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ROSANDRA SCHLICKMANN SACHETTI HÜBBE O DISCURSO UTILIZADO NOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DIRIGIDOS AO PÚBLICO INFANTIL Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina. Orientadora: Profª. Dra. Maria Marta Furlanetto TUBARÃO, 2004

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ROSANDRA SCHLICKMANN SACHETTI HÜBBE

O DISCURSO UTILIZADO NOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DIRIGIDOS AO PÚBLICO INFANTIL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina. Orientadora: Profª. Dra. Maria Marta Furlanetto

TUBARÃO, 2004

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ROSANDRA SCHLICKMANN SACHETTI HÜBBE

O DISCURSO UTILIZADO NOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DIRIGIDOS AO PÚBLICO INFANTIL

Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do grau de Mestre em Ciências

da Linguagem e aprovada em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências da

Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão – SC, 9 de agosto de 2004.

______________________________________________________

Profª. Dra. Maria Marta Furlanetto (Orientadora)

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Prof°. Dr Ingo Voese (Examinador)

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Profª. Dra. Rosângela Hammes Rodrigues (Examinadora)

Universidade Federal de Santa Catarina

______________________________________________________

Prof. Dr.Fábio José Rauen (Coordenador)

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Sheila Teresinha Viana Bardini (Secretária)

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Universidade do Sul de Santa Catarina

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho às crianças: motivação constante de meus estudos.

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AGRADECIMENTOS

“Da gratidão surge a nobreza e os sentimentos mais puros, visto que nela reside o mais excelso da natureza humana.”(CARLOS PECOTCHE) Minha eterna gratidão a todos que contribuíram para que esse trabalho se concretizasse. Não os menciono aqui porque esse espaço não seria suficiente. Com afeto, guardo-os comigo.

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EPÍGRAFE

A gente se acostuma andar na rua e a ver cartazes. A abrir revistas e a ver anúncios. A ligar a televisão e a ver comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. (Marina Colassanti)

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RESUMO

Não podemos ignorar que faz parte do bê-á-bá do discurso publicitário encantar e persuadir seu leitor. E, se ele tem a capacidade de influenciar o comportamento do adulto, supõe-se que atinge a criança com mais ênfase. Este trabalho tem como objetivo observar e analisar o discurso da publicidade dirigido à criança, e verificar os efeitos provocados por ele. Para isso, propõe o estudo de 13 anúncios veiculados pela revista infantil Recreio e de dados obtidos através de pesquisa de campo. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados 100 questionários destinados aos pais dos alunos das séries iniciais de um colégio de rede particular de ensino. A análise dos anúncios permitiu perceber a forma como o discurso publicitário é proposto à criança: dialogando com ela, interagindo, envolvendo-a em suas estratégias através de seus personagens preferidos, da promoção que lhe dá direito a um “grande” brinde, da história em quadrinhos onde o herói é o produto anunciado, do caça-palavras que lhe faz encontrar o nome do biscoito lançado, do anúncio disfarçado que propõe uma “brincadeira” e aconselhando-a sutilmente a “exigir” o produto anunciado. Os efeitos provocados pelos anúncios puderam ser comprovados através das influências citadas pelos pais no questionário: incentivo a um comportamento precoce, agressivo, mais agitado, mudanças na maneira de falar, de agir, de vestir-se entre outras. Diante dos resultados apresentados, pudemos refletir sobre o mundo consumista onde vivemos e, sendo assim, orientar a criança para que adquira um posicionamento crítico em relação ao discurso publicitário é fundamental.

Palavras-chave: discurso, publicidade, criança.

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ABSTRACT

We cannot ignore that delighting and persuading its readers is part of the advertising ABC’s discourse. And, if it has the capacity of influencing adults’ behavior, it is also presumable to affect children more powerfully. This work aims to observe and analyze the advertising discourse which is focused on children, and also verify its effects. In order to do so, the study of thirteen advertisements taken from Recreio, a children’s magazine, and data from a field research is purposed in this work as well. One hundred questionnaires, which were given to parents of a private elementary school students, were used as a means to collect data. The analyzes of the advertisements made possible to notice the way the advertisement discourse is purposed to children: establishing a dialog with the children, interacting, involving children in its marketing strategies through their preferred characters, promotions which give them “great” gifts, comics in which the hero is the announced product itself, word hunt puzzles where the name of a brand-new cookie is hidden to be found, disguised advertisements offering “playful activities” leading children to subtly “demand” to be given the announced product. The effects caused by the advertisements could have been confirmed through the influences related by the parents on the questionnaires: influence on children’s behavior such as precocity, aggressiveness, restless, changes in the way they speak, act, dress, and others. In view of the presented results, we could think about the consuming world in which we live, thus, guiding children so they can become able to get a critical view on the advertising discourse is fundamental.

Keywords: discourse, advertising, children.

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SUMÁRIO

LISTAS................................................................................................................................................................. 11

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................... 12

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO........................................................................................... 16 2.1 O DISCURSO......................................................................................................................................... 16 2.2 FORMAÇÃO DISCURSIVA E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA ............................................................................ 18 2.3 O INTERDISCURSO ............................................................................................................................... 21 2.4 TIPOLOGIA DO DISCURSO..................................................................................................................... 24 2.5 O IMPLÍCITO E O EXPLÍCITO NO DISCURSO............................................................................................ 26 2.6 A RELAÇÃO DISCURSO - TEXTO ........................................................................................................... 29 2.7 O TRABALHO DO ANALISTA ................................................................................................................. 31

3 O DISCURSO PUBLICITÁRIO .............................................................................................................. 34 3.1 PUBLICIDADE E/OU PROPAGANDA........................................................................................................ 34 3.2 O PODER DO DISCURSO PUBLICITÁRIO ................................................................................................. 37 3.3 ESTRATÉGIAS DA PUBLICIDADE........................................................................................................... 41

3.3.1 a influência das cores .................................................................................................................... 41 3.3.2 a influência das palavras............................................................................................................... 43 3.3.3 a influência da imagem.................................................................................................................. 45

3.4 IDEOLOGIA NO DISCURSO PUBLICITÁRIO.............................................................................................. 47 3.5 MAIS UMA ESTRATÉGIA DA PUBLICIDADE............................................................................................ 49

4 A CRIANÇA E O DISCURSO PUBLICITÁRIO................................................................................... 52 4.1 CONSUMIDORES DO FUTURO? ............................................................................................................. 52 4.2 FIDELIZAÇÃO DO PÚBLICO INFANTIL ................................................................................................... 56 4.3 A INFLUÊNCIA DA CRIANÇA NA HORA DA COMPRA.............................................................................. 61 4.4 A PRESENÇA DA CRIANÇA NO ANÚNCIO............................................................................................... 65 4.5 ÍDOLOS E PERSONAGENS DO ANÚNCIO INFANTIL.................................................................................. 70 4.6 MERCHANDISING NA PROGAMAÇÃO INFANTIL ..................................................................................... 74

5 METODOLOGIA...................................................................................................................................... 77

6 ANÁLISE DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS INFANTIS................................................................ 81 6.1 BATON GAROTO.................................................................................................................................. 81 6.2 TÊNIS KLIN.......................................................................................................................................... 84 6.3 NESCAU ............................................................................................................................................... 87 6.4 LINHA TILIBRA SÍTIO DO PICAPAU AMARELO ....................................................................................... 91

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6.5 BISCOITO TRAKINAS ............................................................................................................................ 94 6.6 LEITE CONDENSADO MOCINHA............................................................................................................ 97 6.7 TÊNIS BICAL ...................................................................................................................................... 100 6.8 BISCOITO PASSATEMPO ATLANTIS – NESTLÉ ..................................................................................... 105 6.9 PIRULITO CHUPA CHUPS .................................................................................................................... 107 6.10 SABÃO EM PÓ OMO............................................................................................................................ 109 6.11 UMA ANÁLISE SOBRE AS ANÁLISES ................................................................................................... 115

7 ANÁLISE DOS DADOS DO QUESTIONÁRIO .................................................................................. 124 7.1 IDENTIFICAÇÃO DOS INFORMANTES .................................................................................................. 125 7.2 A CRIANÇA ESTÁ COMUMENTE EXPOSTA AOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS. SEU FILHO COSTUMA LHE PEDIR OS PRODUTOS ANUNCIADOS?................................................................................................................. 127 7.3 SEU FILHO COSTUMA SER INSISTENTE QUANDO DESEJA GANHAR ALGO?........................................... 128 7.4 QUAL A SUA REAÇÃO DIANTE DOS PEDIDOS DE COMPRA DE SEU FILHO? ........................................... 129 7.5 A CRIANÇA DEIXA-SE INFLUENCIAR FACILMENTE PELAS FALSAS VANTAGENS DE CERTOS PRODUTOS. VOCÊ COSTUMA CONVERSAR COM ELA EXPLICANDO-LHE SOBRE ISTO? .......................................................... 132 7.6 COMO ELA REAGE QUANDO VOCÊ NÃO COMPRA O QUE FOI PEDIDO? ................................................. 134 7.7 SEU FILHO TEM PODER DE DECISÃO NAS COMPRAS DA FAMÍLIA?....................................................... 136 7.8 SEU FILHO ACOMPANHA VOCÊ NA HORA DA COMPRA? ...................................................................... 137 7.9 EM CASO AFIRMATIVO, ELE, GERALMENTE, PEDE PARA COMPRAR ALGO? O QUÊ? ............................ 139 7.10 O QUE VOCÊ ACHA DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS INFANTIS? .......................................................... 141 7.11 VOCÊ CONSIDERA QUE OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS EXERCEM INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO INFANTIL?........................................................................................................................................................ 143 7.12 A CRIANÇA É UM DOS CONSUMIDORES QUE MAIS CRESCE NO PAÍS. POR QUAL(IS) MOTIVO(S) VOCÊ ACHA QUE ISTO VEM ACONTECENDO?.............................................................................................................. 151 7.13 PARA REALIZAR ESTE TRABALHO ESTOU ANALISANDO OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS QUE APARECEM NA REVISTA RECREIO. SEU FILHO COSTUMA COMPRAR ESTA REVISTA?........................................................... 154

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 156

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 161

ANEXO 1 – ANÚNCIO CLUBINHO SADIA................................................................................................. 166

ANEXO 2 – ANÚNCIO BATON GAROTO................................................................................................... 167

ANEXO 3 – ANÚNCIO TÊNIS KLIN ............................................................................................................ 168

ANEXO 4 – ANÚNCIO NESCAU ................................................................................................................... 169

ANEXO 5 – ANÚNCIO LINHA TILIBRA..................................................................................................... 170

ANEXO 6 – ANÚNCIO BISCOITO TRAKINAS.......................................................................................... 171

ANEXO 7 – ANÚNCIO LEITE CONDENSADO MOCINHA ..................................................................... 172

ANEXO 8 – ANÚNCIO TÊNIS BICAL MASCULINO ................................................................................ 173

ANEXO 9– ANÚNCIO TÊNIS BICAL FEMININO ..................................................................................... 174

ANEXO 10– ANÚNCIO BISCOITO PASSATEMPO................................................................................... 175

ANEXO 11 – MATÉRIA DA REVISTA RECREIO ..................................................................................... 176

ANEXO 12– ANÚNCIO PIRULITO CHUPA CHUPS ................................................................................ 177

ANEXO 13 – ANÚNCIO OMO – SÍTIO DO PICAPAU AMARELO ........................................................ 178

ANEXO 14 – ANÚNCIO OMO – LEVA VOCÊ AO CINEMA.................................................................... 179

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ANEXO 15 – ANÚNCIO OMO – HISTÓRIA EM QUADRINHO .............................................................. 180

ANEXO 16 – QUESTIONÁRIO DA PESQUISA........................................................................................... 181

ANEXO 17 – TIRA DA MAFALDA............................................................................................................... 183

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LISTAS

Gráfico 1 – Sexo dos informantes ..........................................................................................125 Gráfico 2 – Grau de instrução dos informantes......................................................................126 Gráfico 3 – Pedido aos pais de produtos anunciados .............................................................127 Gráfico 4 – Insistência da criança ao fazer o pedido de produtos ..........................................129 Gráfico 5 – Reação dos pais diante dos pedidos da criança ...................................................129 Gráfico 6 – Diálogo com a criança quanto à compra de produtos .........................................132 Gráfico 7 – Reação da criança a um pedido negado...............................................................134 Gráfico 8 – Poder de decisão da criança quanto à compra de produtos .................................136 Gráfico 9 – Presença da criança na hora da compra...............................................................137 Gráfico 10 – Pedidos da criança quando acompanha os pais nas compras ............................139 Gráfico 11 – Opinião dos pais quanto aos anúncios publicitários infantis.............................141 Gráfico 12 – Influência dos anúncios publicitários no comportamento da criança, segundo os

pais..................................................................................................................................143 Gráfico 13 – Fatores de influência dos anúncios no comportamento da criança ...................145 Gráfico 14 – Motivos do aumento de anúncios publicitários dirigidos à criança ..................151 Gráfico 15 – Consumo da revista Recreio pela criança..........................................................154

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1 INTRODUÇÃO

Quando resolvemos estudar discurso já podemos perceber com que amplitude

estamos trabalhando. Orlandi (2000, p.10) nos aponta isso:

Movimento dos sentidos, errância dos sujeitos, lugares provisórios de conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ritual da palavra. Mesmo o das que não se dizem.

O discurso publicitário, foco deste trabalho, mostra-se envolvente, ousado,

instigante, surpreendente, persuasivo, influenciador. Ele é um convite ao prazer e à

realização. Nele, assim como no conto de fadas, o sonho se concretiza, pois tudo pode

acontecer, ou melhor, vende-se uma idéia. E quem não deseja comprar o sonho de tornar-se

Cinderela e ver sua abóbora transformar-se numa linda carruagem?

Se o próprio adulto deixa-se levar pelo encanto dos anúncios, a criança é

completamente carregada por eles. Ainda mais numa época em que as crianças têm voz

ativa sobre as decisões familiares e podem opinar sobre a escolha de suas roupas, marca do

tênis, produtos no supermercado, até o modelo do automóvel e o bairro onde a família irá

morar.

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Sendo assim, os anúncios publicitários encontram nas crianças um alvo rentável

a ser atingido, tornando-as consumidores precoces, influenciando não somente suas

compras, mas seus modos de agir e pensar.

Na rua, no shopping, em casa e na escola, a criança é alvo constante das

imagens sedutoras e da linguagem envolvente dos anúncios publicitários. E,

conseqüentemente, depois de estar atraída pelo produto anunciado, faz dos pais vítimas de

seus apelos incansáveis até que estes se rendam ao discurso repetitivo e atendam a seus

pedidos.

Neste trabalho temos como objetivo verificar de que forma os anúncios

publicitários infantis estão sendo elaborados e analisar seus efeitos de sentido. Analisar o

jogo que estaria presente no discurso: o equívoco, a sedução, a ironia, o dito e o não-dito. E,

assim, ultrapassar os limites dos textos, suas evidências, e trabalhar nos limites da

interpretação do discurso.

Em relação aos dizeres, Orlandi (2000, p. 30) afirma que eles “são efeitos de

sentido que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma

presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de

apreender”.

Pensando em oportunizar aos pais, professores, profissionais em geral e demais

leitores um estudo sobre o tema abordado, pretendemos, através deste trabalho, apontar

questões pertinentes da AD que contribuam para uma reflexão mais crítica sobre o discurso,

questões a respeito das estratégias da publicidade para obter um discurso cada vez mais

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envolvente e questões sobre o comportamento infantil provocado pela influência dos

anúncios publicitários.

Percebemos, através de alguns livros didáticos das séries iniciais, a

preocupação já existente em trabalhar com esse gênero textual em sala de aula. Os anúncios

publicitários utilizam recursos para informar, educar, persuadir, convencer os leitores ao ato

da compra e é de suma importância que a escola, ao trabalhar esse tipo de texto, prepare a

criança para compreender um pouco mais sobre as intenções dos anúncios, analisá-los e,

assim, ir criando seus próprios mecanismos de defesa: “Com isso eu não concordo”, “Isso

me interessa”, “Desse produto eu não preciso”, “Será que esse produto realmente é

eficaz?”, “Será vantajoso comprá-lo?”, entre outras questões.

Este trabalho tem como objetivos específicos analisar, através dos anúncios

publicitários veiculados pela revista Recreio, o discurso utilizado para atingir crianças;

constatar algumas mudanças de comportamento da criança devido às influências do

discurso publicitário; verificar qual a percepção dos pais sobre a influência dos anúncios

publicitários no comportamento dos filhos e apontar os aspectos ideológicos relativos ao

consumo em sua manifestação nesse discurso.

Para cumprir os objetivos propostos, o trabalho está estruturado em 2 partes:

teórica e prática. A parte teórica se estende do 2° ao 4° capítulo. No 2° capítulo,

“Considerações sobre o discurso”, abordamos questões fundamentais da Análise de

Discurso a fim de que o analista ou o próprio leitor tenha subsídios para expor seu olhar à

opacidade, ultrapassar o aparente discurso e perceber sua não transparência. No 3° capítulo

enfocamos o discurso predominante desse trabalho: “O discurso publicitário”, e

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apresentamos estratégias impregnadas nele que fazem parte de um jogo, objetivando levar o

leitor a acreditar no que é dito (ou não dito). No 4° capítulo, “A criança e o discurso

publicitário”, iremos enfocar um dos consumidores que mais vem crescendo no país – a

criança – e refletir sobre o quanto ela é alvo da publicidade.

A parte prática, após o capítulo da metodologia utilizada no trabalho, consta

de dois capítulos: o 6° e o 7°. No 6° capítulo, com base nos pressupostos teóricos

mencionados, efetua-se a análise de 13 anúncios publicitários veiculados pela revista

infantil Recreio, e no capítulo 7 apresenta-se a análise de dados da pesquisa de campo

realizada com os pais através de um questionário, a fim de observar, do ponto de vista

deles, as influências desses anúncios sobre as crianças.

E por fim, realizados estes estudos, apresentamos, no capítulo 8, as

considerações finais acerca do tema trabalhado.

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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO

2.1 O DISCURSO

Ato de comunicação, fala, expressão, alocução, para a Análise de Discurso

(AD), o termo discurso transcende esses significados. Sua definição também distancia-se da

forma como o esquema de comunicação disponibiliza seus elementos (emissor, receptor,

código, referente e mensagem), resultando numa seqüência determinada: primeiro alguém

fala, refere algo baseando-se num código, o receptor então capta a mensagem e, por fim, a

decodifica. Na realidade, não há este distanciamento entre emissor e receptor e muito

menos essa seqüência organizada de falas.

De acordo com Maingueneau (2000, p. 43), o discurso “designa menos um

campo de investigação delimitado do que um certo modo de apreensão da linguagem: este

último não é considerado aqui como uma estrutura arbitrária, mas como a atividade de

sujeitos inscritos em contextos determinados”.

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Desta forma, quando nos referimos ao discurso, não estamos tratando apenas de

transmissão de informação, mas de um complexo processo de constituição de sujeitos e

produção de sentidos que são afetados pela história e pela língua. Para Orlandi (2001, p.

63):

O discurso, definido em sua materialidade simbólica é “efeito de sentidos entre locutores”, trazendo em si as marcas da articulação da língua com a história para significar. À diferença da Lingüística, que calcula formas abstratas, no discurso trabalhamos com o que... chamo de formas materiais (lingüístico-históricas), formas lingüísticas encarnadas no mundo, significando os sentidos e os sujeitos e significando-se pelos sujeitos que as praticam.

Segundo Maingueneau (2002, p. 52-56), essas são características essenciais do

discurso:

a) O discurso é uma organização situada para além da frase – muitos discursos manifestam-se em seqüência de palavras de dimensões que são realmente muito superiores à frase. Estes discursos mobilizam estruturas de uma outra ordem que a da frase.

b) O discurso é orientado – pois é concebido em função de uma perspectiva assumida pelo locutor e porque se desenvolve no tempo, de maneira linear. De acordo com uma finalidade, o discurso se constrói, dirigindo-se para algum lugar, podendo inúmeras vezes desviar seu curso.

c) O discurso é uma forma de ação – falar é uma forma de ação sobre o outro. Afirmar, negar, prometer, sugerir são atos constituintes de uma enunciação. Estes atos se enquadram em determinados gêneros discursivos, buscando produzir mudanças no destinatário.

d) O discurso é interativo – a atividade verbal envolve dois parceiros e essa marca torna-se evidente num enunciado através do binômio EU-VOCÊ. A interação oral é a manifestação mais clara da interatividade, pois nela os dois parceiros atuam constante e imediatamente no discurso do outro. Mas, toda enunciação, mesmo sem a presença do destinatário, é marcada constitutivamente pela interatividade. Esta interatividade é uma troca, explícita ou implícita, com enunciadores reais ou virtuais.

e) O discurso é contextualizado – ele jamais poderia existir se assim não estivesse. Seria impossível atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto, pois o mesmo enunciado, exposto em lugares diferentes, corresponderia a dois discursos distintos.

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f) O discurso é regido por normas – cada ato de linguagem implica normas particulares e nenhum destes atos pode efetuar-se sem justificar seu direito a apresentar-se da forma como se apresenta.

g) O discurso é considerado no bojo de um interdiscurso – um discurso somente terá sentido se o relacionarmos no interior do universo de outros discursos. Para interpretarmos um enunciado, é preciso relacioná-lo com outros. Cada gênero do discurso tem um jeito específico da sua área para tratar a multiplicidade das relações interdiscursivas.

Essas são algumas características do discurso. Algumas delas serão retomadas e

mais discutidas, outras serão levantadas no decorrer do trabalho e outras ainda poderão vir

à tona, visto que o discurso é um estar em curso.

2.2 FORMAÇÃO DISCURSIVA E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA

O discurso é um processo: em nossas formulações recorremos sempre a outros

discursos, e decorre daí a relevância e a primazia do interdiscurso.

Nessas formulações, podemos dizer que o sentido não existe em si, mas é

determinado pela ideologia, e que a ideologia encontra no discurso uma das instâncias em

que a materialidade ideológica se concretiza. Resultando da articulação entre discurso e

ideologia, surgem os conceitos de Formação Ideológica (FI) e Formação Discursiva (FD).

Em relação a essa articulação, Brandão (1994, p. 38) expõe:

Constituindo o discurso um dos aspectos materiais de ideologia, podemos afirmar que o discurso é uma espécie permanente ao gênero ideológico. Em outros termos, a formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas.

Para a análise do discurso, o que interessa é o modo como as palavras estão no

texto (unidade que o analista tem diante de si e da qual ele parte) e como essas mesmas

palavras ganham corpo no discurso (e produzem efeitos de sentido entre locutores). Mas é

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importante ressaltar que os sentidos estão aquém e além das palavras. Para Orlandi (2000,

p. 44):

Os sentidos não estão assim predeterminados por propriedades da língua. Dependem de relações constituídas nas/pelas formações discursivas. No entanto, é preciso não pensar as formações discursivas como blocos homogêneos funcionando automaticamente. Elas são constituídas pela contradição, são heterogêneas nelas mesmas e suas fronteiras são fluidas, configurando-se e reconfigurando-se continuamente em suas relações.

O sentido é determinado pelas posições ideológicas em jogo no processo sócio-

histórico, onde são produzidas as palavras. Palavras aparentemente iguais podem ter

sentidos diferentes, pois se inscrevem em formações discursivas diversas. Elas mudam de

sentido de acordo com as posições assumidas por quem as emprega. Orlandi (2000) traz o

exemplo da palavra terra. Para o índio, ela tem um significado, que, certamente, não será o

mesmo para um agricultor sem terra e para um grande proprietário rural. Ela ainda destaca

que, de acordo com a letra inicial dessa palavra (maiúscula ou minúscula), seu significado é

diferente. Dessa forma, precisamos remeter o dizer a uma formação discursiva para que

haja compreensão do que foi dito.

As formações discursivas manifestam, no discurso, as formações ideológicas.

Sendo assim, a ideologia determina sempre os sentidos. Funcionando como lugar de

articulação entre língua e discurso, as formações discursivas, em uma formação ideológica

específica, determinam “o que pode e deve ser dito”.

A noção de FD, formalmente, envolve dois tipos de funcionamento: a paráfrase

e o pré-construído. A paráfrase representa o retorno aos mesmos espaços do dizer,

diferentes formulações do mesmo dizer. À noção de paráfrase, Orlandi contrapõe a de

polissemia – deslocamento e ruptura do processo de significação. Diferenciando

paráfrase/polissemia, Brandão (1994, p. 39) afirma:

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Enquanto a paráfrase é um mecanismo de “fechamento”, de “delimitação” das fronteiras de uma formação discursiva, a polissemia rompe essas fronteiras, “embaralhando” os limites entre diferentes formações discursivas, instalando a pluralidade, a multiplicidade dos sentidos.

A paráfrase e a polissemia trabalham constantemente no discurso, constituindo-

o sempre entre o mesmo e o diferente. No dizer, a paráfrase faz com que algo se mantenha,

fazendo o retorno ao que já foi dito, produzindo, dessa forma, diferentes formulações do

mesmo dizer. E o trabalho da polissemia é com o equívoco, com o deslocamento. A

condição de existência dinâmica do discurso dá-se pela polissemia, pois ela é a fonte da

linguagem e faz com que os sentidos sejam múltiplos.

Já o termo “pré-construído”, introduzido por Henry (em 1975), refere-se àquilo

que remete a uma construção anterior e exterior, independente, por oposição ao que é

construído pelo enunciado. De acordo com Courtine (apud BRANDÃO, 1994, p. 39):

O pré-construído remete assim às evidências através das quais o sujeito dá a conhecer os objetos de seu discurso: ‘o que cada um sabe’ e simultaneamente ‘o que cada um pode ver’ em uma situação dada. Isso equivale a dizer que se constitui, no seio de uma FD, um Sujeito Universal que garante ‘o que um conhece, pode ver ou compreender’ e que determina também “o que pode ser dito”.

Ainda de acordo com Courtine (apud BRANDÃO, 1994, p. 39), a formação

discursiva também é o lugar provisório da metáfora. Metáfora não como figura de

linguagem, mas no sentido de “transferência”. Segundo Pêcheux (apud ORLANDI, 2000,

p. 44),

O sentido é sempre uma palavra, uma expressão ou uma proposição; e é por esse relacionamento, essa superposição, essa transferência (metaphora), que elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido... O sentido existe exclusivamente nas relações de metáfora (realizadas em efeitos de substituição, paráfrases, formação de sinônimos) das quais uma formação discursiva vem a ser historicamente o lugar mais ou menos provisório.

Como já foi visto, todo discurso tem relação com outros discursos e os sentidos

estão muito aquém e além das palavras. Estes sentidos não estão predeterminados por

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propriedades da língua. Eles são dependentes das relações constituídas pelas formações

discursivas. Todos esses sentidos são ideologicamente marcados no dizer. É na língua que a

ideologia se materializa e ambas trabalham no mesmo lugar: no discurso.

Ainda em relação a FD e a FI, destacamos o sujeito discursivo. Ele é pensado

como uma posição entre outras. Segundo Foucault (apud ORLANDI 2000, p. 49), “não é

uma forma de subjetividade mas um “lugar” que ocupa para ser sujeito do que diz: é a

posição que deve e pode ocupar todo indivíduo para ser sujeito do que diz”.

Furlanetto ( 2000, p. 190) afirma:

Essa relação a um lugar da enunciação continua sendo uma reivindicação da AD. Decorrente daí aponta a questão do “ponto de origem” enunciativo, que não deve ser um sujeito (indivíduo) propriamente, mas um lugar. É só na medida dessa ocupação que se tem um sujeito e um locutor. Os lugares, assim, são predeterminados institucionalmente. Em suma, o sujeito só é sujeito porque é interpelado (pela ideologia).

Exemplificando esse lugar da enunciação, Orlandi (2000, p. 49) traz a posição

da mãe, quando abre a porta para o filho já de madrugada e fala “Isso são horas?” O que foi

dito pela mãe deriva seu sentido em relação à formação discursiva em que ela inscreve suas

palavras. “Ela aí está sendo dita. E isso a significa. Isso lhe dá identidade”.

2.3 O INTERDISCURSO

Para Sírio Possenti (2002), entre as maiores contribuições da análise do

discurso francesa está sua formação peculiar da noção de interdiscurso. De acordo com

Maingueneau, como já foi visto inicialmente, o discurso acontece no bojo de um

interdiscurso. E segundo Eduardo Guimarães (2002), entre os conceitos que a análise de

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discurso desenvolve, o de interdiscurso é crucial. Diante dessas perspectivas a respeito do

tema, quais seriam suas contribuições para a AD?

No processo discursivo, as palavras falam umas com as outras e cada uma delas

remete a um discurso. As mesmas palavras são ditas, mas podem não ter o mesmo sentido,

pois elas inscrevem-se em discursos que derivam seus sentidos das regiões do interdiscurso.

Todo discurso tem relação com um discurso anterior e aponta ainda para outro discurso.

Segundo Pêcheux (1988, p. 160): “[...] as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de

sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam”.

De acordo com Orlandi (2001, p. 59), “em sua definição, o interdiscurso é o

conjunto de dizeres que determinam o que dizemos, sustentando a possibilidade mesma do

dizer. Para que nossas palavras tenham sentido é preciso que já tenham sentido” – ou seja,

que de alguma forma tenham circulado e recebido ressonâncias. Do ponto de vista da AD, a

ressonância (sempre ideológica) está associada ao uso que fazemos do interdiscurso

(memória discursiva), a fonte de tudo o que enunciamos: os enunciados têm sua história.

Tomemos como exemplo o termo escola. Ao falarmos sobre escola com alguém, não

iremos entrar em detalhes e questionamentos sobre o termo em si escola, pois para ambos

ele já faz sentido. O sentido que foi sendo formado durante esse percurso, em outros

dizeres, parece transparente para nós. Esses sentidos falam em nosso dizer.

Todos esses sentidos já abordados por alguém, num determinado lugar e tempo,

têm efeitos sobre nós, mas mesmo assim, podemos ter a ilusão de que eles nascem em nós.

Para compreendermos esse funcionamento do discurso e também o seu relacionamento com

os sujeitos e com a ideologia, torna-se necessário saber que um já-dito sustenta a

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possibilidade mesma de todo dizer. As palavras são sócio-historicamente determinadas.

Nós não as criamos. Em relação à autoricidade das palavras, Orlandi (2000, p. 32) afirma:

O dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele. Por isso é inútil, do ponto de vista do discurso, perguntar para o sujeito o que ele quis dizer quando disse “x”... O que ele sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de sentidos estão ali presentificados.

A impossibilidade de domínio sobre os sentidos das palavras pode ser ainda

posta desta forma:

Considera-se ainda que as palavras não significam segundo uma vontade imediata, já que vão provocar efeitos diferentes para os diferentes interlocutores, porque cada um pode posicionar-se numa FD diferente (mas há conflitos na mesma FD). E não há controle sobre isso: os sentidos proliferam. Da mesma forma, na memória discursiva o manancial já se encontra ideologicamente marcado. (FURLANETTO, 2002, p. 45)

Os efeitos de sentido são produzidos pela relação com o interdiscurso, a

memória discursiva (algo fala antes). Para Pêcheux (1999, p. 52),

[...] a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os “ímplícitos” (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.

