O ENSINO DE GENÉTICA E AS CONCEPÇÕES SOBRE GENE...

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Atas do Evento Os Estágios Supervisionados de Ciências e Biologia em Debate II O ENSINO DE GENÉTICA E AS CONCEPÇÕES SOBRE GENE APRESENTADAS POR ESTUDANTES DO 3° ANO DO ENSINO MÉDIO Eduarda Maria Schneider 1 Dayane Harmel 1 Fernanda Aparecida Meglhioratti 2 1. Introdução Na atualidade, a ciência é parte integrante dos currículos escolares em todos os níveis da educação básica. Ao mesmo tempo, inúmeras revistas especializadas assim como os meios de comunicação de massa, se ocupam da divulgação dos avanços científicos e tecnológicos. Observa-se, assim, que tanto na escola como fora dela o conhecimento científico se faz presente (PEDRANCINI et al., 2004). Uma das áreas de difícil compreensão para o Ensino de Biologia devido à complexidade dos fenômenos a que se refere e a discussão sobre sua construção conceitual é a genética. Essa dificuldade se deve tanto à complexidade dos conceitos que essa área comporta quanto à forma de a escola conceber, organizar e desenvolver o ensino (BANET; AYUSO, 1995). O ensino-aprendizagem de conceitos biológicos é um desafio não só para alunos, mas também para professores e pesquisadores envolvidos com a educação em ciências, existindo muitas dificuldades na aprendizagem de estudantes em diferentes fases de escolaridade, sendo esta justificada em parte pela própria dimensão do objeto de estudo da Biologia, a vida em toda sua diversidade. A dificuldade de se capturar numa explicação teórica a complexidade biológica é ainda acentuada por uma abordagem de ensino fragmentada, na qual os conceitos são vistos isoladamente, sem estabelecer as devidas correlações entre eles (SELLES; FERREIRA, 2005; GOLDBACH; EL-HANI, 2008). Os conceitos biológicos também são trabalhados de forma descontextualizada, separados do contexto histórico em que foram formulados, não permitindo compreender a ciência como um processo, 1 Acadêmicas do 5º ano do curso de Ciências Biológicas Licenciatura. 2 Professora Dra Fernanda Aparecida Meglhioratti, orientadora do estágio supervisionado em Biologia.

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Atas do Evento Os Estágios Supervisionados de Ciências e Biologia em Debate II

O ENSINO DE GENÉTICA E AS CONCEPÇÕES SOBRE GENE APRESENTADAS POR ESTUDANTES DO 3° ANO DO ENSINO

MÉDIO

Eduarda Maria Schneider1 Dayane Harmel1

Fernanda Aparecida Meglhioratti2

1. Introdução

Na atualidade, a ciência é parte integrante dos currículos escolares em todos

os níveis da educação básica. Ao mesmo tempo, inúmeras revistas especializadas

assim como os meios de comunicação de massa, se ocupam da divulgação dos

avanços científicos e tecnológicos. Observa-se, assim, que tanto na escola como

fora dela o conhecimento científico se faz presente (PEDRANCINI et al., 2004).

Uma das áreas de difícil compreensão para o Ensino de Biologia devido à

complexidade dos fenômenos a que se refere e a discussão sobre sua construção

conceitual é a genética. Essa dificuldade se deve tanto à complexidade dos

conceitos que essa área comporta quanto à forma de a escola conceber, organizar e

desenvolver o ensino (BANET; AYUSO, 1995).

O ensino-aprendizagem de conceitos biológicos é um desafio não só para

alunos, mas também para professores e pesquisadores envolvidos com a educação

em ciências, existindo muitas dificuldades na aprendizagem de estudantes em

diferentes fases de escolaridade, sendo esta justificada em parte pela própria

dimensão do objeto de estudo da Biologia, a vida em toda sua diversidade. A

dificuldade de se capturar numa explicação teórica a complexidade biológica é ainda

acentuada por uma abordagem de ensino fragmentada, na qual os conceitos são

vistos isoladamente, sem estabelecer as devidas correlações entre eles (SELLES;

FERREIRA, 2005; GOLDBACH; EL-HANI, 2008). Os conceitos biológicos também

são trabalhados de forma descontextualizada, separados do contexto histórico em

que foram formulados, não permitindo compreender a ciência como um processo,

1 Acadêmicas do 5º ano do curso de Ciências Biológicas Licenciatura.

2 Professora Dra Fernanda Aparecida Meglhioratti, orientadora do estágio supervisionado em

Biologia.

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colaborando para promover uma perspectiva ingênua da ciência como verdade e

empreendimento neutro. No entanto, é importante destacar que um dos objetivos do

Ensino de Ciências é justamente mostrar que os conceitos são dependentes do

contexto histórico no qual se inserem, estando sujeitos a constantes reformulações

(GIL-PEREZ et al., 2001).

Considerando a importância que a discussão de conceitos relacionados à

genética tem para a sociedade e a necessidade de abordar a ciência como uma

atividade dinâmica e histórica, tratar-se-á aqui de um conceito indispensável para a

disciplina de genética: o conceito de gene. Deste modo objetiva-se nesse artigo: 1)

explicitar a presença de diferentes conceitos de genes na história da biologia; 2)

analisar as concepções de gene presentes em alunos do ensino médio antes e após

a aplicação de um módulo didático sobre o conceito de gene mediante uma

percepção sistêmica dos fenômenos e processos biológicos.

