisa Helena Barboza

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006

VANIRA FONTES FEITOZA

O DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS COMPANHEIROS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado, em Direito, da Faculdade de Campos, como requisito à obtenção do título de Mestre. Comissão examinadora Prof. Dr. ... Universidade Prof. Dr. ... Universidade Profª. Drª Heloisa Helena Barboza

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006

Dedico este trabalho aos meus filhos, José Paulo e Fabrício, num gesto de amor, carinho e determinação.

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006

Agradeço a Deus por ter me dado saúde, força e resignação para continuar na luta, a que me propus, e, suportar as perdas sofridas.

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ 2006

RESUMO

Este trabalho é uma reflexão sobre as questões que envolvem as pessoas que

vivem em união estável, bem como os direitos decorrentes dela. Não é uma

questão só nossa, é mundial e aumenta dia a dia. Os Estados se vêem obrigados

a dar-lhe juridicidade. Não se pode negar que talvez o mais antigo e o mais

evidente dos diversos modelos de família seja o concubinato, nas suas mais

variadas formas. No Brasil, diante de sua desmedida proliferação surgiu a

necessidade de se dar dignidade a essas uniões, entre homem e mulher, tendo

sido acolhidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no

seu art. 226, § 3º, sendo qualificada como “entidade familiar”, mas determinando

que a lei facilite a sua conversão em casamento. Após, surgiram as Leis n.

8.971/94 e n.9.278/96, que introduziram, no ordenamento jurídico brasileiro, o

direito a alimentos e sucessão entre os companheiros, sendo, afinal, consolidado

no Código Civil de 2002, através dos arts. 1.694 e 1.790.

ABSTRACT

This work is a reflection about the issues involving people who live in a stable

union, and the rights derived from it. It isn’t only an issue that concerns a few, but

it is a worldwide issue in a daily basis growing progress. States are bound to give

it a legal protection. We can’t deny that the concubinage is, perhaps, the oldest

and the most evident example of a family pattern. In Brazil, along its growth, arose

the need to offer dignity to these unions between man and woman, which were

accepted and qualified by Brazilian Constitution /1988 at the art. 226, § 3º as

“family entity” and in addition, determining that the law should ease its change into

matrimony. After the Brazilian Constitution /1988, were created the Laws 8.971/94

and 9.278/96, which introduced to Brazilian juridical system the rights of alimony

and inheritance to those whose share their lives existing as concubines. Such

rights were consolidated in the Brazilian Civil Code of 2002 at the articles 1.694

and 1.790.

SUMÁRIO RESUMO ..................................................................................................... 6

ABSTRACT .................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 8

CAPÍTULO I

1. A família .......................................................................................... 13

1.1 A família na ordem constitucional ............................................. 18

1.2 As diversas espécies de família ................................................ 21

1.3 A visão das relações familiares no Código Civil ........................ 27

CAPÍTULO II

1. Construindo um instituto jurídico: do concubinato ao companhei –

rismo .............................................................................................. 33

2. União Estável ................................................................................. 37

2.1 Caracterização .......................................................................... 42

2.2 Companheiros e concubinos: distinção ..................................... 45

3. Efeitos da União Estável ................................................................. 49

3.1 Efeitos pessoais ........................................................................ 52

3.2 Efeitos patrimoniais................................................................... 55

CAPÍTULO III

1. Relações Patrimoniais entre companheiros.................................... 57

2 . Direito a Alimentos.......................................................................... 68

3. Regime de bens entre companheiros ............................................. 73

4. Efeitos jurídicos decorrentes de atos lícitos e ilícitos ..................... 75

CAPÍTULO IV

1. O direito sucessório: conceitos básicos........................................... 79

2. Reconhecimento de direitos sucessórios dos companheiros ......... 84

3. Do direito real de habitação ............................................................ 99

4. Sucessão do companheiro no Código Civil .................................. 103

5. Considerações sobre o art. 1.790 ................................................. 107

CONCLUSÃO .................................................................................... 117

REFERÊNCIAS ................................................................................. 119

INTRODUÇÃO

A sociedade se modificou no que diz respeito à família, quebrando tabus,

adotando novos costumes, aceitando situações que eram sequer mencionadas no

tempo dos nossos pais ou avós, fazendo com que a norma jurídica reguladora da

matéria sofresse alterações para se adequar à realidade.

O Direito é sensível a todas estas mutações: sofre o seu impacto e sobre

ele se transforma. Se a sociedade fosse estática o Direito seria estático também,

imporia à vida social um imobilismo incompatível com o senso evolutivo da

civilização.1

As transformações não são de cunho local ou restritas apenas a um

determinado setor da vida em sociedade, elas são globais: na ciência, na

tecnologia, nas comunicações. Hoje, não existe o “longe”, o mundo tornou-se

pequeno, o homem conhece o espaço sideral, venceu obstáculos. As relações

contratuais ou não, podem ser estabelecidas, definidas ou desfeitas através da

internet, por um simples toque mágico desenvolvido pela informática. Está-se

ligado à vida, está-se ligado ao mundo.

Como, então, o Direito, não acompanhar esse ritmo? As relações

interindividuais, de qualquer espécie, precisam ser conduzidas dentro do padrão

da normalidade e da convivência social, onde direitos e deveres se fazem

presentes na vida de cada um e devem ser respeitados.

Apesar de tudo isto, não se quer dizer que os valores morais

desapareceram, apenas a conduta humana, sofrendo influências exógenas, de

acordo com o seu momento histórico, procura preservá-los, adequando as suas

regras de conveniência.

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p.2.

9

No campo jurídico, essas transformações foram sentidas com maior

intensidade a partir do final do século XX, principalmente no que diz respeito às

relações familiares, atingindo a própria estrutura da família, que passou a ser

admitida como tal, mesmo não havendo casamento. A mais importante dessas

transformações foi, sem dúvida alguma, a união estável elevada à condição de

entidade familiar, para efeito da proteção estatal prevista no texto da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988, art. 226, § 3º.

Deve-se ressaltar que essas transformações não aconteceram tão

rapidamente como se possa pensar. No Brasil, desde as Ordenações Filipinas,

previa-se o reconhecimento do concubinato, desde que houvesse a união de

pessoas “vivendo em forma de marido e mulher, com mesa e leito comuns, por tais

havidos por toda a vizinhança e vila”.2 O Código Civil de 1916 não tratou o

concubinato como instituto. As alusões existentes eram tão-somente, previsões

quanto ao impedimento absoluto para o casamento do cônjuge adúltero com o seu

co-réu, à possibilidade de reivindicação de bens transferidos à concubina, ao

reconhecimento da filiação em relação à prole resultante das uniões

concubinárias, à proibição de doação, à declaração da ilegitimidade passiva

testamentária à concubina e à proibição de instituição de seguro de vida.

Não se deve esquecer que essas transformações enfrentaram preconceitos

e resistências iniciais, que foram abrandadas quer pela jurisprudência, quer pela

orientação doutrinária, quer pelo legislador, principalmente após a Constituição

Federal de 1988, com a edição das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, que passaram a

nortear as relações familiares, sobretudo no que diz respeito aos aspectos

patrimoniais, resultantes dessas uniões informais.

O Direito de Família se enquadra perfeitamente em toda essa mutação,

tanto social quanto juridicamente. As modificações existentes nesse campo do

Direito não procuraram “criar” situações até então inexistentes; pelo contrário,

apenas regulamentaram o que a sociedade já praticava ao arrepio da lei anterior.

2 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do Concubinato. p 17.

10

Um exemplo de mudança social mais importante ocorrida no contexto

familiar, principalmente nos centros urbanos, foi, sem dúvida alguma,a

emancipação da mulher, em particular, a casada, que não tinha voz ativa, era

submissa, reflexo de uma educação retrógrada. Era relativamente incapaz e

passou à plenitude de sua capacidade3, podendo exercer, por si só, todos os seus

direitos, podendo contrair obrigações, sem que precisasse ser assistida.

As relações familiares já não mais se encontram sob o jugo do poder

hierárquico do pater famílias. A relação de poder transmudou-se em relação de

afeto. Essa relação de mando do marido, como chefe da sociedade, deixou de

existir por força do estabelecido na Carta Constitucional Brasileira.

Entretanto, essas mudanças não ocorreram num passe de mágica:

“somente vieram a ser efetivadas após um longo e tortuoso caminho, sendo que

até o final do percurso muitas situações consolidadas na realidade fática eram

simplesmente ignoradas ou mesmo proibidas pelo direito positivo”.4 Logo, com

essas modificações de atitudes entre os integrantes da família e dela com a

sociedade, verifica-se uma nova dimensão, um alargamento do Instituto da

Família.

Além desse redimensionamento das relações familiares, o Direito de

Família também abraçou uma realidade social, à qual não se pode furtar, tamanha

a sua importância, reconhecida como entidade familiar, pela Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, a “união estável”, um termo mais ameno

para as uniões informais, menos pejorativo que o concubinato, ainda que fosse o

concubinato puro.

Nos diversos modelos de família, o concubinato, talvez seja o mais evidente

e o mais antigo de todos e não é um problema social particular do país em que se

vive, é um fenômeno mundial, o que, de certa forma exige uma preocupação

maior, não só no aspecto legal, mas de toda a sociedade, até porque nela se 3 Lei 4.121 de 27 de Agosto de 1962 – Estatuto da Mulher Casada. 4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo - Uma espécie de família, 2 ed. rev. atual e amp. São Paulo: RT, 2001, p.16.

11

encontra inserido, desde os primórdios, razão pela qual, o Estado se vê obrigado a

lhe dar juridicidade.

O Direito não é estático, está em evolução constante e o ponto alto dessa

evolução encontra-se inserido no reconhecimento, pelo Texto Constitucional de

1988, de outras formas de família, diversas da oriunda do casamento, estendendo-

lhe a proteção estatal, contribuindo, assim, para uma perfeita revolução do Direito

de Família.

Aboliu-se o caráter patriarcal, hierárquico. As relações familiares foram

repensadas. Valorizou-se o bem estar social, onde predomina a dignidade

humana.

O Código Civil de 2002, ao dedicar um título à união estável, ratifica a

existência de mais uma espécie de família no ordenamento jurídico brasileiro: a

união estável, detentora de direitos e deveres, gerando efeitos pessoais e

patrimoniais com conseqüências jurídicas.

O crescimento, a cada dia das uniões informais, entretanto, não arrefeceu o

desejo daqueles que se unem ou querem se unir pelos laços do matrimônio. Para

tudo há uma escolha e esta é movida por razões particulares, sejam de cunho

social, econômico ou religioso. Tanto na união informal, como no casamento a sua

mola propulsora é a esperança da completude das idéias, dos objetivos, do amor

em busca da tal felicidade, às vezes encontrada, outras, não, e, por vezes

interrompida pela morte ou por outra forma qualquer. Essa integração de corpos,

pensamentos e almas, em ambas formas de constituição de família, como dito

anteriormente, geram efeitos tanto pessoais quanto patrimoniais.

Dentre os direitos decorrentes da união estável está o da herança, sendo o

que mais sofreu modificação considerada a sua forma atual disposta no art. 1.790

do Código Civil, diante das leis anteriores: 8.971/94 e 9.278/96.

12

O legislador elevou o companheiro (a) à condição de sucessor na herança

do outro, obedecidas condições procedimentais, sendo, portanto, herdeiro

legítimo, mas não necessário, como o cônjuge. Essa diferença de tratamento

resultou em severas seqüelas, dando margens a gritantes injustiças.

É, sobretudo, nos direitos sucessórios entre companheiros que essas

diferenças são mais fortes, num evidente desrespeito ao princípio da igualdade

estabelecido pela Constituição Federal, que consagrou a união estável como

entidade familiar, merecendo a proteção do Estado, da mesma forma que a família

oriunda do matrimônio, sendo, portanto, descabido não deferir aos companheiros

direitos iguais assegurados aos cônjuges.

O art. 1.790, que disciplina o direito sucessório entre companheiros, à

época em que foi escrito, foi, sem dúvida alguma, um grande avanço. Hoje, distoa,

da evolução ocorrida no direito de família, caracterizando-se em verdadeiro

retrocesso, afetando a igualdade entre as diversas espécies de família5.

Há, portanto, necessidade de que seja revisto, evitando, assim que essas

diferenças existentes no tratamento legislativo dispensado aos cônjuges e

companheiros, sobretudo no que diz respeito ao direito sucessório, não sejam

perpetuadas pela jurisprudência.

5 JUNIOR, Aldemiro Rezende Dantas. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo. RBDF. nº 29. Maio-Junho/2005. p.129.

CAPÍTULO I

1. A Família

Uma das mais antigas instituições da humanidade, senão a mais antiga, é a

família. A sua história se confunde com a própria história. O desenvolvimento das

diversas civilizações tem na família o seu sustentáculo.

A evolução da família está ligada às transformações sociais e aos aspectos

religiosos e econômicos.

Muito se discute sobre a origem da família sob a forma grupal. “Quem

rastreia a família em investigação sociológica encontra referências várias a

estágios primitivos em que mais atua a força da imaginação do que a

comprovação fática; mais prevalece a generalização de ocorrências particulares

do que a indução de fenômenos sociais e políticos de franca aceitabilidade.6

Muitos estudiosos como Mac Lennon e Morgan que através de monumentos

históricos, de observações de tribos indígenas da América, grupos polinésicos,

africanos dos primitivos atuais, ou grupamentos étnicos, procuram chegar às

origens do organismo familiar. São dados valiosos, entretanto, passíveis de

críticas pelas afirmações generalizadas que fazem, apontando como origem da

família a “promiscuidade”, onde todas as mulheres pertenceriam a todos os

homens estendendo essa origem ao tipo familiar “poliândrico”, vários homens para

uma só mulher ou ainda o matrimônio por grupo, união coletiva de algumas

mulheres com alguns homens. Já Ziegler, Starck, Darwin, Westermarck

defenderam a origem da família como monogâmica.7

Neste caso ao nascer uma criança, a maternidade era certa ao passo que

não seria possível saber quem era o pai, com o que afirmam Bossert e

6 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p 23 7Apud PEREIRA,Caio Mario da Silva. Ob. cit. p. 40.

14

Zannonique “em su origen la família tiene caráter matriarcal, pues es

exclusivamente junto a la madre, por ser ella conocida, que el hijo crece, se

alimenta y educa”8

A controvérsia continua, chegando-se a dizer que a família passou pela

organização matriarcal, entretanto, não sendo esse estágio considerado

obrigatório no desenvolvimento do instituto da família. Esse fato, em alguns

agrupamentos, foi por conta da ausência temporária dos homens que estavam na

guerra ou em caçadas, assim, os filhos ficavam submetidos à autoridade materna,

ou por causa da certeza da maternidade, considerado como fator determinante

das relações de parentesco, em detrimento do parentesco da linha paterna.9

Durante muito tempo a família ocidental viveu sob a forma “patriarcal”, fato

esse comprovado pelos registros históricos, literários, bélicos, etc. A família antiga

teve como norma constitutiva a religião.

Os historiadores do direito romano observaram que nem o nascimento nem

o afeto foram o fundamento da família romana. O fundamento estava fixado no

poder paterno ou no poder do marido, fazendo desse poder a pedra angular dessa

instituição, fazendo desse poder uma espécie de instituição primordial, mas não

explicam como a família se originou, a não ser pela superioridade da força do

marido sobre a mulher, do pai sobre os filhos. Contudo, não é certo atribuir-se à

força a origem do direito. Essa autoridade paterna ou marital, longe de ter sido

causa primeira, foi ela mesma, efeito; originou-se da religião e por esta foi

estabelecida: não foi, pois, o princípio constitutivo da família. A era unidade

religiosa, tinha uma religião própria, a religião doméstica dos antepassados

falecidos.10

A família em Roma, então, era organizada sobre o princípio da autoridade

sobre todos os seus descendentes não emancipados e compreendia tanto quantos

a ela estivessem submetidos. 8 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do concubinato. p.4 9 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito Civil. pp. 24-25. 10 COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. pp. 29-30.

15

O pater concentrava em sua pessoa várias atribuições, além de exercer o

seu poder e força sobre a mulher e os filhos, era chefe político, sacerdote e juiz.

Era o senhor absoluto, (pessoa sui iuris), detinha o direito de vida e morte sobre

seus filhos e mulher e impunha-lhes pena corporal, podia vendê-los, tirar-lhes a

vida, eram, portanto, considerados (pessoas alieni júris).11

A mulher, por sua vez, era totalmente submissa ao marido, nunca teve

qualquer espécie de autonomia, pois, de filha, submissa ao pai, passava à

submissão do marido, não tinha direitos próprios. Entretanto, a mulher podia casar

e continuar sob a autoridade do pai, no casamento sem manus ou integrar a

família marital no casamento com manus. Não se cogitava, porém, que a pessoa

pudesse pertencer a duas famílias, ao mesmo tempo. Podia ser repudiada por

vontade do marido. Os bens só podiam ser adquiridos pelo pater. Ele tinha o total

domínio sobre o patrimônio familiar. Não se pode deixar de dizer que o poder do

pater famílias também se estendia sobre as mulheres casadas com manus com os

seus descendentes.

No que diz respeito ao parentesco, existiam duas espécies em Roma: a

agnação e a cognação. A agnação abrangia as pessoas que estavam sujeitas ao

mesmo pater, mesmo que não tivessem laços sanguíneos, como os filhos naturais

e os adotivos. A cognação compreendia as pessoas que tinham o parentesco

consangüíneo, não sendo necessário que fossem agnadas entre si.12

O casamento com manus era realizado através de solenidades especiais,

tais como a confarreatio, a coemptio e o usus, foi substituído pelo casamento sem

manus.

Tanto a confarreatio, quanto a coemptio, no período clássico já não

existiam, entretanto o usus persistia. Nessa forma de casamento, o tempo de

posse da mulher permitia ao homem adquirir o manus resultante do matrimônio.

11 WALD, Arnold. O Novo Direito de Família. p.10. 12 idem,ibidem. p.1

16

Esse tempo tinha a duração de um ano quando, então, o matrimônio se

consumava.

É nesse ponto que Heloisa Helena Barboza se manifesta a respeito: “há,

comprovadamente, notícia de que o casamento não encontrou disciplina orgânica

no Direito Romano”13 e, no dizer de San Tiago Dantas, não foi, portanto,

conceituado como instituto jurídico.14 Guilherme Calmon Nogueira da Gama

apresenta o paralelismo indicado por esse jurista: “é um quid facit , não é um quid

iuris, no que se assemelha à posse, que era também uma situação de fato entre o

possuidor e a coisa, à qual, entretanto, o direito comunicava certos efeitos

jurídicos”. 15

A semelhança está nos elementos subjetivos e objetivos tanto da posse

quanto do casamento. A affectio maritalis se exteriorizava através da maneira

como o marido tratava a mulher, dava-lhe boa vida social, seu nome, associava-

lhe aos seus costumes, ao seu modo de viver.

A affectio era o elemento subjetivo, representava a intenção do homem em

viver com a mulher para sempre. Caso o animus acabasse, não haveria mais a

possibilidade de permanecer casado, conseqüentemente ocorreria a dissolução do

matrimônio. Já a transferência da mulher para a casa do seu marido, caracterizava

o elemento objetivo, ou seja, a deductio in domum mariti.

A evolução da família romana tinha como objetivo restringir o poder do

pater. Ele perdeu o direito de vida e morte que exercia sobre os filhos e sobre sua

mulher.

Com o passar do tempo esse poder foi perdendo força, passou-se a

conhecer o casamento sine manus; os filhos puderam formar o seu próprio

13 BARBOZA,Heloísa Helena. Família –Casamento – União estável. conceitos e efeitos à luz da Constituição de 1988. p. 125. 14 DANTAS, San Tiago. Direito de familia e das sucessões. p. 31 15 GAMA,Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p.30.

17

patrimônio, adquirido por sua atuação como soldado, por suas atividades

artísticas, culturais ou outras formas quaisquer.

A emancipação dos filhos, que antes era uma pena, passou a ser um favor,

pois eles conservavam os seus direitos sucessórios.

A constituição da família cristã tinha como fator predominante,

preocupações de ordem moral, fundadas sob o espírito da caridade e com ela a

redução do grupo em si, surgiu a partir do século IV com o Imperador Constantino.

Com a restrição da autoridade do pater famílias, a mulher ganhou

autonomia, ela passou a participar da via social e política e o direito da cidade

sobrepô-se ao doméstico e a família, na sua evolução pós-romana, recebeu a

contribuição do direito germânico, seja em relação à espiritualidade cristã, seja em

relação ao número de seus componentes, que ficou restrito aos pais e filhos e

assumiu cunho sacramental.

Já no direito moderno verificam-se novas características: houve uma

descentralização do poder autoritário para uma organização fundada na

compreensão, no amor. As relações de parentesco já não mais se fixam no

agnatio e sim pela vinculação biológica da consangüinidade.16 No direito pátrio, no

que diz respeito ao poder familiar, ele é exercido pelos pais; os filhos podem

adquirir bens, porém, quando menores, são administrados e usufruídos pelos pais.

Os direitos e deveres dos cônjuges, relações matrimoniais, são

equiparados pelo texto constitucional de 1988 (art. 226, § 5º), orientação

incorporada pelo Código Civil de 2002 (art. 1511).

Contudo, fala-se que modernamente, houve uma desagregação familiar e

uma perda de seu prestígio.17 Michelle Perrot assim se manifesta: “A família tal

qual a herdamos do século XIX, está em frangalhos. Isto assusta? Não, argumenta

16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob.cit. p.28 17idem,ibidem,p.28.

18

a historiadora francesa. Uma outra está a caminho: a que tenta conciliar a

liberdade individual com os laços afetivos do velho lar. Essas mudanças têm, de

imediato, custos e vantagens, cujo saldo é difícil calcular. Não é a família em si

que nossos contemporâneos recusam, mas o modelo excessivamente rígido e

normativo que assumiu no século XIX. Eles rejeitam o nó, não o ninho.18

1.1 A Família na ordem constitucional

A Constituição Brasileira de 1891 limitava-se ao reconhecimento do

“casamento civil cuja celebração seria gratuita”. A de 1934 se inspirou na

Constituição de Weimar e introduziu no seu texto um capítulo especial, “Da

Família”, com quatro artigos.

Heloisa Helena Barboza “observa que na Constituição de 1891, a primeira

da República, houve a inserção do casamento no texto constitucional, com o

objetivo tão somente de reconhecer o casamento civil, sendo que tal previsão foi

repetida na Emenda de 1926”.19

A Constituição de 1934 estabeleceu que “o casamento era indissolúvel e

estava sob a proteção especial do Estado” e estabelecia os casos de desquite e

de anulação de casamento e também determinava o recurso ex officio suspensivo,

com o objetivo de dificultar o seu desfazimento; que o casamento religioso

produziria os mesmos efeitos que o civil, desde que o seu rito não contrariasse a

ordem pública e os bons costumes.

A referida Constituição se preocupou mais com o “casamento”, origem da

família, do que com a “família” mesma; atendia mais à formalística do que a

substancialidade da instituição.

A Constituição de 1937 foi mais contundente: cuidou principalmente da

substância da família; como a Constituição de Weimar, “assegurou compensações

18 PERROT, Michelle. O nó e o ninho. Revista Veja, 25 anos. Reflexões para o futuro. pp. 75- 80- 81. 19 BARBOZA, Heloísa Helena. Ob. cit. p. 130.

19

para as famílias numerosas na proporção de seus encargos, o que se transformou

n “salário-família”; determinou como primeiro direito e dever dos pais, a “educação

integral da prole”, cabendo ao Estado suprir as deficiências e lacunas da

“educação particular”; proclamou a igualdade jurídica dos “filhos naturais” com os

legítimos, assegurando-lhes os mesmos direitos. Da mesma forma que a

Constituição de 1934, determinou o “amparo da infância e da juventude”.

A Constituição de 1946 estabeleceu uma ponte entre o formalismo familial

de 1934 com o substancialismo social de 1937; garantiu validade jurídica do

casamento religioso, quando inscrito no registro civil; obrigatoriedade da

assistência à maternidade, o amparo das famílias numerosas, a indissolubilidade

do casamento, etc.20

A Constituição de 1967 continuou com o mesmo tratamento em relação ao

casamento, somente sofrendo alteração em 1977, mediante a Emenda

Constitucional 09, de 28 de Junho, a qual permitiu a dissolução do vínculo

matrimonial, com restrição aos casos previstos em lei, sendo, portanto, necessária

uma separação judicial prévia e por um período superior a três anos, reforma essa

que foi sacramentada pela Lei n. 6.515, de 26 de Dezembro de 1977, ou seja, a

Lei do Divórcio.21

Com o alargamento das matérias contidas nos textos constitucionais, não

se limitando apenas à estruturação e organização de seus poderes e

conseqüentemente à competência dos mesmos, no dizer de Luis Roberto Barroso:

“O direito constitucional brasileiro deixou de ser um conjunto de aspirações

políticas e uma convocação à atuação dos Poderes Públicos.22

Diante das mudanças ocorridas, redefinida a posição da Constituição na

ordem jurídica brasileira, passou a ser premissa do seu estudo o reconhecimento

de sua força normativa, o caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições.23

20 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. pp. 272-273 21 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob.cit. p. 53. 22 BARROSO, Luis Roberto.”A nova Interpretação Constitucional”. p. 43. . 23 Idem, ibidem, p.43.

