O dono tem a força - Capital Aberto · companhias no mercado de capitais está longe de ser tema...

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SEM SUITABILITY FUNDAÇÕES IGNORAM PERFIL DE RISCO, E BENEFICIÁRIOS VEEM SUA POUPANÇA SUMIR DEZ ANOS DE IPO RANKING ELEGE AS MELHORES OFERTAS PÚBLICAS INICIAIS DE AÇÕES DESDE 2004 O dono tem a força FUSÃO DE OI E PORTUGAL TELECOM INAUGURA FÓRMULA PARA ACIONISTAS CONTROLADORES APROVAREM TRANSAÇÕES QUE OS PRIVILEGIAM EM PREJUÍZO DOS MINORITÁRIOS CAPITAL ABERTO • ANO 11 • NÚMERO 129• MAIO 2014

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SEM SUITABILITYFUNDAÇÕES IGNORAM PERFIL DE RISCO, E BENEFICIÁRIOS VEEM SUA POUPANÇA SUMIR

DEZ ANOS DE IPORANKING ELEGE AS MELHORES OFERTAS PÚBLICAS INICIAIS DE AÇÕES DESDE 2004

O dono tem a forçaFUSÃO DE OI E PORTUGAL TELECOM INAUGURA FÓRMULA PARA ACIONISTAS CONTROLADORES APROVAREM TRANSAÇÕES QUE OS PRIVILEGIAM EM PREJUÍZO DOS MINORITÁRIOS

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E d i t o r i a l

04 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Marketing e Circulação Roberta Palma Publicidade Érica Olbera (11) 3775-1623 e (11) 98109-6419 Debora Manzano (11) 3775-1619 e (11) 99689-2686 Silzer Draghi (11) 3775-1617 e (11) 98610-2459Viviane Martos (11) 3775-1620 e (11) 99601-0842 International sales Sales Multimedia, Inc. (USA) +1-407-903-5000 – [email protected] Assinaturas (11) 3775-1602 [email protected]

Primeiras décadas são um oportuno convite a retrospectivas. Há exatos dez anos, o mercado de capitais brasileiro assistia ao IPO da Natura sem saber que aquela seria uma fronteira histórica: empresários e investidores iniciavam ali uma nova maneira de relacionar-se entre si. A partir de então, faria sentido para os primeiros levantar recursos emitindo ações e, se fosse o caso, até abrir mão do controle acionário; para os segundos, o Brasil e suas companhias, sob um guarda-chuva de boas normas de governança chamado Novo Mercado, emergiam como destino atraente no farto cenário de liquidez mundial que se aproximava.

Não poderíamos, pois, deixar de celebrar a efeméride na capital aberto e aproveitá-la para fazer um exercício: uma centena e meia de IPOs depois daquele maio de 2004, quais teriam sido os mais bem-sucedidos? Que ban-cos e escritórios de advocacia foram responsáveis por trazer as melhores companhias ao mercado? Pensamos em algumas métricas para eleger essas empresas e pedimos a ajuda do Insper para calculá-las. Os resultados podem ser conferidos a partir da página 19.

A transformação em uma década foi grande, porém o ingresso das companhias no mercado de capitais está longe de ser tema bem resolvido. No quadro de investidores muito seletivos no ambiente internacional, e de um mercado interno ainda inibido por taxas de juros elevadas e baixo volume de poupança, o principal obstáculo é a sustentação de demanda para emissores dos mais variados portes. Atrair empresas médias e peque-nas, que se interessam por ofertar ações mas não estão dispostas a fazê-lo a qualquer preço, é certamente um desafio para os próximos dez anos. A boa notícia é que, assim como em 2004, o mercado está munido de uma série de iniciativas para alcançar esse objetivo. No Círculo de Debates desta edição, especialistas trocam opiniões sobre o potencial e o alcance delas.

A reportagem de capa mostra que, embora ainda não acessível a em-presas de todos os tamanhos, o mercado de capitais estabeleceu-se como via de crescimento para as companhias. Na esperta modelagem societária desenhada para unir Oi e Portugal Telecom, os acionistas controladores desagradam os minoritários da telefônica brasileira. Somente conseguirão viabilizar o conjunto da reestruturação, no entanto, se puderem contar com investidores daqui e de fora numa bilionária oferta pública de ações. O projeto é criar, ao final, uma companhia de base acionária dispersa, lis-tada no Novo Mercado. Bem diferente dos tempos em que a maioria das reorganizações terminava em fechamento de capital.

Simone Azevedo

Editora executiva Simone Azevedo [email protected] Tanoue [email protected] de texto e produçãoBruno [email protected]órteresBruna [email protected] Yokoi [email protected] ColaboradoresCamila HesselJoão Carlos de OliveiraLuciana Del CaroMariana SegalaRoberto RockmannColunistasAlexandre Di Miceli da SilveiraMarta Barcellos Ney CarvalhoPeter JancsoArticulistas desta edição Bruno BastitEdison FernandesEliseu MartinsProjeto e direção de arte Beto Nejme e Marco ManciniGrau 180DiagramaçãoGrau 180 Rodrigo Monteiro IlustraçõesBeto NejmeEric PeleiasMarco Mancini Impressão Duograf Gráfica e EditoraCirculaçãoDPA Consultores Editoriais [email protected]: (11) 3935-5524Distribuição nacionalFernando Chinaglia Comercial e DistribuidoraTiragem desta edição 6.000 exemplares Data de fechamento27/3/2014

Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos e boletins customizados são as de seus autores e não, necessariamente, as da capital aberto. É proibida a reprodução ou transmissão de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia. Para receber um exemplar como cortesia, acesse a seção Exemplar Cortesia, em www.capitalaberto.com.br.

ANO 10 - NÚMERO 129 - MAIO 2014

A Capital Aberto é uma publicação mensal da Editora Capital Aberto Ltda. Endereço Rua Wisard, 305 – sala 54 – Vila Madalena – São Paulo, SP – CEP 05434-080 Contatos: (11) 3775-1600 – fax (11) 3775-1604 [email protected]

Bem diferente

Circulação auditada:

S u m á r i o

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 05

14 CAPAOi e PT inauguram fórmula para controladores aprovarem transações em benefício próprio

19 Dez anos de abertura de capitalEm parceria com Insper, capital aberto elege os IPOs mais bem-sucedidos desde 2004

28 Círculo de DebatesEspecialistas analisam medidas em curso para incentivar o mercado de acesso

32Acabou a tranquilidade Fundos de pensão registram prejuízo e consumem recursos dos aposentados

38 Conselhos de administraçãoDiversidade etária ainda engatinha, mas tendência é os jovens ganharem espaço

42 Mercados emergentesAinda não foi desta vez que eles aproveitarama deixa dos desenvolvidos para brilhar

44Energia elétricaDepois da Lei 12.783, foi a vez de São Pedro causar um curto-circuito nas cotações

4 Editorial

6 Mural do Leitor

7 Seletas

8 capital aberto n@ Web

9 + n@ Web

10 Relevo Emílio Fugazza

12 Adiante

48 Alta&Baixa Azul: Porto SeguroVermelho: Locamerica

50 Notas Internacionais

53 ArtigoOs minoritários precisam acelerar o passo do ativismo no Brasil

54 Antítese A contabilidade deve deixar de ser tratada na lei?

56 Histórias

57 GovernançaOs malefícios da crescente “financeirização” das companhias

58 RetratoPedro Parente

61 PrateleiraHistórias do lobo mau

62 Saideira

SEÇÕES

Maio 2014

M u r a l d o L e i t o r

06 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Diego Aubin Miguita, advogado do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados

CÍRCULO DE DEBATESÉ extremamente necessário modernizar e atualizar a legislação que regulamenta os fundos de investimento, de forma a criar alternativas atraentes para o mercado in-vestidor e permitir maior competitividade entre os fundos (“Ajustes para modernizar”, ed. 128). As medidas em debate, contudo, devem ser acompanhadas por uma legis-lação tributária igualmente moderna e inteligente. É preciso: tornar claro, para os a investidores leigos, o mecanismo de apuração e tributação efetiva; e criar so-luções simétricas a investimentos que, por sua natureza, mereçam ser equiparados do ponto de vista fiscal. Não havendo medidas fiscais indutoras em linha com a moderni-zação regulatória, os esforços empreendidos perderão um pouco de sua força.

Lélio Lauretti, conselheiro honorário da Abrasca

ADIANTEIniciativas como esta (“Nova 476 promete ampliar emissões de ações”, ed. 128, abril) reconhecem as limitações de nosso mercado de capitais. A simplificação é o apoio de que os fatores macro precisam para convertê-lo em legítima alternativa ao financeiro. A Austrália tem mais de 2 mil empresas lista-das, sendo 80% pequenas e médias. Bolsas com esse perfil são o alicerce de economias equilibradas, especialmente no que diz res-peito a risco. Os EUA aprenderam as lições do passado: só neste primeiro trimestre de 2014 realizaram 68 IPOs!

Bruno Salotti, professor da FEA-USP

BLOG: ELISEU MARTINSO texto “O Iasb nos traindo” (28 de março) deu uma aula de forma simples e objetiva. Infelizmente não tenho nenhuma ideia que nos faça sair dessa situação, mas não posso deixar de destacar o aspecto político da contabilidade, nesse caso se sobrepondo ao aspecto técnico. E ainda por cima tem gente que diz que contabilidade é uma ciência exata…

ERRATADiferentemente do publicado na matéria “É com você investidor” (ed. 128, abril), a impossibilidade de arbitragem de preço entre espécies de ação não foi um risco mencionado pela diretora da CVM, Ana Novaes, em seu voto. Ele foi apontado por outras fontes ouvidas na reportagem.

S e l e t a s

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 07

Ordem na casa

Está em análise na CVM o novo sistema de intermediação criado pela BM&FBovespa. Caso ele seja aprovado, as corretoras passarão a ser classificadas em dois grupos: as que tiverem direito a negociar nos segmentos Bovespa ou BM&F estarão na categoria participante de negociação pleno (PNP); as que atuarem por meio de corretoras PNP para acessar esses dois ambientes serão classificadas como participante de negociação (PN). A mudança trará mais segurança ao investidor final, uma vez que, nas duas categorias, os intermediários ficarão ao alcance da Bovespa Supervisão de Mercado (BSM). Estarão, portanto, sob o chapéu do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP), uma espécie de colchão que garante indenização ao investidor caso ele seja prejudicado por falha do intermediário. No modelo atual, apenas o cliente da corretora plena tem esse benefício.

Mais um

Eike Batista entrou para o rol de investigados criminalmente pela prática de insider trading. Após apuração, a CVM concluiu que o empresário e outros administradores da OGX sabiam da inviabilidade dos principais campos de petróleo desde outubro de 2012, mas só deram a má notícia aos acionistas em julho de 2013. Poucos meses antes, Eike vendeu parte de suas ações no mercado. Em nota, a EBX, holding controladora do grupo, afirmou que não houve má-fé do empresário ao negociar os papéis. Em face do indício de crime, a CVM levou o caso ao Ministério Público. Até agora, só um episódio rendeu condenação penal por insider trading no Brasil. Executivos da Sadia foram punidos por terem negociado, em 2006, ações da empresa tendo a informação privilegiada de que ela faria uma oferta para comprar a Perdigão.

Dinheiro à vista

O BNDES vai investir R$ 1 bilhão para incentivar o in-gresso de companhias no Bo-vespa Mais, segundo anúncio feito no congresso da ABV-Cap, em abril. A BNDESPar investirá os recursos nas ofer-tas públicas de companhias menores, atuando, inclusive,

como investidor-âncora. O banco po-derá garantir até 20% da subscrição, desde que a oferta seja majoritariamente primária, e selecionará um gestor para o Fundo de Investimento para o Mer-cado de Acesso, no qual poderá aportar até 30% do patrimônio. O objetivo é o fundo alcançar R$ 250 milhões e auxiliar empresas a abrir o capital.

Por Yuki Yokoi

Vender ou vender

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinou que a CSN venda as ações que detém da Usiminas. Por meio de uma escalada em bolsa, em 2011, a siderúrgica nacional acumulou 17,43% do capital da concorrente (14,13% em ações ordinárias e 20,71% em preferenciais). A fatia lhe rendeu um assento no conselho de administração e, segundo o órgão antitruste, acesso privilegiado a informações da Usiminas. O Cade já estava de olho no negócio, tanto que havia suspendido o exercício dos direitos políticos das ações até a decisão final ser tomada. O órgão antitruste não divulgou o prazo para a venda, nem a quantidade de ações que devem retornar ao mercado.

Impedido

No dia 15 de abril, Ati-lano Oms Sobrinho, controlador da Ine-par, foi sentenciado a cinco anos de ina-bilitação para o car-go de administrador de companhia aberta. A CVM constatou que o empresário, junta-mente com outros executivos também punidos, usou a hold- ing IAP para usurpar oportunidades de investimentos de suas controla-das — entre elas a Inepar Indústria e Construções (IIC), que abriga a base de acionistas minoritários. No ano passa-do, Sobrinho já havia sido condenado a outros cinco anos de inabilitação por inflar o balanço da empresa com títulos da dívida pública federal avaliados a preços irreais, entre outras irregulari-dades. Nos dois casos, cabe recurso ao Conselhinho. Se as sanções forem man-tidas, o empresário terá que pendurar as chuteiras por dez anos.

C A P I TA L A B E R T O n @ W e b

08 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Por Yuki Yokoi

Conselho bom

Cada vez mais, o conselheiro de ad-ministração deve mostrar que está comprometido com a proteção dos interesses dos acionistas. No artigo “Conselheiro em ação”, publicado exclu-sivamente no site, Lynn Morgen, sócia-fundadora da MBS Value Partners, dá dicas para um board que deseja garantir sua independência.

Do acervo

Com a notícia de que o STF, no dia 2 de abril, decidiu proibir as doações de empresas a partidos políticos, a matéria “Doa- ções veladas”, publicada na edição 113 (janeiro de 2013), foi rememorada e fez su-cesso nas redes sociais. A reportagem mostrou a falta de transparência das companhias abertas sobre doações políticas. Pelo Facebook, o consultor Re-nato Chaves comentou: “Depois que três empresas de capital aberto alimentaram o valerioduto, era a decisão mais sensata”.

Mais liberdade

No mês passado, perguntamos, em nossa enquete, se os FIPs deveriam investir em empresas que não são sociedade anôni-ma. Para a maioria dos internautas (86%), a possibilidade de comprar participações em limitadas parece uma boa ideia. Há, no entanto, um possível preço a pagar pela liberdade. “Creio que o maior problema pode estar na falta de transparência da administração sobre o desempenho da companhia”, observou Paulo Lima, pelo Facebook.

Artigo

86% 14%

BlogsRedação

Sem informações

Em abril, a RJCP divulgou uma nova versão do seu formulário de referência. No documento, é possível ver que, desde dezembro, a fatia de ações detidas por Marcelo Bastos, controlador da com-panhia, caiu de 50,14$ para 33,54%. O problema é que nenhum dos informes exigidos pela Instrução 358 foi feito. A RJCP também está devendo suas demonstrações financeiras. Até o fechamento da edição, a companhia não havia entregado o balanço de 2013.

É miragem

A moeda virtual bitcoin ganhou um crítico de peso. Em entrevista à rede americana CNBC, Warren Buffett afirmou que ela é apenas mira-gem e fez um alerta: “Fi-

que longe disso”. As palavras do famoso investidor repercutiram. Marc Andreessen, cofundador da Netscape, disse que Buffett era um velho critican-do uma tecnologia que sequer entende.

Roberto Teixeira da Costa

A China é aqui Sempre antenado ao cenário internacional, Ro-berto Teixeira da Costa fez um post totalmente dedicado à presença da China na América Latina. De acordo com o China-Latin America Finance Database, um banco de dados online, os financia-mentos chineses destinados à região atingiram US$ 20,1 bilhões em 2013, mais que o triplo do ano anterior. O Brasil está entre os maiores bene-ficiários. “Esses números atestam a importância da China para nossa região e indicam a grande sensibilidade das economias latino-americanas ao comportamento da economia chinesa”.

+ n @ W e b

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 09

Por Bruna Maia Carrion

http://on.fb.me/1l43pZzDiscrição em primeiro lugar

Abilio Diniz adora dar lições de vida e empreendedorismo na sua página no Facebook. Eike Batista, antes da derrocada das empresas X, também era assíduo usuário da rede social. Há um empresário, contudo, que ninguém esperava ver nesse ambiente: Jorge Paulo Lemann. Discretíssimo, ele nunca concede entrevistas. Por isso mesmo, ninguém imaginaria ver uma fan page oficial sua no Facebook. Lemann não apenas está na rede social como já recebeu quase 30 mil curtidas. Não espere dos textos dele, entretanto, o mesmo teor dos escritos por Diniz. Sua página é voltada a mostrar iniciativas das fundações Lemann e Estudar, e a compartilhar ideias sobre educação. O tom das postagens é impessoal — aparentemente, não são redigidas pelo próprio empresário.

http://on.fb.me/1hqf532Vida sem café vale a pena? A página da CVM se esforça para educar investidores e incen-tivá-los a poupar. Em abril, explicou como economias simples podem ter grande impacto no futuro. Citou, por exemplo, o cafezinho de cada dia: os R$ 0,70 gastos com uma singela xícara, se poupados e investidos, poderiam resultar em mais de R$ 20 mil ao fim de 30 anos. A postagem fez sucesso, com quase 30 compartilhamentos. Mas não passou sem polêmica; afinal, mexeu com uma paixão nacional. “Quanto vale uma vida sem tomar cafezinho?”, perguntou um seguidor. A autarquia logo disse que não seria problema manter o café e cortar outros custos.

http://bit.ly/1k7EVgEAs aparência não enganam, não

Se a empresa não vai bem, até a aparência do CEO pode ser criticada. É o que está acontecendo na Lululemon, marca de roupas esportivas voltadas à prática de yoga. As ações da companhia eram negociadas a US$ 85 há menos de um ano e agora têm cotação inferior a US$ 50 na Nasdaq. Laurent Potdevin, presidente da Lululemon, resolveu fazer uma apresentação a investidores para falar sobre o futuro da empresa, mas eles não gostaram do que ouviram e o consideraram muito vago. Além disso, observaram que estava gordinho e desleixado. “Será que ele precisa fazer yoga?”, questionaram alguns maldosos no Twitter. Outros alfinetaram Potdevin dizendo que ele não personificava os valores da empresa, de uma vida saudável e equilibrada. Se as ações estivessem subindo, será que alguém se importaria com a barriguinha do CEO?

http://bit.ly/1iO96tJO Brasil falhouO famoso gestor de fundos de mercados emergentes Mark Mobius, da Franklin Templeton, esteve no Brasil em abril e escreveu sobre o País no blog da asset. Em sua opinião, o governo brasileiro tem gastado muito nos últimos anos e falhou ao gerar crescimento, o que fez a Standard & Poor’s rebaixar o rating do País de BBB para BBB-. O texto também criticou as enormes dívidas da Petrobras. Apesar disso, Mobius deixou claro que há salvação: “O Brasil está enfrentando ventos contrários, mas acreditamos que reformas significativas para facilitar os investimentos do setor privado podem ajudar o País a voltar a um rumo positivo”.

http://bit.ly/QzvjRSPague um drink

A rixa entre Carl Icahn e Bill Ackman não é novidade. Os in-vestidores-celebridades tiveram uma briga épica por divergências em relação à Herbalife. A discussão foi transmitida ao vivo, durante um telejornal do canal americano CNBC, em janeiro de 2013. Em uma entrevista dada à mesma rede, em abril, no entan-to, Icahn parecia bem mais amigável ao falar do rival. O motivo? Uma taça de, aparentemente, vinho branco que

bebe durante a conversa, numa sala cheia de livros. “Nunca disse

que ele não era um cara esperto”, afirmou, um tanto relaxado. O blog

Dealbreaker surfou na onda da suposta embriaguez de Icahn. Listou uma série de ocasiões em que o investidor pegou pesado com Ackman e fez a piadinha: “Se você quiser um elogio de Icahn, ofereça-lhe um drink; se quiser uma carta de recomendação para Princeton, dê-lhe uma garrafa de martíni”.

R e l e v o

10 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Emílio Fugazza

Diretor financeiro e de relações com investidores da Eztec, Emílio Fugazza pode-se dizer sortudo. Trabalha numa das únicas companhias abertas do setor imobiliário a exibir bom desempenho. Em 2013, a ação da Eztec valorizou-se 15,7%, enquanto os papéis de algumas incorporadoras chegaram a cair cerca de 60%. Isso não significa que a companhia esteja totalmente imune à tormenta que atinge o segmento. De janeiro a 24 de abril, a ação caiu 6,8%. “Quando você abre o jornal, fatalmente se depara com notícias sobre bolha de imóveis ou cancelamentos de vendas. Apesar de estarmos indo bem, a percepção setorial não depende da Eztec, mas das large caps.” A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Fugazza à capital aberto.

Retorno para o acionista“O retorno sobre o patrimônio líqui-do do setor em 2013 foi de 12%. Num cenário em que a taxa Selic está em 11%, o segmento, infelizmente, não faz nenhum sentido. Na Eztec, entre-tanto, esse indicador atingiu 35%, e o lucro líquido do ano passado foi 75,6% maior que o de 2012. Se conseguirmos manter esse resultado, já vai ser uma vitória, porque este ano lidamos com dificuldades adicionais, como a Copa e as eleições. Até por isso ainda não divulgamos guidance de lançamentos.”

Corporations“Quando dizem que a Eztec deu certo porque é uma empresa familiar e pos-sui acionista majoritário, que sente no bolso cada vez que um empreendimento dá errado, é verdade. Mas isso também vale para um acionista relevante de uma companhia pulverizada. O importante, em qualquer um desses modelos, é ha-ver alinhamento de interesse entre os executivos e os acionistas. E o conselho de administração tem papel fundamen-tal aí. Somos dez diretores na Eztec, com cabeças e interesses distintos. Quem nos converge é o conselho.”

Família no comando“O Ernesto Zarzur [fundador da Eztec] tem seis filhos, dos quais quatro traba-lham na companhia. Mas, se as decisões aqui fossem tomadas como numa famí-lia, não teríamos esse resultado, porque isso significaria decisões privilegiadas, em detrimento de filosofia de traba-lho, conceito e número final — tudo o que prezamos.”

Foco absoluto“Quanto mais diversificado é o merca-do de atuação, mais difícil é o estabele-cimento de parcerias com clientes, fun-cionários e fornecedores, e o controle de tudo. Devido a esse entendimento, ao contrário de muitas incorporadoras, optamos por atuar somente na cidade de São Paulo. Nossos empreendimen-tos também são focados num único segmento social: a classe média. Até podemos construir algum empreendi-mento voltado à alta ou à baixa renda, mas eles nunca serão o core business da companhia.”

