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O ENTORNO DA ACRÓPOLE DE ATENAS: UM OLHAR PARA O PROJETO PAISAGÍSTICO DE DIMITRIS PIKIONIS Thais Piffano Oliveira Doutoranda em Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ (PROARQ-UFRJ) na área de Teoria e Ensino de Arquitetura. Mestre em Arquitetura pela mesma Instituição. Arquiteta e Urbanista pela FAU-UFRJ. E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO O arquiteto grego Dimitris Pikionis (1887-1968) possui grande influência na arquitetura produzida na Grécia até os dias atuais. Nos últimos anos, pesquisadores tiveram acesso aos desenhos originais do arquiteto devido à divulgação de seus trabalhos pelo Museu Benaki de Atenas, que o inclui em seus arquivos de arquitetura neo-helênica e da arquitetura grega moderna. Outras divulgações também foram feitas pela Escola de Belas Artes de Atenas (ASPA). Pikionis nasceu em Pireu e se graduou em Engenharia Civil pela Universidade Técnica Nacional de Atenas (NTUA). Seguiu, então, para estudar desenho e pintura em Munique e, depois, Paris, na Académie de la Grande Chaumière. Retornou à Grécia em 1912 para concluir sua formação em arquitetura e deu início aos primeiros estudos das tradições arquitetônicas neo-helênicas. Contemporâneo a Le Corbusier e Mies van der Rohe, Pikionis se posicionava em favor de uma arquitetura grega que fosse capaz de “reestabelecer uma harmonia moderna para o lugar em que o próprio conceito de harmonia teve sua origem” (GARCÍA-SÁNCHEZ, 2011, p.106). Foi professor da NTUA desde 1925 até sua aposentadoria, tendo o cargo de presidente em 1930 1 . Entre seus projetos mais conhecidos, estão a Escola Experimental de Tessalônica (1933), o Delphi Xenia Hotel (1951-1955) e o projeto de intervenção paisagística da Acrópole de Atenas e do Monte Filopappou (1951-57), sendo este último o objeto de estudo do presente artigo. No famoso texto “The Grid and the Pathway” (1981), publicação da revista Architecture in Greece, nº. 5, conhecida por apresentar pela primeira vez o termo 1 Informações de biografia disponível em benaki.org. Acesso em março/2021.

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O ENTORNO DA ACRÓPOLE DE ATENAS: UM OLHAR PARA O PROJETO

PAISAGÍSTICO DE DIMITRIS PIKIONIS

Thais Piffano Oliveira

Doutoranda em Arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRJ (PROARQ-UFRJ)

na área de Teoria e Ensino de Arquitetura. Mestre em Arquitetura pela mesma Instituição. Arquiteta e

Urbanista pela FAU-UFRJ.

E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

O arquiteto grego Dimitris Pikionis (1887-1968) possui grande influência na

arquitetura produzida na Grécia até os dias atuais. Nos últimos anos, pesquisadores

tiveram acesso aos desenhos originais do arquiteto devido à divulgação de seus trabalhos

pelo Museu Benaki de Atenas, que o inclui em seus arquivos de arquitetura neo-helênica

e da arquitetura grega moderna. Outras divulgações também foram feitas pela Escola de

Belas Artes de Atenas (ASPA). Pikionis nasceu em Pireu e se graduou em Engenharia

Civil pela Universidade Técnica Nacional de Atenas (NTUA). Seguiu, então, para estudar

desenho e pintura em Munique e, depois, Paris, na Académie de la Grande Chaumière.

Retornou à Grécia em 1912 para concluir sua formação em arquitetura e deu início aos

primeiros estudos das tradições arquitetônicas neo-helênicas. Contemporâneo a Le

Corbusier e Mies van der Rohe, Pikionis se posicionava em favor de uma arquitetura

grega que fosse capaz de “reestabelecer uma harmonia moderna para o lugar em que o

próprio conceito de harmonia teve sua origem” (GARCÍA-SÁNCHEZ, 2011, p.106). Foi

professor da NTUA desde 1925 até sua aposentadoria, tendo o cargo de presidente em

19301. Entre seus projetos mais conhecidos, estão a Escola Experimental de Tessalônica

(1933), o Delphi Xenia Hotel (1951-1955) e o projeto de intervenção paisagística da

Acrópole de Atenas e do Monte Filopappou (1951-57), sendo este último o objeto de

estudo do presente artigo.

