O ENSINO DE LITERATURA: CONCEPÇÕES DISCURSIVO- · Experiência Estética e que se refere à...

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O ENSINO DE LITERATURA: CONCEPÇÕES DISCURSIVO-INTERACIONISTAS E A CONTRIBUIÇÃO DO MÉTODO RECEPCIONAL

GAGLIOTTO, Ivaneide Rovani1 (PDE 2010)OLIVEIRA, Valdeci Batista de Melo2 (UNIOESTE)

RESUMO: O presente artigo objetiva tratar da leitura no contexto literário, além da questão da formação de leitores. Muito se discute sobre como tornar a leitura literária atraente na escola, mas uma discussão dissociada aos programas curriculares que ainda se apresentam a partir da história da literatura. Desta forma, sugerimos as contribuições da Estética da Recepção cuja a reflexão sobre a produção literária é feita sob a ponto de vista do leitor, sendo este, considerado importante e atuante no processo. Assim como o método é importante, uma metodologia coerente torna-se primordial num trabalho de abordagem textual, pois é mediante a sistematização das propostas de trabalho que revelaremos que leitor queremos formar. Neste sentido, a contribuição que o Método Recepcional pode trazer para as salas de aula está posta, exatamente, na prioridade dada ao leitor e seus conhecimentos prévios. PALAVRAS-CHAVE: Leitura literária; Estética da Recepção; Método Recepcional.

ABSTRACT: This article aims to address the reading in the literary context, beyond the issue of educating readers. There is debate about how to make attractive literary reading in school, but a discussion coupled to curricula that are still present from the history of literature. Thus, we suggest the contributions of the Aesthetics of Reception, where reflection on the literature is made in the reader's point of view, which is considered important and active in the process. As the method is important, a consistent methodology becomes paramount in a work of textual approach. For it is through the systematization of the proposed work will reveal that readers want to form. In this sense, the contribution that the method Recepcional, can bring the classroom takes exactly the concern directly with the reader and their previous knowledge.

KEYWORDS: Literary Reading, Reception Aesthetics, Method Recepcional.

INTRODUÇÃO

Apesar da formação nas licenciaturas, das formações continuadas e

dos documentos curriculares oficiais apontarem para estudos de diferentes

concepções em relação ao ensino de literatura na escola, nós, professores de

Língua Portuguesa, ainda nos encontramos diante de práticas que não estão

1 Professora PDE Colégio Estadual Mario de Andrade – CEMA – Francisco Beltrão/PR. 2 Professora Doutora da UNIOESTE, de Cascavel/PR.

trazendo resultados satisfatórios; pelo contrário, estamos presenciando um

crescente afastamento dos implicados (professores e alunos) da leitura

literária.

A “crise do ensino de literatura” faz parte da crise da instituição escola

como um todo e suas razões se estendem para além do périplo da escola. Mas

a crise do ensino de literatura e a complexidade de seus problemas estão

sendo postos à baila nos inúmeros debates que circulam desde o final da

década de 70. Não cabe aqui discutir todas estas questões e problemas,

restringimos o foco à práxis pedagógica do professor de Língua Portuguesa,

pois ele está entre os livros e os alunos. Não que isso signifique atribuir ao

professor e sua prática, a responsabilidade pela crise que se instaurou nas

escolas, em se tratando de leitura literária, pois sabemos que implica em

diversas outras questões, considerando as contradições da sociedade em que

vivemos. Apenas queremos destacar prática docente na formação de leitor

como nosso objeto de investigação.

As DCEs, ao discutirem o ensino de leitura/literatura na escola,

propõem pressupostos teórico-metodológicos interacionistas, como

alternativas. Isso se dá a partir dos quais o texto literário é entendido como

discurso que se efetiva nas diferentes práticas sociais e, que no processo de

ensino-aprendizagem, por meio da leitura, o aluno desenvolve sua capacidade

de pensamento crítico e a sensibilidade estética, a expansão lúdica, porque a

produção literária está vinculada à representação social e humana.