Ainda em relação ao interdiscurso, seria interessante relacioná-lo com a noção

de intertexto, intradiscurso e arquivo, pois embora aparentadas essas relações, diferem em

boa medida (ORLANDI, 2001):

a) interdiscurso e intertexto – ambos mobilizam as relações de sentido, mas, enquanto o interdiscurso tem sua ordem no saber discursivo (memória afetada pelo esquecimento), o intertexto trabalha com as relações de um texto com outros textos. Assim como o interdiscurso está para o discurso, o intertexto está para o texto;

b) interdiscurso e intradiscurso – todo dizer se produz na relação de dois eixos: o vertical seria o do interdiscurso (o já dito) e o horizontal, o do intradiscurso (o que se está dizendo). O eixo vertical corresponde à

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constituição dos sentidos e o horizontal, à formulação deles. O da formulação está determinado pelo da constituição, pois só podemos formular se nos colocamos na perspectiva do dizível. Todo dizer se produz na relação destes dois eixos;

c) interdiscurso e arquivo – se o interdiscurso é definido como a memória que se estrutura pelo esquecimento, o arquivo é a memória que acumula. O arquivo é o discurso documental e institucionalizado.

2.4 TIPOLOGIA DO DISCURSO

Discurso publicitário, discurso médico, discurso pedagógico, discurso político,

discurso religioso. A variedade de discursos existentes é muito vasta e a necessidade de

classificar esses discursos produzidos numa sociedade é essencial para a análise de

discurso. Para Maingueneau (2002, p. 143), “a maior dificuldade à qual nos defrontamos

quando queremos estabelecer uma tipologia rigorosa, é a variedade dos critérios que

podemos levar em conta. Nenhuma tipologia pode integrá-los todos”. Mas, de acordo com

Petijean (apud MAINGUENEAU 2000, p. 143), existem tipologias de diferentes ordens:

comunicacionais, situacionais e enunciativas.

As tipologias comunicacionais procuram classificar os discursos em função do

tipo de ação que se pretende exercer. A mais célebre destas tipologias é a de Jakobson

(funções referencial, emotiva, conativa, fática, metalingüística, poética). Ela distingue os

discursos pela maneira que eles hierarquizam estas funções. Os discursos são classificados

segundo a função predominante. O discurso publicitário tem como função predominante a

conativa, pois visa essencialmente atingir o receptor argumentando e persuadindo.

As tipologias situacionais fazem intervir o domínio da atividade social no qual

o discurso se exerce. Estas tipologias distribuem o discurso em diferentes áreas da

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sociedade, como por exemplo a família, a escola, a mídia e também consideram os variados

gêneros discursivos ligados a um lugar: os gêneros jornalísticos, políticos, etc. Em relação a

essa tipologia poderíamos considerar a publicidade como uma outra área da sociedade.

Por sua vez, as tipologias enunciativas fundam sua relação entre o enunciado e

a situação de enunciação, envolvendo interlocutores, momento e lugar da enunciação.

Podemos observar perfeitamente o discurso publicitário nessa tipologia, pois ele

compreende toda essa situação, estudando nos mínimos detalhes qual o momento e lugar

ideal da enunciação, para envolver da melhor maneira o seu interlocutor

(leitor/consumidor).

Diferentemente de Maingueneau, Orlandi (2000, p. 85) entende que a tipologia

pode até ser útil na análise, mas não faz parte das preocupações centrais do analista, pois o

que caracteriza, em princípio, o discurso é o seu modo de funcionamento e não o seu tipo.

Desta forma, a autora, tomando como base os elementos constitutivos das condições de

produção do discurso e sua relação com o modo de produção de sentidos e seus efeitos,

procura estabelecer critérios a fim de distinguir os diferentes modos de funcionamento do

discurso. Este estudo resulta na distinção dos seguintes discursos: autoritário, polêmico e

lúdico.

Mas não encontraremos um discurso que seja apenas autoritário, ou apenas

lúdico e tampouco só polêmico. Ao invés de dizermos que um discurso é, deveríamos dizer

que ele tende a ser. Sendo assim, o discurso tende a ser autoritário, quando a polissemia é

contida; o objeto do qual falam está ausente; não há interlocutores, mas um agente

exclusivo. São exemplos desse tipo de discurso: sermões, ordens, determinações. Quando a

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polissemia for aberta, o objeto estiver presente, os interlocutores se expuserem ao objeto e

não houver controle do sentido, estaremos diante do discurso lúdico. Os jogos de palavras,

poesia, canções, etc. fazem parte deste discurso. E quando o discurso se encontra entre o

autoritário e o lúdico, sua polissemia é controlada e neste discurso o objeto está presente, os

interlocutores tentam dominar o objeto e procura-se estabelecer um sentido para o objeto.

Esse discurso tende a ser polêmico. Por exemplo: entrevista, julgamento.

Considerando esses modos de funcionamento, o anúncio publicitário tem um

lugar particular: embora possa ser sancionado negativamente na comunidade e até ser

retirado de circulação; embora, por outro lado, ele use estratégias de jogo de

linguagem/imagem, ele não é elaborado para ser discutido, mas para ser consumido como

tal; ele tem, pois, uma característica de apelo, e nesse sentido é autoritário.

2.5 O IMPLÍCITO E O EXPLÍCITO NO DISCURSO

Os discursos estão carregados de orientação pré-determinada, a fim de

convencer/persuadir a qualquer custo o seu destinatário. E na tentativa de fazê-lo acreditar

nas “verdades” do seu discurso, seria menos arriscado dizê-las de maneira implícita.

Portanto, a responsabilidade de compreensão e conclusão do discurso fica inteiramente a

cargo do destinatário (que é construído virtualmente pelo sujeito-locutor). Para

Maingueneau (2000, p. 81), “podemos tirar de um enunciado conteúdos que não

constituem, em princípio, o objeto verdadeiro da enunciação, mas que aparecem através dos

conteúdos explícitos. É o domínio do implícito.”

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Dessa forma, os discursos dizem o que querem dizer de maneira implícita, não

se comprometendo com o que fica implicitado, podendo, inclusive, negar o implícito. Sobre

o implícito, Pierre Achard (1999, p. 13) propõe:

Do ponto de vista discursivo, o implícito trabalha [...] sobre a base de um imaginário que o representa como memorizado, enquanto cada discurso, ao pressupô-lo, vai fazer apelo a sua (re)construção, sob a restrição “no vazio” de que eles respeitem as formas que permitam sua inserção por paráfrase. Mas jamais podemos provar ou supor que esse implícito (re)construído tenha existido em algum lugar como discurso autônomo.

Ao dizer X, e não Y, estamos silenciando outro dizer e, conseqüentemente,

produzindo sentidos em direções contrárias. Sendo assim, o efeito de sentido é instável. O

que se tem antes do dito é uma possibilidade, o que se tem depois do dizer é o efeito, e

dizer está intimamente ligado com o não dizer.

O não dizer tem sido objeto de estudo e reflexão de alguns lingüistas. crot, na

origem de sua reflexão (décadas de 1960-1970), desenvolve um trabalho diferenciando

pressuposto e o subentendido como formas distintas de não-dizer (o implícito). Ele separa

aquilo que derivaria propriamente da instância da linguagem, ou seja, o pressuposto,

daquilo que se dá no contexto, o subentendido.

A oposição pressuposto/subentendido reproduz a distinção de dois níveis

semânticos: o da significação e o do sentido. Segundo Ducrot (1987, p. 42):

A pressuposição é [...] um elemento do sentido – se se considera o sentido [...] como uma espécie de retrato da enunciação. Dizer que pressuponho X, é dizer que pretendo obrigar o destinatário, por minha fala, a admitir X, sem por isso dar-lhe o direito de prosseguir o diálogo a propósito de X. O subentendido, ao contrário, diz respeito à maneira pela qual esse sentido é manifestado, o processo, ao término do qual deve-se descobrir a imagem que pretendo lhe dar de minha fala.

Sendo assim, o pressuposto de um enunciado se estabeleceria num contexto

conhecido, compartilhado. Ele contém informações que estão fora desse enunciado, mas

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que são indiscutíveis. Ele é apresentado como uma evidência, como algo que seja

incontestável no interior do qual o enunciado se inscreve, como um elemento do universo

do discurso. Ao se apresentar um enunciado, tem-se a certeza de que o interlocutor partilha

do mesmo pressuposto que o locutor. É claro que o pressuposto não pertence ao enunciado

da mesma forma que o posto, ou seja, o que é dito. O posto no enunciado é a inserção

explícita, faz parte da formulação, e o pressuposto, como já foi colocado, implica um

enunciado implícito.

É importante ressaltar que o pressuposto, o fazer supor, tem seu conteúdo, é

parte integrante do sentido do enunciado. Ele é uma espécie de contexto imanente, onde a

informação pressuposta fica a cargo do discurso. Já o subentendido estaria relacionado ao

modo como o sentido seria interpretado pelo interlocutor, o que não é expresso, mas fica

implicitado na interpretação. O subentendido acrescentará sempre alguma coisa sem dizê-

la, mas ao mesmo tempo em que é dita. Ele vai além do que poderia ser chamado sentido

literal.

Aquilo que não é dito constitui o sentido do que é dito. De acordo com Orlandi

(2000, p. 85), “[...] as palavras se acompanham de silêncio e não são elas mesmas

atravessadas de silêncio. Isso tem que fazer parte da observação do analista. Entre o dizer e

o não dizer desenvolve-se todo um espaço de interpretação no qual o sujeito se move”.

Para esta autora, o “silêncio” pode ser categorizado como silêncio fundador e

silenciamento ou política do silêncio. O silêncio fundador é o recuo necessário para que o

sentido faça sentido, se produza. Já a outra forma de silêncio é dividida em silêncio

constitutivo (a escolha de uma palavra deixa na sombra outra(s) palavra(s)) e silêncio local

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(é a censura presente no discurso, aquilo que não for permitido mencionar no discurso).

Neste sentido, Orlandi chama a atenção do analista para dar a devida atenção ao que não

está sendo dito, ou melhor, ao que não pode ser dito. Para esta autora, então, o silêncio

também faz parte do discurso. Precisamos encontrar o não dito, ou seja, o implícito, no que

é explícito, dito, pois a relação do que é dito e do que não é dito é igual ao dizer completo.

2.6 A RELAÇÃO DISCURSO - TEXTO

A linguagem é a mediadora entre os homens. Sendo assim, a AD articula o

lingüístico ao sócio-histórico e ao ideológico, colocando a linguagem na relação com os

modos de produção social. Isto nos remete à célebre afirmação de Althusser, retomada por

Pêcheux no contexto da AD: não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia.

Para Brandão (1994, p. 40), “Cabe à AD trabalhar seu objeto (o discurso)

inscrevendo-o na relação da língua com a história, buscando na materialidade lingüística as

marcas das contradições ideológicas”. Por isso, dizemos que a AD trabalha com a língua no

mundo, considerando o homem na sua história e sua relação com a própria língua.

E trabalhando com a língua no mundo, a AD propõe um grande objetivo:

compreender como um texto funciona e descrever este funcionamento. Ela tem como

finalidade explicitar como um texto produz sentido. O texto, então, será para o analista a

sua unidade de análise. Relacionando texto e discurso, Orlandi (2001, p. 64) afirma:

[...] se vemos no texto a contrapartida do discurso – efeito de sentido entre locutores – o texto não mais será uma unidade fechada nela mesma. Ele vai-se

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abrir, enquanto objeto simbólico, para as diferentes possibilidades de leituras que, a meu ver, mostram o processo de textualização do discurso que sempre se faz com “falhas”, com “defeitos”. Isso mostra a relação da língua com a história, que não é perfeitamente articulada, resultando de um jogo da língua sobre a própria língua, face sua inscrição na história.

Desta maneira, a AD propõe uma nova maneira de ver, ou seja, as várias

maneiras de ler um texto, colocando o dito em relação ao não dito, para que o leitor perceba

a não transparência dele e também possa expor seu olhar à opacidade presente nele.

Como já abordamos, as palavras não significam em si, mas significam porque

têm textualidade. A interpretação delas está condicionada a um discurso que as sustentem e

que as provêm de sua realidade significativa. O texto está relacionado com a exterioridade

(o interdiscurso), com a relação dos sentidos. Ele é um objeto lingüístico-histórico, e o

objetivo da análise é apreender sua historicidade. Historicidade entendida como

acontecimento do texto como discurso, o trabalho dos sentidos nele.

Para a AD, a organização lingüística do texto (em si) não será pertinente. O

que interessa para ela é a maneira como o texto organiza a relação da língua com a história

no trabalho significante do sujeito em sua relação com o mundo. É dessa natureza sua

unidade: lingüístico-histórica. Por isso, o enfoque que a AD dá ao texto não é como dado

lingüístico: é como fato discursivo. Dessa forma, traz a memória para a consideração dos

elementos submetidos à análise, pois são os fatos que nos permitem chegar à memória da

língua.

Ainda relacionando discurso e texto, Orlandi (idem, p. 86) diz que “o discurso é

o lugar de observação do contato entre a língua e a ideologia, sendo a materialidade

específica da ideologia o discurso e a materialidade específica do discurso, a língua”.

Quanto ao texto, a autora considera-o como “o lugar material em que essa relação produz

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seus efeitos, apresentando-se imaginariamente como uma unidade na relação entre os

sujeitos e os sentidos”. Em sua análise, o analista não falará sobre o texto, mas sobre o

discurso.

2.7 O TRABALHO DO ANALISTA

Se o objetivo da AD é descrever o funcionamento do texto, o analista de

discurso deve mostrar em seu trabalho os mecanismos dos processos de significação que

dirigem a textualização da discursividade. Nesse trabalho, o analista percorre a via pela

qual a ordem do discurso se materializa na estruturação do texto. Ele indica os mecanismos

dos processos de significação que presidem à textualização da discursividade.

Considerando o texto um lugar onde se pode observar os gestos de

interpretação dos sujeitos, o analista o reconhece como parte de um processo discursivo

mais abrangente. Seu trabalho leva em conta o movimento da interpretação inscrito na

relação do próprio sujeito com o discurso. Analisar é ver como o discurso foi proposto. E

nesta tarefa, como afirma Furlanetto (2002, p. 42), o analista, embora “implicado no seu

próprio discurso e nos postulados de análise, elege um lugar para investigar o discurso (em

princípio, o discurso do outro)”. E, para fazer uma análise, o analista abdica da própria

interpretação. Mas, por mais que ele tenha de sair de um ponto para analisar, sempre ficará

algo dele ali. Em relação a esse trabalho, Furlanetto (2002, p. 45) afirma: “É tarefa do

analista de discurso fazer isso: mostrar de que forma o texto é opaco (uma vez isso

assumido), e por que é opaco e equivocado”.

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Em Análise de Discurso: princípios e procedimentos, Orlandi (2000) descreve a

metodologia de trabalho do analista:

a) O analista deve fazer um tipo de escuta, a fim de ultrapassar as evidências. Trabalha contra a evidência dos sentidos, pois eles podem sempre ser outros. As evidências são questionáveis. O analista atua justamente entre as incertezas e indecisões dos sentidos e dos sujeitos.

b) Observando essas evidências, ele constrói um dispositivo, relacionando o dito e o não dito, o que se diz em lugares diferentes, confrontáveis.

c) O analista não corre atrás de uma verdade, de um sentido verdadeiro, mas busca o “real” do sentido.

d) Ele procura no dito pontos de deriva que oferecem lugar à interpretação.

e) Não visa interpretar os textos analisados, mas compreender os processos de significação atestados por estes textos. Deve explicitar os gestos de interpretação que nele se inscrevem. É a leitura, a escuta desses gestos que o analista colocará à disposição. Ele expõe sua escuta.

f) Em sua análise haverá dois momentos de interpretação. No primeiro, descreve o gesto de interpretação do sujeito que interpreta. No segundo, tem consciência de que o próprio analista está envolvido na interpretação, pois não fica numa posição neutra.

g) Ao analisar, o analista deve ter em mente que a linguagem é opaca, que o sujeito é descentrado e que há efeitos metafóricos, produtos da ideologia e do inconsciente do outro e do próprio analista.

h) Na verdade o analista não interpreta, trabalha nos limites da interpretação. Ficando assim no lugar de cientista para poder contemplar (teorizar) e expor (descrever) os efeitos da interpretação.

i) O analista necessita de um corpus: experimental (aquele que ele mesmo organiza e propõe) ou de arquivo (aquele de materiais disponíveis), e deve considerar a intertextualidade, a interdiscursividade, a memória discursiva.

j) A análise deverá ser o menos subjetiva possível.

k) Na análise, ele deve passar da superfície lingüística (material bruto coletado) para o objeto discursivo (de–superficialização); das pistas lingüísticas para o modo como o discurso se textualiza.

Ainda de acordo com Orlandi (2001, p. 50-51), o primeiro gesto do analista em

relação à escrita da Análise de Discurso é compreender a paráfrase como um fato de

linguagem e como função heurística. Já o segundo se dá pela introdução de um novo

procedimento analítico que é aquele em que se apreende a metáfora (transferência).

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Sendo assim, a escrita da Análise de Discurso é a responsável pelos elos: texto

– discurso, discurso – formações discursivas, formações discursivas – ideologia, permitindo

ao analista e, conseqüentemente, ao leitor acompanhar o trajeto em que se estabelecem os

sentidos e os sujeitos pela inscrição da língua na história.

Em relação à escrita, Orlandi (2001, p. 52) afirma:

Uma vez feita a análise, ele tem sua escrita para “relatar”, para expor” seus procedimentos, as características do material trabalhado, seu procedimento descritivo, pondo o leitor em contato (confronto) com seu dispositivo e os resultados obtidos. A partir daí ele estará, pela sua escrita, referindo os resultados à interpretação possível face à teoria que será a base de sua interpretação, em seu domínio teórico específico (a análise de discurso, ou a lingüística, a antropologia, a história etc).

Dessa maneira, o analista põe à disposição, com sua escrita, um lugar que

possibilita outras maneiras de ler. E neste plano da leitura, ele deve ser capaz de construir

uma posição-leitor que pratique essa maneira nova de ler. Com a sua escrita e na

consistência da sustentação teórica, ele expõe seu dispositivo analítico, onde apóia sua

compreensão. Ele deve tornar possível a não transparência da linguagem ao olhar do leitor,

tendo a habilidade de mostrar sem orientar a persuasão.

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3 O DISCURSO PUBLICITÁRIO

3.1 PUBLICIDADE E/OU PROPAGANDA

Considerado o Brasil como um dos países mais premiados por suas campanhas

publicitárias, seria conveniente, antes de entrarmos no campo do discurso publicitário, nos

determos nos sentidos de palavras extremamente significativas para esse tipo de discurso:

propaganda e publicidade. Consultemos a memória de arquivo.

No Dicionário de propaganda e jornalismo, Erbolato (1985, p. 256):

“Publicidade. (publ.) – 1. Arte de despertar no público o desejo de compra, levando-o à

ação. 2. Conjunto de técnicas de ação coletiva, utilizadas no sentido de promover o lucro de

uma atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo clientes”.

Em relação à propaganda, o mesmo autor ( 1985, p. 254) diferencia:

Propaganda. – 1. (publ.) – Conjunto de atividades que visam influenciar o homem, com o objetivo religioso, político ou cívico, mas sem finalidade comercial. 2. (Leg.) Decr. 57.690, de 01-02-66: art. 2 °. Considera-se propaganda qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias, produtos ou serviços, por parte de um anunciante identificado.

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Erbolato, ainda em relação à propaganda, distingue os seguintes tipos:

propaganda ao ar livre (Publ. outdoor), propaganda de guerra (abuso e crimes), propaganda

direta (Publ. anúncios enviados ao consumidor), propaganda falsa (Publ. Divulgação de

qualidades e vantagens de produtos não correspondentes à realidade), propaganda no ponto

de venda (Publ. feita no próprio local de venda do produto), propaganda política (difundir

idéias políticas) e a propaganda subliminar (Publ. mensagens rápidas que são captadas

apenas pelo subconsciente por serem apresentadas numa velocidade de 1/3.000 de

segundo).

Como podemos perceber, apesar de terem significados que se cruzam,

propaganda e publicidade são termos distintos para Erbolato. Mas, segundo o Dicionário de

Comunicação de Rabaça e Barbosa (1995, p. 481), não há distinção entre os termos, tanto

que, quando chegamos no verbete publicidade, encontramos “v. propaganda”. E para esse

termo, encontramos a seguinte definição: “Comunicação persuasiva. Conjunto das técnicas

e atividades de informação e de persuasão, destinadas a influenciar as opiniões, os

sentimentos e as atitudes do público num determinado sentido [...]”. Esse exemplo já

mostra que, apesar do conjunto significante distinto, semanticamente ocorre dispersão,

opacidade, devendo variar o uso segundo as formações discursivas em questão.

Mas, em meio a essa extensa definição de propaganda, os respectivos autores

mencionam pequena distinção apreensível entre as duas palavras (o que aponta tendência

de uso em relação à possibilidade de uso):

No Brasil e em alguns países de língua latina, as palavras propaganda e publicidade são geralmente usadas com o mesmo sentido, e esta tendência parece ser definitiva, independentemente das tentativas de definição que possamos elaborar em dicionários ou em livros acadêmicos. Em alguns aspectos, porém, é possível perceber algumas distinções no uso das duas palavras: em geral não se

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fala em publicidade com relação à comunicação persuasiva de idéias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui objetivos ideológicos, comerciais etc.); a publicidade mostra-se mais abrangente no sentido de divulgação (tornar público, informar, sem que isso implique necessariamente persuasão).

De acordo com a legislação pertinente, no que diz respeito ao exercício

profissional da propaganda, é comum o uso indistinto dos termos publicidade/propaganda.

Segundo a lei (portanto, orientação normativa no seio da sociedade), publicitários são os

que exercem funções artísticas e técnicas; agenciadores de propaganda são aqueles que a

encaminham aos veículos; agência de propaganda é especializada nos métodos, na arte e na

técnica publicitários, para criar, executar e distribuir propaganda. Rabaça e Barbosa

questionam esses significados: “Seria isso apenas um jogo de sinônimos, para evitar

repetições?”. Jogo de sentidos, em todo caso.

O mesmo questionamento serve para as agências. Aqui as definições também

são tomadas uma pela outra, embaralhando os campos que se quer delimitar. O fato de

terem significados tão parecidos pode estar na origem e na trajetória dessas palavras.

Propaganda vem do gerúndio do latim propagare, que significa multiplicar,

estender, propagar. Ela foi introduzida nas línguas modernas pela igreja católica com um

sentido eclesiástico até o século XIX. Aí, então, ganhou sentido político, continuando a

significar o ato de disseminar ideologias, de incutir idéias, uma crença na mente alheia.

Já a palavra publicidade é proveniente do latim publicus, que significa público.

Ela foi utilizada pela primeira vez em línguas modernas com o sentido jurídico, designando

o ato de tornar público, divulgar. Mas foi também no século XIX que essa palavra ganhou

um significado comercial (divulgação de produtos ou serviços através de anúncio).

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É perceptível que, tendo as palavras origem diferente, e associadas, sócio-

historicamente, a campos diferentes de atividade humana – o religioso e o jurídico –, sua

semelhança semântica acabou por praticamente confundir os dois campos, que, no entanto,

cada um a seu modo, deixam ressonâncias nos diversos usos que dessas palavras se faz

hoje. Considerando os traços apresentados, na dissertação, serão utilizados indistintamente

os dois termos.

3.2 O PODER DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Desde meados do século XIX, muitos escritores e poetas brasileiros são

requisitados para enriquecer com suas palavras anúncios publicitários. Dentre esses seletos

escritores, como afirma Carrascoza (2003, p.66), Olavo Bilac foi um dos poetas que mais se

destacou em sua época. Era sempre chamado pelos anunciantes. Foi ele quem anunciou a

primeira fábrica de velas nacional, época em que o Brasil de tudo um pouco importava:

“Pátria independente exulta

Temos a vela brasileira.”

Talvez tenha sido pela pomposa arte de Bilac e pelo encantamento do discurso

publicitário que surgiu esse pequeno texto de humor:

“– Sr. Bilac, estou precisando vender o meu sítio, que o Senhor tão bem

conhece. Poderá redigir o anúncio para o jornal?

Olavo Bilac apanhou o papel e escreveu:

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Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no

extenso arvoredo, cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeirão. A casa

banhada pelo sol nascente oferece a sombra tranqüila das tardes, na varanda.

Meses depois, topa o poeta com o homem e pergunta-lhe se havia vendido o

sítio. No que o homem responde:

– Nem pensei mais nisso! Quando li o anúncio é que percebi a maravilha que

tinha”.

Diante desse pequeno texto, podemos compreender o quanto é poderoso o

discurso publicitário. O texto vem ilustrar todo o domínio que um anúncio mantém sobre

nós – criando e recriando a realidade. Mesmo tendo necessidade de vender o sítio, o

homem desiste do negócio por deixar-se envolver pelas sedutoras palavras. Em seu

depoimento “Quando li o anúncio é que percebi a maravilha que tinha”, percebemos o valor

das poucas palavras sobrepondo-se a toda uma vivência do lugar descrito já conhecido. O

homem passa a valorizar sua propriedade, não por viver no encantamento proporcionado

por aquele lugar, mas pelo encantamento proporcionado pelo anúncio.

Dessa forma, podemos concluir que qualquer discurso envolve um jogo de

manipulação (ainda que não necessariamente consciente), e tem como objetivo fazer com

que o destinatário acredite naquilo que é dito.

Uma mensagem engloba diferentes funções no seu discurso. Uma delas

determinará o perfil da mensagem; diferentes níveis de linguagem se articulam, se

relacionam numa mesma mensagem. Entre essas funções, a que Jakobson (1969)

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denominou conativa (do ponto de vista comunicacional) apela fortemente para o

destinatário, é um elemento de persuasão vital num discurso.

A palavra conativa origina-se do termo latino conatum, que significa “tentar

influenciar alguém através de esforço”. Para Samira Chalhub (1991, p.22), essa função

também é chamada de apelativa: “[...] numa ação verbal do emissor de se fazer notar pelo

destinatário, seja através de uma ordem, exortação, chamamento ou inovação, saudação ou

súplica”. A função conativa da linguagem muito se parece com o objetivo da propaganda,

que é, antes de tudo, provocar impacto a fim de que o destinatário, ou seja, o consumidor,

seja conduzido.

Ao falarmos no seu objetivo, faz-se necessário, por ser ele o alvo da

propaganda, que especifiquemos o que se designa pela palavra consumidor, principalmente

do ponto de vista da publicidade.

De acordo com o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1986), é “aquele que

compra para gastar em seu próprio uso”. No Dicionário Luft (LUFT, 1991) o mesmo

verbete não apresenta diferenças: “[...] o que compra para uso próprio e não para

comércio”.

Mas, em livros cujos temas são “marketing e propaganda”, como formação

discursiva, o significado da palavra consumidor é acrescido de significantes significados

(de nuanças caracterizadoras). Na obra Marketing: criando valor para os clientes

(CHURCHILL e PETER, 2000, p. 4), encontramos: consumidores são aqueles

[...] que compram bens e serviços para seu próprio uso ou para presentear outras pessoas. Os consumidores incluem indivíduos e famílias que fazem compras para

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satisfazer suas necessidades e desejos, resolver seus problemas ou melhorar sua vida.

Nesta obra, esse significado ainda é mais específico (o sentido se especifica) e

as palavras necessidades e desejos recebem conceitos particulares. Por necessidades de

consumidores compreende-se “as coisas necessárias para a sua sobrevivência” e por

desejos, “bens e serviços específicos – para satisfazer necessidades – e outros adicionais

que vão além da sobrevivência”.

Após compreender os significados de necessidades e desejos, podemos

entender o conceito de marketing: “[...] as organizações devem satisfazer as necessidades e

desejos dos clientes como meio de alcançar seus próprios objetivos, como lucros, por

exemplo”.

Agora, questionamos: “De que o consumidor realmente precisa ou o que

deseja?” A este questionamento não cabe ao consumidor responder, pois é o discurso

convincente, a função conativa da linguagem, os recursos visuais presentes na propaganda

que irão criar as necessidades de consumo. Citamos como exemplo a publicidade do relógio

Timex Ironman (CHURCHILL e PETER, 2000, p. 5): “Os consumidores não precisam de

um relógio para sobreviver, mas um Timex Ironman é um produto que 500,000

consumidores por ano compram e, aparentemente, desejam”.

Retomando a seguinte parte do enunciado: “[...] 500,000 consumidores

compram e, aparentemente, desejam”, destacamos a palavra aparentemente, que demonstra

a tão bem feita manipulação do discurso. Ou seja, o consumidor pode não desejar o relógio,

mas o compra – ou melhor, cria-se nele o desejo de comprá-lo. Ao mesmo tempo, no

discurso no qual se reflete este modo de textualizar, a afirmação de um desejo presente

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independe de consulta ao consumidor. Também é por isso que, mesmo admitindo-se que

um relógio seja necessário à sobrevivência, não se produzem apenas relógios, mas objetos

que são mais que um relógio. Nessa ótica, Timex não é um simples marcador de horas.

3.3 ESTRATÉGIAS DA PUBLICIDADE

Todos os dias, a televisão, as revistas, os jornais, as malas-diretas, os outdoors e tantos outros meios disputam espaços para a conquista dos consumidores. Nessa batalha pelas vendas, as regras são pouco respeitadas. Vale tudo. Às vezes, ganha a criatividade: outras, a contabilidade. Um dia, a emoção. Outro, a razão. A verdade é que qualquer artifício, bom ou não, é explorado. (NEWTON CESAR, 2000, p.197)

Se a principal tarefa da publicidade é vender o produto anunciado, ela utilizará

todos os recursos possíveis para atrair a atenção do consumidor, criar uma paixão entre os

dois e torcer para que esse casamento entre o consumidor e o produto seja duradouro (daí a

exploração tão comum, hoje, da fidelidade dos consumidores).

3.3.1 A INFLUÊNCIA DAS CORES

As cores são usadas para acalmar, motivar, relaxar e, no caso da publicidade,

vender. A cor no anúncio é fundamental, pois exerce papel importante em nível

psicológico. De acordo com Newton Cesar (2003, p. 197),

Para que o resultado do trabalho seja positivo na luta entre concorrentes x consumidores, a primeira coisa que o diretor de arte tem que saber ao definir a cor que será usada na comunicação é se o produto identifica-se com o psicológico ou com o racional. Isso faz toda a diferença.

As pessoas compram por dois motivos: emoção e razão. Quando o motivo é a

razão, o consumidor sente a necessidade da compra e a planeja. Já quando a compra é feita

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por emoção, não há planejamento, o consumidor é atraído pelo produto. Quando a compra

envolve a razão, a cor é ainda mais pertinente, pois ao planejar sua compra, o consumidor

certamente pensou na cor ideal.

A cor é escolhida de acordo com o consumidor a ser atingido pelo anúncio.

Para atrair as crianças uma cor será utilizada, e não poderá ser a mesma para um anúncio de

público jovem. Isto tudo porque a cor está, simplesmente, associada a algo: preto com

noite, branco com paz, verde com natureza. Para a publicidade, porém, a associação entre

as cores vai muito além desta simplicidade. A cor preta está associada à nobreza, à

seriedade; o vermelho, o laranja e o amarelo são cores chamativas, muito utilizadas em

anúncios de alimentos; o azul é sinal de credibilidade; o rosa, associado com a idéia de

delicadeza, é usado para crianças; o marrom não é uma cor usada em anúncios para jovens.

A respeito da importância das cores, Newton Cesar (2003, p. 200) afirma:

Os anúncios preto e branco possuem uma atração muito forte. O contraste entre as cores preto e branco torna-os chamativos. Entretanto, não há como negar que um anúncio em quatro cores possui um poder de atração ainda maior, atuando diretamente no aspecto psicológico do consumidor.