20

O Código Civil de 1916, regulador único das relações privadas, vinha se

esgarçando devido a proliferação dos microssistemas dentro dessas mesmas

relações, deixando de ser, então, a Constituição do direito privado.24 Esclarece

Gustavo Tepedino que:

Com a Constituição de 1988 o Código Civil perde, assim,

definitivamente o seu papel de constituição do direito privado. Os textos

constitucionais,paulatinamente, definem princípios relacionados a temas

antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da

vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade

econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado25

A Constituição passou a ser além de um sistema em si, mas também um

modo de se ver e entender todos os demais ramos do Direito, permitindo uma

reinterpretação do direito infraconstitucional sob sua ótica.26

A Constituição de 1988 deu nova feição ao instituto jurídico da família e

três de seus pontos podem ser destacados como relevantes: entidade familiar,

planejamento da família e assistência direta à família.

O direito não é estático, está em evolução constante. Sensível a essa

evolução o texto constitucional reconheceu a família não resultante do casamento,

oriunda da união livre entre um homem e uma mulher, denominada “união

estável”e elevada à condição de “entidade familiar”, pela Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

Até então, a família oriunda do casamento tinha a proteção do Estado. As

famílias extramatrimoniais nem sequer eram cogitadas.

24 TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. Temas de Direito Civil.p. 2 25 Idem, ibidem, p.7 26 BARROSO, Luis Roberto. Ob.cit. p. 44.

21

O artigo 226, da Constituição Federal, determina que o Estado dê proteção

especial à família por ser ela a base da sociedade. É de se notar, apesar dos

avanços ocorridos e do esforço da doutrina e da jurisprudência, certa

preocupação conservadora do legislador em relação ao casamento.

Contudo essa concepção da família fundamentada somente no casamento,

projetada para uma sociedade, calcada no patriarcalismo e altamente

hierarquizada, não teve condições de subsistir e, com o passar do tempo,

principalmente nas últimas décadas, em que os padrões de conduta sofreram um

total modificação, acabou por se tornar inadequada.

Acrescente-se a tudo isto o desenvolvimento social, econômico,

tecnológico, a liberação dos costumes, a descoberta dos diversos meios

contraceptivos, o aborto, a modernização da relação pai e filhos, a desvinculação

do poder paterno, o divórcio, o individualismo nas relações familiares e outros

tantos fatores que contribuíram para uma verdadeira revolução do Direito de

Família, que se vê, assim, obrigado a repensar seus conceitos e valores,

especialmente no que diz respeito ao casamento, base da instituição familiar, que

passa a ter outro enfoque. É, justamente nessa fase de repensar do Direito de

Família, que novas entidades familiares passaram a ser regulamentadas e

protegidas pelo Estado.

Por força da Constituição, as relações familiares passaram a ser

funcionalizadas em razão da dignidade da pessoa humana, devendo ser mantidas

e desenvolvidas mediante a repersonalização das entidades familiares, o afeto, a

solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum,

permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base

em idéias pluralistas, solidaristas, democráticas e humanistas.

1.2 As diversas espécies de família

Apesar da resistência dos que insistem em não se dar conta das mudanças

da realidade social, a Constituição Federal de 1988 trouxe um grande avanço para

22

o Direito de Família. O que se pretendeu, na verdade, foi não só o

reconhecimento, mas a ampla aceitação das mudanças da estrutura familiar,

facilitando, assim, a proteção jurídica das pessoas, dever do Estado. Além do

casamento, passaram a ser entidades familiares a união estável e a comunidade

formada por um genitor e sua prole, que vem sendo denominada “família

monoparental”.

A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a união entre o homem e a

mulher como entidade familiar para efeito da proteção do Estado, deu amparo

jurídico a um fato social que sempre existiu e que, até então, mesmo nos tribunais,

recebia tratamento disperso, incerto, por vezes discriminatório. Contudo ao

estabelecer que deve ser facilitada a conversão das uniões estáveis em

casamento, revelou-se preocupação conservadora do legislador em relação ao

casamento.

Sem a conversão, poderia a proteção estatal ser diferente? Tais uniões não

constituem família? Só adquirem este status em decorrência do casamento? A

própria Constituição não prevê que a família é a base da sociedade? E os

companheiros não estão inseridos dentro deste contexto? Se estão, são famílias e,

como tais, também devem receber a proteção estatal, sem contudo, precisarem

lançar mão da faculdade que lhes foi imposta, pela determinação da facilitação,

pela lei, de sua conversão em casamento!

Não obstante, nos diversos modelos de família, a união sem casamento

talvez seja a mais evidente e a mais antiga de todos e não é um problema social

particular de nosso país. É preciso que as pessoas nela envolvidas tenham um

respaldo legal com vistas ao que lhes cabe como direito, após a sua dissolução,

principalmente se dessa união resultarem filhos. Por razões particulares, as

pessoas podem não querer adotar os deveres e direitos do casamento civil. À

evidência tais razões não se enquadram nas previstas no 1.521, do Código Civil

de 2002.

23

Não se quer dizer, entretanto, que qualquer convivência deva ser

reconhecida. Há requisitos para tal: diversidade de sexo, estabilidade, afeto,

respeito mútuo, enfim todos aqueles que caracterizam uma família.

No contexto brasileiro, tem-se uma igualdade legal, entretanto, não se pode

negar a existência de uma desigualdade real, no campo de trabalho, no que se

refere à remuneração, na diferenciação da criação e formação do filho homem e

da filha mulher, a qual, desde cedo, recebe orientação para ser uma dona de casa,

prendada, mesmo que tenha estudado e se formado, até em curso superior, servil,

submissa ao senhor seu marido ou companheiro, esse sim, dotado de um

machismo recebido, não por escolha, mas por herança do meio em que foi criado,

principalmente no interior do Brasil, nas pequenas cidades. Nos grandes centros a

mentalidade é outra, menos arraigada. Diga-se de passagem, que as mudanças

estão ocorrendo em todos os setores da sociedade e a família, como sua base,

não está alheia, está se adequando a elas.

Fazendo um simples retrospecto, não se deve esquecer que a mulher na

condição de esposa ou concubina, companheira, portadora de predicados ou não,

era reduzida à condição de doméstica, servindo e ajudando ao seu marido, ao seu

companheiro, sem nenhuma garantia para o futuro, após a dissolução da união.

De acordo com os ensinamentos de Guilherme Calmon Nogueira da Gama,

vê-se que esse avanço constitucional no reconhecimento da união

extramatrimonial não teve aceitação uníssona da doutrina, pois, uma parte, apesar

de admitir, teceu críticas severas, outra, mais incisiva, mantendo sua posição

conservadorista, dizia que nada havia acontecido que justificasse a revisão dos

princípio e regras do Direito de Família, considerando o casamento como o único

expediente legal, hábil para a constituição da família e que a “entidade familiar”,

continuava como simples relação concubinária ou sociedade de fato e que

continuaria a produzir os efeitos patrimoniais já reconhecidos pela jurisprudência

pretoriana anterior. O autor cita como exemplo dessa corrente:Yussef Said Cahali,

que também considerou o “companheirismo” como sendo uma das causas da

desagregação familiar; Carlos Alberto Bittar, segundo o qual “união estável ou

24

concubinato sem impedimento forma entidade familiar e não família”; e Áurea

Pimentel Pereira, que critica o fato do legislador constituinte ter considerado, como

entidade familiar, o par integrante de uma união estável, mesmo sem a existência

de prole investindo contra todos os princípios éticos e jurídicos do direito de

família, já que ausente qualquer idéia de parentesco e como tal ainda receber a

proteção do Estado da mesma forma que a família legítima.27

Caio Mário da Silva Pereira, sobre o assunto, diz que das inovações

constitucionais a que mais despertou maior interesse e ensejou críticas polêmicas,

foi sem dúvida alguma o reconhecimento da união estável entre pessoas de sexo

diferente, como entidade familiar, “devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento”. As divergências giravam não só em torno da idéia de se reconhecer

qualquer união, entre pessoas de sexo diferente, da equiparação ao casamento,

constituindo uma “entidade” própria, como também em torno da denominação

“entidade familiar”, uma forma eufemística para definir o concubinato.28

Tais críticas não prosperaram, principalmente no que tange à equiparação

ao casamento, já que oferece aos integrantes da união informal, a possibilidade de

transformá-la em casamento, devendo a lei facilitar tal procedimento.

Vê-se com essa preocupação do texto constitucional de conversibilidade da

união estável em casamento a necessidade de manter viva a constituição de

famílias matrimoniais, ao mesmo tempo em que reconhece a existência da união

estável. O que se deve tirar desse paradoxo é que em ambos instrumentos

constitutivos de família, a dignidade da pessoa humana é a premissa maior.

Eduardo Cambi diz:” No entanto, ainda preso à tradição, o constituinte

retrocede, mostrando-se ainda vacilante, ao afirmar, na segunda parte do art, 226,

par.3º, que deveria o legislador facilitar a conversão da união estável em

27 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. “O Companheirismo - Uma espécie de família”. pp. 63-65. 28 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. pp. 37-38.

25

casamento. Desta forma procura-se equiparar em maior ou menor medida, as

uniões livres ao casamento”29.

O fato da Constituição Federal de 1988 reconhecer a união estável como

entidade familiar, não a equipara ao casamento, pois, se assim fosse não teria

sentido a determinação contida no § 3º do art. 226. A conversão nada mais é do

que uma faculdade dos partícipes prevista no art. 8º, da Lei 9.278/96, podendo ser

exercitada, de comum acordo e a qualquer tempo, por requerimento ao Oficial do

Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio. O que não pode acontecer é que

a Lei dificulte o seu exercício diante daqueles que quiserem usá-la.

Sendo o casamento um ato solene e formal com todo um ritual próprio,

pergunta-se: o simples pedido é suficiente? Há de se ponderar que não,

entendendo-se que o requerimento talvez seja o início ao processo de habiltação,

seguindo todos os trâmites legais necessários à conversão em casamento.

Heloísa Helena Barboza, tem a seguinte opinião:

Aos que indagam quais as facilidades a serem concedidas na conversão,

lembramos que, em face da comprovada união estável, algumas

formalidades preliminares podem ser simplificadas, assim as que

concernem à publicação, local e prazo dos editais.30

Notadamente, vê-se uma prevalência do casamento sobre a união estável

no texto constitucional:

“Como espécies de família que são, o companheirismo e o casamento

não são institutos idênticos, a despeito da similitude quanto ao elemento

anímico e psíquico no tocante aos sentimentos recíprocos de afeição, de

comunhão de vida e d’almas. Apesar das semelhanças, ficou patenteada

a prevalência constitucional pelo casamento, motivo pelo qual não

29 CAMBI, Eduardo. Premissas teóricas das uniões extramatrimoniais no contexto da tendência da personificação do direito de família. Direito de Família: aspectos constitucionais, civis e processuais.São Paulo: RT, V.4, 1999. pp.127-128. 30 BARBOZA, Heloísa Helena. Família – Casamento – União Estável – Conceitos e Efeitos à Luz da Constituição de 1988. p. 133.

26

assiste razão àqueles que consideraram desprestigiado o matrimônio

com a nova Constituição”.31

Heloísa Helena Barboza, em relação ao assunto, tem a seguinte posição:

A união estável, porém carece de reflexão quanto a seus efeitos ,

mormente diante da tendência de alguns a equipará-la ao

casamento.Partindo-se da letra da Constituição, encontram-se fartas

razões para repelir tal entendimento. Dúvidas não restam, como

assinalado, quanto a não se confundirem família e casamento. Por

conseguinte, o reconhecimento da união estável como entidade familiar,

por si só, não tem o condão de promover tal equiparação.(...) Existisse

tal identidade, inócua seria a determinação do § 3º, do art. 226, da Lei

Maior, no sentido de se facilitar a conversão da união estável em

casamento. Se idênticos fossem os efeitos, de indagar-se qual a

utilidade de tal conversão. 32

A proteção estatal à união estável tem reflexo no aspecto moral da relação

entre o homem e a mulher frente à sociedade de que são partes integrantes.

No que diz respeito às relações jurídicas internas entre os companheiros

(direitos, deveres e obrigações), a norma constitucional não fez menção alguma,

até porque não lhe cabe regular direta ou indiretamente relações jurídicas de

direito privado, visto que as suas relações pessoais e patrimoniais devem ser

norteadas pela legislação infraconstitucional. Todas as medidas estatais em

benefício da família são extensivas às uniões informais, entre o homem e a

mulher, desde que estáveis e elevadas à categoria de entidades familiares. (Ex:

imóvel locado para moradia da família, benefício da assistência judiciária etc.)

Essa medida protetiva também foi extensiva à comunidade formada entre

um dos genitores e seus descendentes, como espécie de família (art. 226, § 4º).

31 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p 78. 32 BARBOZA,Heloísa Helena. Ob. cit. p.133.

27

Entretanto, apesar da monoparentalidade ser reconhecida como entidade familiar,

o texto constitucional não a estimula.33

Eduardo de Oliveira Leite a respeito da monoparentalidade afirma:

“As famílias monoparentais atuais se recrutam especialmente entre as

ex-famílias biparentais, tornadas monoparentais em decorrência de um

falecimento, mas cada vez mais, agora, pela separação dos cônjuges, ou

pelo divórcio, ou, simplesmente pela opção de ter filhos mantendo-se

sozinho”.34

Não há como fechar os olhos diante das transformações sofridas pela

sociedade, principalmente em matéria de família, daí se entender o

reconhecimento constitucional a respeito de outras espécies de família, aqui

inclusa, a formada por um dos pais e seus descendentes, tem como objetivo a

adequação do ordenamento jurídico à realidade social e cultural.

1.3 A visão das relações familiares no Código Civil

Não se pode ficar indiferente aos novos aspectos das relações familiares,

resultantes das modificações que sofreu o Direito de Família, seja no que diz

respeito à problemática da filiação, às novas entidades familiares, às relações de

poder dentro e fora do casamento, às relações de parentesco com observância

dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, o melhor interesse

da criança, etc.

No direito antigo a família estava alicerçada no princípio da autoridade,

onde a noção de pátrio poder inspirava mais medo que respeito por parte daqueles

que estivessem submissos a ela. O chefe, o pater, era o senhor da vida e da morte

tanto dos filhos quanto da mulher. Não havia o “afeto” como liame entre eles. A

33 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob.cit. p.80 34 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mãs separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2.ed. rev. atual.e ampl. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2003. p.31.

28

severidade e a rigidez era a tônica desse relacionamento, não faltando também a

influência religiosa.

Na política era onde o filius famílias gozava de uma autonomia relativa,

pois, como cidadão, o Estado o requisitava não só para desempenhar funções

públicas, como para participar em comícios. No mais, não tinha e nem podia

adquirir bens, a não ser para o pai. Esse princípio não era verdadeiro em relação

às dívidas.35 O pater tinha poder absoluto sobre o filho. Era uma submissão

destinada a durar para sempre, a não ser que ocorresse a cessação: “por morte ou

capitis deminutio do pater, elevação do filho a certas dignidades maiores, ou

emancipação voluntária, o que autoriza dizer que a pátria potestas era vitalícia”.36

O autor, citando Rudolf Von Ihering diz de sua preocupação em demonstrar que o

fundamento ético da família romana era o amor e que a mulher vivia numa

atmosfera de respeito e afeição e os filhos num ambiente de proteção e estima.

Entretanto, esse tipo de relação entre o pater e seus dirigidos não são acordes

com que os documentos jurídicos atestam.

É sabido que essa severidade e rigidez do pátria potestas romano se

estendeu ainda por muito tempo, sendo abrandada na Grécia, procurando-se ,

como justificativa, a economia agrária dos romanos enquanto que o povo helênico

era comerciante e marítimo.

Na época do Imperador Constantino, a venda do filho recém-nascido foi

aprovada tendo como motivo a extrema pobreza dos pais. No direito germânico o

poder paterno não foi tão severo quanto o romano, entretanto havia faculdade de

expor e vender o filho.

Com a evolução do instituto, as relações não se impunham apenas ao pai,

a mãe também passou a ter participação no dever de criar e educar os filhos e a

autoridade paterna cessava com a capacidade do filho.

35 MONTEIRO,Washington de Barros.Curso de Direito Civil-Direito de Família. 35 ed. rev. São Paulo, Saraiva,1999. p. 282. 36 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Ob. cit. p. 417.

29

A sistemática romana também predominou no direito das Ordenações, era o

pai quem, exclusivamente, tinha o poder de estabelecer as condições sobre a

criação e educação dos filhos e administrar o seu patrimônio. Nem a emancipação

libertava o filho do jugo paterno. Ele só se liberava da sujeição paterna quando ele,

( o pai) perdia o pátrio poder pelas formas previstas para tal e já mencionadas

anteriormente.

O Código Civil de 1916 atribuía o pátrio poder ao marido e em sua falta, à

mulher, assim era no seu texto original. Com a redação dada pela Lei n. 4.121, de

27/08/1962, a mulher passou a ser colaboradora do marido e na falta ou

impedimento de qualquer dos progenitores o outro passaria a exercê-lo com

exclusividade.

Esse Código não atendia às demandas sociais, e conseqüentemente, às

judiciais, obrigando aos operadores de direito lançar mão de normas

constitucionais, da jurisprudência, da doutrina e até do direito comparado para

resolver os conflitos surgidos.

Mudaram as concepções sobre a família. Passou-se de um poder

hierárquico, autoritário, patriarcal, para o bem-estar social, onde prevalece a

dignidade humana. Mudou o Estado.

Um corte histórico a partir da Constituição de 1937, até os nossos dias,

revela que o ordenamento jurídico pátrio não ficou alheio às modificações sociais:

equiparação dos filhos naturais aos legítimos (havidos do casamento) em todos os

direitos (art. 126). Em 1942 e 1949 surgiram o decreto-lei 4.737 e a Lei 883 que

modificaram a sistemática da filiação conforme constava no Código Civil de 1916,

através das quais não só foi permitindo o reconhecimento dos filhos adulterinos

por escritura pública ou testamento, após a dissolução da sociedade conjugal,

como também lhes concedeu direitos sucessórios. Os filhos adotivos passaram a

ter direito à metade dos bens recebidos, em sucessão, pelo filho biológico

superveniente, direito que lhes foi concedido pela Lei n. 3.133/57. Após surgiram:

a Lei n. 4.121/62 – Estatuto da Mulher Casada, que, ainda que parcialmente,

30

reconheceu às mulheres direitos de livre determinação sobre o fruto de seu

trabalho; a lei n. 6.515/77, que introduziu o divórcio; a Lei n. 7.250/84, a qual

possibilitou que o filho adulterino fosse reconhecido por sentença transitada em

julgado, pelo cônjuge que estivesse separado de fato por mais de 5 anos.37

A Constituição Federal de 1988, art. 226, § 5º, estabelece que “os direitos e

deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e

pela mulher”. Como se pode ver, não há mais a discriminação da mulher. Ela terá

participação significante, definitiva, igualitária na sociedade conjugal quanto aos

direitos e deveres dela resultantes.

As relações pai e filho se manifestam e se estreitam de ambos os lados. A

equiparação dos cônjuges quanto ao poder familiar, reafirmando o princípio da

isonomia, já disposto na Constituição. O Estatuto da Criança e do Adolescente se

pronuncia em seu art. 21, que “o pátrio poder será exercido, em igualdade de

condições, pelo pai e pela mãe”.

Maria Helena Diniz afirma que:

Esse poder conferido simultânea e igualmente a ambos os genitores e,

excepcionalmente, a um deles, na falta do outro (C.C.art.1.690, 1ª parte),

exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores, advém de

uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano, durante sua

infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare, defenda, guarde

e cuide de seus interesses, regendo sua pessoa e seus bens. Com o

escopo de evitar o juízo paterno-materno, o Estado tem intervindo,

submetendo o exercício do poder familiar à sua fiscalização e controle ao

limitar no tempo, esse poder; ao restringir o seu uso e os direitos dos

pais”38

No entendimento de Caio Mário da Silva Pereira, todos os textos legislativos

referentes ao poder de ambos os genitores exercerem o poder familiar de forma

igualitária, demonstram as transformações da atual sociedade, fazendo com que

37 SOARES, Sonia Barroso Brandão. Código Civil Comentado. pp. 1418-1419. 38 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 513.

31

ambos os genitores, de forma igualitária, tenham condições de administrar a vida

de seus filhos. Observa-se hoje maior inserção das mulheres no mercado de

trabalho e também a intervenção masculina na administração dos lares, ambiente

outrora restrito ao domínio feminino, o que torna o exercício do poder familiar

comum aos genitores.39

Paulo Luiz Netto Lobo entende que, na sociedade brasileira, dois

fenômenos podem ser identificados como responsáveis pela transformação radical

do modelo familiar patriarcal, nas últimas décadas: a concentração urbana e a

emancipação feminina. Foram determinantes o acesso progressivo das mulheres à

educação e ao mercado de trabalho.40

O poder-familiar é uma dever imposto aos pais, pelo Estado, a fim de que

zelem pelo futuro de seus filhos. Ele é indispensável, inalienável, imprescritível,

incompatível com a tutela, e de acordo com o art. 1634, VII do Código Civil,

mantém uma relação de autoridade por haver um vínculo de subordinação entre

pais e filhos, pois os genitores têm o poder de mando e a prole o dever de

obediência.41

A terminologia adotada pelo Código Civil de 2002 no que diz respeito ao

Pátrio Poder, identificando-o como”poder familiar”, não afastou a natureza de

“poder” do instituto, vez que compõe-se de obrigações e responsabilidades

decorrentes da necessidade de proteção dos filhos, como pessoas em processo

de desenvolvimento.42

Apesar da natureza de “poder” do instituto, observa-se a eliminação do

“elemento despótico”, por se estar diante de uma família antipatriarcal. No que diz

respeito aos filhos, investigando-se a trajetória do poder absoluto do pater famílias

39 PEREIRA,Caio Mário da Silva. Ob. cit. p. 421. 40LOBO,Paulo Luiz Netto. O ensino do direito de Família no Brasil. Direito de Família -Aspectos constitucionais civis e processuais. São Paulo: RT, v.4, 1999. p. 305 41 DINIZ, Maria Helena. Ob.cit. p. 514. 42PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. cit. 426.

32

romano, que incluía o de vida e morte, até o conceito que se tem hoje de

autoridade parental, vê-se que é mais um dever que poder.43

O art. 5º, do Código Civil estabelece o fim da incapacidade aos 18 anos

completos, quando o jovem fica habilitado a praticar todos os atos da vida civil,

sem esquecer, contudo que o parágrafo único, desse mesmo dispositivo,

estabelece situações que autorizam a emancipação, a partir dos 16 anos,

cessando o poder familiar. Por morte dos pais ou do filho, adoção, decisão judicial

(art. 1638 do Código Civil), extingue-se o poder familiar.

O princípio da dignidade humana não só estrutura como dá conformidade a

todos os demais princípios nas relações familiares, com o único objetivo: fixar e

assegurar uma convivência harmônica. 44

43 LOBO, Paulo Luiz Netto. Ob.cit. pp. 315-316. 44 Idem, ibidem. pp.313-314.

CAPÍTULO II

1. Construindo um instituto jurídico: do concubinato ao companheirismo

Qual a etimologia da palavra “concubinato”? Ela tem origem latina cum

(com) e cubare (dormir): concubinatus : “união ilegítima do homem e da mulher –

o estado de mancebia, ou seja, a companhia de cama sem aprovação”.

Concubina, a mulher que tem vida em comum com um homem, ou que mantém,

em caráter de permanência, relações sexuais com ele.45

Na realidade a concubina não se confunde com a prostituta, vez que se

prende a um homem só, sua união é mais duradoura, não se resumindo a

relações carnais, passageiras.

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, “há uma certa dificuldade para

delinear o conceito de concubinato e não há, na verdade, um conceito preciso

sobre ele. Mas a partir da idéia central de que é a convivência duradoura entre um

homem e uma mulher sem casamento registrado para usa a linguagem do

ordenamento jurídico soviético, o Direito vem através de sua história

jurisprudencial, tentando clarear esse conceito. Hoje, por exemplo, nosso texto

constitucional já denomina o “antigo” concubinato de união estável, uma

expressão que traduz, na atualidade, uma melhor idéia dessa instituição jurídica

tão antiga e tão moderna”. Continua apresentando o seguinte conceito:

“considera-se união estável o concubinato more uxório, público, contínuo e

duradouro, entre homem e mulher, cuja relação não seja incestuosa ou

adulterina”46

Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, muitos dispositivos legais

surgiram, permitindo que a jurisprudência e a doutrina estabelecessem uma

45 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p. 27 46 Idem, ibidem. p.28.

34

distinção do concubinato em puro e impuro, sendo que Rodrigo da Cunha Pereira

preferiu as denominações de adulterino e não adulterino. O Código Civil de 2002

acabou incorporando essa evolução traduzindo tal distinção em seus arts. 1.723 e

1.727. Sintetiza: união estável é a relação afetivo-amorosa entre um homem e

uma mulher, não adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade,

vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem o vínculo do

casamento civil. Concubinato é a relação entre homem e mulher na qual existem

impedimentos para o casamento.47

Caio Mario da Silva Pereira afirma que, quando do reconhecimento da

união estável pela Constituição Federal de 1988 que a elevou ao status de

entidade familiar, sem, contudo, igualá-la ao casamento, parte da doutrina achava

que o legislador deveria baixar de imediato, normas esclarecedoras, formulando

os extremos da “entidade familiar”. Entretanto o autor não foi da mesma opinião,

pois, entendia que não era da competência do legislador formular definições:

“Definir é obra da doutrina. A lei baixa comandos, com caráter geral e

obrigatório. Tratando-se de conceito novo, sem a devida sedimentação,

uma norma legislativa definidora poderia pecar pelo excesso, lançando a

noção muito além do objeto, a definir ou revelar-se demasiado restrita,

deixando de abraçar nos seus termos os pressupostos necessários. Era

preferível que a elaboração pretoriana fosse promovendo sua construção

dentro da variedade dos casos de espécie e destarte permitindo à

doutrina uma flexibilidade conceitual mais proveitosa”.48

O autor não conceitua, mas aponta elementos indispensáveis à

caracterização da união estável. Embora não pareça exigível a convivência sob o

mesmo teto, a união estável guarda aproximação com a posse de estado de

casados, o que levou Simão Benjó a dizer que “a companheira deve ter o trato, o

nome e a fama de esposa”.49 Vale dizer: os que vivem em união estável devem

ser tidos como tais perante os amigos e a sociedade, embora a utilização do

47 Idem, ibidem. p. 29. 48 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. Cit. p. 534. 49 BENJÓ, Simão Isaac. União Estável e seus efeitos econômicos em face da Constituição Federal, in Revista Brasileira de Direito Comparado, v. II, 1999. p. 59.