Ao comparar essa perspectiva à perspectiva que estamos

desenvolvendo no ensino de literatura em sala de aula, percebemos que, na

realidade, o que ensinamos quando nos referimos à aula de literatura é uma

didatização da historiografia acadêmica e, mais ainda, com base em textos

literários fragmentados trazidos pelos livros didáticos. Talvez, seja essa a

“lacuna” a que leve ao “desencanto” pela leitura de literatura por parte dos

alunos. Então, temos aqui um grande desafio: O que ensinar e como ensinar,

ou seja, o que na realidade, é “conteúdo” de literatura a ser ensinado e que

metodologia utilizar.

O modelo de aula de literatura atualmente em vigor na escola brasileira poderia ser descrito como uma sequência de

atividades mais ou menos estáticas, ditadas inclusive pelo próprio livro didático: apresentação de um texto, explicação do vocabulário, exercícios de interpretação, exercícios gramaticais e composição. Tentativas de integração dos conteúdos literários por vezes se fazem com a área de Artes Plásticas ou música, resumidas, entretanto ao preenchimento do tempo útil dos alunos, sem maiores vinculações [...]. (BORDINI & AGUIAR, 1993, p.36).

Essa afirmação se encaixa como luva para a maioria das aulas de

literatura praticadas nas escolas. Assim, ao eleger um livro didático como

condutor das suas aulas, o professor passa a não exercer seu papel

fundamental, o de mediador, cumprindo apenas uma tarefa meramente

reprodutora de ideologias que ele mesmo desconhece.

A busca de teorias que deem suporte a alternativas capazes de

efetivar práticas de ensino que não incorram neste vezo, partindo de metas

definidas pelas necessidades dos alunos, é fundamental para que se chegue a

resultados produtivos, superando-se, assim, o imobilismo dos modelos

idealistas tradicionais. (BORDINI & AGUIAR, 1993, p.40).

A escolha do gênero discursivo e literário romance foi realizada

tendo-se em vista a dificuldade dos alunos em efetuarem uma leitura

compreensiva de textos desse gênero (discursivos e literários), nesse suporte.

Por outro lado, nós, professores, não temos conseguido, ainda, efetivar

propostas de ensino motivadoras e capazes de mobilizar os alunos de forma a

realizar um estudo que vá além de uma leitura temática e historiográfica.

A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO

Toda leitura se constitui num ato dialógico, uma vez que, ao ler, acionamos

nossos conhecimentos prévios resultantes de nossas experiências – nossa

formação familiar, religiosa e cultural. Portando, é a partir de diversos níveis de

conhecimento que se constrói o sentido de um texto.

A socialização do indivíduo se faz, para além dos contatos pessoais, também através da leitura, quando ele se defronta com produções significativas provenientes de outros indivíduos, por meio do código comum da linguagem escrita. No diálogo que estão se estabelecendo o sujeito obriga-se a descobrir

sentidos e tomar posições, o que o abre para outro. (BORDINI & AGUIAR,1993,p.10).

Partindo dos pressupostos norteadores das Diretrizes Curriculares

Estaduais, em que a perspectiva do ensino da língua deve ser a de aprimorar

os domínios discursivos dos alunos (oralidade, leitura e escrita), o texto literário

configura-se em um campo de leitura interessante, visto que permite relações

dialógicas com outros textos e com outras áreas do conhecimento.

Em relação à ação do professor de Língua Portuguesa e Literatura, o

documento prevê uma função mediadora na formação do leitor, comprometida

em proporcionar aos educandos o contato com uma extensa variedade de

textos, abordando-os por meio da interação, cuja análise vise construir

conhecimento em outras áreas, da mesma forma que possibilite a ampliação

de sua expressão escrita e de suas relações sociais.

