O ECLETISMO DE ROSSI BAPTISTA, UM ARCHITECTO- … · alerta o professor Paulo Ormindo de Azevedo...

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O ECLETISMO DE ROSSI BAPTISTA, UM ARCHITECTO- CONSTRUCTOR ALMEIDA, Maria do Carmo B. E. de 1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia- IFBA. Departamento Acadêmico de Construção Civil- DACCivil. Rua Emídio dos Santos, s/n- Barbalho. 40301-015. Salvador, BA. [email protected] RESUMO A pesquisa, desdobramento de um estudo mais amplo que contempla a modernização urbana de Salvador, investiga a produção arquitetônica de Rossi Baptista durante a Primeira República, período no qual sua atividade profissional foi mais intensa. Chegado a Salvador em 1911, Rossi Baptista foi um dos muitos técnicos estrangeiros que migraram para capital neste período, atendendo a um apelo do Governo ou as oportunidades que o mercado da construção civil oferecia. Diferentemente de seus conterrâneos, dedica-se aos projetos de particulares, estabelecendo-se na cidade. O levantamento dos projetos realizados por Rossi Baptista em Salvador está estruturado em etapas que seguem a divisão administrativa da cidade naquele período, em distritos, já tendo sido concluídos os distritos da Vitória, da Conceição da Praia e Pilar, setores onde as obras de remodelação urbana foram mais intensas, juntamente com a Sé. Os primeiros resultados das análises apontam para uma produção arquitetônica de grande qualidade, cujo estudo contribui para a compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no território nacional. Identificar os rebatimentos de sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas mais complexos, técnicas construtivas e repertório decorativo nas construções, são alguns dos objetivos da pesquisa. Palavras-chave: Ecletismo; projeto de arquitetura; italianos

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O ECLETISMO DE ROSSI BAPTISTA, UM ARCHITECTO-CONSTRUCTOR

ALMEIDA, Maria do Carmo B. E. de

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia- IFBA. Departamento Acadêmico de

Construção Civil- DACCivil. Rua Emídio dos Santos, s/n- Barbalho. 40301-015. Salvador, BA.

[email protected]

RESUMO

A pesquisa, desdobramento de um estudo mais amplo que contempla a modernização urbana de Salvador, investiga a produção arquitetônica de Rossi Baptista durante a Primeira República, período no qual sua atividade profissional foi mais intensa. Chegado a Salvador em 1911, Rossi Baptista foi um dos muitos técnicos estrangeiros que migraram para capital neste período, atendendo a um apelo do Governo ou as oportunidades que o mercado da construção civil oferecia. Diferentemente de seus conterrâneos, dedica-se aos projetos de particulares, estabelecendo-se na cidade. O levantamento dos projetos realizados por Rossi Baptista em Salvador está estruturado em etapas que seguem a divisão administrativa da cidade naquele período, em distritos, já tendo sido concluídos os distritos da Vitória, da Conceição da Praia e Pilar, setores onde as obras de remodelação urbana foram mais

intensas, juntamente com a Sé. Os primeiros resultados das análises apontam para uma produção arquitetônica de grande qualidade, cujo estudo contribui para a compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no território nacional. Identificar os rebatimentos de sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas mais complexos, técnicas construtivas e repertório decorativo nas construções, são alguns dos objetivos da pesquisa.

Palavras-chave: Ecletismo; projeto de arquitetura; italianos

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

1. A modernização da Cidade da Bahia

O processo de modernização urbana da cidade de Salvador, iniciado ainda em meados do

século XVIII, ganha novo ritmo e velocidade com a chegada da República, em 1890. O novo

regime político coincide na Bahia com um período de plena afirmação econômica da

atividade cacaueira, vinculada a uma estrutura de produção e comercialização até então

inexistente, e que terá em Salvador o seu porto de distribuição mundial. Tudo concorre para

uma fase de progresso da cidade, consequência da projeção do comércio na economia local

e do papel que assumem os ricos negociantes, em grande parte estrangeiros, na sociedade,

o que estimula as aspirações de modernização do dito “mundo civilizado”.