No famoso texto “The Grid and the Pathway” (1981), publicação da revista

Architecture in Greece, nº. 5, conhecida por apresentar pela primeira vez o termo

1 Informações de biografia disponível em benaki.org. Acesso em março/2021.

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“regionalismo crítico” pelo arquiteto grego Alexander Tzonis e pela historiadora da

arquitetura Liane Lefaivre, a obra de Dimitris Pikionis é apresentada como inspiração

para a produção arquitetônica grega à época, além de outros nomes como Aris

Kontantinidis. O termo “regionalismo crítico” foi criado por Tzonis e Lefaivre e

empregado para descrever a obra dos arquitetos gregos Dimitris e Suzana Antonakakis

que, segundo os autores, tinham uma prática arquitetônica moderna capaz de valorizar a

cultura local grega através das influências dos caminhos de Dimitris Pikionis e do grid

racionalista presente na obra de Aris Kontantinidis. Posteriormente, Pikionis foi também

estudado por Kenneth Frampton, principal divulgador do conceito de “regionalismo

crítico” na década de 1980. Após serem apresentadas manifestações críticas ao conceito

por diversos teóricos, Frampton e os arquitetos criadores apresentaram algumas revisões

do conceito em suas publicações. Entretanto, entender a metodologia de projeto utilizada

por Dimitris Pikionis nos leva à compreensão de que sua obra assume diferentes formas

de expressão muito além de um conceito.

Os teóricos Tzonis e Lefaivre (1981, p.21) descrevem a obra de Dimitris Pikionis

como pioneira na crítica ao modernismo, tendo este reconhecimento também por Aldo

van Eyck e Lewis Mumford. Para os autores, o trabalho de Pikionis era livre do

“exibicionismo tecnológico” e do conceito de composição tão típicos das principais obras

dos anos 1950. Porém, antes de se estabelecer uma reflexão sobre o conceito de

composição desenvolvido na intervenção paisagística no sítio histórico de Atenas, é

necessário reconhecermos no projeto de Pikionis a existência de uma organização

geométrica cujo traçado determina a relação entre os edifícios e a forma. É importante

observar que Tzonis e Lefaivre não mencionaram a utilização do “método Doxiadis” em

suas análises das obras de Pikionis, apenas destacam a existência de uma “precisão

projetual”. Kenneth Frampton (1983, p.518) também não trata diretamente do assunto,

mas afirma “uma atitude completamente diversa, [...] um método friamente empírico”.

Sendo assim, através deste breve estudo buscamos analisar o método utilizado por

Pikionis no projeto de intervenção paisagística nos arredores da Acrópole de Atenas

através da análise de plantas, fotografias e publicações de pesquisas já desenvolvidas. Ao

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invés de reconhecermos um “método friamente empírico”, podemos encontrar a

sensibilidade do arquiteto na escolha de evidenciar o sítio histórico nos caminhos

projetados da Acrópole até o Monte Filopappou. O estudo da obra de Dimitris Pikionis é

de grande importância no tema da valorização do patrimônio cultural e este artigo

apresenta parte de uma pesquisa mais ampla que confere influências filosóficas, artísticas

e seus desdobramentos na prática de ensino do arquiteto e em sua produção projetual.

Este artigo tem por objetivo contribuir para o reconhecimento e investigação das obras de

Pikionis no Brasil no âmbito das pesquisas acadêmicas em Arquitetura.

O arquiteto e urbanista grego Constantinos Doxiadis (1913-1975), que foi aluno

de Pikionis na NTUA, propôs ao final da década de 1930 um conceito matemático a partir

de uma análise compositiva de vinte e nove locais da Grécia Antiga. Doxiadis reconhecia

nos sítios históricos uma teoria geral para organização espacial baseada na seção áurea,

aplicando sistemas radiais e pontos focais que coincidiam com os pontos de vista do

espectador. Assim, tratava-se de demonstrar a existência de um sistema geométrico cujo

traçado relacionava todo o conjunto arquitetônico. A utilização do “método Doxiadis” na

obra de Dimitris Pikionis já é reconhecida por diversos pesquisadores e uma análise mais

detalhada pode ser conferida na pesquisa realizada por Kostas Tsiambaos2,

principalmente na publicação mais recente “From Doxiadis’ Theory to Pikionis’ Work”

(2018), considerando uma abordagem sobre os fios teóricos que conectam as estruturas

da arquitetura antiga aos da arquitetura moderna.

