O Envelhecimento do Trabalhador no Contexto dos Novos Paradigmas Organizacionais e os Indicadores de...
-
Upload
andremoreira -
Category
Documents
-
view
212 -
download
0
Transcript of O Envelhecimento do Trabalhador no Contexto dos Novos Paradigmas Organizacionais e os Indicadores de...
-
1
O envelhecimento do trabalhador no contexto dos novos paradigmas organizacionais e
os indicadores de excluso por idade no trabalho
Marcos Augusto de Castro Peres*
Resumo: Este artigo trata do problema da discriminao por idade ocorrida no mercado de trabalho, procurando mostrar como os esteretipos negativos associados velhice, presentes nas culturas empresariais, influenciam na excluso dos trabalhadores com mais idade. Os novos paradigmas produtivos de automao e acumulao flexvel contribuem para a desvalorizao dos mais velhos medida que esto associados s idias de inovao e velocidade. Portanto, a situao de excluso vivida por esses trabalhadores possui uma determinante cultural bastante significativa e a sua superao depende de mudanas estruturais tanto no mbito do mercado de trabalho como no da educao/formao. Palavras-chave: Discriminao por idade. Qualificao/competncia. Novos paradigmas produtivos
The aging of workers in the context of new organizational paradigms and indicators of age exclusion at work
Abstract: This article analyzes the problem of age discrimination in the labor market, and shows how negative stereotypes associated to old age found in business culture influence the exclusion of older workers. The new productive paradigms of automation and flexible accumulation contribute to the devaluation of the elderly to the degree that these paradigms are based on ideas of innovation and speed. Therefore, the exclusion suffered by these workers has quite a significant cultural determinant. Overcoming this prejudice will require structural changes both in the labor market and in education. Key words: Age discrimination. Qualification/ability. New productive paradigms
Introduo
Certamente no seria muito afirmar que o desemprego hoje um dos maiores e mais
urgentes problemas sociais. Uma queda gradativa no nmero de postos de trabalho tem sido
observada desde o final da dcada de 1980 e incio da de 1990. Segundo dados da Fundao
Seade e do DIEESE, na Regio Metropolitana de So Paulo, s a indstria chegou a empregar
* Professor do Centro Universitrio da Universidade de Araras - UNIARARAS. Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Doutorando em Educao pela Universidade de So Paulo - USP. E-mail: [email protected]
-
2
diretamente 2,09 milhes de trabalhadores em 1986, sendo que em 1994 atingiu a marca de
1,72 milho. Vemos que mais de 370 mil empregos foram eliminados neste perodo, apenas
no setor industrial. A crise do emprego em nossa sociedade torna-se bvia, assim como
tambm bvia a conseqncias direta disso: o agravamento da excluso social em muitas de
suas dimenses (PERES, 2002).
Por outro lado, bem conhecida a importncia atribuda ao trabalho no atual contexto
scio-econmico. pelo trabalho que no s se obtm o prprio sustento, mas, tambm, que
se mantm a dignidade e que se constri a prpria identidade. Em outras palavras, atravs
do exerccio de uma profisso que os indivduos adquirem existncia e identidade social,
conforme mostra Santos (1990). Tamanha a importncia assumida pelo trabalho que se
convencionou chamar a sociedade atual de sociedade do trabalho. Contudo, vivemos uma
situao bastante contraditria: uma sociedade do trabalho sem trabalho. (SILVA, 1995).
Assim, o aumento do desemprego cria uma legio de excludos, unidos pela sua
condio comum de marginalidade, mas diferenciados por categorias. Dentre os
desempregados de hoje, no esto somente os trabalhadores sem qualificao, pertencentes s
classes mais baixas. A excluso do mercado de trabalho tem atingido tambm os ocupantes da
classe mdia, detentores, em geral, de elevado grau de formao e vasta experincia
profissional. Esses profissionais, porm, possuem um aspecto em comum: a sua faixa etria.
Tal categoria a dos trabalhadores com mais de 40 anos. Estamos diante de uma face oculta
do desemprego, no s econmica, mas cultural: o preconceito com base na idade
(PALMORE, 1999).
Apesar de ser uma situao mais comum entre os trabalhadores sem muita
qualificao, temos observado ultimamente que profissionais de nvel superior e altamente
capacitados, com idade acima de 40 anos, tambm tm encontrado dificuldades de se
reintegrarem ao mercado de trabalho quando vitimados pelo desemprego. Nas contrataes,
d-se maior preferncia a profissionais mais jovens. Nas demisses, funcionrios mais antigos
e/ou de mais idade tm chances maiores de serem demitidos. Nos programas de treinamento,
nos cursos de aperfeioamento e nas reunies estratgicas dentro das empresas, os mais
maduros so, com freqncia, discriminados (NERI, 1996).
Nas contrataes, a ocorrncia de limites de idade nos anncios de emprego
elucidativa, pois revela de forma clara a discriminao contra os trabalhadores mais velhos,
negando a esses, mesmo o simples direito de concorrer vaga. interessante notarmos,
contudo, como certos anncios com limites de idade trazem, tambm, na maioria das vezes,
-
3
exigncias por um conjunto de competncias, tais como dinamismo, atualizao,
flexibilidade, velocidade nas decises, esprito empreendedor etc. Seria coerente supor,
portanto, uma provvel associao entre os limites de idade e as outras requisies, ou seja,
entre envelhecimento e falta de motivao, de atualizao, de flexibilidade etc., conforme
mostra o estudo de Peres (2002).
Quanto s demisses, pesquisas tm revelado que, nos altos cargos como gerncia e
diretoria os profissionais com mais idade so demitidos com mais freqncia do que os
jovens. De acordo com dados obtidos pelo Grupo Catho,1 numa pesquisa sobre a carreira dos
executivos com mais de 40 anos na Grande So Paulo, dos diretores entrevistados, 7,81% dos
com idade entre 35 e 39 anos foram demitidos, contra 20,31% dos de 45 a 50 anos e 25% dos
de 40 a 44 anos (CATHO, 1996).
Mas o que justifica tal situao? O que leva o mercado de trabalho a discriminar
profissionais em virtude da idade avanada? Alguns pontos merecem ser destacados no
sentido de responder a tais perguntas. No atual contexto profissional, os chamados novos
paradigmas produtivos esto baseados, sobretudo, nos conceitos de velocidade,
produtividade, eficcia, flexibilizao, atualizao, envolvimento, trabalho em equipe etc. E
os profissionais mais velhos, por sua vez, so tidos como lentos, improdutivos, ineficazes,
rgidos, desatualizados, rebeldes e sem habilidades para trabalhar em equipe. Esses so alguns
dos esteretipos negativos do envelhecimento relacionados ao trabalho, conforme as
definies de Neri (1996) e Palmore (1999). Alm disso, numa sociedade marcada por rpidas
transformaes tecnolgicas, onde o que novo torna-se rapidamente obsoleto, o que dizer
ento do que ou de quem velho? O ritmo intenso das inovaes torna os produtos
rapidamente obsoletos, entre os quais e principalmente a mercadoria fora de trabalho.
