o Ensino Secundário

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O ENSINO SECUNDÁRIO NA PRIMEIRA REPÚBLICA (A Educação no Brasil até 1930) - Primeira Parte - 01. Neste trabalho temos como objetivo descrever a evolução do ensino secundário no Brasil durante a Primeira República, inserindo-o, porém, no quadro maior de toda a História da Educação no Brasil até 1930, de modo que, com isto, seja possível alcançar-se uma primeira idéia de ambas estas realidades. Na História do Brasil costuma-se chamar de Primeira República ao período que vai desde a Proclamação da República até o início do governo do presidente Getúlio Vargas, isto é, o período entre 1889 e 1930. 02. Durante os primeiros séculos da colonização portuguesa no Brasil o ensino havia ficado a cargo dos padres da Companhia de Jesus em quase a sua totalidade. A Companhia de Jesus, quando da época do envio de seus primeiros missionários ao Brasil havia sido recém fundada pôr santo Inácio de Loyola, sem que tivesse tido, entretanto, objetivos educacionais em sua origem. A intenção de Santo Inácio foi inicialmente trabalhar na conversão dos muçulmanos; não podendo, por circunstâncias alheias à sua vontade, dar prosseguimento a este objetivo, juntamente com os seus primeiros companheiros renunciou a este ideal como fim específico da Companhia de Jesus e ofereceu-se então à Santa Sé para que dispusesse de sua organização conforme ela melhor entendesse que fossem as necessidades prioritárias da Igreja. 03. A primeira prova a que a Santa Sé submeteu a nova

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Aspectos do Ensino Secundário

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O ENSINO SECUNDRIO

O ENSINO SECUNDRIONA PRIMEIRA REPBLICA

(A Educao no Brasil at 1930)

- Primeira Parte -

01.Neste trabalho temos como objetivo descrever a evoluo do ensino secundrio no Brasil durante a Primeira Repblica, inserindo-o, porm, no quadro maior de toda a Histria da Educao no Brasil at 1930, de modo que, com isto, seja possvel alcanar-se uma primeira idia de ambas estas realidades. Na Histria do Brasil costuma-se chamar de Primeira Repblica ao perodo que vai desde a Proclamao da Repblica at o incio do governo do presidente Getlio Vargas, isto , o perodo entre 1889 e 1930.

02.Durante os primeiros sculos da colonizao portuguesa no Brasil o ensino havia ficado a cargo dos padres da Companhia de Jesus em quase a sua totalidade. A Companhia de Jesus, quando da poca do envio de seus primeiros missionrios ao Brasil havia sido recm fundada pr santo Incio de Loyola, sem que tivesse tido, entretanto, objetivos educacionais em sua origem. A inteno de Santo Incio foi inicialmente trabalhar na converso dos muulmanos; no podendo, por circunstncias alheias sua vontade, dar prosseguimento a este objetivo, juntamente com os seus primeiros companheiros renunciou a este ideal como fim especfico da Companhia de Jesus e ofereceu-se ento Santa S para que dispusesse de sua organizao conforme ela melhor entendesse que fossem as necessidades prioritrias da Igreja.

03.A primeira prova a que a Santa S submeteu a nova organizao foi a do apostolado do confessionrio nos bairros pobres da cidade de Roma. Vendo, porm, o valor daqueles novos padres, o Papa transferiu-os para as ctedras de Teologia, para as misses e os trabalhos de assessoria ao Conclio de Trento ento em curso; mas no tardou que o principal trabalho que ficaria a cargo dos jesutas em todo o mundo se tornasse o trabalho educacional. Nem os prprios jesutas, nem a hierarquia eclesistica imaginaram, no incio, que tal seria a principal vocao, na ordem dos fatos, daquela organizao que inicialmente no passava de um pequeno grupo de homens que apenas se punham disposio do Papa.

04.A importncia destas observaes reside no fato de que, ao ser colhida nas contingncias da poca pelo trabalho pedaggico, a Companhia de Jesus no contava para tanto com uma filosofia da educao especialmente elaborada para o desempenho desta misso. A Companhia vinha ao mundo com diversas idias novas, especialmente no campo da ascese crist e na sua prpria organizao como sociedade de clrigos, mas no tinha nada a dizer de especial quanto filosofia da educao, no sentido em que entendemos hoje este termo, excluda a educao especial daqueles que deveriam ser sacerdotes. Por causa disso ela limitou-se na prtica, em termos da educao mais geral, a codificar atravs da experincia de seus docentes uma filosofia de educao em que, de certo modo, cristianizava-se o modelo educacional renascentista, baseado, no equivalente ao ensino secundrio, no estudo dos clssicos e no cultivo da lngua latina. De tal modo este ensino se expandiu que com o tempo este modelo pedaggico comeou a ser visto como se esta fosse a prpria filosofia crist da educao, a assim chamada educao humanista, quando na verdade, se nos ativermos ao legado dos grandes pensadores cristos desde a antigidade at antes da Renascena, bem outro o modo neles encontrado de serem abordados os problemas pedaggicos.

05.O predomnio da educao jesuta no Brasil foi quase absoluto at o ano de 1759, quando o Marqus de Pombal expulsou todos os padres da Companhia de Jesus de Portugal e de suas colnias. No lugar dos colgios da Companhia de Jesus foram criadas as aulas rgias de Latim, Grego e Retrica, cada uma delas constituindo uma unidade, autnoma e isolada, pois uma no se articulava com outra nem pertenciam a qualquer escola, no dizer de Nelson Piletti:

No havia currculo,no sentido de um conjuntode estudos ordenados e hierarquizados,nem a durao prefixada se condicionava ao desenvolvimento de qualquer matria.O aluno se matriculava em tantas aulasquantas fossem as disciplinas que desejasse.Para agravar este quadro,os professores eram geralmente de baixo nvel, porque improvisados e mal pagos,em contraste com o magistrio dos jesutas,cujo preparo chegava ao requinte.

06.Alm disso, agravava o quadro de nossa situao educacional o fato de que no havia, propositalmente, escolas tcnicas nem superiores no Brasil, a imprensa era proibida e, alm de, portanto, no se imprimirem livros no Brasil, era extremamente difcil obt-los vindos do estrangeiro.

07.A situao comeou a mudar com a vinda forada de Dom Joo VI para o Brasil em 1808, fugindo das tropas de Napoleo que haviam invadido Portugal por esta poca. Dom Joo Vi sabia que sua estadia forada em terras brasileiras no seria curta e, portanto, alm de abrir os portos do Brasil s naes amigas, resolveu permitir a imprensa, facilitar a entrada de livros e fundar cerca de uma dezena de instituies de ensino tcnico ou superior em nosso territrio, no Rio de Janeiro e na Bahia.

08.Estas instituies visavam apenas a formao de profissionais de nvel superior nas reas de Engenharia, Medicina, Qumica e Agricultura. Dom Joo VI no fundou nenhuma escola de Direito no Brasil, no tomou iniciativa alguma quanto organizao do ensino primrio nem do secundrio, que continuaram existindo sob a forma das aulas rgias institudas pelo Marqus de Pombal. Tampouco fundou institutos de pesquisa ou de ensino de disciplinas de interesse cultural, nem tentou organizar uma Universidade no Brasil, embora estas instituies fossem j comuns na Europa e mesmo nas demais colnias da Amrica Espanhola. Em outras palavras, Dom Joo quis resolver apenas o problema da falta de um certo nmero de engenheiros, mdicos e agrnomos no Brasil, e no o problema da educao do povo brasileiro. Mas, mesmo ao fazer apenas isto, iniciou um processo que ele sabia que no poderia mais voltar atrs. Anos mais tarde, ao retornar para Portugal, j previa que a Independncia do Brasil estava prxima e aconselhou seu filho que ficou como regente em seu lugar a pr a coroa sobre a sua cabea antes que algum bandoleiro qualquer lhe tomasse a iniciativa.

09.Com a Proclamao da Independncia, o Brasil tinha outros problemas mais urgentes, ou que pelo menos assim o pareciam aos homens daquela poca, com que se preocupar do que a fundao de uma Universidade ou o estabelecimento de uma rede de ensino primrio e secundrio. O sistema de aulas avulsas teria que ser reconhecido pelo novo Estado e continuar, na impossibilidade de substitu-lo imediatamente por um verdadeiro sistema escolar tal como o entendemos nos dias de hoje, ou como existia no tempo dos jesutas.

O governo Imperial fundou duas escolas de Direito, uma em So Paulo e outra no Recife; as aulas avulsas continuaram existindo, sem controle governamental, mas na prtica os professores ensinavam apenas aquilo que era exigido para o ingresso s poucas escolas de ensino superior existentes no Brasil naquela poca, isto , a aprovao em exames preparatrios parcelados, que eram uma espcie de atestado de estudos secundrios. Embora a princpio tais exames fossem realizados junto s faculdades, no eram um exame vestibular e sim, como foi dito, um atestado de estudos secundrios. As faculdades ento existentes no incio do Imprio eram basicamente as fundadas por Dom Joo VI mais as duas escolas de Direito de So Paulo e Recife. Desta maneira no existia no Imprio, em princpio, nem cursos primrios nem secundrios propriamente ditos.

10.Mas, paralelamente a isto, em nada impedindo a existncia das aulas avulsas, a primeira Constituio Brasileira de 1824 estabeleceu, segundo Nelson Piletti, que

"a instruo primria seria gratuita a todos os cidados e uma lei de 15 de outubro de 1827 determinouque deviam ser criadas escolas de primeiras letrasem todas as cidades, vilas e lugarejos, coisa que, porm, nunca chegou a ser cumprida em grande extenso. Ou seja, a inteno da lei era a de que, embora para a entrada no ensino superior no fosse necessria a freqncia aos cursos primrio e secundrio, pois continuaria bastando a aprovao nos exames parcelados, aos poucos fossem surgindo escolas primrias e secundrias obedecendo a regulamentos governamentais.

Antes, porm, que tais projetos se concretizassem, ocorreu uma modificao constitucional no Brasil que iria complicar seriamente os destinos da educao durante todo o restante do Imprio.