2. Possibilidades e Desafios no Ensino de Genética

No cenário atual do desenvolvimento científico e tecnológico, uma das áreas

da ciência que se destaca devido a seu acelerado avanço é a genética, ramo que

estuda as leis de armazenamento, transmissão e efetivação de informações para o

desenvolvimento, o funcionamento e a reprodução dos organismos vivos (JUSTINA;

FERRARI, 2010).

Desta forma, a sociedade contemporânea necessita de uma educação

científica que atenda às exigências decorrentes do estado atual do conhecimento

científico e suas aplicações, especialmente na área da genética. Vários autores

concordam que devido aos extraordinários avanços da genética é importante e

indispensável, que o público em geral tenha mais e melhores informações sobre

essa ciência, para compreender as aplicações e as implicações da genética,

formando cidadãos críticos para discutir os rumos e os usos dos avanços científicos

e suas implicações sociais, éticas, políticas e econômicas (JUSTINA; FERRARI,

2010; LIMA et al., 2007; SCHEID; FERRARI, 2006; XAVIER et al., 2005).

Para que esta formação científica ocorra é necessário que a escola exerça

seu papel fundamental de incorporar no ensino um método para trabalhar com os

novos achados da ciência fornecendo uma base sólida de conhecimento. Segundo

Xavier et al. (2005) o acelerado avanço do conhecimento, especialmente em

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algumas áreas como a Biologia (Biotecnologia e Genética Molecular), apresenta um

grande desafio referente à definição do conteúdo programático da escola. Neste

contexto ainda, as recentes diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio (PCNEM) sugerem que as aulas sejam orientadas com assuntos de

interesses atuais, afinal, “a linguagem científica tem crescentemente integrado nosso

vocabulário; termos como DNA, cromossomo, genoma, clonagem, efeito estufa,

transgênico” (PCNEM, 2000).

No âmbito das propostas dos PCNEM, o DNA é um tema que pode ser

amplamente trabalhado através de uma abordagem interdisciplinar, integrando

principalmente as áreas de química e biologia, e promovendo uma relação entre

progresso científico e avanço tecnológico que, por sua vez, pode imprimir mudanças

de hábitos e na sociedade. Para o ensino de biologia, os PCNEM deixam clara a

necessidade da descrição do material genético em sua estrutura e composição,

vinculada a uma abordagem que permita o desenvolvimento de um posicionamento

criterioso relativo ao conjunto das construções e intervenções humanas no mundo

(FERREIRA; JUSTI, 2004).

Em estudo realizado em 1995, Reznik verificou a presença de tópicos

isolados tais como: núcleo e material genético (Capítulo sobre DNA: estrutura e

funcionamento); divisão celular (Capítulo sobre mitose e meiose); genética

mendeliana, concluindo que ainda são raros os livros que trabalham determinados

avanços do conhecimento em biologia molecular, como, por exemplo, os estudos de

diferenciação e controle da vida celular e de manipulação gênica.

Ao mesmo tempo, as pesquisas que buscam identificar as dificuldades

encontradas pelos professores, tanto no início de seu trabalho docente, quanto no

decorrer de sua carreira apontam como problemáticas as questões relacionadas

com o ensino da genética e suas tecnologias (JUSTINA; FERRARI, 2010). Entre os

recentes estudos a compreensão de conceitos genéticos é apontada como uma das

principais dificuldades. O ensino-aprendizagem de conceitos biológicos é um desafio

não só para alunos, mas também para professores e pesquisadores envolvidos com

a educação em ciências, existindo muitas dificuldades na aprendizagem de

estudantes em diferentes fases de escolaridade, sendo esta justificada em parte

pela própria dimensão do objeto de estudo da Biologia, a vida em toda sua

diversidade. A dificuldade de se capturar numa explicação teórica a complexidade

biológica é ainda acentuada por uma abordagem de ensino fragmentada, na qual os

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conceitos são vistos isoladamente (SELLES; FERREIRA, 2005; GOLDBACH; EL-

HANI, 2008).

Considerando os desafios encontrados na compreensão dos conceitos

biológicos e a importância que a discussão de conceitos relacionados à genética tem

para a sociedade e a necessidade de abordar a ciência como uma atividade

dinâmica e histórica, tratar-se-á aqui de um conceito indispensável para toda a

disciplina de genética: o conceito de Gene (JOAQUIM et al., 2007).

3. A Contextualização do Conceito de Gene no Ensino de Biologia

O conceito de gene foi um dos marcos da história da ciência no século XX

(EL-HANI, 2005). As idéias básicas no conceito de gene podem ser rastreadas

desde 1866 com a publicação dos trabalhos clássicos de Gregor Mendel da teoria

gênica da herança. O gene de Mendel (na época sem este nome) era o que ele

chamava de característica, elemento ou fator constante para descrever os

determinantes das partículas de herança. No entanto seu trabalho só teve uma

maior aceitação após sua retomada em 1900 por três botânicos - Hugo de Vries, na

Holanda; Carl Correns, na Alemanha, e Eric Von Tschermak Seysenegg, na Áustria,

que revisaram a literatura científica em busca de dados para suas teorias sobre

hereditariedade e descobriram que Mendel havia feito uma análise detalhada e

cuidadosa há 35 anos (SNUSTAD; SIMMONS, 2001).