O texto literário possibilita transitar em um âmbito maior da cultura por

possuir a possibilidade de plurissignificação, uma vez que para construir

sentidos e produzir novos significados, o escritor de literatura trabalha a palavra

indo além do seu significado básico (a palavra em estado de dicionário);

também seleciona e combina as palavras para obter o máximo de efeito sonoro

em busca do ritmo poético:

Todos os livros favorecem a descoberta de sentidos, mas são os literários que o fazem de modo mais abrangente. Enquanto os textos informativos atêm-se aos fatos particulares, a literatura dá conta da totalidade do real, pois representando o particular, logra atingir uma significação mais ampla. (BORDINI e AGUIAR,1993, p. 13).

Assim, desenvolver metodologias de ensino de literatura significa

entender o texto literário como discurso produzido a partir de representação

social e humana. Desta forma, a literatura é vista como “arte que

transforma/humaniza o homem e a sociedade”. (CÂNDIDO,1972).

Para que a leitura do texto literário se torne frutífera, precisamos

entender quais são os “processos” dos quais lançamos mão para ensinar e

quais conceitos e metodologias da literatura têm embasado nossas aulas. O

documento DCE aponta para as teorias da Estética da Recepção e Teoria do

Efeito:

(...) visto que essas teorias buscam formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática de leitura. A escola, portanto, deve trabalhar a literatura em sua dimensão estética. (PARANÁ, 2007, p. 57).

A teoria da Estética da Recepção, de Jauss (1994), destaca a questão

da recepção; o que há de positivo é que, juntamente, começam a aparecer

novas metodologias de ensino baseadas numa outra visão de texto literário. Ou

seja, o estudo do literário como função de um determinado modo de

interlocução, onde o papel do interlocutor passa a ser valorizado na

instauração de significados.

Um dos aspectos fundamentais da Estética da Recepção é refletir sobre

o relacionamento da obra com o autor, o que Jauss (1994) denominou como

Experiência Estética e que se refere à tomada de atitude do leitor em relação à

obra; é o prazer estético que, segundo ele, desenvolve-se em três atividades

importantes e inter-relacionadas: Poiesis, Aisthesis e Katharsis.

Poiesis: Diz respeito ao momento de produção, quando ocorre o

preenchimento dos vazios do texto; é o prazer do recebedor quando se sente

coautor da obra.

Aisthesis: Diz respeito ao momento da recepção; é o efeito que a obra

causa no leitor, quando alarga os conhecimentos que este tem do mundo.

Katharsis: Diz respeito à comunicação, onde ocorre a identificação, ou

seja, processo que afeta as possibilidades existenciais do leitor, levando-o a

assumir novas maneiras de comportamento.

A discussão levantada por Jauss (1994), em relação aos estudos

literários, consiste na valorização do leitor, sem desmerecer o valor estético da

obra. Segundo o autor:

[...] o significado da obra literária se concretiza na recepção, sem a constante participação ativa do leitor, a obra literária não existiria. [...] a tradição da arte pressupõe uma relação dialógica do presente com o passado, relação esta em decorrência da qual a obra do passado somente nos pode responder a “dizer alguma coisa” se aquele que hoje a contempla houver colocado a pergunta que a traz de volta do

seu isolamento [...] O novo, portanto, não é apenas uma categoria estética. [...] O novo torna-se também categoria histórica quando se conduz a análise diacrônica da literatura até a questão de quais são, efetivamente, os momentos históricos que fazem do novo em uma obra literária o novo. (JAUSS, 1994. p. 40 e 45, grifo do autor).

A Estética da Recepção fundamenta-se no relativismo histórico e

cultural, propondo uma análise literária centrada no leitor, deixando para

segundo plano a obra e o autor. O que os principais articuladores da Estética

da recepção – Jauss e Iser – propõem, portanto, é conjugar harmoniosamente

a qualidade estética com a presença do leitor. Ao considerar o leitor e a obra

no mesmo patamar, a obra literária passa a ser uma provocadora de efeitos.

Jauss (1994) organizou seus estudos em sete teses:

A primeira tese aborda a relação dialógica entre leitor e texto: uma

obra de arte passa a existir no momento da recepção, no ato dialógico; também

não é atemporal uma vez que se atualiza a cada leitura.