Segundo Tsiambaos (2018, p.68), o próprio Dimitris Pikionis relata em seus textos

que teve “a oportunidade de ‘praticar’, testar e verificar pessoalmente o valor da teoria de

Doxiadis”. A utilização do método na obra de Pikionis também é investigada nas

publicações de Alexander Papageorgiou-Venetas (2002) e García-Sánchez e Darío

Álvarez (2015), sendo consideradas outras influências das artes e filosofia em suas obras.

De fato, para se compreender o caráter das obras de Pikionis se deve ir além do que se

compreende como o conceito de “regionalismo crítico”. O reconhecimento de sua

2 Kostas Tsiambaos ocupa atualmente a presidência do DO.CO.MO.MO Grécia. Atua como professor

assistente de História e Teoria da Arquitetura na Escola de Arquitetura da Universidade Técnica Nacional

de Atenas (NTUA).

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produção é, também, de grande importância para o debate sobre práticas arquitetônicas

modernas que consideravam especificidades locais ou regionais.

O “MÉTODO DOXIADIS” DE CONSTANTINOS DOXIADIS

Doxiadis teve seu trabalho reconhecido, principalmente, nas décadas de 1950 a

1960, quando desenvolveu projetos e planos urbanos para diversas cidades.

Anteriormente, o arquiteto e urbanista desenvolveu em 1936 uma pesquisa sobre os

espaços arquitetônicos da Grécia Antiga, a qual foi defendida em sua tese de doutorado

na Universidade Técnica de Berlim Charlottenburg. Doxiadis se tornou, então,

responsável pelo setor de planejamento da Região da Grande Atenas e a partir de 1940

por órgãos relacionados ao planejamento urbano e habitacional na Grécia.

A pesquisa elaborada por ele e publicada no livro intitulado “Architectural Space

in Ancient Greece” (1937) defendia que a localização dos edifícios e a organização dos

complexos templários na Grécia antiga guardavam regras baseadas na função da

percepção visual. Segundo a publicação, os gregos empregavam um sistema uniforme na

disposição dos edifícios no espaço, baseado nos princípios de cognição humana. As

poucas variações no sistema estariam relacionadas, principalmente, a fórmulas

matemáticas. Doxiadis (1972, p.3) ressalta ainda que seu estudo demonstra que grande

parte das mudanças ocorridas ao longo dos anos nos recintos sagrados e sítios históricos

da Grécia obedeceram às mesmas regras básicas de espaçamento arquitetônico.

Para argumentar a favor de sua teoria, Doxiadis (1972, p.4) relembra que o sistema

retangular de coordenadas, tão utilizado nos projetos urbanos à época, era completamente

desconhecido nos períodos arcaico, clássico e helenístico. Diferentemente de sistemas

projetados sob as leis das coordenadas axiais, os layouts urbanos investigados utilizavam

um sistema natural de coordenadas, conhecido como coordenadas polares, que formou a

base do planejamento local na Grécia Antiga e tinha como fator determinante o ponto de

vista humano. Seriam, então, definidos por esse sistema os lados e limites dos templos,

bordas dos altares, eixos das estátuas e assim por diante. Ou seja, o projeto arquitetônico

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estava fundamentado no olhar humano e o local construído deveria coincidir com o campo

visual determinado por um ponto previamente estabelecido.

Sendo assim, Doxiadis (1972, p.5) desenvolveu princípios básicos para organizar

estruturas no espaço com base em suas análises, sendo alguns deles: os raios do ponto de

vista determinavam a posição de três cantos de cada edifício para que pudessem ser vistos

três quartos de cada edifício; as distâncias entre o ponto de vista e o objeto foram baseadas

em razões geométricas derivadas dos ângulos de visão; um ângulo era deixado livre de

edifícios e aberto diretamente para a paisagem circundante. Frequentemente este ângulo

estava no centro do campo de visão, representando um “caminho sagrado”; os edifícios

eram frequentemente dispostos de modo a acentuar características da paisagem existente

e criar uma composição unificada.