11.Conforme diz Fernando de Azevedo,

"em 1834 o sistema educativo e cultural,em formao desde Dom Joo VI, e que se vinha reorganizando lentamentede cima para baixo, foi atingido, no seu desenvolvimento, por um ato da poltica imperialque o comprometeu em suas prprias bases".

12.Em 1831 Dom Pedro I foi forado a abdicar o trono em favor de seu filho, ainda criana. Durante o perodo de transio maioridade de D. Pedro II, os parlamentares brasileiros, com receio de que o novo imperador acumulasse um excesso de poder, promulgaram o Ato Adicional de 1834 Constituio Imperial pelo qual o poder pblico, em diversos sentidos, era descentralizado.

13.Em virtude do Ato Adicional de 1834, no que dele dizia respeito educao, cada provncia do Brasil se tornava autnoma para organizar, de acordo apenas com suas prprias diretivas, o ensino primrio e secundrio. Haveria, ou poderia haver, portanto, tantos sistemas de ensino primrios e secundrios no Brasil quantas fossem as provncias, sem que nenhuma tivesse que dar satisfao nem s demais provncias, nem tampouco ao governo central. O ensino superior, porm, ficaria sob a responsabilidade do governo central em todo territrio nacional, no que havia uma incongruncia, pois quem legisla sobre o ensino superior deveria ter o direito de estabelecer diretivas para o ensino primrio e secundrio que lhe so pr requisitos. Isto, porm, j no mais poderia ser feito, porque os responsveis pelo ensino primrio e secundrio, autnomos em cada provncia, no seriam obrigados a respeitar estas diretivas. Somente no Municpio Neutro do Rio de Janeiro, o municpio onde se localizava a sede do Governo Imperial, o ensino primrio e secundrio tambm estaria sob a responsabilidade do governo central.

14.Mas para complicar este quadro, acrescentou-se a isto que a lei facultaria ao governo central a possibilidade de estabelecer nas provncias escolas de nvel primrio e secundrio submetidos apenas regulamentao emanada do mesmo governo central, regulamentao que poderia ser diversa e independente da rede escolar organizada em cada regio pelo governo das respectivas provncias.

15.Em concluso, pelo ato adicional de 1834, iriam existir, no Brasil, para suprir a formao primria e secundria:

Uma rede de aulas particulares e cursos preparatrios criados por iniciativa particular sem estar sujeita a programas oficiais ou a superviso governamental.

Uma rede de aulas avulsas com professores pagos pelo governo, funcionando independentemente da superviso do governo central que aos poucos iriam sendo aglutinados pelos governos provinciais no item seguinte.

Um sistema escolar primrio e secundrio prprio para cada provncia organizada pelo governo local, no necessariamente articulado com o ensino superior, este ltimo organizado pelo governo central.

Um sistema escolar primrio e secundrio organizado pelo governo central em cada provncia, independente do sistema organizado pela provncia.

A no obrigatoriedade de freqentar nenhum destes sistemas para ser admitido s faculdades de ensino superior.

16.Este era o quadro, bastante complicado, do que deveria passar a existir, em teoria, no sistema escolar brasileiro. O que aconteceu porm, na prtica, foi algo bastante diverso.

O governo imperial arcou com a responsabilidade da manuteno dos cursos superiores ento existentes e reduzidos. Mas quanto ao ensino primrio e secundrio, as diversas provncias, que eram no seu geral ainda demasiadamente pobres para organiz-los, ficaram entorpecidos como que em uma tcita esperana de que o governo central, ao qual era permitido pela lei que interviesse na instruo primria e secundria nas provncias, viesse em seu socorro.

O esprito do Ato Adicional, porm, era na realidade o esprito da descentralizao. O que de fato a lei havia pretendido criar era a possibilidade de uma interveno suplementar do governo central no campo primrio e secundrio e no criar dois sistemas paralelos de ensino. Embora a lei no declarasse isto explicitamente, a responsabilidade do ensino primrio e secundrio deveria ser em primeiro lugar das prprias provncias. Por causa disto, e talvez tambm por falta de recursos, o governo central nunca chegou a intervir maciamente no ensino primrio e secundrio a no ser no municpio do Rio de Janeiro.

17.Em relao especificamente ao ensino secundrio no municpio do Rio de Janeiro, o governo imperial limitou-se a estabelecer o Colgio Pedro II, o qual, num curso de sete anos de durao, correspondia aproximadamente ao que depois veio ser o ginsio e o colgio.

O Colgio Pedro II gozava de uma srie de regalias; os alunos que nele concluam o curso formavam-se diante do Ministro do Imprio perante quem prestavam juramento solene; freqentemente o Imperador tambm estava presente cerimnia. Recebiam como ttulo o grau de bacharel em letras, embora a instituio no fosse de nvel superior. E, ademais, podiam entrar imediatamente os alunos formados pelo Colgio Pedro II em qualquer outro curso de nvel superior sem necessidade de prestar outros exames.

18. Apesar da formatura no Colgio Pedro II permitir o livre ingresso a qualquer instituio de nvel superior, poucos, alis, pouqussimos, eram os alunos que completavam o curso de sete anos. O motivo disto estava em que para o ingresso s faculdades no era necessrio comprovar-se a freqncia nem do curso secundrio nem do primrio, bastando a realizao dos exames preparatrios parcelados. Como a formao no Colgio Pedro II era exigente, a maioria, mais exatamente, a quase totalidade dos alunos, conseguia a aprovao nos exames parcelados sem precisar conclu-lo e, obtendo-a, no havia mais interesse em concluir-se o curso.

19. Na segunda metade do Imprio comearam a surgir um punhado de estabelecimentos particulares de ensino secundrio e algumas poucas escolas de formao para o Magistrio.

Estando o quadro assim configurado, perto do fim da poca imperial, comearam a surgir sinais de que a sociedade estava comeando a amadurecer para o problema educacional. Dizemos que a sociedade imperial parecia estar amadurecendo para o problema educacional porque por esta poca j estava consolidada a unidade nacional do ponto de vista militar, uma srie de outros problemas mais preementes estavam solucionados ou em via de solucionar-se, a abolio da escravatura j estava vista e podia-se pensar mais serenamente na educao brasileira.

20.Quatro sinais so particularmente marcantes no sentido de parecerem evidenciar que, no fim do Imprio, estava para vir tona o problema educacional.

21.O primeiro foi uma discusso mais profunda sobre a necessidade da criao de uma Universidade no Brasil.

Tal tema foi estudado pelo Prof. Roque Spencer Maciel de Barros no livro "A Ilustrao Brasileira e a Idia de Universidade".

22.O segundo foi a convocao do Primeiro Congresso Nacional de Educao para o ano de 1883.

Foram convocados educadores e outras autoridades interessadas nos problemas educacionais de todas as partes do Brasil; seus pronunciamentos foram enviados antecipadamente para o Rio de Janeiro, mas o Congresso no chegou a realizar-se. A professora Teresinha Colliquio da Facudade de Educao da USP conseguiu recentemente recuperar da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a coleo dos trabalhos que iriam ser apresentados. Cpias do texto, por sinal consideravelmente grande, esto disponveis na biblioteca da FEUSP, mas toda esta documentao at hoje no foi publicada.

23. O terceiro foi a apresentao de dois projetos de reforma das leis de ensino, em 1882 e 1883, ambos estudados e comentados na poca pr uma comisso presidida por Rui Barbosa, cujos pareceres so na realidade um extenso tratado sobre o problema educacional do Brasil da poca.

Embora tais pareceres primem pelas suas qualidades literrias, o fato que tambm, debaixo deste aspecto primeira vista esttico-lingstico, parece se esconder uma anlise que tem mais objetividade do que Fernando de Azevedo parece querer admitir na na sua obra que uma das referncias para este assunto, "A Cultura Brasileira". Os pareceres foram tamm posteriormente estudados em um livro de Loureno Filho intitulado "A Pedagogia de Rui Barbosa". As diretivas, porm, traadas nesta poca do Imprio por Rui Barbosa, no chegaram a serem discutidas em plenrio.

24.Por causa disso, no ano seguinte ao da abolio da escravatura, e talvez para agilizar as transformaes que j se viam vista, alguns meses antes da Proclamao da Repblica, sua Majestade, o Imperador do Brasil, na ltima sesso havida do Parlamento Imperial, realizou um impressionante discurso. Este discurso seria o quarto dos sinais a que nos referamos. Neste, que foi o Discurso da Fala do Trono de 3 de maio de 1889, Dom Pedro II solicitava o seguinte de todo o governo brasileiro:

A criao de um Ministrio da Educao, pois at aquela poca no existia nada semelhante na organizao de nosso Estado;

A fundao de uma rede de escolas tcnicas no territrio nacional;

O estabelecimento de duas Universidades no Brasil, uma ao Norte do Imprio, e outra ao Sul;

O estabelecimento de outras faculdades isoladas nas demais provncias que no visassem apenas ao preparo para as profisses liberais, mas tambm ao cultivo das cincias e letras, vinculadas s duas universidades a serem fundadas.

O Imperador ainda chamava a ateno da necessidade de alicerar este sistema de ensino superior sobre a instruo primria e secundria, at ento bastante precria no Imprio.

25. Foi, ento, proclamada a Repblica, e vinha junto com ela o ideal republicano descrito por Jorge Nagle na "Educao e Sociedade na Primeira Repblica":

"O sonho da Repblica,espargindo as luzes da instruopor todo o povo brasileiroe democratizando a sociedade".

