o Discipulado No Evangelho de Marcos

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CONHECENDO O EVANGELHO DE MARCOS Os evangelhos são livros conhecidos pela maioria dos católicos, porque escutamos durante a celebração da Eucaristia. Por isso mesmo são familiares muitos dos seus ensinamentos: parábolas, milagres, curas, conflitos e episódios da vida de Jesus. No entanto, alguns não saberiam explicar como e por que foram escritos. Nesse sentido, a Exortação Apostólica “Verbum Domini” conclui que é “importante que o Povo de Deus seja instruído e formado claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras” (DV 18). Destacamos a importância da escuta atenta da homilia que é a atualização dos textos bíblicos e bem como participar dos grupos de reflexão bíblica e dos diversos momentos de formação oferecida pela Igreja. Dentro do ritmo litúrgico, estamos no ano “B”, quando as leituras são do Evangelho de Marcos, cuja reflexão sobre a prática e a pregação de Jesus pode ajudar na mudança de rumo de nossas vidas. Há muito tempo chamamos de “evangelhos” os livros da Bíblia que narram à vida de Jesus, mas entre os primeiros cristãos essa palavra fazia referência a um escrito ou ao anúncio da Boa Nova. Também no mundo religioso judaico tinha o mesmo sentido, conforme o anúncio feito pelo profeta Isaías, que havia proclamado como Boa Nova a chegada de Deus para reinar sobre seu povo (cf. Is 52,7). Também para Jesus, a Boa Nova era a chegada do reinado de Deus, conforme o anúncio principal de sua pregação: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Por esse motivo, os primeiros cristãos compreenderam que a Páscoa de Jesus foi à chegada e o início desse reinado, e a Boa Nova que eles anunciavam foi a sua morte e a sua ressurreição (cf. 1Cor 15,3-5). Marcos escreveu o seu Evangelho para ajudar as comunidades a encontrar uma resposta para os seus problemas e preocupações. Não se trata de uma crônica dos acontecimentos que relata, pois foi escrito quase quarenta anos depois da morte de Jesus. O evangelho é de caráter narrativo e se refere à pregação e às obras realizadas por Jesus de Nazaré. Seu vocabulário é simples, mas o autor com bastante liberdade vai conferindo realismo e vivacidade aos

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CONHECENDO O EVANGELHO DE MARCOS

 

Os evangelhos são livros conhecidos pela maioria dos católicos, porque escutamos durante a celebração da Eucaristia. Por isso mesmo são familiares muitos dos seus ensinamentos: parábolas, milagres, curas, conflitos e episódios da vida de Jesus. No entanto, alguns não saberiam explicar como e por que foram escritos. Nesse sentido, a Exortação Apostólica “Verbum Domini” conclui que é “importante que o Povo de Deus seja instruído e formado claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras” (DV 18). Destacamos a importância da escuta atenta da homilia que é a atualização dos textos bíblicos e bem como participar dos grupos de reflexão bíblica e dos diversos momentos de formação oferecida pela Igreja. Dentro do ritmo litúrgico, estamos no ano “B”, quando as leituras são do Evangelho de Marcos, cuja reflexão sobre a prática e a pregação de Jesus pode ajudar na mudança de rumo de nossas vidas.Há muito tempo chamamos de “evangelhos” os livros da Bíblia que narram à vida de Jesus, mas entre os primeiros cristãos essa palavra fazia referência a um escrito ou ao anúncio da Boa Nova. Também no mundo religioso judaico tinha o mesmo sentido, conforme o anúncio feito pelo profeta Isaías, que havia proclamado como Boa Nova a chegada de Deus para reinar sobre seu povo (cf. Is 52,7). Também para Jesus, a Boa Nova era a chegada do reinado de Deus, conforme o anúncio principal de sua pregação: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo” (Mc 1,15). Por esse motivo, os primeiros cristãos compreenderam que a Páscoa de Jesus foi à chegada e o início desse reinado, e a Boa Nova que eles anunciavam foi a sua morte e a sua ressurreição (cf. 1Cor 15,3-5).Marcos escreveu o seu Evangelho para ajudar as comunidades a encontrar uma resposta para os seus problemas e preocupações. Não se trata de uma crônica dos acontecimentos que relata, pois foi escrito quase quarenta anos depois da morte de Jesus. O evangelho é de caráter narrativo e se refere à pregação e às obras realizadas por Jesus de Nazaré. Seu vocabulário é simples, mas o autor com bastante liberdade vai conferindo realismo e vivacidade aos relatos. Mas não se interessa apenas pela vida e obra de Jesus, mas, sobretudo, pela própria identidade, ou seja, quer mostrar à comunidade quem é Jesus. Isso parece claro desde o começo através do título da obra: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1), e vai desenvolvendo essa temática ao longo do Evangelho. O Jesus de Marcos não cai na tentação dos fariseus de querer ser um messias triunfalista, que provoca admiração por meio de “sinais do céu” (Mc 8,11), mas não liberta. O Evangelho nos mostra Jesus como uma pessoa concreta, corporalmente muito próximo das pessoas comuns do seu tempo, porém com algo muito especial: um agir tão profundamente voltado para a restauração da vida, e com uma autoridade tamanha que só podia ter sua origem do próprio Deus.