Segundo Solha; Silva (2004) “o mérito de Mendel reside na criação de um

„construto teórico‟ que pôde explicar seus resultados”. Seus “pares de fatores”

seriam imiscíveis, mas não estariam alojados em uma partícula material específica,

mas funcionaria como uma unidade de cálculo, uma entidade abstrata de caráter

instrumental. Para Solha; Silva (2004, p. 49), “uma das características principais da

genética, já no seu nascimento, é a de ser uma ciência abstrata, na qual muitas de

suas entidades começam como construções hipotéticas”. Dessa forma, “apesar dos

genes já terem sido “descobertos” na teoria, sua natureza física era ainda

desconhecida” (SOLHA; Silva, 2004, p. 49). Iniciava-se, então uma corrida contra o

tempo, para novas descobertas, inaugurando-se assim a genética moderna.

A redescoberta do trabalho de Mendel no início do século XX acentuou as

pesquisas interessadas em descobrir qual era a unidade responsável pela herança

biológica. Foi então que em 1909 o geneticista dinamarquês Wilhelm Johannsen

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cunhou e conceituou o termo gene para se referir aos aspectos da herança

biológica, o qual desde então vem se estruturando e se modificando até os dias de

hoje. O termo gene é proposto juntamente com a teoria da herança genotípica em

seu livro Elemente der exakten erblichkeitslehre (Elementos exatos da

hereditariedade genética), publicado em 1909. Como aponta Mayr (1998), antes de

1909 não havia um termo aceito de modo geral para denominar o fator genético que

correspondia a determinado caráter visível. É importante destacar que o termo gene

é proposto com um valor instrumental, não estando associado à existência de uma

partícula física material. Isso pode ser visto na citação a seguir:

[...] vou propor os termos "gene" e "genótipo" e mais alguns termos, como "fenótipo" e "biótipo", a serem utilizados na ciência da genética. O "gene" é uma palavra muito pouco aplicável, facilmente combinado com outros, e, portanto, pode ser útil como uma expressão para a "unidade de fatores", "elementos" ou "alelomorfos" nos gametas, utilizadas por modernos pesquisadores mendelianos. O "genótipo" é a soma de todos os "genes", em um gameta ou em um zigoto [...] Todas as características de organismos, distinguíveis por inspeção direta da aparência ou por descrição dos métodos de medição, poderão ser caracterizadas como "fenótipo" (JOHANNSEN, 1911, pp. 132-133).

Em 1911 com o estabelecimento da teoria cromossômica da herança pelo

grupo de T. H. Morgan, prevaleceu uma compreensão sobre genes que Gericke e

Hagberg (2007) denominam o „gene clássico‟, não mais entendido como um

construto instrumental, mas como uma entidade real, uma partícula indivisível no

cromossomo, no qual genes estariam organizados como as contas de um colar. No

entanto, o conceito clássico de gene começa a se decompor logo após sua

formulação, mediante a observação do fenômeno de recombinação intragênica em

Drosophila melanogaster, o que evidenciava que o “átomo” da genética não era

indivisível (SANTOS, EL-HANI, 2009; PORTIN, 2002).

Em 1944, Oswald Avery, Colin Mcleod e Maclyn Mccarry demonstraram a

identificação do DNA como elemento constitutivo do gene: o responsável pela

especificidade biológica. Nove anos depois, em 1953, James Watson, Francis Crick,

Maurice Wilkins e Rosalind Franklin realizaram investigações que levaram a

proposição de um modelo da estrutura físico-química em dupla hélice do DNA que

oferecia, ao mesmo tempo, uma explicação para a estabilidade do gene e para o

mecanismo de auto-duplicação do gene. Neste sentido, a associação da idéia de

gene como unidade real e estrutural foi ainda mais corroborada pela descoberta do

DNA como material genético da célula e pelo modelo de estrutura do DNA proposto

(NASCIMENTO, 2003).

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A descrição da molécula de DNA e os estudos que se seguiram a isso

permitiram a formulação do conceito molecular clássico de gene, no qual se

entende o gene tanto como unidade estrutural quanto como unidade funcional.

Como unidade de estrutura, pois o gene é entendido como: “um segmento contínuo

cuja seqüência de bases codificantes não sofre interrupções; discreto, por ser uma

unidade individual que não se sobrepõe a outros genes; com começo e fim bem

definidos; e localização constante” (SANTOS, EL-HANI, 2009). Como uma unidade

funcional pelos genes serem capazes de “produzirem um único polipeptídeo ou um

único RNA, que, por sua vez, teria uma função única” (SANTOS, EL-HANI, 2009).

Santos, El-Hani (2009) ainda destacam que a inserção de um discurso informacional

na biologia acabou configurando o gene como unidade de informação, carregando

informações em suas seqüências de base, ou seja, um conceito informacional de

gene, que é muitas vezes, sobreposto ao conceito molecular clássico.

O conceito molecular clássico ficou conhecido como “dogma central da

biologia molecular”, no qual se afirma que a passagem da informação genética

segue do DNA para o RNA (ácido ribonucléico) e daí para as proteínas. Nesse

dogma estariam representadas as duas funções primordiais da molécula de DNA: 1)

a auto-reprodução das informações genéticas; 2) a indução da síntese de proteínas

que constituem a estrutura dos organismos (WAIZBOART, SOLHA, 2007).