A segunda destaca o saber prévio: toda obra remete a algo já

conhecido, não se constituindo, assim, totalmente no novo, no absoluto, mas

reporta-se ao que já é conhecido em outras obras e isso levará o leitor a reagir

de maneira particular, pois dependerá também das leituras anteriores que ele

possa ter ou não.

A terceira enfatiza o horizonte de expectativas: refere-se à maneira

como a obra foi recebida pelos leitores. As reações (refutação, aprovação) que

os mesmos manifestarem irão determinar o valor estético da obra literária.

A quarta aponta a relação dialógica do texto: está relacionada à

maneira como a obra foi lida na época de sua produção e à maneira como é

lida na atualidade. Ela reconstitui o horizonte de expectativas quando traz

respostas às necessidades do público que a lê.

A quinta discute o enfoque diacrônico: trata-se do processo histórico

de recepção e produção estética.

A sexta refere-se ao corte sincrônico: o caráter histórico da obra

literária é visto pelo viés atual.

A sétima trata do caráter emancipatório da obra literária: relaciona a

experiência estética com a atuação do homem em sociedade, permitindo a

este, por meio de sua emancipação, desempenhar um papel atuante no

contexto social.

Percebemos que “olhar” uma obra literária através das postulações de

Jauss (data), significa admiti-la a partir da sua recepção, ou seja, do momento

em que é lida, pois ela passa a existir no ato dialógico entre obra e leitor,

desmistificando a visão do “monumental histórico”.

Na sequência, Jauss (data) afirma que a leitura de uma obra depende do

“saber prévio”, das experiências dos leitores, são elas que determinam as

reações diante da recepção do texto, que são únicas, particulares a cada leitor.

Assim, ao se construir o “horizonte de expectativas”, resultado das reações,

nesse intervalo entre obra e horizonte de expectativas, pode-se avaliar o valor

estético de uma obra literária, ou seja, seu caráter artístico.

Ao apontar a relação dialógica do texto literário, Jauss (1994) coloca a

questão do que Zilberman (1989) denomina reconstituição dos horizontes de

expectativas. Segundo a autora, consiste em o texto “literário trazer respostas

às necessidades do público com o qual dialoga, sem o qual sua presença não

se justificaria”. (ZILBERMAN, 1989, p.36).

Ainda, segundo os estudos da autora, Jauss (1994), a partir da quinta

tese, estabelece um “programa de ação”, no qual investiga o texto literário sob

três aspectos: “O diacrônico” que se refere ao contexto em que a obra foi

produzida, ou seja, ao seu processo histórico de localização. “O sincrônico que

seria o estabelecimento de relações de um dado momento histórico e a

articulação entre outras fases” (p.38). E por fim, a última tese ”procura

relacionar produção literária com a sociedade”. (p.38). Trata-se da relação

entre a experiência estética e a atuação do homem em sociedade. Do ponto de

vista da Estética da Recepção: “a arte não existe para confirmar o conhecido, e

sim, para contrariar as expectativas [...] então, a literatura pode levar o leitor a

uma nova percepção do universo”. (ZIBERMAN, 1989, p.36 a 38).

Assim, a principal contribuição da Estética da Recepção é a de refletir

sobre a produção literária sob o ponto de vista do leitor, sendo este considerado

importante e atuante no processo, o que remete, portanto, a uma metodologia

onde há, necessariamente, a participação ativa do aluno.

A TEORIA DO EFEITO

A Teoria do Efeito, de Wolfgang Iser (apud Lima, 2000), reflete acerca

do resultado estético da obra literária sobre o leitor durante a recepção: “É

sensato pressupor que o autor, o texto e o leitor são intimamente

interconectados em uma relação a ser concebida como um processo em

andamento que produz algo que antes inexistia.” (ISER, apud LIMA, 2000, p.

109).