Essa situao de excluso vivida por trabalhadores de mais idade, que tem como
justificativa um conjunto de esteretipos negativos acerca do envelhecimento, chamada por
Palmore (1999) de ageism negativo, que significa essencialmente a discriminao com base
na idade ocorrida em diversas esferas da sociedade, dentre as quais a do mercado de trabalho.
A expresso ageism, de origem inglesa, foi cunhada pelo mdico e pesquisador norte-
americano sobre o envelhecimento, Robert Butler, em 1969, em analogia s palavras racism e
sexism, que se referem, respectivamente, s discriminaes por raa e por gnero. De acordo
com Palmore (1999), foi a ocorrncia do ageism na esfera produtiva que possibilitou a sua
1 O Grupo Catho uma empresa de recolocao de executivos com sede na cidade de So Paulo.
-
4
identificao e delimitao como um problema social especfico, atrelado ao envelhecimento
populacional e ao aumento do desemprego.
Este artigo pretende mostrar como os novos paradigmas tecnolgicos e
organizacionais caracterizados pela acumulao flexvel, pelo sistema japons e pelos
processos de automao sustentam imagens e esteretipos negativos acerca da velhice e do
envelhecimento. Em conseqncia, configuram um ambiente de trabalho geralmente hostil
presena dos trabalhadores mais velhos, levando-os, muitas vezes, demisso,
improdutividade e ao desemprego. Assim, procura-se demonstrar que os esteretipos
negativos do ageism presentes nos novos paradigmas contribuem fortemente para que o
trabalhador de mais idade vivencie uma situao de excluso social.
O medo do desemprego e os jogos de manipulao
A possibilidade real de perder o emprego transformou-se na principal causa de
preocupao entre os trabalhadores brasileiros. Na transio da dcada de 1980 para a de
1990, tem incio uma nova fase em que as demisses em massa ou enxugamentos de pessoal
se tornariam rotineiros. Num mercado onde o incremento da competitividade entre as
empresas crescia progressivamente, chegando a patamares at ento desconhecidos, o
enxugamento de pessoal, incluindo o de nvel gerencial e administrativo, surgiria como
alternativa imediata e simplista crise oramentria. Tambm o processo de modernizao e
reestruturao administrativa do setor privado brasileiro, iniciado com a abertura econmica
de 1990, teria acelerado a onda de enxugamentos (CALDAS, 2000).
Se antes, a demisso atingia apenas os profissionais pouco qualificados, agora ela se
tornaria uma realidade para todos os trabalhadores, de todos os nveis, do operrio no-
especializado ao diretor. O desemprego adquiria ento o status de ser o principal fantasma do
final de sculo.
Uma pesquisa realizada em 1996 pelo Grupo Catho Consultoria em RH, na qual foram
entrevistados 643 executivos de vrios cargos de empresas de todos os portes, revelou que
70,7% estavam colocando como centro de suas preocupaes a sua vida profissional mais
do que a vida pessoal e familiar e 39,5% afirmaram temer, mais do que tudo, no ter um
emprego (CASE, 1997).
Esta mesma pesquisa revelou que, depois do emprego, a segunda maior preocupao
dos executivos, citada por 28,6% dos entrevistados, o medo da politicagem na empresa. Os
-
5
executivos revelaram que se sentem inseguros por no se sujeitarem a jogadas e
bajulaes com relao aos seus superiores, achando que, por isso, correm o risco de serem
demitidos. Por outro lado, o item politicagem na empresa aparece como o mais citado
(32,7%) entre os altos executivos, aqueles que ocupam cargos de diretoria ou vice-presidncia
(CASE, 1997).
tamanha a preocupao com as jogadas e politicagens no ambiente de trabalho,
que tm surgido manuais que ensinam como evit-las. O consultor Russel Wild (1999), em
No perca seu emprego Saiba como se defender das constantes presses no ambiente de
trabalho, explica que, na tentativa de serem notados por suas realizaes, impor suas regras e
destacar-se como lderes, muitos chefes empregam uma tcnica consagrada no mundo
empresarial moderno: a prtica de diferentes jogos de manipulao e intimidao para com
seus subordinados (WILD, 1999).
A existncia de jogos de manipulao nas empresas revela que a demisso antes um
processo do que um ato. Ela se inicia quando no se mais convocado a reunies estratgicas,
a treinamentos, viagens de negcios e outros rituais organizacionais de importncia decisiva
para a evoluo da carreira profissional. Afora a dimenso econmica que procura justificar o
enxugamento em massa de pessoal, a demisso como um processo e os jogos de manipulao
podem ser compreendidos como estratgias de excluso dentro das empresas, expulsando ou
corroendo o poder de deciso dos que no mais correspondem aos interesses empresariais.
O medo, a presso e o que se convencionou chamar de estresse profissional
tornaram-se sentimentos predominantes entre os trabalhadores. Uma pesquisa da
Universidade de Manchester, no Reino Unido, feita no primeiro semestre de 2000, que
abordou o nvel de satisfao e os sintomas de problemas fsicos e psicolgicos entre os
executivos, numa amostra que abrangeu 24 pases e 700 administradores de todo o mundo,
revela que os executivos brasileiros esto entre os mais insatisfeitos com o prprio trabalho,
sofrendo tanta presso para apresentar um bom desempenho que se tornam deprimidos e
ansiosos. Tudo isso conseqncia do medo de perder o emprego (CORREIO POPULAR,
2000, p. 6).
Desempenho profissional e sofrimento no trabalho estresse, presso e medo
O estresse, a presso e o medo passam a existir como os principais componentes do
que Dejours (1999) chamou de sofrimento no trabalho. O sofrimento no trabalho, segundo o
-
6
autor, se deve ao temor dos empregados em no corresponderem s imposies da
organizao do processo de trabalho. Imposies essas que so de horrio, de ritmo, de
formao, de informao, de aprendizagem, de nvel de instruo, de experincia, de rapidez
de aquisio de conhecimentos tericos e prticos e da adaptao cultura e ideologia da
empresa.
O medo de no corresponder s expectativas empresariais coloca os trabalhadores e,
principalmente, os administradores numa situao de estresse constante, mesmo porque
principalmente desses que cobrado o comprometimento com os objetivos empresariais.
