O DOMÍNIO DE SI

207
7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 1/207

Transcript of O DOMÍNIO DE SI

Page 1: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 1/207

Page 2: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 2/207

Page 3: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 3/207

0 PODER

DA MENTEHUMANA 

éclatai ß steve s da ç ilva ácad. Filosofia - UF G 

Fone: 225-8810

EDIÇÕES LOYOLA sãopaulo

Page 4: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 4/207

Fora de tôda opção moral, f i lo-sófica ou religiosa, o domínio de si  mesmo é uma higiene prudente para 

noss a vid a qu otid iana. O abandono  

animal aos inst intos, o deixar passar, a recusa ao esforço e reflexão, é ho-

 je uma posição u ltrapassada, porque as  

funções do cérebro inst int ivo do ani-

mal correspondem realmente no ho-mem, por sua maior evolução, ao cére-bro superior.

O autor, nesta obra, faz um es-tudo em profundidade do comporta-mento do hom em. Saber qu erer é 

primeiro saber manterse em boas 

condições de equil íbrio cerebral. As 

vinculações da vontade e do querer  

com o funcionamento do cérebro le-vamno a deduzir o específico do psi-

quismo humano e os meios prát icos  

para conseguir a concentração de 

nossas energias.

Page 5: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 5/207

C O N T R O L E C E R E B R A L

E E M O C I O N A L _ _ _ _ 1P S I C A N Á L I S E S D EO N T E M  _ _ _ _ _ _ _ _ 2

P S I C A N Á L I S E S D EH O J E . _ _ _ _ _ _ _ _ 3

 A F A C E O C U L T A D AM E N T E <T° M o i > 4

 A F A C E O C U L T A D AM E N T E <tom° a __________ _ 5

O S G R A N D E S M É D I U N S6

F U N D A M E N T O D OH A T H A Y O G A _ _ _ 7

P R Á T I C A D O H A T H A Y O G A _ _ _ _ _ _ _ _ _ 8

O D O M Í N I O D E S I _ 9

Page 6: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 6/207

p a u l U M C i a nDoutor em Medicina 8 Ciên

cias, é diretor da Escola de Altos Estudos de Paris e professor na Escola de Psicõíogcs Práticos, 

Especialista da fisiologia do sistema nervoso êle é considerado por  muitos como o melhor neurofisió- 

l o g o d o mundo. A u t o r   de numerosos l i v ros de g rande ace i t ação  

ent re os espec ia l i s tas e o púb l i co  

é f ie l ao seu pr inc íp io de que o  

c ient i s ta não só deve in formar   

ao públ ico» mas fazê-lo pensar»

Page 7: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 7/207

iffliatal £ steve s an (”iloa  Acad. Filosofia - U F G 

Fone: 2258810

D O M Í N ID E S I

9

Page 8: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 8/207

Direitos Reservados

EDIÇ Õ ES LOYOLA Rua Vergueiro, 165 —C. Postal 12.958 —Tel.: 278-0304 —São Paulo

Impresso no Brasil

Page 9: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 9/207

âiatal £.steves da ç íloa Âcad. Filosofia - U FG 

Fone: 2259810

 Aos Educadores da Vontade pelas técnicas 

de realização de si mesmo (cultura psicofísi- ca, relaxação, método Vittoz, yoga, psicossín- tese, método Ramain, etc.), para o Centená rio do Dr. Vittoz (1863-1925).

Page 10: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 10/207

y

4/ 

Page 11: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 11/207

íScfóf  fêsteves da ftllm âcad. Filosofia - U F ô

fone: 2 2 5 9 8 1 0

“Ter consciência de um ato, não é pensá-lo mas senti-lo.É preciso dar-nos inteiramente àquilo que faze mos. É o meio de aperfeiçoar ainda os nossos 

menores atos. Para isto é preciso adquirir a uni dade, que concentra tôdas as nossas forças, em lugar de gastá-las em pura perda." 

Dk. Vi t t o z : Notes et Pensées, Ê d. du Levain.

Page 12: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 12/207

Page 13: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 13/207

19$atal Çsteves da ç ilna Âcad. Filosofia - UFG

Fone: 225-98ÍO

I N T R O D U Ç Ã O

O homem moderno gosta da facilidade, pois vê nela o sinal do progresso: o latim sem esforço, a matemática sem trabalho, o conforto generalizado, o automóvel para 

ir até à esquina, etc., etc. Doutro lado o Domínio de Si mesmo não está atualmente em grande favor. Com efeito, em pleno século da ciência e da técnica, em que vivemos,  falar dêste Domínio seria defender uma posição idealista, ligada a posições morais ultrapassadas. Que um- pregar  dor, que um confessor nos aconselhe tal Domínio para obter mais santidade, nós admitimos e com tanta maior  

 facilidade, quanto é certo não se tratar no caso, senão 

de um apêlo a uma boa vontade freqüentemente ineficaz.  Não compreendemos por que razão o Domínio de Si mes mo, fora de tôda opção moral, filosófica ou religiosa, é  uma necessidade higiênica prudente e sábia para nossa vida quotidiana.

Por que querer, por que êsse esforço crispado, que nos parece tão pouco natural, tão contrário à relaxação 

de uma atraente espontaneidade? Doutro lado, já nos não ensinou a Psicanálise a temer os recalques, os complexos,  fonte das neuroses? Como ousar exercer uma autoridade  parental sem recear de desequilibrar a criança? Não será  melhor deixá-la livre? Não é por acaso a Moral um cons-

Page 14: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 14/207

14 O DOMÍNIO DE 81

trangimento desequilibrador, contrário às nossas mais 

 profundas tendências, uma necessidade imposta pela vi da social, mas à qual é melhor não submeter demasiado as crianças? Que estas aproveitem da própria juventude!  Não é, por acaso, o Ideal, o provar de todos “os alimentos terrestres?” Não está a grandeza maravilhosa e trágica do homem na sua Liberdade absoluta, visto como não há   Bem nem Mal? Tudo é permitido àqueles que se sentem bem! O essencial é ser livre e para isto, basta ter um cérebro normal. Para que moralista? É ao médico, ao psi- cólogo que convém curar os pecados capitais, produzidos 

 pelos distúrbios hormonais e pelos complexos. O indiví duo curado fará o que lhe der na fantasia.

Por que propor-nos êste esforço de dominar-nos, es  forço tão penoso, tão fatigante, talvez até perigoso? Gra ças à ciência, encontraremos êste Domínio na farmácia: 

 pílulas para dormir ou para ficar acordado, pílulas para acalmar-nos e ver tudo cor-de-rosa, pílulas de inteligência,  pílulas de esterilização a fim de que a fecundidade seja voluntária e responsável.

É possível tirar a vontade a um animal por meio de certos venenos. Assim o gato ou o pombo de Baruk per manecem nas mais extravagantes posições, em que forem 

colocados, não por estarem paralisados, mas por terem  perdido a iniciativa motriz. Êstes venenos agem sobre os mecanismos do cérebro. Quando conhecermos tais vene nos mais minuciosamente, não poderíamos, quem sabe,  fazer o inverso, isto é, criar a química da Vontade sem esforços? Eis a solução: o químico substitui o moralista! Têrmos a santidade em garrafa!

 A quem lembrar o longo esforço de treinamento do atleta, que lhe permite belos movimentos aparentemente  fáceis e espontâneos, tão diferentes da deselegante cris  pação anelante da pessoa não-treinada, é possível respon 

Page 15: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 15/207

INTRODUÇÃO 15

der que aqui também, no atletismo, o mais importante é  o “doping” e as receitas técnicas, que tornam iguais as oportunidades para todos os corredores das etapas mon tanhosas do Circuito Ciclista da França. Para melhorar  as “performances” de uma graciosa atleta bastaria dar-lhe hormônio masculino!

Como pois exprobrar ao homem moderno de se desin teressar pelo Domínio de Si mesmo? Dominar-se é um luxo reservado para aqueles que têm tempo de sobra, que vivem calmamente; numa palavra, para os egoístas que vivem à parte da construção do progresso. Na vida agi tada, cheia de responsabilidades, o homem moderno não 

 pode permitir-se o repouso. É para êle um dever impres cindível ir sempre mais velozmente. Basta dar-lhe apenas os meios necessários para sustentar-se nesta resolução. 

 Nada de sermões, mas sim, pílula! Mas eis que êste homem moderno, tão bem ajudado  pela medicina, tão bem aliviado pela técnica, desmoro- na-se, vítima da angina pectoris, do enfarte do miocárdio, da hipertensão arterial, da ruptura de uma úlcera esto macal, etc. O operário, o empregado moderno, tem seus trabalhos racionalizados a fim de ser evitada tôda fa 

diga: nenhuma necessidade mais de deslocar-se; sempre o mesmo gesto estereotipado. Só lhe restaria integrar nesta cadeia sem fim, a satisfação de suas necessidades naturais e teria assim a utilização integral do pnóprio tempo! Re sultado: a rapidez e a monotonia do trabalho o precipi tam na nevrose. Razão a mais para não poder adquirir o Domínio de 

Si ainda quando alguém está submerso na fadiga nervo sa. O fatigado nos suplica de curá-lo logo, de lhe resti tuir màgicamente o equilíbrio e as fôrças. Iremos por  acaso responder-lhe com um sermão, dizer-lhe que se do mine? Não será certamente mais útil dar-lhe remédios?

Page 16: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 16/207

•16 O DOMÍNIO DE 81

I

É o que se faz em geral, 'pensando ser o Domínio de 

tSi da ordem moral de um espiritual desencarnado. E o  fatigado, cada vez mais cansado, vai de médico a médico,  fio médico comum que o repele, como a um nervoso que  fipenas se escuta a si mesmo, como um falso doente, ao médico especialista, ao psiquiatra, que o trata como um neurótico, fazendo com que consuma grande quantidade de tranqüilizantes, que poderiam ser úteis dentro de um es- 

 fôrço razoável de relaxação e repouso, mas bem incapazes ide ser a panacéia mágica sem a dita relaxação e repouso.

O mundo moderno tem necessidade, quer para resta belecer-se no próprio equilíbrio e saúde, quer —e ainda melhor — para não perdê-lo, precisamente dêste Domí nio e desta Vontade, que existe nas aptidões do cérebro 

 Jiumano, mas às quais tem tendência natural a fugir,  porque lhe parece penoso e porque uma errada interpre tação da psicologia, lhas faz parecer ainda mais inúteis e até perigosas.

Pode-se evidentemente desejar construir um homem nôvo, livre de constrangimentos biológicos. No estado 

 fitual da ciência, é esta uma perspectiva utópica, infantil  p perigosa. Se o progresso da ciência permite curar cada vez melhor os doentes, a ação dela sobre os que estão em 

 paúde, arrisca-se a produzir mais monstruosidades que melhoramentos. Ouçamos os sábios apelos à prudência de um Jean Rostand ou de um Aldous Huxley. Não, para não fazermos nada, mas para fazermos apenas o Bem. Ora, como assegurar-se que não se age senão para o  Bem, quando se pensa que não há conhecimento humano  penão estatístico, por exemplo, dos Relatórios Kinsey, nos quais se recusa tôda distinção entre normal e patológico, tôda hierarquia entre os comportamentos, tôda idéia de  Domínio refletido.

Page 17: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 17/207

INTRODUÇÃO 1?

Para servir ao homem, o importante não é saber  o que fazem os homens, mas sim o que são os homens;  julgando-os então por aquilo que deveriam fazer, a fim de se conformarem àquilo que são. Para logo se perceberia que o que é mais freqüente é o mais anormal, por conse guinte também o mais desequilibrante e mais perigoso, ainda que preconceitos e maus hábitos nô-lo tornem con 

 fortável e agradável.O homem de hoje não sabe o que é ser Homem. Apai  xonado pela técnica, êle aprende a utilizar a máquina e a mantê-la, mas o que êle mesmo é, êle o ignora. Utiliza seu organismo e seu cérebro mas com uma falta de co nhecimento, de competência e de sabedoria verdadeira mente deploráveis. Em conseqüência, p. ex., da imprudên 

cia de médicos que, esquecendo a fragilidade do embrião, não hesitam em encher com drogas perigosas uma mulher  grávida, a fim de impedi-la de vomitar, assim também co mo efeito da imprudência de cientistas e de estadistas, que obtêm o mesmo resultado, aumentando a radioatividade natural, foi muito discutido ultimamente sobre os nati- monstros, que uma caridade mal compreendida quereria 

ver desaparecer! Qual dos dois é mais monstruoso: o re cém-nascido, que apresenta anomalias dos membros ou do cérebro, ou o homem normal, incapaz de portar-se como 

 Homem? Somos todos enfermos desnaturados que, num círculo vicioso, quase intransponível, produzimos uma ci vilização desumana que nos vai desumanizando cada vez mais. É por isso que preferiríamos matar os enfermos ao 

invés de ajudá-los fraternalmente.É demasiado fácil a um moralista protestar dizendo que a causa desta situação é a falta de espiritualidade, a recusa de obedecer à Lei de Deus. Afirmação exata mas incompleta porque ela não vale senão para o crente e também apresenta freqüentemente a Moral como uma

Page 18: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 18/207

1B 0 DOMÍNIO DE SI 

compulsão sobrenatural opondo-se às tendências humanas 

 profundas. Aquilo de que temos necessidade é de valorescomuns, de umaMoral Natural fundada objetiva e cien tificamente sôbre o que o homem é e sôbre o que lhe convém. Habituados a considerar a Moral como variável e relativa às livres opções filosóficas, políticas e religiosas, a ter da Tolerância um conceito negativo (isto é, a ter  respeito da verdade do vizinho, pois que a verdade absolu ta e certa não é acessível), não conseguimos conceber que o conhecimento psicobiológico do homem possa dar-nos  preciosas indicações, válidas par\a todos, objetivamente.  Lembramo-nos perfeitamente das tentativas da “Moral  Biológica”, que tôdas visavam, mais ou menos, atacar a  Moral, fazendo o elogio do desregramento sexual, do ra cismo, dos direitos do forte, etc.

Como seria possível que (no dizer de J. Rostand) “a 

biologia tenha passado para o campo da virtude”? Quem sabe? por ter sido ela falsamente desviada por biologistas espiritualistas moralizadores? De modo nenhum. A razão é outra. Simplesmente foi criada uma biologia humana,que, num espírito de comparação com o Animal numa  perspectiva de progresso evolutivo, nos delimita com pre cisão a superioridade do Homem.

Curioso paradoxo: no momento exato em que os filó sofos modernos rejeitam a metafísica, as noções de essên cia e de natureza, nesta mesma ocasião os biólogos se tor nam defensores da noção de natureza humana, daquilo que é ser Homo Sapiens. Não é isto para ser admirado senão  por aquêle que nada compreende do mistério do “animal espiritual”, soçobrando em desvios sucessivos: ou minimi  zamos o Espírito, tornando-o o produto de uma matéria espiritualizante porque desespiritualizada, ou minimizamos a Matéria, considerando-a como uma mecânica acionada de fora pelo Espírito. Nós consideramos o Espírito e a

Page 19: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 19/207

INTRODUÇÃO 19

 Matéria  (dois conceitos, -pelos quais a abstração filosó 

 fica explica o real) como se tivessem uma existência pró  pria independente, no mundo material. Nós os “coisifica- mos” em um dualismo exagerado: materialista (a matéria e seu produto espiritual) ou espiritualista (a máquina e seu conduto). Negamos assim a unidade do real, no qual matéria e espírito são indissociáveis, a menos que queira mos a destruição do Ser por êles formado. O homem não 

é um corpo e uma alma. É uma unidadepsicossomática,um corpo vivo, animado, capaz de viver, agir, pensar e refletir graças ao cérebro. Não um cérebro animal acio nado por uma alma humana, mas um cérebro especifica mente humano, cuja supercomplexidade condiciona a es  piritualidade humana. Por conseguinte, sem totalitarismo, sem ocupar absolutamente o lugar do psicossociólogo, do moralista e do metafísico, o neurofisiólogo, que fôr até ao 

 fim de sua tarefa, pode mostrar-nos com precisão que ser homem é utilizar convenientemente as possibilidades do cérebro humano, dizendo previamente em que consis te isso. Nem por isso se tornará milagrosamente fácil ser Homem. Ao contrário, a neurofisiologia nos demons tra quanto é delicado e difícil êste manejamento do cére bro, não porque a máquina resista ao pilôto, mas sim 

 porque o pilôto não é senão uma coisa só com ela e porque o Ser no mundo da pessoa humana, por mais transcen dente e independente que ela seja, não se realiza senão na imanência da inserção e da emergência das estrutu ras cerebrais.

O maior preconceito da nossa época dá-se sôibre o natural humano, sôibre a espontaneidade humana. O na tural seria, dizem, o fácil, o deixar-passar, o abandono animal aos instintos, a recusa ao esforço e à reflexão. Ora, bem pelo contrário, o Homem não é natural senão na difícil arte do Domínio de Si mesmo, ao serviço de uma conduta que sua reflexão lhe mostrou plenamente

Page 20: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 20/207

20 O DOMÍNIO DE 81

válida, tanto no plano individual quanto social, em refe rência àquilo que é o Homem. Não basta apenas opor o natural ao técnico, ou alterná-los ou escolher entre os dois, num espírito conservador ou progressista. É preciso uti lizar a técnica ao serviço da natureza humana a fim de nos ajudar a sermos Homem, cada vez mais e melhor, e não a fim de o sermos cada vez menos, minimizando todos os inconvenientes. Considerar o espírito naturalista 

como minimizando o espiritual é agarrar-se a um concei to ultrapassado e, no dia de hoje, definitivamente anti- científico das ciências naturais: é rejeitar a biologia hu mana, privando o homem de seu cérebro e não aceitar o sentido da complexificação evolutiva que dá a verdadeira significação à série animal. Não se trata pois de pregar o Domínio de Si mesmo 

e a Vontade, mas mostrar a necessidade psicobiológica hu mana dêles enquanto técnica dto realização de si mesmo.Pensar que se possa remediar os desequilíbrios do mun do moderno e a fadiga nervosa com medicamentos é uma ilusão perigosa. Esta fadiga vem lembrar-nos que somos homens e que por conseguinte temos de observar certas regras de higiene, que temos órgãos e sobretudo um siste ma nervoso para respeitar, utilizando-os sábia e correta 

mente. O dilema é êste: ou morrer de estafa, chegando até  à loucura ou conhecer-se a si mesmo e conformar-se com aquilo que cada um é.

Custosa aventura é êste passo da reflexão, dado pelo organismo animal, alcançando organicamente ao huma no. O animal com cérebro insuficiente dispõe de uma sar  beãoria automática, a dos instintos. Incapaz de refletir, 

 pois não tem necessidade disto. Não tem êle que seguir  senão os impulsos que sua química emite na base do cé rebro, para poder satisfazer assim corretamente suas ne cessidades, de acordo com seus costumes específicos e sua

Page 21: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 21/207

INTRODUÇÃO 21

natureza animal. Nada há de menos livre e menos espon tâneo do que o comportamento animal. Que ilusão, pois, a daqueles que invejam o animal, cuja sexualidade, pen sam êles, pode desencadear-se sem constrangimentos. A sexualidade animalesca não é, de modo nenhum livre, por que o animal não o é tampouco: ela está ligada aos costu mes da espécie. Não é a Vontade ou a Moral que a limitam, mas sim outros automatismos instintivos: nenhum domínio no inseto social de casta operária, mas uma esterilização biológica de origem alimentar; nenhum domínio no galo de casta inferior, mas um tabu social que lhe interdiz qual quer exercício de sexualidade, ainda que esta seja normal, 

 porque nenhuma galinha é disponível para êle.Só o homem pode ser livre, porque o progresso de sua 

cerebrização transferiu ao cérebro superior as funções do cérebro instintivo do animal. O homem tem sempre ne cessidade e impulsos, mas não encontra em si os automar  tismos de comportamento permitindo satisfazê-los corre tamente. Pode entregar-se à vontade a suas necessidades ou refreá-las. Mas para ser verdadeiramente livre, deve  fundar sua conduta numa decisão refletida. Freqüente mente é êle ião pouco livre quanto o animal, pois aquilo 

que toma por espontaneidade humana nada mais é do que obediência cega, simples conformismo a usos sociais, a hábitos que julga ser um infalível e incoercível instinto. Parecemos ser anjos tentando desesperadamente fazer obe decer a animais. Daqui o desequilibrante conflito entre a Moral e aquilo que supomos ser nossa natureza, a Von tade e o Instinto. Ora, como não somos absolutamente animais, não possuímos instintos corretos aos quais con 

viria obedecer. O homem não pode animalizar-se. Não  fará senão desumanizar-se tôda vez que, em lugar de que rer o que lhe convém, obedecer a maus hábitos. Em lugar  do difícil Domínio de nós mesmos (única aptidão humana que permite ao homem ser Homem, dever e pêso êstes que

Page 22: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 22/207

22 O DOMÍNIO DE SI 

são a nossa dignidade) procuramos tornar inócuas nossas ignorândas e nossos preconceitos por meios artificiais de defesa, por técnicas de preservação. Querendo defender- -nos contra aquilo que supomos ser fraquezas de nossa na tureza e que tem raízes em nossas tentativas permanentes de desnaturação, de fixação em um nível inferior e in completo de natureza, confundimos com a norma esta desnaturação, agravando-a um pouco mais por receitas que tornam ainda mais inútil o verdadeiro Domínio.

Que compreende atualmente a condenação lançada  pelos moralistas católicos contra os processos artificiais de redução da fecundidade (ditos contraceptivos), palavra esta que, precisamente o uso tende a estender abusivamen te a todos os processos de regulação de nascimentos, sem distinção entre artificial e natural? Se temos razões legi timas de restringir a natalidade, por quê não utilizar tudo quanto permite a técnica moderna, visando sobretudo a eficácia? Em que seriam imorais certos processos? Não se vê a diferença essencial entre defender-se contra uma se 

 xualidade impossível de dominar e ser dono absoluto da  própria sexualidade, fato que é realmente a única e ver dadeira sexualidade humana.

 Esta discussão entre o natural e o artificial parece- -nos desembocar no conflito entre o espírito conservador  (de quem é saudoso dos bons velhos tempos, rejeitando a técnica moderna e elevando o culto da natureza primitiva até o naturismo) e o espírito moderno de progresso, ávi do, de um homem nôvo, cada vez mais liberado pela téc nica. De fato, não se trata de voltar ao passado, de cair  

nos excessos do naturismo, mas tampouco de idolatrar  a técnica e batizar de progresso qualquer mudança.  A técnica, para ser libertadora, não deve remediar a au sência de Domínio dando-nos um Pseudodomínio déséqui librante, mas pôr-se ao serviço do verdadeiro Domínio.

Page 23: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 23/207

INTRODUÇÃO 23

O problema é geral e sobrepassa de muito o simples  problema da contracepção. Que coisa mais natural do 

que a dor do parto, dadas as contrações e as dilatações? Que coisa mais feliz do que a anestesia geral que supri me tal dor? Está ou não assim resolvido o problema  péla técnica?

 No entanto, que é a dor do parto senão a conseqüên cia de um preconceito social agravado pelo acréscimo de sensibilidade e nervosismo moderno? Uma mulher pas siva e aterrorizada, que sempre receia sofrer, é forçada a sofrer! Em lugar de aumentar a passividade dela, ador- mecendo-a com substâncias tóxicas para ela e para a criança, não seria melhor ensiná-la a utilizar melhor o cé rebro para dar à luz voluntária e corretamente? Assim, em virtude das leis do cérebro, haveria o parto sem temor  e sem dor. A anestesia ficaria para os partos anormais.

É conhecida a resistência que foi preciso vencer a fim de que triunfasse o método pavloviano do parto sem dor, 

 porque, método de Domínio de Si que êle é, contraria as tendências do mundo atual. Apesar de ser a mulher quem dá à luz, é preciso fazer  

do parto um ato conjugal do qual participe o marido: uma 

evidente necessidade despercebida aos técnicos. É sem en tusiasmo que o marido assiste (se assiste!) aos exercícios da espôsa. Êle nunca terá as dores de parto! Se se fizesse compreender aos dois cônjuges que aquilo que serve para 

 prevenir as dores do parto é justamente uma educação ce rebral do Domínio de Si, da verdadeira vontade humana, útil para uma vida equilibrada, perceberiam então eles que é disto que têm urgente necessidade, desta relaxação que 

cura e que previne a fadiga nervosa. O homem moderno que quer tornar-se livre, deve aprender o Domínio cerebral de Si mesmo, a fim de não ser escravo das necessidades biológicas ou das drogas, podendo assim agir prudente e

Page 24: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 24/207

24 o domínio d e si

higienicamente como Homem. Verdadeiro domínio do re  pouso, do sono, assim como da sexualidade. Sempre e em todo lugar, não queiramos remediar a nossa desnaturação mediante preconceitos ou falsa técnica, ainda mais desna- turante, mas desenvolver em nós os recursos de nossa na tureza, principalmente êste domínio, fonte de felicidade, de alegria, de paz interior que é a marca da autêntica es 

 pontaneidade humana, senão o inverso da crispação no 

esforço daquele que quer, sem ter aprendido a querer. Haverá algo de mais utópico do querer não adoecer? 

 Não está, de fato, em nosso poder esquivar-nos do bacilo tuberculoso ou sermos insensíveis a um pólen qualquer, 

 fonte de alergia. As pesquisas modernas porém, sem ab solutamente negar êste aspecto objetivo da doença, des cobrem cada vez mais, também cientificamente, o aspecto 

subjetivo. Está em nós levar uma vida higiênica, evitar o esgotamento, que abre a porta a tôdas as doenças e torna a cura difícil. Antigamente se contrapunham as verdadei ras doenças aos nervosismos, como se um desequilíbrio nervoso não fôsse também uma verdadeira doença. Histe ria, perturbações psicossomáticas são doenças da Vontade,  pois que os complexos e os recalques produzem desordens 

sôbre as quais a Vontade é impotente. Não se trata de,  preliminarmente, reeducar a vontade, mas sim, curando a neurose, de restaurar a aptidão a querer. .Asneuroses po dem conduzir a uma fuga para alguma doença: a tuberculo se pode ser a perigosa solução de um conflito psicológico, dependendo a sensibilidade ao micróbio de uma perturba ção nervosa. Assim esta tuberculose só poderá ser curada, se se levar em conta também o terreno psicológico.

O homem, que é apto a querer, tem necessidade de aprender corretamente a querer: tal é a condição humana. Querer não é um automatismo. A ausência do Domínio de Si é terrivelmente perigosa para o equilíbrio e a saúde,

Page 25: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 25/207

iNata! st enes da ç ihmINTRODUÇ Ã O Acad . F i l oso f ia - U F G 25

Fone: 22588 tu

 principalmente agora, quando não estamos mais enqua drados numa sociedade estável. Mas, igualmente perigoso é o falso Domínio de Si, de quem não aprendeu a querer  corretamente. Inversamente, o retorno ao equilíbrio de  pende do Domínio de Si, coisa tanto mais difícil ao dese quilibrado quanto é certo que seu desequilíbrio é prova de que estava êle anteriormente sem Domínio de Si. Por isto, não é necessário procurar desesperadamente querer, mas sim restabelecer a calma que permita aprender a querer.

Tudo se baseia na educação da Vontade. Infelizmente  porém, só retivemos a metade da mensagem da psicaná lise, quando ela nos manda evitar o excesso de constran gimento autoritário para não nos arriscar a causar com  plexos neurosantes. Apressadamente concluímos que não há mais nada a fazer da autoridade, esquecendo-nos por  

completo que não é a verdadeira Moral que desequilibra, mas o Legalismo moralizaáor, impondo constrangimentos incompreendidos. Uma criança será certamente desequi librada por uma formação autoritária, oposta às suas ten dências. Mas será também desequilibrada se não se fizer  dela um Homem, isto é, se não se lhe ensinar o verdadeiro 

 Domínio sôbre Si, propondo-lhe um esforço proporcionado 

a suas fôrças, fazendo-lhe compreender a necessidade e o valor dêle. Sem esforço e difícil acesso não há, homem equilibrado. É isto contrário às tendências do mundo mo derno, mas justamente por causa disto o mundo moderno está morrendo. Não pode haver somente recalques, deve haver também sublimações: submissão dos dinamismos inferiores aos superiores.

 Nunca meditaremos suficientemente o exemplo do  parto sem dor, pois que nêle se unem maravilhosamente a teoria com a prática. Seria insensato dizer a uma mu lher que está sofrendo ou vai sofrer: “Ah! isto é questão de Vontade!” Não é querendo não sofrer que ela deixará 

Page 26: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 26/207

26 O DOMÍNIO DE SI 

de sofrer, mas sim aprendendo o Domínio de Si mesma que irá querer saber dar à luz corretamente. Como chegar  até aí? Não simplesmente prescrevendo-lhe exercícios fí sicos, mas ensinando-lhe o funcionamento do próprio cére bro. É sabido como originàriamente Pavlov, por precon ceito, restringiu seu método às mulheres do povo. Foi a estas mulheres sem cultura científica que foram dados os cursos de vulgarização científica que as transformaram. 

Pode parecer uma utopia, mas foi uma utopia vitoriosa!  A cultura biológica, o conhecimento de Si mesmo é a fonte do Domínio de Si mesmo!

Quando compreenderão todos que o parto aqui não é  senão um caso particular? É neste espírito da teoria ao serviço da prática que escrevemos êste livro. Pode-se con siderar a Vontade sob um ângulo de visão científica como 

também podem dar-se receitas para querer . Mas estas re ceitas não serão plenamente eficazes se não compreender mos seu valor e necessidade. É preciso, pois, que abando nemos o preconceito de já sabermos o que seja q u e r e r . Po der querer, saber querer não dependem apenas de um sim 

 ples conhecimento psicológico da Vontade nem do Sentido Comum, nem sequer da análise científica da Vontade. 

 Baseia-se sobretudo no conhecimento dos mecanismos ce rebrais dela. Se o homem não é um anjo, procurando fa  zer-se obedecer por um animal, sem consegui-lo, é porque no homem não há divisão: nada há nêle simplesmente angélico nem simplesmente animal; tudo é Humano. O órgão onde se condiciona, se materializa, se realiza o espi ritual é o Cérebro, órgão do corpo, onde o espírito, inserido na matéria, tem o poder de comandar o resto do corpo. 

 A Vontade é uma função cerebral. Daqui não se poder  querer, corretamente, sem conhecer as condições do exer cício dela. Evidentemente não se trata aqui de totalita rismo biológico: o neurofisiólogo deixa ao psicossociólogo,

Page 27: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 27/207

INTRODUÇÃO 27

ao filósofo os campos próprios. Êstes que digam o que é  a Vontade em si mesma. A contribuição do neurofisiólogo —que é coisa nova e ainda mal conhecida—é o as  pecto encarnado da Vontade, isto é, como o EU coman da a máquina, não do exterior, mas sim porque faz parte da própria máquina.

Tornando precisa a neurofisiologia da Vontade pelo estudo das propriedades específicas do cérebro humano, nós chegaremos a justificar cientificamente a intuição de numerosos Empíricos, que já se têm esforçaão esotèrica- mente a levar o homem ao Domínio de si mesmo. Já é hora de sair dêste empirismo, fonte sempre possível de erros. É   preciso criar a ciência doDomínio de Si mesmo, não para impô-la a qualquer um, mas para que quem quiser usar  

dela saiba orientar corretamente seus próprios esforços. Cientistas e moralistas unem-se muitas vêzes no desprezo aos esforços empíricos, esquecendo-se que tais esforços são a única tentativa eficaz para ajudar o homem moderno a encontrar o seu verdadeiro equilíbrio. O cientista e o mé dico devem compreender que uma ciência analítica, em nome de uma objetividade dita positiva, se recusa a co 

nhecer todo o Homem em seu aspecto sintético, é uma ciência e uma medicina incompletas e, portanto, perigosas. É uma ciência, uma medicina que ignora o essencial, o cérebro humano, órgão do psiquismo e das relações sociais humanas. O moralista deve saber que uma moral desen carnada, que não se preocupa das condições materiais de sua realização, é um Legalismo farisaico áesequilibrante. Se os doentes têm necessidade de médicos, se os pecadores de confessores, o homem normal, tão ignorante daquilo que é e daquilo que deve fazer, tem sobretudo necessidade ãe conselheiros de humanização, que não sejam somente 

 psicossociólogos, mas também educadores ão cérebro. Logo,  para ser verdadeiramente Homem, não basta simplesmen 

Page 28: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 28/207

28 O DOMÍNIO DE 81

te a lavagem passiva do cérebro por sugestão, mas a apren dizagem das condições corretas para a utilização dêle.Que é Querer? Reflitamos um pouco sôbre isto, antes 

de nos ir perguntando, ao percorrer o livro, como querer, depois de termos, então, visto que é o nosso cérebro que nos assegura as possibilidades de exercer materialmente esta capacidade espiritual de uma ordem diferente da ma 

téria, na qual se manifesta.Usualmente, é a <efaculdade de se determinar livre mente a certos atos”. OVocabulário da Psicologia, sob a  pena de H. Piéron, precisa ainda mais: um ato, uma ati tude são ditas voluntárias na medida em que se integram no comportamento de uma personalidade que controla o 

 jôgo normal das funções corticais. Opõem-se aos reflexos estereotipados, aos automatismos (quando êstes escapam ao controle), às reações e inibições afetivas de caráter im 

 pulsivo. O domínio do voluntário, retificado sob o nome de Vontade, na linguagem popular adotada pela psicologia 

 primitiva das faculdades, é quase que exclusivamente limi tado ao campo do sistema nervoso da vida de relação, ao 

 jôgo dos músculos estriados. As funções vegetativas lhe escapam, excetuada a função motriz da respiração, apesar  

de haverem sido observados alguns casos anormais de ca  pacidade de controle voluntário de algumas destas fun ções. Num sentido mais estrito, uma atividade, uma inibição são consideradas voluntárias na medida em que 

 forem precedidas de uma elaboração mental antecipa- dora. Daqui, vários graus neste caráter voluntário, em 

 função da parte tomada por esta elaboração, com passa gem, na concepção popular, a uma significação moral, dan 

do lugar a uma hierarquia de valores, intervindo na decisão que precede toda execução ou tôda paralisação de atividade. Há ainda um traço de caráter que convém designar: 

uma capacidade de decisão firme, vencedora dos obstáculos.

Page 29: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 29/207

INTRODUÇÃO 29

Traço bipolar, de cujos extremos um é representado pela abulia. Um matiz apenas faz distinguir entreAquêle quetem vontade, dotado de forte controle sôbre si mesmo, vencendo os próprios obstáculos, como a fadiga e a dor, e oVoluntarioso, que tende a impor suas decisões, a opor  sua vontade às dos outros. Demasiado freqüentemente figuramos a Vontade sob 

o aspecto limitado do ato ou do domínio motriz, dito vo luntário. O interêsse de uma psicofisiologia completa da Vontade é precisamente minimizar a submissão da mo tricidade (que não é senão mecanismo de execução) e de insistir sôbre a submissão da motricidade cerebral à cons ciência refletida. Querer agir é primeiro querer pensar e 

 para querer pensar é preciso querer sentir, conhecer a si tuação atual, ajudar-se pela imaginação, que evoca o pas 

sado e encara o futuro. Para saber querer, por conse guinte, não basta esforçar-se por querer no sentido motor, começar um ato ou impedi-lo. Será preciso pensar cor retamente com uma consciência clara, coisa que não é  tão fácil quanto parece, pois exige tôda uma educação.  Esta, antes de ser simplesmente uma educação da vonta de motriz, é uma arte de pensar e de refletir correta 

mente para, com lucidez, exercer um Domínio geral de Si mesmo. Saber querer é primeiro saber manter-se em boas condições de equilíbrio cerebral, que conservam a aptidão  para o Domínio de Si mesmo, aptidão possível ao cérebro humano, mas que se não realiza que por uma educação visando desenvolvê-la. Mas a vontade humana correta, que prova nosso Livre 

 Arbítrio, deve estar a serviço da defesa dêles: o querer não deve levar-nos a uma situação na qual não possamos mais querer, na qual nossa liberdade seria totalmente aliena da. Devemos querer com sabedoria e prudência. Veremos assim, contrariamente ao que afirma a filosofia existen 

Page 30: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 30/207

30 O DOMÍNIO DE 81

cialista, que nossa liberdade não é absurda porque sem limites. Não há vontade humana correta que não esteja ao serviço do autêntico e do verdadeiro. Não saber querer  não é querer. O homem não tem boa vontade humana senão quando quer o Bem. A psicofisiologia confirma cada vez mais objetivamente a Moral, dando-lhe uma base cien tífica, ancorada na natureza psicobiológica do homem e 

 fazendo disto um valor comum, quaisquer que sejam as 

 posições filosóficas ou religiosas, uma Moral biológica de  prevenção e de promoção do homem e da humanidade. Como escreve Grenet, “a vontade não é uma fôrça que re sista aos obstáculos ou que os quebré, a não ser nos casos em que encontra pela frente uma impulsão que a contra rie. De si e por natureza, ela é, positiva e essencialmente, o apetite do Bem”. Aqui também a neurofisiologia mo derna é esclarecedora mostrando-nos que é impossível se 

 parar no homem o afetivo do racional. A verdadeira von tade humana tem sempre um aspecto afetivo, está sem  pre ligada a uma satisfação, a um desejo. É preciso querer  o que é amável. Nossos desejos porém são enganadores e nosso apetite do Bem nos leva freqüentemente ao Mal.  A objetividade científica não está em recusar tomar posi ção,mas em desenvolver uma “Moral do Cérebro”, no qual 

o bom juízo, revelando-nos o verdadeiro Bem, nos permi tirá comportar-nos como Homem verdadeiro, conservando nosso equilíbrio. Um problema de higiene mental.

É finalmente todo o homem e todos os problemas humanos que devem ser abordados sob um aspecto par cial mas essencial, se se quiser levar até ao fim a psico- 

 fisiologia da vontade. É o que nós queremos tentar neste 

livro, descrevendo os mecanismos cerebrais do querer  humano, mecanismos que a insuficiência do cérebro ani mal não lhe permite ter, mas que condicionam e limitam a Vontade Humana.

Page 31: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 31/207

INTRODUÇÃOc‘  Natal £steoe$ da ç iíoa 

A cad . Ftlos ofi a U F G 

Fone; 2 2 5 9 8 lü

Veremos então como, para querer, é preciso aprender  a querer  (a fim de ser um verdadeiro adulto) e como a civilização consiste em querer cada vez melhor. Por que querer? Para humanizar, para liberar, para não batizar  como espontaneidade o abandonar-se a automatismos irrefletidos. Evocaremos alguns aspectos práticos da educação 

 psicofísica da vontade e terminaremos desenvolvendo, no 

espírito de Teilhard de Chardin, as relações entre a Von tade e o Amor.

Page 32: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 32/207

• •

Page 33: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 33/207

iíNatal Qsteoes da (Wva A cad . F*.iosof ia U F G 

Fone: 225-98 :o

1O Cérebro,órgão da Vontade

Von t a d e e Cé r e b r o .

Que a Vontade depende do cérebro e exige um funcionamento cerebral correto, é uma evidência. Não é possível querer, se o cérebro não funciona, como por ex., nainconsciência da coma. Não há verdadeira Vontade quandoo cérebro está submerso no sono, ainda que sonhando, atéquando o sonho comporta uma atividade motriz de tiposonambúlico. Se subirmos demasiado, sem máscara de oxigênio, a diminuição de pressão impede ao cérebro de recebero oxigênio necessário. E então antes de soçobrar na inconsciência, passa a pessoa por uma abulia feliz, durante a qualfica incapaz de fazer o esforço salvador de inalar oxigênioe isto tanto mais fàcilmente quanto é certo que o sentimentode perigo já desapareceu pelo obscurecimento da lucidez.Foi esta a experiência dos infelizes passageiros do balãoZenith e cantada por Sully-Prudhomme. Experiência queainda hoje se faz passar aos futuros aviadores, a fim deconvencê-los de nunca esquecerem de utilizar preventivamente os meios de defesa.

Mas quais são as relações entre o cérebro e a vontade?Deixando de lado a afirmação desabusada de que se tra-

Page 34: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 34/207

34 O DOMÍNIO DE 81

taria de um aspecto do insolúvel mistério entre o psicológico, hesita-se em geral entre duas soluções, ambas falsase nocivas, como veremos. Para uns, o cérebro não seria senão uma mecânica, um aparelho ao serviço de uma vontadeespiritual exterior. Isto minimizaria grandemente a importância do cérebro e levantaria o insolúvel (porque falso) problema das relações da alma e do corpo. Grande é a tentaçãodos idealistas, que professam uma tal opinião, de confinar o

animal, desprovido de alma, na mera mecânica e de negar--lhe, contrariamente a todo bom senso, tôda possibilidadede Vontade.

Mas se os idealistas mecanizam o corpo, bem freqüentemente seus adversários materialistas são também mecani-cistas: simplesmente para êles, tanto o homem como o animal não passam de mecânica. A vontade não seria senãoa tomada de consciência de um fenômeno localizado no cérebro. Nestas condições, ou a vontade é uma ilusão ouuma realidade material, da qual nos podemos assenhorear:sonha-se então com pílulas produzindo uma vontade semesforços ou com um autômato artificial dotado de verdadeira vontade e de verdadeira consciência.

De fato estas duas opiniões deveriam parecer-nos totalmente superadas devido aos progressos da neurofisiologia

do cérebro humano. Ê completamente exato que não se poderia localizar a vontade em um neurônio, mas isto não provaque se trate de um fator meramente espiritual acionando amecânica. Também não é menos exato que a vontade (êstecomando subjetivo do corpo por um Eu responsável) aparece filosoficamente de uma outra ordem, mas isto não implicade modo nenhum a inexistência de condições cerebrais da

vontade.A psicologia gestaltista tem tôda razão em dizer queo essencial não está no aspecto analítico do funcionamentocerebral (uma vez que as alavancas dos influxos, ao sabor

Page 35: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 35/207

O CEREBRO, ÕRGAO DA VONTADE 35

das excitações e inibições cerebrais, garantem os circuitosdos reflexos condicionados), mas no aspecto sintético. Oêrro do gestaltismo foi, diante de uma neurofisiologia analítica que esquecia a síntese, pensar que a síntese escapava à neurofisiologia, que era inteiramente de outra ordem. Mas atualmente, em conseqüência de seus progressos, a neurofisiologia descobre, sob seu próprio ângulo devisão, o aspecto sintético do funcionamento cerebral. Cons

titui-se, assim, uma neurofisiologia da consciência, fundando-se sôbre esta a neurofisiologia da vontade. O neurofisio-logista renunciou definitivamente a sair do próprio campoe não tem nenhuma intenção de totalitarismo. Não competea êle conhecer a Vontade em si mesma, nem na sua fenome-nologia psicológica nem na sua metafísica. O que êle pretende é precisar em que medida a Vontade é também, emprincípio, um processo cerebral.