Para atender a estes anseios, intervenções no espaço urbano são idealizadas e executadas

na medida em que os cofres públicos permitiam, priorizando os setores da cidade ocupados

pela elite local. Entre os anos de 1912 a 1916, um novo momento do processo de

modernização urbana pode ser percebido, quando José Joaquim Seabra assume o governo

do Estado pela primeira vez, com o apoio dos empresários e grandes comerciantes da

cidade de Salvador, marcando uma ruptura na política baiana entre o governo e as

oligarquias rurais.

J. J. Seabra , político de grande prestígio, ocupara o Ministério da Justiça e Negócios

Interiores (1902-1906) durante o Governo de Rodrigues Alves, quando se deram as grandes

remodelações urbanas da cidade do Rio de Janeiro. Ao assumir o governo da Bahia,

pretendia transformar a capital do estado numa cidade “civilizada”, dotando-a dos

[...] reaes melhoramentos que, como symbolos do nosso caminhar para a civilisação, e interrompendo a inércia do passado, se levantam do nada, e crescem, e se adeantam, e hão de ser, em próximo futuro, a irrecusável prova documental da creadora e patriótica actividade desta época (BAHIA, Mensagem..., 1913, p.15-6).

As reformas, de caráter higiênico e estético, tinham a pretensão de dotar a cidade de uma

imagem do progresso, tomando como referência os grandes centros europeus, quando

possível, e as obras em curso na cidade do Rio de Janeiro, como modelo mais próximo.

Executadas mediante empréstimos realizados em Paris, ao Credit Mobilier Français, e em

Londres, intermediados pelo empresário carioca Eduardo Guinle, as intervenções se

realizam através da atuação conjunta das três esferas da administração pública. As obras

do porto e a remodelação do Bairro Comercial, na Cidade Baixa e a construção da Avenida

do Estado (atual Avenida Sete de Setembro), na Cidade Alta, além de equipamentos de

caráter público, são priorizados pela gestão seabrista.

A efervescência das obras em curso atrairia à capital um número considerável de

profissionais ligados à construção civil, insuficientes, entretanto, para o vulto dos trabalhos

idealizados para a cidade. A polêmica que se instala sobre o andamento das obras

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questionava, inclusive, a quantidade e qualidade da formação dos profissionais que

deveriam transformar os velhos edifícios em “[...] prédios onde a architectura moderna

deixará seus traços elegantes e a hygiene, com seus preceitos salutares, assegurará a

estabilidade de seu estado sanitário” (GAZETA do Povo, 29/06/1912. Apud PERES, 1973. p.

03). A ênfase dada ao discurso higienista das intervenções, faz com que, em 23 de abril de

1912, o Diário da Bahia, em artigo denominado “As duas engenharias”, alerte para a

inexistência de profissionais competentes para sanear e embelezar a cidade, afirmando:

Nós não temos engenharia sanitária. Só poderemos ter engenheiros nacionaes dessa cathegoria, educando-os na escola prática das grandes construcções[...]. Saia o plano do esconderijo em que se acoitou. Queremol-o ás claras na mesa do estudo, para a colaboração dos competentes e com o carimbo não da engenharia de bondes, não no bacharelismo improfícuo, mas na engenharia sanitária, nessa especialidade dignificante, neste mister nobilíssimo, em que o geômetra, o architecto, o constructor das grandes obras de arte, se confunde com o hygienista (p. 01).

