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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS EDVÂNIA MOREIRA ANTENOR O encontro das etnias indígenas e quilombolas: do período pré-histórico ao colonial em Carmo do Rio Claro, MG Alfenas / MG 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

EDVÂNIA MOREIRA ANTENOR

O encontro das etnias indígenas e quilombolas: do

período pré-histórico ao colonial em Carmo do Rio

Claro, MG

Alfenas / MG

2011

EDVÂNIA MOREIRA ANTENOR

O encontro das etnias indígenas e quilombolas: do

período pré-histórico ao colonial em Carmo do Rio

Claro, MG

Monografia apresentada como requisito

parcial na conclusão do curso de graduação,

Licenciatura em Geografia, da Universidade

Federal de Alfenas, UNIFAL-MG. Área de

concentração: Geografia Cultural e

Geoarqueologia. Orientador, Prof. Dr.

Evânio dos Santos Branquinho

Alfenas / MG

2011

EDVÂNIA MOREIRA ANTENOR

O encontro das etnias indígenas e quilombolas: do

período pré-histórico ao colonial em Carmo do Rio

Claro, MG

A Banca examinadora abaixo-assinada aprova

a Monografia apresentada como requisito

parcial na conclusão do curso de graduação,

Licenciatura em Geografia da Universidade

Federal de Alfenas, UNIFAL-MG. Área de

concentração: Geografia Cultural e

Geoarqueologia. Orientador, Prof. Dr. Evânio

dos Santos Branquinho

Aprovada em:

Profº.

Instituição: Assinatura:

Profº.

Instituição: Assinatura:

Profº.

Instituição: Assinatura:

Dedico este trabalho a minha amada mãe Clara

e a eterna lembrança de vê-la contemplar as

estrelas e seu jardim. Ao meu amado avô José

in memorian, um sonhador e uma das pessoas

mais apaixonantes e espiritualizadas! Aos

indígenas e quilombolas primeiros habitantes

da região que hoje conhecemos como Carmo

do Rio Claro, lugar que ainda conserva a

beleza e a magia ancestral exercida no

pretérito por estes. Ao Prof. Dr.Ugo M.

Andrade. A Força que rege o Universo. A

estes minha eterna gratidão.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof.Dr. Evânio dos S. Branquinho que aceitou ser meu orientador. Descobri um excelente

amigo, uma ótima pessoa!

Ao Profs. Drs. Pablo Luis e Alisson Eugênio por aceitarem meu convite em compor a banca

avaliadora.

A minha estimada amiga Eloise com seu jeito cativante.

Ao meu irmão querido e enigmático Alan, companheiro estimado de descontração.

A minha irmã Aline que já foi mais encantadora. Um Ser com quem aprendi muito.

Aos meus primos Jéssica e Bruno, a dupla mais fantástica.

A Cris ou Ana Cristina a tantos anos de amizade, cumplicidade e apoio. As nossas conversas

nos bares que sempre acabavam em boas risadas.

A Keylla Patrícia, as nossas boas conversas, ao apoio e ao estimulo de sempre.

Ao meu amigo poeta Felipe.

Aos funcionários; Maura, Tati, Nayara e Silvio e as nossas boas conversas no balcão da

Biblioteca.

A Regina e Letícia minhas vizinhas adoráveis.

Ao meu estimado amigo “Gordo” ou Adriano.

As “meninas” do Museu, Luciana, Agda e Rosália pessoas queridas e que tenho ótimas

lembranças.

Aos meus colegas Val, Misha, Fábio e Fabiene e as nossas boas histórias para contar ao longo

dos anos do curso.

Ao arqueólogo Edson Luis Gomes pelo material gentilmente cedido.

Ao Prof. Dr. Flamarion Dutra.

Ao Prof. Dr. Claudio Carlan Umpierre que sempre me indicou bons livros.

Aos Profs. Drs. Marcos Lobato e Marcos Roberto aos livros emprestados e a atenção sempre

dedicada.

Ao Prof. Dr. Romeu Adriano e suas aulas instigadoras.

A todos que guardo em minha lembrança e que não citei.

Aos sonhos e a magia da vida, sempre!

A cultura é o agente, a natureza o meio.

A paisagem cultural é o resultado.

(Carl O. Sauer, 1929)

RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso analisa a existência de grupos humanos nos períodos

pré-histórico, pré-colonial e colonial. Algumas evidências pré-históricas encontradas no

continente americano, ou seja, Américas do Norte e Sul são apresentadas. Em síntese e de

forma sucinta evidencia os registros materiais das existências destes, através da cultura

material, ou seja, as “marcas ou assinaturas” encontradas em sítios arqueológicos localizados

em paisagens ou/e áreas culturais. A cultura imaterial e o gênero de vida serão evidentes, não

há como se excluírem, pois, as técnicas e hábitos de vida destes grupos humanos são

interpretados. Conceituações da geoarqueologia, arqueologia e geografia cultural são

aplicadas nesta pesquisa, para melhor compreensão da relação dos grupos humanos pré-

históricos com a natureza. Uma localização especifica será a região onde se insere a cidade de

Carmo do Rio Claro, MG palco de encontro de etnias como indígenas e quilombolas, do pré-

histórico ao colonial.

Palavras-chave: pré-história, grupos humanos, geoarqueologia, geografia cultural e

arqueologia.

ABSTRACT

This course conclusion work analyzes the existence of human groups in the pre-historical,

pre-colonial and colonial periods. Some pre-historical evidence found in North and South

America are presented. In synthesis the material registers of the existance of these groups are

material culture, understood as the “signs of signatures” found in archaeological sites located

in landscapes and/or cultural areas. Material culture and the way of life, which cannot be

separated, are interpreted to understand the techniques and habits of these groups. Concepts

from geo-archaeology, archaeology and cultural geography are applied in this research, to

better understand the relation between pre-historical human groups and nature. An specific

location analyzed is the region of Carmo do Rio Claro, MG, where the encounter between

indigenous and quilombolas (fugitive rebel slaves) took place in the colonial period.

Key-words: pre-history, human groups, geo-archaeology, cultural geography and

archaeology.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 12

2. OBJETIVOS...................................................................................................................... 14

2.1 Geral.................................................................................................................................. 14

2.2 Específico.......................................................................................................................... 14

3. JUSTIFICATIVA............................................................................................................. 15

4. DISCUSSÃO TEÓRICA................................................................................................. 16

5. METODOLOGIA............................................................................................................ 18

Capitulo I. Da Pré-História a História: o Homo sapiens e seus registros........................ 19

1.1 Como se pode “conhecer” a Pré-História.......................................................................... 19

1.2 Períodos em relação à evolução do homem...................................................................... 19

Capitulo II. Os primeiros habitantes do continente americano....................................... 28

2.1 O Homo sapiens e as Américas: o Estreito de Bering....................................................... 28

2.2 O homem nas Américas do Norte e Sul............................................................................ 30

2.3 A Pré-História e História do Brasil................................................................................... 32

2.4 Os antigos habitantes e seus vestígios no Brasil............................................................... 34

2.5 Minas Gerais: Lagoa Santa e Serra do cipó...................................................................... 36

2.6 Considerações para os primeiros períodos....................................................................... 40

Capitulo III Evidências de registros Pré-históricos e coloniais em Carmo do Rio Claro,

MG......................................................................................................................................... 42

3.1 A região............................................................................................................................ 42

3.2 Historiografia................................................................................................................... 45

3.2.1 Os grupos indígenas...................................................................................................... 47

3.2.2 Os quilombos................................................................................................................. 49

3.3 Os sítios arqueológicos: as primeiras evidências de culturas materiais............................. 50

Fotografias anos de 1960-70 em Carmo do Rio Claro (arqueologia de salvamento)............ 52

Capitulo IV Os sítios arqueológicos: uma abordagem geoarqueológica......................... 55

4.1 Conceitos......................................................................................................................... 55

4.2 Definições de geoarqueologia.......................................................................................... 56

4.3 Os sítios arqueológicos como objeto de estudo............................................................... 56

4.4 Disciplinas das Ciências da Terra utilizadas pela geoarqueologia................................... 58

4.4.1 Pedogênese: os solos como fonte necessária as realizações estratigráficas................... 59

4.4.2 Estratigrafia................................................................................................................... 60

4.4.3 Geomorfologia............................................................................................................... 62

Considerações......................................................................................................................... 63

Capitulo V Uma abordagem geográfica cultural dos registros pré-históricos, pré-

coloniais e coloniais................................................................................................................ 64

5.1 Conceitos utilizados pela geografia cultural: como indígenas e quilombolas deixaram suas

“assinaturas”............................................................................................................................ 66

5.2Os grupos étnicos: quilombolas e indígenas...................................................................... 68

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 76

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 78

9. SITES DAS FIGURAS E PARA CONSULTAS............................................................ 81

10. GLOSSÁRIO................................................................................................................... 82

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figuras 1 e 2: Pontas de projétil/flecha de cristal. Museu Histórico e Arqueológico Antonio

Adauto Leite, Carmo do Rio Claro, MG.................................................................................. 11

Figuras 3 e 4: Igaçaba e tembetá, acessório para ornamento................................................. 13

Figura 5: Pinturas de AP.40.000 anos produzidas pelo grupo Cro-magnon em Lascaux na

França....................................................................................................................................... 15

Figura 6: Pinturas rupestres em Capitólio, MG....................................................................... 16

Figura 7: Artefatos pré-históricos de líticos, ossos, marfim, madeira e conchas.................... 20

Figura 8: Prováveis rotas dos seres humanos para o Continente Americano.......................... 21

Figura 9: Localização dos sítios pré-históricos: Clóvis e Folsom na América do Norte....... 22

Figura 10: Mapa Temático de Sítios Arqueológicos. Arquivo do Museu de História

Natural/UFMG........................................................................................................................ 23

Figura 11: Índios Puris em Sua Cabana. De Johann. M. Rugendas......................................... 24

Figura 12: Peter Wilhelm Lund, aos 65 anos quando esteve em Lagoa Santa, MG (ano de

1825). Original depositado no Museu de Copenhague........................................................... 26

Figura 13: Guache de Peter A. Brandt retratando pinturas rupestres em Minas Gerais. Original

depositado no Museu de Copenhague..................................................................................... 27

Figura 14: Sítios arqueológicos catalogados em Minas Gerais. Instituto do Patrimônio

Histórico Artístico Nacional.................................................................................................... 28

Figuras 15 e 16: Crânio do homem de Lagoa Santa, MG e reconstituição da fisionomia de

Luzia. Peças depositadas no Museu Nacional, Rio de Janeiro................................................ 29

Figura 17: Região de Carmo do Rio Claro em relação a Belo Horizonte,

MG.......................................................................................................................................... 34

Figura 18: Família Guarani Capturada por Caçadores de Índios. De Jean B. Debret............ 35

Figura 19: Mapa da rota realizada por Lourenço C. Taques e Bartolomeu Dias de Siqueira.. 36

Figura 20: Guerrilha Entre Indígenas, Escravos e Milícias. De J. M. Rugendas (1820)......... 38

Figura 21: Os Castigos Domésticos. De Johann. M. Rugendas.............................................. 39

Figura 22: Fotografias dos anos de 1960 -1970 em Carmo do Rio Claro, MG. Arqueologia de

salvamento............................................................................................................................... 40

Figuras 23, 24, 25 e 26: Cachimbo angular e ponta de projétil /flecha, pote e machado

semilunar.................................................................................................................................. 43

Figura 27: Esquerda para direita; Índios Coroados (Coroatos e Corotos) e Índios Puris -

Litogravura de Johann. M. Rugendas...................................................................................... 45

Figura 28: Cachimbos angulares Tradição Neo- Brasileira e machados planos Tradição Aratu-

Sapucaí..................................................................................................................................... 56

Figuras 29 e 30: Fragmentos cerâmicos pintados e ungulados, Tradição Tupiguarani........... 61

Figuras 31 e 32: Objetos cerâmicos Tradição Neo-Brasileira, influência estilística de

quilombolas e/ ou escravos...................................................................................................... 62

Figura 33: Restos ósseos dentro de uma igaçaba..................................................................... 64

Figura 34: Catléias valquirianas ou “flores dos espíritos”...................................................... 66

LISTA DE ABREVIATURAS

AP - Antes do Presente, por convenção, o presente é o ano de 1950, em referência à

descoberta da datação por carbono-14, em 1952.

CRC – Carmo do Rio Claro.

DNA – Material genético contido nos cromossomos.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MG – Minas Gerais.

PRONAPA – Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas.

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais.

12

INTRODUÇÃO

Este trabalho é pautado no passado, ou seja, no período Pré-Histórico inicialmente e,

finalizado com o Pré-Colonial e Colonial. Remetemos-nos a estes períodos para melhor

compreensão da existência do homem ou de grupos humanos culturais denominados

paleoíndios, indígenas, ameríndios e nativos, que habitaram o continente americano. No

período Colonial evidenciaremos o contato de grupos étnicos como os indígenas e

quilombolas em uma localização especificada que é em Carmo do Rio Claro, MG.

Imagine então, o continente americano, a América do Norte e Sul e em seguida o Brasil e

inserida neste a Região Sudeste, ou seja, Minas Gerais e nesta a região localizaremos Carmo

do Rio Claro. São localidades onde se evidenciam os registros e as “assinaturas” de grupos

humanos pré-históricos, suas histórias, símbolos e ritos. Abordamos do contexto amplo

(continental) ao especifico (regional).

São apresentadas evidências das possíveis rotas realizadas pelos primeiros grupos humanos

para adentrarem tal continente, onde se estabeleceram ou se assentaram, afinal, eram

nômades, grupos caçadores. Serão apontados os sítios arqueológicos próximo do Estreito de

Bering ou Beríngia. Mas também serão observadas e apontadas neste trabalho algumas

contradições e lacunas em relação à idade destes primeiros possíveis grupos humanos

existentes no período pré-histórico em que, o foco é América do Norte e Sul. Pesquisadores

naturalistas como Peter W. Lund e estudos arqueológicos realizados em Lagoa Santa, MG

serão colocados neste trabalho, afinal, são imprescindíveis quando se trata de pré-história no

Brasil. Algo a respeito dos períodos pré-colombianos e pré-cabralinos será apresentado de

forma sucinta.

Os registros e “assinaturas” destes grupos pré-históricos ainda conservados são encontrados

em espaços ou territórios que os geógrafos culturais denominam de áreas ou/e paisagens

culturais, onde sempre há ou serão evidenciados os denominados sítios arqueológicos.

Evidências de cultura material são encontradas em sítios arqueológicos e em seguida

analisadas. Fotografias e figuras ilustrativas serão apresentadas neste trabalho de forma

didática. Denominamos por cultura material neste trabalho todos os artefatos confeccionados

por grupos humanos do pretérito, bem como as pinturas rupestres encontradas em cavernas ou

paredões de rochas. As técnicas ou os valores simbólicos são denominados de cultura

imaterial. Através da cultura destes grupos humanos poderemos descrever o gênero de vida,

se eram caçadores, caçadores-coletores, caçadores-horticultores, caçadores-coletores-

13

piscicultores etc. Todos estes fatores acima citados são apresentados no decorrer dos cinco

capítulos deste trabalho.

Além dos conceitos aqui trabalhados para contextualizar a utilização da geografia cultural

para as pesquisas realizadas em complexos geográficos denominados em seguida de área e/ou

paisagens culturais, onde se encontram registros da existência de grupos humanos culturais

como os indígenas e quilombolas, o gênero de vida será outro conceito importante para a

descrição de formas ou modos de vida destes grupos étnicos.

Outra área da geografia utilizada é a ciência geoarqueológica que será abordada neste

trabalho e através desta apresentaremos como se é pesquisado e trabalhado um sítio

arqueológico. Será evidenciada a valorização do solo e das geomorfologias de um complexo

geográfico resultante de um suporte ou recipiente para resguardar todos os tipos de registros

materiais da existência humana.

Serão, portanto, duas áreas distintas da ciência geográfica que se complementarão sendo

uma inserida na área de humanas e a outra ciência da Terra, distintas, porém complementares.

Entenda o porquê, através de conceitos da geografia cultural utilizados neste trabalho pode se

evidenciar áreas e/ou paisagens culturais, ou seja, ambientes naturais que foram

transformados e conservam os registros ou “assinaturas” de grupos humanos, como os locais

de caça, confecção de líticos e artefatos cerâmicos, cemitérios indígenas e quilombolas,

aldeamentos e quilombos, etc. Portanto, através destas evidenciações um geoarqueólogo e um

arqueólogo poderão localizar com exatidão, pesquisar e fazer as prospecções destes sítios

arqueológicos.