Este conceito prevalece em muitos contextos até os dias de hoje,

desempenhando um papel central na biologia desde o começo do século XX.

Contudo, este conceito tem sido objeto de controvérsia crescente desde a sua

formulação, devido a novos achados da ciência. Já em 1960, Charles Yanofsky,

Sydney Brenner e colaboradores mostraram que o gene e seu produto polipeptídico

eram estruturas colineares, com uma correlação direta entre a seqüência de pares

de nucleotídeos no gene e a seqüência de aminoácidos no polipeptideo. No final da

década de 1960 foram descobertos genes superpostos e genes dentro de outros

genes. Em seguida, no final da década de 1970, as seqüências codificantes dos

genes eucarióticos foram demonstradas como sendo interrompidas por seqüências

de íntrons. Além disso, genes que codificam imunoglobulinas foram verificados

estocados nos cromossomos da linhagem germinativa como curtos “segmentos de

genes” que são montados em genes maduros, funcionais, durante o

desenvolvimento (SNUSTAD; SIMMONS, 2001).

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Diante de tamanha dimensão a definição de gene precisa ser mantida com

certa flexibilidade para englobar todas as relações diferentes entre estrutura e

função que ocorre em diferentes organismos. Assim, todas essas descobertas das

últimas três décadas levou ao colapso a frágil superposição dos genes mendeliano e

molecular clássico, tornando mais difícil entender genes como unidades. É essa

interpretação de genes como entidades que não pode ser reconciliada com o

conhecimento atual sobre a organização estrutural e funcional dos genomas (EL-

HANI, 2005).

Apesar das dificuldades em definir gene, é importante a discussão sobre o

conceito de gene ser realizada durante o Ensino de Biologia. Entretanto, os livros

didáticos de Biologia enfatizam principalmente a visão da genética clássica,

abordando o gene como uma unidade física do cromossomo, relacionada a uma

função específica, como a síntese de uma proteína. Essa ênfase é realizada sem

indicar as dificuldades dessa definição.

Segundo Joaquim et al. (2007) três definições principais são encontradas em

livros didáticos de genética e biologia celular molecular de diferentes níveis de

ensino: o conceito mendeliano de gene, o conceito molecular clássico de gene e a

concepção informacional. O conceito mendeliano caracteriza um gene como “uma

unidade física funcional de hereditariedade, a qual carrega informações de uma

geração para outra”. O conceito molecular clássico caracteriza o gene como um

segmento de DNA que codifica um produto funcional. Esta visão conduz a idéia de

um gene como uma unidade contínua ou não interrompida no genoma, com começo

e fim bem definidos, que codifica um produto que cumpre uma determinada função

celular. A concepção informacional classifica genes como unidades informacionais.

Além destas três definições, Joaquim et al. (2007) identificam outros conceitos

de gene, como: gene evolutivo, definido como sendo “qualquer trecho de DNA,

começando e terminando em pontos arbitrariamente escolhidos no cromossomo”,

que compete “[...] com trechos alelomorficos pela região cromossômica em questão”;

gene molecular processual, o qual não caracteriza genes como pedaços de DNA

apenas, mas da ênfase ao processo molecular subjacente a capacidade de

expressar um produto particular; Gene P, gene como determinante de fenótipos ou

diferenças fenotípicas, sem quaisquer requisitos quanto às seqüências moleculares

específicas ou a biologia envolvida na produção do fenótipo. Gene D, gene como um

recurso desenvolvimental que é indeterminado com relação ao fenótipo. Estes

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diferentes conceitos demonstram que precisamos reavaliar nosso conceito do que é

um gene, mesmo não existindo um conceito único de gene, é necessário explicitar

em que contextos cada uma dessas definições é utilizada.

Assim o problema reside no fato de que os vários significados do termo gene

e seus respectivos contextos de aplicação não se mostram suficientemente claros e

bem demarcados, o que acaba por gerar uma grande ambigüidade e confusão

semântica do termo. Como sugerido por Venville; Tregust (1998) apud Paiva;

Martins (2004) “o processo de aprendizado, especialmente sobre gene, é uma

evolução que envolve a assimilação conceitual onde um conceito prévio é

reconciliado com novas concepções”.

Pensando que a discussão sobre genes é recente e da importância dessa ser

realizada no Ensino de Biologia, é importante investigar a presença desse debate no

Ensino. Dessa forma, esse trabalho se propõe a analisar as concepções de gene

presentes em alunos do 3° ano do ensino médio de uma escola pública de Cascavel

– PR, antes e após o desenvolvimento de um módulo didático sobre o conceito de

gene mediante uma percepção sistêmica dos fenômenos e processos biológicos.