O Domínio  v o l u n t á r i o .

Qualificamos de voluntários alguns de nossos atos, quese referem à nossa vida de relação e se executam graçasà contração de nossos músculos estriados esqueléticos, ditos

voluntários. Efetivamente a considerável atividade motrizde nossas vísceras é um automatismo executado à nossarevelia, pois a vontade nada pode sôbre êle. A diferençanão está na natureza diferente dos músculos viscerais dados esqueléticos, pois existe uma atividadereflexaautomática inconsciente e involuntária da vida de relação (a atividadeelementar e limitada que depende da medula espinhal) mas

também êsses reflexos complexos de comportamento, cujosencadeamentos são a base das manifestações instintivas aoserviço da manutenção da vida e da espécie. Não é tambéma harmonia, aparentemente inteligente e finalizada, de umato, que devemos qualificar de voluntário. Que aparência

Page 36: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 36/207

'ODO MIN TO DE 81

mais bela de vontade lúcida que o ato automático de umarã, sem cérebro, limpando com uma pata o ácido caído sôbrea outra pata? É para admirar a vontade de combate deum pássaro que ataCa Corajosamente um rival, mas tambémnão é para menosprezar sua apatia diante do mesmo adversário despojado das penas vermelhas. Estas penas vermelhas, fixadas na ponta de uma vara, restituem ao pássaroo antigo furor de combate! Não é o dito pássaro mais es

túpido neste caso do que mais inteligente no outro. Realmente êle não queria nada. Um automatismo incoercível oobriga a atacar, quando, em atividade sexual, vê penas vermelhas, mas normalmente tais penas estão cobrindo o rival.Um tal comportamento não exige a intervenção de um cérebro superior, sede da consciência e da vontade. Dependeapenas dos centros instintivos da base do cérebro (hypho-

thálamus) e do cérebro primitivo (rhinencéphalo). A sabedoria automática do instinto não é senão o aspecto superiordessa sabedoria do corpo, que por auto-regulação, marxtémconstante a composição do ambiente interior. O homemdoente de insuficiência renal não poderá curar-se se, consciente de seu mal, não se decidir consultar um especialista,que lhe prescreverá o tratamento adequado. Ao contrário,nada de consciente e voluntário na escolha deliberada que

faz da água salgada um rato operado das supra-renais: aperturbação do seu ambiente interior tornou sensível aosal seus centros instintivos e êle é obrigado escolher aágua salgada, tornada assim indispensável para êle.

A Vontade, como a Consciência, implica pois a entrada em jôgo dos centros superiores do comportamento, istoé, nos Mamíferos (entre os quais, o Homem), o Córtex

Cerebral. Ê sabido que no Córtex Cerebral estão sediados,na circunvolução frontal ascendente, os neurônios pirami dais psicomotores acionando os neurônios motores periféricos do lado oposto. São qualificados de voluntários e atentação pode ser bem grande de nêles fazer sediar a Von

Page 37: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 37/207

<J CÉREBRO, ÕRGAO DA VONTADE 37

tade. Nada disto. Em neurocirurgia, nas condições usuaise favoráveis de operação em um doente acordado, os movimentos determinados por excitação elétrica desta zona, sãointerpretados como impulsões não-queridas.

Os neurônios psicomotores, tal como os músculos, sãoengrenagens que podem estar ao serviço da vontade, mascujo funcionamento só é voluntário em determinadas condi

ções. Contràriamente ao que se acreditava até agora, a ausência de comando voluntário no campo visceral não depende da inexistência de neurônios motores viscerais nocórtex cerebral. A excitação elétrica do córtex revela apresença dêles assim como a possibilidade de criar reflexoscondicionados córtico-viscerais (apanágio do córtex); forapois, do campo consciente e voluntário. É simplesmenteporque, pouco numerosos e lentos, êstes neurônios ficam àparte do funcionamento do conjunto. Mas, ainda no campoda vida de relação, a maior parte dos movimentos cerebraissão hábitos nos quais não intervém a vontade: nós tomamos consciência dêles se prestarmos atenção, mas1não interviermos voluntariamente no início dêles. E tanto melhor para nós, pois a vontade tem menos sucesso que oautomatismo. Já a lenda nos diz que a centopéia, per

guntada como fazia para andar com tantas patas, não soube responder.Ainda quando queremos um ato, freqüentemente a nos

sa vontade consiste simplesmente em começar um automatismo: não refletimos em todos os elementos, não queremostodos os pormenores de um gesto que sabemos estar fazendo.

Se é pois exato que não é possível executar um atoquerido sem ativação dos neurônios motores cerebrais e,por êles, dos músculos, não é menos exato que não bastaesta ativação para que o ato seja querido. Ê preciso queesta ativação motriz seja comandada por mim. Não< basta

Page 38: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 38/207

38 O DOMÍNIO DE SI 

somente que sejamos conscientes e atentos ao movimento,mas que metamos nossa consciência e atenção para começar o movimento. Longe de ser freqüente, o ato volun-trário é raro, pois que necessita de uma reflexão, de umatomada de consciênciadaquilo que nos convém.

Mas a reflexão também não basta. É preciso que elatraduza ativamente (uma atividade, que não é unicamentepositiva) o movimento, mas também negativamente (a possibilidade de se recusar a agir, dominando um impulso). Antes de querer agir ou não, é preciso querer refletir , isto é,aplicar a própria tomada de consciência à situação. Querer,transborda de muito da simples atividade motriz e se referea todo o funcionamento cerebral. Somos vagamente conscientes daquilo que se passa ao nosso redor, um fenômenoinsólito pode atrair, apesar de nossa atenção, mas não somos

plenamente conscientes se não quisermos. Uma atençãopassiva e automática basta para ouvir e ver, mas é precisoquerer para escutar e olhar. Pensamos continuamente, masé raro que nosso pensamento seja uma atenção querida esem distração.

Querer é, pois, dar a tôda conduta humana sua plenadimensão do livre engajamento da pessoa. Está-se assim

tão longe de recorrer a uma misteriosa faculdade quantoa uma simples engrenagem nervosa. Mas isto concerne àneurofisiologia, pois o cérebro aparece como oórgão da per sonalização, da liberdade, o órgão do verdadeiro querer,do saber querer.

Que é necessário para querer? É preciso saber refletir, pensar, sentir, agir. Longe desta função natural do

cérebro fazer-se por si mesma, exige ao contrário, um difícil adestramento. Ê por isto que a aptidão a querer detodos os homens normais resta freqüentemente uma virtualidade inutilizada, pois não havendo aprendido a que rer, não sabemos querer. Tomamos por vontade uma cris-

Page 39: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 39/207

O CÉREBRO, ÕRGAO DA VONTADE 39

pação no esforço, contrária à fácil espontaneidade, quandonão é o entregar-nos a impulsos, que nós justificamos maisou menos cônscia e sinceramente. É que vivemos sob opreconceito de que querer é, primeiro, agir, é lançar-noscom energia na confrontação com um pensamento ou umarecusa, um ato ou a omissão dêle. Ora, querer tem por condição primeira sentir e compreender com lucidez, exigindoassim um acréscimo de consciência, de presença atenta

é refletida. Não é a rigidez brutal, mas a adaptabilidadesábia e prudente.

Sens ib il ida de mu s c u l a r  e ha r mon ia  do g est o .

Nada há na inteligência que não venha por meio dossentidos. Êste velho adágio da filosofia realista é plenamente' confirmado pela neurofisiologia. Privado das mensagens ativadoras dos sentidos, o cérebro inibe seu funcionamento e soçobra no sono. A neurofisiologia da Vontade deve pois insistir sôbre a importância da informação sensorial, que está na origem da precisão do gesto comode tôda harmonia do funcionamento cerebral, condição dopensamento. Mas não é somente para o comando volun

tário que os sentidos são importantes. Vamos ver que é,graças a êles, que se forma um Eu cerebral suscetível deresponsabilizar-se pela conduta. Os sentidos não nos informam apenas sôbre o mundo exterior ou sôbre o graude contração de nossos músculos. Êles permitem que tomemos consciência de nós mesmos.

Por importantes que sejam as estruturas cerebrais,

não são elas senão uma possibilidade, que é preciso aprender a utilizar, coisa que depende duma regulação harmoniosa do funcionamento. Não há vontade correta, se océrebro não funciona bem. Toma cada vez mais importância a evidência, demonstrada pela neurofisiologia moder

Page 40: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 40/207

40 o d o m ín io   d e   s i

na, de uma função de auto-regulação harmonizadora dofuncionamento nervoso, dependendo de centros situados nabase do cérebro. Não se trata simplesmente de quererou de saber o que querer. Trata-se de “estar em estado dequerer”, isto é, de poder e saber utilizar tôda nossa mecânica cerebral. Com efeito, veremos que o maior obstáculo àvontade é a impossibilidade de domínio de um cérebro, que,por imprudência e ignorância, havemos desequilibrado. Pa

ra querer, não há necessidade, é claro, de nos tornar todosneurofisiologistas, mas é importante justificar científica eobjetivamente, em nome da neurofisiologia, precisando-as,as indicações da sabedoria tradicional.

A mecânica cerebral ao serviço da vontade é de umaextrema complexidade. Todo gesto faz intervir o comandode numerosos músculos necessários ao movimento, ditos

sinérgicos. Há também freagem, inibição dos músculos deação inversa, ditos antagonistas. É que, na pessoa acordada, os músculos não estão em repouso, ainda quando emimobilidade total. Estão sempre num certo grau de tensão, numa espécie de contratura, dita tônus muscular, quenos permite fixar as articulações, guardando determinadasposições, o que, precisamente, falta no sono, pelo menosem boa parte.

Sem regulação adaptada do tônus, não haverá harmonia do gesto: os músculos antagonistas não devem resistirdemasiado, pois impediriam o movimento; não devem serdemasiado relaxados, pois que então o movimento seria excessivo. Agir comporta pois, não só o lançamento, pelo cérebro, de mensagens motoras a certos músculos, mas emprimeiro lugar, estabelecer uma repartição harmoniosa dotônus, acrescentando-o aqui, diminuindo-o acolá. Percebe--se a importância desta regulação quando um estado patológico dos centros nervosos vem perturbá-la, quer na embriaguez, na qual a incoordenação motriz tem uma tal origem,

Page 41: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 41/207

dNatal Qsteoes da ç$lh Acad. Filoso fia UF G

O CEREBRO, ÓRGAO DA VONTADE Fone: ^2b 2B ' 41

quer nas doenças do cerebelo, que é o centro regulador daprecisão dêste tônus. O doente do cerebelo tem movimentosdesarmoniosos, escandidos, imprecisos. Como um títere, nãopode tal doente fazer movimentos seguidos, contínuos (adia-dococinese).

A execução, pois, correta de um movimento voluntáriopede tôda uma harmonia 'preestabelecida. Esta harmonia

baseia-se na auto-regulação pelas mensagens dos sentidos.Se, em uma pessoa normal, os músculos nunca estão emrepouso completo, é porque recebem incessantemente mensagens sensoriais. As mais importantes destas mensagens,sempre presentes, vêm da sensibilidade muscular. Ê preciso que não esqueçamos ser o músculo não apenas um meroórgão de execução, mas também um dos nossos mais im

portantes órgãos dos sentidos. Tôda modificação da concentração do músculo, estática (tônus) ou dinâmica (movimento), vai ativar ou acalmar numerosos tipos de receptoressensoriais, mecânicamente sensíveis. Dêstes, alguns são dispositivos próprios dos músculos, como certas fibras especializadas, os fusos neuromusculares, que se compõem de umreceptor principal e de outros acessórios. Outros, estão si

tuados no nível dos tendões ou do conjunto muscular. Ofuso neuromuscular possui uma inervação motriz própriapor fibras mais finas, ditas gamma, que o mantêm em umestado de tensão variável, modificando a sensibilidade deseus receptores sensoriais.

Cada neurônio motor da medula é influenciado pelasmensagens provenientes do músculo que êle inerva e dos

músculos sinérgicos e antagonistas. A atividade dêle depende da soma das influências ativadoras e inibidoras quetais mensagens exercem sôbre êle. Podem-se hoje analisartôdas estas influências, ligando um micro-elétrodo aos neurônios medulares. A ordem motora cerebral não atinge pois

Page 42: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 42/207

42 O DOMÍNIO DE 81

a medula em repouso, mas ajunta um fato suplementar aesta dinâmica flutuante no tempo e no espaço de excitações einibições.

Mas esta dinâmica não é somente auto-reguladora damedula graças às inter-relações entre neurônios sensitivose neurônios motores. Um animal, privado de seus centrosencefálicos mas conservando apenas a medula, não tem o

tônus suficiente para guardar uma postura correta, paramanter-se sôbre as patas. A harmonia do tônus exige umaauto-regulação, que faça intervir em um nível superior asmensagens da sensibilidade muscular. Estas sobem até aoscentros da base do cérebro que asseguram esta regulação,enviando aos neurônios motores medulares mensagens reguladoras, ativadoras ou inibidoras. Inversamente às regulações locais ou regionais medulares, trata-se aqui de uma

regulação de conjunto, assegurando tôda a unidade motrizdo indivíduo, que pode assim conservar seu equilíbrio geraldurante o movimento. Mas a regulação não é apenas pelaintervenção das mensagens ascendentes vindas dos músculos. A serviço da harmonia do gesto voluntário, os centros reguladores recebem também mensagens descendentes,informadoras do estado do cérebro, pondo à disposição dêsteos centros motores periféricos.

Pôde dizer-se que o órgão regulador principal, o cere-belo, recebia por uma ligação com o cérebro, o duplo damensagem motriz, que estava para enviar. O maior desenvolvimento do cerebelo nos Mamíferos e no Homem sefaz em relação com a auto-regulação da motricidade cerebral voluntária.

A existência dêstes centros reguladores é bem atestada pela experimentação, que permite distinguir duas etapas.Enquanto um animal, cujos centros ficaram reduzidos àmedula, tem um tônus insuficiente, outro animal, que conservou também o bulbo e a protuberância, tem, pelo con

Page 43: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 43/207

o c e r eB r o , õ r g a o d a   vo n t a de 43

trário, um tônus exagerado: têm contraturas em extensão,como se fôsse de madeira. Ë a rigidez descerebrada. Normalmente intervêm os centros reguladores principais, situados no mesencéfalo, impedindo esta hipertonia pelo ajustamento do tônus ao nível conveniente. A parte mais importante do cerebelo é um órgão de precisão, que age medianteêstes centros do mesencéfalo.

As mensagens da sensibilidade muscular não param nabase do cérebro: sobem por etapas sucessivas, até o córtexcerebral. É por isto que elas estão na origem de sensaçõesconscientes, informando-nos sôbre a posição e os movimentos das diversas partes do corpo, ainda quando não as vemos, dando-nos assim o sentido do relêvo (reconhecimentode um objeto por apalpação), ou do pêso. Apesar de prestarmos atenção a tais informações, no mais das vêzes não nos

rendemos conta daquilo que acontece assim permanentemente em nosso cérebro. Estas mensagens não deixam pois deter um papel da mais alta importância, tanto para a motricidade cerebral quanto para a motricidade medular.. A motricidade cerebral não depende de uma estrutura anatômicaem repouso, estando os neurônios motores dos diversos movimentos, situados uns ao lado de outros na zona motriz, mas

de uma estruturação, que é um mosaico de estados funcionais diferentes.Certos neurônios são excitados, outros inibidos com

referência ao grau de contração dos músculos. Temos, pois,no nosso cérebro, não um órgão de comando ao serviço davontade, mas o reflexo, a imagem fiel do estado do nossocorpo. E é dupla esta imagem. Atrás da Fenda de Rolando,

na circunvolução parietal ascendente, chegam as mensagensvindas dos músculos e da pele, que excitam ou inibem osneurônios sensitivos cerebrais. Ê a fonte de nossas sensações. Mas esta zona sensitiva vai influenciar os neurôniosmotores correspondentes, situados em frente, diante da Fen-

Page 44: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 44/207

44 O DOMÍNIO DE SI 

da, na circunvolução frontal ascendente. As estruturas sensitivas se transformam em estruturas motrizes, e então bastará que a ordem motora seja enviada para que a execuçãoseja correta. Qualquer movimento, pois, não é simplesmenteuma ordem motora que chega ao músculo. É a modificaçãoda imagem motriz cerebral, da qual o cérebro é informadopor uma modificação da imagem sensitiva muscular cerebral. Querer, pois, não é apenas agir sôbre o músculo, masmanifestar imaginação motora, ter na própria cabeça a idéiade movimento, isto é, realizar a estruturação motora, queserá a origem do comando muscular.

Apr ende r  a ag i r : Gnos ias  e Pr a x i a s.

Não somos conscientes dos nossos movimentos porque já estamos a êles habituados. Enquanto que na medula,centro relativamente simples, tudo funciona correta e automàticamente, sem aprendizagem, graças à harmonia dasconexões nervosas que se vão fazendo no decurso do desenvolvimento, no cérebro, pelo contrário, bem mais complexo, nem tudo está preestabelecido. As conexões existem,mas elas permitem múltiplas possibilidades. Poderíamos realizar muitos gestos, mas só aprendemos alguns. A criançatem uma motricidade incoordenada: é porque o cérebro nãoestá amadurecido e também nem tôdas as conexões estabelecidas. Se alguns movimentos (como os do caminhar) sãoautomatismos inatos, dependendo apenas da maturação nervosa, não podemos, porém, à vontade, modificar nosso caminhar ou executar gestos, p. ex., da preensão, senão pela

aprendizagem. A criança, que brinca em seu berço, aprendea utilizar as possibilidades de seu cérebro, reconhece a significação das sensações e coordena cada vez melhor os próprios movimentos.

Page 45: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 45/207

O CÉREBRO, ORGAO DA VONTADE 45

A anatomia lhe dá neurônios cerebrais sensitivos, querecebem as mensagens dos sentidos, como lhe dá neurônios motores. Estando na vizinhança dêstes neurônios, osneurônios vizinhos, pela própria situação, são pré-adaptadosa um papel coordenador. Mas é o exercício, a aprendizagem, que permitirá a utilização destas possibilidades inatas.No cérebro, nem tudo repousa sôbre reflexos ordinários,mas sôbre reflexos adquiridos, reflexos condicionados. São

reflexos condicionados as gnosias perceptivas, isto é, coordenações que permitem compreender o sentido daquilo quesentimos. São reflexos condicionados as praxias motrizes,isto é, nossos gestos, cuja precisão foi adquirida às apalpadelas, ajustando movimento e esforço ao resultado procurado com a ajuda da sensibilidade muscular.

Aquilo que nos irá permitir agir, não são, pois, direta

mente, as estruturações sensitivas e motrizes primárias,situadas de um e de outro lado da Fenda de Rolando, masos circuitos coordenadores complexos, que tenhamos formado nas zonas vizinhas, zonas das gnosias e praxias..

As ZONAS MOTRIZES CEREBRAIS.

A precisão de nossos movimentos depende primeiramente da maior ou menor riqueza da inervação periféricado músculo: número de fibras musculares dependendo damesma fibra nervosa; densidade dos receptores sensitivos.Mas em relação com esta riqueza se acha a densidade dosneurônios receptores e motores cerebrais. Se se traçasse aimagem cerebral do corpo, ao longo da Fenda de Rolando

(onde se encontra a localização, ponto por ponto, de todosos músculos) pondo os pés para cima e a cabeça parabaixo, nós encontraríamos, quer para a sensibilidade comopara a motricidade, uma imagem deformada e grotesca, poishá bem mais neurônios cerebrais para determinados mús

Page 46: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 46/207

46 O DOMÍNIO DE 81

culos. Os músculos do tronco, apesar da sua massa, são pouco importantes cerebralmente falando, ao contrário dosmúsculos, menos volumosos, das mãos, da facete..do jpescoçQ(a fonação tem um rico comando cerebral). O corpo ao serviço da vontade, não é o corpo que vemos, mas aquêle quesentimos cerebralmente.

Defronte à zona sensitiva parietal existem 2 zonas motrizes cerebrais. Diante da área motriz da circunvoluçãofrontal ascendente (onde estão os neurônios psicomotorespiramidais, que vão diretamente comandar os neurônios motores periféricos do lado oposto que são os órgãos da motricidade fina de precisão) existe uma área pré-motrizyorigemdas vias extrapiramidais, que não comandam os neurôniosperiféricos senão por relés sucessivos, nos centros da basedo cérebro. Ê a motricidade mais grosseira, mas mais ge

neralizada, facilitando a eficácia da precedente. Em todomovimento cerebral, não há apenas a adaptação precisa dacontração de um músculo, mas o jôgo de numerosos músculos, acessórios, colaboradores e preparadores: o braço se deslocaa fim de que a mão aja. A área pré-motriz é a sede, aomesmo tempo, dêstes neurônios motores e dos neurônios coordenadores, base dos reflexos condicionados dos gestos,

que têm sob seu controle neurônios piramidais e extrapiramidais.Uma lesão nos neurônios de execução é fonte de para

lisia, bem difícil de evidenciar uma região localizada, poisse se trata da área motriz, é atingido apenas o gesto deprecisão. A zona pré-motriz continua a funcionar. Se estafôr atingida, subsistirá uma motricidade automática, que

depende dos centros motores da base, como os corpos estriados. Se forem atingidos os neurônios coordenadores,não haverá paralisia, mas impossibilidade de gesto corretoe querido. Ê o que se chama deapraxia. Há delas 2 importantes: a agrafia, daquele que não sabe mais escrever e a

Page 47: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 47/207

O CffiREBRO, ÕRGAO DA VONTADE 47

afasia motriz (anartria) daquele que não pode mais coordenar seus músculos fonadores para articular palavras.

Uma dificuldade de nossa organização cerebral é têr-mos 2 hemisférios cerebrais comandando cada um dêles ametade do corpo. Há normalmente um hemisfério preponderante, dito dominante, que é o hemisfério que comanda amão ativa: o esquerdo para o direito e o direito para oesquerdo. Neste hemisfério dominante são localizadas, mais

eletivamente, as gnosias e as praxias, sobretudo as da linguagem. O dito hemisfério é o cérebro dela. As outraspraxias são menos localizadas. As pesquisas atuais tendem a precisar o papel práxico dos 2 hemisférios e a importância docorpo caloso, que os une.

DOS AUTOMATISMOS CEREBRAIS À VONTADE.

O homem pode aprender a qualquer idade. Devem-sedistinguir porém 3 categorias de praxias. Há automatismosadquiridos espontâneamente na infância por uma auto-edu-cação influenciada pelo meio social que, por exemplo, dáuma língua utilizando apenas certas aptidões cerebrais inatas à modulação dos sons.

Tais reflexos condicionados são para nós como umasegunda natureza, isto é, a maneira pela qual nós aprendemos, na origem, a utilizar nosso cérebro no momento, noqual, inacabado, êle era muito maleável e quando sua própria construção foi infletida, pelo modo com o qual o fizemos funcionar. Doutro lado, esta auto-educação de basese faz no momento em que a consciência da criança não estáainda expandida, não obstante isso contribua justamente pa

ra a expansão dela.Não aprendemos voluntariamente. Contraímos um hábito de modo irrefletido, pois não estávamos ainda aptospara refletir. Mais tarde, ao contrário, a êste treinamento

Page 48: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 48/207

48 O DOMÍNIO DE 81

automático para a vida de um ser relativamente passivo,se seguirá uma educação consciente e voluntária. Por exercício querido, aprenderemos certos gestos novos que se enxertarão nos gestos primitivos. Tornar-se-ão êles tambémum automatismo, não fazendo intervir a consciência e a vontade, mas isto será secundàriamente. Enfim, se podemosrepousar sôbre gestos habituais automáticos, temos tambéma possibilidade de fazer gestos plenamente voluntários, isto é,

de utilizar nossos gestos aprendidos em circunstâncias diferentes. Em todos êstes casos se trata do funcionamento dosmecanismos motores cerebrais dessa harmonia das excitações e inibições, onde a auto-regulação sensorial tem um papel preponderante. Os centros reguladores da base do cérebro não são somente responsáveis pela regulação descendentedo tônus muscular por intermédio do tônus nervoso dos

neurônios motores. Sua função reguladora é geral e concerne todo o funcionamento nervoso. Existe assim umaregulaçãoascendente responsável da harmonia das funçõescerebrais. A informação que os centros reguladores recebem do cérebro não serve somente para preparar a motricidade para a ação, mas permite também agir retroativamentesôbre o próprio cérebro.

Agir supõe uma repartição correta no espaço e no tempo dos processos de excitação e de inibição entre os neurônios motores cerebrais. É assim que se realizam os circuitos condicionados. Durante muito tempo se acreditou quedependia tão-sòmente do cérebro. É sabido hoje que nistointervém também os centros reguladores. A educação éassim a utilização das possibilidades coordenadoras e har-monizadoras destes centros. Mas, freqüentemente, somosa prêsa passiva de todos êstes mecanismos nervosos. Nãoé a utilização completa dos podêres do cérebro que nos permitirá chegar à direção pessoal dêstes mecanismos. Mas énisto que consiste a verdadeira Vontade.

Page 49: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 49/207

O CÉREBRO, ÓRGÃÒ DA VÓNTADÉ 40

O EUCEREBRAL.

Durante muito tempo se creu que, por definição, osubjetivo, a consciência, a vontade escapavam a um estudocientífico objetivo. Tôdas as tendências porém, da neu-rofisiologia moderna, que perscrutam o cérebro humano acordado, nos conduzem objetivamente aos mecanismos cerebrais

precisos da subjetividade. Nós queremos apenas porque oEu, qualquer que seja a sua especificidade, é um mecanismocerebral apto, por causa disto, a entrar em relação com osmecanismos cerebrais. Uma vontade angélica espiritual desencarnada seria no homem, impotente. Impotente seriatambém uma vontade que não fôsse senão engrenagemcerebral.

Se as mensagens de nossos sentidos, que conduzem nocérebro às gnosias perceptivas, nos permitem distinguir osobjetos exteriores, é porque nos situam em relação a êles.A síntese de tôdas as sensações relativas ao nosso corpo,onde a sensibilidade do cérebro parietal cutâneo e muscularexerce papel preponderante, cria em nosso cérebro a imagem do nosso corpo, uma síntese formada na infância e que se

tornou hábito irrefletido.Ainda que não pensemos nela, está ela sempre presente

em nós. A presença da pessoa a si mesma no próprio cérebro é o aspecto imanente, o mecanismo cerebral do EuEm Eu que r o há 2 elementos: o Eu e o Querer. Nós temosidéia que somente o Qu e r e r   é mecanismo cerebral e quepô-lo em movimento é espiritual. Como pode o espiritualdizemos, comandar excitações e inibições cerebrais? Felizmente não estamos diante de um insolúvel mistério, ma?sim diante de um falso problema. Qu e r e r  é utilizar o Ercerebral, a imagem do corpo, os mecanismos cerebrais d?pessoa para a tomada de conta pessoal da conduta. O Er

Page 50: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 50/207

50 O DOMÍNIO DE 81

cerebral são as estruturações da zona parietal na sua partegnósica: aprendemos a utilizá-las para modificar as estruturações motrizes. O movimento voluntário ou o domíniovoluntário é a tomada de conta da dinâmica motriz cerebralpelas estruturas do Eu. Tudo quanto não fôr comandadopor estas estruturas escapa, justamente, à vontade.

Trata-se da alternância entre distração e atenção: es

tar atento é pôr o cérebro sob o controle do Eu cerebral;estar distraído, é deixar que aquêle funcione à revelia dêste.E isto não concerne apenas à motricidade, mas a tôda dinâmica cerebral, que tem a mesma base de mosaicos deexcitações e de inibições flutuando no tempo e no espaço,quer se trate de sensações ou de pensamentos. Tudo istoestá no nosso cérebro, mas devemos aprender a tomar ocontrole de tudo. Se não há sensação senão pela tomada de

consciência, todos os elementos da sensação preexistem nocérebro, a êle conduzidos à nossa revelia, pelas mensagensdos sentidos. Há em nós uma máquina de pensar pela associação das imagens do mundo exterior ou do equivalenteverbal delas, mas temos que dirigi-la voluntariamente. Estaratento ou distraído depende dos automatismos de regulaçãoda base do cérebro, que majoram aquilo a que alguém estáatento e freiam aquilo a que alguém está distraído. Masatenção e distração são para nós automatismos maquinais,dos quais não nos incomodamos. Ê preciso aprender a seratento ou a saber desviar nossa atenção, a fim de nãosermos escravos de automatismos cerebrais, de cuja direçãotemos normalmente o poder. Servir-se do cérebro para pensar e agir parece evidente, pois é um hábito da infância, quetomamos por uma aptidão inata. Ora, vamos ver que isto

não é tão espontâneo assim. Não é bom hábito senão aquêle que resultar de uma verdadeira tomada de consciênciaainda em formação como é a da criança. Na vida relativamente simples e conformista de antanho, quando bastavaseguir os costumes e usos, poucos conheciam êste problema.

Page 51: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 51/207

O CEREBRO, ORGAO DA VONTADE 51

Hoje, pelo contrário, quando tudo é examinado e criticado,é imprescindível aprender a saber querer. Tanto mais quanto por falta de sabedoria, vivemos uma vida excessiva, que,desequilibrando nossos centros reguladores, nos faz sucumbir à fadiga nervosa. Esta torna o Domínio de Si mesmobem mais difícil, mas exige precisamente êste Domínio, comocondição de retorno ao equilíbrio e à saúde. Saber querernão é um ativismo enervado e irrefletido, mas sim sabere sentir aquilo que cada um é a fim de poder fazer aquiloque se deve. Isto supõe condições cerebrais, das quais nãonos podemos libertar.

Page 52: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 52/207

Page 53: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 53/207

AoLeFT es da<#«F./osofia . UFS  

Fone: 225-98 ?o

2Vontade animal

e Vontade humana

COMPLEXIFICAÇÃO CEREBRAL E NÍVEIS DE VONTADE.

O homem primitivo personaliza os fenômenos naturais:

dá um espírito ao vento e ao raio. Animista, que é, anima

o inanimado. Com espontaneidade tôda natural, ‘ dá, porantropomorfismo, consciência e vontade humanas ao animal.

A objetividade, quer científica quer filosófica, se re

cusa a uma tal confusão. O animal não quer. Obedece apenas aos automatismos inatos de seus tropismos e instintos.

O animal não seria outro tanto do homem? Talvez seriaêste de uma ordem totalmente diversa por causa da espiritualidade de sua alma? Para Q u e r e r   será necessário ter

uma alma espiritual, acionando a mecânica cerebral? Aca

bamos de ver que a neurofisiologia moderna não desaguasôbre o mistério de uma animação exterior pelo espiritual,mas nos diz com precisão a função cerebral de vontade, como

o Eu cerebral personaliza a conduta. Nestas condições, como

não conceder aos animais, pelo menos àqueles que têm umcérebro parecido com o nosso, o atributo da Vontade? Se

é falta de bom-senso atribuir Vontade a um infusório ou a

Page 54: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 54/207

54 O DOMÍN IO DE S I

um inseto, não o seria também negar a Vontade a um cão,

a um gato ou a um chimpanzé ? Tal fo i a posição de L. Labic-

que, que por razões meramente científicas foi levado a de

senvolver a noção de Consciência ou Alma Celular. Sendo

a série animal uma continuidade, por que e onde parar?

De fato, não temos compreendido bem o ensinamento

do estudo zoológico comparado dos animais e do homem, a

significação da evolução biológica que nos mostra a origem

do superior a partir do inferior. Os animais nos parecem

uma fantasia da natureza, sem maior interêsse para nós,

quer um animal entre outros, quer um ser espiritual de uma

ordem completamente outra. Ou igualamos as diferenças

num nivelamento generalizado, recusando todo juízo objetivo

de valor ou afirmamos descontinuidades totais, que tiram ao

inferior tôda e qualquer significação na preparação do su

perior. Ê impossível compreender a vida e por conseqüênciao Homem, se não se partir da noção da complexificação, 

isto é, da aparição de sêres cada vez mais complexos, quanto

ao cérebro. Isto permite objetivamente dizer que o homem

é o florão da evolução animal, porque tem o cérebro mais

complexo. É impossível compreender plenamente o Homem,

tanto isolando-o do animal quanto dividindo-o em um corpo

animal e uma alma espiritual. Tôda espiritualidade humana,qualquer que seja sua sign!ficação metafísica, está encar

nada, isto é, se realiza pelas funções do cérebro humano.

Ê justamente o progresso da neurofisiologia humana que

faz com que hoje os valores espirituais humanos apareçam,

cada vez mais como fatos incontestáveis, quaisquer que se

 jam as conclusões filosóficas. Se pois o espiritual humano

é cerebralizado (ou então, o cerebral humano, espiritualizado), é impossível que os estádios pré-humanos de cerebra-

lização não comportem uma certa espiritualidade, certos

degraus para a espiritualidade humana.

Page 55: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 55/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 55

 Tem tôda razão o filósofo, que, apoiado sôbre a objetividade psicológica, insiste que se reserve a palavra “ Espírito” ao homem. O homem chegou à Reflexão, “ esta cons

ciência da consciência” , segundo a justa expressão de Teilhard de Chardin.

Mas isto não exige absolutamente que aquilo que pre

cede (umbral de acesso ao Espírito) nada tenha que ver

com o Espírito. A ascensão, no animal, da complexidade

cerebral permite um psiquismo que, sem nunca atingir onível humano, sobe nessa direção. Nota-se perfeitamentebem uma espiritualização, ou melhor, uma 'pré-espirituali- 

zação, uma preparação para o passo da Reflexão. Da mesma forma, antes da aparição da vida (outro umbral abrupto, outra descontinuidade), houve uma complexificação do

inanimado, realizando moléculas cada vez mais complexas,

que não eram vivas, mas se aproximavam cada vez maisda supercomplexidade destas. É uma posição simplista e

falsa ver tudo sob o aspecto contínuo ou totalmente des

contínuo. Há umbrais de descontinuidade sôbre um fundo

de progresso contínuo. A ciência nos mostra como a um

certo momento a complexificação quantitativa produz qua

lidades novas, estando a origem da mudança quantitativa

não no quantitativo mas na sua supercomplexificação. Por

que fazer dêste fato científico de emergência uma afir

mação filosófica materialista?

Se os espiritualistas fôssem realistas compreenderiam

que é precisamente uma sã reflexão filosófica sôbre a emer

gência que leva a explicá-la metafisicamente por estas di

ferenças formais de natureza do princípio explicativo da

organização, sôbre as quais insistia S. Tomás de Aquino,

depois de Aristóteles. Temos que retomar à sábia noção de

analogia, que tão bem nos explica a união do semelhante e

do diferente. O animal não tem vontade humana porque não

é homem, não tem um cérebro bastante complexo para

Page 56: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 56/207

56 O DOMÍNIO DE SI

querer humanamente sob a dependência de uma verdadeira

Reflexão, fonte de plena liberdade. Não deixa por isto deter um nível de vontade animalesca proporcionado ao graude complexidade de seu cérebro. A neurofisiologia moderna

objetifica nas estruturas cerebrais aquilo que a análise me

tafísica acha na diferença entre a alma espiritual humanae o nível animal da alma, destas almas animais que não

saem do nível animalesco ainda quando um mundo separa

o psiquismo inumano da ameba do psiquismo bem mais humano de um mamífero. Um umbral enorme separa a amebado chimpanzé, mas é enchida por uma seqüência de degrausintermediários. Êste não é o caso para a passagem do ina

nimado ao vivente (ainda quando tenha havido formas pré-

celulares de vida), nem para a passagem do animal ao homem

(ainda quando tenha havido pré-humanos mais simples). A

dificuldade aqui é de situar onde começa o homem, onde

êle passou a soleira. Mas esta não desaparece em absoluto simplesmente pelo fato de, antes do homem, ter havido

superanimais que ascendiam na escala na direção do Homem,

nem tampouco, depois de transposta a soleira, desaparece a

continuação do aperfeiçoamento.

L u g a r   d a   v o n t a d e   n o s   c o m p o r t a m e n t o s .

Donde vem que, com a motricidade aperfeiçoada que

têm, tenham os animais insuficiência no Querer? Em con

seqüência da insuficiência do Eu cerebral dêles, que lhes

não permite uma plena tomada de contas da própria con

duta. Um verdadeiro Eu cerebral exige hemisférios cere

brais e uma cortiça cerebral, coisa que não aparece senão

nos pássaros e sobretudo nos mamíferos. Os animais nãosofrem, por causa desta insuficiência de vontade, pois não

têm necessidade dela para uma conduta correta. Nêles o

essencial é o instintivo, o inato, a máquina de comporta-

Page 57: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 57/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 57

mento, que lhes permite (sem ter necessidade de refletir

e de querer) portar-se corretamente, isto é, de acôrdo com a

própria natureza. Observando os animais, parece-nos queêles se alimentam depois de tomarem consciência da própriafome, seguida da decisão de procurar voluntàriamente aqui

lo que lhes fôr conveniente. Na realidade o estudo moderno

dos comportamentos instintivos mostra que se trata de au-

tomatismos, que dependem dos centros da base do cérebro

sem exigirem nem consciência nem vontade. O estado denecessidade orgânica, isto é, a modificação da composição

química do sangue sensibiliza os centros instintivos, obrigan

do o animal a deslocar-se, fazendo assim com que encontre,

sem procurar, aquilo de que tem necessidade. Assim sen

sibilizado, êle reage de modo reflexo aos alimentos que en

contra. Um sinal qualquer no alimento não faz com que o

reconheça conscientemente, mas determina automàticamentea captura e a consumação dêle.

O que diferencia o homem é precisamente a redução

dos podêres do cérebro instintivo, que é sempre a-sede inconsciente das necessidades, mas que não é capaz de de

terminar comportamentos convenientes. O cérebro supe

rior toma consciência do estado de necessidade, mas é a

êle que pertence remediar quer por hábito por uso social,quer por vontade refletida. Incapaz de liberdade, o animal

segue bons instintos. O Homem, privado dêstes bons ins

tintos, é livre dêles, mas a sua liberdade não é uma fun

ção que lhe permite agir a seu bel-prazer, mas sim suprir 

a falta de instinto, achando pela Reflexão, aquilo que fôr

conveniente e bom, conformemente à natureza de Homem.

O Homem não pode deixar de querer, a não ser depois deter adquirido bons hábitos. Geralmente porém, êle toma

por vontade a escravidão ao conformismo social, que às

avêssas, dos bons instintos dos animais, pode ser muito

desnaturante.

Page 58: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 58/207

58 O DOMÍNIO DE SI

A neurofisiologia confirma assim, sem fazer nenhuma

metafísica, a diferença de natureza que separa o homem doanimal. Quando se fala de natureza do homem, entende-se

de sua natureza de homem, em relação com a complexidade

de seu supercérebro. De modo nenhum, como é crido fre

qüentemente, de uma metade dêle mesmo, que seria a parte

quase animal, biológica, elementar, pela qual êle se confun

diria com a natureza, em posição com sua dimensão espi

ritual e cultural. Ê, pelo contrário, na medida em que constatamos sua emergência acima da natureza, da qual é o

florão, que está o homem na sua natureza humana, cuja

conseqüência específica são o Espiritual e o Cultural.

Mas apesar da neurofisiologia reduzir o instinto animal

a cadeias de reflexos de comportamento, por conseguinte a

um automatismo total, ela não identifica o animal ao seuinstinto, retornando assim à tese do animal-máquina. Se

o homem, com sua superioridade refletida, não deixa de ter,

apesar da ausência de verdadeiros instintos, tôda uma série

de obscuras necessidades, de impulsos, de tendências que

exigem uma satisfação correta para um bom equilíbrio; se

debaixo do cérebro superior, o homem guarda um cérebro

instintivo, mais desenvolvido até do que no animal (aindaque não seja capaz de funcionar sem o controle do cérebro

superior) da mesma forma, o animal não é apenas instinto.Não tem êle obrigatoriamente necessidade do cérebro su

perior para regular sua conduta nas circunstâncias da vida

normal, mas não deixa contudo de possuir ainda que emum grau menor do que o homem, um cérebro superior que

lhe dá certa aptidão para adquirir comportamentos novos

sôbre a base de reflexos condicionados, para ser consciente,

para ascender a um certo nível de vontade e de domínio de

si. O neurofisiologista se encontra aqui preservado de duastendências errôneas, que são tentações inversas para o

especialista em psicologia animal. Êste, de fato, pode ser

levado a minimizar as possibilidades animais de inteligência,

Page 59: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 59/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 59

para escapar ao perigo de antropomorfismo, sem perceberque cai, freqüentemente, no risco inverso, faltando, na mes

ma proporção, à objetividade. Não podendo negar a evi

dência, é levado a majorar excessivamente as possibilidades

psíquicas animais e, não julgando os comportamentos senão

pelo lado exterior, a tomar por sinal de inteligência um automatismo instintivo ou de aprendizagem, no qual o animal

não manifesta nenhum verdadeiro domínio. Ê preciso con

frontar os comportamentos animais com o grau de desenvolvimento do cérebro. Não se deverá atribuir ao modesto

cérebro de um inseto aquilo que ex:ge a complexidade da

cortiça cerebral de um vertebrado.

Se a inteligência refletida, permitindo o ato livre, a

verdadeira Vontade, é própria do homem, o nível do homemporém, é precedido do estádio pássaro-mamífero, no qual

uma inteligência, uma consciência, uma vontade análogasàs do homem, bem que em nível inferior, não podem ser ne

gadas. Dar vontade humana a um cão é uma puerilidade, na

qual tanto o neurofisiologista quanto o filósofo, cada um se

gundo seu ângulo de visão, denunciam uma falta de bom sen

so. Mas seria também não menor falta do mesmo cair no

êrro inverso, defendido por Descartes e justamente refuta

do por La Fontaine. O cão tem consciência e vontade decão. Antes de Descartes o realismo da filosofia aristotélico-

tomista havia reconhecido isto, quando chamava Estimativa,

esta inteligência concreta animal.

Empregar o têrmo Vontade aos níveis mais reduzidos

de organização cerebral é mais discutível. Os animais in

feriores têm sua conduta automàticamente regida pelos au-

tomatismos dos tropismos e dos instintos. Não deixariaporém de ser grave êrro limitá-los a êste nível. Desde a

origem, há uma possibilidade de adaptação a situações novas.

Os reflexos condicionados, a possibilidade de aprendizagem

se manifesta, até antes do cérebro, como propriedade da

Page 60: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 60/207

60 O DOMÍNIO DE SI

matéria viva, nos unicelulares. Pode-se por exemplo, inverter

um tropismo associando-o a uma recompensa ou punição,isto é, a algo de agradável ou de desagradável.