35

nome do companheiro, pela mulher, não seja requisito fundamental. Igualmente

não nos preocupamos com o “tempo de duração”, que pode ser mais ou menos

longo. O que importa é serem as uniões duradouras, inspiradas no elemento

anímico, a gerar a convicção de que pode marchar para a relação matrimonial.50

Conforme o exposto acima, Caio Mário da Silva Pereira aponta elementos

sem os quais não seria possível se considerar uma união reconhecida como

entidade familiar: estabilidade, notoriedade e objetivo de atingir a relação

matrimonial e o elemento anímico que envolve os seus partícipes.

Arnold Wald por sua vez se manifesta a respeito do assunto: “ O

concubinato e a união livre, como ligações estáveis, nas quais se caracteriza a

convivência more uxório ( como marido e mulher)...51

José Maria Leoni Lopes de Oliveira vai mais além quando afirma que o

concubinato pode ser amplo ou restrito conforme os efeitos que se pretenda dele

extrair e que ambos são aceitos pela doutrina e pela jurisprudência:

Para nós, concubinato, em sentido amplo, é a união entre pessoas de

sexos diferentes que apresentam um relacionamento sexual, com certa

continuidade e notoriedade, mantendo fidelidade recíproca. Diverso

desse conceito é o do concubinato qualificado, que exige comunhão de

vida sob o mesmo teto, com assistência mútua além das relações

contínuas e da fidelidade recíproca entre um homem e uma mulher. É a

chamada união estável, na linguagem do legislador constitucional. Para

esse conceito, exige-se que os concubinos vivam como marido e mulher,

que segundo Cunha Gonçalves, em sua obra Princípios de direito Civil

Luso-Brasileiro, vol.3. “os juízes portugueses latinizaram em more

uxório.52

50PEREIRA, Caio Mário da Silva. Ob. cit. p. 535. 51 WALD, Arnold. O novo Direito de Família. p. 222. 52 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessão no Casamento e na União Estável. 3 ed. rev. Rio de Janeiro.Editora Lúmen Júris Ltda, 1997. pp. 32-33.

36

Já para Claudia Grieco Tabosa Pessoa o conceito de concubinato, do

ponto de vista sociológico, é amplo e mutável, influindo as transformações

conceituais, diretamente no sentido e alcance do instituto no mundo jurídico53

Rubens Limongi França afirma que o conceito atual de concubinato ainda

pode ser o mesmo do “De Verborum significatione”, do Digesto, que enunciou nos

seguintes termos: “é a união constante do homem e da mulher, sem matrimônio

regular”.54

A preocupação da doutrina em conceituar o que venha ser o concubinato

se mede pela importância do tema.

O Decreto 2.681, de 7 de dezembro de 1912, no art. 22, previu direitos de

caráter indenizatório à concubina pela morte do companheiro em estradas de

ferro, seguiram-se outros diplomas legais que também lhe previam vantagens no

campo do direito do trabalho e previdenciário.

No Código Civil Brasileiro de 1916, o concubinato não foi tratado como

instituto, tendo havido, tão somente, previsões quanto ao impedimento absoluto

para o casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu condenado (art.183,VII),

à possibilidade de reivindicação de bens transferidos à concubina (art. 248, IV),

ao reconhecimento da filiação em relação à prole havida das uniões

concubinárias (art. 363,I), à proibição de doação (art. 1.177), à declaração da

ilegitimidade passiva testamentária à concubina (art. 1.719, III) e à proibição de

instituição de seguro de vida (art. 1.474).

Além disso, admitiu-se o reconhecimento dos filhos havidos fora do

matrimônio, nos casos de dissolução conjugal, em testamento cerrado, a

possibilidade de usar o nome do concubino, e a continuidade da locação.55

53 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 19. 54 FRANÇA, Rubens Limongi. Concubinato e previdência social, in Yussef Said Cahali (coord.) Família e casamento. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 598 55 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp. 17-18.

37

Mas todas essas vitórias obtidas em relação ao concubinato sofreram

pressões e preconceitos e coube à jurisprudência o papel de pacificadora,

vencendo as resistências iniciais, seguida pela doutrina que não pôde fechar os

olhos a uma realidade social, aceita e reconhecida pelo legislador constituinte de

1988.

“Evidencia-se, desta forma, e em âmbito constitucional, aquilo que há

muito já fora reconhecido (...) Apenas e tão somente se reconheceu, em

plano constitucional, pese a teimosia de alguns em não aceitar aquilo

que a vida apresentava e apresenta como fato concreto, seja esta: por

opção subjetiva de vida; conseqüência da situação social e condições

econômicas que refogem ao controle daqueles por essas atingidas”56

Cabe lembrar Virgílio de Sá Pereira, para quem o legislador não cria a

família, como o jardineiro não cria a primavera; soberano não é o legislador,

soberana é a vida:

“Agora dizei-me: que é que vedes quando vedes um homem e uma

mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que

é o fruto de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a

sua lei, ou o padre, com o seu sacramento? Que importa isto? O

acidente convencional não tem força para uma convenção social. A

convenção social é estreita para o fato, e este então se produz fora da

convenção. O homem quer obedecer ao legislador, mas não pode

desobedecer a natureza, e por toda a parte ele constitui a família, dentro

da lei se é possível, fora da lei se é necessário”.57

2. União Estável

Dá-se tal denominação à convivência pública, contínua e duradoura de um

homem com uma mulher, que vivam ou não sob o mesmo teto, sem vínculo

matrimonial, estabelecida com o objetivo de constituir família, desde que tenha

56 COLTRO, Antonio Carlos Mathias. A União Estável no direito Projetado – O Código Civil – Direito de Família. Aspectos constitucionais civis e processuais. São Paulo: RT, v. 4, pp. 28-29. 57 PEREIRA, Virgílio Sá. Direito de Família. 2ª ed. Livraria Freitas Bastos S/A. São Paulo, 1959, p.90.

38

condições de ser convertida em casamento, por não haver impedimento legal

para a sua conversão. (Código Civil, art. 1723, §§ 1º e 2º).

Essa mesma união foi reconhecida como “entidade familiar” pela

Constituição Federal de 1988 no seu art. 226, § 3º, para que, assim, pudesse ter a

proteção jurídico-constitucional, da mesma forma que as famílias oriundas do

casamento. Com isso, a união estável perde o status de sociedade de fato e

ganha o de “entidade familiar”, logo não pode ser confundida com a união livre,

pois, nesta, duas pessoas, de sexos diferentes, além de não optarem pelo

casamento, não têm qualquer intentio de constituir família, visto que, tão somente,

assumiram “relação aberta” ante a inexistência de compromisso.58

A expressão “união estável” utilizada pelo legislador constituinte segundo,

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, não foi inovação nos meios jurídicos. A

doutrina já havia utilizado tal expressão como forma de referência ao

Companheirismo (Orlando Gomes, Pontes de Miranda, Edgard de Moura

Bittencourt, Álvaro Villaça Azevedo), além do direito positivo de alguns sistemas

jurídicos estrangeiros já adotarem tal expressão ou palavras assemelhadas (...) A

iniciativa do legislador constituinte é dígna de nota, na medida em que buscou

retirar o estígma, o preconceito existente quanto ao termo concubinato.59

Rodrigo da Cunha Pereira diz que novamente o legislador parece querer

expurgar a carga de preconceito sobre a palavra concubinato, substituindo-a, na

Constituição de 1988, pela expressão união estável, quando em seu art. 226, vem

reconhecer, para efeito de proteção do Estado, esta forma de constituir família.

Afirma ainda que Edgard Moura Bittencourt já usava essas expressões como

sinônimas:

“Em poucas palavras, concubinato é a união estável no mesmo ou em

teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si por

matrimônio”.

58 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 360 59 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p.145.

39

Rodrigo da Cunha Pereira entende que a expressão “união estável”,

adotada pela Constituição brasileira substituiu a expressão concubinato,

chegando à conclusão que se pode dizer que “união estável” é o concubinato não

adulterino.60

Eduardo de Oliveira Leite ao tratar da questão terminológica sobre a

palavra “família” empregada no caput do art. 226, diz que a mesma deve ser

entendida em seu sentido amplo, abrangendo as novas formas de conjugalidade

(§§ 3º e 4º), não se prendendo apenas à família fundada no casamento. Em

relação à expressão “união estável” afirma que: o concubinato mereceu

consagração constitucional sob a denominação equivocada de “união estável”

(como se o casamento legítimo não fosse também uma união estável).61

Nos diversos moldes de família, o concubinato, sem dúvida alguma, talvez

seja o mais antigo de todos e o mais evidente, razão pela qual sempre mereceu a

preocupação de historiadores, sociólogos e juristas.

O concubinato sempre caminhou paralelamente à família constituída pelo

casamento.62 É o que registra a história do acontecimento dessas relações

paralelas às relações oficiais.

Uma investigação, desde a antiguidade até a idade contemporânea,

permite que se chegue a fatos relativos à concubinatos célebres, estando, muitas

vezes, ligados à libertinagem, à devassidão da vida íntima dos filósofos,

escultores, poetas, etc.

A velha história grega, segundo citação de Adahyl Lourenço Dias, faz

menção às concubinas belíssimas e cultas, citando-se por exemplo, Friné, que

serviu de modelo para as arquiteturas de Vênus, feitas por Praxíteles, Aspásia,

que dava aula de retórica a grande número de alunos, inclusive velhos gregos.

60 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p.2. 61 LEITE, Eduardo de Oliveira. O Concubinato frente à nova Constituição: hesitações e certezas, in Direito de família – aspectos constitucionais, civis e processuais. p. 97 62 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do Concubinato. p. 11

40

Antes de viver com Péricles, foi concubina de Sócrates e depois de sua morte, foi

concubina de Alcebíades.63

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, nos seus comentários à

Constituição de 1946:

A união não matrimonial só desponta como elemento de negociação

jurídica a partir da instituição do casamento civil, no séc. XVI, e nos

séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar sobre essa

matéria. Anteriormente a essa conquista de institucionalização do

matrimônio, as ligações estranhas a este não se apresentavam como

problema: existia uma disciplina legal a respeito, tal como no Direito

Romano, em que a ligação extramatrimonial prolongada gerava direitos

em favor da mulher.64

Foi a partir da 1ª metade do séc. XIX que começaram as mudanças,

quando as pretensões das concubinas passaram as ser apreciadas e

consideradas pelos tribunais franceses. A relação concubinária passou a ser vista

sob os seguintes aspectos: sociedade com caráter nitidamente econômico e como

obrigação natural quando, rompida a relação, havia promessa de certas

vantagens à ex-companheira.65

O fator primordial que diferencia a Idade Contemporânea de outros tempos

no aspecto jurídico é que os fundamentos que protegiam a concubina diziam

respeito a uma relação comercial entre o homem e a mulher, porém sem

nenhuma vinculação com a relação concubinária.

Em relação ao Brasil, como nos demais países do mundo, o concubinato

nunca foi tipificado como crime. Os textos legais não o regulavam, mas também,

não o proibiam. O fato da proibição feita às doações à concubina contidas no

63 DIAS,Adahyl Lourenço. A concubina e o direito brasileiro. p. 30 64PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946, v. V. p. 133. 65 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. p.15.

41

Código Civil não significam, segundo a doutrina e jurisprudência, como uma

repulsa ao concubinato, mas sim, uma defesa do patrimônio da família.66

Apesar de ser um fato social existente, a evolução de um direito

concubinário, no sistema pátrio é recente, pois, muitos civilistas o omitiram ou o

excluíram de seus estudos porque ou o julgavam irrelevante, ou porque o

julgavam imoral, ou o relegavam ao plano do ilegítimo.

Nesse diapasão se manifestou Arnold Wald:

“O concubinato é um assunto que alguns civilistas excluem de seus

estudos, alegando ser juridicamente irrelevante, enquanto outros

preferem tratar da matéria no direito das obrigações”.67

A publicação das súmulas 380 e 382 do Supremo Tribunal Federal, bem

demonstrou a construção jurisprudencial e doutrinária a respeito do assunto.

Entretanto, a evolução do concubinato no Brasil ganhou maior projeção

galgando o status de entidade familiar com a promulgação da constituição Federal

de 1988, recebendo a denominação de união estável. O que era tratado no

campo do Direito das Obrigações passa a fazer parte do Direito de Família.

Surgiram, então, as Leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96. A primeira cuidava do direito

dos companheiros a alimentos e a sucessão; a segunda, regulamentava o § 3º do

art. 26 da Constituição Federal de 1988.

O Código Civil de 2002 ao dedicar um título à união estável, consolida,

sobremaneira, a existência de mais uma espécie de família no ordenamento

jurídico.68

66 Idem, ibidem. p.16. 67 WALD, Arnold. Ob cit. 221. 68 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. 16-17.

42

2.1 Caracterização

Da mesma forma que houve dificuldade em conceituar união estável, parte

da doutrina achava que a definição já deveria vir dentro da própria legislação,

através das normas baixadas, pelo legislador, as quais esclarecessem e

formulassem de imediato os extremos da “entidade familiar”, também nota-se uma

mesma dificuldade em distinguir as características e requisitos que envolvem

esse instituto jurídico. Esta distinção se faz necessária, segundo Guilherme

Calmon: “a divisão entre características e requisitos do companheirismo, leva em

conta a necessidade de apartar os atributos (ou qualidades) dos requisitos de

índole objetiva e subjetiva para a configuração do instituto, sem desconsiderar a

íntima relação mantida entre eles (características e requisitos)”.69

Rodrigo da Cunha Pereira, por exemplo, mais prudente, não denominou

taxativamente como características ou requisitos, mas sim tratou de nomear como

elementos que integram ou que caracterizam o concubinato, ou união estável: a

durabilidade da relação, a construção patrimonial em comum, affectio societatis,

coabitação, fidelidade, notoriedade, a comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que

faça relação parecer com um casamento. É a posse de estado de casado. 70

Segundo esse mesmo jurista há a necessidade de se acompanhar as

mudanças surgidas nos dias atuais em relação ao elemento integrante da união

estável: o da comunhão de vida ou conceito de comunidade. A exigência da

convivência sob o mesmo teto parece não ser mais necessária para a

caracterização da união estável; é necessário sim que haja relações regulares,

seguidas, habituais e conhecidas, se não por todos, mas, pelo menos por

alguns.71

Hoje, nota-se também uma tendência de casais, unidos pelo matrimônio,

optarem por viver em casas separadas, o que leva a crer que pretendem manter

69 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. Uma espécie de família. p. 149. 70 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 29. 71 Idem, ibidem. p. 29

43

viva a chama do amor que os uniu e que a mesma não sofra os arranhões da vida

diária.

Maria Helena Diniz também não faz distinção entre características e

requisitos, trata-os como elementos essenciais. 72

Guilherme Calmon Nogueira da Gama diferencia, minuciosamente as

características dos requisitos, especificando estes em objetivos e subjetivos.

Como características cita: objetivo de constituição de família, estabilidade,

unicidade de vínculo, notoriedade, continuidade, ausência de formalismo.

Como requisitos objetivos: diversidade de sexos, ausência de

impedimentos matrimoniais, comunhão de vida, lapso temporal de convivência.

Como requisitos subjetivos: a convivência more uxório, affectio maritalis, o

animus de constituir família.73

Claudia GriecoTabosa Pessoa diz a respeito:

Tanto no concernente aos aspectos extrínsecos – ponto de vista

objetivo – da relação concubinária, referentes à sua aparência externa

como relação prolongada e estável entre as partes que compartilham

vida em comum, como no que se refere aos aspectos intrínsecos – ponto

de vista subjetivo – vale dizer, o propósito da união, enquanto

convivência duradoura, embasada em relações de afinidade e lealdade

recíproca, o concubinato se aproxima do casamento.74

A Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal estabelece que a vida em

comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do

concubinato:

72 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. p. 360. 73 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. pp. 153- 208. 74 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp. 20-21.

44

UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE COABITAÇÃO. A coabitação não é requisito indispensável à caracterização da união estável, se a prova colacionada aponta para a existência de uma relação nos moldes de uma entidade familiar. Inteligência do art. 1º da Lei 9.278, do art. 1.723 do Código Civil e da Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal. Rejeitada a preliminar, apelo desprovido, por maioria, vencido o Des. Sérgio Chaves.(AC. N.70005167507- 7ª C.Civ. do TJRS. Rel. Desª. Maria Berenice Dias. J. 08/09/ 2004)

Caio Mario da Silva Pereira assim, se manifesta a respeito do assunto:

Partindo da exigência da vida more uxorio, que alguns autores como

Franzem de Lima e Carvalho Santos consideravam indispensável à sua

caracterização, chegou-se, mais modernamente, à concepção adaptável

às condições da vida moderna, segundo a qual não constituía elementar

etiológica do concubinato a convivência sob o mesmo teto e

dependência econômica da mulher 75

Embora a união estável não seja equiparada ao casamento, fato este que

se pode comprovar pela determinação constitucional sobre sua conversão em

casamento, não se pode deixar de reconhecer a identidade de elementos

caracterizadores de ambos institutos, tais como: a comunhão de vida e de

interesses, a satisfação do amor recíproco, o objetivo de constituição de família,

etc.

Em relação ao objetivo de constituição de família, interessante a

observação de Caio Mário da Silva Pereira:

Finalidade natural do casamento é a procriação de filhos. Natural,

porque os casais devem ter filhos, que lhes continuem a existência,

perpetuando a espécie. Natural, mas não essencial, pois não são raros

os casais sem filhos, como as uniões de pessoas que pela idade ou

estado de saúde não têm condições de os ter.76

Guilherme Calmon Nogueira da Gama acrescenta que:

75 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. p. 533. 76 Idem, ibidem. p.67.

45

Também em relação ao companheirismo, como finalidade natural, não

obrigatória, está a descendência, como forma de perpetuar a existência

daquele organismo familiar. Fica ressalvado, no entanto, que inexiste

obrigatoriedade à procriação, levando em conta a própria condição

pessoa dos companheiros, tal como os casados, que pela idade,

saúde,ou mesmo por convicções filosóficas, podem optar por não terem

filhos.77

Também sobre a existência ou não de filhos, veja-se o que diz Rodrigo da

Cunha Pereira:

A existência de filhos é um elemento caracterizador importante mas não

determinante. Filhos em uma relação podem ser apenas um elemento a

mais ou a menos. Se fosse determinante, os casais sem filhos, casados

no civil e no religioso, não poderiam constituir uma família, assim como

aqueles que optaram por não ter filhos ou mesmo não puderam tê-los

por razões biológicas ou genéticas.”78

2.2 Companheiros e concubinos: distinção A palavra concubino da mesma forma que “desquite” foi substituía no

sistema jurídico brasileiro como uma forma de eliminar o sentido pejorativo, o

preconceito que tanto uma quanto outra causavam às pessoas que se achavam

em concubinato ou eram desquitadas.

A Lei do divórcio substituiu a expressão desquite por separação judicial e a

Constituição Federal de 1988 ao utilizar a expressão união estável substituiu a

expressão concubinato não adulterino, já que o concubinato adulterino, em razão

do princípio jurídico da monogamia, não recebe a proteção do Estado como uma

forma de família, como deixou claro o art. 1.727, do Código Civil.79

77 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 157 78 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 32. 79 Idem, ibidem. pp. 1-2.

46

Entre leigos, principalmente, a palavra concubina não denota simplesmente

uma forma de vida, a indicação de estar vivendo com outra pessoa. Quando não

é motivo de deboche, se refere a uma relação desonesta.

Do ponto de vista jurídico, representa uma forma de vida entre um homem

e uma mulher gerando conseqüências patrimoniais.

No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o

caráter de entidade familiar, (art. 1.727), visto não poder ser convertido em

casamento.80

Em relação à expressão “companheiro”(a) é a mais utilizada nos textos

normativos para se referir aos partícipes da relações extramatrimoniais, mais

precisamente, da união estável. Foi a Lei de Registro Público (Lei. N. 6.015, de

31/12/1973, art. 57, § 2º) que a empregou pela primeira vez, em texto legislativo,

passando, daí em diante a substituir o termo “concubino”, inclusive, na Lei n.

8.971/94. Já a Lei n. 9.278/96 adotou a expressão “convivente” nomeando, assim,

os sujeitos de uma união estável.81

Claudia Grieco Tabosa Pessoa afirma que a terminologia “companheiro”

não é nova e não surgiu no âmbito da tendência de ampliação da proteção à

união estável, como pensam determinados autores. No Estatuto do Concubinato,

a expressão utilizada é convivente, e no anteprojeto de lei ou Estatuto da União

Estável o legislador utiliza a expressão companheiro.82 A autora diz que a

expressão “companheiro”, no âmbito do direito público surgiu muito antes da

Constituição de 1988, quando foi empregada pela 1ª vez por força do Decreto n.

72.771, de 6 de setembro de 1973.

Continua a autora, no âmbito do direito privado, cumpre admitir, afora a

disposição expressa do art. 57, § 2º, da Lei 6.015/73, que dispõe sobre a adoção

80 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit. p. 372. 81 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 115. 82 A Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, era chamada, por alguns, de Estatuto do Concubinato, voltado à regulamentação do § 3º, do art. 226, da Constituição da República. PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp.23-30-31. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Com a promulgação da lei 9.278, em 10 de maio de 1996, está em vigor o Estatuto dos concubinos. Revista Literária de Direito 11/14-26, São Paulo, ano II, maio/jun.1996.

47

do patronímico do companheiro, a utilização da expressão pelo legislador veio em

decorrência da equiparação da união estável, a entidade familiar nos moldes

preconizados pelo legislador no art. 226, § 3º da Constituição da República de

1988. A intenção da doutrina, ao empregar a expressão companheiro em

substituição a concubino, também foi a de reforçar a concepção protetiva que se

pretendia conferir a concubinato puro, justificando assim a concessão de efeitos

jurídicos mais amplos nessas situações.83

Guilherme Calmon Nogueira da Gama ao se referir aos partícipes da

relação familiar, hoje conhecida como companheirismo, afirma que as palavras

“concubina” e “companheira” foram utilizadas durante muito tempo como

expressões sinônimas, como se não houvesse distinção fática ou mesmo jurídica

entre elas. À concubina era dispensado tratamento hostil, estigmatizante.84 Esse

tratamento se fez sentir no próprio Código Civil Brasileiro, diante das restrições

impostas à atuação da concubina tais como: o não matrimônio com o concubino

se ficasse provado a cumplicidade no adultério (art.183,VII); a sua instituição

como herdeiro ou legatária pelo concubino casado (art.1.719, III); a sua instituição

como donatária pelo cônjuge adúltero (art. 1.177); a qualidade de beneficiária de

seguro (art. 1.474) etc.

Mas após esse período de utilização das expressões como se fossem

sinônimas, Adahyl Lourenço Dias ao fazer a distinção entre ambas assim se

manifesta:

Essa diferença vem se esboçando de tempos a esta parte e faz-se

necessária exatamente para que possam confinar os institutos e suas

conseqüências no campo do direito. (...) No direito civil o conceito de

companheira é acatado quando se trata da união em sociedade de fato,

ou seja, nos casos em que a mulher haja contribuído com seu trabalho,

exerça atividade produtiva, para o enriquecimento do patrimônio

concubinário. (...) A atividade da concubina se circunscreve de maneira

modesta em serviços domésticos, e a sua participação se encaminha em

servir à pessoa do concubino, à sua casa, prestando-lhe concurso intra 83 Idem, ibidem. pp. 30-31. 84 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 135.

48

parietes, cuidando do lar e se situa mais na intimidade sem salientar-se

em negócios fora daquele.85

Como se pode constatar a companheira contribuía com o seu trabalho,

exercia atividade produtiva e desta forma aumentava o patrimônio. Já a concubina

só ficava fora dessa situação porque não tinha nenhuma atividade produtiva,

nenhum ganho externo com o qual pudesse contribuir para o patrimônio,

restringia-se apenas aos serviços domésticos.

Essa diferenciação não obteve o acolhimento doutrinário nem

jurisprudencial, visto que o concubinato era visto como uma convivência espúria ,

clandestina, ilegítima, enfim, não tinha qualquer respaldo jurídico vez que os

efeitos gerados seriam apenas de caráter negativo com conseqüência prejudiciais

aos próprios concubinos, de forma individual ou em conjunto por extinguirem ou

alterarem direitos pré-existentes.