De fato, para além de especialistas nas grandes questões sobre a infraestrutura da cidade,

que então se apresentavam, as intervenções careciam de “artistas de profissões

elementares”. Em sua Mensagem a Assembleia ...., em 1913, o Governador J. J. Seabra

refere-se à carência desses profissionais, sendo necessário [...] com caracter de urgência, a

sua obtenção em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Europa, especialmente em Portugal

(p.49-53). As proporções que assume a migração de técnicos da construção civil para a

capital, durante o período de maior incremento das obras de remodelação, é tal que provoca

críticas da imprensa local, que passa a questionar a qualidade dos serviços em execução.

Com ironia, a Gazeta de Notícias, em 19/06/1914, afirma que:

[...] funcionários honestos, competentes e antigos servidores municipaes, foram postos á margem para que não vissem, não testemunhassem, nem criticassem os moderníssimos planos de melhoramentos, as reformas, os estudos e as maravilhosas concepções dos profissionais importados [...] (p. 01).

As investigações sobre este contingente de profissionais da construção civil que atuaram na

cidade, neste período, ainda são embrionárias1. Suas origens, formações e percurso

profissional constituem um vasto campo para a pesquisa. É possível que muitos tenham

migrado do Rio de Janeiro, particularmente os de origem italiana, uma vez que estes

profissionais tiveram um papel eminente na execução da reforma urbana promovida por

Pereira Passos, anos antes, da qual participara o Governador Seabra.2. Godofredo Filho,

entretanto, atribui as obras de maior vulto então realizadas,

1 A este respeito, ver PUPPI, 1998.

2 Merece destaque o papel que teve Antonio Jannuzzi nas obras do Rio de Janeiro, certamente, o maior

construtor da cidade, comandando a “(...) mais equipada, moderna e eficiente empresa de construção, aquela que melhor estava em condições de respeitar um objetivo inadiável da reforma de Pereira Passos: a rapidez da realização”. (CAPELLI, 2015, p. 105).

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[...] a técnicos italianos aqui chegados a partir de 1912, no 1º Governo Seabra, quando o Secretário Geral Arlindo Fragoso e, sobretudo, o Intendente Julio Viveiros Brandão, buscaram abastecer-se em São Paulo de arquitetos, escultores, pintores, decoradores e artesãos especializados, com o fito de mudar, como pretenderam e em parte conseguiram, a grave e tranquila fisionomia plástica de Salvador.

A euforia suscitada na população pelas obras de modernização da cidade logo é tolhida pela

suspensão do crédito estrangeiro, em virtude da Primeira Guerra, na Europa, e de

problemas administrativos, provocando a paralisação de muitos serviços e o arquivamento

de outros. O grande número de dívidas do estado provoca a dispensa de inúmeros

trabalhadores das obras de remodelação, como anunciava em 23/04/1914 o jornal A Tarde,

profissionais que “(...) caloteados e famintos (...)partem aos magotes, seguindo “(...)oitenta e

tantos para o Rio e trinta e tantos para a Europa”(Apud LEITE,1996,p.73).Criticando o calote

passado nos operários, particularmente no estrangeiros, a imprensa preocupa-se com a

imagem negativa que eles levavam da cidade que se pretendia moderna e civilizada.

Dentre os muitos aspectos deste processo não contemplados com estudos específicos está

a produção arquitetônica de um grupo de profissionais italianos que contribuíram para

construção de uma nova imagem da cidade de Salvador, responsáveis pelos projetos dos

principais edifícios da administração estadual e dos novos equipamentos públicos da cidade.

Segundo os dados que registram a chegada de estrangeiros a Salvador, estes profissionais

chegaram em maior número durante os anos de 1905 e 1916, quando se encerra o primeiro

Governo Seabra, diminuindo a partir de então. Julio Conti, Filinto Santoro, Antonio Virzi,

Alberto Borelli, Raphael Rebecchi e Rossi Baptista, com diferentes graus de atuação, foram

alguns dos profissionais que marcaram a cidade com sua architectura moderna.