Drucker (1997) sustenta que o trabalho de cada administrador deve estar enfocado no sucesso
de todo o empreendimento. O desempenho profissional regido atravs do comprometimento
com a causa empresarial , portanto, fundamental na atuao do administrador, sendo
verificado com freqncia pelos seus superiores. Assim, uma administrao considerada
eficaz deve dirigir a viso e o empenho de todos os administradores para uma meta comum e
assegurar que cada administrador saiba quais resultados so esperados dele.
Os programas de avaliao profissional, que podem levar em conta itens como o
desempenho, a competncia, a eficincia, a eficcia e o comprometimento com a causa
empresarial so um importante instrumento de controle sobre os empregados. pela avaliao
de quem ou no fiel cultura da empresa, de quem veste a camisa, de quem membro da
grande famlia corporativa, de quem d tudo de si, de quem competente e
comprometido com o prprio trabalho, que se possvel controlar quem est ou no altura
das exigncias corporativas. O controle da vida profissional e mesmo privada dos
trabalhadores uma caracterstica prpria do sistema japons, adotado como modismo
organizacional em todo o mundo e que carrega a bandeira dos novos paradigmas produtivos
(GOUNET, 1999).
O sistema japons
Surgido como uma estratgia de competitividade frente aos EUA, o sistema japons de
produo, chamado de toyotismo, foi implantado nas duas dcadas de 1950 a 1970 na fbrica
da Toyota. O toyotismo adaptou os conceitos do fordismo, seu precursor, realidade do
Japo, dando origem a um novo modelo de produo de alta eficcia, que atingiria dimenses
globais (GOUNET, 1999). Desde ento, o modelo original japons tem servido de referncia
para muitas outras empresas em todo o mundo, levando, freqentemente, a um grande
-
7
incremento no desempenho dessas empresas em comparao ao sistema industrial tradicional
(CASTELLS, 2000).
Foi a partir desse modelo que surgiram os conceitos to em voga hoje no mundo
empresarial, como just-in-time, kanban, kaisen, team work, CCQ, CEP, controle de qualidade
total, eliminao do desperdcio, gerncia participativa, flexibilizao etc. Esses conceitos
sintetizam o modelo atual de gesto organizacional que caracteriza os novos paradigmas
produtivos, dando origem a novas formas de competncia profissional. Por isso, alguns deles
merecem ser analisados.
O just-in-time significa tempo justo e traduz um modelo baseado na velocidade, na
eficcia, na preciso, voltado totalmente para o mercado consumidor. Um sistema veloz,
preciso e eficaz, onde os desperdcios de tempo, de recursos materiais, humanos e financeiros
devem ser evitados a todo custo. Assim, todo estoque deve ser suprimido, s produzindo o
que ser absorvido pelo mercado, o que caracteriza o kanban (GOUNET, 1999). Ter agilidade
nas decises, preciso e eficcia nas aes so, portanto, as competncias construdas pelos
just-in-time e kanban.
O que se conhece por kaisen a cultura do aperfeioamento contnuo. Deve-se ser
capaz de acompanhar a velocidade das transformaes tecnolgicas e administrativas das
organizaes (GOUNET, 1999). Nesse conceito residem as necessidades da atualizao
constante dos trabalhadores, uma competncia to valorizada hoje no mercado de trabalho.
Atualizao essa que deve seguir simultaneamente as tendncias de inovao organizacional.
Team work nada mais do que o trabalho em grupo. Saber trabalhar em equipe uma
das novas tendncias organizacionais mais enfatizadas hoje pelos consultores e tericos da
administrao. O que se denominou trabalho em equipe nada mais do que uma construo
ideolgica do mximo envolvimento dos trabalhadores no processo de produo. (POLLERT,
1996). O que no fordismo era um homem/uma mquina, no toyotismo tornou-se uma
equipe/um sistema (GOUNET, 1999). H, no entanto, uma maior intensificao do trabalho
na medida em que se deve estar apto a desenvolver funes mltiplas na empresa e no mais
se restringir a uma rea de especializao. De acordo com Castells (2000, p. 180): A
caracterstica central e diferenciadora do modelo japons foi abolir a funo de trabalhadores
profissionais especializados para torn-los especialistas multifuncionais.
Neste contexto, os trabalhadores devem ser multifuncionais, flexveis, e no
especialistas, pois h a necessidade de se conhecer o todo e no mais cada parte isoladamente.
Deve-se ser polivalente, ou seja, estar preparado a dar resposta, pronta e adequada, s
-
8
situaes que possam ocorrer no ato produtivo. (DIAS, 1999). Aqui se insere, tambm, o
conceito de gerncia participativa, que implica numa maior horizontalizao entre os nveis
hierrquicos, no intuito de criar um ambiente mais propcio ao trabalho em equipe (GOUNET,
1999). Assim, a flexibilizao, a multifuncionalidade, a polivalncia e a capacidade de
trabalhar em equipe surgem como competncias fundamentais no contexto dos novos
paradigmas.
A sigla CCQ (que quer dizer Crculos de Controle de Qualidade) implica uma
organizao de grupos de trabalhadores que se organizam no intuito de melhorar a
produtividade das empresas. Assim, o controle sobre a produtividade e o desempenho de cada
empregado converte-se em controle para a manuteno da qualidade total (ANTUNES, 1999).
A eficcia e a eficincia entram aqui como competncias fundamentais, uma vez que
qualidade total implica no mximo de produtividade e desempenho, e no mnimo de erros e
desperdcios de tempo, de matria-prima e de investimentos.
O que esses elementos que compem o sistema japons possuem em comum a sua
capacidade de controle sobre os trabalhadores. Controla-se a produtividade, o desempenho, a
disciplina, a carreira e, mesmo, o cotidiano dos empregados. Nenhum tempo pode ser
desperdiado. Alm disso, deve-se ser veloz para acompanhar as transformaes tecnolgicas
e administrativas. Caso contrrio, se excludo do mercado de trabalho, num darwinismo
social onde somente os mais adaptados permanecem. (DIAS, 1999). Assim, s conseguem se
manter no mercado de trabalho os que possuem as competncias exigidas pelos novos
paradigmas produtivos.
Competncia e qualificao
Ao se utilizar um termo fundamental como a competncia, faz-se necessrio
defini-lo. Para Zarifian (1998, p. 19), competncia pode ser entendida como: [...] um assumir
de responsabilidade pessoal do assalariado frente s situaes produtivas. Assumir
responsabilidade quer dizer estar pronto a enfrentar os eventos que ocorrem de forma
imprevista na situao produtiva.