Iser trabalha com três conceitos: o do leitor implícito. Trata-se de um leitor ideal, o qual nem sempre será o real. O conceito das Estruturas de Apelo: onde o texto literário permite múltiplas interpretações, uma vez que é na recepção que ele significa. No entanto, não está aberto a qualquer interpretação. E o conceito dos Vazios do texto: considerando que texto traz lacunas, vazios, que serão preenchidos conforme o conhecimento de mundo, as experiências de vida, as ideologias, as crenças, os valores, etc., que o leitor carrega consigo. (DCE, 2009).

Assim, entende-se que Iser considera que, no ato de recepção, não se

deve desconsiderar o autor e as previsões que o mesmo faz acerca do seu

imaginário leitor, assim como também as possíveis interpretações que esse

leitor possa vir a fazer da obra, por isso a leitura deve ser guiada pelas pistas

que a obra oferece para não cair em qualquer interpretação. Mas, ao mesmo

tempo, a obra literária significará conforme o conhecimento de mundo que o

leitor possuir.

O MÉTODO RECEPCIONAL

Olhando a atual conjuntura do ensino de literatura nas escolas, vemos

que ele está basicamente pautado pelos roteiros oferecidos pelos livros

didáticos, sendo o texto literário (fragmentado) apresentado aos alunos,

acompanhado de atividades de leitura, sob o comando de um professor

desconhecedor da natureza e finalidade dos mesmos. Este acaba ensinando

teoria literária (da tradição) à leitura literária, nos convencemos da necessidade

de métodos em que o objeto de estudo seja o texto literário na sua íntegra,

acompanhado de atividades que contribuam para o desenvolvimento da prática

discursiva de leitura dos alunos.

Bordini e Aguiar (1993) enfatizam a necessidade de uma metodologia na

abordagem textual:

A tarefa de uma metodologia voltada para o ensino da literatura está em, a partir dessa realidade cheia de contradições, pensar a obra e o leitor e, com base nessa interação, propor meios de ação que coordenem esforços, solidarizem a participação nestes e considerem o principal interessado no processo: o aluno e suas necessidades enquanto leitor, numa sociedade em transformação. (BORDINI & AGUIAR 1993).

Desta forma, pensar num método significa ir além da seleção textual,

significa pensar atividades que não esvaziem o texto original, e isso requer um

conhecimento literário prévio, por parte do professor, que ao optar por este ou

aquele livro didático, deverá, no mínimo, preocupar-se com a orientação da

teoria literária do mesmo.

Assim como o método é importante, uma metodologia coerente torna-se

primordial num trabalho de abordagem textual, pois é através da

sistematização das propostas de trabalho que revelaremos que leitor

queremos formar. Neste sentido, a contribuição que o Método Recepcional

(BORDINI & AGUIAR, 1993), pode trazer para as salas de aula se dá,

exatamente, pela preocupação direta com o leitor, seus conhecimentos prévios

e a constatação de seus horizontes de expectativas. Assim, o trabalho com

literatura “potencializará uma prática diferenciada com o Conteúdo Estruturante

da Língua Portuguesa (O Discurso como prática social) e constituirá forte

influxo capaz de fazer aprimorar o pensamento trazendo sabor ao saber” (DCE,

2009).

A proposta de trabalho, apresentada pelas autoras, consiste em cinco

passos básicos: 1º- Determinação do horizonte de expectativas; 2º-

Atendimento ao horizonte de expectativas; 3º- Ruptura do horizonte de

expectativas; 4º- Questionamento do horizonte de expectativas; 5º- Ampliação

do horizonte de expectativas:

O leitor possui um horizonte que o limita, mas que pode transformar-se continuamente, abrindo-se. Esse horizonte é o do mundo de sua vida, com tudo o que o povoa: vivências pessoais, sócio-históricas e normas filosóficas, religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam ou explicam tais vivências. Munido dessas referências, o sujeito busca inserir o texto que se lhe apresenta no esquadro de seu horizonte de valores. Por sua vez, o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte, em termos das expectativas do leitor, que o recebe e julga por tudo o que já conhece e aceita. O texto, quanto mais se distancia do que o leitor espera por hábito, mais altera os limites desse horizonte de expectativas, ampliando-os. (BORDINI & AGUIAR, 1988, p. 87)

O método recepcional, em nossa avaliação, apresenta alternativas

positivas para as práticas de ensino de leitura de literatura na escola, uma vez

que, de maneira geral, objetiva aprimorar a competência discursiva do aluno –

despertando nele a autonomia enquanto leitor e promovendo práticas de

leitura, oralidade e escrita pertinentes ao texto literário.