Neste contexto, destacamos a produção de Rossi Baptista que, diferentemente dos seus

conterrâneos, não se dedica aos projetos conduzidos pelo Estado, mas antes, aos de

residências e edifícios comerciais de particulares, dois dos quais, mereceram o tombamento

pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia- IPAC – o Palacete Catharino e o

prédio da Associação dos Empregados do Comércio. O estudo da obra de Rossi Baptista,

além de contribuir para a compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no

território brasileiro, e especificamente em Salvador, pretende identificar os rebatimentos de

sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas mais complexos, técnicas

construtivas e repertório decorativo nas construções.

2. Rossi Baptista, architecto-constructor

A atuação profissional de Rossi Baptista na cidade de Salvador, como da quase totalidade

dos estrangeiros que aí trabalharam neste período, ainda apresenta grandes lacunas. Os

seus dados biográficos são desconhecidos. Sabe-se que chega à Bahia por intermédio do

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Comendador Bernardo Martins Catharino, em 1911, para quem elabora alguns projetos para

sua residência, e outros tantos na mesma época para a burguesia local. Segundo arquitetos

que chegaram a conhecê-lo no fim da vida, foi o único profissional do grupo de italianos

chegados na década de 1910 que fixou residência na cidade.

Sobre a sua formação também são conflitantes as informações. Apesar de apresentar-se

como arquiteto, sabemos ser comum e legal no período a atuação de profissionais que

projetavam e construíam sem que possuíssem a formação acadêmica das escolas de

engenharia ou arquitetura, apesar da reconhecida experiência; na tradição italiana, os

capomaestri. Nos projetos de sua autoria, as pranchas trazem sua assinatura de três

maneiras distintas: simplesmente assinadas, com carimbo e a designação de arquitecto-

constructor, ou como constructor (ainda que, nestes casos, não identifiquemos outro autor

para o projeto). Além disso, Rossi Baptista costumava assinar os seus edifícios com uma

pequena placa que o identificava como autor da obra.

Foto 01- Placa existente no Palacete Catharino, à Rua da Graça, identificando a autoria do projeto.

Da mesma forma como os seus conterrâneos, antes de se estabelecer na Bahia, Rossi

Baptista deve ter atuado em outros estados brasileiros, em cidades que também se

encontravam em processos de modernização urbana. A sugestão de que tenha vindo de

São Paulo, onde outros dois arquitetos, Domenizio Rossi e Cláudio Rossi, eram bastante

atuantes neste período não se comprova, apesar da coincidência dos sobrenomes, como

alerta o professor Paulo Ormindo de Azevedo (2006). Pesquisas mais recentes, entretanto,

que investigam a produção italiana nas obras de remodelação do Rio de Janeiro, indicam a

participação de Rossi Baptista na construção de imóveis na Avenida Central, o que

demonstra o prestígio profissional que deveria ter na cidade.

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Não se vinculando ao estado na projetação ou execução de obras públicas, Rossi Baptista

teve uma produção arquitetônica considerável no recorte temporal proposto para a

investigação, a Primeira República (1890-1930). O levantamento dos projetos elaborados

pelo arquiteto decorre de um trabalho mais amplo, que investiga o processo de

modernização urbana da cidade de Salvador. Da mesma forma que nas etapas anteriores, a

pesquisa se estrutura a partir da então divisão administrativa da cidade, em distritos, já

tendo sido identificados os projetos realizados para os distritos da Vitória, Conceição da

Praia e Pilar, trecho que, juntamente com a Sé, concentrou as grandes obras de

remodelação urbana.

Do que foi levantado até então, grosso modo, podemos classificar sua obra em dois grupos.

Concentrados no distrito da Vitória, os projetos residenciais destinados à burguesia local

destacam-se por programas mais elaborados e volumetrias que distinguiam o edifício no

contexto urbano. Nos projetos realizados para os distritos da Conceição da Praia e Pilar,

suas propostas contemplam muitas reformas e/ou reconstruções nos imóveis que sofreram

cortes para alargamento da malha viária e tem por condicionante o rigoroso gabarito

estabelecido para dar uniformidade ao conjunto arquitetônico.