Passada a época, na qual se dava vontade humana àameba, a análise científica dos comportamentos inferiores

concluiu fazendo do unicelular o suporte passivo dos tropis

mos, propriedades de sua matéria viva. Êste estádio estáhoje também superado. Fala-se atualmente de psiquismo 

inferior de uma grande complexidade desde o escalão celular. Viaud, por exemplo, retomando os trabalhos de Jen-

nings, nos mostra o aspecto patia dos tropismos, manifes

tação de uma proto-afetividade, que, evitando o desagradá

vel escolhe o optimum, um praeferendum, em lugar das

atrações e repulsões brutais ao máximo, dos tropismos ordinários.

O unicelular é uma pequena individualidade equipadade comportamentos que lhe permitem viver, fato que não

significa uma justaposição de comportamentos, mas a sín

tese unificada finalizada dêles para a defesa do indivíduo.

O especialista em comportamentos se curva objetivamente

sôbre o exterior das condutas, mas lhe escapará o essencial

se êle se recusar de ver que há um interior , a organização

interna de uma matéria viva unificada, que é responsável

por êsses comportamentos, que não passam de reações adaptadas e adaptadoras ao ambiente.

Nestes comportamentos elementares o animal reage co

mo um todo, um indivíduo, dependendo o nível de sua indi

vidualidade da complexidade de sua organização que asse

gura a sua unificação. A diferença essencial entre o inani

mado e o vivo é o grau de organização. O inanimado pouco

complexo, com interior relativamente simplrs (simplicidade,cuja complexidade nos é mostrada pela física moderna) é

uma presença passiva no mundo. Um indivíduo vivo, porsimples que seja, é uma organização bem mais complexa,

Page 61: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 61/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 61

que não subsiste senão por uma atividade permanente li-beradora de energia; é uma presença ativa no mundo, em

luta permanente com êste, para manter-se e subsistir.

Esta noção científica da organização e de suas conse

qüências é desenvolvida por Teilhard de Chardin, quandofala do “ dentro das coisas” e não uma filosofia errada, que

daria consciência humana a uma pedra! Numa perspec

tiva de dinamismo evolutivo de cosmogênese, os níveis pré--viventes de organização interior, de dentro das coisas, são

uma pré-consciência em caminho para a soleira da com-

plexificação, que permitirá o primeiro nível da verdadeiraconsciência, a consciência celular ou bio-consciência.

Uma tal consciência celular é evidentemente uma qua-

se-inconsciência em relação à consciência refletida humanae até à consciência pré-refletida ou tangenciando um pri

meiro degrau de reflexão do pássaro e do mamífero. Não

deixa porém de ser análoga a ela, em nível inferior e sua

preparação, seu longínquo anúncio. Qualquer animal tem

conduta unificada e individualizada: é dotado de poder rea

gir, enquanto indivíduo, de se pôr, de uma certa maneira,

na sua ação. Não há negar que haja nisto uma pré-vontade. 

Para que se torne Vontade, será preciso que emerja da

imanência, graças ao progresso da organização integrada,para dirigir a conduta. Todo o progresso do sistema nervoso

na série animal vai nesta direção, neste sentido. A presença

difusa do Eu se localiza nas estruturas cerebrais, onde ela

poderá individualizar a conduta. Acima dos automatismos

inatos e adquiridos, o animal possui uma conduta melhor

adaptada, que se desenvolve com a organização do cérebro.

Sendo apenas um bruxuleio mínimo nos animais inferioressem sistema nervoso ou sem centros superiores (sem cabe

ça) sobe ela um degrau com a aparição dos gânglios cere-

bróides, cérebro dos invertebrados, cérebro essencialmente

instintivo, que culmina com a individualidade bem marcada

Page 62: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 62/207

62 O DOMÍNIO DE 81

da abelha ou do polvo. Os vertebrados inferiores, aos quais

falta a cortiça cerebral, não vão também muito mais longe.

Êste progresso de individualidade e de consciência, que

se nota já num plano orgânico, quando aparecem, nos pás

saros e mamíferos, os centros termo-reguladores (assegu

rando a independência da temperatura interna dêstes para

com o ambiente em que vivem) é verificado especialmentenas relações sociais entre indivíduos. Nos sêres inferiores,

como os insetos sociais, a relação social não é senão uma in-teratração automática, enquanto que nos vertebrados sociais

aparece um conhecimento individual do outro. Êste não é

mais objeto de uma atração reflexa, mas é escolhido por ser

quem é, reconhecido como indivíduo. Isto é manifesto quan

do se trata da relação sexual. Não há verdadeiro amor

entre os invertebrados, mas simples desencadeamento dos

automatismos genitais, provocados por um sinal, p. ex., um

odor. Ao contrário, nos Pássaros e Mamíferos, existe uma

verdadeira escolha voluntária de um tal indivíduo por tal

outro. O mesmo grau de consciência se vê no comportamen

to de imitação. Só o Homem é capaz de imitação refletida.

O macaco, ao contrário do que geralmente se pensa, imita

pouco, êle macaqueia pois não sabe o que faz. Mas há tôda

uma evolução que vai da imitação biológica inconsciente, do

mimetismo que faz a côr do ambiente, aos automatismosinstintivos de imitação das lagartas, que seguem umas às

outras ou dos insetos sociais, que são obrigados, pelo ins

tinto, a imitar o trabalho do vizinho, com a tomada de cons

ciência progressiva do indivíduo vizinho e daquilo que êle faz.

Se devemos censurar os homens que se portam como os

carneiros de Panúrgio, deveríamos também censurar tais

carneiros que, em seu automatismo, não sabem utilizar as

possibilidades e vontade de seus cérebros de Mamíferos.

A psicologia comparada contribui, também ela, para

nos mostrar que Querer, para o homem, não é constrangir

Page 63: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 63/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 63

a carne rebelde, impor a espiritualidade à parte animal. Êpelo contrário, utilizar corretamente nossa carne, que é car

ne humana, provida de um cérebro que a comanda e lhe dásua verdadeira significação espiritual. Querer pois não é

algo de supérfluo, mas uma necessidade. O homem é feitopara querer. Saber querer é a utilização correta do próprio cérebro.

A SUPERIORIDADE CEREBRAL HUMANAI A LINGUAGEM.

Ê interessante precisar um pouco mais a diferença

entre cérebro animal e cérebro humano para melhor compreender a especificidade da Vontade Refletida Humana e

sua diferença de natureza psicobiológica para com a von

tade animal.

O Homem não tem apenas o mais volumoso ou o mais

pesado cérebro com relação ao próprio pêso corporal, mas

também o cérebro mais complexo, isto é, com a maior rique

za em interconexões de sua rêde neurônica da cortiça cerebral.

A importância em pêso ou volume do cérebro huma

no está em relação com a quantidade de neurônios: cêrca

de 14 bilhões, enquanto que o chimpanzé, que é o maisvizinho, na natureza atual, tem apenas 4 bilhões. O nú

mero nada diz por si mesmo, mas tendo os neurônios pro

longamentos interconectados de modo múltiplo, a riqueza

das interconexões cresce infinitamente mais do que o nú

mero de neurônios. Objetivamente, enquanto máquina ner

vosa, o cérebro humano é um aparelho bem mais complexo

que o cérebro animal. Não nos admiremos, pois, se êle

efetua realizações psicológicas de outra ordem. Se a com-

plexificação quantitativa é origem de qualidades novas, é

porque efetivamente a rêde cerebral passou a soleira da

complexidade no nível humano.

Page 64: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 64/207

64 0 DOMÍNIO DE S l

Esta superioridade do cérebro humano de tal modo se

manifesta em todas as suas partes que tôdas as funçõescerebrais são de outra ordem. Mas a diferença para com

o animal não está apenas na riqueza da rêde. Está também num progresso de hierarquização do cérebro, na qual

o cérebro superior toma uma preponderância maior e se

torna mais necessário para a conduta. Quando se passados mamíferos inferiores aos primatas e, entre êstes, dos

macacos inferiores aos antropóides e ao Homem ou quandose segue na série paleontológica dos hominídeos, a subida

ao Homem verdadeiro, não se verifica simplesmente o acrés

cimo de riqueza da rêde nervosa, mas também o desenvolvimento cada vez maior da região pré-frontal. Ê a prepon

derância desta região que faz verdadeiramente o Homem.

Pouco importa pois, que alguns mamíferos mais inteligen

tes (o elefante ou o delfim) tenham uma riqueza cerebral

vizinha à do homem. Aquilo que lhes falta é o acabamentoda hierarquia das regiões do cérebro, acabamento não atin

gido ainda pelo Homem de Neanderthal, cujo cérebro tem o

volume atual, mas com insuficiência da região pré-frontal.

Esta mudança de importância relativa das regiões do

cérebro explica porque a superioridade humana não basta

por si mesma. Ela baseia-se sôbre uma inferioridade, a

redução dos podêres instintivos do cérebro inferior, que já assinalamos. O homem não é superior se não utilizar

seu cérebro superior. Se, pelo contrário, êle se abandonar

aos automatismos do cérebro inferior, fica abaixo do ani

mal, pois a humanização dêste cérebro inferior não lhe

assegura um funcionamento correto, senão quando êste tra

balhar sob o controle do cérebro superior. E isto não é aMoral quem no-lo diz, mas a fisiologia correta do cérebro

humano, em afirmação absolutamente incontestável.

Mas uma diferença de princípio separa o funcionamen

to do cérebro superior da do cérebro instintivo. Neste,

Page 65: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 65/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 65

tudo depende da construção, das propriedades inatas do

organismo. Não há necessidade de aprender. No cérebrosuperior, ao contrário, é preciso aprender a desenvolver

as possibilidades inatas inscritas nas estruturas. Enquanto

que um instinto é obrigatoriamente bom para o animal,

um hábito humano pode ser mau, por ser apenas um pre

conceito social. Se não nos damos conta da mudança denatureza no campo daquilo que chamamos nossa vida ins

tintiva, é porque parecemos estar presos a automatismosperfeitamente comparáveis aos automatismos animais. To

mamos por instintos, as maneiras pelas quais aprendemos

socialmente a satisfazer nossas necessidades na adolescênciaem conformidade aos usos e costumes de uma sociedade onde

crescemos.

Se não houvesse superioridade humana sem o cérebro

(isto é, de fato, sem a aptidão de origem genética da matéria viva humana para dar, no desenvolvimento, um cé

rebro humano), de nada serviria ao Homem ter êste su-

percérebro, se não fora também um ser de natureza social, 

isto é, que não pode sozinho equilibrar-se, que tem neces

sidade dos outros. Para nada teria servido ao homem seu

supercérebro se não fôsse ao mesmo tempo social, como tam

bém de nada lhe serviria ser social se não tivesse êste super

cérebro. As sociedades animais são aparafusadas em seus

costumes instintivos. Uma diferença de natureza separa

delas a sociedade humana: êste dinamismo de progresso

cultural de geração em geração. Baseia-se êle numa me

lhor utilização das possibilidades do cérebro humano, ór

gão do progresso.

Êste superdinamismo, nós vamos encontrar também

no desenvolvimento individual. Pela simples posse do pró

prio cérebro, há aptidões plenamente humanas, quer no

homem-primitivo, quer no recém-nascido. Mas enquanto o

animal, fora do caso de grande patologia, vai certamen-

Page 66: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 66/207

66 O DOMÍNIO DE SI

te tornar-se um animal normal adulto munido de bons ins

tintos, de certa aptidão a aprender e a utilizar inteligentemente sua experiência, nem sempre será assim com o serhumano. Êste tem que ser socializado, civilizado, sem o

que não somente não dará tôdas as suas possibilidades,

mas perderá até suas aptidões. O homem nasce com umcérebro inacabado e imaturo, que não é rico senão em pos

sibilidades, que aprenderá a desenvolver copiando aquêlesque com êle convivem.

Aquilo que nos mostra melhor o êrro a que nos arrasta nosso egoísmo individualista (que nos faz esquecer nos

sa socialização profunda) é ignorarmos que o essencial de

nosso psiquismo, aquilo que nos dá um pensamento ver

dadeiramente humano apto à abstração, é a linguagem. 

Pensamos sempre por meio de palavras, ainda quando, pelo

hábito profundamente adquirido, não nos damos conta disto

e cremos ter um pensamento “meramente” espiritual. Océrebro humano nos dá a aptidão inata de modular os

sons, mas o menino aprende a imitar a língua de seu am

biente. Ê por isso que o menino surdo se toma também

mudo. O menino guardará apenas as aptidões que puder

exercitar no meio em que vive. Assim é que a falta de uso

do TH inglês ou J espanhol torna difícil a um brasileiro

pronunciá-los. Pensa-se com palavras, com uma sintaxe recebidas do ambiente em que se vive, donde se segue que

mais lucrará aquele que pensar numa língua rica do que

numa pobre. O progresso cultural é, no fundo, um pro

gresso de linguagem.

Sempre foi definido o pensamento humano pela sua

verbalização. Deveria porém, ter-se insistido mais em que,

de uma parte, a verbalização é um uso social e que, deoutra, é ela uma aptidão que não aparece senão com a

supercomplexidade do cérebro humano. É o grande mé

rito de Pavlov de haver demonstrado, provando-o cientifi-

Page 67: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 67/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 67

camente, que a supercomplexidade cerebral humana exigia

uma diferença de natureza entre o pensamento humanoe o animal. O animal, tendo um cérebro mais simples,tem apenas um pensamento muito reduzido pela associa

ção das imagens diretas dos sentidos. Já o homem possuieste pensamento por imagens, bem mais rico por causa dacomplexidade cerebral, nas zonas receptoras e nas suas

possibilidades de associação. Esta riqueza de circuitos ce

rebrais lhe dá o poder de utilizar uma simbólica verbalpara pensar, um segundo sistema de sinalização. Aquilo,

que no animal não passava de um sinal, um meio de co

municação elementar, se toma no homem um poder de designar as coisas e de pensar, não associando as imagens,

mas as palavras: linguagem interior.

Para tirar-se todo o proveito da importância da lin

guagem, não basta contentar-se com o aspecto analíticodela. A linguagem está também ao serviço da supercons-ciência refletida humana. A consciência depende, já o vi

mos, da imagem do Eu que se forma no cérebro e a tomada de consciência da passagem da dinâmica' cerebral

sob o controle dêste neuro-Eu. Enquanto que no animalum neuro-Eu insuficiente não atinge a direção da condu

ta, pois fica imerso no dinamismo cerebral, no homem,

pelo contrário, se faz uma emergência, em que consiste aReflexão. Esta emergência é condicionada pela supercom

plexidade, que não exige a linguagem mas a torna pos

sível. Esta, por seu lado, ao mesmo tempo que favoreceo pensamento abstrato, favorece também a Reflexão. A

imagem do Eu é também verbalizada na palavra Eu e a

dos outros em Tu e Vós. Quando a criança começa a di

zer Eu, é quando ela faz progressos fulminantes com relação ao macaco. Dois são os fatôres que então intervêm:a maturação do cérebro, que normalmente a toma aptaa dizer Eu (mas que existe também no surdo-mudo que

não diz Eu) e socialização desta aptidão que fornece a

Page 68: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 68/207

68 O DOMÍNIO DE SI

palavra Eu. Havendo ausência desta verbalização, have

rá insuficiências.

Se pois, Q u e r e r   é, de modo refletido, personalizar sua

mecânica cerebral, aplicando a ela seu neuro-Eu, esta operação fica grandemente facilitada no homem, pelo fato depoder dizer Eu q u e r o .

Acima do cérebro instintivo, localizado na face interna do cérebro, a grande massa do cérebro superior, onde

se localizam as zonas motrizes e sensitivas, é uma sortede máquina de pensar verbalizada, sede dos reflexos condicionados, isto é, dos hábitos sociais. Há nela tôda a me

cânica essencial para as condições humanas. Isto porém,não basta. Pode dizer-se Eu q u e r o   e conformar-se irrefle-tidamente aos usos sociais. Ê possível também, de modo

igualmente automático, aparentar alguém seu anticonfor-mismo social.

O PRÉ-FRONTAL HUMANO, VONTADE REFLETIDA DO BEM.

O homem não se define simplesmente pela substituiçãodos instintos inatos pelos usos aprendidos. Êle não é uma justaposição de afetividade e de necessidades elementares

com reflexos condicionados. Como acharia êle o próprioequilíbrio, esforçando-se de lutar em nome da Moral contra

suas tendências profundas, se ignora a quem deve dar a

primazia: ao coração ou à razão? Que coisa é impor

tante: a máquina de raciocinar ou a afetividade? Onde situar a espontaneidade humana?

É aqui que intervém a parte mais humana do cérebro, a região pré-frontal, cujas propriedades nos são reve

ladas pela patologia, pela experiência no macaco ou pelas

operações de lobotomia, que propõem fora de circuito tal região, nos doentes mentais.

Não queremos dizer que esta região seja o cérebro

da inteligência, no sentido restrito da palavra. A inteli

Page 69: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 69/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 69

gência depende da máquina de pensar do cérebro sensorial e motor. A fronte humana é o Domínio de si mesmo.Sem retomarmos a uma localização falsa do espiritual,vemos que os complexos circuitos cerebrais desta zona são

a condição material, que dá à consciência humana sua

superioridade. Não basta a verbalização do neuro-Eu. Ê

preciso que o Eu ou a imagem dela mesma, que êle designa, possa atingir a direção da conduta. Esta emergência

refletida depende dos circuitos pré-frontais. Graças a ês-tes não somos mais imersos como o animal, na ação, mas,

utilizando um passado vivido e personalizado, temos preocupação com o futuro. Cérebro pré-frontal, cérebro da

inquietude humana, fonte da inquietude patológica psi

quiátrica, acalmada pela eliminação do pré-frontal (lobo-

tomia), mas ao preço de uma mutilação grave e definitiva.Privado desta inquietude, que é a característica principal

do Homem, êste não pode mais considerar-se livre e responsável, dotado de uma consciência moral, que o faz dis

tinguir o Bem do Mal e o excita a procurar o Bem.

O diálogo de surdos entre os partidários da primazia

da razão e aquêles da preponderância do sentimento, rece

be sua verdadeira solução da neurofisiologia. Esta mostra-

-nos que o pré-frontal dá ao homem sua dimensão com

pleta, esta união viva do racional e do afetivo em um nívelsuperior, sobrepassando a razão sem lhe ser contrário. Ê o

que se pode qualificar, em seus sentidos autênticos, pelas

palavras Coração e Amor. Há uma afetividade elementar

que não é completamente humana; a da pressão do cora

ção e do desencadeamento do instinto. Ê obra do cérebro

inferior, comum ao homem e ao animal, mas incapaz de

funcionar corretamente no homem sem o cérebro superior,apesar de ser isto que fazemos sempre sob pretexto de

uma falsa espontaneidade. Há uma racionalidade fria e

desumana, que consiste em não utilizar senão o cérebro

superior sensitivo e motor, dominando, isto é, recalcando,

Page 70: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 70/207

70 O DOMÍNIO DE SI

depreciativamente, a afetividade. Alterna-se assim um es

forço refletido e um abandono espontâneo. A verdade humana está em fazer sempre a síntese dos dois, estabele

cendo-se dêste modo, na verdadeira espontaneidade huma

na, utilizando o cérebro pré-frontal, colocando-se no bomhábito de utilizá-lo.

 Já foi muito discutido se o homem é ou não livre.

Nisto está a chave do problema da vontade. Será a liber

dade apenas uma ilusão ou ao contrário, uma certeza absurda, pois não haveria nem Bem nem Mal? Devemos

acreditar naquilo que queremos ou simplesmente quererqualquer coisa?

E perfeitamente exato que, estatisticamente, os homens se comportam bem pouco livremente, pois não fazem senão obedecer a determinismos incoercíveis: hormô

nios, complexos ou usos e costumes. Ê exato que êles igno

ram o Bem e o Mal, como tais, assim como o Bem e oMal para a sua própria natureza. Baseiam a noção deambos apenas sôbre as próprias opções filosóficas ou reli

giosas. Mas tudo isto tem origem somente em erros, pre

conceitos, ignorância ou estupidez mais espalhados do quea vontade de fazer o mal.

Com seu cérebro pré-frontal possui o homem um ór

gão libertador dêstes preconceitos, contanto que saiba uti-lizá-lo e utilizá-lo corretamente.

O fato de não sabermos utilizar nosso cérebro, nãoquer dizer que não tenha êle certas aptidões. Abandonar-

-nos aos determinismos, quando êles não são ainda bas

tante fortes para nos aprisionar, é, no fundo, lobotomizar-

-nos transitoriamente, isto é, utilizarmos a parte su

prema do nosso cérebro. Escolher livremente o Mal é, co

mo vemos, utilizar incorretamente o próprio cérebro, tornando-nos incapaz de liberdade. Só há uma utilização cor

reta do cérebro e é precisamente a escolha voluntária do

Page 71: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 71/207

VONTADE ANIMAL E VONTADE HUMANA 71

Bem. O cérebro pré-frontal aparece assim como sendoaquilo que dá ao homem, com relação ao animal, uma

verdadeira Vontade, baseada sôbre a aptidão de refletir,

a fim de determinar o Bem e o Mal, não com referência a

uma Moral desequilibradora (porque Legalismo desencar

nado) mas em conformidade com a lei própria do nossoser. Pela sua constituição o homem não é livre de querer

qualquer coisa que seja. Não é êle livre, se quiser permanecer normal e são, senão para escolher o Bem, para ter

uma vontade boa. A saúde confundindo-se aqui com a sa

bedoria e, de um certo modo, com a santidade.

O drama da condição humana é que não basta ter umpré-frontal para querer e saber querer, mas é preciso tam

bém aprender a saber utilizá-lo. Ora bem. Deve-se dizer

que esta é certamente a região mais inútil ou a mais mal

usada. Ê lamentável que freqüentemente, o homem moderno, adorador da razão, esteja neste ponto em atraso

para com o primitivo, mais humano, pois teria muito mais

possibilidades de expandir seu pré-frontal. É isto o que

exige precisamente, a saúde individual e social dos‘homens.

A neurofisiologia vem assim confirmar a moral. Seráisto útil? Certamente, pois a Moral assim fundada na

natureza humana se torna um valor comum irrecusável edoutro lado, a Moral deixará de aparecer apenas um mandamento legalista incompreensível. Mas a neurofisiologia,

com suas indicações normativas, não substitui nem a Moral

nem a Metafísica. As considerações neurofisiológicas sôbre

o homem, longe de explicarem tudo, desaguam pelo contrá

rio, no mistério do ser. Condicionada pelo cérebro a per

sonalidade humana aparece bem diferente daquela que só ametafísica nos revela. Uma tal emergência não poderia

manifestar-se se ela não dependesse da imersão de umatranscendência. Mas não é a ciência que nos deve dizer

isto. 0 que entra em suas novas atribuições é somente pre

cisar as condições do Sa b e r   q u e r e r .

Page 72: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 72/207

Page 73: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 73/207

iíNatal Çsteve$da ç ilüa  Acad. F;iosofja - (JFG  

Fone: 225 -98 10

3Patologia do Cérebro e

perturbações da Vontade

N o r m a l   e P a t o l ó g i c o .

Qualquer que seja sua natureza metafísica própria,

a Vontade acaba de ser apresentada como uma função

cerebral. A Vontade na sua plenitude, que é a vontade

refletida do Homem, não é possível senão pelo degrau de

supercomplexidade transposto pelo cérebro humano, dan

do assim ao Eu cerebral sua plena dimensão e seus podê-

res. Sendo um mecanismo complexo, uma tomada de

consciência pessoal de automatismos cerebrais, em si mes

mos involuntários e inconscientes, não basta isto para que

a Vontade aja. Não basta ter um cérebro humano, feito,

em princípio para querer. Ê preciso que o cérebro seja

normal ; é preciso que saibamos utilizá-lo corretamente a

fim de saber e poder Querer.

Vamos pois examinar 2 condições da aptidão da Von

tade, que originam 2 aspectos diferentes das insuficiências

e das perturbações dela.

Há doenças do cérebro que o tornam mais ou menos

inapto a querer. Compete ao médico e ao psicoterapeuta

Page 74: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 74/207

74 O DOMÍNIO DE 81

tentar curá-lo, tornando a dar-lhe a aptidão normal deQuerer. Ora, são bem mais numerosos os indivíduos com

cérebro normal, mas tão incapazes quanto os doentes da

vontade, pois que não sabem querer. Aqui não é mais o

caso de chamar médico mas sim um educador, ainda quan

do se trate de adultos. O doente e o ignorante, incapazes,

por razões diferentes, do domínio de si mesmos, têm um

comportamento análogo desumanizado. Não basta, pois, curar

o doente, mas é preciso, além disto, ensinar-lhe ou tornar a

ensinar-lhe a querer. De resto com exceção de casos extre

mos, há freqüentemente associação de determinismos patológicos (que alienam a vontade) com a ignorância.

Começamos a saber que, se é objetivamente possível

qualificar um comportamento colérico ou preguiçoso, isto

não deve implicar necessáriamente na existência de vício

ou pecado, do qual seria culpada a pessoa que a êle se entregasse livre e voluntariamente. Pode tratar-se de um

automatismo patológico incoercível que suprime ou atenua

tôda possibilidade de domínio sôbre si mesmo. Não deixa

remos apesar disto de opor o doente ao de boa saúde, con

siderando que só a doença suprime a vontade. Apesar dis

to ainda haverá gente que pergunte se o culpado é “ doente

ou pecador” , sem ver a ilogicidade de associar culpabilidade ou doença, pois ninguém pode ser culpado senão pela

parte do comportamento que não está inteiramente doentia.

Ainda se falará da terapêutica dos pecados capitais pre

tendendo substituir o confessor pelo médico. Criar-se-á

uma “Moral sem pecado” , não conservando dêste senão o

aspecto psicopatológico, isto é, a responsabilidade falsa e

doentia do “ universo mórbido da culpa” , crendo que bastará

curar os doentes para lhes devolver vontade e liberdade.

O dilema não está entre doenças e pecado, que não

estão no mesmo plano. Mas entre doença e ignorância,

Page 75: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 75/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 75

entre uma verdadeira patologia e a falta de educação oude bom senso.

Não basta que a saúde seja devolvida ao doente, masalém disto, é preciso que êle saiba utilizar corretamentesuas aptidões a fim de poder portar-se como Homem. Tam

bém a ignorância atenua a culpabilidade. Fundamentalmen

te é ela, atualmente o pior dos flagelos. Os homens não

são humanos, não pela vontade pecadora de fazer o Mal,mas pela ignorância da nocividade do Mal.

O pecado nos aparece em sua plena dimensão, que é

religiosa, como uma desobediência à Lei Divina. Isto per

mite ao incrédulo de negá-lo, afirmando seu direito de

gozar de tôdas “ as iguarias terrestres” e de denunciar osperigos dos constrangimentos morais desequilibrantes. Atual

mente é mais necessário do que nunca, desenvolver o aspecto natural do pecado e da moral; precisar que a liberdadenão consiste em fazer alguém aquilo que bem lhe der na

veneta fazer ou de impor a si mesmo a obediência a uma

lei moral sobrenatural, mas de compreender as condiçõesde equilíbrio do nosso ser. Ê por uma ignorância muito im

prudente que cremos possível querer livremente qualquer

coisa que seja, dentro de uma espontaneidade fantasiosa ou,

ao contrário, dobrar-nos pela ascese ou penitência a regras morais, que nos parecem opostas a esta falsa espon

taneidade. A verdade está na via média, que nos faz

aderir à Moral como à própria lei do nosso ser, condiçãoindispensável da verdadeira Liberdade e da vontade boa.

Se é pois necessário (mas bem difícil) averiguar a res

ponsabilidade de um comportamento humano, não é tam

pouco preciso ter um reflexo moralista, passando diretamente da doença ao pecado. É preciso antes de mais nada,

diagnosticar se temos pela frente um doente, inapto a que

rer o Bem e do qual é necessário que cuidemos ou um

ignorante, que não sabe comportar-se corretamente, fa-

Page 76: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 76/207

76 O DOMÍNIO DE SI

zendo, sem querer, sua própria infelicidade e a dos outros,e que devemos educar, isto é, convencer. Um mau com

portamento resulta sempre de uma má utilização cerebral

muito análoga. Mas em um caso ou por uma parte, se

trata de um anormal, mais ou menos, prêso pela doença;

em outro caso, um indivíduo normal que não sabe condu

zir-se normalmente utilizando corretamente seu cérebro,

portando-se, por ignorância, como um doente. “Basta que

queira” , dizemos, com desprezo paternalista, a quem nãopode sair de seus maus comportamentos. Ou então: “Que

se trate” , se é um doente! Por que esquecer que se o clien

te não é doente, é o mais das vêzes, um ignorante, tendo

necessidade de aprender? Aprender é tornar a virtude na

tural, o que não quer dizer que seja ela fácil, pois nada do

que é humano é fácil. Será necessária sempre uma penosa

ascese, mas uma ascese alegre de cumprimentos, bem diferente da ascese queixosa do constrangimento moralista pu

ritano e maniqueu, que despreza e castiga a carne em lugar

de elevá-la, dando-lhe seu verdadeiro sentido.

Não é nossa intenção especificar aqui tôda a patolo

gia da vontade, quer se trate das insuficiências das abu-

lias ou dos aparentes excessos, dos quais a verdadeira von

tade está ausente, nem de entrar em pormenores das perturbações psicológicas dos deficientes da vontade.

Nossa intenção é simplesmente mostrar que a medici

na e a psicopatologia modernas puseram em evidência con

dições cerebrais anormais, nas quais o exercício da von

tade é impossível ou freado, condições que reduzem o doen

te a níveis de comportamento infra-humanos, cuja harmonia

o homem não pode tornar a encontrar visto como foi chamado para coisa melhor. Isto levará a compreender como a

ignorância pode imitar o patológico, pois todos temos em

nós tentações naturais de desnaturação.

Page 77: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 77/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 77

 Temos que ser prudentes quando apreciarmos nossaconduta ou a dos outros, pois aquilo que nos parece vo

luntário, não é, muitas vêzes, senão ilusão enganadora.

Vimos como nossa fisiologia cerebral explica que a von

tade é sujeita, possível mas não obrigatoriamente, a au-

tomatismos cerebrais preexistentes. O doente como o ig

norante são igualmente prêsa passiva dêstes automatis-

mos, ainda quando têm a ilusão de consentirem nêles. Es

tá a diferença entre êles em que o primeiro não tem mais

ou tem menos possibilidade de domínio sôbre si mesmo,

enquanto que o outro não sabe utilizá-lo. Apesar de bem

diferentes, fundamentalmente, o normal e o patológico, mui

tas vêzes não estão separados senão por uma diferença de

intensidade: é o mesmo determinismo, que quando transpõe

um certo grau, escapa à vontade. Aquém dêste grau, êle

a torna simplesmente mais difícil.

Excetuando o indivíduo completamente alienado por

uma psicose, que o separa do mundo, a possibilidade de

domínio de si variará com as circunstâncias, de um mo

mento para outro. O psicopata pode ter fases de lucidez,

nas quais é responsável. O indivíduo normal, por sua vez,

pode por imprudência e ignorância meter-se em circuns

tâncias, nas quais perderá todo domínio de si, deixando-selevar pela cólera, pela sensualidade ou entregando-se a

excessos de álcool ou de alguma medicação tranqüilizante.

O mérito da medicina e da psicologia moderna está

em mostrar-nos a fragilidade da vontade, em fazer que

saiamos de nossas ilusões. Aquêle a quem, talvez, fazemos

belos sermões é,muitas vêzes, tão irresponsável quanto a rã,

sem cérebro, que dá aparência de vontade, quando en

xuga com uma das patas o ácido caído na outra. Um

simples automatismo, dependendo da hamonia das auto-

-regulações de sua medula espinhal!

Page 78: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 78/207

78 o d o m í n i o   d e   s i

Mas tentação ainda maior é a de passar de nm êrropara outro e, depois de ter engrandecido a vontade, mini

mizá-la ou negá-la. Apesar de os atos voluntários serem

estatisticamente raros, nem por isto devemos esquecer que

o funcionamento correto do cérebro humano repousa sôbreo ato voluntário. A possibilidade humana de liberdade não

necessita nem da negação dos determinismos nem da aceitação dêles, mas sim o dever de aprender a dominá-los.

A Liberdade, baseando-se no funcionamento do cérebro, ficará comprometida por qualquer perturbação dêstefuncionamento. Teríamos pois agora que passar em re

vista tôda a neuropsiquiatria a fim de conhecermos osmúltiplos aspectos da patologia da vontade. Contentar-nos--emos porém de relembrar a influência das lesões cerebrais

e depois a das perturbações do equilíbrio do meio interior,

que impedem o funcionamento correto do cérebro. Veremos também como a vontade é dificultada pelas perturbações da harmonia funcional cerebral, nas neuroses e nas

fadigas nervosas.

V o n t a d e   e   d o e n ç a s   d o   c é r e b r o : a p r a x i a s , p e r d a   d e   i n i c i a -

t i v a MOTRIZ, DESDOBRAMENTO DA PERSONALIDADE.

Pode uma lesão cerebral alterar a Vontade? Sabemos

perfeitamente que a Vontade não se localiza nestes mecanismos de execução, que são as zonas motrizes ce

rebrais e as diversas etapas motrizes. O indivíduo que quere não pode, sofre por causa desta sua paralisia, seja elacompleta, como nas lesões medulares ou atinja apenas a

área motriz, responsável pelos movimentos precisos ou pe

los circuitos práxicos da zona pré-motriz, tendo como conseqüência uma simples impossibilidade do gesto aprendi

do. A permanência, nestes casos, da vontade e da consciência tem uma grande importância prática. Ainda que

Page 79: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 79/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 79

a Vontade não faça o milagre de reconstituir as estruturas destruídas, possui ela o poder de favorecer a retomada

funcional de estruturas simplesmente inibidas, de permi

tir utilizar ao máximo as possibilidades de suplência, de

favorecer até os fenômenos de regeneração periférica. É

 já sabido como a vontade, dinamizada pela esperança epela confiança, tem um papel na reeducação, p. ex., dos

poliomielíticos, nos quais as paralisias superam originà-

riamente as meras lesões irreparáveis. Está próximo odia, quando o progresso das próteses permitirá fazer co

mandar seus mecanismos pelos influxos nervosos cerebrais

do paralítico. É muito importante notar a manutenção deuma imagem cerebral normal do Eu em numerosos pa

ralíticos ou mutilados, pois vimos a importância dela na

fisiologia cerebral da motricidade.

Embora nascida congenitalmente sem braços e sem pernas, Denise Legrix se sente normal, pois suas estru

turas cerebrais não estão mutiladas, possuindo ela em seu

cérebro a noção normal do corpo humano. Certas lesões

cerebrais, ao contrário, mais ou menos localizadas' na zona gnósica parietal trazem perturbações mais ou menos

graves da consciência do corpo. Por exemplo a anosogno- 

sia de certos hemiplégicos, que perderam a consciência do

membro paralisado, negando pertencerem êles ao próprio

corpo. Em um grau mais adiantado temos a patologia psi

quiátrica da eciutoscopia, na qual a imagem do corpo se

toma alucinação positiva da presença de um outro ou

alucinação negativa, que suprime a imagem própria no es

pelho! Drama vivido e descrito por G. de Maupassant.

Um caso particular de paralisia motriz cerebral é odos afásicos, incapazes somente dos mecanismos motores

da fonação. Classicamente se distinguem as afasias loca

lizadas, como a afasia motriz, que impede a articulação

das palavras (o paciente é silencioso, porque não pode

Page 80: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 80/207

80 O DOMÍNIO DE SI

articular por causa da lesão da zona motriz corresponden

te) ou as afasias sensoriais do tipo da surdez verbal, queé a impossibilidade de reconhecer palavras ouvidas. Mas,

freqüentemente, lesões mais generalizadas do cérebro dominante levam a uma afasia sensorial do tipo Wernicke,

na qual o paciente, capaz de articular, não pode encontrar as palavras exatas. Chamaram a isto de Perda dalinguagem interior. Na realidade porém, como demons

trou Alajouanine, se trata antes da impossibilidade deevocar voluntariamente as palavras. Estas são utilizadas

no plano dos automatismos do pensamento, mas não podem ser evocadas para exprimir-se senão no caso de fórmulas automáticas, como p. ex., uma locução proverbial.

Um doente não pode dizer o nome da filha, mas a chamacorretamente para lhe fazer notar a própria incapacidade.É partindo da utilização de tais restos automáticos, que se

conduz atualmente a reeducação, que é retomada encarregando a vontade da verbalização cerebral.

Existe a mesma distinção entre simples lesões dos mecanismos de execução e perturbações mais graves, nas quais

a tomada de consciência, o nível psicológico são mais im

plicados. Esta mesma distinção se encontra em outras

apraxias.

Classicamente se distingue entre a apraxia ideomotriz,

na qual o doente não pode executar corretamente gestos

simples, que lhe são ordenados (simples perturbação de

execução) e a apraxia ideatória, que é a incapacidade “ de

estabelecer o plano de ação necessário ao fim proposto,

ainda que a cinética segmentar esteja intata” . Neste úl

timo caso, p. ex., haverá impossibilidade de acender uma

vela com fósforo. Trata-se de uma perturbação psíquica,que não significa perda de inteligência, mas perturbações

da atenção, da memória, da associação das idéias. Mor-laas demonstrou a importância de uma agnosia de utiliza

Page 81: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 81/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 81

ção, isto é, incapacidade, não de reconhecer os objetos, masde manejá-los e utilizá-los corretamente. Sempre a im

portância da sensibilidade ao serviço da motricidade. Aquitambém, os gestos automáticos são menos perturbados do

que os voluntários. O doente pode dar a impressão de nãoquerer. É porque êle se dá conta de sua incapacidade de

execução, quer seja esta meramente motriz, quer concirna

apenas a preparação mental do ato.

Existe, de outro lado, uma perturbação freqüente em

numerosas afecções mentais nas quais a doença não estána execução, que é correta, mas em uma impossibilidade

de querer, que dependa da perda de iniciativa motriz. Foi

mérito de Baruk demonstrar por experiências em animais,

que é de base cerebral tal perda. Êle realizou em 1928, porintermédio de um alcalóide vegetal, a bulbocapnina, acatatonia em diversos animais, que, sob a influência de tal

droga, conservam as mais estranhas e desconfortáveis po

sições, em que eram colocados. O gato permanece imóvel

ainda quando espicaçado, ameaçado com fósforo aceso. Se

alguém o empurrar, resiste negativamente. É possível que

dê um ou dois passos adiante quando violentado, mas

volta logo a negar-se a andar. Se todavia o seu equi

líbrio fôr ameaçado, êle é capaz de fazer todos os movimentos necessários para readquiri-los. Assim, se colocar

mos as suas patas dianteiras em uma cadeira e as trasei

ras em outra e afastarmos estas repentinamente o gato

saltará com facilidade e elegância própria dos felinos, mas

quase imediatamente volta a imobilizar-se. Por vêzes fica

o gato com as patas traseiras na cadeira e as dianteiras pen

dentes dela. “ Ê interessante, diz também Baruk, reunirvários animais em catatonia experimental: gato, rato, ma

caco e pássaro. Ficam êles imóveis ou como bonecos ar

ticulados. Mas apenas passa o efeito da intoxicação, o

gato se joga repentinamente sôbre o rato para devorá-lo,

Page 82: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 82/207

82 O DOMÍNIO DE SI

o pássaro voa e o macaco recomeça a pular e a trepar poralguma coluna que por acaso exista no ambiente. O fenômeno depende da cortiça cerebral, pois não é notado nosvertebrados inferiores que manifestam apenas tontura, pa

ralisia ou abalos convulsivos. Foi possível também produzir

manifestações análogas por meio de diversas substâncias

químicas e principalmente por toxinas microbianas como atoxina colibacilar. De modo que “ certos tóxicos podem agir

sôbre a Vontade e paralisá-la” . “Esta noção tem conseqüências consideráveis em psicologia” . Com efeito em pre

sença de perturbações patológicas da vontade, guarda-se

a mesma tendência como na presença de “ má vontade” ou

de “preguiça” . Esta atitude é tanto do doente como do

médico. O doente envergonha-se ao sentir que está perden

do a iniciativa e faz a si mesmo graves reprimendas. O

médico, em lugar de procurar as causas desta falta de

vontade, tem a tendência, juntamente com as pessoas que

convivem com o doente, de acentuar as reprimendas e o

sentimento de culpabilidade do doente, exortando-o a “ en

corajar-se” , a “ dar provas de energia” , a “mostrar que tem

vontade” , etc. Uma outra tendência dêstes doentes con

siste em jogar sôbre os outros a causa de sua própria

perturbação, considerando-a como efeito da ação malévola

dos outros, exercida por meio de raios, de hipnose ou demeios sobrenaturais.

Estas duas atitudes se baseiam sôbre a mesma idéia, a

saber, que a Vontade é geralmente considerada como uma

entidade metafísica particular independente das causas ha

bituais de doença, crendo então, por conseguinte, freqüen

temente, que não pode ser ela atingida senão pela pre

guiça ou por alguma ação misteriosa ou sobrenatural. Por

causa da intoxicação, o animal em experiência e o doen

te mental têm suas relações norma,is cortadas com o mun

do exterior, no qual por isto, não podem agir. É êste um

Page 83: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 83/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 83

dos sinais importantes do autismo introvertido da demênciaprecoce ou da esquizofrenia.

Esta ruptura com o mundo exterior, que não se ma

nifesta apenas com a perda da iniciativa voluntária, mas

também com impulsos incoercíveis (que não têm senão as

aparências de um excesso de vontade, pois que dependem

de uma consciência alienada), não é própria somente da

patologia psiquiátrica. O sono, êste repouso periódico docérebro, comporta, como sinais principais, resultando da

inibição e da desorganização cerebral, a perda da vontade

e da consciência. Se no sono profundo fica suspensa tôda

atividade cerebral, não se dá o mesmo no sono mais leve,

no qual pode subsistir a atividade anárquica e fora da

realidade, que é o sonho. Assistindo como espectador ao

desenrolamento do sonho, o Eu do sonho pode dêle participar com uma aparente vontade meramente imaginária.

Entretanto em casos extremos, esta vontade se toma efe

tivamente motriz, no sonho vivido do sonambulismo.

De outro lado, no adormecimento e no despertar se

realizam desequilíbrios bem próximos àqueles da psicopa-

tologia. Com efeito, a consciência pode ser mais resistente

que a vontade e a pessoa, ainda consciente ou despertada,pode ressentir uma inaptidão a agir, quer na euforia do

adormecimento quer na angústia de se sentir paralisada

pela cataplexia do despertar. Isto confirma a necessidade

de um funcionamento cerebral correto para o exercício da

vontade.