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2. OBJETIVOS

2.1 Geral

Analisar e apresentar neste trabalho de conclusão de curso evidências materiais e imateriais

existentes dos períodos pré-histórico e colonial, utilizando-se de conceitos de autores

especializados em tais temas. Abordar e relacionar de forma coerente as devidas

conceituações para referenciar os grupos étnicos existentes em tais períodos e em

determinadas localizações ou complexos geográficos. Caracterizar espaços/territórios onde

tais grupos étnicos (paleoíndios, indígenas e quilombolas) habitaram, através da utilização da

geografia cultural, geoarqueologia. Ou seja, evidenciar as relações do homem ou de tais

grupos étnicos, com os espaços/ territórios, cuja natureza e seus recursos naturais são

imprescindíveis as escolhas destes. E, sobretudo tentar utilizar-se de outras áreas das Ciências

Humanas como a História, Antropologia e Arqueologia.

2.2 Específicos

Capítulos: I e II.

Contextualizar a Pré-História no continente americano apresentando os registros

materiais existentes confeccionados pelo Homo sapiens. Tentar utilizar-se de

referenciais teóricos para melhores evidenciações de tal tema. Acreditamos ser

necessário iniciarmos este trabalho de pesquisa a partir do geral (continental) para o

específico (regional/local) como forma de melhor compreensão.

Tentar abordar não somente a cultura material, mas também a imaterial, através de

conceitos pertinentes ao tema. Utilizar-se de exemplos de ritos e simbolismos, da

cosmografia, ou seja, da interpretação de mundo de alguns grupos étnicos.

Focar pesquisas realizadas em espaços/territórios específicos como Américas do Norte

e Sul. Corroborando localizações de áreas e/ou paisagens culturais onde se inserem os

denominados sítios arqueológicos.

Analisar especificamente a Pré-História do Brasil.

Evidenciar que em Minas Gerais há pesquisas arqueológicas realizadas desde os anos

de 1860 e 1985. Afirmar que tal região se constitui de diversidades de registros pré-

históricos e que ainda conservam as “assinaturas” dos grupos étnicos que ali se

estabeleceram. Tentar contextualizar estes registros culturais com conceitos da

geografia cultural e geoarqueologia.

15

Capítulos: III, IV e V.

Os períodos Pré-Histórico, Pré-Colonial e Colonial deverão ser evidenciados em uma

localização especificada, ou seja, em Carmo do Rio Claro.

Tentaremos evidenciar que tal região se constitui de um complexo geográfico

heterogêneo que no passado foi habitado por grupos étnicos que datam suas

existências a partir do século VIII.

Corroborar que no período Pré-Colonial grupos indígenas ainda habitavam tal região.

Tentar evidenciar que no período Colonial grupos indígenas e quilombolas

mantiveram contato em Carmo do Rio Claro. Apresentar a existência de culturas

materiais destes grupos que são encontradas em sítios arqueológicos.

Analisar a história cultural e os aspectos geográficos de tal região para contextualizar

com a utilização de conceitos utilizados pela geoarqueologia para pesquisas em sítios

arqueológicos.

Investigar através de conceitos da geografia cultural o gênero de vida dos grupos

étnicos existentes.

E corroborar que a região de Carmo do Rio Claro se constitui em áreas e/ou paisagens

culturais. Conceitos utilizados pela geografia cultural que evidenciam a existência dos

registros e “assinaturas” do homem pré-histórico. Através desta constatação pesquisas

geoarqueológicas e arqueológicas poderão ser desenvolvidas em sítios arqueológicos

desde que atendam as exigências feitas pelo IPHAN e Lei N°3.924 de 26 de Julho de

1961.

3. JUSTIFICATIVA

Este trabalho visa justificar a necessidade do reconhecimento da história cultural dos

grupos étnicos que existiram nos períodos pré-histórico, pré-colonial e colonial. Agentes

culturais esquecidos ou sempre renegados pelas sociedades atuais. Estes foram os primeiros

habitantes de um continente, país e uma região especificada, ou seja, Carmo do Rio Claro. Os

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paleoíndigenas, de Lagoa Santa, MG e os indígenas e quilombolas de CRC1 devem ter suas

importâncias justificadas, portanto, é apresentado neste trabalho algo referente a tais.

A utilização da geografia cultural e geoarqueologia são apresentadas no decorrer dos

capítulos deste trabalho, visando justificar a relação intrínseca do homem ou de grupos

étnicos com a natureza ou com complexos geográficos, constituídos de recursos naturais

necessários as suas sobrevivências. De acordo com Eric Dardel (1900-1968) é imprescindível

tentar compreender a relação de sentimento e interpretação que o homem manteve e mantém

com a natureza, ou seja, com a Terra.

Este trabalho visa apresentar algumas entre tantas formas de registros existentes de grupos

étnicos em áreas e/ou paisagens culturais (geografia cultural), tanto evidenciados nos

substratos dos solos (geoarqueologia), nos artefatos, em pinturas rupestres encontradas em

cavernas ou paredões de rochas, em locais de habitação e sepultamentos etc.

Conceitos das áreas das Ciências Humanas como os da História, Antropologia e

Arqueologia foram também justificadores para contextualização da relação de grupos

humanos existentes no passado e seus registros materiais evidenciados sobre a Terra.

4. DISCUSSÃO TEÓRICA

A utilização da geografia cultural como embasamento teórico neste trabalho utilizar-se-á

de conceitos vinculados a história cultural, paisagens e áreas culturais e gênero de vida. A

geografia cultural nasceu inicialmente da diversidade dos gêneros de vida (VIDAL DE LA

BLACHE et al.,1911,2008:113-130) e das paisagens culturais (SAUER,1929), posteriormente

os demais surgiram por uma necessidade, todos se complementam, não há um sem o outro.

Além dessa abordagem, mas associada a ela, buscaremos uma aproximação com a

arqueologia, especialmente o conceito de sítio arqueológico.

Para a geografia cultural o termo “cultura” surge a partir do estudo dos homens, de suas

atividades e de suas obras na superfície da terra, e tenta explicá-la pela maneira como os

grupos se inserem no ambiente, o exploram e o transformam, os laços que os indivíduos

tecem entre si, seus mitos e idéias, a maneira como instituem sociedades, como organizam e

como a identificam ao território em qual vivem, etc. (CLAVAL, 1999:10). Entretanto, do

1 CRC significa Carmo do Rio Claro

17

conceito “cultura” surge os termos “cultura material” sempre vinculada à produção de

artefatos materiais, incluindo a paisagem e o ambiente construído e “cultura imaterial” como

algo relacionado a idéias, hábitos e crenças expressas na vida de grupo sociais

(MCDOWELL, 2003:160). Enfim, como se pegássemos o conceito de cultura e através deste

fizéssemos dois outros, um relacionado ao que é material e o outro ao que é intangível

imaterial. Ambos se complementam não há um sem o outro.

O gênero de vida é conceituado como a adaptação dos grupos humanos ao meio ambiente,

através das técnicas produtivas e possibilidades de inventar novas técnicas, de desenvolver

trocas com grupos diferentes que habitam em outros meios ambientes e dos hábitos do grupo.

A adaptação se traduz na adoção de um modo de vida ou gênero de vida como a caça, pesca,

agricultura, etc. Em síntese, o gênero de vida é um conjunto de técnicas e hábitos, em que

Vidal de La Blache não “aplica” o termo cultura em seus trabalhos para uma melhor definição

da relação do homem com a natureza

As paisagens referem-se ao conteúdo geográfico de determinada área ou a um complexo

geográfico de certo tipo, no qual são manifestas as escolhas feitas e as mudanças realizadas

pelos homens enquanto membros de um grupo cultural. Portanto, gêneros de vida e paisagens

culturais sugerem o dinamismo necessário à geografia cultural, ligando- se ás representações

dos lugares e aos sentimentos de identidades que lhe são vinculados (CLAVAL, 1998:19-38;

MCDOWELL, 2003: 161-181; MIKESELL et al.2003:35-52; MOURA DELPHIM et

al.2009: 167-184).

Segundo Angelucci et al. (2009:45) o sistema de povoamento tem estado sempre

estreitamente ligado às características da paisagem e aos seus componentes. Os grupos

humanos do passado escolhiam as localidades que deveriam ser ocupadas tendo em conta

parâmetros como a acessibilidade aos recursos, a vulnerabilidade geomorfológica, a presença

de elementos paisagísticos notáveis, a visibilidade do sítio ou a sua defesa. Ao mesmo tempo,

as dinâmicas naturais e antrópicas modificam a paisagem, o seu relevo e a sua configuração

geográfica, pelo que a relação entre determinado sítio (ou sistema de sítios) e o contexto

territorial pode mudar no tempo. É assim importante analisas a organização da paisagem em

redor de um sítio arqueológico, com vista a compreender as razões que levaram à escolha de

determinado local para a ocupação, quais são os recursos disponíveis e como se modificou o

ambiente desde a ocupação do sítio até o tempo atual.

18

5. METODOLOGIA

Como metodologia a pesquisa contou com os seguintes procedimentos: levantamentos

bibliográficos, documentais e visitas ao Museu Histórico e Arqueológico Antonio Adauto

Leite foram realizadas em Carmo do Rio Claro. Artigos científicos, dissertações e teses de

doutoramento foram também utilizadas para referenciais teóricos. Utilizamos de fontes

documentais como História Oral. Fotografias foram realizadas com a finalidade de apresentar

aos leitores a evidência da existência de grupos étnicos, indígenas e quilombolas em tal

região.

19

Capítulo I

DA PRÉ-HISTÓRIA A HISTÓRIA: O HOMO SAPIENS E SEUS

REGISTROS

1.1- COMO SE PODE “CONHECER” A PRÉ-HISTÓRIA?

A principal maneira de ter acesso ao passado pré-histórico é através do estudo dos

vestígios materiais relacionados à evolução do homem. Estes vestígios materiais associados

aos seres humanos são estudados pela Arqueologia, uma ciência voltada, precisamente, ao

estudo do mundo material ligado à vida em sociedade.

Todavia, sabemos que há outros meios científicos, contribuidores, para evidenciar questões

pertinentes a Pré-História, como a genética; biogeografia; biologia molecular; lingüística;

antropologia; geografia cultural; história das tecnologias, da escrita e etc., (DIAMOND,

2009:26).

Os vestígios materiais encontrados são sempre de diferentes tipos, pois, dependem em

especial do ambiente geográfico e das condições de preservação que os solos oferecem

(VILLAGRAN, 2010:40). Em geral, o que melhor se preserva são os artefatos feitos de

pedras, os líticos, ferramentas usadas para as mais variadas tarefas e que, por isso, podem nos

informar sobre a caça, a pesca, a agricultura e a tecnologia que foi utilizada para transformar

materiais brutos em bens de uso, para construir habitações, cemitérios, para remodelar os

terrenos onde estiveram assentados (FUNARI & NOELLI, 2006:20; PROUS, 2006:40).

É importante entendermos alguns termos, tais como os que surgiram no ano 1865, o

Paleolítico (Idade da Pedra Antiga) e o Neolítico (Idade da Pedra Recente) entre outros que

serão apresentados mais adiante neste trabalho. Os artefatos líticos, as cerâmicas, pinturas

rupestre, sítios de caça entre outros relacionados à Pré-História, tem as suas catalogações

evidenciadas a partir principalmente destes dois períodos.

20

Como exemplos de uma diversidade de artefatos líticos, além das pontas de projétil ou

flechas que sempre nos são apresentadas em museus ou coleções particulares, há também as

esculturas feitas em pedras, reconhecidas como pequenas representações de animais e seres

humanos que são denominadas de zoólitos ou muirakitã. Objetos que não eram apenas

funcionais, mas que possuíam um papel simbólico ou artístico e que podem nos dizer algo

sobre os valores e gostos de um grupo que viveu no passado e que os produziu (FUNARI &

NOELLI, 2006:86-87; PROUS, 2006:38-39). Ou seja, eram funcionais sim, afinal se foram

confeccionados para a finalidade ritualística e obtinham o valor simbólico há como afirmar

ser tal. Estes artefatos foram localizados na América do Sul, na Amazônia brasileira, ao norte

e noroeste dos Rios Trombetas e Nhamundá. A interpretação destes instrumentos esta ligada à

preparação de bebidas alucinógenas destinadas a permitir a viagem xamânica ao mundo dos

espíritos e sob a proteção de uma entidade animal (PROUS, 2006:119), portanto, a

configuração destes artefatos esta relacionadas à cosmografia, um modo diferente de

interpretar o mundo.

Figuras 1 e 2: Pontas de projétil/flecha de cristal. Museu Histórico e Arqueológico Antonio Adauto Leite,

Carmo do Rio Claro, MG. Fotografia gentilmente cedida por Edson Gomes, 2009. Muirakitã ou zoólito

Cultura Santarém, Museu Goeldi. Fonte figura 2 pag. 81.

Segundo FUNARI et al. (2006:16), os líticos estão entre os mais importantes vestígios

pré-históricos, tanto por acompanharem o homem por toda sua milenar existência quanto por

se preservarem bem.

Outro material que se preserva muito bem e constitui uma das principais fontes de

informação a respeito do homem pré-histórico é a cerâmica. Há apenas alguns milhares de

21

anos o homem aprendeu a coser o barro e à introdução de seu uso variou de um lugar a outro,

de modo que a fabricação da cerâmica pode ser mais antiga em um lugar do que em outro

devido à dispersão geográfica dos grupos pré-históricos e as condições tecnológicas dos

mesmos (CLAVAL, 1998:21-38; FUNARI & NOELLI, 2006:19; PINSKY, 2008:32-33).

Estes tipos de artefatos sempre são encontrados onde antes pode ter sido um ambiente de

habitação ou assentamento2 de um determinado grupo humano.

A partir do século VIII da nossa era, aldeias pré-históricas atribuídas a uma Tradição3

chamada Sapucaí em Minas Gerais e Aratu, nos estados vizinhos de Bahia e Goiás deixaram

vestígios de restos de cerâmica onde se estabeleceram no passado, e algumas intactas. Foram

encontradas as igaçabas, grandes vasilhas ovóides e não decoradas com até 1 m de diâmetro,

em perfeito estado de conservação, que poderiam ser utilizadas tanto para armazenar grãos

(milho) quanto para guardar água ou bebidas fermentadas para uso coletivo. Eram reutilizadas

para colocar os mortos sendo então completamente enterradas entre as “casas” ou no centro

das aldeias (PROUS, 2006:84-93). No município de Carmo do Rio Claro, MG, estes tipos

cerâmicos foram localizados por agricultores enquanto cultivavam o solo. Estas igaçabas4 são

retiradas do subsolo nos anos de 1970, algumas lacradas com um tipo de “tampa” e em seu

interior restos mortais e o tembetá5, acessório para ornamento e de valor simbólico (PROUS,

2006:103). Estas cerâmicas continuam a manter todas às características que as denominam de

Tradição Aratu-Sapucaí, pertencente ao grupo lingüístico Gê e outras à Tradição Tupiguarani

pertencente ao grupo lingüístico tupi-guarani, resguardadas no Museu Histórico e

Arqueológico Antonio Adauto Leite

2 Habitação e assentamentos pré-históricos são de acordo com conceitos de Mikesell et al.2003 considerados

áreas culturais . 3 Glossário 4 Ver capítulo V 5 Glossário

22

Figuras 3 e 4: Igaçaba e tembetá, acessório para ornamento. Museu Histórico e Arqueológico Antonio

Adauto Leite. Fotografias gentilmente cedidas por Edson Gomes (2009).

As pinturas e gravuras6, feitas nas paredes de cavernas ou em outras pedras, conhecidas

como rupestres, são também evidências materiais que podem nos dizer sobre o passado pré-

histórico. Algumas delas representam figuras humanas e de animais e nos mostram como se

pescava e caçava, assim como retratam rituais e festas, constituindo fonte de informações

inigualáveis. Segundo PROUS (2006:72), não eram consideradas como obras de “arte”,

durante todos os milênios e em tantos lugares, grupos nativos e algumas pessoas podem ter

deixado simples graffiti, alguns talvez com fins decorativos. No entanto, FUNARI &

NOELLI (2006:85-86) nos dizem que para o grupo nativo Tupi, os paredões de rochas com

pinturas rupestres são por estes denominados de Itacoatiaras, que quer dizer, pedras

decoradas, portanto, de certa forma são observados como obras de “arte” para os mesmos.

Jared Diamond (2009:39-40) faz referência a um grupo denominado Cro-magnon que

habitou o sudoeste europeu cerca de 40.000 anos atrás, em Lascaux na França7. Este grupo

registrou no interior de cavernas pinturas em tamanho natural de bois e cavalos até hoje

apreciados como obras de arte. E de fato como apresentado na figura abaixo, são muito bem

feitas.

