O ESPIRITISMO PERANTE A CIÊNCIA - ESPIRITISMO ATIVO -...

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1 O ESPIRITISMO PERANTE A CIÊNCIA GABRIEL DELANNE PRIMEIRA PARTE I - TEMOS ALMA? II - O MATERIALISMO POSITIVISTA SEGUNDA PARTE I - O MAGNETISMO É SUA HISTÓRIA II - O SONAMBULISMO NATURAL III - O SONAMBULISMO MAGNÉTICO IV - O HIPNOTISMO V - ENSAIO DE TEORIA GERAL TERCEIRA PARTE I - PROVAS DA IMORTALIDADE DA ALMA PELA EXPERIÊNCIA II - AS TEORIAS DOS INCRÉDULOS E O TESTEMUNHO DOS FATOS III - AS OBJEÇÕES QUARTA PARTE I - QUE É O PERISPÍRITO? II - PROVAS DA EXISTÊNCIA DO PERISPÍRITO - SUA UTILIDADE - SEU PAPEL III - O PERISPÍRITO DURANTE A DESENCARNAÇÃO - SUA COMPOSIÇÃO IV - HIPÓTESE V - ALGUMAS OBSERVAÇÕES PRELIMINARES QUINTA PARTE I - ALGUMAS OBSERVAÇÕES PRELIMINARES II - OS MÉDIUNS ESCREVENTES

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    O ESPIRITISMO PERANTE A CINCIA

    GABRIEL DELANNE

    PRIMEIRA PARTE

    I - TEMOS ALMA? II - O MATERIALISMO POSITIVISTA

    SEGUNDA PARTE

    I - O MAGNETISMO SUA HISTRIA II - O SONAMBULISMO NATURAL III - O SONAMBULISMO MAGNTICO IV - O HIPNOTISMO V - ENSAIO DE TEORIA GERAL

    TERCEIRA PARTE

    I - PROVAS DA IMORTALIDADE DA ALMA PELA EXPERINCIA II - AS TEORIAS DOS INCRDULOS E O TESTEMUNHO DOS

    FATOS III - AS OBJEES

    QUARTA PARTE

    I - QUE O PERISPRITO? II - PROVAS DA EXISTNCIA DO PERISPRITO - SUA

    UTILIDADE - SEU PAPEL III - O PERISPRITO DURANTE A DESENCARNAO - SUA

    COMPOSIO IV - HIPTESE V - ALGUMAS OBSERVAES PRELIMINARES

    QUINTA PARTE

    I - ALGUMAS OBSERVAES PRELIMINARES II - OS MDIUNS ESCREVENTES

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    III - MEDIUNIDADES SENSORIAIS - MDIUNS VIDENTES E MDIUNS AUDITIVOS

    APNDICE NOTAS DE RODAP

    Um smbolo da unio entre cincia e a religio

    PRIMEIRA PARTE

    CAPTULO I

    TEMOS ALMA?

    Temos alma? Tal a questo que nos propomos estudar neste captulo.

    Parece, primeira vista, que este problema pode ser facilmente resolvido, porque desde a mais remota Antigidade as pesquisas dos filsofos tiveram por objeto o homem, sua natureza fsica e intelectual; poder-se-ia crer que chegaram a um resultado? Pois bem, conforme alguns sbios modernos, no assim.

    Os antigos que tinham tomado por divisa a clebre mxima - conhece-te a ti mesmo - no se conheciam. Eles imaginavam que o homem fosse composto de dois elementos distintos: a alma e o corpo; basearam, nessa dualidade, todas as dedues da filosofia, e eis que, em nossa poca, uma escola nova acha

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    que eles se enganaram; que em ns tudo matria; que a antiga entidade qualificada com o nome de alma no existe; e que preciso abjurar esse velho erro, filho da ignorncia e da superstio.

    Antes de nos submetermos passivamente a esse aresto, examinemos se os argumentos fornecidos pelos materialistas tm, realmente, o valor que lhes querem atribuir. Procuraremos acompanh-los no prprio terreno, e tentrei-nos discriminar o que de verdadeiro e de falso existe em suas teorias. Anteporemos, em relao aos seus trabalhos, as concluses imparciais da cincia e da especulao modernas. Dessa comparao nascer, assim o esperamos, a certeza de que existe em ns um princpio independente da matria, que dirige o corpo, e a que chamamos alma.

    queles que duvidarem da utilidade para o homem, do princpio espiritual, responderemos: no h assunto mais digno de nossa ateno, porque nada nos interessa mais do que o saber quem somos, para onde vamos e donde viemos.