Podemos conferir a análise de Doxiadis sobre a Acrópole de Atenas (figura 01).

O teórico afirma que a posição do Erecteion, Partenon e da Calcoteca, edificação mais

próxima ao Partenon destinada ao armazenamento de bronze e objetos sagrados, foi

determinada por sua equidistância do ponto A. Segundo Doxiadis (1972, p.6), foram

utilizados dois sistemas matemáticos para edificações com dois estilos arquitetônicos

diferentes. Em geral, foram utilizados os ângulos de 30° próprios do sistema de doze

partes e proporções 1:2 no grupo de edifícios em estilo dórico. Já no espaço destinado ao

Templo Erecteion, que apresenta estilo puramente jônico, foram utilizados os ângulos de

18° e 36° do sistema de dez partes com a seção áurea.

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Fig. 01: Sistema de coordenadas polares utilizado na Acrópole de Atenas. Disponível em:

https://www.doxiadis.org/ViewStaticPage.aspx?ValueId=4314. Acesso em: 02/04/2020.

São muitas as publicações que questionam as constatações de Doxiadis e sua

pesquisa gerou um debate com críticas opositoras entre historiadores da arquitetura. O

pesquisador Kostas Tsiambaos se dedicou à análise da obra de Doxiadis e observa que

sua teoria não deve ser entendida como um discurso arqueológico sobre arquitetura antiga

ou uma pesquisa que revela “segredos” da antiguidade. O autor afirma que a proposta de

Doxiadis forneceu uma ferramenta de projeto para os arquitetos modernos e só pode ser

entendida como uma “teoria do projeto que reflete o impacto da antiguidade na

modernidade”. Tsiambaos (2018, p.2) defende que a teoria de Doxiadis trata da

arquitetura grega antiga como “ideal estético para a arquitetura moderna”.

A INTERVENÇÃO DE DIMITRIS PIKIONIS NA ACRÓPOLE DE ATENAS

A intervenção de Dimitris Pikionis no sítio histórico de Atenas teve seu processo

de projeto iniciado em 1951. A ideia de intervir nos acessos da Acrópole de Atenas teria

sido do próprio arquiteto com o objetivo de retirar uma estrada asfaltada construída na

década de 1930 junto ao lado sul da colina da Acrópole para facilitar o acesso de turistas

ao local. A estrada passava pelo Teatro de Dyonisius, continuava até a Stoa de Eumenes,

cruzava a colina ao lado da entrada para o teatro de Herodes e terminava em uma rotatória

de grande tráfego logo abaixo do Propileu. Em descrição da obra iniciada em 1951,

Tzonis e Lefaivre (2003) relatam que a estrada e o estacionamento foram removidos

graças à campanha feita por Dimitris Pikionis juntamente com Prokopis Valileleadis,

então diretor de Planejamento Urbano do Ministério de Obras Públicas, solicitando que o

acesso direto ao local por automóveis fosse substituído por um caminho de pedestres. A

proposta, então, foi aceita pelo Ministro da Obras Públicas da Grécia, Konstantine

Karamalis, e o projeto se tornou parte do processo geral de recuperação da zona

arqueológica do centro da cidade. Envolveu a retirada da estrada asfaltada e sua

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substituição pelo caminho projetado por Pikionis estendido até a área verde, cobrindo a

Acrópole até a colina de Filopapo (figura 02).

Fig. 02: Vista da estrada principal nas obras. Disponível em: https://www.documenta14.de/en/notes-and-

works/24119/dimitris-pikionis-1887-1968-. Acesso em: 02/04/2021.