Pinturas e gravuras rupestres são encontradas em todos continentes. Na América do Sul

onde se localiza o território brasileiro são evidenciadas várias destas e não muito longe, em

6 Glossário 7 Ver figura 5

23

Capitólio, MG, há alguns paredões (GOMES, 2009:24-30) com pinturas e gravuras abstratas e

figurativas. Não se sabe ainda a que Tradição ou Cultura pretérita pertence, cogitam na

hipótese de grupos caçadores- coletores (ver figura 6) terem as produzidos entre AP8 9000 e

8000 anos. São necessárias pesquisas que evidenciem qual o grupo étnico que se estabeleceu

naquele lugar e o motivo das pinturas como valor simbólico para os mesmos. São

significativas para as paisagens culturais, pois, possuem registro da existência do homem em

um espaço que fora habitado no pretérito e que obteve transformações. A localização do

complexo geográfico onde são observadas pinturas ou gravuras rupestres é reconhecida

também como paisagens e/ou áreas culturais9.

E a indagação, qual a técnica pela qual eram produzidas? As pinturas e gravuras rupestres

eram realizadas principalmente com o pigmento bruto, como o minério de ferro, carvão ou

sangue de animal.

8 AP significa aproximadamente. 9 Ver conceito no capitulo 5 neste trabalho.

24

Pinturas Rupestres de Lascaux: França, Europa.

Figura 5: Pinturas de AP.40.000 anos produzidas pelo grupo Cro-magnon. Fonte pag. 81

Pinturas Rupestres (algumas) de Capitólio, MG.

Figura 6: Pinturas rupestres em Capitólio, MG. Fotografias gentilmente cedidas por Edson Gomes.

25

Outro registro pré-histórico, e um dos mais raros, segundo FUNARI et al.(2006:19-20)

sãos artefatos feitos de ossos de animais, madeira ou outros materiais perecíveis que são de

relevante importância, pois, são fontes de referências que muito poderão nos dizer sobre

(DIAMOND, 2009:26) a biogeografia, o tipo de vegetação silvestre existente naquele

espaço\período e a evolução comportamental aplicada a animais domésticos e seus

antepassados selvagens entre outros fatores relevantes para a evidenciação da geografia

cultural com conceitos de áreas e paisagens culturais, que caracterizam o registro da

existência do homem em um espaço/território.

Figura 7: Artefatos pré-históricos de líticos, ossos, marfim, madeira e conchas. Fonte pag.81

O conjunto de todas essas informações que são registros produzidos pelo homem ao longo

dos séculos ou milênios, bem como os locais que transformavam para habitar ou se

assentarem, sepultar, e realizarem suas técnicas para produção de objetos em rochas

(ornamentos), cerâmicas (utensílios), etc., são considerados formas de “cultura” que contém

as “assinaturas” que caracterizam os grupos étnicos que as produziram (VILLAGRAN,

2010:45-46; DIAMOND, 2009:72).

Para a geografia cultural o termo “cultura” surge a partir do estudo dos homens, de suas

atividades e de suas obras na superfície da terra, e tenta explicá-la pela maneira como os

26

grupos se inserem no ambiente, o exploram e o transformam, os laços que os indivíduos

tecem entre si, seus mitos e idéias, a maneira como instituem sociedades, como organizam e

como a identificam ao território em qual vivem, etc. (CLAVAL, 1999:10). Entretanto, do

conceito “cultura” surge os termos “cultura material” sempre vinculada à produção de

artefatos materiais, incluindo a paisagem e o ambiente construído e “cultura imaterial” como

algo relacionado a idéias, hábitos e crenças expressas na vida de grupo sociais

(MCDOWELL, 2003:160). Enfim, como se pegássemos o conceito de cultura e através deste

fizéssemos dois outros, um relacionado ao que é material e o outro ao que é intangível

imaterial. Ambos se complementam não há um sem o outro.

27

1.2- PERÍODOS EM RELAÇÃO À EVOLUÇÃO DO HOMEM

Para melhor compreensão costuma-se dividir a Pré-História nos seguintes períodos em

relação à evolução do homem:

Paleolítico ou Período da Pedra Lascada: 2 milhões a 120mil anos atrás (hominídeos);

Paleolítico Médio: 130 a 35 mil anos atrás (surgimento do Homo sapiens);

Paleolítico Superior: 35 a 12 mil AP (época da colonização humana da América);

Mesolítico: 12 a 9 mil anos AP;

Neolítico ou pedra polida: 9 a 5500 anos atrás na Europa, Ásia e África; 7 a mil anos AP na

América;

Na América: Paleoíndios (antes de 8 mil a.C. 10

). (FUNARI et al. 2006:30).

Períodos Geológicos:

Situar-nos-emos a partir do Pleistoceno, entre 2.000.000 e 10.000 anos AP, após este

período surge o Holoceno que é o período atual. A divisão do Holoceno se dá em quatro

períodos que são:

Arcaico Antigo: 11000 a 7000 mil anos AP;

Arcaico Médio: 7000 a 4000 mil anos AP;

Arcaico Recente: 4000 a 2000 mil anos AP;

Períodos das Culturas Ceramistas: 2000 a 500 anos AP. (PROUS, 2006:133-138)

É imprescindível a colocação destes períodos em relação à evolução do homem para melhor

compreensão deste trabalho. Pois, apresentaremos temas pertinentes a este assunto ao longo

do trabalho. O leitor necessitará de tais para se estabelecer no tempo em relação à cronologia

antropológica e geológica. (PRESS et al. 2006:26-74:GUERRA et al.2006:227-229)

10A sigla a. C, significa antes de Cristo.

28

Capítulo II

OS PRIMEIROS HABITANTES DO CONTINENTE AMERICANO

2.1-O HOMO SAPIENS E AS AMÉRICAS: O ESTREITO DE BERING

Pedro Paulo Funari e Francisco Silva Noelli (2006:29) abordam um assunto para

interpretação da colonização do continente americano. Trata se de uma pesquisa realizada por

cientistas que analisaram o DNA mitocondrial, material genético em uma célula que passa

sem modificações de mãe para filho, de indivíduos de diversos continentes e concluíram que

todos são, em última instância, originários da África. Ou seja, todos os indivíduos habitantes

de todos os continentes teriam sua origem genética como africana. Diamond (2009:40) nos

diz que esta pesquisa pode ser colocada em dúvida, pois, pesquisas recentes feitas por

antropólogos, observaram que crânios de humanos que viveram na China e na Indonésia a

centenas de milhares de anos atrás exibem aspectos, ainda encontrados nos chineses modernos

e aborígenes australianos, respectivamente.

Entretanto, hoje a maioria dos estudiosos considera que o Homo sapiens, surgiu

unicamente na África e não seria muito anterior há 130 mil anos AP. Mas somente nos

período entre 60 e 40 mil anos AP é que teria surgido à grande maioria das manifestações e

habilidades humanas como a arte, adereços do corpo, enterramentos de mortos, as viagens

marítimas e, provavelmente a língua falada. A emigração do Homo sapiens para América teria

ocorrido entre 80 e 25 mil anos AP, com uma data média e provável de 52 mil anos AP

(FUNARI & NOELLI, 2006:29: NEVES & PILÓ, 2008:23-60).

Mas como e quando nossa espécie chegou à América? Estabeleceu-se uma visão

predominante de que o homem chegou à América, por meio da transposição do Estreito de

Bering, não nasceu nas Américas como ressaltamos e provavelmente penetrou neste

29

continente durante o período geológico anterior ao nosso: o Pleistoceno11

(entre 2.000.000 e

10.000 anos AP, ao qual sucede o período atual, o Holoceno12

).

Figura 8: Prováveis rotas dos seres humanos para o Continente Americano. Pontos 1 Estreito de Bering e

2 Oceano Pacifico.Fonte pag. 81

Os fatos nos proporcionaram que há algo mais, que os sítios arqueológicos distribuídos

por todo o continente americano e categoricamente os da América do Sul nos dizem algo além

do esperado a respeito da colonização e estabelecimento do Homo sapiens. Pesquisas

realizadas na América do Sul nos evidenciam componentes importantes para a reconstituição

da Pré-História e História do continente americano, como as de Lagoa Santa, MG, Brasil

(NEVES & PILÓ, 2008:23-319). André Prous (2006:25) nos diz ser necessário considerar o

fenômeno de povoamento do Brasil no panorama geral da colonização das Américas, o que

nos levará a “apontar “alguns argumentos que afirmam esta consideração.

11 Glossário 12 Glossário

30

2.2-O HOMEM NAS AMÉRICAS DO NORTE E SUL

Pesquisas realizadas em sítios arqueológicos em meados dos séculos XX evidenciaram a

presença de grupos humanos na América do Norte, estes foram denominados de Clóvis e os

posteriores Folsom em referência ao nome dos sítios onde estavam localizados. O período

estabelecido para existência destes grupos foi cerca de 11.500 anos atrás, durante um período

mais frio que o de hoje, em que as temperaturas podiam variar entre 6º e 10º abaixo dos dias

atuais (PROUS, 2006:20; NEVES & PILÓ, 2008:47-96).

Os primeiros sítios encontrados destes grupos eram de matança de grandes animais, como

mamutes e bisontes de uma espécie extinta. Fabricava-se neste período artefatos com as

ossadas destes animais e apareciam alguns de rocha ou minerais (extraídas de blocos de sílex

ou obsidiana), tais como as pontas de dardos13

. Estes grupos eram considerados, portanto,

grandes caçadores coletores, especializados na matança de animais de grande porte (PINSKY,

2008:28-29; PROUS, 2006:19-23)

Figura 9: Localização dos sítios pré-históricos: Clóvis e Folsom. Fonte pag.81

Os Folsom dispunham de um propulsor, vareta com gancho que permitia lançar facilmente

dardos com forte poder de penetração a cerca de uns 30m. Enquanto os caçadores Clóvis

13 Glossário

31

perseguiam os animais maiores com lanças manuais e varas que os obrigavam a chegar perto

das presas, os Folsom atacavam suas presas a partir de certa distancia, sem correr riscos.

Prous (2006:21) nos diz que nenhum destes grupos conhecia o arco, um objeto de caça que

surgiu períodos posteriores. Mesmo que estes grupos tenham coexistido em períodos

próximos e áreas próximas como é observado na figura acima, através da localização dos

sítios arqueológicos é constatado que técnicas e hábitos se diferenciavam.

A maioria dos arqueólogos e principalmente os norte-americanos, acreditava que esses

paleoíndios haviam sido os primeiros habitantes do continente americano e que teriam

penetrado pela Beríngia, uma faixa entre Sibéria oriental e o Alasca que ficou emersa durante

o Pleistoceno (PROUS, 2006:22)

No entanto, pesquisas realizadas nos últimos decênios revelaram uma presença

inquestionável de grupos humanos entre 11.500 e 13.000 anos atrás na América do Sul, no

Chile meridional, em Monte Verde (com datações de carvão, madeiras e ossos de

mastodonte), no Brasil Central, Lapa do Boquete, Minas Gerais, Lagoa Santa, Santa Elina, no

Mato Grosso, no Nordeste e na Amazônia em Monte Alegre (PROUS, 2006:21; FUNARI &

NOELLI, 2006:33-35).

Figura 10: Mapa Temático de Sítios Arqueológicos pesquisados no Brasil. Arquivo do Museu de História

Natural/UFMG.

32

A partir destas pesquisas e outras realizadas recentemente em Cactus Hill (EUA),

pesquisadores constataram datações entre 12.000 e 25.000 anos AP, e a partir destas novas

descobertas estabeleceram-se um consenso geral de que, o homem já existia na América há

milênios, portanto, anterior à Cultura Clóvis e Folsom (PROUS, 2006:22). Após evidências

apresentadas em pesquisas realizadas na América do Norte é que as da América do Sul

passaram a ter credibilidade. Entretanto, como diz Diamond (2009:37) sempre deve haver

algum verdadeiro “mais antigo X” com todos os demais falsos. Para qualquer “X” surge a

cada ano uma nova descoberta e um cientista que assegura ter encontrado um “X” mais

antigo.

Enfim, o que sabemos talvez não seja o suficiente. Não nos compete mensurar a dimensão

do espaço-tempo, em relação à evolução do homem no Planeta, há lacunas e isso é fato.

2.3 – A PRÉ-HISTÓRIA E HISTÓRIA DO BRASIL

Quando se pesquisam os habitantes do Brasil antes da chegada dos europeus, é preciso

inicialmente lembrar que o país é uma criação política recente (PROUS et al. 2006:7) . O

Brasil é um país instituído a partir do ano de 1822, com menos de 200 anos, é um Estado

Nacional, um tipo de organização social, política e econômica “recente”, em fins do século

XVIII.

No continente americano, a definição de Pré-Histórica tem como referência tradicional o

período anterior à chegada dos europeus ao continente, em fins do século XVI (ano de 1492)

anterior à chegada de Colombo (TODOROV, 2003:3-86: DIAMOND: 66-214) na região do

Caribe e México, denominada também de Meso-América. No Brasil, os vestígios de ação

humana sobre os espaços datados entre mais de 11.000 e 500 anos atrás são denominadas de

“culturas Pré-Cabralinas”, portanto, anteriores a chegada de Cabral no litoral no ano de 1500.

Enfim, os europeus titularam sua presença na América de “História” e reservaram para todo

período que veio antes de “Pré-História”, ainda que se saiba que se usava a escrita na

América, já antes da vinda dos colonizadores. Os Maias, civilização que se desenvolveu no

México e na América Central (TODOROV, 2003:3-1790, possuíam uma escrita bem

33

elaborada. Os Incas usavam cordas para registrar eventos, os chamados quipos. E no Brasil,

outros sistemas de registros comparáveis à escrita como os dos grupos Nambiquaras e Tupis,

na forma de pinturas corporais, adereços e decorações de objetos (FUNARI & NOELLI,

2006:13).

Figura 11: Índios Puris em Sua Cabana. De Johann. M. Rugendas. Fonte pag.81

A Pré-História do Brasil compreende a existência de uma crescente variedade lingüística,

cultural e étnica que acompanhou o crescimento demográfico das primeiras levas constituídas

por centenas ou milhares de pessoas que chegaram ao território brasileiro, até alcançar muitos

milhões de habitantes na época da chegada da frota de Cabral. Ou seja, já existia uma

população considerável de habitantes constituída de diversidades étnicas. É necessário

compreender que, para que isso ocorresse, não houve apenas um processo histórico, mas

numerosos, distintos entre si, com múltiplas continuidades e descontinuidades, tantas quantas

as etnias que se foram constituindo aos longos dos últimos 30, 40, 50, 60 ou 70 mil anos de

ocupação humana das Américas (FUNARI & NOELLI, 2006:15; HOLANDA, 2007:259-

286).

34

2.4- OS MAIS ANTIGOS HABITANTES E SEUS VESTÍGIOS NO

BRASIL

Em um período da colonização do Brasil14

estiveram por aqui muitos viajantes europeus,

como os naturalistas Humboldt, Spix, Von Martius, Darwin e Lund. Estes realizaram

pesquisas diversas no continente americano, inúmeras no Brasil a serviço da Coroa

Portuguesa. Destinadas ao registro e exposição, de suas diversidades étnicas, ao caráter

exótico que lhes era dedicado a flora e fauna e outros atributos. Todos realizaram pesquisas

consideráveis em todo o espaço geográfico brasileiro, no entanto, nos ateremos às realizadas

por Lund neste trabalho.

Peter Willhem Lund

No ano de 1840, o naturalista dinamarquês Peter Willhem Lund e o norueguês Peter

Andréas Brandt, seu primeiro secretário e desenhista, realizavam pesquisas paleontológicas na

antiga província de Minas Gerais, quando descobriram grutas da região de Lagoa Santa com

fósseis e vestígios arqueológicos15

(NEVES & PILÓ, 2008:97-136). Neste sentido as palavras

de Lund após sua descoberta (FUNARI & NOELLI: 2006 34):

Achei esses restos humanos em uma caverna que continha, misturados com eles,

ossos de diversos animais de espécies decididamente extintas, circunstancia que

devia chamar toda atenção para estas interessantes relíquias. Ademais, apresentavam

eles todos os caracteres físicos dos ossos realmente fósseis. Eram, em parte,

petrificados e, também, penetrados de partículas férreas o que dava a eles um lustro

metálico, imitante ao bronze, assim como um peso extraordinário. Sobre a remota

idade deles não podia, pois, haver dúvida alguma.

14

Séculos XVII e XVIII.

15 Vestígios de ossos humanos associados a animais extintos.

35

Figura 12: Peter Wilhelm Lund, aos 65 anos quando esteve em Lagoa Santa, MG (ano de 1825).