Através das cores a publicidade pode causar atração e impacto. E nessa tarefa

de atrair ainda mais o consumidor vários fatores requerem a devida atenção no momento de

escolher a cor certa portadora da expressividade adequada para a elaboração do anúncio de

determinado produto e do público ao qual se destina. A cor de um anúncio influencia

diferentemente e essa influência está relacionada diretamente com a moda, o tempo e o

lugar e o público-alvo.

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3.3.2 A INFLUÊNCIA DAS PALAVRAS

Num anúncio a palavra que entra em cena é muito bem escolhida. Seu papel

não será de figurante, mas de artista principal. Muitas palavras, muitas frases podem

comprometer a mensagem do anúncio. Por isso, cada palavra escolhida é cuidadosamente

analisada. Entre essas palavras, os verbos são cruciais. Eles ativam um anúncio,

principalmente quando estiverem na voz ativa. As frases curtas, com verbos na voz ativa,

modificam a ação.

Mas não somente os verbos se destacam num anúncio. Entre as demais classes

gramaticais, os adjetivos e os advérbios são considerados ótimos atores coadjuvantes. Cabe

a eles divulgar as características do produto anunciado: esclarecendo, informando,

excitando ainda mais.

Os anúncios publicitários estão carregados de palavras que valem mais do que

simples palavras. De acordo com o autor de Propaganda de Guerrilha, Levinson (1994, p.

221), as palavras seguintes têm imenso poder (pensemos nos valores sócio-ideológicos, nas

ressonâncias que as impregnam):

LIVRE – AMOR – SEGURO – NOVO – BENEFÍCIOS – CERTO – VOCÊ –

ALTERNATIVO – SEGURANÇA – LIQUIDAÇÃO – AGORA – GANHOS –

LANÇANDO – VENCER – DIVERTIDO – POUPAR – GANHAR – VALOR –

DINHEIRO – FELIZ – CONSELHO – DESCOBRIR – CONFIÁVEL – DESEJADO –

RESULTADOS – ATRAENTE – ANUNCIANDO – FÁCIL – CONFORTÁVEL – SEU –

COMPROVADO – ORGULHOSO – PESSOAS – GARANTIDO – SAUDÁVEL –

PORQUE.

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Apesar de não ser mencionada pelo autor, uma palavra mágica muito usada pela

publicidade é o vocábulo “mais”, inclusive encontrado nas análises dos anúncios do

presente trabalho.

Já este mesmo autor alerta para o não uso de algumas palavras, pois elas podem

comprometer o anúncio (o que não significa que elas não estejam compondo um pano de

fundo do que é dito, o não-dito, e o que deve ser esquecido):

COMPRAR – DIFÍCIL – MORTE – OBRIGAÇÃO – ERRADO – PEDIDO –

FRACASSO – DECISÃO – FALHAR – RUIM – ACORDO – CUSTO – VENDA –

SUSCETÍVEL – PREOCUPADO – PERDA – DURO – CONTRATO

A partir de uma análise minuciosa das palavras, as chamadas são elaboradas.

As chamadas são as frases de abertura de um anúncio. São elas as responsáveis por atrair a

atenção do consumidor e fazer com que ele termine de ler a mensagem do anúncio. O elo

inicial entre anúncio e consumidor é feito através das chamadas, portanto elas devem

sempre trazer algo tentador.

Segundo Levinson (1994, p. 212-214), estas são algumas dicas de chamadas

que atraem o consumidor:

1) Sua chamada deve transmitir uma idéia ou provocar o leitor para querer ler mais o anúncio. AGORA EXISTE UM SPRAY BUCAL QUE PODE AJUDÁ-LO A PARAR DE FUMAR!

2) Dirija a sua chamada diretamente para o leitor, ouvinte ou telespectador, um de cada vez, mesmo que 20 milhões de pessoas sejam expostas a ela. SE VOCÊ É FUMANTE, VAI GOSTAR DE CONHECER O SPRAY ANTIFUMO NON.

3) Enfatize o seu plano de pagamento facilitado – as pessoas gostam mais de números pequenos do que cifras enormes. TORNE-SE UM EX-FUMANTE POR APENAS $ 1 POR DIA DURANTE 5 DIAS

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4) Anuncie uma unidade grátis. GRÁTIS! O SEU SEGUNDO PACOTE DE NON NA COMPRA DO PRIMEIRO!

5) Ofereça informação de valor. FUMAR UM MAÇO DE CIGARROS POR DIA TIRA SEIS ANOS DA SUA VIDA. Veja como você pode para de fumar.

6) Comece a contar uma história – e depois continue no texto. GINA POPE FUMAVA UM MAÇO DE CIGARROS POR DIA. ENTÃO OUVIU FALAR DE UM NOVO SPRAY BUCAL QUE PODIA AJUDÁ-LA A ...

7) Use uma chamada estilo testemunho. “NUNCA PENSEI QUE PUDESSE PARAR DE FUMAR, MAS O SPRAY ANTIFUMO NON AJUDOU-ME A PARAR EM MENOS DE UMA SEMANA!”

8) Use uma chamada de uma palavra. Você pode imprimi-la em tipo bem grande, como se fosse sair da página. PARE!

3.3.3 A INFLUÊNCIA DA IMAGEM

A imagem impressiona e fascina. Desde a antigüidade a imagem vem sendo

transformada no modo de representação, seguindo as mudanças provocadas pelo

desenvolvimento. Através de sua materialização, constituiu-se em meio de comunicação

preeminente – sendo, desta forma, fundamental para a publicidade, que se apropriou de

seus recursos com muita eficácia.

De acordo com Newton Cesar (2003, p. 210), “na propaganda inúmeras são as

imagens que enfeitam, disfarçam o produto e enganam a realidade”. Para ele, o fato de a

publicidade tornar-se uma poderosa forma de comunicação deu-se através da supremacia da

imagem. Sendo grande produtora e consumidora de imagens, a publicidade, além de obter

ferramentas para criar imagens, possui também ferramentas para difundi-las nos mais

variados meios de comunicação.

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Uma imagem sintetiza e transmite emoções e idéias. Ela tem um papel mais

direto, emocional. Ela tem o poder de interferir nas vontades, sonhos e desejos de quem a

admira. Mas, para que haja compreensão da mensagem visual, é necessária a interação de

diferentes ferramentas: os signos plásticos (cores, formas, composição, textura); os signos

icônicos (motivos reconhecíveis) e os signos lingüísticos (texto). Por isto, a imagem deve

trabalhar em equipe com as palavras. Quanto mais integrado for o trabalho do diretor de

arte (imagem) e o do redator (texto), melhor será o resultado, ou seja, o anúncio.

As imagens atravessam as palavras, assim como as palavras atravessam as

imagens. Uma interfere no trabalho da outra. As palavras precisam estar em perfeita e clara

sintonia: a tipografia certa é fundamental, favorecendo a legibilidade.

Com a crescente generalização da imagem, criando ou apreciando-a, somos

levados todos os dias a interpretá-la, a utilizá-la, a analisá-la. Em relação às imagens tão

presentes em nossa vida, Joly (1996, p.10) afirma:

Um dos motivos pelos quais elas podem parecer ameaçadoras é que estamos no centro de um paradoxo curioso: por um lado, lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente “natural”, que, aparentemente, não exige qualquer aprendizado e, por outro lado, temos a impressão de estar sofrendo de maneira mais inconsciente do que consciente a ciência de certos iniciados que conseguem nos “manipular”, afogando-nos com imagens em códigos secretos que zombam de nossa ingenuidade.

Se uma imagem qualquer pode parecer tão ameaçadora, a imagem publicitária

não deixa dúvidas de sua intencionalidade. Por isso, uma iniciação a sua análise, um

movimento voltado a sua interpretação, certamente, diminuirá essa impressão de

passividade.

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3.4 IDEOLOGIA NO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Como já foi abordado, o discurso se produz como efeitos de sentido entre

locutores e esses efeitos são determinados pelas posições ideológicas inseridas em jogo no

processo sócio-histórico. No dizer, esse sentido é ideologicamente marcado e é no discurso

que a língua e a ideologia trabalham.

De acordo com Vestergaard (2000), a normalidade de comportamento e a

redução do problema são mecanismos essenciais adotados pela publicidade a fim de

convencer os leitores de que através do consumo é possível atender a suas necessidades e

solucionar seus problemas. Ou seja, na base desse edifício se encontra sempre um

problema, que se supõe que muitas pessoas tenham. A um problema sempre corresponderá

a melhor solução (porque não poucos oferecem solução).

Complementando ainda, esse autor (2000, p. 164) expõe que “[...] as mensagens

que, envoltas por uma aura de puro ‘senso comum’ (imaginário social), não só procuram

deter ou reverter a mudança social em andamento como pressupõem que semelhante

mudança é impossível”. Para exemplificar, o autor traz um anúncio publicitário sobre os

cuidados maternos. Se, nesse anúncio, a ideologia de amor entre mãe pelo filho for

quebrada, a maior parte das pessoas irá discordar, visto que, em nossa sociedade, o amor

maternal pode ser considerado como estrutura da família.

Em relação à ideologia na propaganda, Vestergaard (2000, p. 164), considera-a

[...] nefasta porque reforça as tendências que procuram tornar estática a sociedade – não no sentido de evitar o desenvolvimento de novos produtos e a criação de novas oportunidades de lazer, mas no retardar ou impedir a revisão dos princípios

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básicos da ordem social, quer no nível macro (democracia), quer no nível micro (papel dos sexos).

Para Sandmann (2002), a linguagem da propaganda também é reflexo e

expressão da ideologia dominante, ou seja, dos valores em que se acredita. Sendo assim, ela

aborda a maneira de ver o mundo de uma sociedade em certo espaço da história. Entre estes

valores, Sandmann (2002, p. 35) destaca alguns dos mais aceitos e que encontram

expressão na linguagem da propaganda:

(...) o valor do tradicional, do antigo, conjugado muitas vezes com o moderno e com o que tem qualidade; a juventude e a beleza como qualidades que podem ser permanentes ou imutáveis; o requinte dos alimentos, bebidas, trajes ou espaços físicos; ecologia e alimentos naturais; o vestir-se de acordo com a moda; sucesso pessoal ou profissional manifestado pela riqueza, pelos bens, roupas, carros, moradia, padrão alto de vida, status social; a eficiência de artigos de beleza ou roupas, principalmente as roupas íntimas femininas, para o início ou a continuidade das relações eróticas; o apreço pelo que tem origem estrangeira, com destaque ao que é de origem francesa principalmente ou anglo-saxã.

Todos os valores citados por Sandmann são vistos e revistos a todo instante na

imensidão do mundo publicitário que nos cerca por todos os lados. Classe, elegância,

poder, status são adquiridos automaticamente se consumirmos tal produto; uma pele de

bebê teremos aos setenta e tantos anos, se usarmos determinado produto; tenha todos os

homens aos seus pés, se... A propaganda, segundo Vestergaard (2000, p.173), “trata

primeiro de fazer a estética da mercadoria, transformando-a num desejável distintivo para o

consumidor, que espera obter um certo êxito particular”.

Para a Análise de Discurso, a noção de ideologia ganha maior amplitude: “re-

significar essa noção a partir da consideração da linguagem” é um de seus pontos fortes. A

AD reflete sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a

ideologia se manifesta na língua. Como afirma Pêcheux (1975), não há discurso sem sujeito

e não há sujeito sem ideologia. Sendo assim, Orlandi (2000, p.17) explica a relação entre

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língua - discurso - ideologia: o discurso é a materialidade específica da ideologia e a língua

é a materialidade específica do discurso. “Conseqüentemente, o discurso é o lugar em que

se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua

produz sentidos por/para os sujeitos.”

A presença da ideologia é atestada pela própria interpretação. De acordo com

Orlandi (2001, p. 90), “a ideologia refere o próprio fato de que a língua não é transparente

e que há injunção à interpretação em condições de produção em que joga a relação dos

sujeitos com os sentidos, no mundo”. E nessa relação dos sujeitos, conforme já abordado no

capítulo 2.2 “Formação discursiva e formação ideológica”, Foucault (apud ORLANDI

2000, p. 49) afirma que o sujeito discursivo é pensado como posição (um lugar) que deve e

pode ocupar todo indivíduo para ser sujeito do que diz. Dessa forma é que Orlandi

considera que os sujeitos são intercambiáveis, estão sempre falando a partir de uma

posição: mãe, professora, atriz, ou seja, não é um indivíduo concreto que cabe observar e

analisar, mas a posição subjetiva (discursiva) que eles representam na medida em que são

sujeitos de linguagem.

3.5 MAIS UMA ESTRATÉGIA DA PUBLICIDADE

Se a propaganda transforma-se em algo tão excitante, tão mobilizador, de que

maneira alcança tamanha façanha? Vestergaard (2000, p. 129), apresenta uma das receitas

de sucesso muito utilizada na publicidade: “Mostrando gente incrivelmente feliz e

fascinante, cujo êxito em termos de carreira ou de sexo – ou ambos – é óbvio, a propaganda

constrói um universo imaginário em que o leitor consegue materializar os desejos

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insatisfeitos da sua vida diária”. Para quem olha com certa atenção e reflete sobre os

anúncios que mostram, por exemplo, essa gente feliz por consumir determinada marca de

margarina no café da manhã, tudo pode parecer muito teatral. E mostrando gente

incrivelmente feliz e fascinante, além de rostos bonitos selecionados para as propagandas, a

publicidade recorre constantemente à presença de artistas explorados pela mídia. Afinal,

são pessoas que servem de referência ao produto anunciado.

Neste sentido, Sandmann (2002, p. 35) diz:

Lembramos a propósito as muitas propagandas com Pelé, Fittipald, Senna, Gérson, Faustão, Gugu Liberato, Xuxa e Regina Duarte. Parece, finalmente, não ser demais enfatizar que todos esses recursos são meios suasórios, recursos com que se quer persuadir o destinatário da mensagem, o possível consumidor principalmente.

Mas a utilização de figuras públicas em anúncios publicitários não é um dos

recursos da modernidade. Desde o tempo de Olavo Bilac e outros poetas de sua época, esta

estratégia já era utilizada. É o que podemos perceber em um de seus anúncios:

“Aviso a quem é fumante

Tanto o Príncipe de Gales

Como o Dr. Campos Salles

Usam Fósforo Brilhante.”

Neste anúncio, retirado do livro Redação Publicitária, Carrascoza (2003, p. 66)

faz referência a ele:

Nesse exemplo, já notamos que a utilização de figuras públicas foi, desde outrora, um recurso extraído do universo literário. Explorou-se tanto a citação que, atualmente, há uma saturação de testemunhais com artistas de novela, modelos, jogadores de futebol, pseudopersonalidades, e eles continuam invadindo os mass media.

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Os anúncios geram em torno de personagens que correspondem a aspirações

sociais. Devido à constante utilização dessa estratégia pela publicidade e por ser ela

bastante empregada nos anúncios publicitários infantis, seu estudo será mais especificado

no capítulo a seguir.

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4 A CRIANÇA E O DISCURSO PUBLICITÁRIO

4.1 CONSUMIDORES DO FUTURO?

A criança é um dos grupos de consumidores que mais cresce no país. Uma

pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que uma criança, ao completar 7 anos, terá,

aproximadamente, assistido a 140.000 comerciais de TV (Revista Cláudia, março 1999).

Isto sem contarmos com anúncios veiculados em revistas, outdoors, panfletos. E, de acordo

com a Revista do Consumidor (www.umacoisaeoutra.com.br/marketing/criança), publicada

pelo IDEC (Instituto de defesa do consumidor brasileiro), as crianças sofrem uma

exposição média anual de 30 mil mensagens publicitárias veiculadas pelos meios de

comunicação, inclusive a televisão. Esse número é equivalente a 80 mensagens apreciadas

por dia.

Cientes de que as crianças nunca tiveram tanto acesso à internet, TV a cabo, e

videogame, a necessidade de criar uma propaganda que se torne ainda mais envolvente é

tarefa árdua para os publicitários. “Atentos a esse fato, os fabricantes de brinquedos e

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artigos infantis aumentaram em 90% seu investimento em mídia no primeiro semestre deste

ano, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Ibope Monitor” (Revista

Marketing, outubro 2002).

Alvo fácil para os anunciantes, a criança está cada vez mais atenta para as

novidades que o mercado oferece. E o mercado não pára de investir nela. Vejamos alguns

exemplos desses enormes e constantes investimentos.

De acordo com Aires José Leal Fernandes (Revista Distribuição, agosto 2002),

diretor de marketing da Estrela, maior fabricante de brinquedos do Brasil, o público infantil

exige sempre novidades.

As crianças quebraram a hierarquia no poder de informação e hoje exercem forte influência não apenas na compra de bens de consumo, mas também na de bens duráveis, como, por exemplo, automóveis. Por ficarem muito mais tempo expostas à mídia, estão mais informadas que os próprios pais. Para acompanhar esse ritmo de exigências, a Estrela faz de 250 a 350 lançamentos por ano, praticamente um por dia.

Realmente estes números são dignos de atenção: “250 a 350 lançamentos por

ano, praticamente um por dia”. E mais surpreendente ainda é o esforço que a Estrela faz.

Mas a qual esforço estão se referindo? Esforço para satisfazer as exigências das crianças?

Ou esforço para satisfazer suas vendas, que lhes garantem o título de principal fabricante de

brinquedos do país? E nesse círculo vicioso, as crianças, através da mídia, ficam

informadas e exigentes (coisa aparentemente boa), e a empresa Estrela apenas “responde” a

essas exigências.

Preocupados em criar vínculo com os consumidores “do futuro”, empresas

desenvolvem atividades para que a criança possa interagir com sua marca. Segundo

Montigneaux (2003, p. 94),

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O relacionamento entre a marca e a criança não é uma comunicação de sentido único. Supostamente, há uma troca, uma interatividade. A relação deve ser entendida pela criança como algo vivo. A marca mobilizará a criança, solicitará sua curiosidade e estimulará sua imaginação. A criança deverá se colocar em ação, ler, descobrir, adivinhar, responder a questionamentos, mostrar-se astuta: atitudes que, nessa idade, lhe dão muito prazer.

E colocando a criança em ação, a Nestlé é um exemplo considerável do

investimento destinado aos consumidores mirins. Segundo a revista Distribuição (agosto

2002),

A Nestlé se rendeu de vez aos apelos do público infantil. Fabricante de quase mil itens de chocolote em suas 25 fábricas instaladas no Brasil, inaugurou “A Divertida Fábrica de Chocolate” em sua unidade de Caçapava, interior de São Paulo, onde crianças, adultos e clientes visitam as suas instalações e conhecem passo a passo as etapas de produção de sua linha de chocolate. Em 3 Km de corredores decorados com diferentes motivos infantis, os visitantes conhecem os setores de armazenamento da matéria-prima, mistura, confeitaria, montagem e embalagem dos chocolates.

E ainda não satisfeita com seus 3 Km de encantamento, a Nestlé desenvolveu

também o site www.nestle.com.br/chocofabrica, a fim de aumentar a interatividade com o

público infantil. Ações integradas para cativar as crianças também são realizadas em

shopping centers, escolas, pontos-de-venda, etc. É interessante notar o modo de

textualização do motivo da criação de “A divertida fábrica de chocolate”: pelo

“esquecimento” dos apelos anteriores da publicidade, aqui é o público infantil que aparece

como apelante, e o que a Nestlé faz é apenas render-se. E há um segundo apelo nessa

estratégia: é a proposta que se representa como educacional (produção de conhecimento).

Mas a busca do consumidor infantil não é somente estratégia dos fabricantes de

produtos para esta faixa etária. De acordo com a revista Marketing (outubro 2002), a Rede

Pão de Açúcar, empresa tradicionalmente destinada ao público adulto, abriu em 1998 o

primeiro supermercado educacional do mundo: o Pão de Açúcar Kids. Segundo Eduardo

Romero, diretor de marketing corporativo do Grupo Pão de Açúcar:

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A proposta é auxiliar, de forma educativa, as crianças a compreenderem seu papel como consumidores conscientes, sempre usando como exemplo a realidade. Por isso nosso espaço é aberto a outras empresas que também tenham iniciativas educacionais, pois podemos levar a realidade do universo da indústria e do varejo para mais perto dos jovens, sem perder o enfoque principal, que é o de desenvolver uma relação saudável e franca com os consumidores do futuro.

Diante desta proposta, podemos questionar alguns aspectos. Qual seria o papel

da criança como consumidor consciente? Como seria esse auxiliar de forma educativa? E

como seria esta relação saudável e franca com os consumidores do futuro? E por que

consumidores “do futuro”, se as crianças consomem o tempo todo?

No fim de semana do dia das crianças, em parceria com a Sadia, os

consumidores do futuro foram ainda presenteados com um curso no Pão de Açúcar Kids. O

tema não foi teatro, nem dobraduras, desenho, pintura ou música. Foi um curso de

culinária. Um curso um tanto curioso para crianças, mas para um supermercado e para a

Sadia parece ter sido bastante conveniente. Certamente, neste curso, a Sadia não ensinou-

lhes a preparar as salsichas da Perdigão, e tampouco está esperando que os consumidores

do futuro lembrem-se de suas receitas quando se tornarem adultos.

Será que com este exemplo de atividade desenvolvida no Pão de Açúcar Kids a

proposta desta rede está sendo cumprida? Vale a pena relembrá-la: “A proposta é auxiliar,

de forma educativa, as crianças a compreenderem seu papel como consumidores

conscientes, sempre usando como exemplo a realidade”.

Se a criança tem consciência ou não de seu papel de consumidor, não sabemos

ao certo ou até que ponto, mas o mercado tem muita consciência do novo comportamento

da criança e do dinheiro que essa faixa da população movimenta. De acordo com Oriana

White (Revista Propaganda, outubro 1999), diretora da CPM Market Research, empresa

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especializada em pesquisas de mercado que incluem também crianças, o mercado brasileiro

voltado ao público infantil movimenta US$ 50 bilhões anuais. Oriana compara o mercado

infantil brasileiro ao mercado americano:

Nos Estados Unidos, as vendas voltadas ao público infantil são da ordem de US$ 200 “bilhões”. Ou seja, no Brasil o consumo infantil representa 25% do americano, o que impressiona pelo fato de que, em média, os americanos gastam dez vezes mais que os brasileiros em outros segmentos de consumo.

De acordo com Paolo Landi (2002), “São cada vez mais as crianças que, com

quatro anos, já conhecem o valor do dinheiro”. E para demonstrar um pouco mais de sua

autonomia diante do ato de consumir, vejamos o lançamento da linha de estojos da Faber

Castell, destinada às meninas da faixa etária dos 8 aos 12 anos. Segundo a Revista

Distribuição (agosto 2002), “Os produtos dirigem-se a meninas independentes e arrojadas,

que também gostam de comprar com suas mesadas produtos diferenciados [...]”.

Destacamos aqui o público-alvo desse lançamento: meninas de 8 a 12 anos, e a

forma como esse produto foi pensado e elaborado, a fim de agradar meninas mais

independentes e arrojadas. Se as crianças forem consideradas consumidores do futuro, este

futuro nunca esteve tão próximo, ou melhor, tão presente. E não importa muito o que possa

dar-se a entender com independentes e arrojadas, desde que cada menina se identifique com

os adjetivos, que naturalmente aparecem como qualidades não só positivas, mas desejáveis.

4.2 FIDELIZAÇÃO DO PÚBLICO INFANTIL

Diante de consumidores mais presentes do que nunca, o mercado e,

conseqüentemente, a publicidade irão explorar o universo infantil de todas as maneiras.

Sendo assim, empresas dos mais variados segmentos aumentam suas verbas em

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comunicação para fidelizar o consumidor infantil. Lembremos que a noção de fidelidade

está muito presente na área da propaganda – visto que se dá como uma relação de virtude,

de tal modo que suscita também a idéia de que deve ser premiada.

Segundo Eliseu Urban (Revista Marketing, outubro 2002), diretor de marketing

da Abril Jr., para ganhar espaço nesse mercado, não é suficiente conquistar apenas o

coração infantil, ou seja, o consumidor final. A campanha deve atingir os pais também:

“Tentamos mostrar a eles o quanto podem contribuir para a educação de seus filhos”. A

empresa está sempre investindo na fidelização de seus clientes mirins. Um exemplo desses

investimentos é a promoção dos robôs Megaletronix que acompanha a revista Recreio. A

revista é o carro-chefe da editora nessa área. Com isto Urban conclui: “Além de

despertarmos a leitura nessa área, ainda fornecemos um brinde, o que estimula a divulgação

boca a boca do produto”.

Mas o que Urban não conclui, mas nós deduzimos, é que a leitura agrada ao

pai, e o brinde, ao filho. E para a divulgação da revista são feitas campanhas durante o ano

inteiro, principalmente no período de volta às aulas – período em que a atividade da leitura

é mais reforçada e incentivada.

O canal Nickelodeon, também da Abril, desejando estar mais próximo do seu

telespectador, promoveu jogos interativos em dez escolas do Rio de Janeiro e São Paulo no

dia das crianças (2002). De acordo com a diretora de marketing desse canal, Monika

Cavaliere (Revista Marketing, outubro 2002), “A idéia é tornar esse evento anual e estendê-

lo para mais escolas. Queremos estar no ambiente da garotada e fazer um contato direto

com ela para ganhar sua fidelidade”.

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Também atenta ao público infantil, a AmBev, Companhia de Bebidas das

Américas, firmou parceria, através do guaraná Antarctica Caçulinha, com duas empresas

que se destacam no universo infantil: Estrela e Cartoon Network.

A parceria com a Estrela deu-se por meio da boneca “Susi Pipoca & Guaraná

Antarctica Caçulinha”. A boneca, além de vir vestida com roupa e acessórios que lembram

o refrigerante, vem com miniaturas de pizza, pipoca e, é claro, Guaraná. Já na parceria com

o Cartoon Network, os irmãos Caçulinhas de personagens famosos desse canal, como a

Vaca e o Frango, foram criados com o objetivo de incluir o Guaraná Antarctica Caçulinha

no dia-a-dia das crianças. Segundo a gerente de marketing dos refrigerantes Ambev, Rita

Nunes (Revista Propaganda, outubro 2001), os desenhos – aos quais o Guaraná Antarctica

Caçulinha passa a ser vinculado – são de caráter educativo. “Queremos que o produto faça

parte da vida das crianças de forma saudável e com o consentimento dos pais”. Com essas

duas parcerias, a Ambev espera aumentar e fidelizar crianças no consumo de refrigerante.

Mas não é somente o mercado dirigido ao consumidor infantil que vem

procurando fidelizar o público mirim. De olho num futuro próximo, muitas empresas já têm

essa preocupação, e Montigneaux (2003, p. 22) apresenta uma justificativa:

A criancinha de hoje é o adulto de amanhã. Para as empresas, é necessário conquistar sua fidelidade o mais cedo possível. As marcas podem solicitar, legitimamente, da criança a esperança de reencontrá-la amanhã como consumidora para que, finalmente, os filhos que tenham se tornem, eles também, novos consumidores. Quantas vezes compramos jujubas, caramelos, chocolates e bombons para nossos filhos pensando primeiro no prazer que tivemos quando éramos pequenos?

É o caso do Omo Multiação (a marca de sabão em pó da Unilever), que nos faz

refletir por que um sabão em pó atrairia uma criança. Em princípio, por nada! Mas, e se

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esse sabão em pó vier acompanhado de um dos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo,

como o Saci, a Cuca, a Emília, o Visconde de Sabugosa ou o Marquês de Rabicó?

Reforçando a mensagem “Não há aprendizado sem manchas”, que incentiva a

criatividade como parte do desenvolvimento infantil, o Omo Multiação, em parceria com a

Brinquedos Estrela, lançou a promoção “Omo – Sítio do Pica-pau Amarelo (Revista

Distribuição, abril 2002). Na compra de dois cartuchos do produto e mais um valor em

dinheiro, o pequeno consumidor leva para casa um dos bonecos da série. E para completar

a coleção, ele terá de pedir para a mãe comprar mais oito cartuchos.

Mas as parcerias não param por aí! E, se sabão em pó virou coisa de criança,

quem disse que combustível (gasolina, álcool ou diesel) não pode se tornar também? A

Shell (Revista Marketing, setembro 1999) acredita que brincadeira é coisa de criança, e

essa é sua estratégia para conquistar seus clientes futuros:

Dentro de sua campanha mundial Shell for kids, a empresa parte para sua Segunda etapa no Brasil, em associação com a Lego Brinquedos. Ao comprar combustível ou derivados em seus postos, o consumidor poderá adquirir um dos dez modelos Lego criados especialmente para a promoção por R$ 2,99 – o preço normal seria de R$10.

Essa campanha tinha como expectativa comercializar mais de 200 mil unidades

de brinquedo, visto que, em sua primeira fase, Collezione Ferrari, alcançou mais de 2

milhões de unidades.

Se combustível e brinquedo fizeram tanto sucesso entre as crianças, podemos

imaginar a repercussão da Elma Chips, líder no ramo de salgadinhos, aliada à diversão. E

dentre as suas incessantes promoções, vejamos aquela de 1997. Em cada embalagem desse

salgadinho havia um Tazzo, ou seja, uma carta para a criança colecionar e jogar com os

amigos. Paralelo ao investimento na mídia, de acordo com o diretor associado de marketing

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da empresa, Fernando Mazzarolo (apud SAMPAIO, 2000, p. 158), foram visitadas 4.000

escolas no Brasil e atingidas milhões de crianças. Mazzarolo ainda comenta que, durante a

campanha, eles se surpreenderam com os convites das escolas para demonstrarem o jogo do

Tazzo dentro da própria instituição, pois temiam que pudesse existir resistência ao produto.

“Os educadores, em geral, acharam a atividade muito construtiva para os alunos e

incentivaram muito. Eles nos chamavam na sala de aula para demonstrar o jogo lá dentro”.

Sendo assim, de acordo com Sampaio (2000, p. 159):

Nesse caso, tem-se uma campanha que é deflagrada na mídia e que incentiva a criança a brincar (o Tazzo) com os amigos no seu tempo de lazer. [...] no ato de colecionar as peças do jogo, trocar as peças repetidas com os amigos e, finalmente, ao brincar com o Tazzo, a criança fortalece o vínculo com o produto e tem mais uma oportunidade de associá-la ao prazer da brincadeira.

Seguindo esse exemplo, Sampaio traz o “Teatro Danoninho”, que é realizado

nas escolas. As mensagens trazidas através dos espetáculos dizem respeito à alimentação,

higiene, meio ambiente, etc. E, como não poderia deixar de ser, todas as mensagens são

associadas ao conceito do produto patrocinador do espetáculo: Danoninho e seus super-

heróis, os Glicídeos, Lipídeos e Protídeos. Segundo a gerente de Marcas, Nora Mirazón

(apud SAMPAIO, 2000, p. 159):

O objetivo da promoção é a construção de um vínculo sólido entre a criança e a marca: esse conjunto de aspectos faz diferença na hora da escolha da marca. E, como as crianças são cada vez mais influenciadoras na escolha de seus produtos, a comunicação com esse público deve ser sólida o suficiente para se criar um relacionamento entre elas e a marca.