Diante de situações relacionadas com outros tipos de uniões

extramatrimoniais, de casamentos religiosos sem efeito civil, de casamentos

realizados no exterior e sem registro no Brasil etc, necessária se fazia uma

distinção de forma clara e precisa desse tipo de união, a doutrina e a

jurisprudência passaram a se referir aos partícipes dessas relações como

companheiros, reconhecendo direitos e efeitos que anteriormente eram negados

aos concubinos.86

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, o Código Civil Brasileiro, na redação

aprovada em 15 de agosto de 2001, não definiu qual a melhor expressão, em

vários de seus dispositivos ora usava “companheiro” (art. 1.724); convivente (art.

1.694; “companheiro” (art.1.790) e também “concubino” (art.1.801), e que

provavelmente essa última expressão quis dizer o pretendido no disposto no

artigo 1.727. 87

85 DIAS, Adahyl, Lourenço. Ob. cit. pp 40-41. 86 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 136. 87 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 115.

49

Esse autor também afirma que o Instituto Brasileiro de Direito de Família –

IBDFAM, enviou sugestões à Comissão de Redação, no período entre a

aprovação do Código Civil / 2002 e a sanção presidencial, as quais foram

atendidas tanto que acabou com essa contradição, adotando, finalmente, a

expressão “companheiro”.88

3. Efeitos da união estável Conquanto reconhecida pela Constituição Federal de 1988, como entidade

familiar, a união estável passou a produzir efeitos a exemplo do casamento, tanto

no que concerne aos aspectos extrínsecos quanto aos intrínsecos. Vale dizer tais

efeitos não se limitam apenas ao campo do Direito, refletem na sua aparência

externa frente à sociedade como relação prolongada e estável; sob o ponto de

vista subjetivo envolve apenas os partícipes, porque dizem respeito aos

propósitos da união.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que:

O conjunto de efeitos produzidos pelo fenômeno é tão amplo que muito

se assemelha aos efeitos do casamento, mesmo porque ambos os

institutos são formadores e mantenedores da instituição familiar.

Outrossim, alguns efeitos gerados pelo companheirismo afetam tão

somente a esfera da vida pessoal do casal, sem qualquer conotação

econômico-patrimonial, gerando direitos e deveres denominados de

família puros, enquanto outros se refletem no campo patrimonial,

impondo obrigações e/ou deveres em contraposição ao direito

titularizado por algum partícipe. Estes são os direitos patrimoniais ou

econômicos.89

A doutrina estabelece duas ordens de efeitos jurídicos da união estável:

positivos e negativos.

88 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob.cit. pp. 115-116. 89 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p 222.

50

Positivos – são os que resultam no favorecimento de quem os invoca, por

exemplo, a assistência previdenciária, a participação nos bens, o direito a

alimentos, entre outros.

Negativos – são os que geram conseqüências prejudiciais aos próprios

envolvidos ou a terceiros, isto, porque extinguem ou alteram direito preexistente,

ou ainda, porque podem implicar em sanções diretas ou indiretas contra os

concubinos separadamente ou em conjunto: o casamento do cônjuge

sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o

seu consorte (art. 1.521, VII, do Código Civil) doação feita pelo cônjuge adúltero

ao seu cúmplice (art. 550 do Código Civil) etc.

A respeito dos efeitos resultantes da união estável, Rodrigo da Cunha

Pereira tem a seguinte opinião:

As tendências e tentativas de estabelecer os efeitos da união estável são

sempre no sentido de eqüipará-la a um casamento oficial, fazendo-se

uma analogia às regras definidas de um casamento civil, mas com as

peculiaridades e os cuidados morais, às vezes até mesmo moralistas de

cada tribunal. Podemos dizer, então, que de um casamento informal, ou

seja, de uma união estável, estabelecem-se relações pessoais e

patrimoniais com conseqüentes efeitos jurídicos.90

Mas não se pode esquecer que o sistema jurídico pátrio desde a sua

origem, ainda que reconhecida a existência do concubinato como fato social

incontornável, sempre se mostrou relutante quanto à outorga de efeitos positivos

à relação extramatrimonial. Toda essa relutância tinha como base o Direito

Canônico que orientava em se prestigiar como base da sociedade, unicamente o

casamento, segundo as normas exigentes. Somente a família legítima, oriunda do

casamento e apenas esta vinha acobertada pela proteção do Estado. Dessa

forma era excluída da ordem jurídica qualquer outra forma de família, toda a

90 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 51

51

regulamentação era exclusivamente destinada ao matrimônio, sendo, então o

concubinato tratado como uma situação à parte, velada e restritiva de direitos.91

Ainda segundo Francisco José Cahali esta restrição a direitos não se devia

apenas à convicção ideológica e política adotada pelas Constituições Federais,

mas também em função da orientação moral adotada pela sociedade, que vivia

sob a influência de valores religiosos que repudiavam o concubinato enquanto

forma de constituição da família, até porque representava uma quebra de padrões

e valores a ser repudiada. Entretanto, essa mesma sociedade não poderia

permanecer alheia às mudanças nas relações sociais e no dizer de Francisco

José Cahali :

A sociedade na constante função criadora e recriadora de princípios e

normas, motivadora das mudanças nas relações sociais sensibilizando

os estudiosos e operadores do Direito, não se furtava a provocar o

Judiciário e o Legislativo apresentando esta realidade, que, mesmo não

sendo nova, passou a ser cada vez mais constante, principalmente em

razão da indissolubilidade do casamento.92

Bem antes da Constituição Federal de 1988 o companheirismo já

estabelecia relações pessoais e patrimoniais entre os seus partícipes, motivo pelo

qual leis esparsas, principalmente nos campos da infortunística e do

previdenciário, passaram a cuidar especificamente do assunto, no que foram

secundados pelos Tribunais na formação da jurisprudência sobre o assunto, ao

lado da elaboração de estudos teóricos, de fundo doutrinário, também sobre o

tema, para a fixação dos efeitos pessoais e patrimoniais, tomou-se como

parâmetro, justamente o casamento. Referindo-se a Orlando Gomes, que aponta

as relações pessoais e patrimoniais muito semelhantes às do casamento, as

quais se distinguem, sob o ponto de vista das relações pessoais, em dois

aspectos: 1º) a liberdade de rompimento; 2º) a inexistência da presunção da

paternidade.93

91 CAHALI, Francisco José.Contrato de Convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002. pp .2-3. 92 Idem, ibidem. p. 4. 93 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 233.

52

A relação entre os companheiros e o mundo exterior (companheiros e

terceiros) recebeu tratamento próximo do que era dado ao casamento, no campo

previdenciário quanto no da infortunística.

Como é sabido, a partir do momento que um homem e uma mulher se

unem perante a lei, sob as formalidades do casamento, naturalmente estão se

submetendo a deveres, os quais devem cumprir, porque a violação de um deles

acarretará uma sanção legal. O mesmo não acontecia com os companheiros,

caso violasse um desses deveres. Havia a necessidade de criar teses jurídicas

consolidadas pela jurisprudência com vista à proteção de um dos componentes

da relação, o lesado, seja no caso de se evitar o enriquecimento sem causa do

outro ou até mesmo o descumprimento do contrato de prestação de serviço, caso

houvesse, frustrando, assim a indenização devida. Esses foram os direitos

reconhecidos inicialmente pelos tribunais à companheira. Depois foi reconhecida

uma sociedade de fato entre os companheiros, cabendo ao interessado, no caso

de sua dissolução comprovar a sua contribuição, através do esforço comum.

(Súmula 380 do STF).94

3.1 Efeitos Pessoais

Em relação às conseqüências pessoais resultantes da união estável, da

mesma forma que no casamento, há, para os seus partícipes, direitos e deveres

impostos pelo Estado para serem cumpridos durante o período de convivência.

Sempre se procurou estabelecer o casamento como parâmetro para a

fixação dos efeitos pessoais e patrimoniais da união estável, diferindo, apenas,

em dois aspectos principais: a liberdade de rompimento e a inexistência da

presunção da paternidade.

Ressalte-se, porém, que o cerne da questão diz respeito ao próprio

relacionamento entre os partícipes da união estável. Desde que esteja

94 Súmula 380 do STF –“ Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”..

53

caracterizada a união estável, conseqüentemente, decorrem daí, direitos, deveres

ou obrigações, que se traduzem por efeitos pessoais e patrimoniais. Os efeitos

pessoais se referem à vida pessoal, à intimidade dos companheiros, produzindo

deveres para ambos.

Os efeitos pessoais existentes no campo interno da relação familiar, são os

chamados direitos de família puros. Muito embora não estivessem previstos na

legislação anterior à Lei n.9.278/96, eram inerentes aos próprios requisitos e

características da união estável, não tinham qualquer sanção. Estavam situados

na ordem moral e não na ordem jurídica. É no elemento subjetivo que se

concentram os aspectos como respeito, a consideração, a assistência moral, a

convivência, etc. A essência de tudo isto é o afeto, o amor, o vínculo psicológico e

emocional entre os partícipes da união. São, portanto, requisitos intrínsecos de

qualquer relacionamento. “Não existe prova judicial de respeito e consideração,

porque se trata de uma conduta subjetiva, íntima. Quando há harmonia na

relação, há respeito e consideração mútuos”.95

As regras estabelecidas para a união estável, pelo art. 1.724 do Código

Civil, diferem apenas das do casamento no que diz respeito à coabitação. Veja-

se:

Art. 1.724 – As relações pessoais entre os companheiros obedecerão

aos deveres de lealdade, respeito e assistência e de guarda, sustento e

educação dos filhos.

Art. 1.566 – São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.

No que diz respeito à substituição da expressão “fidelidade” por “lealdade”,

a diferença está na abrangência da mesma, pois, em termos de convivência, seja 95 CZAJKOWSKI, Rainer. “União Livre” à luz da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96. p. 76.

54

pelo casamento ou pela união estável, fidelidade está atrelada ao aspecto do

comportamento sexual de um em relação ao outro, ao passo que lealdade

engloba todos os aspectos relativos à vivência, é ser leal, é agir com honestidade,

está ligada ao respeito, à consideração pelo companheiro, à preservação da

relação que vivem, é o suporte do estado anímico que os uniu.

A respeito de fidelidade, Guilherme Calmon Nogueira da Gama assim se

manifesta: Como no casamento, o companheirismo impõe o dever de fidelidade a

ambos os partícipes, e não a apenas a um deles. Tal conclusão se

afigura coerente com os contornos traçados pela doutrina e pela

jurisprudência na caracterização do companheirismo que, repita-se deve

ser o único vínculo que une o casal em perfeito clima de harmonia e

estabilidade. Não haveria a configuração do companheirismo na hipótese

de prática desleal perpetrada por um dos companheiros, mantendo

conjunção carnal com terceiro. A fidelidade está intimamente relacionada

ao respeito, à consideração, à lealdade, que necessariamente existem

no companheirismo. 96

Em relação à assistência, é uma conseqüência lógica dos requisitos da

convivência more uxório e da affectio maritalis entre os partícipes da união

estável. É um dever inerente ao elemento ético que rege e mantém o vínculo.

Quanto à guarda, entende Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

Não se trata, assim, de dever inerente às relações pessoais entre os

partícipes da relação, mas nem por isso perde a sua importância, diante

da repercussão que o descumprimento dos deveres dos genitores com

os filhos pode causar na desagregação da estrutura familiar, envolvendo

o próprio relacionamento pessoal entre os companheiros.97

Os pais, de acordo com o art. 229 da Constituição Federal, são obrigados a

prover a subsistência material dos filhos, fornecendo-lhes alimentação, vestuário,

96 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. pp. 232-233. 97 Idem, ibidem. p. 247

55

habitação, medicação, enfim, tudo que for necessário ao seu pleno

desenvolvimento.

Em relação à guarda, o dever dos pais é de ter os filhos em sua

companhia, sob sua vigilância. Quanto à educação, os pais têm o dever de

proporcionar a instrução dos filhos, pelo menos, a básica, procurando encaminhá-

los aos níveis subseqüentes. O não cumprimento dos deveres paternos, em

relação aos filhos, acarreta conseqüências jurídicas, em decorrência do abandono

material a que o menor foi relegado.

Como já foi dito anteriormente, a coabitação, no companheirismo, não é

requisito exigível, como no casamento, para a configuração da união estável.

3.2 Efeitos Patrimoniais

Quanto aos efeitos patrimoniais, estes também se assemelham aos efeitos

do vínculo conjugal.

Os efeitos patrimoniais dizem respeito a situações de caráter econômico, e

giram em torno dos bens que foram adquiridos, onerosamente, na constância da

união estável, irradiando seus reflexos no campo jurídico, quando de sua

dissolução.

Até o advento da Lei nº 8.971/94, esses efeitos se limitavam ao campo

previdenciário e da infortunística; estenderam-se, com a atuação dos tribunais ao

Direito das Obrigações, quanto aos atos lícitos e ilícitos, aos quais foram

acrescidos os decorrentes da obrigação alimentar, no campo do Direito de Família

e os relacionados ao Direito Sucessório, sendo que estes últimos, até então, eram

apenas objeto de controvérsias na doutrina e na jurisprudência98.

98 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 68.

56

A regulamentação legal completou-se com a edição da Lei nº 9.278/96,

através da qual foi introduzido, no âmbito patrimonial, a partilha quanto aos bens

adquiridos no decurso da união estável e o direito real de habitação do

sobrevivente, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

O Código Civil, no seu art. 1.725, expressa, que se aplica às relações

patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens, numa aproximação maior da

união estável ao instituto do casamento, para efeitos de partilhar os bens. Dessa

forma não há necessidade de se demonstrar o “esforço comum”, na aquisição

destes bens, cuja presunção já era prevista no art. 5º, da Lei nº 9.278/96. Basta,

entretanto, que seja provada a união e a partilha será feita, nos moldes do art.

1.658 e seguintes deste Código, caso não haja contrato escrito entre os

companheiros:

UNIÃO ESTÁVEL- Dissolução. Presunção do estado de condominial.

Partilhamento forçado. Na união estável, o estado de co-propriedade dos

bens adquiridos na constância guarda similitude com o regime dos

aquestos no casamento sob o regime da comunhão parcial. Portanto o

condomínio, nesses casos, é presumido. Não derrogada a presunção,

afasta-se a exclusividade dos bens destarte adquiridos, impondo-se o

respectivo partilhamento. (TJMG – AC000.265.155-2/00 – 2ª C.Cív. –

Rel.Des. Lúcio Urbano – DJMG 06.09.2002)

CAPÍTULO III

1. Relações patrimoniais entre companheiros Quando duas pessoas de sexos diferentes se unem, seja pelos laços do

matrimônio, ou em decorrência da união informal, baseada na convivência

contínua, pública e duradoura, o fazem não só motivados pelo desejo de estarem

juntos, pela satisfação pessoal: há uma motivação maior, além de partilhar os

prós e os contras de uma união, a constituição da família, e para tal, há a

necessidade natural de meios materiais para a sua sustentação.

Esses meios materiais se refletem na aquisição de bens que formarão o

patrimônio dos partícipes das uniões formais ou não. Os efeitos patrimoniais não

fazem parte da essência, nem do casamento e nem da união estável, mas

constituem uma decorrência de ambas formas de família, a que não se pode

furtar. A exemplo do casamento, a união estável também projeta seus efeitos em

diversos campos, inclusive patrimonial.

Em relação aos aspectos internos da relação familiar estão os direitos

pessoais que compõem os chamados direitos de família puros, representados

pela lealdade, respeito, assistência mútua, guarda, educação e sustentação dos

filhos, etc, os quais se diferenciam dos direitos de família patrimoniais e dizem

respeito aos bens comuns ou individuais dos partícipes da relação.99

No casamento pode haver pacto antenupcial ou o regime de bens, de

forma pré-determinada pela legislação, diferentemente do que acontece com a

união estável.

99 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 226

58

Claudia Grieco Tabosa Pessoa diz:

Os efeitos patrimoniais são repercussão de caráter econômico em face

dos concubinos e de terceiros estranhos à relação concubinária e os

efeitos pessoais são derivados do chamado “estado concubinário”.

Inicialmente é forçoso ressaltar o caráter espinhoso de estabelecer uma

precisa delimitação do que se pode conceber por efeito pessoal ou

patrimonial, principalmente considerando-se que muitos elementos

referentes à ordem estritamente pessoal da relação concubinária podem

transmudar-se em efeitos patrimoniais, a partir do momento em que

deles venham a emergir situações tendentes a gerar conseqüências de

cunho econômico. 100

Em relação à dicotomia entre os efeitos pessoais e patrimoniais, a autora

faz referência a Orlando Gomes sobre o que ele chamou de “relação pessoal”,

apresentando mais dois aspectos que podem ser acrescentados à sua análise: o

primeiro, referente à liberdade de rompimento da união estável, e o segundo,

referente à inexistência de presunção de paternidade.101

Os efeitos patrimoniais têm importância na área do direito, precisando,

pois, de proteção legal, de início concedida pelos Tribunais. A partir da

Constituição Federal de 1988 a regulamentação dos efeitos patrimoniais ganhou

impulso de forma mais definitiva e precisa, por força do art. 226, § 3º.

Inseridos no Direito Civil, os efeitos de natureza patrimonial podem ser

classificados como: 1) efeitos patrimoniais relacionados ao Direito de Família:

direito a alimentos, regime de bens entre companheiros; 2) efeitos relacionados

ao Direito Obrigacional: obrigações derivadas de atos lícitos e ilícitos; 3) efeitos

relacionados ao Direito das Sucessões.

Os requisitos básicos necessários para a aquisição de alimentos e

participar da sucessão do companheiro foram estabelecidos, de início, pela Lei n.

100 PESSOA, Claudia GriecoTabosa. Ob. cit. p. 60. 101 Idem, ibidem. p. 63.

59

8.971/94, que regulamentou, em parte, o texto constitucional e delimitou os

pressupostos constitutivos da união estável para tal fim.

O art. 1º da Lei 8.971/94, ao explicitar os requisitos essenciais à proteção

legal, reiterou elementos já definidos anteriormente pela doutrina e jurisprudência,

de modo que, para fins de produção de efeitos jurídicos, era necessário provar: a

existência de união estável entre pessoas solteiras, separadas judicialmente,

divorciadas ou viúvas, o lapso temporal por mais de cinco anos ou a existência de

prole.

A seguir veio a Lei n. 9.278/96, que regulamentou o § 3º do art. 226 da

Constituição Federal de 1988 e dispôs sobre os efeitos patrimoniais decorrentes

da união estável: a comunhão dos bens móveis e imóveis adquiridos pelos

companheiros durante a convivência, a administração do patrimônio comum por

ambos os conviventes, o direito a alimentos e o direito real de habitação do

companheiro sobrevivente no imóvel pertencente a ambos, por motivo de

falecimento de um deles.102

Até a entrada em vigor da Lei n. 9.278/96, tudo que se refere aos bens

adquiridos pelos conviventes durante a constância da união tinha solução prevista

na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal:

Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é

cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido

pelo esforço comum.

Como se pode depreender do acima exposto, as uniões informais tinham

tratamento, em juízo, como uma simples sociedade de fato. O aspecto de

constituírem os companheiros uma família, ainda que não na acepção jurídica do

termo, o que ocorreria pelo casamento legítimo, não era questionado em instante

algum. Tanto que antes da Constituição de 1988 e das leis atuais que

regulamentam este tema, as questões jurídicas relativas ao “concubinato” eram

102 PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Ob.cit. p.65.

60

consideradas como sendo de competência das Varas Cíveis comuns e não das

Varas especializadas de Família.103

Na realidade, então, não havia antes das Leis 8.972/94 e 9.271/96,

legislação alguma sobre a partilha dos bens dos companheiros, porque não eram

considerados como família e como tal não mereciam a proteção do Estado, sem

contudo esquecer que a sociedade se opunha à qualquer implantação de

inovações nesse campo.

A despeito da não proteção legal, o Judiciário se via sempre em confronto

com pedidos referentes à partilha dos bens adquiridos durante a convivência.

Nesse ponto é que surge a Súmula 380 do STF a qual considerava a relação

patrimonial entre os companheiros como uma simples sociedade de fato,

entretanto para que os bens amealhados durante a constância da união fossem

partilhados era preciso provar o esforço comum despendido na aquisição dos

mesmos. Ocorre que se o esforço comum não ficasse comprovado, restava à

companheira requerer, em Juízo uma indenização por serviços domésticos

prestados durante a união.

Não havia na Súmula 380 do STF um modo pelo qual a partilha fosse

efetuada, não prevendo percentagens para cada um dos companheiros. Apenas o

esforço era levado em consideração.

A respeito da dificuldade do partilhamento Rodrigo da Cunha Pereira diz:

Uma outra dificuldade que vinham encontrando os julgadores para estar

mais próximos do justo, já que se esteavam na teoria da sociedade de

fato, diz respeito ao critério da partilha, ou seja, se se poderá dividir em

partes iguais, ou qual o percentual que caberá a cada um no

partilhamento. Na verdade, são raros os casos em que se torna possível,

mesmo por estimativa, chegar a percentuais que não sejam o de 50%

para cada um (...) Mas a maioria das decisões são no sentido de

estabelecer uma meação, à semelhança de um casamento pelo regime 103 GOZZO, Débora. O patrimônio dos conviventes na união estável. In, Repertório de Doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais. V.4. São Paulo:RT,1999. p. 97

61

de comunhão parcial de bens. Diante das dificuldades práticas da

mensuração da cota-parte da contribuição de cada um, as Leis n.

8.971/94 e 9.278/96, consagrando a Súmula 380 do STF, resolvem que

a divisão patrimonial será igualitária, meio a meio, diferente do texto da

referida Súmula, que deixava livre a busca da proporção do esforço de

cada um quando da dissolução da sociedade. O Código Civil, também

acabou recepcionando as regras do regime da comunhão parcial para as

uniões estáveis.104

Só haverá partilha se houver patrimônio e que este tenha sido construído

durante a convivência, a título oneroso, como decorrência do disposto no art.

1.725 do Código Civil.

Rodrigo da Cunha Pereira continua:

Não é mais possível o entendimento de apuração do esforço comum ou

da partilha apenas se presente o esforço comum, sob pena de contrariar

diretamente dispositivo legal. Não mais se avalia se houve contribuição

direta ou indireta, mas tão-somente a presença de uma família ou, mais

propriamente, de uma união estável.105

Pode ocorrer o fato dos partícipes da união possuírem bens adquiridos

antes da convivência: estes não serão partilhados. Na união estável, aplica-se às

relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens,

salvo contrato escrito entre os companheiros. Sendo assim, conclui-se que

também não serão partilhados os que lhe sobrevierem, na constância da união,

por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar. É indispensável que o

patrimônio tenha sido construído durante a convivência e a título oneroso.

Também pode ocorrer que o patrimônio pré-existente à união, de um dos

companheiros, seja aumentado durante o período da união, hipótese em que, o

outro poderá obter a partilha da parte aumentada, na proporção de sua

contribuição (ou de seu esforço). Aqui o mais importante será a configuração do

104 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. pp.63-64 105 Idem, ibidem. p. 64.

62

esforço comum dos companheiros na formação do patrimônio e não a mera

coabitação.106

A Súmula 380 não fez menção apenas à companheira como sendo a única

titular do direito à partilha do patrimônio adquirido na constância da união,

comprovados o esforço comum e a sociedade de fato, estendeu, também, o efeito

positivo ao companheiro, o que foi considerado um grande avanço, já que os

textos legislativos, existentes na época (legislação previdenciária e acidentária) em

matéria relativa ao companheirismo, não fazia menção ao companheiro varão.

Mas também há que se considerar que a Súmula 380 não trouxe solução

definitiva para todos os casos de uniões extramatrimoniais, gerando dúvidas

quanto à possibilidade de sua aplicação sobre o direito ao partilhamento, diante de

uma união onde um dos partícipes fosse casado com terceiro, embora separado

de fato há bastante tempo e também ainda qual seria a solução para o

partilhamento caso o regime de bens fosse o da comunhão universal ou parcial.

A esse respeito, de acordo com os ensinamentos de Guilherme Calmon

Nogueira da Gama, a jurisprudência dominante é pelo reconhecimento do direito

ao partilhamento, mesmo que o regime de bens seja o da comunhão universal,

levando-se em conta que só entra na comunhão a parte relativa ao casado,

ficando para o companheiro desimpedido a outra fração ideal. Para não

reconhecer o direito de partilha de bens adquiridos durante a prolongada

separação de fato, a doutrina e a jurisprudência têm se orientado no sentido de

distinguir as hipóteses de existência e de constância do casamento.107

O autor afirma que há nos tribunais certa resistência quanto à admissão do

direito ao partilhamento em favor do companheiro desimpedido quando o outro é

casado. Entretanto, nota-se, no Superior Tribunal de Justiça, uma tendência

favorável ao partilhamento do patrimônio adquirido ou aumentado ao

companheiro desimpedido, ainda que o outro seja casado sob qualquer regime de

106 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de família. p. 305. 107 Idem, ibidem. p. 306.