26. Nada disso, porm, aconteceu.

Com a Repblica instalou-se a corrupo e a fraude eleitoral generalizada em propores hoje inteiramente inimaginveis, mesmo para quem nasceu em territrio brasileiro, se no forem consultados os anais da histria. O problema da educao, que comeava a aflorar no fim do Imprio, caiu no esquecimento quase total. Foi criado um Ministrio da Educao, verdade, mas que durou apenas dois anos, pois na realidade havia sido criado mais para impedir que Benjamin Constant se tornasse o Ministro da Guerra do que por outro motivo. Benjamin Constant havia sido professor da Academia Militar; havia sido ele que na manh do dia 15 de novembro quem tinha pressionado o Marechal Deodoro da Fonseca, ainda indeciso, a proclamar a Repblica; era um famoso propagador da Filosofia Positivista e um candidato natural para ocupar a pasta de Ministro da Guerra; mas, se fosse criado um Mistrio da Educao, no haveria ningum mais indicado do que ele para ocupar o novo ministrio. Criou-se-o, ento, para que se deixasse livre o Ministrio da Guerra. A falta de viso com que o novo Ministrio foi criado notava-se j pelo seu nome: possua o ttulo de Ministrio da Educao, Correios e Telgrafos, sendo que o oramento da parte referente aos Correios e aos Telgrafos era superior parte que estava destinada Educao. Dois anos depois, esta Ministrio era extinto, e a Educao passou a fazer parte dos atributos do Ministro da Justia.

27.Deste e de outros descasos para com o problema educacional durante a Primeira Repblica proveio uma frase perdida no livro "A Cultura Brasileira" de Fernando de Azevedo. Esta frase, apesar de no ser um pargrafo isolado nem um incio de pargrafo, no obstante no constar de nenhum destaque tipogrfico, to impressionante que j a vimos citada, sempre a mesma, em pelo menos seis outras publicaes diversas, alm de ter-nos causado uma profunda impresso j em sua primeira leitura:

Do ponto de vista cultural e pedaggico, a Repblica foi uma revoluo que abortou e que,contentando-se com a mudana do regime,no teve o pensamento ou a decisode realizar uma transformao radical no sistema de ensino, para provocar uma renovao cultural das elites culturais e polticas, necessrias s novas instituies democrticas.

28.Ademais, segundo Jorge Nagle, o esprito republicano, formado e estimulado pelas lutas ideolgicas travadas contra o Imprio, foi-se esfriando gradualmente durante os primeiros 30 anos da implantao do novo regime. Ento, aos poucos, aps a Primeira Guerra Mundial, continua Nagle,

parece que os velhos sonhos do republicanismo histricovoltam a perturbar a mente dos republicanos quase desiludidos:a conseqncia deste estado de espritofoi o aparecimento de amplos debatese freqentes reformas da escolarizao. Iniciou-se, na dcada de 1920, um perodo de entusiasmo geral pela educao e de otimismo pedaggico. Tal fenmeno analisado na segunda parte da obra de Nagle "Educao e Sociedade na Primeira Repblica".

29.Nesta poca, num relatrio da Liga Nacionalista de So Paulo podia-se ler o seguinte:

" sabido que a causa primordialde todos os nossos males o analfabetismo,que traz como conseqncia inevitvela ausncia de cultura cvica e poltica,a ignorncia dos preceitos higinicos,a incapacidade para grande nmero de profisses,atraso nos processos agrcolase nos das indstrias que lhe so anexas. A populao brasileira vtima,na sua quase totalidade,do analfabetismo. Sem que se consiga derramar a instruo primria,de um modo mais intenso,por todos os recantos do pas,sero inteis quaisquer tentativas de formaode uma grande coletividade poltica. Ademais, a Constituio Federal,no seu artigo 70,impede o analfabeto de ter vontade poltica".

30.Ademais, um dos planos da Revoluo de 1924 era, assim que fosse tomado o poder, coisa que no veio a acontecer, impor uma nova constituio ao Brasil em que, em um dos seus primeiros artigos figurava o seguinte:

"A direo suprema do Pas ser confiada,provisoriamente,a uma Ditadura cujo governo se prolongarat que 60% dos cidados maiores de 21 anossejam alfabetizados".

31.Continua Nagle:

Uma das mais significativas formasde padro de pensamento educacional, na dcada de 20,foi a de considerar a escolarizao como problema vital,pois da soluo dele dependeria o encaminhamento adequadodos demais problemas da nacionalidade.Isso no significaque no fossem percebidas muitas outras questes: era impossvel deixar de perceber os problemasde natureza poltica, econmica e socialque caracterizavam de maneira to profundao terceiro decnio deste sculoe colocavam o pas em situao de crise. E no deixaram de ser percebidos.No entanto, perdiam a primaziapara os problemas especificamente educacionais, desde que na soluo destes se encontrava a chavepara resolver aqueles. Julgava-se que os empecilhos formao de uma sociedade abertase encontravam, basicamente,na grande massa analfabeta da populao brasileira,em primeiro lugar, e no pequeno grau de disseminao da instruo secundria e superior,que impede o alargamento na composio das elitesque conduzem o pas. medida em que se torna a instituio mais importantedo sistema social brasileiro, a escola primria se transformano principal ponto de preocupaode educadores e homens pblicos:procurou-se em especial mostrar o significado profundamente democrtico da educao primria, pois por meio dela que a massase transforma em povo. At aqui Jorge Nagle.

32.Tal modo de encarar o problema da educao no foco da problemtica nacional na dcada de 20 surpreendente. Hoje em dia, a no ser que se leia propositalmente a histria da educao no perodo, no se capaz de se supor que houve poca no Brasil em que tenha-se chegado a pensar assim.

Infelizmente a euforia no durou muito tempo. Como ela, entretanto, s se apagou aps o fim da Primeira Repblica, no ser objeto deste trabalho a exposio de como isto veio a se dar.

33.O que vamos relatar agora so os fatos concretos que se deram debaixo deste clima de euforia que acabamos de descrever, ocorrido no fim da Primeira Repblica.

34.Conforme tnhamos visto, durante o imprio ficava ao cargo do governo imperial a organizao do ensino superior em todo o territrio nacional; cada provncia podia organizar seu sistema de educao pblica e secundria ao mesmo tempo em que na mesma provncia o governo central poderia organizar outro sistema paralelo de educao primria e secundria independente do provincial; ademais, como no havia obrigatoriedade de passar por estes cursos para o ingresso s faculdades, existiam tambm os cursos preparatrios e um punhado de estabelecimentos de ensino autnomos particulares, aps ou durante os quais o aluno poderia prestar os exames parcelados que valiam como certificado de estudos secundrios e davam acesso s faculdades.

35. Com o advento da Repblica, pela Constituio de 1891 qual se acrescentava a Lei de 20 de novembro de 1892, este quadro passou a ser o seguinte:

No Distrito Federal competia ao Governo Federal o ensino superior e secundrio, e Prefeitura o ensino primrio;

Os estados podiam organizar seus prprios sistemas de ensino primrio, secundrio e superior;

Em cada Estado o Governo Federal podia organizar seu prprio sistema de ensino secundrio e superior.

36.Para complicar ainda mais a situao, a legislao e a organizao do sistema federal de ensino era, de acordo com a Constituio, atribuio do Congresso Nacional e no do Poder Executivo. Na prtica, porm, quem sempre legislou e organizou em matria de educao foi o poder executivo, sob delegao do Congresso Nacional. Veremos adiante os problemas que isto veio a causar.

37. Apesar da legislao e organizao do sistema escolar federal competir ao Congresso e no ao Poder Executivo, durante toda a Primeira Repblica foi o poder executivo que se encarregou dos problemas da educao no Brasil. Mas como isto tinha que ser feito sob delegao do Congresso Nacional e esta delegao podia ser retirada a qualquer momento, ou mais ainda, podia na prtica ser anulada ou modificada em seus resultados por decretos complementares em matria educacional emanados pelo Congresso, isto fz com que, durante toda a Primeira Repblica a posio do Governo Federal quanto ao problema da educao fosse uma posio conservadora. O entusiasmo pedaggico que dominou a sociedade brasileira depois da Primeira Guerra Mundial durante a dcada de 20 no alcanou a administrao federal seno indiretamente.

38.A mesma coisa no vale para as administraes estaduais.

A partir de 1920 a febre do otimismo pedaggico comeou a tomar conta dos principais governos estaduais do Brasil, o que provocou uma srie de reformas de ensino em vrios estados da Unio. Embora, porm, cada Estado pudesse organizar um sistema completo de ensino desde o primrio at o superior, tais reformas se limitaram sempre estrutura do ensino primrio e normal, porque todo o ensino superior estava na poca no mbito do Governo Federal, e o ensino secundrio, por no ser obrigatrio para a admisso aos cursos superiores, no passava de uma rede de cursos preparatrios, com exceo do Colgio Pedro II no Rio de Janeiro, que com a Repblica havia mudado de nome para Ginsio Nacional, e alguns colgios religiosos. Mesmo estes, na prtica, no podiam fugir do esprito dos preparatrios.

39.As principais reformas que forma levadas a efeito na dcada de 20 foram as seguintes:

Em 1920, em So Paulo, por Sampaio Dria.

Em 1922, no Cear, por Loureno Filho, comissionado ao governo do Cear pelo Estado de So Paulo;

Em 1927, em Minas Gerais, por Francisco campos;

Em 1928, no Distrito Federal, por Fernando Azevedo, vindo de So Paulo a convite da Prefeitura do Rio de Janeiro;

Em 1928, na Bahia, por Ansio Teixeira.

40.Os responsveis pela srie de reformas estaduais ocorridas na dcada de 20 tiveram, para ajud-los no empreendimento, vrios fatores concorrendo a seu favor, o primeiro deles sendo o prprio clima de euforia pedaggica que tomou conta da sociedade brasileira depois da Primeira Guerra Mundial; tambm veio a favor deles o incio do surto industrial que pressionava por uma nova direo do ensino; e a introduo no Brasil das idias da escola Nova, em cujas teorias se inspiraram os reformadores.

41.As doutrinas educacionais da Escola Nova vinham h sculos se desenvolvendo na Europa, mas s entraram em toda a sua fora na sociedade brasileira na poca do entusiasmo pedaggico do fim da Primeira Repblica, em boa parte por obra de estudiosos tais como Fernando de Azevedo, Ansio Teixeira e Loureno Filho, que figuraram tambm na lista dos reformadores estaduais.