Sob o efeito de fatores psicodislépticos de alucinações,

com a mescalina, o paciente é, de início, consciente, masacaba, em um segundo estádio vivendo num estado de sonho,

as próprias alucinações. É esta irrealidade de um mundo

imaginário onde o esforço não existiria, a vontade inútil

que está na origem da toxicomania.

Page 84: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 84/207

O DOMÍNIO DE Si

Se as atividades sonambúlicas são normalmente limitadas, já, nos casos extremos, se chega ao “ desdobramentoda personalidade” , no qual alternam duas atividades con

traditórias, aparentemente normais, estando uma das von

tades ao serviço da consciência acordada e a outra, aoserviço da inconsciente. Tais casos não são específicos

somente da patologia do sono, mas aparecem como manifestações de estados epilépticos, nos quais as crises con

vulsivas são substituídas por equivalentes: fugas inconscientes crises de sonolência, impulsos repentinos, etc. A

neurofisiologia moderna, procurando compreender os efei

tos terapêuticos das comaterapias convulsionantes (insuli

na, cardiazol, eletrochoque), acentuou o papel dos centros

reguladores da base do cérebro, nestes fenômenos; êstesmesmos centros, que são implicados na fisiologia do sono

e da vigília. Se a vontade depende da cortiça cerebral, exigeum funcionamento harmonioso desta cortiça, que por suavez, está sob a dependência da regulação pelos centros da

base do cérebro.

E q u i l í b r i o   d o   a m b i e n t e   i n t e r i o r   e V o n t a d e .

As p e r t u r b a ç õ e s   h o r m o n ia i s .

O funcionamento correto dos centros reguladores, co

mo da própria cortiça cerebral, depende do bom estado

funcional dos neurônios. Importa pois que os alimentos

necessários sejam fornecidos e que os detritos tóxicos se

 jam eliminados, a fim de que a matéria viva esteja em boas

condições. A perda da iniciativa motriz por intoxicação

não é senão um caso particular de paralisia eletiva do querer. De fato, tôda perturbação excessiva, para mais ou

para menos, dos caracteres físicos ou químicos do am

biente interior, suprimindo as condições “ óptima” do bom

equilíbrio nervoso, se oporá ao exercício correto da cons-

Page 85: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 85/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 85

ciência, do juízo, da vontade. Nos casos extremos o cérebro parará e o paciente cairá em coma. Se a perturba

ção fôr menor, o paciente parecerá normal mas um exame

atento ou uma situação difícil mostrará a sua incapacidadede julgar, de decidir, de esforçar-se para agir. Pelas con

dições do ambiente, êle será posto na patologia mental. Êo exemplo do qual falamos há pouco, dos efeitos da falta

de oxigênio em altitudes maiores, falta que se encontra

em tôdas as perturbações do ambiente interior, falta ouexcesso de um alimento ou de detrito. Tanto a demasia

quanto a falta são prejudiciais. Nosso cérebro não funciona corretamente senão em condições “ optima” . É ne

cessário bastante oxigênio, mas a demasia dêste gás vitalé tóxica. O oxigênio sob pressão no nado submarino levaa manifestações epilépticas, às quais se ajunta a embria

guez das profundidades, devida à ação narcótica do excesso

de azôto e em parte, do gás carbônico, que faz esquecer asituação, levando o nadador a retirar sua própria máscara.

O gás carbônico, detrito respiratório, é perigoso, quando

em excesso e tem influência na asfixia. Mas nossas células

têm necessidade da quantidade normalmente presente nosangue, por causa do mecanismo da respiração. Uma baixa excessiva, que é fator de alcalose gasosa, leva a con

vulsões tetânicas. A respiração exagerada em ritmo e amplitude (hiperpnéia) modifica a atividade elétrica do cé

rebro e revela o temperamento epiléptico. Fora das condições normais de temperatura, asseguradas por mecanis

mos termoreguladores precisos, a hipotermia (fator de lentidão psíquica e de coma) como a hipertermia (fator e

fonte de delírios) se opõe ao Domínio de si mesmo.

Do mesmo modo agirá, qualquer forma de perturbação do funcionamento cerebral quer se trate de falta de

sangue, de insuficiência circular ou respiratória ou de umamodificação específica em tal fator preciso. O Domínio

de si mesmo exige a saúde do cérebro. Se é fácil por em

Page 86: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 86/207

86 O DOMÍNIO DE SI

evidência a repercussão das perturbações mais graves, épreciso também saber que a sensibilidade do cérebro e dos

centros reguladores é extrema e que tudo quanto agir sôbre

o organismo, se manifestará por um desequilíbrio nervosolatente, revelado por certos métodos de avaliação sensíveisdo equilíbrio nervoso, p. ex., a medida dos tempos de exci

tação elétrica dos nervos (cronaxias). Sob o efeito do

barulho, alguns roedores mais sensíveis chegam a ter crise

epiléptica, dita audiógena, às vêzes mortal. A medida dascronaxias mostra a generalidade da desequilibrante dos barulhos sôbre os centros nervosos, em particular no homem.

Mas um silêncio total (câmara insonora) é também desequilibrante. O cérebro quer sempre o “ optimum” .

É conhecida a importância das vitaminas fornecidas por

uma boa alimentação para o bom funcionamento celular.

Com efeito a patologia revelou as perturbações nervosasdevidas à carência de certas vitaminas, p. ex., as crises

de polinevrites do beribéri ou a demência pelagrosa. Umamãe carenciada de vitamina PP antipelagrosa (porque seprivava de carne, durante a ocupação alemã, para dá-la

aos filhos) manifestou uma aversão psicopatológica irres

ponsável contra os próprios filhos, curados justamente pe

las vitaminas das quais ela se privara. Também aqui a

cronaximetria revela ser preciso um “optimum” de tôdas as

vitaminas para um bom equilíbrio nervoso. Quer a fal

ta quer o excesso delas são fontes de um desequilíbrio la

tente, que, apesar de não manifestar-se por efeitos espe

taculares, como nos casos precedentes, não produzirão me

nos dificuldades.

 Juntamente com as vitaminas, o sangue leva ao cé

rebro outras moléculas indispensáveis, os hormônios, pro

duzidos pelas glândulas endócrinas. A falta de hormônio

por insuficiência endocriniana ou o excesso dela, por hi-

perfuncionamento tumoral ou por administração terapêu-

Page 87: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 87/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 87

tica demasiada, perturbam tôda a atividade nervosa. Nosso desejo de esforço voluntário, nossa tendência à atividade ou à cólera e, inversamente, nossa recusa de esforço,

nossa preguiça, nossa apatia, encontram freqüentementea própria causa na patologia endocriniana. Antes das re

primendas e dos conselhos morais, seria necessário um balanço endocriniano.

 Tal menino preguiçoso ou colérico é de fato um doen

te. Não será possível injetar-lhe vontade ou calma. Masse se lhe administrassem os hormônios requeridos, ser-lhe-

-ia restabelecido o equilíbrio nervoso, permitindo-lhe então

vontade e calma. O Domínio de si mesmo exige um “tô-nus” nervoso “ optimum” , que, por sua vez, depende devariados hormônios. Em primeiro lugar, o hormônio tiroi-

diano, hormônio de ativação celular, cujo excesso leva a

hipernervosismo e a uma porta aberta para a doença deBasedow; e cuja falta provoca a lentidão do mixedema doadulto e a idiotia na criança. Há também os hormônios

da glândula supra-renal, a adrenalina da glândula medu-

lo-supra-renal (hormônio do esforço e da emoção), os hor

mônios esteróides da glândula córtico-supra-renal, regula

doras do quimismo celular, cuja ausência é também fator

de fatigabilidade excessiva. Uma carência supra-renal é

a grande causa das fadigas. É gastando a supra-renal queos mais variados choques nos desequilibram.

Sem querermos passar em revista todos os hormônios,

todos êles importantes para o equilíbrio nervoso, assina

lemos porém ainda os hormônios sexuais. A diferença de

fôrça entre o macho e a fêmea vem da influência respec

tiva da testosterona e da foliculina. Ao equilíbrio perma

nente do hormônio masculino corresponde o ciclo femini

no ovariano que submete a mulher aos dois desequilíbrios

caracterizados das regras e da ovulação, quando a foliculi

na ganha sôbre a progesterona ou inversamente. Se é nor-

Page 88: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 88/207

88 O DOMÍNIO DE 81

mal ser submetido a estas influências, a patologia endocrinia-

na, agigantando-as, leva a graves insuficiências ou impos-

sibilidades de Domínio de si mesmo, que alienam a liberdade

e nas quais a responsabilidade fica atenuada.

O sistema nervoso, apesar de submeter-se passivamen

te às perturbações endocrinianas, pode também ser res

ponsável de dar-lhes início, perturbando-se assim a si mes

mo. Para facilitar o esforço, o sistema nervoso inicia, quer

diretamente pela inervação ortossimpática das glândulasendócrinas, como a medulo-supra-renal, quer indiretamente,

por meio dos hormônios hipofisiários, a produção de hormô

nios. Pedindo, às vêzes, às glândulas um esforço excessivo,

pode desgastá-las tomando-as insuficientes. Ê um círculo

vicioso que se estabelece assim entre os hormônios e o sis

tema nervoso. A emotividade excita a tiróide e a supra-

renal, que, de seu lado, por seus hormônios, acrescem aemotividade. Tôda a endocrinologia sexual está sob a de

pendência do psiquismo.

H a v e r á   m e d i c a m e n t o s   p a r a   a   v o n t a d e ?

Esta química das desordens da vontade explica a existência de “ medicamentos” , ditos “ da vontade” . Pode-se

acalmar ou ativar um sistema nervoso desequilibrado quer

corrigindo o fator específico de desequilíbrio, quer admi

nistrando uma substância estranha acalmante ou excitante.

Vamos conhecendo cada vez melhor o modo de ação

neurofisiológica dêstes medicamentos e dispomos de me

dicamentos cada vez mais eletivos para tôda espécie decomportamento. Foram também feitos reais progressos no

conhecimento das desordens neuroquímicas, bases dos dese

quilíbrios e já se começam a compreender os mecanismos

Page 89: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 89/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 89

químicos íntimos da ação dos medicamentos nervosos. Êstes

são freqüentemente ativos sôbre a química específica da

transmissão dos influxos entre os neurônios, fazendointervir substâncias várias com enzimas ativadoras e

destruidoras.

Restam porém, ainda, muitas incógnitas, tomando

assim a terapêutica muito empírica e imprecisa. Ê inútil

esperar a solução milagrosa da facilidade da vontade,obtida por pílulas e sem esforços. Sendo a personalização

da conduta por uma utilização correta do cérebro, nunca

será a Vontade, criada por um medicamento. Aquilo que

êste pode é acalmar um desequilíbrio nervoso, e, restabe

lecendo um funcionamento correto, restituir a aptidão à

Vontade, tranqüilizando-a por exemplo, acalmando uma emo

tividade anormal. Não convém esquecer porém, que a ação

medicamentosa é sempre o primeiro estágio de uma açãotóxica. Para ser prudente é necessário reservar os medica

mentos para as circunstâncias excepcionais e para as doen

ças. O êrro atual é de pedir aos medicamentos aquilo que

se deveria obter por um esforço pessoal de higiene e de

Domínio sôbre si mesmo. Permitindo que evitemos o es

forço, êstes medicamentos nos tornam incapazes de o fa

zermos, fazendo de nós uns desequilibrados, que ficam tendouma falsa necessidade do tóxico. Nosso cérebro desequili

brado não achará mais seu próprio equilíbrio senão ao

preço de nova intoxicação. O aguilhão do álcool restitui ao

fatigado a coragem em viver e de agir, mas êste querer

artificial e transitório o sujeita ao álcool, ao tóxico, levan

do-o à intoxicação alcoólica, com conseqüente perda total do

Domínio de si mesmo. Ao contrário, sabiamente utilizados,

os medicamentos (entre os quais o álcool e o café) permitem

saber querer e assim, poder dispensá-los. Tomados em

excesso são verdadeiros tóxicos da vontade, suprimindo tôda

possibilidade de Domínio sôbre si mesmo, depois de haver

Page 90: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 90/207

90 O DOMÍNIO DE SI

fingido assegurá-la. Nada jamais nos dispensará do esforço

necessário para conduzir-nos como Homens, isto é, comocriaturas racionais.

V o n t a d e   e   n e u r o s e s .

Mas há ainda outra fonte de comportamentos patológicos opondo-se ao exercício da vontade, na qual o cérebro

não está lesado nem submetido a condições anormais eno entanto, não é possível o Domínio de si mesmo. Sãoos comportamentos neuróticos, cuja origem nos foi preci

sada pela psicanálise e cujos mecanismos nervosos a neuro-fisiologia nos está fazendo compreender. Nas psicoses há

uma perturbação grave da consciência pessoal, havendopossibilidade que desordens da química do cérebro tenhamnelas importante papel. Nas neuroses o paciente é normal,

mas manifesta, em certas circunstâncias, condutas racionalmente inexplicáveis: é sujeito a impulsos incoercíveis oua inibições não menos constrangedoras. Não pode deixar defazer certas coisas e sente-se impedido de fazer certas outras.

 Tornamos a encontrar aqui no patológico uma talacentuação do normal que passamos da ordem da tenta

ção para a da alienação. Nossa neurofisiologia normal nos

privava de vontade durante o sono e nos limitava pelas

influências hormonais. Estas condições normais tornavampossível tôda uma patologia psiquiátrica da vontade. Vi

mos da mesma forma, que o funcionamento do cérebro é emsi mesmo, um automatismo inconsciente; a tomada de cons

ciência não é senão um “ processus” superior acrescentado.

Não é possível normalmente, ser consciente de tudo: dos

mecanismos elementares das sensações e do pensamento,

do trabalho cerebral inconsciente, que surge repentinamen

te nas intuições, de todo êsse funcionamento cerebral en

fim, que, quando normal, escapa constitucionalmente, à cons-

Page 91: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 91/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 91

ciência e à vontade. Quanto às nossas lembranças, muitasestão já esquecidas e de outras só nos lembramos quandocircunstâncias imprevistas provocam a evocação delas. O

mérito de Freud, fundador da psicanálise, foi de mostrar

que certos aspectos inexplicáveis de nossos comportamen

tos, certos traços de caráter, certas doenças ditas psicossomáticas tinham sua origem no inconsciente. Nem tôdas

as lembranças, das quais não temos consciência, estão esquecidas, mas sim em estado de possibilidades virtuais

em algum estoque cerebral, cujo mecanismo não conhece

mos ainda bem. Há lembranças presentes em nosso cérebro,mas cuja tomada de consciência é impossível por causa

de uma inibição, chamada recalque. Uma tal lembrança,

isolada do psiquismo consciente, é um complexo, que se

revelará por manifestações neuróticas, um impulso ou desgosto incoercível, uma perturbação visceral, levando até

a pensar em doença orgânica. O recalque, ainda que fator

de desordens neuróticas é um mecanismo de defesa, elimi

nando recordações ligadas a um choque afetivo durante

a infância. Diante do defeito de alguém, não basta poisfazer apenas um balanço orgânico, eliminando, p. ex., as

glândulas endócrinas, mas é necessário também um balançopsicológico. A neurose aparece como sendo uma fuga nadoença, para esconder um complexo inconsciente. Se uma

criança é preguiçosa, sem razão endocriniana, é necessário,antes de qualificar como pecaminosa a preguiça dela, ver se

não está inibida por algum desequilíbrio neurótico, prove

niente, p. ex., de um ciúme recalcado, devido ao nascimento

de um irmãozinho, que lhe não souberam fazer aceitar.

A lenta confissão psicanalítica, a interpretação dos

sonhos e eventualmente, a facilitação pelos hipnóticos na

narcoanálise (na qual a inibição geral do cérebro suprime

as inibições dos recalques) levam a reconhecer a origemdas manifestações neuróticas e psicanalíticas. Isto vai per

mitir, pela tomada de consciência (que é realizada pela

Page 92: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 92/207

92 O DOMÍNIO DE S I

síntese cerebral personalizante) suprimir as manifestações

desequilibrantes. Lá onde tecnicamente, a psicanálise vê o

conflito do consciente e do inconsciente, a neurofisiologiapavloviana nos acostumou a perceber os mecanismos ce

rebrais do conflito entre excitação e inibição (fator de an

gústia) e a repercussão sôbre os centros reguladores dabase do cérebro, responsáveis do equilíbrio visceral, isto é,

de tudo aquilo que é mantido à margem da tomada deconsciência. Quem diz psicossomático, diz córtico-visceral, 

isto é, interação entre a cortiça cerebral e os centros

hipotalâmicos do equilíbrio visceral, da sabedoria do corpo.A psicanálise nos ensinou uma grande prudência ao tratar

mos da espontaneidade, da vontade e da responsabilidade.

Se devêssemos situar a liberdade em alguma brecha entre

os determinismos, não haveria lugar para ela, visto como

nossos mais espontâneos comportamentos podem originar-se

nas motivações do inconsciente. Mas ser livre não é simples

mente não ter determinismos, mas sim ser capaz de dominá-los. Isto é possível para um cérebro normal, coisa que

não acontece ou, pelo menos, não suficientemente, para um

nevrosado.

H ip n o s e   e   s u g e s t ã o .

Êste cérebro nevrosado é um cérebro fraco, seja pelasua própria constituição, que o toma mais frágil aos fa

tores nevrosantes, seja por ter-se enfraquecido por um cho

que emotivo nevrosante. O cérebro fraco não é simplesmen

te um cérebro menos apto aos esforços voluntários e assim

susceptível de iludir-se, tomando por vontade automatis-

mos incoercíveis vindos do inconsciente. Êle é além disto,

um cérebro aberto à influência de outrem, isto é, suscetí

vel de ser sugestionado, quer dizer, de executar a vontade

de outrem, assumindo-a pessoalmente sem reflexão. A su

Page 93: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 93/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 93

gestão aparece, de fato, como sendo o inverso da persua

são e da conversão, que é a adesão racional e refletida a

uma argumentação. Os neuróticos, particularmente os histéricos, são especialmente sugestionáveis e em primeira linha com a auto-sugestão, fator de numerosos sintomasneuróticos. Um caso espetacular é o da sugestão pós-hip- 

nótica, pela qual o paciente a quem foi dito, sob hipnose,que fizesse tal ou tal ato em determinado momento, depois

de acordado. Ê o que êle fará sob o comando de uma in

tuição, que assume pessoalmente, apesar de tratar-se deinfluência de uma vontade de outrem, inscrita no incons

ciente dêle. Esta vontade estranha só será porém eficazenquanto não impuser atos demasiado contiários à moral

do interessado. As manifestações espetaculares da hipnose,

que originaram as pseudofeitiçarias e as pseudopossessões

encontram-se em nevrosados de cérebro fraco. As pessoas

mais normais não são capazes de fenômenos tão espetacula

res, acompanhados de sono hipnótico, no qual a vigilânciase limita à relação com o hipnotizador.

Pode-se, contudo, abaixar a resistência de indivíduos

normais menos sugestionáveis. É o que fazem os hipnóti

cos utilizados na narcoanálise. Esta, ainda que fazendodesaparecer os recalques, não é o famigerado sôro da ver

dade, pois resta sempre uma possibilidade de resistência e

de mentira. Mas o paciente se torna sugestionável e pode-se

então, fazer com que êle confesse tudo quanto fôr desejado

que êle confesse. Aquilo que os jornalistas chamaram ex

pressivamente como “ lavagem do cérebro” é o conjunto das

práticas neurofisiológicas e psico-sociológicas, permitindo

cientificamente diminuir a resistência cerebral, enfraquecendo a vontade e submetendo hipnòticamente o paciente a uma

vontade estranha, contrária às suas convicções. Esta prática não tem eficácia definitiva senão mantendo o condicio

namento. Ê porém profundamente chocante e desequili-

Page 94: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 94/207

94 O DOMÍNIO DE SI

brante. Também aqui, se a hipnose pode ser útil, utilíssima,

em diversas afecções psicossomáticas, não é para ser re

comendada aos indivíduos normais.Apoiados sôbre o conhecimento das leis pavlovianas

da neurofisiologia do cérebro humano, pôde-se assim construir, quer uma ação desumanizadora, visando diminuir a

consciência e a vontade; quer uma ação super-humanizado-ra, tendente a dar a cada um uma melhor possibilidade de

verdadeira vontade. Não, sugestionando, isto é, diminuindo

sua consciência, mas explicando-lhe racionalmente, ensinando a aumentar a própria consciência.

É o caso, por exemplo, do parto sem dor, pelo método

pavloviano psicoprofilático, no qual, ensinando-se à mãe a

dirigir pessoalmente o próprio parto, recusando o precon

ceito social da dor, por isto mesmo se torna o parto vo

luntário e consciente, isto é, humanizado, indolor. Ê um

exemplo que deveria ser generalizado. O médico não de

veria fazer abstração do psiquismo nem tampouco sugestionar seu paciente, mas sim explicar-lhe tudo quanto aca

bamos de dizer, pedindo-lhe sua colaboração pessoal no atoda cura.

A PSICOCIRURGIA E OS SEUS PERIGOS.

Uma prática análoga à lavagem do cérebro, mas infinitamente mais grave, são as operações de psicocirurgia. 

Aqui a transformação da personalidade se baseia numamutilação cerebral definitiva, justamente de uma parte es

sencial do cérebro humano: a região pré-frontal, sede do

Domínio de si mesmo. Retirar esta dita região por lobo-

tomia (quer se trate de leucotomia ou de topectomia) é

suprir ou diminuir a aptidão ao domínio livre, à inquie

tude humana, que se preocupa de um futuro melhor. O

paciente que perde a aptidão a utilizar a plena dimensão

Page 95: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 95/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 95

da própria vontade, é mais facilmente sugestionável. A l

guns dêsses operados sofrem enormemente, outros caem

numa euforia indiferente, que lhes esconde a própria diminuição. Se se tratasse de indivíduos normais, uma talmutilação seria evidentemente inadmissível: não se con

verte ninguém tomando-o inapto a querer, mas fazendocom que perceba pessoalmente o Bem. Tais operações só

são feitas em doentes mentais incapazes de verdadeira von

tade, que foi nêles supressa ou mutilada pela inquietudepsicopatológica. Tal operação se apresenta assim como um

mal menor, que suprime uma perturbação por uma insu

ficiência: a inquietude anormal dá lugar a uma placidez

exagerada.

Aquêles que, como Baruk, se opuseram a tais opera

ções estavam inteiramente com razão, na medida em que

era possível esperar, com o progresso da medicina, umamelhor solução. Hoje, de fato, tais mutilações são desne

cessárias, pois são substituídas pelos tranqüilizantes e ti-moanalépticos, que acalmam as manifestações patológicase permitem que os pacientes assim tratados possam recor

rer à psicoterapia ou à reeducação pelo trabalho (ergote-rapia) ou ao jôgo em comum (ludoterapia), tôdas bem

mais humanas. Contanto porém que êstes métodos não se

 jam senão um estádio transitório e que não se chegue aos

excessos simbolizados pela camisa de fôrça química oulobotomia química, na qual não se trata mais de educar a

consciência e a vontade, mas de suprir as deficiências da

verdadeira vontade, acalmando artificialmente os impulsos

patológicos.

O CANHOTISMO CONTRARIADO.

Não é apenas o conflito neurosante da excitação e da

inibição nos recalques que impede o pleno Domínio de si

Page 96: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 96/207

96 O DOMÍNIO DE SI

mesmo. Êle se manifesta em desordens análogas quer no

plano psicológico, quer no plano das repercussões psicos

somáticas, quando tal conflito não tem origem psicológica.Normalmente existe um hemisfério dominante, o da linguagem, que é o esquerdo nos destros. Se alguém fôr obri

gado a servir-se primacialmente do hemisfério dominado(caso dos canhotos aos quais se obrigar a escrever com a

mão direita ou daqueles que devem utilizar o ouvido não--diretor) produz-se um conflito entre os dois hemisférios, re

sultando disto a tartamudez e outras manifestações neuró

ticas, corrigidas apenas pelo restabelecimento do papel diretor do hemisfério dominante.

A FADIGA NERVOSA.

As deficiências da vontade num paciente educado, não

dependem hoje apenas e unicamente dêsses conflitos neu

rológicos de origem neurótica ou não. Há um fato de rebaixamento dos podêres cerebrais, que, apesar de menos

patológica, tende a expandir-se cada vez mais. Se perder

mos o esforço de querer, não é unicamente por causa da

patologia do cérebro, da patologia hormonal ou das neuroses. É porque nos pomos imprudentemente em condições

de vida esgotadoras.

Nestas condições, nosso cérebro, desequilibrado pelanossa falta de sabedoria, se torna incapaz de assegurar a

direção consciente e voluntária de nossa conduta.

Esta causa suplementar da impossibilidade de querer

é a fadiga. Não a fadiga física muscular tradicional, que

obrigava ao repouso e ao sono, mas o aspecto moderno dafadiga, que é a fadiga nervosa, a “surmenage” , o esgota

mento. As neuroses da fadiga são pseudoneuroses, isto é,

não são conflitos psicológicos e recalques, de si neurógenos,

mas sim as condições de vida. Se os estandardistas sucum

Page 97: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 97/207

PATOLOGIA DO CÉREBRO E. 97

bem à fadiga, não é por falta de equilíbrio, mas pelas condições inumanas de trabalho, em que vivem; no barulho,

na multiplicidade de tarefas, na produtividade, no controle autoritário e incompreensivo. Para fazer com que saiam

dêste desequilíbrio, que os obriga, depois do trabalho, a

relaxar-se quer num repouso total, quer num passeio ener

vado, não é necessário psicanalisá-los nem enchê-los de

tranqüilizantes, mas simplesmente humanizar o trabalho dê-

les e também procurar aumentar-lhes a resistência.

A neurofisiologia moderna expressa-nos bem êste paradoxo, que é o progresso de uma fadiga, que se toma cadavez mais nociva, justamente quando a automação generali

zada do trabalho e da vida deveria aliviá-la.

 Temos na base do nosso cérebro centros reguladores,responsáveis pela harmonia tanto das funções cerebrais

quanto ao funcionamento de todo o organismo. Êles asse

guram o bem-estar de nosso corpo, pedindo-nos um esforço de adaptação que fazemos mal em desconhecer, exigindo-

-lhes pelo contrário, esforços exagerados, que nos conduzem

ao desequilíbrio e à patologia. Sabemos hoje cientificamente

que coisa é ser enervado, crispado e também tudo quanto

precisa ser feito para remediar e fazer repousar os centros

reguladores perturbados. São desequilíbrios análogos, es

forços análogos para o organismo: subir destreinado cor

rendo por uma escada acima e ser vítima de um cuidadoangustiante. São de fato os mesmos centros reguladores,

responsáveis pela harmonia do corpo, que determinam a ace

leração respiratória e circulatória, proveitosa tanto a quem

sobe rápido por uma escada quanto a quem sente as perturba

ções somáticas da emoção. Tôda a harmonia cerebral exige

um bom funcionamento dêstes centros reguladores respon

sáveis da vigilância e da atenção. Se a fadiga enerva taiscentros não seremos mais capazes de consciência e de von

tade corretas. O esgotamento nervoso é o grande fator

Page 98: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 98/207

98 O DOMÍNIO DE SI

da impossibilidade de domínio de si mesmo, no mundo atual.

Longe de desculpar a ausência de Domínio de si mesmo

pelo enervam ento e tentar remediá-la pelo álcool ou pelostranqüilizantes, o que é preciso, ao contrário, é restabelecer

a possibilidade de domínio, mudando as condições inumanas

da vida. Não deixando, é claro, de ensinar a cada um, seuspróprios recursos cerebrais de relaxamento e de luta contra

a fadiga nervosa. Recursos em geral, ignorados ou negli

genciados, quando são de fato o segrêdo da verdadeira von

tade (métodos de relaxamento, estudados mais adiante).

Uma compreensão errônea e implicações da psicanálisee da significação da moral levaram muita gente a pensar

que a Moral é desequilibrante por se opor às tendênciasnaturais do ser, aceitando-se como origem dos recalques

a barreira constrangedora imposta sociologicamente por um

super-Ego desequilibrante.

A verdade porém é que a Moral não é desequilibrante,mas sim a caricatura legalista dela, que consiste em opor

a Moral a falsos instintos naturais, que não são senão pre

conceitos sociais.

Pelo contrário, atualmente a Moral aparece cada vez

mais como uma higiene de ordem superior, necessária para

nosso equilíbrio e garantia de um funcionamento cerebral

normal, que permite assim verdadeira liberdade e vontade.Os fatores da fadiga nervosa são faltas de higiene, devidas

à nossa ignorância das condições do equilíbrio humano. Co

mo guardar um cérebro equilibrado quando as condições de

vida moderna são um meio impróprio para um tal equilí

brio? Indiquemos, entre outras, a falta de oxigênio num ar

infectado de gás de escapamento ou de fumaça; o barulho,

êsse grande fator de fadiga nervosa (como já dissemos aci

ma) ; as condições sociológicas de relações humanas desu-

manizadas, nas quais o indivíduo é, segundo o momento, de-

Page 99: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 99/207

PATOLOGIA DO CEREBRO E. 99

masiado livre ou demasiado constrangido, afogado como fica,numa multidão, quando o equilíbrio psicossomático humano

exige uma comunidade fraternal. Verdadeiramente o que

deveria surpreender não é que sejam tão numerosos os desequilibrados, inaptos a saber querer, mas sim que em taiscondições de vida como são as nossas, reste ainda alguém

capaz de conservar o equilíbrio. Isto não nos deve levar

apenas a lamentar um passado onde as condições primitivas

de vida não permitiam tampouco o necessário equilíbrio, mas

sim deplorar que o melhoramento de nossos conhecimentos,longe de cooperar para um tal indispensável equilíbrio, o

tenha proposto às proezas técnicas e econômicas.

Nossa fadiga e as suas conseqüências, assim como tô-

das as doenças e neuroses da civilização deveriam, se fossem bem compreendidas, ser um sinal de alarme. Infeliz

mente não compreendemos a origem delas e nos contentamos em esperar desesperadamente por um remédio mágico,

que nos livraria dos efeitos sem que nós afastássemos as

causas! Tal remédio não existe e até, se existisse seria piordo que a doença, pois nos dispensaria do esforço de plena

reflexão e de plena liberdade. Ora, só êste esforço é que^os permitirá humanizar a vida com tôda a lucidez.

Page 100: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 100/207

Page 101: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 101/207

tVotai Çsteves da ç^iloa Acad. Filosofia . UF G

Fone: 225 9S !0

4A obrigação de saber querer 

e os perigos da ignorância

V e r d a d e ir a   e   f a l s a   l ib e r d a d e .

Que haja doenças que limitam ou suprimem a vonta

de; que seja necessário prestar atenção às nossas condi

ções de vida a fim de não perdermos o Domínio de nós mesmos, como acontece com os enervados; nisto, todos os

entendidos concordam. Ê preciso cuidar dos doentes para

restituir-lhes a saúde. Ê preciso desenvolver a higiene pública para prevenir as doenças. Está tudo nisto, pensamos

nós. Basta ser normal e têrmos, pela nossa própria constituição cerebral, o poder de querer segundo nosso desejo, e

o poder também de não querermos se assim nos parecer.

Não está por acaso nisto justamente a Liberdade? Nãoexige porventura a tolerância que deixemos cada um livrede decidir-se em função de suas próprias convicções?

Não é possível haver unanimidade naquilo que é neces

sário querer e também no papel da vontade e da fanta

sia. Quando o médico e o psicanalista conseguiram curar

o patológico, concluíram sua missão restaurando a Liber

dade. Devem abster-se de interferir abusivamente fora dopróprio campo, isto é, interferir no uso livre que cada umpode fazer da própria Liberdade. Neste ponto não nos

Page 102: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 102/207

102 O DOMÍNIO DE SI

devemos limitar, além de nossa moral pessoal, senão pela

necessidade de não importunar os outros e não perturbar

a ordem pública.

 Tal é a opinião comum. Ela é justa na medida em

que nada se deve impor e em que cada um deve decidirlivremente aquilo que deve fazer. Não devemos obedecer aimposições mas sim àquilo que nos parece justo. Toda

regra social à qual não cremos é um constrangimento ex-

temo, que arrisca ser desequilibrante. Temos que com

preender e aceitar a necessidade dela.Mas é falso pensar que cada um é livre de inventar a

própria Moral, como se não houvesse valores comuns, que

dependem do fato de que sendo, como somos, sêres humanos, devemos conformar-nos à natureza humana.

Ê grave preconceito pensar que alguém sendo um ho

mem normal, provisto de um cérebro humano funcionando

corretamente, é automàticamente um ser livre que pode,sem inconveniente algum, fazer o que bem lhe aprouver.

Nosso cérebro, como as máquinas, deve ser utilizado cor

retamente, conforme à própria constituição, conforme àqui

lo para que foi êle feito. Não somos livres senão de fazer

livremente o Bem, pois que o Mal é uma imprudente e

errada utilização do cérebro, visto como neste caso o homem

arrisca a própria aptidão à Liberdade. Fazer voluntària-

mente o Mal é comportar-se como um doente.

Mas quem faz voluntàriamente o Mal? Acabamos de

relembrar tôda uma inteira patologia do comportamento

na qual aquilo, que parecia pecado responsável, é de fato,

uma atração incoercível, que suprime tôda possibilidade de

domínio e de escolha.

Suponhamos (o que seria uma utopia) homens perfeitamente reequilibrados e restituídos à própria liberdade

por uma medicina e psicoterapia perfeitas. Se escaparmos

Page 103: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 103/207

A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 103

ao êrro de crer que farão obrigatoriamente só o Bem, cai

remos certamente na tentação de pensar que, na plena lu

cidez em que estão, poderão livre e voluntariamente optar

entre o Bem e o Mal. Qual pode ser uma opção livre e

/úcida a qual um tem sua própria definição do Bem e do

(Víal? Seria tal opção um simples negócio de gôsto pessoal?

Para fazer voluntàriamente o Bem é preciso compreen

der a significação disto. Não somente na relatividade de

uma moral individual de situação mas de um ângulo de

visão, que vise sempre a melhoria humana em tôdas as

situações.

Ao contrário do que geralmente se pensa, a vontade

de fazer o Mal não é tão comum quanto possa parecer. Se

reina o Mal na sociedade humana é porque os homens não

são livres ou, pelo menos, não sabem usar a própria Liber

dade. Mais do que malvados são doentes, fracos, ignoran

tes, imprudentes. Quem ousaria calcular exatamente a par

te de responsabilidade dos chefes hitleristas nas suas atroci

dades, produtos de uma mistura de patologia mental com

estupidez?

Erramos quando pomos oposição total entre normal e

patológico. Apesar de suas motivações serem diferentes,

é justo que dominemos com o mesmo nome (preguiça ou

cólera) um mesmo comportamento, seja êle determinismo

patológico ou livre decisão. Escolher a preguiça, a cólera,

chamadas de Mal pelo moralista, por uma decisão que cre

mos ser livre, é extremamente imprudente, pois quem nos

assegurará que não estamos iludidos e que não estamos

senão curvando-nos à patologia hormonal ou aos comple

xos ignorados de nosso inconsciente?

Ê significativo que, exaltando todos os “ alimentos ter

restres” , A. Gide tenha feito sobretudo a apologia da neu

rose, à qual o havia conduzido uma educação puritana,

Page 104: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 104/207

104 O DOMÍNIO DE SI

isto é, sua ausência total de liberdade e de lucidez. Mas

há coisa mais grave. O indivíduo são traz em si mesmo

determinismos normais, tão alienadores quanto os deter-minismos patológicos. A diferença está em que êle pode

aprender a dominá-los. É isto que temos chamado de tentações naturais de desnaturação ou de fixação em um nível

de natureza inferior e incompleto. Se um degrau de des-

continuidade separa o patológico do normal, apesar da iden

tidade das aparências, é preciso também não esquecer a

dimensão da continuidade. A patologia endocriniana nãosuprime nossa liberdade senão porque temos hormônios comatividade sôbre os centros nervosos. Nos limites do normal,

êstes hormônios tornam mais difícil o domínio sôbre nósmesmos. Os complexos do inconsciente não são alienadores

senão porque a neurofisiologia cerebral comporta possibilidades limitadas de tomada de consciência. Imenso é o campo

do inconsciente: é mais fácil não refletir e não querer!

Curioso paradoxo! Esta supercomplexidade do cérebrohumano tanto nos dá o poder de fazer bem melhor que

o animal, quando refletimos, quanto o de fazer freqüente

mente, infinitivamente menos bem, quando não refletimos.

Ser livre, querer, refletir, não é uma fatalidade, mas sim

um dever, apesar de difícil.

A mais importante mensagem cultural e humanista

da neurofisiologia do cérebro humano é de marcar com pre

cisão as condições do querer humano, que não é humano

se não fôr vontade do Bem. Não somos livres senão para

conduzir-nos como Homens. Recusar fazer o Bem é uma

grave imprudência, é um risco de desumanização para nós

e para os outros. O homem não realiza sua natureza hu

mana senão quando cumpre livremente o Bem. É preciso

desfazer o preconceito que aponta o fácil como natural parao homem. É fácil para o animal ficar na sua natureza ani

mal seguindo os automatismos de seus bons instintos. Não

Page 105: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 105/207

A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 105

se dá isto com o homem, que deve descobrir pela Reflexão

aquilo que é bom para si.

O grande obstáculo atual à liberdade, postos uma vez

de lado os obstáculos patológicos e os resultados da fadiga

nervosa, é a ignorância, a falta de cultura sôbre as leisdo funcionamento de nosso cérebro. Mas, digamos tôda

a verdade. Ainda que amanhã desapareça esta incultura,

nem por isto desaparecerão tôdas as dificuldades no domínio de nós mesmos. Ninguém poderá conduzir-se co

mo Homem ignorando as condições do equilíbrio humano,mas sempre será difícil ser verdadeiramente Homem, aindaquando uma educação adequada tenha facilitado o exer

cício da lucidez e da vontade. Como não será válida se

não uma conduta humana livre baseada num engajamento pessoal, restará sempre a possibilidade de dizer NÃO,

apesar dos mais sérios e objetivos argumentos a favor do

Bem. Ê esta a enfermidade fundamental mais grave dohomem. Subsistirão sempre tentações naturais de desnaturação, pois teremos sempre hormônios, necessidades, impulsos para um Bem fácil. Tais tentações serão ainda mais

agravadas por uma misteriosa aptidão a recusar o bem, ain

da que racionalmente apresentado como sendo o segrêdo da

saúde, do equilíbrio e da felicidade. Um tal ilogismo de

nossa liberdade deveria levar-nos a tomar em consideração

sua interpretação metafísica, isto é, êsse desequilíbrio deorgulho de um ser fraco, mas responsável. Desequilíbrio

expresso, no Cristianismo, pelo Pecado Original.

A s a t i s f a ç ã o   h u m a n a   d a s   n e c e s s i d a d e s .

A neurofisiologia nos atesta que o cérebro humano éo órgão da liberdade. Não haverá porém contradição seafirmarmos que bem poucos dos atos dos homens normais

são livres. Isto é verdade, simplesmente porque não sabe

Page 106: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 106/207

106 O DOMÍNIO DE SI

mos ser livres, não sabemos que coisa seja querer, nem oque querer. Cultuamos a espontaneidade e recusamos cris

par-nos sempre no esforço. Estabelecemos por isto em nós,cômodas barreiras: há a vida animal do corpo, a vida in

telectual e racional do pensamento, a vida espiritual. Acada uma o seu lugar! Infelizmente estas separações são

artificiais pois não há senão a vida humana, vida espiritual encarnada: não há vida animal do corpo, mas sim a

vida humanizada de um corpo humano que não tem mais

nada de animal. Não se trata pois de dar vez ao corpo ou

de dominá-lo em nome de um espiritual desencarnado, fatorde recalques. Nem sequer de utilizar, a fim de evitar recalques, as energias inferiores, mudando-lhes o leito, trans

pondo-as a um plano superior (“ Sublimação” em psicaná

lise). De fato, êste é um conceito ambíguo. Em lugar de

ignorar o impulso e de deixar que faça estragos incons

cientemente, é êle endereçado a uma utilização mais hu

mana. A verdade não está na sublimação do interior (oque poderia levar ao êrro de negar a própria existência do superior), mas no reconhecimento que o inferior

humano é um inferior incompleto e mutilado, que não

tem existência própria e que é feito para ser comandadopelas estruturas superiores. Não há no homem, difícil

conflito entre o amor superior, espiritual desencarnado e

o impulso erótico genital, mas o verdadeiro amor hu

mano é o encargo do sentido do erótico pelo espiritual.Não é humano e completo senão o erótico espirituali

zado, isto é, humanamente dominado ou o espiritual

encarnado na conduta dos reflexos sensuais genitais. Ê

que o homem, apesar de ter um triplo aspecto hierar

quizado, não é um ser duplo (alma e corpo) ou triplo

(corpo, alma, espírito). Êle se exprime nas estruturas uni

ficadoras de seu cérebro com 3 andares. Não há a justaposição do cérebro do instinto e da afetividade unificadora

do corpo e do cérebro da inteligência, da tomada de cons-

Page 107: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 107/207

A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 107

ciência e da relação social, mas sim encargo do cérebro

primário e de suas necessidades pelo cérebro da inteligên

cia e unificação suprema do instintivo-afetivo elementare do racional pelas estruturas superiores pré-frontais, co

mo já dissemos atrás. Dar primazia ao espírito não é re

calcar o inferior, mas dar-lhe sua significação humana.Não é um corpo humano aquêle que não fôr comandado

pela lucidez pré-frontal.

Ora, que fazemos nós pràticamente ? Aceitamos que

nossa lucidez obedeça a nossas necessidades de uma maneira que nós cremos instintiva mas que, de fato, não é senão

um hábito socialmente adquirido.

No animal, em razão da insuficiência do cérebro supe

rior, os hormônios sexuais ou as modificações do ambienteinterior, que mostram a necessidade alimentar das célu

las, vão fazer disparar no cérebro inferior um automatismo

instintivo, (satisfazendo à necessidade de uma maneira conforme aos costumes da espécie, inscritos nos automatismosdo cérebro inferior). No homem, êstes fatôres continuam

importantes, pois causam no cérebro inferior perturbações

das quais o cérebro superior tomará consciência sob a for

ma de necessidades, mas o homem não está ligado à suaquímica orgânica. Na ausência de hormônios sexuais, naausência de fome orgânica, pode êle ter desejo sexual ou

alimentar, por motivação psicológica cerebral. Doutro lado,compete ao cérebro superior decidir se convém ou não sa

tisfazer a tal necessidade e como satisfazê-la.