Na verdade, o aparecimento do termo competncia est diretamente vinculado
emergncia dos novos paradigmas produtivos. Surgida como um novo instrumental terico
em substituio ao termo qualificao, utilizado pelo modelo taylorista/ fordista, a
competncia procurou sintetizar as habilidades e talentos profissionais necessrios ao
-
9
modelo da acumulao flexvel. (HIRATA, 1998). O termo competncia carrega, em sua
prpria definio, os elementos que compem o modelo japons, como algumas
competncias profissionais valorizadas pelo mercado: assumir riscos e a referncia a uma
atitude social e no s profissional, bem como assumir uma responsabilidade que o
mesmo do que comprometimento nas situaes de trabalho.
possvel observar, tambm, na prpria definio do termo competncia, uma meno
possibilidade de [...] fracassar, de no estar altura, e de sofrer uma avaliao negativa por
parte da hierarquia e dos colegas de trabalho. (ZARIFIAN, 1998, p. 16). Dessa forma, o
termo competncia j traz implcito o medo de perder o emprego, o estresse e a presso, bem
como o controle sobre o trabalhador no ambiente de trabalho.
A competncia, tendo sua origem no modelo japons, ento estruturada por uma das
principais caractersticas desse modelo: o gerenciamento por tenso (by stress). Trabalha-se
sob o controle de um sistema de trs luzes que comandam o ritmo da produo: verde, tudo
em ordem; laranja, h superaquecimento, a cadeia avana em velocidade excessiva; vermelha,
h um problema, necessrio parar a produo e resolver a dificuldade (GOUNET, 1999). No
gerenciamento by stress, segundo Gounet (1999, p. 30): preciso que os sinais oscilem
permanentemente entre o verde e o laranja, o que significa uma elevao constante do ritmo
de produo.
Simbolicamente, pode-se dizer que no contexto dos novos paradigmas produtivos as
luzes verde e laranja esto sempre oscilando, seno no ritmo constante da produo industrial,
na alta produtividade exigida nos trabalhos administrativos e nos negcios. Tal situao
mostra como a intensificao do ritmo de trabalho torna imprescindvel que os trabalhadores
apresentem a mxima velocidade na sua execuo, evitando qualquer desperdcio de tempo e
recursos (GOUNET, 1999). Assim, no h dvidas de que tal como o sistema japons, do
qual originam os novos paradigmas esto apoiados, fundamentalmente, no conceito de
velocidade.
A velocidade como competncia
Se Zarifian (1998) define competncia como um atributo mais social e pessoal do que,
propriamente, profissional, certamente consideraria a velocidade como uma das competncias
principais no atual mundo do trabalho. Tudo hoje est marcado pela velocidade: velocidade
das transformaes tecnolgicas e organizacionais, velocidade da comunicao, velocidade no
-
10
acesso s informaes, velocidade nas decises, velocidade nos negcios, velocidade no
aperfeioamento profissional, velocidade na produo etc. De acordo com Castells (2000), o
tempo atual, que marca no s o incio de um novo sculo, mas tambm de um novo milnio,
tem recebido algumas denominaes: Nova Economia, Era da Informao, Era Digital,
Era do Conhecimento. Pois seria mais do que coerente denomin-lo, tambm, de a Era da
Velocidade.
Santos (1997, p. 29) destaca que as passagens de sculo so marcadas pela velocidade
das transformaes: A primeira tentao a de outra vez, nos tornarmos, como na acelerao
precedente, adoradores, dubitativos ou firmes, da velocidade. Assim, da mesma forma que o
mundo se espantou com a velocidade das transformaes que marcaram a transio do sculo
XIX para o XX, com a difuso do automvel, do avio, do telgrafo sem fio, do telefone e do
rdio, tambm agora se encontra fascinado com a velocidade atrelada aos avanos
tecnolgicos que residem no surgimento do telefone celular, dos computadores pessoais, da
Internet, da automao organizacional etc.
Nas palavras do conhecido colunista Joelmir Beting (2000, p. 2):
O que mais fascina e assusta, tanto quanto a profundidade das mudanas, a velocidade delas. [...] Se me fosse perguntado qual seria a regra primeira da Nova Economia, apontaria exatamente esse paradigma da velocidade.
Em sntese, pode-se dizer que na Era da Velocidade todas as capacidades humanas e
competncias devem ser regidas pela velocidade. No basta perceber as transformaes da
sociedade, economia e tecnologia. preciso perceb-las na mesma velocidade em que
ocorrem. O mesmo se d com a capacidade de deciso, que deve dar seqncia simultnea
execuo, visando, obviamente, resultados instantneos.
A sociedade em rede, qual se refere Castells (2000), uma sociedade onde o
tempo comprimido ou mesmo negado na cultura como resultado da rapidez da produo, do
consumo e das ideologias e polticas em que nossa sociedade baseada. E tal velocidade s
possibilitada pelas novas tecnologias de produo e comunicao. Assim, a prpria noo de
tempo transforma-se a todo instante: o constante progresso tecnolgico torna cada vez mais
curto o intervalo existente entre a percepo inicial e o resultado final de uma ao
intermediria (CASTELLS, 2000).
Se a sociedade em rede marcada pela velocidade, essa velocidade se verifica,
fundamentalmente, no mundo dos negcios e das organizaes. Em um mercado de trabalho
-
11
marcado pela velocidade das transformaes, o profissional de hoje deve ter como
competncia a agilidade de negociao, a rapidez de pensamento e a eficcia voltada para a
obteno imediata de resultados (DRUCKER, 1997).
As empresas com tecnologia de ponta, que carregam a bandeira dos novos paradigmas,
constituem a principal fora propulsora da Era da Velocidade. Gates, presidente-fundador
da Microsoft, um dos maiores grupos empresariais de produo de software e tecnologia
digital do mundo, afirma em A empresa na velocidade do pensamento: Se a questo dos anos
80 era a qualidade e a dos 90, a reengenharia, ento a questo da primeira dcada do prximo
sculo ser a velocidade (GATES, 1999, p. 9).
Para que as empresas velozes da Nova Economia venham a prosperar,
imprescindvel que tenham tambm funcionrios velozes e eficazes. Assim, a tecnologia
digital disponvel deve ser utilizada para melhorar ao mximo o funcionamento da empresa,
reinventando sua prpria maneira de trabalhar.
Essas empresas tomaro decises com rapidez, atuaro com eficcia e iro atingir
direto e positivamente seus clientes (GATES, 1999, p. 17).