63

bens. O fundamento usado para negar o direito ao partilhamento em caso de

companheiro casado, mas separado de fato é um pretenso prejuízo à família

legítima , quando na verdade já não há mais a família constituída anteriormente

pelo casamento, vez que a separação de fato prolongada presume a ausência de

affectio maritalis. Diz, ainda o autor, que sendo um ou ambos casados com

terceiros, mas separados de fato, a situação mantida entre os companheiros não

deixa de ser um autêntico companheirismo. 108

Rodrigo Pereira da Cunha, por sua vez, diz que o direito deve proteger a

essência muito mais que a forma. Interessante a observação feita pelo autor em

relação ao casal que já esta separado de fato há muitos anos. Nesse caso, já

deixou de ser casal e que não há comunhão de vida ou de qualquer outro

interesse a não ser o patrimonial. Nesse sentido os tribunais vêm decidindo. Cita o

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja 1ª CC julgou irrelevante o

casamento formal quando o homem estava concubinado com outra mulher e o

casamento legítimo se tornara reminiscência cartorial.109

Outro ponto que merece atenção é sobre a contribuição indireta entre

companheiros para a formação do patrimônio durante a constância da união. A

Súmula 380 orienta que é cabível a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço

comum, quando da dissolução de uma sociedade de fato entre concubinos. Qual a

interpretação exata que deve ser dada à expressão “esforço comum”?. Sobre a

constituição do patrimônio é sabido que os bens adquiridos na constância da união

estável presumem-se fruto do trabalho e da colaboração comum, salvo disposição

contrária em contrato (art. 5º, Lei 9.278/96). O que vale dizer que a contribuição do

companheiro não precisa ser em dinheiro, resultado de atividade economicamente

rentável, ela pode ser dada de maneira indireta, através de seu trabalho

doméstico, administração do lar, criação e educação dos filhos.110 Adahyl

Lourenço Dias, por sua vez, diz que o patrimônio tanto pode se formar com o

”produto material empregado pelo companheiro comprador como

108 Idem, ibidem, pp. 308-309. 109 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. pp. 67-68-69. 110 CAMBI, Eduardo. Premissas teóricas das uniões extramatrimoniais no contexto da tendência da personificação do direito de Família. pp. 158-159.

64

concomitantemente pela companheira, que o auxiliou nos esforços e trabalhos

domésticos, no lar ou fora dele”. 111

No caso da Súmula 380, ao mencionar sobre esforço comum, já existe

entendimento de que não é necessário que a contribuição de uma das partes

tenha sido financeira bastando seu suporte doméstico para que a outra pudesse

construir ou realizar o patrimônio do casal. No dizer de Guilherme Calmon

Nogueira da Gama, é importante a ressalva de que “o critério de partilha não é o

mesmo da meação, mas sim de se adotar uma proporcionalidade à contribuição

de cada qual na divisão a ser feita”.112.

O que diz a Jurisprudência

DIREITO CIVIL. SOCIEDADE DE FATO. Reconhecimento de

participação indireta da ex-companheira na formação do patrimônio

adquirido durante a vida em comum. Partilha proporcional. Cabimento.

Fixação nesta instância. Possibilidade. Critérios. Indenização por

serviços prestados. Ressalva. Recurso parcialmente provido.

Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do

patrimônio amealhado durante o período de convivência “more uxório”,

contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular

gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos,

admissível o reconhecimento da existência de sociedade de fato e

conseqüente direito à partilha proporcional.(REsp. 183718/SP. STJ-

DJ.13/10/1998). Rel. Des. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

REsp 623566 /RO; RECURSO ESPECIAL 2004/0003788-8. Rel. Ministro

Aldir Passarinho Junior. T4 – QUARTA TURMA. DJ. 20/09/2005.Data da

Publicação/Fonte. DJ 10.10.2005. p. 377

Civil e Processual. Dissolução de sociedade de fato ocorrida antes da lei

n. 9.278 / 96. contribuição da mulher para a consolidação do patrimônio

comum, comprovação. Matéria de fato. Súmulas N.380-STF e 7STJ.

Aplicação. Partilha de bens. Violação ao art. 535/CPC.

I.Comprovada a participação direta e indireta da mulher na consolidação

do casal enquanto perdurou a união estável, cujo término ocorreu antes

111DIAS, Adahyl Lourenço. Ob. cit. pp.133-134 112 GAMA, Guilherme Nogueira da. Ob. cit. p. 311.

65

da vigência da lei n. 9.278 / 96, faz jus à partilha dos bens, adquiridos

durante a vida em comum, nos termos da Súmula n. 380 do STF.

II. Aplicação da Súmula n. 7-STJ ao delineamento fático estabelecido na

instância ordinária.

III. Não se anula o julgado que aborda as questões objeto do especial

apenas porque dissentiu do interesse da parte.

IV. Recurso especial não conhecido.

Ainda sobre a contribuição indireta, Rodrigo da Cunha Pereira113 diz que o

significado e a importância da contribuição indireta superam as demais relações

decorrentes de uma união estável. Com este entendimento, o suporte doméstico,

dado historicamente pelas mulheres, passou a ser visto com outros olhos, sendo

certo que o reconhecimento de valor econômico à atividade doméstica foi

extremamente relevante e a atribuição de um “valor econômico” significa dar-lhe

seu merecido valor. Segundo o autor a revalorização do trabalho doméstico,

considerado como contribuição indireta, é resultado da evolução jurisprudencial,

que, ao reconhecer que o esforço comum capaz de propiciar aquisição de

patrimônio, não precisa necessariamente ser financeiro, constitui um marco

revolucionário no Direito Civil.

Por todos os ensinamentos expostos vê-se que é uma questão que ainda

desperta polêmicas, porém, com o avanço obtido através da Constituição Federal

de 1988, diante de todas as modificações havidas no Direito de Família, não há

porque persistir na tratativa do que concerne aos companheiros como sendo parte

do Direito das Obrigações. A retirada do tratamento dos assuntos referentes aos

companheiros do campo obrigacional para o campo do Direito de Família nada

mais é do que o cumprimento do preceito constitucional.

O Código Civil deu aos companheiros a oportunidade de escolher quais as

regras que regem o patrimônio, em contrato escrito, dispondo livremente sobre

seus bens. Entretanto, caso a escolha não seja feita prevalecerá o regime parcial

de bens, conforme se pode comprovar através do art. 1.725.

113 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 61

66

O Código Civil consolidou o que já vinha estabelecendo a doutrina e

jurisprudência, bem como o disposto nas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96. Inovou ao

dizer expressamente que se aplica às relações patrimoniais o regime da

comunhão parcial de bens, eliminando a necessidade de se demonstrar o “esforço

comum”, aproximando ainda mais a união estável do instituto do casamento, para

efeitos de partilha de bens.

O legislador no art. 5º, da Lei n. 9.278/96, estabeleceu, de modo específico,

uma presunção legal no sentido de que os bens adquiridos na constância da

união, a título oneroso, pertencem a ambos, frutos do esforço comum, presunção

esta que é relativa, admitindo prova em contrário, em contrato escrito. Não se

trata, porém de um pacto anterior à união estável, à semelhança do pacto

antenupcial, visto que o mesmo pode ser realizado a qualquer tempo, mesmo no

decorrer da união previamente estabelecida, valendo suas regras a partir do

momento em que foi firmado ou, até mesmo, retroativamente, se assim o

desejarem os conviventes. Desta forma, pode-se provar que os seus ou

determinados bens não foram frutos do trabalho e/ou da contribuição de ambos.

“Contudo não é isto que vigora com o advento do art. 1.725, do Código Civil.

Basta, portanto, a comprovação da união e, a partilha se dará automaticamente,

se não houver pacto prevendo o estatuto dos conviventes”.114

Até o advento da Lei n. 8.971/94, no âmbito do direito civil, os direitos

patrimoniais dos companheiros estavam restritos à esfera do direito obrigacional,

quanto aos atos lícitos e ilícitos; a estes, se acresceram os efeitos decorrentes da

obrigação alimentar, no campo do direito de família, e os relacionados ao direito

das sucessões, os quais, até então, eram objeto de controvérsias jurisprudencial e

doutrinária.115

Com a edição da Lei n. 8.971/94 encerrou-se a discussão sobre a

concessão ou não, de alimentos aos companheiros. Esta lei regulamentou em

114 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit., p. 117. 115 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 68

67

parte o texto constitucional, ao estabelecer os requisitos necessários para

aquisição do direito aos alimentos e à sucessão entre os companheiros, além de

determinar os pressupostos constitutivos da união estável para esses fins.

Ainda sobre a questão patrimonial dos companheiros faz-se aqui uma

breve referência a dois dispositivos das Leis 8.971/94 e 9.278/96, o 3º e o 5º,.

respectivamente. A Lei n. 8.971/94, cuja ementa menciona: “Regula o direito dos

companheiros a alimentos e à sucessão”, não tratou, da questão patrimonial dos

partícipes da relação e muito menos aventou a possibilidade de um regime de

bens, porém, o art. 3º, da referida lei, diversamente do disposto de sua ementa,

instituiu regra para o que deve ser feito com os bens deixados pelo autor da

herança, quando estes forem fruto da colaboração do(a) companheiro(a), tendo

assim o sobrevivente direito à metade dos bens. Refere-se, sem dúvida alguma, a

efeito jurídico inerente ao companheirismo:

Art. 3º. Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem

de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro(a), terá o

sobrevivente direito à metade dos bens.

O legislador não deixou claro qual o tipo de colaboração além de estipular

um percentual (metade) a que teria direito o companheiro sobrevivente. Não se

trata aqui de meação ao invés de herança?116

Já a Lei n. 9.278/96, suprindo as lacunas deixadas pela sua antecedente,

tratou de maneira específica sobre a questão patrimonial dos companheiros, vez

que estabeleceu no art. 5º o condomínio sobre os bens adquiridos a título oneroso,

durante a convivência, fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a

pertencer a ambos, em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato

escrito. Com a edição da Lei n. 9.278/96, completou-se, a regulamentação legal:

nela, o legislador introduziu a forma de partilha dos bens adquiridos no curso da

116 AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável . (Jurisprudência, evolução legislativa e novo Código Civil). pp.12-13. Artigo disponível em: online1.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducação/textos_fotos/jcivildf/UNI%C30%20EST%C1CIVEL-%20 MP.doc. Acesso em 16/02/2006.

68

união estável, decorrente do regime de bens entre os conviventes e o direito real

de habitação do sobrevivente sobre o imóvel destinado à residência da família.

2. Direito a Alimentos

Uma das questões, que mais despertou polêmicas doutrinárias a partir da

promulgação da Constituição Federal de 1988, foi, sem dúvida alguma, a relativa

aos alimentos entre companheiros. Havia dúvidas quanto ao direito recíproco de

alimentos, seria ele possível em decorrência do texto constitucional? Em que se

basearia a obrigação alimentar entre companheiros? Haveria ou não necessidade

de previsão legal do direito a alimentos por lei infraconstitucional?

A obrigação alimentar, reclamada pelos concubinos, antes da edição da Lei

8.971/94, não se enquadrava em nenhuma destas três hipóteses: não eram

casados, não tinham qualquer grau de parentesco e não se tratava de delito

praticado pelo ex-concubino, donde se conclui que não havia direito algum a lhes

dar guarida. Entretanto, deve-se ressaltar que “o dever de socorro, ínsito ao de

assistência material, sempre existiu no campo da Moral”.117

No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira:

Não se podia, antes do reconhecimento legal do instituto pela

Constituição de 1988, nem mesmo reivindicar alimentos em decorrência

de relação. Entretanto sempre se buscou discutir o assunto, embora com

outros nomes, como indenização por serviços prestados, entre outros.

Algumas decisões que bem marcam esta “camuflagem”:

Na existência de patrimônio formado pelo esforço comum, no curso da

sociedade concubinária, devem ser indenizados os serviços domésticos

prestados pela concubina, uma vez comprovados. (1ª CCTJSC, Ap. n.

23.639, v.un. em 7.1.1965, Rel. Des. Napoleão Amarante, JC 5/104)

Evidenciado que a pensão judicial fixada em razão de concubinato, ao

longo de vinte anos de vida em comum, acha-se representada por

117 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 375.

69

importância correspondente a um salário mínimo, que nada mais é que

uma prestação mínima de trabalho serviçal exercido, julgada suficiente

para satisfazer às necessidades ordinárias de alimentação , habitação,

vestuário, higiene e transporte, justo se afigura a pretensão recursal no

sentido de que seja descontado, na folha de pagamento do agravado, o

valor da pensão atribuída à agravante dado o seu caratês alimentar,

posto que se destina a atender às necessidades de sua mantença ou de

sua própria sobrevivência, o que encontra sucedâneo nos arts. 49, IV, e

734, do CPC (3ª CCTJPR, AI n. 259/89,v.um.em 29.8.1989, Rel. Des.

Silva Wolff, PRJud 31-55).118

Surgiu, então, a Lei 8.971/94. Com sua promulgação foram introduzidas, no

ordenamento jurídico brasileiro, normas de regência no que diz respeito aos

direitos a alimentos entre companheiros, como também aos direitos patrimoniais

derivados da sucessão mortis causa.

O desdobramento da proteção constitucional, à união estável, segundo

Claudia Grieco Tabosa Pessoa, teve seu ponto de partida com a edição da Lei n.

8.971/94, que regulamentou o direito sucessório e o direito a alimentos entre os

companheiros. Na Lei n. 9.278/96, o legislador, na regulamentação da união

estável, autorizou o direito material119 a alimentos entre conviventes.120

Yussef Said Cahali dispõe acerca da obrigação alimentar do ponto de vista

de suas características e fundamentos:

O ser humano, por natureza, é carente desde a sua concepção; como

tal, segue o fadário até o momento que lhe foi reservado derradeiro;

nessa dilação temporal – mais, ou menos prolongada – a sua

dependência dos alimentos é uma constante, posta como condição de

vida.

118 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 81. 119 Refere-se à assistência material recíproca, a título de alimentos, que será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, quando da dissolução da união estável, por rescisão. (art. 2º, III e art. 7º, ambos da Lei 9.278/96). 120 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 69.

70

(...) Daí a expressividade da palavra “alimentos” no seu significado

vulgar, tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com

vida.121

Antes da edição das referidas leis havia um descompasso entre os

doutrinadores, pois, nem todos eram de opinião igual a respeito da obrigação

alimentar entre companheiros, pela simples qualificação da união estável como

entidade familiar, conforme o disposto no § 3º, do art. 226, da Constituição Federal

de 1988. Entendiam alguns que havia a necessidade de edição de lei ordinária que

regulamentasse, entre outros, o direito a alimentos entre companheiros.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama diz a respeito:

O direito a alimentos entre companheiros, após a vigência da atual

Constituição Federal, passou a ser uma questão de tempo, tão somente,

tempo suficiente para a edição de lei ordinária, com a previsão do direito

e obrigações alimentares fundados no companheirismo, como espécie

de família.(...) A necessidade da elaboração de lei acerca da questão,

como visto, se patenteou, diante da natureza da norma constitucional, ou

seja, tratar-se de norma de eficácia contida no aspecto das relações

internas entre os companheiros.122

Como se pode perceber, a questão sobre alimentos entre companheiros

despertou muitas dúvidas sobre a sua admissibilidade ou não. Os tribunais não

eram favoráveis a tal pretensão; quando muito, admitiam a indenização por

serviços prestados, um meio de não deixar a companheira em franco abandono.

Solução paliativa, não definitiva, porém meio caminho andado para aquisição de

seus direitos.

Todavia essa posição não era de se estranhar, até porque os alimentos

entre os cônjuges, da mesma forma que os devidos entre parentes, foram

121 CAHALI, Yussef Said. Dos alimento s. 2.ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 13. 122 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da . Ob. cit. p. 358.

71

estabelecidos por força da lei, não obstante já existir esse dever de assistência

material no campo da Moral.123

Yussef Said Cahali opinava, a princípio, no sentido de reconhecer o direito

de alimentos entre companheiros o faz, citando o autor italiano Brugi e o francês

Josserand. O primeiro, defendia a posição de “pietatis causa”, ou seja, os

alimentos só seriam devidos no caso da companheira ter sido abandonada e não

ter condições alguma de sobrevivência, recorrendo à assistência publica; o

segundo, apontava soluções jurisprudenciais francesas, cujo cerne era reparar as

conseqüências resultantes da sedução e dar uma segurança para o futuro. Em

seguida, firmou o autor opinião contrária sobre a questão, levando em conta que a

obrigação alimentar no ordenamento jurídico brasileiro era decorrente da relação

de parentesco ou de casamento e, sendo assim, a companheira não fazendo parte

de nenhuma dessas classes, a eles não tinha direito.124

Segundo esse mesmo autor o § 3º, do art. 226, da Constituição Federal de

1988, não equiparou a união estável ao casamento, apesar da importância que

alcançou, e, muito menos reuniu em si mesmo o poder criativo da obrigação

alimentar em favor dos companheiros durante a convivência ou após a sua

dissolução. Descartado qualquer tipo de equiparação também entre deveres e

direitos, resultantes de cada um deles, até mesmo pelo seu modo constitutivo e

principalmente pela ausência de obrigação legal que determinasse a mútua

assistência e socorro.125 Outros autores, como Sergio Gischkow Pereira126 e

Basílio de Oliveira127, entretanto, consideravam desnecessária a edição de lei para

efeito de obrigação alimentar entre companheiros, diante da clareza do texto

constitucional, muito embora Basílio de Oliveira tenha também assim se

manifestado a respeito:

123 Idem, ibidem. p. 358. 124 CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pp. 161-162. 125 Idem, ibidem. Ob. cit. p 173. 126 PEREIRA, Sergio Gischkov. A união estável e os alimentos.Revista dos Tribunais, São Paulo, jul. 1990. v. 657. pp. 17-24. 127 OLIVEIRA, Basílio de. Direito alimentar e sucessório entre companheiros. Rio de Janeiro: Destaque, 1995. p. 19.

72

Nossa posição com relação ao direito alimentar entre concubinos desde

o início, foi, por conseguinte, no sentido do seu reconhecimento

imediato, com fundamento na própria Constituição, não obstante

alertando para a necessidade da sua previsão legal, a fim de garantí-lo

de forma definitiva e incontroversa.

Sobre o mesmo assunto se pronuncia a Desembargadora Maria Berenice

Dias, em acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

ALIMENTOS À CONCUBINA. Com o advento da nova Carta

Constitucional, que deferiu à união estável proteção estatal, comprovada

sua existência, exsurge a obrigação alimentar entre ambos. Recurso

provido, por maioria.

O reconhecimento da ocorrência deste fenômeno, por si só evidencia

independer de qualquer regramento infraconstitucional a imediata

eficácia da norma constitucional. O exaustivo material legislativo que

disciplina os direitos e deveres das relações decorrentes do casamento,

sua dissolução, as obrigações alimentares, bem como as conseqüências

no âmbito do direito sucessório, autoriza a imediata aplicação destes

institutos com referência às nominadas uniões estáveis, proclamadas

pela Carta Magna como entidades familiares, dentro das disposições que

trata da família, à qual outorga especial proteção. (AC 590.069.308. 8ª

Câmara Cível do TJRS. J. 20/12/1990. Des. Maria Berenice Dias).

Na época, como se pode observar, havia opiniões contrárias sobre a

necessidade ou não de lei que instituísse o direito a alimentos entre os

companheiros e a despeito de toda celeuma doutrinária, prevaleceu o

entendimento da inadmissibilidade do direito a alimentos entre companheiros

mesmo após a Constituição de 1988. Somente seis anos após o reconhecimento

das uniões estáveis como entidade familiar por disposição constitucional, surgiu a

Lei n. 8.971/94, com imperfeições de ordem formal e material, vez que se limitava

a fixar o meio processual para o exercício da ação, ao invés de dispor de maneira

inequívoca sobre o direito de alimentos entre companheiros, imperfeição essa que

foi sanada pela Lei 9.278/96.

73

O direito a alimentos entre companheiros está previsto no art. 1.694 e §§ do

Código Civil, tratado no mesmo título destinado aos alimentos decorrentes do

parentesco, casamento ou união estável. Foi, a partir de sua vigência que a

situação se tornou definitiva, não deixando dúvida alguma sobre o direito

concedido aos companheiros de pleitear alimentos quando necessários.

O que diz a jurisprudência:

ALIMENTOS - EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL, RECONHECIDA

POR ESCRITURA PÚBLICA – Separação das partes – Pedido de

alimentos, com arbitramento de provisórios – Indeferimento – Agravo de

instrumento – Alegação de amparo legal ao pedido – Recurso provido.

(TJSP – Agravo de Instrumento 290.789-4/6-00 – Data do julgamento:

10.04.2003 – Relator: Des. Olavo Silveira – Votação: recurso provido.

Por outro lado, não demonstrada a necessidade, os alimentos não são concedidos:

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. ALIMENTOS.UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA. IMPROVIMENTO DO

RECURSO. I. De acordo com a Lei 8.971/94, a união estável gera o

dever de um dos companheiros prestar alimentos ao outro, desde que

presente o binômio possibilidade / necessidade; II. Não restando

comprovada a necessidade da ex-companheira, não há que se falar em

direito aos alimentos; III. Recurso ao qual se nega provimento. (TJRJ –

2004.001.34195 – APELAÇÃO CÍVEL – Des. Ademir Pimentel. DÉCIMA

TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Data do Julgamento: 06/04/2005.

3. Regime de bens entre companheiros

A Lei n. 9.278/96 modificou de forma substancial a estrutura informal das

uniões estáveis, estabelecendo um verdadeiro regime de comunhão parcial quanto

aos bens adquiridos pelos seus partícipes no decorrer da relação.O art. 5º dispõe

sobre o patrimônio, da mesma forma que as regras do regime da comunhão

parcial de bens, como fez, expressamente, mais tarde, o Código Civil de 2002.

74

Art. 5º - Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os

conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são

considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a

pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação

contratual contrária em escrito.

§ 1º- Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial

ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da

união.

§ 2º- A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a

ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Desta forma, o regime de bens nas uniões estáveis estabelece a

regulamentação das relações econômicas entre companheiros, muito embora

também a lei lhes assegure a possibilidade de estipular em contrário, através de

contrato escrito.

No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira:

Presume-se que os bens adquiridos na constância da união, a título

oneroso, pertencem a ambos, porque se deduz que tenham sido

adquiridos pelo esforço comum. Entretanto, é importante ressaltar que

esse esforço comum é tão-somente uma presunção. Sendo assim, pode-

se demonstrar o contrário, ou seja, provar que determinados bens não

foram frutos do trabalho e/ou da contribuição de ambos. Esta é uma das

diferenças básicas entre o casamento e a união estável: nesta era

imprescindível o esforço comum (direto ou indireto); naquele, não se

discute isso.128

Para este autor, trata-se de uma presunção relativa, bastando ao

convivente interessado demonstrar que não houve esforço comum na aquisição

do bem.

Rainer Czajkowski, assim se manifesta: 128 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob cit. p. 114.

75

O artigo, como já se afirmou, consagra uma presunção relativa de

condomínio.129

Claudia Grieco Tabosa Pessoa afirma:

A presunção, de natureza relativa, tem por pressuposto, em primeiro

lugar, a constituição de união estável entre as partes, uma vez que o

legislador impõe o regime legal para os bens adquiridos na constância

da união estável.

A regulamentação legal, que determinará mais um efeito patrimonial do

concubinato puro ou união estável, tende a por fim à enorme

controvérsia doutrinária e jurisprudencial concernente à partilha do

patrimônio formado entre os conviventes no curso da união estável.130

Não se deve esquecer de que até a edição da Lei n. 9.278/96, a partilha dos

bens era feita mediante a comprovação da formação da sociedade de fato entre os

concubinos, pela maior ou menor contribuição de cada uma das partes, tendo

como objetivo a formação do patrimônio comum, nos moldes da Súmula 380 do

Supremo Tribunal Federal.

4. Efeitos decorrentes de atos lícitos e ilícitos Os efeitos patrimoniais relacionados ao direito obrigacional se subdividem

em duas espécies, conforme essas obrigações sejam derivadas de atos lícitos ou

ilícitos:

a) obrigações derivadas de atos lícitos:

Entre estes efeitos estão os serviços prestados pelos companheiros

durante o período da união estável, os decorrentes da sociedade de fato, tendo

como objetivo a partilha dos bens adquiridos mediante o esforço comum, as

129 CZAJKOWSKI, Rainer. Ob. cit. pp. 139-140. 130 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. pp. 114-116.

76

liberalidades entre si, os decorrentes da locação predial urbana e as obrigações

decorrentes dos negócios jurídicos patrimoniais. Algumas decisões favoráveis:

CIVIL – FAMÍLIA – CONCUBINATO - SERVIÇOS DOMÉSTICOS -

INDENIZAÇÃO.

Tem a concubina direito a pretensão postulada de receber indenização

pelos serviços prestados ao companheiro durante o período de vida em

comum.

Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.(REsp.

n.93.698/RS, 4ª turma. DJ.18.10.99) Rel. Min.César Asfor Rocha.

CONCUBINATO – PARTILHA DE BENS – Desfeito o concubinato, a

partilha de bens supõe prova de que o patrimônio foi construído pelo

esforço comum.(STJ - REsp.n. 220.462 – SP – 3ª T. – DJU 01.07.2002.

DJU 01.07.2002)

Entretanto, a indenização por serviços prestados, nem sempre é admitida:

CIVIL – FAMILIA – UNIÃO ESTÁVEL. Desfeita a união estável, a mulher

não tem direito à indenização por serviços prestados. Recurso especial

não conhecido. (REsp. 264736/RS; RECURSO ESPECIAL

2000/0063167-1. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros (1096).

Relator para Acórdão: Min. Ari Pargendler (1104). Órgão Julgador: T3 –

TERCEIRA TURMA. Data do julgamento: 06/09/2005. D.J.13.02.2006

p.792.

Outro efeito que merece destaque é o relacionado à questão da locação

predial urbana, previsto no art. 12, caput, da lei 8.245, de 18 de outubro de 1991,

o qual expressamente se refere à dissolução da sociedade concubinária

reconhecendo o direito do companheiro que permanecer no imóvel de dar

continuidade à locação:

LOCAÇÃO RESIDENCIAL. UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO DE

SOCIEDADE. SUB-ROGAÇÃO. DIREITO DE EX-COMPANHEIRA.