Bolha imobiliária“Quem fala em bolha acredita que a alta dos imóveis não corresponde à

capacidade de pagamento das pessoas. É preciso lembrar, no entanto, que em 2007 os apartamentos tinham 100 m2 e o preço do metro quadrado era, em média, de R$ 3 mil. Hoje, esses imóveis medem 60 m2 e são vendidos a R$ 7 mil o metro quadrado. Isso significa que as pessoas estão pagando o dobro por metragem, mas não pelo imóvel. No todo, elas estão desembolsando de 20% a 30% a mais.”

Margens apertadas“Mesmo com o incremento no pre-ço dos imóveis, a margem bruta das construtoras de capital aberto dimi-nuiu: passou de 39%, em 2007, para 28%, em 2013. Isso porque houve um forte aumento do custo de produção e dos terrenos. A Eztec é uma das úni-cas incorporadoras que, no ano pas-sado, registrou a mesma margem de 2007. Então, se houver uma queda de preço generalizada dos apartamentos, como algumas pessoas imaginam, ela acontecerá uma única vez: as incor-poradoras vão vendê-los e não lança-rão novos, porque não terão dinheiro para adquirir terrenos que reponham esses empreendimentos. ”

Exceção à regra Por Luciana Tanoue

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12 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Por anos, a Petrobras ostentou o título de maior companhia aberta do País. O cenário atual, no entanto, em nada lembra seus tempos de glória. Na BM&FBovespa, as cotações da petro-leira despencaram tanto que seu valor de mercado passou a ser quase a metade do patrimonial: no pregão de 25 de abril, as ações somavam R$ 202,3 bilhões, ante um patrimônio líquido de R$ 349,3 bi-lhões. Não é à toa que a companhia tem visto sua base acionária minguar.

A fuga está concentrada nos inves-tidores profissionais. De acordo com o formulário de referência da Petro-bras, desde 2010 o número de fundos e clubes de investimentos com ações da petrolífera despencou 32,9% (de 10.797 para 7.245). O grupo dos insti-tucionais, que abriga fundos de pensão e seguradoras, caiu 27,5% no mesmo período (de 1.905 para 1.381). A queda mais discreta é a de acionistas pessoas físicas, com uma redução de 10,% nos últimos quatro anos.

O reinado da Petrobras na carteira do Ibovespa também está prestes a acabar. Como o índice leva em conta critérios de liquidez e volumes de negociação, as duas prévias divulgadas até o fechamen-to desta edição indicavam que, a partir de maio, a petroleira será ultrapassada pelo setor financeiro. As preferenciais do Itaú Unibanco e do Bradesco ten-dem a ocupar o maior espaço da cesta, com 9,5% e 7,6%, respectivamente; a Petrobras PN ficará na terceira posição, ocupando 7,1% da carteira.

“Havia uma grande expectativa de crescimento a partir da descoberta do petróleo da camada pré-sal [anunciada em 2008], mas a companhia não extraiu valor dessa base de ativos”, avalia Ro-berto Altenhofen, da Empirius. Nesse período, a Petrobras não aumentou sua produção de forma expressiva, mantendo-se na faixa dos 2,5 milhões de barris ao dia. Ao mesmo tempo, sua dívida disparou de R$ 65 bilhões para R$ 223 bilhões nos últimos quatro anos,

Investidores institucionais fogem da Petrobras

mesmo levando em conta a capitaliza-ção feita em 2010, no valor de US$ 120 bilhões — em reais, atualmente, esse montante equivale a cerca de R$ 268 bilhões, mais que o valor de mercado da companhia.

Para piorar a situação, uma série de escândalos deteriora qualquer perspec-tiva positiva em relação à petroleira. Em abril, veio à tona o caso Pasadena. A Petrobras pagou US$ 360 milhões pela aquisição de 50% da refinaria america-na, com uma cláusula que a obrigava a adquirir os 50% restantes em caso de desentendimento com o outro sócio, a belga Astra Oil. Foi o que acabou acontecendo. Com isso, a brasileira desembolsou ao todo US$ 1,25 bilhão pela refinaria, que havia sido comprada pelos belgas por valor ao menos quatro vezes menor, um ano antes. O caso ganhou ainda mais repercussão porque o negócio foi aprovado pelo conselho de administração, na época coman-dado pela presidente da República, Dilma Rousseff.

Ilustrações: Eric Peleias

A Petrobras também é alvo da Ope-ração Lava Jato, deflagrada em março. A Polícia Federal investiga uma or-ganização suspeita de usar postos de combustível para lavar dinheiro, além de movimentar R$ 10 bilhões em câmbio ilegal, corrupção de agentes públicos e outros crimes. Devido ao possível envolvimento com a quadrilha, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de refino e abastecimento da Petrobras, foi preso em março. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também será instala-da para investigar irregularidades.

O intenso noticiário depreciou de tal forma as ações que alguns gestores que deixaram a companhia nos últimos meses cogitam voltar. “Foi uma pena termos zerado nossa posição no fim do ano passado”, lamentou um gestor. Segundo ele, com a montanha-russa das cotações no mês passado, inclusive ao sabor das pesquisas de intenção de voto nas eleições presidenciais, os lucros seriam certeiros, ao menos no curto prazo. (Yuki Yokoi)

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 13

Até o fim do primeiro semestre, uma série de projetos de lei para estimular os investimentos em empresas jovens (venture capital) deve começar a trami-tar na Câmara dos Deputados. Desde setembro, o assunto é alvo de discussão no Centro de Estudos e Debates Estra-tégicos (Cedes), órgão da casa composto de 11 parlamentares.

Entre as propostas consideradas prioritárias, está a que amplia o escopo do Simples (regime tributário simplifi-cado para micro e pequenas empresas) para abarcar as sociedades anônimas de pequeno porte. Atualmente, apenas as limitadas podem participar. “Enten-demos que o modelo de S.A. é o mais interessante e transparente para quem realiza investimentos em companhias nascentes, [em veículos] como os FIPs [fundos de investimento em participa-ções]. Mas, para receber o aporte, uma empresa não deveria ser obrigada a dei-xar o Simples para se tornar uma S.A.”,

Legislativo discute projetos para estimular venture capital

avalia Marcos Pineschi Teixeira, con-sultor legislativo envolvido no projeto.

Outro tema em análise pelo Cedes são os efeitos da desconsideração de personalidade jurídica. Nas empresas investidas, esse instrumento pode com-prometer o patrimônio de um investi-dor, especialmente em questionamen-tos trabalhistas. “Ainda falta formatar o projeto de lei a respeito, mas ele deve prever o acionamento de mecanismos de alerta antes de o Judiciário bloquear os bens”, diz o advogado Rodrigo Me-nezes, sócio do escritório Derraik & Menezes e coordenador do Comitê de Empreendedorismo e Venture Capital da ABVCap.

A possibilidade de criar modelos tributários que permitam ao fundo usar as eventuais perdas com um investi-mento para reduzir o imposto a pagar naqueles em que houver ganhos — algo semelhante ao que já ocorre com as apli-cações acionárias em bolsa — também é

um item em discussão. O deputado José Humberto, do PSD de Minas Gerais, é o relator do estudo. Os primeiros pro-jetos de lei devem ser apresentados ao público em um seminário promovido pelo Cedes na Câmara, em 22 de maio. No total, estima-se que entre quatro e seis propostas legislativas sejam enca-minhadas. (Mariana Segala)

A Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) se diversifi-cou. Dos 38 procedimentos arbitrais que já passaram ou estão sob sua análise, apenas 7 (18%) envolvem companhia listada nos segmentos de governança corporativa da BM&FBovespa. A maioria dos litígios se dá entre outros participantes do mercado, como empresas fora dos níveis especiais e fundos de investimentos.

O cenário é bastante diferente daquele que se projetava quando a CAM foi lançada, em 2001. Na época, a Bolsa se pro-pôs a oferecer um foro especializado para solucionar os con-flitos entre companhias abertas, com o intuito de tornar sua adesão obrigatória para os emissores interessados em se listar nos recém-criados Nível 2, Novo Mercado e Bovespa Mais. Atualmente, há, inclusive, empresas de capital fechado que prevêem a CAM como tribunal para resolução de conflitos.

Segundo Roberto Teixeira da Costa, presidente da CAM, a diversificação dos casos aconteceu de forma natural.

A Câmara nunca foi restrita às companhias listadas. Ao mes-mo tempo, não houve um trabalho para expandir sua atu-ação. A chancela da BM&FBovespa pode ter ajudado a des-pertar o interesse do mercado, mas os custos, menores do que os cobrados em outras câmaras, constituem um atrati-vo. Para arbitrar um litígio de até R$ 2 bilhões, a CAM cobra cerca de R$ 36 mil. Na concorrência, a despesa pode passar de R$ 1 milhão.

A CAM recebeu seu primeiro caso em 2010. Desde então, 17 procedimentos foram encerrados, num prazo médio de 10,4 meses, e outros 21 estão em andamento. Os conflitos comerciais foram os mais frequentes até agora. No total, a CAM soma 14 casos que envolvem situações como descum-primento de contratos e concorrência desleal. Os de natureza societária — decorrentes, por exemplo, de operações de venda de controle e descumprimento de acordo de acionistas — somam 11. (Yuki Yokoi)

Câmara de Arbitragem vai além do mercado

R e t r a n c a

14 CAPITAL ABERTO Maio 2014 Ilustr

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Há situações em que a justiça esbarra na lei. A fusão da Oi com a Portugal Telecom (PT) é uma delas. Desde outubro, a companhia conduz uma elaborada transação com a telefô-nica portuguesa que enfureceu acionistas minoritários e chegou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O regulador foi chamado para decidir se os atuais controladores da Oi poderiam votar na assembleia que deliberou — e, ao final, aprovou — a avaliação dos bens da Portugal Telecom. Os ativos serão incorporados à Oi e, alguns passos adiante, as duas companhias serão uma só, com o nome de CorpCo. No fim de março, por maioria, os diretores da CVM permitiram o voto dos controladores, em decisão que abriu um

precedente significativo para acionistas aprovarem transações que lhes outorgam privilégios não acessíveis aos demais.

O veredito do colegiado contrariou não apenas os minoritários que afirmam terem sido lesados como a interpretação da própria área técnica da autarquia. Antes de expor os argumentos dos dois lados, cabe resumir o desenho da fusão anunciada pelas operadoras brasileira e portuguesa. São três etapas. Na primeira, a Portugal Telecom injeta R$ 4,5 bilhões nas holdings dos controladores da Oi, adquirindo debêntures conversíveis em ações. Os recursos quitam a dívida que atormentava a extensa lista de donos da telefônica: LF Tel (família Jereissati), AG Telecom (Andrade Gutierrez), BNDESPar, os fundos de previdência Funcef, Previ, Petros e Fundação Atlântico, além da própria Portugal Telecom,

Abuso legalizado

Por Yuki Yokoi e Simone Azevedo

Com a bênção da CVM, fusão de Oi e Portugal Telecom desvenda caminho dentro da lei para acionistas controladores aprovarem transações que lhes conferem privilégios

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16 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Desenho da fusão

inova ao isolar

as vantagens

dos acionistas

controladores no

primeiro estágio da

transação

todos unidos na holding Telpart. Na segunda etapa, será feito um aumento de capital gigantesco, de até R$ 17 bilhões. Nele, a PT aportará R$ 5,7 bilhões com seus próprios ativos; os controladores da Oi, junto com o BTG Pactual, outros R$ 2 bilhões; e os minoritários, o restante. No terceiro e último estágio, todos os acionistas trocarão seus papéis por ações da CorpCo.

Na visão dos investidores e da área técnica da CVM, a arquitetura da transação possibilita aos controladores receber um prêmio por suas ações a que os demais acionistas não terão direito. O privilégio estaria disfarçado na primeira etapa, em que a dívida dos majoritários da Oi é quitada. Somado, o passivo dos controladores supera o valor total de sua participação acionária na Oi (de 48,5%). Assim, ao liquidar as dívidas, a PT deveria apossar-se de 100% do bloco de controle, mas isso não acontece: a Portugal Telecom deterá apenas 72,49% da fatia dominante, continuando os demais acionistas com o resto. Aí está, portanto, o prêmio atribuído às ações — afirmam os minoritários, a área técnica da CVM e a diretora da autarquia Luciana Dias, único voto do colegiado favorável ao impedimento de voto dos donos da Oi. Outro defensor desse argumento foi o ex-diretor da CVM e atual sócio da Gávea Investimentos Marcos Pinto. Em parecer contratado pela gestora Polo Capital, ele sintetiza: “Se não houvesse prêmio, os atuais controladores da Oi, com exceção da Portugal Telecom, não ficariam com nenhuma ação”.

A superintendência de empresas da autarquia calculou, inclusive, o sobrepreço: cerca de 12 vezes as cotações em bolsa. Com base nas estimativas divulgadas no comunicado da transação, entre elas a de que a Portugal Telecom alcan-çará uma fatia de 38,1% da CorpCo, a área técnica presumiu que as ações ordinárias e preferenciais da Oi detidas pelos controladores estão sendo avaliadas, em média, a R$ 53 e R$ 49. No pregão, os papéis custavam, respectivamente, R$ 4,37 e R$ 4,03 antes do anúncio da fusão.

Identificado e calculado o prêmio, os técnicos entende-ram que os controladores não poderiam votar na assembleia que aprovaria o ingresso dos ativos da PT, realizada em 27 de março. De acordo com o artigo 115 da Lei das S.As., o acionista é impedido de votar em deliberações que possam beneficiá-lo de modo particular. Insatisfeita e discordando dos cálculos da SEP, a Oi recorreu ao colegiado. E venceu. Dois dias antes da assembleia, os diretores da autarquia decidiram não haver elementos suficientes para caracterizar uma situação de benefício particular que impedisse o voto. Segundo a manifestação vencedora, da diretora Ana Novaes — acompanhada por Roberto Tadeu e pelo presidente Leonardo Pereira, que não apresentaram relatórios próprios —, para que se evidencie, o benefício particular “teria de se corporificar na assembleia em questão ou ser diretamente decorrente da decisão assemblear”.

Desenho táticoA observação da diretora a respeito do tema da assembleia joga luz sobre a característica mais surpreendente desta tran-sação. Ao contrário de outros casos avaliados pela CVM, em que o voto do acionista controlador gerava diretamente um benefício a ele próprio ou o colocava em condição de conflito de interesses com a companhia — duas hipóteses previstas no artigo 115 para impedir o voto —, a fusão entre Oi e PT isola os privilégios dos controladores no primeiro estágio da operação. Apenas os acionistas que comandam a Oi estão envolvidos nessa etapa. Depois, a transação é conduzida ao segundo e ao terceiro estágios, nos quais a companhia aberta Oi é a protagonista, mas os passos societários não implicam nenhum privilégio direto aos controladores. Na etapa dois, a PT e os demais acionistas incorporam seus ativos para subscrever o aumento de capital; no terceiro momento, as ações de todos são trocadas por papéis da CorpCo, a uma razão muito próxima de um para um, conforme sugerem as melhores práticas. Nenhum benefício especial, portanto, nesses dois estágios.

Os minoritários argumentam, entretanto, que a operação deveria ser avaliada pela CVM como um todo. Até porque, conforme o comunicado de Oi e PT, a operação depende da

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 17

conclusão dos três estágios para acontecer, e sob determi-nadas condições. O memorando de entendimentos entre as telefônicas deixa claro que os portugueses só confirmarão a injeção de recursos no aumento de capital se seus ativos forem avaliados entre 1,9 e 2,1 bilhões de euros, o que significa uma fatia de ao menos 36,6% na CorpCo. Da mesma forma, os acionistas da Telpart afirmam que não aceitarão a transação se a participação da PT ultrapassar 39,6%. Esses detalhes, argumentam os investidores, fornecem a segunda evidência de que a operação não é justa com todos os acionistas: além de conferir um prêmio exclusivamente aos controladores na etapa um, ela divide a conta com as minorias na etapa dois, ao incorporar os ativos da PT.

Pulo do gatoO prêmio pago pela PT aos donos da Oi ao quitar a dívida é compensado, segundo os minoritários, com a sobrevaloriza-ção dos ativos da companhia portuguesa. Pelos cálculos da gestora Tempo Capital, a PT valeria, na mais conservadora das hipóteses, R$ 3,8 bilhões. São quase R$ 2 bilhões a menos que os R$ 5,7 bilhões computados no laudo de avaliação elaborado pelo Santander, cujo resultado ficou em linha com a condição previamente estabelecida pela PT. Provar a sobrevalorização dos ativos, contudo, é tarefa complicada, que não entra na sea-ra da CVM. Por isso nem a área técnica nem a diretora Luciana

Dias questionaram o laudo em seus pareceres. Os minoritários, porém, são categóricos em afirmar: o sobrepreço da PT, estabelecido a partir de uma conta de chegada, vai diluí-los injustamente. Na assembleia do dia 27 de março, dedicada a aprovar a incorporação dos ativos da companhia portuguesa no aumento de capital, a PT não votou — nesse caso, o benefício particular era direto e evidente. Mas os controladores da Oi votaram e aprovaram a transação, munidos do passe verde conferido pela CVM.

Forma ou essência?Em seu voto, a diretora Ana Novaes fez uma crítica à argumentação da colega Luciana Dias. Afirmou que Luciana alargou o conceito de benefício particular, “confundindo-o, sem em-basamento legal e sem suporte na jurisprudência deste colegiado, com vantagens indiretas que determinados acionistas podem experimentar em decorrência de determinada operação”. Sua leitura do tema foi apoiada pela opinião de advogados renomados. Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM, afirmou em um dos pareceres contratados pela Oi que o benefício

União na berlindaO impedimento de voto rende discussões acaloradas, mas também acontecimentos inusitados. Pela primeira vez, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma autarquia federal, está processando a própria União. O motivo é o fato de o governo ter votado na assembleia da Eletrobras, realizada em 3 de dezembro de 2012. O tema da pauta era a renovação das concessões de energia, sob o impacto da Medida Provisória (MP) 579. Editada pela presi-dente Dilma Rousseff, a norma mudou as regras do setor. Para reduzir o custo da energia para o consumidor final, o governo antecipou a renovação dos contratos, reduziu as margens que as companhias obtinham com as tarifas e alterou as regras de indenização dos concessionários pelos investimentos não depreciados.

De acordo com uma proposta da administração da própria Eletrobras, divulgada na época, a MP teria impacto substancial. Somente as novas tarifas reduziriam em 70% a receita da empresa. Ainda assim, a União, acompanhada do BNDES e da BNDESPar, votaram pela adesão às novas regras — os minoritários foram contrários à proposta. Para a CVM, no entanto, a União (diretamente, o governo detém cerca de 54,45% das ordinárias) não deveria ter votado por estar em situação de conflito de interesses, previsto no artigo 115 da Lei das S.As. Na visão da superintendência de empresas (SEP), autora do termo de acusação, o governo, além de ser autor da medida que pautava a assembleia, votou em interesse contrário ao da companhia.

O caso da Eletrobras é a soma de dois assuntos polêmicos: o impedimento de voto e a presença de sociedades de economia mista no mercado de capitais. A própria Lei das S.As., no artigo 238, admite que o controlador da companhia de capital misto oriente as atividades da companhia “de modo a atender o interesse público que justificou sua criação”. Em sua peça de defesa, a União garante ter cumprido o estatuto, inclusive porque faz parte de seu objeto social “cooperar com o ministério ao qual se vincule, na formulação da política energética do País”.

Tão inusitado quanto o fato de uma autarquia federal acusar a própria União pode ser o desfecho do caso. O governo fez uma proposta de termo de compromisso em que se compromete a realizar um evento de interesse do mercado de capitais, com abertura do Ministro da Fazenda. A oferta chegou ao colegiado da CVM no último dia 18 de fevereiro, quando a diretora Luciana Dias pediu vistas do processo. (Y. Y.)

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18 CAPITAL ABERTO Maio 2014

particular do artigo 115 “não deve ser confun-dido com vantagens ou proveitos indiretos que acionistas possam ter em uma deliberação”. Na mesma linha seguiram os demais juristas convocados pela companhia: Nelson Eizirik, Luiz Alberto Colonna e José Alexandre Tavares Guer-reiro. “A lei que restringe direitos deve ser inter-pretada de forma também restritiva”, comenta o advogado Erasmo Valadão França. Segundo ele, tirar o voto de um acionista é medida extrema que só deve ser levada a cabo quando há total certeza da existência do benefício. Na dúvida, diz, o poder de voto deve ser preservado.

O fato de a Lei das S.As. não definir o conceito de benefício particular dá margem para advoga-dos e reguladores fazerem suas próprias inter-pretações. A omissão, contudo, foi proposital. A exposição de motivos da lei afirma que, por tratar-se de “matéria delicada”, o diploma deverá “deter-se em alguns padrões necessariamente genéricos, deixando à prática e à jurisprudência margem para a defesa do minoritário”.

A decisão da CVM acabou, entretanto, refe-rendando uma vantagem dos controladores e uma diluição dos minoritários que, na essência, a lei e ela própria reprimem. O efeito econômi-co que a atual fusão gera para os minoritários não é diferente daquele que a mesma Oi, antes chamada Telemar, tentou impor na reorga-nização anunciada em 2006. Naquela época, a operadora de telecomunicações já almejava enxugar sua cadeia societária e migrar para o Novo Mercado, como uma companhia sem controlador definido — os mesmos objetivos apresentados para a atual CorpCo, que não terá nenhum sócio individual com mais de 10% das ações e deverá ser listada não só no segmento máximo de governança da BM&FBovespa, como também na Nyse Euronext de Lisboa e na Bolsa de Nova York. A relação de troca proposta há oito anos deixaria os preferencialistas, donos de 54,6% da companhia, com apenas 36,3%. Em resposta, a CVM editou o Parecer 34, orien-tando o impedimento do voto de toda a espécie ou classe de ações beneficiada por uma relação de troca mais vantajosa em circunstâncias de incorporação. Sem esperanças de que os minori-tários aceitassem a proposta, a Telemar cancelou a reorganização.

Em 2009, a autarquia seguiu a mesma lógica. Diante da proposta de incorporação da Duratex pela Satipel, que atri-buía aos donos da primeira uma relação de troca 16,67% mais proveitosa que a oferecida aos minoritários, a CVM barrou o voto do controlador. Em ambas as situações, a autarquia combateu o argumento de que as ações do controlador podem valer mais. Em sua jurisprudência consolidou o entendimento de que esse sobrepreço só deve ser validado quando existe uma terceira parte disposta a pagá-lo, como em alienações de controle — tanto na reorganização da Oi de 2006 como na da Duratex, o prêmio havia sido definido pelos próprios beneficiados.