Essa mesma tecnologia deve atuar no aproveitamento melhor possvel do potencial
dos seus funcionrios, dando-lhes [...] A velocidade de resposta de que iro precisar para
competir no mundo dos negcios de alta tecnologia que est surgindo (GATES, 1999, p. 10)
Inovao organizacional e envelhecimento
Num contexto marcado pela velocidade das transformaes tecnolgicas e
organizacionais e tambm do ritmo de trabalho e das negociaes, torna-se fundamental ter
capacidade de inovao. No se inovar implica em estar desconectado do mundo, em
tornar-se ultrapassado. Isso vale tanto para as organizaes quanto para os profissionais que
delas fazem parte. Inovar , de certa forma, se adequar (ou se adaptar) aos novos paradigmas
produtivos, incorporando seus elementos fundamentais (CASTELLS, 2000).
Quanto aos profissionais, inovar atualizar-se profissionalmente kaisen ; assimilar
as novas experincias e conhecimentos produzidos. Alm disso, o trabalho em equipe team
work , que implica na participao ativa dos funcionrios no processo produtivo, torna-se
imprescindvel. Assim, o processo de inovao organizacional requer a participao intensa
de todos os trabalhadores, para que compartilhem seus conhecimentos com o grupo
(CASTELLS, 2000).
-
12
mxima a valorizao do capital humano no processo econmico. Todo o
conhecimento e o potencial dos trabalhadores devem ser aproveitados pelas organizaes.
Inovar-se, atualizar-se, aperfeioar-se, ter eficcia e eficincia tornaram-se as palavras da
ordem no contexto da Nova Economia. Quem no veloz torna-se retardatrio. O mesmo
acontece com quem no se inova. Portanto, inovao e velocidade das transformaes,
aes, decises e pensamentos no s caminham paralelas como so interdependentes, ou
seja, uma no pode existir sem a outra.
As redes globais e a globalizao dos mercados, juntamente com a veloz
transformao tecnolgica, tornam os equipamentos rapidamente obsoletos, forando a
contnua atualizao das empresas no que se refere s informaes sobre processos e produtos
(CASTELLS, 2000). Num programa de inovao organizacional, toda estratgia se apia no
pressuposto de que tudo o que existe est envelhecendo e deve ser substitudo por algo novo.
Drucker (1997, p. 188) salienta que: O fundamento da estratgia inovadora a eliminao
planejada e sistemtica daquilo que velho, moribundo, obsoleto.
Drucker continua suas recomendaes a favor da inovao organizacional dizendo que
somente o abandono dos elementos do passado pode liberar os recursos, principalmente os
recursos humanos que ele chama de indivduos capazes, considerado por ele o mais
escasso dos recursos , para se trabalhar naquilo que novo. O maior obstculo inovao
das grandes empresas reside principalmente nessa resistncia em se abandonar o passado.
(DRUCKER, 1997).
Os novos paradigmas produtivos e os elementos de excluso por idade
Abandonar o passado, substituir o velho pelo novo, liberar recursos humanos para
que haja espao aos indivduos capazes. Essas recomendaes so, no mnimo,
desfavorveis aos profissionais de mais idade, quando no se tornam as justificativas para a
excluso gradativa destes no ambiente de trabalho e para a sua demisso. O que Dejours
(1999) chama de apagamento dos vestgios exatamente a eliminao de tudo o que velho
nas organizaes. Para esse autor, muitas so as frmulas empregadas, mas parece que o
maior obstculo ao apagamento dos vestgios seja a presena dos antigos, que possuem
uma experincia de trabalho acumulada ao longo de muitos anos. Assim, de acordo com
Dejours (1999, p. 66-67): A estratgia consiste em afastar esses atores das reas crticas da
organizao, em priv-los de responsabilidade e at em demiti-los.
-
13
Na tabela a seguir, podemos observar a freqncia dos grupos de idade em cargos de
gerncia na Grande So Paulo.
Tabela 1
A freqncia dos grupos de idade em cargos de gerncia na Grande SP
Faixa etria 1986 1990 1994
25 a 29 anos 17,06% 14,55% 14,37%
30 a 39 anos 40,19% 45,17% 49,10%
40 a 49 anos 30,82% 29,20% 26,30%
50 a 64 anos 6,90% 7,59% 5,53%
65 anos ou mais 0,17% 0,14% 0,13%
Total 100% 100% 100%
Fonte: Fundao Seade, Ministrio do Trabalho/RAIS2
Caldas (2000) afirma que o tempo de empresa ou senioridade o critrio de corte
mais comum num processo de demisso. A maioria das demisses teria ocorrido em virtude
do que se tem chamado de menopausa executiva, que implica na estagnao dos executivos
nas empresas em que trabalham, tornando-os obsoletos e dispensveis. De acordo com o
autor, o executivo pode entrar em estagnao com base em sua experincia profissional,
aumentando suas chances de demisso, caso permanea mais de dez anos na mesma empresa
e mais de cinco no mesmo cargo. Se isso ocorrer, o executivo ser certamente substitudo por
um profissional mais jovem (CALDAS, 2000).
Os dados da Fundao Seade apresentados na Tabela 1 mostram essa realidade.
Observa-se uma diminuio da porcentagem de gerentes com mais de 40 anos na regio da
Grande So Paulo entre o ano de 1986 e 1994. Se, em 1986, 30,82% dos gerentes tinham
entre 40 e 49 anos, em 1994 esse ndice caiu para 26,30%. Fato semelhante ocorre com as
faixas etrias superiores, que tm sua porcentagem de participao em cargos de gerncia
reduzida nesses oito anos. O oposto ocorre com os profissionais que esto na casa dos 30 aos
39 anos, que ocupavam 40,19% dos cargos de gerncia em 1986 e passaram a ocupar 49,10%
em 1994. Esses nmeros revelam, portanto, uma progressiva perda de poder por parte dos
2 O Estado de S. Paulo, 02/11/1997, p. 10; caderno de empregos; reportagem de capa: Cresce a procura por executivos da rea financeira.
-
14
profissionais com mais de 40 anos dentro das empresas, que estariam sendo substitudos por
profissionais mais jovens nos postos de comando.
Neri (1996) atesta que, muitas vezes, bem antes da aposentadoria, os trabalhadores
mais velhos so relegados improdutividade e ao isolamento, deixando de ser alvo de
treinamento. Esses trabalhadores vo, aos poucos, sendo dispensados da participao nas
decises empresariais e no processo de produo, o que, possivelmente, ir resultar na sua
demisso.3 A justificativa para tal atitude que esses profissionais so desatualizados, rgidos
(ou inflexveis) e no possuem motivao para as mudanas ou inovaes. O autor destaca
que a falta de investimento em treinamento para os profissionais com mais de 40 anos uma
deciso da empresa, em conjunto com a rea de Recursos Humanos. Assim, prefere-se
investir mais no treinamento dos jovens ingressantes, tidos como mais dinmicos e flexveis,
no intuito de form-los nos moldes da cultura organizacional dominante (NERI, 1996).