LEGITIMIDADE PASSIVA. Art. 12. LEI N. 8.245/91. Extinção do

Processo sem julgamento do mérito. Nulidade da sentença. Recurso

77

provido. Despejo. ( 200.001.01425. AP.CÍVEL. Des. Ruyz Alcântara.

Julgamento: 14/08/2002 – DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL).

b) obrigações derivadas de atos ilícitos:

Os efeitos relacionados às obrigações derivadas de atos ilícitos se referem

à indenização por atos de terceiros, de um modo geral, estando aí incluso o

acidente de trabalho. No que diz respeito aos efeitos de caráter indenizatório por

atos de terceiros, cujo ato ilícito tenha dado causa a lesão, doença ou morte de

um dos companheiros, podem ter origem durante a constância da união, se o

evento danoso causou lesão ou doença, ou mesmo depois da união, se do evento

danoso resultou a morte da vítima. Os fundamentos para a indenização das

obrigações decorrentes de atos ilícitos são os mesmos, diferindo apenas no

montante a ser pago na composição do dano. O Decreto n. 2.681, de 7 de

dezembro de 1912 foi o ponto de partida no tocante à possibilidade de

indenização à companheira que viesse sofrer a perda do companheiro em virtude

de acidentes ferroviários, ao admití-la indiretamente, no rol dos beneficiários. Veja

o que diz o julgado abaixo:

ACIDENTE DO TRABALHO – Concubina do acidentado – Pedido de

indenização pelo direito comum, sob alegação grave do empregador.

A concubina da vítima, falecida em acidente de trabalho, é beneficiária

da pensão previdenciária, é parte legítima ad causam para postular a

indenização de direito comum. A referência a “alimentos”, constante do

art. 1.537,II, do CC, vale como mero índice para o cálculo do

ressarcimento, outorgado jure próprio ao lesado. Lições da doutrina.

Constituição Federal, arts. 7º, XXVIII, e 226, § 3º.

Contrariedade ao art. 159 do CC e dissídio jurisprudencial. REsp. 589-

SP (89000804-7) – 4ª T. (DJ.14.08.1990) – Rel. Min. Athos Carneiro.

No campo do direito público, os efeitos patrimoniais ligados à matéria

previdenciária e fiscal, são correlatos, já que muitas das considerações gerais

relativas aos benefícios previdenciários são aplicadas, da mesma forma, em

78

matéria fiscal, o que significa dizer que tanto para a autarquia previdenciária

quanto para o fisco é importante a verificação da existência ou não do

companheirismo, para efeito da concessão de benefícios previdenciários na

eventualidade da morte do segurado, quanto no fisco com o fito de reconhecer

certos benefícios que normalmente não se aplicariam a outras situações

tributáveis.131

Os benefícios sociais apresentam caráter muito mais econômico do que

jurídico, pois, as relações pessoais que ensejam tais efeitos previdenciários ou

fiscais são originadas da dependência econômica de uma das partes em relação a

outra, quer se trate de companheiros ou de cônjuges.

Pelo art. 22, do Decreto n. 2.681/ 12, que regula a responsabilidade civil das

estradas de ferro, extensivo, hoje, a toda espécie de transporte132, a mulher já

tinha assegurado o seu direito à indenização por morte do companheiro. Também

o Decreto 3.724/19, que tratava sobre matéria relativa a acidente de trabalho,

assegurava igualmente indenização a todas as pessoas que viviam na

dependência econômica do falecido. Entretanto, foi o Decreto 20.465/31 que,

usando a expressão genérica mulher, em substituição às expressões viúva e

esposa, consagrou o entendimento da inclusão da companheira como

beneficiária.133

131 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Ob. cit. p..248. 132 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 93. 133 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. pp. 245-246.

CAPÍTULO IV 1. O Direito sucessório : conceitos básicos Dentre os efeitos patrimoniais decorrentes da união estável também está o

direito sucessório entre os companheiros, que além de ser a grande novidade do

ordenamento jurídico brasileiro após o advento da Constituição de 1988, sofreu

alteração em relação às leis anteriores e se encontra determinado no art. 1.790, do

Código Civil, onde a (o) companheira (o) participará da sucessão do outro quanto

aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, obedecendo as

condições previstas quanto à concorrência com filhos comuns, com descendentes

só do autor da herança, com outros parentes sucessíveis, restando-lhe a

possibilidade de herdar toda a herança, caso não haja parentes sucessíveis.

Todos aqueles que se acham ligados por laços de sangue ou por relações

afetivas e morais, merecem o reconhecimento e a proteção do direito. Como é

próprio da natureza humana, o homem sempre se preocupou com a perpetuação

da espécie e pela organização da propriedade, como forma de satisfazer as

necessidades da vida coletiva.

No começo da civilização humana não existia a noção de propriedade

individual. Ela permanecia em comum a toda tribo, ao grupo ou núcleo social,

razão pela qual, não se podia falar em sucessão a respeito dela; passavam os

indivíduos; os chefes eram substituídos, mas o patrimônio comum não era afetado,

não se alterava, sequer, pela morte de um dos membros do grupo. Com o passar

do tempo, com a redução do grupo, com a nuclearização da família, a propriedade

a ela se circunscreveu, e somente a partir daí “foi que mostrou tendências a se

dispersar pelos lares, esboçando-se, então, a sucessão hereditária”.134

134 DE OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de.Curso de Direito das Sucessões.2 ed. Rio de Janeiro: Editora Andes, 1954. pp. 15-16.

80

Nas sociedades mais antigas o direito hereditário estava intimamente

ligado à religião, ao culto familial:

Não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar

quem lhe cultue o altar doméstico, de modo a ficar seu túmulo

abandonado. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse culto. Assim sendo, a

propriedade familial a ele se transmite, automaticamente, como corolário

do fato de ser o continuador do culto familial.135

Com a individualização da propriedade e com os laços afetivos da família

mais estreitos, tornou-se um hábito a transmissão da propriedade dos pais para os

filhos e, por conseguinte, a idéia de sucessão hereditária passou a ser, então,

considerado um poderoso fator de perpetuidade da família.

Com o passar do tempo esse liame entre o direito hereditário e a religião foi

diminuindo, dando margem a uma nova modalidade de transmissão: a civil.

No dizer de Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira, os elementos subjetivos do

direito de propriedade, aparentemente divergentes: a) individual – com

predominância na constituição da propriedade, devendo ser sua administração

individual; b) familial – onde se observa a cooperação entre o chefe e com os

demais membros da família, tendo como objetivo a criação ou aumento de valor

em que a propriedade se concretiza; c) social – coordenador de todos os órgãos

da convivência humana (indivíduos, família associações, etc) constitui um fator da

propriedade pelas garantias que, realmente, lhe assegura.136

Esses três elementos atuaram, através dos tempos, sobre a construção de

regras e princípios jurídicos, com oscilação da preponderância de um sobre o

outro: ora o elemento social e familial (sucessão legítima) ora o individual

(sucessão testamentária)137

135 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v.7.Direito das Sucessões. 25 ed.atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 4. 136 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p. 17 137 Idem, ibidem. Ob. cit. p. 17.

81

Em que pesem todas as divergências de escritores, filósofos como Hugo

Grotius, Puffendorf e Wolf que defendiam o Direito Sucessório nas formas

testamentária e legítima e outros, como Kant, Ficht, Gross, que contrariamente

afirmavam que nenhum desses tipos de sucessão se fundava em direito natural, o

certo é que se obteve como resultado a união de fatores primordiais da existência

social: a propriedade e a família.138 A propriedade é perpétua e como tal deve

permanecer na família que a recebeu e essa, por sua vez se perpetuando através

de gerações futuras fará com que a propriedade não se extinga: propriedade que

se extingue com a morte do respectivo titular e não se transmita a um sucessor

não é propriedade, porém, mero usufruto.139

Enfim, no dizer de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

O ordenamento jurídico brasileiro atribui a característica da

essencialidade do Direito das Sucessões às relações intersubjetivas,

deixando claro que, a despeito das críticas existentes a sucessão

hereditária é tutelada como direito fundamental nos termos do art. 5º,

inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, a derrubar qualquer

tentativa de socialização do patrimônio deixado por alguém por força de

sua morte.140

Alguns pontos básicos devem ser revistos para que se possa entender o

que seja direito sucessório.

A sucessão, segundo ensinamentos de Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira,

vem a ser: a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para o

respectivo sujeito, constituindo um dos modos ou títulos de transmissão

ou aquisição dos bens ou direitos patrimoniais.141

138 Apud OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p. 18.. 139 GAMA Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucessões. São Paulo: Atlas, 2003.- (série fundamentos jurídicos). p. 25 140 Idem, ibidem. Ob. cit. p. 25. 141 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p. 19.

82

O autor continua dizendo que a palavra sucessão tem dois sentidos, na sua

acepção jurídica: lato e restrito. O sentido lato envolve todas as formas pelas quais

a propriedade é adquirida; trata-se da sucessão inter vivos; o comprador sucede

ao vendedor, o donatário ao doador, sub-rogando-se uns no lugar dos outros em

relação à coisa vendida ou doada. O sentido restrito, por sua vez, se refere à idéia

de morte e significa um dos modos de adquirir direito e de transmitir, seja total ou

parcialmente, a herança às pessoas a quem é devolvida; trata-se da sucessão

causa mortis

Quanto à espécie, tem-se a sucessão testementária, como o próprio nome

indica e é a que resulta de testamento ou disposição de última vontade do autor da

sucessão; já a legítima é a que se dá em virtude da lei.142 É a que se verifica

quando o autor da sucessão não tenha disciplinado a destinação, no todo ou em

parte, de seus bens por ato de última vontade – testamento.143

Em relação aos seus efeitos, a sucessão é a título universal e a título

singular. Ela é universal quando transmite a totalidade da herança ou parte dela;

somente se admite mortis causa. É singular quando são transmitidos apenas

objetos singularmente considerados ou determinados. Esse tipo de sucessão

deriva unicamente de testamento (...) pode compreender um conjunto de bens,

contanto que não formem unidade na qual percam sua individualidade –

singularum rerum144

Quem sucede a título universal é herdeiro. Quem sucede a título singular, é

legatário.

No que diz respeito à herança ela se refere a todo o patrimônio do de cujus,

o conjunto dos direitos e obrigações que se transmitem ao herdeiro ou

herdeiros.145 É coisa classificada entre as universalidades de direito e forma-se de

um complexo de relações jurídicas, não se confundindo com as universalidades de 142 OLIVEIRA, Arthur Vasco itabaiana. p. 19. 143 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p.28. 144 Idem, ibidem. p. 7. 145 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Ob. cit. p.22.

83

fato que se compõem de coisas especificamente determinadas. Não é suscetível

de divisão em partes materiais, enquanto permanece como tal. Compreende todos

os direitos que não se extinguem com a morte. Excluem-se os que não se

concebem desligados da pessoa, como os direitos da personalidade. Integram-na

bens móveis e imóveis, direitos e ações, obrigações. Abrange também coisas

futuras. Sendo universalidade de direito, é suscetível, abstratamente, de aumento

ou diminuição.146

As pessoas, a quem é devolvida a herança, recebem a denominação de

herdeiros, sendo, portanto, o que sucede na totalidade da herança ou parte dela,

sem determinações de valor ou objeto. Pode ser legítimo ou necessário. Os

herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes e ainda o cônjuge) também

são chamados legitimários ou reservatários. São os que têm parte reservada na

herança, quer dizer, na legítima (que representa limite objetivo ao poder de testar,

ou seja, representa a metade dos bens do falecido).

Há, ainda, os herdeiros facultativos, os colaterais até o 4º grau. Enfim, todo

herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário.

Não se pode esquecer dos que recebem do de cujus, por meio de

testamento, valores ou objetos determinados ou certa parte deles. São os

chamados legatários.

Abre-se a sucessão no momento da morte de seu autor e no lugar do último

domicílio do falecido, ou seja, a sede principal dos interesses e negócios do autor

da sucessão.

O lugar da abertura da sucessão não só é fator importante, como é

determinante para prevenir a competência com vistas à propositura da ação de

inventário dos bens deixados, determinando também o foro das ações dos co-

herdeiros, legatários e credores, relativas às heranças e legados.

146 GOMES, Orlando. Ob. cit. p. 7.

84

2. Reconhecimento de direitos sucessórios dos companheiros

Antes da Lei n. 8.971/94 não havia reconhecimento legal de eventuais

direitos à partilha de bens causa mortis entre companheiros. A morte de um dos

companheiros não gerava para o outro efeitos sucessórios. Não surgiam de forma

automática, como deveria ocorrer em tal situação, apesar da jurisprudência,

diante de casos concretos, procurar meios de proteção para o sobrevivente.

Procurava-se aplicar, por analogia e para fins protecionais, em caso de morte de

um dos companheiros, os efeitos jurídicos resultantes de direitos e obrigações

surgidos no decorrer da união estável. Deve-se ressaltar, entretanto, que a

proteção, de início, era destinada apenas à mulher, por ser considerada, na

generalidade dos casos, como a parte mais fraca da relação.

Da promulgação da Constituição de 1988 até o advento da Lei n. 8.971/94,

que regulamentou o direito sucessório entre companheiros, ocorreram

manifestações jurisprudenciais no sentido da possibilidade da companheira

ingressar no inventário, entretanto para que tal fato tivesse sucesso era preciso a

total concordância de todos os herdeiros, desde que não existissem menores ou

incapazes.147

Pensava-se à época, que a proteção conferida pelo legislador, exposta no

art. 226, § 3º, igualaria a união estável ao casamento, mas ledo engano, até

porque, o próprio dispositivo estabelece que a lei deve facilitar a sua conversão

em casamento. Merecem destaque, nesse sentido, as posições contrárias de

Eduardo Oliveira Leite e Euclides de Oliveira, tanto quanto à equiparação quanto

ao ingresso da companheira no inventário:

Eduardo Oliveira Leite:

Aqui, mais do que nunca se afirma a não equiparação de duas

realidades. A mulher casada se habilita imediatamente como herdeira na

147 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa, Ob. cit. pp. 222 – 223.

85

abertura da sucessão. Já a concubina, sem o título de declaração judicial

da condição de companheira do “de cujus”, de exigência obrigatória para

disputar a herança, não pode sequer influir no andamento do processo

de inventário, nem impedir a regular partilha de bens. (...) nesta matéria,

até hoje existem poucos julgados permitindo o ingresso da concubina no

inventário para amealhar parte do monte, exceto se estiverem de acordo

todos os interessados ( RT 667/94, 610/94, 563/265; RJTJSP 103/153).

Quando não há aquiescência de todos, entende-se que é inadmissível a

intervenção, uma vez que o inventário não é a via própria para a

concubina postular o reconhecimento de sua condição de meeira do

espólio (RSTJ 4/1414). Deverá primeiro, por via própria, demonstrar seu

direito à meação, sendo impossível, inclusive, obter reserva de bens,

medida destinada aos herdeiros.( RT 598/83, 603/76,605/68 e 80,

632/101, 626/66 e RJTJSP 95/270, 99/174,88/288, 116/295 ( O

concubinato frente à nova Constituição: hesitações e certezas. Revista

Unimar, 1993, v.11.n.13, p.52-3).

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim seguiam essa mesma orientação,

que acrescentavam importante efeito de caráter fiscal:

Impossível o reconhecimento da sociedade concubinária dentro do

processo de inventário, a não ser que haja concordância de todos os

interessados na herança, com capacidade para transigir. (...) Ou seja, o

ex-concubino (ou concubina) está obrigado a obter, primeiro, a

declaração judicial dessa condição, para depois ingressar no inventário

ou exercer, de outro modo, seu direito à meação, sem possibilidade

alguma de influir no andamento do processo de partilha antes de

judicialmente afirmado esse direito.(RJTJSP 48/207,137/347). (...) Uma

anotação de caráter fiscal: sobre a parte cabente ao concubino ou

concubina, fruto do reconhecimento do direito à meação nos bens

inventariados, não incide o imposto de transmissão inter vivos ou causa

mortis, pois não há transferência de bens, mas simples divisão

decorrente do condomínio extinto pelo falecimento de uma das partes.

(Concubinato: novos rumos, Jurisprudência Brasileira, 172:30)148

O direito sucessório dos companheiros, aí definido, foi deferido a ambos os

companheiros, desde que fossem preenchidos os requisitos para tal: serem 148PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. notas 300 e 301. pp. 222–223.

86

desimpedidos ou separados judicialmente, que vivessem em união estável e

enquanto não constituíssem nova união.

O artigo 2º da Lei n. 8.971/94 corrigiu algumas injustiças em relação aos

companheiros, principalmente nos casos onde a companheira, após a morte do

seu companheiro, sem testamento, sem deixar ascendentes, descendentes,

cônjuges ou parentes colaterais até o 4º grau e mesmo assim não era

considerada herdeira. Diante de tal situação, o Município recebia os bens (artigo

1.603, V do Código Civil de 1916 ) e a mulher, ainda que tivesse vivido por longo

período ao lado de seu companheiro, contribuindo para a aquisição do patrimônio,

nada recebia, ou quando muito, a metade desses bens; entretanto teria que

provar o esforço comum nessa sociedade de fato. Dessa forma, o art. 1.603 do

Código Civil de 1916 sofreu alteração pelo inciso III, do artigo 2º, da Lei 8.971/94,

colocando, assim, o(a) companheiro(a) em terceiro lugar na ordem da vocação

hereditária.149

Art. 2º - As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão

do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

(...)

III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a)

sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

Vê-se, portanto, que pelo menos para fins sucessórios, ocorreu, sem

dúvida, equiparação dos companheiros aos cônjuges150, já que tanto um quanto

outro tinha direito à totalidade da herança do de cujus na inexistência de

descendentes ou ascendentes. Estando o cônjuge no terceiro lugar na ordem de

vocação hereditária, assim também, o companheiro deveria ocupar o terceiro

lugar.

Mas a doutrina não tinha a mesma opinião. Entre os doutrinadores, que

concordavam com o companheiro herdar a totalidade da herança, estavam:

José Maria Leoni Lopes de Oliveira:

149 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 107. 150 Idem, ibidem, p. 108.

87

O convivente herda a título de propriedade no caso de inexistir

descendentes nem ascendentes sucessíveis, como se verifica do teor do

inciso III do art. 2º da Lei n. 8.971/94...151

João Roberto Parizatto entende, por sua vez, que:

No caso em apreço, igualou-se para fins sucessíveis a(o) concubina(o)

ao cônjuge, prevendo-se que, na hipótese de inexistirem descendentes

ou ascendentes do de cujus, a(o) concubina(o) receberá a totalidade da

herança, o que ocorre, na mesma hipótese, ao cônjuge sobrevivente que

aparece em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária prevista no

art. 1603 do Código Civil.152

Em posição contrária, Mário Roberto Carvalho de Faria diz que o legislador

apenas desejou incluir a companheira na ordem da vocação hereditária,

colocando-a em quarto lugar após os descendentes, ascendentes e cônjuge.

Ressalta, inclusive, a posição superior do casamento em relação à união estável,

assim colocada pela Constituição Federal/88, portanto, e como tal, deve o

cônjuge precedê-la na ordem da vocação hereditária.153

Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira da Gama fala sobre como o

intérprete deve se portar diante da norma constitucional:

A missão do intérprete, diante da norma constitucional, é adotar

orientação que não permita reconhecer maiores benefícios aos

companheiros do que aos cônjuges, inexistindo qualquer vedação que o

tratamento seja idêntico. E é justamente o que ocorre em relação ao

direito previsto no art. 2º, inc. III, da Lei 8.971/94, ou seja à equiparação

do direito à sucessão dos companheiros ao direito à sucessão dos

cônjuges.154

A se considerar que em relação aos direitos sucessórios, o companheiro,

diante do inciso III, do art. 2º, da Lei 8.971/94, tenha sido equiparado ao cônjuge,

151 OLIVEIRA, José.Mari Leoni Lopes de. Alimentos e sucessões no casamento e na união estável, p. 236. 152 PARIZATTO, João Roberto. O direito dos concubinos a alimentos e à sucessão. p. 83 153 FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Os direitos sucessórios dos companheiros. p. 94. 154 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. pp. 427-428.

88

pelo menos na ordem de vocação hereditária, não quer dizer que tal disposição

legal tenha equiparado a união estável ao casamento, porque se assim fosse,

desnecessária seria a determinação constitucional de convertê-la em casamento

(art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988).

Assim, estando os direitos sucessórios dos companheiros tal como

estavam dispostos na lei. 8.971/94, equiparados aos dos cônjuges, chega-se à

conclusão que o legislador lhes conferiu a condição de herdeiros legítimos, mas

não necessários, por força de lei e não por vontade presumida do de cujus,

assumindo, portanto, a condição de herdeiros facultativos, o que não impedia que

o testador pudesse dispor de todos os seus bens. Seriam chamados a suceder,

pela ordem de vocação hereditária, não havendo herdeiros necessários ou

eventual disposição que os excluísse por testamento. Deve-se ressaltar,

entretanto, que o cônjuge, à época, também não era herdeiro necessário.

Tem-se na lição de Orlando Gomes:

Herdeiro legítimo é a pessoa indicada na lei como sucessor nos casos

de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota parte da

herança.(...) Contrapõe-se-lhe o herdeiro testamentário, que é o

sucessor a título universal nomeado em testamento. (...) Na classificação

dos herdeiros legítimos, distinguem-se os necessários, também

designados legitimários ou reservatários dos facultativos; (...) havendo

herdeiros necessários a liberdade de testar é restrita à metade

disponível; havendo somente herdeiros facultativos, é plena. Todo

herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é

necessário.155

Não se pode esquecer, em relação à restrição contida no art. 1º da Lei

8.971/94, o envolvimento do companheiro sobrevivente em nova relação, seja de

companheirismo ou matrimonial, vez que o seu surgimento implicaria na

destituição do sentido protetivo que o legislador conferiu (art. 2º, I,II, Lei 8.971/94).

Aqui também se nota um ponto semelhante entre companheiro e cônjuge, com o

155 GOMES, Orlando. Ob. cit. pp. 40-41.

89

disposto no art. 1611 do Código Civil de 1916, na hipótese do usufruto vidual156,

ressalvando-se que em se tratando de união estável, bastaria a constituição de

nova união concubinária ou não.

Configurando-se, entretanto, os requisitos necessários para uma união

estável (diversidade de sexos, convivência pública, contínua, duradoura,

estabelecida com o objetivo de constituição de família,) apta a gerar direitos

sucessórios vale insistir que não ilide a presunção de estabilidade da união a

existência de concubinato adulterino decorrente de separação de fato efetivada

há longo anos. Em tais casos Claudia Grieco Tabosa Pessoa afirma:

Seria assim de todo injusto e incoerente que, nessas situações, fossem

negados direitos sucessórios àqueles que, na prática, em tudo o mais

apresentam situação equiparada às hipóteses de verdadeira união

estável.157

É preciso ter-se a devida cautela de que sejam assegurados eventuais

direitos do cônjuge sobrevivente, na união conjugal anterior, desde que não tenha

sido feita a partilha judicial. Nesse caso a partilha de bens entre cônjuges e

companheiros ocorreria sem impedimento algum se houvesse acordo quanto à

habilitação no inventário e se não houvesse menores ou incapazes. Caso

contrário, ou seja, não concordância entre as partes, o companheiro deveria

procurar a via ordinária e por meio de ação declaratória, reconhecer a existência

da união de fato.

Pelo art. 2º, da Lei n. 8.971/94, o (a) companheiro(a) sobrevivente,

provando a existência da união estável, poderia se habilitar no inventário do de

cujus ou promover o processo , ocupando o cargo de inventariante, nos moldes

do art. 987, do Código de Processo Civil. Dessa forma o companheiro ocupava o

terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, ao lado do cônjuge. Entretanto, no

Código atual, o mesmo não aconteceu: ele não foi incluído no rol dos herdeiros

156 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 439. 157 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 227.

90

necessários, como o foi o cônjuge, podendo ser excluído da herança sem

necessidade de menção ou prova acerca de indignidade.158

Os companheiros, assim, na condição de herdeiros legítimos, estariam

sujeitos à exclusão por indignidade de acordo com o art. 1.595 (Código Civil de

1916) e 1.814 do Código Civil atual. De acordo com o art. 1.725 da legislação

anterior, bastava que o testador dispusesse de seu patrimônio sem contemplar o

cônjuge ou parentes colaterais.

Dentre as espécies de direitos sucessórios a Lei n. 8.971/94 assim dispôs

no seu art. 2º, I, II, o usufruto, no inciso III, disciplinou o direito à herança e o seu

art. 3º disciplinou o direito sucessório.

A Lei 9.278/96 veio para regulamentar o § 3º do art. 226 da C.F. de 1988,

corrigindo as imperfeições contidas na lei anterior. O fato de não ter mencionado

o estado civil dos partícipes da união estável em seu art. 1º teria estendido o

direito sucessório ao companheiro casado, porém separado de fato por vários

anos?

Mário Roberto Carvalho de Faria tem pensamento contrário a esse respeito

ao considerar que o legislador agiu acertadamente em não fazer qualquer

menção à pessoa casada, porem separada de fato, que pudesse ser partícipe de

uma união estável:

Agiu acertadamente, pois, caso fosse o autor da herança casado e

separado de fato, concorreriam concomitantemente à sucessão, na

qualidade de herdeiros legítimos e de usufrutuário, o cônjuge e a

companheira. (...) .o relacionamento entre duas pessoas casadas e

separadas de fato não será agasalhado pelo manto da nova lei.159

Além dos direitos sucessórios dos companheiros explicitados na Lei n.