    Tais questes se impem ao esprito, aps os dolorosos acontecimentos aos quais ningum est isento neste Mundo.

    A alma, iludida e mutilada, recolhe-se a si prpria, depois dos combates da existncia, e indaga por que o homem est na Terra, se seu destino o de sofrer sempre?

    Quando se v o vcio triunfante ostentar o seu esplendor, a quem no ocorre a idia de que os sentimentos de justia e de honestidade so palavras vs, sim, afinal de contas, no a satisfao dos sentidos o fim supremo ao qual aspiram todos os seres?

    Quem de ns, tendo ardentemente perseguido a realizao de um sonho, no sentiu o corao vazio e a alma desenganada, depois de o haver atingido? Quem de ns no indagou, quando o turbilho da existncia lhe tenha deixado um instante de repouso: - Por que estamos na Terra e qual ser o nosso futuro?

    O sentimento que nos impele a essa pesquisa determinado pela razo que quer, imperiosamente, conhecer o porqu e o como dos acontecimentos que se realizam em torno de ns. ela que nos pe no corao o desejo de aprofundar o mistrio de nossa existncia. Se em meio ao rudo das cidades essa necessidade se impe algumas vezes ao nosso esprito, com muito maior fora, ainda, ela se apossa de ns, quando, ao deixar os centros populosos, nos encontramos face a face com as naturezas eternas, imutveis. Ao contemplar os vastos horizontes de imensa paisagem, os cus profundos, semeados de estrelas, verificammos a nossa pequenez no conjunto da criao. E ao lembrar que os mesmos lugares, em que agora nos encontramos, foram pisados por inumerveis legies de homens, que no deixaram outros traos alm do p de

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    seus ossos, perguntamos, com angstia, por que esses homens vivemm, amaram e sofreram?

    Quaisquer que sejam as nossas ocupaes, quaisquer que possam ser os nossos estudos, somos levados invencivelmente a ocupar-nos de nosso destino, sentimos a necessidade de conhecer-nos e de saber em virtude de que leis ns existimos.

    Seremos o joguete das foras cegas da natureza? Nossa raa, que apareceu na Terra depois de tantas outras, no ser mais que um anel dessa imensa cadeia de seres que se deve suceder em sua superfcie? Ou efetivamente ser a plena ecloso da fora vital imanente de nosso Globo?

    A morte, enfim, dissolver os elementos constitutivos do nosso corpo para os mergulhar de novo no cadinho universal, ou conservaremos, depois dessa transformao, uma individualidade para amar e recordar?

    Todos esses pontos de interrogao se erguem diante de ns nas horas de dvida e de reflexo; eles prendem o esprito na rede de idias que suscitam e obrigam o mais indiferente dos homens a indagar: Existe a alma?

    Um golpe de vista sobre a histria da Filosofia

    Os mais antigos filsofos de que h lembrana na histria acreditavam que ramos duplos, e que em ns residia um princpio inteligente, diretor da mquina humana; eles, porm, no aprofundaram as condies do seu funcionamento. As vistam gerais que possuam eram bastante vagas, porque queriam descobrir a causa primria dos fenmenos do Universo.

    Em suas pesquisas s se apoiavam em hipteses; por isso a teoria dos quatro elementos, que resulta dos seus trabalhos, foi abandonada. Mas, fato digno de ateno o de haver Leucippo admitido, para explicar o mundo sensvel, trs coisas: o vcuo, os tomos e o movimento, e vemos, hoje, essas dedues, em grande parte, adotadas pela cincia contempornea.

    Com Scrates apareceu o estudo metdico do homem: esse grande esprito estabeleceu a existncia da alma e se baseou em razes de extrema lgica. Plato, seu discpulo, levou mais longe ainda essa crena. O filsofo da Academia admitia, a exemplo de Pitgoras, um mundo distinto dos seres materiais: o mundo das idias. Segundo Plato, a alma conhece as idias pela razo; ela as contemplou em uma vida anterior existncia atual.