Numa entrevista ao Superintendente do Instituto Eldorado, centro de capacitao
profissional da rea de telecomunicaes, pde-se verificar situao semelhante destacada
por Neri (1996). As empresas de alta tecnologia possuem suas atenes voltadas
principalmente para a capacitao dos profissionais recm-formados nas universidades. O
prprio Instituto Eldorado, formado a partir da iniciativa da Motorola, procura adequar os
profissionais que saem das universidades s exigncias do setor de telecomunicaes. O
treinamento, por iniciativa das empresas, , portanto, direcionado aos jovens que esto
ingressando. Pelo que pudemos constatar numa pesquisa realizada em empresas de
telecomunicaes, a reciclagem e atualizao dos profissionais mais velhos fica a cargo, na
maioria das vezes, deles prprios, ou seja, um investimento pessoal e no das empresas em
que trabalham. Verificamos que no existem nessas empresas programas de treinamento
direcionados unicamente atualizao desses profissionais (PERES, 2002).
J vimos que o aperfeioamento contnuo ou kaisen uma competncia
fundamental no contexto dos novos paradigmas. Assim, a constante inovao organizacional
torna imprescindvel a atualizao profissional. Da deriva, em grande parte, o conceito de
empregabilidade, que significa ser e permanecer empregvel ao longo da vida
(MINARELLI, 1995).
3 A a principal diferena entre dispensar e demitir: enquanto o primeiro termo ilustra um processo lento, marcado por atitudes de rejeio que passam a ocorrer com certa freqncia dentro da empresa, o segundo diz respeito ao ato puro de ser colocado para fora da organizao, de ser mandado embora, na linguagem popular, na medida em que o contrato de trabalho encerrado. Para maiores detalhes, conferir em Caldas (2000).
-
15
Da mesma forma como as estratgias de inovao so desfavorveis aos profissionais
mais velhos, tambm a cultura do aperfeioamento contnuo delas derivada atua como
elemento dificultador na carreira desses profissionais. Isso adquire importncia na medida em
que os profissionais com mais de 40 anos so considerados desatualizados (NERI, 1996).
Muito se tem comentado entre os consultores de recursos humanos, e no mundo
corporativo de maneira geral, sobre o esteretipo da falta de atualizao profissional dos
executivos mais velhos (CASE, 1997; NERI, 1999). Esse esteretipo integra o que Palmore
(1999) chama de ageism negativo, sendo altamente nocivo carreira desses profissionais
numa poca em que as intensas mudanas organizacionais tornam imprescindveis o
aperfeioamento e a reciclagem contnuos.
Outra competncia caracterstica dos novos paradigmas produtivos, a flexibilizao
(ou flexibilidade), tambm atua como elemento de excluso para os profissionais de mais
idade. Considerados como inflexveis, pouco motivados para mudanas e assimilao de
novos conhecimentos, esses profissionais tm grandes chances de ter suas carreiras
seriamente comprometidas. Alm disso, no ser flexvel no ter habilidades para trabalhar
em equipe team work , visto ser imprescindvel o envolvimento dos funcionrios no
processo produtivo, o que implica o conhecimento do todo, ou seja, na multifuncionalidade.
Tem-se taxado freqentemente os profissionais mais velhos de ter rigidez. Ser rgido no ser
flexvel; e h a ausncia presumida da flexibilizao na idade madura (NERI, 1996).
Numa poca conhecida como a Era da Velocidade, ser considerado como menos
veloz ou propenso lentido seria morte profissional na certa. Porm, a associao de
envelhecimento com lentido e de juventude com rapidez automtica e imediata. A pesquisa
feita por Neri (1996) mostrou como o profissional com mais de 40 considerado mais lento
pelos colegas mais novos. Assim, a rapidez e a velocidade so vistas como caractersticas
tpicas da juventude, ao passo que aos mais velhos cabe a sabedoria e a experincia.
Como disse Drucker (1997), todo o passado deve ser abandonado para que ocorra
adequadamente a inovao organizacional. Isso mostra porque muitas vezes a experincia
profissional desprezada perante os novos conhecimentos e porque os mais velhos so
preteridos aos mais jovens. Dessa forma, o velho deve ser substitudo pelo novo, assim como
o lento pelo veloz.
Nesse sentido, as competncias inerentes aos novos paradigmas inovao,
velocidade, flexibilizao, capacidade de trabalho em equipe, aperfeioamento contnuo
atuam como elementos estereotipados de excluso para os profissionais com mais de 40 anos
-
16
(PERES, 2003). Presentes nas culturas organizacionais, principalmente, das empresas de alta
tecnologia, esses esteretipos atuam mais como entraves para a carreira desses profissionais
do que como modelos de competncias a serem assimiladas atravs de cursos de capacitao e
da leitura de manuais de auto-ajuda profissionais, que recomendam que um executivo com
mais de 40 anos de idade, para continuar tendo empregabilidade, deve possuir mentalidade
jovem, ser cheio de energia, flexvel, bem atualizado, rpido, cheio de criatividade e se
relacionar bem com seus colegas (CASE, 1997). Todas essas competncias so,
essencialmente, caractersticas comportamentais antes do que profissionais, de maneira
coerente definio dada por Zarifian (1998) ao termo competncia.
Competncia comportamental
Pelo fato de ser reconhecido como comportamentalmente incompetente, pouco
sadio, inativo, dependente e improdutivo, o indivduo mais velho socialmente rotulado por
conceitos que realam a sua indesejabilidade social e contribuem para a sua rejeio no
ambiente de trabalho (NERI, 1996). Ser comportamentalmente incompetente na esfera
profissional no possuir as competncias necessrias para se adequar s exigncias impostas
pelo mercado, atreladas diretamente aos novos paradigmas.
Uma pesquisa desenvolvida em 522 empresas pela revista especializada em gesto
empresarial Voc S.A. (2000) mostrou que 87% das organizaes demitem em virtude de
atitudes comportamentais e do temperamento pessoal, da maneira como os funcionrios se
relacionam e da incapacidade deles de trabalhar em equipes e/ou lider-las. A pesquisa
mostrou tambm que 61% dos profissionais acreditam que perdem seus empregos por
problemas de atualizao de conhecimento e de habilidade tcnica ou por falta de experincia.