Outra circunstância emblemática de voto impossibilita-do envolveu a Tractebel Energia, que recorreu, ela própria, ao colegiado da CVM, em 2010. Na ocasião, o voto da GDF Suez, controladora da Tractebel, foi vetado na deliberação sobre a compra da Suez Energia Renovável, outra de suas controladas. Por estar nas duas pontas do negócio, o conflito do controlador ficou patente: ao mesmo tempo em que tinha interesse em obter o melhor preço na venda do ativo, estava obrigado a fazer a melhor compra. A mudança na composição do colegiado da CVM, cujos diretores têm mandato de cinco anos, certamente explica a diferença na maneira de avaliar a pertinência do impedimento do voto. Todos os diretores que decidiram os eventos citados já deixaram a autarquia.

Interessante notar que a ausência do controlador na votação nem sempre é razão para a operação naufragar; ao contrário, pode ser entendida como uma forma de aprová--la com mais legitimidade. No caso de Duratex e Satipel, o negócio foi autorizado pelos minoritários, dando origem à maior companhia de painéis de madeira da América Latina. Na Tractebel, a aquisição da controlada também foi aprovada pelos investidores.

Próximos passosPara a fusão de Oi e Portugal Telecom acontecer, restarão os passos dois e três da transação. O aumento de capital de-pende de um aporte de nada menos que R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões dos minoritários. E um detalhe: os recursos levantados terão a finalidade exclusiva de pagar dívidas de Oi, Portugal Telecom e outras empresas do grupo. Somente o passivo da PT soma R$ 5,5 bilhões, quantia suficiente para cobrir os R$ 4,8 bilhões (em valor atualizado) gastos para quitar a dívida dos controladores da Oi. No fim, portanto, a conta desse pas-sivo bilionário cairá sobre os investidores que aceitarem par-ticipar do aumento de capital. Até o fechamento desta edição, a perspectiva para a oferta era positiva, devido ao interesse dos estrangeiros. Eles querem ingressar em uma gigante multina-cional, repleta de sinergias e ganhos de escala a capturar.

R e p o r t a g e m e s p e c i a l

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 19

Há dez anos, a bolsa de valores era um terreno seco. Com-panhias não viam o mercado acionário como uma opor-tunidade de captar recursos; poucos investidores se arris-cavam a colocar sua poupança nele. Novos ventos, porém,

começaram a soprar: mudanças regu-latórias, aprimoramento na governança das empresas e crescimento econômi-co (no ano anterior, o Ibovespa havia valorizado 91%) alteraram o cenário. Em 26 de maio de 2004, a Natura abriu o capital e trouxe ânimo: levantou R$ 768 milhões em seu IPO, atraindo 5,5 mil novos acionistas. Foi a deixa para o mercado florescer. Depois da fabricante de produtos de beleza, outras 150 companhias se listaram na BM&FBovespa e milhares de inves-tidores foram às compras na bolsa. “Desde então, houve momentos piores e melhores, mas o mercado nunca mais se fechou como antes”, resume José Olympio Pereira, diretor-executivo do Credit Suisse no Brasil.

Para comemorar a safra de IPOs, a capital aberto elaborou, em parce-ria com o professor Antonio Zoratto Sanvicente, do Insper, uma seleção das ofertas públicas iniciais mais bem--sucedidas dos últimos dez anos. Nas páginas a seguir, confira quais são essas empresas e relembre os fatos que transformaram o mercado acionário em um veículo de financiamento para as companhias nacionais.

A década que mudou os pregões

R e p o r t a g e m e s p e c i a l

20 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Os melhores IPOs Educação, saúde

e consumo. Esses foram os setores cujas ofertas deram mais retorno e liquidez para o acionista

As efemérides são uma boa oportuni-dade de fazer balanços. E balanços, invariavelmente, sugerem listas. Nesta década de 151 IPOs, quais fo-ram os melhores? Que companhias mais prosperaram em suas ofertas iniciais, oferecendo aos investidores e empreendedores bons padrões de

retorno e liquidez? A primeira dificuldade para chegar a esses

nomes foi definir os critérios. Com o apoio do professor Antonio Zoratto Sanvicente, do Ins-per, chegamos a três variáveis que, combinadas, resumem os desdobramentos de uma oferta: o retorno da ação (excedente ao certificado de de-pósito interbancário) desde o IPO até 4 de abril; o volume de negociações dos papéis em pregão; e a cobertura de analistas — esta, como indicadora do interesse do mercado. As companhias cujas pontuações ficaram abaixo da mediana dos 151 IPOs analisados em qualquer um dos três itens foram excluídas. Com isso, sobraram 22 com-panhias, que foram então ordenadas conforme a soma das pontuações obtidas em cada quesito (veja tabela na página 21).

A rede de ensino superior Estácio aparece em primeiro lugar. Seu retorno alcançou 31,65% desde a abertura de capital, em julho de 2007, e a liqui-dez das ações é a maior de todas as analisadas. Não

Por Bruna Maia Carrion

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 21

A nata

Companhias que fizeram as ofertas públicas iniciais mais bem-sucedidas dos últimos dez anos

Colocação Companhia Assessor jurídico no Brasil

Coordenador líder

1 Estácio Mattos Filho UBS Pactual

2 Raia Drogasil Mattos Filho Itaú BBA

3 Localiza Pinheiro Neto Credit Suisse

4 Kroton Mattos Filho Morgan Stanley

5 Hypermarcas Mattos Filho Citigroup

6 Anhanguera Mattos Filho Credit Suisse

7 BR Malls BM&A UBS Pactual

8 Arezzo Souza, Cescon Itaú BBA

9 Mills Mattos Filho Itaú BBA

10 Cetip Mattos Filho Itaú BBA

11 Odontoprev Mattos Filho Itaú BBA

12 Even Souza, Cescon Itaú BBA

13 Arteris BM&A Unibanco

14 Qualicorp Mattos Filho Merrill Lynch

15 BR Properties Mattos Filho Itaú BBA

16 Minerva Pinheiro Neto Credit Suisse

17 Totvs Mattos Filho Itaú BBA

18 Multiplus Machado Meyer BTG Pactual

19 BM&FBovespa BM&A Bradesco BBI e Credit Suisse

20 Natura Mattos Filho UBS

21 Cosan Souza, Cescon Morgan Stanley

22 Magazine Luiza Mattos Filho Itaú BBA

Fontes: Insper, Economatica, Bloomberg, Rio Bravo, BM&FBovespa

à toa, 14 analistas cobrem seus papéis. O potencial da Estácio, contudo, de-morou a ser reconhecido pelo mercado.

Na época do IPO, a empresa de educação pretendia vender suas units (papéis que empacotam ações ordiná-rias e preferenciais) entre R$ 32,50 e R$ 42,50, mas conseguiu apenas R$ 22,50. Tampouco nos meses seguin-tes ela cativou o investidor. As ações foram se desvalorizando no pregão até serem negociadas a cerca de R$ 9,60, em março de 2008. As coisas só começaram a melhorar quando a Estácio firmou, em maio daquele ano, uma parceria com a gestora de private equity GP. A empresa de participações comprou 20% da companhia e prometeu interfe-rir na gestão, com o objetivo de turbinar os negócios. Dois meses depois, a Está-cio anunciou a renúncia a sua estrutura de units e a migração do Nível 2 para o Novo Mercado, segmento que permite apenas ações com direito a voto. Desde então, até 20 de abril, o valor da ação subiu quase 220%. Em 2013, a GP se desfez de sua participação, vendendo a R$ 17,61 as ações ordinárias que havia comprado por R$ 5,50.

No site: Veja as pontuações que originaram o ranking e outras infografias exclusivas em www.capitalaberto.com.br

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22 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Para o bolso do sócioDez IPOs com maior oferta secundária

Companhia Volume (em R$ milhões)

Maior acionista ofertante

BB Seguridade 11.475 Banco do Brasil

Cielo (ex-Visanet) 8.397 Columbus Holdings (Bradesco)

Bovespa 6.625 Bancos e corretoras

BM&F 5.983 Bancos e corretoras

Redecard 4.222 Citbank e Itaucard

Nossa Caixa 954 Estado de São Paulo

Dufry 850 DTravel S.A.

Cetip 773 FIP Advent e Itaú Unibanco

Natura 768 Lisis Participações (de Antônio Seabra) e Utopia Participações (de Guilherme Leal)

Qualicorp 731 BHCS FIP e Heráclito de Brito Gomes Júnior

Fonte: BM&FBovespa e prospectos definitivos da oferta

Só tristezaAs companhias com pior retorno desde o IPO

Empresa Retorno Volume captado (em R$ milhões)

Assessor jurídico brasileiro

Coordenador líder

HRT Petróleo -52,37% 2.481 Mattos Filho Credit Suisse

OSX Brasil -46,93% 2.450 Mattos Filho Credit Suisse

Springs -29,35% 656 BM&A e Pinheiro Neto Credit Suisse

OGX Petróleo -28,84% 6.711 Mattos Filho UBS Pactual

Time For Fun -27,94% 503 Mattos Filho Credit Suisse

Lupatech -26,78% 453 Machado Meyer Pactual

Positivo Informática -20,34% 604 BM&A UBS

Nutriplant -18,62% 21 Souza, Cescon HSBC

Metalfrio -18,51% 453 Mattos Filho UBS Pactual

Fontes: BM&FBovespa e Rio Bravo

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 23

Uma parte desse resultado pode ser creditada ao setor de atuação da Estácio. A maioria dos grupos educacionais ficou bem posicionada no ranking dos melhores IPOs: a Kroton e a Anhanguera estão, respectivamente, na quarta e na sexta colocação. Os motivos são simples: elas atendem uma demanda reprimida por mui-to tempo e contam com incentivos do governo federal. O auxílio fornecido pelo Financiamento Estudantil (Fies) e pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) permitiu que o número de estudantes universitários entre 18 e 24 anos pulasse de 27% para 51% entre 2001 e 2011. O au-mento se refletiu em mais geração de caixa para as empresas de ensino superior e, consequen-temente, em mais interesse do investidor pelas ações delas. Isso explica a intensa cobertura do segmento por analistas. De acordo com dados da Bloomberg, 14 profissionais analisam a Estácio, 15 observam a Anhanguera e 17 acompanham a Kroton.

Benesses setoriaisO incremento da renda e a expansão do crédito observados na última década beneficiaram a área educacional, mas não somente ela. Também se deram bem outros segmentos ligados ao aqueci-mento do mercado interno. Por isso, destacaram--se no ranking Localiza, Minerva, Arezzo, Natura, Magazine Luiza, Raia Drogasil, Odontoprev e Qualicorp. O setor de construção civil, entre-tanto, amplamente favorecido pela expansão do crédito, não teve presença forte na seleção. Das 20 construtoras e incorporadoras que abriram o capital de 2004 para cá, apenas a Even surge entre as melhores ofertas, na 12a colocação. Algu-mas tropeçaram nas próprias pernas; tentaram crescer rápido demais e tiveram sérios problemas de fluxo de caixa. Foi o que aconteceu com Gafisa e PDG Realty.

Não basta ser bomPor mais que estar no setor certo e na hora certa ajude, outros fatores são determinantes para uma companhia se destacar no pregão no longo prazo. José Olympio Pereira, do Credit Suisse, resume o sucesso em bolsa a dois fatores principais. “A empresa tem que ter substância e se comunicar bem com o mercado”, argumenta. Uma coisa não funciona sem a outra.

Talvez por isso, nenhuma empresa pré-operacional apa-reça no ranking. Embora algumas tenham mantido intenso contato com o mercado (no caso da OGX, não faltaram avisos, fatos relevantes e postagens de Eike Batista no Twitter), a maioria não cumpriu o que alardeou aos quatro ventos. Aos investidores, o empresário dizia que o futuro de sua petroleira OGX seria grandioso. Só que o petróleo não jorrou: em julho de 2013, a companhia anunciou a inviabilidade de quatro campos que explorava, acelerando a derrocada dos papéis.

Para alguns aplicadores, porém, a OGX não foi um grande mico. Em outubro de 2010, a ação da petroleira era cotada a R$ 23,27, 105% a mais do que na estreia. Só depois disso é que elas rolaram ladeira abaixo — hoje valem pouco mais de R$ 0,20. “Quem vendeu o papel na hora certa ganhou muito dinheiro”, observa Pereira. O Credit Suisse, banco comandado por ele, foi um dos coordenadores da oferta. Sérgio Spinelli, sócio do Mattos Filho, também não mostra arrependimentos em ter assessorado o IPO. “Sem dúvida, eu faria essa oferta de novo; os riscos estavam muito claros no prospecto.”

Outro setor que não aparece no ranking é o bancário, que irrigou com crédito as empresas de consumo. Desde 2004, foram 13 IPOs de bancos — com exceção de Santander e BTG Pactual, todos de instituições de médio porte. Segundo Fer-nando Bevilacqua e Fanchin, analista da Rio Bravo, o princi-pal motivo dessa ausência é a perda de rentabilidade do segmento, explicada pela queda dos spreads que sucedeu a pressão governamental por juros menores e por maior com-petição. Embora os lucros nominais venham se elevando, o retorno em relação ao patrimônio caiu, o que atinge os ban-cos médios com mais força do que os grandes. Além disso, o setor sofreu um baque com a descoberta de fraudes como a do Cruzeiro do Sul e a do Panamericano.

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24 CAPITAL ABERTO Maio 2014

Por Bruna Maia Carrion e Yuki Yokoi

Muito se aprendeu sobre IPOs no Brasil desde maio de 2004. Banqueiros, advogados e reguladores, entre outros agentes do mercado, depararam--se com situações nunca antes vivenciadas. Soluções criativas foram postas em prática, mas nem todas se provaram sustentáveis: algumas foram reprimidas pelo regulador; outras, de-sestimuladas pelo próprio mercado. Exageros

revelaram-se maléficos a certa altura e tiveram de ser revis-tos. Aberturas de capital estreladas viraram grandes fiascos. Brechas na regulamentação foram descobertas, aproveitadas, e depois eliminadas.

Uma delas permitia uma situação sui generis: companhias brasileiras foram capazes de captar recursos no País sem se submeter às leis e às regras locais. A lacuna possibilitava ofertas de companhias que, apesar de operarem no Bra-sil, diziam-se estrangeiras. Ao criar holdings sediadas em paraísos fiscais, elas não só obtinham vantagens tributárias como se livravam da maior parte das normas impostas às brasileiras, inclusive a Lei das S.As. A primeira a trilhar esse caminho foi a gestora de recursos GP, em 2006. No ano se-guinte, vieram Wilson Sons, Tarpon, Agrenco e Laep.

Foi também em 2007 que o fantasma da arbitragem regula-tória ficou evidente. Naquele ano, a Cosan decidiu fazer uma reorganização societária e convidou os acionistas a trocarem suas ações ordinárias, protegidas pela Lei das S.As. e pelo regulamento do Novo Mercado, por BDRs da holding Cosan Limited. Sediada em Bermudas, arquipélago conhecido pela maleabilidade de sua lei corporativa, a holding possuía ações com pesos de voto distintos, algo proibido no Brasil. Para os minoritários, foram oferecidos papéis do tipo ONA, com poder de voto dez vezes menor que o das ações em posse do contro-

Tropeços no caminho Das pré-operacionais

que não vingaram às falsas estrangeiras, dos equity kickers às poison pills envenenadas demais, os erros e os consertos que marcaram a década de IPOslador (ONB). A proposta indignou o mercado. Pressionada, a Cosan reformulou-a, igualando o poder político das ações.

A abertura foi eliminada com a edição, em 2010, da Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Entre outras coisas, a norma trouxe novos critérios para identificar emis-sores estrangeiros. O regulador passou a levar em conta nessa análise a localização dos ativos da companhia, e não apenas a origem de suas receitas. Assim, se uma empresa tem mais de 50% dos bens no País, ela é brasileira aos olhos da CVM.

Chute para foraSituações de conflito de interesses também foram criadas. Tornou-se comum os bancos “dourarem o ativo” antes de ofertá-lo. Por meio de uma prática conhecida como “equity kicker”, a instituição financeira faz um empréstimo à futura emissora em troca de participação acionária. Com o dinheiro do financiamento em caixa, a empresa ganha robustez para fazer aquisições, por exemplo, e se tornar elegível a um IPO.

O incentivo, no entanto, tem um efeito adverso: posicionar o banco muito mais ao lado do emissor que do investidor. Como o pagamento dos recursos emprestados depende do sucesso da

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operação, é conveniente para o coordenador que a emissão saia a preços elevados. “Esse foi o auge do conflito de interesses nas ofertas”, recorda Fernando Bevilacqua e Fanchin, da gestora Rio Bravo.

Ainda assim, os resultados não foram de todo ruins. Entre as diversas companhias que usaram o instrumento, algumas aparecem bem colocadas no ranking, a exemplo de Kroton, Hypermarcas e BRMalls. Outras, como Cruzeiro do Sul e Paname-ricano, acabaram se revelando péssimos negócios. Embora o uso do equity kicker, por si só, não seja indício de problema, os investidores se tornaram cada vez mais desconfiados da prática, o que a fez perder espaço. Eliana Chimenti, sócia do escritó-rio Machado Meyer, diz que os próprios bancos passaram a achar esses financiamentos arriscados.

Feitiço contra o feiticeiroOutra novidade da era do IPO que teve de ser modelada com o passar dos anos foi a poison pill. Quando se listou na BM&FBovespa, em 2004, a Natura foi pioneira não apenas na realização de uma abertura de capital, mas também no uso de uma cláusula estatutária desenhada para evitar aquisições hostis de controle. O dispositivo firmado pela fabricante de cosméticos previa que qualquer sócio ou grupo de sócios que adquirisse 15% do capital social fosse obrigado a fazer uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) aos demais acionistas. A OPA deveria conceder-lhes um prê-mio de 50% sobre o maior dos três valores: cotação mais alta da ação nos 12 meses anteriores à oferta; maior preço pago pelo acionista comprador por uma ação ou lote delas; ou 12 vezes o Ebitda médio da empresa, dividido pelo número total de papéis. Hoje, o gatilho da companhia é de 25%, e o prêmio de 50% não é mais exigido.

Nessa época, algumas pílulas também ganharam a companhia de famigeradas cláusulas pétreas, que obrigavam o acionista que votar a favor da supressão da poison pill a fazer ele próprio a OPA obrigatória. Tantas defesas, no entanto, revelaram--se perniciosas. Quando a crise financeira de 2008 estourou, o mercado começou a perceber que as aquisições poderiam ser a salvação de empresas incapazes de sobreviver à turbulência. Mas com as cláusulas irremovíveis do estatuto e os preços estratosféricos que elas impunham, as ofertas não apareciam. “A poison pill travou negócios interessantes”, recorda Henrique Lang, advogado da área de mercado de capitais do Pinheiro Neto.

“O mercado não pensou direito quando resolveu adotar essas medi-das”, comenta Antonio Felix de Araujo Cintra, sócio do Tozzini Freire Advogados. Idealizador da poison pill da Natura e sócio do Mattos Filho, Sérgio Spinelli defende a criação: “As pílulas quebraram o medo de muitos empreendedores de serem surpreendidos por uma oferta de aquisição hostil”.

Atualmente, vários estatutos convivem com as poison pills, mas com doses de veneno mais modestas. Elas são acionadas com gatilhos maio-res, entre 20% e 30% — no passado, companhias como M. Dias Branco e Positivo Informática chegaram a estabelecer que a OPA obrigatória seria acionada a partir da compra de 10% do capital. Já as cláusulas pétreas foram cimentadas pela CVM em junho de 2009, com o Parecer de Orientação 36. Nele, a autarquia esclareceu que não puniria acionistas que votassem pela modificação ou supressão de cláusulas de dispersão acionária e não reali-zassem a OPA prevista. Segundo dados do último Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas, publicado pela capital aberto em 2013, da amostra de companhias que possuíam poison pill, 20,5% adotavam a cláusula pétrea. Na edição de 2012, a proporção era de 26%.

Arranhões profundosEntre os equívocos desta década de IPOs, as companhias pré-operacio-nais ocupam lugar de destaque. No período de 2006 a 2010, o mercado presenciou ofertas iniciais de dez companhias enquadradas nessa quali-ficação, ou seja, sem geração de caixa e sem história para contar. Quem comprou os papéis delas pagou por promessas. A maioria, entretanto, não as cumpriu. Nosso levantamento mostra que o retorno da maioria dos IPOs de pré-operacionais foi negativo (veja tabela acima).

O empresário Eike Batista se tornou o principal ícone da ascensão e da queda das pré-operacionais em bolsa. Ele levou nada menos que quatro emissoras desse tipo ao pregão: MMX, MPX, OGX e OSX. As duas últi-mas captaram um total de R$ 9,15 bilhões e falharam epicamente; hoje, estão em recuperação judicial. A MPX mudou de nome para Eneva e tem

Fiasco totalO retorno da maioria das pré-operacionais que abriu o capital foi negativo

Retorno excedente

Assessor jurídico

Coordenador líder

Renova Energia 57,31% Souza, Cescon Santander

MMX -0,56% Mattos Filho Pactual

BrasilAgro -1,83% Mattos Filho Credit Suisse

Nutriplant -18,62% Souza, Cescon HSBC

OGX -28,84% Mattos Filho UBS Pactual

OSX -46,93% Mattos Filho Credit Suisse

HRT -52,37% Mattos Filho Credit Suisse

Fontes: Ecomatica e Insper

R e p o r t a g e m e s p e c i a l

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atualmente o controle compartilhado com o grupo alemão E.ON. A MMX vendeu muitos de seus ativos e terminou 2013 com prejuízo de mais de R$ 2 bilhões. Outra pré-operacional que se revelou um fiasco foi a petroleira HRT, fundada pelo geólogo Márcio Mello. Dos 28 milhões de barris que garantiu extrair em 2013, não entregou uma gota. Somente em 2014, vendeu alguma coisa: 233 mil barris.

Outro caso dramático é o da Vanguarda Agro. A empresa se listou na BM&FBovespa em novembro de 2006, com o nome de Brasil Ecodiesel. Na época, captou R$ 379 milhões, vendendo suas ações a R$ 12 cada. Hoje, elas valem pouco mais de R$ 3 e possuem baixíssima liquidez. Entre o IPO e 24 de junho deste ano, o papel despencou 95,7%, enquanto o Ibovespa subiu 24,6% no mesmo período.

Uma pré-operacional que fugiu ao destino da frustra-ção foi a Renova. Voltada à geração de energia elétrica renovável, listou-se na bolsa em julho de 2010, captando R$ 160 milhões, principalmente entre pessoas físicas qualifi-cadas nacionais. Vem cumprindo o que prometeu — entregou parques eólicos, vendeu energia e deu lucro de R$ 6 milhões em 2013 —, e suas units subiram de R$ 15 para quase R$ 40 desde o IPO até 17 de abril. O aumento foi fundamental para a Renova obter o primeiro lugar no quesito de retorno aos acionistas, no levantamento feito pela capital aberto e pelo Insper, com 57,31%. A baixa liquidez da ação, contudo, a desqualificou para o ranking final.