4. Metodologia

Durante o período de regência do estágio supervisionado em Biologia

realizado com o 3° ano do ensino médio de uma escola pública de Cascavel – PR foi

utilizado doze aulas de cinqüenta minutos para a aplicação de um módulo didático

sobre o conceito de gene. Durante a aplicação deste módulo foram aplicados dois

questionários, um inicial de doze questões dissertativas, com o objetivo de verificar

as concepções prévias que os alunos possuem sobre questões relacionadas ao

gene, e um questionário final com quatro questões dissertativas e uma de múltiplas

escolhas, aplicado após todas as atividades terem sido trabalhadas para verificar se

houve mudanças nas concepções dos alunos. No presente trabalho é analisado o

desenvolvimento do módulo didático, as respostas de duas questões do questionário

inicial (Q1 e Q2) e duas do questionário final (Q3 e Q4), apresentadas do Quadro 1,

as quais foram expostas à análise de conteúdo, de acordo com os pressupostos

teóricos de Bardin (1977), tal método baseia-se na junção de um grupo de técnicas

de análises dos relatos, no qual são utilizados procedimentos sistemáticos sobre o

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conteúdo das mensagens, como indicadores que possibilitam a verificação de

informações referentes às condições de produção e recepção de tais mensagens. A

análise das questões referentes ao conceito de gene seguiram um procedimento

qualitativo mediante a elaboração de categorias de análise (Quadro 2) a partir de

indicativos obtidos pela literatura científica. Os sujeitos da pesquisa foram

identificados por letra A (alunos), seguida de numeração (A-01, A-02, A-03),

preservando assim sua identidade.

Quadro 1: Questões referentes às concepções de gene apresentadas por alunos do ensino médio.

Questões do questionário inicial: Q1 - O que é gene? Q2 - O que é fenótipo? Questões do questionário final: Q3 - Você concorda com a afirmação de que o núcleo das células tem todas as informações para formar as características dos seres vivos? Q4 - Leia as alternativas a seguir e assinale a(s) que você concorda. Justificando sua resposta. (a) Um gene é uma unidade hereditária transmitida da geração parental para a progênie; (b) Um gene é uma seqüência de DNA que codifica um produto funcional, que pode ser um polipeptídio ou um RNA; (c) Um gene é uma seqüência de DNA com uma estrutura característica; (d) Um gene é uma seqüência de DNA com uma função característica; (e) Um gene é uma seqüência de DNA que contêm uma informação característica. (f) Um gene é um processo que inclui seqüências de DNA e outros componentes, que participam na expressão de um produto polipeptídico ou um RNA particular; Justificativa:

Quadro 2: Categorias utilizadas para a análise dos conceitos de genes presentes em alunos do ensino médio.

Categoria Alternativas correspondentes na questão 4

Definição

C1 Gene Mendeliano

A Gene como unidade de herança/ hereditariedade (não possui vínculo direto com uma estrutura física e/ou molecular).

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C2 Gene Molecular Clássico

B Gene como uma sequência de DNA que codifica a produção de um polipeptídeo ou RNA (combina os aspectos: estrutural + funcional ou estrutural + funcional + informacional).

C3 Gene Estrutural

C Gene como estrutura que guarda ou transmite informações, sem estabelecer correspondência com produtos funcionais.

C4 Gene Informacional

D e E Unidade de informação/código sem destacar um vínculo estrutural.

C5 Gene Sistêmico

F Gene como processo que integra diversos elementos (moleculares, celulares, orgânicos e/ou ambientais), culminando com a produção de determinadas produtos e/ou características no organismo.

C6 Resposta incoerente

- Respostas não condizentes com o assunto.

5. Desenvolvimento

O módulo didático foi composto por três unidades didáticas, desenvolvidas em

doze aulas de cinqüenta minutos em uma turma de terceiro ano do ensino médio.

Estas unidades incluíram a realização do questionário inicial, o desenvolvimento das

aulas e o questionário final, conforme descrito no Quadro 3.

Quadro 3: Seqüência de unidades didáticas do módulo didático.

Unidades didáticas

Conteúdo Nº de aulas

1 Aplicação do questionário inicial. A contextualização do gene, DNA e cromossomo na

célula eucariótica.

3

2 A história da hereditariedade e o conceito de gene nos diferentes períodos históricos.

3

3 O conceito de gene nos diferentes períodos históricos, e a visão determinista do gene/DNA.

Aplicação do questionário final.

6

5.1 Análise do questionário inicial

Para iniciar as atividades do módulo didático foi aplicado um questionário

inicial com doze questões dissertativas para verificar as concepções que os alunos

apresentam sobre os conceitos de cromossomo, DNA e gene. A análise relativa aos

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conceitos de gene apresentados por estudantes do ensino médio teve por base duas

questões dissertativas presentes no questionário inicial: “O que é gene?” e “O que

é fenótipo?”

As respostas obtidas a partir da questão dissertativa “O que é gene?” Estão

representadas no Quadro 4.

Quadro 4: Categorias referentes ao conceito de gene: C1– Gene Mendeliano; C2 – Gene Molecular clássico; C3 – Estrutural; C4 Informacional; C5 Sistêmico; C6

Resposta incoerente.

C1

C2

C3

C4

C5

C6

Alu

no

s

A30 A38 A39

A4 A5

A10 A11 A13 A14 A16 A17 A18 A20 A21 A22 A23 A28 A29 A33 A36 A37

A2 A3 A6 A7 A8 A9

A12 A15 A19 A24 A25 A31 A32 A35

A27 - A26 A34

Na análise referente à questão “O que é gene?”, observa-se maior

freqüência de respostas que se assemelham ao conceito molecular clássico de gene

em relação às demais categorias. Dezoito alunos elaboraram respostas condizentes

com o conceito molecular clássico. A condição para a inclusão das respostas dos

alunos nessa categoria (2) foi a identificação do gene como unidade estrutural e

funcional, somando-se, muitas vezes ao caráter informacional do mesmo. Alguns

exemplos de respostas colocadas nessa categoria estão apresentadas a seguir:

A4: Segmento da molécula de DNA capaz de codificar a síntese de uma determinada proteína.