42.Para entender as origens das idias da escola nova h que se remontar muito tempo, at Idade Mdia. Nesta poca, o principal centro de estudos da Europa e a cidade de Paris, onde no sculo XII ocorre uma multiplicao enorme de mosteiros e de escolas, com professores ilustres vindos de todas as partes do mundo. Os autores daquela poca chamavam a cidade de Paris com nomes tais como rvore da Vida Plantada no Paraso Terrestre, Fonte de Toda a Sabedoria, Arca da Aliana, Tesouro dos Prncipes, em cuja presena Atenas e Alexandria empalidecem, e outros deste tipo, que mostram o conceito que as pessoas faziam desta cidade. Esta reputao no era devido apenas fama dos mestres, mas prpria beleza do local quela poca, honra com que eram tratados os professores e o clero na regio e s comodidades desenvolvidas para o acolhimento de estudantes estrangeiros. Este conjunto de facilidades iria resultar no surgimento da primeira Universidade da histria no sculo XIII, a Universidade de Paris.

43.Os principais objetos de estudo que atraam os estudantes do mundo inteiro a Paris eram a Teologia, o Direito Cannico e a Medicina. Durante o sculo XIII, juntamente com a Teologia, desenvolveu-se tambm o estudo da Filosofia. Como preparao para estes estudos existia o equivalente de um ensino secundrio ministrado em dois ciclos, conhecidos como Trivium e Quadrivium.

44.O Trivium, tambm conhecido abreviadamente por "Sermones", isto , "Linguagem", era constitudo dos estudos de Gramtica, Retrica e Lgica.

45.O Quadrivium, tambm conhecido como "Res", isto ,"Coisas", era o estudo da Aritmtica, Geometria, Astronomia e Msica, esta ltima entendia mais no seu aspecto terico do que na sua expresso artstica.

46. A diviso explcita do Trivium e Quadrivium remonta a alguns autores entre os Santos Padres do incio da cristandade, os quais se inspiraram, por sua vez, nas concepes expostas na Repblica de Plato.

47.O Trivium e o Quadrivium j eram ensinados no sculo XII nos mosteiros e nas escolas catedralcias de Paris como preparao aos estudos superiores de Teologia, Direito Cannico e Medicina. Com a fundao da Universidade de Paris, tais estudos passaram a fazer parte da Universidade, a qual, portanto, compreendia no apenas os estudos superiores, mas tambm os secundrios. Entrava-se na Universidade aos quinze anos e dela saa-se aos 35 com o ttulo de doutor em Teologia. O aluno cursava primeiramente o Trivium e o Quadrivium e, para da ser admitido aos cursos superiores, era obrigado a passar por um estgio de alguns anos como professor destas artes na prpria Universidade.

48. Em poucos lugares os objetivos e os mtodos de ensino da poca foram expostos com tanta propriedade como nas obras de Hugo de So Vtor, que foi o mais clebre professor da escola do mosteiro de So Vtor, uma das mais concorridas de Paris, um sculo antes da fundao da Universidade. V-se claramente, em primeiro lugar, como o curso secundrio era nesta poca administrado pelos mesmos responsveis pelo curso superior, e tinha como finalidades preparar a mente do aluno para a compreenso dos estudos superiores.

49.Os cursos superiores naquela poca visavam de uma maneira mais explcita atender um anseio de busca pelo conhecimento por parte do aluno muito mais pronunciado do que hoje em dia. O conhecimento buscado no era tanto uma formao profissional, nem a verdade em alguma rea especfica do conhecimento, quanto uma viso sinttica da prpria totalidade do conhecimento. Isto era possvel porque na base dos mtodos pedaggicos, embora se estimulasse o raciocnio analtico, estimulava-se muito mais algo que desconhecido pela pedagogia moderna a que se dava o nome de contemplao.

50.Isto pode ser visto claramente em um opsculo de teoria pedaggica daquele tempo, escrito por Hugo de So Vtor, intitulado Sobre o Modo de aprender e de Meditar, de que tiramos as seguintes passagens, indispensveis para se compreender o que ir se seguir:

"Trs so as vises da alma racional", diz Hugo de S. Vtor,

"o pensamento, a meditao e a contemplao,(que constituem entre si uma hierarquia).

O pensamento ocorrequando a mente tocada transitoriamentepela noo das coisas,ao se apresentar a prpria coisa,pela imagem,subitamente alma,seja entrando pelo sentido, seja surgindo da memria.

O pensamento pode ser estimulado pela leitura.

A meditao baseia-se no pensamento,e um assduo e sagaz reconduzir do pensamento,esforando-se para explicar algo obscuro, ou procurando penetrar no que ainda nos oculto.

O exerccio da meditao,assim entendido, exercita o engenho.Como a meditao, porm, se baseia por sua vez no pensamento,e este estimulado pela leitura,duas coisas h que,na realidade,exercitam o engenho:a leitura e a meditao.

Na leitura, mediante regras e preceitos,somos instrudos a partir das coisasque esto escritas.

A leitura tambm uma investigao do sentidopor uma alma disciplinada.

A meditao toma depois, por sua vez,o seu princpio da leitura, embora no se realizandopor nenhuma das regras ou dos preceitos da leitura.

A meditao uma cogitao freqente com conselho,que investiga prudentemente a causa e a origem,o modo e a utilidade de cada coisa.

Mas acima da meditao e baseando-se nela,existe ainda a contemplao.A meditao uma viso livre e perspicaz da almade coisas que existem em siamplamente espalhadas.

Entre a meditao e a contemplaoo que parece ser relevante que a meditao semprede coisas ocultas nossa inteligncia;a contemplao, porm, de coisas que,segundo a sua naturezaou segundo a nossa capacidade,so manifestas;e que a meditao sempre se ocupaem buscar alguma coisa nica,enquanto que a contemplao se estende compreenso de muitas,ou tambm de todas as coisas.

A meditao , portanto,um certo vagar curioso da mente,um investigar sagaz do obscuro,um desatar o que intrincado.

A contemplao aquela vivacidade da inteligncia, a qual, j possuindo todas as coisas,as abarca em uma viso plenamente manifesta,e isto de tal maneira que aquiloque a meditao busca,a contemplao possui.

51.Nesta passagem, quando Hugo de So Vitor se refere contemplao como a uma atividade da inteligncia humana que se estende

compreenso de muitasou tambm de todas as coisas, percebe-se claramente que esta a atividade fundamental, por exemplo, que est na base das grandes snteses filosficas. E no apenas na base das grandes snteses filosficas, mas deveria estar tambm em outras atividades to vividamente exigidas nos dias de hoje como a correta orientao poltica de uma nao e at mesmo o ordenamento plenamente consciente de um sistema educacional. Como valor individual, ademais, a capacidade de contemplao foi colocada pelos principais filsofos gregos como o mais significativo elemento de enobrecimento da mente humana, e a experincia religiosa dos primeiros Santos Padres do Cristianismo apontou esta capacidade como elemento fundamental para a compreenso profunda das grandes verdades do cristianismo apesar de, e isto significativo, em nenhuma parte das Sagradas Escrituras esta capacidade ter sido descrita nos termos empregados por Hugo de So Vtor.

52.Da se v, na pedagogia desta poca, a pouca nfase que se dava ao estudo literrio, sendo este apenas uma introduo ao estudo das cincias que ocorria no Quadrivium, onde este estudo era encaminhado mais no sentido do desenvolvimento no aluno da capacidade de sntese que iria ter o seu coroamento final nos estudos superiores. O ciclo completo destes estudos no terminava, ademais, antes dos 35 anos de idade.

53.Um outro elemento significativo da pouca importncia que era dado aos estudos lingsticos na poca est no fato de que o latim mais simples de todas as pocas justamente o latim do sculo XIII; e dentre os autores deste sculo o mais simples dentre os simples o de S. Toms de Aquino, um homem que desenvolveu excelncia as qualidades acima descritas. grande profundidade de pensamento une-se nele uma simplicidade quase de criana da gramtica e da sintaxe. Veremos como logo nos sculos seguintes este quadro se inverteu totalmente.

54.No sculo 14, em 1348 espalhou-se no mundo a Peste Negra, a pior de todas as epidemias que se abateram sobre a histria da humanidade. Em questo de uns poucos anos pereceram metade dos habitantes da Europa; no auge da peste, pessoas que amanheciam com boa sade antes do pr do sol j estavam na cova, e em cada viela passavam diariamente os carrinhos de recolher os mortos. Os melhores e mais abnegados membros do clero e da classe mdica morreram prestando assistncia aos infectados, aos que se seguiram os demais voluntrios mais corajosos; dentre eles estavam a maioria dos melhores professores universitrios, que pertenciam ao clero. Escaparam aqueles que fugiram das cidades, ou porque eram medrosos ou porque no tinham tido a capacidade de gerir algum negcio prprio e nada tinham a perder fugindo.

55.Desta maneira, ao findar a peste, a elite da medicina, do clero, dos estudiosos e dos que tinham esprito de empreendimento havia falecido. Sobraram os piores e com eles o nvel do ensino comeou a decair vertiginosamente. As pessoas que freqentavam as bibliotecas comearam a se interessar no mais pelas obras que continham a profundidade do pensamento filosfico ou teolgico, nem pelas cincias, mas pelo que nelas havia de literatura, produzida, em sua maior parte, na Antigidade Clssica. Da que margem das Universidades decadentes, iniciou-se uma febre de redescoberta dos clssicos da literatura antiga e, com eles, a febre pela sofisticao do estudo da lngua latina e depois tambm da grega. Surgiu ento o currculo de estudos humanistas, na realidade de inspirao pag e no crist, baseado no estudo do latim e na leitura dos clssicos da literatura e cuja finalidade era, muitas vezes, a erudio.

Havia, ademais, uma ntida incapacidade geral de compreenso dos ideais pedaggicos anteriores, mesmo entre os melhores espritos, o qual perdura at os dias de hoje. Foi como que uma civilizao que se perdeu repentinamente; embora tenha deixado seus testemunhos, na prtica tais testemunhos para a maioria ou a quase totalidade no representam mais do que os vestgios que a civilizao egpcia nos deixou com suas pirmides ou os habitantes da Ilha de Pscoa com suas esttuas.