Na visão de Pereira, do Credit Suisse, uma empresa com resultados brilhantes não deve ser o suficiente para convencer o mercado a voltar a investir em pré-operacionais. “Não vejo interesse por companhias nesse estágio no horizonte, e isso é uma tendência mundial”, diz.

Embora essas ofertas sejam, inicialmente, exclusivas a investidores qualificados, supostamente conhecedores dos riscos, elas se tornam acessíveis a pessoas físicas após 18 meses. No caso da OGX, os aplicadores foram atraídos pelos fatos relevantes entusiasmados de Eike Batista que, mais tarde, se mostrariam uma falácia. “Esses e outros excessos causaram ranço em boa parte dos investidores. Graças a isso, a bolsa, que é um canal de poupança, continua sendo vista como um veículo de apostas”, lamenta Fanchin.

Além das pré-operacionais micadas, houve casos graves de fraudes, como as dos bancos Panamericano e Cruzeiro do Sul. O primeiro registrou um rombo de R$ 2,5 bilhões em seu resultado de 2010, causado pela manutenção no patrimônio de créditos que já haviam sido vendidos. O segundo foi alvo de intervenção do Banco Central em junho de 2012, devido a uma série de irregularidades que incluía desde balanços inflados a créditos falsos. Ocorreram ainda histórias de companhias que acabaram esquecidas, sem liquidez e sem pares, como as pequenas Renar Maçãs e Nutriplant. As duas captaram ape-nas R$ 16 milhões e R$ 20,7 milhões, respectivamente, bem

abaixo das demais. A captação média em um IPO brasileiro é de cerca de US$ 693 milhões, um das mais altas do mundo.

Os tropeços, no entanto, são necessários para que o mer-cado evolua. A partir deles as regras se ajustam, os profissio-nais do mercado ganham sabedoria, os investidores aprendem a separar o joio do trigo e os empresários passam a empreen-der suas ofertas num ambiente de soluções testadas. Falta muito a ser feito para o mercado acionário brasileiro alcançar o dinamismo dos desenvolvidos. Mas quem abrir o capital nos próximos dez anos o fará, seguramente, em um ambien-te de negócios muito mais avançado que o de 2004.

Alicerces fortes O sucesso da onda de IPOs da última década se deve, em grande parte, a regras criadas antes desse período. O principal exemplo é a Instrução 400, que regula as emissões de valores mobiliários e foi editada pela CVM em 2003. A norma substituiu as Instruções 13 e 88, editadas na década de 1980.

Algumas das novidades apresentadas pela Instrução 400 se tornaram tão cotidianas que fica até difícil imaginar como o mercado funcionava sem elas. Foi a partir de sua introdução que as incumbências de intermediários de uma oferta se tornaram mais claras. Eles passaram a ser responsabilizados, juntamente com a companhia, pela veracidade das informações apresentadas aos investidores. Antes, esse dever era apenas do emissor.

A Instrução 400 também introduziu o formato atual do pros-pecto, baseado nas recomendações da International Organization of Securities Commissions (Iosco). A mudança aumentou a quantidade e a qualidade das informações prestadas e ajudou a internacionalizar o mercado local de IPOs. Outro mérito da norma foi regular questões operacionais. Estabeleceu-se o direito de prioridade aos antigos acionistas na subscrição das ações ofertadas; a coleta de intenções de investimentos, conhecida como “bookbuilding”, passou a ser expressamente autorizada.

As iniciativas de autorregulação também fortaleceram o am-biente das ofertas públicas. A principal delas foi o surgimento dos níveis diferenciados de governança corporativa da BM&FBovespa, em 2000, que suscitou ainda outras medidas. O Código de Melhores Práticas para Ofertas Públicas, originalmente lançado em 1998 pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), passou a exigir dos associados o compromisso de só participar de operações que se destinassem, no mínimo, ao Nível 1. Hoje, a Bolsa está perto de chegar à marca de 200 companhias listadas nos segmentos especiais.

CAPTAÇÕES

O boletim CAPTAÇÕES é um informativo bimestral produzido por BM&A (www.bmalaw.com.br) e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. As opiniões aqui expressas são as do escritório e não, necessariamente, as da revista.

O mercado brasileiro de debêntures tem apresentado crescimento substancial. Apenas entre 2010 e 2013, foram registradas 65 ofertas públicas pela Comis-

são de Valores Mobiliários (CVM), em montante próximo a R$ 80 bilhões. Mudanças no cenário macroeconômico, alterações regulamentares (como a edição da Instrução 476, de 2009), incentivos fiscais, entre outros fatores, têm proporcionado às companhias oportunidades de captação para a alavancagem de seus negócios, assim como para o alongamento de seu perfil de endividamento.

No que se refere ao segundo objetivo, destaca-se o in-teresse pela adoção do mecanismo conhecido como “ex-change offer”, pelo qual a empresa emissora oferta novas debêntures em troca de debêntures em circulação. Esse mecanismo é amplamente difundido nos Estados Unidos, onde a legislação trata de forma específica o assunto. Lá, a exchange offer é realizada por meio do Formulário S-4 (uma espécie de prospecto para esse tipo de operação) e re-gistrada nos termos do Securities Act de 1933, observando o disposto no Securities Exchange Act de 1934. No Brasil, a troca opera-se por meio de uma dação em pagamento, instituto previsto no artigo 356 e nos artigos seguintes do Código Civil; os investidores utilizam os créditos de suas debêntures para integralizar novos títulos.

A exchange offer não é novidade no Brasil — já foi uti-lizada em reestruturações de dívidas entre 2004 e 2005. Citamos, como exemplo, a quarta emissão de debêntures da Net Serviços de Comunicação S.A. Os títulos foram integra-lizados com créditos de debêntures de emissões anteriores visando ao reequacionamento de dívidas.

O contexto atual das exchange offers é diverso do meio da década passada, pois envolve companhias em busca de novos financiamentos e oportunidades para alterar seu per-

A adoção de mecanismos de exchange offer tende a beneficiar companhias e investidores em diversos aspectos, como captação e remuneração

fil de endividamento. Assim, temos visto uma mescla de “di-nheiro novo” e exchange offer. Nesse momento, a exchange offer configura uma alternativa à tradicional estrutura em que a emissora emprega parte dos recursos de uma nova emissão para resgatar ou recomprar debêntures emitidas.

A grande vantagem para a utilização do referido me-canismo é a faculdade, atribuída aos credores, de aceitar a nova oferta e migrar voluntariamente para o novo título, ou decliná-la, permanecendo com suas debêntures. Como resultado, há a redução imediata da dívida anterior, uma vez que as debêntures dadas em pagamento são automati-camente canceladas.

A adoção da exchange offer tende a beneficiar com-panhias emissoras e investidores, nos seguintes aspectos: 1. definição de covenants mais flexíveis; 2. condições de re-muneração, garantias e benefícios mais atraentes; 3. menor custo de captação, se comparado a outras modalidades de financiamento; 4. conhecimento prévio da emissora, incluindo aspectos de solvência e práticas de governança corporativa; e 5. alteração do portfólio de investimento sem a necessidade de novos desembolsos.

Em suma, a exchange offer pode representar uma estru- tura alternativa para companhias que buscam readequar seu perfil de endividamento em condições de mercado mais favoráveis.

Exchange offer: opção para mudar o perfil da dívida

Atademes Branco Pereira e Carlos Abdalla

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Onda de incentivos

O mercado de capitais brasileiro não é receptivo às pequenas e médias empresas (PMEs). Entre as principais bolsas do mundo, a BM&FBovespa tem um dos mais elevados valores médios de ofertas públicas de ações: US$ 693 milhões, atrás apenas da bolsa suíça, com US$ 1,3 bilhão. Nosso número é mais de sete vezes maior do que os US$ 99,3 milhões captados na National Stock Exchange of India (NSE) e esmagadoramente superior aos US$ 11 milhões que as empresas levantam na polonesa Warsaw Stock Exchange, que possui um dos mercados de acesso mais bem-sucedidos do mundo. Desde que a abertura de capital se tornou uma opção viável para as companhias brasileiras, em 2004, apenas quatro tiveram a coragem de fazer uma listagem levantando menos de R$ 100 milhões. A última delas foi a desenvolvedora de softwares Senior Solution, que captou R$ 57 milhões em março de 2013. Os principais agentes do mercado brasileiro — bancos de investimento, escritórios de advocacia, reguladores e bolsa de valores — querem que ofertas como essa deixem de ser exceção. Desde 2012, quando se uniram para criar o Comitê Técnico de Ofertas Menores (COM), eles vêm estudando soluções e buscando apoio político para mudar a situação. O amplo conjunto de medidas, descrito no quadro da página 31, foi discutido no Círculo de Debates promovido em 16 de abril na redação da CAPITAL ABERTO, com o tema: “Incentivos à listagem de empresas médias: estamos no rumo certo?” Confira os melhores trechos a seguir.

Por Bruna Maia Carrion e Simone Azevedo

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CAPITAL ABERTO: Luciana, qual é a visão da CVM sobre o acesso das PMEs à bolsa?

Luciana Dias: Analisamos mercados internacionais e o brasileiro e percebemos que o ponto mais sensível é a demanda. Nesses outros mercados, ela era local, e não de investidores estrangeiros. Temos que criar uma de-manda local que não existe hoje, por várias razões. Pri-meiro porque a cultura é di-ferente. Mesmo os veículos que investem em ações no Brasil não estão prepara-dos. Às vezes, eles têm um mandato que os impede de

comprar uma ação menos líquida, porque os volumes que eles se autoimpõem dificultam a participação nesse tipo de oferta. O resultado dessa análise foi a alteração das Instruções 391 e 409, para estimular a compra desses ativos. A grande diferença, entretanto, virá se houver um incentivo tributário. É que, de um lado, a alteração da 409 traz flexibilidades, mas, de outro, obriga o investimento no mercado de acesso. Não acho que seja um produto tão popular sem estímulo fiscal.

Bernardo Gomes: Ao apre-sentar nossa oferta, senti-mos que muitos veículos gostaram do segmento, da empresa, do plano, das pers-pectivas... mas, na hora de fazer o investimento, tinham restrições e não podiam participar. Então, de todas as medidas que estamos avaliando aqui, talvez a mais importante seja abrir a possi-bilidade para que novos veí-culos façam investimentos nesse tipo de oferta.

Luciana Dias: Outro impe-dimento que notamos foi a falta de uma oferta mais célere, mais barata e simples do que a feita por meio da Instrução 400. Esperançosamente, no segundo semestre, teremos uma Instrução 476 de ações, na qual a oferta pública com esforços restritos, tão bem-sucedida no mercado de dívida,

APOIO:

será estendida para ações. Não será tão simples quanto a 476 de dívida [por causa de questões como o direito de prefe-rência], mas é mais simples do que a 400. Por isso, creio que teremos mais 476 do que 400 para ações. Às vezes, não fará sentido propor uma oferta pela 400 para uma operação de até R$ 100 milhões se a 476 vai poder acomodá-la.

CAPITAL ABERTO: Também se discute politicamente o incentivo fiscal para empresas listadas, e não apenas para os investidores. O que o COM pensa disso?

Cristiana Pereira: Em ne-nhum dos países que pesqui-samos encontramos incen-tivos fiscais para empresas. A Espanha é o único que tem algo do tipo, mas mesmo lá é diferente. Trata-se de uma linha de financiamento, esta-dual, para arcar com custos. Diagnosticamos que o ponto central é a demanda; o custo para abrir o capital não é um obstáculo. É preciso entender que isenção implica custo para o governo — ele abre mão de uma receita, por mais que estejamos falando de um mercado ainda não existente.

Luciana Dias: No ano passado, 40% das empresas que pedi-ram registro de oferta na CVM desistiram. Esses emissores tiveram todo o trabalho, contrataram advogado e banco, mas na hora da precificação das ações chegaram a um valor que não fazia sentido para eles e desistiram. O número demonstra que existe vontade das companhias de acessar o mercado. O que falta é mais demanda. Além disso, já tivemos incentivo para companhias abrirem o capital na história do Brasil e isso gerou inúmeras distorções.

CAPITAL ABERTO: Quais são as estratégias para atrair investidores?

Bernardo Gomes: Tivemos mais de 40 corretoras trabalhando na distribuição, o que nos permitiu trazer um número signifi-cativo de pessoas físicas interessadas. Isso mostra que existem investidores dispostos a encarar oportunidades diferentes, ainda que com menor liquidez. É tudo uma questão de tra-balhar um pouco mais para aproveitar o potencial existente no mercado.

Cristiana Pereira diretora de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa

Luciana Diasdiretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

Bernardo Gomes diretor-presidente da Senior Solution

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Fernando Machado: O Boves- pa Mais não é para qualquer tipo de empresa. Os inves-tidores estão olhando para aquelas com potencial de crescimento grande, pois vão querer sair desse inves-timento em algum ponto. Por isso, a empresa tem que dar retorno. Companhias de tecnologia ou de serviços, que devem crescer muito acima do PIB, são potenciais candidatas ao Bovespa Mais.

CAPITAL ABERTO: Hoje, a maioria dos IPOs se concen-

tra em poucos escritórios de advocacia e bancos de investi-mento. Eles se interessariam por um mercado menos líquido? Antônio Felix Cintra Neto: Lá fora existe um mundo à parte de Wall Street, que cuida de ofertas menores. Há alguns ban-

cos de investimento de que nunca ouvimos falar aqui e que estão lá fazendo ofertas. Isso ainda vai acontecer no Brasil. Acho que haverá um mercado focado nisso, mas todo mundo vai se preparar. Talvez os bancos grandes criem um segmento especial para PMEs.

Fernando Machado: Concor-do em que vai haver uma seg-mentação. Ninguém vai criar estruturas agora para focar só em ofertas menores, já que ainda estamos discutindo como aumentar a demanda.

O Banco Votorantim tomou uma decisão estratégica de fo-mentar o mercado de PMEs. Estamos conversando com vários emissores e outros players para mostrar como ele funciona, mas não há condições de focar apenas essas ofertas. Precisa-mos competir com os grandes bancos nas grandes operações. CAPITAL ABERTO: Em países com mercados de acesso mais desenvolvidos, como a Polônia, existe um grande número de pessoas físicas negociando na bolsa. Esse tipo de investidor é um desafio para o mercado de PMEs no Brasil?

Daniel Utsch: Esse mercado tem de ser pautado no institu-cional, sem dúvida.

Fernando Machado: Não é no contexto de ofertas menores que vai se mudar a estrutura do mercado brasileiro de ações, pautado em investidores institucionais. No fim das contas, vivemos num mercado em que o rendimento da caderneta de poupança e o da renda fixa são altos em relação ao risco. É muito difícil convencer qualquer pessoa física a colocar seu patrimônio na bolsa hoje. Daqui a cinco ou dez anos, podemos discutir como trazer mais pessoas físicas. Agora, temos que focar no investidor institucional local para conseguir fazer as ofertas menores funcionarem.

CAPITAL ABERTO: E, depois que essas empresas estiverem listadas, como garantir visibilidade e liquidez?

Daniel Utsch: A questão mais difícil de ser resolvida é a liquidez. Alguns pontos ainda precisam ser trabalhados, como o formador de mercado, que é pouco desenvolvido no Brasil. Não diria que os serviços são ruins, mas são aquém da expectativa. Muitas empresas contratam formador de

mercado e a liquidez au-menta no momento inicial, mas acaba se precificando a existência dele, e depois ela cai para o nível anterior ou até abaixo. A criação de ín-dices alternativos, abaixo do índice small caps, também pode ser interessante. Mui-tos investidores só aplicam em papéis que estejam em algum índice de liquidez. Na mesma linha, estaria o fomento do mercado de ETFs. O investidor pode não ter mandato para investir

numa ação que negocia R$ 100 mil por mês, mas pode ter para investir num fundo de índice, e o gestor desse fundo vai ter que comprar e vender essas ações, suscitando um aumento de liquidez. Cristiana Pereira: Se olharmos o mundo todo, as empresas de baixa capitalização têm liquidez reduzida. Mesmo o AIM [Alternative Investment Market, mercado de acesso da Bolsa de Londres] tem a liquidez muito concentrada em algumas grandes empresas. Avaliamos que os formadores de mercado são mais efetivos quando a empresa já tem certa liquidez e um valor razoável em free-float.

Luciana Dias: A grande importância do diagnóstico feito pelo Comitê [COM] foi justamente nos permitir redimensionar algumas expectativas. Percebemos, por exemplo, que em nenhum país o mercado de acesso tem tanta liquidez assim. Esperamos criar um mercado hiperlíquido de empresas?

Fernando Machadogerente da área de mercado de capitais do Banco Votorantim

Daniel Utschchefe da área de equity research da Fator Corretora

Antonio Felix de Araujo Cintra sócio do Tozzini Freire Advogados

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Não. Esperamos que haja um mercado primário bastante ativo. O secundário vai ser sempre menos ativo do que o de empresas grandes.

CAPITAL ABERTO: Bernardo, como a Senior Solution lida com a questão da visibilidade depois da abertura de capital?

Bernardo Gomes: Temos duas coberturas de analistas patroci-nadas pela Bovespa e também recebemos cobertura do Banco Votorantim e da XP, entre outras. Tem sido interessante, porque permite que o mercado conheça um pouco mais o nosso setor, que até então tinha poucas empresas. Antônio Felix Cintra Neto: O que precisamos mesmo é de empresas com coragem de ir a mercado. É isso o que vai fazer diferença. Na hora em que tivermos várias listadas no mercado de acesso, as pessoas vão começar a olhar mais para o segmento. Nós vimos a dificuldade que foi para o Novo Mercado decolar. É a mesma história.

Daniel Utsch: O sucesso pós-oferta também é muito importante. Assim, começamos a criar um histórico. Os investidores e outros empresários vão poder olhar para a Senior Solution e falar: “Eles captaram R$ 57 milhões e estão executando o plano de negócios que prometeram”. Assim como os casos de insucesso do Grupo EBX deterioram o mercado de empresas pré-operacionais, os casos de sucesso do Bovespa Mais vão, aos poucos, fomentar o desenvolvi-mento desse segmento.

Antonio Felix de Araujo Cintra: O momento agora não está favorável às ofertas públicas, mas o private equity está muito agitado. É a hora de os bancos conversarem com os gestores que investem nesse setor e mostrarem as oportunidades. Temos que dar dois passos atrás, conversar com quem está olhando onde colocar os recursos e dizer: “Vá, pois o mercado está surgindo e já temos casos de sucesso”. Temos conversado muito com o pessoal de private equity e percebemos que as ofertas menores estão entrando no horizonte deles.

Cristiana Pereira: Outra questão na qual temos insistido muito com as empresas e com os gestores é a separação dos momentos da listagem e da oferta. É comum que nos pergun-tem por que ter esse custo sem captar nada. Respondemos que a empresa já tem um benefício ao se listar, tanto de visi-bilidade quanto de redução de custo de capital, porque muda a percepção do banco que empresta para aquela companhia. Mas, além disso, para uma empresa menor, o esforço de fazer tudo ao mesmo tempo é grande.

Bernardo Gomes: Fazer a listagem antes da oferta é bom por-que a empresa se torna conhecida dos investidores ou poten-ciais investidores. Ela se habitua com o processo de companhia aberta, tem um tempo para o aprendizado e, principalmente, tem um timing melhor para aproveitar a janela da oferta. O mercado é dinâmico, muda a toda hora. A partir do momen-to em que a empresa está listada, o tempo para conseguir fazer a oferta é menor. Então, para quem nos consulta, recomendo fazer a listagem e a oferta posteriormente.

APOIO:

De todos os ladosAs principais iniciativas para estimular o ingresso de pequenas e médias no mercado de ações

CVM - Reforma da Instrução 400, dispensando a publicação em jornal de anúncios relativos à oferta;- Abertura da possibilidade de empresas emitirem ações com esforços restritos, por meio da Instrução 476;- Alteração da Instrução 409, com a criação de fundo de investimento em mercado de acesso, cuja carteira deverá ter no mínimo dois terços de ações de empresas listadas nos segmentos iniciais da BM&FBovespa;- Mudança da Instrução 391 para permitir que fundos de investimento em participação (FIPs) invistam até 35% do patrimônio em ações de PMEs sem a obrigatoriedade de interferir na gestão.

BM&FBovespa - Transformação do Bovespa Mais em segmento de bolsa (antes, ele era balcão organizado), de modo a aumentar a atratividade para os distribuidores — o segmento de bolsa confere ressarcimento de prejuízos;- Criação do Bovespa Mais Nível 2, que permite a emissão de ações preferenciais;- Isenção de custos de listagem para PMEs;- Duas coberturas de analistas patrocinadas por dois anos.

BNDES - Pacote de R$ 1 bilhão para comprar participações, diretamente ou por meio de fundos, em ofertas de PMEs.

Outras medidas - Elaboração de oficinas para capacitar empresários pela Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)- Ampliação do número de agentes autônomos e treinamento para o mercado de acesso;- Proposta de isenção para o investidor do imposto de renda sobre ganho de capital com PMEs;- Proposta de crédito tributário à empresa emissora, no imposto de renda a pagar (Projeto de Lei 6.558, de 2013).

I n v e s t i m e n t o

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Aos 55 anos, o jornalista Vladimir Goitia se aposentou e come-çou a complementar sua renda com os recursos acumulados no Oesprev, plano de previdência do Grupo Estado. A tran-quilidade que ele esperava ter nessa etapa da vida, entretanto, não chegou. Desde fevereiro de 2013, quando passou a ser assistido pelo plano, ele sente a angústia de ver o patrimônio destinado à sua aposentadoria ser consumido mês a mês. No ano passado, o fundo de previdência fechada da Oesprev,

administrado pelo MultiPensions Bradesco, registrou rentabilidade negativa de 3,31%. Goitia sabe que o período foi difícil para várias fun-dações devido às perdas com os títulos indexados à inflação e ao fraco desempenho da bolsa de valores. E por isso mesmo questiona o fato de seu fundo de pensão não ter alocado os recursos dos participantes já aposentados (chamados de assistidos) em aplicações conservadoras. O dinheiro é gerido em conjunto com o de contribuintes que possuem anos de aporte pela frente e, por essa razão, podem correr mais riscos. Ao contrário de Goitia, eles têm tempo para se recuperar de perdas sem que elas impliquem a redução do valor da aposentadoria. “Se tivessem me dado opção, teria escolhido investir numa carteira conservadora”, diz o jornalista.

O caso ilustra como a adequação dos investimentos ao perfil de risco e às condições financeiras de cada aplicador, conhecida como suitability, está fora do foco dos fundos de pensão. Poucos planos oferecem cartei-ras divididas por apetite a risco — o que é um ponto frágil do sistema, na visão de alguns profissionais. “Os planos de contribuição definida (CD) deveriam implementar perfis de investimento. Afinal, o dinheiro é do participante. Ele deveria poder escolher”, observa Miguel Leôncio Pereira, advogado e atuário da consultoria ConsultMais. Procurada pela reportagem, a Bradesco Vida e Previdência não concedeu entrevista.