Seu projeto mais reconhecido até hoje é o Palacete Catharino, situado na Rua da Graça,

local de moradia da burguesia soteropolitana no início do século XX. O edifício é tombado

pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia - IPAC, e, hoje, sedia o Palacete

das Artes. Quando da solicitação do seu tombamento, na década de 1980, o Departamento

de Obras do Município guardava em seus arquivos cinco propostas, sendo três delas de

autoria de Rossi Baptista. Possivelmente, foi o primeiro projeto que o arquiteto desenvolveu

em terras baianas para um empresário de grande prestígio na cidade, o que deve ter lhe

garantido certa notoriedade.

Na proposta escolhida, o edifício implanta-se praticamente no eixo da largura do imenso

lote, mas, pouco recuado da rua, permitindo ao transeunte a contemplação de sua

volumetria, ao tempo em que resguarda a privacidade do espaço doméstico. No mesmo

sentido longitudinal, desenvolve-se o agenciamento dos cômodos, organizados em três

pavimentos que observavam a hierarquia e o zoneamento das residências burguesas da

época: um térreo, com proporções de porão alto, destinado aos serviços, no pavimento

nobre, a zona social e no andar superior, a zona íntima. A articulação dos cômodos se dá

através de um longo corredor, no plano horizontal, e no vertical, através de uma escadaria e

um elevador, disposição que ainda traz resquícios de uma organização espacial da casa

colonial. O programa arquitetônico incorpora novos elementos como a sala de música, o

gabinete e o banheiro no corpo principal da edificação, ainda que traga uma capela

doméstica nas proximidades da zona social, uma herança da arquitetura tradicional.

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Foto 02- Fachadas principal e lateral do Palacete Catharino, de autoria de Rossi Baptista.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos

Em consequência do partido adotado, a volumetria compacta destaca os principais espaços

de representação da casa, com avarandados que conferem algum movimento à

composição. Na cobertura, com planos bastante inclinados, destaca-se um mirante,

elemento comum nas residências burguesas deste período, situado em torreão trapezoidal,

revestido em ardósia.

Para o Comendador Catharino projetaria, ainda nestes primeiros, alguns edifícios comerciais

e outro edifício residencial, no bairro do Canela, que hoje, abriga a Escola de Teatro da

UFBA. Nas demais residências projetadas no distrito da Vitória pelo arquiteto, mais

modestas se comparadas ao palacete, encontraremos sempre a adoção de um programa

arquitetônico que incorpora os novos rituais da vida doméstica: à sucessão de salas que

compõem os espaços de representação da casa, liga-se um volume que agrupa os

cômodos da zona de serviço, e a zona íntima no pavimento superior. Os tratamentos

volumétricos realçam os cômodos mais importantes da casa, em composições que,

geralmente, se utilizam de varandas, bow windows (que podem abrigar ora uma sala de

música, ora uma sala de jantar) e pergolados, procurando conferir algum dinamismo ao

projeto.

Do ponto de vista estilístico, nos projetos residenciais, sem aderir ideologicamente a uma

única linguagem do período eclético, Rossi Baptista, como um profissional do seu tempo,

transita nos diferentes repertórios arquitetônicos. Dos pastiches compositivos (para utilizar a

expressão do Patetta (1991)) daqueles projetos iniciais da década de 1910, encontraremos

o arquiteto nos anos seguintes projetando casas no distrito em estilo neocolonial ou ainda

como chalets estilizados, reproduzindo em argamassa a estrutura enxaimel. Neste período,

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estará instalado em seu escritório à Rua São João, nº 01, 2º andar, no Bairro Comercial,

onde também funcionava a Cia. da Serraria e Construções, de sua propriedade.