SUGESTÃO DE TRABALHO

A implementação da proposta foi realizada no 2º semestre do ano de

2011 e durante o primeiro bimestre do ano letivo de 2012, em uma turma de 3ª

Ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual Mário de Andrade, em Francisco

Beltrão, PR.

O público-alvo foi composto por alunos provenientes de famílias de

classe médio-baixa e baixa-renda, residentes, em sua maioria, na zona urbana

deste município, com pouco acesso às informações escritas em geral, ao uso

das tecnologias e às leituras. Isso proporcionou, em sala de aula, um trabalho

com obras literárias, no sentido de partir do novo, por meio de títulos a serem

analisados para enriquecer o processo de implementação das atividades

propostas.

Iniciamos com a exposição, aos alunos, do planejamento da proposta,

pontuando as etapas de trabalho como: exibição de trabalhos; esquemas de

direcionamento dos comentários; exposição e discussão de ideias; e

proposição das atividades.

Para determinação do horizonte de expectativas dos alunos,

começamos apresentando um videoclipe do rapper MV Bill, “Traficando

Informação” juntamente com a letra da música impressa. A partir dos mesmos,

iniciamos um diálogo propondo questões que abordaram a recepção que os

alunos faziam dos textos apresentados, destacando o saber prévio, bem como

o reconhecimento do caráter artístico das obras em questão, da maneira como

elas foram (e são) lidas e concebidas nos diferentes contextos sociais, culturais

e históricos.

Na sequência apresentamos um vídeo: “MV Bill na TV Câmara – 02”.

Trata-se de uma entrevista onde MV Bill responde alguns questionamentos

sobre sua vida, sobre o documentário "Falcão: Meninos do Tráfico", o livro

"Cabeça de Porco".

Nesta etapa, como estratégia e instrumento de avaliação, propomos

uma exposição oral (relato) a partir dos questionamentos propostos.

Observamos, nessa atividade, se os alunos utilizaram seus discursos de

acordo com a situação, neste caso, a formal, bem como, se organizaram a

sequência da fala coerentemente.

Tendo detectado as aspirações dos alunos-leitores, procuramos

atender a esses interesses, considerando dois aspectos importantes: primeiro,

oferecer aos alunos textos que correspondessem ao esperado por eles; e

segundo, organizar estratégias de ensino que fossem do conhecimento dos

alunos para, aos poucos, acrescentar elementos novos nas atividades

desenvolvidas.

Para tanto, utilizamos o laboratório de informática, pois além de

complementar a etapa anterior, pesquisando sobre o ambiente Youtube, do

qual retiramos o videoclipe, e aprofundarmos os conhecimentos acerca do

ritmo Rap e da cultura hip hop, ainda percebemos ser, por parte dos alunos,

um ambiente interessante e atraente para a leitura, iniciando pelo sítio:

http://www.favelaeissoai.com.br ,organizado pela equipe da ONG “Favela é isso

aí”, com o intuito de ler o texto “Rap-reportagem a voz e a vez das

comunidades”.

Como estratégia e instrumento de avaliação, propomos a produção de

um artigo de opinião (escrito) a partir das questões levantadas nesta etapa.

Nesta atividade, observamos se o aluno expressou as ideias com clareza,

atendendo a proposta dada quanto ao gênero, interlocutor, finalidade e tema,

utilizando adequadamente recursos linguísticos como a pontuação e ortografia.

Atendido devidamente o horizonte de expectativas dos alunos-

leitores, iniciamos a terceira etapa prevista no método. Para tanto, introduzimos

textos e atividades que abalassem as certezas e costumes dos alunos, mas

sempre observando para que essa ruptura não se desse em todos os

elementos de uma só vez. O papel do professor, aqui, é o de dar condições

para que os próprios alunos percebam que há algo de estranho, de novo no

modo de proceder no, até então, conhecido.