É nos planos do tipo contribuição definida, em que o risco é todo do participante, que o suitability se torna mais importante. Hoje eles

Aposentadoria sem pazFundos de pensão

desapontam ao registrar prejuízo e consumir recursos dos beneficiários. Está na hora de eles adotarem o suitability?Por Luciana Del Caro

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Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

representam 37,2% do total, de acordo com a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Os planos de benefício definido (BD), nos quais a patrocinadora pode ter de aportar recursos para saldar déficits, deixaram de ser criados na década de 1990, mas ainda têm parcela de 30,6%, devido ao estoque. Outra modalidade bastante comum, com 32,2% do mer-cado, é a de contribuição variável (CV), que mescla características de BD e CD. Nela, a avaliação do grau de risco tam-bém é crucial, pois uma possível queda na rentabilidade afeta majoritariamente o contribuinte. “Precisamos construir um modelo que ajude o participante a escolher o perfil do fundo, a quantidade de aportes e como irá fazer as retiradas. Caso contrário, os planos de contri-buição definida criarão uma geração de mortos de fome aos 80 anos”, alerta Evandro Oliveira, líder da área de apo-sentadoria da Towers Watson.

Regulador preocupadoA discussão sobre a necessidade de usar o suitability nos fundos de pensão chegou ao Comitê de Regulação e Fis-calização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec). E tem tirado o sossego da Previc, um dos participantes do órgão. Por meio de sua assessoria de comunicação, a superintendência afirmou ser favorável à adequação do produto ou serviço financeiro às neces-sidades, aos interesses e aos objetivos do contribuinte: “Mesmo não consti-tuindo exigência legal, cremos que no médio e no longo prazos a questão da suitability será parte essencial na venda dos produtos de previdência fechada, em especial nos planos de contribuição definida ou contribuição variável. Ainda que o participante se qualifique cada vez mais para suas decisões, como é nosso objetivo, é lícito imaginar que também caberá ao gestor certificar-se de que a

I n v e s t i m e n t o

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Cronologia do prejuízo

O governo de Dilma Rousseff reduziu a meta da taxa Selic de 10,5%, em janeiro de 2012, para

a mínima de 7,25% em outubro. Para adequar as fundações ao cenário de juros mais baixos, em dezembro

de 2012, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) baixou a meta atuarial dos fundos de 6%, em 2012, para no máximo 4,5%, até 2013.

Nos planos de benefício definido (BD), a rentabilidade mais baixa significa que as patrocinadoras deverão aportar recursos para manter o valor da aposentadoria ou que os participantes terão de aumentar as contribuições.

Nos planos de contribuição definida (CD) e variável (CV), uma meta atuarial mais baixa também acarreta contribuições maiores para quem ainda está na ativa e pode causar redução nas aposentadorias dos assistidos. Foi o caso do plano CD Eletrobras, da fundação Eletros, que baixou a meta de 6% para 4,2% em julho de 2012. Em alguns casos, os benefícios foram reduzidos em 16% devido à menor expectativa de rentabilidade.

Em abril de 2013, o Banco Central iniciou novo ciclo de alta dos juros para conter a inflação, castigando as

aplicações dos planos de previdência que alongaram suas carteiras para elevar a

rentabilidade. Paralelamente a isso, o Ibovespa caiu 15,5% em 2013. Diante desse cenário,

mesmo com metas atuariais inferiores, muitas fundações sequer conseguiram cumpri-las (veja tabela abaixo).

Sem sombra nem água de cocoSituação dos planos de benefício definido, ano a ano (em %)

Ano Superávit Déficit Equilíbrio*

2008 61,59 25,83 12,58

2009 69,67 16,00 14,33

2010 74,06 13,31 12,63

2011 70,34 16,21 13,45

2012 73,43 10,14 16,43

2013 53,17 33,80 13,03

* Quando os passivos (pagamento das aposentadorias e pensões) trazidos a valor presente são cobertos pelos ativos.Fonte: Previc

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participante, as fundações entrarão numa zona de conforto. “Elas podem se eximir da responsabili-dade de rentabilizar os recursos da melhor forma possível”, acredita.

Outro problema é que a maioria das pessoas (70%) não quer ou não tem habilidade para escolher a melhor estratégia em seu plano de previdência fechada, conforme diagnosticou uma pesquisa feita pela Towers Watson em vários países. Uma das úni-cas fundações a ter portfólios com diferentes perfis de investimento, a Previ confirma essa tendência. Apesar do programa de educação financeira e pre-videnciária em vigor, pouquíssimos funcionários do Banco do Brasil — 7% de 78 mil participantes, no plano CD — se interessaram em alterar seus perfis de investimento desde que a iniciativa foi imple-mentada, em 2009. Os 93% restantes optaram pela carteira padrão, chamada Perfil Previ, que aplica de 30% a 50% em renda variável. “Acredito que a maioria que elegeu essa opção o fez por inércia, e não por escolha”, diz Marcel Barros, diretor de seguridade da Previ.

Além da carteira padrão, a Previ conta com mais três tipos de portfólio: agressivo (40% a 50% de renda variável), moderado (20% a 30%) e conserva-dor (até 10%). É possível migrar de um fundo para outro, mas com um intervalo mínimo de um ano após a última mudança. Para evitar frustrações, uma gerência da fundação se encarrega de entrar em contato com o participante caso ele opte por uma carteira de perfil agressivo a pouco tempo da aposentadoria.

De acordo com Barros, a Previ estuda a possibi-lidade de implantar carteiras divididas por ciclos de vida, o que seria um refinamento dos perfis. O modelo faz a correspondência da propensão de risco do contribuinte com outras características suas: a capacidade de poupança, a idade de aposen-tadoria e a necessidade de renda. Nesse formato, as posições em renda variável de cada poupador costumam ser maiores no início do período de contribuição e quando ele é mais jovem. Depois, são reduzidas gradualmente.

Para Oliveira, da Towers Watson, o modelo de ciclo de vida é uma ótima ferramenta de geren-ciamento dos recursos para os que não querem se envolver na estratégia de seu fundo de previdência. Está aí uma alternativa para evitar desilusões como a vivida pelo jornalista Vladimir Goitia.

escolha estará adequada ao perfil, ao desejo, ao planejamento e ao apetite por risco do poupador.”

Na previdência aberta, os grandes bancos e seguradoras utilizam o suitability, ainda que sua aplicação não seja obrigatória. Primeiro, porque ele já é necessário para a venda de outros produ-tos. Segundo, porque nesse tipo de previdência a segregação por perfil é comum — ela começa com a escolha do plano, que pode ser o Gerador de Benefícios Livres (PGBL) ou o Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL). Eles diferem entre si, basicamente, pelo benefício fiscal: no PGBL, é possível abater, na declaração do imposto de renda, as contribuições feitas à previdência privada.

EntravesSe a prática é altamente recomendável, por que as fundações não buscam oferecer carteiras adequadas ao perfil do contribuinte? Na visão de Pereira, da ConsultMais, a resposta está ligada ao custo: em fundos multipatrocinados, o gestor perderia escala ao gerenciar os recursos de forma fragmentada. Hoje, muitos gestores colocam os montantes arrecadados no chamado “carteirão”, que não separa nem o dinheiro dos beneficiários assistidos daquele dos contribuintes. Carolina Wanderley, consultora sênior de previdência da Mercer, pondera que a abertura de diferentes carteiras precisaria acompanhar a criação de um programa de educação previdenciária e financeira, “o que é mais difícil para as pequenas fundações”.

Para Jorge Simino, diretor de investimentos da Fundação Cesp, a existência de carteiras com diferentes perfis pode se tornar um problema, ao transferir a responsabilidade de escolha do investi-mento para alguém sem especialização. Ele observa que as pessoas costumam definir suas aplicações com base no rendimento passado — se a bolsa foi bem, colocam a maior parcela em renda variável —, o que frequentemente leva a resultados pífios. Até o momento, segundo Simino, a Fundação Cesp não teve demanda para implementar a variedade de portfólios.

InérciaAposentado da fundação Eletros, o engenheiro eletricista Arthur Oliveira Caetano já pensou como Goitia, mas hoje vê com ressalvas a implementação do suitability. Ele teme que, se a decisão couber ao

ANO VII I — N o 57

JurisprudênciaBoletim

Mercado de Capitais

No final do ano passado, o Banco do Brasil apresen-tou pedido de autorização para negociar privadamen-te ações de sua própria emissão, nos termos do artigo 23 da Instrução 10 da CVM (editada em 1980), com o objetivo de pagar a remuneração variável de seus ad-ministradores e dos administradores de sua controla-da BB DTVM.

A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se po-sicionou favoravelmente ao pleito, pois, segundo seu en-tendimento: 1. a operação atendeu às determinações do Banco Central reunidas na Resolução 3.921 do Conse-lho Monetário Nacional (CMN); 2. o valor da remunera-ção, incluindo a parcela variável a ser paga a cada um dos administradores, em ações mantidas em tesoura-ria, foi aprovado nas assembleias gerais ordinárias das companhias, ambas realizadas em 25 de abril de 2013, em respeito ao artigo 152 da Lei 6.404; 3. o pedido foi feito previamente à CVM, em conformidade com o ar-tigo 23 da Instrução 10; e 4. o preço da referida opera-ção foi calculado com base na cotação média das ações ordinárias da empresa (BBAS3) na semana anterior à data do pagamento.

O colegiado entendeu não haver barreira legal ao pedido e acompanhou a manifestação da SEP. Decidiu, por unanimidade, conceder a autorização de negocia-ção privada de ações para pagamento da remuneração variável dos administradores do Banco do Brasil e de sua controlada, referente ao período entre abril de 2013 e março de 2014.

O Banco do Brasil obteve aval da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para remunerar administradores com ações de emissão própria. A Citibank

DTVM, por sua vez, solicitou registro para um fundo de índice baseado em indicador da Bolsa de Valores de Nova York. A corretora pediu, ainda, a dispensa de cumprir certos requisitos exigidos pela Instrução

359. O colegiado da CVM se manifestou favoravelmente ao dois pleitos, com algumas considerações.

Banco do Brasil consegue aval para negociar ações mantidas em tesouraria

Fundo de índice internacional do Citibank obtém autorização da CVM

A Citibank DTVM apresentou pedido de registro de funcionamento e de distribuição pública de cotas do iShares S&P 500 Fundo de Investimento em Cotas de Fundo de Índice – Investimento no Exterior, nos termos do artigo 8o da Instrução 359 da CVM, editada em 2002. A demanda se baseia na decisão do colegiado da CVM relativa ao Processo RJ2012/11.653 proferida em 2012. A gestora ainda solicitou a dispensa de atendimento a alguns requisitos da instrução.

O Processo RJ2012/11.653 surgiu de uma consulta apresentada pela Superintendência de Relações com In-vestidores Institucionais (SIN). O objetivo da consul-ta era avaliar a conveniência e a oportunidade de con-cessão de determinadas dispensas que viabilizassem a constituição de fundos de índice internacionais.

Naquela ocasião, após amplo debate, o colegiado da CVM resolveu comunicar ao mercado que as dispensas a requisitos da Instrução 359, para fins de oferta de fun-dos de índice de mercado no Brasil baseados em índices de outras jurisdições, seriam avaliadas caso a caso. No entanto, para que as permissões fossem analisadas seria necessário: 1. existir compatibilidade dos índices de re-ferência e dos fundos de índice estrangeiros investidos com as exigências regulatórias brasileiras; 2. que o fun-do de índice constituído aqui no Brasil se destinasse ex-clusivamente a investidores pessoas físicas ou jurídicas com investimentos financeiros superiores a R$ 1 milhão.

O fundo proposto pela Citibank DTVM busca retor-nos de investimento baseados na performance do Ín-dice S&P 500, que é constituído e mantido pela S&P

Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Comentários sobre o informativo podem ser enviados para o e-mail [email protected].

respeito aos artigos 18, 35 e 59 da norma, as dispensas pleiteadas deixaram de ser necessárias, porque eles fo-ram modificados pela posterior Instrução 537, de 2013. O regulamento do fundo está de acordo com os limites normativos atuais.

Quanto ao artigo 58 da Instrução 359, a SIN enten-deu que a dispensa requerida é pertinente. Ela possibi-litará a aquisição de pelo menos 95% do patrimônio lí-quido do fundo em cotas do fundo iShares Core S&P 500 ETF, fundo de índice constituído e sujeito à regula-ção dos Estados Unidos que replica o índice S&P 500.

O colegiado acompanhou a manifestação proferida pela área técnica e deliberou:

1. o reconhecimento do S&P 500 como índice elegí-vel por fundos de índice regulados pela Instrução 359;

2. o reconhecimento do IVV como fundo de índice passível de ser investido por fundos de índice regulados pela 359, por apresentar e estar sujeito a exigências regu-lamentares consideradas compatíveis com as brasileiras;

3. a concessão de dispensa de cumprimento dos limi-tes e restrições de investimento previstos no artigo 58 da instrução citada, desde que o parágrafo 7o do item 3o do regulamento do fundo preveja expressamente a neces-sidade de aprovação prévia da CVM para a celebração de contratos de swap;

4. a determinação de que, no artigo 38 do regula-mento do fundo, a redação deixe clara a necessidade de calcular o erro de aderência em relação ao índice per-seguido, e não em relação ao fundo de índice interna-cional investido;

5. a dispensa de registro na CVM para distribuição primária de cotas do fundo proposto, uma vez que o ar-tigo 8o da Instrução 359 não prevê essa exigência;

6. a necessidade de que o material publicitário utili-zado na operação de lançamento de cotas do fundo re-ceba aprovação prévia da área técnica da CVM e apre-sente linguagem clara e moderada, advertindo os inves-tidores para os riscos da aplicação.

Dow Jones Indices. Uma vez que o indicador está sujei-to à jurisdição americana, é possível concluir que o ve-ículo terá como ativo preponderante de sua carteira as cotas do iShares Cores S&P 500 ETF, listadas para ne-gociação na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) sob o código IVV.

Além disso, o fundo é voltado unicamente a pessoas físicas ou jurídicas com mais R$ 1 milhão investido. Ca-be realizar operações de arbitragem a cada vez que o va-lor de mercado das cotas do iShares S&P se descolar de seu valor patrimonial, pelos agentes autorizados (corre-tora brasileira e a corretora internacional).

Noutras palavras, se o valor de mercado da cota do iShares S&P 500 superar substancialmente seu valor patrimonial, o agente autorizado (neste caso, a correto-ra no Brasil) poderá integralizar as cotas do fundo me-diante a entrega de cotas do IVV no exterior, que serão então repassadas à conta de custódia do iShares S&P 500 mantida nos Estados Unidos. O repasse impactará o estoque de cotas do fundo no Brasil, elevando a ofer-ta dessas cotas no mercado secundário e, consequente-mente, reduzindo seu preço, até convergir ao valor pa-trimonial da cota a ponto de não mais justificar a ope-ração de arbitragem.

Por outro lado, se o valor de mercado da cota do iShares S&P 500 cair em relação ao valor patrimonial, o mesmo agente autorizado poderá solicitar o resgate (cancelamento) de cotas do fundo, mediante o recebi-mento de cotas do IVV no exterior. Elas poderão então ser vendidas no mercado estrangeiro a um valor de li-quidação maior do que o das cotas originais do iShares S&P 500, com a retenção do ganho decorrente dessa di-ferença. Nessa hipótese, o cancelamento das cotas redu-zirá a oferta delas no mercado, o que elevará seu preço. Consequentemente, o valor convergirá ao patrimonial, até que a operação de arbitragem não faça mais sentido.

A Citibank DTVM também solicitou dispensa de cer-tos requisitos exigidos pela Instrução 359. No que diz

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G o v e r n a n ç aIlustração: Marco Mancini/Grau180.com

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Menos cabelos brancos

A diversidade etária ainda engatinha, mas a tendência é os jovens ampliarem presença nos conselhos de administração

Por Camila Hessel

A lém de supervisionar a atuação do cor-po executivo, o conselho de adminis-tração possui o papel de moldar a visão de longo prazo da companhia e garantir que as decisões táticas a coloquem no rumo desejado. Hoje, as novas tecno-logias e a inovação são fundamentais para a diferenciação dos negócios, e

a forma de interação entre consumidores e em-presas passa por mudanças significativas. Cabe discutir o impacto dessas transformações sobre a atividade e, sobretudo, a composição do órgão. Como garantir que a trajetória, o repertório, a re-putação e a visão de mundo de cada conselheiro se combinem de modo a evitar miopias de mercado e de perspectiva?

A resposta mais imediata passa pela diversidade na com-posição dos conselhos de administração. Embora o foco principal das pesquisas sobre o impacto da heterogeneida-de no board esteja centrado no aspecto do gênero, alguns estudos já se debruçam sobre a mescla de gerações. Eles mostram que a concentração de faixas etárias é um tema que deve estar mais presente no radar dos guardiões da boa governança.

No Brasil, a distribuição das idades nos boards é quase tão homogênea quanto a de profissões — 51% são enge-nheiros e administradores. O estudo A governança corpo-rativa e o mercado de capitais, da KPMG, realizado a partir dos formulários de referência de 252 companhias listadas na BM&FBovespa em todos os níveis de governança, mostra que mais da metade dos conselheiros tem entre 51 e 70 anos (30% deles estão na faixa de 51 a 60, e 25% na de 61 a 70).

G o v e r n a n ç a

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Os membros com mais de 71 anos respondem por 12% das cadeiras dos boards; entre 41 e 50, a taxa é de 22%; entre 31 e 40, 10%; e os conselheiros até 30 anos somam menos de 1%.

É comum as companhias, ao buscar um integrante para o board, optarem por executivos que sejam amplamente reconhecidos no mercado e já tenham ocupado alto cargo de liderança. Isso explica a senioridade dos conselheiros. Na visão de Henri Barochel, líder da área de remuneração executiva do Hay Group, à proporção que os conselhos de administração se afastarem um pouco do papel de fiscaliza-dores dos resultados e da gestão, e começarem a refletir mais sobre temas como a sustentabilidade do negócio, o perfil dos membros vai mudar. “As empresas vêm repensando a atuação do conselho, que passa a ter um papel mais propo-sitivo”, observa. Enquanto essa mudança não chega, outro motivo, segundo Sidney Ito, sócio da área de Risk Consult- ing da KPMG no Brasil, tem contribuído para o crescimento do número de conselheiros entre 41 e 50 anos nos últimos tempos: “Há uma preocupação cada vez maior com a incor-poração de conselheiros independentes e de representantes de fundos de investimento”, constata.

Para entender o perfil dos conselheiros com menos de 40 anos que atuam em companhias abertas brasileiras, a ca-pital aberto fez um levantamento exclusivo, a partir dos dados do seu Anuário de Governança Corporativa das Com-panhias Abertas, publicado em 2013, e das informações dis-poníveis nos sites de relações com investidores. Constatou que a maior parte deles (28,8%) é composta de herdeiros dos fundadores das companhias. Há ainda representantes dos majoritários e outros membros ligados ao grupo de controle (com 15,25% cada), além de indicados de fundos de investi-mento e conselheiros independentes (13,6%). Os executivos respondem por 8,5%. Há também empate em outras duas categorias: os representantes de funcionários e os dos acio-nistas minoritários (2% cada).

Entre os poucos conselhos com integrantes jovens e sem perfil de herdeiro está o da Arezzo. A fabricante de sapatos conta com duas conselheiras independentes, ambas com menos de 40 anos. Juliana Rozenbaum, 36, tem 13 anos de experiência como analista de companhias de varejo, e Caro-lina Valle de Andrade Faria, 34, executiva da área de marke-ting, possui experiência em projetos de inovação. Embora tenha declinado o pedido de entrevista com as conselheiras,

a Arezzo se pronunciou, por meio de nota, a res-peito da composição de seu board. “Decidimos convidá-las por se tratar de uma empresa focada na venda no mercado feminino. Elas têm forma-ção abrangente nas áreas de investimento, varejo, branding, marketing e finanças, o que deve pro-porcionar discussões ainda mais frutíferas para a nossa companhia.”

Olhando o futuroNo exterior, a diversidade etária nos conselhos de administração também segue a passos lentos. Mas, assim como no Brasil, há quem já tenha acelerado a marcha nessa direção. É o caso do Starbucks. Em 2011, a rede americana de cafe-terias nomeou Clara Shih, de apenas 29 anos, como conselheira. Cofundadora da Hearsey So-cial, startup que provê ferramentas para empre-sas gerenciarem sua presença nas redes sociais, Clara chamou a atenção do fundador e CEO do Starbucks quando escreveu um livro sobre o Facebook. Ela chegou ao conselho quando sua empresa tinha apenas dez meses, mas já contava com o endosso de importantes fundos de capi-tal de risco, como o Sequoia Capital. No fim de abril, a fan page do Starbucks na rede social de Mark Zuckerberg contabilizava 36 milhões de curtidas e 18 milhões de visitas. “Se a companhia requer inovação, se os stakeholders são jovens, se precisa se adaptar às novas gerações e intera-gir com as mídias e tecnologias atuais, faz sen-tido ter profissionais mais jovens no conselho”, avalia Sandra Guerra, presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A análise dos conselhos das empresas america-nas símbolos de inovação revela uma faixa etária significativamente inferior à dos outros ramos. De acordo com o relatório Spencer Stuart Board Index 2013, a idade média dos conselheiros das empresas do S&P 500 é 63 anos. Já nas 34 com-panhias de capital aberto eleitas como as mais inovadoras pela revista Fast Company, o número cai para 58,5. Curiosamente, em empresas que

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abriram o capital mais recentemente, a média de idade dos integrantes do board é menor. No Facebook, no Twitter e na Netflix, está em menos de 50 anos, enquanto no Google e na Apple ela sobe para 56,1 e 62,5 anos, respectivamente.

Estudos acadêmicos atestam a importância de conse-lheiros mais jovens em empresas que necessitam estar na vanguarda. Um deles foi produzido pela Burgundy School of Business, de Dijon, na França. Em Does board diversity in-fluence innovation? The impact of gender and age diversity on innovation types, pesquisadores investigam em que medida a heterogeneidade dos conselhos contribui para quatro di-ferentes tipos de inovação: de produtos, organizacional, de processos e de marketing. Foram analisadas 176 companhias francesas, a partir da pesquisa French Community Innova-tion Survey (CIS) e de seus relatórios anuais. “Nossos resul-tados mostram a influência da diversidade, tanto de gênero quanto etária, nos quatro tipos de inovação estudados”, re-lata Fabrice Galia, um dos autores da pesquisa. “No caso da diversidade etária, seu impacto é positivo para a inovação de produtos e negativo para a inovação organizacional.” Para processo e marketing, os autores não identificaram correla-ções significativas.