Através das atividades realizadas, grandes marcas procuram obter da criança

admiração considerável, a fim de que esse público lhe seja fiel no decorrer dos anos. Dessa

forma, procuram estar ao seu lado desde a infância. Criar laços profundos e um bom

relacionamento com o consumidor é garantia de preferência. E sobre esse relacionamento,

Montigneaux (2003, p. 88) afirma:

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A marca constitui um ponto de referência, sobretudo de permanência, já que ela está, a um tempo, no espaço (em vários produtos, em diferentes suportes) e também no tempo, se tornando, assim, uma espécie de fio condutor entre gerações. É uma entidade por inteiro, um ser comunicante, dotado de verdadeira identidade e capaz de estabelecer um relacionamento com seu consumidor.

Mas, o autor adverte ainda que esse relacionamento necessitará de três

princípios (2003, p. 94):

a) personificação – Cada criança é considerada como um ser único, um consumidor reconhecido e tratado com tal. O estilo de redação direto, vocabulário infantil, a utilização do seu prenome para dirigir-se a ela demonstram a sua personificação no discurso;

b) pertinência – Responde às expectativas da criança. É medida pelo sentido que a marca dá a seus produtos. O discurso da marca só faz sentido se ela adotar a visão da criança e considerar suas preocupações pessoais;

c) permanência das mensagens – Traduz-se pela constância no tempo, das mensagens da marca em diferentes suportes: na publicidade, na embalagem, na promoção, etc. . “A marca deverá, portanto, manter um relacionamento tão freqüente quanto possível, como faria qualquer criança com seus amigos, convidando-os, telefonando ou escrevendo para eles”.

4.3 A INFLUÊNCIA DA CRIANÇA NA HORA DA COMPRA

Para exemplificar a influência das crianças na hora da compra, vejamos um

anúncio da Sadia (v. Anexo 1) sobre os produtos da “Clubinho Sadia” (salsichas, mini-

salsichas e minipizzas), linha desenvolvida especialmente para as crianças. Este anúncio

não foi dirigido ao público infantil, mas aos “atacadistas e distribuidores de produtos”

(Revista Distribuição, julho 2000). É a esse público que o anúncio se refere. A Sadia se

anuncia para os donos de supermercado, para que eles comprem e vendam seus produtos

alimentícios.

Iremos, neste anúncio, analisar a mensagem do texto, pois é significativa no

tema abordado. O anunciante ocupa quase que totalmente a folha expondo o seu produto, e

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ele traz a seguinte chamada no alto dela: Apresentamos o maior apelo de vendas do

Clubinho Sadia: “Mamãe eu quero.”

“Mamãe eu quero” é o maior “apelo” de vendas do Clubinho Sadia, ou seja,

apela à fala da criança. E este apelo de vendas prossegue sendo mais explicativo ao pé da

folha:

“Você mais do que ninguém sabe da influência de compra que a criançada

tem sobre os pais. Pediu, comprou. Por isso que caprichamos tanto no preparo do

Clubinho Sadia. E o resultado é que, hoje, as salsichas e Mini Salsichas Sadia são líderes

de mercado e as Mini Pizzas Sadia, as únicas feitas especialmente para o público infantil,

são sucesso absoluto. Não deixe de levar as delícias do Clubinho Sadia para sua loja.

Afinal, carinho, ingredientes saudáveis e formatos divertidos fazem qualquer criança

comer brincando e você vender dando pulos de alegria”.

Reforçamos que o você do anúncio se refere ao dono do supermercado que,

segundo a Sadia, é a pessoa que mais conhece o poder de influência do pequeno

consumidor, pois deve ouvir inúmeras vezes os mais diversos apelos das crianças aos pais,

desde os mais meigos até os mais dramáticos. Por isso, ele sabe: “Pediu, levou”. E, sendo

assim, ele deve ter todos os produtos da linha Clubinho Sadia, pois irá vender “dando pulos

de alegria”.

Através deste anúncio, podemos observar como a influência da criança não é

brincadeira. Ela é levada muito a sério pelos donos de lojas, pelos anunciantes, pelos

publicitários.

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Dona do canal infantil Nickelodeon, a Viacom publicou um estudo do mercado

infantil. O resultado dessa pesquisa mostra que uma percentagem maior do que 40% das

compras dos pais são influenciadas pelos filhos, e 65% dos pais afirmam que realmente

ouvem a opinião das crianças em relação às compras realizadas para a família.

A influência da criança já vem ganhando espaço desde os anos 80 e vem

crescendo constantemente. Para Inês Sampaio (2000, p. 147),

O nosso ponto de partida é a constatação de que a criança e o adolescente ocupam um lugar de destaque na mídia televisiva brasileira. Esse é um dado recente da década de 80, quando a programação infantil ganha importância crescente nas diversas emissoras e explode a oferta de comunicação dirigida a esse público.

Em conseqüência dessa explosão dos programas infantis, a publicidade

identifica a criança como um consumidor promissor. E assim, a criança deixa de ser

interesse apenas dos pais e da escola, passando a ser destaque e interesse da propaganda,

particularmente da publicidade, e do marketing (revista Blitz, setembro 1986, apud

SAMPAIO 2000, p. 147).

Aristides Molina, diretor do TV Criança, em 1986 (SAMPAIO 2000, p. 147)

reforça o crescimento do consumidor infantil associado à programação específica a essa

clientela: “Doa a quem doer, um programa para crianças, bem-feito e colocado em

determinados horários, é uma vitrine de produtos infantis, proporcionando inesgotável fonte

de renda”.

Em relação ao poder de compra adquirido na infância, Ernesto Giglio (1999, p.

107) acrescenta:

Resumidamente, a idéia de uma infância, tal como a entendemos hoje, é um dos resultados da revolução cultural e industrial do século passado. Com a mecanização e especialização, diminui a necessidade de mão-de-obra inexperiente, aparecendo um período em que a pessoa nada mais tinha a fazer

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senão estudar para trabalhar. Com a ascensão econômica da classe média e o tempo disponível... foi nascendo um mercado consumidor destes aprendizes, primeiramente voltado para a educação, mas aos poucos sendo focado no lazer, na sexualidade e na convivência social.

Dessa maneira, os profissionais, atentos a esses desenvolvimentos, foram

percebendo que os jovens cada vez mais cedo já têm opinião formada sobre o que

consumir. Segundo Giglio, as crianças na faixa de 3 a 10 anos decidem por si mesmas e, em

muitos casos, têm seu próprio dinheiro para a troca.

A revista Distribuição (agosto 2002) nos faz lembrar que há pouco tempo a

tarefa das compras para casa era praticamente exercida pelas mães, mas quando elas

começaram a entrar no mercado de trabalho, tiveram de dividir esta tarefa com as

empregadas domésticas. E em cada etapa dessas transformações, as crianças foram

passando mais tempo em frente à televisão ou navegando pela internet. Dessa forma, foram

se tornando mais independentes, informadas, influentes e exigentes para realizarem suas

compras. (Nessa ótica; por outra, seriam cada vez mais dependentes).

De acordo com Aires José Leal Fernandes (Revista Propaganda, outubro

1999), diretor de marketing da Estrela:

No Brasil dos últimos anos, crianças, desde cedo, têm liberdade de escolha, ao contrário dos Estados Unidos e Europa, onde os pais ainda determinam o que é melhor para os filhos em praticamente tudo. A criança brasileira fala de igual para igual, como o adulto na hora da compra.

A pesquisa “Gerações 2000 América Latina”, realizada pela Cartoon Netwoork

(Revista Distribuição, ibidem), mostra com clareza o poder de persuasão que as crianças

exercem junto aos pais. Participaram dessa pesquisa mil crianças das classes A e B, 50%

meninas e 50% meninos, entre 6 e 12 anos de idade. Desse número de crianças, 400 foram

entrevistadas no Rio de Janeiro, 400 em São Paulo, e 200 em Porto Alegre.

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Para a pergunta “O que as crianças mais pedem e mais ganham?”, do ponto de

vista dos pais, as alternativas mais votadas foram: biscoitos (47%), roupas (42%) e

refrigerantes (37%). Mas o mesmo questionamento feito às crianças se diferenciou das

respostas dos pais: roupas (54%), brinquedos (40%) e biscoitos (35%). Os biscoitos ficaram

em terceiro lugar nos pedidos das crianças, mas, de acordo com os pais, é o pedido que é

mais atendido. Segundo a diretora de Marketing da Itamaraty, Carla Marino Cepeda, “as

crianças adoram biscoitos crocantes e recheados, e eles precisam ser exatamente do tipo

que elas querem”. Para Carla, esse tipo de atitude demonstra o poder de informação e

influência da criança na hora da compra. Paramos para refletir aqui a respeito do que eles

chamam de informação.

Pesquisas como essa são feitas freqüentemente para identificar o

comportamento do público infantil. Segundo a Revista Distribuição (agosto 2002),

Para a indústria de bens de consumo, é fundamental conhecer as particularidades e o comportamento de cada faixa etária dessa população para desenvolver e lançar produtos, mantê-los em evidência, substituí-los por marcas que renovem o interesse da criança por um certo tipo de produto, ou conquistar novas fatias do mercado.

Diante de todas essas pesquisas de mercado, as crianças são apontadas como

pólos de atração que têm cada vez mais influência para a introdução dos mais variados

produtos, com destaque especial para as roupas, os brinquedos e os biscoitos.

4.4 A PRESENÇA DA CRIANÇA NO ANÚNCIO

É com facilidade que podemos lembrar do comercial do sabão em pó Omo,

onde alguém bate inesperadamente à porta da dona de casa e lhe oferece o produto para ser

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usado como experiência no lugar daquele outro já usado. Depois de uma semana, o

pesquisador voltava àquela casa e verdadeiros milagres haviam acontecido por lá: a dona de

casa lavava o dobro de roupas que costumava lavar, o branco das camisas ficava mais

branco, as roupas não perdiam as cores. Mas o verdadeiro milagre mesmo acontecia com a

dona da casa! Ela simplesmente parecia outra: com “cabelos alisados” e roupas elegantes,

reinava a alegria no, agora, organizado lar.

De acordo com a revista Distribuição (agosto 2002), “A multinacional anglo-

holandesa, que sempre utilizou depoimentos de consumidoras para reforçar as qualidades

do seu principal produto, agora está utilizando a imagem de crianças e brinquedos para se

comunicar com o mercado”. Com o slogan “Não há aprendizado sem manchas”, A Omo

não pára de investir na criança. Como nos mostra a promoção já referida “Omo – Sítio do

Pica-pau Amarelo” e outras, como “Omo leva você ao filme do Scooby-doo”, os anúncios

envolvem recreação em revistas infantis.

Aires José Leal Fernandes (revista Distribuição, agosto 2002) atribui todo esse

investimento na criança à influência que ela vem exercendo: “Hoje, as crianças determinam

as compras. Por isso, é cada vez mais freqüente a imagem delas na publicidade dos mais

diversos produtos”. Em relação à exposição da criança nos anúncios, Sampaio (2000, p.

152) afirma:

O reconhecimento da participação destacada da criança no mercado de consumo brasileiro impulsiona a sua maior visibilidade na mídia. A criança é mais interpelada pela publicidade que reconhece: 1) a sua condição privilegiada de consumidor atual, com poder razoável de decisão sobre as compras de artigos infantis; 2) de consumidor do futuro, a ser precocemente cortejado tendo em vista o processo de fidelização de marca; 3) o seu poder de influência sobre itens de consumo da família.

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De acordo com a opinião de publicitários, a presença da criança nos anúncios

também é uma grande estratégia, pois uma criança ouve com atenção o que a outra tem a

lhe dizer; ela tem um forte apelo emocional que sensibiliza até mesmo os adultos; ela

favorece o rejuvenescimento da marca anunciada e, além disso, tem forte empatia com os

anunciantes, favorecendo assim a aprovação do anúncio.

Em sua visão crítica, Paolo Landi (2001, p. 83) faz analogia com a criança:

“Uma criança é uma mercadoria. O problema não é vender-lhe algo. O problema é vendê-

la. Às televisões, às indústrias, aos patrocinadores.” E em relação à presença da criança

anunciando, Inês Sampaio (2000, p. 212) afirma que “[...] assim como os produtos e marcas

são posicionados no mercado, a imagem da criança é também posicionada nas esferas

públicas mediáticas com base nos critérios e interesses próprios de sistema de propaganda a

partir de sucessivos processos de escolha”.

Sendo assim, Sampaio identifica tipos e atividades recorrentes da criança na

publicidade: a criança ‘feliz’, a criança ‘sapeca’, a criança ‘fantasiosa’, a criança ‘precoce’

e a criança ‘ingênua’. Para Sampaio (2000, p. 213), a imagem da criança feliz vai bem ao

encontro do que a propaganda em si tende a transmitir. A propaganda já se destaca como

gênero em que os atores vivenciam um mundo extremamente feliz, e a imagem da criança

anunciando não difere em nada nessa felicidade contagiante. “A publicidade está repleta de

rostinhos sorridentes e eufóricos. Suas representações constituem demonstrações

programadas de alegria associadas ao consumo dos mais diversos produtos”. Segundo a

autora, o tipo de representação da criança feliz é o mais disseminado na propaganda e está

muitas vezes associado com a sapeca, com a fantasiosa, a precoce.

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Na publicidade, a felicidade se torna, praticamente, a condição natural da criança. No gênero, ser criança significa ser feliz e ser feliz constitui um estado de espírito conquistado, antes de tudo, através do consumo de produtos – biscoitos, chocolates, brinquedos, roupas – e dos símbolos a eles associados.

Visto que a imagem da criança feliz está mixada à da criança sapeca, podemos

deduzir que a travessura é motivo de felicidade. Segundo Sampaio (2000, p. 214),

As crianças “sapecas” são, simplesmente, umas gracinhas. Elas chamam a atenção dos adultos por suas expressões e gestos (caretas, piscar de olhos, sorriso maroto, etc.), por suas perguntas e reflexões desconcertantes, por seus conselhos e atitudes pouco recomendáveis e por suas inúmeras travessuras.

A criança sapeca é fortemente caracterizada com representações de provocação

diante daquela que ainda não tem o produto anunciado. Sampaio cita como exemplo a

propaganda da bota, do chinelo e do cinto da Minnie e do Mickey, onde um grupinho de

crianças caçoava do consumidor que ainda não havia adquirido o produto: “Você não tem a

nova botinha e o novo chinelo da Minnie? Eu não acredito”.

Outro exemplo interessante da criança sapeca observado por Sampaio é a

propaganda da boneca Cambalhotinha, onde a criança que anuncia dá conselhos ao

consumidor de como ele deve proceder para ganhar esse brinquedo: fazer cena, mostrar um

rostinho zangado, cruzar os braços. A garotinha ainda termina a propaganda dizendo

“Cambalhotinha da Estrela, faça tudo para ganhar a sua”.

Ainda em relação à criança sapeca, Sampaio faz referência àquelas propagandas

cujo foco são as travessuras infantis. Elas brincam com o produto e enlouquecem os pais,

pintam o sete diante de pais indefesos.

Na propaganda que destaca a criança fantasiosa, Sampaio (2000, p. 218) afirma:

Ela participa de aventuras fantásticas, lutando contra monstros ameaçadores, assumindo a condição de personagem em seus sonhos e/ou brincadeiras, transformando-se em príncipes, princesas, xerifes, policiais, etc. Em outros casos

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ela viaja com seu “bebê” para o reino encantado da fantasia ou vive aventuras perigosas dentro da sua própria casa.

Nesse tipo de representação, a compreensão mágica do mundo da criança, seus

sonhos e seus desejos são muito valorizados. Percebe-se claramente essas características

nas propagandas de Nescau, em que a lata do próprio produto é a responsável por derrotar

monstros e seres que surgem do nada. Sampaio ainda destaca que a propaganda fantasiosa

também é bastante relacionada com o adulto, só com uma diferença: enquanto a criança

fantasia acontecimentos irreais, o adulto fantasia seus sonhos e desejos num plano mais

concreto.

Já na propaganda onde prevalece a criança precoce, tem-se uma imagem da

criança com concepções, atitudes e visual inspirados em modelos adultos. Ilustrando esse

tipo, Sampaio traz como exemplo a propaganda da Melissa que acompanha uma

bonequinha. Nela, uma menina explica à amiga que comprou a Melissinha não por causa da

boneca, mas pelo fato de a sandália combinar com “seu estilo mais adulto”. Sendo assim, a

amiga lhe pede a boneca e ela responde “Que é isso, menina! Deixa de ser criança. Eu

estava só brincando”.

Segunda a autora, nem todas as propagandas envolvendo crianças precoces são

tão explícitas assim. Geralmente, elas preferem abordar o tema de forma mais implícita:

sapatos com plataformas altas, bolsas, óculos escuros, bonés com abas para trás, etc. . “O

vestuário próximo aos padrões da moda jovem confere a essas crianças uma aparência

menos infantil. Eles se assemelham, em tais casos, a jovens em miniatura”.

Mas, além das peças recorrentes do vestuário dessas crianças, um outro sinal do

comportamento precoce é o envolvimento das crianças com a paquera, o amor. Nessas

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propagandas, as meninas têm sua beleza e graciosidade realçadas, expressas nas posturas,

gestos e poses e os meninos suspiram por suas amadas, revelando através de olhares, gestos

e expressões sua enorme paixão diante da aceitação ou menosprezo da mulher amada.

Por fim, Sampaio (2000, p. 223) faz referência à criança ingênua expressa pela

publicidade:

Elas não são bobas, mas acreditam facilmente em estórias inventadas pelos adultos. Sabem das coisas, mas suas explicações só são capazes de convencer os seus próprios pares. São desprovidas de “malícia”, ou seja, não dispõem ainda de conhecimentos amplos sobre os bastidores da vida adulta. Menos do que em atitudes concretas, a ingenuidade das crianças se expressa na publicidade através de gestos e expressões pueris.

A imagem da criança ingênua vem acompanhada de alguns artifícios

desenvolvidos pela publicidade: fardamentos escolares, roupas de dormir, músicas suaves,

ambientes de cores ternas.

4.5 ÍDOLOS E PERSONAGENS DO ANÚNCIO INFANTIL

Como já foi abordado, Sandman (2002, p. 35) afirma que a presença na

publicidade de estrelas como Xuxa, Pelé, Gugu, entre tantas outras, em um meio suasório, é

um recurso bastante persuasivo para o destinatário.

Confirmando a idéia desse autor, vamos ilustrá-la com o anúncio das sandálias

“Havaianas”, considerado um dos maiores sucessos da propaganda brasileira da última

década (Revista Propaganda, julho 2003). Em 1994, esse produto estava em declínio, pois,

carregando o preconceito de ser consumida pelas pessoas de classe inferior, os

consumidores de classes mais altas rejeitavam o produto. Procurando reverter esse

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conceito, foi lançada a “Havaianas Top” com a campanha “Todo mundo usa”. E para

comprovar essa idéia, nada melhor do que convidar estrelas famosas para afirmar que todo

mundo usa, ou melhor, que o produto não serve somente para os pobres. Em nove anos

dessa campanha, 35 personalidades diferentes já declararam que também usam as

“Havaianas”. Resultado: o produto já ultrapassou a marca de 100 milhões de pares e

conquistou todas as classes sociais.

A publicidade infantil, além de utilizar a imagem de estrelas já consagradas por

esse público – apresentadoras de programas infantis, cantores, dançarinas, atletas,

jogadores, atores – dispõe de um aliado imbatível: os próprios personagens de seus

desejosos programas e desenhos animados. De acordo com Montigneaux (2003, p. 103): “O

personagem é colocado no centro do relacionamento marca-criança e melhora o sistema de

comunicação da marca ao aproximá-la da criança.” Para ele o personagem é a porta

principal de entrada para a marca. Sendo assim, esse autor (2003, p.240) afirma:

A utilização dos personagens melhora o desempenho global da marca no mercado. No plano dos mecanismos de consumo, esses personagens desempenham seu papel não só no recrutamento de novos consumidores como também, igualmente, ao assegurar a sua fidelidade.

Montigneaux (2003, p.116) justifica o sucesso dos personagens:

Contrariamente aos elementos, como o nome da marca ou o slogan, os personagens são uma representação com imagens que não exige da parte da criança qualquer tratamento cognitivo além da percepção. O personagem é capaz, portanto, de transmitir à criança as diferentes dimensões de sua identidade ou as características do produto sem que isso exija da criança o menor esforço de compreensão.

Diante dessa afirmação, podemos concluir que o personagem no anúncio

contribui ainda mais para a acomodação da criança, pois como Montigneaux salienta, o

personagem é capaz de passar as qualidades do produto, sem que isso exija da criança o

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menor esforço de compreensão, ou seja, quanto menos o anúncio ativar na criança sua

faculdade de pensar e refletir, mais fácil será manipulá-la e convencê-la da compra.

Dessa forma, entre uma bolacha qualquer e outra contendo na embalagem um

personagem admirado por ela, a criança não hesita: escolhe a bolacha do Spider-man. E

assim, os pedidos se sucedem: “Eu quero a salsicha da Mônica, a agenda da Susi, a mochila

da Emília, o chiclets Yu-gi-oh, o chocolate do Scooby-doo, a lancheira das Meninas

Superpoderosas, a camiseta do Pluto, o xampu do Snoopy, o lápis do Batman, o caderno do

Dragon Boll Z, o penal do Digimon, a escova de dente do Nemo, a pastinha do Piu-Piu, o

perfume do Celolinha, o gel do Michey, a borracha da Barbie, o condicionador do Pateta, o

biscoito do Tazz, a sopa do Donald, o chinelo do Super Man”.

Dessa forma, para Sampaio (2000, p. 157), a criança pode conviver com seus

personagens e apresentadores preferidos, não só quando liga a televisão, mas durante todo o

seu dia. Ela pode tomar banho com o sabonete do Snoopy, tomar o café da manhã com o

Mickey e a Minnie em seus copinhos e pratos, levar a Xuxa para passear com sua

mochilinha. E assim, Sampaio conclui “[...] a descrição evidencia, claramente, o

envolvimento da criança numa rede de consumo que é deflagrada, simultaneamente, a partir

das diversas mídias (TV, cinema, livros, etc.) e preenche o cotidiano infantil com seus

personagens e ídolos”.

Vincular produtos às imagens de personagens é uma prática originária da

cultura de marketing norte-americana, mas, de acordo com o presidente da ABRAL –

Associação Brasileira de Licenciamento, Sebastião Bonfá (Revista Distribuição, agosto

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2002), a atividade de licenciamento já existe no Brasil há pelo menos 45 anos e vem

crescendo em nosso país cerca de 10% ao ano.

Em 2000, os produtos com marcas licenciadas movimentaram quase R$ 2,4 bilhões. Os segmentos de roupas, calçados, alimentos e brinquedos, nessa ordem, são os que mais licenciam marcas e imagens. Licenciamento é uma excelente alavanca de marketing. Produtos com licenciamento são mais perenes no mercado.

Fornecer produtos com imagens de personagens consagrados pela mídia,

incluindo cinema, novelas e desenhos animados, é, sem dúvida, muito vantajoso para a

indústria. Segundo a diretora de Licenciamento Promocional da Cartoon Netwoork no

Brasil, Adriana de Sousa (Revista Distribuição, ibidem), a empresa aproveita o sucesso de

seus desenhos animados, utilizando seu próprio canal de TV como mídia destinada ao

público infantil.

Com mais de 11,5 mil títulos de desenhos, a Cartoon pode licenciar seus

personagens ou colocá-los para interagir com as marcas anunciantes através dos

licenciamentos promocionais. Exemplificando esse tipo de publicidade, o diretor de

publicidade e marketing publicitário da Turner Internacional do Brasil, Rafael Davini Neto

(Revista Propaganda, janeiro 2003), cita a propaganda do leite condensado Mocinha. Nela,

os personagens de desenhos animados da Cartoon, A Vaca e O Frango, se atrapalham todos

para tentar fazer um produto igual ao Mocinha. Depois das tentativas frustradas e

engraçadas, eles assumem que só a Nestlé é capaz de fazer um produto tão bom assim.

Segundo Neto, nesse caso, “As crianças não percebem onde termina a atração e começa o

break”.

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4.6 MERCHANDISING NA PROGAMAÇÃO INFANTIL

Merchandising significa um conjunto de ações cujo objetivo é potencializar a

comunicação publicitária de uma empresa, marca, produto ou instituição. O número de

técnicas que caracterizam o merchandising na publicidade brasileira é enorme. Podemos

considerar como merchandising tudo que não está incluído na mídia de massa e utiliza

explicitamente linguagem publicitária (Revista Advertising, setembro 2000).

Na novela, a atriz pega sua bolsa “x”, entra em seu carro “y” e apressadamente

passa num caixa eletrônico de um banco e resolve todos os seus problemas. Todas essas

ações são realizadas de forma muito natural, como se fizessem parte de um contexto da

própria história. Tudo isso é feito para que o telespectador não perceba que está apreciando,

sem querer, anúncios dos mais variados produtos e tipos.

De acordo com Dagoberto Dalsasso, sócio-consultor da Simões e Dalsasso

Estratégias Eficazes de Marketing (Revista Advertising, setembro 2000), o limite do

merchandising está no uso equilibrado do enfoque e da tônica de exposição do produto ou

da marca. Ele é uma grande ferramenta de potencial elevado de persuasão, embora nem

sempre seja percebido isso.

Perante essa situação, como fica o caso do público infantil? Se até mesmo o

adulto, muitas vezes, não toma conhecimento da publicidade que vem anexada em seu

programa, a criança raramente pode fazer essa diferenciação. Além de a criança ser mais

indefesa, a programação infantil é repleta de merchandising, convidando constantemente a

criança a entrar no mundo maravilhoso do consumo. Ações de comunicação voltadas ao

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incentivo ao consumo estão impregnadas em muitos programas. No programa “Eliana na

fábrica de brinquedos”, de 23 de setembro de 2003 (esse programa é transmitido pela Rede

Record todas as tardes), a apresentadora Eliana, entre uma atração e outra, “pára

discretamente a programação” e anuncia os brinquedos da Bonotto (bonecas, ursos,

bichinhos que levam também o nome da apresentadora). E o anúncio se dá de forma muito

harmoniosa, como se nada estivesse fugindo do alegre programa. A apresentadora mostra

cada brinquedo de uma vez, evidenciando suas qualidades, o que acompanha, explicando

como se brinca e não se cansa de afirmar que, com esses brinquedos, as crianças vão se

divertir muito.

Esse tipo de programação extrapola os limites da propaganda e do próprio

merchandising, pois engana a criança. E até mesmo aquela que consegue distinguir

propaganda de programação, sofre influência no sentido de consumir. Durante o tempo de

permanência desse programa no ar, são constantes as propagandas da “sandalinha da

Eliana, cd da Eliana, vídeo da Eliana”. E em alguns deles, a própria Eliana anunciava.

Segundo Inês Sampaio (2000, p. 149),

O critério fundamental para a definição de permanências ou alterações na configuração de tais programas é a sua cota de audiência que funciona também como um indicativo do prestígio e poder dos apresentadores. É, em relação a eles, também, que são negociados os contratos de produtos associados à imagem dos apresentadores.

Mas não é somente nos programas infantis que acontece o merchandising. Nos

cinemas, o merchandising já é utilizado desde o século 20 para prolongar a moda do uso do

chapéu e aumentar as vendas do cigarro (Revista Marketing, abril 2002). Hoje há uma

verdadeira aglomeração dessa estratégia, incluindo os filmes infantis. No filme “Xuxa e os

duendes II”, o merchandising entra forçosamente na história e faz parte dela. Numa das

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cenas do filme, quatro crianças, no café da manhã, comem bolachas Passatempo e mostram

a novidade do produto: ao comer o biscoito, ficam com a língua colorida. E assim a

garotada consome o produto e se diverte muito, fugindo completamente do enredo da

história.

Sem lógica, também acontece o merchandising no filme Castelo Ratimbum,

mas, agora, de maneira mais discreta. Entre uma cena e outra do filme, aparece um garoto

comendo Choquito. Apesar de essa propaganda ser feita rapidamente, a imagem não faz

sentido algum para a história.

Já na mídia impressa, o merchandising é difícil de acontecer. Seria complicado

ler os comentários dos colunistas utilizando seu espaço para tecerem notas sobre os sobre

determinados produtos, e um anúncio que procura imitar a paginação editorial,

obrigatoriamente, coloca a informação de que se trata de um informe publicitário.

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5 METODOLOGIA

A realização deste trabalho envolveu análise de anúncios publicitários

impressos e pesquisa de campo.

Com o intuito de mostrar como os anúncios publicitários infantis estão sendo

elaborados (estratégias discursivas), foram analisados anúncios publicados na revista

infantil Recreio, por ser uma das revistas destinadas ao público infantil mais apreciada por

essa faixa etária (7 a 11 anos). A revista Recreio foi lançada no início de 2000 pela Abril

Jovem, divisão da editora Abril. É um veículo semanal, com média de 44 páginas altamente

coloridas e atrativas. Seu conteúdo editorial baseia-se na informação apresentada às

crianças de forma lúdica, tratando de assuntos como ecologia, ciência, comportamento e

atualidades.

Embora a televisão seja um meio fundamental na transmissão da propaganda,

optou-se pelos anúncios impressos, pois fica difícil arquivar e estudar a propaganda

televisiva. Enquanto no material impresso podemos observar o anúncio num todo, na TV

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seria estudado em partes para ser apresentado num trabalho. Em relação à mídia impressa,

Montigneaux (2003, p. 232) afirma:

A revista é uma mídia da qual a criança poderá se apropriar facilmente. É um objeto que lhe pertence, é seu. Ela poderá adaptar o fluxo de imagem à sua própria capacidade de assimilação e segundo o seu humor de momento. Os concursos ou jogos que se encontram nessa imprensa mantêm um diálogo ativo com a criança.

Sendo assim, foram observados muitos anúncios publicitários veiculados pela

revista Recreio a partir de 2001 até o início de 2003, e entre eles foram escolhidos e

analisados nesse trabalho os mais pertinentes à pesquisa, do ponto de vista da variedade de

estratégias de elaboração, e que, de alguma forma, representaram os demais. Foram

escolhidos 4 anúncios do ano de 2001, 8 de 2002 e 1 de 2003 (o número reduzido de

anúncios de 2003 se justifica por restrições relativas ao cronograma da pesquisa).

E para investigar os efeitos provocados pelos anúncios nas crianças e verificar a

percepção dos pais a esse respeito foi realizada uma pesquisa de campo. Ela foi aplicada no

mês de novembro de 2002, com 260 pais de alunos do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série)

de um colégio de rede particular de ensino. Esses alunos representam uma amostragem da

classe média da população de Tubarão.

Utilizou-se como instrumento de pesquisa, para coleta de dados, questionário

semi-estruturado com questões objetivas e subjetivas. Os dados obtidos no questionário

foram estudados com base no referencial teórico e nos anúncios publicitários analisados.

A entrega do questionário aos pais foi realizada pelos professores de 1ª a 4ª

série. Ele foi aplicado com os pais de alunos das faixas etárias da 1ª série (6 a 7 anos), 2ª

série (7 a 8 anos), 3ª (8 a 9 anos) e 4ª (9 a 10) nos períodos matutino e vespertino, por ser,

em média, a idade dos leitores da revista Recreio.

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Junto ao questionário foi elaborada uma comunicação aos pais, esclarecendo

sobre a pesquisa e informando acerca da disponibilização dos resultados obtidos após a

análise.

Pelo fato de lecionar para séries iniciais do ensino fundamental, percebemos na

prática a influência e os efeitos causados pelos anúncios publicitários nas crianças. Logo

após o lançamento de um determinado produto, os alunos na escola já estão comentando;

alguns já o trazem para a escola e despertam nas outras crianças ainda mais a vontade de

possui-lo.