Nossa preocupação, nessa etapa, foi a de que a ruptura

acontecesse de maneira equilibrada para que os alunos não rejeitassem a

experiência nova. Assim, continuamos a abordar a temática trabalhada na

etapa anterior e promovemos a ruptura quanto à forma, à linguagem, o gênero

e/ou estratégias de trabalho com o texto.

Para tanto, desenvolvemos atividades com enfoque diacrônico: ou

seja, no contexto em que a obra foi produzida, exploramos o estilo do autor e

da época; e sincrônico: como ela foi concebida ao longo da história. A partir

dos capítulos iniciais de “O Cortiço”, estabelecemos relações mostrando as

diferenças decorridas nos aspectos formais, composicionais, reconhecendo o

estilo que é próprio de cada autor, bem como o estilo de cada época,

considerando os recursos próprios da linguagem literária.

Na sequência apresentamos o artigo do professor e historiador Romulo

Costa Mattos: “Aldeias do mal” 1/10/2007. Com o objetivo de constatar dados

interessantes sobre a modernidade que chegava ao Rio de Janeiro em fins do

século XIX e constatar que, apesar de toda a evolução que obtivemos nos

últimos dois séculos, o problema do planejamento para receber estes

contingentes que habitaram as estalagens, casas de cômodos e cortiços que,

mais tarde, fugindo da reforma urbana, iriam povoar os morros do Rio, ainda

não foi resolvido. Pelo contrário, as desigualdades afloram cada vez mais.

Como estratégia e instrumento de avaliação, realizamos um debate

regrado. Nesta atividade observamos que os alunos demonstraram

objetividade na exposição dos argumentos e defenderam claramente suas

ideias, respeitaram os turnos da fala, contra-argumentaram ideias formuladas

pelos colegas, utilizando de forma intencional e consciente expressões faciais,

corporais e gestuais, pausas entonações.

Para a etapa seguinte, os alunos-leitores demonstraram-se aptos

para refletirem sobre o trabalho desenvolvido até o momento, comparando-o às

etapas anteriores, assim puderam julgar qual delas apresentou maior grau de

dificuldade e qual lhes proporcionou maior satisfação.

Neste momento, apresentamos a leitura de um capítulo, “Recortar e

colar: A Redenção pelo hip-hop”, do livro “Cabeça de Porco”, do Sociólogo Luis

Eduardo Soares, do músico Mv Bill e do seu empresário Celso Atayde.

Como estratégia e instrumento de avaliação, propusemos um Painel,

atividade onde os alunos tiveram oportunidade de apresentar os diferentes

pontos de vista sobre o tema. A organização do tempo, nesta modalidade, foi

importante para que a audiência pudesse participar e opinar sobre o assunto

em pauta. Nesta etapa, foram consideradas, principalmente, as evidências das

leituras e pesquisas propostas até então. Pudemos verificar que os alunos

conseguiram efetuar leituras compreensivas, globais, críticas e analíticas dos

textos dados, bem como conseguiram localizar informações explícitas e

implícitas dos mesmos, sendo eles verbais ou não verbais.

Para que o questionamento acontecesse de maneira mais

adequada, desenvolvemos atividades que exigissem maior participação e

discussão por parte dos alunos-leitores.

Essa etapa é resultante da reflexão anterior feita pelos alunos. É

quase que inteiramente da responsabilidade dos próprios alunos, uma vez que

são eles que devem ter consciência das mudanças que ocorreram no seu

aprendizado sobre o ensino de literatura, cotejando seus anseios iniciais e os

de agora.

Trata-se, portanto, de uma auto-avaliação por parte do aluno. Para

tanto, foram abordadas questões referentes a leituras contemporâneas,

comparadas as leituras feitas nas etapas anteriores. Construímos condições de

os alunos-leitores avaliarem a eles próprios e ao seu crescimento e o que ainda

restava para ampliar em seu horizonte de expectativas.