Um estudo sueco, elaborado pelo Blekinge Institute of Technology, também traz bons motivos para tornar o conselho mais jovial. Em How age diversity on the board of directors affects firm performance, Spakur Dagsson e Emil Larsson examinam a composição dos boards de compa-nhias listadas na Nasdaq OMX Stockolm Exchange entre os anos de 2005 e 2009. Identificaram que o retorno so-bre ativos (ROA) das empresas é significativamente maior quando a diversidade etária dos conselhos é grande. Tam-bém verificaram que esse efeito é potencializado nas em-presas de pequeno porte, com capitalização de mercado de até € 150 milhões.

ContrapontoApesar dos benefícios apontados acima, há quem veja com ressalvas a inclusão de membros mais jovens no conselho. Profissionais de mercado que conhecem de perto o funcio-namento do órgão relatam queixas relativas a conselheiros com menos tempo de experiência, que estenderiam discus-sões de forma desnecessária. Além disso, em momentos difíceis esses executivos não transmitiriam a segurança ne-

cessária para acalmar os investidores. “Se tiver de realizar um turnaround, a presença de um con-selheiro reconhecido pelo mercado é um sinal de confiabilidade”, diz Barochel, do Hay Group.

Antes de baixar a faixa etária dos conselheiros, também é prudente analisar o equilíbrio desse grupo com a diretoria. Renato Chaves, da Mesa Corporate Governance, pondera que, se a ges-tão é composta majoritariamente por executivos jovens, faz sentido ter um conselho formado por gerações mais antigas. Um exemplo interna-cional que evidencia esse tipo de cuidado é o da Airbnb, rede de aluguel de moradias temporárias que ainda não abriu o capital, mas já tem valor de mercado estimado em US$ 10 bilhões. A em-presa colocou ao lado dos três fundadores, todos de 32 anos, conselheiros bem mais velhos e com experiências profissionais diversificadas. Jeff Jor-dan, 53 anos, é sócio do fundo de venture capital Andreessen Horowitz; Peter Chernin, 62, é in-vestidor e produtor de filmes como o Planeta dos Macacos; e Marjorie Scardino, 67, foi a primeira mulher a presidir uma das cem maiores compa-nhias britânicas (a Pearson, que faz parte do FTSE 100) e a primeira integrante feminina a participar do conselho do Twitter. “O ideal é fazer um con-traponto aos diretores, agregando ao conselho profissionais com capacidade de fazer as pergun-tas certas”, afirma Chaves.

E, para os que ainda estão na dúvida se vale a pena quebrar a homogeneidade do conselho com rostos mais moços, fica a dica do escritor ame-ricano e futurólogo Alvin Toffler. Com duas dé-cadas de antecedência, ele previu que as pessoas teriam PCs em casa. Também prognosticou o sur-gimento da TV por assinatura. Segundo Toffler, um dos principais segredos para manter sua capa-cidade de antecipar o que está por vir afiada, aos 85 anos, é expandir o raio de seu círculo de ami-zades. “Quanto mais diversificadas são as cone-xões pessoais, maior é o repertório e, consequen-temente, a habilidade em captar movimentos de mudança relevantes.”

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F l u x o d e c a p i t a i s

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com

Não foi desta vez que a fragilidade dos desenvolvidos impulsionou os emergentes. Turbulências políticas e econômicas ainda os impedem de decolar

Por Bruna Maia Carrion

O Brasil ganhou alguns apostos pouco enaltecedo-res do resto do mundo nos últimos meses. Um deles, cunhado pelo britânico Financial Times, é “ex-estrela emergente”. Outro, forjado pelo Fe-deral Reserve (Fed, o banco central americano), é “vulnerável”. Para completar, a Standard & Poor’s, uma das três principais agências de classificação de risco do mundo, rebaixou a nota de rating

brasileira de BBB para BBB-. A má fase, contudo, não é exclusividade deste emergen-

te. Turquia, Índia, Indonésia e África do Sul também são vistas como frágeis pelo Fed, e diversos outros congêneres vêm apresentando desempenho ruim. Como uma bola de neve, as notícias devastaram esses mercados. Dados da consultoria EPFR Global mostram que houve resgates líquidos de US$ 37,2 bilhões dos fundos de ação desses países em 2014, até 20 de abril. O número é bem supe-rior ao do ano passado inteiro, quando US$ 26,7 bilhões deixaram os emergentes como um todo. No Brasil, foram sacados US$ 554 milhões este ano, mas em 2013 haviam sido vultosos US$ 6,2 bilhões. Em abril último, o cenário come-çou a se inverter, ainda que timidamente: US$ 5,6 bilhões

retornaram aos fundos de ação, e o Brasil recuperou US$ 100 milhões. O movimento, porém, é marginal diante do todo.

Retomando a coroaUma parte da fuga de capital resulta da vulnerabilidade dos emergentes à mudança de política monetária dos Estados Unidos. Com o fim da bilionária injeção de recursos para compra de títulos (quantitative easing), prevista para ocor-rer até o fim deste ano, a tendência é o Fed aumentar sua taxa de juros, atualmente estacionada em míseros 0,25% — e, por consequência, fisgar muitos dos recursos atualmente espalhados pelo mundo. O mercado acionário americano também exerce seu fascínio. O S&P 500 valorizou mais de 26% em 2013, enquanto o Ibovespa caiu 21,4%. A alta estimulou as aberturas de capital: do começo do ano até o fim de abril, 94 IPOs ocorreram nas bolsas americanas, rendendo um total de US$ 7,6 bilhões em captações.

O otimismo com os desenvolvidos também se esten-de à Europa. Até a Espanha, que envergonha-se de um desemprego de 26%, vem recebendo elogios. “O país tomou decisões difíceis e está mais competitivo”, analisa Andres Garcia-Amaya, estrategista global da J.P. Morgan

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Asset Management. Para reduzir o déficit público, o governo espanhol se comprometeu a economizar € 150 bilhões entre 2012 e 2015. Teve que aumentar impostos e diminuir gastos com saúde e educação, além de congelar salários no setor público. As medidas foram impopulares, mas ajudaram a economia a sair da recessão relativa-mente rápido. Depois de dois anos sem crescer, a Espa- nha anunciou, em outubro de 2013, avanço de 0,1% no PIB.

Houston, nós temos um problemaA recuperação de países desenvolvidos está longe de ser a única pedra no sapato dos emergentes. “Esses mercados en-frentam muitos ventos pesados, entre os quais a incerteza a respeito do ritmo de crescimento da China e a queda no preço das commodities. Além disso, há questões específicas de cada nação”, observa George Hoguet, diretor global de estratégia de investimentos da gestora State Street Global Advisors.

A maioria dessas particularidades tem a ver com política. A Turquia, desde maio de 2013, vem sendo palco de inten-sos levantes populares contra o governo de Recep Tayyip Erdoğan. Na Ucrânia, o presidente Viktor Yanukovich foi deposto após protestos marcados por violência. Apesar de alguns especuladores verem oportunidades em períodos de crise política, os investidores de longo prazo fogem da incerteza. Fundos de ação voltados para a Rússia sofreram resgates de US$ 345 milhões no primeiro trimestre de 2014 e de US$ 1,34 bilhão em todo o ano passado.

No caso da África do Sul, da Índia e do Brasil, a situação política é mais estável, mas também incerta. Os três países passarão por eleições gerais este ano, e o Brasil é o que mais permanece em banho-maria. “Dilma Rousseff tem que tomar algumas decisões difíceis, e é complicado para ela fazer isso e pedir votos ao mesmo tempo”, diz Amaya. As decisões às quais ele se refere estão ligadas, principalmente, à política fiscal, pivô do rebaixamento do rating brasileiro pela S&P.

Quando comparado aos pares do grupo de emergentes, no entanto, o Brasil preserva vantagens. “Acertou ao começar um ciclo gradual de aumento da taxa básica de juros no ano passado”, considera Amaya. Enquanto o governo brasileiro demorou mais de um ano para subir sua taxa de juros de 7,25% para os 11% atuais, a Turquia, por exemplo, a elevou em janeiro em uma tacada só: de 7,75% ao ano para 12%, com o intuito de conter a inflação, que alcançou 7,5% em 2013.

Sombrero americanoNesse amontoado de emergentes que geram preocupação, o México ocupa um patamar privilegiado, ainda que os fundos voltados ao país também tenham sofrido resgates. O motivo é

a forte ligação da economia com a do vizinho ame-ricano: 71% de suas exportações vão para lá. Como os Estados Unidos se recuperam e aceleram o ritmo de expansão econômica, nada mais natural do que voltar os olhos para quem mais negocia com eles. Além disso, incerteza política não é um problema por lá: as últimas eleições presidenciais foram em 2012, e as próximas ocorrerão apenas em 2018. “O México já fez suas escolhas”, comenta Hoguet.

A sensação dos investidores com relação ao país, entretanto, é a mesma que eles reservavam a nós em 2010. O México tem promovido o aumento da renda da população mais pobre e registra um índice contido de desemprego (em torno de 5%, tão baixo quanto o brasileiro). Já o PIB per capita mexicano, de acordo com dados de 2011 do Fundo Monetá-rio Internacional, é um pouco mais baixo que o nosso: US$ 10,2 mil, contra US$ 12,6 mil do Brasil. “O México é promissor. Todavia, se não entregar os resultados nos próximos anos, vai perder a atrati-vidade da mesma forma que o Brasil”, avalia Nick Robinson, diretor de investimentos em ações para o Brasil da escocesa Aberdeen Asset Management. Em 2013, a expansão do PIB mexicano foi de apenas 1,1%, abaixo do crescimento de 2,3% registrado pela economia brasileira.

Se for para seguir o exemplo de alguém, então, que seja o da Coreia do Sul. O país asiático não é mais uma promessa. Com economia forte e empre-sas sólidas, principalmente no setor de tecnologia, é visto como um porto seguro entre as nações que não ascenderam à categoria de desenvolvidas. O PIB coreano vem crescendo de forma consis-tente: 2,3% em 2012 e 3% em 2013. Além disso, apenas 3,4% dos cidadãos não têm emprego. A renda anual média dos sul-coreanos é de quase US$ 23 mil, nível próximo ao de muitos países de-senvolvidos. Embora os fundos dedicados ao país também tenham registrado saídas (mais de US$ 1,5 bilhão em 2013), isso não desanima os investidores de longo prazo. “A Coreia do Sul tem um índice de poupança interna alto, o que ajuda a manter o nível de investimentos quando os estrangeiros vão embora”, afirma o estrategista Amaya, do J.P. Mor-gan. Enquanto Brasil e México registram taxa de poupança de, respectivamente, 21% e 16% do PIB, o país asiático tem 31%. Essa nave, Houston, está mais próxima de onde todos queremos chegar.

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A n á l i s e s e t o r i a l

Bateria fraca

Depois do choque provocado pela Lei 12.783, foi a vez de São Pedro causar um curto-circuito no preço das ações de energia elétrica

Por Roberto Rockmann

Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com

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Bateria fraca

As ações das companhias do setor de energia elé-trica estão cada vez mais apagadas no pregão. Em fevereiro deste ano, o IEE, índice do setor na BM&FBovespa, alcançou valor de mercado de R$ 111 bilhões, 36,2% menor que o recorde de R$ 174 bilhões atingido há dois anos. Dois fatores são responsáveis por essa baixa. O primeiro data de setembro de 2012, quando o governo editou

a Medida Provisória (MP) 579, convertida na Lei 12.783, do ano passado. A norma estreitou as margens do segmento ao apresentar novas determinações tarifárias para a renovação de contratos de concessão. Como resultado, as elétricas viram se esvair, somente naquele mês, R$ 20 bilhões em valor de mer-cado. Agora, o vilão da história é a chuva, ou melhor, a falta dela — este ano, tivemos um dos três primeiros trimestres mais secos da história. Os investidores temem que a queda dos índices pluviométricos gere racionamento e derrube as receitas de geradoras e distribuidoras. Segundo previsões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) feitas em abril, o nível dos reservatórios das hidrelétricas alcançará 40% no início de maio, o mais baixo patamar desde 2001.

Por mais que o governo minimize o risco de desabasteci-mento de energia, uma análise da respeitada consultoria de energia elétrica PSR mostra que a probabilidade de raciona-mento é crescente: aumentou de 24,5%, em março, para 48% em abril. Para o ex-presidente da Eletrobras Luiz Pinguelli Rosa, o risco de restrição de abastecimento existe e não pode ser desprezado. “Estamos com um consumo elevado, devido à distribuição de renda, e no fim do período úmido. O governo poderia pensar em algumas medidas para estimular a racio-nalização”, pondera. No cenário atual, com os reservatórios abaixo de 40% no início de abril, técnicos da iniciativa privada estimam que o Brasil precisaria racionar 10% de energia para atravessar o período seco. Isso representaria, igualmente, um corte de 10% na receita do setor.

Além da estiagemAinda que São Pedro colabore e não haja corte no forneci-mento — medida extremamente impopular em ano eleitoral —, há fragilidades estruturais que prometem manter a queda dos papéis das elétricas no pregão. “Independentemente de haver racionamento este ano, o risco de investimento no segmento permanecerá alto”, considera a analista de energia do Itaú BBA, Paula Kovarsky.

Uma dessas fragilidades deve-se à opção do Brasil de construir hidrelétricas a fio-d’água, por pressões ambientais. Nesse modelo, que vigora desde a metade da década de 1990,

as usinas aproveitam a vazão do rio, para dispensar a construção de grandes reservatórios e reduzir a área alagada. A escolha tem seus efeitos colaterais. Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) aponta uma diminuição da capacidade de regularização dos reservatórios, que se traduz como o período em que eles atendem à demanda sem necessidade de geração complemen-tar de energia por outras fontes. Esse tempo, que em 2011 era de 6 meses, caiu para 4,91 meses no ano seguinte. “O Brasil está mais dependente das chuvas”, conclui Pinguelli Rosa.

Desde 2001, quando houve o apagão, o País busca diversificar sua matriz energética. Continua, no entanto, muito dependente da fonte hidráulica, responsável por 70% da produção. As usinas movi-das a gás natural ou a óleo combustível correspon-dem a 30%. Com a estiagem do início do ano e a necessidade de limitar a perda dos reservatórios, a saída foi colocar as térmicas para funcionar a todo vapor, batendo recordes sucessivos de geração. O problema é que o preço de produção dessas usinas supera R$ 1.500 por megawatt-hora, 15 vezes maior que o de uma hidrelétrica. Nos cálculos do presidente de uma distribuidora, se a estiagem permanecer, o acionamento das térmicas deve custar R$ 20 bilhões apenas em 2014.

Uma parte desses recursos deve ser bancada pelo Tesouro, enquanto a outra será repartida pelos consumidores. Pelas regras do setor, as distribui-doras não têm que arcar com esse gasto, já que o acionamento das térmicas está dentro dos custos não gerenciáveis da tarifa, repassados diretamente ao cliente final.

A conta bilionária das térmicas traz outra inse-gurança à mesa: o governo pode não ter dinheiro para indenizar ativos de transmissão não amorti-zados, conforme proposto na época da edição da MP 579. A União aceitou pagar o reembolso, uma vez que a remuneração desses ativos deixaria de ser repassada às tarifas.

De acordo com a Associação Brasileira dos Grandes Transmissores de Energia Elétrica (Abrate), a indenização dos ativos não deprecia-dos somaria R$ 15 bilhões. Eletrobras, Cemig e Cteep seriam algumas das principais beneficiadas. “Os recursos que seriam destinados a esse fim

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foram usados para as térmicas. Além disso, com o rebaixa-mento da nota de risco brasileira pela Standard & Poor’s, o Tesouro está com os movimentos mais engessados. Nesse cenário, não dá para saber como nem quando será paga a indenização”, diz um analista.

Na área de distribuição, a situação também é nebulosa. Das 64 empresas, 37 aguardam o governo divulgar as diretrizes de renovação de contratos com término entre 2015 e 2017. Há indícios de que a União exigirá delas metas mais rígidas de melhoria de atendimento e menor ocorrência de interrup-ções no fornecimento, o que pode diminuir a rentabilidade das operações. A Eletrobras espera a definição dessas regras para avaliar o que fazer com seis distribuidoras federaliza-das — historicamente deficitárias, elas atuam no Piauí, em Rondônia, no Acre, no Amazonas, em Alagoas e em Roraima. Segundo o presidente da estatal, José da Costa Carvalho Neto, várias possibilidades são avaliadas. “O destino dessas distribuidoras deverá ser definido até o fim de 2014, com a possibilidade de a Eletrobras manter 100% das operações, abrir espaço para entrada de um sócio minoritário ou passar a deter, ela mesma, uma fatia menor”, afirma.

A vida da empresa não anda fácil desde a edição das novas regras de concessão. Em 2012, registrou resultado negativo de R$ 6,9 bilhões, contra lucro de R$ 3,7 bilhões em 2011. No ano passado, continuou no vermelho, com prejuízo de R$ 6,2 bilhões. Na bolsa, a situação tampouco é boa. De se-tembro de 2012 a 7 de abril de 2014, as ações PNB acumulam desvalorização de 23%. No primeiro trimestre deste ano, o sinal inverteu-se, e o papel deu alta de 9,6%. A subida, no entanto, tem pouco a ver com o desempenho da companhia e do setor — e mais com a queda de popularidade da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais.

Fora da curvaEntre janeiro e março deste ano, duas ações se destacaram positivamente no pregão, com valorização na casa da dezena: a Cesp (18,9% de alta) e a Alupar (10,3%). As duas estão entre as principais recomendações dos analistas para os próximos meses, ressalvadas as pendências regulatórias. A geradora paulista saiu-se bem ao não renovar as concessões de geração, o que lhe permitiu aproveitar a estiagem do início do ano e comercializar energia no mercado livre. Nele, a cotação do megawatt-hora chegou a R$ 822, ante o máximo de R$ 150 no mercado regulado, no qual todas as concessionárias que aceitaram as regras da MP são obrigadas a vender. Já a Alupar se beneficia do foco na área de transmissão, que responde por cerca de 85% da receita e a deixa menos exposta ao risco de racionamento. Além disso, suas concessões só vão expirar no fim da década de 2020. As duas companhias apa-rentam uma rara possibilidade de investir no segmento sem levar um choque ao tentar vender as ações.

Chamuscadas no pregão De 16 ações do setor elétrico, 11 estão no vermelho

Nome Classe Retorno*

Cesp PNB 18,9

Alupar UNT N2 10,3

Eletrobras PNB 9,6

Cemig PN 8,9

Taesa UNT N2 5,8

Tractebel ON -2,3

Copel PNB -2,4

CPFL Energia ON -2,6

AES Tietê PN -5,5

CTEEP PN -8,5

Eletropaulo PN -8,7

Energias BR ON -9,3

Coelce PNA -11,5

Equatorial ON -11,7

Light ON -15,2

Eneva ON -45,7* Números em %, referentes ao primeiro trimestre de 2014.Fonte: Economática.

Infraestrutura é um informativo bimestral produzido por MHM Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO.

Abrimos o período de colaboração do MHM para a capital aberto, com o boletim Infraestrutura, tentan-do responder a uma questão que circunda há certo tempo nosso cotidiano de trabalho. A transferência dos ativos de iluminação pública aos municípios é constitucional?Com a edição da Resolução Normativa 414, em 2010, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabeleceu que os municípios recebam os ativos de iluminação públi-ca ainda registrados no Ativo Imobilizado em Serviço (AIS) das concessionárias de distribuição de energia elétrica lo-cais. Alterações foram paulatinamente realizadas no crono-grama, mas fato é que as prefeituras inadimplentes deverão ter os ativos até o fim de 2014.

Nesse cenário, oportunidades de negócio foram abertas, especialmente na formação de parcerias público-privadas — desde a modernização, gestão e manutenção da rede de iluminação pública e até a aplicação de conceitos mais ousados: cidades digitais, eficiência energética e outros. O assunto ainda é intensificado com os potenciais benefícios que uma rede de LED pode agregar à simples iluminação. Aparentemente, além de ganhos de eficiência, qualidade e durabilidade, um universo de oportunidades (do controle remoto do sistema à transmissão de dados) está se abrindo aos municípios.

Às cidades que ainda não assumiram a gestão da ilumi-nação pública, esta é uma janela de oportunidades que não pode ser deixada. Às prefeituras que já trabalhavam com es-trutura própria para gestão destes serviços, o momento de tomar medidas estruturantes também é este.Em paralelo, contudo, municípios que fecham os olhos ao potencial interessantíssimo estão sendo influenciados a combater a resolução da Aneel, tachando-a de inconstitu-cional. Alegam que estaria inovando no ordenamento ju-rídico, ao estabelecer ônus aos municípios sobre serviços que seriam, originalmente, de responsabilidade das conces-sionárias de distribuição de energia elétrica e, portanto, de titularidade da União.

Apesar do esforço argumentativo, a Constituição Fede-ral é bastante explícita quanto à titularidade municipal dos serviços de iluminação pública. O texto atribui aos municí-

pios a responsabilidade pelos “serviços públicos de interesse local” (artigo 30, V). É um tanto exagerado imaginar que a União tenha interesses peculiares na gestão e coordenação da iluminação pública de todas as cidades brasileiras. Além disso, dificilmente se verifica um serviço cujo interesse é mais localizado do que a própria iluminação da cidade.

A Constituição dá outra dica ao estabelecer competência municipal para instituir contribuição para custeio da ilumi-nação pública. Deixa claro que o município é o titular do serviço e, por isso, se responsabiliza por planejar, gerir, ope-rar e manter a rede de iluminação, ainda que o faça por meio de concessionárias, por contratação direta (via Lei 8.666, de 1993) ou pela própria distribuidora local.

Por fim, ainda cumpre lembrar que a norma da Aneel não fez nada além de ordenar uma questão contábil que dificultava o exercício regulatório pela agência: os ativos de iluminação obstavam a apuração da base de ativos que integram procedimentos como a revisão tarifária das distri-buidoras. Outro ponto importante remonta ao histórico de resoluções da Aneel. Em todas elas (inclusive na Resolução 414), a iluminação foi claramente tratada como serviço de titularidade municipal. De fato, nenhum ônus foi imposto aos municípios; apenas se ordenou a situação. O importante agora é fazê-los vislumbrar os potenciais que estão na mesa para aproveitamento.

Iluminação pública

Cabe aos municípios a responsabilidade pelos “serviços

públicos de interesse local”

Por que a transferência de ativos de iluminação pública aos municípios é constitucional?

Por Rosane Menezes Lohbauer ([email protected]) e Rodrigo Sarmento Barata ([email protected]), respectivamente sócia e advogado do MHM Advogados.