Retratado por Eugenio Warming. Original depositado no Museu de Copenhague. Fonte pag.81

Lund foi o primeiro a descrever para os públicos europeus instrumentos de rochas polidas

encontradas por camponeses e afirmou que, os amontoamentos de conchas encontrados no

litoral brasileiro, os sambaquis16

, eram obras dos primeiros habitantes do lugar, ou seja,

anterior aos habitantes recentes daquele período (PROUS, 2006:9). Além dos trabalhos

paleontológicos, Lund e Brandt documentaram e divulgaram as manifestações rupestres na

Lapa da Cerca Grande em Minas Gerais (NEVES & PILÓ, 2008:97-136).

O número de cavernas, abrigos, grutas e carste17

são consideráveis em todo o estado

mineiro, desde a Pré-História, esses ambientes vêm sendo sistematicamente ocupados pelos

humanos em épocas distintas e para diversos fins, serviam como acampamento, moradia,

palco de rituais, cemitérios e, suporte para arte rupestre (NEVES & PILÓ, 2008:183-185;

GOMES, 2009:15-20), legitimas áreas culturais.

16 Glossário 17Geograficamente o sul de Minas Gerais está entre três tipos de planaltos de origens geológicas e geomorfológicas distintas: As Serras Cristalinas do Planalto Atlântico; As Chapadas Sedimentares; o Planalto

Central e as Depressões Periféricas do Complexo Arenítico-Basáltico. Devido a esta caracterização geológica e

geomorfológica as paisagens ou relevos conhecidos como carste são verificados com facilidade. Este tipo de

paisagem peculiar esta associada a rochas carbonáticas (calcários e dolomitas), podendo se referir também a

paisagens similares em outras rochas solúveis. O processo de formação desse relevo é a dissolução da rocha

através de tempo geológico (NEVES & PILÓ, 2008:182).

36

Figura 13: Guache de Peter A. Brandt retratando pinturas rupestres em Minas Gerais. Original

depositado no Museu de Copenhague. Fonte pag. 81

Com a contribuição dos trabalhos realizados por Lund pode-se constatar que é considerável

como em Minas Gerais são encontradas pinturas e gravuras rupestres, formas de registros pré-

históricos, localizados em diversidades de complexos geográficos, como os citados.

2.5- MINAS GERAIS: LAGOA SANTA E SERRA DO CIPÓ

Localizadas ao norte da cidade de Belo Horizonte, a região de calcário de Lagoa Santa e a

encosta da Serra do Cipó forneceram a maior coleção de esqueletos disponíveis para o estudo

biológico dos primeiros grupos americanos do Brasil (PROUS, 2006:25; NEVES & PILÓ,

2008:97-252).

37

Figura 14: Sítios arqueológicos catalogados em Minas Gerais. Instituto do Patrimônio Histórico Artístico

Nacional. Fonte pag.81

Os abrigos e salões das grutas foram utilizados como cemitérios, possivelmente entre

12.000 e 8.000 anos atrás. O número de esqueletos (corpos) foi entorno de 80, todos se

encontravam em posição fletida, em pequenas covas e eventualmente enrolados em uma rede.

O solo onde estavam depositados os corpos apresentava através das pesquisas realizadas no

local, pigmentos vermelhos (PROUS, 2006:26). Os blocos de pedras que cobriam as fossas

serviram como proteção contra ataques de animais. Fica óbvio o cuidado com os corpos e a

realização de algum tipo de ritual para sepultamento, fatores que confirmam que se tratava de

grupos já socialmente organizados. O que nos leva a crer que através destas evidencias, ou

melhor, destas áreas ocupadas, seja possível utilizarmos de conceitos geográficos culturais e

geoarqueológicos18

para o estudo de ambientes onde são localizados os sítios (MIKESELL et

al.2003: ANGELUCCI, 2009; VILLAGRAN, 2010).

18 Ver capitulo III técnicas utilizadas por geoarqueólogos para estudos de sítios arqueológicos.

38

Futuramente as datações dos vestígios dos grupos de Lagoa Santa, MG, feitas pelo

método científico do Carbono 1419

, seriam evidenciadas entre 12.000 e 8.000 anos atrás o que

para o arqueólogo André Prous (2006:26-27), os vestígios desta época tornaram-se

inquestionáveis

No ano de 1975, neste mesmo local, estava os ossos de Luzia que haviam sidos

descobertos por uma equipe franco-brasileira, coordenada pela arqueóloga francesa Annette

Laming-Emperaire juntamente com o Pronapa, Projeto Nacional de Pesquisa Arqueológica,

(PROUS, 2006:11; NEVES & PILÓ, 2008:133-136). Hoje os restos ósseos e a “face de

Luzia” se encontram no acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Considerado o crânio

humano mais antigo já encontrado nas Américas, com cerca de 11.680 anos AP, Luzia,

proveniente de Lagoa Santa, MG, teve sua face reconstruída por pesquisadores da

Universidade de Manchester, Inglaterra no ano de 1999 (FUNARI & NOELLI, 2006:34).

Figuras 15 e 16: Crânio do homem de Lagoa Santa, MG e reconstituição da fisionomia de Luzia efetuada

por Richard Neave. Peças depositadas no Museu Nacional, Rio de Janeiro. Fonte pag.81

A partir do estudo do crânio de Luzia e de outros da mesma época ficou evidenciado que

não se tratava de características morfológicas de grupos norte - asiáticos mongolóides como

os que conhecemos, ou seja, que os primeiros grupos nativos das Américas deveriam ser

19 Glossário

39

semelhantes aos povos mongolóides, como os atuais japoneses ou chineses (FUNARI &

NOELLI, 2006; 35). Mas a reconstituição da face do crânio de Luzia colocou estas

considerações em “xeque”. Estudos realizados por Walter Neves (NEVES & PILÓ, 2008:137-

306) constataram que estes chamados paleoíndios (12 a 5 mil anos AP) mostraram uma

surpreendente diferença em relação aos grupos posteriores mongolóides20

e uma

surpreendente semelhança com grupos atuais da África e Oceania (FUNARI et al. 2006:35).

O estudo morfológico desse e de outros ossos humanos contemporâneos levou os

pesquisadores da atualidade a propor novas teorias da ocupação humana no continente

Americano, como antes fora enfatizado.

Segue a definição de Neves para tal constatação e melhor compreensão dos estudos

realizados nos grupos de Lagoa Santa, MG, em um contexto geral (FUNARI & NOELLI,

2006:35-36; NEVES & PILÓ 2011:23-319):

Os resultados de nossas análises mostraram uma grande diferenciação entre

populações pré-históricas sul-americanas de antiguidade paleoíndia e aquelas mais recentes, sejam de período histórico ou dos períodos Arcaico (1500- 5000 antes do

presente) e Horticultor (1000 antes do presente). A morfologia craniana dos

paleoíndios sul- americanos demonstra maior afinidade com a de grupos australianos

e africanos, enquanto populações pré-históricas posteriores e também os grupos

etnográficos da Terra do Fogo associam-se aos asiáticos orientais. Nossos resultados

revelam uma diversidade considerável da morfologia craniana em tempos pré-

históricos. As populações recentes do leste da Ásia, largamente tidas como

mongolóides, são caracterizadas como portadores de um padrão morfológico de

faces amplas e altas, crânios mais largos do que longos e de bases amplas, órbitas e

cavidades nasais mais altas do que largas. As séries sul-americanas pós-Arcaico

aliam-se com essas populações, o que parece indicar que ambos compartilham a mesma morfologia craniana. Já os grupos paleoíndios, ao se alinharem com

populações caracterizadas por crânios estreitos e longos, faces estreitas e curtas ,

assim como órbitas e cavidades nasais mais curtas, representariam um padrão

morfológico distinto, que aqui denominaremos de não- mongolóides. Em suma, uma

comparação de maior abrangência temporal leva ao resultado recorrente de que não

teria ocorrido na América à substituição de uma morfologia não-mongolóide por

uma tipicamente mongolóide.

Enfim, de acordo com todas as pesquisas realizadas, primeiro ocorreram à entrada dos

grupos não-mongolóides, em data exatamente não específica, seguida das migrações

mongolóides21

recentes, como as que habitaram em CRC22

e que serão apresentadas neste

trabalho. Provavelmente muitas outras pesquisas surgirão, tantos outros sítios arqueológicos

20 Tipo de fisionomia que conhecemos e que a História nos apresenta/retrata desde os períodos da chegada de

Colombo e Cabral no Continente Americano. Ver Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso: os motivos

edênicos no descobrimento e colonização do Brasil, 2007.

21 Ver figura 24, características mongolóides. Litogravura de Johann. M. Rugendas. 22 CRC: Referência a cidade de Carmo do Rio Claro, MG.

40

serão encontrados, quer de habitação, cemitérios, grutas com pinturas rupestres, sítios com

vestígios de caça e confecção de objetos líticos etc.

Não somente os fatores morfológicos ou etnológicos poderão ser evidenciados, mas,

contudo conceitos utilizados pela geografia cultural, como gênero de vida. Se os grupos pré-

históricos foram caçadores - coletores, horticultores, ceramistas, etc., como se estabeleciam e

transformavam o espaço em que habitaram. Enfim, um conjunto rico de fatores que

evidenciam ou poderão ser evidenciados pela geografia cultural e outras áreas das ciências.

Por meio desta síntese fica nítida a interdisciplinaridade que é exigida para se pesquisar

grupos humanos não mais existentes, como os de Lagoa Santa, MG.

Neste trabalho pretende-se apresentar os registros de cultura material ou artefatuais

encontrados em sítios arqueológicos pesquisados em Carmo do Rio Claro, MG, e que

identificam os grupos nativos, os índios, gentios, bugres ou pagãos, (VAINFAS et al.

2000:37) em contato com os quilombolas como os “outros” lhes denominavam. Estes foram

os primeiros habitantes com seus registros e “assinaturas” ainda conservados dos períodos da

Pré-História e do Colonial (PROUS, 2006:86-108; DIAS JR. 1979-80: 214-215).

Considerações para os primeiros capítulos.

Não abordamos todos os temas suficientes relacionados à Pré-História no Continente

Americano. A intenção realmente foi de apresentarmos de forma sucinta e didática como o

homem se estabeleceu e qual o caminho que teria feito para adentrar e se estabelecer naquele

continente e posteriormente se dispersar pelas Américas. Notamos que os registros materiais

foram e são imprescindíveis para compreensão do passado (HOBSBAWN, 1998:22-37),

sempre relacionados aos contextos históricos, arqueológicos, geográficos, biológicos,

antropológicos e tantos outros.

Acreditamos que há um quebra-cabeça a ser montado, que fatos e lugares podem responder

algumas perguntas, como se tudo estivesse realmente conectado, como se nenhum entre todos

os continentes pudessem se excluir, as relações entre ambos se conectam quando o assunto é a

existência e evolução do homem no planeta.

41

Especificamente no Brasil são inúmeros os estudiosos que pesquisam ou pesquisaram vários

sítios arqueológicos em todo espaço territorial e, que sempre nos apresentam algo novo ou

algo que se complementa com pesquisas realizadas em outros países do continente americano.

Interessante como é necessária uma equipe multidisciplinar23

de pesquisadores de tantas áreas

das ciências para evidenciar como o Homem se estabeleceu na América e qual seria realmente

sua origem genética, africana ou asiática? Acreditávamos que os primeiros habitantes ou os

primeiros grupos existentes na América (como referência cronológica a descoberta da

América por Colombo), de que os primeiros grupos eram de características morfológicas

mongóis (asiáticas), o que, por enquanto, pesquisadores têm provado o contrário.

Neste capítulo apresentamos temas a respeito da Pré-História no continente americano,

pois, acreditamos que antes de produzirmos algo referente à Pré-História no Brasil e em

Minas Gerais, é necessário apresentarmos algumas pesquisas importantes realizadas em tal

continente, ou seja, do geral para o especifico, pois, ambos se complementam.

A veracidade da existência de grupos indígenas caçador-coletores que habitaram no

passado Carmo do Rio Claro, MG e que mantiveram contato com afro-descendentes se deu

devido a pesquisas realizadas por arqueólogos como Ondemar Dias Junior e André Prous. São

áreas culturais que se constituem de sítios arqueológicos com artefatos líticos, cerâmicos e as

pinturas rupestres que corroboram a colonização da região a partir dos períodos pré-

colombianos e cabralinos.

Acreditamos ser necessário georreferenciar os sítios arqueológicos a partir do mapeamento

de uma determinada área, como antes nos foi apresentados para os sítios arqueológicos Clóvis

e Folsom existentes na América do Norte.

23 Ver Neves e Piló (2008) autores do livro, O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos.

42

Capítulo III

EVIDÊNCIAS DE REGISTROS PRÉ-HISTÓRICOS E COLONIAIS EM

CARMO DO RIO CLARO, MG

3.1- A REGIÃO

O município de Carmo do Rio Claro está localizado na Mesorregião do Sudoeste do estado

de Minas Gerais e na Micro-região de Furnas. Limita-se com os municípios de Guapé,

Ilicínea, Alpinópolis, Alfenas, Alterosa, Conceição da Aparecida, Nova Resende, Boa

Esperança e Campo do Meio.

O clima do município é classificado como subtropical mesotérmico, com invernos secos e

verões úmidos (IBGE, 2010). A altitude no município é de 831 metros em relação ao nível do

mar. Possui várias montanhas, mas seus pontos culminantes em relação ao relevo são a Serra

do Tabuleiro, com 1304 metros, e a Serra da Tormenta, com 1290 metros de altitude. As

coordenadas geográficas são Latitude Sul: 20°58’23 e Longitude Oeste 26°06’55 (GOMES,

2009:3). Há resquícios da Mata Atlântica e do Cerrado, diversidade de fauna e flora ainda

preservadas.

3.1.1- Geologia

As características geológicas estão relacionadas ao Complexo Varginha-Guaxupé. A região

se insere em uma área de Unidade Metassedimentar, onde ocorre em intercalada associação

com as rochas metavulcânicas, apresentando-se com dimensões variadas. Estas unidades

apresentam variada associação mineralógica, constituindo litotipos diversos. Em termos

mineralógicos, os metassedimentos apresentam como minerais essenciais proporções variadas

de biotita, plagioclásio, almandina, clorita, sillimanita, estaurolita, antpfilita, quartzo,

actinolita e clinozoisita e, acessoriamente, serícita, epídoto, apatita, espinélio e titanita

43

(CARVALHO et al. 1993:38-43). Em suma, uma rica diversidade mineralógica, observada

também na coleção de artefatos líticos no Museu Histórico e Arqueológico Antonio Adauto

Leite.

A região pertence à Província Cárstica do Alto São Francisco, outra característica geológica

e geomorfológica ímpar, devido a sua constituição ao longo da formação da crosta terrestre.

3.1.2- Solo

O tipo de solo caracterizado em Carmo do Rio Claro é o Latossolo, que em geral, são solos

muito intemperizados, profundos e de boa drenagem. Caracterizam-se por grande

homogeneidade de características ao longo do perfil. Distribuem-se por amplas superfícies no

Território Nacional, ocorrendo em praticamente todas as regiões (IBGE, 2007:30-76). Há

diferenciação entre si principalmente pela coloração e teores de óxidos de ferro, que

determinam a sua separação em quatro classes distintas ao nível de subordem no Sistema

Brasileiro de Classificação de Solos (2007).

È importante compreender que a descrição do solo no campo compreende o registro das

suas características, através do estudo e do exame do seu perfil em seu meio natural (ver

conceito em Cap.III).

3.1.3- Hidrografia

A região de Carmo do Rio Claro é situada nas bacias do Rio Grande, um dos principais

formadores do Rio Paraná, da Barragem de Peixotos, o Rio Canoas e de pequenos afluentes

que descem do Chapadão da Zagaia até as bacias dos Rios Sapucaí e Verde.

3.1.4- Área

Possui uma área de 1.086 km², sendo 212 km² de terras inundadas, em função da construção

da Usina Hidrelétrica de Furnas. O projeto da Usina Hidrelétrica de Furnas é do ano 1957,

idealizado no Estado do Rio de Janeiro pelo Presidente Juscelino Kubitschek. Parte da história

que remonta ao passado daquela região submergiu quando as águas do Lago de Furnas

ocuparam todos seus domínios, que modificou a paisagem e principalmente a vida dos

habitantes daquele lugar (VIEIRA, 2002: 311-326). Seria a maior Usina do Brasil e evitaria o

44

colapso energético da Região Centro - sul do país (VIEIRA, 2002:11-14). Foram necessários

quatro anos até a conclusão da barragem, construída na montante do Rio Grande próxima a

cidade de Capitólio, MG (VIEIRA, 2002:11). Quatro anos que modificou todo o aspecto

morfológico de uma região.