A5: O gene é definido como a porção da molécula de DNA capaz de mudar a síntese de uma determinada proteína;

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A17: Ele é definido como a porção da molécula de DNA capaz de codificar a síntese de uma determinada proteína. Ele possui um numero específico de bases nitrogenadas e distribui numa seqüência especifica.

Waizbort; Solha (2007) indicam que mesmo o conceito molecular clássico

sendo procedente de pesquisas realizadas na década de 1960 e tendo sido

desafiado por muitos estudos da biologia molecular, essa definição continua a mais

utilizada em livros modernos de biologia celular e molecular. Estes livros interferem

diretamente na visão dos alunos, visto que são o material de apoio utilizados por

eles. Nesse sentido, os dados encontrados na pesquisa aqui apresentada são

corroborados pelo estudo feito sobre o conceito de gene com 112 estudantes de

graduação em biologia de duas universidades brasileiras, realizado por Joaquim et

al. (2007), o qual encontrou que o conceito molecular clássico prevaleceu nas

respostas dos estudantes. Portanto, existem indicativos que tanto entre alunos do

ensino médio quanto entre estudantes de cursos de Biologia o conceito molecular

clássico de gene ainda é o mais presente. Assim como existem estudos com

professores/pesquisadores como o de Stotz et al. (2004) com cientistas australianos,

no qual as respostas indicam que o conceito de gene molecular clássico continua a

agir como um importante ponto de partida para biólogos em conceituar o gene.

Outro conceito que esteve presente nas respostas de quinze alunos foi de

gene estrutural (Categoria 3), o qual enfatiza o gene apenas como estrutura física

(DNA, cromossomo, etc.). Algumas das respostas que configuraram essa categoria

foram:

A2: É uma parte do DNA.

A3: É considerada uma estrutura individual que ocupa um lugar no cromossomo.

A9: A menor unidade de DNA.

A19: Gene é estrutura quimicamente constituído de DNA, encontrada no cromossomo.

No que se refere às respostas dos alunos para a categoria 3, todas

evidenciam o gene como determinada unidade localizada em um ponto específico,

sem considerar o processo de interação celular, orgânica e ambiental que interfere

na expressão gênica. Segundo El–Hani (2007), inicialmente o gene molecular tinha

uma estrutura bem definida, com começo e fim facilmente determináveis, porém, os

problemas do conceito de gene como unidade estrutural tiveram início quando Jacob

e Monod, em 1961, propuseram o modelo operon. Este se refere a um conjunto

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interligado de elementos regulatórios e genes estruturais cuja expressão é

coordenada pelo produto de um gene regulador situado em outra parte do genoma.

Assim, não estava claro no modelo do operon como identificar as unidades

envolvidas: se a unidade consistia no conjunto de genes estruturais e regulatórios

que atuavam em conjunto, ou se cada gene deveria ser tratado individualmente,

como uma unidade. Problemas como estes desafiaram a idéia de gene como

unidade estrutural.

Apenas uma resposta configurou o conceito de gene informacional (Categoria

4) o qual considera o gene como uma unidade de informação/código sem destacar

um vínculo estrutural, a qual pode ser observada a seguir:

A27: Uma característica derivada de algum indivíduo onde traz uma seqüência de dados do próprio.

O conceito de gene mendeliano (Categoria 1) o qual trata o gene como uma

unidade de herança/hereditariedade, sem vínculo direto com uma estrutura física ou

molecular, uma vez que, este conceito antes de ser associado a estruturas físicas

como o cromossomo, teve um caráter instrumental para a realização de cálculos

relativos às características fenotípicas apresentadas, foi encontrado em três

respostas iguais:

A30; A38; A39: Uma característica vinda de algum indivíduo.

Destaca-se que o conceito de gene passou de um caráter instrumental para

um concreto no período entre o início do século XX até a formulação do conceito

molecular clássico. No entanto, a crise do conceito de gene que se seguiu a essa

formulação, fez com que fosse repensado o caráter concreto do gene (como uma

estrutura que tem identificação exata no DNA e função específica).

Percebe-se que as ideias que tangenciaram o gene como unidade de

estrutura, função e/ou informação (categorias 2, 3 e 4) foram apontadas por 33 dos

39 sujeitos investigados. Isso identifica que mesmo com os desafios colocados pelas

novas pesquisas na área de genética em reconhecer o gene como unidade, esta é

ainda a definição de maior freqüência pelos alunos do ensino médio que

responderam ao questionário. Os dados indicam também que ao conceituar gene,

na maioria das vezes, não se leva em consideração a complexidade dos processos

interativos que ocorrem entre gene, organismo e ambiente, ou seja, o gene não é

comumente conceituado a partir de uma abordagem sistêmica e contextual.

Atas do Evento Os Estágios Supervisionados de Ciências e Biologia em Debate II

A falta de relacionar o gene em uma abordagem sistêmica foi ainda

intensificada nas respostas da questão dissertativa “O que é fenótipo?” onde todos

os alunos consideraram em suas respostas apenas a expressão do genótipo sem a

interferência do ambiente, o que pode ser observado nas falas a seguir:

A1: São os genes que determinam a aparência das características hereditárias.

A3: É a expressão da constituição hereditária de um organismo.

A5: São as características que se manifestam em um indivíduo, sejam elas de ordem morfológica ou fisiológica.