Devido a atitudes consumistas como essas, percebe-se o quanto a escola precisa

intervir e contribuir para uma visão mais crítica a respeito do discurso publicitário. Percebe-

se que em alguns livros didáticos destinados a essas séries a preocupação em instruir o

aluno nesse sentido já é uma realidade. Um exemplo desse trabalho é percebido no livro

didático “Construindo a escrita” (CARVALHO, 2003, p.82):

Em uma linguagem que mistura a palavra e a imagem, a propaganda sabe construir recursos para educar, para informar, para convencer as pessoas a comprar produtos e serviços, e é necessário que a gente entenda um pouco mais das intenções de quem faz as propagandas e dos recursos que elas utilizam (...) O objetivo do nosso trabalho é prepará-lo para compreender essa importante forma de comunicação. Para compreender a propaganda, é preciso analisá-la.

E dialogando com a criança dessa maneira, a análise da propaganda é

produzida: observando atentamente, refletindo, reavaliando, interpretando. É necessário que

essa realidade seja mais abrangedora e constantemente trabalhada em sala de aula, em casa

e em qualquer situação na qual envolva o discurso publicitário.

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6 ANÁLISE DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS INFANTIS

A linguagem publicitária em seu propósito de atrair a atenção do público (cliente em potencial) explora, não raro com bastante eficácia, recursos expressivos contidos na própria estrutura significante do sistema lingüístico. Dessa forma, realiza, em algumas formulações, um trabalho do sentido sobre o sentido, incorporando o caráter oscilante e paradoxal que perpassa a língua no registro do cotidiano. (LEANDRO FERREIRA, 2000, p. 114).

Neste capítulo serão analisados treze anúncios infantis veiculados pela revista

Recreio. Dentre os vários anúncios observados no período (2001-2003), fez-se necessário

selecionar um número razoável, considerando as estratégias postas em função, para

desenvolvermos a análise individual e de conjunto e, assim, verificarmos como o discurso

publicitário utilizado para o público infantil vem sendo elaborado e como produz efeitos.

6.1 BATON GAROTO

O anúncio (v. Anexo 2) inicia com a seguinte chamada: “Meninos não têm

jeito”. E por se tratar de uma indignação que diz respeito ao sexo masculino, podemos

concluir que o anúncio se dirige ao time feminino infantil.

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Além do mais, ele vem acompanhado por características já determinadas do

universo feminino. A mensagem do anúncio é estampada numa folha arrancada de agenda

ou diário (objetos ligados à menina), folha cujos tons variam em rosa claro e escuro (a cor,

ideologicamente, feminina); ainda apresenta flores ao fundo (figura altamente associada à

mulher) e é marcada com um beijo de batom (o aliado número um da beleza feminina), que

medeia o texto central e a imagem do chocolate (produto que só é inferido a partir da

marca: Garoto). A mensagem parece dirigir-se exclusivamente às meninas.

Para a Análise do Discurso, o modo como as palavras se materializam no texto

e como essas mesmas palavras ganham corpo no discurso é o principal. E como já foi

abordado, o sentido está aquém e além das palavras. Para Orlandi (2000, p. 44), “Os

sentidos não estão [...] predeterminados por propriedades da língua. Dependem de relações

constituídas nas/pelas formações discursivas”. Palavras aparentemente iguais podem ter

sentidos diferentes, se estiverem inscritas em formações discursivas diversas.

Nesse anúncio, apesar das palavras “Baton” (chocolate) e “batom”

(maquiagem) terem sentidos diferentes, podemos observar a correlação entre elas e o jogo

que aí se estabelece. Em ambos os casos os meninos desejam tirar “seu” Baton, ou seja, o

Baton das meninas. A ação ‘tirar’ sugere dois sentidos: tirar 1 (pegar) e tirar 2 (beijar).

Apesar de o Baton da mensagem vir escrito com maiúscula e terminar em ‘n’, a

confirmação do duplo sentido da ação ‘tirar’ é representada pela imagem de um beijo de

batom na folha da agenda e, por fim, pelo Baton nas duas opções: chocolate preto e branco.

Batom, em português, remete ao cosmético em forma de pequeno bastão, para colorir os

lábios [rouge à lèvres em francês], e se origina do francês bâton, ‘bastão’, ou qualquer

pedaço de substância em forma de bastão. Apesar de o nome do chocolate ser Baton, a

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leitura tende a associar esse nome imediatamente a batom, também por força da imagem da

marca de batom na página – que indicia, por sinal, uma boca de mulher adolescente ou

adulta, não de criança.

O pronome possessivo seu vem garantir, além da aproximação da mensagem

com o leitor, uma compra antecipada do produto anunciado, e ela é ainda mais reforçada

pelo advérbio sempre. Se os meninos estão sempre querendo tirar o Baton das meninas, é

porque elas sempre compram Baton. E ainda interpretando o ‘tirar’ como beijar, chegamos

à conclusão de que os meninos estão sempre querendo beijá-las. E não é um simples beijo

no rosto que irá retirar o seu batom. Se o menino quer retirar o batom da menina, é sinal de

que já está disponível a ela esse artifício de beleza usado pela mulher adulta. Um beijo de

batom numa folha de agenda ou diário de uma menina também nos remete às suas paixões,

suas paqueras, suas fantasias.

Todas essas atitudes são evidenciadas no anúncio como se já fizessem parte do

cotidiano do mundo infantil da menina. Mas, muitas dessas atitudes também são afirmadas

como já pertencentes ao comportamento dos meninos.

Esse anúncio carrega em si ressonâncias de um machismo subentendido. Um

menino, ao lê-lo, pode se sentir honrado por ter sua virilidade em alta. Destaca-se a

condição do homem de ser esperto, destemido, persistente e esforçado no rumo ao seu

objetivo. E, por outro lado, a sua condição de ser galanteador. Desde cedo, já é cobrada do

menino uma postura determinante nas decisões amorosas. De acordo com a posição que

ocupa, em correlação com a cultura em que se insere, é a ele que cabe tomar a iniciativa. E

a menina, numa situação de revolta camuflada, sente-se a própria donzela à espera do

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príncipe encantado que lhe dará um beijo apaixonado. E cabe a ela, ou melhor, a sua

posição demonstrar, mesmo gostando, a sua indignação diante dessa atitude.

Trabalhando contra a evidência dos sentidos, percebe-se que o anúncio é

certeiro e faz desaparecer a imagem peculiar do destinatário feminino. Ele tanto agrada às

meninas – apoiando-as e tomando aparentemente partido delas – como aos garotos, por

destacar as principais qualidades de um verdadeiro homem. E é claro que esse chocolate só

podia ser chamado de “Garoto”.

Para finalizar o anúncio, ainda temos o convite à ação no imperativo “Compre

Baton”, que explicita seu objetivo. Nos comerciais de tevê desse mesmo anúncio, esse

enunciado é repetido inúmeras vezes, tornando-se característica do produto.

Ao observar mais de perto o tipo de diálogo que o anúncio mobiliza, pode-se

sentir o efeito de intromissão na intimidade da menina: é como se um adulto se desse o

direito de surrupiar uma folha de caderno (ou diário) para deixar um recado: Meninos não

têm jeito é um lugar-comum, um topos comumente assumido e repetido por quem não é

menino – poderia ser a própria menina. Mas tirar seu Baton representa a voz desse outro,

dissimulado na posição subjetiva de conselheiro.

6.2 TÊNIS KLIN

Ao nos depararmos com os enunciados nesse anúncio (v. anexo 3):

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“Pra ficar...

Pra ir ao dentista...

Pra conversar com as amigas...

Pra paquerar...

Pra fazer o que você + gosta...

Tênis Klin!”

lembramo-nos do pré-construído a respeito do calçado ideal. De acordo com Courtine

(apud BRANDÃO, 1994, p. 39), “o pré-construído remete [...] às evidências através das

quais o sujeito dá a conhecer os objetos de seu discurso: ‘o que cada um sabe’ e

simultaneamente ‘o que cada um pode ver’ em uma situação dada”. Nesse caso, o calçado

ideal é aquele com que se pode realizar diversas atividades e freqüentar vários lugares (o

mesmo calçado). O modelo, a cor, o estilo, entre outras características do calçado, são

analisados, para que a escolha seja bem sucedida, ou seja, aquele calçado que combina

preferencialmente com tudo.

E essa análise é mais consciente quando se trata de calçado para crianças, pois,

por estarem em fase de crescimento, deixam logo de usar seus calçados, praticamente

novos. Essa é uma queixa constante dos pais. As roupas de seus filhos são compradas em

números maiores e servem para o ano seguinte. Esse tipo de compra jamais pode ser

realizada com o calçado, que deve estar perfeitamente confortável nos pés para evitar

problemas de postura, dificuldade para andar e correr.

Se é típico da publicidade resolver todos os problemas, eis aí a grande solução

que o Tênis Klin nos apresenta (O Klin da marca parece estar associado – através de uma

releitura – ao termo clean do inglês: limpo, claro, puro, asseado, inocente). Este anúncio

traz, de forma implícita, o problema econômico e, de forma bastante explícita, a solução

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para ele. Além disso, em coluna à direita, fala com os pais através de uma certificação da

Sociedade Brasileira de Pediatria e apoio de empresas ligadas ao bem-estar da criança.

Joga, portanto, com o discurso da legitimidade, que se traduz em garantia.

O Tênis Klin é um calçado que oferece desde o número 14 até o 32. Sendo

assim, ele calça bebês e crianças de até 9 ou 10 anos no máximo. No entanto, pela faixa

etária de crianças que atende, é de se estranhar que quem apareça anunciando o produto

pareça uma pré-adolescente fantasiada de adolescente. Em se tratando de propaganda de

calçado, geralmente o modelo aparece calçando-o. Mas não ficaria nada bem essa (pré)-

adolescente estar usando esse tipo de tênis. A modelo destoa do sapatinho de menininha.

Por isso, o anúncio destaca a imagem da modelo em close, e o produto anunciado,

combinando ou não com a adolescente, fica sob ela. O aparente exagero do anúncio está

nessa falta de emparelhamento – que também ocorre no anúncio da Garoto (este, em vez de

um rosto, traz a marca de batom, e a boca não é infantil).

Mas além de uma imagem contraditória com o público infantil, estamos diante

de uma mensagem que também não é dirigida a esse público. Pelo menos ficar, paquerar

não são, ou não deveriam ser atitudes de crianças.

Ao lado de cada enunciado desse anúncio é colocado ainda um adesivo típico

de adolescente: Oba, festa!; Odiei; Fui. Esta parte do anúncio simula um diálogo em que a

menina reagiria, a cada circunstância, de um modo correlato: ficar/amar; ir ao

dentista/odiar; conversar com as amigas/confidencial; fazer o que mais gosta/festa. A

imagem do tênis que aparece à direita é do tipo “pra ficar”, que tem como resposta correlata

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Fiquei! Esses termos e outros também presentes fazem parte do vocabulário do

adolescente.

Sendo assim, questiona-se: “A quem está sendo dirigido esse anúncio?” Ao

adolescente, que não usa esse tipo de tênis e para quem nem o mercado oferece a

numeração, ou à criança, que não deveria ter a programação descrita pelo anúncio?

Percebemos que a linguagem que está sendo utilizada começa a fazer, precocemente,

sentido para o público infantil.

6.3 NESCAU

Em termos de achocolatados, o Nescau é líder disparado, porém a marca não se

descuida e está sempre inovando na embalagem, no próprio produto, e, como não poderia

deixar de ser, na publicidade (v. Anexo 4). Como afirmamos no capítulo 4.2, Montigneaux

(2003, p. 94) adverte que para um bom relacionamento entre a marca e a criança, a

pertinência “permite responder de maneira eficaz às expectativas da criança, enviando uma

nova oferta”.

Sendo assim, temos o Novo Nescau. Agora o produto, que já era bom, ficou

ainda melhor com mais vitaminas e sais minerais. Reconhecendo que os efeitos de sentido

são produzidos pela relação com o interdiscurso, a memória discursiva, retomemos

Pêcheux (1999, p. 52):

[...] a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os “ímplícitos” (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.

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Recorrendo à memória discursiva, reconhecemos que os pais têm uma grande

preocupação em relação aos filhos: a alimentação. Seu desejo é que eles cresçam fortes e

saudáveis. Cientes desse implícito, os produtos alimentícios e, conseqüentemente, seu

discurso é enriquecido com essas palavras: sais minerais, vitaminas, cálcio, leite, ferro.

Esses são ingredientes, ou melhor, argumentos bastante convincentes para os pais

adquirirem o produto.

Diante dessas “palavrinhas mágicas”, convém refletirmos sobre o teste

realizado com onze achocolatados (Revista Pro Teste, abril 2003), particularmente, sobre

essa análise:

Alguns fabricantes tentam vender a idéia de que um produto é melhor por conter vitaminas e minerais. Na verdade, a fortificação não é tão boa quanto se imagina, até porque o objetivo principal dos achocolatados é dar sabor ao leite puro, alimento tão importante para todas as faixas etárias. Entre os onze achocolatados de nossa pesquisa, oito anunciavam vantagens extras, mas, a não ser em casos especiais, você não precisa de alimentos fortificados. O ideal é sempre adotar uma dieta alimentar correta.

Mas tais informações são omitidas, “esquecidas”. Dessa forma, segundo o que

o produto anuncia, essas vitaminas e sais minerais a mais resultarão em “mais força para

sua energia”. Joga-se com uma correlação que, a partir de um elemento considerado

positivo, só poderia ser “mais”: quanto mais x, mais y” (quanto mais vitaminas e sais

minerais, “mais força para sua energia”).

E o “mais” da força resultante ao fazer uso desse produto é aparentemente

demonstrado pela imagem do que a sua força pode fazer, ou seja, a força da criança. Nessa

imagem, a força é demonstrada pelo domínio total de um animal feroz, um cão de raça

pitbull, tendo as patas dianteiras e traseiras amarradas com cordas grossas. Ainda em

relação ao cão, é necessário identificarmos que a corrente usada por ele não é para animais,

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mas é típica de uma tribo de jovens conhecida como Pitboy. Composta por homens muito

agressivos, cujo animal de estimação preferido é o pitbull, a tribo se caracteriza por ser

altamente violenta. O animal, associado a força e violência, aparece de língua de fora,

deixando transparecer seu cansaço na tentativa inútil de se soltar.

O anúncio reforça uma atitude nada apreciável para com o animal; poderíamos

considerá-la até desumana. A criança, vendo que o anúncio se dirige a ela, pode valer-se do

mesmo exemplo e seguir o que o anúncio afirma, pois a tendência da criança é interpretar

uma mensagem “ao pé da letra”.

Mas isso não parece preocupante para os anunciantes, pois a única advertência

que é feita no sentido de evitar que uma criança imite o que a imagem nos mostra, é uma

frase minimizada bem abaixo do anúncio: “O animal não recebeu maus-tratos para a

realização deste anúncio. Não tente fazer isso em casa”. Parece-nos que o tamanho da fonte

(6) foi escolhido mais para descomprometê-los em relação a uma possível investida do

Ibama, do que para fazer uma advertência às crianças. Além de machucar o animal, a

criança poderia acabar sendo machucada por ele, visto que, mesmo considerado indefeso,

um animal pode acabar ferindo a criança para defender-se. Mas em relação a isso, nada é

alertado.

Ao ver este anúncio, a criança sente-se atraída pela força que o produto é capaz

de lhe proporcionar. Uma das qualidades que a criança é levada a admirar nela mesma é a

força, e isso a faz voltar-se a atividades com base em uma série de elementos de memória

de sua cultura: ela come para ficar forte, faz exercícios para ficar forte, ela cai e faz um

esforço imenso para não chorar porque é forte, ela assiste aos seus heróis dos desenhos e

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filmes e admira a força deles, ela quer ser forte como o pai. Diante desse desejo, podemos

imaginar o prazer que a criança pode sentir ao se ver na possibilidade de dominar o animal

do anúncio da maneira como ele se apresenta. E, para a criança, esse desejo é possível e

simples de se realizar: é só tomar o novo Nescau.

Mas a força que o produto proporciona não vem só representada através da

dominação do animal, mas também pela imagem do skate com rodas gastas, pela bola de

futebol bem usada, pelas chuteiras jogadas, pela própria chamada do anúncio que, pela

tipologia irregular, mais parece uma arte da criança na parede de sua casa – tudo

displiscentemente apresentado no anúncio reforçando atitudes de uma criança cheia de

energia, com muita força, que não se cansa, muito ativa, muito sapeca e reforçando também

algumas atitudes incoerentes com o cidadão que a nossa sociedade deveria formar.

Destacam-se ainda no anúncio as palavras mágicas empregadas nele: novo,

agora, sua, muito, mais. Faz-se necessário, ainda, destacar as cores utilizadas nele. A cor

do animal, da bola, do piso, do rodapé, do papel de parede, do skate, da corda, enfim, de

quase todo o anúncio: são tons neutros, variantes do marrom e do bege, associados à cor do

chocolate. Em preto há apenas alguns detalhes, bem como a mensagem escrita. Somente o

produto anunciado e o selo da marca Nestlé na promoção Show do Milhão têm cores vivas,

as de sua embalagem: vermelho, amarelo, azul. Aliás, destaca-se nesse aspecto o jogo de

parcerias na propaganda: é o anúncio dentro do anúncio.

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6.4 LINHA TILIBRA SÍTIO DO PICAPAU AMARELO

Ao voltar a ser exibido pela tevê, o programa “Sítio do Picapau Amarelo”, com

seus novos atores representando os personagens consagrados da obra de Monteiro Lobato,

fez sucesso absoluto com a garotada. Diante de tamanho sucesso, o licenciamento dos

integrantes do Sítio não pára de crescer: biscoitos, roupas, brinquedos, óculos, produtos de

higiene pessoal, material escolar. No subcapítulo 4.5 “Ídolos e personagens do anúncio

infantil”, vimos o quanto o personagem melhora o sistema de comunicação com a criança.

De acordo com Montigneaux (2003, p. 240):

A utilização dos personagens melhora o desempenho global da marca no mercado. No plano dos mecanismos de consumo, esses personagens desempenham seu papel não só no recrutamento de novos consumidores como também, igualmente, ao assegurar a sua fidelidade.

E dessa forma, a Tilibra traz como lançamento Volta às aulas 2003: a linha

Sítio do Picapau Amarelo, e em seu anúncio (v. Anexo 5) traz a fantasia, o desejo e sonho

da criança em vivenciar o papel desses personagens. Afinal, toda menina gostaria de ser a

encantadora Narizinho, ou então, a esperta e sabichona Emília, e todo menino desejaria se

tornar o valente e corajoso Pedrinho.

A Tilibra parece tornar esse sonho muito fácil de se realizar, ao alcance da

criança. Ela sugere às crianças que troquem seus nomes pelos dos personagens. Os modelos

do anúncio estão representando todas as crianças, ou seja, todas elas podem ter seus nomes

trocados. A própria identidade da criança está em jogo.

Para começar, a forma como a criança é anunciada mostra o quanto sua

identidade é dispensável. “os nomes deles são karla, larissa e rodrigo” (exatamente assim,

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com letras minúsculas). O pronome deles (os nomes deles) mostra um distanciamento com

as crianças. Falta um substantivo que lhes dê identidade mais marcada: “essas crianças se

chamam” ou “os nomes desses garotos são”. Só o pronome deles fica bastante vago –

embora a construção dê um toque mais familiar do ponto de vista lingüístico. Ainda mais

quando a primeira seqüência é acrescida da segunda com o auxílio da conjunção

adversativa mas: “mas pode chamar de emília, narizinho e pedrinho.” Se o “deles” já podia

marcar indiferença pelos nomes próprios dessas crianças, o “mas argumentativo” vem para

reforçar a idéia.

Os modelos mirins apresentam-se bastante felizes – felicidade essa comprovada

pelos sorrisos que revelam a idade, pela troca dos dentes na segunda dentição. Em todo

caso, essas crianças não foram produzidas como “mocinhas”, como no anúncio de Klin. Os

três sentam próximos uns dos outros numa pedra em meio a um jardim e têm as mãos

carregadas de materiais escolares do “Sítio do Picapau Amarelo”. Todos bem à mostra.

A mensagem do anúncio prossegue no final da página afirmando que “A

Larissa e seus amiguinhos vão levar todos os personagens do Sítio do Picapau Amarelo

para a escola”. Observe-se que agora não é mais a Karla, a Larissa e o Rodrigo, é a Larissa

e seus amiguinhos, para dar a idéia de que muitas outras crianças também farão isso. O

nome no diminutivo, amiguinhos, também sugere uma aproximação maior com a criança,

por reforçar a idéia de que tudo que é para criança é pequeno, ou melhor, pequenininho.

Como afirma Montigneaux (2003, p. 94), “A criança não é mais aquele consumidor

indiferenciado entre a grande massa, mas um indivíduo reconhecido tratado como tal (estilo

de redação direto, vocabulário infantil [...]”.

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E o anúncio segue com “Juntos, eles vão fazer a maior farra no recreio, mas vão

ter que ficar bem quietinhos na hora da aula”. Damos destaque à forma “juntos” que,

propositalmente, inicia a frase demonstrando o quanto as crianças e os personagens do Sítio

estarão juntos na escola. Com isso os objetos inanimados – cadernos, penais, pastas –

estampados com os desenhos dos personagens, parecem ganhar vida e, assim, participar

ativamente de todas as atividades realizadas na escola.

E seguindo a advertência de ficar “quietinhos” (outro nome no diminutivo) na

hora da aula, vem a justificativa: “Porque, se não prestarem atenção, a professora vai ficar

brava. E a Cuca vem pegar”. Destaca-se aqui a despreocupação com a aprendizagem e,

contraditoriamente, essa despreocupação vem de uma marca de materiais escolares.

Segundo o anúncio, durante a aula eles precisarão ficar quietinhos, mas não porque seja

necessário estar atento para uma melhor aprendizagem: é porque a professora ficará brava.

Dessa forma, o aluno precisa tomar essa atitude não pensando nele, em seu aproveitamento

escolar, mas na reação de sua professora. Com esse comportamento do aluno, está sendo

enfocada uma educação autoritária: conforme essa linha, o aluno mantinha certas atitudes

por medo do professor, um sujeito distante e mantenedor da ordem. E neste anúncio, a

professora vem associada à personagem malvada Cuca: “[...] a professora vai ficar brava. E

a Cuca vem pegar”.

Esse discurso encara a sala de aula como um lugar de posições definidas, onde

deve imperar a disciplina. A distância não preenchida entre a promoção da aprendizagem e

o entretenimento fica mostrada pela omissão do que a obra de Monteiro Lobato representa

para a literatura infantil. A farra com os personagens está reservada ao recreio.

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Percebe-se também que a profissão de professor, no anúncio, aparece somente

no feminino, eliminando o sexo masculino dessa atividade, pelo menos nas séries iniciais.

Reforça-se, assim, o pré-construído de que educar criança é tarefa e obrigação da mulher.

6.5 BISCOITO TRAKINAS

Como já foi abordado, a pesquisa Gerações 2000 América Latina (Revista

Distribuição, agosto 2002) aponta que, de acordo com os pais, entre os vários pedidos de

compra, biscoitos é o item que a criança mais pede e ganha (depoimento dos pais). E do

ponto de vista da criança, os biscoitos também são sempre lembrados por eles, ficando em

terceiro lugar. Dessa forma, podemos perceber que biscoito é coisa que criança adora. Por

isso, podemos encontrá-los nas mais diversas formas, sabores, marcas. E,

conseqüentemente, também podemos encontrar os mais diversificados anúncios sobre

biscoito.

Como resultado de constantes campanhas (v. Anexo 6), o biscoito infantil

Trakinas (usa-se de traquinagem no próprio nome, que aparece com o k invertido) tornou-

se líder na sua categoria, reforçando o conceito de que “Trakinas é a sua cara” (Revista

Propaganda, abril 2003). Tal conceito vem sempre expresso nos anúncios desse biscoito, e

esses anúncios são freqüentemente veiculados pela revista Recreio. Conforme abordamos

no subcapítulo 4.2, de acordo com Montigneaux (2003, p.95), “A marca deverá, portanto,

manter um relacionamento tão freqüente quanto possível, como faria qualquer criança com

seus amigos, convidando-os, telefonando ou escrevendo para eles”.

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Diante desse conceito, cabe, primeiramente, nos determos no próprio nome do

biscoito: Trakinas. Apenas sofrendo a alteração, não sonora, mas escrita da letra ‘k’ por

‘qu’, temos como significado do adjetivo traquinas – travesso, sapeca. O nome do biscoito

carrega toda essa carga semântica e, ao afirmar-se que esse biscoito “é a sua cara”, está-se

transferindo à criança toda essa carga. Temos como conhecimento compartilhado, ou seja,

como pré-construído, o seguinte conceito: “quando dizemos que algo é a cara de alguém, é

porque esse algo se parece muito com as características da pessoa, seu jeito de ser”.

Sendo assim, encontramos o seguinte subentendido: o biscoito Trakinas é feito

para a criança sapeca, travessa, desobediente, arteira. É evidenciando tais atitudes que

seguem os anúncios desse produto. E como já foi destacado, até a própria marca Trakinas

tem no nome impresso nas embalagens e nos anúncios uma das letras invertida (K). Isso

representa um sinal de traquinagem, fora do padrão.

A traquinagem nesse anúncio oferece uma atividade de recorte, confundindo-a

com as atividades propostas pela revista. O anúncio incorpora outro gênero discursivo para

atingir seu objetivo. A imagem do produto é minúscula e fica no canto inferior direito do

anúncio. O que se destaca é a imagem do que a criança irá recortar e brincar: um crachá. No

subcapítulo 4.1, Montigneaux (2003, p. 94) aborda sobre essa estratégia:

O relacionamento entre a marca e a criança não é uma comunicação de sentido único. Supostamente, há uma troca, uma interatividade. A relação deve ser entendida pela criança como algo vivo. A marca mobilizará a criança, solicitará sua curiosidade e estimulará sua imaginação. A criança deverá se colocar em ação, ler, descobrir, adivinhar, responder a questionamentos, mostrar-se astuta: atitudes que, nessa idade, lhe dão muito prazer.

A “brincadeira” propõe que a criança recorte o crachá, contendo a seguinte

inscrição: “FISCAL DE ARMÁRIO”. Ainda no crachá há um espaço para a criança

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escrever seu nome, dando mais identificação de “seu”. O termo fiscal, assim como o crachá

e a personalização do nome da criança nele, conferem-lhe uma certa autoridade.

Essa atividade é sugerida à criança como medida preventiva: “É sempre bom,

para o caso da sua mãe pegar você bisbilhotando o armário da cozinha procurando

trakinas”. Conforme já abordado, Maingueneau (2002) afirma que nenhum enunciado pode

ser considerado fora de um contexto, pois expostos em lugares distintos, teremos discursos

diferentes. Dessa forma, “pegar você”, nesse contexto, dá a entender que se está fazendo

algo errado, desobedecendo alguma regra. É comum, na “posição” de pais, eles

estabelecerem algumas normas em relação à alimentação dos filhos. Essa posição,

conforme já citada no subcapítulo 2.2, segundo Foucault (apud ORLANDI 2000, p. 49),

“não é uma forma de subjetividade mas um “lugar” que ocupa para ser sujeito do que diz: é

a posição que deve e pode ocupar todo indivíduo para ser sujeito do que diz”. Sendo assim,

na posição de pais temos algumas falas como: “Não coma bolacha agora, está na hora do

almoço” ou “Deixa o biscoito para levar de lanche para o colégio”.

Mas, mesmo parecendo uma atitude incorreta, o anúncio dá sustentação a ela.

Isso é reforçado através da ação bisbilhotar, que, geralmente, é praticada por um sujeito

metido, curioso e, com a dica sugerida pelo anúncio, caso o pior aconteça (a mãe aparecer):

“Olhe para ela com um ar superior, mostre seu crachá e diga que está apenas fazendo o seu

serviço”.

Através dessas dicas podemos perceber, como um dos sentidos que aí circulam,

o quanto o desrespeito está sendo estimulado na criança em seu tratamento para com os

próprios pais. “Olhar para a mãe com ar superior” é sinônimo de descaso, autoridade,

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indiferença, falta de respeito, má educação, atrevimento. E para redimi-la ainda mais, o

anúncio sugere que a criança “mostre o seu crachá” e “diga que está fazendo apenas o seu

serviço”, ou seja, minta para ela.

Mas todo o poder transmitido à criança é ainda mais explícito com a

interrogativa : “Afinal, quem vai se meter com um fiscal de armário?”. E no caso, como um

fiscal que se preze, este se apresenta como um bad boy.

Enfocamos nesse anúncio também a presença da “mãe”. O pai não é citado.

Novamente vemos a figura feminina responsável pela educação e mais presente na vida dos

filhos.

Diante de todas essas dicas que são transmitidas às crianças no clima de

brincadeira e diversão de um simples anúncio de biscoito, questionamos a respeito dos

valores que estão sendo transmitidos a elas e da educação, diante da banalidade com que

esses valores estão sendo incutidos nelas.

6.6 LEITE CONDENSADO MOCINHA

Neste anúncio (v. Anexo 7), como no de Baton (da Garoto), o aspecto lúdico da

linguagem é enfatizado pelo mecanismo de deslizamento de sentido, produzindo efeitos

diferentes na leitura – como se houvesse dois corredores de sentido – sem alteração do

conjunto significante. Um corredor manifesta o mundo infantil; o outro, paralelo, o mundo

da “mocinha”.

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O anúncio afirma, no alto do texto, que “Todo menino quer beijar a Mocinha.

Toda menina quer virar Mocinha”. Com o uso de todo e toda fica claro que não há exceção,

nenhum menino e nenhuma menina fogem a essa regra. O que se propõe é uma

generalização, que destaca um estereótipo (formação imaginária). Esse estereótipo

corresponde a um esquema quase mítico alicerçado em versões de contos de fada em que, a

um beijo ou outro gesto mágico, ocorre uma transformação. Neste caso, a imagem do

anúncio corresponde bem ao enunciado proposto: o menino beijando a Mocinha e a menina

feliz porque vira Mocinha com o beijo do menino. O segundo enunciado vira conseqüência

do primeiro ou, ao contrário: a menina que vira mocinha ganha um beijinho.

Ao nos depararmos com o enunciado “Todo menino quer beijar a Mocinha”,

podemos estabelecer os pré-construídos: o homem tem o dever de ser namorador, ele deve

tomar a iniciativa, é de sua natureza ter vontade de beijar, é cobrado dos meninos o

interesse pelo sexo oposto desde cedo. Todos esses pré-construídos fazem sentido com o

antigo contexto ideologicamente formado sobre : a “posição” da mulher e a “posição” do

homem.

Já no enunciado “Toda menina quer virar Mocinha”, estabelecemos o seguinte

pré-construído: o incentivo antecipado que a família dá para que a menina cresça logo e

vire mocinha. E esse incentivo dado à criança é bastante observado nas campanhas

publicitárias. De acordo com Sampaio (2000, p. 219),

Ela assume, no comercial, concepções, atitudes e/ou visuais orientados a partir de modelos adultos. Faz comentários acerca da própria identidade, apaixona-se e/ou segue a moda jovem. Revela, por um lado, a dimensão um tanto jocosa e ingênua da criança que procura se mostrar mais adulta e, por outro lado, a ação e/ou fato concreto que faz com que a criança assuma, efetivamente, esse posicionamento na publicidade.