Figura 17: Região de Carmo do Rio Claro em relação a Belo Horizonte, MG, 389 km. Fonte: Somar

Meteorologia.

45

3.2- HISTORIOGRAFIA

A História Cultural de Carmo do Rio Claro no Sudoeste de Minas Gerais guarda em sua

memória a história dos grupos indígenas – dos povos pré-históricos que ali habitaram – das

trilhas bandeirantes, em busca de ouro, dos capitães –do –mato a procura dos Quilombos e das

fazendas seculares (GRILO, 1996:15-40).

Figura 18: Família Guarani Capturada por Caçadores de Índios. De Jean B. Debret. Fonte pag.81

As fontes e referências históricas de Carmo do Rio Claro, se reduzem a praticamente duas:

o Breve Histórico publicado na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros do ano de 1958 e o

que foi publicado em 1977 em comemoração ao centenário da cidade, que é uma compilação

do primeiro. O que limita o conhecimento historiográfico da região. Observamos

contradições, provavelmente devido à necessidade de fontes documentais.

Resumidamente o que consta em tal documento histórico é que Carmo do Rio Claro foi

Freguesia durante os anos de 1780, tornou-se Vila no ano de 1875 e foi emancipada como

Cidade no ano de 1877. Descreve também, algo sobre a entrada das Bandeiras, relacionadas

aos bandeirantes, Lourenço Castanho, José Barbosa de Arruda e Domingues de Avelar, a um

grupo indígena denominado Catáguases que neste período habitava a região. Precisamente no

46

período da História Colonial, fins dos séculos XVII e início do XVIII em que há relatos dos

confrontos entre bandeirantes, posseiros e indígenas e que por conta do contato com estes o

desfecho foi à dizimação (GRILO, 1996:18-109). As armas e as doenças transmissíveis foram

um dos principais motivos - além dos confrontos existentes entre bancos e indígenas - para o

desaparecimento de uma maioria de grupos ou sociedades ameríndias (DIAMOND, 2009:36-

214).

A respeito da entrada das Bandeiras é bem provável que o Lourenço Castanho citado em tal

documento histórico - como sugere Antônio Grilo (1996) – não tenha sido realmente o

desbravador da região em que hoje se situa à cidade de Carmo do Rio Claro. Estes sertanistas

estiveram sitiados em áreas para além do Rio Grande e muito dificilmente para cá dele e, o

vinculo destes eram com o Governador das Minas (ROMEIRO, 2003:45-194) área que

pertencia à província de São Paulo. Portanto, estas Bandeiras teriam cruzado tal região em

épocas mais remotas o que provavelmente contradiz tal documento histórico (GRILO,

1996:19-25). Ou seja, outra Bandeira teria entrado nesta região e se estabelecido e não se sabe

ao certo qual seria24

.

24 Segundo nos evidencia o mapa abaixo seria a Bandeira de Bartolomeu Dias de Siqueira a que teria adentrado a

região sudoeste de Minas gerais, situada próxima ao Rio Grande.

47

Rota das Bandeiras séculos XVII e XVIII.

Figura 19: De acordo com o mapa a cor Rosa seria a rota realizada por Lourenço C. Taques. A cor Azul

indica a rota feita por Bartolomeu Dias de Siqueira, que esta próxima a seta que indica o Rio Grande. Ou

seja, a Bandeira que teria entrado em CRC, seria a de Siqueira e não de Taques. Fonte pag.81

3.2.1-Os grupos indígenas

Possivelmente o episódio da destruição dos aldeamentos indígenas de Carmo do Rio Claro

ocorreu mais tardiamente. Os primeiros aldeamentos de Minas Gerais teriam sido devastados

pelas Bandeiras Paulistas (ROMEIRO, 2003:173) que teriam penetrado cada vez mais rumo

aos “sertões” do Mato Grosso e Goiás e não especificamente onde se situa Carmo do Rio

Claro, que se localiza a sudoeste.

Relatos orais nos dizem que pequenos grupos indígenas que ainda permaneciam naquela

região mantiveram contatos com os quilombolas. Ambos foram perseguidos por outras

milícias de capitães-do-mato (LIMA, 2008:126-130), ao fim da primeira metade do século

XVIII (GRILO, 1996:18-30).

48

Figura 20: Guerrilha Entre Indígenas, Escravos e Milícias. De Johann. M. Rugendas (1820). Fonte pag.81

A fonte histórica utilizada como referência para este trabalho – A Enciclopédia dos

Municípios Brasileiros - faz referência ao grupo indígena Catáguases designados também

como Cataguás ou Catáuas. Eram considerados índios bravos, “belicosos senhores do sertão”,

assim faz referência o historiador Diogo de Vasconcelos autor de Histórias Antigas das Minas

Gerais (ROMEIRO, 2003:173). Tal autor os identifica como um grupo indígena que povoava

as regiões entre Goiás, Minas Gerais e extensas áreas do Campo das Vertentes até o Rio das

Mortes. Há divergências de opiniões em relação a que grupos indígenas seriam o que nos leva

a crer que provavelmente seriam os Kayapó (GRILO, 1996:21), pois estes povoavam o vale

do Rio Grande ao longo de sua maior extensão. Eram considerados notáveis, aliás, pela

tenacidade com que resistiram às investidas dos capitães-do-mato ou mestres - de -campo

(ROMEIRO, 2003:173).

Estes grupos indígenas nos deixaram seus registros em áreas culturais constituídas de

inúmeros sítios arqueológicos como os cemitérios, habitações, assentamentos e grutas com

pinturas rupestres (VIEIRA, 2002:311-326; RIBEIRO, 2006:5-25). Os registros

arqueológicos, conceitos utilizados pela geografia cultural e o relato oral são as principais

fontes que nos apresentam estas evidências.

49

3.2.2-Os quilombos

Os quilombos foram formados por fugitivos dos cativeiros das Minas em fins dos séculos

XVII e inicio do XVIII (RESENDE, 2007:5-21).

O termo quilombo foi utilizado ao longo do século XVIII para fenômenos sociais que

variavam do ato de fuga de alguns escravos a grupos em constante movimento, assim como

comunidades sedentarizadas em locais distantes dos centros de mineração (LIMA, 2008:24).

Os “quilombos formados”, aldeias de “negros” estáveis e auto-suficientes, deveriam ser

distantes de povoações coloniais, com a presença de quatro ou mais indivíduos. Ser quilombo

formado significava ser capaz de produzir, processar e armazenar a própria alimentação. Isso

significava uma capacidade de organização do trabalho e um domínio de tecnologias agrícolas

por parte dos quilombolas (LIMA, 2008:126). A capacidade de produção de utensílios e

acessórios é verificada na coleção do Museu Histórico e Arqueológico Antonio Adauto Leite.

Figura 21: Os Castigos Domésticos. De Johann. M. Rugendas. Fonte pag.81

Castigos domésticos. Rugendas, BMSP Aplicação do castigo da

Um fato interessante é que a origem da cidade de CRC não se prende propriamente aos

povos indígenas que ali habitavam e que foram dizimados25

e nem às Bandeiras, mas sim, aos

25 Não teriam ocorrido guerrilhas entre indígenas e milícias especificamente em tal região, mas, em outra.

50

episódios concretos de formação dos quilombos da região e esta sim, às arremetidas das

milícias particulares em sua captura e destruição.

Provavelmente foram os movimentos dos quilombolas e dos brancos pobres que deram

origem à região de Carmo do Rio Claro (GRILO, 1996:52), a partir do século XVIII, contudo

ainda se faz referência ao contato destes com pequenos grupos indígenas ainda existentes em

tal região. O quilombo mais próximo era denominado de Quilombo do Cascalho (GRILO,

1996:20-55) que era um dos núcleos do Quilombo da região do Campo Grande (LIMA,

2008:36-170) que se distribuía por Minas Gerais. Os vestígios podem ser identificados, uma

vez que se encontram nas imediações da cidade, bem como a Igreja de Nossa Senhora do

Rosário que foi construída onde existiu o Quilombo do Cascalho (COSTA, 2002:36).

Em síntese, estas são algumas evidencias a respeito de grupos étnicos que habitaram em

períodos pré-históricos e coloniais Carmo do Rio Claro. A constatação da necessidade de se

estudar as relações entre quilombolas e indígenas é algo que deverá ser mais bem pesquisado

e conceituado.

3.3- OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS: AS PRIMEIRAS EVIDÊNCIAS DE

CULTURAS MATERIAIS

Vieira (2002:312-326) nos relata uma discussão entre o engenheiro Faveret de Furnas

Central Elétrica e o funcionário responsável pela desapropriação de terras Pereira de Castro a

respeito da gruta de Itapecerica, que em Tupi significa pedra lisa e escorregadia e, os artefatos

líticos e cerâmicos de grupos indígenas, encontrados por agricultores enquanto preparavam a

terra para cultivo. O motivo da discussão seria o pedido de um levantamento topográfico,

etnográfico e biológico (Lei N° 3.924,1961: Art.2°, 3° e 5°) dos sítios arqueológicos e da

gruta existente, com o interior todo revestido de várias inscrições rupestres em perfeita

conservação, ambos existentes na região de Carmo do Rio Claro. No entanto, a discussão não

teve efeito algum, Faveret não cogitou na hipótese de ser possível contatar responsáveis para

os levantamentos dos sítios. De acordo com a Lei N° 3.924 de 1961 a omissão cometida pelos

responsáveis pela criação da hidrelétrica se constituiria em crime contra o Patrimônio

Nacional. A destruição e falta de estudos científicos sobre a gruta, que se localiza submersa

51

nas águas do Lago de Furnas, e as perdas arqueológicas de sítios pré-históricos se excederam

nos anos de 1950 e 1965. Detalhe, a Lei foi sancionada no ano de 1961. Coincidência?Talvez

conscientização dos governantes, no entanto, não caberiam mais recursos.

No entanto, no final dos anos de 1970 o Projeto Nacional de Pesquisa Arqueológica

(PRONAPA), orientado por Betty Meggers e Cliford Evans, procurou montar um quadro

preliminar da Pré-História brasileira a partir de sondagens rápidas em todo o território

(PROUS, 2006:10-11). A partir destes trabalhos surgiram as principais tradições ceramistas

que são reconhecidas em todo Brasil.

Precisamente nos anos de 1970 e 1980 no município de Carmo do Rio Claro, o arqueólogo

Ondemar Dias Junior confirmou por meio de análises dos restos de cerâmicas e artefatos

líticos pré-históricos, encontrados dispersos ao longo dos eixos fluviais, o tipo de cultura

material a que pertenciam (DIAS JUNIOR, 1979-80: 214-215). Por meio da cultura material,

ou seja, os artefatos e fragmentos encontrados, Dias Junior evidenciou as Fases e Tradições*

que caracterizam os grupos nativos que habitaram aquela região, que são: Aratu-Sapucaí,

Tupi-guarani e Neo-Brasileira (DIAS JUNIOR, 1979-80: 214-215). Resumindo, em relação à

denominação etnográfica oferecida por meio dos objetos (Prous, 2006:84-108), além do grupo

indígena incluído na família lingüística GÊ, como os Kayapó (Tradição Aratu- Sapucaí),

haveria também um grupo indígena pertencente à família lingüística Tupiguarani (Tradição

Tupi-guarani). E vale ainda ressaltar que foi constatado a influência de quilombolas, nos

traços estilísticos dos objetos, técnicas posteriormente aliadas à confecção das cerâmicas dos

indígenas (Tradição Neo-Brasileira).

52

Fotografias dos Anos de 1960 e 1970 em CRC, MG.

Figuras 22: Fotografias gentilmente cedidas pelo Museu Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite.

Arqueologia de salvamento, ou seja, realizada por autodidatas com a finalidade de salvamento de

artefatos que poderiam ser destruídos.

53

Mesmo depois da alteração da região pelo Lago de Furnas ainda são grandes as ocorrências

de sítios arqueológicos a céu aberto, em vertentes suaves a beira de córregos, com centenas de

fragmentos cerâmicos e artefatos líticos fabricados tanto pela técnica de lascamento quanto

pela técnica de polimento, (DIAS JUNIOR, 1979-80: 214-215). É importante ressaltar que a

região é um repositório instável por estar sujeito a atividade agrícola, é área cultural, sendo

necessário à conscientização para a valorização e preservação do Patrimônio Arqueológico

Regional.

Como salienta PROUS (2006:16):

Os sítios arqueológicos não são entidades isoladas, mas elementos dentro da

ocupação de um território por uma população. Alguns deles refletem ocupações sazonais, enquanto outros correspondem a habitações de longa duração. Alguns

mostram atividades precisas e limitadas (cemitérios, locais de extração de matéria-

prima, ateliês de fabricação de instrumentos, locais de preservação de alimentos

etc.), enquanto outros guardam vestígios de atividades diversificadas. Uns

evidenciam a exploração de zonas baixas (por exemplo, para agricultura ou pesca),

enquanto outros correspondem a um uso casual (tal como a caça, coleta de

determinadas plantas ou realização de rituais). Situação em que, cada sítio deve ser

abordado de uma maneira específica, e nenhum deles apresentam uma visão

completa da ocupação do território.

Existe uma variedade de artefatos (cultura material) tais como: urnas funerárias com restos

mortais, cachimbos, fusos de cerâmica, pontas de flechas/projétil, machados semilunares,

fragmentos cerâmicos, etc. O que torna possível verificar quais os grupos culturais que os

produziram e as técnicas utilizadas. Se a confecção foi realizada pelos Gê, Tupi-guarani, ou

através do sincretismo estilístico com a influência dos quilombolas.

54

Artefatos líticos e cerâmicos.

Figuras 23, 24, 25 e 26: Cachimbo angular e ponta de projétil /flecha, pote e machado semilunar. Museu

Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite. Fotografias gentilmente cedidas por Edson Gomes (2009).

Além dos artefatos (cultura material), é muito provável que a história destes grupos

nativos tenha se constituído em rica variação de práticas sociais, políticas e econômicas,

incluindo a criação de ricos acervos mitológicos e de uma variada cosmologia, ou seja, visões

de mundo (cultura imaterial) (FUNARI & NOELLI, 2006:67).

A principal evidencia é que um destes grupos nativos sejam os Kayapó povos GÊ vindos

do Brasil Central (MONTAGU, 1964:103-104; TURNER et al.2009:311-338 ), que através de

fontes históricas eram conhecidos por Catáguases e o outro grupo, os Tupi-guarani do litoral

brasileiro que se refugiaram na região, na tentativa de permanecerem livres da escravização

ou preamento impostas pelos europeus durante o século XVI, bandeirantes e capitães-do-mato

durantes os séculos XVII e XVIII (RESENDE, 2007:8-22). Estes grupos nativos habitaram

aquela região pródiga de recursos naturais e de aspectos geográficos, até a chegada dos

bandeirantes e posseiros durante os séculos XVII e XVIII. Período em que a procura e a

cobiça pelo ouro e pedras preciosas, fazia-se necessário e de extrema urgência, e em

contrapartida fizeram o extermínio e a escravização destes nativos (RESENDE, 2007:6-27).

55

Capítulo IV

OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS: UMA ABORDAGEM

GEOARQUEOLÓGICA

4.1- CONCEITOS

Apresentaremos métodos pertinentes ao uso da geoarqueologia como instrumento de

realização de trabalhos técnicos, como a prospecção, em sítios arqueológicos, através da

utilização de disciplinas fundamentais como a Pedologia, Estratigrafia e Geomorfologia. São

disciplinas imprescindíveis aos geoarqueólogos. Compete lembrar que estas são disciplinas

das Ciências da Terra e que, será apresentada uma descrição de como os trabalhos de

prospecção de sítios arqueológicos são estruturados a partir de métodos significativos aos

geoarqueólogos.

Anteriormente conceituamos os sítios arqueológicos de acordo com Prous (2006:16) e

entre uma infinidade e diversidade utilizamos alguns exemplos dos quais: América do Norte

os sítios Clóvis e Folsom; América do Sul no Chile (Monte Verde), Brasil (Amazônia e em

Minas gerais, Lagoa Santa e objeto de pesquisa neste trabalho Carmo do Rio Claro), as

pinturas rupestres existentes na Europa e regiões do território brasileiro, entre outros. Alguns

reconhecidos internacionalmente e outros pouco difundidos nos meios acadêmicos.