A9: É a parte visível do genótipo, ou seja, a característica física da espécie.

A13: É a manifestação do genótipo do indivíduo.

As respostas a questão sobre o fenótipo confirmam a visão determinista dos

alunos, de que o gene determina as características dos indivíduos, representa ainda

a prevalência do “tradicional” conceito molecular clássico, de estrutura e função, no

qual o gene é uma sequência de DNA que codifica um determinado produto final,

como expressado também pela maioria dos alunos na questão “O que é gene?”.

Como constatado nas respostas dos alunos ao questionário inicial a

prevalência da visão determinista e do conceito molecular clássico de gene, buscou-

se trabalhar no módulo didático a contextualização histórica do conceito de gene em

uma perspectiva sistêmica e apresentar a presença de diferentes definições de

gene.

5.2 O desenvolvimento do módulo didático

Inicialmente foi trabalhada no módulo didático uma problematização sobre o

conteúdo de herança biológica baseada na pergunta “o que é genética?” Enfocando

que quando se estuda genética não se pode deixar de pensar na incrível diversidade

de vida que se observa na natureza, intrigando os alunos com as seguintes

perguntas: “Como se originou essa diversidade?”; “Se pensarmos em nós, como nos

originamos?”; “Como se forma o nosso corpo?”; “Como será que uma célula é capaz

de se modificar em tantas estruturas?” Estas perguntas acabaram deixando os

alunos pensativos, e apenas um ou outro arriscou algumas respostas meio confusas

ainda, como por exemplo, “divisão celular”; “mitose”, “tem diferentes tipos de

células”, percebendo a dificuldade dos alunos, foi importante relembrar um pouco do

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desenvolvimento humano. Assim é importante relembrar o conteúdo do 1° ano sobre

citologia – estudo da célula, para isso foi utilizado o mapa da célula animal onde os

alunos puderam visualizar e relembrar sua estrutura e organelas. Após relembrar um

pouco as organelas no citoplasma, focamos a atenção dos alunos no núcleo,

fazendo a seguinte questão: “O que tem no núcleo?” Poucos alunos expuseram

suas idéias, assim explicamos as partes e os componentes com suas respectivas

funções. Para expor uma relação entre o DNA, genes e cromossomos, indagaram-se

as seguintes questões: Então, onde se encontra o DNA? Conseqüentemente os

alunos responderam no núcleo, então perguntamos: Solto no núcleo ou concentrado

em alguma estrutura? E alguns alunos responderam que estava nos cromossomos.

E o que é cromossomo? Para esta explicação desenhamos e descrevemos no

quadro que um cromossomo é uma longa seqüência de DNA agregada a proteínas

estruturais, as histonas. Nesta ocasião foi apresentado na TV pendrive uma imagem

com cromossomos durante a metáfase, para os alunos visualizarem a estrutura.

Para encerrar a aula, foi passado um filme na TV pendrive que aborda a relação

entre DNA, genes e cromossomos, onde os alunos conseguiram relacionar os

conceitos.

A história da herança genética e a descoberta do material hereditário, foi

trabalhada com uma apresentação em slides na TV pendrive, com um resumo da

história da hereditariedade e com algumas imagens. Com esta apresentação, os

alunos foram indagados sobre como ocorre a herança biológica. Explicando que a

busca por uma explicação para a herança biológica já vem de muito tempo atrás.

Como exemplo, foram explicadas as principais teorias antes de Cristo dos filósofos:

Hipócrates e Aristóteles, citando ainda a teoria dos atomistas e a teoria da pré-

formação. Posteriormente foi apresentado a história e o trabalho de Mendel e as

contribuições de Hugo de Vries, Weismamn, Johannsen, Thomas Morgan, e para

finalizar apresentamos os experimentos decisivos na compreensão do DNA como

material genético, o experimento de Griffith com Pneumococcus em 1928, de Avery,

Mc Clead e Mc Carty em 1944 e de Hershey e Chase em 1952, finalizando com a

imagem e o modelo da estrutura da dupla hélice do DNA publicada em 1953, por

Watson e Crick, com o auxilio de Maurice Wilkins, Rosalind Franklin e

colaboradores.

A aula seguinte foi sobre a formulação do conceito de gene molecular

clássico e suas inconsistências. Foi apresentado o conceito de gene molecular

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clássico no qual se entende o gene tanto como unidade estrutural quanto como

unidade funcional. Para finalizar, apresentamos algumas inconsistências que este

conceito molecular clássico apresenta, como por exemplo, o splicing alternativo.

Após apresentar alguns problemas no conceito molecular clássico foram

apresentadas outras definições de gene, tais como: Gene Mendeliano, Gene

estrutural, Gene funcional, Gene informacional e Gene molecular processual.

Após descrever as definições de gene, os alunos fizeram uma atividade em

grupo com reportagens de revistas sobre o tema (DNA e genes), para os alunos

lerem, responderem questões relacionadas à reportagem e apresentarem para os

colegas discutindo as questões. A partir destas reportagens, foi evidenciado que a

mídia, muitas vezes, promove certo determinismo genético, explicando que o

determinismo genético é o discurso, crença, que dita que todas as características

são determinadas geneticamente. Assim finalizamos a aula com uma apresentação

em slide sobre determinismo genético e com o questionário final.