Nós julgamos ser espontâneos obedecendo às necessi

dades orgânicas, consideradas como parte animal de nós

mesmos. Com efeito, por ignorância, cremos ser possível

dividir nossa vida em 2 partes: uma, da atividade cons

ciente e refletida, outra, da vida instintiva e sentimental.Submetemos nossa conduta pessoal às nossas necessidades

orgânicas, sexuais, alimentares ou outras, esquecendo que

Page 108: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 108/207

108 O DOMÍNIO DE SI

a satisfação humana destas necessidades exige reflexão e

vontade. Sob o ângulo de visão de construção constitutiva

o cérebro inferior é feito para funcionar sob o controle docérebro superior. Ignorando isto, nós nos tornamos autô

matos do cérebro inferior e comparáveis ao animal desce-

rebrado cujo hipotálamo desencadeado faz disparar estados

violentos de raiva ou ao doente mental lobotomizado, também êle incapaz de controle. Para ser verdadeiro Homem,é preciso controlar os automatismos, induzidos pelos nos

sos humores no cérebro inferior.

Em lugar disto, pelo contrário, nós deixamos que sedesencadeiem. Fixamo-nos assim num nível inferior à nos

sa natureza, tornando-nos comparáveis ao doente incapaz

de Domínio sôbre si mesmo. É por causa disto que o co

mando humoral das condutas, que coloca o animal na sua

natureza, nos coloca a nós fora da nossa, porque nos priva

de nossa dimensão essencial.

O moralista avisa contra os excessos da gula, da sen

sualidade, da agressividade. O neurofisiologista está nisto

completamente de acôrdo. Todavia é grande imprudênciapara um sujeito normal deixar-se assim levar por tais ex

cessos, pois desumanizam a conduta dêle, tomando-o prê-

sa de automatismos inferiores. Não queremos dizer com

isto que seja necessário suprimir as alegrias da carne, que

têm no homem sua superioridade, precisamente graças aoprogresso do cérebro. Mas justamente estas alegrias não

serão humanas senão enquanto dominadas, permitindo as

sim consciência e lucidez suficientes. Desprezar tais ale

grias ou fingir ignorá-las é êrro desequilibrado do purita-

nismo, que, por vêzes esconde, sob aparências de domínio

e de virtude, as incapacidades neuróticas dos recalques.

Seria êrro complementar mergulhar alguém nessas alegrias num desencadeamento total, privando-as assim da

dimensão humana.

Page 109: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 109/207

A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 109

Êste desencadeamento alienador parece ter caráter na

tural e inevitável, evitado apenas por ascese extraordiná

ria, da qual a maior parte é incapaz. Êste também é um

preconceito, devido a sermos prêsa de maus hábitos. Nós

não nos podemos dominar simplesmente porque temos o

mau hábito de pensar que seria impossível dominar-nos

e assim nos deixamos levar pela facilidade espontânea do

desencadeamento das paixões.

É claro que não se trataria apenas de opor-se a êste

desencadeamento com heróicos, mas freqüentemente ineficazes, esforços da vontade, mas sim de tomar o bom há

bito de prevenir o desencadeamento das paixões, antes que

seja tarde demais. Não por uma ascese desencarnada, mas

pelo contrário, para gozar plena e humanamente de uma

carne, mantida em sua plena significação. Nossa culpabilidade não está nas ações, que fazemos com autômatos,

tão alienados quanto um doente mental, mas em nos terdeixado imprudentemente levar a tal estado. Culpabilida

de aliás atenuada pela nossa ignorância do caráter inumano e contra-natureza de um tal desencadeamento.

A Moral não se opõe à natureza, mas permite evitar

a contra-natureza, desde o momento em que compreendemos sua verdadeira significação. Não recusar a carne, mas

usar a técnica da utilização espiritualizante da carne.

 A ALIENAÇÃO SOCIAL.

Por causa de não nos servir corretamente dos meca

nismos corporais para espiritualizar-nos, isto é, humanizar-nos, nós nos tomamos escravos das necessidades in

coercíveis de um corpo materializado. Mas não é apenas

das necessidades biológicas elementares que nos tornamosescravos, mas dos usos sociais, dos costumes, do ambiente

em que vivemos.

Page 110: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 110/207

110 O DOMÍNIO DE SI

Libertar-nos do conformismo, que guia nossos atos, con

duz freqüentemente a êsse anticonformismo neurótico, igualmente irrefletido, de certos adolescentes, que manifestam

por atitudes anti-sociais o próprio inconsciente desequilíbrio

de sêres mal-educados numa sociedade má. No Homem,a passagem das condutas do plano instintivo ao plano su

perior não leva logo de imediato, à plena dimensão humana

da conduta, livre, porque refletida, por conseguinte, que

rida. Inicialmente há apenas a passagem dos reflexos ina

tos do instinto aos reflexos condicionados dos hábitos sociais. Esta aprendizagem automática pelo ambiente, à qualfreqüentemente se limita uma falsa educação, não visa

uma plena formação humana mas simplesmente fazer umcidadão conformado, bem adaptado e bem obediente.

Ao contrário dos costumes instintivos dos animais, que

são conformes à natureza da espécie, os usos e costumes

humanos podem ser preconceitos sociais antinaturais. A

automação da conduta é uma feliz lei cerebral que liberta

nossa reflexão e não nos constrange a estar sempre que

rendo. Ê bom descarregar-se assim sôbre bons hábitos,mas contanto que sejam bons hábitos e não apenas pre

conceitos sociais, contrários à verdadeira natureza humana.

A educação não deveria ser uma aprendizagem conformista intelectual ou técnica, mas dar o hábito de refletir e de abraçar o que é Bem. Também aqui, como com

os hormônios, nós fazemos de um precioso mecanismo fisiológico, que é esta possibilidade de adquirir hábitos, uma

tentação grave de desnaturação, que nos transformará em

“robots” . É por causa disto que nem sempre somos livres, que não temos verdadeira vontade! Nós nos escra

vizamos ao nosso ambiente, queremos o que querem nossos humores, o que querem nossos vizinhos!

Refletimos um pouco sôbre o engrandecimento cari

catural que nos fornece a patologia social. Que coisa acon-

Page 111: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 111/207

A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E. 111

tece com a liberdade individual em uma multidão hipno

tizada pela própria compactividade e pelos seus líderes?

Estará por acaso sendo realmente dono da própria vontade aquele cidadão pacato e responsável que agora, no meiode uma turba enfurecida, exige aos gritos e palavrões, seupróprio dinheiro, depositado em um banco, que parece estarindo à falência?

Nossas alienações sociais ordinárias são menos espetaculares, mas é um fato que nossa alimentação e nossa

sexualidade dependem dos usos e costumes. Não seguimos

nossa verdadeira natureza, nossas verdadeiras necessidades, mas sim uma falsa natureza, falsas necessidades, quemaus hábitos deram ao nosso corpo. Até o Bem, a Moral

se tomam um bom conformismo de espiritualização ascé

tica desencarnada, muito inumano e desumanizante, poisvisamos a salvação de nossa alma, a obediência a Deus ou

à Igreja e não o progresso de nós mesmos na conformida

de àquilo que somos. Qual não deve ser a tentação de

fazer o Mal, quando parece êle tão natural, tão tentadorenquanto que o Bem, o Domínio de si mesmo são apresen

tados como renúncia às alegrias terrestres? Está estabelecido o conflito entre a consciência e a boa consciência!

Quando porém cessar o conflito do apêlo da Vida e da

Moral, quando a Moral aparecer como a possibilidade do

desdobramento total da Vida e o Mal como uma desequili-

brante diminuição, então o Bem não se tomará fácil nemo Mal desaparecerá da face da terra, mas que mudança

de perspectiva! Para o homem alcançar uma tal situação,

não tem necessidade de sermões ascéticos desencarnados,

mas apenas de um conhecimento objetivo científico de si

mesmo, de uma cultura biológica enfim. Então êle compreenderá que, antes de ser uma ofensa a Deus, o peca

do é inicialmente uma falta técnica contra si mesmo e

contra os outros de um incapaz, bôbo e ignorante, de con-

Page 112: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 112/207

112 O DOMÍNIO DE SI

duzir-se corretamente utilizando as magníficas possibilidadesdo próprio cérebro e especialmente do cérebro pré-frontal.

Fazer o Bem, exige certamente uma ascese, mas bemdiversa da costumeira! Exige uma ascese de realização

de si mesmo, da ressacralização da carne. Maravilhosa pos

sibilidade de todos os homens, normais ou curados, mas

que êles deitam a perder! Tornados escravos, não com

preendem a verdadeira razão da própria escravidão nem amaneira de livrarem-se dela. Reivindicam porém, alto e

bom som, ser libertados artificialmente por drogas, que

lhes fazem sentir necessidades artificiais e tomar por Domínio de si mesmos uma escravidão ainda maior.

Page 113: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 113/207

âtiatal P steves da ( Clloa  Acad. Filosofia - U F G 

Fone: 225-9810

5 A educação da Vontade

A MORAL POSITIVA.

Se é tão rara hoje esta livre vontade humana refletida, que não poderia, pela nossa própria constituição ce

rebral, estar senão a serviço do Bem, sob pena de se destruir, é fácil concluir, dentro de um pessimismo desesperado

e desesperante, que tal Vontade só pode ser encontrada em

uma elite. Afirmar que somente uma elite pode chegar

ao pleno desdobramento humano, quando todos os homens

normais, pela própria constituição de seus cérebros, têmesta aptidão, é infelizmente um paradoxo muito espalhado.Êle implica da parte daqueles que crêem pertencer a talelite e que, de fato, freqüentemente se servem menos de

sua liberdade do que os outros, uma sorte de paternalismo desprezador, que se veste com um manto de falsa cari

dade. Sente-se aqui o relento da divisão cátara entre ospuros e a massa, tão contrário ao humanismo autêntico

quanto o moralismo constrangedor de seus adversários, osInquisidores. Estamos por acaso tão longe assim da época,

na qual todos partilhavam a concepção de uma carne peri-

Page 114: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 114/207

114 O DOMÍNIO DE Sl

gosa e má, de uma carne perdida e causando perdição?

Época em que se via na mortificação recalcando a carne o

único caminho para a salvação, época que considerava aperigoso necessidade do matrimônio uma ocasião obrigatória

de pecado? Preconceitos todos êstes tanto de S. Tomás deAquino quanto de S. Bernardo e de Abelardo. A diferença

é que hoje, uma maioria, repelindo a mortificação, afirmaria

que, no fundo, é bem agradável perder-se!

Porém, uma mortificação, que fôsse esquecimento, hor

ror ou recusa da carne, seria um comportamento contraa natureza, ameaçando manifestar uma neurose ou con

duzir a esta. Não uma virtude, mas uma “ doença da

virtude” . Além disto, seria uma solução demasiado fácil,

pois recusa, separando simplesmente a carne do espírito,

realizar a unidade humana empregando corretamente acarne, segundo o verdadeiro papel dela, que é o de nos

permitir um incessante progresso e espiritualização. O

domínio autêntico de si mesmo, não é, em verdade, obtido senão pelo esforço, pela mortificação e pela ascese, mas

num espírito completamente diferente. Não castigar a car

ne, mas expandi-la fazendo com que renda tôdas as suaspossibilidades.

A neurofisiologia, cerebralizando o domínio de nós mesmos, acaba de confirmar o ângulo de visão do moralista

mas de um certo modo, erguendo-o sôbre seus própriospés até uma “Moral nova” . Esta não é senão um retômoà verdadeira Moral, a Moral do Cristo e de S. Paulo, moral

dos princípios tradicionais, mas realizada de maneira equi

librada e humanizante. E isto pela recusa em aceitar um

Legalismo desencarnado, repleto de proibições e autorizações,

mas pela afirmação das condições positivas do desdobra

mento humano, fora até de qualquer consideração religiosa.

Ê paradoxal que se caricaturize como otimismo irrealista, por ignorar a natureza, aquêles que, como Teilhard

Page 115: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 115/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 115

de Chardin, insistem nesta Moral Positiva. São os pessi

mistas, chamando-se a si mesmos de realistas e ignorando

a verdadeira natureza do Homem, que tomam por naturais os desvios devidos à doença, à ignorância, à fraquezae ao pecado. Seus interditos negativos instalam os homens

na passividade do pecado e da impotência, na aceitação da

desesperadora alternativa entre o pecado obrigatório e o

arrependimento ineficaz.

Para ser eficaz deve o arrependimento basear-se sôbre

a convicção de que, apesar de fracos e inclinados à recaída, nós temos a possibilidade de levantar-nos, não apenas

passivamente pela graça de Deus, mas também pelo nosso

esforço pessoal, no qual o crente vê precisamente a inser

ção da graça. Temos que salvar-nos a nós mesmos. O que

vale dizer, no plano profano, comportar-nos sempre como

Homens.

P e r m a n e c e r   a d u l t o s : a p r e n d i z a g e m   p e r m a n e n t e .

Isto supõe aprender : aprender que coisa significa hu

manizar-se, aprender quais os meios de lá chegar, em uma

espiritualidade encarnada, de esforço positivo e eficaz. De

vemos ser adultos, cada vez mais e melhor. No sonho de

qualquer adolescente, rebelando-se, contra as prescrições, oestado adulto é sempre um paraíso maravilhoso, no qual

tudo é permitido. Não mais será necessário esforço algum.

Um ponto de chegada afinal.

 Todos nós vivemos, mais ou menos, tendo o precon

ceito de que o dinamismo de realização do Homem pelo

esforço educativo concerne apenas aquêle que não é adul

to. Consideramos todo o adulto sob um aspecto estáticoacabado, cuja velhice é a deterioração e que não deve sofrer

imposição alguma exterior da sociedade em que vive!

Page 116: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 116/207

116 O DOMÍNIO DE 81

Infelizmente o conhecimento atual da neurofisiologianos diz o contrário, isto é, que não há estado humano es

tático, de equilíbrio estável, assegurado e definitivo; quenosso destino normal é de contínua maturação desde a

concepção até a velhice, tendo êste último estado aspectospositivos não-negligenciáveis; que para ser e permanecer

adulto não se trata de aceitar sem alegria inevitáveisconstrangimentos, mas de nos constranger sem cessar a

subir, a fim de evitar a tendência desnaturante de descer,

que é uma lei da nossa fraca natureza.

 Tomando-se rapidamente antiquado tudo quanto já te

mos aprendido na vida, devido à aceleração dos progressos

científicos e técnicos, é necessário que sempre estejamosa par, mediante uma educação permanente. Não compre

enderemos o verdadeiro sentido desta necessidade nova, queé o progresso autêntico, se não compreendermos que êle nosobriga a reconhecer que o Homem é um ser que deve sempre

aprender.

Pela própria constituição do cérebro o Homem se de

fine pela aptidão a aprender. Êle crê porém que esta ap

tidão não pede senão ser utilizada, bastando aprender qual

quer coisa intelectual ou tècnicamente. No entanto esta

aptidão não é senão virtual e antes de utilizá-la é preciso

desenvolvê-la. O homem deve inicialmente aprender a

aprender. O segredo de uma educação bem feita não estaria pois na soma dos conhecimentos, freqüente e rapida

mente antiquados, mas no desenvolvimento da aptidão de

aprender verdadeiramente, isto é, a refletir, a compreen

der, a querer. Todo homem normal possui esta aptidão a

aprender, ainda quando as deficiências de uma educação

ausente, insuficiente ou falseada não a tenham desenvol

vido. Nunca pois será demasiado tarde para aprender eadquirir assim o pleno Domínio de si mesmo, tomando-seentão verdadeiro Homem.

Page 117: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 117/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 117

E porém necessário um esforço muito grande para

deixar maus hábitos, para deixar de ser um autômato do

conformismo, para pôr-se enfim a refletir e a julgar. Teriavalido melhor tomar de uma vez por tôdas o bom hábito

de utilizar tôdas as suas próprias e mais completas possi

bilidades. Diante das terríveis deficiências atuais não devemos acusar a irresponsabilidade dos ineducados, mas sim

a deficiência dos educadores.

As CONDIÇÕES DO ESTADO ADULTO HUMANO! PROLONGAÇÃO DA 

IMATURIDADE.

Não somente temos o preconceito da perfeição auto

mática de um estado adulto acabado, mas pensamos tam

bém que basta ser um homem normal, basta ter escapado

às doenças do desenvolvimento (que lesam direta ou indi

retamente o cérebro) para chegarmos a êste estado adulto. É grave êste nosso êrro, pois confundimos estado adul

to animal com estado adulto humano. Bem que o animal

como o homem, se construam ao longo de uma dinâmicade crescimento, a natureza do animal é bem mais estática,

mais fatal, mais obrigatória. Basta-lhe um crescimento

biológico elementar sem carências e doenças, fontes natu

rais de monstruosidades.

Deve êle especialmente esperar que a própria matura

ção se faça, trazendo com ela os instintos necessários. A

parte da educação e reflexão é reduzida e não indispensável

para a sobrevivência. No Homem é tudo diferente, ainda

que, contràriamente aos preconceitos, o estado adulto nor

mal, baseando a conduta numa reflexão, que ache o Bem

atraente e preferível, seja ainda uma raridade e o anor

mal, isto é, o imaturo, o comum. A mais grave das pato

logias não é a patologia doentia usual dos anormais, ma?

Page 118: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 118/207

118 O DOMÍNIO DE SI

sim aquela daqueles que se crêem normais porque nãoestão doentes, sem porém terem aprendido a utilizar com

pletamente as possibilidades humanas.

O homem não é superior ao animal senão utilizando

as possibilidades cerebrais humanas de superioridade. Caso contrário é inferior ao animal, pois pode chegar a des

naturar-se. Vimos isto naquilo que concerne à deficiênciados instintos. Esta deficiência existe “pari passu” com oretardamento do desenvolvimento do homem, condição nor

mal da superioridade humana, que, se não fôr utilizadacorretamente, tem por conseqüência impedir uma matura

ção completa.

Primo afastado do homem, o chimpanzé interessa especialmente ao psicofisiologista, que não tem à disposiçãoos verdadeiros ancestrais do homem, os hominídeos em

via de humanização, de encaminhamento à plena Reflexão.

Entre todos os sêres atuais êle é o mais rico cerebral-mente, pois possui um cérebro com uma estrutura hierar

quizada bem vizinha à do homem. A maior diferença paracom êste, a mais significativa é que, apesar de partirem

ambos, a quando do nascimento de estados imaturos muito

vizinhos têm duração de crescimento muito diferente. O

chimpanzé amadurece rapidamente: é com rapidez que seu

cérebro se completa anatòmicamente e aprende tudo quanto

lhe é necessário. O homem, de seu lado, permanece muitomais tempo inacabado. Por isto foi possível compará-lo ao

feto do chimpanzé, pois conserva por muito mais tempo uma

imaturidade, que sendo fonte de múltiplas possibilidades, o

faz ficar mais jovem. Quando todo progresso já está pre

parado no chimpanzé, então é que se dá uma partida fulminante no Homem.

Passado o período da infância, que compreende umalenta maturação anatômica do cérebro, a maturidade se

xual não coincide com o fim do crescimento e do estado

Page 119: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 119/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 119

adulto, mas sim com o estado tipicamente humano da

adolescência, na qual o cérebro acaba sua maturação fisio

lógica, bem revelada pela eletroencefalografia. Desprovidode instintos, o homem tem todo o tempo para aprender a

servir-se do próprio cérebro. Mas não há aqui a aprendizagem de um cérebro acabado. Ê a utilização de um cére

bro em maturação, condicionando até certo ponto, esta

mesma maturação. Um cérebro maleável, porque inacabado

e que não dará tôdas as suas possibilidades senão sub

metido a uma educação plenamente humana, isto é, hu-

manizante.

N e c e s s i d a d e   d a   c u l t u r a .

O crescimento é sempre uma assimilação. Sob a di

reção de hereditariedade, que não é senão o órgão de pro

gramação dos ácidos nucléicos, o organismo cresce tomando elementos emprestados ao meio exterior. No animal a

assimilação é meramente material: é adulto o indivíduocujos órgãos estão corretamente acabados e que, por con

seguinte, não tem senão que usar dêles corretamente. Na

espécie humana, ao contrário, além desta assimilação ma

terial, é necessária uma assimilação espiritual cultural ,

orientando a maturação no sentido da realização completa

das possibilidades humanas. O animal, salvo deficiênciapatológica do ambiente material de crescimento e de seus re

cursos orgânicos, é obrigado a ser êle mesmo. Se exis

tem diferenças individuais, elas se realizam automàtica

mente, sem influência maior do ambiente. O homem, ao

contrário, fica bem marcado pelo ambiente e sua realiza

ção individual variará conforme as condições da assimila

ção cultural. É perfeitamente legítimo que julguemos ovalor destas diversas possibilidades, pois algumas dão des

dobramentos autênticos, verdadeiros sucessos enquanto que

Page 120: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 120/207

120 O DOMÍNIO DE 81

outras são fracassos, por ter um ambiente insuficiente fei

to abordar a humanização. Se insuficiências leves ou tar

dias não são mutilações graves e definitivas, há outras

importantes e precoces que irão marcar definitivamente a

criança e privá-la de certas aptidões, ainda que admissíveis

hereditàriamente.

 Também aqui, numa escala contínua das condições de

ambiente, desde o mais até o menos humanizante, veremos

surgir degraus de descontinuidade, que introduzem uma ver

dadeira diferença de natureza entre um patológico extremo

definitivo e um simples retardamento recuperável eventual

mente. Duplo degrau: degrau de nível cultural, abaixo do

qual o homem normal será forçosamente um sub-homem e

degrau de crescimento, pois o que não foi realizado em

certos estados da maturação se torna sempre mais difícil,

por ir perdendo o cérebro suas possibilidades.

O êrro do racismo não está em reconhecer diferenças

de inferioridade ou de superioridade entre os grupos hu

manos (coisa evidente) mas sim atribuir tais diferenças

à constituição hereditária, quando se trata apenas de

níveis atingidos pela superioridade ou inferioridade cultu

ral do ambiente. Notemos também que não convém exage

rar o valor das superioridades intelectuais sôbre o bom

senso, sôbre a inteligência prática e principalmente sôbreo coração, pois nestas últimas aquêles que julgamos infe

riores são superiores a nós. Também não se trata aqui de

superioridade absoluta de um tipo de cultura, mas de re

tardamento ou avanço de desenvolvimento e de maturação

desta cultura na sua caminhada para a Verdade, que é

uma, apesar de serem muitos os caminhos para ela.

Nada mais útil do que a patologia social para nos fa

zer compreender esta maleabilidade do homem pelo am

biente e por conseguinte a necessidade neurofisiológica de

Page 121: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 121/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 121

uma boa educação. São bem conhecidos os casos de desu-

manização de meninos seqüestrados, normais originalmen

te, mas que por falta de contato natural ou humano, setornaram idiotas. Sua inteligência não se pôde desenvol

ver, prova esta bastante de que a espontaneidade da matu

ração cerebral é orientada pelo ambiente. Uma criança

impedida de andar durante o período, no qual o meninonormal parece exercitar-se nisto, ràpidamente se toma capaz de fazê-lo na idade conveniente. “ Parece” , dissemos,

pois que de fato, não se trata senão de manifestações es

pontâneas da maturação dos feixes piramidais. Ao contrário, um macaco a que se costuraram as pálpebras, quan

do do nascimento, perde sua aptidão para ver, pois são

indispensáveis as mensagens da vista para a construçãocorreta do cérebro visual. No caso dos meninos-lôbos daÍndia (caso bem conhecido de meninos selvagens que cres

ceram fora da civilização) a perda das possibilidades é

menor porque a vida em um ambiente natural e em socie

dade, ainda que de lôbos, favorece mais a maturação cé-rebro-psíquica. Há simplesmente uma grande desumani-

zação (simultâneamente com uma lupificação, traduzindo

sem dúvida alguma a inteligência humana, pois que ne

nhum animal teria uma tal potência de imitação de com

portamentos contrários à sua natureza): corridas a 4“patas” , uivos lupinos, sem expressão emotiva humana,

sem linguagem articulada. A reeducação é difícü, especialmente a da linguagem, uma vez que já tiver sido pas

sada a idade em que a criança, graças às aptidões hereditárias de seu cérebro, começa a modular os sons, época na

qual deve êle normalmente aprender a imitar a língua da

queles com quem vive e que lhe darão seu nível cultural.

Se a articulação se tomar inútil por falta de utilidade so

cial, a criança perderá, em grande parte, tal aptidão.

Completamente diferente é o caso dos surdos-mudos

aão reeducados a qualquer forma de linguagem, pois suas

Page 122: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 122/207

122 O DOMÍNIO DE SI

deficiências são menos graves. Não falando porque a pa

lavra lhes é inútil, por não a ouvirem, êles não desenvolvem

a própria aptidão, donde a mudez dêles. Mas criados emsociedade humana, são menos gravemente desumaniza-dos, o que explica porque guardam melhor a possibilida

de de aprender a linguagem humana. Ê sabido porém,que quanto mais depressa forem reeducados, menos gra

ves serão as suas deficiências. Temos que levar em conta

êstes exemplos para compreender a importância das de

ficiências do ambiente e da educação na expansão das aptidões. Não é de modo algum indiferente para nós têrmosvivido nossa infância em um ambiente humanamente ricoou ao contrário, deficiente. As novidades científicas tão

duras de assimilar pelo adulto esclerosado nas suas roti

nas, são bem mais acessíveis em um ensino precoce dos

 jovens.

Exemplo inverso dos meninos-lôbos, é o do acesso dos jovens selvagens à vida civilizada. Antes dos 5 anos tudo

é possível em função das possibilidades individuais. De

pois dos 5 anos há possibilidades perdidas pois o social jáorientou demasiado a maturação. Adaptar um homem de

Cro-Magnon adulto à nossa cultura seria sem dúvida, im

possível, mas não haveria dificuldades com uma criancinha,

pois ela possuiria as aptidões.Ê muito importante não exagerar demasiado a here

ditariedade no homem. Ela causa diferenças individuais

constitutivas, diferenças de tipos intelectuais, de aptidõese de gôsto entre as civilizações, as etnias. Mas as mais

grosseiras diferenças vêm do ambiente educativo; da ma

neira pela qual êste orientou a realização das virtualida-

des de origem. Todos os homens são da raça humana etôdas as etnias têm uma repartição análoga de inteligên

cias. O que faz um indivíduo inferior a outro (se fizer

mos abstração dos falsos preconceitos) é a insuficiência

Page 123: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 123/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 123

de formação educativa humanizante. Se se tratasse sim

plesmente da hereditariedade, poder-se-ia falar de fatali

dade natural e sonhar de melhorar algum dia os ácidosnucléicos (bem que seria mais fácil deteriorá-los). Mas,

visto como o responsável é o ambiente, não há fatalidade.

Como não indignar-se, como não lutar diante do fatoque numerosos homens não podem, por deficiência de seu

ambiente de juventude, realizar completamente suas pos

sibilidades humanas, quer sejam êles das classes pobresquer homens de culturas e de economias de desenvolvi

mento retardado ou subdesenvolvimento? Que um homemtenha aptidões para ser um músico ou um cientista de gênioe que os azares do nascimento o impeçam de aceder ao nívele à utilização superior de sua própria inteligência, confinan

do-o a ser operário braçal ou selvagem nas profundezas das

florestas africanas, eis uma injustiça, hoje inaceitável, pois

que há remédio para ela. O crime da ignorância racista

é precisamente justificar por ignorância científica uma tal

injustiça. Nós nos indignamos facilmente do bárbaro séculoXIX, que punha meninos a trabalhar nas minas e nas fábricas, pensando não poder dispensá-los. Que dirá o futuro

sôbre as barbáries de nosso século ignorante?

A neurofisiologia nos mostra com precisão a neces

sidade que há, para ser um Homem verdadeiro, de receber

uma boa educação humanizante, progredindo em função da

maturação biológica do cérebro que ela favorece. Se é

necessária uma higiene da gravidez, particularmente prudente nos primeiros meses, quando o embrião está for

mando seus futuros órgãos, sob pena de graves monstruo

sidades, não é possível também, na infância e na adolescên

cia preocupar-se apenas com a higiene física. A verdadeira educação é uma higiene de ordem superior, pois elaforma a personalidade, ensinando a utilizar os recursos ce

rebrais. E isto não é o supérfluo para o uso de uma elite,

mas uma absoluta necessidade para, todos os homens.

Page 124: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 124/207

124 O DOMÍNIO DE SI

Sem entrarmos em todos estádios do desenvolvimento,

desde o nascimento à idade adulta, cujo conhecimento per

mite adaptar a educação às possibilidades individuais, importa que recordemos aqui a significação de 3 períodos su

cessivos: da infância até cêrca de 5 anos, da infância an

tes da puberdade e da adolescência.

 Também aqui nós vivemos engolfados em preconceitos.

Há um mito muito espalhado por culpa da psicopedagogiacientífica ocidental (que confunde objetividade científica com

recusa positiva dos valores humanos) que o menino é como

uma planta, que vinga num bom ambiente. Bastaria pois o

bom ambiente e a boa hereditariedade para que tudo vá bem.

Êrro gravíssimo, pois até a objetividade da pedagogia soviética nos afirma que o menino é, antes de tudo, uma consciênciapara formar.

P r é e d u c a ç ã o   d o   m e n i n o .

Quando se fala de educação, visa-se mais freqüente

mente a infância, pela tentação que temos, de pensar queela é o momento mais importante. Ignoramos que o es

sencial é o que se passa antes, é a pré-educação que marca

definitivamente e que está acabada, mais ou menos, aos5 anos. Vemos assim no adolescente um homenzinho, que

não tem lá muito mais que aprender, senão no plano intelectual.

Além disto, vemos esta educação da infância sob a

forma escolar da instrução que visa dar certos mecanismos

de base e os conhecimentos necessários para uma profissão. Ensinar a ser Homem, isto está fora das preocupa

ções, pois vem por si mesmo! A cultura recua sem cessardiante da massa de pormenores a ingurgitar em todos os

campos. O humanismo tradicional reservado a uma elitedesaparece. Ignora-se completamente que a verdadeira cul

Page 125: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 125/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 125

tura é precisamente saber comportar-se como Homem.

Para isto deveriam convergir todos os ramos da educação,

quer se trate de conhecer as realizações do passado (humanismo dito literário) quer se trate do conhecimento cien

tífico do mundo e do homem. Prefere-se porém, ensinar a

gramática latina em tôdas as suas minudências, os me

canismos pormenorizados da climatologia e a última des

coberta sôbre as prothalias de Fougères. E êstes jovens

não saberão nunca o que é um cérebro sob o ponto devista do equilíbrio humano, pois é preciso preservar a san

ta liberdade da opção das diversas morais, mantendo a.todo custo uma estúpida separação entre a ciência e a vida.

A meninice antes dos 5 anos, é o período capital, tão

capital quanto as primeiras semanas do desenvolvimento

intra-uterino. Não se trata mais de ter um cérebro com

as células, mas sim que êste cérebro se acabe de formar

anatòmicamente, tomando suas interconexões e que o me

nino aprenda a utilizá-lo. Sendo um ser social que temnecessidade dos outros, o menino vai receber dos outrosmas especialmente do ambiente familiar, a imagem daqui

lo que deve ser do que deve fazer. Tudo isto êle deve po

der aceitar sem desequilíbrio.

Para confirmar a importância formadora dêste perío

do, no qual não vemos freqüentemente senão a maturação

biológica do cérebro, condicionando os progressos psicológicos, é preciso levar em conta a patologia. Não somente

recordemos os meninos dessocializados como os meninos-

-lôbos, mas também a descoberta das perturbações do hos- 

2ntalismo, demonstrando que a higiene necessária à saúde

psicossomática e até ao crescimento físico não é só e sim

plesmente material.

Esta higiene comporta a afeição maternal pois o menino materialmente bem cuidado, mas sem tal afeição, so

fre gravemente na sua saúde física como também não está

Page 126: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 126/207

126 O DOMÍNIO DE SI

em boas condições para seu equilíbrio psicológico. O grande mérito da psicanálise, infelizmente em um vocabulário

freqüentemente contestável (majoração da sexualidade emterminologia de genitalidade adulta, minimizando o afetivo e o social) fo i insistir sôbre a importância dos choques,

principalmente afetivos da infância. Ela nos mostrou co

mo as neuroses do adulto provêm precisamente dêsses er

ros pré-educativos de pais, que pensam poder ignorar tudo

da psicofisiologia da criança. Quando julgamos o caráter,

os defeitos e as qualidades de um menino de 5 anos, temos

a tendência de não ver senão a hereditariedade, esquecendo a imensa influência dos primeiros anos que orientaram

as tendências hereditárias. Fala-se de meninos perversos,

quando se deveria falar de meninos pervertidos, que eram

talvez, no máximo, os mais pervertíveis.

O bebê deve aprender tudo. Ao mesmo tempo que seamadurece seu cérebro, incapaz de funcionar a quando do

nascimento, vai êle, brincando no próprio berço, formandoas praxias e as gnosias, aprendendo a distinguir-se do mun

do exterior. Forma então em seu cérebro a imagem do pró

prio Eu e a utiliza para a personalização de sua conduta,

havendo assim o nascimento de uma vontade própria que

se opõe ao ambiente. Há aqui uma espécie de auto-educa- 

ção de base que irá dar ao pensamento e à consciência

elementares sua plena dimensão humana, quando, basean

do-se sôbre as aptidões inatas à vocalização, vai ser apren

dida a língua cultural. Com ela o menino poderá querer

melhor, chegando então a dizer: Eu quero!

Qualquer que seja porém, a importância do papel da

auto-educação e da influência do ambiente, esta aquisição

das bases da vontade fica sempre muito automática e

pouco refletida. Vai ser necessário, num segundo estádio,

sair desta vontade espontânea para chegar a uma vontade

verdadeira, que é refletida. Nisto a deficiência é total,

Page 127: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 127/207

À EDUCAÇAO DA VONTADE 127

pois que os educadores se limitam a orientar a vontade de

seus pupilos por meio de interditos ou de ordens, pouco

 justificados, sem procurar desenvolver a dita Vontade. Oadulto teria necessidade de uma vontade bem diferente

desta primeira vontade automática da infância. Infeliz

mente, nada é feito para dar-lha e isto é tanto mais grave

quanto é certo que as condições educativas são nisto muito deficientes. Uma educação da vontade, que é uma promoção à verdadeira liberdade, não se pode conceber que

seja fácil. Ê preciso ensinar o esforço do Domínio de simesmo, esforço difícil, mas recompensado pela alegria do

sucesso obtido por si mesmo. Aquilo que a criança realizava no seu berço, aquelas múltiplas e difíceis proezas sen-soriais e motoras, que felizmente ninguém lhe podia proi-

brir, o menino, o adolescente, o adulto deve continuá-las no

plano das condutas humanas.

Em razão de a psicanálise, muito justamente, preve

nir contra a aprendizagem demasiadamente autoritária,

que perturba a espontaneidade do menino e é fator de

complexos nevrosantes, muitos pedagogos caíram nô extre

mo oposto de achar perigo em qualquer grau de autorida

de. Segundo 'êles o menino perderia sua espontaneidade.

Êstes pedagogos não percebem que se o menino educado

autoritàriamente não chega a compreender e a conseguir

a verdadeira direção voluntária autônoma de sua conduta,outro tanto acontece com aquele que não foi educado e se

tornará prêsa fácil de necessidades e maus hábitos, que

lhe farão recusar tôda imposição social. Habituar o menino, proporcionalmente à sua idade, a querer e a saber que

rer é certamente uma emprêsa delicada, mas deve ser ameta dos pais e educadores, cuidadosos de evitar os erros

complementares despersonalizantes do excesso e de ausência da autoridade.

Para ser equilibrada, a relação entre o menino e o educador, como de resto, tôda relação social, deve tentar ser,

Page 128: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 128/207

128 O DOMÍNIO DE 81

uma relação não de sujeito a objeto, de tirano a escravo,(pouco importando qual dos dois seja o escravo) mas uma

relação interpessoal, isto é, personalizante. Ê mais verda

deiro ainda, não ser o menino um animal para domesticar,

mas um ser humano para transformar em uma pessoa autêntica capaz de vontade refletida. A relação deve poisbasear-se numa certa igualdade respeitosa, no reconheci

mento da complementariedade, que é, aqui, a diferença de

situação entre o adulto acabado e o menino em formação.

É também uma lei de higiene biológica psicossomática queo Homem, ser social, não encontra a própria saúde (nem

o menino as condições convenientes de desenvolvimento)senão em relações sociais “optima” , que assegurem sua

necessidade dos outros, mas que respeitem a necessidade

de expansão limitada de cada um.

Não é psicobiològicamente bom nem ser demasiada

mente constrangido nem demasiadamente relaxado. O equilíbrio está num “optimum” , numa dialética equilibrada de

dar e de receber, que não é possível conceber sem amor.

Mas amar verdadeiramente alguém é querer seu bem e

não desequilibrá-lo por um excesso de pseudo-amor ou por

ausência premeditada de amor.

Esta relação a outrem, da qual o menino tem vital

mente necessidade, não lhe fornece apenas autorizações ouconstrangimentos, ocasiões estas de formar-se para a li

berdade. Inicialmente, é ela e bem antes do acordar da

plena consciência, a apresentação de um modêlo para imi

tar. Tomando consciência de si mesmo, o menino se re

conhece como membro da família humana e deve aceitar

sua situação sociológica de masculinidade ou de feminili

dade, condicionada por sua anatomia. A imagem cerebralrefletida de seu corpo é socializada. Tudo quanto a psica

nálise freudiana nos descreveu dramàticamente, sob o têr-

mo de Complexo de Édipo ou de castração, utilizando os

Page 129: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 129/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 129

exageros dos desvios patológicos, corresponde à realidade

profunda das primeiras relações do menino para com sua

mãe, protótipo daquilo que êle é ou não é, e para comseu pai. O principal é social e afetivo, antes de ser se

xual, mas terá forçosamente, uma modalidade sexual, uma

repercussão sôbre a expansão futura da sexualidade.Para poder saber querer, mais tarde, é preciso inicialmente, ter podido situar-se bem e aceitar sua própria si

tuação no mundo, no seio da humanidade. Insistindo sô

bre a importância do social, fonte de neuroses de supe

rioridade ou de inferioridade, Adler e, mais tarde, K. Hor-ney trouxeram um complemento indispensável à obra deFreud. A compensação da inferioridade em superioridadeneurótica é a fonte de falsas pseudo-vontades autoritárias,

máscaras de abulias.

O animal que não vive senão na ação, não encara o

futuro, ajudando-se de um passado, evocado pela persona

lização das lembranças. Tudo quanto o marcou e condi

cionou, se manifesta em sua conduta sem que disto tomeêle consciência. A plena dimensão humana, ao contrário,

é realizada quando a conduta é julgada pela consciênciarefletida. Não se trata porém de um Eu ideal, mas da ma

neira equilibrada ou não, pela qual foi formado êste Eu na

meninice. Para saber querer é preciso um Eu normal, cuja

atividade não seja limitada por complexos e recalques, ca

paz, isto é, de verdadeiro Domínio de si mesmo. Êste Eu

normal se forma na luta entre o menino e o ambiente, especialmente a vontade dos pais. Seu equilíbrio exige pois

um “ optimum” entre uma firmeza excessiva, que impe

diria de aprender a querer pessoalmente e um liberalismo

exagerado, que nada impondo, impediria o esforço formador. O segrêdo do equilíbrio ulterior (residindo aqui a dificul

dade dêle) não está na educação escolar de um menino de

5 ou 6 anos, mas no ambiente e nas condições de vida de

um bebê, que toma a pouco e pouco consciência daquilo que

Page 130: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 130/207

130 O DOMÍNIO DE SI

êle é. Aqui qualquer êrro é fácil, mas especialmente grave,pois não se trata de responder a perguntas. O equilíbrio

e a vontade dos pais, o mútuo amor dêles são a garantiadesta pré-educação.

Erradamente se escarnece da terminologia freudiana,

bem canhestra quando fala de estádio oral ou anal, ge-

nitalizando-os. É perfeitamente exato que a primeira relação social da criança, os primeiros conflitos formadores

entre ela e o mundo adulto, a primeira escolha entre mo-

ralismo desequilibrante, amoralismo ou verdadeira morale higiene pessoal começa a propósito da satisfação das primeiras necessidades: de alimentos, de evacuação e limpe

za, de sono, de afeição e de relações sociais. E é desde ês-tes momentos que é necessário evitar os escolhos comple

mentares do autoritarismo e do liberalismo, cortando o

primeiro tôda espontaneidade e o segundo deixando de

senvolver-se uma espontaneidade descontrolada e por con

seguinte desumana, porque a-social. Como poderia o me

nino formar uma consciência normal se, no momento emque é maleável, uma cêra virgem, possuindo tôdas as pos

sibilidades, existir, ainda que inconscientemente, uma oposi

ção total entre a tendência à norma nêle inscrita e aquilo que

lhe mostra e impõe o ambiente?

Aquilo que se lhe propõe deve ser tentador para sua

afetividade, ainda que se trate de uma imposição momen-tâneamente desagradável. Diante da insuficiência da cons

ciência tudo é aprendizagem, no princípio, mas não uma

aprendizagem animal e sim uma aprendizagem formadora

de uma consciência, que acorda e que deve encarregar-se

da própria conduta, saber querer verdadeiramente e não

apenas aceitar condicionamentos.

Esta primeira educação suscitava poucos problemasantigamente, em mundo relativamente estável, para o qual

era preciso preparar o menino, que afinal, pouco teria que

Page 131: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 131/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 131

servir-se da própria liberdade. Agora, não é mais assim,

pois o indivíduo não tem mais constrangimentos sociais queo mantenham equilibrado.

O homem quer sentir-se libertado. Mas para ser livre é preciso ser forte. Mas como esta fôrça é deficiente,

vivemos sobretudo os inconvenientes de uma tal necessá

ria liberação, êste mundo incoerente, fator dos desequilíbrios da fadiga nervosa.

Como poderiam pais não-formados, não plenamenteadultos, “ surmenés” , ser bons educadores ou sequer bons

modelos? Vivemos com o preconceito que ser pai é coisa

espontânea, natural. No entanto, como em tudo que é

natural-humano, a paternidade exige uma difícil prepara

ção, que deveria ser considerada como um dever. Está

aqui a verdadeira procriação voluntária humana, fre

qüentemente apresentada hoje no simplismo de técnicas

contraceptivas, pretendendo suprir a ausência da vontade.Aprender a ser mãe e não fiar-se a um instinto deficiente e

mais ainda aprender a ser pai (para o que o instinto não é

apenas deficiente, mas ausente) são aprendizagens ambas

necessárias.