56. Foi nesta poca que surgiu a Companhia de Jesus. Embora tenha tentado cristianizar o tipo de ensino que tomou conta da poca baseado na literatura e no estudo dos clssicos, a partir da conhecido como ensino humanista, a Companhia, ao estabelecer a Ratio Studiorum como regulamento de seus estabelecimentos de ensino secundrio, no atinou ou no lhe foi possvel atinar para com o legado pedaggico que os cristos anteriores poca da Peste Negra haviam deixado. Ela na verdade acabou adotando como prpria a metodologia fundamental do Renascimento para os estudos secundrios. Foi esta metodologia que entrou no Brasil com a colonizao portuguesa e continuou inalterada at Primeira Repblica, mesmo com as profundas transformaes por que iria passar na Europa. Em termos educacionais, at primeira guerra mundial, mesmo com a expulso dos jesutas das terras brasileiras pelo Marqus de Pombal em 1759, o Brasil continuou na linha da pedagogia renascentista. Pombal havia expulsado os padres, mas os que ficaram simplesmente continuaram, embora de uma maneira muito ineficiente, os mesmos mtodos e as mesmas concepes, como se no resto do mundo nada estivesse acontecendo.

57.No resto do mundo muita coisa estava acontecendo. As universidades mais tradicionais do mundo estavam nesta poca em franca decadncia, organizadas em uma estrutura vinda de uma poca cujos mtodos de ensino eram cada vez menos compreensveis, seno de todo incompreensveis. A ateno dos educadores, devido nfase renascentista pelo estudo das lnguas, comeou a passar para o ensino secundrio, onde era aprendido o latim. Os principais problemas da especulao educacional de tornaram os problemas da didtica e depois da psicologia das crianas.

58.As principais preocupaes dos pensadores educacionais antes da Peste Negra tinham se dirigido para o desenvolvimento das faculdades superiores da mente humana e, quando se preocuparam com o que seria atualmente o estgio correspondente ao ensino secundrio, o faziam com vistas no desenvolvimento direto destas faculdades. A preocupao com o ensino primrio, do ponto de vista terico, at onde sabe o autor deste trabalho, era praticamente nula. O que se assistiu depois foi o surgimento da tendncia contrria.

59. A primeira grande obra ps renascentista de Educao foi a Didtica Magna de Comenius, bispo morvio que percebendo a precariedade dos mtodos de ensino do latim, passou a partir da a estudar a fundo os problemas da didtica em um contexto mais amplo.

Mas como os problemas de aprendizagem e ensino estudados por Comenius tinham origem em estgios mais precoces do desenvolvimento da criana, logo as preocupaes tericas dos grandes pedagogos passaram para a educao de crianas de ainda menor idade, com Pestalozzi, autor de Como Gertrudes Educa a seus Filhos, e depois com Froebel, com A Educao do Homem. Esta linha acabou desembocando na atualidade nos numerosos estudos de Piaget. A primeira grande preocupao da escola ps renascentista que depois, neste sculo veio a se chamar de Escola Nova, foi, deste modo, voltada para a psicologia infantil e o estudo dos problemas da Didtica.

No Brasil, porm, a escola continuava ainda no estgio anterior.

60.Mas, alm disso, depois do Renascimento houve um surto de descobertas cientficas da mais elevada importncia; com o desenvolvimento das cincias e da revoluo comercial e industrial por elas desencadeado comeou-se a questionar a validade do ensino baseado nas lnguas e na literatura clssica e, pensamos ns, com razo porque, pelo menos nos princpios tericos em que ela se baseia, esta foi a mais pobre de todas as concepes educacionais da histria. Na prtica, porm, este ensino, pelos menos quando era administrado pelos primeiros jesutas, o era com uma excelncia que compensava freqentemente e fartamente toda a pobreza que continha em seus princpios. Com o desenvolvimento da revoluo comercial e industrial chegou um momento em que comeou a ficar claro para as autoridades pblicas que a modificao dos mtodos e fins do ensino, orientando-o no mais diretamente para o homem, mas para as necessidades da sociedade industrial, e o seu alastramento em todas as camadas da sociedade era de necessidade fundamental para a prosperidade das naes. Ao contrrio do que acontecia antes, a sociedade que no se desse conta deste fato estaria condenada a entrar em colapso. Comearam assim a emergir no apenas as caractersticas psicolgicas da nova educao, mas tambm as assim ditas sociolgicas. Tal tendncia parece que comeou a entrar decisivamente na educao a partir dos Discursos Nao Alem de Fitche no incio do sculo 19 e chegou a um de seus pontos culminantes com as obras do filsofo norte americano John Dewey, que foi o que levou mais longe a reflexo sobre as relaes entre a democracia industrial moderna e a educao. A obra deste americano foi uma das principais fontes de inspirao da maioria dos reformadores educacionais do Brasil na dcada de 20. Ansio Teixeira chegou a ir pessoalmente aos Estados Unidos estudar com o famoso mestre.

61.Assim, juntamente com o otimismo pedaggico que tomou conta da sociedade brasileira na dcada de 20, as concepes educacionais dos principais lderes desta poca no Brasil se baseavam, do ponto de vista terico, na tomada de conscincia brusca daquilo que ao longo dos ltimos sculos se tinha acumulado na Europa contra o ensino renascentista que era o seguido no Brasil da poca: conscincia dos fatores psicolgicos envolvidos na elaborao dos mtodos de ensino; crtica cultura de fundo humanista em detrimento da cientfica; necessidade de colocar como fim da educao os fins exigidos pelo desenvolvimento da democracia industrial.

62.Algumas citaes tiradas de educadores brasileiros desta poca ilustram muito bem o que queremos dizer. Fernando de Azevedo, ao comentar o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova de 1932 redigido por ele prprio e assinado pela elite dos educadores brasileiros da poca, escreve:

Pode-se dizer que,com o documento do Manifesto dos Pioneiros,o problema da educao, o maior e o mais difcil problema proposto ao homem,se transportou entre nsda atmosfera dominada pelo empirismo para o domnio das cogitaes cientficas e filosficas,de que dependem os sistemas da organizao escolar,no seu sentido e na sua direo.O documento suscitoue no podia deixar de suscitar divergncias, no seu contedo ideolgico francamente revolucionrio,as quais provm dos diferentes pontos de vista de que pode ser apreciado o problemafundamental dos fins da educao.Onde surgem as discordncias justamentena fixao deste ideal,que varia em funo da concepo de vida e,portanto, de uma filosofia, no podendo, pois, satisfazer variedade dos pontos de vista particulares que nos d a multido das idias aprioriisticas e dogmticas.As idias e as instituies pedaggicasso essencialmente o produto de realidades sociais e polticas. No podia permanecer inaltervelum aparelho educacional,a cuja base residia uma velha concepo de vida,em uma poca em que a indstria mecnica,aumentando em intensidade, transformou as maneiras de produoe as condies de trabalho. Era preciso, portanto,examinar os problemas da educaodo ponto de vista no de uma esttica social,que no existe seno por abstrao, mas de uma sociedade em movimento. desse ponto de vista sociolgico que a se estudou a posio atualdo problema dos fins da educao. ele que nos fez encarar a educaocomo uma adaptao ao meio social.

63.So tambm de Fernando de Azevedo as seguintes palavras:

Por menos que parea,nessa concepo educacional,cujo embrio j se disse ter se geradono seio das usinase de que se impregnam a carne e o sanguede tudo que seja objeto da ao educativa,no se rompeu nem est a pique de romper-se o equilbrio entre os valores mutveise os valores permanentes da vida humana. certo que preciso fazer homens,antes de fazer instrumentos de produo. Mas o trabalho,que sempre foi a maior escolade formao da personalidade moral, o nico mtodo suscetvel de fazerhomens cultivados e ideaissob todos os aspectos.A civilizao contemporneaapresenta-se ao observador menos atentocomo uma civilizao materialista, em que as conquistas de ordem moral no correram paralelas com os progressos cientficosna submisso das foras naturais. Mas as conquistas materiais, no domnio das cincias aplicadas, trazem freqentemente o germe de conquistas morais. A mquina libertou o homem, e se acompanharmos a formao histrica das idias morais,veremos que a civilizao atual,aparentemente materialista, apresenta uma srie de conquistas moraisdo maior alcance. No somente a indstria que se desenvolveu, a humanidade que evoluiuampliando para crculos cada vez mais vastosos benefcios e as utilidades que acumulou.

64.De Ansio Teixeira so as seguintes palavras, extradas de um discurso intitulado Bases para a Programao da Educao Primria no Brasil:

Sinto-me satisfeito hoje de falar a economistas. Aos economistas compete, com efeito, ajudar os educadores a organizare programar devidamenteo sistema educacional.

Participei, em 1929, na Universidade de Colmbia,do primeiro curso que ali se ministrousobre Economia da Educao. O professor Clark nos deu, ento, em sua primeira aula,uma definio de educao que guardo at hojee qual sempre aludo para convencer certos espritosde que a educao no apenas um processo de formao e aperfeioamento do homem, mas o processo econmico de desenvolver o capital humano da sociedade.

A definio que o professor Clark nos deu, em 1929,era a de que a educao intencional, ou seja,a educao escolar, o processo pelo qual se distribuem adequadamenteos homens pelas diferentes ocupaes da sociedade.A educao escolar, dizia ele, o processo pelo qual a populaose distribui pelos diferentes ramosdo trabalho diversificado da sociedade moderna.