Evidenciaremos que a terra é fonte de registro material, principal lugar de origem em que

encontraremos as “assinaturas” existentes ao longo do tempo e das modificações das

paisagens e clima. Esta deve ser denominada de cultura material, pois, é o principal suporte

onde se encontram depositado todos os vestígios arqueológicos, materiais, químicos,

biológicos, etc. O solo é considerado o principal suporte, como se fosse um recipiente, é ele

quem recebe todos os registros materiais da existência do homem.

56

Em contrapartida o que seria a Ciência Arqueológica? O seu objeto de estudo? Não está

em mérito discutir os por menores desta ciência. Citamos referências, Leis e conceitos, não

coube a nós ir além. Conceituaremos brevemente e exemplificaremos seu objeto de estudo.

Segundo Pedro P. Funari (2006:13) a origem da palavra arqueologia, que deriva do grego,

significa “conhecimento dos primórdios” ou “o relato das coisas antigas” e seu objeto de

estudo seria “os restos materiais de uma atividade exercida pelos homens no passado”.

Contudo, sabemos que arqueologia não se limita a tal e o seu campo de ação tem se alargado

para o estudo da cultura material de qualquer época, passada ou presente. Além dos artefatos,

objetos produzidos pelo homem, também são estudados pela a arqueologia de forma análoga

os ecofatos e biofatos, que são vestígios do meio ambiente e restos animais, ambos associados

à assimilação da natureza por aquele.

Enfim, os especialistas da arqueologia têm os mesmos objetivos dos pesquisadores das

Ciências Humanas, devido ao objeto de estudo que é a cultura material, ou seja, os artefatos e

posteriormente sua descrição. No entanto, as técnicas e métodos utilizados por estes são

vinculadas as Ciências da Terra para a busca e retirada dos vestígios materiais dos sítios

arqueológicos (PROUS, 2006:8).

4.2 - DEFINIÇÕES DE GEOARQUEOLOGIA

A palavra “Geoarqueologia” surgiu de forma freqüente na bibliografia arqueológica a partir

dos anos de 1970, quando esta passou a utilizar de forma freqüente seus métodos. É uma

disciplina que utiliza conceitos e técnicas das Ciências da Terra em campo arqueológico,

elaborando os dados de forma científica e utilizando vocabulários derivados tanto das

Geociências como da Arqueologia, com propósito de atingir interpretações arqueológicas

(ANGELUCCI, 2009:37). Os dados fornecidos por esta auxiliam a compreender como as

paisagens se transformaram no decurso do tempo, como se formaram os depósitos

arqueológicos e como os grupos humanos do pretérito exploraram e modificaram seus

territórios (ANGELUCCI, 2009:35).

O geoarqueólogo deve possuir conhecimentos de geologia, geomorfologia, geoquímica,

sedimentologia, estratigrafia, pedologia etc.. Pode atuar de forma variável perante o projeto de

57

investigação, intervindo em distintas fases da pesquisa, tais como: na formulação do projeto

de investigação; nas prospecções preliminares e na identificação de sítios; na escavação

arqueológica; nos trabalhos pós-escavação; na explicação e na interpretação de dados.

Segundo André Angelucci (2009) os principais objetivos são evidenciar:

• Cronologia e estratigrafia: estudos cuja finalidade é reconstituir sucessões estratigráficas em

nível do sítio, do local ou da região, localizar no tempo acontecimentos, estabelecer

seqüências cronológicas, etc.;

• Estudos paleoambientais: abordagens que visam à reconstituição do ambiente físico, das

suas modificações no tempo e das relações com as oscilações climáticas em nível regional;

• Inter-relações entre humanos e ambientes: intuito de estabelecer o sistema de ocupação e

compreender as relações entre povoamento e ambiente físico, assim como a utilização dos

recursos naturais ou os efeitos do impacto antrópico sobre o território;

• Formação do registro arqueológico: estudos que se centram nos processos de formação dos

sítios arqueológicos e dos seus componentes, nas interferências entre processos antrópicos e

não antrópicos, nas modificações dos elementos arqueológicos, na conservação dos artefatos,

etc.(ANGELUCCI, 2009:43). Ou seja, o espaço geográfico é o que mais interessa, é o solo quem

registra todas as modificações ao longo de séculos e/ou milênios.

4.3-OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS COMO OBJETOS DE ESTUDO

Os sítios como objetos de estudo arqueológicos podem ser divididos em três vertentes

(VILLAGRAN et al. 2010:34-35): em trabalhos sistêmicos funcionais, que representam uma

arqueologia de caráter processual, na qual se apresenta à explicação de temas vinculados a

assentamentos, função dos sítios, organização social e práticas de subsistência a partir da

avaliação conjunta da informação recuperada em campo e laboratório; os trabalhos

especializados sobre componentes particulares dos sítios, que incluem estudos

bioantropológicos realizados em esqueletos, e arqueobotânicos26

a partir dos registros

26 Glossário

58

antracológicos27

e botânicos associados aos sepultamentos e por último os trabalhos de

influência das Ciências Humanas ou pós-modernas , que constroem interpretações de

múltiplas linhas de evidencias sobre o comportamento ritual dos grupos autóctones ou pré-

históricos. Utilizaremos alguns conceitos da geografia cultural para tais evidências.

Não é intenção neste trabalho detalhar os quesitos acima citados, mas, sim proporcionar

alguns métodos, ou as principais disciplinas das Ciências da Terra que são utilizadas para

prospecções e pesquisas realizadas em sítios arqueológicos.

È necessário para estudos e prospecções dos sítios arqueológicos licença concedida pelo

IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Os meios técnicos científicos

e profissionais habilitados devem estar de acordo com todos os requisitos da Lei N° 3.924 de

1961.

4.4-DISCIPLINAS DAS CIÊNCIAS DA TERRA UTILIZADAS PELA

GEOARQUEOLOGIA

Segundo Angelucci et al. (2009:45) o sistema de povoamento tem estado sempre

estreitamente ligado às características da paisagem e aos seus componentes. Os grupos

humanos do passado escolhiam as localidades que deveriam ser ocupadas tendo em conta

parâmetros como a acessibilidade aos recursos, a vulnerabilidade geomorfológica, a presença

de elementos paisagísticos notáveis, a visibilidade do sítio ou a sua defesa. Ao mesmo tempo,

as dinâmicas naturais e antrópicas modificam a paisagem, o seu relevo e a sua configuração

geográfica, pelo que a relação entre determinado sítio (ou sistema de sítios) e o contexto

territorial pode mudar no tempo. É assim importante analisar a organização da paisagem em

redor de um sítio arqueológico, com vista a compreender as razões que levaram à escolha de

determinado local para a ocupação, quais são os recursos disponíveis e como se modificou o

ambiente desde a ocupação do sítio até o tempo atual.

27 Glossário

59

Estas evidências serão corroboradas a partir de métodos estruturados e específicos das

disciplinas que serão proporcionadas a seguir, utilizadas para pesquisas realizadas em sítios.

4.4.1-PEDOGENESE: OS SOLOS COMO FONTE NECESSÁRIA A

REALIZAÇÃO ESTRATIGRÁFICA

A terra que é removida durante a escavação, com a ajuda de colheres de pedreiro, espátulas

e demais integrantes do acervo tecnológico utilizados em trabalho de campo, é muito mais do

que um recipiente e sustento físico dos remanescentes artefatuais das atividades humanas

pretéritas. A terra é fonte fundamental de informações conectadas com os processos que

modificaram a integridade dos artefatos, as assinaturas físico-químicas deixadas pela

ocupação humana, à relação entre o grupo e a evolução do meio em que se estabeleceram,

entre outros fatores (VILLAGRAN, 2010:34).

Este sustento físico, a terra, é a constituição dos solos e sedimentos que formam os

depósitos ou registros arqueológicos. A definição etimológica de sedimentos se refere aquilo

que se deposita, depositou ou é passível de se depositar. Essa deposição implica movimento e

transporte físico prévio de materiais sólidos, ou transporte químico de solutos que se formam

em matéria sólida na deposição a partir de íons. Os solos são corpos naturais que consistem

nas camadas (horizontes) de constituintes minerais e orgânicos.

São classificados por uma letra maiúscula e definidos em norma internacional estabelecida

pela Food and Agriculture Organisation of the United Nations28

(ver também Embrapa Solos).

Resumidamente a definição dos horizontes: O; horizontes orgânicos, fração mineral quase

ausente: H; formados em condição de saturação de água: A; caracterizados pela matéria

orgânica ou por cultivo e pastagem: E; horizontes minerais com perda de argila, ferro e

alumínio: B; horizontes minerais profundos, concentração de argila, ferro, alumínio, húmus,

28 Agricultura e Alimento da Organização das Nações Unidas

60

carbonatos, gesso, sílica (individualmente ou de forma combinada): C; pouca influência de

pedogênese. Este horizonte não é constituído por rocha dura: R; Rocha dura (ANGELUCCI et

al. 2009:58-59). Por fim, trata-se de entidades dinâmicas que adquirem progressivamente suas

propriedades pela ação combinada de fatores do meio: os solos nascem e evoluem.

Se estas entidades pedológicas (horizontes) não forem reconhecidas, as interpretações

estratigráficas do sítio, do seu registro material e da sua seqüência poderão ser errôneas

(ANGELUCCI et al. 2009:59: VILLAGRAN, 2010:40-58).

É significativo ressaltarmos que os lugares ocupados por grupos humanos são estáveis e,

na maioria dos casos, ficam expostos em condições de equilíbrio durante intervalos

cronológicos mais ou menos longos, pois, estão sujeitos a processos não somente

sedimentares, mas também pedogenéticos. O que se pretende enfatizar é que a presença de

solos nas estratificações arqueológicas é vulgar (ANGELUCCI et al. 2009:58-59) e muito

dos que são usualmente considerados sedimentos antrópicos, transformados posteriormente

pelo homem são, de fato, solos formados em condições diferentes da atual.

Por fim, os critérios da estratigrafia arqueológica (VILLAGRAN et.al. 2010:40-58 &

ANGELUCCI et. al. 2009:59) não são completamente válidos, é indispensável que sejam

analisadas de acordo com os conceitos da pedologia e da paleopedologia29

.

4.4.2-ESTRATIGRAFIA

A Estratigrafia é o ramo da Geologia que trata do estudo e interpretação dos materiais

estratificados, da sua identificação, descrição, organização, cartografia e correlações. É uma

das mais antigas Geociências, datando do século XVII os primeiros estudos de rochas

estratificadas e as primeiras definições dos princípios estratigráficos (ANGELUCCI et al.

2009:55). As normas de nomenclatura e de classificação estratigráfica são codificadas e

definidas em nível internacional. Quando pensamos em escavação de sítios arqueológicos é

talvez o primeiro método a que nos reportamos.

29 Glossário

61

Existem dois sistemas diferentes de tratamento estratigráfico em sítios arqueológicos: o

próprio da Geoarqueologia, descritivo, que define três tipos de unidades arqueoestratigráficas:

a litoestratigrafia30

que analisa os sedimentos a partir de suas características litológicas; a

etnoestratigrafia31

que é caracterizada por seu conteúdo material (artefatos) e a

cronoestratigrafia32

caracterizada por sua duração ou suas relações temporais (VILLAGRAN

et al. 2010:49-50).

E outro sistema é o próprio da Arqueologia, interpretativo, elaborado como sistema

independente exclusivo dos depósitos arqueológicos, define as seguintes unidades

estratigráficas; estratos naturais, materiais em situação arqueológica transportados pelo

homem ou pela natureza que seguiram a estratificação natural (superposição, horizontalidade

original e continuidade original); estratos antrópicos (horizontais ou verticais), materiais

transportados e depositados pelo homem que não seguem as leis de estratificação natural;

interfaces (horizontais ou verticais), constituídas pelas superfícies formadas pela desaparição

de uma estratificação anterior (descontinuidades ou elementos interfaciais), (VILLAGRAN et

al. 2010:50-51).

Ambos os sistemas apresentam-se como ferramentas de auxílio à escavação e a cronologia

relativa dos elementos artefatuais. São métodos que não se excluem e podem ser igualmente

aplicados ao mesmo elemento empírico, ambos ao que tudo indica se complementam.

Vale ressaltar o porquê de se complementarem, é que, enquanto o sistema

Geoarqueológico não considera os progressos da sedimentologia - considerados pela

arqueologia e que podem favorecer a elaboração arqueoestratigráfica - o arqueológico

(conhecido também como Matriz Harris do ano de 1979) parte de premissas incorretas sobre a

verdadeira diferença entre depósitos naturais e antrópicos e não permite inferir informações

da estratigrafia dos sítios além da descrição temporal-sequêncial das unidades estratigráficas.

Ou seja, um não considera a sedimentologia (Geoarqueologia) enquanto o outro sim. Já os

métodos utilizados pela Arqueologia partem de premissas incorretas sobre informações

estratigráficas, não consideram os horizontes do solo. (ANGELUCCI, 2009:55-56;

VILLAGRAN, 2010:49-57).

30 Glossário 31 Glossário 32 Glossário

62

4.4.3-GEOMORFOLOGIA

A geomorfologia é a ciência que estuda o relevo terrestre, os agentes e processos

responsáveis pela sua modificação (ANGELUCCI et al. 2009 :46). O homem deve ser

considerado um dos agentes geomorfológicos, pois, tem alterado a superfície terrestre a partir

do período pré-histórico em que era caçador-coletor até os dias contemporâneos. Este tem

deixado ao longo dos séculos suas “assinaturas” pelos continentes, espaços geográficos ou

territórios. São os testemunhos arqueológicos ou escritos de suas existências em determinados

locais, que fazem com que as paisagens naturais tornem-se culturais (devido à transformação

do meio). Estes registros podem ser utilizados para a reconstrução das condições anteriores

das paisagens, de povoamento, uso do solo e de comunicação, em que se utiliza de métodos

adicionais, especificamente dados históricos, etnográficos, conceitos geográficos culturais33

entre outros, (SAUER et al.1931:621-623 :2003;19-26).

Os geomorfólogos operam através de diversas técnicas, desde o reconhecimento de campo

até, a leitura e interpretação de fotografias aéreas, da análise morfométrica do relevo até a

compilação de mapas. Um dos elementos mais freqüentemente utilizados para sintetizar o

relevo de determinada região é o mapa geomorfológico, onde se representam símbolos,

tramas e outros elementos gráficos, as formas de relevo, a geologia, os depósitos superficiais e

outras características do território, como a hidrografia ou os elementos relativos à geografia

humana (ANGELUCCI et al. 2009:46-47).

O contexto geomorfológico de uma região ou território é imprescindível, por meio deste,

pode se compreender e evidenciar os processos de formação da estratigrafia arqueológica e de

evolução de um sítio através das dinâmicas que atuam na paisagem e que atuaram no passado.

A compreensão da organização eco-fisiográfica do território permite averiguar quais foram os

critérios para a escolha da localização de determinado sítio e se há alguma característica

específica relacionada com a paisagem. Como exemplo os sítios arqueológicos de Carmo do

Rio Claro, MG, provavelmente poderão ilustrar a organização eco-fisiográfica por meio do

reconhecimento geológico e geomorfológico elementar, com vistas a compreender a

localização estratégica do sítio, em face da diversidade paisagística da região.

33 Ver capítulo V

63

Outra questão que diz respeito à abordagem geomorfológica de sítios e sistemas de

povoamento centra-se nas modificações da paisagem no decurso do tempo. As dinâmicas

naturais e o impacto antrópico mudam a paisagem e o ambiente, não só nas suas vertentes

vegetacional e faunística e nas características do modelado e do solo, ou seja, na distribuição

dos solos em determinada região, mas também na sua organização geográfica. Estas

modificações podem ser tão marcadas ao ponto de conduzirem a uma configuração muito

diferente da existente no momento da ocupação do sítio e não correspondente, no caso de

lugares históricos descritos em fontes documentais, com as informações que obtivermos de

autores antigos (ANGELUCCI, 2009:51).

Considerações

Ressaltamos sobre as modificações ocorridas no município de Carmo do Rio Claro durante

os anos de 1950 e 1960, devido ao Lago de Furnas. Os sítios existentes na região se dão

provavelmente pela escolha ligada à localização geomorfológica e à convergência ambiental,

a unidade morfológica onde se localiza os sítios arqueológicos representa de fato um ecótono,

ou seja, a faixa de contato entre habitats caracterizados por diversidade de flora e fauna, aliás,

com diversidade de recursos líticos e hídricos a curta distância (GOMES, 2009:35-45)

A região de Carmo do Rio Claro, MG, é rica em diversidade de recursos minerais,

observados através dos artefatos líticos confeccionados pelos grupos indígenas que ali

habitaram (DIAS JUNIOR, 1979-80: 211-215: GOMES, 2009:35). O meio natural ainda

conserva seus recursos hídricos, flora e fauna diversificada em curta distância. Um ambiente

geográfico que se constitui de paisagens heterogêneas como, por exemplo, os resquícios de

Mata Atlântica e do Cerrado.