A pesquisa da Voc S.A. (2000, p. 40) classificou como atitudes comportamentais
gravssimas:
[...] no saber trabalhar em equipe, no trabalhar com empenho e vontade, no saber ouvir, ser inflexvel nas opinies e valores, ter dificuldades de comunicao, no se encaixar na cultura, nos valores e no ambiente da empresa.
Isso mostra como as empresas esto atentas, atualmente, s caractersticas pessoais e
no simplesmente s profissionais.
-
17
Note-se que essas atitudes comportamentais representam os modelos de competncia
atrelados aos novos paradigmas. Enfoca-se a flexibilizao, o trabalho em equipe, o
envolvimento no processo de trabalho, a eficcia e a eficincia (trabalhar com empenho e
vontade) e no se opor cultura e aos valores da empresa. Curiosamente, a mesma pesquisa
realizada pela Voc S.A. (2000) mostra que se por um lado 48% das organizaes declaram
que no vinculam a idade aos desligamentos, por outro as evidncias comprovam que 52%
das demisses ocorrem na faixa etria acima dos 41 anos e 46% dos profissionais
entrevistados consideram a idade como fator importante para a demisso. Portanto, pode-se
dizer que essas atitudes comportamentais gravssimas esto diretamente relacionadas ao
envelhecimento profissional, pois se so demitidos os comportamentalmente
incompetentes, entre esses a maioria tem mais de 40 anos.
Cultura expulsatria
Grande parte dos consultores considera que se est sob risco de demisso quando se
comea a ser relegado improdutividade, ou seja, quando se deixa de participar de reunies
importantes, de treinamentos e encontros sociais. Em outras palavras, quando se vai, aos
poucos, sendo dispensado. Os conhecidos programas de preparao aposentadoria (PPAs)
tambm so um indcio de que se est sendo posto de lado, uma vez que funcionam mais
como rituais de afastamento do trabalhador ou de desobrigao das empresas do que como um
real investimento no ser humano e em seu futuro fora da esfera produtiva (NERI, 1999). Esses
PPAs, que Stucchi (1998) diz integrar a cultura expulsatria das organizaes, apresentam
uma ambigidade na forma como a empresa concebe o curso da vida do trabalhador. O
funcionrio mais velho valorizado por ser mais experiente, mas, ao mesmo tempo, visto
como mais conservador e mais resistente a mudanas, sofrendo, em funo da idade, do que
se costuma denominar capacidades reduzidas (STUCCHI, 1998).
Exemplo notrio o fato ocorrido com um ex-funcionrio do Banco do Brasil, de 52
anos, entrevistado em uma recente pesquisa de campo. Ele revelou como sofreu, juntamente
com outros colegas da mesma idade, presses da administrao para que se aposentasse ou
pedisse demisso, chegando a ponto de ser transferido do cargo de caixa na agncia onde
trabalhava para um centro de processamento de dados, onde passou a no ter uma funo
especfica. Relegado improdutividade e sentindo-se desprezado e excludo, fez seu pedido
-
18
de aposentadoria. Para ele, conforme citado por Peres (2002, p. 66): O lado humano, no
Banco, foi totalmente esquecido depois da automao [...].
dessa e de outras formas que vo sendo gradativamente expulsos dos locais de
trabalho os profissionais mais velhos. Os novos paradigmas, que se sustentam nas
competncias consideradas adaptao, atualizao, flexibilidade, produtividade, eficincia,
eficcia, multifuncionalidade, esprito de equipe, velocidade , criam culturas organizacionais
propcias aos profissionais mais jovens, mas, por outro lado, pouco receptivas
(expulsatrias) aos mais velhos. Em virtude da associao estereotipada de juventude a
essas competncias, os profissionais mais velhos se vem diante de um ambiente de trabalho
(workplace) simbolicamente hostil sua presena, tornando-se difcil a sua permanncia nele
(PERES, 2002).
Entender os elementos simblicos presentes no ambiente de trabalho implica em
compreender como se estrutura a cultura de uma organizao. Por seu turno, a cultura
organizacional pode revelar aspectos simblicos extremamente relevantes para o
entendimento do ageism ocorrido na esfera do trabalho (PERES, 2002).
Consideraes finais
Neste estudo observa-se que certos elementos presentes nos novos paradigmas
produtivos sustentam esteretipos negativos acerca do envelhecimento. As novas tecnologias
e os processos de automao organizacional do qual o sistema japons, tambm conhecido
como gesto flexvel o principal representante configuraram uma cultura organizacional
pouco receptiva aos trabalhadores de mais idade. Caractersticas como velocidade, preciso,
atualizao, contemporaneidade tecnolgica principais componentes dos novos paradigmas
esto tradicionalmente associadas idia de juventude. velhice, por outro lado, associam-
se um conjunto de esteretipos que contribuem para a excluso e o desemprego dos
trabalhadores mais velhos, dentre os quais: desatualizao, rigidez, desmotivao,
incompetncia, lentido etc.
Vemos aqui uma outra face do fenmeno conhecido como desemprego, para alm de
sua dimenso meramente econmica e, portanto, reducionista. O aspecto cultural do
desemprego, analisado a partir da sua ocorrncia num grupo social especfico: o dos idosos e
indivduos de meia-idade remete-nos necessidade de reviso e questionamento da lgica
inerente aos atuais sistemas produtivo e educativo. Vimos que o recente mundo do trabalho
-
19
exige uma adaptao constante dos que nele atuam ou querem atuar. Tal adaptao deve ser,
essencialmente, tecnolgica e cultural. Dessa forma, perpassa necessariamente pela esfera
educativa. representativa a associao das caractersticas dos novos paradigmas produtivos
idia de juventude. Assim, a suposta maior contemporaneidade tecnolgica do jovem
devida, em grande parte, sua integrao aos processos educativos e formativos. De uma
forma geral, pode-se dizer que a excluso da velhice da esfera do trabalho no se separa da
sua excluso da esfera da educao.
A superao dos esteretipos e (pr)conceitos em relao ao envelhecimento, no
mbito do mercado de trabalho e da sociedade como um todo, no depende somente de
investimentos em programas de requalificao ou reciclagem profissional, direcionados aos
trabalhadores que envelhecem, como defendem alguns especialistas de recursos humanos e
gestores de polticas pblicas para a velhice4. O problema bem mais complexo. Exigiria,
sobretudo, a reformulao das lgicas vigentes de trabalho e educao, que se restringem a
fases especficas da vida humana: fase adulta, juventude e infncia. A velhice, no entanto,
relegada ao esquecimento, posto que representa a fase improdutiva no interior do sistema
capitalista. Assim sendo, para que educar, formar e informar quem no interessa mais aos
propsitos do grande capital?