65.Tambm de Ansio Teixeira temos mais o seguinte depoimento, que consta de seu livro publicado em 1935, Educao para a Democracia:

Considerada a Educao nos seus objetivos presentes, ela importa em um plano de redistribuio dos homens pelas ocupaes. A sua funo prepar-los,pela aquisio de conhecimentos e prticas de natureza tcnica,para os diversssimos tipos de trabalho da vida atual. Nem sempre, entretanto, foram assim as escolas, laboratrios e oficinas.No passado preparavam homens de cultura, que iam se devotar aos trabalhos da especulao e da imaginao,preocupados formar os sentimentos,as aspiraes e os pensamentos de uma poca ou de uma civilizao. Desapareceu, por acaso,esta funo da escola? A educao de todos os povos tem refletido,ultimamente, mais ou menos,a fase nova da humanidade.Foram revistos programas e cursos. Tudo entrou na ebulio de nossos dias. Dentro da grande variedadede tcnicas da vida moderna, h lugar para a culturade alguns que se dedicam filosofia, literatura e s artes.Apenas, enquanto no passado outra no era a formao universal do homem culto, hoje esta representa, estritamente,uma das muitas especialidades a que se podem dedicar os homens.De mil maneiras um homem hojeconsegue ser culto. Tudo mudou com a cultura econmicae cientfica de nossos dias.A vida j no governada pelos velhos ndices de intelectualidadeherdados da Idade Mdia, quando apenas se cogitava de preparar os poucos previlegiadosque chegavam at escola para as delcias de consumire apreciar a vida literariamente. Hoje todos tem que produzir. Tcnicas cientficas e industriaissobrepuseram-se ao encantamentoda vida do esprito. Passada a sofreguido da conquistado novo estado de coisas , vai-se chegando, entretanto, s idealizaes que nos daro tambmo lado imaginativo e poticoda nova civilizao. Esta nova cultura vir do amadurecimentoda ordem de coisas que vai se implantando; ser a nova civilizao tornada consciente,interpretada e formulada em uma filosofia, uma arte, e quem sabe, uma nova religio.A tcnica ter se identificado, ento,com uma verdadeira cultura e desaparecer o dissdio atualentre a cultura e a tcnica. Mas no Brasil todos estes aspectos de lutaentre as duas culturas so apagadas ou disfaradas na prpria inconscincia da educao nacional.No chegamos a possuir verdadeiramente um sistema tradicional de educao e j o sculo XX nos bate portacom as novas imposies tcnicas e econmicasda vida contempornea.Precisamos sair de nossas escolas,com seus problemazinhos de ordem e moralizao,para sentirmos o problema da educao que ,conforme vimos, um problema de preparao de tcnicos em todos os graus e ramos,destinados a servir um perodo da idade do homem de base profundamente cientfica e caracterizao acentuadamente tcnica.

66.A maioria dos reformadores e propagadores das idias da Educao Nova no fim da Primeira Repblica tiveram sua primeira formao em Direito. Seus envolvimentos com os problemas da educao resultaram de circunstncias fortuitas posteriores. Ansio Teixeira buscou sua inspirao nos cursos que fez nos Estados Unidos na Universidade de Colmbia e de seu contato pessoal com John Dewey. Fernando de Azevedo nunca havia pensado em trabalhar com os problemas da Educao; foi, entretanto, contratado em 1926 para fazer uma extensa reportagem para o jornal "O Estado de So Paulo" sobre a situao do ensino no Brasil; o brilhantismo com que realizou esta tarefa fez com que no ano seguinte fosse convidado pelo prefeito do Distrito Federal para realizar a mais importante das reformas da dcada de 20, a de 1927 do ensino primrio na Capital da Repblica, que influenciou decisivamente as reformas subseqentes do fim da Primeira Repblica e as federais do perodo seguinte. Loureno Filho era tambm licenciado em Direito; comissionado pelo governo do Estado de So Paulo, reformou a educao primria do Estado do Cear e em 1929 publicou o mais importante livro terico sobre a Educao Nova no Brasil, chamado Introduo ao Estudo da Escola Nova, o qual teve repercusso tambm no estrangeiro.

O movimento reformista foi favorecido pela criao em 1924 da Associao Brasileira de Educao, por iniciativa de Heitor Lima. As principais iniciativas da ABE foram as Conferncias Nacionais de Educao. J no fim do Imprio, conforme vimos, havia sido programado um primeiro congresso nacional de Educao no Brasil, do qual, embora no tenha chegado a concretizar-se, possumos a coleo dos trabalhos que iriam ser apresentados. Quarenta anos depois, aproximadamente, a ABE conseguiu realizar uma srie deles: em 1927, em Curitiba; em 1928, em Belo Horizonte; em 1929, em So Paulo; no quarto, em 1931, recebeu-se uma solicitao do Presidente da Repblica em torno elaborao de diretrizes para uma poltica nacional de educao, mas a polmica foi to violenta que no foi possvel atender ao pedido. Vinte e seis educadores, entretanto, todos ou quase todos presentes quela Conferncia, decidiram redigir um documento neste sentido, da tendo surgido em 1932 o texto do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores famosos. Neste documento, partindo nem sempre de um modo explcito da histria e dos princpios aqui expostos, considera-se a Educao como uma funo essencialmente pblica, pede-se a unificao do sistema nacional de ensino, assim como a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade da instruo no Brasil, discute-se o problema da Universidade e dos erros de concepo envolvidos com o seu papel e o problema da formao dos professores, dentre outros. Uma abordagem mais detalhada do contedo do manifesto, bastante complexo, porm, no pertence ao perodo da Primeira Repblica, e menos ainda o estudo de suas conseqncias. Mas o documento deve aqui ser citado pois ele foi preparado pelos fatos e pelas idias desenvolvidas durante a Primeira Repblica, e foi como que um dos desfechos das mesmas.

67.Outro importante desfecho do movimento renovador surgido em decorrncia ou em paralelo com as reformas estaduais, das conferncias nacionais da ABE e do desempenho a nvel terico dos educadores desta poca, foi a criao do primeiro Ministrio da Educao no Brasil pelo governo de Getlio Vargas em 1930, se desconsiderarmos o transitrio Ministrio da Educao, Correios e Telgrafos do incio da Repblica que no chegou a durar dois anos. Para ocupar a pasta foi chamado Francisco Campos, o promotor da reforma do ensino primrio em Minas Gerais em 1927. Como primeiro ministro da Educao no Brasil, Francisco Campos pde, pela primeira vez, impor uma reforma a nvel de todo o territrio nacional. A anlise da reforma de Francisco Campos, entretanto, tambm no cai dentro dos objetivos deste trabalho.

68.Quanto ao ensino superior, durante a Primeira Repblica foram fundados, alm das escolas de nvel superior que j existiam desde a poca imperial, duas escolas de Direito no Rio de Janeiro e, na Bahia, em Minas Gerais, em Fortaleza, no Par, em Manaus e em Porto Alegre, uma faculdade de Direito em cada um destes lugares. Foram fundadas tambm a Escola Politcnica de Engenharia e a Escola de Engenharia Mackenzie, ambas em So Paulo. Em Piracicaba a Escola Superior de Agricultura e em So Paulo a Escola de Medicina. Em 1920 foi criada a Universidade do Rio de Janeiro, em que as duas faculdades de Direito existentes nesta cidade foram reunidas em uma s e, em conjunto com a Faculdade de Medicina e a Escola Politcnica em que se havia transformado a Academia Militar de Dom Joo VI, formou-se a primeira Universidade do Brasil. Na prtica, porm, tal Universidade no passou de uma fico jurdica em que estas trs faculdades foram agregadas em uma s instituio.

69. Resta analisar agora a evoluo do ensino secundrio dentro do quadro anteriormente descrito, que o principal tema deste trabalho. Conforme vimos, o movimento renovador dos anos 20 somente atingiu os governos estaduais, os quais, porm, no podiam reformar mais do que a rede primria.

70.Conforme vimos tambm, durante o Imprio o nico estabelecimento secundrio que dava certificados de concluso de curso com direito a ingresso no ensino superior era o Colgio Pedro II do Rio de Janeiro. As provncias, ao longo da histria do Imprio, tentaram e conseguiram em boa parte aglutinar as aulas rgias avulsas em Liceus Provinciais que deveriam constituir um curso secundrio, mas como o certificado de concluso no era necessrio para a matrcula na faculdade, e sim os exames parcelados, tal sistema no prosperou. De modo geral o ensino secundrio no Brasil era constitudo de cursos onde os alunos visavam apenas a realizao dos exames parcelados preparatrios feitos em geral nas prprias faculdades de ensino superior.

71.Instituda a Repblica e tendo Benjamin Constant ocupado a pasta de Ministro da Educao, Correios e Telgrafos durante o curto tempo em que tal cargo existiu, instituiu, antes mesmo da promulgao da nova constituio, a obrigatoriedade de se realizarem exames de madureza para receber um certificado equivalente concluso do curso secundrio para poder-se ingressar na faculdade, abolindo, no lugar dos exames de madureza, os exames preparatrios parcelados. No dizer de Jorge Nagle,

este exame de madureza seria propriamenteo instrumento com que o governo federalesperava obter a melhoria de todo o ensino secundrio. Porm com a entrada em vigor da Constituio Republicana, que atribuiu ao Congresso a incumbncia de legislar e organizar o sistema de ensino federal, o Congresso foi votando decretos adiando sucessivamente o prazo da obrigatoriedade do exame de madureza e depois, durante um perodo de nove anos seguidos, votando uma srie de

decretos, regulamentos, portarias,instrues e avisosque modificaram substancialmenteo plano original de Benjamin Constant at torn-lo inoperante.

72.Faria parte do plano de Benjamin Constant ademais, propor aos Liceus secundrios estaduais que, se se conformassem ao mesmos regulamentos internos do Ginsio Nacional, o Colgio Pedro II do Imprio, o governo federal reconheceria o certificado de concluso expedido pelos Liceus, equiparando estes estabelecimentos ao do Ginsio Nacional, dispensando com isto o aluno formado do exame de madureza e habilitando-o ao ingresso direto no ensino superior. Somente os estabelecimentos estaduais, porm, e no a iniciativa privada, poderia beneficiar-se desta regalia.