O desafio de Pikionis era de sistematizar os acessos e as conexões entre as colinas

da Acrópole e de Filopappou. Ao longo de todo o processo, o arquiteto defendia sua

enorme responsabilidade em projetar uma paisagem nova que estivesse em conformidade

com a presença tão carregada de significados da Acrópole. Para Pikionis a natureza da

Grécia era singular e sagrada em todos os seus aspectos: luz, clima, na sua vegetação e

topografia. Era conhecida sua afeição pelo bizantino, pós-bizantino, pela arte folclórica e

pela tradição grega. Sua intervenção era uma aproximação interpretativa do arquiteto

diante de todos esses aspectos. É interessante perceber que a “invisibilidade” da obra e a

aparente irregularidade da disposição das pedras em mármore escondem um obsessivo e

rigoroso desenho. Os teóricos Tzonis e Lefaivre afirmam a importância daquele caminho

no contexto da prática arquitetônica dos anos 1950:

O caminho não é simplesmente uma instalação, não é apenas um corredor, uma

estrada conectando dois espaços. Como o padrão do grid, é um objeto cultural;

carrega em sua textura um comentário sobre a arquitetura contemporânea, a

vida e a sociedade. É um fluxo petrificado de passagens e lugares, lugares

feitos pelo homem que carregam uma declaração moral. Mesmo quando vazio,

eles têm uma voz. Eles são um protesto contra a destruição da comunidade, a

divisão de associações humanas, a dissolução do contato humano, a

transformação do encontro em transação (TZONIS, LEFAIVRE, 1981, p.21).

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Fig. 03: Desenho da área ao redor da Acrópole e do monte Filopappou. Disponível em:

https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=159552&Item

id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.

Em todo o caminho projetado da colina de Filopappou e nos acessos dos pedestres

para a Acrópole, Tzonis e Lefaivre defendem que, opostamente à arquitetura dominante

da década de 1950, Pikionis apresenta um projeto livre de qualquer “opressão”, quase

“desmaterializado”. Esta característica de se desmaterializar estaria na capacidade de a

obra exprimir uma aparente ausência de intenção projetual. Para eles, o arquiteto teria se

apropriado do que os autores chamam de “componentes do lugar” e afirmam que o

vínculo com o “regional” não teria se baseado em nostalgia. Pelo contrário, em um

aspecto diferente, apresentam-se como plataformas para serem usadas no cotidiano e para

suprir o que a arquitetura contemporânea não ofereceria mais na vida cotidiana. Segundo

os autores (1981, p.21), “esta pesquisa em elementos locais é uma pré-condição para

alcançar o concreto e o real, e para reumanizar a arquitetura”.

Contudo, o aspecto mais relevante da obra está na completa capacidade do

arquiteto conciliar a utilização do método matemático baseado na disposição do

complexo templário com uma subjetividade quase pessoal de composição das pedras ao

longo do caminho, organizando um sistema em que se sobrepõem memória individual e

coletiva do lugar. Ao invés de ser conduzido por uma metodologia histórica rigorosa e

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provável, as intervenções de Pikionis na paisagem histórica de Atenas foram guiadas por

sua sensibilidade artística:

Para sua proposta de design, ele introduziu referências mnemônicas a formas

familiares e queridas da antiga tradição arquitetônica grega [...]. Ele

discretamente tentou nos oferecer um acesso espacial à herança antiga. No

entanto, sua atitude em relação à antiguidade não foi assombrada. Ele estava

familiarizado com a pesquisa arqueológica e é uma metodologia rigorosa, mas

não era pessoalmente interessado nela (PAPAGEORGIOU-VENETAS, 2002,

p.5, tradução nossa).

Segundo Tsiambaos (2018, p.159), de toda a composição realizada no caminho da

Acrópole e no monte Filopapo, Pikionis aplicou o sistema de alinhamentos ópticos de

Doxiadis com mais detalhes em duas áreas: o pátio da Igreja de San Dimitrios

Lombardiaris (figura 4) e o mirante do monte Filopappou. Apesar da polêmica em torno

do método, Pikionis soube fazer uso da teoria de Doxiadis e defendeu tais proporções

com completa habilidade. Já na descrição feita por Álvarez sobre a obra de Pikionis,

podemos perceber a capacidade do arquiteto de ir além de uma mera aplicação de regras:

A planta do recinto é uma aplicação do "método Doxiadis". Dois focos

organizam a composição: um está localizado na porta de entrada e o outro no

centro do recinto. [...] Nos dois casos, o piso e os elementos complementares

também estão sujeitos a essa geometria visual, forçando os olhos do espectador

a seguir aquelas linhas quase invisíveis. Nada escapa à organização milimétrica

que relaciona formas plásticas ao local, incluindo a própria Acrópole. O

pavimento também é guiado pelo "método Doxiadis", resultando em uma

harmonização de pedra e mármore pensada até os últimos detalhes

(ÁLVAREZ, 2011, p.44, tradução nossa).