64

Capítulo V

UMA ABORDAGEM GEOGRAFICA CULTURAL DOS REGISTROS

PRÉ-HISTÓRICOS, PRÉ-COLONIAIS E COLONIAIS

Inicialmente nos primeiros capítulos, descrevemos os primeiros vestígios arqueológicos da

presença do Homem no Continente Americano, seu comportamento vinculado ao conceito de

gênero de vida (grupos caçadores, caçadores-coletores, horticultores, ceramistas, etc.). As

paisagens e áreas culturais em que foram identificados os territórios ou regiões onde se

estabeleceram e deixaram suas “assinaturas”, quer seja através dos artefatos, pinturas

rupestres em paredões ou cavernas, cemitérios pré-históricos entre outros.

Os geógrafos culturais, geoarqueólogos, historiadores, antropólogos e arqueólogos são

interessados não somente por todas as formas de registros como os artefatos ou objetos

confeccionados e utilizados por grupos humanos, mas, em avaliar o potencial técnico destes

para utilização e modificação de seus habitats. Esta avaliação analisa a distribuição, no tempo

e no espaço, de cultura e elementos culturais (MIKESELL et al.2003:31: MOURA DELPHIM

et al.2009: 167-184).

Para este trabalho, no entanto, delimitamos uma região, Carmo do Rio Claro, MG que é

foco para a idéia central da análise geográfica cultural dos primeiros grupos culturais ali

existentes. Foi necessário, contudo fazermos referência inicialmente em um âmbito

continental (Américas do Norte e Sul) para melhor compreensão dos vestígios pré-históricos,

e posteriormente nos referirmos ou descrevermos o aspecto regional e local. Assim, quando se

trata da existência dos primeiros homo sapiens no planeta os fatos podem ser contraditórios,

mas não se excluem, portanto, apresentamos do contexto continental para o regional e local,

referências importantes para melhor ilustrar e compreender este trabalho de pesquisa.

Referimo-nos inicialmente aos grupos paleoíndios como Clovis e Folsom, supostamente, os

primeiros humanos a entrar nas Américas, em seguida aos grupos de Lagoa Santa, MG e aos

grupos autóctones que habitaram ou se assentaram em Carmo do Rio Claro. Estes tiveram

características asiáticas, ou seja, predominantemente mongolóides.

65

Características Mongolóides.

Figura 27: Esquerda para direita; Índios Coroados (Coroatos e Corotos) e Índios Puris - Litogravura de

Johann. M. Rugendas. Fonte pag. 81

Faremos referência aos grupos culturais, ora de acordo com as denominações utilizadas por

arqueólogos para inseri-las e conceituá-las em um grupo cultural específico, que se da através

dos signos ou símbolos adotados por aqueles na confecção ou técnica de seus artefatos. As

pesquisas em campo e laboratório evidenciaram as Tradições Aratu-Sapucaí, Tupiguarani e

Neo- Brasileira (anteriormente citadas). Através desta definição há a facilitação em evidenciar

por meios dos registros materiais existentes o tipo de gênero de vida destes grupos, se foram

caçador-coletores, horticultores, entre outros. Os artefatos ou fragmentos, inclusive os

cerâmicos se diferem, principalmente por meio de técnicas que são utilizadas, por exemplo,

pelos grupos inseridos na tradição Aratu-Sapucaí e Tupiguarani ou Neo-Brasileira. Técnicas e

hábitos são em conjunto identificados, ou seja, os grupos autóctones eram caçadores e

horticultores o mesmo seria possível para os quilombolas. Estes registros impregnados de

“assinaturas” foram dispersos em um território/espaço, que formaram paisagens e áreas

culturais vinculadas àqueles grupos. A organização social, cosmografia (visão de mundo),

fatores lingüísticos, entre outros atributos que os identifique se dará através da conceituação

antropológica e geográfica cultural.

66

Os períodos aqui evidenciados serão o pré-histórico e colonial, períodos de contatos entre

grupos diferenciados étnica e culturalmente. Como citamos anteriormente, grupos indígenas

como os Kayapó pertencentes aos povos de língua Gê e um grupo pertencente aos Tupi-

guaranis (não sabemos o nome, portanto nos referiremos somente como Tupi-guarani) e os

quilombolas, afro-descendentes ou ex-escravos (LIMA, 2008:20-54) que formaram o

Quilombo do Cascalho.

5.1 - CONCEITOS UTILIZADOS PELA GEOGRAFIA CULTURAL: COMO

INDIGENAS E QUILOMBOLAS DEIXARAM SUAS “ASSINATURAS”

A utilização da geografia cultural como embasamento teórico neste trabalho utilizar-se-á de

conceitos vinculados a história cultural, paisagens e áreas culturais e gênero de vida. A

geografia cultural nasceu inicialmente da diversidade dos gêneros de vida (VIDAL DE LA

BLACHE et al.,1911,2008:113-130) e das paisagens culturais (SAUER,1929), posteriormente

os demais surgiram por uma necessidade, todos se complementam, não há um sem o outro. O

gênero de vida é conceituado como a adaptação dos grupos humanos ao meio ambiente,

através das técnicas produtivas e possibilidades de inventar novas técnicas, de desenvolver

trocas com grupos diferentes que habitam em outros meios ambientes e dos hábitos do

grupo34

. A adaptação se traduz na adoção de um modo de vida ou gênero de vida como a

caça, pesca, agricultura, etc. Em síntese, o gênero de vida é um conjunto de técnicas e hábitos,

em que Vidal de La Blache não “aplica” o termo cultura em seus trabalhos para uma melhor

definição da relação do homem com a natureza. O autor se refere apenas ao que é concreto,

não explica ou aponta o vínculo que o homem tem, por exemplo, com a religiosidade, os

sentimentos em relação à natureza (VIDAL DE LA BLACHE et al. 1911, 2008:113-

130:CLAVAL et al.2003:149). Nem por isso, La Blache está totalmente equivocado.

As paisagens referem-se ao conteúdo geográfico de determinada área35

ou a um complexo

geográfico de certo tipo, no qual são manifestas as escolhas feitas e as mudanças realizadas

34 O sincretismo que ocorreu nas técnicas utilizadas na produção de artefatos por indígena e afro- descendentes

escravos ou não como os quilombolas.

35 Os geoarqueólogos se interessam por estas paisagens culturais, pois, trabalhos podem ser realizados por estes

nestes ambientes.

67

pelos homens enquanto membros de um grupo cultural. Portanto, gêneros de vida e paisagens

culturais sugerem o dinamismo necessário à geografia cultural, ligando- se ás representações

dos lugares e aos sentimentos de identidades que lhe são vinculados (CLAVAL, 1998:19-38;

MCDOWELL, 2003: 161-181; MIKESELL et al.2003:35-52; MOURA DELPHIM et

al.2009: 167-184).

O historiador e geógrafo cultural Eric Dardel (1900-1968), posterior a Vidal de La Blache

(1845-1918) dizia ser indispensável à análise da geografia em explorar o sentido da presença

humana na superfície da Terra não somente através de seus registros arqueológicos e de

transformação do espaço, mas, sobretudo em suas necessidades intangíveis como o

sentimento religioso, (neste caso quilombolas) e seus mitos (indígenas) bem como o fator

linguístico (ambos se diferem indígenas versos quilombolas, linguagens diferenciadas),

(CLAVAL et al., 2003:157). Esta referência nos interessa porque esta vinculada a história

cultural, que serve a reconstrução local e regional de culturas e da história das origens e

dispersões culturais. Assim, por meio de registros arqueológicos, transformação do meio

ambiente, documentos, topônimos ou evidencia linguística pode se descobrir seqüências na

ocupação de uma área cultural por diferentes grupos. Áreas culturais, portanto, são definidas

como territórios habitados, em qualquer período determinado, por grupos humanos

caracterizados por culturas específicas. Para definição e reconstituição de uma área cultural é

imprescindível antes compreender ou analisar anteriormente a história cultural do espaço ou

território, através de suas fontes.

Mas afinal qual à definição de cultura? Definimos gênero de vida, história da cultura, áreas

e paisagens culturais, portanto, segundo Linda MacDowell et al. (1996:161) a cultura em si

surge a partir de um conjunto de idéias, hábitos e crenças que dá forma às ações das pessoas e

à sua produção de artefatos materiais, incluindo a paisagem e o ambiente construído, algo

como a referência de Dardel. A cultura é socialmente definida e socialmente determinada

(relação de poder). Estas idéias culturais são expressas nas vidas de grupos sociais que se

articulam, expressam e contestam esses conjuntos de idéias e valores, que são eles próprios

específicos no tempo e espaço. Outra definição e em síntese é a de Paul Claval (1998:12-14)

que conceitua cultura como um conjunto de gestos, práticas, comportamentos, técnicas,

Know-how36

, conhecimentos, regras, normas e valores herdados e adaptados através da

36 Glossário

68

experiência. Ou seja, a cultura é herança e experiência. A cultura sempre esteve presente na

obra de geógrafos como Vidal de La Blache e Sauer, mas oculta de certa maneira.

Para as culturas materiais, referimo-nos a todos os tipos de artefatos e fragmentos dos

grupos indígenas e quilombolas, que justificam a existência de paisagens culturais, histórias

da cultura e áreas culturais, que por sua vez corroboram o trabalho de geoarqueólogos (estudo

dos sítios arqueológicos, tendo o solo como recipiente ou suporte fundamental para o

condicionamento de todos os registros antrópicos). Ou seja, inicialmente será necessário

utilizar se de conceitos da geografia cultural, como os que são evidenciados neste trabalho,

para posteriormente serem realizadas pesquisas relacionadas à arqueologia em conjunto com a

geoarqueologia.

5.2- OS GRUPOS ÉTNICOS: QUILOMBOLAS E INDIGENAS

Os primeiros Quilombos são de um período posterior, antes da formação da cidade, estes

eram em maioria descendentes de grupos de nativos africanos, escravos também na África e

que ao aportarem no continente brasileiro eram levados para comercialização/vendas nas

regiões interioranas de Minas Gerais onde se estabelecia os núcleos mineradores para

exploração da Coroa Portuguesa (LIMA, 2008:21-187). Utilizados também em fazendas de

cultivo de cana -de -açúcar, café e outros gêneros alimentícios. Estes refugiaram se em o que,

hoje conhecemos como Carmo do Rio Claro. A escolha do complexo geográfico em que se

insere tal região é provavelmente devido à heterogeneidade do meio natural e a distancia das

regiões interioranas.

Este grupo no deixou seus registros por meio da cultura material, a partir do contato com

diversidades étnicas como o indígena e o branco pobre. Suas “assinaturas” são observadas nos

artefatos encontrados na região e na coleção que hoje é resguardada pelo município de Carmo

do Rio Claro e que se encontra no Museu Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite.

O historiador Pablo Luis de Oliveira Lima (2008:220) em sua tese de doutorado muito nos

diz a respeito dos quilombolas e dos quilombos formados no período da colonização nas

Minas Setecentista. O autor faz referência a fontes historiográficas como os relatos de

viajantes naturalistas europeus a Documentos Ultramarinos que constam a respeito das

69

formações de quilombos em Minas Gerais. Tal nos diz a respeito da organização social

daqueles, o sentimento de religiosidade, os comportamentos positivos ou negativos dos

mesmos frente às sociedades letradas ou senhoriais, os gêneros de vida utilizados por aqueles

em seus quilombos. A cultura, os costumes ou hábitos destes grupos étnicos eram

completamente diferentes de seus senhores. Afinal, estes eram provenientes de outro

continente, pertencentes a algum grupo étnico social existente na África. Seus costumes

religiosos provavelmente eram cultuados secretamente de seus senhores, afinal, possuíam

uma cosmografia diferenciada dos mesmos, do indígena e do branco pobre. No período

colonial estes serviram de mercadoria a ser caçada e quando capturada sofria algumas penas

restritivas, como a mutilação de partes do corpo, entre outras. Eram fontes de recursos

onerosos aos capitães –do- mato (LIMA, 2008:23).

Os quilombos se estabeleceram no que hoje denominamos de paisagens culturais, conteúdo

geográfico de determinada área, no qual são manifestas as escolhas feitas e as mudanças

realizadas pelos homens enquanto membros de um grupo cultural. E, sobretudo Lima nos

apresenta referências a respeito da história cultural dos quilombos por meio de documentos

historiográficos, topônimos ou evidências linguísticas destes grupos em lugares ou espaços

territoriais diferenciados.

Em um período posterior a destruição do Quilombo do Cascalho, entre os anos de 1880-85

o município de CRC (COSTA, 2002:36) contabilizava 1227 escravos. Em síntese, os escravos

surgiram bem depois com a adquirição de terras por colonos, antes existiam os quilombolas.

70

Figura 28: Cachimbos angulares Tradição Neo- Brasileira e machados planos Tradição Aratu-Sapucaí.

Museu Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite. Fotografia gentilmente cedida por Keylla P.

Francisco (2008).

71

Caracterização etnográfica de fragmentos e objetos cerâmicos

Figura 29 e 30: Fragmentos cerâmicos pintados e ungulados, Tradição Tupiguarani. Museu Histórico e

Arqueológico Antônio Adauto Leite. Fotografias gentilmente cedidas por Edson Gomes (2009).

Figura 31 e 32: Objetos cerâmicos Tradição Neo-Brasileira, influência de quilombolas e/ ou escravos

(observe a decoração). Museu Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite. Fotografias gentilmente

cedidas por Edson Gomes (2009).

Os grupos indígenas Gê, os Kayapó que se inserem na Tradição Aratu-Sapucaí, se

instalavam em encostas de morros suaves e nas proximidades dos cursos de água. As aldeias

destes grupos eram em forma circulares ou em forma de ferradura. Eram grupos ceramistas e

utilizavam objetos fabricados em rochas e minerais, portanto, utilizavam-se da indústria lítica.

Seus mortos eram sepultados em urnas ou igaçabas37

e dentro um adorno em cristal era

37 Ver figura 31

72

sempre depositado junto aos restos ósseos (PROUS, 2006:84-92). Os homens eram

polígamos. Existiam hierarquias no grupo como em outros. A alimentação segundo André

Prous (2006:90-91) se constituía basicamente de milho, entre outros tubérculos, mandioca,

batata-doce etc. As mulheres que eram as encarregadas de produzir alimentos e confeccionar

as vasilhas cerâmicas. Evidências destes grupos caçadores e coletores também são

encontradas em Pains, MG, as datações para estes grupos são entre 9000 ou 8000 anos atrás

(PROUS, 2006:84; HENRIQUES et al., 2008:97-109: GOMES, 2009:18). Eram habitantes

interioranos do Brasil Central. Aldeias foram localizadas em Goiás, em Minas Gerais a

sudoeste e fronteiras com a Bahia. É observada a preferência destes em contato com lugares

de cerrados. (PROUS, 2006:85)

Os tupi-guaranis38

inseridos na Tradição Tupiguarani eram grupos horticultores, utilizava-

se de milho, mandioca (brava e doce), cultivavam batata-doce, feijão, pimenta, amendoim,

abóbora e abacaxi, era o que basicamente se constituía a alimentação destes. Plantavam

algodão para confecção de redes e tabaco para rituais de defumação. Pescavam e caçavam.

Grupos ceramistas, as mulheres quem fabricavam todas as vasilhas entre elas as igaçabas,

sempre trabalhadas com decorações incisas, corrugadas ou unguladas39

·. Todas as vasilhas,

menores ou maiores, preservam pinturas e possuem detalhamentos de engobo em suas bordas,

diferente dos grupos Gê (Tradição Aratu-Sapucaí) que não apresentam estas características ou

técnicas de detalhamentos. No entanto, há a coincidência de serem as mulheres as produtoras

de cerâmicas. As igaçabas encontradas em Carmo do Rio Claro foram possivelmente

utilizadas para a preparação do cauim (bebida feita de milho e mandioca), e também

reutilizadas para sepultamento de adultos (PROUS, 2006:95-100), como a que foi encontrada

com restos ósseos. Este hábito era utilizado também, pelos grupos Gê ou Kayapó. Detalhe, os

mortos eram enterrados de forma provisória em uma cova até as carnes apodrecerem, depois,

os ossos eram depositados dentro da igaçaba, que deixava de servir como vasilha para

armazenar o cauim e que se tornava urna funerária. Os Gê deveriam fazer o mesmo com seus

mortos. Estes grupos também utilizavam se de indústria lítica para confecção de adornos

corporais como os tembetá, pontas de projétil, tacapes, machados semilunares, entre outros

(ver figura 20, 21,22 e 23).