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A l t a & B a i x a

48 CAPITAL ABERTO Maio 2014

A ação subiu 27% em 2013 e já gal-gou mais 11,2% até 8 de abril deste ano. O bom comportamento da cotação da Porto Seguro na bolsa é movido a números. Em 2013, a receita operacio-nal recorrente (número que considera apenas apólices mantidas de um ano para o outro) da seguradora de veículo e residência foi duas vezes maior que o registrado em 2012. No ano passa-do, a companhia ainda cresceu 23% no segmento de automóveis, e elevou os preços.

O reajuste foi possível, segundo Pedro Zadeu, analista do Banco Fator, graças às condições de mercado favorá-veis e às vantagens competitivas da Por-to Seguro: a marca, a estrutura de ser-viços — apoiada em 15 mil prestadores exclusivos — e o bom relacionamento com os 25 mil corretores. A conse- quência foi a redução no chamado índice de sinistralidade, mesmo com a alta dos crimes contra o patrimônio no País. O medidor fornece a relação entre o que se paga ao segurado, para ressarcir furto, roubo ou acidente de veículo, e o que se cobra pela apólice. Por isso, quando os preços sobem, o índice tende a cair.

O resultado operacional conseguiu compensar a queda do retorno finan-

Seguradora vive bom momento operacional, mas há nuvens negras no horizonteceiro em 2013. Excluindo os recursos de previdência, as aplicações de reservas da seguradora ganharam o equivalente a 79% do CDI, contra 133% em 2012. Se houver melhora este ano, como espe-ram os analistas, e o desempenho ope-racional seguir no trilho de 2013, a com-

panhia terá tudo para comemorar 2014. O que não quer dizer que o preço da ação seguirá em alta. Somente em abril, até o dia 10, o papel acumulava queda de 2%. A desvalorização deve-se a duas nuvens negras no céu da Porto Seguro.

Uma é a decisão de primeira instân-cia da Justiça do Rio de Janeiro sobre o “custo de apólice”, taxa cobrada pela empresa entre 2002 e 2012 e, hoje, ilegal. O tribunal determinou que a compa-nhia devolva aos clientes, em dobro, a quantia cobrada no período. Isso pode corresponder a 25% do preço da compa-nhia em bolsa, mas a Porto Seguro vai recorrer — e os analistas consultados acreditam que ganhará a causa.

A outra nuvem negra é o compor-tamento do mercado de seguros de carros em 2014. Analistas do J.P. Mor-gan ponderam que o preço da ação já incorporou grande parte da expectativa boa para o segmento e, por isso, reco-mendam apenas manter o papel. Já o Banco Fator mudou sua recomenda-ção, no início do ano, de compra para venda. A instituição prevê queda na comercialização de carros e acirramen-to da concorrência, o que vai limitar o aumento dos preços cobrados pela Porto Seguro e, assim, refrear o índice de sinistralidade.

Por João Carlos de Oliveira

Obstáculos à frente

GestoraValor investido30/9/2013 31/12/2013

Fram Capital Gestão de Ativos

358 1.386

Quatrinvest 12.201 17.201

DEC Investimentos 2.794 2.969

J.P. Morgan CCVM 0 14.974

ARX Investimentos 0 8.956

Perfin Administração de Recursos

0 3.332

Investidores que mais aumentaram a participação em ações ON da Porto Seguro

Quem

mai

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Quem

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Porto Seguro

Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 31/12/2013 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição.

Cotações no fechamento (em R$)

32,914/4/2014

26,614/10/2013

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Maio 2014 CAPITAL ABERTO 49

Seguradora vive bom momento operacional, mas há nuvens negras no horizonte

Locamerica

No início de 2013, a Locamerica saiu nesta coluna porque suas ações subiam. Um ano depois, a locadora de veículos especializada em terceirização de frotas aparece de novo por aqui, mas no campo da baixa. Nos 30 dias encerrados em 7 de abril, a ação caiu 19% — no ano, acumula perda de 52,5%. “O papel apa-nhou bastante”, observa Felipe Silveira, analista da Coinvalores.

A razão para essa surra é consensual entre analistas e dirigentes da compa-nhia: a guerra de preços que tomou conta do setor. As maiores empresas de locação estavam cobrando preços 15% inferiores à média de mercado. A Locamerica, entretanto, decidiu não acompanhar o movimento, que qualificou como “predador”. Em conse-quência, no terceiro trimestre de 2013, o valor global dos contratos fechados caiu 33% em relação ao mesmo período do ano anterior.

No quarto trimestre, a receita líqui-da de locação da companhia totalizou R$ 81 milhões. A alta de 2,9% em rela-ção a igual período de 2012 deve-se ao aumento de 11,2% na tarifa média, que compensou parcialmente a queda de 8% no número de contratos. As analistas do Itaú BBA Renata Faber e Thais Cascello destacam ainda, entre os fatores nega-

tivos, a alta dos custos de manutenção, devido ao envelhecimento da frota, e o rendimento bruto negativo na divisão de seminovos. Por outro lado, assinalam alguns aspectos favoráveis: o declínio nos estoques de carros prontos para venda (12,4% da frota no final de 2013)

GestoraValor investido30/9/2013 31/12/2013

Fama Investimentos 6.806 3.350

Votorantim Asset 10.103 5.235

Pavarini e Opice 4.115 2.323

Nenhuma gestora com mais de R$ 1 milhão investido na empresa se desfez de sua posição no período

Investidores que mais reduziram a participação em ações ON da Locamerica

Quem

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Quem

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Locadora de veículos evita guerra de preços “predadora” e vê cotação apanharCotações no fechamento (em R$)

3,014/4/2014

8,914/10/2013

Marcha lenta

Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 31/12/2013 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição.

e o número de contratos assinados durante o quarto trimestre, no valor recorde de R$ 111 milhões.

Esse aumento pode indicar que o pior já passou, na visão de Nataniel Cezimbra e Gabriela Cortez, analistas do BB Inves-timentos. Segundo eles, a estratégia de não entrar na guerra de preços e priorizar a rentabilidade sugere que “os efeitos negativos do acirramento de concorrên-cia sejam mitigados”. A casa manteve a previsão de outperform (cotação acima do índice de mercado) para a Locameri-ca, embora tenha ajustado o preço-alvo para R$ 5 em dezembro deste ano, contra R$ 13,50 na perspectiva anterior.

Menos otimista está a Coinvalores. “Imaginamos que 2014 ainda será um ano difícil”, diz Felipe Silveira, analista da corretora. O preço-alvo, todavia, é parecido: R$ 4,80, “com algum aumen-to, já que o valor da ação está bastante descontado”. Já o Itaú BBA fixou o preço-alvo em R$ 8, mas com postura conservadora, “por causa da renda bruta negativa de seminovos e do aumento da provisão de inadimplência”.

A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas variações positivas e negativas.

N o t a s I n t e r n a c i o n a i s

50 CAPITAL ABERTO Maio 2014

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Uma coalisão de associações empresariais americanas pediu à Securities and Exchanges Commission (SEC), no fim de abril, que eleve os percentuais mínimos para reapresentação de propostas rejeitadas em assembleias. Atualmente, se uma sugestão é negada pela maioria, mas recebe pelo menos 3% de votos favoráveis, ela pode ser reapresentada no ano seguinte. Caso, mais uma vez, não seja aprovada, há nova chance, desde

que tenha obtido ao menos 6% de adesão. O grupo, formado por entidades como a Câmara de Comércio dos

Estados Unidos, a Associação Nacional de Diretores Corporativos e o Instituto Americano de Petróleo, diz que a regra atual abre espaço para uma “tirania do minoritário”, ao permitir que propostas que não têm a ver necessariamente com a criação de valor para os acionistas possam ser repetidamente apresentadas, contra a vontade da maioria dos só-cios. Diante disso, a coalisão de empresários pede que a SEC aumente o percentual de votos favoráveis exigidos para reapresentação para 6% na primeira assembleia, 15% na segunda e depois o fixe em 30%.

É possível que consigam o apoio do regulador. No início de abril, a própria SEC deu sinais de que pretende cortar as asas do ativismo exa-gerado. Daniel Gallagher, comissário da instituição, disse, em discurso numa faculdade de direito, que algumas medidas seriam tomadas nesse sentido. Ele comentou que o valor mínimo atual em ações que um in-vestidor precisa ter para propor uma pauta na assembleia é baixo demais — em torno de US$ 2 mil — e deveria ser elevado para US$ 200 mil ou mesmo US$ 2 milhões. O aumento desestimularia o uso das reuniões de sócios como palco para causas que não são as mais importantes para a companhia. Organizações como o People for the Ethical Treatment of Animals (Peta), por exemplo, costumam comprar as quantidades mínimas de ações de empresas que lidam com animais, com o intuito de lançar propostas para que se adequem ao que o grupo considera correto.

Icahn quer financiar ativistas para melhorar a governança

Enquanto alguns querem refrear o ativismo, outros tentam estimulá-lo. É o caso do investidor Carl Icahn. No seminário Active-Passive Investors Summit, que aconteceu em Nova York em 22 de abril, ele afirmou que ainda não sabe quanto dinheiro dará a outros potenciais investidores ativistas. Avaliou, entretanto, que a soma será pequena frente ao recorde de recursos que circula pelo mercado e a quantidade de ações estocadas pelas companhias.

Em uma entrevista para a rede CNBC no mes-mo dia, Icahn afirmou estar prestando atenção em jovens talentos, entre os quais escolheria alguns para receber um seed capital e agir como ativistas. A ideia é que eles usem esse dinheiro para travar disputas em assembleias e fazer lobby para aprimorar a governança corporativa dos conselhos de administração. “Vou incentivá-los e ver como se saem”, disse. “O ativismo é muito importante neste país.”

Renda fixa ligada a causas sustentáveis ganha espaço

A sustentabilidade e a responsabilidade socioambiental já têm seus adoradores entre os aplicadores de ações há um bom tempo. Agora, quem investe em títulos de dívida tam-bém está apostando em empresas que lidam com projetos ecologicamente corretos, como os voltados à energia limpa e a soluções para o transporte público.

De acordo com analistas do HSBC, em 2013,os green bonds — como são chamados esses títu-los — captaram US$ 11,2 bilhões, cinco vezes mais que no ano interior. O banco aposta que esse valor mais que dobrará em 2014, atingindo US$ 25 bilhões. Grandes instituições financeiras, a exemplo de BNP Paribas e Bank of America Mer-rill Lynch, também passaram a se interessar mais pelos papéis verdes. Esse tipo de título vem sendo estimulado pelo Banco Mundial desde 2007.

A “tirania dos minoritários”

Bruna Maia Carrion

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 51

PwC espera mais fiscalização da SEC sobre os balanços em 2014

Um estudo recente da PwC Estados Unidos inferiu que o ano de 2014 pode trazer novidades no julgamento de processos e nos procedimentos de aplicação da lei pelo regulador. Para chegar a essa conclusão, a consultoria analisou anúncios da SEC feitos ao longo de 2013 e também casos penden-tes da Suprema Corte americana.

No âmbito regulatório, uma das questões que pode gerar mudanças é uma força-tarefa montada pela SEC em 2013 para investigar demonstrações finan-ceiras e relatórios de auditoria. O trabalho, que abrange grande quantidade de dados e de denún-cias, deve resultar na abertura de mais casos relativos a esses assuntos, acredita a PwC. Além disso, o regulador americano está mais bem equipado para detectar irregularidades nas demonstra-ções financeiras.

Na seara judicial, a novidade é a discussão pela Suprema Corte americana da doutrina usada para julgar fraudes financeiras, que se baseia em uma decisão de 1988. Se o entendimento for mudado, o número de processos nessa área pode cair drasticamen-te, segundo a PwC.

Bancos estatais sob escrutínio na Índia

O United Bank of India (UBI), insti-tuição financeira estatal negociada nas duas principais bolsas locais, está com problemas. No início do ano, o banco central indiano (RBI) descobriu, em au-ditoria, que o UBI perdeu o equivalente a US$ 202 milhões no último trimestre de 2013, devido a empréstimos ruins e ativos podres indevidamente contabili-zados, inclusive por razões tecnológicas e de má gestão.

Desde a descoberta, o país vem dis-cutindo formas de aprimorar as normas de governança dos bancos estatais. Segundo o jornal indiano Business Standard, o assunto virou prioridade governamental, uma vez que outras instituições financeiras podem estar passando pelas mesmas adversidades diagnosticadas no UBI. Os políticos indianos vêm discutindo também se faria sentido o governo ampliar o es-paço para a iniciativa privada nessas instituições, a fim de lhes garantir mais autonomia.

PMEs são rejeitadas no Oriente Médio

As pequenas e médias empresas (PMEs) correspondem a 98% dos ne-gócios do Oriente Médio, empregam 60% dos trabalhadores e representam 50% do PIB da região, mas recebem muito pouco financiamento. Para se ter ideia, apenas 2% dos empréstimos concedidos pelos bancos locais vão para essas companhias. Esses dados vieram à tona numa conferência sobre a região organizada pelo CFA Institute na Jor-dânia, no começo de abril. A conclusão: as PMEs precisam de outras fontes de captação de recursos.

Questões culturais dificultam o financiamento. Em muitos países, devedores são punidos com prisão. A sanção, aliada à inexistência de leis para recuperação judicial, desenco-raja os empreendedores. Além disso, os investidores locais veem as PMEs como um segmento que cresce devagar demais e demora para trazer retorno, preferindo colocar o dinheiro apenas em grandes empresas.

Bolsas árabes sobem junto com gasto públicoEntre 28 de abril de 2013 e 24 de abril de 2014, o

índice de ações da bolsa dos Emirados Árabes Uni-dos subiu 59%; o do Qatar, mais de 50%; e o da Ará-bia Saudita, mais de 33%. Numa época em que os in-vestidores focam a recuperação econômica dos Es-tados Unidos e dos mercados europeus, penalizan-do bolsas de outros países, é de se perguntar o que acontece nesses chamados mercados de fronteira. A expressão engloba nações que, apesar de aptas a receber investimentos, têm capitalização e liqui-dez relativamente menores do que a de mercados desenvolvidos ou emergentes.

Reportagens publicadas por veículos internacio-nais contam que, desde 2010, quando a chamada Primavera Árabe começou a depor governos no Egito, na Líbia e Tunísia, os governantes do golfo

pérsico resolveram abrir os bolsos, aumentando salários do setor público — que emprega a maioria dos cidadãos — e realizando grandes obras. Como resultado, aumentou o consumo, assim como o dinheiro disponível para investir.

22 e 23 de julho de 2014Local de realização: Fecomercio – São Paulo/SP

APOIO INSTITUCIONAL:

ABRAPP, ABVCAP, AMEC, ANBIMA, ANCORD, ANEFAC, APIMEC NACIONAL, APIMEC SÃO PAULO, CODIM, FIPECAFI, IBEF, IBGC, IBRACON e IBRADEMP

Estão abertas as inscrições para o maior evento da área de RI e Mercado de Capitais da América Latina. As vagas são limitadas, faça já sua inscrição.

O maior encontro do mercado de capitais brasileiro e da América Latina, em Relações com Investidores, já tem data marcada: dias 22 e 23 de julho próximos. Uma vez mais a capital de São Paulo sediará o Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, promovido conjuntamente entre a ABRASCA – Associação Brasileira das Companhias Abertas e o IBRI – Instituto Brasileiro de Relações com Investidores.

O 16º Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais é parte do calendário de eventos das principais companhias abertas, agentes reguladores, dirigentes de entidades, analistas e profi ssionais de investimentos, bem como advoga-dos, auditores e especialistas em relações com investidores de todo o Continente.

Como acontece todos os anos, representantes de companhias abertas, bolsas de valores estrangeiras, consultorias internacionais e companhias listadas no exterior deverão passar pelo evento, que reúne público superior a 700 pessoas em seus dois dias de realização.

Paralelamente aos painéis da programação ofi cial, haverá uma exposição de serviços composta de estandes onde as empresas e instituições expõem seus produtos e serviços pra um público customizado, tornando-se também um oportuno ponto de encontro de todo o mercado.

Maiores Informações:(11) 3107.5557 - (11) 3106.1836www.encontroderi.com.br

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A r t i g o

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 53

Os minoritários da Petrobras ga-nharam uma batalha importante na assembleia geral ordinária. Mas não a guerra. No dia 2 de abril, a mobilização dos acionistas estrangeiros estabeleceu um divisor de águas na governança da companhia. É a primeira vez que donos minoritários de ações ordinárias e preferenciais terão verdadeira repre-sentação independente no conselho de administração.

Embora isso dificilmente elimine a interferência governamental na com-panhia (pelo menos por enquanto), não deixa de ser um passo na direção correta. Nos países emergentes, os in-vestidores minoritários ainda tremem perante o risco de apropriação indevida de valor pelo bloco de controle — seja ele composto de famílias, seja de indi-víduos ou ainda de governos nacionais. Foi o caso da Petrobras, em que a intro-missão política para controlar a inflação causou significativa perda de valor para o acionista.

A temporada de assembleias de 2013 foi um marco para a divulgação dos representantes de minoritários nos conselhos de administração e fiscal. Este ano, a companhia assistiu a dois

Por Bruno Bastit*

Mãos à obraEstá na hora de os acionistas minoritários acelerarem o passo do ativismo no Brasil

lances sem precedentes: a reeleição de Mauro Cunha e a nomeação de José Guimarães Monforte como conselheiro independente dos minoritários preferencialistas. As recomendações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para escolha dos membros do board, expostas em ofício circular, constituíram outro avanço relevante.

Esses progressos não apenas denotam um im-pulso crescente para a melhoria dos direitos dos acionistas minoritários, mas também servem de lembrete de como o empenho coletivo pode trazer — e de fato traz — uma mudança positiva. Como sócios responsáveis, os investidores têm basica-mente três ferramentas à disposição: o voto nas assembleias, o engajamento corporativo e a parti-cipação nas políticas públicas. Eles devem usá-las.

No Brasil, o ativismo dos acionistas tem crescido vagarosamente nos últimos anos. E ainda perma-nece a uma longa distância do barulho feito por investidores institucionais lá fora. Precisa haver uma abordagem mais coordenada entre os apli-cadores brasileiros e os internacionais, sobretudo no que diz respeito à governança corporativa. Os institucionais deveriam se envolver ativamen-te com as companhias investidas e se comportar como verdadeiros proprietários, mais do que como acionistas silenciosos.

A criação do Novo Mercado, em 2000, introdu-ziu regras de governança mais rígidas do que aque-las previstas pela lei brasileira. Porém, apesar dos benefícios, esse segmento de listagem voluntário permitiu o surgimento de um sistema regulatório duplo: empresas estabelecidas e poderosas con-tinuaram sob as regras antigas, enquanto outras aderiram ao modelo rigoroso. Os investidores lo-cais e estrangeiros, contudo, estão acordando para o desafio de superar esse obstáculo, e reivindicam cada vez mais.

Está na hora de as companhias e acionistas acelerarem o passo e demandarem padrões mais elevados. Alto índice de empresas familiares com ações preferenciais, regulação insuficiente e mão pesada do Estado na economia ainda são fatores de risco cruciais para os minoritários no Brasil. Entretanto, os ventos podem estar mudando.

* Bruno Bastit ([email protected]) é chefe regional da Hermes na América Latina

A n t í t e s e

54 CAPITAL ABERTO Maio 2014

A contabilidade deve deixar de ser tratada pela legislação?

Eliseu Martins ([email protected])

é professor livre-docente da FEA-USP

Costumo dizer que aprendi conta-bilidade na forma ilegal. Há exa-tos 50 anos, começou-se a ensi-nar contabilidade na FEA-USP de maneira totalmente diferente

da que era exigida pela lei das sociedades anônimas de então — o Decreto-Lei (DL) 2.627. Editado em 1940 sob inspira-ção italiana, ele demandava elaboração de balanço, demonstração de lucros e perdas e só (nada de notas explicativas). Os balanços que eu via nos jornais não tinham nada a ver com os que apren-dia na faculdade. Em 1964, o DL 2.627 estava obsoleto na sua parte contábil e atrapalhava tanto a prática como o ensino da contabilidade.

Só em 1976, a atual Lei 6.404 (Lei das S.As.) adotou o que a FEA ensinava des-de 1964. O Brasil incorporou o que havia de melhor no mundo contábil da época. Fomos o primeiro país não saxônico a empregar equivalência patrimonial e consolidação e também o primeiro depois dos Estados Unidos a usar a demonstração de origens e aplicações de recursos. Uma revolução.

Oito anos depois, tornei-me diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Resolvemos complementar as normas contábeis, porque a lei já se demonstrava incompleta; foi o caso das

deliberações 26 a 29, de 1986. Em 1987, com a Instrução 64, implantamos a cor-reção integral de balanços, muitíssimo mais relevante para fins informacionais que o modelo da Lei das S.As. Infeliz-mente, como contrariava o preceito legal, não podia ter efeitos societários.

Em 1990, a CVM insti-tuiu a Comissão Consultiva de Normas Contábeis para manter o Brasil em dia com o mundo. Existiam duas restrições duras, entretanto: não contrariar a Lei das S.As. nem aumentar a tributação das empresas. Passamos a evoluir numa velocidade cada vez menor, distan-ciando-nos do panorama global. A 6.404 agora nos atrapalhava muito, princi-palmente com as amarras aos interesses fiscais.

Demorou até 2007 para sair a Lei 11.638, que preparou os requi-sitos para a adoção das normas interna-cionais. Nova revolução. Quebraram-se as amarras da contabilidade ao fisco e implantaram-se os IFRS no Brasil. Essa legislação, contudo, também criou problemas rapidamente. O texto nem de longe fala em ativo biológico ou

propriedade para investimento a valor justo, por exemplo. Mais uma vez, a lei atravancava a evolução contábil.

Quando saí da CVM pela segunda vez, ao final de 2009, deixei um projeto para tirar quase tudo de contabilidade da lei. Cometi, todavia, o erro de achar

que valeria a pena deixar os fundamentos conceituais relevantes. Pouquíssimo tempo depois percebi que até essa parte estava desa-tualizada, porque o Inter-national Accounting Stan-dards Board (Iasb) tirou alguns desses princípios da estrutura conceitual.

Só há uma solução: não dizer absolutamente nada na lei, a não ser sobre a competência de quem pode emitir as normas contábeis. A ordem econô-mica, os instrumentos do

mercado financeiro, os contratos, tudo evolui com tanta rapidez que o texto legal não tem a mínima condição de acompanhar. Num primeiro momento, ele pode alavancar e acelerar a evolução, mas a partir daí funciona como uma âncora monstruosa que impede o navio de navegar.

Tudo evolui com tanta rapidez que o texto legal não tem a mínima condição de acompanhar

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 55

A contabilidade deve deixar de ser tratada pela legislação?

A adoção das normas internacio-nais de contabilidade (os IFRS) pelo direito brasileiro tem cau-sado uma revolução cultural no estudo e na prática das ciências

contábeis. E, ainda que com algum atraso, está pondo em marcha idêntica revolução nas ciências jurídicas. Ao con- trário dos prognósticos iniciais, o em-prego dos padrões internacionais tem aproximado as duas disciplinas.