8.971/94, usufruto e propriedade, a Lei 9.278/96, apesar de não mencionar a

158 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p.119 159 FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Ob. cit. p. 43

91

respeito de direitos sucessórios de propriedade, em seu art. 7º ainda lhes

concedeu o direito real de habitação complementando o tratamento legislativo do

companheirismo em matéria sucessória...160

O art.1.611, § 1º, do Código Civil de 1916, dispôs sobre o usufruto vidual,

que fora instituído pelo Estatuto da Mulher Casada – Lei 4.121 de 27 de agosto de

1962 – e tinha caráter protetivo em favor do cônjuge viúvo, visando dar-lhe

amparo material, já que o mesmo não tinha o direito sucessório de propriedade

diante da presença de descendentes e ascendentes, além de não receber

também a meação do de cujus, porque era exigido que o regime matrimonial de

bens não fosse o da comunhão universal de bens.

A Lei 8.971/94 em seu art. 2º, incisos I e II, na mesma linha do sistema

vigente para a sucessão em favor do cônjuge, instituíra o direito de usufruto ao

companheiro sobrevivente, na possibilidade de haver herdeiros das classes

anteriores quando da morte do de cujus.161

Veja-se no que são coincidentes:

Art.1611 – À falta de descendentes ou ascendentes será deferida a

sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não

estava dissolvida a sociedade conjugal.

§ 1º - O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da

comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da

quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos deste ou do

casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes

do de cujus. (grifou-se)

Lei 8.971/94: Art. 2º- As pessoas referidas no artigo anterior participarão

da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

160 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma espécie de família. p. 434. 161 Idem, ibidem. p. 439.

92

I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir

nova união, ao usufruto da quarta parte dos bens dos do de cujus, se

houver filhos deste ou comuns. (grifou-se)

II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não

constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se

não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes.(grifou-se)

Não há como negar a semelhança entre os dispositivos, tanto na maneira

como seria atribuído o usufruto, quanto na proporção. A única diferença está na

forma em que foi disposto, mas não na essência. Tanto a um quanto ao outro foi

atribuído o direito de usufruto.

Assim sendo, o direito de usufruto do companheiro era devido na

eventualidade da existência de herdeiros das classes anteriores(descendentes ou

ascendentes). Essa preocupação do legislador em proteger o companheiro

sobrevivente era fundada no fato dele não adquirir a propriedade de qualquer bem

do de cujus, pelas vias da sucessão legítima. Diante da possibilidade do

companheiro sobrevivente não herdar, a lei buscou protegê-lo, atribuindo-lhe o

direito de usufruto em parte ideal do patrimônio deixado.162

As exigências do companheirismo em relação ao direito de propriedade

são as mesmas para a aquisição do usufruto, já que a distinção básica se refere

apenas à existência de herdeiros das duas classes anteriores (descendentes ou

ascendentes) para o usufruto ou a falta dos mesmos para efeito de propriedade.

No que diz respeito à possibilidade de existência de relação de

companheirismo entre pessoas casadas com terceiros, mas separadas de fato,

pode ocorrer o direito de usufruto, com a ressalva que nesses casos, o usufruto

deverá ser dividido (art. 1.830 do Código Civil de 2002) entre o cônjuge e o

companheiro sobrevivente, ao invés de se atribuir dois usufrutos, o que implicaria

na duplicação da fração ideal prevista na lei, “porquanto esta última solução

162 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 441.

93

implicaria criar maiores restrições aos herdeiros, nu-proprietários dos bens

sujeitos ao gravame”.163

Diante do usufruto previsto no art. 2º, incisos I e II, da Lei 8.971/94, havia

controvérsia doutrinária sobre a natureza jurídica: legal ou vidual, pertenceria ao

direito de Família ou direito das Sucessões, haveria necessidade ou não de seu

registro, conforme o disposto no art. 167, I,7, da lei n. 6.015/73?

Mas como se sabe, a partir da elevação da união estável à condição de

entidade familiar, a união sem casamento deixa o campo do Direito das

Obrigações para fazer parte do Direito de Família164 e, conseqüentemente, não

haveria necessidade do registro em cartório desse usufruto. Era a hipótese

prevista no art. 715, do Código Civil de 1916.

Em sentido contrário manifesta-se Mário Roberto Carvalho de Faria, onde

afirma que sendo o usufruto vidual resultante do Direito Sucessório, está, pois,

sujeito ao Registro Geral de Imóveis, como proclama o art. 167, inc. I, da Lei

6.015, de 31 de dezembro de 1973.165

De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, a controvérsia não se limitava à

natureza jurídica do usufruto, pois, com o advento do Código Civil de 2002, ainda

se questiona se o art. 2º, incisos I e II, da lei 8.971/94 continua em vigor, já que as

leis que cuidavam da união estável não foram revogadas expressamente pelo

atual Código, “restando ao intérprete, portanto, a possibilidade de revogação

tácita dos referidas leis”166, já que o Código Civil não cuidou da matéria, seja de

modo previsivo ou negando de forma expressa o usufruto aos companheiros.167

163GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. Uma espécie de família. p. 445. 164 Toda a matéria relativa à união estável é da competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça. Art. 9º da Lei 9.278/96. 165 FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Ob. cit. p. 69. 166 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p. 110

94

Veja-se o que diz Francisco José Cahali:

Questão tormentosa a ser enfrentada pelos tribunais, à luz dos caminhos

traçados pela doutrina, será definir se o direito real de habitação e o

usufruto vidual em favor do companheiro sobrevivente ainda prevalecem

diante do novo Código, o primeiro previsto no art. 7º, parágrafo único da

Lei n. 9.278/96, e o segundo previsto nos incisos I e II do art. 2º da Lei n.

8.971/94.

Em nosso entender, houve a revogação dos artigos referidos por

incompatibilidade com a nova lei. Com efeito, o art. 1.790 estabelece que

o companheiro ou companheira ‘participará da sucessão do outro (...)

nas condições seguintes’. Fora das condições previstas na norma, o

sobrevivente não participa da sucessão de seu falecido companheiro; e

aqueles direitos não deixam de representar uma forma de participar da

sucessão. Vale dizer, neste particular – sucessão decorrente da união

estável -, o novo Código disciplinou inteiramente a matéria, revogando,

assim, os efeitos sucessórios entre os conviventes previstos em normas

anteriores.

Sustentarão alguns estudiosos, com bons argumentos, que o Código não

revoga lei especial, como aquelas. Utilizam esta fundamentação, porém,

apenas para sustentar a subsistência do direito real de habitação,

silenciando quanto ao usufruto.

A premissa é verdadeira, quando se afirma que a legislação especial não

foi revogada. Porém, a nova regra restringe expressamente a

participação do herdeiro nas condições nela estabelecidas. Daí a

incompatibilidade das normas apta a gerar a revogação daquelas

previsões. Se assim não for, estaria subsistindo, também, pelas mesmas

razões, o usufruto, criando uma situação privilegiada para o companheiro

sobrevivente.168

Entretanto o próprio Rodrigo da Cunha Pereira contesta a opinião acima:

Não obstante a autoridade do autor supracitado, nosso entendimento é

que o referido dispositivo continua em vigor, uma vez que a lei geral não

pode revogar lei especial, sem abranger a matéria nela contida, com

168 CAHALI, Francisco José. Curso Avançado de Direito Civil.2.ed. rev. Atual. São Paulo: RT, 2003. pp 232-234.

95

esteio no Princípio da Especialidade, conforme preceituou Norberto

Bobio.169

O que diz a Jurisprudência sobre o usufruto deferido ao companheiro e ao

cônjuge:

CONCUBINATO – DIREITO SUCESSÓRIO – Deferida à união estável

status de entidade familiar pela Constituição Federal, as repercussões no

direito sucessório levam ao reconhecimento do direito da concubina ao

usufruto da quarta parte dos bens do companheiro falecido (art. 1.611

CC). Apelo improvido. (AC N. 194204087. OITAVA CÂMARA. TJRS. Rel.

Des. Mª Berenice Dias. DJ.08/11/1994).

INVENTÁRIO – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS –

USUFRUTO LEGAL.

CIVIL. INVENTÁRIO - Sendo o casamento celebrado sob o regime de

comunhão parcial, faz jus o cônjuge sobrevivente ao usufruto legal de

metade dos bens do “de cujus”, se não houver filhos dessa união ou do

finado. Aplicação do § 1º do artigo 1611 do Código Civil.apelo provido.

(AI nº 2003.002.22503. DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL..TJRJ.Rel.

Des. Celso Ferreira Filho. DJ. 17/03/2004).170

Não existindo regime de bens legal entre os companheiros, o usufruto

sempre lhes seria admitido, desde que não fossem contemplados com o disposto

no inciso III, do art. 2º, da Lei 8.971/94, visto que nesse caso, o direito à

propriedade da herança abrangeria o seu usufruto, tornando-o extinto, por

consolidação. Porém, havendo, concomitantemente direito a usufruto e à meação,

nos termos do art. 3º da referida lei, não ocorreria a consolidação, uma vez que o

usufruto incide sobre a herança e o direito à meação não é herança.171

169 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. p.111. 170 O que se procurou demonstrar na jurisprudência apresentada é que em ambos os casos, a fundamentação é a mesma: art. 1.611, § 1º do Código Civil de 1916 para a atribuição do usufruto tanto para o companheiro quanto para o cônjuge, desde que este não fosse casado sob o regime da comunhão universal de bens. Conferir o referido artigo e mais o art. 2º, I, II da Lei 8.971/94. Diferem na forma, mas não na essência. 171 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Ob. cit. p. 230.

96

Quando houver, concomitantemente, direito ao usufruto e à meação, não

há superposição de direitos, porque o usufruto incide sobre a herança, e

meação não é herança.172

No que diz respeito à meação do companheiro sobrevivente, ela estava

disciplinada no art. 3º, da Lei 8.971/94 e incidiria sobre os bens que foram

deixados pelo autor da herança, desde que os mesmos resultassem do esforço

comum dos companheiros.

A meação põe fim ao estado de indivisão em que se encontravam os bens

adquiridos, na constância da relação, com o esforço comum de ambas as partes.

Nesse aspecto, o companheiro se nivela ao cônjuge casado em regime de

comunhão de bens; no companheirismo, todavia,o legislador exigiu a efetiva

colaboração do companheiro.

Os direitos sucessórios deferidos aos companheiros no art. 2º, da Lei

8.971/94, exigiam o atendimento dos requisitos estabelecidos no art. 1º, da

mesma lei, que exige para a configuração da hipótese do companheirismo: o

decurso mínimo de 5 anos de convivência, salvo se houver prole comum, além da

inexistência de outra união e, ainda, que estivessem os companheiros vivendo

efetivamente junto por ocasião da abertura da sucessão.

Uma vez preenchidos os requisitos do art. 1º, os companheiros, através do

estabelecido no art. 2º e incisos, I, II, III, passaram a participar da sucessão do

outro mediante condições:

I – o(a) companheiro (a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir

nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se não

houver filhos deste os comuns;

II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não

constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do cujus, não

houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

172 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 4 ed. V.7. São Paulo: Atlas, 2004. p. 120.

97

III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a)

sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

O art. 3º, da Lei 8.971/94, por sua vez, tratava do direito de meação

conferido a(o) companheiro(a) sobrevivente, desde que os bens deixados pelo

autor da herança sejam resultantes também de sua colaboração. Deve-se ter em

mente que meação não se confunde com herança. A meação é resultante do

esforço comum dos companheiros na aquisição do patrimônio, no período da

convivência, ao passo que herança, não depende de colaboração, envolve todos

os bens do acervo hereditário, independente da época e do título de aquisição. O

direito à sucessão somente ocorre quando do falecimento do autor da herança.

Apesar das críticas feitas pela doutrina à redação e à técnica legislativa

adotadas na elaboração da referida lei não se pode negar que foi um importante

passo dado pelo legislador ordinário no sentido de fazer cumprir a norma

constitucional, contudo o maior avanço se deu com a promulgação da Lei

9.278/96, a qual complementou o tratamento legislativo dispensado aos partícipes

da relação, em matéria sucessória, já tratado na Lei de 1994: o direito sucessório

de propriedade e de usufruto.

A ementa da Lei n. 9.278/96 diz respeito à regulamentação do art. 226, §

3º da Constituição de 1988, entretanto, no dizer de Guilherme Calmon Nogueira

da Gama173 , não pode ser considerada como norma geral, vez que não tratou de

temas, relativos à união estável, já tratados por outros textos legislativos, a saber,

o direito ao uso do patronímico, o direito à adoção, à impenhorabilidade do bem

de família, etc., nada menciona a respeito dos direitos sucessórios de propriedade

e de usufruto entre companheiros cuidando de introduzir o direito real de

habitação. Afirma, ainda, que não há incompatibilidade formal ou material entre as

duas leis, no que concerne aos efeitos sucessórios por ela previstos.

173 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família. p. 435.

98

Paulo Roberto de Freitas,174 entretanto, defendeu o entendimento de que

a Lei 9.278/96 teria ab-rogado a Lei 8.971/94. Segundo Débora Gozzo,175esta

parece ter sido uma opinião isolada entre os doutrinadores.

A Lei 9.278/96 não mais exigiu, para a caracterização da união estável,

como previsto na Lei 8.971/94, o lapso temporal mínimo de cinco anos de

comprovada convivência, como também não se referiu ao estado civil de seus

partícipes. O legislador então considerava como união estável, merecedora da

proteção legal, reconhecida como entidade familiar, a convivência duradoura,

pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de

vida em comum. Também não exigiu, expressamente, para a configuração da

união estável, a coabitação, tanto que ao dispor sobre os deveres e direitos dos

conviventes (art. 2º) o legislador não estabeleceu o dever de morar sob o mesmo

teto. Muito embora a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal determine não

ser indispensável a vida em comum sob o mesmo teto para configuração da união

estável, Gustavo Tepedino tem a seguinte opinião:

Embora a exigência não tenha sido formulada pelo legislador de maneira

expressa, é fato que “a convivência duradoura, pública e contínua, de um

homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de

família”, pressupõe, em regra, a residência comum. Em tese, poderia

ocorrer uma duplicidade de casas sem que isso significasse

necessariamente a inexistência (ou a ruptura) da convivência.

Entretanto, a caracterização da união estável se tornaria muito difícil

nesta hipótese, devendo o juiz sopesar as provas com base em sua

ordinária experiência e de modo a evitar que simples relacionamento

afetivo possa ser considerado como uma entidade famliar.176

174 FREITAS, Paulo Roberto de. O novo regime jurídico da união estável. A ab-rogação da Lei 8.971/94 pela 9.278/96. RT 736. pp. 40-44. 175 GOZZO, Débora. Ob. cit. n.1. p. 88. 176 TEPEDINO, Gustavo. A Disciplina civil-constitucional das Relações Familiares. Artigo colhido no site da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. htm.55,4 kb. Acesso em 25/11/2005.

99

Nesse mesmo sentido, se manifesta José Maria Leoni Lopes de

Oliveira:”somos que a convivência more uxório deve existir para a caracterização

da união estável.”177

Uma outra modificação trazida pela referida lei (art. 5º) se refere à

presunção de que os bens móveis e imóveis adquiridos na constância da união,

por um ou por ambos os conviventes e a título oneroso, são frutos do trabalho e

da colaboração comum, passando, dessa forma, a pertencer a ambos, num

sistema de condomínio e em partes iguais, ressalvada a estipulação contrária em

contrato escrito, pelo visto, não mais havendo a necessidade de prova do esforço

comum.

Na verdade, essa presunção equipara-se aos efeitos do regime da

comunhão de bens, onde o patrimônio constituído pelos cônjuges na constância

do casamento é partilhado, no caso de separação do casal, cabendo a cada um

dos consortes a sua metade.

As formas de dissolução da união estável dispostas no art. 7º , como dito

anteriormente, podem ocorrer por “rescisão” ou por morte de um dos conviventes.

A expressão “rescisão” usada, demonstra o caráter contratual atribuído pelo

legislador à união. Assim, sendo feita por meio de acordo de seus partícipes, o

mesmo deverá dispor sobre os alimentos devidos a quem os necessitar. No caso

da dissolução por morte de um dos conviventes, era conferido ao sobrevivente o

direito real de habitação, porém, sob condições.

3. Do direito real de habitação

A Lei 8.971/94 tratou dos direitos sucessórios de propriedade e de

usufruto, todavia não cuidou do direito sucessório de habitação como fez o art.

1.611, § 2º, do Código Civil de 1916, em relação aos cônjuges. Dessa forma, não

era possível se reconhecer o direito de habitação para os companheiros, sem que

houvesse previsão legal, vez que o reconhecimento da união estável, como 177 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Ob. cit. p. 96.

100

entidade familiar, pela norma constitucional não a equiparou ao casamento, sendo

preciso a edição de lei infraconstitucional com o objetivo de introduzir os direitos e

deveres entre os companheiros, foi, então, com o advento da Lei 9.278/96,178 que

tal lacuna foi preenchida. Foi, assim, que a referida Lei, no parágrafo único do art.

7º, atribuiu ao convivente o direito real de habitação nos seguintes termos:

Art. 7º - Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material

prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela

necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único – Dissolvida a união estável por morte de um dos

conviventes. O sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto

viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel

destinado à residência da família.

O direito real de habitação atribuído aos companheiros, era, portanto,

sujeito a uma condição resolutiva.

Observa-se, antes de tudo, por tratar de matéria estranha, uma perfeita

desvinculação entre o parágrafo único e o seu caput, já que este trata de

alimentos, distanciando-se, sobremaneira, das regras de técnica legislativa.

José Maria Leoni Lopes de Oliveira diz que o direito real de habitação foi

mais uma conquista adquirida pelos companheiros, em termos de direito

sucessórios179, que veio somar aos que a Lei. n. 8.971/94 já lhes tinha conferido:

o direito de propriedade e de usufruto.

178 Segundo ensinamentos de Heloisa Helena Barboza a edição da Lei 9.278/96, causou grande polêmica e um dos pontos de debate foi justamente o fato de não ter tratado sobre os direitos sucessórios dos companheiros. Entretanto, atribuiu o direito real de habitação ao sobrevivente (art. 7º, § único), razão pela qual muitos intérpretes a consideraram como complementar da sua antecedente, exatamente para não subtrair qualquer direito sucessório do companheiro. BARBOZA, Heloisa Helena. Direitos sucessórios dos companheiros: reflexões sobre o artigo 1.790 do Código Civil. Dezembro de 2005. p. 6. No prelo. 179 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Alimentos e Sucessões no Casamento e na União Estável. 3.ed. rev. Rio de Janeiro. Lúmen Júris LTDA, 1977. p. 251.

101

Pelo art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916, a exigência para que o

cônjuge tivesse direito real de habitação era que o regime matrimonial de bens

fosse o da comunhão universal; já a Lei n. 9.278/96 limitava-se a afirmar que

sendo a união estável dissolvida pela morte de um dos conviventes, o

sobrevivente teria direito real de habitação.

Havia preocupação da doutrina de que esses direitos atribuídos aos

companheiros fossem incompatíveis entre si. Segundo ensinamentos de José

Maria Leoni Lopes de Oliveira não havia incompatibilidade formal entre os direitos

de propriedade e usufruto com o direito real de habitação, podendo tais institutos

conviverem harmonicamente da mesma forma como acontece em relação ao

cônjuge, como se verifica do teor do art. 1.611 e seus parágrafos, do Código Civil

de 1916. 180

Caio Mário da Silva Pereira, contrariamente afirma que:

Não escapou aos intérpretes das Leis 8.971/94 e 9.278/96, a

observação de que admitida a sobrevivência parcial da mais antiga

após a entrada em vigor da mais recente, a coexistência de todos

aqueles direitos sucessíveis acabava por situar o companheiro em

posição mais favorecida que a do próprio cônjuge, a quem (ao menos

literalmente) não se permitiria jamais cumular o usufruto vidual ( Código

Civil de 1916, art.1.611, § 1º) com direito real de habitação (art. 1.611, §

2º): para o primeiro, constituía requisito o fato de o regime de bens não

ser o da comunhão universal; para o segundo, exigia-se, ao contrário,

que o regime fosse precisamente aquele. Procurou-se, então, corrigir

semelhante resultado de (favorecimento ao companheiro) mediante

raciocínio segundo o qual, diante da precedência, na Constituição, do

casamento sobre a união estável, as vantagens asseguradas ao

companheiro deveriam ser estendidas ao cônjuge: assim,

independentemente do regime de bens, o cônjuge sobrevivente faria jus

ao direito real de habitação.181

180 OLIVEIRA, José Maria Leoni Lopes de. Ob. cit. p.252. 181 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito das Sucessões. p.152

102

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.831, trata do direito real de

habitação atribuído ao cônjuge supérstite, qualquer que seja o regime de bens

que tenha vigorado na constância do casamento, modificando, assim o que

estava previsto no § 2º do art. 1.611 do Código Civil revogado, que somente

concedia tal direito quando o regime fosse o da comunhão universal. Sem dúvida

alguma é mais uma inovação quanto à situação jurídica do cônjuge supérstite.

Esse direito recai sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que

seja o único bem desta natureza a inventariar. É preciso, pois, que além de ser o

único, nele se esteja residindo, caso contrário não haverá a incidência do

gravame. Além da modificação relativa ao regime de bens o legislador não fez

qualquer menção à duração do período de viuvez.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama assim se manifesta:

O Novo Código Civil no art. 1.831 curiosamente não se referiu ao direito

real de habitação em favor do companheiro por morte do outro, só o

fazendo em favor do cônjuge, o que considerou uma grave lacuna

legislativa a qual deve ser solucionada no sentido de se considerar em

vigor o disposto no parágrafo único, do art. 7º da Lei n. 9.278/96,

considerando que não houve revogação expressa da Lei de 1996,

inexistindo, porém, incompatibilidade entre o disposto no art. 1.831 do

CC, e o art. 7º único da Lei n. 9.278/96, adotando-se os critérios de

interpretação e harmonização das normas jurídicas no interior do

sistema, conclui-se pela vigência da regra do direito real de habitação

em favor do companheiro sobrevivente. Chama atenção para o disposto

no art. 226, caput da Constituição Federal, vez que a família fundada no

companheirismo merece a proteção estatal. “Caso houvesse

interpretação no sentido de se considerar revogado o disposto na Lei de

1996, haveria violação ao comando constitucional, já que ocorreria

postura no sentido de não proteger a família informal fundada na“união

estável”.182

O Código Civil de 2002 regulamentou toda a matéria referente à união

estável, deixando de lado, porém, alguns direitos concedidos anteriormente pelas

leis de 94 e 96, daí se entender que permanece em vigor o parágrafo único do art. 182 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. 129.

103

7º da Lei 9.278/96, o qual confere o direito real de habitação ao convivente

supérstite sobre o imóvel destinado à residência do casal:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO.

O parágrafo único do art. 7º da Lei nº. 9.278/96 assegura à companheira

sobrevivente da relação estável o direito real de habitação no imóvel em

que residia com o falecido desimportando que ela possua imóvel próprio.

Precedentes. Apelação Provida. (APELAÇÃO CÍVEL: 70013330881. Rel.

José Ataídes Siqueira Trindade. TJRS. Data do julgamento 22/12/2005).

Entretanto, Heloisa Helena Barboza observa que “a interpretação contrária

parece não se harmonizar com o direito fundamental à moradia e com os

princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade”.183

Nesse sentido o enunciado nº117184 proposto por Ana Luiza Maia Nevares

juntamente com os Professores Gustavo Tepedino e Guilherme Calmon Nogueira

da Gama, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de

Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de

setembro de 2002.

Enfim, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da

família, que a legislação anterior conferia ao companheiro sobrevivente, em

relação à união estável, não foi mencionado no atual Código Civil, significando,

assim, mais um retrocesso da legislação vigente.

4. Sucessão do Companheiro no Código Civil

Em relação ao direito sucessório dos companheiros, Silvio Venosa chega a

considerar o atual Código Civil como inadequado, além de tratar do assunto em

um único dispositivo, art. 1.790, em local absolutamente excêntrico, entre as

disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária.185

183 BARBOZA, Heloisa Helena. Art. cit. p. 6. 184 Enunciado nº 117 – Art. 1.831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88. NEVARES, Ana Luiza Maia. Ob. cit. p. 177. 185 VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. cit. p. 124.

104

O Código Civil de 2002, ao tratar do direito sucessório, colocou o

companheiro como sucessor na herança do outro, com conseqüências

importantes, principalmente por ser uma inovação no ordenamento jurídico

brasileiro. O artigo 1.790 é taxativo quando dispõe: a companheira ou

companheiro participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos

onerosamente na vigência da união estável, estabelecendo em seus incisos as

condições em que essa sucessão terá efeito.

Favorável ao companheiro, sem dúvida, o concurso na herança, com

descendentes e ascendentes do falecido, da mesma forma como se reconhece ao

cônjuge sobrevivente. Entretanto, é incompreensível que ele ainda tenha que

concorrer com os demais parentes sucessíveis, especificamente, os colaterais até

o 4º grau. Trata-se pelo visto, no critério do sistema protetivo da união estável, de

evidente retrocesso, visto que lhe era conferida a totalidade da herança na falta

de descendentes ou ascendentes. Nos termos da lei vigente, o companheiro

sobrevivente apenas terá direito a um terço dos bens deixados pelo outro, ao

passo que parentes distantes do falecido, ficarão com a maior parte do

patrimônio.

Discute-se se o Código Civil ao estabelecer as diretrizes da sucessão dos

companheiros não acabou por praticar uma enorme injustiça para com os que,

historicamente e sociologicamente, são os verdadeiros beneficiários da sucessão

legítima e necessitam da guarida e proteção estatal, que são os filhos e pais.