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Esse comportamento precoce das crianças é também observado pelos pais

quando questionados a respeito das influências dos anúncios. Eles citam a forma como a

sexualidade, o erotismo, a vaidade são explorados nos anúncios. Podemos perceber essas

características na forma como os anunciantes encaram nossas garotinhas. Como exemplo já

referido no subcapítulo 4.1, retomemos o lançamento da linha de estojos da Faber Castell,

destinada às meninas da faixa etária dos 8 aos 12 anos. Segundo a Revista Distribuição

(agosto 2002), “Os produtos dirigem-se a meninas independentes e arrojadas, que também

gostam de comprar com suas mesadas produtos diferenciados [...]”.

Além desse incentivo precoce, convém lembrar que o termo “ficar mocinha”

marca o período menstrual que se inicia na menina moça. Mas, de acordo com o belo

sorriso da garotinha do anúncio, essa fase está longe de acontecer, pois seus dentinhos “de

leite” desmascaram todo o enunciado. E é somente no final do anúncio que o cruzamento

de discurso, em letras pequenas, dá conta de que a Mocinha em questão não passa de uma

marca conhecida de leite condensado. Mas a mensagem principal aparece em destaque no

alto do texto e nas ações dos modelos mirins. Ainda em “virar Mocinha”, compreendemos

que a criança vira toda a embalagem do produto para aproveitá-lo no todo, mas “beijar a

Mocinha”? Bem, e se “Mocinha” se refere somente à marca do produto, poderíamos muito

bem ter o seguinte enunciado, apenas invertendo as ações dos sujeitos: “Toda menina quer

beijar a Mocinha. Todo menino quer virar Mocinha”. Quem ousaria tamanha proeza?

E o anúncio ainda conclui: “Mocinha. O Leite Moça da moçadinha”. O anúncio

continua se referindo às crianças com o termo precoce para sua idade. Mas, para não ficar

tão evidente assim, a palavra moçada é acrescida do sufixo –inha. Destacamos ainda o

ponto final utilizado para separar o sujeito do predicado: “Mocinha. O Leite Moça da

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moçadinha”. A pontuação não-usual foi um recurso utilizado para dar mais destaque ao

produto.

Ganham destaque também os adjetivos determinantes do produto: deliciosos

sabores, tão gostoso. Outro termo fascinante, para a criança, utilizado foi “Mocinha é o

jeito mais divertido de se tomar Leite Moça”. A palavra diversão é bastante associada à

criança, lembrando que infância é tempo de brincadeira, alegria, felicidade.

O anúncio afirma que “[...] Mocinha vai bem a qualquer hora do dia”. Não nos

esqueçamos de que esse produto é um doce e portanto deve ser ingerido com moderação e

em horários adequados. Ciente disso, o anúncio toma uma providência. Antes de anunciar

que o produto vai bem a qualquer hora, ele tenta se justificar: “Enriquecido com cálcio [...]”

(o que remete preferencialmente aos pais). Reforçamos o quanto palavras desse tipo são

importantes para a associação do produto com um alimento saudável.

6.7 TÊNIS BICAL

Nessa análise serão abordados dois anúncios do tênis Bical: um dirigido ao

sexo masculino e outro, ao feminino, pelas particularidades e relações que eles mantêm,

como os dois lados de uma moeda.

Nos dois anúncios joga-se com a possibilidade do sonho de se conquistar o

estrelato. Quem não gostaria de se tornar a “garota” ou o “cara” do anúncio e se tornar uma

figura famosa, rica, popular, admirada? “O cara desse anúncio bem que poderia ser você.”

“Bem que a garota desse anúncio poderia ser você.” Ainda mais quando se tem todas as

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características descritas na mensagem. Características particulares de cada sexo (na sua

generalidade imaginária) que serão observadas e postas em questionamento.

No anúncio dirigido ao menino (v. Anexo 8), ou melhor, ao “cara” (sim, porque

é dessa forma que o anúncio se refere a esse público), temos a imagem de corpo inteiro de

um garoto, pré-adolescente, usando roupas largas (como o próprio anúncio se encarrega de

evidenciar), bermudão comprido, aparelho dentário, cabelos raspados ou “escovinha” e

calçando o que o produto anunciado: o tênis Bical. A imagem do garoto é um prenúncio do

que ele quer ser quando crescer: “gente grande”.

O termo “cara” empregado no anúncio é uma gíria utilizada para designar um

homem adulto e não um menino. O termo “fala sério” que abre o texto também é uma gíria

bastante empregada por adolescentes; aliás, ela inicia a mensagem a fim de que o leitor se

identifique “de cara” com o anúncio.

E jogando com a possibilidade de ser “você” (pronome utilizado como recurso

direto ao leitor, dando a idéia de que a mensagem é exclusiva para ele), porque “você” tem

todas as características citadas (como os anunciantes conhecem “você” bem), “você”

poderia ser o “cara” do anúncio. Nesses termos, todas as características e atitudes do

modelo, ou do cara, foram transferidas para “você”, ou seja, para uma infinidade de

“vocês” que lerem o anúncio. De acordo com o que foi abordado no subcapítulo 4.2,

segundo Montigneaux (2003, p. 94):

A personificação permite considerar cada criança um ser único, tendo os seus próprios desejos e hábitos. A criança não é mais aquele consumidor indiferenciado entre a grande massa, mas um indivíduo reconhecido e tratado como tal (estilo de redação direto, vocabulário infantil, dirigir-se a ela utilizando o seu prenome...)

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Vejamos, então, quais são essas características e atitudes que parecem se tornar

um padrão do comportamento dos garotos.

Em relação ao vestuário, como já foi abordado, ele usa roupas largas. Mas

chamamos a atenção para o advérbio só, que marca uma atitude radical, sem exceções, e o

sufixo -onas, que deixam as roupas maiores ainda: “Ele só usa roupas largonas”.

Chama atenção o estilo de vida descrito no anúncio: “[...] e quando não está na

escola, anda de skate o tempo todo”. Outro ponto de sua vida bem radical. Sua vida se

resume em ir para escola e, no restante do tempo, andar de skate. Se fora da escola ele só

executa essa atividade (e isso fica bem claro com a expressão “o tempo todo”), é sinal de

que o “cara” não tem tempo para estudar, fazer suas tarefas, ler, colaborar em alguma

atividade da casa, conversar (atitudes básicas e normais para um garoto de sua idade).

Uma outra atitude esperada do garoto anunciante é a organização de seus

pertences, mas isso não acontece, pelo contrário, sua desorganização é ainda descrita: “Seu

quarto é o território da bagunça”, “[...] meias, roupas e tênis jogados [...]”. Damos destaque

à palavra “território” pelo fato de nos remeter a sentidos do tipo: espaço demarcado, Não

entre! Através desse termo (designando o quarto do garoto), reforça-se a separação da

família, de gente que mora na mesma casa, mas que não se encontra, não se vê, não se fala.

E ainda, para confirmar essa idéia, temos a seguinte seqüência: “Nele (no quarto) convivem

um monte de adesivos colados na porta e na janela, meias, roupas e tênis jogados,

computador [...]”. Todos esses objetos, seres inanimados, são personificados, pois

convivem com ele. Novamente a família é excluída.

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Diante de todos os objetos citados, um ser vivo, referido por último e

antecipado por “além de”, mesmo vivendo numa gaiola, ou seja, no seu próprio território,

convive com ele: rato (um hamster batizado, ironicamente, de Godofredo). Diante dessa

situação, refletimos se seria correto um animal conviver com a criança no mesmo quarto.

Esse, com certeza, é o desejo de muitas crianças, que podem muito bem questionar seus

pais com esse anúncio. Como podemos perceber no questionário aplicado aos pais, 20%

deles citaram, como influência observada em seus filhos, o que eles consideram uma

inversão de valores trazida em muitos anúncios.

Destacamos também os tipos de pôsteres colados nas paredes de seu quarto: “de

esportes radicais e de lugares difíceis de chegar”. O esporte sempre é usado nos anúncios

para despertar a atenção das crianças. Nessa citação, ele é acrescido do adjetivo radical,

que o torna ainda mais interessante e faz com que o leitor se identifique ainda mais com ele.

Quanto ao outro tipo de pôster, podemos imaginar que esses “lugares difíceis de chegar”

possam ser montanhas, ilhas, e o anúncio atribui tamanha capacidade ao garoto,

envolvendo-o em esperança, que “[...] é claro que ele irá um dia”.

Quando é questionado (implicitamente) sobre seu sonho, sobre o que ele quer

ser quando crescer, a resposta é bastante objetiva, real, afirmando o óbvio: “Gente grande, é

claro!!!”. Seu desejo é se tornar gente grande, mas, contraditoriamente, o anúncio já se

refere a ele como “cara”. E o anúncio termina com a imagem do produto anunciado e o

slogan dele: “Se você é tudo de bom, você é Bical!” E o que é ser tudo de bom? É se

enquadrar na descrição anunciada; é estar de tal modo integrado, que o calçado anunciado

faz parte de sua personalidade (“você é Bical!”). Cabe refletirmos sobre o que é ser bom.

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Com o mesmo slogan, o tênis Bical se anuncia às garotas (v. Anexo 9).

Reforçando a possibilidade de ser estrela – “Bem que a garota desse anúncio poderia ser

você” –, vem a mensagem: “Olha só”: (ela tem todas as suas características) e assim segue

a descrição.

Ao contrário do garoto que usava roupas largonas, a menina apresenta-se com

roupas justinhas (realçando suas formas), blusinha com renda nas mangas (tecido sensual),

calça jeans capri manchada (modelito da moda), lenço na cabeça (bastante usado por

adolescentes) e tênis Bical (o produto anunciado).

Além de o vestuário ser típico de uma adolescente, todas as características

citadas também dizem respeito a essa clientela. Entre essas características, destaca-se a

ênfase dada à paixão em dose dupla: “[...] um paquera no colégio e outro no bairro”.

Paixão essa que também se refere à ações que evidenciam o ter: “[...] adora shopping, ama

seus cd’s [...]”. Esses sentimentos são dados a valores e não às pessoas de sua família, que

por sinal, novamente, não são citadas.

O fato de adorar shopping e estar sempre querendo um aumento de mesada,

demonstra claramente um consumismo exagerado, precoce demais, que valoriza cada vez

mais o ter. Que características no anúncio falam sobre o ser da garota? O ser da garota, em

última análise, se resume, como no anúncio do garoto, em “ser tudo de bom”, em “ser

Bical”. O “ter” constrói o “ser”. Sua atitude de estar sempre pedindo aumento de mesada

também demonstra o grau de insatisfação constante do adolescente (ou da criança), sempre

querendo mais. Podemos observar que na pesquisa de campo realizada, os pais apontam

questões como essas: “Os valores mais importantes são o ter/poder. Estão mais

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insatisfeitas, pois querem sempre mais, se desestimulam rápido dos brinquedos, pois

existem uma infinidade de outros novos mais sofisticados”.

Outra atitude abordada é a preocupação dos pais diante do computador, ou

melhor, da internet. No anúncio isso fica bem claro: “[...] passa horas na internet [...]”.

Observe-se ainda que essas horas na internet não são utilizadas para pesquisa ou estudo,

mas para bate-papo. Bate-papo sobre os mais diversificados assuntos e com as mais

diversificadas pessoas, sendo que os pais geralmente não têm controle sobre isso.

Quanto ao sonho da garota, temos uma visão bastante romântica. Ao contrário

do sonho realista e objetivo do garoto, o sonho da garota é bastante subjetivo e audacioso:

“[...] ser feliz pra sempre”. Só em se tratar de ser feliz, já seria um grande sonho;

acompanhado de “para sempre” se torna uma utopia, uma história de amor, um conto de

fadas, uma visão bastante romântica.

E, novamente, o anúncio termina com o produto focalizado e a conhecida frase

do produto: “Se você é tudo de bom, você é Bical!” E, novamente, voltamos a refletir sobre

esses valores que são transmitidos como bons e corretos.

6.8 BISCOITO PASSATEMPO ATLANTIS – NESTLÉ

Nessa análise fez-se necessário destacarmos parte de uma matéria da Revista

Recreio n. 68. Ela e mais duas páginas da revista trazem uma reportagem do desenho

animado da Disney: “Atlantis – O Reino Perdido”, que estreava nos cinemas (v. Anexo 10).

Dessa forma, as crianças ficavam conhecendo um pouco sobre a história: o jovem Nilo

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decide procurar um lugar chamado Atlântida. Para esse desenho foi criado um novo idioma:

o atlante, com um alfabeto próprio. E como recreação à criançada, nessa matéria, havia

uma mensagem nesse idioma a ser decifrada.

Dias depois da ocorrência dessa matéria, é veiculado na Revista Recreio n. 75 o

anúncio dos novos biscoitos Passatempo (v. Anexo 11). O biscoito era o mesmo de sempre,

mas o desenho que cobria cada um deles no pacote havia mudado. E, por “coincidência”, o

anúncio traz a mesma brincadeira de decifrar a mensagem do idioma de Atlantis. Até

mesmo as cores do anúncio, a imagem do personagem principal Nilo e o alfabeto atlante

são extremamente parecidos com as páginas da própria matéria. Matéria e anúncio se

parecem. Matéria e anúncio se confundem, confundindo também a criança. Aqui,

novamente o anúncio incorpora outro gênero discursivo. Poderíamos considerar esse

anúncio como merchandising impresso.

Mas a grande diferença está na mensagem a ser decifrada. Na matéria da

revista, a solução encontrada foi: “língua esquisita”, confirmando o que acontece no filme,

fazendo referência à língua. Já na mensagem do anúncio, a criança decifra o seguinte:

“Chegou Passatempo Atlantis”, confirmando o que acontece na publicidade, fazendo

referência ao produto. Aliás, a mensagem do anúncio que a criança se esforça para

encontrar já estava escrita em letras bem grandes. Ao decifrar a mensagem e ir

completando as letras nos espaços associados ao novo idioma, a criança estará repetindo a

mensagem já impressa.

E assim a criança vai fixando essa mensagem, bastante significativa para ela,

pois está associada ao filme que ela admira. Nessa história, Nilo e sua equipe enfrentam

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todos os perigos para salvar Atlantis. E são eles que estão dentro dos pacotes de

Passatempo. Levar essa aventura para casa e ir devorando cada personagem, relembrando

essa incrível aventura do cinema, parece-nos bastante interessante para uma criança: como

afirma Montigneaux (2003), o personagem é a porta principal de entrada para a marca.

Esse anúncio se assemelha ao de Tilibra (personagens do Sítio do Picapau

Amarelo), pela remissão que faz, salvo por ter um antecedente recuperável na matéria sobre

a história (mito) de Atlântida.

6.9 PIRULITO CHUPA CHUPS

Este anúncio (v. Anexo 12) traz estratégias semelhantes àquelas do biscoito

Trakinas. O anúncio do produto vem estampado sobre uma folha retirada de um caderno

em espiral (tal como no anúncio de Baton, da Garoto), para que haja associação com a

escola, assim como as utilidades do produto e a forma como essas utilidades foram

impressas: com letra cursiva. E é a partir da imagem que a escola tem que o anúncio é

criado e faz sentido. Conforme abordado no subcapítulo 2.3., quando trazido como exemplo

o termo escola, vimos que o mesmo já fazia sentido (interdiscurso) e se tornava dispensável

recordar os fios discursivos que o termo envolve.

Sustentando o pré-conceito de que a educação é a maior herança deixada pelos

pais, de que vale a pena o investimento, que é coisa séria, lança-se a campanha do pirulito

Chupa Chups com assessoria dos materiais escolares. E ainda carrega de forma implícita a

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idéia de que o doce não é aprovado pelos pais, que não é saudável, que estraga os dentes.

Isso exige que se criem estratégias especiais. Neste caso, o que acompanha o pirulito parece

ser exatamente o produto que está em foco, e não o doce, que traz uma carga negativa.

Isso é confirmado com o primeiro enunciado: “Dicas para convencer sua mãe”.

Se você precisa convencer alguém de alguma coisa, é porque ele pensa diferente de você,

não está de acordo com suas idéias. Nesse caso, a mãe não aprova o doce e o anúncio

conduz e auxilia a criança a persuadi-la. E para isso utiliza os melhores argumentos, pois se

há algo que pais se esforçam para dar é uma boa educação a seus filhos. Sendo assim, tudo

que é relacionado a ela ganha credibilidade. Trata-se de uma compensação, na forma de

concessão aos pais – o que significa que os sujeitos-pais são freqüentemente o pano de

fundo da peça que se encena, um pano de fundo que exige algum controle. Fala-se a eles,

falando com as crianças. Como vimos no subcapítulo 4.2, segundo Eliseu Urban (Revista

Marketing, outubro 2002), diretor de marketing da Abril Jr., para ganhar espaço nesse

mercado infantil, não é suficiente conquistar as crianças, mas os pais também: “Tentamos

mostrar a eles o quanto podem contribuir para a educação de seus filhos”.

Junto ao pirulito, encontramos caneta, lápis, borracha, régua, e lupa. Eles

formam o “Kit Pop”, como vem intitulado no produto. Cada um deles é relacionado com

uma disciplina: “A régua e a caneta são perfeitas para matemática”, “E o lápis e a borracha

são para a aula de português” e “A lupa é show em ciências”. Como vemos, todos os

argumentos estão bem sustentados. Os adjetivos perfeitas e show servem para enriquecer

ainda mais o produto e os argumentos. O sintagma nominal show (mostra), aqui, aparece

como uma gíria muito empregada por adolescentes, no sentido de maravilhoso, bom

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demais. Diante de tanta utilidade talvez a criança não se dê conta das dimensões reduzidas

dos objetos, quase brincadeira de bonecos – inúteis, em última análise.

E por incrível que pareça, as qualidades do próprio produto não são nem

levantadas (o que é óbvio em todos os anúncios). Sobre ele não incidiu nenhum dos

argumentos encontrados em anúncios para criança, como: rico em cálcio, agora com mais

leite, não provoca cáries, sem adição de açúcar, etc. Não havendo nenhum argumento a

favor do produto, foi preferível optar pelo não-dizer, silenciar.

Destacamos mais uma vez, a presença da seqüência nominal sua mãe, e não

“seu pai” – o que reforça ainda a idéia da educação do filho muito relacionada com a

mulher. Quando o anúncio cita as dicas para convencer a “mãe”, encontramos essa pessoa

mais próxima do filho, o que torna possível o diálogo. Isso não acontece com o pai.

A tendência da criança é pedir o que vê, o que lhe interessa. De forma clara e

precisa, o anúncio encoraja a criança e a estimula ainda mais no sentido de ela enfrentar a

mãe, discutir de igual para igual, argumentar, persistir. O anúncio cita algumas dicas, mas

certamente ela já tem as suas particulares e sabe utilizá-las muito bem. Todas essas dicas

deixam nossa criança eternamente insatisfeita, o que tem comumente como resultado um

comportamento agressivo e autoritário.

6.10 SABÃO EM PÓ OMO

O produto a ser focalizado agora pode, em princípio, causar certo

estranhamento, visto que já foram analisados anúncios de biscoitos, material escolar, tênis,

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chocolate, todos produtos que dizem respeito à criança. Afinal, por que um sabão em pó

interessaria a uma criança? Para compreendermos, é necessário recordarmos que um

discurso só terá sentido se for relacionado no interior do universo de outros discursos.

Montigneaux (2003, p. 19) traz-nos, então, um outro discurso:

A criança é utilizada, [...] cada vez mais, como influenciadora de seus pais na questão de produtos que não lhe são diretamente destinados. Certas marcas de sabão em pó também têm desenvolvido ultimamente um tipo de promoção cujo alvo é diretamente os jovens.

Vale destacar aqui a maneira como a marca/o anunciante refere-se a elas: “a

criança é utilizada” como influenciadora nas compras da família. Se ela é utilizada cada vez

mais, nessa tarefa, a publicidade só pode considerá-la como “algo” valioso e utilizará vários

recursos para despertar sua atenção, com o objetivo de que ela desperte a dos pais.

Nesse mesmo contexto, Paolo Landi (2002, p. 87) apresenta-nos um outro

discurso:

No mercado dos muito jovens, o segmento de procura mais importante é o que se relaciona com o grupo etário dos nove-doze anos, o dos pré-teens: um grupo de consumidores que começa a manifestar comportamentos de compra totalmente autônomos e, por isso, particularmente interessantes para as empresas.

Diante do relacionamento entre esses discursos e da constante aparição da

marca Omo nos anúncios da Revista Recreio, tornou-se interessante analisá-los. E entre

essas freqüentes aparições, destacamos três anúncios.

No primeiro anúncio (v. Anexo 13), encontramos a “Promoção Omo Sítio do

Picapau Amarelo”. Na compra de duas embalagens do Omo MultiAção de um quilo e mais

R$ 3,50 a criança recebe um bonequinho (Fofosítio) dos personagens do Sítio. A chamada

desse anúncio, em letras grandes e amarelas, utiliza uma expressão considerada até mesmo

grotesca para as crianças, pois ela é usada para uma pessoa que está sendo inconveniente no

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momento e, portando, sugere-se que ela “se ligue”, “dê o fora”, “vá procurar sua turma”. E

é somente bem abaixo, no anúncio, em letras bem pequenas, que podemos compreender

que essa chamada deve ser interpretada ao pé da letra: “A turma do Sítio do Picapau

Amarelo está esperando para brincar com você. Tem a Emília, o Visconde, a Cuca, o Saci e

o Rabicó para você colecionar”. Sendo assim, pretende-se dizer que a criança deve procurar

sua turma, ou seja, a turma do Sítio, e colecioná-la. Ou melhor, procurar seria, antes de

mais nada, colecionar os bonecos para poder tê-los à disposição.

Vemos que o anúncio já considera a turma do Sítio como “sua” (da criança);

nesse pronome estão envolvidos todos os sentimentos de admiração da criança com o

programa transmitido pela tevê Globo, e ser considerado dessa turma é motivo de orgulho

para ela. Mas não são os personagens da tevê que estão esperando pela criança, são os

bonecos da coleção, que, de acordo com o enunciado, são personificados, dando mais

vivacidade ao anúncio. E para tornar a cena mais real, no anúncio temos o cenário do Sítio

ao fundo e as mãos de uma criança segurando dois personagens: Emília e Visconde. Assim

como “sua”, o pronome “você” também contribui para uma maior aproximação do anúncio

com o leitor, pela adoção de um estilo familiar, conversacional. Por outro lado, a proporção

mãos/bonecos, tratando-se de um desenho e não de uma foto, pode não corresponder na

vida real, e não há nenhuma informação sobre o tamanho desses “fofosítios”.

Mas não é só o boneco maravilhoso do Sítio que está esperando para brincar

com a criança. “E tem ainda um cenário bem legal para você montar”. “E tem ainda” nos

leva a subentender “Viu quanta coisa você tem para brincar!”. Isso nos mostra o quanto eles

querem que enxerguemos esse produto como algo bastante vantajoso.

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E depois de enaltecer todas as atrações do produto, a frase no imperativo não

deixa escolha: “Peça já para sua mãe”. O advérbio já marca a rapidez com que essa ordem

deve ser cumprida. Notamos mais uma vez um pedido que deve ser feito à mãe, reforçando

a ligação dela com o filho, tornando longínqua a relação pai-filho. E logo após esse pedido,

o anúncio, precipitadamente, julga uma reação da mãe: “Ela vai adorar a brincadeira”.

Abaixo e à esquerda, no anúncio, temos a imagem de todos os personagens

colecionáveis e, à direita, a imagem do Omo Multiação, para que a criança possa identificá-

lo no supermercado e assim pedir: “Compra!”. Lembramos que na pesquisa de campo

realizada, 31% dos pais responderam que seus filhos os acompanham na hora da compra,

66% responderam “às vezes” e apenas 3% disseram que seus filhos não participam dessa

atividade.

No segundo anúncio (v. Anexo 14), temos mais uma promoção de Omo

vinculada à criança: “Omo leva você ao cinema”. “Na compra de um Omo Multiação, você

ganha ingressos para assistir Scooby-Doo.” O desenho animado Scooby-Doo há anos

encanta gerações e mantém um público fiel em suas histórias de mistério e aventura. A

admiração é tão grande que o desenho acabou se tornando filme, um filme extremamente

fascinante, envolvente, divertido, engraçado. Sendo assim, a Omo não perdeu a

oportunidade de associar toda essa diversão ao seu produto: na própria embalagem do

produto há um cupom que pode ser trocado por um ingresso para o filme. Mas para isso é

preciso “comprar” o produto. E, como em toda promoção, há restrições, que estão

associadas à parceria com outras empresas. Isso pode levar à desilusão: só valem as salas de

cinema da rede Severiano Ribeiro, e isso se restringe a algumas cidades do país.

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O anúncio traz como chamada: “Leve este anúncio para a mamãe, que ela leva

você ao cinema”. O anúncio antecipa uma atitude da mãe, estabelecendo com essa

seqüência uma implicação, cujo modelo seria: Se x, então y (“Se você levar este anúncio

para a mamãe, ela leva você ao cinema”). Isso, é claro, encurta um caminho mais

complicado, visto que a mãe precisa realizar a ação prevista: comprar o produto (bem como

morar em cidade onde haja um cinema da rede Severiano Ribeiro). Ao ler a chamada, no

entanto, a criança, tendo a concepção de que tudo é simples e fácil de se realizar, entende

que, automaticamente, a mãe deva levá-la de imediato. A explicação de como fazer vem em

letras minúsculas na parte inferior do anúncio. O anúncio explora, como de costume, o

impacto, que acaba criando desejos na criança e a subseqüente necessidade de satisfação

desses desejos.

Observe-se que neste anúncio o pedido poderia ser dirigido ao pai, mas, mais

uma vez, cabe à mãe acompanhá-la, cabe à mãe educá-la.

Com referência ao terceiro anúncio (v. Anexo 15), encontramos, no meio da

revista, uma história em quadrinhos sobre o docinho “brigadeiro”. Nessa história, duas

crianças aprendem a fazer brigadeiro. No final acabam sujando toda a roupa e é aí que entra

o produto anunciado: “Agora que você aprendeu como fazer um brigadeiro superdivertido,

chame a mamãe para ajudar. Se cair na roupa, atenção para a dica, mamãe: com o novo

Omo Multiação com Bio-Ativo, não sobra nenhuma mancha. Nem mesmo as de gordura”.

Essa história criada para a publicidade pode ser facilmente confundida com

histórias que fazem parte das seções da revista, uma vez que se utiliza de quadrinhos. Esse

anúncio é caracterizado como merchandising e, portanto, tornou-se necessário acrescentar a

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ele a seguinte informação: “Informe publicitário”, alertando o leitor sobre o tipo de texto

que será lido. Mas para o leitor infantil essas palavras certamente não fazem sentido, pois

ele não compreende o sentido delas.

Nesse anúncio, a Omo utiliza-se de dois recursos que criança adora: história em

quadrinhos e docinho brigadeiro, para então lançar seu produto, que, por sinal, vem

ganhando constantes sobrenomes: “Omo Multiação Bio-Ativo Max” – todos evocando

sentidos positivos no contexto social.

Os personagens dessa história estão, desde o início, com um chapéu de

cozinheiro identificado com o nome da marca: “Omo” (que deve envolver os leitores sub-

repticiamente). E assim as crianças preparam o brigadeiro, mexendo até mesmo numa

panela no fogo. Num dos quadrinhos, a menina está mexendo na panela e o brigadeiro

acaba “necessariamente” respingando em sua roupa. Na mensagem escrita, afirma-se para

as crianças chamarem a mãe para ajudá-las, mas a imagem não sugere isso. Como

abordamos no capítulo 3, a respeito da “influência da imagem”, segundo Newton César

(2003, p. 210), “na propaganda inúmeras são as imagens que enfeitam, disfarçam o produto

e enganam a realidade”. Dessa forma, podemos considerar que o que marca para uma

criança é a imagem.

Destacamos, mais uma vez, a presença da seqüência nominal “sua mãe”, e não

“seu pai” – o que reforça ainda a idéia da educação do filho muito relacionada com a

mulher. Quando o anúncio cita as dicas para convencer a “mãe”, encontramos essa pessoa

mais próxima do filho, o que torna possível o diálogo. Isso não acontece com o pai. A

presença da mãe é mais uma vez solicitada. O pai, como sempre, não é lembrado. Nesse

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anúncio de receita, então, fica mais complicado associá-lo ao pai, pois, ideologicamente, a

idéia do homem na cozinha ainda não é bem aceita, cabendo à mulher a obrigação de

manter a casa em ordem. E no final do anúncio, temos a imagem do “herói da história”, que

faz com que a diversão não acabe pela sujeira, evitando a briga da mamãe, pois como diz o

slogan, “O aprendizado fica, as manchas não.”

Ciente do poder de decisão que a criança tem na hora da compra, o produto

anunciado faz de tudo para conquistar as crianças. Se sabão em pó não desperta seu

interesse, a Omo procura parcerias que atraiam as crianças e associem a atração a essa

marca. Cabe registrar que os anúncios abordados neste momento foram encontrados várias

vezes na Revista Recreio. Como afirma Montigneaux (2003), a permanência da mensagem

é fundamental, criando um relacionamento tão freqüente quanto possível.

6.11 UMA ANÁLISE SOBRE AS ANÁLISES

Através da análise aqui efetuada de anúncios publicitários infantis, podemos

perceber que, para chegar ao seu objetivo, ou seja, obter um discurso convincente, o

anúncio vem acompanhado (de forma explícita ou implícita) por estratégias pensadas e

planejadas para prender a atenção do leitor e levá-lo à grande finalidade discursiva dos

anúncios, ou seja, comprar a idéia (o produto) que está sendo vendida. Como já foi

abordado a respeito do discurso, para Maingueneau (2002) ele é uma forma de ação sobre o

outro. Afirmar, negar, prometer, sugerir são atos constituintes de uma enunciação e se

enquadram em determinados gêneros discursivos, buscando produzir mudanças no

destinatário. E buscando produzir mudanças em seus destinatários, podemos perceber que

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as chamadas desses anúncios vêm dirigidas diretamente para o leitor, envolvendo, nessa

atividade verbal, de materialização do discurso, o que esse autor chama de dois parceiros

evidentes, através do binômio “eu-você”, transmitindo uma aparente idéia de que a

mensagem é exclusiva para uma determinada pessoa: o leitor.

Mas, um outro pronome também é utilizado para o mesmo objetivo: seu/sua

(“sua força”, “sua mãe”). O pronome indefinido todo/toda é também muito requisitado,

pois dá idéia de inclusão total. Supõe-se que nenhum destinatário gostaria de ser o diferente

e ficar de fora. Podemos perceber toda a força ideológica que ele carrega no anúncio do

leite condensado Mocinha: “Todo menino quer beijar a Mocinha. Toda menina quer virar

Mocinha”. Ideologicamente, o ser humano quer estar “por dentro” de tudo, aspira à

igualdade, e quando essa mensagem é passada à criança, esse pronome ganha mais força,

porque estando ela ainda desprovida de defesa suficiente, o discurso publicitário faz uso

apelativo dele: “Todo mundo tem”, “Todo mundo usa”, “Todo mundo quer”. E muitas

vezes os anúncios dirigidos ao público infantil estão relacionados com uma série de outros

discursos semelhantes: “Peça já o seu”, “Eu tenho, você não tem”, “O que você está

esperando”, “Só você vai ficar de fora”. Esse apelo à universalidade, que joga

alternativamente com a individualidade, tem peso especial.

Nesse último anúncio citado, assim como também naquele do “Baton Garoto”,

podemos perceber o jogo polissêmico presente em: “Mocinha”, “virar”, “Baton”, “tirar”,

fazendo com que os sentidos sejam múltiplos e reconhecendo o papel fundamental que a

polissemia representa para o discurso.