73.Em 1901, uma dcada mais tarde, o Ministrio da Educao, Correios e Telgrafos j estava extinto h muito tempo e a Educao havia passado alada das atribuies do Ministrio da Justia. O ento ministro Epitssio Pessoa, considerando a inoperacionalidade da Reforma de Benjamin Constant devido s medidas tomadas pelo Congresso, elaborou uma segunda reforma re-instituindo o exame de madureza para comprovar os estudos secundrios realizados e estendendo o previlgio da equiparao ao Ginsio Nacional para qualquer instituio de ensino secundrio, fosse esta estadual, municipal ou particular. Embora mantendo o exame de madureza,

com a importante tarefa de elevar o nvel dos estudos, no entender de Jorge Nagle a inteno do Governo seria obter uma reforma no ensino secundrio principalmente atravs do mecanismo de equiparao ao Ginsio Nacional.

74. A reforma de Epitssio Pessoa porm no conseguiu tambm entrar em vigor, porque o Congresso Nacional novamente adiou sucessivamente por quase uma dcada a entrada em vigor da obrigatoriedade dos exames de madureza, alm de votar novas disposies legais que, acumulando-se, vieram a anular muitos dos dispositivos da reforma. O dispositivo da equiparao foi realizado, mas a fiscalizao era burlada de tal maneira que os melhores estabelecimentos de ensino apresentavam como uma de suas qualidade o fato de seus cursos no serem equiparados. Segundo Jos Antnio Tobias, uma dcada mais tarde o ministro da Justia responsvel pela educao diria:

o ensino desceu at onde podia descer:no se fazia mais questo de aprender nem de ensinar,porque s duas preocupaes existiam:a dos pais querendo que os filhos completassemo curso secundrio no menor espao de tempo possvel,e a dos ginsios na ambio mercantil,estabelecendo-se duas frmulas:bacharel o quanto antes, dinheiro o quanto mais.

75.Foi assim que 10 anos aps a Reforma Epitssio Pessoa surgiu a terceira reforma proposta pelo Ministro Ridvia Correia. Promulgada em 1911, consistiu em revogar formalmente a Reforma de Epitssio Pessoa, eliminando o exame de madureza e a equiparao dos estabelecimentos de ensino secundrio ao Ginsio Nacional. Mas com ela, em vez de se retornar ao estado em que a educao estava quando a Repblica a recebeu do Imprio, voltou-se ainda mais atrs porque, segundo Jos Antnio Tobias, com ela o Estado resolveu retirar toda e qualquer interferncia sua no setor educacional, estabelecendo um ensino totalmente livre, julgando que assim o ensino poderia desenvolver-se de acordo com as necessidades imediatas do Brasil. Neste sentido, alm de revogar o exame de madureza e a equiparao das instituies educacionais com o Ginsio Nacional, foi abolido no s o reconhecimento oficial dos certificados de concluso dos cursos secundrios das escolas equiparadas, como tambm foram abolidos at os certificados de concluso do prprio Ginsio Nacional, que j vinham sendo expedidos h quase um sculo com direito a ingresso imediato nos cursos superiores. Foi extinto, desta maneira, do ponto de vista legal, o ensino secundrio no Brasil. Ademais, foram tambm extintos os j problemticos exames preparatrios parcelados que, embora fossem feitos em geral junto s faculdades, no eram, pelo menos do ponto de vista jurdico, um exame de admisso, mas constituam uma espcie de atestado de estudos secundrios. Da para a frente no era mais necessrio comprovar estudos secundrios, e esta forma de ensino entrava em regime da mais ampla autonomia, existindo apenas um exame de admisso ao ensino superior pela faculdade interessada em receber o aluno.

76.Curiosamente a Reforma Rivadvia Correia que acabamos de comentar, intitulada Lei Orgnica do Ensino Superior e Fundamental de 5 de abril de 1911, ao contrrio das demais, no teve dificuldades para ser implantada, entrando imediatamente em vigor sem entraves por parte do Congresso Nacional. O resultado colhido desta liberdade geral, entretanto, em vez do desenvolvimento gradual do ensino secundrio segundo as necessidades brasileiras, conforme se esperava, foi o caos geral da educao. Quatro anos depois a terceira reforma teria que ser novamente reformada.

77.A quarta reforma veio em 1915, de autoria do Ministro da Justia Carlos Maximiliano. Segundo ela,

Ficavam restaurados os certificados de concluso do curso secundrio expedidos pelo Ginsio Nacional, reconhecidos pelo Governo Federal;

Ficava re-instituda a possibilidade de equiparao de outros estabelecimentos de ensino ao Ginsio Nacional, desde que se tratassem de estabelecimentos pblicos estaduais;

Ficavam re-institudos os exames preparatrios parcelados, pelos quais os estudantes no matriculados em escolas oficiais poderiam obter certificados de estudos secundrios reconhecidos pela Unio;

Da reforma anterior apenas foi mantida a eliminao dos previlgios escolares, pois alm de possuir um certificado de concluso reconhecido pela Unio ou um certificado de aprovao nos exames preparatrios, para entrar no curso superior o aluno teria que prestar tambm um exame vestibular.

78.Por esta poca a rede de ensino secundrio consistia do Ginsio Nacional, mantido pelo Governo Federal no Rio de Janeiro e por um ginsio modelo equiparado mantido em cada capital de Estado pelos governos estaduais, embora alguns estados no os possussem. A iniciativa particular portanto, segundo Nagle, assumiu na prtica a responsabilidade de ministrar o ensino secundrio, os alunos obtendo seus certificados mediante aprovao nos exames preparatrios parcelados realizados junto a estabelecimentos de ensino oficial. A escassez de estabelecimentos define, segundo Nagle, o carter altamente seletivo do ensino secundrio. A inteno no era fornecer esta modalidade de ensino massa da populao do Brasil, mas apenas preparar aquelas poucas pessoas que iriam cursar os estabelecimentos de nvel superior. Taxas, selos e contribuies concorriam para que as escolas secundrias, pblicas e particulares, alm de reduzidas em nmeros, fossem pagas e, mais do que isso, caras.

79.A ltima reforma do ensino secundrio ocorrida na Primeira Repblica deu-se em 1925 por iniciativa do Ministro Joo Lus Alves.

O objetivo desta reforma era acabar com o instituto dos exames preparatrias parcelados e iniciar a implantao generalizada do curso secundrio seriado e com freqncia obrigatria. Para tanto decidiu-se que:

Continuaria existindo o Ginsio Nacional e o instituto da equiparao ao Ginsio Nacional apenas para os estabelecimentos de ensino secundrio estaduais;

Quanto aos exames preparatrios parcelados, estes eram abolidos e no seu lugar instituir-se-ia a obrigatoriedade de um curso ginasial de seis anos de durao, seriado e de freqncia obrigatria. De acordo com o Ministro da Justia, esta remodelao

teve como principal intuitouma seriao mais racional das matrias e ensinar com programas e horrios convenientes. Para tanto a lei especificava que

no ser permitido o acesso a um ano qualquer sem a aprovao nas matrias do ano anterior, quer nas que forem de simples promoode um ano para outro, quer nas que constiturem provas de concluso das diversas sries. No ser facultado, em caso algum,prestar provas finais de mais de uma srie em cada ano. Ademais, a freqncia s aulas se tornando obrigatrio, o nmero de faltas importaria no impedimento do aluno para prestar exames.

80. Ao pretender eliminar os exames preparatrios parcelados e instituir a obrigatoriedade do ensino secundrio seriado a Reforma Joo Lus Alves buscava ressaltar o aspecto formativo do ensino secundrio, embora pouco se tenha feito no sentido de uma disseminao mais ampla deste tipo de ensino para a populao em geral. Mas mesmo este aspecto foi subseqentemente neutralizado por uma srie de medidas tomadas pelo Congresso Nacional. Segundo Jorge Nagle, o aspecto mais importante desta reforma, a passagem dos estudos fragmentrios para os seriados, marcou poca no por ter obtido os resultados desejados, conforme veremos em seguida, mas por ter representado um elo importante na srie de reformas por que passou depois a escola secundria no Brasil, apontando na direo que aps a Primeira Repblica iria ser definitivamente seguida.

81.O primeiro problema da Reforma Joo Lus Alves estava j dentro do prprio texto da lei que a promulgou. Embora institusse um ensino secundrio de seis anos, onde no sexto ano estavam includas matrias como Literatura Brasileira, Literatura das Lnguas Latinas, Histria da Filosofia e da Sociologia, o artigo 54 prescrevia que seria suficiente o certificado de aprovao final do quinto ano para a prestao de exame vestibular para matrcula em qualquer curso superior. Com isto aconteceu que no ensino secundrio o sexto ano nunca era cursado, porque os alunos o viam simplesmente como uma passagem para o curso superior.

82. Ademais, diz Nagle, do ponto de vista dos estudantes e de suas famlias, no havia clima para deixar de se pensar no secundrio como mecanismo de ascenso social. Por isso muitas normas de 1925 foram imediatamente combatidas e sob forte presso, o Governo Federal foi obrigado a recuar. O Congresso Nacional elaborou e acolheu normas com o objetivo de retornar na prtica situao criada pela reforma anterior. Dentre as havidas, Nagle cita que:

Em 1927 o Congresso Nacional permitiu a realizao de exames preparatrios parcelados para aquele ano letivo;

Em 1928 foi novamente permitida a realizao dos mesmos exames preparatrios parcelados, permitindo-se que qualquer pessoa que tivesse sido aprovada em um s exame at o ano letivo de 1924, pudesse requerer quantos outros quisesse em 1928.

83.Em 1926 o problema do ensino secundrio foi duramente analisado pelo inqurito promovido por Fernando de Azevedo publicado no Estado de So Paulo, e o foi novamente em 1929 pelo III Congresso da ABE. Algumas passagens das entrevistas realizadas por Fernando de Azevedo no seu inqurito, ao mesmo tempo em que pela linguagem coloquial oferecem uma idia mais viva do que na poca se pensava a respeito da situao do ensino secundrio, podem servir tambm de concluso para este trabalho.

84.A ltima parte do inqurito de 1926 referia-se ao ensino secundrio e superior. Aps uma introduo de Fernando de Azevedo, oito personalidades famosas do meio educacional da poca so entrevistadas, s quais foram submetidas 12 perguntas, as mesmas para todos os participantes. A primeira pergunta, de cujas respostas extramos as passagens abaixo era, segundo a opinio de cada entrevistado, a respeito da causa do insucesso quase completo das repitidas reformas que tinham reorganizado o ensino secundrio durante a Repblica. Aps os depoimentos, Fernando Azevedo ainda redige duas concluses finais.