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O DISCIPULADO NO EVANGELHO DE MARCOS

No número anterior dissemos que o caráter narrativo de Marcos se refere à pregação e às obras realizadas por Jesus de Nazaré, voltado para o avivamento da fé de seus discípulos, com o objetivo de enfrentarem a crise do seu tempo e serem sinais de novas alternativas. O evangelista está preocupado em fortalecer o discipulado no compromisso com a obra de Deus, na prática da justiça, na compaixão pelos necessitados e na libertação para uma vida com dignidade. Apesar de muitos problemas, os discípulos não se desviaram do caminho, mesmo sendo vítimas do “fermento dos fariseus e herodianos”. Mas, em meio a tantas preocupações, destacava-se um acentuado desafio: como ser discípulo de Jesus?

É interessante observar que ainda hoje, em toda parte, essa preocupação ainda está presente. É necessário que as comunidades se unam em torno da Palavra de Deus, que nos leva a abrir o Evangelho de Marcos, tema de estudo deste ano, para saber como seguir Jesus. Quando o evangelista relata os seus gestos e palavras, ele quer ajudar as comunidades a encontrar o caminho certo do seu seguimento. Essas comunidades para as quais Marcos escreve já conheciam as histórias da vida de Jesus. Os seus seguidores meditavam sobre sua prática e ensinamentos há mais de trinta anos, quando das reuniões semanais realizadas nas casas. Com base nas tradições existentes, Marcos encontra um jeito novo de contar os fatos e transmitir os ensinamentos. Mostrar o verdadeiro rosto de Jesus, para que as comunidades descubram como ser de fato discípulo, sempre aberto à maravilhosa revelação de sua identidade, do sentido do caminho e da missão.

O primeiro Evangelho de Jesus, segundo Marcos, mostra-nos o fascínio da missão, mas também os desafios do entendimento do lugar de cada um. A primeira coisa que Jesus faz é chamar discípulos (Mc 1,16-20) e a última coisa que faz é chamar discípulos: “Mas ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na Galileia. E disse-lhes: Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,7.15). Depois do chamado dos primeiros discípulos, aparece em destaque “um ensinamento novo e com autoridade: ele dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe obedecem!”. Marcos indica o caráter alienante da religião oficial da sinagoga. Fica em destaque na narrativa o ensinamento novo que vem subjuga r os espíritos impuros. Jesus projeta luz que dissipa toda forma de alienação provocada pela ideologia do poder. O ensinamento novo de Jesus é libertador e gera esperança e alegria em todos.