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Assim como foi abordado no capítulo sobre o discurso publicitário, em relação

à influência certeira que algumas palavras causam no leitor, podemos destacar algumas

delas, recorrentes nos anúncios: “novo, agora, muito, promoção, mais”. As palavras

“enriquecido, cálcio, vitaminas, sais minerais, força, energia” em cores vibrantes fazem-se

presentes nos anúncios, podendo até mesmo não fazer sentido para a criança, mas sendo

bastante convincentes para os pais. Isso significa que a montagem da propaganda,

perspectivando a relação imagem/texto, se apresenta de tal forma que tem dois canais de

passagem, para chegar a dois destinatários de uma vez: as crianças e as mães/pais. Por

outro lado, podemos comprovar que os anúncios salientam algumas informações e

silenciam outras, ou seja, trazem informações adicionais, dando, exclusivamente, espaço ao

marketing, deixando de transmitir as essenciais.

Essa análise é feita também pela revista Pro Teste (Outubro 2003) ao avaliar as

informações necessárias ao consumidor a respeito dos rótulos de protetor solar:

Não estão presentes nos rótulos de alguns produtos informações e advertências que consideramos indispensáveis ao uso correto, tais como “ajuda a prevenir as queimaduras solares”, “esse produto não oferece nenhuma proteção contra insolação”, e “pele extremamente sensível”. Nem todos os fabricantes alertam para o cuidado especial com as crianças ao sol. [...] Percebemos que o marketing é privilegiado ao extremo: informações de que o produto contém jojoba, vitamina E, aloé vera e pró-vitamina B 5 servem mais para confundir do que orientar, pois não há comprovação científica da eficácia destes componentes associados aos filtros na intenção do bloqueio solar.

Outro item observado foram as promoções. Elas exercem um verdadeiro

fascínio nas crianças, que enxergam confiantemente as vantagens que elas oferecem de

forma milagrosa. Diante dos anúncios analisados, podemos observar em dois deles o topos

(lugar-comum, premissa de argumentação) promoção, ambos tendo como anunciante o

sabão em pó Omo: a promoção é um valor positivo, associado a economia – lugar-comum,

portanto, para apoiar a venda.

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Walter Longo (1995, p. 351) justifica a utilização constante desse topos:

É uma verdadeira febre de patrocínios, gincanas, ofertas, prêmios, concursos e sorteios. Núcleos, departamentos e empresas de promoção surgem da noite para o dia. As grandes agências de propaganda estão, quase todas, ampliando ou investindo mais nos seus departamentos de promoção. Não porque elas queiram. Os clientes estão a exigir isso.

Evidentemente, não só nas promoções isto acontece: mas como para toda

propaganda, antes de tudo, são realizadas pesquisas com o consumidor, a fim de identificar

o que ele “deseja” (ou pensa que deseja), com o que ele sonha. Através desse estudo, surge

uma marca ou serviço para solucionar todos os seus problemas, propiciando-lhe uma vida

melhor. Ou seja, a publicidade está sempre disposta a realizar todas as exigências de seu

futuro consumidor – exigências que, é claro, têm uma história, aparecem em contextos

sociais. E o topos que diz respeito à promoção (algo como: “Toda promoção implica

economia”) exerce fascínio absoluto sobre os consumidores, pois desencadeia neles uma

série de pré-conceitos: “comprar mais barato, economizar, levar vantagem, ganhar algum

brinde, ter um desconto especial, levar 4 e pagar 3 – enfim, consumir mais, gastando

menos, tendo a ingênua idéia de se estar lucrando mais do que o próprio estabelecimento

comercial.

Cientes desse comportamento do consumidor, com a “Promoção Omo Sítio do

Picapau Amarelo” a criança ganha um bonequinho (Fofosítio) dos personagens do Sítio.

Levinson (1994, p. 182) alerta os publicitários para que jamais ignorem o poder de um

brinde: “Sempre que planejar a promoção de um serviço ou produto, não se esqueça das

amostras grátis”. Nessa promoção do Omo, a criança recebe gratuitamente um bonequinho

de 10 centímetros, é só comprar duas caixas de 1 quilo do produto que lhe traz esse

grandioso benefício e ainda pagar R$ 3,50. E com a promoção “Omo leva você ao cinema”,

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percebe-se a imagem positiva que o anunciante deseja construir na criança através de mais

um brinde que lhe é proporcionado: ingressos para o filme do personagem adorado pela

garotada, o Scooby-doo. Na própria embalagem do produto, há uma palavra mágica em

fundo amarelo bem no alto da embalagem: “GRÁTIS” – que, nas circunstâncias, passa a

apresentar mais de um efeito.

Como podemos perceber, essas promoções têm uma forte tendência a enaltecer

a marca anunciada, para que seja vista de forma vantajosa pelo consumidor, ainda mais

quando se trata do público infantil.

Algo que nos chamou fortemente a atenção nos anúncios analisados foi a

presença constante da figura materna e o silenciamento da figura paterna. Entre os 13

anúncios, 4 fazem referência à mãe: “Agora que você aprendeu como fazer um brigadeiro

superdivertido, chame a mamãe para ajudar” (Sabão em pó Omo Multiação), “Dicas para

convencer sua mãe” (Pirulito Chupa Chups), “É sempre bom, para o caso da sua mãe pegar

você bisbilhotando o armário da cozinha procurando Trakinas” (Biscoito Trakinas) e “Leve

este anúncio para a mamãe, que ela leva você ao cinema” (Sabão em pó Omo Multiação).

Eles trazem a posição da mãe sempre próxima ao filho, como a da dona de casa, a figura

com quem é possível dialogar, pedir ajuda, fazer um programa. Pode-se perceber

claramente que, entre os membros da família, a mãe é a pessoa responsável pelos cuidados

e educação dos filhos. Esse dado também é constatado através da pesquisa de campo

realizada com os pais. Entre os 100 questionários observados, 77 respondentes foram as

mães e 23, os pais.

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Ao analisar a ideologia presente nos textos didáticos em relação aos papéis da

mãe e do pai, Nosella (1981, p. 39) afirma:

A incapacidade do homem de cuidar da casa é fictícia. Ele poderia fazê-lo, mas é necessário defender a padronização das tarefas, eliminando toda e qualquer possibilidade de debate racional a respeito das tarefas do homem e da mulher. Introduz-se, assim, uma forma de imobilidade social.

Vemos que essa imobilidade social, constatada em análise pela autora há mais

de duas décadas, ainda persiste em nossas análises recentes. Há um esforço constante,

portanto, de pressão contra mudanças, e o efeito de naturalidade que isso possa ter é de

caráter ideológico. Nesse sentido, conforme abordado no subcapítulo 3.5, é que

Vestergaard (2000, p. 164) considera a ideologia na propaganda nefasta.

[...] nefasta porque reforça as tendências que procuram tornar estática a sociedade – não no sentido de evitar o desenvolvimento de novos produtos e a criação de novas oportunidades de lazer, mas no retardar ou impedir a revisão dos princípios básicos da ordem social, quer no nível macro (democracia), quer no nível micro (papel dos sexos).

Percebe-se também que, em todos os anúncios que trazem a criança

anunciando, encontramos crianças felizes, todas muito sorridentes. Como vimos no capítulo

sobre “A criança e o discurso publicitário”, Sampaio (2000) afirma que a publicidade está

repleta de rostinhos programados para demonstrarem felicidade com o consumo dos mais

variados produtos. A mensagem ideológica presente (ou não) nesses anúncios relaciona a

felicidade com o poder, o ter. No anúncio do tênis Bical feminino percebemos essa

ideologia explicitamente: “[...] adora shopping, ama seus cd’s, [...] está sempre querendo

um aumento de mesada”. Em influências como estas, os pais entrevistados citaram a

inversão dos valores transmitidos pelos anúncios: “Os valores mais importantes são o

ter/poder. Estão mais insatisfeitas, pois querem sempre mais, se desestimulam rápido dos

brinquedos, pois existem uma infinidade de outros novos mais sofisticados.”

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Sampaio (2000) afirma que podemos encontrar a criança feliz do anúncio

associada com a precoce, com a sapeca e com a fantasiosa. E assim a encontramos. Em

relação à criança precoce, podemos observar em 5 anúncios um discurso e uma imagem

que remetem a um público que não parece ser tão infantil assim, induzindo-o a um

comportamento atípico para sua idade. Esse tipo de comportamento incentivado pela

publicidade, o despertar precoce para uma vida adulta, foi, na pesquisa de campo, o item

mais salientado pelos pais:

“Ser adulto mais cedo. Antecipar sua sexualidade”.

“(...) erotismo, utilização de roupas inadequadas para sua idade”.

“Crianças parecendo adulto em miniatura”.

Com relação à criança sapeca, podemos perceber que explicitamente ela não

apareceu, mas em 3 dos anúncios analisados, podemos perceber características delas. O

anúncio do biscoito Trakinas traz dicas para as crianças comerem biscoitos na hora em que

elas mesmas bem entenderem e ainda dão suporte a elas com o auxílio de um crachá –

“Fiscal de armário” – para enganar a mãe; o anúncio do pirulito Chupa Chups apresenta

mais dicas à criança. Dessa vez, dicas para convencer a mãe a comprar o produto. E no

anúncio do achocolatado Nescau, focalizando a imagem (bola, chuteira e skate jogados pelo

quarto e um animal feroz completamente amarrado), encontramos dicas de travessuras que

a criança pode realizar. Vejamos o depoimento de um dos pais informantes da pesquisa em

relação a esses tipos de anúncios: “Principalmente quando o anúncio apela para a violência

ou alguma coisa que seja contrária a boa conduta da família, aí é que chamam a atenção

deles”.

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Em relação à criança fantasiosa, como afirma Sampaio (2000), ela se parece

com o adulto dos anúncios, só que esse sonha com algo real, já a criança, com

acontecimentos irreais. Podemos encontrá-la no anúncio da Tilibra Sítio do Picapau

Amarelo: “A Larissa e seus amiguinhos vão levar todos os personagens do Sítio do Picapau

Amarelo para a escola. Juntos, eles vão fazer a maior farra no recreio, mas vão ter que ficar

bem quietinhos na hora da aula. Porque se não prestarem atenção, a professora vai ficar

brava. E a Cuca vem pegar”; e no anúncio do sabão em pó Omo – Promoção Sítio do

Picapau Amarelo: “A turma do Sítio do Picapau Amarelo está esperando para brincar com

você”. Neles percebemos, através do discurso utilizado, a margem para a imaginação e a

fantasia. Em ambos os anúncios os personagens da história parecem ganhar vida e brincar

realmente com as crianças.

E além de colorido especial impresso nos anúncios, sinônimo de alegria e

diversão, encontramos, em 3 deles, anúncios que não pareciam anúncios, mas parte das

seções da revista. Esses anúncios se apropriam de outros gêneros. O do biscoito

Passatempo traz uma atividade de escrita para se decifrar uma mensagem secreta; o do

sabão em pó Omo traz uma história em quadrinhos, e o do biscoito Trakinas oferece à

criança uma atividade de recorte. Percebemos a mesma estratégia usada nas propagandas

televisivas. Como vimos no capítulo sobre “A criança e o discurso publicitário”, o diretor

de publicidade e marketing publicitário da Turner Internacional do Brasil, Rafael Davini

Neto (Revista Propaganda, janeiro 2003), cita a propaganda do leite condensado Mocinha

da Nestlé, onde os personagens de desenhos animados da Cartoon, A Vaca e O Frango, são

os anunciantes. Segundo Neto, nesse caso, “As crianças não percebem onde termina a

atração e começa o break”.

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Como a propaganda se tornou invasiva, essa é uma forma de dissimulá-la.

Assim, percebemos que a idéia que se veicula é exatamente essa: fazer com que o anúncio

se pareça com as matérias da revista, para que a criança não perceba onde termina a matéria

e começa o anúncio. Poderíamos até considerar esses anúncios como merchandising

impressos. Cabe lembrar também que, no conjunto, todas as atividades estão associadas a

entretenimento, ocorrendo uma oposição que chama a atenção: a revista Recreio remete ao

recreio da escola, mas ao mesmo tempo se dissocia de um outro lugar, que é o ponto crucial

da escola: a sala de aula. Assim, separa, na prática, diversão e aprendizado.

Todas essas estratégias foram detectadas na análise dos anúncios explorados no

presente trabalho e são exemplos da forma como os anúncios publicitários infantis vêm

sendo elaborados. No conjunto, isso aponta para uma formação discursiva com dispositivos

específicos, com um controle cerrado sobre um tipo de prática no contexto de nossa

sociedade, e que certamente exerce forte influência nos grupos sobre os quais procura atuar.

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7 ANÁLISE DOS DADOS DO QUESTIONÁRIO

A pesquisa, como já foi afirmado na metodologia, foi realizada num colégio da

rede particular de ensino da cidade de Tubarão (SC). O colégio desenvolve um trabalho

desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, sendo público-alvo os pais de 250 alunos

das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental.

O questionário (v. Anexo 16) foi enviado a esses 260 pais, e 174 o devolveram

preenchido. Diante do volumoso material, como já foi afirmado, optou-se por analisar 100

deles (escolhidos aleatoriamente), considerando uma divisão que correspondesse

equitativamente às 4 séries.

Dadas as questões elaboradas no questionário, foram estabelecidas categorias

de análise que permitiram o agrupamento, facilitando a análise final. Segue a amostragem

dos dados qualitativos e quantitativos dos tópicos abordados na pesquisa.

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7.1 IDENTIFICAÇÃO DOS INFORMANTES

77%

23%

Feminino Masculino

Gráfico 1 – Sexo dos informantes

Quanto aos dados de identificação dos participantes da pesquisa, observa-se que

o sexo predominante é o feminino, com 77% (77 mulheres). A participação do sexo

masculino contribuiu com 23% (23 homens). A participação da mulher em maior número

leva-nos à seguinte conclusão: é a figura feminina, ou seja, a mãe, que se encarrega de

acompanhar e cuidar do filho. Isso nos remete a uma ideologia que ainda persiste: apesar de

que o papel da mulher já tenha mudado bastante em nossa sociedade, as tarefas

relacionadas aos filhos é atribuída à mãe. Em relação a esses papéis, o psiquiatra Içami

Tiba (2002, p. 27) afirma:

[...] na maioria das vezes, os filhos ainda são responsabilidade da mulher, mesmo que ela trabalhe fora e sua participação no orçamento familiar seja maior que a masculina. Ainda sobrevive a cultura de que a última palavra é a do pai. É ele quem manda. A mulher saiu para o mercado de trabalho sem deixar, contudo, de ser mãe. E nem por isso os homens se tornaram mais pais. Só recentemente alguns começaram a participar mais da educação dos filhos.

Esse resultado é muito significativo, se comparado à quantidade de anúncios

publicitários infantis que recorrem à presença da mãe, não do pai: “Leve este anúncio para

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a mamãe, que ela leva você ao cinema” (Promoção Omo leva você ao cinema, Recreio n.

135, outubro 2002), “Dicas para convencer sua mãe” ( pirulito Chupa Chups, Recreio n.

54, março 2001), “É sempre bom, para o caso da sua mãe pegar você bisbilhotando o

armário da cozinha procurando Trakinas” ( Trakinas, Recreio n. 123, julho 2002).

Mas, mesmo diante da evidência da presença feminina, temos de registrar o

número significativo de pais que se mostram interessados em participar da vida de seus

filhos: 23%. A mudança, geralmente, começa aos poucos, e os pais vão tomando

consciência de sua importância no relacionamento com seus filhos.

31%

53%

1%15%

2º grau 3º grau

Pós-graduação Não identificou

Gráfico 2 – Grau de instrução dos informantes

Em relação ao grau de instrução, observa-se que a maioria dos informantes tem

o 3º grau, ou seja, 68% (68), sendo que, desse percentual, 15% têm pós-graduação. Os

demais, 32%, têm o 2º grau e apenas 1 informante não respondeu. Num país onde poucas

pessoas chegam a uma universidade, gostaríamos de destacar esses dados, pois pessoas com

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nível cultural mais elevado têm melhores condições de analisar e refletir criticamente sobre

a sociedade em que vivemos.

7.2 A CRIANÇA ESTÁ COMUMENTE EXPOSTA AOS ANÚNCIOS

PUBLICITÁRIOS. SEU FILHO COSTUMA LHE PEDIR OS

PRODUTOS ANUNCIADOS?

36%

9%

55%

Sim Não Às vezes

Gráfico 3 – Pedido aos pais de produtos anunciados

Nesta questão, destaca-se o número mínimo de respostas negativas, ou seja,

apenas 9% dos filhos não costumam pedir os produtos anunciados. Isso quer dizer que eles

também fazem seus pedidos, mas não habitualmente. E os que o fazem destacam-se com

36%; 55% responderam que às vezes isso acontece.

Como já foi abordado nos capítulos anteriores, a publicidade tem um grande

objetivo: vender uma idéia ou um produto, e para você comprá-la, ela recorrerá a todos os

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meios necessários. Os anúncios publicitários brincam com a linguagem, a fim de que o

destinatário leve-a a sério. Segundo Maria Cristina Leandro Ferreira (2000, p. 115),

Os anúncios publicitários são planejados sob condições de produção bem definidas, jogando com a estrutura enunciativa dos enunciados de um modo singular que desperte os efeitos de sentido desejados. Neste jogo, assume papel relevante a materialidade léxico-sintática, de cuja opacidade se valem os redatores para construir jogos metafóricos, brincando com os sentidos das palavras.

E nessa brincadeira, a criança entra fascinada, ficando até mesmo difícil para

ela escolher o que vai querer e assim fazer o seu pedido: “Eu quero esse, esse, mais este e

aquele, não, aquele outro”. Como já foi abordado, a Estrela faz quase um lançamento de

brinquedo por dia (Revista Distribuição, agosto 2002). Sendo assim, fica fácil compreender

por que apenas 9% dos pais informantes afirmam não ouvir comumente os pedidos de

compra de seus filhos.

7.3 SEU FILHO COSTUMA SER INSISTENTE QUANDO DESEJA

GANHAR ALGO?

36%

18%

46%

Sim Não Às vezes

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Gráfico 4 – Insistência da criança ao fazer o pedido de produtos

Os números dessa questão parecem se repetir conforme o anterior: 36%

afirmaram que seus filhos são insistentes quando desejam algo, 46% responderam que às

vezes e 18% responderam que não, seus filhos não são insistentes. Assim, temos 82% de

pais que ouvem constantemente a palavra compra.

As atitudes dos pais diante desses pedidos incessantes serão analisadas no

próximo item.

7.4 QUAL A SUA REAÇÃO DIANTE DOS PEDIDOS DE COMPRA DE

SEU FILHO?

4% 6%

9%

51%

30%

Diz não Muda de assunto CompraCompra no natal Outros

Gráfico 5 – Reação dos pais diante dos pedidos da criança

Visto que a maioria dos pais é constantemente abordada pelos pedidos dos

filhos, 51% prometem comprar em uma outra data. O que também chama a atenção nessa

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pergunta é que muitos pais (30%) optaram em dar outra resposta e, para esses pais, a

resposta acabou se tornando semelhante àquelas já presentes no questionário:

“Conversar sobre o assunto... Explicações”.

“Questiono com ele o valor do presente e quando deve ganhar o presente”.

“Mantenho o diálogo”.

Essas, entre outras 30 respostas, se resumem em “conversar e avaliar”.

Realmente o diálogo se torna uma atitude fundamental para que a criança desde cedo

analise o mundo consumista em que vive. Se não há como fugir desse consumismo

desenfreado, a filósofa e mestra em educação, Tânia Zagury (2002, p. 32) esclarece: “O

primeiro estágio numa boa relação [...] é o DIÁLOGO, em que pai e filho conversam,

apresentam argumentos, discutem um assunto e tentam chegar a um acordo ou solução para

algum tipo de conflito ou problema”. Nesse sentido, alguns pais relataram atitudes que

costumam seguir:

“Geralmente analisamos juntas a necessidade de aquisição do produto”.

“Costumo enfatizar que devemos comprar somente o necessário. Evitar o

consumismo”.

“Algumas vezes procuro fazer com que ele reflita sobre a necessidade de tal

produto”.

“Depende do que se pede, se é uma coisa cara digo então que ficará para o

natal ou aniversário”.

Nesses exemplos podemos perceber a preocupação dos pais em fazer com que

seus filhos percebam se há ou não necessidade de adquirir tal produto. Convém retornarmos

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neste momento à idéia de que cabe à publicidade criar essa necessidade, e por isso é de

extrema importância estarmos atentos a esse discurso. Vemos esses números (51% e 30%)

como algo muito positivo, pois percebemos que a maioria dos pais dialoga com seus filhos,

aumentando assim suas possibilidades de reflexão sobre os anúncios. Apenas 4% afirmam

que dizem não desde o início, e 6%, que mudam de assunto. E 9% dos pais afirmaram que

compram. Em todo o capítulo 4, podemos observar pistas do crescimento consumista da

criança.

Outra atitude bastante comum entre os pais é priorizar e valorizar a educação, a

escola, por isso muitos pais incentivam seus filhos a estudarem, prometendo-lhes como

recompensa brinquedos, doces, passeios.

“Digo que compro conforme as notas”.

Esquecem-se, contudo, do principal objetivo da educação: aprender realmente,

desenvolver-se, aperfeiçoar-se, “ser” mais e não “ter” mais. Segundo Tânia Zagury (2002,

p. 82),

Há hoje um forte impulso consumista entre a maior parte das pessoas. Mas não é só isso. A meu ver, quando os pais agem, desde cedo, dessa maneira excessivamente generosa, porém impensada, na verdade o que eles estão estimulando é o surgimento de uma geração de jovens e crianças que valorizam apenas o ter em detrimento do ser. Aprenderam a ver o mundo dessa forma, e não poderiam, portanto, ser diferentes.

Como podemos perceber, às vezes o incentivo ao consumismo parte dos

próprios pais.

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132

7.5 A CRIANÇA DEIXA-SE INFLUENCIAR FACILMENTE PELAS

FALSAS VANTAGENS DE CERTOS PRODUTOS. VOCÊ

COSTUMA CONVERSAR COM ELA EXPLICANDO-LHE SOBRE

ISTO?

79%

2%

19%

Sim Não Às vezes

Gráfico 6 – Diálogo com a criança quanto à compra de produtos

Se o diálogo é a melhor forma para orientar as crianças sobre o mundo

consumista em que vivemos, com certeza servirá também para orientá-la em relação às

estratégias usadas pela publicidade. E quanto mais cedo essas orientações forem dadas às

crianças, mais protegidas estarão.

Quanto a essa questão, temos um índice bastante positivo. Cerca de 79% dos

pais afirmam que conversam com seus filhos sobre as falsas vantagens exploradas num

anúncio de determinado produto; 19% declaram que às vezes conversam, e apenas 2%

afirmam que não.

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Vejamos, agora, duas tiras da personagem de Quino: Mafalda (v. anexo 17).

Elas foram retiradas do livro didático “Vivência e construção” (MIRANDA et al., 2003, p.

78). Através delas podemos perceber a forma reflexiva de avaliar o discurso publicitário

que o trabalho propõe às crianças e também nos servem para ilustrar essa parte da pesquisa.

Através dos personagens dessas tiras, podemos perceber a crítica que é feita à

publicidade. Como afirma Vestergaard (2000), na propaganda cria-se um universo

imaginário, onde o leitor materializa seus desejos insatisfeitos da realidade. Nela, vende-se

a idéia da aparente felicidade. E quanto mais desprotegida estiver a criança relativamente a

esse discurso, mais fácil será torná-la um consumista-mirim exemplar: sentirá necessidade

de comprar tudo.

O problema é que a felicidade vendida dura pouco, ou às vezes é inexistente. O

descontentamento dos personagens da tira é uma analogia à reação de nossas crianças

diante de um brinquedo tão desejado. Se na propaganda parecia enorme, na real seu

tamanho é minúsculo; se na caixa era tão lindo, ao tirá-lo perde metade de seu encanto; se

parecia movimentar-se sozinho, agora não sai do lugar. Tudo isso vai fazendo a felicidade

diminuir.

Por tudo o que foi exposto, fica clara, na perspectiva da educação, a relevância

de que os pais orientem seus filhos para que eles tenham visão crítica da fantasia e da

realidade prometidas pelos anúncios.

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7.6 COMO ELA REAGE QUANDO VOCÊ NÃO COMPRA O QUE FOI

PEDIDO?

39%

14%

40%

7%

Aceita Chora e reclama Insiste Chantageia

Gráfico 7 – Reação da criança a um pedido negado

Diante de um pedido negado pelos pais, 39% aceitam facilmente, mas 14%

choram e reclamam; 40% ficam insistindo e 7% fazem chantagem, resultando em 61% de

casos em que as crianças não aceitam o não como resposta. Diante dessa realidade, Tânia

Zagury (2002, p. 159) afirma, apontando o diálogo novamente como melhor solução:

Temos que criar uma postura crítica nos nossos filhos, discutir com eles o conteúdo, as mensagens que lhes são impostas pelos meios de comunicação de massa (cinema, televisão, imprensa, rádio). É preciso que eles não confiem cegamente nas informações que lhes são passadas, que aprendam a pensar por si próprios.

Vejamos a percepção de uma das informantes. Ela assinalou que seu filho fica

insistindo, mas acrescentou uma observação:

“Mas geralmente após uma conversa com calma, acaba aceitando”.

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Se uma conversa tranqüila e convincente pode fazer a criança compreender o

porquê do não, com algumas crianças essa tentativa ainda é insuficiente. Outro informante,

após assinalar que seu filho também fica insistindo, fez a seguinte observação:

“[A criança] Tenta argumentar após uma explicação bem consistente”.

Como afirma Tânia Zagury (idem, p. 112), “[...] obedecer não é mais uma coisa

automática: os filhos sabem que têm muitas chances antes que os pais se aborreçam: sabem

também que podem argumentar, teimar e discutir sobre o que está sendo proposto”.

De acordo com Içami Tiba (2002, p. 73),

Uma criança que faz birra porque a mãe se nega a comprar o vigésimo brinquedo numa manhã de passeio ao shopping é outro exemplo de felicidade egoísta. Sua vontade se transforma na necessidade de possuir o brinquedo, mesmo que precise atropelar a própria mãe.

O que não pode acontecer é os pais se deixarem vencer pela insistência, birra e

chantagem dos filhos, que dessa maneira vão se fortalecendo e tornando-se cada vez mais

poderosos e persistentes diante deles.

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7.7 SEU FILHO TEM PODER DE DECISÃO NAS COMPRAS DA

FAMÍLIA?

10%

44%

46%

Sim Não Às vezes

Gráfico 8 – Poder de decisão da criança quanto à compra de produtos

Pelos dados podemos observar que 10% dos pais afirmam que seus filhos têm

poder de decisão nas compras da família e 46% afirmam que às vezes isso acontece. Esses

números só vêm confirmar o que foi abordado na seção “A influência da criança na hora da

compra”, do capítulo 4. Lembremos qual o maior apelo de vendas da Sadia: “Mamãe eu

quero”. Nesse capítulo podemos verificar, através da pesquisa realizada pela Viacom, que

mais de 40% das compras realizadas pelos pais são influenciadas pelos filhos. A pesquisa

também mostra que 65% deles ouvem seus filhos na hora das compras para a família.

Não é à toa que a indústria, os comerciantes e os publicitários têm dado uma

atenção especial a essa faixa etária. De acordo com a revista Cláudia (março 1999),

pesquisas apontam que 23% das compras que enchem os carrinhos de supermercados são

de responsabilidade delas e com interesse no mundo adulto: o computador está no topo da

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lista de diversão das crianças. “Familiarizadas com ele na escola, as crianças influenciam

pelo menos 60% das compras de acessórios e softwares domésticos. Na linha dos

eletrônicos, outros aparelhos, como pagers, celulares e agendas eletrônicas, também atraem

a garotada”. Leal Fernandes, diretor de Marketing da Estrela (Revista Distribuição, agosto

2002), diz: “Hoje, as crianças determinam as compras. Por isso, é cada vez mais freqüente a

imagem delas na publicidade dos mais diversos produtos”.

Todos esses dados nos mostram o quanto as crianças já estão vivendo num

mundo consumista. Porém, na pesquisa realizada, 44% dos pais dizem que seus filhos não

têm poder de decisão nas compras da família.

7.8 SEU FILHO ACOMPANHA VOCÊ NA HORA DA COMPRA?

3%66%

31%

Sim Não Às vezes

Gráfico 9 – Presença da criança na hora da compra

Se 44% dos pais afirmaram, na questão anterior, que seus filhos não têm poder

de decisão na hora das compras, como entender que apenas 3% deles não acompanhem

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seus pais nas compras? Diante dessa incompatibilidade, o que nos parece é que alguns pais

ainda não se deram conta de que são influenciados pelos filhos, ou, então, já estão

conscientes, mas assumir isso ainda é complicado.

Ao contrário desses pais, 31% afirmaram que seus filhos estão sempre

presentes na hora das compras e 66% responderam que às vezes eles os acompanham. De

100 informantes, em 97 casos as crianças participam, estão em contado com o ato da

compra, e somente 3 não participam dessa atividade. Será que essa seria a solução para não

envolver ainda mais a criança num mundo tão consumista? Voltamos a afirmar o que Tânia

Zagury (2002, p. 117) expôs: “Em qualquer idade, porém, mais importante do que o papel

de “controladores”[...] é o papel de “despertador da consciência que devemos assumir”.

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7.9 EM CASO AFIRMATIVO, ELE, GERALMENTE, PEDE PARA

COMPRAR ALGO? O QUÊ?

6%5%

18%

9%

12%7%9%

14%

6%

14%

Roupas Calçados Brinquedos

Biscoitos Doces Refrigerantes

artigos escolares Livros Salgadinhos

Sorvetes

Gráfico 10 – Pedidos da criança quando acompanha os pais nas compras

Dentre os pedidos mais freqüentes feitos pelas crianças, destacou-se com

percentual maior o brinquedo, com 18%. Logo após, destacam-se os livros/revistas e

sorvetes com 14%, os doces em geral com 12%, biscoitos e artigos escolares com 9%,

refrigerantes com 7%, roupas com 6% e calçados com 5%.

O brinquedo é a alternativa mais votada, o que já é uma resposta esperada. Mas

não podemos esquecer as alternativas roupas e calçados, que também tiveram destaque, se

nos lembrarmos de que há alguns anos uma criança não queria nem ouvir falar nesses

nomes. Hoje, preocupada com sua aparência, ela já pede aos pais, juntamente com

acessórios: bolsa, boné, óculos, anéis, etc. Muitas roupas e, principalmente, calçados se

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encarregam de vir acompanhados desses e de muitos outros acessórios. E os alimentos não

muito apreciados pelos pais, mas idolatrados pela garotada, tiveram muitos votos: sorvete,

salgadinhos, doces, refrigerantes, biscoitos entre outros. Todos esse itens num

supermercado são o alvo preferido das crianças e motivo de incansáveis pedidos aos pais.

Uma alternativa que obteve também destaque, ficando em segundo lugar entre

os pedidos das crianças, foram os livros e revistas. Salientamos a importância deles no

processo de educação da criança. Por isso, o contato com eles deve ser proporcionado desde

a infância. Num país em que poucos lêem, poder verificar que livros e revistas são bastante

solicitados é motivo para alegrar-nos.