Mas é necessária esta Escola de Pais não apenas para

que saibam comportar-se corretamente com seus filhos, mas

em primeiro lugar, para serem êles mesmos adultos e equilibrados. Não é fácil ser educador senão tendo já compreen

dido e vivido o que é ser Homem e também o perigo das

deficiências. Se é difícil ensinar às crianças a saber que

rer, é porque o pedagogo não sabe exatamente o que seja

saber querer e sua necessidade. Damos aos meninos la

mentáveis exemplos, precisamente à meninice, pensando erradamente não serem êles notados.

Aquilo que todos começam a reconhecer no plano se

xual é também válido de um modo geral. Se o menino

pode ficar definitivamente nevrosado por espetáculos se

Page 132: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 132/207

132 O DOMÍNIO DE 81

xuais precoces (que êle não pôde compreender e dos quai9

viu apenas o aspecto agressivo), poderá também ficar igual

mente nevrosado por todos os desequilíbrios do mundo dosadultos e especialmente do ambiente familiar. Como poderá

o menino desejar ser um homem normal, se os espetáculosque lhe oferecemos são em grande parte contraproducentes?

Como poderá uma menina achar seu equilíbrio se sua

anatomia é apresentada como negativa, quando a supe

rioridade quase neurótica do homem ostenta a positivida-

de do próprio sexo e principalmente quando ela percebeos inconvenientes sociológicos de ser mulher? Como pode

tuna mãe, insatisfeita, ainda que legitimamente, de sua

condição feminina e do comportamento do marido, levaros filhos a ter uma personalidade sexual equilibrada? É

bem sabido como as neuroses de inversão sexual, esta impossibilidade de querer uma sexualidade normal, provém

de uma perturbação educativa, que não permitiu à criança aceitar ser do próprio sexo. Ê isto que obriga a neces

sidade sexual a satisfazer-se de um modo anormal, a menos que não fique totalmente inibida pelo recalque.

Nunca será demasiada a insistência que fizermos sôbre

esta humanização educativa da meninice, ensinando a crian

ça a ser um Homem normal, apto a saber querer ou afas

tando-a disto e falseando-lhe o caráter. Aqui também, ésôbre uma continuidade de faltas educativas, levando a

maus hábitos, que se estabelece a descontinuidade da plena

patologia neurótica.

Apesar disto, o que realmente importa, ainda desejan

do que tais estádios não falhem, é não deixar-se cair num

pessimismo completo, se assim acontecer. Excetuando o

caso da completa patologia neurótica, difícil de corrigir,fora os casos dos ambientes anormais desumanizantes, sim

bolizados pelo caso extremo dos meninos-lôbos, é sempre

Page 133: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 133/207

A. EDUCAÇAO DA VONTADE 133

possível uma posterior correção. O menino de 5 anos já

atingiu um certo acabamento elementar da própria perso

nalidade, mas esta fica ainda muito longe de se completar,bem que comportando já o essencial.

A p r e n d e r   a   s e r   p a r a   s a b e r   v i v e r : a   v e r d a d e i r a   e d u c a ç ã o .

É precisamente porque o início nem sempre foi satisfatório que a educação ulterior deve sê-lo. Ora, é freqüente que pouquíssimos sejam aquêles que se ocupem de apren

der a ser e a viver humanamente. Muitos se contentam comuma aprendizagem livresca ou técnica a fim de encherem

a cabeça inexistente, pois incapaz de assimilar o que se lhe

apresenta. A Moral aparece como um constrangimento social ou religioso, oposto às tendências habituais e hipocri

tamente imposta por adultos que mostram perfeitamente

ignorá-la. Tudo é feito para favorecer a passividade, chamada de sabedoria. Como, de resto, fazer de outra maneira,ainda sentindo a necessidade pedagógica, no monstruoso

contexto atual de aulas sobrecarregadas, onde a educação é

impossível?

Ê claro que múltiplos esforços já foram realizados em

favor de um educação ativa, dita nova, sob a iniciativa de

numerosos precursores competentes. Infelizmente tais tentativas ficaram isoladas, apesar de seus sucessos. Passa-se

quase sempre da escola maternal formadora e expansiva

ao incoerente intelectualimo obrigatório das classes primárias. Note-se principalmente que da psicanálise e da peda

gogia nova não se reteve senão o aspecto negativo, o perigo

da aprendizagem autoritária, impossibilitando-se assim a edu

cação. Foi esquecido o principal, o essencial, isto é, tôda

a pedagogia da formação da Liberdade e da Vontade noesforço pessoal, num quadro coletivo à base de colaboração

e não de concorrência egoísta.

Page 134: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 134/207

134 O DOMÍNIO DE SI

O resultado do impasse da educação atual, na qual

um menino ineducado é submetido, antes de tempo, àsdepravações de um mundo desorientado pelos espetáculosdas “ mariposas” , dos cinemas e da rádio e televisão, é a

generalização de uma perversão por ausência de educação,manifestada em todos os ambientes e em todos os países.

Estamos falando do fenômeno dos “ play-boys” , que pro

curam achar um sentido na vida, lutando contra o tédiopela agressividade e sexualidade.

Êles não são nem doentes nem culpados. São deseducados, perigosos porque não têm a hipocrisia dos adultos,

que não obedecem à Moral senão em certas circunstâncias.Não são os “ play-boys” que devem ser repreendidos por

deseducados ou por não terem encontrado o sentido da vi

da. Os adultos é que não souberam educá-los e não souberam dar-lhes o sentido da vida, dando-lhes o mau exemplo

de pregar o Bem sem cumpri-lo. Infelizmente os adultosnão são sequer capazes de contra-atacar, rejeitando a hi

pocrisia moralista e querendo o Bem.

Quando é que em lugar de denunciar os erros dos ou

tros, os homens ocidentais e orientais compreenderão me

lhor, de um lado, a desumanização complementar pela anar

quia líbero-tecnocrática e de outro lado, o totalitarismo de

um estatismo também êle tecnocrata? O exemplo da Suécia é, neste ponto, particularmente deplorável. Lá, num país

em que tudo é feito para lutar contra a miséria, não há

verdadeira promoção humana, pois nada é feito para suscitar

a iniciativa individual, fonte do progresso autêntico. O Es

tado lá faz tudo e os homens se entediam numa passividade

de espera, não podendo encontrar a verdadeira felicidade na

dissociação entre conforto e moral, higiente do corpo e daalma.

Entre as tentativas feitas atualmente para sair dos

erros pedagógicos, devemos assinalar uma, particularmen

Page 135: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 135/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 135

te interessante, pois que o bom senso intuitivo prático de

seus promotores se encontrou com a verdade neurofisioló-

gica. Nas escolas técnicas da Câmara de Comércio de Paris,chegam pré-adolescentes incapazes de fixar a própria aten

ção para aprender qualquer coisa que seja. Em lugar de

esforçar-se ineficazmente constrangendo-os a estudar, Mlle.Ramain introduziu uma pré-formação, visando dar ao aluno

aquilo que o ensino ordinário considera espontâneo. Exercícios muito simples ensinam a aprender a sentir, a contro

lar os próprios gestos, a fixar a atenção, a saber concen

trar-se. Resumindo: passando tôda a dinâmica automáticado cérebro ao controle da vontade, numa educação que não

é uma luta desesperada em um esforço ineficaz, que cha

mamos de Querer, mas a aquisição, relativamente fácil, de

um automatismo de controle refletido e de utilização cor

reta completa do cérebro.

Depois de tal preparação, o aluno que parecia pregui

çoso ou idiota, se torna subitamente apto a qualquer educação, intelectual ou técnica. A originalidade dest.a inicia

tiva é que ela não se restringe apenas a uma experiência

isolada e fugidia, mas levada pelo entusiasmo e dinamismo

de seus promotores quer alastrar-se cada vez mais em to

dos os ambientes.

É claro que todo e qualquer educador, ainda com es

pecialização no seu ensino, poderia usar êste espírito for

mador. Várias iniciativas interessantes já foram feitas

para orientar neste sentido o ensino doméstico, e educa

ção física etc. Mas para aí chegar deve o educador fazer

um esforço reflexivo pessoal. Deve perceber que para tornar-

-se um verdadeiro educador, deve também êle praticar esta

educação da atenção e do Domínio de si. Isto lhe permitirá,

apesar das circunstâncias, uma vida mais equilibrada e

mais feliz, protegendo-se assim contra um envelhecimentoprematuro.

Page 136: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 136/207

136 O DOMÍNIO DE SI

Aquilo que assim fôr obtido nesta formação humana

no plano escolar, repercutirá sôbre toda a vida do educado,

que se tomou, “ ipso facto” , mais consciente e responsável,mais apto para lutar contra a fadiga nervosa e as múltiplas tentações desumanizantes de um mundo desequilibra

do. Não é pois, precisamente pregando a Moral, propondo

uma continência negativa, que se conseguirá lutar contrao desencadeamento sexual alienador e fonte das piores ca

tástrofes sociais, mas ensinando êste Domínio de si mesmo,aplicado à sexualidade. Haverá então uma continência positiva, daquele, isto é, que se forma, pelo domínio cerebral, para

ser plenamente adulto e livre, para ser um Homem verdadeiro

e não a ridícula e miserável caricatura de um subanimal,oferecida pela humanidade atual.

Im p o r t â n c i a   h u m a n a   d a   a d o l e s c ê n c ia .

Aquêle que, depois de bons hábitos da meninice, aprendeu a pouco e pouco a voluntarizar, isto é, personalizar o

Domínio de si, compreendendo cada vez melhor o que seja

conduzir-se como Homem, está antecipadamente defendido

contra as dificuldades da adolescência. Diante do apare

cimento constrangedor das necessidades sexuais na puber

dade, saberá fazer o esforço necessário para não se deixar

arrastar por elas.

A adolescência não é senão um passo a mais no caminhoda maturidade. Não é a maturidade. É tão prejudicial

considerar o adolescente como um adulto, como persistir a constrangê-lo como um menino. Não temos geralmente, compreendido a significação psicológica dêste es

tádio da adolescência, própria só do Homem. O adolescente

não está apto a arcar com as responsabilidades do adulto.Deve ainda aprender e daí continuar em disponibilidade

para isto. Apesar de ter mais necessidade de autonomia

Page 137: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 137/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 137

e de responsabilidade, não deve deixar-se levar por seus

desejos de ser prematuramente tratado como adulto, quer

na profissão, quer em família. Não está ainda apto paraisto. Pelo contrário, isto o impediria de acabar de formar-se,tornar-se verdadeiramente adulto. Esta situação especial

do adolescente, perfeitamente percebida no plano da higiene do crescimento, deve ser também reconhecida no planopsicológico. A adolescência é um período de aprendizagem

da relação equilibrada para com outrem, social ou sexualmente falando. Ela comporta a maturação de uma afeti-

vidade adulta, isto é, sexualidade, que de início, egoística e

narcisicamente voltada para a satisfação pessoal, deve tor

nar-se altruísta e abrir-se para o intercâmbio do dar e

do receber.

São conhecidos os conselhos dados tradicionalmente

aos adolescentes, conselhos apoiados numa incompreensão

total da contribuição da psicanálise, que condenou o mo-ralismo puritano mas não o verdadeiro Domínio de si

mesmo. Bastaria para ser normal, que o adolescente exer

cesse sua sexualidade desde a puberdade, evitando porém

de fixá-las em um casamento precoce e êste sem procria

ção! É impossível dar conselhos mais desumanizantes,

pois é tratar o adolescente como um chimpanzé púbere e

adulto, negligenciando por completo, a significação for

madora da adolescência humana. Tal é, objetivamente, o

dinamismo da natureza humana que seria vão negar poder

o adolescente tornar-se verdadeiro adulto no plano afetivo

e sexual (o mais importante para sua vida individual e

social), um ser livre e capaz de vontade, senão lutando

contra as tentações naturais de desnaturação de suas ne

cessidades. E isto, não ensinando a ignorá-las, a recalcá-

-las, a desprezá-las, mas a dominá-las, pelo menos enquanto não puder dar-lhes uma satisfação normal e humana em

um matrimônio definitivo, que exige a maturidade adulta.

Page 138: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 138/207

138 o d o m í n i o   d e   s i

O maior obstáculo à vontade são os maus hábitos do

adolescente, que quer fazer de adulto, isto é, imitar os

erros de um adulto, que precisamente não é adulto.

 Também neste ponto é necessário substituir a inefi

caz moral negativa por uma desdobrada e higiênica educa

ção cerebral do Domínio de si mesmo, que permitirá ser

um Homem verdadeiro. Não adquirir maus hábitos alie-

nadores, mas sim bons hábitos formadores. Abandonar o

preconceito de que seria normal e natural deixar-se levar

pela natureza, mas sim lutar contra ela, obedecendo à

Moral, por razões sociais ou religiosas, para compreender

que estas razões sociais e religiosas nos ajudam a tornar-

-nos Homens verdadeiros. Se não agirmos assim, uma fa l

sa Moral desencarnada se satisfará com o desastroso ca

samento dos adolescentes, como solução para a ausência

de Domínio de si mesmos, que êles demonstram. Isto os

instalará num estado não-adulto, que levará o casamentoao fracasso. Ou então a mesma falsa Moral aceitará o

desencadeamento, a falta de vontade desde o momento do

casamento, pois então, acharão que não têm mais neces

sidade de fazer esforços. Chegar-se-á assim a tôda essa

monstruosidade conjugal de indivíduos deseducados, que

se crêem porém, normais, apesar de não serem senão la

mentáveis fracassos dos divórcios, dos adultérios, da prostituição, do abôrto e da contracepção. Tudo isto, trágicas so

luções para a ausência de vontade e cujas legalizações

permitirão ainda mais ausência de vontade e mais desuma-nização.

Os problemas do domínio sexual são muito importan

tes pois somente o verdadeiro Domínio de si mesmo con

cede ser adulto, isto é, estar no verdadeiro estado de adulto, que é o esforço permanente na recusa às tentações, apesar dos bons hábitos.

Page 139: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 139/207

A EDUCAÇAO DA VONTADE 139

Mas somente o Domínio geral de si mesmo é que podelevar ao domínio sexual. A relação homem-mulher não é

senão um caso particular de relação social humana e apersonalização desta relação é válida para todos os casos.

Não é adulto senão aquêle que sabe dominar-se e tratar os outros como pessoas responsáveis, guardar sua pró

pria dignidade, respeitando a dos outros. Na relação, bem

freqüente, entre dono e escravo, não é apenas o escravoque fica despersonalizado, mas também o dono. Não é

possível ao homem guardar o próprio equilíbrio fazendo-sede Deus, de falso Deus! O Deus verdadeiro é libertador epersonalizante e não um ídolo constrangedor e alienador.

O segrêdo do Domínio de si mesmo é guardar lucida

mente seu lugar no “ optimum” , é recusar tanto um ex

cesso de abaixamento quanto um excesso de elevação. Também aqui somente a verdadeira educação pode encaminhar

tudo para o melhor.

Page 140: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 140/207

Page 141: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 141/207

i!Natúl Çsteves da ç^ih  

Acad. Filosofia - U F G

Fone: 225 98 :o

6Civilização e Vontade

P r o g r e s s o   c u l t u r a l   e C é r e b r o .

Acabamos de insistir sôbre o dinamismo da personali

zação do homem ao longo do ciclo vital individual desde aconcepção até a morte. Ao homem não basta apenas ter

um cérebro (o que é uma aptidão hereditária espêcífica).

Não é êle adulto senão em um ambiente cultural humano,

que lhe permite utilizar as possibilidades do próprio cére

bro, tendo necessidade outrossim de uma boa educação, que

o faça aprender a saber querer a fim de chegar assim ao

domínio da própria conduta. Segundo as condições do am

biente poderá o Homem humanizar-se ou desumanizar-se,ainda que as aptidões hereditárias tenham sido idênticas

de início.

Aquilo que faz um ambiente humanizante é ser umambiente humano fornecendo as relações sociais, das quais

tem o indivíduo precisão e mergulhando-o numa ambiên-

cia cultural, fruto das descobertas das gerações desapa

recidas, uma espécie de nova herança, não inata, mas ad

quirida e transmitida por uma educação, na qual a linguagem tem papel preponderante. A riqueza de nosso pensa-

Page 142: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 142/207

142 O DOMÍNIO DE SI

mento depende antes de tudo da riqueza da língua, que

aprendemos e do nível cultural do nosso ambiente de nas

cimento e de educação.Esta socialização cultural que condiciona o desdobra

mento de todo o nosso ser vai dar à espécie humana um

dinamismo de uma ordem, que falta ao animal. É o progresso histórico. A situação do indivíduo é condicionada

pela sua situação histórica na humanidade. As abelhas,animais de natureza social como o homem, não mudaram

desde a origem da própria espécie: nenhum progresso nosseus costumes sociais, baseados sôbre o instinto e sôbre

uma parte mínima de aprendizagem. Ao contrário, gra

ças à sua inteligência, o homem é suscetível de invenções,de descobertas, podendo explicá-las a outrem e fazendo-as

passar assim para o acervo cultural coletivo, que elas contribuem a fazer progredir. É pelo cultural que nós nos

humanizamos. O mosaico de níveis de cultura nas diversas

civilizações à face da terra tem uma significação que nãoé apenas de azar, pois corresponde a um progresso histó

rico. Certas culturas estão avançadas, outras, atrasadas

ou até em regressão. Humanizando-se, como se humani

za, pela cultura, pode o Homem mais bem humanizar-se

hoje do que antigamente, se pertencer a uma cultura

avançada.

Para compreender a natureza da espécie humana énecessário insistir ao mesmo tempo sôbre seu aspecto so

cial e sôbre o fato do supercérebro. Difícil síntese que

falta aos partidários de um “biologismo” (isolando o ho

mem em sua solidão) e àqueles de um “sociologismo” (es

quecendo que a dimensão cultural própria do social hu

mano é uma conseqüência das aptidões cerebrais superio

res). O social, sem o nível humano do Cérebro, são costu

mes imutáveis das sociedades animais, que não mudam degeração à geração, ainda quando, nêles, se ajunta algo de

Page 143: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 143/207

CIVILIZAÇAO E VONTADE 143

aprendido àquilo que é inato, pois os animais não têm in

venção. O cérebro humano sem o social, seria inútil, pois

que é sôbre a relação humana, isto é, o Diálogo, que seconstrói a maneira humana de ser, de viver e de pensar.

Mas juntando-se o cérebro ao social, então temos o

progresso cultural, temos o sentido da história, que é a

utilização sempre cada vez melhor do cérebro para maior

consciência, para maior liberdade e por conseguinte, para

uma vontade cada vez mais lúcida e verdadeira. Êste Sen

tido da História está inscrito na natureza do homem, quenão pode realizar plenamente suas possibilidades, senão pou

co a pouco e melhorando sempre. Mas êste Sentido da Histó

ria, apesar de seu caráter normal, não é simplesmente o

automatismo da melhoria do cérebro na evolução biológica.

Assim como o indivíduo pode desumanizar-se, apesar

de sua natureza normal, da mesma forma a sociedade

pode evoluir num sentido desumanizante. Bem que sejauma tendência normal, o progresso pode permanecer ape

nas possível, pois depende da livre vontade humana: ir

no sentido da história aparece como um dever de melhor

equilíbrio. Daqui vêm as incoerências e recuos das civili

zações e que nos fazem esquecer a grande linha ascendente

esboçada pelos progressos do conhecimento. Ê êrro dizer

que qualquer estrutura social é boa para o homem, assimcomo também é errado fazer juízo de valor apenas desde

o insuficiente ângulo de visão da adaptação. Deve julgar-

-se uma estrutura social pelo seu caráter normativo, suas

possibilidades de maior humanização. É êrro recusar o

progresso e afirmar que tudo era melhor antigamente,

quando justamente o homem, ignorante e impotente, não

tinha plena possibilidade de realizar-se. Mas também é

êrro batizar como progresso qualquer modificação, assim

como pôr-se à procura de um homem inteiramente nôvo.

Page 144: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 144/207

144 O DOMÍNIO DE 8J

O autênticamente nôvo é o que melhor realiza as possibili

dades de origem; é o que é mais conforme à natureza e

não aquilo que a desnatura.

N e c e s s i d a d e   d a   h i g i e n e   s o c i a l .

O drama da nossa sociedade atual está em que todos

nós teríamos a possibilidade de ser bem mais humanos.Seria insensato ter saudade do passado, quando o Homem

estava desarmado por sua ignorância, assim como conde

nar o progresso científico e técnico, querendo voltar a umavida natural, de fato desnaturadora para o homem. Mas

os nostálgicos do passado têm razão de condenar as graves

desnaturaçÕes do homem no mundo moderno. Não há porque condenar os progressos técnicos, mas sim os exageros,

que tomam o Homem escravo da máquina, da técnica. Esta

é que deve pôr-se ao serviço do homem e não aceitar senãoo que fôr proveitoso a êste.

Devemos protestar contra todos os aspectos desuma

nos e desequilibrantes da vida moderna, precisamente por

que temos hoje a possibilidade de criar condições de vidabem mais humanas. Ora, por nossa culpada ignorância e

nossa irreflexão chegamos a desnaturar de tal modo o

ambiente que o tomamos bem mais impróprio à vida hu

mana do que o ambiente selvagem de antanho, de si tãopouco expansivo. A tribo primitiva com seus tabus erapouco favorável ao indivíduo.

Êste era tão pouco preservado quanto seu descendente,

perdido entre a multidão das cidades modernas, nas quais

apesar de tomado mais apto para maior liberdade, êle não

consegue exercê-la. A tribo primitiva é um estádio superado,

mas é necessário que encontremos condições atuais paraa expansão do indivíduo. Êste problema não existe na

sociedade animal simples, na qual os costumes sociais as

Page 145: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 145/207

CIVTLiIZAÇAO E VONTADE 145

seguram tudo o que é preciso para o equilíbrio individual.A vida socializada do homem moderno, especialmente nas

cidades, não será equilibrante senão quando, aceitando anecessidade cerebral humana de refletir, estabelecermos re

gras de higiene social (para defesa do equilíbrio e da saúde)

assim como uma bio-sociologia e uma neuro-sociologia, in

felizmente, desprezadas por sociólogos, perdidos nas descri

ções das estruturas sociais e esquecidos do sentido destas,que é justamente a melhor satisfação das verdadeiras ne

cessidades humanas. Esquecidos por conseguinte a humani

zação do Homem e da sociedade.

HÁ PROGRESSO PARA O HOMEM?

Ê difícil ser justo para com o homem primitivo. Freqüentemente temos a tendência de diminuir demasiado a

distância que o separa de nós. Isto equivale a negar oprogresso histórico. Êste fato se dá, particularmente, quan

do se naturaliza exageradamente, a concepção cristã da

queda de Adão no Pecado Original. Erradamente nós ima

ginamos (coisa que nem a mais estrita teologia jamais

exigiu) que Adão, sem o Pecado Original teria gozado daexpansão completa das possibilidades humanas, o que éum absurdo cientificamente falando. Estar no equilíbrio

pleno de sua natureza humana, graças a relações autênticascom Deus não implica absolutamente a negação do caráter

dinâmico dessa natureza, que inclui um progresso cultural

de realização de geração em geração. Qualquer que seja a

opção metafísica, o Homem não é um ser estático mas

dinâmico.

Longe de opor, como se faz às vêzes, uma perfeição

original (na qual a necessidade do progresso é imposto poruma queda, uma regressão) a uma imperfeição de origemexigindo o progresso, é mais certo professar a opinião mé

Page 146: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 146/207

146 O DOMÍNIO DE SI

dia, mais lógica, da necessidade do pregresso, mas de um

progresso cuja evidente necessidade racional é obscure

cida por falta de bom senso e de sabedoria. É isto justamente o que a teologia entende na expressão: “ Pecado Ori

ginal” , que, despojado de uma certa apresentação mítica,se torna uma forte probabilidade.

Esta fraqueza de origem nos homens os conduz a es

colher a descida fácil do “laisser-aller” desumanizante, de

preferência ao caminho difícil, mas humanizante. Mas fra

queza de origem em um ser responsável, pois é livre de

escolher entre uma subida e uma descida, apesar da própria falta de lucidez, que atenua mas não anula a responsabilidade. O Pecado Original, objetivamente, é a incapa

cidade e a recusa pelo homem de assumir sua própria na

tureza e de reconhecer que a única verdadeira vontade

humana é a vontade do Bem.

Relembrar porém, juntamente com a ciência, que a

humanidade, partindo de muito baixo, está subindo continuamente ainda que insuficientemente, não deve induzir ao

êrro de rebaixar o homem primitivo, fazendo dêle um

animal apenas aperfeiçoado. Nós ignoramos quando, na

evolução dos pré-humanos, deva ser situado o passo da

Reflexão. È porém certo que, por mais progressiva que

seja a série nos estádios sucessivos de cerebralização, não

deixou de haver para um certo grau de complexificação

quantitativa do cérebro, a superação de uma mudança qualitativa, revelando a natureza diferente, humana, espiri

tual, do nôvo ser, florão da evolução. Por mais primitivo

que tenha sido, o primeiro homem era Homem e não Ani

mal. Tinha seu cérebro humano organicamente acabado,

ainda que a insuficiência cultural não lhe permitia apro

veitar-se plenamente dêle. Ter um cérebro humano é ter

superado o passo da Reflexão, é ser apto à verdadeira L i

berdade e a verdadeira Vontade, é ser capaz de Amor e de

Religiosidade.

Page 147: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 147/207

CIVILIZAÇÃO E VONTADE 147

Ê tão grave êrro científico animalizar o primeiro ho

mem quanto atribuir-lhe a ciência infusa e tôdas as per-

feições.O progresso histórico, progresso individual e sobretudo

a generalização dêste progresso a sempre maior número

de indivíduos, pode parecer mínimo quando comparamosas elites da Grécia antiga às elites atuais ou então, quando,

inversamente pomos em paralelo os Assírios e a tortura

científica de nossa época.

Mas isto é um êrro. Se nós nos referirmos ao verdadeiro comêço da história, ao momento do passo da Reflexão, quando, isto é, o homem primitivo começou a revolucionar o mundo ao interrogar-se sôbre o próprio dever, se julgarmos o conjunto da humanidade antiga e da hodierna, veremos então um incontestável progresso. Aquilo que

inicialmente era o apanágio de apenas alguns, que podiam

refletir e pensar (graças à escravidão de outros) se toma,

apesar de terríveis insuficiências, a propriedade de todos.Foi sem dúvida, um extraordinário progresso quando S.Paulo, rejeitado pelos intelectuais de Atenas, se dirigiu com

sucesso aos doqueiros de Corinto, mais aptos, no fundo, a

uma sã Reflexão. Antes de libertar os escravos era necessário restituir-lhes a dignidade humana. Êste era o ver

dadeiro caminho para a libertação dêles, sem que por isto

queiramos minimizar a importância dos progressos econômicos.

A VERDADEIRA LIBERTAÇÃO! SOCIALIZAÇÃO E NOOSFERA.

O que o homem quer é ser livre, sempre mais livre.Mas êle não compreendeu ainda a verdadeira Liberdade

(esta escravidão voluntária ao Bem) que lhe é imposta pelaobediência ao equilíbrio individual e social do seu organismo. Os progressos científicos e técnicos podem ser fa-

Page 148: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 148/207

148 D DOMÍN IO DÊ Si

tôres de libertação, mas somente com referência a estaexpansão na natureza humana para o Bem. Senão, são

alienadores.

Sendo o homem um ser de natureza social, nascido por

mutação no seio de sociedades de primatas pré-humanos,teve inicialmente a própria liberdade circunscrita pelos usos

sociais da sociedade primitiva, cuja origem conhecemos

mal. Muito superiora, pois de uma natureza psicobiológicadiferente da do animal, a personalidade do Homem não

havia ainda plenamente emergido da consciência coletiva,que dificultava a plena realização de suas aptidões para aLiberdade. O progresso, baseado na ascensão cultural, (por

conseguinte, sôbre um “ processus” de aperfeiçoamento social) traduziu-se paradoxalmente pela emergência da pessoaindividual, que pareceu um recuo na socialização. Isto po

rém é apenas uma ilusão, pois que êste progresso pessoalnão tem realidade senão pelo progresso social.

Mas esta ilusão levou ao preconceito de opor indivi

dual a social. No orgulho de nossa libertação (nesta ado

lescência de uma humanidade que não tinha ainda atingi

do a maturidade, mas que, como todo adolescente, tem opoder de destruir-se e de destruir tudo) nós esquecemos

de sermos sêres, nos quais a socialização é constitutivo da

natureza. Não sentimos mais em nós a necessidade dos

outros, a necessidade de amar e de sermos amados; nósesquecemos que nosso psiquismo é baseado no emprêgo de

uma língua e assim cremos possível crescer no egoísmo,

que tomamos como uma afirmação de nossa pessoa, quando

é precisamente a negação dela.

Daqui tôda a ambiguidade de todo êsse admirável mo

vimento de libertação, que anima o homem (a mulher)

modernas. Êle é a legítima recusa aos constrangimentossociais ou morais impostos e também, ao mesmo tempo, a

afirmação do direito do ser à própria livre realização. Mas,

Page 149: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 149/207

CIVILIZAÇAO E VONTADE 149

em lugar de substituir as imposições pela reflexão lúcida

sôbre a necessidade do Bem, confunde-se a Liberdade coma possibilidade de fazer qualquer coisa, recusando assim a

distinção entre o Bem e o Mal. Querendo tomar-se desu

manamente livre, o Homem moderno toma-se ainda mais

escravo que o Homem de outrora. Escravo de suas neces

sidades orgânicas, que toma por infalíveis instintos. Es

cravo do conformismo ou do anti-conformismo. Escravo

de inconscientes engenheiros, físicos, biólogos ou psicó

logos que lhe dão condições inumanas de vida. Pobre cobaia nas mãos de técnicos, aprendizes de feiticeiros e su

cumbindo por falta de higiene mental aos inumeráveis de

sequilíbrios da fadiga nervosa!

Que contraste entre o mundo em que vivemos e a

visão profética objetiva do cientista, descrita por Teilhard

de Chardin, como a sociedade ideal, na qual, baseadas no

Amor, as relações sociais darão possibilidade de expansãoaos indivíduos. Êste aspecto feliz da socialização já foi

indicado igualmente pela “Mater et Magistra” .

 Terá sido o profeta da Noosfera, Chardin, um utopis-

ta, esquecido do Mal? De modo nenhum. Nunca disse êle

que a Noosfera seria de fácil conquista. Simplesmente

mostrou ser ela o destino normal e natural do Homem,

exigindo, isto é, um considerável esforço de lucidez refletida e de vontade. Sendo o destino normal de realização das

possibilidades da natureza humana, a Noosfera só nos pa

rece utópica por causa de nossa ignorância, que faz com

que escolhamos os caminhos perigosos da facilidade ou do

falso moralismo.

A Noosfera, sociedade de liberdade ou melhor de li

bertação, é a sociedade de personalização e de “amoriza-ção” , na qual convergirão tôdas as vontades boas, tôdas

alegremente preocupadas pelo esforço de sucesso do indi

Page 150: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 150/207

150 O DOMÍNIO DE 81

víduo, quando êste se põe ao serviço de todos, procurando

melhorar também a si mesmo.O verdadeiro progresso da civilização é o progresso no

Querer melhor. O drama no caso é que, tendo a possibili

dade de querer mais e melhor, queremos realmente pior

que nossos antepassados, porque nosso hiperindividualis-

mo fêz com que confundíssemos preconceitos sociais com o

Bem, com a autêntica Moral.

 Já é chegado o tempo de promovermos a salvação davontade. A Noosfera tem necessidade do progresso téc

nico, mas não dessa Tecnosfera, a mais horrenda de suascaricaturas. O mundo moderno pede o suplemento de al

ma, de liberdade, de lucidez e de responsabilidade que está

precisamente nos nossos recursos não-empregados e dilapidados. Mais do que um suplemento, uma utilização mais

completa e mais autêntica. Ora, nós vamos no sentido contrário pois que o que pedimos à ciência não é ensinar-nosa querer o Bem, mas dispensar-nos simplesmente de que

rer, graças a pílulas, que nos forçam a fazer o que é

preciso.

A índia possui em sua tradição espiritual tôda umasérie de possibilidades de se realizar pelo Domínio de si

mesmo. Estamos falando do treinamento de Yoga. Não

seria mais justo ensinar tais técnicas de Domínio de simesmo, não simplesmente para uma ascese superior de

recusa do mundo, mas para permitir a todos um lugar

nêle? Por que orientar os hindus para aquilo que o Ocidente tem de menos defensável? Num país em que os

monges praticam o domínio sexual, por que se terá orientado o govêrno hindu, a fim de resolver o difícil problema

demográfico, para a monstruosa solução da esterilização,segundo a facilidade ocidental, encorajada ainda por cimacom um prêmio em dinheiro? Sob aparências realis

tas e progressistas, trata-se porém da pior regressão e

desumanização.

Page 151: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 151/207

CIVILiIZAÇAO E VONTADE 151

A Moral também concorda com o conhecimento bioló

gico do Homem. O Bem, isto é, o progresso no Querer me

lhor, não é simplesmente a utilização correta hierarqui

zada e normal das possibilidades do cérebro humano comrelação ao cérebro animal, a fim de comportar-se comoadulto plenamente responsável. É querer-se no sentido da

história. Não ser escravo de inumana socialização, quetende a apagar o indivíduo diante da sociedade, mas trabalhar para que os homens possam ser cada vez melhores.

Vale dizer: que saibam refletir e escolher com tôda a

própria vontade um bem melhor, humanizar-se pessoalmente para serem humanizadores ; tomar em mão pessoalmente

o próprio destino. Isto quer dizer realizar a própria salvação juntamente com a de tôda a humanidade dentro de

uma verdadeira Moral, que é a dinâmica positiva de rea

lização do ser, fôrça esta subentendida na própria história,

quase esquecida, da palavra virtude.

É à luz dêste sentido da história que é preciso julgar,sem complacência e sem severidade, o drama do. mundoatual, que é o de humanidade adolescente, cabeluda, que

quer ser livre quando ainda não aprendeu o que seja sa

ber Querer. Isto porque uma irreal separação entre Natureza e Moral, daquilo que deveria ser a higiene suprema,

um Moralismo desequilibrante.

Page 152: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 152/207

Page 153: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 153/207

i!Motal Çsteves da (S t!oa Acad. Filosofia - UFG Fone: 225-9810

7 As técnicas do Querer 

C o n h e c e r o p r ó p r io   b e m : a M o r a l   d o   c é r e b r o .

Apesar de ser apto a querer e de não achar constitu-

tivamente seu equilíbrio senão querendo aquilo que con

vém a si e aos outros, de uma maneira “optima” , o Homem não sabe querer. Tem sido sempre assim, mas esta

carência da vontade do Bem nunca foi tão perigosa quanto hodiernamente, numa sociedade em plena transforma

ção, cada vez mais submetida às iniciativas do Homem.

Querendo libertar-se e tendo o poder para isto, o Homemnão pode verdadeiramente libertar-se porque ignora a sig

nificação da Liberdade humana.

Que é preciso para ser livre? Ter um cérebro que funcione bem, isto é, no qual a potência refletida de persona

lização da conduta não seja suprimida ou freada nem pordoenças, nem por faltas de higiene, nem por ignorância

e falta de conhecimento daquilo que é ser Homem e da

quilo que convém fazer e evitar para ser Homem o mais

plenamente possível.

 Tudo quanto dissemos precedentemente deve ser abase de um conhecimento de si mesmo, fonte de uma cul

tura biológica, que não deve ser apenas uma acumulação

Page 154: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 154/207

154 O DOMÍNIO DE SI

enciclopédia de conhecimentos, mas possibilidades de conduzir-se como Homem.

Para saber Querer, para ser Livre, é preciso saber o

que é a Liberdade humana; é necessário conhecer a LeiMoral e segui-la. Mas nós vimos que esta Lei Moral não

é boa senão na medida em que é compreendida. Daqui anecessidade de completar o ângulo de visão tradicional(muito freqüentemente confundido com um Moralismo dé

séquilibrante) com uma Moral do Cérebro. Esta nos dirá

as precisas e verdadeiras condições humanas encarnadasda Liberdade e da Vontade, apresentando-nos o Mal comouma incapacidade técnica do ignorante ou do culpado, nãosabendo servir-se do próprio cérebro e do Bem como um

poder de humanização, de expansão humana individual esocial. O Bem não é uma imposição negativa para evitaruma tendência incoercível ao Mal. Ê o difícil e alegre esforço de subir, apresentando assim o aspecto positivo e

proveitoso da realização de si mesmo.

O ponto de partida de tôda vontade libertadora de fazer o Bem é pois compreender a necessidade psicológica

do Bem, sua lógica e a irracionalidade estúpida de umMal desequilibrante. Êste, apesar de seu aspecto tentador,

não é senão estupidez, ignorância ou desejo masoquista esádico de destruição. Aquilo que diz o moralista tradicio

nal se confirma para todos os homens, qualquer que sejasua opção metafísica, pois não está no poder do Homem

de utilizar seu cérebro, fora da finalidade dêste, sob pena

de desequilíbrio.

Bastaria então porventura ensinar a Moral do cérebro

para que tudo vá bem e para que a lógica do Bem e da

verdadeira Virtude tome conta da humanidade? Infeliz

mente não. Nunca se chegará a falar demasiado da necessidade da educação, pois sofremos hoje mais por igno

rância que por vontade do Mal. Por uma ignorância que

Page 155: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 155/207

AS TÉCNICAS DO QUERER 155

seria culposa, se os entendidos, os educadores tivessem

querido ensinar uma ciência humana normativa, ao quefogem êles inexplicavelmente.

Mas esta educação racional não basta. Não basta di

zer: É preciso agir assim.

A maioria dos homens apesar de levados a reconhecer

o Bem, afirma-se incapaz de querer o Bem, por incapaci

dade total de Domínio de si mesmo. Não podem querer

porque não sabem querer. Ninguém os ensinou a querer.

E d u c a ç ã o   p s ic o f í s i c a   e V o n t a d e .

Nós vivemos com o preconceito de que Querer é uti

lizar uma fôrça misteriosa para dominar uma incoercível

tendência. Tratar-se-ia de enrijecer os músculos e ener

gias em um esforço inumano para agir ou impedir deagir. Ora, não nos sentimos capazes dêste esforço. Todos

recebemos uma educação física que, além de uma. higiene

elementar, visava desenvolver nossos músculos. Educação

do esforço físico para desenvolver a dinâmica da contração.

Êste espírito da educação física deveria ser atualizado

no sentido e com a única finalidade de desenvolver a Von

tade. Há dois erros para serem evitados.

Em primeiro lugar o educador físico não é um edu

cador do músculo mas sim do cérebro. A educação não é

física, visando simplesmente acrescer desmedida e inestè-

ticamente (em que pese aos juizes do Concurso de Apoio)

as massas musculares. Ê uma educação do cérebro, não

da cortiça motora ou da vontade, mas uma educação dos

centros reguladores da harmonia dos gestos sob o contro

le da vontade, uma educação psicofísica, que nos ensinaa agir correta e economicamente, aumentando a eficácia,

apesar de reduzir o esforço. Quando o educador físico

Page 156: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 156/207

156 O DOMÍNIO DE S I

compreender que o essencial (quer se trate de treino ou

de fadiga) está na regulação cerebral, êle perceberá então

porque é que tudo que favorece a harmonia motora é oque é favorável a tôda a harmonia psicossomática, isto é,

o equilíbrio do cérebro em tôdas as suas funções. A moral

esportiva é a moral do Homem. Basta ao esportista reco

nhecer a necessidade geral dela, fora de qualquer exercício muscular. O educador físico tomar-se-á o principal pro

fessor de educação e de cultura humanas, no dia em quecompreender o verdadeiro sentido dos exercícios que manda

fazer. Êste sentido não está em realizar “performances”

com um esforço desesperado e ineficaz da vontade, mas sim

em ter bons hábitos, que darão a vitória com facilidade. Nãoserá necessário querê-la a cada instante, mas sim tê-la

preparado pacientemente por um treino incessante, no qualconsiste precisamente a verdadeira vontade.

O segundo êrro prejudicial à transformação humanis

ta da educação física é que esta é demasiado orientada para a execução de movimentos, quando o mais importante

para realizar tais movimentos seria aprender a concen

trar-se, a frear-se, a prestar atenção e por conseguinte a

relaxar-se e a controlar a relaxação para assim agir mais

e melhor.

Como já dissemos, já temos que tomar consciência do

estado de tensão de nossos músculos, tão importante parao movimento. Deixando de lado o preconceito da vonta

de de agir, é preciso que nos concentremos no aspecto com

plementar do músculo, órgão sensorial, que nos informará

sôbre sua própria tensão.

É preciso saber sentir e saber relaxar-se para poder

querer. Não esforçar-se para concentrar instantaneamente

uma barreira voluntária, mas habituar-se e dominar voluntariamente tôda a dinâmica cerebral. Isto permitirá refletir

e conter-se em tôdas as circunstâncias.

Page 157: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 157/207

AS TÉCNICAS DO QUERER 157 

O mais importante pois, não é a ação, mas sua representação mental. Isto fará com que, sem negligenciar a

ação, possa alguém treinar em pensamento, comandandonão os músculos mas a imagem cerebral, sensitiva e mo

tora dêles. O domínio do corpo está no domínio do cérebro, no qual se reflete todo o nosso corpo.

O e x e m p l o   o r i e n t a l : o Y o g a   e   o Z e n .

Sem que seja preciso assimilar o espírito metafísico

e místico destas realizações orientais, teríamos muito paraaproveitar dêstes modos de dominar-nos psicofisicamente.

Não apenas para separá-los do contexto religioso hindu fazendo dêles uma simples cultura física higiênica, mas para

reinseri-los em uma perspectiva de humanismo leigo ou

cristão, como bem demonstrou o R. P. Déchanet.

 Tôda uma auréola esotérica de mistério plana sôbreo Yoga, favorecido por um certo esnobismo. É necessáriorejeitar todo esoterismo e esnobismo, eliminar tudo que

fôr inaceitável sob o ângulo de visão da ciência moderna.

Fiquemos apenas com o admirável conteúdo de formação

da vontade pela relaxação, pela calma, pelo repouso (de

que tanto precisa nossa época “ surmenée” ), a regulação

das posições e das atitudes em relação com um estado men

tal procurado, a regulação da respiração.

Mas é sôbre a maneira, pela qual muito justamente

o Budismo Zen concebe a Vontade, que quereríamos cha

mar a atenção. Ela concorda perfeitamente com tudo quan

to temos sugerido cientificamente. Será lido com proveitoa brochura de um ocidental, E. Herrigel, que se iniciouno Japão “no Zen, na arte cavalheiresca do arco e flexa” .

Por que arco e flexa? De fato, não é isto que importa.Poderia ser qualquer outra atividade, por exemplo, para

uma mulher, a arte japonêsa de fazer um buquê (Ikebana).