A repetição do chamado ao seguimento feito pelo Ressuscitado é significativa, pois é o convite para que os discípulos se tornem testemunhas, superando os medos e manifestando com clareza o sentido da acolhida da Palavra e a sua experiência de comunidade. Estas são palavras de Jesus: “Tende confiança, Sou eu. Não tenhais medo!” (Mc 6,50). Pela fé que nos une a Jesus, todas as coisas se fazem novas pela libertação e promoção da vida.

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AS MULHERES NO EVANGELHO DE LUCAS

         Os escritos do Novo Testamento não são relatos puramente históricos, objetivos, mas surgem com uma determinada finalidade ou propósito. Lucas afirma que fez uma “narrativa dos acontecimentos” para que Teófilo possa verificar a solidez do ensinamento recebido (Lc 1,1-4). Os evangelhos foram escritos para que os cristãos creiam em Jesus Cristo Senhor e Salvador do mundo. A linha básica da narrativa evangélica é fazer catequese para as diversas comunidades, em realidades diferentes, com problemas próprios. No Evangelho segundo Lucas percebe-se que as mulheres têm participação mais acentuada, embora a cultura do mundo greco-romano valorizasse na mulher a sua submissão. Uma leitura atenta deste evangelho faz perceber que os textos sobre as mulheres estão marcados por certa “tensão”. Apresenta algumas características de grandeza humana, mas também fala de suas fraquezas: pecadoras, viúvas, estéreis e outras.  Ao que parece, Lucas quer reconstruir o papel da mulher na comunidade cristã, ao nível do discipulado!

Na Bíblia, o livro do Eclesiástico revela com detalhes a marginalização da mulher no mundo grego. Esse livro foi escrito na língua grega por homens de religião judaica, mas de cultura helênica. São várias expressões duras como estas: “Não te deixes prender pela beleza da mulher, não te apaixones por mulher” (Eclo 25,21), “foi pela mulher que começou o pecado, por sua culpa todos morremos” (Eclo 25,24). Jesus rompeu com este modo de pensar a respeito das mulheres. Restabeleceu a igualdade original criada por Deus. Homens e mulheres são igualmente filhos e filhas de Deus em Cristo Jesus. O discernimento quanto ao modo de viver é a prática da Palavra de Deus e nisto as mulheres foram testemunhas exemplares. Disse Jesus á mulher Cananéia: “Minha filha, tua fé te salvou; vai em paz” (Lc 8,48). Em Jesus são eliminadas as discriminações culturais e de gênero.

É verdade que Lucas é o evangelista que mais fala na mulher. Não se pode dizer que determinado evangelho é mais ou menos favorável às mulheres que outros, porque seria limitar a sua importância. Por outro lado, cada evangelho apresenta ênfases teológicas em face de suas peculiaridades. Um texto bem significativo para mostrar o papel das mulheres na comunidade cristã é este: “Depois disso, Jesus andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Os doze o acompanhavam, assim como algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios, Joana mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e várias outras, que o serviam com seus bens” (Lc 8,1-3).  No servir e cooperar, as mulheres inauguraram um discipulado criativo.

Na morte de Jesus elas observaram o túmulo e “voltaram e prepararam aromas e perfumes”. Depois de observarem o repouso prescrito e, “muito cedo, elas foram ao sepulcro, levando os aromas que tinham preparado” (Lc 24,1). Ao voltarem do túmulo, anunciaram tudo isso aos discípulos, mas eles recusaram o testemunho das mulheres. Um dos discípulos de

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Emaús se mostrava decepcionado por que: “faz três dias que todas essas coisas aconteceram. E verdade que algumas mulheres, que são dos nossos nos assustaram!”. As esperanças não se frustraram, as mulheres trazem a notícia que o Senhor está vivo e presente na nossa caminhada. Tudo isso aponta para a dimensão feminina como espaço de vida em plenitude e a proclamação de fé no Deus da vida!

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