85.Tem ento a palavra Fernando de Azevedo:

verdade que est na conscincia de todos haverem falhado,em parte ou na sua integridade, as sucessivas reformas por que tem passadoo ensino secundrio na Repblica.No preciso perder tempoem repetir provas desta afirmao,aceita unanimemente,de que at hoje no se planejou uma s reformaque no trouxesse,com os seus melhores propsitos,o germe de uma pronta reao. Este fato que acompanha periodicamentetodas as reformas federais to indiscutvel que os governos que se sucedem so os primeiros a reconhec-lo e a proclam-lo,apelando, e com razo, para novas reformas.

estranho que, entre ns, as crises mais agudas do ensinovenham imediatamente aps as reformas que deveriam ser antes instrumentos de equilbriopropostos com o fim de colocar a legislao trabalhadacada vez mais em harmonia com as necessidades do meio.

As causas de terem falhado as reformasprovm de um vcio fundamental: toda reforma , substantivamente, um problema poltico, no sentido mais alto do termo,e, adjetivamente, um problema tcnico. Mas a face tcnica do problema sempre relegada a um plano secundrio.

A Reforma Joo Lus Alves de 13 de janeiro de 1925,com trs edies que lhe introduziram alteraes substanciais,teve um objetivo fundamental,declarado e repetido, a moralizao do ensino,a que se ordenavam suas medidas principais. Ora, em um pas em que se eleva categoria de ideal supremo e inspiradorde uma reforma de ensinoa sua moralizao,ou o ensino se degradou a to baixo nvel que foi preciso antes de tudo re-ergu-lo condio fundamental de dignidade,ou a nossa cultura desceu tanto que perdemos a capacidade da viso cientfica e geral do rduo problemae a coragem de enfrent-lo em seus aspectos dominantes.A moralizao do ensino no pode ser objetivo,porque a base,a condio essencial de todas as reformas.

A chave do problema do ensino secundrioest na fixao preliminarda finalidade que deve ter.

Entre ns no h problema de ensino que tenha custado tanto a encontrar a soluo exata como o do ensino secundrio. merc de todas as espcies de experincias,no houve ainda lei que,arrancando-o da situao a que desceu, o elevasse s alturasde um verdadeiro aparelho de educao,interio e eficiente, com claro esprito de finalidade.Por mais duro que possa parecer, ainda verdade que o nosso ensino secundrio dos mais defeituosos, incompletos e improdutivosque possam existir.

86.Fala Rui Paula Souza:

A causa fundamental do insucessodas reformas do ensino secundriono uma, mas so vrias.Os moos, ansiosos por se atirarem vida prtica,no vem no curso secundrioseno uma mera e enfadonha formalidade a cumprirpara obterem exames que os habilitema galgar as faculdades dispensadoras dos cobiados diplomas. Assim ainda,no consideram seus estudos secundrios como instrumento natural da cultura de seus espritos. Este curso comporta matrias que precisam ser sabidaspara se passar nos exames.Tratam, pois, de as adquirirde qualquer maneira. Ora, este estado de coisasdeturpa por completoa finalidade do ensino secundrio. O ensino secundrio , pela sua natureza, formativo,e no aquisitivo".

87.Fala Mrio de Souza Lima:

fora de dvida o terem falhado quase de todoas inmeras e sucessivas reformas do ensino secundrio.Todas as experincias se ensaiaram, todos os processos de exame, todos os programas de ensino,todos os regimes escolares e,ao cabo de tudo issoos mesmos clamores sempre se levantaram,apregoando a anarquia do ensino.

Ressalta primeira vistaa falta de continuidadeentre as leis que se sucedem. Fica-se verdadeiramente atordoado no meio daquele monto de projetos e de leisque se opem e contradizem, sucedendo-se com intervalos de poucos meses, sem tempo para um estudo demorado da legislao em vigore de suas conseqncias prticas. Acrescenta-se a isto que,antes mesmo da entrada em vigor,comea o desvirtuamento da lei graas multido de ofcios e avisosem contradio com a sua letra e esprito,como sucedeu com o Cdigo de 1901 e a reforma Maximiliano.

Diante destes fatos, cuja exatido ningum ousar contestar, seria deveras para se admirarque tivssemos no ensinoo verdadeiro aparelho de educao pelo qual aspiramos.

88. Fala Ovdio Pires de Campos:

"Uma das principais causas da criseem que se debate o nosso ensino secundriovem a ser, na minha opinio,as sucessivas e nem sempre felizes reformascom que os Governos da Repblicao sacodem de quando em quando.

Cada governo, ou cada presidncia,julga de bom tom administrativopromover a reforma de nossa instruo pblica, que vai vivendo, assim, em uma permanente instabilidade,golpeado, aqui e ali, por uma verdadeira e bem caractersticaobsesso reformista. um erro, um erro gravssimo,como est na conscincia de todo mundo,este suceder quase matemtico das reformas de quatro em quatro anos.

Nada mais razovel,e de acordo com as leisda evoluo e do progresso,que um certo regime de ensino venha a sofrer,pela ao do tempo,as devidas correes,que acaso a sua prtica e aplicao apontem.Ser, de quando em vez,uma simples questo de retoque.Mas o que se est habituadoa presenciar entre nsno bem isso, porm coisa muito mais sria: posta em execuo uma dada reforma do ensino,antes mesmo que se verifiquem seus resultadosatravs de uma experincia, decreta-se uma outra que no raromuda inteiramente a face das coisas,quer dizer, que segue uma orientaocompletamente diferente.

comum, por este nosso mau vzo, passar-se da noite para o diaa um regime diametralmente oposto: hoje, na vigncia de uma reforma,vive-se na mais ampla liberdade de freqncia;amanh, vigorando outra,leva-se ao mximo arrochoa obrigatoriedade dessa mesma freqncia.

Da naturalmente a anarquia e a desordem,quando no so os protestosdas partes interessadas e mais afetadas,a que se seguem, como corolrios forados,os clebres avisos ministeriais interpretativos,os quais, pela sua abundncia, passam muitas vezes a constituir uma nova reforma,que fica subsistindo ao lado da outra.

E assim temos vivido estes ltimos decnios, acumulando erros sobre erros,na doce ilusode que vamos melhorandoe aperfeioando nosso ensinocom essa pletora de leis e decretos.

89.Fala Reinaldo Porchat:

A causa do insucesso das repetidas reformasdo ensino secundrioest no Congresso Nacional que, sem orientao, sem sistema, sem uniformidade,e sem mesmo visar o bem do ensino, leva a fazer leis fragmentriaspara servir a interesses inferiores, partidrios e particulares, perturbando e deturpandoos planos das reformas gerais.O Congresso foge s responsabilidadesde elaborar uma Lei Geral de Ensino, e delega sua competncia ao Poder Executivo,e os respectivos Ministros do Interioroperam as reformassegundo as escolas que adotam. Cada ministro tem seu plano, sua orientao, seu ponto de vista novo.

Um simples exame das ltimas reformas havidasbasta para mostrar como no possvel sucesso no ensinoem face de reformas to repetidas e to divergentes.

A de Carlos Maximiliano, que consideram a melhor, teve ainda contra si os golpesvibrados pelo Congresso Nacional,a alma me dos males do ensino, que alm de a deturpar com leis especiais de proteo a amigos e correligionrios,no se pejou de afrontar o pudor da naoaceitando a lei da gripe, pela qual se concedeu aprovao em examesa pessoas que nunca prestaram exames.Essa vergonha,com a qual se ofendeu a verdadee se enganou aos governos estrangeirosque acreditam na seriedade dos certificados de aprovao obtidos no Brasil,ainda perdura para mostrar o que tem sidoa ao do Congresso na Histria do Ensino na Repblica.

90. Finalmente, conclui Fernando de Azevedo:

Se nesta ltima parte de nosso inquritoh uma questo capital em cuja apreciao,ao menos em seus aspectos gerais, esto de acordo todas as opinies,esta a do ensino secundrio. A ningum pareceuque este problema de importncia bsica,na organizao do sistema de educao nacional,tivesse encontrado entre nsuma soluo satisfatria. Reduzido at hoje funo de cursos preparatrios,produto de uma civilizao de acampamentoque se habituou a medir as coisaspelo seu grau de utilidade imediata,o ensino secundrio tem sido um jogute,nas mos do governo e dos legisladores que,perdendo inteiramente a conscincia de sua finalidade,o transformaram num campo de experimentao de todos os regimes a que se poderia submeter.

91.Com estas palavras finais de Fernando de Azevedo chegado o momento tambm para ns de dar por encerrada esta nossa exposio sobre a situao do ensino secundrio durante a Primeira Repblica.

So Paulo, 08 de maro de 1990.

REFERNCIAS MAIS DIRETAMENTE CITADAS(1) HUGO DE SO VITOR, De modo discendi et meditandi, in Migne, Patrologia Latina, vol 176, 875-9.(2) FERNANDO DE AZEVEDO, A Cultura Brasileira, Melhoramentos, 1971.(3) JORGE NAGLE, Educao e Sociedade na Primeira Repblica, EPU-MEC, 1976.(4) NELSON PILETTI, Ensino de Segundo Grau: Educao Geral ou Profissionalizao, EPU-EDUSP, 1988.(5) JOS ANTNIO TOBIAS, Histria da Educao Brasileira, Edies Juris Credi, So Paulo.(6) FERNANDO DE AZEVEDO, A Educao na Encruzilhada, Melhoramentos, 1960.(7) FERNANDO DE AZEVEDO, A Educao entre Dois Mundos, Melhoramentos, 1958.(8) ANSIO TEIXEIRA, Bases para uma Programao da Educao Primria no Brasil, in RBPB.(9) ANSIO TEIXEIRA, Educao para a Democracia, Companhia Editora Nacional, 1953.