Vale a pena destacar o projeto realizado em 1929, pelo arquiteto para a Sra. Isabella

Padilha de Souza, na Ladeira da Barra, um “(...) prédio typo ‘american homes’”. Na casa de

180,00 m2, Rossi Baptista desenvolve um programa com duas salas, dois quarto, banheiro,

cozinha e terraço, dentro de um arranjo espacial distinto daquele que era comumente

utilizado no período. Um pergolado cobre o terraço que antecede as salas de visitas e de

jantar, cômodos intercomunicantes cujas portas oferecem a possibilidade de dilatar o

espaço da zona social da casa. Uma pequena circulação faz a distribuição para os quartos e

áreas de serviços. Para este programa mais enxuto, uma composição volumétrica

despojada dos ornatos pré-moldados e marcada pela horizontalidade do pergolado, um dos

elementos comuns em seus projetos.

A proposta, que poderia ser considerada já dentro da linguagem moderna da arquitetura,

encontrou resistência nos setores de análise da Intendência, sendo reprovada por Antonio

Lima, Chefe da Secção Technica, que considerou “(...) inadaptável ao local o typo de

construcção ‘american homes’(...)”. O projeto será aprovado apenas pelo Director da

Secção, após alguma polêmica.

Foto 03 – Projeto para uma residência “typo american homes”, na Ladeira da Barra, de autoria de Rossi Baptista.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos.

Os projetos levantados nos distritos da Conceição da Praia e do Pilar referem-se a edifícios

comerciais. Ainda em 1912, recém-chegado a Salvador, Rossi Baptista realiza um projeto

para a reconstrução da Serraria Xixi, na Rua do Pilar, que sofrera um incêndio. A grande

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curiosidade para a aprovação da proposta esteve relacionada ao alinhamento do edifício,

situado em área das grandes remodelações urbanas. Como as instâncias federal e

municipal não conseguiam se entender a respeito da definição do alinhamento, o Intendente

Júlio Brandão manda arquivar as petições e as plantas até que se chegasse a um consenso,

apesar de aprovar o projeto!

São destes primeiros anos das grandes remodelações urbanas alguns dos projetos mais

interessantes de Rossi Baptista. Ainda em 1912, o arquiteto projeta um edifício para um

estabelecimento de pescado, da Companhia de Piscicultura, na Rua Manoel Victorino.

Devendo observar os novos alinhamentos para a área, o projeto responde a um programa

de uma peixaria, em um lote estreito e comprido, em vários pavimentos, solicitando ainda o

requerente a autorização para “(...) abrir uma valla para collocação de tubos de grés, que

conduzem a água do mar para dentro do prédio”. A distinção do projeto deve-se ao

tratamento dado às fachadas no limite do lote, nas quais a alusão à função comercial no

edifício é sugerida por um barco que rompe a platibanda sobre o espaço público, velas e

bandeiras. Este delírio decorativo subverte a rigidez da simetria das aberturas e da

modenatura, realçada pela platibanda escalonada, já empregada no projeto da residência no

Canela, tornando a proposta singular dentro de sua produção arquitetônica.

Foto 04 - Projeto para um estabelecimento de pescado, de autoria de Rossi Baptista.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos.

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Os demais projetos comerciais realizados nesta fase terão condicionantes semelhantes. Os

novos alinhamentos, decorrentes do alargamento e retificação do traçado de algumas das

ruas do Bairro Comercial, e o gabarito de altura, que procurava garantir uniformidade e

monumentalidade ao centro financeiro da capital baiana. Nos lotes situados nas esquinas,

passa a ser obrigatório o uso do chanfro, o que oferecia uma série de possibilidades de

tratamentos volumétricos, destacando o edifício no espaço urbano.