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Fig. 04: Planta da área de intervenção junto à Igreja de San Dimitrios Loumbardiaris. Disponível em:

https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=158722&Item

id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.

Enquanto o caminho da Acrópole foi pensado para ser cuidadosamente discreto

para o pedestre (figura 05), o caminho da colina até o monumento de Filopappou recebeu

um outro tratamento. Neste caso, foi necessário utilizar o concreto em algumas áreas

devido ao acesso de veículos que foi permitido em alguns pequenos trechos. Aqui,

Pikionis estabeleceu um diálogo mais forte entre o regular e o irregular ao longo do

caminho de passeio e contemplação (figura 06). O arquiteto utilizou materiais

procedentes da demolição de casas do século XIX, sendo seu posicionamento

extremamente crítico a este processo de destruição. O uso das pedras recicladas foi uma

homenagem do arquiteto ao lugar. Nesta parte do caminho, é possível analisar e

compreender suas referências, uma proposta de cruzamento entre a imagem, a identidade

e a memória do lugar (GARCÍA-SÁNCHEZ, 2015, p.233).

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Fig. 05: Caminho de acesso à Acrópole. Disponível em:

https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=160162&Item

id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.

Fig. 06: Detalhe do piso e bancos de mármore no monte Filopappou. Disponível em:

https://revistas.unav.edu/index.php/revista-de-arquitectura/article/view/4942. Acesso em: 02/04/2021.

Segundo Tsiambaos (2018, p.161), a implantação de bancos semicirculares pode

também possuir uma característica simbólica na função de um espelho óptico, uma

ferramenta em que cada local oferece uma perspectiva diferente do espaço. Dessa forma,

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a planta do banco semicircular corresponderia ao campo visual em 180°. O percurso do

monte Filopappou irá culminar em um planalto com bancos de mármores e estruturas de

pedras (figura 07). Todos estão direcionados para a Acrópole, como se posicionassem o

visitante em pontos onde a vista fosse a melhor possível, buscando a imagem ideal.

Fig. 07: Desenho de Dimitris Pikionis para a posição de bancos no mirante. Disponível em:

https://www.benaki.org/index.php?option=com_collectionitems&view=collectionitem&id=159566&Item

id=&lang=en. Acesso em: 02/04/2021.

O arquiteto desenvolveu uma composição que é um diálogo aberto com as

preexistências locais, monumentos com indiscutível valor de antiguidade, que se

relacionam neste projeto com a paisagem e o tempo. Além da preocupação com o aspecto

visual dos caminhos, o corpo está fenomenologicamente engajado em suas escolhas:

Nós nos regozijamos no progresso de nossos corpos através da superfície

irregular da terra e nosso espírito é alegrado pela interação sem fim das três

dimensões que encontramos a cada passo [...]. Aqui o chão é duro, pedregoso,

íngreme, e o solo é quebradiço e seco. Lá o chão é plano; a água surge das

manchas de musgo. Mais adiante, a brisa, a altitude e a configuração do solo

anunciam a proximidade do mar. (PIKIONIS, Apud Frampton, 1995, p. 9,

tradução nossa).

De fato, a essência de Pikionis está na junção das características físicas de seus

materiais com as sensações produzidas ao pedestre ao longo do caminho. A forte relação

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do arquiteto com as pedras é relatada em seu texto “Topografia sentimental” (1935) e nos

direciona a compreender sua preocupação projetual e sua supervisão prática constante na

execução do projeto. Pikionis entendia que a relação entre o arquiteto e a obra era

condição para que fosse produzida uma “arquitetura sensível e viva”, em lugar de uma

obra desprovida de imaginação. A pedra se torna protagonista da paisagem em sua razão

de ser e em sua identidade.

As bordas do seu perfil tornam-se encostas de uma colina, cristas de uma

montanha, encostas e precipícios abissais, suas cavidades são grutas e, das

fendas da rocha rosada, a água flui silenciosamente. Na parte esconde o todo.

E o Todo é a Parte. Você, pedra, desenha o diagrama de uma paisagem. Você

é a própria paisagem. Além disso, você é o templo que coroará as rochas da

sua Acrópole (PIKIONIS, Apud ÁLVAREZ, 2011, p. 38, tradução nossa).