Contudo, enquanto o sistema educativo mantiver a reproduo da desigualdade
inerente ao sistema capitalista, fazendo da educao, ao invs de um direito, um privilgio
(BRANDO, 1991), no ser possvel desmistificar os esteretipos atrelados ao
envelhecimento, que contribuem decisivamente para a excluso social do velho. Ademais, tal
excluso no ser superada sem a participao justa e efetiva dos adultos mais velhos e dos
idosos nos programas educacionais e nas possibilidades de trabalho e gerao de renda, que
lhes permita viver com autonomia.
Afirmar, como nesse estudo, que os novos paradigmas tecnolgicos e organizacionais
realam esteretipos negativos da velhice no implica culparmos as empresas inovadoras
por tal situao. Longe disso. A crtica aqui tem uma abrangncia muito maior. Ela se
direciona principalmente ao Estado capitalista e s suas polticas sociais de carter paliativo
voltadas incluso do idoso na sociedade, bem como ao projeto burgus de educao, que
se estruturou historicamente tendo por alicerce a formao intelectual e disciplinar da fora de
trabalho para o processo produtivo (RAMOS, 2001). O Estado capitalista eximiu-se e
4 Dentre as mais recentes polticas pblicas de ateno velhice, destacam-se a Poltica Nacional do Idoso (1994) e o Estatuto do Idoso (2003).
-
20
exime-se ainda de promover a educao em seu sentido abrangente e universal, ou seja,
como formadora permanente de conscincia crtica e instrumento de emancipao humana e
social (FREIRE, 1977).
Referncias
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmao e a negao do
trabalho. So Paulo: Boitempo, 1999.
BETING, Joelmir. As quatro velocidades. O Estado de S. Paulo, Caderno de Economia,
26/07/2000, p. 02.
BRANDO, Carlos R. O que educao. So Paulo: Brasiliense, 1991.
CALDAS, Miguel. Demisso: causas, efeitos e alternativas para empresa e indivduo. So
Paulo: Atlas, 2000.
CASE, Thomas A. Como conquistar um timo emprego e dar um importante salto em sua
carreira profissional. So Paulo: Makron, 1997.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede A era da informao: economia, sociedade e
cultura. So Paulo: Paz e Terra, 2000.
CATHO, Grupo. A carreira dos executivos com mais de 40 anos. So Paulo: Publicao
especial do Grupo Catho, 1996.
CORREIO POPULAR. Estudo revela sofrimento do executivo brasileiro, Caderno de
Economia, 31/07/2000, p. 06.
DEJOURS, Christophe. A banalizao da injustia social. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
DIAS, Edmundo. A liberdade (im)possvel na ordem do capital: reestruturao produtiva e
passivizao. Campinas: IFCH/Unicamp, 1999. (Textos Didticos, n. 29).
-
21
DRUCKER, Peter. Fator humano e desempenho. So Paulo: Livraria Cultura, 1997.
FREIRE, Paulo. Educao poltica e conscientizao. Lisboa: S da Costa, 1977.
GATES, Bill. A empresa na velocidade do pensamento. So Paulo: Cia. das Letras, 1999.
GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilizao do automvel. So Paulo:
Boitempo, 1999.
HIRATA, Helena. Competncias e diviso social do trabalho no contexto dos novos
paradigmas produtivos. SEMINRIO INTERNACIONAL EDUCAO PROFISSIONAL,
TRABALHO E COMPETNCIAS, Anais. Rio de Janeiro: CIET/SENAI, 1998, p. 53-62.
MINARELLI, Jos A. Empregabilidade Como ter trabalho e remunerao sempre. So
Paulo: Gente, 1995.
NERI, Aguinaldo A. (Org.). Gesto de RH por competncias e a empregabilidade. So Paulo:
Papirus, 1999.
______. Os profissionais de recursos humanos, a empresa e o trabalhador que envelhece.
1996. Dissertao (Mestrado em Administrao de Empresas) Instituto Metodista de Ensino
Superior de So Bernardo do Campo. So Paulo, 1996.
O ESTADO DE S. PAULO. Cresce a procura por executivos da rea financeira, Caderno de
Empregos, 02/11/1997, p. 10.
PALMORE, Erdman B. Ageism: negative and positive. New York: Springer Publishing
Company, 1999.
PERES, Marcos A. C. Trabalho, idade e excluso: A cultura organizacional e as imagens
sobre o envelhecimento. 2002. Dissertao (Mestrado em Sociologia) Universidade Estadual
de Campinas -IFCH/UNICAMP. Campinas, 2002.
-
22
______. As estratgias empresariais e a excluso por idade. Revista Gerenciais, So Paulo, v.
2, p. 15-21, set. 2003.Centro Universitrio Nove de Julho UNINOVE.
POLLERT, Ana. Team work on the assembly line: Contradition and the dynamics of union
resilience, in: ACKERS, Peter (org.). The new workplace and trade unionism Critical
perspectives on work and organization, Londres: Routledge, 1996, p. 178-209.
RAMOS, Marise N. A pedagogia das competncias: autonomia ou adaptao? So Paulo:
Cortez, 2001.
SANTOS, Maria F. S. Identidade e aposentadoria. So Paulo: Pedaggica e Universitria
LTDA., 1990.
SANTOS, Milton. Tcnica, espao, tempo: globalizao e meio tcnico-cientfico
informacional. So Paulo: Hucitec, 1997.
SILVA, Josu P. A crise da sociedade do trabalho em debate. In: Lua Nova, So Paulo, n. 35,
1995. CEDEC.
STUCCHI, Deborah. O curso da vida no contexto da lgica empresarial: juventude,
maturidade e produtividade na definio da pr-aposentadoria. In: BARROS, M. (org.).
Velhice ou terceira idade? Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 35-46.
VOC S.A. Por que voc pode perder o emprego, So Paulo, ed. 23, ano 3, p. 32-41, maio
2000.
WILD, Russel. No perca seu emprego: saiba como se defender das constantes presses no
ambiente de trabalho. So Paulo: Futura, 1999.
ZARIFIAN, Philippe. A gesto da e pela competncia. SEMINRIO INTERNACIONAL
EDUCAO PROFISSIONAL, TRABALHO E COMPETNCIAS. Anais. Rio de Janeiro:
CIET/SENAI, 1998, p. 15-24.
-
23
Endereo:
FE-USP Av. da Universidade 308 Cidade Universitria CEP: 05508-040 So Paulo/SP
Recebido: Agosto/2004
Aprovado: Outubro/2004