Ainda em relação à pergunta anterior, podemos constatar que apenas 3% das

crianças não acompanham seus pais na hora da compra. Dessa forma, aumenta o número de

pedidos aos pais, pois a criança aproxima-se mais do objeto que deseja consumir. Podemos

comprovar isso pela quantidade de alternativas assinaladas pelos informantes. Dentre eles,

apenas 7 não optaram por nenhuma alternativa, mas, em compensação, um único

informante, às vezes, assinalava várias, resultando assim em 304 alternativas registradas

pelos pais.

Como podemos observar, a criança vai às compras e faz muitos pedidos aos

pais – embora não seja sempre atendida.

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7.10 O QUE VOCÊ ACHA DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

INFANTIS?

43%

7%

47%

1%

2%

Convencem fácil Oportunidades InduzemEducativos Outros

Gráfico 11 – Opinião dos pais quanto aos anúncios publicitários infantis

Através dessa questão podemos observar que 90% dos informantes têm uma

visão crítica dos anúncios publicitários: 43% deles acreditam que os anúncios convencem

facilmente a criança ao ato da compra, e 47% apontaram que eles induzem a criança a

imitar quem está anunciando o produto. Além de optarem por uma dessas alternativas,

alguns pais fizeram questão de mostrar sua indignação diante de certos anúncios:

“Muitas vezes ignoram o “mundo infantil” introduzindo a criança num mundo

adulto precocemente. Anúncio sobre banco”.

“Não são educativos e os publicitários só querem vender, vender, seja qual for

o produto”.

“Induzem ao consumismo e visam apenas o lucro”.

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Apenas 7% acreditam que os anúncios sejam boas oportunidades para conhecer

os produtos lançados e só 1% acredita que eles sejam educativos. Ainda 2% assinalaram a

opção “outra resposta” e afirmaram:

“Os publicitários querem vender a qualquer custo”.

“Quando a criança é esclarecida, ela não é muito influenciável”.

Um dos informantes, além de assinalar que os anúncios publicitários são

bastante influentes, deixou uma dica aos demais:

“Os pais devem orientar os filhos a ver a propaganda com criticidade”.

Voltamos a reforçar a idéia do diálogo, para que a criança não tenha uma única

visão de um anúncio e, desde cedo, ela tenha o hábito de observá-lo de vários ângulos, pois

como afirma Içami Tiba (2002, p. 83):

As crianças adoram os comerciais de televisão, até mais que os desenhos animados infantis, principalmente se houver crianças em cena. Movimentos, vozes, lugares, músicas, coloridos alegres e bonitos, feitos para agradar ao telespectador e lhe vender tudo, prendem sua atenção.

Diante dessa adoração, compreender como se processa a propaganda é

fundamental, inclusive para os pais que, diante das quatro opções, apenas assinalaram que

os anúncios são boas oportunidades para conhecer os produtos lançados, ou até mesmo que

eles sejam educativos. Nessa análise, faz-se necessário retomarmos o subcapítulo 3.2 “O

poder do discurso publicitário”: “[...] podemos concluir que qualquer discurso envolve um

jogo de manipulação (ainda que não necessariamente consciente), e tem como objetivo

fazer com que o destinatário acredite naquilo que é dito”. Reforçamos: a propaganda não

tem por objetivo informar. Sua finalidade discursiva é fazer o consumidor comprar o

produto ou serviço anunciado.

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7.11 VOCÊ CONSIDERA QUE OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

EXERCEM INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO INFANTIL?

65%7%

28%

Sim Não Às vezes

Gráfico 12 – Influência dos anúncios publicitários no comportamento da criança, segundo os pais

Como alguns pais já se anteciparam no item anterior, pela visão critica que

manifestaram, inclusive citando influências dos anúncios sobre as crianças, o resultado não

poderia ser outro: 65% dos informantes afirmam que os anúncios publicitários exercem

influência no comportamento infantil, 28% afirmam que isso acontece às vezes e apenas

7% assinalaram que não.

Uma das matérias da revista Advertising (março 2000) tem como tema as

verdades e mentiras da propaganda, e com ela traz o caso em estudo:

O fato é que a propaganda lida com questões que nem sempre são levadas em conta, como o poder de influenciar, persuadir, induzir, formar hábitos ou mudar o comportamento das pessoas. Por isso o publicitário precisa fazer uso de sua arte e técnica cuidando da ética, sem que isso signifique tolher sua criatividade. Este talvez seja o grande desafio.

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Veja-se que a própria revista, dirigida aos publicitários, traz esse problema à

tona, que, pela importância, é necessário repetir: “[...] a propaganda lida com questões que

nem sempre são levadas em conta, como o poder de influenciar, persuadir, induzir, formar

hábitos ou mudar o comportamento das pessoas [...]”. Sendo assim, precisamos reagir e

começar a enxergar essas questões que não são levadas em conta, cientes de que para os

publicitários seu trabalho é relacionado a um desafio: usar a técnica, a ética e a criatividade.

E, sendo comparado a um desafio, o trabalho do publicitário é suscetível a não se tornar um

trabalho que contemple a fusão desses três itens, pois como já foi mencionado a respeito do

principal papel da publicidade: vender, de acordo com Newton Cesar (2000, p. 197),

“Nessa batalha pelas vendas, as regras são pouco respeitadas. Vale tudo”.

E assim, levando em conta o poder dos anúncios publicitários, de 100 pais

informantes 57 citaram as influências dos anúncios publicitários no comportamento de seus

filhos:

16%

7%

14%

6%23%

20%

14%

Vestuário LinguagemAgressividade AgitaçãoDespertar precoce Inversão de valorAnunciantes conhecidos

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Gráfico 13 – Fatores de influência dos anúncios no comportamento da criança

As influências especificadas pelos pais foram agrupadas conforme mostra o

gráfico 13. A maior influência, com 23%, foi o incentivo ao despertar precoce para uma

vida adulta. Os pais citam a forma como a sexualidade é explorada nos anúncios, o

erotismo, a vaidade entre outros aspectos. São produtos de maquiagem, tinturas para o

cabelo, calçados com salto. Tudo isso é oferecido à criança. Vejamos algumas observações

dos pais:

“Incomoda-me sobremaneira as tentativas de apresentar as crianças como

pequenos adultos, projetando-as a um mundo que elas desconhecem”.

“Ser adulto mais cedo. Antecipar sua sexualidade”.

“[...] erotismo, utilização de roupas inadequadas para sua idade”.

“Num anúncio de cosmético infantil a criança tende a ficar mais moça do que

é”.

“Crianças parecendo adulto em miniatura”.

Podemos observar, em muitos dos anúncios analisados neste trabalho, o

incentivo a um comportamento precoce. No anúncio do tênis Klin destacam-se ações que “a

criança” pode fazer usando esse tênis: “pra ficar”, “pra paquerar”. Diante do que significam

essas ações (ficar = beijar, namorar) concluímos que uma criança não poderia praticá-las,

pois essas não são ações esperadas do comportamento infantil. No anúncio do Baton Garoto

também encontramos o mesmo tipo de incentivo, com o enunciado “Meninos não têm jeito.

Estão sempre querendo tirar o seu Baton”. E abaixo dele encontramos um beijo de lábios

carnudos de batom. E assim nos perguntamos: “Que tipo de batom os meninos estão

querendo tirar das meninas?” O mesmo tipo de chamada e também de incentivo à

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precocidade é encontrado no anúncio do leite condensado Mocinha: “Todo menino quer

beijar a Mocinha. Toda menina quer virar Mocinha”.

Outro fato que comprova esse comportamento precoce das crianças

manifestado pelos pais é abordado pela revista Veja (19 de novembro 2003). A matéria,

intitulada Loiras em apuro”, afirma que as apresentadoras infantis (Xuxa, Eliana, Jackeline

entre outras) já não sabem mais direito qual é o seu público, e fala da dificuldade delas em

manter aquele ar docinho e continuar agradando as crianças. Mas, essa dificuldade não

provém das apresentadoras: “A própria Organização Mundial da Saúde acaba de modificar

o sistema oficial de classificação das faixas etárias, tornando-o mais fluido, num

reconhecimento de que crianças e jovens não são mais o que eram”. Nesta mesma matéria,

a psicóloga e professora da PUC-SP, Ceres Alves de Araujo, apresenta a seguinte

justificativa: “As crianças estão amadurecendo precocemente. A fronteira da infância com a

adolescência está cada vez mais difusa, e velhas estratégias de comunicação estão perdendo

validade”. A matéria conclui afirmando que, na televisão, ninguém ainda encontrou a

fórmula para lidar com essa nova criança.

Em segundo lugar, com 20%, os pais citaram a inversão dos valores incentivada

pelos anúncios, onde o ter e o poder sobressaem:

“Os valores mais importantes são o ter/poder. Estão mais insatisfeitas, pois

querem sempre mais, se desestimulam rápido dos brinquedos, pois existem uma infinidade

de outros novos mais sofisticados”.

Alguns pais lembraram que os anúncios distorcem o ensinamento dado pela

família:

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“[...] Outros até ensinam às crianças a fazer chantagem”.

No anúncio do pirulito Chupa Chups, a criança encontra “Dicas para convencer

sua mãe” a comprar o produto anunciado. E o anúncio do biscoito Trakinas também ensina

a criança a argumentar com a mãe caso ela lhe pegue bisbilhotando o armário da cozinha.

Podemos observar claramente essa inversão de valores com o anúncio do tênis

Bical: afirma-se que a garota do anúncio “[...] adora shopping, ama seus cd’s [...]”.

Reforçamos a idéia abordada na análise de que esses sentimentos são relativos a seres

inanimados, enquanto sua própria família nem é citada. Podemos comprovar uma

verdadeira adoração e idolatria pelo consumo, pelo ter.

Em relação a esta influência, Augusto Cury (2003, p.29) alerta:

Os pais que não ensinam seus filhos a ter uma visão crítica dos comerciais, dos programas de TV, da discriminação social os tornam presas fáceis do sistema predatório. Para este sistema, por mais ético que ele pretenda ser, seu filho é apenas um consumidor em potencial e não um ser humano. Prepare seu filho para “ser”, pois o mundo o preparará para “ter”.

Outra influência bastante citada pelos pais foi em relação ao vestuário,

incluindo acessórios e calçados. Isso acaba levando também a um comportamento precoce.

“Nas meninas, induzem comportamento adulto (refiro-me à roupas, acessórios,

pintura[...]”.

“[...] erotismo, utilização de roupas inadequadas para sua idade”.

Na matéria “Consumidores precoces”, da revista Cláudia (março 1999),

convém destacarmos a cor preferida de roupa de uma das entrevistadas para a matéria, uma

garotinha de 7 anos: “Marrom. Nada de babadinhos cor-de-rosa ou personagens infantis

bordados. Isso é para criancinhas.” E sua coleguinha, da mesma idade, afirma que adora os

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vestidos tubinhos e tops justos de grife, é claro. As duas adoram passear no shopping, ver

vitrines e comprar “coisinhas” (batons, esmaltes, revistas).

Ainda em relação ao vestuário infantil, salientamos a dificuldade que é

encontrar para as meninas um calçado sem salto. E não estamos nos referindo somente à

menina de 10 ou 12 anos, mas à menininha de 2, 3, ou 4, que mal aprendeu a andar. Diante

desses fatos, paramos para nos questionar: até que ponto chega essa antecipação forçada do

mundo adulto?

Com 14% de respostas, destacamos a influência que o personagem anunciante,

seja ele cantor, apresentador, ator ou personagem de um desenho animado, detém sobre a

criança. Por se tratar de uma figura conhecida da criança, como já foi abordado, ela

transmite credibilidade ainda maior a seus fãs, fazendo com que a criança reproduza o

comportamento solicitado no anúncio. No anúncio da linha escolar Tilibra, o anunciante

chega a sugerir que a criança abandone sua própria identificação para adotar o nome de seu

ídolo: “Os nomes deles são Karla, Larissa e Rodrigo. Mas pode chamar de Emília,

Narizinho e Pedrinho.” O sabão em pó Omo também vive utilizando em seus anúncios

personagens de filmes, de programas infantis, histórias em quadrinhos para despertar a

atenção da criança.

Essas foram percepções de alguns pais:

“Eles induzem a criança a imitar quem está anunciando”.

“[...] na maioria das vezes gostam de se parecer muito com quem está por

detrás da propaganda”.

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“Principalmente quando são produtos que levam nome de apresentadoras de

programas infantis, de quem geralmente as crianças são fãs”.

“Principalmente aqueles apresentados por artistas infantis conhecidos como

Xuxa, Eliana, Carla Perez, Tiazinha, pagodeiros e outros cantores, Sandy e Júnior...”.

Segundo a Revista Propaganda (setembro 1999), “A maior tolerância da

sociedade com o comportamento sexual gerou um fenômeno de mídia curioso: sex symbols

femininas tornaram-se ídolos infantis”. A pioneira foi Xuxa, seguida por Carla Perez,

Tiazinha e tantas outras dançarinas. E a propaganda não perdeu tempo. Tratou logo de

lançar os mais diversificados modelos de sandálias e tamanquinhos que levavam os nomes

dessas sex symbols.

Também com 14% de respostas, os informantes destacaram os anúncios que

influenciam um comportamento mais violento na criança:

“Anúncios de armas, bonecos que lutam tornam as crianças mais agressivas”.

“Principalmente quando o anúncio apela para a violência ou alguma coisa que

seja contrária a boa conduta da família, aí é que chamam a atenção deles”.

Com o anúncio do achocolatado Nescau, podemos perceber o estímulo à

violência que é dirigido à criança. Com mais vitaminas e sais minerais no produto, a

energia da criança irá aumentar e ela será capaz de fazer o que a imagem do anúncio

sugere: amarrar com uma corda grossa as patas de um animal feroz e deixá-lo imóvel. Mas

numa formatação para não ser lida, eles alertam “Não tente fazer isso em casa”. Em suma,

o anúncio mostra o que a criança poderia fazer, mas não deve fazer.

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150

E assim como a agressividade surgiu com influência dos anúncios, o

comportamento agitado das crianças também foi apontado, com 6% de respostas. Vejamos

algumas declarações dos pais:

“Comportamento agitado em função do anúncio de determinado produto”.

“No anúncio do Nescau – tomar para ter força, energia para fazer o que os

meninos do anúncio fazem”.

Uma última influência negativa abordada pelos pais foi em relação à linguagem

(7% de respostas). Alguns informantes citam como exemplo o aparecimento de “gírias”e

“empobrecimento do vocabulário”. Mesmo em anúncios impressos, onde encontramos uma

maior preocupação com a linguagem culta, podemos observar um estilo bastante informal.

Com relação a esse fato, Sandmann (2002, p. 48) apresenta uma justificativa:

Parece-nos que o uso desses meios constitui-se em valioso recurso para atrair o leitor, para chamar sua simpatia, para prender sua atenção, para chocá-lo até, como pode ser no caso do uso de certas gírias. Resumindo, pode-se dizer que são todas formas de manifestar empatia, de prender a atenção do receptor.

Sendo assim, preocupados em chamar a atenção do leitor para que seus

anúncios sejam apreciados até o final, parece que os publicitários pouco se importam no

que irá resultar o vocabulário coloquial utilizado no discurso. Sua preocupação é efetuar a

venda do produto de qualquer forma.

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7.12 A CRIANÇA É UM DOS CONSUMIDORES QUE MAIS CRESCE

NO PAÍS. POR QUAL(IS) MOTIVO(S) VOCÊ ACHA QUE ISTO

VEM ACONTECENDO?

14%

34%

28%

24%

Mais ouvida Muito expostaVariedade produtos Pais presenteiam mais

Gráfico 14 – Motivos do aumento de anúncios publicitários dirigidos à criança

Diante dessa questão, podemos observar que todas as alternativas foram

bastante assinaladas, não havendo grande diferença entre elas. Tivemos, sim, um grande

número de informantes que optaram por mais de uma alternativa, chegando até, em alguns

questionários, a apontarem todas elas. Dessa forma, para os 100 pais informantes, tivemos

148 alternativas assinaladas.

Entre aquelas que identificam a criança como um dos consumidores que mais

cresce no país, 14% referem o fato de “a criança ser mais ouvida, influenciando, assim, nas

compras da família”. Como já foi abordado, a criança tem voz ativa sobre as aquisições da

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família. Comprovando essa constatação, Aires José Leal Fernandes, diretor de marketing da

Estrela (Revista Distribuição, agosto 2002), afirma:

As crianças quebraram a hierarquia no poder da informação e hoje exercem forte influência não apenas na compra de bens de consumo, mas também na de bens duráveis, como, por exemplo, automóveis. Por ficarem muito mais tempo expostas à mídia, estão mais informadas do que os próprios pais.

E assim, mais “informada” (caso isso seja algo positivo) que os próprios pais, a

criança é mais ouvida.

A alternativa “Os anúncios publicitários estão muito atraentes e a criança fica

constantemente em contato com eles” ficou com 34% de respostas. Justificando esse índice

assinalado pelos pais, remetemos ao capítulo 3 (“O poder do discurso publicitário”), onde

apontamos o quanto os publicitários trabalham para desenvolver um anúncio que realmente

desperte a atenção da criança, visto que hoje ela vive num mundo rodeado por estímulos

(computador, videgame, TV a cabo). “Atentos a esse fato, os fabricantes de brinquedos e

artigos infantis aumentaram em 90% seu investimento em mídia no primeiro semestre deste

ano [2002], em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Ibope Monitor”

(Revista Marketing, outubro 2002). Cabe destacar esse percentual: “90%”, ou seja, o

investimento em mídia destinado ao público infantil praticamente dobrou em 2002 e não

pára de crescer.

Com 28% de indicações ficou a alternativa “A variedade de produtos oferecidos

à criança aumentou muito”. O mercado não investe e torna a investir num público que não

lhe traga retorno. Se a Estrela lança de 250 a 350 produtos por ano, esse retorno deve estar

sendo bastante vantajoso. Por isso os produtos destinados exclusivamente às crianças são

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lançados constantemente (roupas, calçados, biscoitos, artigos escolares, pizzas, salsichas,

sopas, sucos).

E 24% das indicações levou a alternativa “Os pais presenteiam mais os filhos,

por passarem pouco tempo junto deles”. Esse dado é bastante significativo, pois temos 24

informantes que têm consciência e afirmam esse fato. Alguns, além de assinalarem essa

opção, ainda fizeram comentários:

“Tentam suprir essa falta com brinquedos”.

“E com essa compreensão, eles acham que o amor tem haver com o ter e não

com o ser”.

De acordo com Oriana White, diretora da CPM Market Research, empresa

especializada em pesquisas de mercado (Revista Propaganda, outubro 1999), esse novo

perfil dos consumidores mirins tem um componente negativo: “O ruim é que o consumo

acaba suprindo a carência afetiva do filho, que, hoje em dia, passa a maior parte do tempo

longe dos pais. Infelizmente essa situação passou a existir em larga escala”.

Em relação a esse dado, Içami Tiba (2002, p. 57) afirma:

O presente que vai alimentar a auto-estima do filho é aquele que ele sente que merece. Sem dúvida, é muito prazeroso para os pais dar presentes que agradem aos filhos. Todos ficam contentes, os pais por dar e os filhos por receber. Mas o princípio educativo é que os filhos sejam pessoas felizes, e não simplesmente alegres. A alegria é passageira e a capacidade de ser feliz deve pertencer ao filho. O prazer do “sim” é muito mais verdadeiro e construtivo quando existe o “não”.

Essas foram algumas percepções dos pais também em relação ao fato de a

criança ser vista como um dos consumidores que mais cresce no país:

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“[...] O grande culpado são os pais que, às vezes, por não terem tudo quando

criança, querem compensar comprando aos filhos e, conseqüentemente, lhes dando uma

péssima educação”.

“ Penso que o país é pobre de cultura, por isso acontece esta falha desse

tamanho”.

“Pode ser também excesso de zelo pela imagem, posição social, status, pois

quem consome “faz parte” do rol social”.

Sem dúvida, todas essas justificativas para o tema em questão devem ser

consideradas, analisadas e reavaliadas pelos pais, pela própria criança, por educadores, pela

sociedade em geral.

7.13 PARA REALIZAR ESTE TRABALHO ESTOU ANALISANDO

OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS QUE APARECEM NA REVISTA

RECREIO. SEU FILHO COSTUMA COMPRAR ESTA REVISTA?

17%

48%

35%

Sim Não Às vezes

Gráfico 15 – Consumo da revista Recreio pela criança

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A introdução dessa pergunta na pesquisa deu-se devido à utilização de seus

anúncios para a análise. Essa revista semanal tem em média 44 páginas, e em cada número

encontram-se 3 ou 4 anúncios – o que não é excessivo, numericamente falando.

Diante da questão proposta, 17% dos pais afirmaram que seus filhos costumam

comprar essa revista; 48% disseram que não, e 35% afirmam que compram às vezes. Sendo

assim, podemos concluir que mais da metade dos informantes tem filhos que têm contato

com a revista e, automaticamente, com seus anúncios. Mas o que ocorre é que, mesmo que

a criança não conheça os anúncios veiculados por essa revista, o contato com os mais

variados tipos de anúncio ocorre de outras formas, muito variadas: pela tevê, internet,

outras revistas, outdoor.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se o “discurso” é um processo em curso, se é efeito de sentido, se é movimento

dos sentidos, analisá-lo torna-se um trabalho que transcende o aparente. Por isso o analista

de discurso, em seu trabalho, deve mostrar como o discurso foi proposto, quais os

mecanismos dos processos de significação que dirigem a textualização da discursividade.

E procurando ultrapassar a aparente ingenuidade do discurso é que foram

analisados os anúncios publicitários infantis apresentados neste trabalho. Como podemos

perceber através do marco teórico, desde meados do século XIX escritores e poetas

brasileiros já eram procurados pelos anunciantes com o intuito de deixar seus discursos

ainda mais envolventes e sedutores.

Dessa forma, encontramos um discurso extremamente convincente para as

crianças, envolvendo uma parceria com a imagem atraente – uma dupla bastante

persuasiva. As promoções, as palavras mágicas, os anúncios disfarçados de matéria, a

fantasia, essa forma mais adulta de o anúncio se comunicar com a criança, a felicidade

ideológica prometida através do consumo, as dicas que o anúncio oferece para que a

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criança adquira de qualquer forma o produto, os personagens já conhecidos e admirados, o

colorido especial, as falsas promessas de mais força e energia, a brincadeira, os modelos

bonitos e sorridentes, a posição que cada sujeito ocupa do discurso, o dito e o não-dito

observados nas análises são exemplos de como o discurso publicitário infantil é organizado

para atingir suas finalidades.

E através dessas análises, desse pensar reflexivo sobre o discurso publicitário,

juntamente com o resultado da pesquisa de campo desenvolvida neste trabalho, podemos

verificar os efeitos provocados por ele. De acordo com a pesquisa realizada, esses foram

efeitos citados pelos pais em relação à influência dos anúncios observada em seus filhos:

comportamento mais violento, mais agitado, inversão de valores, tendência a imitar os

anunciantes em relação a atitudes, vestuário, linguagem, despertar precoce para a vida

adulta. Apesar da aparência de seguimento de um fluxo inevitável (acompanhamento da

contemporaneidade), uma contradição se verifica aí, justamente quando os pais mostram

entender que certos valores estão sendo transgredidos. Em um sentido, portanto, a

publicidade segue a ideologia do capital, arraigada na vida da sociedade; de outro, enfrenta

a resistência quanto aos valores que os pais manifestam discursivamente – mas talvez não

na prática.

E como podemos observar no capítulo 6, através das análises dos 13 anúncios

publicitários infantis, todas as influências citadas pelos pais foram comprovadas também

através das análises. Dessa forma, constatamos as mudanças no comportamento da criança

por influência da publicidade, e destacamos o estímulo constante que ela vem dando ao

despertar precoce da criança para a vida adulta, o que acaba fazendo com que o tempo da

infância diminua, acelerando o período da adolescência. Por que isso vem interessando

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tanto à publicidade? Como enfatizamos no capítulo 4, “A criança e o discurso publicitário”,

o mercado está vendo a criança sob outros ângulos e está atento para o novo

comportamento dela e o dinheiro que está movimentando. Além disso, por ter voz ativa na

família, ela é muito usada pela publicidade para chegar até o adulto. E adotando um

comportamento muito mais consumista, o mercado não poderia continuar oferecendo-lhe

apenas brinquedos e roupinhas, foi “obrigado” a proporcionar-lhe objetos do mundo adulto,

para que pudesse ter muito mais opções e consumir mais. Mas, se considerarmos a

publicidade como um espelho de nossa sociedade, devemos refletir sobre os próprios

valores e atitudes que estamos incentivando em nossas crianças.

Outro ponto crucial explorado pela publicidade, observado em nossas análises,

foi o radicalismo nas estratégias, com dicas pertinentes para se adquirir de qualquer jeito o

produto anunciado, nem que para isso seja necessário enganar a própria mãe. Como o

exemplo do Biscoito Trakinas. Esse anúncio ensina a criança, descrevendo os

procedimentos que ela deve fazer para argumentar com a mãe, questionando a educação

dada à criança pela família. Diante de todas as dicas que são transmitidas às crianças no

clima de brincadeira e diversão, perguntamos: “Que valores estão sendo transmitidos às

nossas crianças?”, “Como fica a sua educação diante da banalidade com que esses valores

estão sendo incutidos nelas?”

Através desses anúncios conseguimos perceber, portanto, as ideologias que os

orientam: mesmo a mulher (mãe) se projetando no campo profissional, ainda a encontramos

no discurso publicitário na posição de dona de casa e responsável pela educação dos filhos,

eximindo o pai de qualquer responsabilidade que envolva o lar; encontramos a mulher

(menina) como uma figura romântica, sonhadora, à espera de ser conquistada, e o homem

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(menino) como um ser prático, objetivo, conquistador; a subordinação à figura de uma

autoridade através de simples crachá ( anúncio do biscoito Trakinas), revelando o respeito a

toda uma hierarquia; e como não poderia deixar de existir no discurso publicitário,

encontramos nos anúncios toda a felicidade a ser proporcionada pelo produto a ser

adquirido.

Outro objetivo deste trabalho foi verificar a percepção dos pais entrevistados a

respeito da influência dos anúncios publicitários no comportamento de seus filhos.

Constatamos que os pais informantes têm uma visão bastante crítica sobre os anúncios

publicitários. Retomando os dados sobre esse questionamento realizado na pesquisa de

campo, observamos que 47% deles acreditam que os anúncios induzem a criança a imitar

quem está anunciando e 43% acham que eles convencem facilmente a criança a adquirir o

produto. Apenas 7% os vêem como boas oportunidades de conhecerem os lançamentos

infantis e 1% os reconhecem como educativos. E quando perguntados sobre o grau de

influência do anúncio sobre a criança, somente 7% consideram que eles não exercem

influência no comportamento infantil. Outro dado fundamental observado nas atitudes dos

pais é que 79% deles responderam que costumam conversar com os filhos sobre as falsas

vantagens que comumente aparecem nos anúncios.

Diante do mundo gigantesco da publicidade que invade nossas vidas todos os

dias, sem pedir licença, e pela reflexão que este trabalho proporcionou, analisando as

formas explícitas e implícitas de que o discurso se beneficia para atingir o seu leitor ou o

seu consumidor mirim, cabe perguntar: o que fazer para protegermos nossas crianças; o que

fazer, se a publicidade as envolve por todos os lados?

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Como já foi afirmado no capítulo 7, “Análise dos dados do questionário”,

acreditamos que o diálogo constante seja a melhor forma de orientar as crianças sobre o

mundo consumista em que vivemos. Se a criança for orientada pela família e a escola

também lhe propor esse trabalho de análise, ela terá a oportunidade de ir adquirindo defesas

para avaliar com mais criticidade o discurso publicitário, e assim a sua capacidade de

analisar e enxergar além do aparente irá se expandindo.

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Anexo 1 – Anúncio Clubinho Sadia

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Anexo 2 – Anúncio Baton Garoto

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Anexo 3 – Anúncio Tênis Klin

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Anexo 4 – Anúncio Nescau

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Anexo 5 – Anúncio Linha Tilibra

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Anexo 6 – Anúncio Biscoito Trakinas

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Anexo 7 – Anúncio Leite Condensado Mocinha

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Anexo 8 – Anúncio Tênis Bical Masculino

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Anexo 9– Anúncio Tênis Bical Feminino

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Anexo 10– Anúncio Biscoito Passatempo

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Anexo 11 – Matéria da Revista Recreio

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Anexo 12– Anúncio Pirulito Chupa Chups

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Anexo 13 – Anúncio Omo – Sítio do Picapau Amarelo

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Anexo 14 – Anúncio Omo – Leva Você ao Cinema

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Anexo 15 – Anúncio Omo – História em Quadrinho

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Anexo 16 – Questionário da Pesquisa DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO RESPONDENTE Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Idade: ______ Grau de instrução:__________________________ Profissão:_________________________________ DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA CRIANÇA Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino Idade:______ Turma escolar:_____________________________ 1- A criança está comumente exposta aos anúncios publicitários. Seu filho costuma lhe pedir os produtos anunciados? ( )Sim ( )Não ( )Às vezes

2- Seu filho costuma ser insistente quando deseja ganhar algo? ( )Sim ( )Não ( )Às vezes 3- Qual a sua reação diante dos pedidos de compra de seu filho? ( )Diz não já de início. ( )Procura mudar de assunto. ( )Geralmente compra o que lhe foi pedido. ( ) Diz que irá comprar no seu aniversário, no natal... Outra resposta:__________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 4- A criança deixa-se influenciar facilmente pelas falsas vantagens de certos produtos. Você costuma conversar com ela explicando-lhe sobre isto?

( )Sim ( )Não ( )Às vezes 5- Como ela reage quando você não compra o que foi pedido? ( )Aceita facilmente. ( )Chora e reclama. ( )Fica insistindo. ( )Faz chantagem. Outra resposta: _________________________________________________________________________ 6-- Seu filho tem poder de decisão nas compras da família? ( )Sim ( )Não ( )Às vezes

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7- Seu filho acompanha você na hora das compras? ( )Sim ( )Não ( )Às vezes 8- Em caso afirmativo, ele, geralmente, pede para comprar algo? O quê? ( )Roupas ( )Refrigerantes ( )Calçados ( )Artigos escolares ( )Brinquedos ( )Livros e revistas ( )Biscoitos ( )Salgadinhos ( )Doces ( )Sorvetes Outra resposta: _________________________________________________________________________ 9- O que você acha dos anúncios publicitários infantis? ( )Eles convencem facilmente a criança a adquirir o produto anunciado. ( )São boas oportunidades para ficarmos conhecendo os produtos infantis lançados. . ( )Eles induzem a criança a imitar quem está anunciando o produto. ( )Eles são educativos. Outra resposta: _________________________________________________________________________ 10- Você considera que os anúncios publicitários exercem influência no comportamento infantil? Em caso afirmativo, cite-as: ( )Sim ( )Não ( )Às vezes ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 11- A criança é um dos consumidores que mais cresce no país. Por qual (is) motivo (s) você acha que isto vem acontecendo? ( )A criança é mais ouvida, influenciando, assim, nas compras da família. ( )Os anúncios publicitários estão muito atraentes e a criança fica constantemente em contato com eles. ( )A variedade de produtos oferecidos à criança aumentou muito. ( )Os pais presenteiam mais os filhos, por passarem pouco tempo junto deles. Outra resposta:___________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 12- Para realizar este trabalho estou analisando os anúncios publicitários que aparecem na revista infantil “Recreio”. Seu filho costuma comprar esta revista? ( )Sim ( )Não ( )Às vezes

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Anexo 17 – Tira da Mafalda