5.3 Análise do questionário final

Para finalizar o módulo didático aplicamos um questionário final, para verificar

se houve uma construção do conceito sistêmico de gene, do qual foram analisadas

duas questões (Q3 e Q4). A análise da questão Q4 sobre o conceito de gene esta

exposta no Quadro 5.

Percebe-se pelas respostas dos alunos que apesar dos mesmos entrarem

em contato com uma diversidade de conceitos de gene e de ter sido apresentado

durante o módulo os desafios colocados ao conceito molecular clássico, os alunos

ainda apresentam com maior freqüência a idéia do gene como unidade de estrutura

e função característica do conceito molecular clássico, expondo assim que este

conceito está arraigado no ensino de genética.

Quadro 5: Categorias referentes ao conceito de gene: C1– Gene Mendeliano; C2 – Gene Molecular clássico; C3 – Estrutural; C4 Informacional; C5 Sistêmico; C6

Resposta incoerente.

C1

C2

C3

C4

C5

C6

Atas do Evento Os Estágios Supervisionados de Ciências e Biologia em Debate II

Alu

no

s

A2 A3 A4 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19 A20 A21 A22 A23 A25 A26 A29 A30 A31 A32 A33 A34 A36 A37 A38

A3 A4 A6 A7 A8 A10 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A19 A20 A21 A22 A23 A26 A29 A30 A31 A32 A33 A34 A36 A37 A38

A22 A37

A2 A3 A4 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A15 A16 A19 A20 A21 A22 A23 A26 A29 A30 A31 A32 A33 A34 A36 A37 A38

-

Porém na análise da questão “Você concorda com a afirmação de que o

núcleo das células tem todas as informações para formar as características dos

seres vivos?” percebe-se nas respostas dos alunos uma visão mais sistêmica dos

processos biológicos, considerando fatores externos ao genótipo na constituição das

características, o que não esteve presente nas respostas ao questionário inicial. A

maioria dos alunos incluiu em suas respostas a influência do ambiente e de diversos

fatores para formar as complexas características dos organismos, o que pode ser

observado nos exemplos das respostas a seguir:

A2: Não, pois é preciso de mais fatores para formar as características de um ser vivo.

A4: Não. O DNA não daria conta de formar tudo individualmente, pois o nosso corpo é muito complexo.

A7: Não, pois apesar de conter genes que tem tendência a certas dessas características não depende somente do núcleo celular, existem vários fatores influenciadores que determinam nossas características.

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A10: Acredito que as características são fornecidas por vários fatores, a influência vem desde o DNA como até o ambiente, onde vivemos influência nisso.

Sendo assim, apesar da maior freqüência do conceito molecular clássico nas

respostas dos alunos, estes conseguiram construir uma visão mais sistêmica dos

processos biológicos. Desta forma, apesar de reconhecer que trabalhar os

processos biológicos de forma integrada no ensino de biologia apresenta-se como

um grande desafio, o módulo didático em uma perspectiva histórica e epistemológica

contribuiu para integrar uma percepção mais sistêmica dos processos biológicos na

visão dos alunos, representando ser um bom método para trabalhar a compreensão

de conceitos biológicos.

6. Considerações finais

A análise dos resultados apresentados nesta pesquisa mostra a dificuldade

que os alunos do ensino médio possuem em integrar os conceitos biológicos nos

complexos processos biológicos, representando a maior presença de uma visão

determinista genética. Verifica-se nas respostas dos alunos ao questionário tanto

inicial quanto final a prevalência do conceito molecular clássico e uma grande

dificuldade de construir uma visão sistêmica, porém nas respostas ao questionário

final os estudantes passam a incluir em suas respostas, mais de um conceito,

havendo assim uma sobreposição de conceitos. Pode-se perceber ainda, que os

alunos possuem uma visão mais sistêmica dos processos biológicos, quando estes,

consideram fatores externos, como o ambiente influenciando na formação das

características dos organismos.

O módulo didático trabalhado atraiu o interesse dos jovens e propiciou uma

contextualização histórica, mostrando como se dá a construção de conceitos

científicos e desmistificando a idéia da ciência como sendo linear. Foram discutidos

também, temas que são novidade constante na mídia, estes parecem atrair o

interesse dos jovens. A divulgação dos avanços da Ciência é necessária e deve

preparar o cidadão para assimilar informações de qualidade, que aprimorem seu

juízo crítico e, consequentemente, dão solidez a uma sociedade verdadeiramente

democrática. Por isso, Paiva; Martins (2004) afirmam a importância de que os

professores de Biologia desenvolvam estratégias de ensino que identifiquem as

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idéias alternativas dos estudantes sobre estes conceitos, para que eles possam

reformulá-los impedindo que concepções alternativas persistam.

Os resultados aqui apresentados enfatizam a necessidade de mudanças no

processo ensino-aprendizagem de conceitos genéticos. Mudanças estas que

passam pela capacitação dos docentes, adequação dos livros didáticos e introdução

de novas formas de linguagem. É necessária a busca de novas estratégias que

possam contribuir na elaboração e conceitualização da Ciência do DNA. A

apropriação de conceitos como DNA e gene são fundamentais para o entendimento

e a compreensão das recentes descobertas científicas, principalmente nas áreas da

Biologia Molecular e Genética, muitas vezes polêmicas. Sem este entendimento fica

difícil tomar posição sobre questões culturais, sociais e éticas que envolvem a

aplicação das tecnologias relacionadas ao DNA.

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