Page 158: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 158/207

158 O DOMÍNIO DE 81

O importante não é aprender a fazer alguma coisa, masaprender a dominar-se, a sair-se bem, sem visar isto di

retamente. São “performances” que necessitam de calmae de verdadeiro Domínio. Nada é mais interessante do quecompreender como, apesar de querer, não se pode querer

e como, não querendo diretamente, se aprende a conseguir,a realizar.

“ Não atirais com arco, diz o Mestre japonês, para for

tificar os músculos. Para retesar a corda não é necessárioempregar tôda a fôrça do corpo. Basta aprender a deixar

vossas duas mãos executar todo o trabalho, enquanto queos músculos dos braços e dos ombros quedam relaxados,

parecendo não tomar parte alguma na vossa ação. Só en

tão, quando fôrdes capazes disto, é que tereis preenchido

uma das condições, graças às quais vergareis o arco eatirareis, em espírito. Se não puderdes vergar o arco, é

porque não estais respirando segundo as regras. Depois

da inspiração, engoli suavemente o sôpro, durante um instante, conservai-o assim. Então a parede abdominal se

retesará moderadamente. Em seguida, expirai até ao fundo, mas, o mais lenta e regularmente possível. Depois de

uma breve pausa, inspirai vivamente para explicar suave

mente. Continuai assim, nesta alternância de inspiração

e expiração, cujo ritmo se estabelecerá suavemente por simesmo. Executando tudo isto devidamente, verificareis

que o tiro com arco se irá tomando cada dia mais fácil.Respirando de modo como foi dito, descobrireis além dis

to, o princípio de tôda fôrça espiritual e quanto mais vosdescontrairdes tanto mais percebereis que esta fonte res

sumbrará por todos os vossos membros” .

Num dia em que eu lhe fazia notar como me esforça

va conscienciosamente para ficar descontraído, o Mestre me

respondeu: “É justamente porque vós vos esforçais, porque ficais pensando nisto. Concentrai-vos exclusivamente

sôbre a respiração como se nada mais houvésseis de fazer.

Page 159: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 159/207

AS TÉCNICAS DO QUERER 159

O grande obstáculo é vossa vontade demasiado têsa paradeterminado fim . . . Libertai-vos de vós mesmos; deixai

para trás de vós tudo quanto sois” .Ê assim, por uma certa despossessão, um certo desa-

pêgo, que não exige um resultado imediato, mediante umesforço crispado, que se chega ao sucesso.

N e c e s s i d a d e   d a   r e l a x a ç ã o : m é t o d o s   d e l a .

Há tôda uma série de técnicas para aprender a Querer.

Longe de visar diretamente a Vontade, elas tendem mais

para o equilíbrio geral. Aparentemente bem diferentes umasdas outras, acabam tendo tôdas modos de ação bem vizinhos.

Não aprendemos a agir plena e conscientemente que

dando-nos nos automatismos da infância. Temos no nosso cé

rebro, graças à existência dos centros reguladores da base,

todo um automatismo harmonizador, que permite a Atençãoe a Distração. É preciso que aprendamos a dominá-lo.

Isto é tanto mais difícil e necessário quanto é certò que àausência de educação se ajunta o desequilíbrio e a super-

excitação do aparelho regulador, provocado pelo enervamen-

to da “surmenage” nervosa.

Esta se traduz por essa crispação física e mental que

paralisa todos os nossos esforços de vontade e de lucidez.Ê preciso prender a distender, a relaxar nosso aparelho

nervoso regulador. Entre os métodos de distensão, de relaxação é bom que insistamos mais especialmente sôbre os

métodos de relaxação muscular, de uma parte e sôbre o

método Vittoz de reeducação do controle cerebral, de outra.Dois métodos muito diferentes nos próprios princípios mas

chegando a resultados semelhantes.

É o desequilíbrio dos centros reguladores que é res

ponsável pela crispação dos músculos. É necessário pois

Page 160: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 160/207

160 O DOMÍNIO DE 81

exercitar-se na distensão e na descrispação. Isto trará du

pla vantagem: os músculos distendidos não enviarão mais

mensagens sensitivas reflexas, que aumentam o enerva-mento e doutra parte são os próprios centros reguladores

os responsáveis da distensão muscular e da distensão cerebral. Procurar distender os músculos é procurar a própria

distensão geral. Seria fácil provocar uma distensão passiva

artificial pela anestesia ou pela hipnose.

Bem mais úteis porém, são os métodos ativos, pelos

quais, sob a orientação de um monitor, o paciente apren

de a distender-se mediante certos exercícios. Êle é educado assim a utilizar os podêres do próprio cérebro: apren

de a Querer, aprendendo a distender-se, a acalmar-se. Os

métodos práticos de distensão, de relaxação são numerosose por isso não podemos descer a pormenorizá-los. Com

 Jacobson, o acento é antes neurofisiológico de distensãomuscular; com Schultz e seu “ training autógeno” , é o

nível psicológico que é atingido, chegando-se até a um verdadeiro estado de auto-hipnose, que, como no Yoga, não

tem o aspecto negativo de sonolência, mas importa numa

hiperatividade concentrada de tipo extático.

Ãs técnicas de relaxação propriamente ditas, é preci

so juntar os métodos mais ativos de exercícios musculares

da ordem da dança rítmica, mas num espírito completa

mente diferente.

C o n t r o l e   c e r e b r a l   p e l o   m é t o d o V i t t o z .

A base da relaxação está na tomada de consciência do es

tado de tensão dos músculos guiando-se, por exemplo, pelasensação de pêso. Na psicoterapia do método Vittoz cuja

origem é mais empírica, mas que visa uma reeducação mais

completa do controle cerebral, o ponto de partida é a tomada de consciência de tôdas as sensações às quais não

Page 161: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 161/207

a s   t é c n i c a s   d o   q u e r e r 161

prestamos atenção. Trata-se de perceber as impressões sen-

soriais elementares “ como um menino ao despertar” , im

pressões vindas tanto do próprio corpo quanto aquelas provindas da sensibilidade muscular e também do ambiente

exterior. Esta reeducação da atenção sensorial se completa

pela utilização da tomada de consciência e da colocação em

controle voluntário, durante o curso, de automatismos, co

mo o caminhar e a respiração. Aprende-se o contrôle daemissividade, isto é, a dirigir pela imaginação, a própria

energia psíquica para determinado ponto do corpo, concen

trando nêle a atenção e evitando a dispersão.

Outro aspecto do método Vittoz diz respeito ao contrô

le das imagens mentais: representando o paciente figu

ras geométricas simples e exercitar-se a eliminar uma des

tas imagens mentais dentre 3 ou 5. A um paciente que é

vítima de distrações ensina-se assim a controlar seu cé

rebro, fixando sua atenção e ensinando-o a distender-se.

Nada mais útil do que meditar as “Notas e Pensamen

tos” do Dr. Vittoz. Mostram perfeitamente bem o fim pro

posto pelo método, que é o meio de reaprender à Querer

sem atacar diretamente a Vontade, mas sim a causa da

falta de Vontade, isto é, a impotência de dirigir o próprio

cérebro.

“ Os atos conscientes, diz o Dr. Vittoz, devem chegar

a fazer parte de nós mesmos, devem chegar a ser naturais.Fazei durante meses inteiros atos conscientes e chegareis

à liberdade da vontade, isto é, a ser independente de qual

quer situação” .

C o n s e l h o s   p a r a o h o m e m   n o r m a l .

Pelas técnicas da relaxação, a medicina ocidental tor

na a descobrir, no plano da psicoterapia psiquiátrica e de

pois, na higiente do trabalho, aquilo que havia de certo

Page 162: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 162/207

162 O DOMÍNIO DE SI 

nas técnicas orientais. Uma síntese de tôdas estas técni

cas fará desaparecer todo e qualquer esoterismo inútil.

O que prejudicou cientificamente a psicoterapia vit-

toziana, consistiu em que o controle do desequilíbrio e do

reequilíbrio cerebral se faz apreciando sôbre a fronte, o

estado das “vibrações cerebrais” do paciente. A neurofisio-

logia atual, que, evidentemente está ainda longe da per

feição, ignora que coisa possam ser tais “vibrações cere

brais” ! Praticamente porém, pouco importa. Basta ser

certo que os exercícios propostos são excelente meio dereequilíbrio e de educação do Domínio de si mesmo, cien

tificamente justificado. Seria êrro negligenciar a aplica

ção dêles unicamente pela dificuldade que há na interpre

tação das vibrações vittozianas.

De fato, existindo diversos tipos de técnica de disten

são, que permitem a retomada do Domínio de si mesmo,

será bom distinguir entre a terapêutica das neuroses exigindo uma técnica segura, medicalmente controlada, tan

to mais quanto mais esta terapêutica entrar na persona

lidade do paciente e o problema, completamente diferen

te, da educação do Domínio de si mesmo nas pessoas nor

mais ou o do reequilíbrio dos fatigados.

Aqui há 2 escolhos para se evitar. O primeiro é a so

lução fácil, sem valor, cuja eficácia é meramente de sugestão, que depende de charlatães, que visam sobretudo lucro

financeiro. Mas não convém, para evitar isto, cair em

outro êrro, qual seria o de pensar que tais exercícios vitto-

zianos só podem ser ensinados por médicos. Para os não-

-doentes (depois de verificar sua saúde) é possível usar

elementos dos métodos precedentes e dar a cada paciente es

tas possibilidades de distensão e de super-repouso, tão necessário na vida moderna. Isto, é claro, não quer dizer que

nos esqueçamos de tentar remediar a própria vida moderna.

Page 163: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 163/207

AS TfiCNICAS DO QUERER 163

Como já tivemos ocasião de ver, o ser humano, ao con

trário do animal, deve aprender tudo. Êle vive porém, emgeral, sob preconceitos desumanizantes. Deve, particular

mente aprender a repousar, tanto mais quanto a própriavida fôr mais fatigante.

Antigamente o excesso de fadiga física levava ao sono

reparador. Hoje, a fadiga nervosa é fonte de insônia. Ab

solutamente não repousam as pessoas sobrecarregadas sim

plesmente mudando de ocupação para diversões trepidantes,enervantes, anti-higiênicas, em meio a rumores desequili-

brantes. Seria melhor dedicar menos tempo para repousar,

mas repousar mais profundamente. É o que oferecem to

dos os métodos dos quais falamos e que deveríamos co

nhecer, a fim de evitar que também nós um dia, nos sinta

mos “ surmenés” .

Para vencermos quaisquer preocupações, venham donde vierem, deveremos sempre recorrer a êstes métodos de

tomada de consciência e de distensão.

Quando se tratar de triunfar sôbre as dores do parto

(um preconceito social) os exercícios propostos à grávida

para que dirija ela mesma voluntáriamente o próprio par

to, são exercícios de Domínio respiratório e de distensão.

Nada se perderia em saber que tais exercícios levam a um

Domínio geral, que não diz respeito, por conseguinte, so

mente ao parto, mas também servem para a luta contra a

fadiga nervosa. Estas técnicas pois, não deveriam ser en

sinadas apenas às grávidas mas deveriam tornar-se base

de tôda educação física, visando assim dar a todos, não a

fôrça física, mas a possibilidade de manter a calma e o

Domínio de si mesmo, isto é, o segrêdo da vontade lúcida.

Quando Scandel se levanta contra o abuso dos hipnó-

ticos e preconiza para as pessoas normais a volta ao sono

natural, no seu livro “ vitória sôbre a Insônia” , são exerci-

Page 164: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 164/207

164 O DOMÍNIO DE SI 

cios da mesma ordem de recondicionamento da calma, ge

radora do sono, que êle propõe.Para favorecer o domínio tão difícil da sexualidade,

não é necessário fazer sermões, mas sim dar um controle

cerebral. Foi o mérito do P. Chanson ter percebido isto.

No seu livrinho “Para a saúde do corpo e do espírito” êle

vulgariza um conjunto de exercícios de educação psicofí-

sica com domínio das atitudes, da respiração, do andar.

Ensina a descondicionar-se dos maus hábitos e a recondicionar-se nos bons, associando uma situação corporal a

uma situação moral. Com tais exercícios êle facilita aos

adolescentes a luta contra a tentação de masturbação que

ameaça mantê-los numa insuficiência de vontade e numa

imaturidade afetiva, que os impedirá de tornarem-se adul

tos. Êste mesmo Domínio de si mesmo parece ao dito P.

Chanson, justamente a chave da harmonia conjugal, tor

nando inútil o emprêgo dos contraceptivos para limitar a

fecundidade. Êstes contraceptivos são maus remédios con

tra a ausência de Domínio de si mesmo. Êstes não se tor

narão inúteis por simples apelos “ espirituais” para o Do

mínio de si mesmos, mas sim pela educação do controle

cerebral.

Encontram-se os mesmos exercícios descritos pela pe

na de M. Kohler, que descrevendo a angústia dos homens

de hoje, quer remediar a ela pelas “ Técnicas da Serenidade”.

Êstes são alguns exemplos para se meditar, entre mui

tos outros, que mostram como uma educação do cérebro

deve ser posta a serviço de uma moralização humanizado-

ra. Portanto, como vimos no caso do tiro com arco e flexa

trata-se de dar um espírito a tôdas as nossas ações. Nãoé apenas a educação física que deve ser transformada em

serviço de verdadeira formação do homem. Esta transfor

mação deve dar-se em todo o tipo de educação, como, de

Page 165: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 165/207

AS TÉCNICAS DO QUERER 165

resto, já vimos, quando evocamos a educação nova e espe

cialmente o método Ramain.

Ê preciso favorecer tudo quanto forme a atenção, tudo

quanto evite a passividade. Qualquer ato, que nós executa

mos maquinalmente, pode ser ocasião de um exercício de

Domínio de si mesmo (o caminhar, por exemplo), sentin

do-o e controlando a execução dêle. Se o educador físico,

obnubilado pela sua atenção ao músculo, não cumpre ple

namente seu ofício, há um outro especialista, que pelo

contrário, faz boa utilização de seu cérebro: é o cantor. Or-

dinàriamente nossa voz é mal regulada, pois falamos ma

quinalmente, sem nos preocuparmos com as sensações que

nos vêm do ouvido ou dos músculos fonadores ou de todos

os receptores do tórax, do pescoço, sensíveis às vibrações

vocais. O cantor, de seu lado, ainda sem fazer a análise

consciente delas, sabe muito bem utilizá-las para regular

sua modulação sonora. O canto é afinal, uma fonação bemmais consciente e bem mais voluntária. Bastaria saber

disto para deduzir uma possibilidade de formação. O mes

mo pode dizer-se da dança, considerada como expressão

corporal, como uma tomada de consciência num trabalho

corporal, que permite retificar os maus hábitos e favorecer

a distensão.

A escrita, na qual (como já demonstrou a grafologia)se exprime a personalidade, pode servir a uma reeducação

(grafoterapia : Olivaux). É certo que uma tal grafotera-

pia, útil aos neuróticos, poderá constituir um exercício de

reequilíbrio e de Domínio de si mesmo para as pessoas

normais.

O mesmo se dá com tôda espécie de trabalho, com tôda

espécie de jôgo. Os exercícios tão proveitosos de ergotera- pia para os doentes mentais (Sivadon), poderão ser utili

zados pelos sãos.

Page 166: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 166/207

166 O DOMÍNIO DE 81

O caráter se exprime pelos traços do rosto. A proso- 

pologia (Ermiane) propõe-se justamente elucidá-lo. Mas aqui

também, a procura voluntária de imitação de um tipo derosto pode conduzir a uma transformação da personalidade

no sentido da imitação.

PSICOPEDAGOGIA DA VONTADE.

Não é conveniente minimizar os podêres da sugestão,

que não é ilusão mas sim condicionamento cerebral. Ê oque faz a patologia neurótica, por exemplo na histeria. Re

vela os podêres que possui o cérebro e que a pessoa

normal pode aprender a utilizar melhor. Não se trata de es

tender exageradamente o poder da vontade até proezasespetaculares (por exemplo, no campo visceral). Mas de

dar sempre a preponderância ao cérebro superior sôbre os

automatismos do cérebro inferior a fim de humanizar plenamente tôdas as nossas condutas. Esta referência aos valores superiores permite, até na índia, distinguir o faquir de

feira de atividade comercial do autêntico asceta, que não

visa o domínio corporal senão para obter o domínio espiritual.

Em psicologia animal, a inteligência se manifesta nas

condutas de desvio, isto é, a possibilidade de dominar o

impulso de lançar-se diretamente para a frente. Isto mostra a compreensão do problema. Está aqui também o se-

grêdo da vontade humana, que consiste em retardar o atoa fim de melhor refletir sôbre a necessidade dêle, sôbre

as condições de sua execução. Isto exige calma.

Eis como, muito simplesmente, J. de Courberive, nos

propõe um lembrete pedagógico da vontade: 1) “Emprega

certo tempo para premeditar tua ação: A ) delimita exatamente o que queres fazer; B) e qual a razão para fazê-lo.

2) Traça um plano de ação tão racional quanto possível.

Page 167: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 167/207

AS TÉCNICAS DO QUERER 167 

Racional aqui quer dizer: realista, isto é, que leva em conta

todos os dados, incluindo o inevitável, aceitando-o e daí,

tornando-o de um certo modo voluntário. 3) Coroa êsteplano com uma decisão irrevogável (senão não seria umadecisão). Daí em diante sabe dizer NÃo a tudo quanto não

entrar neste teu plano. 4) Pré-imagina teu ato. Faze o

ensaio geral dêle na tua tela cérebro-mental. 5) Reitera-

-te enèrgicamente a injunção: Vamos! 6) Executa o deci

dido sem mais delongas. Faze-o bem e de tal maneira que

não seja preciso repeti-lo. Em cada uma de tuas realizações procura sempre o definitivo. Cumpre alegremente to

dos os itens de teu programa..

A eficácia dos pequenos meios é simplesmente inacre

ditável. A utilização dos atos quotidianos forja a têmpera

das vontades. Não espereis pelos grandes momentos para

só então fazerdes atos heróicos. Quem se mostra medroso

na vida escondida não possui a estôfa dos heróis. A maissimples existência quotidiana nos oferece mil e uma oca

siões para afirmar-nos, para desenvolver-nos: escrever li

vremente, formar frases bem construídas e bem concluídas,

observar a propriedade dos têrmos, falar tão distintamente

que o interlocutor nos entenda logo da primeira vez. In-

fantilidades? Nada disto: Controle de si mesmo.

“ Haverá coisa mais deliciosa, escreve C. Prudence, doque o Domínio de si mesmo, do que a paz interior. . . A

paz interior autêntica não é um estado negativo, mas po

sitivo. A pureza sem perturbação nenhuma, não é uma

fôrça; a calma, sem domínio da agitação, não é uma se

gurança; a tranqüilidade sem combate não é senão pre

guiça ou abdicação. . . Quando o homem se conhece bem

em sua constituição e suas características, pode estabelecer

em si mesmo uma paz inalterável, porque baseada no co

nhecimento de si mesmo e na certeza do real. .. A paz é

irreconciliável com a agitação dos pensamentos, o tumulto

Page 168: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 168/207

168 O DOMÍNIO DE SI 

dos sentimentos e os caprichos da vontade. Ela reclama

o controle dos pensamentos, o domínio dos sentimentos e

a livre escolha do querer. . . Não haverá paz para o homem desorientado, fora de si mesmo, fugindo a si mesmo

para procurar exteriormente os motivos de seu comportamento e os meios de seu consentimento.

Não há pois receita mágica para a vontade, receita que

dispensaria os esforços. Os fracassos não devem desani

mar-nos a menos que durmamos nêles. O hábito do Do

mínio de si mesmo cura da fobia do escrupuloso que nãoousa querer.

A vontade é facilitada para quem sabe fazer a própria

unidade e a própria síntese. Importa muito, saber anali-

sar-se. Se a psicanálise insiste tanto sôbre o aspecto ana

lítico é para fazer tomar consciência dos elementos neuró

ticos perturbadores. Mas não convém que nos percamos na

análise. O essencial é aptidão para a psicossíntese, para aqual se voltam diversas tentativas psicoterápicas.

“ Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a ter

ra” , diz-nos o Sermão da Montanha. “Em que consiste esta

mansidão? pergunta o R. P. Carré. Já tive ocasião de dizer

que ela deve ser reabilitada. Com efeito, a significação pro

funda dela foi desvalorizada. Parece ser apenas uma passividade benevolente: nenhuma aspereza no caráter, nada

de reações vivas, nada de agressividade; antes uma bonomianatural ou afetada, que suporta tudo. Tal é a idéia que ge

ralmente se faz da mansidão. . . Falemos da atitude con

trária à mansidão. . . Ã mansidão não se opõe, como po

deríeis crer, a violência, qualquer que seja, mas sim a du

reza. Ao lado da dureza aparece uma outra atitude, vizinhadela: o endurecimento” . A estas duas atitudes se opõe a ma

leabilidade.

“ Evidentemente, considerando apenas as aparências, não

há ninguém mais despojado, menos em posse de si mesmo,

Page 169: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 169/207

AS TÉCNICAS DO QUERER 169

do que o homem, que não resiste a Deus e fica maleável

nas mãos dêle. Mas olhai um pouco mais de perto! De que

está êle despojado? De tudo quanto nós chamamos sua

dureza: de tôdas as recusas que êle fazia a Deus e a seus

irmãos; despojado de sua dureza, de suas pretensões, de

suas amarguras... Êste homem, até então fechado em

si mesmo, deve antes ser considerado como libertado, como

arrancado de uma estreita prisão” .

O espírito de mansidão é inicialmente o Domínio de si

mesmo, “ aplicando-vos corajosamente a controlar vossas

reações; a manter o equilíbrio de vossos juízos e de vossos

atos, atingireis a fonte de muita paz e felicidade” .

Dêste modo, como acabamos de ver, o segrêdo da von

tade do Bem está na recusa da desnaturação orgulhosa. Se

a preocupação do futuro é própria do Homem, se há uma

inquietude, boa e legítima, que seria inadmissível querersuprimir por tranquilizantes químicos, não deixa de haver

porém uma inquietude excessiva, à beira do patológico, na

pessoa que está sempre preocupada, ansiosa e tensa, supe

rando assim a própria resistência. Ê bem conhecido o poema

de Péguy, onde Deus mostra Sua satisfação pelo abandono,

pela confiança que tem o menino no próprio pai.

Não se trata, é claro, de elogiar o infantilismo, mas asábia distensão confiante do verdadeiro adulto, que sabe

deixar para o dia seguinte aquilo que não tem necessidade

de ser resolvido imediatamente e vai repousar, esquecendo

tudo, tudo durante um sono reparador.

Finalmente é na confiança que está o segrêdo da von

tade. Basta compreender e saber. Como em tôda huma

na emprêsa pessoal e importante, é necessário crer nelacom tôdas as fôrças, e todo o coração. Só então é que é

preciso aprender. Mas êste aprender fica sempre indis

pensável.

Page 170: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 170/207

Page 171: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 171/207

i!Klatal fêsteves da ç^ilva Acad. Filosofia - U F G

Fone: 225 9310

8 Amor e Vontade: paixãopelo "optimum"

E s p o n t a n e i d a d e   e   c é r e b r o : q u e r e r   a m a r .

Usualmente o Amor vai de “pari passu” com a espontaneidade, a liberdade e a fantasia. Isto parece opor-se à

dura imposição que a idéia de Dever e de Vontade, sempre

evoca. Estará aqui, talvez, até, o segrêdo do drama da

nossa época.

É necessário que aprendamos que coisa seja o amor

humano, a liberdade humana, a espontaneidade humana.

Desejosos de libertação, não mais querendo obedecera regras constrangedoras (no que, por sinal, nos mostramos adultos) nós, em geral, confundimos a Liberdade com

o poder de fazer o que nos der na fantasia. Antigamente

as imposições sociais mantinham um certo equilíbrio, que

não era plenamente humano.

Rejeitando porém, o Moralismo e a Moral juntamenteiremos dar nas piores aberrações. Basta abrir os olhos

(coisa que justamente não fazemos ou então invocamos

simplesmente a fatalidade!) para ver aonde nos conduz afantasia daquilo que chamamos “ a espontaneidade do amor” .

Page 172: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 172/207

172 o d o m í n i o   d e   s i

Bela e humana essa pretensa liberdade, que é de fato, a

escravidão de uma carne decaída, pois está desviada de suasignificação! A libertação das necessidades e dos com

plexos, das ignorâncias e imaturidades faz da Humanidade

algo parecido com uma floresta virgem. Nesta tudo está

submetido à harmonia dos instintos animais.

Nada mais significativo do que as reações, diante doverdadeiro Domínio de si mesmo, na sexualidade. Diz o

casal moderno que quer ser livre para ter relações carnaisà vontade, quando lhe aprouver. Daqui a recusa de observar uma continência periódica, ligada ao ciclo feminino: o

marido não aceita tornar-se escravo dos hormônios femi

ninos! É bem verdade porém, que, por uma ilógica incoe

rência, os adversários da continência periódica (tomando

a execução por regra e considerando a mulher como escra

va dos próprios hormônios) não hesitam em afirmar, con

traditoriamente, ser necessário para a mulher ter relaçõessexuais no momento da ovulação. Todos nós sabemos aondeleva esta tal espontaneidade, que não é senão o erotismo

hormonal de um ser humano, cujo cérebro não é senão uma

máquina para gozar. E afinal, até certo ponto, pois o gôzo

se perde em um automatismo inconsciente! Eis os frutos

desta espontaneidade irrefletida: a mulher sacrificada aodesejo do homem, com a conseqüente desmoralização da

 juventude, a prostituição, o abôrto, o divórcio etc. É ver

dade que os partidários da “maternidade voluntária” noscomunicam o segrêdo da vontade e da civilização: os meios

contraceptivos, meios de defesa que permitem à própriamulher pôr-se, sem perigo, à disposição do agressor mas

culino, entregando-se à própria orgasmomania. Êstes tais

partidários desta “maternidade voluntária” se esquecem de

acrescentar que, diante dos fracassos inevitáveis dos contraceptivos, outra boa receita seria generalizar o abôrtoterapêutico ou também, eventualmente, a irreparável e de-

sequilibrante mutilação, que é a esterilização cirúrgica.

Page 173: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 173/207

AMOR E VONTADE: PAIXAO PELO “OPTIMUM” 173

Pensar que, na situação atual de ignorância e de ima

turidade sexual, êstes meios contraceptivos não façam cres

cer a desmoralização, é uma perigosa utopia.

Só há uma procriação voluntária. Aquela que se baseia sôbre a educação da sexualidade humana, pela qual,

graças ao domínio cerebral da sexualidade dos esposos

(na alegria de uma união espiritual na carne) decidemêstes, livremente, sôbre o nascimento de filhos. E conse

guem isto, devido ao domínio que o marido tem sôbre a

ejaculação e do conhecimento de ambos sôbre a fertilidadefeminina.

Objetam a isto dizendo “ ser a cerebralização excessi

va, pelos cálculos de períodos e de temperaturas, contrária ao impulso afetivo e sexual dos esposos” . Acrescentam

até que tudo isto “ é pouco poético” . Certamente (pensamos tais) ser a cozinha contraceptiva mais poética! Mas

infelizmente, não para a mulher e sim para o imaturo ir

responsável que seria o marido. Que poesia haverá na

falta de abandono da mulher que teme a gravidez, tenha,

ou não, aparelho de defesa contra esta! Em lugar de

se evitarem um ao outro, não seria bem mais humano que

se conhecessem melhor pelo domínio da própria fisiologia?

Recentemente, numa conferência, tomava o Dr. Eck,

surpreendentemente partido pelos inimigos do cérebro: “ou

tro fator que contribui para o pêso do tédio, é a excessiva

cerebralização, que acompanha o indispensável progresso.

Ê certamente bom que o pensamento ganhe sôbre o instinto,

mas há certas coisas, que talvez tivessem mais vantagem de

serem mais sentidas que pensadas. Quem sabe se o homem

de amanhã não será senão uma massa esférica globular, con

tendo um imenso cérebro que se entedia na própria casca?

O próprio amor se cerebraliza e a arte de amar se vaitornando algo de rigorosamente bem pensado e codificado.

É claro que não chego a negar a extrema importância de

Page 174: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 174/207

174 O DOMÍNIO DE 81

uma educação sexual completa e generosa. Mas a apre

sentação desta tem sido freqüentemente, apenas um sopo-rífero catálogo de documentos e de receitas, no qual não

há mais lugar para o sentido do mistério e para a alegriada descoberta. O amor tecnizado substituiu a poesia doamor. Que a inteligência deva controlar o instinto, é evidente! Mas quando se vê escrito, com tôdas as letras, que

não há instinto sexual no homem, porque o cérebro é oprimeiro órgão sexual do homem, chego a ter mêdo de um

dia o amor vir a tornar-se uma fonte de tédio” . Todos estamos de acôrdo em que uma tal catástrofe

deva ser evitada. Justamente uma das grandes preocupa

ções dos partidários dos métodos naturais da regulação dafecundidade é de lutar contra a tecnomania. Não defen

dendo o “ método das temperaturas” , mas sim o conhecimento e o Domínio de si mesmo, graças ao diagnóstico tér

mico da ovulação. Tal é o espírito da fita cinematográficado Dr. Chartier. Tal o espírito apostólico do Dr. Van derStappen, referido em “A Grande Alegria de Amar” . Taltambém o da mais completa brochura sôbre educação se

xual dos adultos: “Nada de Abatimento no Amor” . Tôdasestas falam da necessidade da técnica, mas em referênciaao que fôr mais humano. A importância não está tanto

no diagnóstico da ovulação quanto na educação da conti

nência. No nível inumano de sexualidade a que chegamos, por falta de educação adequada, é bem verdade dizer

que a continência é contra a natureza, pois que a maioria

está desnaturada. É absolutamente necessário tomar a con

tinência natural, mas isto não se obtém automàticamente,

nem se realiza por moralismos, nem por voluntarismos, maspela educação do cérebro.

Sofremos tanto pela falta de cerebralização, que bem

poderíamos alegrar-nos que entrasse um pouco mais dereflexão nos problemas humanos. De modo nenhum po

demos temer excesso de cerebralização. A tediosa cerebra-

Page 175: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 175/207

AMOR E VONTADE: PADCAO PELO “OPTIMUM” 175

lização contra a qual se levanta o Dr. Eck, supondo terbase na minha posição pessoal sôbre a sexualidade cerebral, é justamente uma cerebralização incompleta. Porém,

não se trataria, segundo a opinião dêle, senão em trocar opreconceito do cérebro do instinto pelo preconceito do cé

rebro racionalista. Ora, não está nisto a plena dimensão

humana.

Pôr a sexualidade sob o completo controle do cérebro,não é matar o amor, mas substituí-lo pela razão, no senti

do estrito e dissecante da palavra; é pô-la ao serviço doamor; é recusar a falsa separação entre o erotismo sentimental e o amor espiritual platônico e desencarnado.

 Já dissemos isto, quando recordamos a hierarquia ce

rebral, que não é dupla mas tripla, isto é, a união do tríplice

andar da unidade corporal, do psiquismo inteligente e doespiritual. Não somos absolutamente uma justaposição de

uma fria e lógica máquina de pensar e de uma carne cheia

de sentimento, de afetividade e de desejo em um desencadeamento ilógico e irracional. Somos amor, isto é, uniãodo afetivo com o racional, em um plano superior que so-

brepassa a razão mas não lhe é contrária. Não somosapenas o cérebro primitivo ou poético. Somos um cérebro

pré-frontal. Os dois outros cérebros não podem funcionar

humanamente senão sob o controle do pré-frontal, no qual

se encarna a fina ponta espiritual da alma, aquilo pelo qualsomos verdadeiramente Homens.

Nada mais perigoso do que a palavra: “ Sentimento” .Não é ela freqüentemente senão a camuflagem conscientedas necessidades eróticas e das necessidades de amizade.Nós isolamos o sentimento: uns, principalmente as mu

lheres, para celebrá-lo; outro, principalmente os homens,

para denunciá-lo e recalcá-lo. Será necessário ter ou não

ter coração? ou, simplesmente dar-lhe um lugar de quando em vez “quando o guerreiro tem necessidade de repouso” ?

Page 176: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 176/207

176 O DOMÍNIO DE SI 

Nunca teremos coração demasiado. O coração é a lu

cidez do verdadeiro amor, da verdadeira liberdade, da verdadeira espontaneidade, que é a vontade; é a espontanei

dade amorosa de conduzir-se como homem completo.

O coração não é o sentimento que desencadeia a pressa, dita do coração, que dêste não tem senão o nome. É

preciso reconhecer, com o espírito feminino, a primazia docoração, mas lutar contra a tendência de certo espírito de

identificar o coração com sua infra-estrutura sentimental,

opondo-o à razão. É preciso reconhecer, com espírito masculino, a primazia da razão, mas da verdadeira razão humana, que é precisamente o verdadeiro coração e que não

tem necessidade de eclipsar-se, às vêzes, a fim de dar-lhe

lugar, pois que ela é sempre amor.

Que supina ignorância a de pensar que o que faz o“charme” da vida humana é livrar-se, de tempos em tem

pos, do próprio cérebro, limitando-o simplesmente à vidaintelectual, ao pensamento. O cérebro é o órgão da vida

humana sentida e vivida, é o órgão da relação social humana equilibrada, que não existe senão em um amor cons

ciente, amor que dá todo o sentido à obscura necessidade

dos outros, que está na nossa carne.

Esta necessidade do amor para o equilíbrio humano

não é nativa, pois, como já vimos, o homem deve aprendertudo. Ê por falta desta aprendizagem que tantos homens to

mam por liberdade e espontaneidade a escravidão às ten

tações naturais de desnaturação, que os fixam em um nível

inferior, comparável ao estado de doentes ou de não-adul-

tos. Não basta pois ter uma zona pré-frontal. É necessá

rio também saber utilizá-la corretamente e não para desencadear os cérebros inferiores e se privar da verdadeira li

berdade.

O homem que quer ser verdadeiramente Homem não

tem liberdade senão para o Bem. Por isto o Amor e a L i

Page 177: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 177/207

AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 177 

berdade parecem ao homem ser difíceis deveres, aparente

mente contrários às nossas tendências espontâneas, que,

de fato, não são senão preconceitos. Aquilo a que chamamos de Amor e Liberdade, opondo-o ao Dever, à Ascese, à

Vontade, não é senão a mais desumana caricatura do ver

dadeiro Amor e da verdadeira Liberdade.

Quer queiramos ou não, somos forçados a nos aceitar

tais como somos, obedecendo às leis de funcionamento cor

reto de nosso organismo.

O Dever não é um código jurídico de permissões e interdições, por cujas inobservâncias seríamos punidos porum legislador supremo. Um tal Dever, contrário à liber

dade humana é desequilibrante e deve ser recusado. Mas

esta recusa a um dever falso não deve levar ao êrro de

opor-nos à necessidade do verdadeiro Dever, isto é, a obe

diência ao dinamismo montante de realização daquilo aque somos chamados a ser; um esforço voluntário de cres

cimento espiritual encarnado. Nada nos é permitido ounegado. Com lucidez, nós nos interdizemos a nós mesmos

aquilo que faz mal a nós ou aos outros; recusamo-nos a

amesquinhar-nos, a passar por doentes, ignorantes, incapazes, sabotadores. Condenados por nosso organismo (por

uma necessidade de saúde e de higiene superior) a amar,

nós aceitamos amar, queremos amar, aprendemos a amar,

tomamos o bom hábito de amar.Refletindo sôbre a psicofisiologia da Vontade vemos

que obrigatoriamente deve haver uma luta contra o pre

conceito, que opõe esforço, ascese, vontade, dever à liber

dade, ao amar e à verdadeira espontaneidade. O segrêdo

da verdadeira boa vontade humana, isto é, da vontade boa,

da utilização correta do cérebro, do controle cerebral nalucidez da tomada de consciência e o Domínio de si mes

mo, está na compreensão das relações entre amor e Von

tade. Êle se resume em “ querer amar e gostar de querer” ,

Page 178: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 178/207

178 o d o m í n i o   d e   s i

numa procura apaixonada do “optimum” , no qual a sabe

doria se junta à santidade.

Que devemos querer? A que aplicar nossa liberdade?

A amar válida e corretamente, com um amor plenamente

humano, pois é o segrêdo do equilíbrio individual e social.

A nossa semelhança não está em uma máquina de raciocinar mas sim em uma impossível máquina de amar.

É conhecida a lenda de Malebranche dando um pontapéem um cão, incapaz de verdadeiro sofrimento. Era êste o

êrro dos animais-máquinas de Descartes. Numa tartarugaeletrônica pode ser dado um pontapé, com receio apenas de

quebrá-la. E isto, ainda quando o fabricante a tenha dotadode mecanismo que a faça fugir gemendo. Isto não seria uma

caricatura de afetividade.

Ao contrário, os animais não são uma caricatura de

nossa afetividade. Êles são realizações dela, bem que em

nível inferior de complexidade, de organização.O grande mérito de Teilhard de Chardin é sua lei de

Complexidade-Consciência, que nos causa ainda algumadificuldade para ser entendida. De feito, o R. P. Teilhard

via bem mais longe levando mais adiante o conhecimento

científico da série dos sêres, em uma atitude, ao mesmo

tempo, heurística e prospectiva e da qual o futuro irá tendo

cada vez mais necessidade.A ascensão de organização na evolução biológica não

é somente ascensão de consciência, permitindo, sempremais e melhor, unificar-se, pensar, refletir, e querer num

progresso de personalização, que termina, nesta terra, na

verdadeira pessoa, a do Homem. Ela é, principalmente, aascensão de relações de amor (amortização). Ora, o cará

ter pessoal é preporcionalmente direto ao desenvolvimento

do amor. A noosfera não é uma sociedade racionalista. Elanão está no extremo oposto da desumanizante tecnosfera,

senão porque é a agaposfera. Esta é o acabamento das

Page 179: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 179/207

AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 179

possibilidades de personalização do homem em uma socie

dade personalizante. A razão disto é ser ela fundada no

Amor equilibrado, higiene suprema do Homem, do qualcompreendemos atualmente que deve amar seu próximo co

mo a si mesmo em referência a um Ideal.

Mas se o Amor se encontra no ponto final é porque foi

desde sempre o constitutivo do mundo, logo, presente des

de a origem dêste. Esta ascensão de organização material

não é uma associação por imposição externa (como uma

suspensão, devida à agitação de um líquido sujo) mas umainteratração, que, desde a origem, tem uma natureza afe

tiva e traduz o Amor. Não queremos dizer com isto, usando

um antropomorfismo ridículo, que os átomos se atraem

porque se amam, como pessoas humanas. Nem tampouco

que as células do organismo superior se amem, ficando

voluntàriamente juntas, nem que a borboleta ame sua fê

mea como à mulher o homem.Mas o homem não tem esta necessidade de amar seu

próximo como a si mesmo, senão porque o Amor' é a lei

da natureza, apesar das aparências contrárias de luta, que

não são senão um aspecto dramático; por sinal, o menos

importante.

Não é à toa que a psicoquímica chama e mede sob

o nome de “Afinidades” as fôrças de atração.O Amor é proporcional ao nívei de organização. Êle

é interatração dos átomos e das moléculas. É a unifica

ção dos elementos da célula, dotada de um elementar e

automático amor de si mesma e que lhe dá um comporta

mento defensivo. É a interatração das células-irmãs do

organismo superior, mantendo-as juntas em um organis

mo unificado, no qual o amor inconsciente de si mesmose revela na regulação automática do ambiente interior e

dos instintos. Êle está no instinto social e no instinto se

Page 180: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 180/207

180 O DOMÍNIO DE 81

xual, que é a interatração dos indivíduos; tudo isto rea

lizado na central do automatismo do amor de si mesmo

e do amor para com os outros, isto é, no cérebro inferior

do instinto.

Quanto mais sobe e se eleva esta organização e com

plexidade do cérebro, mais êste nível elementar de amor

se vê completado pela tomada de consciência daquilo que

convém, isto é, o reconhecimento do outro enquanto in

divíduo, afetivamente escolhido por êle mesmo. A sexua

lidade de uma borboleta é um automatismo desencadeado

pelo odor, não significando verdadeiro amor psíquico. Já

nos pássaros e mamíferos êle se baseia num prévio re

conhecimento do outro, enquanto outro. Há aqui um ver

dadeiro amor, ainda que não em nível humano.

 Justamente esta ciência da Amorização nos vem mos

trar com precisão que a Moral do Amor corresponde àconstituição natural do Homem. Êste não pode evitá-la

sem se desequilibrar. Mas, ao contrário do animal, que

não pode normalmente sair de sua verdadeira natureza,

o Homem, por ser livre, pode descarrilhar, não sabendo

utilizar aquilo que normalmente o ligaria livremente ao

Bem. No homem, até o Bem pode tomar-se desequilibran-

te e contra a natureza, se fô r imposto. É o que foi mostrado pelo exemplo, de povos primitivos aos quais se quis

melhorar as condições de vida mas destruindo suas estru

turas sociais. Longe de favorecê-los nós os levamos ao

desgosto de viver e à conseqüente desaparição.

Quem fôr prêsa de maus hábitos desequilibrantes de

ve aprender a reconhecê-lo, para só então mudar volun-

tàriamente de vida. É por causa disto que a Moral, nosentido comum da palavra, que é uma imposição, aparece

como sendo o contrário da verdadeira Moral, que é con

versão, convicção daquilo que é bom, útil e são.

Page 181: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 181/207

AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 181

Go s t a r   d e   q u e r e r : a s   c o n d i ç õ e s   d a   f e l i c i d a d e .

Querer amar não basta para o equilíbrio do Homem.

É necessário também que goste de querer. É gostando de

querer, é pelo dever de gostar de querer que achamos nos

so equilíbrio. Gostar de querer é ter compreendido a ne

cessidade do esforço de vontade boa.

Que procura o Homem inquieta e desesperadamente?

Êle procura a felicidade, mas com a intuição instintiva

que a felicidade está ligada ao equilíbrio e à expansão doSer. Mas, também aqui, quantos preconceitos, quantas ilu

sões, quantos erros! Não sabemos que coisa seja ser fe

liz! Para sermos felizes, a qualquer preço, com encanta

dora espontaneidade, fazemos nossa infelicidade e a dos ou

tros, por não compreendermos que não basta a boa vontade,

mas é também necessária a vontade boa.

Que é necessário para sermos felizes? Ninguém melhor nos explicou do que o P. Teilhard de Chardin e não

há porque maravilhar-nos disto. Êle conhecia as condições

biológicas da Amorização e também que a Amorização cor

reta, ápice da humanização, é o único segrêdo da ascensão

para a felicidade, que é difícil fonte da alegria de viver,

numa ascética benéfica para quem compreendeu.