A vegetação foi objeto de estudo especial sobre a composição, a forma, a cor e

qualidade simbólica das árvores. Foram eliminadas as árvores que, segundo o arquiteto,

não eram adequadas ao caráter do lugar. As espécies que haviam sido utilizadas em

grande quantidade foram reduzidas, como os ciprestes que competiam com as imagens

das colunas em ruínas antigas. Em uma de suas cartas para Karamanlis, Pikionis solicitou

que se atendesse fundamentalmente o reforço da vegetação baixa existente e a plantação

de oliveiras, pois eram consideradas mais adequadas para os lugares sagrados. Foram

criadas bifurcações em pontos estratégicos para marcar visões sugestivas e diversas para

a Acrópole. Todos os elementos eram posicionados detalhadamente para conduzir o

pedestre ao conjunto arquitetônico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo desta obra de Dimitris Pikionis para o entorno do sítio histórico da

Acrópole de Atenas apresenta o valor do exercício do arquiteto na relação respeitosa entre

o antigo e o novo, na consideração do corpo que percorre o caminho e na ênfase à

Acrópole de Atenas. A perplexidade produzida ao pedestre está na mistura das pedras

com o concreto, na trama geométrica que se funde à paisagem, no abstrato dos fragmentos

de restos arqueológicos entre símbolos conhecidos da cultura clássica mediterrânea que,

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ao longo do caminho, jogam com a memória individual e coletiva dos que experimentam

o trajeto.

É possível perceber que o “método Doxiadis” poderia facilmente ser reduzido a

uma aplicação formal de regras projetuais, o qual se encerraria em leis matemáticas por

trás da organização de edifícios. Contudo, a capacidade de Pikionis associar um sistema

objetivo às especificidades do lugar permitiu novas percepções para o sítio histórico a

partir da sua intervenção paisagística (figura 08).

Fig. 08: Acrópole vista do topo da colina de Filopappou - Atenas, 1953-7. Disponível em:

https://archinect.com/news/bustler/5817/2017-norden-fund-awarded-to-pikionis-pathway-paving-the-

acropolis-and-deep-skins-roger-anger-s-fa-ade-operations. Acesso em: 02/04/2021.

Certamente são relevantes os aspectos que nos apontam para o estudo da obra de

Dimitris Pikionis e sua contribuição para o tema da consideração da cultura local na

produção contemporânea que, ao mesmo tempo, dialoga com a cultura arquitetônica mais

ampla. Percebemos uma prática projetual para além da sensibilidade e intuição do

arquiteto, um exercício rigoroso e dedicado. Por se tratar de um projeto de intervenção

paisagística em um sítio histórico tão consolidado, não há que se classificar a obra à luz

de um único conceito ou de um único método projetual, ainda que o conceito de

“regionalismo crítico” tenha sido o propulsor do reconhecimento internacional da obra de

Dimitris Pikionis na década de 1980. Entre a singeleza e a complexidade de seus projetos,

encontramos a busca por um diálogo entre o tempo, memória e história.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁLVAREZ, Darío Álvarez. El paisaje como obra de arte total. Dimitris Pikionis y el

entorno de la Acrópolis. Ra. Revista de Arquitectura, v. 13, 2011, p.37-49. Disponível

em: https://revistas.unav.edu/index.php/revista-de-arquitectura/article/view/4942.

Acesso em: 05 mai.2020.

DOXIADIS, Constantinos A. Architectural Space in Ancient Greece. MIT Press,

Cambrigde, 1972.

FRAMPTON, Kenneth. “Perspectivas para um regionalismo crítico” (1983). In:

NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995).

São Paulo: Editora Cosac, 2006.

FRAMPTON, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in the

Nineteenth and Twentieth Century Architecture. Cambridge, London: MIT Press, 1995.

GARCÍA-SÁNCHEZ, José F. Dimitris Pikionis: la alfombra pétrea. Revista PH, n. 87,

2015. Disponível: https://www.iaph.es/revistaph/index.php/revistaph/article/view/3568.

Acesso em: 05 mai.2020.

PAPAGEORGIOU-VENETAS, Alexander. The architect Dimitris Pikionis (1887-

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