Praticamente todos os programas destes edifícios serão desenvolvidos em grandes espaços

delimitados pelas paredes perimetrais e por aquelas estruturantes do projeto, nos quais há a

definição da caixa da escada e dos equipamentos sanitários, então, exigidos pelas novas

legislações que passam a normatizar a cidade e as construções. O emprego de grandes

vãos, adaptáveis aos muitos usos, seria facilitado pelo emprego cada vez maior no período

das estruturas de concreto armado.

Na composição das fachadas destes edifícios, Rossi Baptista empregara mais uma vez

repertórios distintos, conferindo um caráter individual a cada imóvel, particularizando-o

dentro do conjunto uniforme que se pretendia. Pontos comuns podem ser apontados, como

a marcação do primeiro pavimento com bossagem, o ritmo das aberturas e o coroamento da

platibanda, quando a hierarquia das fachadas fica evidente através do uso de cartelas e

acrotérios que indicam os logradouros mais importantes da área. Os tratamentos das

superfícies já se apresentam mais sóbrios, clássicos até, em composições marcads por

pilastras, cornijas e frisos, como bem exemplifica o projeto para o British Bank of South

America, na Rua Miguel Calmon, em 1914.

Foto 05- Projeto para o British

Bank of South America, de autoria

de Rossi Baptista.

Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos.

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Nos anos de 1920, Rossi Baptista, trabalhando em conjunto com Urbano Baptista, que se

identifica como construtor, além dos projetos de arquitetura, passa a assinar também o

cálculo estrutural dos edifícios. É o caso do projeto de reforma e ampliação de um

pavimento de um imóvel à Rua Portugal, em 1928, quando apresenta cálculo de vigas e

planta de formas. Figurativamente, a ampliação do edifício substitui no trecho original as

aberturas em arco ogival, comuns nos prédios comerciais do início do século XX, por vergas

retas, possivelmente, apontando a adoção de uma linguagem mais “limpa” no tratamento

das superfícies das fachadas, postura também identificada no projeto da residência da

Ladeira da Barra, no mesmo ano.

A investigação da trajetória profissional de Rossi Baptista mostra as transformações do fazer

arquitetônico ao longo da Primeira República. Independente da discussão sobre a sua

formação acadêmica, sua produção demonstra o domínio da profissão e a criatividade que

distingue os seus projetos dos demais do período. As transformações e as permanências

em sua prática projetual, além da sua obra em outras cidades, sua origem e formação, são

etapas de um trabalho de maior duração. O estudo de sua obra, além de contribuir para a

compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no território brasileiro, pretende

identificar os rebatimentos de sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas

mais complexos, técnicas construtivas e repertório decorativo nas construções.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria do Carmo B. E. de. A Victória na Renascença Bahiana: a ocupação do

distrito e sua arquitetura na Primeira República (1890-1930). 1997. Dissertação (Mestrado).

Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1997.

AZEVEDO, Paulo O. A arquitetura e o urbanismo da nova burguesia baiana. In: JORDAN,

Kátia ET alli.De Villa Catharino a Museu Rodin Bahia:1912-2006. Salvador: Solisluna,

2006.

LEITE, Rinaldo C. N. E a Bahia Civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anti-civilidade

em um contexto de modernização urbana. Salvador 1912-1916. 1996. Dissertação

(Mestrado).Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1996.

MENSAGEM apresentada à Assemblea Geral Legislativa do Estado na abertura da 1ª

sessão ordinária da 12ª legislatura pelo Dr. J. J. Seabra, Governador do Estado. Salvador:

Secção de Obras da Revista do Brasil, 1913.

PATETTA, Luciano. L’architettura dell’Eclettismo:fonti, teorie e modelli, 1750-1900. Milão:

Citta Studi, 1991.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

PERES, Fernando da Rocha. Memória da Sé. Salvador: Macunaíma, 1973.

PUPPI, Suely de Oliveira. A arquitetura dos italianos em Salvador, 1912-1924.

Monumentos de traços europeus e modernização urbana no início do século XX.

Dissertação (Mestrado). 1997. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São

Paulo. São Paulo, 1997.