38 Sabemos apenas o tronco lingüístico. 39 Ver figura 26

73

Figura 33: Restos ósseos dentro de uma igaçaba. Museu Histórico e Arqueológico Antônio Adauto Leite.

Fotografia gentilmente cedida por Keylla P. Francisco (2008).

Não há vestígios existentes, devido a sua periodicidade, de instrumentos de matérias

orgânicas como o arco de madeira, canoas de tronco de árvores, redes de algodão, adornos de

pena, os maracás40

, etc., (PROUS, 2006:103-108), nem dos grupos tupi-guarani (Tradição

Tupiguarani) e nem dos Gê (Tradição Aratu-Sapucaí) que também se utilizavam destes

objetos. Portanto, à ligação destes com áreas de mata ciliares, e de cursos fluviais e interesse

em solos orgânicos. Afinal estes conheciam bem a que se prestavam os tipos de solos.

Habitavam o litoral brasileiro, contudo, depois do contato e percebendo as intenções dos

europeus, bandeirantes e mestres - de- campo que não eram absolutamente boas, se infiltraram

no interior do Brasil. Este é o principal se não único motivo dos registros da existência destes

em Carmo do Rio Claro, grupos do litoral em contato com grupos do interior do Brasil.

O encontro étnico de grupos indígenas e quilombolas, ambos com modos de vida

diferenciados, sempre ocorreram. Vastas são as bibliografias que tratam desta miscigenação,

entre uma delas à de Freyre (1900-1987) 41

, que diz respeito sobre este contato. Os negros

afro-descendentes, escravos ou ex-escravos viam de outro continente. Atravessaram o

Atlântico, se dispersaram de seus familiares, e o que podiam conservar em si que era sua

cultura deveria se adequar ao do senhor ou proprietário. Contudo, as histórias dos quilombos,

40 Glossário 41 Livro Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freyre.

74

e principalmente em Minas Gerais, dizem o contrário. Aqueles grupos reivindicavam a

liberdade de todas as formas que lhes eram possíveis, tinham uma visão mais politizada e

organizada (LIMA, 2008:15-55), sabiam como se articularem frente às injustiças, ao contrário

do que de fato ocorreu com os grupos indígenas (TODOROV, 2003:3-118).

Enfim, a visão cosmografica de ambos (indígenas e quilombolas) se diferenciava, mas,

contudo o sincretismo possivelmente deve ter ocorrido, assim como os hábitos de

sobrevivência em meio a um complexo geográfico por aqueles escolhidos. A necessidade de

sobrevivência entre ambos os grupos, que se encontravam coagidos e ameaçados por outros,

bandeirantes, mestres- de - campo ou capitães –do –mato, provavelmente ocorreu em CRC de

forma se não harmônica ao menos de reconhecimento de infortúnios entre estes. Não

encontramos documentos ou registros que possam evidenciar querelas entre os grupos, mas

sim, o sincretismo entre culturas distintas evidenciadas nos artefatos. Cabe lembrar que nos

referimos a um período posterior a criação da cidade de CRC, período em que indígenas e

afro-descendentes ainda coexistiam naquela região e que se conscientizavam do período de

extermínio que poderia lhes sobrevir.

Ou seja, o território antes ocupado por grupos autóctones pré-históricos, como é

evidenciado através de inúmeras formas de registros que contem as suas “assinaturas”, e que

nos evidenciam variadas características geográficas culturais, faz com que nos remetamos a

um período que é posterior, o pré-colonial, através do sincretismo étnico entre negros,

indígenas e brancos.

A região de Carmo do Rio Claro se torna, portanto, palco dos contrastes entre o pré-

histórico e o pré-colonial, “é” uma área cultural. Evidenciada por meio dos registros da

cultura material, das paisagens culturais, história da cultura que mesmo transformadas pelo

homem ao longo dos séculos, ainda guarda por meio de fontes como topônimos de lugares,

sítios arqueológicos, fatores lingüísticos, descendentes etc. seu passado.

Aquele território foi sustentáculo para existência daqueles grupos, graças à organização do

espaço por meio da hidrografia, geomorfologia, fauna, flora e tantos outros atributos ainda

existentes e que conservam os registros com as formas diversificadas de “assinaturas” da

existência do homem pré-histórico e histórico. São atributos diversificadores que justificam a

escolha daquele complexo geográfico para as sobrevivências, quer seja do indígena ou do

quilombola.

75

Carmo do Rio Claro como área cultural constitui-se não só de ambientes naturais

heterogêneos e de recursos técnicos utilizados para o modo de vida e para a instalação de

grupos étnicos, mas, sobretudo de um rico e inigualável sistema de mitos, ritos, símbolos42

, a

sabedoria ancestral e a conscientização daqueles grupos a respeito de suas existências na

Terra.

Figura 34: Catléias valquirianas ou “flores dos espíritos” segundo o Sr. Antonio A. Leite, estas eram

oferecidas aos ancestrais indígenas mortos. Fotografia gentilmente cedida por Keylla P. Francisco (2008).

42

Símbolos e evidências do homem pré-histórico existentes em paisagens naturais que se tornaram culturais por

apresentaram áreas de culto ou ritual dos mesmos segundo Carl O. Sauer (1929).

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há uma infinidade de indícios e registros da existência do homem no continente

americano a partir do período pré-histórico, ou seja, há aproximadamente 11.000 anos.

Concluímos que neste período não existia a escrita, mas que, no entanto o homem já detinha o

conhecimento e observação dos espaços ou territórios que melhor lhes conviriam.

Constatamos o relacionamento intrínseco do homem com a natureza e com os recursos que

esta lhes proporcionava, estes adquiriram técnicas e meios para criação de objetos que lhes era

útil.

Foi assim que o Homo sapiens tornou-se um transformador das paisagens naturais nos

proporcionando registros e “assinaturas” deixados por estes em sítios arqueológicos que

evidenciam sua existência e cultura tanto material quanto imaterial.

Foi necessário remontarmos a Pré-História para melhor esclarecimento do passado do

homem paleoíndio, ameríndio, indígena ou bugre, até o período Pré-Colonial e o Colonial

quando mantiveram contato com os quilombolas, os afro-descendentes. Um lugar específico

foi necessário, ou seja, Carmo do Rio Claro, onde constatamos contatos entre grupos de etnias

diferentes. Encontramos evidências de grupos que habitaram aquele lugar por volta de 9.000

anos atrás e em um período posterior entre os séculos XVII e XVIII.

Evidenciamos através da coleção existente no Museu Histórico e Arqueológico Antonio

Adauto Leite as “assinaturas” destes grupos indígenas e quilombolas e por meio destas o

gênero de vida destes grupos. A necessidade de ilustrar figuras como os artefatos líticos,

cerâmicos, de ossos, madeira, os produzidos em cerâmicas e as pinturas rupestres em

paredões de rochas ou no interior de cavernas foi a melhor forma didática para melhor

entendimento. Grandes perdas existiram por conta da construção da hidrelétrica de Furnas.

A geografia cultural nos confirmou os lugares ou espaços territoriais onde são localizadas

evidências da existência de grupos humanos pré-históricos em paisagens ou/e áreas culturais.

Concluímos através da utilização da história da cultura, que reúne evidências, como as fontes

historiográficas, topônimos, história oral, registros arqueológicos etc. quatro tipos de fatos: a

origem, no tempo e lugar, de determinadas características culturais ou de grupos humanos

pré-históricos; as rotas, épocas e modos de disseminação destes grupos humanos; a

distribuição de algumas áreas e/ou paisagens culturais no continente americano e as

77

características anteriores destas. Estes são os principais fatores que evidenciamos nos

capítulos deste trabalho tanto no contexto continental ao regional.

Constatamos que o território onde se localiza a cidade de Carmo do Rio Claro é um

complexo geográfico constituído de heterogeneidade ambiental, recursos hídricos, minerais,

relevos, vegetação entre outros. Localização na qual no passado foram manifestas as escolhas

feitas e as mudanças realizadas por grupos indígenas e mais tardiamente por quilombolas, os

afro-descendentes. Portanto áreas e/ou paisagens culturais.

Através da evidenciação destas áreas culturais definidas como territórios habitados em

determinado período por culturas específicas, constatamos que pesquisas podem ser realizadas

em campo. Algumas foram realmente realizadas por arqueólogos.

A geografia cultural através de alguns dos seus conceitos por nós apresentados neste

trabalho de pesquisa comprova a ciência geoarqueológica e arqueológica as localizações

exatas e como e em que ponto específico poderão ser realizadas as prospecções dos sítios

arqueológicos. Corroboramos que a terra ou o solo é, portanto, a principal fonte ou

“recipiente” para resguardar os artefatos materiais confeccionados pelo homem pré-histórico

ou grupos humanos específicos.

Os paredões, grutas ou cavernas com pinturas rupestres produzidas pelo homem pré-

histórico são consideradas e se inserem nas denominadas paisagem e área culturais. O mesmo

para cemitérios, quilombos e habitações de grupos étnicos.

Por fim, constatamos a imprescindível afinidade da geografia cultural com a

geoarqueologia para as evidenciações a respeito da existência do homem pré-histórico ou dos

grupos étnicos que existiram e as relações destes com os territórios escolhidos e suas formas

ritualísticas e simbólicas na Terra.

78

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81

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http://ifch.unicamp.br (figura 11)

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http://museuhistóriconacional.com.br (figuras 15 e 16)

http://rupestreweb.info/ (figuras 12 e 13)

http://portal.iphan.gov.br/

http://professoradegeografia.blogspot.com (figura19)

http://superneandertal.wordpress.com (figura 7)

http://salutaufrance.blogspot.com/lascaux-franca-pre-historica.html (figura 5)

http://tesourodomundoverde.blogspot.com

http://www.antropologiavisual.com.br (figuras 8 e 9)

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http://www.museu-goeldi.br

http://www.museus.gov.br

http://www.sabnet.com.br

http://www.socioambiental.org

82

GLOSSÁRIO

Ameríndios: diz-se dos índios da América.

Antracológicos: estudo dos restos de madeira carbonizados provenientes de solos ou de sítios

arqueológicos. Pode fornecer informações de cunho etnoarqueológico e paleoecológico.

Arqueobotânicos: são vestígios vegetais estudados pela arqueobotânica. Análises de restos

vegetais encontradas no quadro das escavações arqueológicas; os vestígios vegetais são

procurados ativamente, usando técnicas especiais, e as listas de plantas ganham significado na

medida em que são interpretadas enquanto produto da relação dos grupos pré- históricos com

seu meio-ambiente.

Carbono 14: primeiro método de datação absoluta, desenvolvido em 1949; avalia a

radioatividade residual dos corpos mortos; com efeito, os seres vivos (vegetais e animais) que

fixam partículas de carbono, algumas das quais (sempre na mesma proporção) vem do espaço

cósmico e são radiativas (isótopo 14, ou seja, carbono-14); quando ocorre a morte não há mais

renovação do carbono radioativo de massa atômica 14 (PROUS, 2006: 133).

Cronoestratigrafia: Estuda a idade relativa das rochas em relação a suas circunvizinhas.

Dardo: é uma arma de arremesso, com ponta de ferro ou pedra talhada, semelhante a uma

lança. Foi utilizado por muitos povos em eras diferentes e como tal é natural que o seu

tamanho e peso variem.

Etnoestratigrafia: caracterizada por seu conteúdo artefatual e a interpretação cultural destes.

Gravuras: ver pinturas rupestres.

Holoceno: período geológico atual, iniciado cerca de 10.000 anos atrás. É também chamado

de época pós-glacial. Todas as espécies atuais estão nele representadas. Na divisão do tempo

quartenário feita pelos arqueólogos, este período corresponde ao neolítico (GUERRA et al.

2006:341).

Homo sapiens: Homo é o nome do gênero; sapiens, o nome da espécie. A espécie humana

Homo sapiens é hoje a única que existe na terra. Anteriormente, existiram outras, como os

Homo neanderthalensis (neandertalenses) e os Homo erectus; dentro da espécie Homo

sapiens, existem populações biologicamente diferenciadas. O Homo sapiens provavelmente,

provavelmente de origem africana, apareceu cerca de 100.000 anos atrás.

Know-how: é o conhecimento de como executar alguma tarefa. O know-how é diferente de

outros tipos do conhecimento tais como o conhecimento proposicional que pode diretamente

ser aplicado a uma tarefa. Sendo assim um método novo de organização e metas. O know-

how ou conhecimento processual é o conhecimento de como executar alguma tarefa é

diferente de outros tipos do conhecimento tais como o conhecimento proposicional que pode

diretamente ser aplicado a uma tarefa. È o saber como executar alguma tarefa.

83

Líticos: Dentre os vários artefatos produzidos pelo homem, desde os tempos mais remotos, os

objetos em pedra são conhecidos como os mais antigos da atividade humana. Com finalidades

diversas, dentre as quais cortar, raspar, moer, incidir, quebrar sementes, trituração e defesa,

foram produzidos pelos homens pré-históricos um conjunto de artefatos líticos que fizeram

parte do cotidiano destes grupos. Como instrumentos mais comuns entre os artefatos, listam-

se as lâminas de machado, os percutores, os raspadores, os furadores, as lascas, as pontas e os

fragmentos resultantes da preparação destes

materiais (resíduos de lascamento).

Litoestratigrafia: é o estudo baseado nas camadas de rochas em determinada área, com o

objetivo de se entender os eventos, processos e ambientes geológicos, fases de erosão e

deposição.

Maracá: também chamado de bapo, maracaxá e xuatê, é um chocalho indígena utilizado em

festas, cerimônias religiosas e guerreiras, que consiste em uma cabaça seca, desprovida de

miolo, na qual se colocam pedras ou caroços. O maracá também pode ser feito de coquinho.

Está presente em diversas manifestações culturais brasileiras, como o carimbó e em

cerimônias de religiões afro-brasileiras que receberam influências indígenas, como o

candomblé de caboclo. È considerado objeto sagrado.

Paleopedologia: é o estudo de solos antigos, tendo por objeto solos soterrados e/ou

incorporados a seqüências sedimentares, ou ainda solos desenvolvidos em superfícies

de relevo pretérito e que, embora tenham permanecido na superfície e sido influenciados por

mudanças ambientais posteriores, evidenciam antigos ambientes e contêm registros sobre as

ações do clima, a cobertura vegetal, as formas de relevo, a intensidade da pedogênese e as

taxas de sedimentação vigentes quando da sua formação.

Pinturas rupestres: grafismos pintados ou gravados em paredes rochosas, em blocos tombados

ou matacões. A maioria dessas manifestações não pretendia ser obra de arte, mas transmitir

informações (PROUS, 2006:133)

Pleistoceno: período em que segue ao Plioceno e marca o inicio do Quartenário. Nesse

período apareceu a maioria das espécies atuais. Corresponde ao paleolítico dos arqueólogos. É

também chamado de época glacial ou recente, ou, ainda quartenário antigo ou diluviano

(GUERRA et al. 2006: 497).

Sambaqui: nome dado às camadas geológicas constituídas por depósitos de conchas, cascos

de ostras e outros restos de alimentação dos índios pré-históricos brasileiros, e encontrados ao

longo do litoral ou de rios e lagoas próximos a ele.

Tembetá: adorno exclusivamente masculino, inserido no lábio inferior por um orifício

praticado no momento de iniciação dos jovens; pode ser pedra, osso, madeira, resina ou pena.

Usado em formato de disco (botoquete) por vários grupos indígenas do Brasil central como os

Botocudos (PROUS, 2006:138).

84

Tradição: Os arqueólogos denominam por tradição as práticas e técnicas padrão dos antigos

para a confecção, por exemplo, da indústria lítica e da pintura rupestre. Uma subtradição é

uma divisão dentro da tradição, normalmente porque houve uma diferenciação do padrão

original em dois ou mais padrões novos.

85

DECLARAÇÃO

Eu, Edvânia Moreira Antenor, portadora do RG n°.14938391 SSP/MG, inscrita no CPF:

063909156-32, residente e domiciliada na Av. São José, 901, Bairro, Centro em Alfenas Minas

Gerais. Declaro para os devidos fins e sob a pena da lei, que a Monografia intitulada: O

encontro das etnias indígenas e quilombolas: do período pré-histórico ao colonial em

Carmo do Rio Claro, MG. É de autoria única e exclusiva. Autorizo a Universidade Federal

de alfenas à disponibilização do texto integral deste trabalho na biblioteca (consulta e

empréstimo) e divulgação pela Internet ou Impressão, gratuitamente, sem ressarcimento dos

direitos autorais.

Alfenas, 25 de Novembro de 2011.

____________________________________

Edvânia Moreira Antenor