Alega-se, inclusive, que foram ignorados os princípios elementares do direito

natural, que é anterior a qualquer direito positivo. Essa mesma crítica é dirigida ao

cônjuge quando da sua introdução na relação de herdeiro necessário, por se

achar que erigir o cônjuge ou o companheiro à condição de herdeiro necessário é

uma grande temeridade, com enorme possibilidade de lesão àqueles que são os

verdadeiros necessitados e legítimos sucessores (por ordem natural), ou seja, os

descendentes e ascendentes.

Em que pese toda a preocupação doutrinária, é de se entender que

embora o artigo 1.790 atribua direitos sucessórios ao companheiro, ele não foi

105

incluído como herdeiro necessário, como o cônjuge, desta forma, pode ser

excluído da herança sem necessidade de menção ou prova acerca de

indignidade.186 O cônjuge, por ser herdeiro necessário, não pode mais ser

excluído da sucessão por testamento, como permite o Código Civil . Os herdeiros

necessários só poderão ser afastados da sucessão

por indignidade ou deserdação. É bom se ter em mente que a meação, que não é

herança, não pode ser afastada.

Ana Luiza Maia Nevares187 diz que da mesma forma que a Lei 8.971/94, o

novo Código Civil manteve a posição do companheiro supérstite como herdeiro

necessário, quando determinou sua participação na sucessão do outro. Mais

adiante afirma que sendo o companheiro herdeiro necessário, não poderá ser

afastado da sucessão pelo testador e que, na forma do que dispõe os artigos

1.846 e 1.845 do novo Código Civil, e, na ausência de descendentes e

ascendentes, estará garantida a metade da herança, ao cônjuge ou ao

companheiro. Pelo fato do art. 1.845, do novo Código Civil não se referir

textualmente ao companheiro e o art. 1.850 do mesmo diploma legal só

determinar a exclusão dos colaterais da sucessão, a autora diz ser o companheiro

supérstite, herdeiro forçado no sistema do novo Código Civil, chegando a esta

conclusão:

“a partir da interpretação do art. 1850, juntamente com a determinação

imperativa do caput do art. 1.790, à luz da especial proteção dispensada

à união estável pela Carta Magna (CF/88, art. 226, caput c/c 226, §

3º)”.188

Heloisa Helena Barboza observa que pelo silêncio do art. 1.845 “não

parece razoável excluir o companheiro do rol dos herdeiros necessários”. Afirma

ainda que mesmo que o direito sucessório do companheiro não tivesse a tutela

constitucional, o art. 1.790, de forma imperativa, deixa bem claro que “não se trata

186 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Ob. cit. 119. 187 NEVARES, Ana Luiza Maia. A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2004. pp. 223-225. 188 Idem, ibidem p. 223.

106

de um herdeiro legítimo, mas de um herdeiro legítimo que não pode ser afastado

da sucessão, nos termos ali previstos”.189

Diante do estabelecido no art. 1.790, o legislador é claro quando se refere

à sucessão dos companheiros, a qual se limita, única e exclusivamente, aos bens

que foram adquiridos onerosamente e durante a convivência.

Quando se trata de transmissão sucessória, não houve, por parte do

legislador a preocupação em dar um tratamento igualitário para a sucessão entre

cônjuges e companheiros (arts. 1.790 e 1.829, inciso I), fato este que provocou a

insatisfação da doutrina, por entender que se desrespeitou o princípio da

igualdade contido na Constituição Federal de 1988.

Assim se manifestou Zeno Veloso:

Se o princípio da igualdade obriga a que se coloque no mesmo plano

tanto a família constituída pelo casamento como a que decorre da

convivência pública contínua e duradoura; se o cônjuge é herdeiro, e

herdeiro necessário, concorrendo, inclusive, com descendentes e

ascendentes do falecido, como se pode admitir tamanha discriminação

no tratamento conferido aos companheiros?190

No mesmo sentido, Maria Berenice Dias:

Em sede de direitos sucessórios na união estável é onde o Código Civil

mais escancaradamente acabou violando o cânone maior da

Constituição Federal que impôs o reinado da igualdade e guindou a

união estável à mesma situação que o casamento. O tratamento

desigual dado ao cônjuge e ao parceiro não se justifica, em vista do

reconhecimento da união estável como entidade familiar.

O legislador afrontou a norma constitucional. O tratamento diferenciado

inegavelmente desobedeceu o princípio da igualdade que tem assento

189 BARBOZA, Heloisa Helena. Direitos sucessórios dos companheiros: reflexões sobre o artigo 1.790 do Código Civil. p. 8. No prelo. 190 VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. p. 235.

107

constitucional, sede que consagrou a união estável como entidade

familiar e a igualou ao matrimônio, sem distinções de ordem patrimonial.

Produziu a lei civil verdadeiro retrocesso aos direitos dos conviventes,

direitos que já estavam consolidados na legislação infraconstitucional.

Descabido não deferir aos companheiros direitos iguais aos assegurados

aos cônjuges. Ao depois, a restrição em sede de direito sucessório aos

bens adquiridos na vigência da união estável não corresponde ao regime

de bens da comunhão parcial, que é assegurado à união estável.

A promoção do cônjuge à condição de herdeiro necessário é uma

novidade. Porém, indevido excluir da parceria estável a sucessão

necessária, condição a que o cônjuge foi guindado pelo art. 1845. De

todo descabida, por conseqüência, a disparidade de tratamento que

resultou em severas seqüelas, dando margens a gritantes injustiças.191

5. Considerações sobre o art. 1.790

Antes da Constituição de 1988, havia a recriminação social quanto às

uniões de fato entre homens e mulheres impedidos de casar. Nessa época a

jurisprudência foi, aos poucos, com base na Lei 6.858/80, garantindo à convivente

supérstite direito sucessório não somente sobre bens de origem previdenciária,

como também sobre os bens de pequeno valor.192

Com a promulgação da Constituição e o conseqüente reconhecimento

dessas uniões de fato como entidade familiar, os seus partícipes passaram a não

ser tão recriminados , razão pela qual se poderia “propugnar uma ampla e total

igualdade de direitos e deveres exigidos dos membros de um casal unido pelo

matrimônio.193”

No campo sucessório, essa igualdade não aconteceu totalmente, porém

muito se aproximou, em alguns pontos e avançou em outros. Foi a partir dos anos

90 que o convivente, não só obteve o direito à meação dos bens adquiridos

durante a convivência, para os quais tenha dado sua contribuição, seja de forma 191 DIAS, Maria Berenice. Artigo: A União estável. p. 3. 192 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões, vol. 20 (arts.1.784 a 1.856) / coord. Antonio Junqueira de Azevedo. – São Paulo: Saraiva, 2003. p. 54 193 Idem, ibidem. p. 54.

108

direta ou indireta, ainda que em nome exclusivo do falecido, como também

adquiriu direito a um tipo de usufruto que muito se aproximava do vidual.

No que diz respeito às previsões do atual Código Civil, relativas aos

problemas de ordem sucessória, onde o cônjuge supérstite teve sua posição

modificada e, para melhor, já que galgou a condição de herdeiro necessário,

esperava-se que o convivente também tivesse sua condição privilegiada, já que

na legislação anterior estava no mesmo patamar do cônjuge, mas não foi o que

aconteceu.

O direito sucessório referente aos companheiros se encontra única e

exclusivamente determinado e, sob certas condições, no art. 1.790 e seus incisos,

do atual Código Civil, em local diverso, entre as disposições gerais, fora da ordem

de vocação hereditária:

Art. 1.790 – À companheira ou o companheiro participará da sucessão

dou outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da

união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente

à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á

a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um

terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da

herança.

Como se vê o caput do artigo mencionado não deixa margens à dúvidas

quando dispõe que a sucessão dos companheiros só é admitida em relação aos

bens adquiridos onerosamente durante o período da convivência. O que vale

dizer que se durante a convivência os companheiros não tiverem adquirido bem

algum, a título oneroso, o companheiro sobrevivente não terá a menor chance de

109

herdar alguma coisa, mesmo que o de cujus tenha deixado um patrimônio

considerável, porém formado antes de estabelecer a união estável.

Deve-se ressaltar que esta restrição não constava na Lei n. 8.971/94, onde

o companheiro poderia herdar a integralidade de todo acervo, caso não existisse

descendente ou ascendente.

Luiz Felipe Brasil Santos, a respeito desta restrição, afirma:

Há grave equívoco aqui, que pode conduzir a situações de injustiça

extrema. Basta imaginar a situação de um casal, que conviva há mais de

20 anos, residindo em imóvel de propriedade do varão, adquirido antes

do início da relação, e não existindo descendentes nem ascendentes.

Vindo a falecer o proprietário do bem, a companheira não terá direito à

meação e nada herdará. Assim, não lhe sendo mais reconhecido o

direito real de habitação nem o usufruto, restar-lhe-á o caminho do asilo,

enquanto o imóvel ficará como herança jacente, tocando ao ente

público.194

É oportuno lembrar que o direito à meação não se confunde com o direito

sucessório. O direito à meação decorre da situação de comunhão que

permaneceu o bem durante o período da união entre os companheiros, enquanto

o direito à sucessão somente surge com o falecimento do autor da herança.

Deve-se também lembrar que os bens recebidos por herança, por doação feita a

um dos companheiros, durante o período da união estável, ficarão fora da

sucessão.

No dizer de Silvio de Salvo Venosa:

A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve

rebuços em classificar o(a) companheiro(a) como herdeiros, procurando

194SANTOS,Luiz Felipe Brasil. “A sucessão dos companheiros no novo código civil” http://www.ibdfam.com.Br/inf_histórico.esp?codTema=59&Tipo=1. Acesso em 28/12/2005.

110

evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na

disciplina da ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma

eufemisticamente que o consorte da união estável “participará” da

sucessão, como se pudesse haver um meio-termo entre herdeiros e

mero “participante” da herança.195

O inciso I, do art. 1.790, dispõe que se o companheiro sobrevivente

concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que, por lei,

for atribuída ao filho, ressalte-se, entretanto, que essa quota será referente aos

bens que forem adquiridos onerosamente no período da união estável.

Este inciso se refere à “quota” a que faz jus o (a) companheiro (a),

equivalente à que por lei for atribuída ao filho, entretanto a previsão legal não

encontra paradigma nem na Lei 8.971/94, nem tampouco na Lei 9.278/96.

No dizer de Eduardo de Oliveira Leite criou-se um impasse:

Se o codificador refere-se à “concorrência com filhos comuns” é porque,

certamente estabeleceu como parâmetro a nova tendência da ordem de

vocação hereditária, quanto a concorrência do cônjuge sobrevivente com

os descendentes (art. 1.829, I). em assim sendo, a “quota” prevista no

art. 1.790, em concorrência com os filhos comuns, é igual ao percentual

que caberá a cada filho (ou filhos) no momento da partilha. Nenhum

problema. Mas, como o codificador inclui o (a) companheiro (a) no novo direito

sucessório, sem a clareza que seria de se esperar em matéria tão

relevante e não se referindo ao companheiro(a) na ordem de vocação

hereditária, fica a estranha sensação que aquela “quota” citada (no art.

1.790, I), equivale a mesma proporção a que se refere o art. 1.829, I,

quando trata da ordem da vocação hereditária.É que o codificador ciente

que não poderia equiparar o(a) companheiro(a) ao cônjuge supérstite na

ordem de vocação hereditária (por inconstitucionalidade) preferiu

195 VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. cit. pp.124-125.

111

silenciar sobre o tema sem, porém, deixar de induzir o intérprete na

equiparação, via disposição geral”.196

O inciso II, por sua vez, trata da possibilidade do companheiro sobrevivente

concorrer com descendentes só do autor da herança, nesse caso, terá direito à

metade do que couber a cada um daqueles descendentes, entenda-se metade do

que couber ao descendente nos bens adquiridos onerosamente no período de

convivência da união estável.

Este inciso, por exemplo, gera tanta perplexidade quanto o inciso anterior.

Aqui, o legislador estabelece uma quota fixa a ser entregue ao companheiro

sobrevivente em concorrência com filhos apenas do falecido, ou seja metade do

que couber a cada um deles.

José Luiz Gavião de Almeida tece o seguinte comentário:

É quota fixa, que pode chegar a ser superior ao que o cônjuge, nas

mesmas condições receberia. Não se pode porém, equiparar o

companheiro ao cônjuge, sob pena de incidência em flagrante

inconstitucionalidade. A Constituição Federal, ao estabelecer a

possibilidade de ser a união convertida em casamento, deu nítida

demonstração da diversidade das entidades. Também não se pode

entender que tenha o novo Código atribuído mais direitos aos

companheiros que aos cônjuges.

Bem por isso não se há de entender que a quota a que tem direito o

companheiro é a que tem direito o cônjuge, se na mesma situação.

Melhor é concluir que o companheiro receberá, como se disse, metade

da quota que receber o descendente. Não metade do que cada um dos

descendentes vier a levantar, mas metade do valor destinado a um dos

herdeiros”.197

196 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil,volume XXI: do direito das sucessões: (Arts. 1.784 a 2.027). Rio de janeiro: Forense, 2003. pp. 60-61. 197 ALMEIDA, José Luiz Gavião de. CódigoCivil comentado: direito das sucessões, sucessão em geral, sucessão legítima: arts. 1.784 a 1.856, volume XVIII. Coord. Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. pp.70-71.

112

Em relação, ainda, ao inciso II, uma outra situação conflitante, que não foi

prevista pelo legislador, foi a hipótese do companheiro sobrevivente concorrer

com filhos comuns e exclusivos do falecido ao mesmo tempo.Trata-se de uma

situação híbrida, não havendo, na Lei Civil, uma disposição que a regulamente.198

Segundo Maria Helena Diniz, a doutrina apresenta as seguintes soluções:

1ª) considerar tais filhos como comuns, dando ao companheiro

supérstite quota equivalente à deles;

2ª) identificar os referidos descendentes como exclusivos do de

cujus , conferindo ao companheiro supérstite a metade do que

caberia a cada um deles;

3ª) conferir ao companheiro sobrevivente uma quota (em

concorrência com filhos comuns) e meia (em concorrência com

descendentes exclusivos do autor da herança);

4ª) subdividir, proporcionalmente, a herança conforme o número

de descendentes de cada grupo em concorrência com o

convivente.

De acordo com os ensinamentos dessa autora a segunda solução é a mais

justa e adequada aos ditames legais e constitucionais, uma vez que aplicando os

arts. 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, e o princípio constitucional da

igualdade dos filhos (C.F,art.227, § 6º), deve-se valer do vínculo da filiação do

autor da herança e não privilegiar, em detrimento dos filhos exclusivos, o

existente com o companheiro sobrevivente, que terá, nessa hipótese, direito à

metade do que couber a cada um dos descendentes do de cujus.199

198 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Ob. cit. p. 59. 199 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004. pp.133-135.

113

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka tem o sequinte pensamento a

respeito dessa segunda solução ou proposta como denomina:

Nessa hipótese por segundo considerada, privilegiar-se-iam os filhos em

detrimento do convivente sobrevivo, que seria tido, sob todos os

aspectos, como não ascendente de nenhum dos herdeiros, recebendo,

então, apenas metade do que aqueles herdariam. 200

No caso do inciso III, se o companheiro sobrevivente concorrer com outros

parentes sucessíveis (ascendentes, colaterais até o quarto grau: irmãos,

sobrinhos, primos, tios-avós e sobrinhos do de cujus) terá direito a um terço da

herança, não da totalidade, mas sim, dos bens adquiridos onerosamente durante

a união estável.

Na opinião de Eduardo de Oliveira Leite, o art. 1.790 além de apresentar

uma novidade (o direito do (a) companheiro(a) a 1/3 da herança), é plenamente

justificável, quando prioriza a pretensão do(a) companheiro (a) que sob o ponto

de vista do codificador, deu a sua contribuição para a aquisição do patrimônio.

Entretanto: Causa, porém, quando se refere ao direito de “um terço da herança” e

inquestionável retrocesso, pois, se na união estável, a regra das relações

patrimoniais é o regime da comunhão parcial dos bens (art. 1.725), o

direito do(a) companheiro(a) no direito sucessório diz respeito à metade

do patrimônio e não, certamente, a um terço.201

Finalmente, se não houver parentes sucessíveis é que o companheiro

sobrevivente terá direito à totalidade da herança, conforme o disposto no inciso IV

do referido artigo. Também aqui deve ser entendida a totalidade dos bens

adquiridos onerosamente durante a união estável.

200 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Ob. cit. p. 61. 201 LEITE, Eduardo de Oliveira. Ob. cit. p. 63

114

O inciso III, do art. 2º, da Lei n. 8.971/94 já dispunha: “Na falta de

descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à

totalidade da herança”. Esta regra foi repetida no inciso IV, do art. 1.790, que de

forma mais precisa e objetiva se refere à inexistência de herdeiros sucessíveis:

“não havendo parentes sucessíveis” e repete a fórmula empregada pela Lei n.

8.971/94 à totalidade da herança “terá direito à totalidade da herança”.

Ainda sobre o caput do art. 1.790, importante registrar as observações

seguintes:

Aldemiro Rezende Dantas Junior:

Com efeito, é sabido que o intérprete, ao buscar o sentido do texto legal,

deve partir da idéia de que o caput está dirigindo e condicionando os

incisos e parágrafos do artigo em exame. Ora, no caso em tela, o caput

do art. 1.790, está se referindo à sucessão que abrange, tão-somente, o

patrimônio adquirido a título oneroso, na vigência da união estável, e por

isso a boa hermenêutica estaria a indicar que o inciso IV desse mesmo

artigo também se refere, apenas, a esse mesmo patrimônio indicado no

caput.

Em outras e mais claras palavras, a expressão “totalidade da herança”,

usada no inciso IV do art. 1.790, se interpretada em conjunto com o

caput do artigo, estaria a indicar apenas os bens adquiridos a título

oneroso ao longo da existência da união estável, ou seja, estaria a

indicar que o companheiro sobrevivente, mesmo não havendo outros

“parentes sucessíveis”, não herdaria os bens adquiridos pelo falecido

antes do início da união estável, que teriam como único destino possível

a Fazenda Pública, nos termos do art. 1.822 do mesmo Código.202

Silvio Rodrigues reconhece o imperativo da regra contida no caput do art.

1.790:

202 JUNIOR, Aldemiro Rezende Dantas. Concorrência Sucessória do Companheiro Sobrevivo. RBDF- nº 29 Maio-Junho, 2005. p.131.

115

Não se pode chegar a outra conclusão, diante do imperativo da regra

contida no caput do art. 1790. A não ser que o intérprete, a título de dar

interpretação construtiva, ingresse no campo da criação normativa,

tomando o espaço e o lugar do legislador, o que lhe é vedado; mas,

reconheço, às vezes tem sido praticado, para corrigir falhas gritantes e

erronias contidas em alguns preceitos.203

Já Maria Berenice Dias diz o seguinte:

Apesar do esforço em não afrontar a norma constitucional, que impõe o

reinado da igualdade, em sede de direitos sucessórios acabou

seriamente violado esse cânone maior. O art. 1790 produz verdadeiro

retrocesso ao direito dos conviventes, direitos já consolidados na

legislação infraconstitucional.

Cabe referir que correta a inserção que restringe os direitos sucessórios

aos bens adquiridos na vigência da união estável – o que corresponde,

no casamento, ao regime de bens da comunhão parcial - com o que não

se deferem aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges.204

O caput é o núcleo do artigo, a unidade básica da disposição, contendo o

princípio a respeito do assunto tratado. Os parágrafos, incisos e alíneas são

desdobramentos do caput, assim sendo, os quatro incisos estão vinculados a ele,

o qual determina que o direito sucessório do companheiro se limita aos bens

adquiridos onerosamente durante a convivência da união estável.

Silvio Rodrigues é enfático quando diz:

Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente concorra

– e apenas com relação à parte da herança que for representada por

bens adquiridos onerosamente durante a união estável – com os

colaterais do de cujus. Nada justifica colocar-se o companheiro

sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da

pessoa com quem viveu pública, contínua e duradouramente,

203 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil.Direito das Sucessões. v. 7. 25. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 118. 204 DIAS, Maria Berenice. O Novo Código Civil - Conferência proferida em 30/10/2000, em Recife, em evento promovido pelo Instituto Brasileiro de direito de Família ( IBDFAM) de Pernambuco. p.5.

116

constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço e

que é tão digno quanto a família fundada no casamento. O correto, como

fazia a Lei n. 8.971/94, art. 2º, III, teria sido colocar o companheiro

sobrevivente à frente dos colaterais.205

Ainda em relação à concorrência do companheiro com os colaterais do de

cujus, Zeno Veloso206 considera um despropósito a possibilidade do companheiro

concorrer com parentes colaterais do de cujus apenas na fração de 1/3 sobre os

bens adquiridos a título oneroso durante a união, já que em relação aos outros

bens os colaterais herdarão sozinhos, sem a presença do companheiro

sobrevivente.

Não se compreende, portanto, que o companheiro sobrevivente concorra

com parentes sucessíveis do de cujus até o 4º grau, o que caracteriza, sem

dúvida, um verdadeiro retrocesso no critério do sistema protetivo da união estável.

Por todo o exposto, vê-se que o atual Código Civil, artigo 1.790, apesar de

tratar, mesmo que de forma restritiva, matéria de suma importância, sequer

ventilada na legislação anterior, não foi suficiente para impedir a insatisfação de

juristas tais como:

Silvio Rodrigues:

(...) Em suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos

companheiros com enorme redução, com dureza imensa, de forma tão

encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo divórcio com

as aspirações sociais, com as expectativas da comunidade jurídica e

com o desenvolvimento de nosso direito sobre a questão.207

Heloisa Helena Barboza:

A redação do artigo do Código Civil que disciplina a sucessão dos

companheiros é, contudo, bastante imprecisa, exigindo esforço do

205 RODIRGUES, Silvio. Direito civil. direito das Sucessões. v.7. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 119. 206 VELOSO, Zeno. op. cit. pp. 236-237. 207 RODRIGUES, Silvio. Ob. cit. p. 119.

117

intérprete para atender a orientação constitucional e impedir sua

injustificada exclusão da sucessão. Diversos trabalhos vêm sendo

elaborados procurando dar adequada interpretação ao artigo 1.790, do

Código Civil. O consenso, se possível, não ainda obtido.208

208 BARBOZA, Heloisa Helena. Art. cit. pp. 9-12.

118

CONCLUSÃO

O presente trabalho destinou-se à apresentação da União Estável, com

ênfase aos efeitos jurídicos de natureza patrimonial, mais especificamente o

direito sucessório.

Sem pretensão alguma de diminuir as divergências que, possivelmente,

ainda existam a respeito, procurou-se traçar, de maneira simples, uma linha

histórica sobre a família, sua criação, sua evolução até os dias atuais,

concretizando, assim, o aspecto dinâmico do Direito, acompanhando o senso

evolutivo da civilização, conduzindo as relações interindividuais dentro do convívio

social, delimitando os seus contornos, onde direitos e deveres se impõem,

devendo, como tais, serem cumpridos e respeitados.

O estudo empreendido permitiu que se chegasse aos efeitos jurídicos do

concubinato puro – hoje denominado de união estável, galgada à condição de

entidade familiar, art. 226, § 3º da Constituição Federal /1988 – na órbita

patrimonial, inseridos no âmbito do direito privado, dentro do direito civil, mais

precisamente, direito de família.

Dentre os efeitos patrimoniais resultantes da união estável, deu-se maior

destaque ao direito sucessório entre os companheiros, por ser a grande novidade

do ordenamento jurídico brasileiro, muito embora tenha sofrido profundas

alterações, na forma em que se encontra disposto no art. 1.790, do Código Civil

de 2002. A lei civil produziu um verdadeiro retrocesso nos direitos dos

companheiros, os quais já estavam consolidados por leis anteriores.

Há de se ter em mente que, se cumprida a literalidade da lei, o(a)

companheiro(a) supérstite participa da sucessão do outro, tão-somente em

relação aos bens que foram adquiridos onerosamente durante a convivência.

O fato dos companheiros serem herdeiros legítimos facultativos, torna mais

fácil o seu afastamento da herança, por testamento, o mesmo não acontecendo

119

com os cônjuges, que foram elevados à condição de herdeiros necessários,

conforme disposto no art. 1.845, do atual Código Civil. Notam-se, portanto,

diferenças consideráveis no tratamento dispensado aos cônjuges e aos

companheiros em matéria sucessória.

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka209 afirma que o legislador civil

atual conferiu um tratamento preferencial ao companheiro sobrevivo, quando se

trata de concorrência com filhos comuns a ele e ao morto. Nesse sentido também

se manifesta Ana Luiza Maia Nevares.210

Ainda assim, diferenças existem, direitos foram limitados, donde se conclui

que houve desrespeito ao princípio constitucional da igualdade. Nesse diapasão

Maria Berenice Dias afirma:

Devem as diferenciações ser afastadas do sistema jurídico. Mas, até que

seja corrigido tal equívoco, pela reformulação da lei, cabe ao juiz

simplesmente deixar de aplicar as normas discriminatórias,

reconhecendo a inconstitucionalidade das mesmas. Esta é a única forma

de evitar que o equívoco legal traga prejuízos enormes às uniões que

merecem a proteção do Estado.211

209 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Ob. cit. pp.56-58. 210 NEVARES, Ana Luiza Maia. Ob. cit. n. 304. p 182. 211 DIAS, Maria Berenice. A União Estável. p. 4

120

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