Como estratégia e instrumento de avaliação, foi proposto a criação de

um rap, a partir da realidade atual, com vistas a apresentá-lo aos colegas de

sala. Esta produção demonstrou que os alunos conseguiram ampliar seus

horizontes de expectativas, ou seja, conseguiram produzir inferências e

posicionar-se critica e analiticamente diante da realidade, compreendendo as

diferenças decorridas do uso de palavras e expressões a partir do contexto,

bem como o sentido conotativo das mesmas e seus efeitos.

No processo dinâmico da recepção, previsto pelo Método Recepcional,

esta última etapa coincide com o início de uma nova aplicação do método,

porém, com a grande vantagem de poder contar com a participação dos alunos

desde o início do processo.

Verificou-se, assim, claramente que o aluno-leitor é o ponto principal do

Método Recepcional, pois tem lugar de destaque nas teorias interacionistas: “o

significado da obra literária se concretiza na recepção; sem a constante

participação ativa do leitor, a obra literária não existiria”. (DCE, 2009).

Ao propor esse trabalho literário com as obras escolhidas, não

queríamos esgotar todas as possibilidades de estudo das obras, apenas

apresentar algumas dessas possibilidades de desenvolver a abordagem do

texto literário, pensada a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da

Estética da Recepção.

CONSIDERAÇÃOES FINAIS

Na experiência apresentada verificou-se que a Teoria da Recepção

e o Método Recepcional trazem contribuições valiosas na formação de leitores,

tendo em vista que, a partir do momento em que se parte do próprio

conhecimento dos alunos-leitores, o interesse pela leitura literária tende a ser

cada vez maior.

A adoção de um método pedagógico é necessária, pois

determina todo o processo de ensino-aprendizagem, orientando-o para um

certo tipo de aluno que se prevê formar. Nesse sentido, o Método Recepcional,

auxiliou na seleção e organização dos textos para alcançar o objetivo de formar

social e culturalmente o aluno, capacitando-o a descobrir sentidos na leitura

literária, bem como reelaborá-la numa perspectiva crítica.

Em todos os momentos, a interferência do professor foi condição

primeira para que o processo se estabelecesse. Verificamos que os textos, por

si só, sem receber a intervenção do professor, esclarecendo-os em alguns

pontos de mais difícil compreensão, não ofereciam aos alunos o mesmo

recurso enriquecedor, pois na sala de aula o livro, a obra literária, deixa de ser

apenas uma leitura a mais para ser uma fonte de aprendizagem e de

descobertas. E o professor é o mediador de todo o conhecimento que um texto

pode despertar.

Foi possível perceber que os alunos, a cada etapa trabalhada, foram

se tornando mais críticos e perspicazes nas inferências do texto. Eles foram

ampliando seu universo cultural. Deixaram de realizar uma leitura superficial,

afetiva, presa ao enredo e passaram a ler nas entrelinhas, ressignificando o

texto.

Ao proporcionar o contato com diversos gêneros discursivos de

suportes diferentes, realizando estratégias diferentes para cada leitura,

percebemos que os alunos foram capazes de perceber que cada gênero requer

um modo diferente de leitura no que se refere à interação que estabelecemos,

considerando as inferências necessárias no ato da leitura.

Por fim, as atividades desenvolvidas nesta proposta resultaram em

práticas pedagógicas que também poderão vir a ser incorporadas no cotidiano

escolar em outras disciplinas, pois o caráter plurissignificativo do texto literário

como meio de informação, conhecimento e reflexão, estende-se a todas as

áreas de ensino. Julgamos, ainda, que este trabalho pôde contribuir para

demonstrar as possibilidades da leitura literária com vistas a ampliar a

competência de leitura dos alunos nas mais diversas áreas do conhecimento.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, V. T.; BORDINI, M. G. Literatura e formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. De Michel lahud e Yara Frateschi. São Paulo: Hucitec, 1999.

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