Que vemos no mundo que nos cerca? “ Inicialmente,

diz Teilhard de Chardin, fatigados (ou pessimistas) aos

quais aborrece o esforço; depois gente bem (ou gozadores

da vida); finalmente os ardentes, para os quais viver é

uma ascensão, uma descoberta. Para os que formam esta

última categoria é sempre melhor ser do que não ser.

Mas ainda é sempre possível e unicamente interessante ser

sempre mais. Aos olhos dêstes conquistadores, o Ser é

inesgotável (não, à maneira gideana, como um jóia de inumeráveis facêtas, que se podem girar em todos os sentidos

Page 182: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 182/207

182 o d o m í n i o   d e   s i

sem cansar), mas com um foco de calor e de luz ao qualé possível aproximar-se sempre mais.

“Pessimismo e nostalgia do passado; gôzo do momento presente; impulso para o futuro. Estas são as três atitu

des fundamentais em face da vid a.. . três formas opos

tas de felicidade em presença; felicidade de tranqüilidade;

felicidade de prazer. Felicidade de crescimento enfim. Desdeêsse terceiro ângulo de visão, a felicidade não existe, nemvale por si mesma, como um objeto que pudéssemos pro

curar e agarrar, mas não é senão um sinal, um efeito e como que a recompensa da ação convenientemente dirigida...Nenhuma mudança beatifica a menos que faça ascender. O

homem feliz é pois aquêle que sem procurar diretamente afelicidade, acha inevitavelmente a alegria por acréscimo, no

ato de conseguir chegar à plenitude e ao extremo avançadode si mesmo” .

Entre estas três felicidades Teilhard mostra as razões

objetivas e científicas, as razões biológicas em nosso organismo, de escolher a terceira, a única plenamente hu

mana. É preciso ir até à maior consciência e nossa personalização comporta três tempos; centração, descentração e

supercentração.

Centração: “para ser plenamente nós mesmos, devemostrabalhar durante tôda nossa vida para organizar-nos, isto

é, para conseguir sempre mais ordem, mais unidade nasnossas idéias, nos nossos sentimentos, na nossa conduta...

Ser é, antes de tudo, se fazer e se achar” .

Descentração: “ a tentação ou ilusão elementar que es

preita, desde o nascimento, o centro reflexivo, que cada umde nós guarda no fundo de nós mesmos, é de imaginar que

para crescer é bom se isolar sôbre si mesmo e continuar,

egoisticamente, somente em si, o trabalho original do pró

prio acabamento: separar-se dos outros ou concentrar tudoem si mesmo. Não, não podemos progredir até ao máximo

Page 183: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 183/207

AMOR B VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM” 183

de nós mesmos, sem sairmos de nós mesmos, unindo-nos aos

outros de modo a desenvolver por esta união um acréscimo

de consciência. Daqui as urgências, daqui o sentido profundo do amor, que sob tôdas as formas, nos impele a

associar nosso centro individual com outros centros escolhidos e privilegiados; do amor cuja função e encanto essenciais são de nos completar” .

Supercentração: “ para sermos plenamente nós mes

mos, nós somos forçados a alargar a base do nosso ser,

isto é, de nos ajuntar ao Outro. Ora, uma vez que conseguimos um pequeno número de afeições privilegiadas, êste

movimento de expansão não pára mais. Êle nos aspira in

sensivelmente, de próximo a próximo, para círculos de raiosempre maior. Podemos prever o momento em que os ho

mens saberão que coisa é (como por um só coração) de

sejar, esperar e amar todos juntos a mesma coisa ao mesmo tempo. . . Aquilo que a vida nos pede, afinal de con

tas, de fazer por Ser, é de nos incorporar e subordinar a

uma Totalidade organizada, da qual não somos, còsmica-

mente, senão parcelas conscientes. Um centro de ordem

superior nos espera (está já aparecendo), não somente ao

nosso lado, mas para além e para cima de nós mesmos” .

“Não mais simplesmente desenvolver a si mesmo, nem

simplesmente dar-se a alguém igual a si, mas tambémsubmeter-se e concentrar a própria vida em alguém maior.

Vale dizer: inicialmente: ser; depois: amar; finalmente:

adorar. Felicidade de crescer, de amar e felicidade de ado

rar. Eis, em última análise, a tríplice beatitude, que a

teoria nos permite prever, partindo das leis da Vida.

A verdadeira felicidade nos espera em uma direção de

terminada: 1) pela unificação de nós mesmos no nosso

próprio íntimo; 2) pela união de nosso ser com outros sê-

res iguais a nós; 3) pela subordinação de nossa vida a

uma vida maior que a nossa... Para ser feliz é preciso,

Page 184: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 184/207

184 O DOMÍNIO DE SI 

primeiramente, reagir contra a tendência ao menor esforço, que nos leva ou a ficar onde estamos ou então a pro

curar a renovação de nossas vidas, de preferência na agitação exterior. Nas ricas e tangíveis realidades materiais

que nos cercam é necessário, sem dúvida, que nos enrai-

zemos. Mas é no trabalho de nossa perfeição interior intelectual, artística e moral, que, afinal, a felicidade nos

espera. Para ser feliz, em segundo lugar, é preciso rea

gir contra o egoísmo que nos leva ou a fechar-nos em

copas sôbre nós mesmos ou então a submeter os outros

ao nosso domínio. Para ser feliz, plenamente feliz, é preciso, em terceiro lugar, de um modo ou de outro, direta

mente ou por meio de intermediários gradualmente ex

pandidos (uma pesquisa, uma emprêsa, uma idéia, umacausa. . . ) transportar o interêsse final de nossas existências para o caminhar e para o sucesso do mundo no qualvivemos”.

Fazer sua própria salvação salvando o mundo, isto é,crescer e fazer crescer e finalmente cumprir o papel, ao

qual nossa natureza (que devemos realizar) nos impõe porlivre e racional escolha, isto é, exatamente o que precisamos querer. Ê nesta lucidez que devemos andar.

A necessidade primordial não é a de precipitar-nos ce

gamente para frente, mas sim de ver bem claro o caminho

a fim de que a ação emane, de um certo modo, de si mesma. Esforço de reflexão mais do que esforço de ação, tal

é o segredo do verdadeiro Domínio de si mesmo. Êste é

um valor eminentemente comum a todos os homens, pelo

próprio fato de serem Homens. Valor que deve suscitar

uma reflexão metafísica em um plano que não está na

ordem da ciência, mas que a reflexão lógica sôbre a ciência toma verossímil.

Para que êste esforço de maturação até à extrema

velhice, se êste amadurecimento desaparecer com a des-

Page 185: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 185/207

AMOR E VONTADE: PAIXÃO PELO “OPTIMUM’ 185

traição do corpo? Para que esta ascensão de adoração se

ela não culminar Naquele que é supremamente adorável,

em um Deus pessoal, em Deus-Amor?

Para Teilhard de Chardin “a solução completa do pro

blema da felicidade (está) na direção de um Humanismo

cristão ou, se preferirem, na direção de um Cristianismo

super-humano” .

P a i x ã o   p e l o “O p t i m u m ” e   p e r ig o s   d o   e g o í s m o .

De modo que a Vontade consiste, para cada um de

nós, em tornar-nos sempre mais aquilo que é nossa vocação de Ser, mas também de Ser social, isto é, membro da

humanidade, que caminha. Para querer ser mais, é necessário situar-nos corretamente no mundo, de fronte às coi

sas e aos outros, no espaço e no tempo.Caímos fàcilmente em dois erros complementares: a

afirmação egoísta de nós mesmos, que é uma inumana des

naturação, pois o homem é um ser limitado, sofredor e

mortal e que não pode equilibrar-se senão quando sua ex

pansão é limitada pela dos outros. O culto do Eu desper

sonaliza a relação social, que deixa de ser inter-pessoal

como deveria. Impede também o serviço e o dom pelo qualo Eu encontra seu equilíbrio em um câmbio, onde êle re

cebe e dá. Êste culto do Eu é a fonte da indiferença, do

desprêzo ou do ódio, que são a negação do Amor neces

sário para a expansão de nosso Ser.

Mas para poder dar, é preciso Ser. Daqui a falsidade

daquele que, sob o pretexto de lutar contra o egoísmo,

chega a um esquecimento total de si mesmo. Ninguém de

ve deixar-se oprimir ou devorar, pois quem só dá ou sórecebe não pode amar. O verdadeiro esquecimento de si

não está no recalque de si mesmo. Não é senão o aban

Page 186: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 186/207

186 O DOMÍNIO DE 81

dono do egoísmo. Não é algo que se obtenha por um es

forço incessante, mas a própria natureza dêste esforço,

cujo hábito se adquiriu. Para alguém esquecer-se saudà-velmente é necessário que continue a ser, não renunciando senão ao egoísmo.

Habituamo-nos a apresentar, como heroísmo de san

tidade, uma desumana vontade do olvido em Deus e de

despersonalização; quase como uma diminuição ou abjeçãodaquilo que, na realidade, nos engrandece, permitindo-nos

ser perfeitamente nós mesmos.No amor para com os outros (que nos é necessário no

segundo tempo da procura da felicidade) não se trata apenas

da nossa própria ascensão mas também de ajudar-nos à

ascensão dos outros, não os impedindo de amar-nos comum verdadeiro amor equilibrado, quer por um altruísmoexcessivo e falso, quer por egoísmo.

No tempo da adoração, não se trata de se deixar per

der num Todo despersonalizante, mas sim de superperso-

nalizar-se caminhando para um Ideal. Ora o mais perso-nalizante de todos os Ideais é o verdadeiro Deus, pessoale transcendente.

Que coisa é necessário querer? É preciso ter a paixãopelo “ optimum” , desejando-o com tôdas as próprias fo r

ças e lutar para manter-se neste desejo. Mas a paixão

dêste “Optimum” (tomando aqui “paixão” no sentido trágico da palavra) é justamente não nos apaixonarmos pelo“ Optimum” . Acontece com êle o mesmo que sucede coma Liberdade: aquêles que mais apaixonadamente a dese

 jam são os que contribuem, contraditoriamente, para despedaçá-la. O “optimum” não é desejado porque nos pare

ce sinônimo de moderação, daquilo que não exige o menor

esforço, daquilo que vai por si. Nós reservamos a paixão

para os extremos: alguém é apaixonadamente conservador

ou retrógrado, revolucionário ou progressista; alguém é

Page 187: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 187/207

AMOR E VONTADE: PAIXAO PELO “OPTIMUM” 187 

violentamente partidário desta ou daquela opinião, sem per

ceber que desta maneira não atingirá nem a verdade nem

o equilíbrio.

Aqui também, é necessário distinguir um Falso Op-

timum, que é o culto moderado de um egoísmo desnatu-rador, que é a vontade estática de não avançar nem recuar.Seria caricaturar o “ Optimum” ver numa tal opinião uma

média, centrista, não engajada e desapaixonada.

O verdadeiro “ Optimum” é a procura apaixonada da

Verdade numa luta entusiasta para ascender; é pôr tôdasas próprias fôrças na tarefa Humana, recusando perder o

precioso tempo; é precipitar-se para o alto, para o verdadeiro,mas com prudência (uma prudência apaixonada ou uma

paixão prudente!). Precipitar-se sem prudência é enganar-se

e acabar perdendo tempo.

Dar o verdadeiro sentido ao “Optimum” é assim tor

nar a dar a própria significação à virtude, à fôrça de prudência que não é recusa escrupulosa de agir, mas sim uma

audácia refletida.

Esta necessidade do “ Optimum” para estar na Ver

dade é, já vimos, uma lei biológica de equilíbrio de nosso

cérebro; é a regra de nossa saúde psicossomática, que não

aceita nenhum excesso em nenhum sentido.

Ê preciso um “ Optimum” de oxigênio, de hormônios,de vitaminas; um “Optimum” igualitário nas relações so

ciais. Para definir o “Optimum” (esta linha média pela

qual é preciso caminhar com um dinamismo apaixonado),

o melhor é perceber sempre os dois limites opostos, que

marcam as fronteiras dos desequilíbrios.

Num espírito, que chamam de Cartesiano, bem gos

taríamos que a Verdade estivesse de um lado e o Êrro dooutro. A Verdade está antes na síntese de duas afirma

ções, que isoladas seriam erros, mas que unidas, compen

Page 188: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 188/207

188 O DOMÍNIO DE SI 

sam seus excessos e mostram a verdadeira realidade. Ê

 justa a afirmação que a tese e a antítese não são senão

aparentemente contraditórias e que a Verdade se encontra na síntese superior, que retém aquilo que tinham de

verdadeiro as teses em aparente contradição.

A paixão pelos extremos, a confusão do “ Optimum”com a Inação é uma tentação natural de desnaturação,

pois para nós é um verdadeiro caminho de perdição.

Balizemos lucidamente a via média, que é a via do

verdadeiro Amor. Progridamos nela apaixonadamente, poisela é a difícil síntese do espírito de conservação com oespírito de progresso. Nela o progresso é realização; logomelhor conservação das possibilidades naturais de origem

e não um caminhar cego e destruidor. Nela a conservaçãonão é a recusa de realizar melhor os valores, mas orientação

do progresso, reconhecimento do dinamismo da verdadeira

natureza humana, que é a vontade de lutar pelo melhor afim de não cair no pior.

Page 189: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 189/207

dMatal Çsteves da ç iíva Acad. Filosofia - UFG 

Fone: 225-9810

Conclusão

 Tradicionalmente a Vontade é um poder, uma fôrça,

que está em nós e que a Moral nos impõe usar, mas só a

serviço do Bem. Os progressos da psicologia científica e

da psicopatologia nos tornaram bastante cépticos sôbre a

existência da Vontade humana. Alguns chegaram até aduvidar se não seria ela apenas uma ilusão. Nós obedece

mos a tantos determinismos imperiosos naturais .e pato

lógicos, que poderíamos pensar não ser a Vontade senão

a camuflagem de um impulso todo-poderoso, que aceita

mos a fim de não reconhecer a onipotência dela.

Nossa impotência em querer é uma boa desculpa sem

pre pronta. Além disto para que serviria esta fôrça de realização senão para permitir a nos comprometer segundo

nosso bel-prazer. De fato, que coisa iremos querer?

Os moralistas das diversas escolas e os amoralistas não

estão absolutamente de acôrdo sôbre o Bem e o Mal. Ainda aceitando uma determinada noção do Bem e do Mal, seria

porventura isto ter Vontade livre? Não estaremos apenas

aderindo à Vontade de um outro? Não é por acaso um

dos principais argumentos do ateísmo a existência de umDeus todo poderoso, que nos fixa leis e normas negando

assim a nossa Liberdade?

Page 190: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 190/207

190 O DOMÍNIO DE 81

Os marxistas vêem nesta crença o meio dos ricos pa

ralisarem a vontade popular pregando a resignação, que

é a obediência à própria vontade projetada em um Sersobrenatural. Certos psicanalistas não podem deixar de

ver a visão nevrosante de um Deus paternalista, carica

tura do pai abusivo e opressor.

Querendo ser livre e totalmente autônomo o homem

moderno não concebe a Vontade senão como possibilidade

de fazer o que bem lhe aprouver, tendo assim uma con

duta absurda, na sua insignificante fantasia, que não vi

saria senão uma satisfação egoística instantânea.

O homem moderno se encontra numa dúvida total, no

momento em que, já libertado, tem necessidade sob pena

de catástrofe, de saber que coisa fazer da própria Liber

dade, que coisa querer. Para sair desta dúvida, deve êle

saber cientificamente e objetivamente que coisa é ser Homem.

Foi o que fizemos, baseando-nos na constituição neu-

robiológica, nos mecanismos que nos dão a possibilidade de

ser um Homem. Estamos aqui num terreno científico e

objetivo, valor comum que todos devem aceitar, quaisquer

que possam ser suas opções metafísicas.

Construir primeiro o Homem sôbre a metafísica seria,

atualmente, nunca chegar a um acôrdo. Funcjando-nos porém sôbre a biologia humana ninguém poderá contestar

nossos argumentos. Não queremos dizer com isto que o

nível metafísico (o único totalmente essencial) não valha

nada. Ao contrário, é refletindo sôbre a significação cien

tífica do Homem que deveremos logicamente voltar às ex

plicações metafísicas dos incontestáveis valores humanos.

Se procurarmos desesperadamente localizar ou captarno cérebro a Vontade, seria esta uma tentativa tão inútil

quanto a de situar nêle a inserção dela, isto é, a mistério-

Page 191: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 191/207

CONCLUSÃO 191

sa central, desde a qual uma fôrça espiritual, chamada

Vontade, acionaria a mecânica corporal.

Enquanto fôrça independente a Vontade não existe.

Ela é uma função cerebral, isto é, uma maneira de ser,

que, contrariamente ao preconceito usual, não consiste em

uma extraordinária tensão motora positiva de ação ou ne

gativa de retenção e domínio. Ê, como vimos, o encargo

pessoal da conduta e do psiquismo. O essencial não é pois

a ação ou o domínio, que resultarão automàticamente da

nossa decisão lúcida. “O essencial é a lucidez, a reflexão,o juízo” . Êste é o poder que nós temos e que não tem, por

insuficiência cerebral, o animal. Nós nos situamos acima

da ação para contemplar a significação total dela com re

lação a nós e a nossa situação no mundo das coisas e dos

outros homens. Tôda vontade que escolhe o Mal é pois

um sem-sentido, pois seria um poder personalizante que

escolheria o caminho da despersonalização. A Vontade nãoserá Vontade Humana verdadeira senão quando fôr um

esforço de lucidez, que nos mostre o valor humanizante do

Bem. Para nós mesmos e para os outros.

Efetivamente, se nós considerarmos a Vontade como

um absoluto, que não precisa lutar contra determinismos,

como o serviço de uma liberdade total, por nada limitada,

não teríamos diante de nós a vontade Humana. Esta, éuma luta contra os determinismos para escolher obrigato

riamente o caminho do Bem.

Difícil necessidade esta de conciliar liberdade com obri

gação! Não há senão um caminho possível sob múltiplas

opções e maneiras de realizá-la. Num certo sentido não so

mos livres de querer o que bem nos aprouver, se quisermos,

sendo homens nos conduzir como Homens, e progredir nahumanização. Êste é nosso lógico dever não por imposição

estranha, mas pela imposição nossa a nós mesmos, livre

Page 192: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 192/207

192 O DOMÍNIO DE SI 

mente mas com lucidez, de nos comportar segundo a nossa

natureza.

 Teoricamente o condutor de uma máquina está livre

para fazer dela o que bem lhe aprouver. A não ser porém

que seja doido ou sabotador, êle deverá conformar-se com

as indicações do construtor.

No caso da máquina, o modo de emprego é estranho

à máquina, ainda sendo ela automática. Êle está no plano

de construção que ela recebeu do construtor. No caso do

Homem (se quisermos ficar no plano dos fenômenos ma

teriais) não há construtor, pois nosso organismo se auto-

construiu, em virtude da Interação entre a hereditariedade

do modo de emprêgo, de funcionamento correto, que a

biologia revela, dizendo com precisão as finalidades de tô-

das as engrenagens orgânicas.

Muitos cientistas não aceitam a palavra “ finalidade” ,

pois vêm nela uma teoria filosófica que não tem nada que

ver com a ciência. Há certamente uma filosofia da fina

lidade que nos revela o sentido completo dela. Mas uma

coisa é estudar metafisicamente o problema da finalidade

e outra constatar o fato das finalidades orgânicas, que

não podem ser negadas sob pena de renegar a fisiologia

e a medicina. Nunca médico algum faria uma Relação

Kinsey do fígado, classificando os diversos tipos de célulasbaseando-se apenas na noção de freqüência, sem nenhuma

distinção entre normal e patológico. O médico institui pro

vas funcionais para saber do fígado de cada um em que

medida é êle normal, isto é, capaz de assumir corretamente

suas próprias funções. Da mesma forma deveria ser im

possível a um psicólogo e a um sociólogo descrever um

comportamento humano sem dar um juízo do valor sôbre

a significação do tal comportamento em relação à norma

do dinamismo de humanização, de conformidade à utiliza-

Page 193: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 193/207

CONCLUSÃO

c!Ah ta l Çsteves da <Jí!oa  

 Acad. Filosofia - U FG Fone: 225 n3 :o

ção normal, isto é, libertadora de um cérebro hierarqui

zado, são e verdadeiramente adulto.

É paradoxal ver o admirável esforço das filosofias mo

dernas dar no nada. Elas se obstinam em considerar-se

meramente descritivas, fenomenológicas, recusando-se a in

teressar-se pelas noções metafísicas de Essência, de Na

tureza e de Ser. É justa a crítica que elas fazem sôbre uma

certa maneira tradicional de considerar metafisicamente a

natureza humana. Convenhamos todavia que esta situação

se encontra apenas numa escolástica fixa, rígida, infiela seus próprios fundadores. Esta, em efeito, não faz outra

coisa senão repetir as palavras dêles, sem melhorar-lhes

a formulação a fim de torná-la mais adequada aos princí

pios, graças aos progressos do conhecimento científico.

Mas por êste fato de ter sido o Ser considerado assim,

demasiado estaticamente e sem história, não há porque

recusá-lo mas sim restituir à natureza humana, que é Pessoa, sua verdadeira face dinâmica. Ê a isto que nos obriga

o conhecimento científico do Homem, pois tal conhecimen

to não é apenas a descrição fenomenal de mecanismos e de

órgãos, mas conhecimento material de um Ser unificado e

das condições materiais da espiritualidade dêle. Um conhe

cimento que leva obrigatoriamente à Metafísica.

A verdadeira Vontade é o desejo de conformar-se aesta natureza, que é em nós como que um órgão de pro

gramação (isto é, não algo já feito, mas algo para ser feito

e que não se impõe a nós senão logicamente). Em outras

palavras: não temos o poder de recusar estüpidamente

aquilo que é a finalidade de nosso Ser e o segrêdo da verda

deira Felicidade.

Muitos de entre os homens tinham crido haver-se li

bertado completamente, eliminando Deus e a Moral. Ti

nham caído na ilusão de facilidade, comum a crentes e

Page 194: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 194/207

194 O DOMÍNIO DE SI 

descrentes de pensar em Deus, como inteiramente estra

nho a êles mesmo e na Moral, como uma imposição exter

na, sem nenhuma outra significação senão a subrenatural.

Ora, nem Deus nem a Moral são inteiramente elimináveisse quisermos continuar a Ser e a Querer. Querendo-nos

imprudente e falsamente completamente livres, perdemosnossa Liberdade e nossa Vontade. Tornamo-nos escravos

de tôdas as tentações naturais de desnaturação, provenien

tes dos níveis inferiores de nosso organismo.

A dúvida metafísica permite eliminar a Moral sobre

natural e a transcendência de Deus (coisa afinal ilógica

para o crente), mas é impossível eliminar tôda e qualquer

Moral assim como todo e qualquer aspecto de Deus.

Há uma Moral Natural que depende da nossa própria

constituição orgânica. Recusá-la é ignorância, que, por sua

vez, é uma falta de higiene. Esta Moral Natural se baseiana significação do mundo e dos sêres, qualquer que seja

a origem dêles. Significação que, metafisicamente, ainda

para quem não acredita no Deus verdadeiro, no Deus com

pleto, é uma Harmonia, um Ideal, como é para o crente,

Êste sabe ser tal o aspecto imanente, presente ao mundo,do verdadeiro Deus.

O conflito atualmente não existe mais entre materialistas e espiritualistas, entre ateus e crentes em Deus, no

sentido clássico das palavras. O conflito está agora entreespiritualistas materialistas, que recusam a plena dimensão do espírito, não conservando dêle senão o aspecto en

carnado, as condições materiais e os materialistas espiritualistas para os quais estas condições materiais são logi

camente o caminho que os conduz à confirmação da natu

reza metafísica verdadeira do espírito. Há também um

conflito entre os crentes do verdadeiro Deus, que não é

um déspota alienador mas o criador responsável da liber

dade humana, o respeitador da dignidade, relativamente

Page 195: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 195/207

CONCLUSÃO 195

autônoma das criaturas (pois que esta autonomia é o mo

do de ser dêles) e os crentes em um Deus impessoal, me

ramente imanente; logo, sem existência própria e que êleschamam Infinito, Ideal, Harmonia, Amor.

Quando êstes dois grupos antagônicos entrarem em

acôrdo sôbre os valores comuns de um mundo em Amori-zação, no qual o único dever do Homem é de ser superamo-rizador, então vai ser-lhes bem mais fácil professar uma

verdadeira tolerância. Esta não é absolutamente o ceti

cismo desabusado diante da impossibilidade de conhecer a

Verdade ou a concessão tristonha diante do êrro, masaceitar que existem níveis diferentes de Verdade à qual

a adesão universal é cada vez mais difícil, pois toca cada

vez mais o engajamento livre e responsável de nossas pessoas. Em uma perspectiva dinâmica de progresso, na qual“ tudo quanto sobe, converge” (Teilhard de Chardin), te

mos a certeza de que o caminho de cada um, ainda mantendo seu próprio ângulo de visão e na condição de diri

gir-se sempre para o mais verdadeiro, não deixará de encontrar-se com o dos outros, se êstes agirem também nasmesmas condições.

Nesta procura apaixonada pelo “ Optimum” , que nosleva a erros extremados (bem pouco “optima” ) pois não

sabemos o que nos convém, há duas oposições furiosas.

Há os partidários da luta, da conquista, do esforço

para conseguir tudo pela Vontade do Homem com suas

próprias e únicas fôrças (o que equivale a um sonho dePrometeu de um homem nôvo melhorado). Há os parti

dários do abandono, do desapêgo da submissão a uma graça extra-humana, que recebemos gratuitamente, quer venha ela de Deus ou de algum misterioso poder apaziguador

de uma comunhão com a natureza.

 Também aqui, a nourofisiologia da Vontade é esclarecedora, pois permite estabelecer a Verdade na síntese do

Page 196: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 196/207

196 O DOMÍNIO DE SI 

esforço e do abandono, restabelecendo a continuidade entre Graça e Vontade. Se a neurofisiologia nos confirma a

necessidade personalizante do esforço, não porém de umesforço qualquer, mas sim de um esforço de conquista, de

conquista de nossa Verdade baseada no conhecimento daquilo que somos chamados a ser, segundo aquilo que somos.Não temos que inventar-nos, mas sim achar-nos. A novi

dade não é total nem à nossa fantasia. É ela conformidadea êsse programa de ser, que está em nós. Na falta de tal

programa, essa novidade não seria senão fracasso e monstruosidade.

A ascese não tem por fim castigar a carne, mas sim

permitir-lhe realizar sua verdadeira significação personalizante.

Mas, inversamente, a ascese deve ser base de distensãoe de abandono. Aquêle que se crispa todo tentando dominardesesperadamente os impulsos, que lhe escapam ao con

trole, ainda não chegou até aí. Ê preciso, primeiramente,ter aprendido calma e lucidamente, a fazer o inventário

de si mesmo; a cultivar sua atenção para chegar a unificar-se e atingir o pleno domínio. As técnicas da Vontade

não são técnicas de esforço físico, mas técnicas de repouso,

de relaxamento, de descrispação. São técnicas que nos per

mitem retemperar a nós mesmos. Graças a elas, após êstecontato, que tem origem no âmago de nosso ser, nós nos

tornamos capazes de ascese e de saber Querer.

Não é, por acaso, significativo, constatar esta conver

gência do estado cerebral entre a auto-hipnose lúcida dos

estados de relaxação e os estados de êxtase místico? A

finalidade metafísica de certos métodos psicofísicos é pre

cisamente a União Mística, pela qual o santo chega a sermais autênticamente e ativamente êle mesmo, submeten

do-se, em aparência, passivamente à influência de um Deus

personalizante.

Page 197: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 197/207

CONCLUSÃO 197 

É pois um êrro grave confundir a Vontade com certa

pretensa virtude de Orgulho. O Orgulho é, ao contrário,

a tentação do fraco que se julga forte e recusa considerarsua fraqueza natural. É muito significativa e verdadeira

a velha história do Pecado Original, do qual o Cristianismofêz um dogma. É bem aceitável que o Homem primitivo,

apenas emergido para a liberdade responsável, ficasse endoidecido de orgulho e desejoso de decidir a seu bel-prazer

sôbre o Bem e o Mal, em lugar de seguir as verdadeirasindicações de sua natureza. Êste é o drama de nossas

tendências naturais, das quais umas nos impelem a subir(únicas autênticas!) e outras, porque incompletas, nos le

vam a descer o apetite do prazer do menor esforço, que

nos priva da verdadeira alegria. No entanto é a êste aban

dono ao prazer, que batizamos de Vontade!

Vimos cientificamente como nossa fôrça se funda sô

bre uma fraqueza, como nossa Vontade não pode apoiar-se

sôbre bons automatismos instintivos. Nunca se insistirádemasiado sôbre as inferioridades que resultam de nossa

superioridade, que nos obrigam a refletir lucidamente com

prudência sôbre o que é necessário querer

Há certamente indivíduos normais e indivíduos doen

tes, quer se trate de perturbações endócrinas ou de neuroses. Mas, se há uma diferença de natureza em um mesmo

comportamento, conforme fôr êle normal ou patológico,

pois o indivíduo que assim procede nunca está totalmente

alienado (exceto em casos extremos de comas) nem total

mente livre e senhor de si. A patologia não faz ser.ão,

fundamentalmente, incrementar nossas tentações naturais de

desnaturação e tornar mais difícil a Vontade. Tanto o doente

como o são devem pois, fazer esforços de lucidez e de

domínio. Não há porque instalar-se no “ghetto” de irres

ponsabilidade, no qual se encerram os normais sob o qualificativo de anormais e de doentes. Como se os normais

Page 198: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 198/207

198 O DOMÍNIO DE 81

estivessem verdadeiramente sãos com graves erros de con

duta, devidos às próprias ignorâncias e imprudências, que

os fazem conduzirem-se com menos desculpas como doentes. Como se os anormais estivessem em um estado estático

de deficiência total, no qual tôda ascensão lhes tivesse sido

interdita. Todos, doentes e sãos, no abandono distendido à

Graça, devemos fazer o sorridente esforço de domínio, quenos fará subir, apesar de nossas dificuldades e quedas. To

dos nós, não somos normais ou anormais, mas sim Homens,

que devem humanizar-se, isto é, progredir em um esforço,que nenhuma droga jamais substituirá, ainda quando sejaela indispensável para diminuir algum determinismo patológico. O esforço infrutífero pode ser mais humanizante

que um esforço demasiado fácil.

Um esforço sorridente, um esforço alegre: tal é a últi

ma mensagem da fisiologia da Vontade. Querer amar;

gostar de Querer não bastam. Querer ser feliz não comporta apenas a lucidez sôbre as condições da felicidade, bemdelineadas por Teilhard de Chardin. Comporta também

a “ Vontade de Sorrir” ; o dever, o esforço de sorrir, não

apenas um sorriso crispado, que é um sorriso superficial,que não traduz o estado profundo do organismo. O verda

deiro sorriso é uma maneira de ser de nossos centros regu

ladores afetivos do hipotálamo, que nos põem orgânica epsicologicamente em estado feliz.

O Homem, ser social, tem o dever de ser um “ criador de

alegria” . Impondo-se a si próprio êste dever de alegria co

municativa, é êle obrigado a pôr-se a si mesmo neste esta

do, isto é, a realizar mais fàcilmente em si mesmo êste

equilíbrio altruísta, fonte de felicidade.

Acabemos, uma vez por tôdas, de esperar que do mundo e dos outros, nos venha a alegria. Descubramos por

tôda a parte razões para sorrir, a fim de poder assumir o

dever higiênico de sorrir. Um sorriso lúcido, que não é o

Page 199: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 199/207

CONCLUSÃO 199

otimismo beato, mas realismo baseado na virtude da es

perança, virtude do saber querer.

Na mesma medida em que nos deixamos perder nonegro, no incoerente e no absurdo, nesta mesma devemos

testemunhar a luz, a harmonia, a beleza e a bondade.

Querer esperar, apesar de tudo é sempre, pois (em

que pese êste duro combate e seus fracassos, que acaba

rão somente juntamente com a Humanidade) o Mal não

pode vencer, pois é negativo, é uma diminuição do ser.

Apesar de nossa falta de lucidez e de nossas tentações,como deixaremos de ter, ao menos em certas horas, a

intuição dêste Bem, único que pode dar-nos a verdadeira

felicidade ?

“Mas, escreve Péguy, a esperança, disse Deus, eis aqui

lo que até a mim, me espanta. É verdadeiramente espan

toso! Que êsses pobres filhos vejam como tudo se passa

e ainda creiam que amanhã tudo melhorará! . . . É verdadeiramente espantoso e é exatamente a maior maravilha

de nossa Graça” .

O R. P. Teilhard de Chardin, na sua lucidez, nos dá

êste conselho: “ Creiamos pelo menos. Creiamos tanto mais

forte e desesperadamente quanto mais a realidade pa

recer ameaçadora e irredutível. E então, pouco e pouco,

veremos distender-se depois sorrir, depois nos tomar emseus braços mais que humanos, o universal Horror... Vis

to como, com coração puro, temos crido intensamente no

Mundo, o Mundo abrirá diante de nós os braços de Deus.

Nesses braços, então, devemos jogar-nos, para que se feche

em tôrno de nossas vidas o círculo do Ambiente Divino.

Êste gesto será o de uma correspondência ativa ao dever

quotidiano. A fé consagra o mundo. A fidelidade comungacom êle” .

Page 200: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 200/207

200 O DOMÍNIO DE SI 

Escutemos finalmente o Pe. Termier na esplanada deQuébec: “Procura compreender, procura conhecer e em todo

caso, ama. Abre os olhos à beleza do mundo e tua almaao mistério. Quando tiveres compreendido, explica entãoa teus irmãos” .

Page 201: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 201/207

Bibliografia sumária

A j u r i a g u e r r a , J. de e HÉCÆN, H.: Le cortex cérébral, Masson, 1960.Baruk , H . : Précis de psychiatrie, Masson, 1959.-------- Psychiatrie morale, P.U.P., 1950.Berge, A.: Les maladies de la vertu , Grasset, 1960.Carré , R. P.: Béatitudes pour aujourd’hui, Spes, 1963.

Chaucha rd , P.: Hypnose et Suggestion, Physiologie de la conscience, Physiologie des moeurs, La médecine psychosomatique, Société 

animale et société humaine, L e l angage et la pensée, la vie sexuelle, la fatigue, le cerveau humain, “Presses Univers. Franc.” 

(Coll. Que sais-je?).-------- L es mécanismes cérébraux de la prise de conscience,  Masson,

1956.

---------Précis de biologie humaine, P.U.F., 1957.-------- Biologie et Morale, Marne, 1959.

-------- L e Cerveau et la Conscience, Seuil, 1960.-------- Des animaux à Vhomme, P.U.F., 1961.

-------- La Morale du cerveau, Flammarion, 1963.

-------- L ’homme normal, Édit. ouvrières, 1963.Chanson, P.: Pour la santé du corps et de Vesprit, Spes, 1925.

COURBERIVE, J. DE: La Volonté, Aubanel, 1958.Daim, W .:  Transvaluati on de la psychana lyse, A. Michel, 1956.Déchanet, J. M. : La voie du silence, Desclée de Brouwer, 1959.

De soille, R. : Introduction à une psychothérapie rationnelle, L'Arche, 1955.

Devt, I.: Santé et bonheur par le yoga, Denoel, 1961.Durand de Bous ingen : La relaxation,  Coll. Que sais-je?, P.U.F.

Fou lqu ié , P . : La volonté,  Coll. Que sais-je?, P.U.F.

Grenet , P.: L es 24 thèse thomistes, Téqui, 1963.Herr ige l , E . : L e zen dans Vart cheval eresque du tir à l’arc,  Bd. P. 

Derain.

Page 202: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 202/207

202 O DOM1NIO DE 8J

Hesnàrd, A.: Morale sans péché, P.U.F., 1954.

-------- Psychanalyse du lien interhumain,  P.U.F., 1957.Horney, K. : Les voies nouvelles de la psychanalyse, L ’Arche, 1961. Huant, E., e Dussert, A.: Les maladies de notre société, Debresse. 

1961.Huxley, A.: L ’art de voir, Payot, 1953.

Koh ler, C. : Les problèmes neuropsychiatriques de Venfant, P.U.F. Ko hler, M. :  Techniques de la séréni té, La table Ronde, 1963. Ku nk el, F. : Psychothérapie du caractère, Vitte, 1952.

Le Mo a l, P.: Pour une authentique éducation sexuelle, Vitte, 1960. Lepp, I.: Clartés et ténèbres de l’âme, 1956; Hygiène de l’âme, 1958, 

Aubier.

-------- Psychanalyse de l’amour, 1959; La Morale nouvelle, 1963.Grasset.Lyon , J.: L ’angoisse, mal du siècle, Denoel, 1957.M aillan t, C. : Cultivez votre volonté, Prod. de Paris. 1960 .

NlGELLE, E. : Sauvez vos nerfs, Diff. nouv. du livre, 1957.Niogret, B. : Et tu ne scrupuleras pas, Levain, 1963.Odier, C. : Les deux sources de la vie morale, Baconnière, 1947. Olivaux, R. : L ’Éducation et la rééducati on graphiques, P.U.F., 1960. Oraison, M.: Amour ou contrainte, Spes, 1957.--------Devant l’illusion et l’angoisse, Fayard, 1959.-------- Amour, péché et souffrance, Fayard, 1960.-------- Les enfants prodigues, Fayard, 1960.Peset, S.: L ’éducation et son cli mat, Éd. Ouv., 1963.

P ailla rd , J. : Données actuelles sur Vorganisation de la moelle, Act.neuroph., t. I, Masson, 1962.

Prudence, C.:  J ’ai 7 ans, Levain, 1963.

Robin, G.: La guérison des défauts et des vices de Venfant, Domat, 1949.

ROON, K. : Apprenez à vous détendre, Denoel, 1961.Rostand, J. : Le droit d’être naturaliste, Stock, 1963.

SCandel , J. : Victoire sur l’insomnie, Julliard, 1962.Schal ler , P . : Morale et affectivité, Salvator, 1962.Stocker, a.: Psychologie du sens moral, Suzerenne, 1949.-------- Le traitement moral des nerveux, Beauchesne, 1948.-------- De la psychanalyse à la psychosynthèse, geauchesne, 1957.-------- L ’homme, son vra i visage et ses masques, Vitte, 1954.-------- Névrose, perversion et santé de l’âme, Nouv. Éd. Lat., 1961.-------- Folie et santé du monde, Nouv. Éd. Lat., 1961.

Tocquet, R. : Cultivez votre cerveau, Les prod. de Paris, 1961. 

Tomatis: L ’oreil le et le langage, Seuil, 1963.

Teilhard de Chardin: Réflexions sur le bonheur, Cahier 2, Seuil. -------- Le milieu divin, Seuil, 1957.

Vittoz, R. :  T rai tement des ph ychonévroses par la rééducati on du con trôle cérébral, Baillière, 8.» éd., 1960.

Page 203: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 203/207

^ Z L ey-,eVeí  * ólloa afd f  ’’osofta . ( J F G  

BIBLIOGRAFIA SUMARIA ° Pe‘ '"'S O 203

-------- Notes et Pensées, Levain, 1955. — —  Ouvrages collectifs.

-------- Vocabulaire de la psychologie, P.U.F., 3.a éd., 1963. — —  Qu'est-ce que vouloir? Éd. du Cerf., 1958.

-------- La motivation, P.U.F., 1959.

-------- Les méthodes de relaxation, Cahiers de psychiatrie, Strasbourg.

1963. — —  La relaxation, Aspects théoriques et pratiques, Exp. scient, fr.,

1959.-------- Aptitudes et capacités: la méthode Romain, Éd. de l’épi, 1960.-------- Les techniques de la réalisation de soi, L ’Age nouveau, 1962.

Page 204: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 204/207

Page 205: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 205/207

r

Indice

INTRO DUÇÃO .......................................................................................13

CAPÍTULO I

O CÉREBRO, ÓRGAO DA VONTADE

Vontade e Cérebro .......................................................................... .......33

O Domínio Voluntário ...................................................................... .......35

Sensibilidade muscular e harmonia do gesto ............................ .......39

Aprender a agir: Gnosias e Praxias ...................................................44

As zonas motrizes cerebrais ..............................................................45

Dos automatismos cerebrais à Vontade .................................... .......47

O Eu cerebral ............................................................................... .......49

CAPITULO II

V O N T A D E A N I M A L E VO N T AD E H U M A N A

Complexificação cerebral e níveis de Vontade ................................53

Lugar da Vontade nos comportamentos ...............................................50A superioridade cerebral humana: a linguagem ..............................H3

O pré-frontal humano, Vontade refletida do Bem ................... .......OH

Page 206: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 206/207

206 O DOMÍNIO DE SI 

Ca p it u l o m

PATOLOGIA DO CÉREBRO E PERTURBAÇÕES DA VONTADE

Norm al e Patológico ...................................................................... 73

Vontade e doenças do cérebro: Apraxias, perda de iniciativa

motriz, desdobramento da personalidade ........................... 78

Equilíbrio do ambiente interior e Vontade. As perturbações

hormonais ................................................................................. 84

Haverá medicamentos para a Vontade? .................................... 88

Vontade e Neuroses ........................................................................ 90

Hipnose e Sugestão ...................................................................... 92

A Psicocirurgia e os seus perigos ............................................... 94

O canhotismo contrariado ............................................................. 95

A fadiga nervosa .......................................................................... 96

Ca p ít u l o IV

A OBRIGAÇÃO DE SABER QUERER E OS PERIGOS  DA IGNORÂNCIA

Verdadeira e falsa Liberdade ....................................................... 101

A satisfação humana das necessidades ........................................ 105

A alienação social ........................................................................ 109

Ca p ít u l o V 

A E D U C A Ç Ã O D A V O N T A D E

A moral positiva ............................................................................ 113

Permanecer adultos: aprendizagem permanente ......................... 115

As condições do estado adulto humano: prolongação da ima

turidade ................................................................................... 117Necessidade da cultura .................................................................. 119

Preeducação do menino ................................................................. 124

Aprender a ser para saber viver: a verdadeira educação .... 133

Importância humana da adolescência .......................................... 136

Page 207: O DOMÍNIO DE SI

7/29/2019 O DOMÍNIO DE SI

http://slidepdf.com/reader/full/o-dominio-de-si 207/207

INDICE

cAL in ! t st.tes a’a rfitoa  Acad. Filosofia - U F G

Fone: 225-9810 207

Capi tu lo V I  

C IV IL IZAÇ AO E VON T AD E

Progresso cultural e Cérebro ....................................................... 141

Necessidade da higiene social ..................................................... 144

Há progresso para o homem? ................................................... 145

A verdadeira libertação: Socialização e Noosfera ................... 147

Capí tu lo V II