Esse impacto cultural tem uma primeira causa de importância signi-ficativa: se os IFRS são forjados num ambiente de “common law”, em que prevalece a equidade na solução de conflitos e a valorização dos antece-dentes (jurisprudência), o Brasil segue a tradição de “civil law”, em que impera a lei positivada (escrita). É corriqueira a comparação entre os extensos contratos de matiz anglo-saxã, com detalhes da relação entre os contratantes, e os con-tratos brasileiros mais enxutos, porque aqui a lei cumpre um papel importante na disciplina das relações mercantis.

A legalidade não é mero cumprimen-to de exigência formal, no âmbito de assuntos técnicos, mas efetiva garantia social para pessoas físicas e jurídi-cas. A elaboração das regras jurídico- -contábeis poderá ser questionada, caso

se retire a sua atribuição do Legislativo, que detém a legitimidade democráti-ca. De outro lado, o Judiciário deverá ponderar sobre a aplicação de normas infralegais para decidir conflitos entre direitos legalmente previstos.

Entre os direitos sujeitos a desacor-do, estão a autonomia pa-trimonial entre os sócios e a pessoa jurídica; a avaliação do patrimônio de sócio que se retira do quadro social da pessoa jurídica; a garantia de respeito aos contratos comerciais; o cumprimento de cláusulas de garantia (co-venants) em contratos de empréstimo; e a isonomia entre os concorrentes de licitação pública, no quesito da habilitação econômico--financeira.

A lei contábil exerce duas funções essenciais: unifor-miza a aplicação dos padrões para todas as empresas brasileiras e estabelece os parâmetros fundamentais de mensura-ção de outros direitos, como os citados acima. Por estar no campo do direito mercantil — portanto, privado —, o direito contábil poderia, em tese, prescindir da lei escrita, delegando

Edison Fernandes (edison.fernandes@fernandesfigueiredo.

com.br) é sócio-fundador do Fernandes

Figueiredo Advogados

sua disciplina a normas infralegais. No entanto, a estrutura jurídica fatalmente comprometeria o exercício dos direitos mencionados, por absoluta ausência de fundamentos mínimos para as condu-tas esperadas nessas matérias.

Além disso, a possibilidade de al-teração discricionária da norma contábil deixaria a segurança jurídica em segundo plano. Seria ne-cessário definir o princí-pio a ser aplicado: aquele em vigor no momento da assinatura do contrato ou aquele válido em sua execução. A inseguran-ça poderia ser reforçada, na eventualidade de uma redação nova da regra jus-tificar condutas adotadas durante a vigência do texto anterior.

Mesmo existindo lei, ainda soam vozes dissonantes que de-fendem restringir o atual padrão con-tábil a sociedades por ações e limitadas de grande porte. A bem da verdade, enquanto perdure a tradição brasileira de civil law, o País requer um marco civil da contabilidade, especialmente para implementar os IFRS.

Ao prescindir da legislação, norma contábil deixaria a segurança jurídica em segundo plano

H i s t ó r i a s

56 CAPITAL ABERTO Maio 204

Maio de 1872 marca o apo-geu da febre de compa-nhias de carris, os popu-lares bondes, no mercado brasileiro. Denota, tam-bém, como era interna-cionalizada a Bolsa do Rio. O pregão da cidade trans-

formou-se no centro de capitalização dos negócios dedicados ao transporte urbano por veículo puxado a burro em todo o Império — e até mesmo no exte-rior, por companhias nacionais.

Naquele mês, foram promovidas a criação da Companhia Ferro-Carril de Pelotas, para atuar no Rio Grande do Sul, e da Carris de Ferro de Montevidéu, que funcionaria na capital uruguaia. Logo a seguir, em junho, surgiu a Carris de Ferro de Porto Alegre e, no mês seguinte, a Companhia Carris de Ferro do Ceará, autorizada a funcionar em Fortaleza.

No entanto, essa era apenas a segun-da onda. O movimento havia estreado um ano antes. No início de 1871, co-meçaram a ser negociadas ações da

* Ney Carvalho é historiador e ex-corretor de valores

A febre dos bondes

Na década de 1870, a Bolsa do Rio propiciou a capitalização inicial do transporte público nas cidades brasileiras e em várias e importantes capitais estrangeiras

Por Ney Carvalho*

Companhia de Carris de Ferro de São Cristóvão, incorporada por americanos, e antes denominada Rio de Janeiro Street Railway, dedicada à locomoção entre o bairro de elite em que residia o Imperador e o centro da cidade.

No segundo trimestre foram lança-das três novas empresas: as de carris de ferro de São Paulo, de Pernambuco e de São Luís (Maranhão), todas com intenso movimento especulativo. Julho assistiu à fundação da Ferro Carril Niteroiense, para agir na capital da província do Rio de Janeiro. No mesmo mês, iniciaram-se os negócios com ações da Companhia Locomotora, também de carris, mas exclusiva para transporte de café entre a estação da Estrada de Ferro de Dom Pedro II e os armazéns do porto do Rio de Janeiro.

Em fevereiro de 1872, o governo im-perial autorizou o Barão de Drummond, folclórico inventor do jogo do bicho, a construir uma linha de bondes para o bairro de Vila Isabel. Nessa localidade, Drummond explorava um loteamento com o mesmo nome. A concessionária

recebeu o nome de Carris de Ferro de Vila Isabel. Apesar de ter se notabili-zado pelo folclore zoológico, o Barão de Drummond foi ativo financista e empreendedor de vários negócios nas últimas décadas do século 19.

Mais tarde, ainda em 1872, era funda-da a Carris de Ferro de Lisboa. Após ter a sede transferida para a capital portugue-sa, essa mesma companhia é, até hoje, em pleno século 21, a concessionária das linhas de bondes, também chamados elétricos, na cidade.

Ao apagar das luzes do mesmo ano surgiu a Companhia Locomotora Bahiana, com a finalidade de fazer a ligação por bondes entre a cidade alta e a baixa, em Salvador. Em junho de 1873 foram, ainda, lançadas ações da Companhia Carris de Ferro de Bruxelas, criada no Rio de Janeiro para explorar serviços na capital belga.

Desenho de bonde feito por Adolph Keifler em 1872

G o v e r n a n ç a

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 57

C omo vimos na edição passa-da, a criação de valor para o acionista serviu de pano de fundo para o movimento da governança corporativa desde seu início, na década de 1980. Desde então, as práticas reco-mendadas pelos códigos de

governança são vistas como ferramen-tas para aumentar a riqueza dos sócios.

À primeira vista, esse entendimento parece adequado. Afinal, o valor para o acionista deveria ser consequência do resultado de longo prazo da empresa. O problema é que o conceito foi con-vertido em busca frenética do maior retorno financeiro possível no curto prazo. No caso das companhias lista-das, ocorreu algo ainda pior: a geração de valor foi reduzida à ideia de que maximizar o preço das ações deveria ser o objetivo maior da administração. As empresas passaram por um processo crescente de “financeirização”, em que a governança corporativa serviu de suporte a essa crença.

Há um sério efeito colateral aí. Na medida em que os executivos procu-ram o maior ganho para seus acionistas a qualquer custo, muitas companhias pressionam e sacrificam cada vez mais

* Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio da Direzione Consultoria, professor da USP e autor de Governança corporativa no Brasil e no mundo. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões

Dogma perigosoFoco excessivo no valor para o acionista pode sacrificar as demais partes interessadasPor Alexandre Di Miceli da Silveira*

o interesse das outras partes (empre-gados, fornecedores, comunidades e sociedade), bem como o das próximas gerações — o que inclui os próprios acionistas futuros.

Isso ficou claro na última crise global, quando os bancos com maior alinha-mento financeiro entre executivos e sócios e grande presença de investi-dores em seus conselhos sofreram os piores prejuízos. Dirigentes e muitos investidores, entre os quais gestores de fundos, embolsaram ganhos enormes nos anos pré-crise. Quando o colapso ocorreu, a conta ficou para os stake- holders e a sociedade. Ambos jogaram o jogo do “cara, eu ganho; coroa, você perde”. Como a responsabilidade dos acionistas é limitada, em muitos casos eles gostam de jogar a moeda, bem como de incentivar os executivos a fazer o mesmo.

Essa correlação vale não apenas para os bancos, mas também para as empresas que continuam a gerar passi-vos futuros potencialmente explosivos (como os de ordem ambiental, traba-lhista e social). Esses passivos serão arcados integralmente pela sociedade, e não pelos acionistas. Há sempre um incentivo perverso para que os investi-

dores, principalmente aqueles de curto prazo, saiam antes de as consequências virem à tona.

Segundo Colin Mayer, da Univer-sidade de Oxford, a boa governança depende do equacionamento de três questões: o alinhamento de interesses entre gestores e sócios; a transferência de recursos entre as diversas partes interessadas da empresa; e as relações entre os diferentes grupos e gerações de acionistas. Ao se concentrar apenas na primeira questão, a governança causa desequilíbrios importantes. Quanto mais se reduz o problema à composição de interesses entre executivos e sócios, mais cresce o conflito entre estes e os outros stakeholders, bem como a divergência entre os acionistas atuais e os futuros.

O foco excessivo no resultado finan-ceiro tem originado outros problemas importantes: subinvestimento em ca-pital físico e humano pelas empresas; desprezo a aspectos morais nas decisões corporativas; desumanização dos vín-culos com stakeholders; proliferação de escândalos empresariais; e menor confiança do público no mercado de capitais.

Obter retornos financeiros adicio-nais à custa do sacrifício das partes interessadas e das gerações futuras não constitui boa governança empresarial. Tendo em vista que as companhias possuem prazo de vida indeterminado, os administradores devem se concen-trar em promover relações saudáveis e longevas com seus stakeholders e a sociedade. Afinal, é isso que a Lei das S.As. exige, em seu artigo 154.

58 CAPITAL ABERTO Maio 2014

R e t r a t o

Próximo vooPor Marta Barcellos Foto Greg Salabian

P e d r o P a r e n t e

Nos próximos dias o ex-ministro Pedro Parente vai empreender seu primeiro voo solo. Não se trata aqui da inédita rotina longe de cargos executivos nos setores público e privado. Embora esteja, de fato, passando o comando da Bunge a um novo CEO — numa transição planejada que remete à tarefa assumida entre os governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula — para se dedicar a conselhos de administração e ao trabalho na empresa da esposa, em que é sócio minoritário,

Parente também se prepara para voar literalmente. Vai aprender a pilotar aviões e tirar o brevê tão logo seja “dono da própria agenda”.

“Quando viajo em aeronaves menores, sempre acompanho o que o piloto faz. Pode até ser uma idealização, mas acredito que é o hobby que procuro”, conta ele, já de posse das informações sobre cursos e horas de voo necessárias para a habilitação. O próximo CEO da Bunge, Raul Padilla, assume em maio; no mês seguinte Parente estará livre para voar.

Dar-se ao luxo de idealizar e ter hobbies é novidade para o atual pre-sidente dos conselhos de administração da BM&FBovespa e do grupo publicitário ABC. Parente, que ganhou notoriedade por ter gerenciado duas situações espinhosas em sua passagem pelo governo (a crise de energia de 2001 e a transição presidencial), sempre trabalhou duro e, desde cedo, assumiu responsabilidades. Aos 14 anos, com uma pastinha debaixo do braço, entrava em prédios de escritórios de Brasília para vender livros da distribuidora de sua mãe, especialmente a Biblioteca de Formação Familiar, que enfeitava as estantes da época com a lombada vermelha. Quatro anos depois, foi trabalhar num desses prédios, o do Banco do Brasil, após ser aprovado em concurso público.

Do primeiro salário, na contabilidade do banco, ele não se esquece. Era de 669 cruzeiros, com um rendimento líquido de 570, dos quais separou 250 para “contribuir em casa”. O trabalho que ele considerava um bico — havia sido aprovado em engenharia na Universidade de Brasília —

era necessidade: com dez irmãos, cinco mais ve-lhos e cinco mais novos, a família lutava para viver dos rendimentos do pai funcionário público. “Ser engenheiro era o meu projeto”, recorda-se. Depois de formado, porém, exerceu a profissão por apenas três meses. Retornou ao Banco Central (BC), para onde já havia migrado, na esteira de outro con-curso. “Só então percebi quanto gostava do meu trabalho. Queria fazer carreira no BC, na área de finanças públicas.”

Sentado à cabeceira da mesa de reuniões da Bunge, maior empresa de agronegócio do Brasil, Pedro Parente faz uma observação: o orgulho da carreira no setor público está relacionado aos valores profissionais que encontrou em seus pri-meiros chefes, dotados de “uma visão de cliente, infelizmente diversa daquela que se tem do fun-cionário público no País”. Depois de se destacar, como especialista, na reestruturação das finanças públicas da década de 1980 (mais conhecida como reforma bancária), Parente acabou convidado para ser secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda. O cargo, alto para os 32 anos de idade, era também sua primeira posição no governo.

“Sempre me vi como um funcionário de carreira, imbuído do espírito público, que aproveitava as oportunidades de progressão e de ter boas experiên-cias”, diz, enumerando suas realizações técnicas nos ministérios de Francisco Dornelles, Dilson Funaro, Bresser Pereira e Marcílio Marques Moreira. Quando

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 59

Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento e da Casa Civil: “O homem é escravo da palavra e senhor do silêncio”.

R e t r a t o

60 CAPITAL ABERTO Maio 2014

o presidente Fernando Henrique Cardoso se elegeu, em 1994, Parente estava em Washington, no Fundo Monetário Inter-nacional, participando de missões em países da antiga União Soviética e da América Latina. Logo foi convidado pelo minis-tro da Fazenda Pedro Malan para ser seu secretário-executivo. Após a reeleição, tornou-se ministro do Planejamento.

Foi quando veio a surpresa. Convocado ao Palácio do Planalto com apenas três meses de ministério, Parente ouviu atento o preâmbulo de Fernando Henrique sobre sua neces-sidade de ter um polo de relevância política e aumentar a estatura da chamada economia real. Como a conversa passou pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ele imaginou que seria convidado ao cargo, até Fernando Henrique completar o raciocínio: “Por isso, estou pensando em levar o Clóvis Carvalho para lá. E a única pessoa que acho que pode assumir a Casa Civil é você”.

“Aí foi realmente uma posição de sacrifício”, lembra Pa-rente, reiterando que nunca quis fazer política. “A função mais importante do chefe da Casa Civil é servir de anteparo ao presidente. É como um fuzil colocado para proteger o equipamento elétrico. Se houver um pico de energia, o fuzil queima, mas o equipamento não.” Parente não somente deu conta do sacrifício por quatro anos, sem se queimar, como virou o gestor do apagão e da transição. “Se ser conciliador e ao mesmo tempo conseguir tomar as decisões é ser político, então fui um. Muito mais por treinamento, no entanto, do que por uma opção de carreira.”

Depois de descobrir, ainda que involuntariamente, suas habilidades políticas, Pedro Parente achou que deveria testar o talento de executivo no setor privado. “Tendo chegado a ministro, seria muito difícil ocupar outras posições no serviço público”, explica. “Além disso, havia um detalhe: eu não tinha poupança. Possuía apenas uma chácara pequena e um apartamento financiado pelo fundo de pensão do BC.” O teste, como vice-presidente da RBS, durou sete anos, nos quais comandou uma reestruturação. Em 2010, recebeu convite para presidir a Bunge — de onde ele sai agora, após negociar a aposentaria da vida executiva.

Aos 61 anos, esse carioca de fleuma britânica (morou no Rio de Janeiro até os 9 anos e tem ascendência inglesa) mal disfarça a excitação com a rotina que se aproxima. Ela incluirá algum expediente na Prada Assessoria, empresa que gere recursos de 20 famílias, e novos conselhos de administração: “Penso em entrar em mais dois”, revela.

A experiência vem desde os tempos em que presidiu conse-lhos de bancos públicos e estatais, quando estava no governo, e se intensificou nos últimos anos, em empresas como RBS, Duratex, CPFL e Kroton. “Gosto muito dessa atividade, pelo contato que proporciona com as pessoas e com o próprio ne-gócio, que é um organismo vivo. O processo decisório é muito rico.” Se depender do entusiasmo e da fama de workaholic, Parente corre o risco de não ter muitas horas disponíveis na agenda para pilotar.

Rotina – Trabalha até 16 horas por dia. A partir de junho, contudo, sua rotina mudará radicalmente. “O importante agora é ter mais controle da minha agenda, do meu tempo mental, algo impossível no comando de uma empresa com 20 mil colaboradores em 19 estados. Mas trabalho muito e adoro; isso não vai mudar.”

Reclamação – A filha mais nova, de 18 anos (ele tem três filhos, do primeiro casamento), costumava reclamar do pai workaholic. Após começar um estágio, entretanto, diz compreender sua paixão pelo trabalho. “Foi bacana.”

Hobby – Seus hobbies eram apenas a leitura e as viagens com a esposa. Agora, pretende pilotar aviões. “Quero ter tempo para não fazer nada, para o tal ócio criativo.”

Saia-justa – Quando foi convidado quase simultaneamente para ser secretário-executivo nos ministérios da Fazenda e do Planeja-mento, em 1994. “Pedi para o Malan explicar ao [José] Serra que eu já tinha aceitado a Fazenda, mas ele não ligou e eu fiquei com a batata quente.”

Pior momento no governo – Em janeiro de 1999, quando uma mudança no câmbio gerou corrida aos bancos (“Cheguei a temer que a estabilidade econômica fosse para o brejo”), e em 2001, no começo da crise energética (“No auge da constatação do problema, cogitavam-se até oito horas de apagão por dia; imagine o que isso significaria para São Paulo...”).

Melhor momento no governo – O reconhecimento pela boa gerência na crise do apagão. “Criamos o comitê de gestão da crise, fizemos instrumentos de implantação de mercados e tudo funcionou bem. Foi uma realização profissional.”

Admiração – Seus primeiros chefes, no Banco do Brasil (Tasso de Carvalho) e no BC (Cincinato de Campos), além do presidente Fernando Henrique Cardoso, “uma pessoa maravilhosa para se trabalhar junto”.

Conselho para quem está começando – Ter humildade. “Tive dificuldades no começo da minha carreira por falta de humildade. Aprendi a lição, graças a uma espécie de treinamento em relações interpessoais.”

Livro na cabeceira – Está lendo The Challenger launch decision, de Diane Vaughan. “Ela faz uma avaliação dos motivos que levaram ao acidente com o ônibus espacial [Challenger, em 1986]. É um livro extraordinário sobre práticas indevidas nas empresas.”

Viagem marcante – Para Mianmar, com a esposa. “Um país pobre, mas sem miséria, com povo alegre e muita coisa bonita para ver. Ain-da não é um desses países pasteurizados, cheios de McDonald’s.”

Ditado – “O homem é escravo da palavra e senhor do silêncio.”

3 x 4

P r a t e l e i r a

Maio 2014 CAPITAL ABERTO 61

A história de Jordan Belfort poderia ser contada como um exemplo do sonho ame-ricano: garoto de origem humilde faz fortuna traba-lhando duro no mercado financeiro. O que separa esta trajetória de outras sobre

Wall Street é sua honestidade brutal, nas palavras de Leonardo di Caprio (que interpreta o autor no filme homôni-mo). As mais de 500 páginas de O lobo de Wall Street descrevem uma vida de excessos em drogas, bebidas, mulheres e trambiques financeiros de fazer corar os personagens mais depravados da literatura de ficção. O romance pinta uma tela bastante cromática do estilo de vida absolutamente sem limites da Wall Street das duas últimas décadas do século 20.

A narrativa, caricatural, se localiza em algum ponto entre a autobiografia e a ficção. É tragicômica do começo ao fim. A carreira do jovem Jordan se

inicia num banco de prestígio no mer-cado nova-iorquino, em que ele passa por todos os treinamentos e provas necessários para tornar-se um corretor de ações. Por um capricho do destino, o dia em que finalmente estaria habili-tado a contatar clientes e convencê-los da compra e da venda de ações — que gerariam as sonhadas comissões — fi-cou conhecido como Black Monday. Naquele 19 de outubro de 1987, o índice Dow Jones despencou mais de 20% e o futuro anti-herói perdeu seu emprego. Poderia ser o fim da linha no mercado financeiro, como certamente foi para muitos colegas corretores, mas não para Belfort. Munido de enorme determina-ção de alcançar sucesso e de um incrível instinto para convencer qualquer um a comprar ações de qualidade duvidosa, ele fundou sua própria corretora, a Stratton Oakmont.

A partir daí, a jornada do protago-nista tem duas dimensões paralelas: os trambiques na corretora e o consumo diário de diferentes drogas em quanti-dade suficiente para dopar Manhattan, ambos temperados por mulheres em profusão. O elemento comum desse comportamento autodestrutivo é a quantidade obscena de dinheiro que Belfort ganha, a ponto de ele perder a noção do valor relativo das coisas e buscar o hedonismo a todo custo. Em certo momento, uma terceira dimensão é adicionada, conforme procura manei-ras de esconder seus ganhos da receita federal americana e acaba lavando

Histórias do lobo mauPor Peter Jancso*

* Peter Jancso é professor de finanças

corporativas da Business School São Paulo

e sócio da Jardim Botânico Investimentos

O lobo de Wall StreetJordan Belfort

Editora: Planeta501 páginas2a edição, 2014

dinheiro com a ajuda de bancos suíços. A despeito do cuidado paranoico que Belfort tinha em não deixar vestígios das transações, uma série de aconteci-mentos fortuitos envolvendo sócios da corretora e “laranjas” usados na fraude financeira acaba fornecendo a munição para as autoridades o colocarem atrás das grades. Ele foi banido de atuar com títulos mobiliários por toda a vida e condenado a oito anos de prisão. Aca-bou cumprindo, entretanto, apenas dois anos de sua sentença.

A história é tão inverossímil que parece um romance de ficção. Aos 27 anos de idade, Belfort já era um dos homens mais ricos do mercado acio-nário dos Estados Unidos. O dinheiro fácil, que brota aos borbotões, alimenta uma arrogância suprema que corrompe profundamente seu caráter, a ponto de ele não se preocupar em manter padrões mínimos de convivência social. Conduz sua vida como se não houvesse amanhã, dia após dia, inspirado pelo mantra: “Eu quero tudo e tem que ser agora”. Até que, aos 36 anos de idade, seu castelo de areia desmorona. Belfort perde o casamento e a liberdade. Serve para ele o verso de Lobão, na letra da música “Decadence avec elegance”: “É melhor viver dez anos a mil que mil anos a dez”.

Os excessos da Wall Street dos anos 1980 e 1990 contados em primeira pessoa

S a i d e i r a

62 CAPITAL ABERTO Maio 2014

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