    Eis uma novidade: at ento, limitavam-se todos a crer que a alma era feita ao mesmo tempo em que o corpo. A teoria platnica ensinava que ela vive anteriormente: veremos adiante como so justas as suas dedues. Aristteles, apelidado o prncipe dos filsofos, to espiritualista como seus predecessores e cumpre reconhecer que toda a Antigidade acreditou na

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    existncia da alma, como em sua imortalidade. As lutas entre as diferentes escolas provinham, antes, das divergncias na explicao dos fenmenos do entendimento, que da alma em si mesma.

    Foi assim que se criou a faco sensualista, cujos representantes mais ilustres foram Leucippo e Epicuro. Este ltimo, fazia derivar todos os conhecimentos da sensao. Admitia a alma, mas a supunha formada de tomos e, por conseqncia, incapaz de sobreviver morte do corpo. Era, pois, em realidade, um materialista, e se achava em oposio formal com os idealistas representados por Scrates, Plato e Aristteles.

    Zenon pode ser filiado a essa escola, mas, diversamente de Epicuro, separava a sensao das idias gerais, e os sentidos, da razo.

    Sem ir to longe quanto os cnicos, os esticos consideravam indiferentemente os prazeres e as penas. Julgavam imorais todas as aes que se afastavam da lei e do dever. Esta severidade de princpios foi, durante muitos sculos, a fora da Humanidade, e o nico dique contraposto s paixes desenfreadas da Antigidade pag.

    A escola neoplatnica de Alexandria forneceu luminosos gnios, tais como Orgenes, Porfrio, Jamblico, que souberam elevar-se at as mais sublimes concepes da filosofia. ,

    Eles admitem a preexistncia da alma e a necessidade de seu regresso a Terra.

    Achavam o homem incapaz de adquirir, de uma s vez, a soma dos conhecimentos que o elevasse a uma condio superior, e defenderam essa nobre doutrina, com coragem e audcia sem iguais, contra os sectrios do Cristianismo nascente.

    Prclus foi o ltimo reflexo desse foco intelectual, e a Humanidade ficou, durante longos sculos, amortalhada sob as espessas trevas da Idade Mdia.

    Nessa poca de crena no se duvidava da alma nem da imortalidade, mas os dogmas da Igreja, que se adaptavam, maravilhosamente, ao esprito brbaro das naes atrasadas, tinham-se tornado impotentes em face do des-pertar das conscincias.

    A antiga filosofia apoiava-se na razo; a teologia de So Toms de Aquino s repousava na f; e as tentativas de libertao, que resultavam do divrcio entre a f e a razo, eram cruelmente punidas.

    Sendo o progresso uma lei do nosso Globo, devia chegar o momento em que se efetuaria o acordar das inteligncias; foi o que se deu com Bacon. Este sbio, fatigado com as disputas dos escolsticos que se esgotavam em discusses estreis, atraiu as atenes para o estudo da natureza. Criou-se com ele a cincia indutiva. O sbio recomendou, antes de tudo, a ordem e a classificao nas pesquisas: quis que a filosofia sasse de seus antigos limites;

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    abriu um campo novo s investigaes e sugeriu a observao como mais seguro meio de chegar verdade.

    Morto Bacon, revelou-se, em Frana, Descartes. Este profundo pensador repeliu todos os dados antigos, para adquirir conhecimentos novos por meio de um mtodo que descobriu. Partindo do princpio: eu penso, logo existo, Descartes estabelecia a existncia e a espiritualidade da alma; porque, dizia ele, se pode supor que o corpo no exista, impossvel negar o pensamento, que se afirma por si prprio, cuja existncia se verifica medida que ele se exerce. Em uma palavra, somos algo que ouve, que concebe, que afirma, que nega, que quer ou no quer.

    Nestas condies, a faculdade de pensar pertence ao indivduo, abstrao feita dos rgos do corpo.

    O mtodo preconizado por esse poderoso renovador inspirou uma pliade de grandes homens, entre os quais podemos citar: Bossuet, Fnelon, Mallebranche e Spinosa. Ao mesmo tempo, o impulso baconiano formava Hobbes, Gassendi e Locke.

    Segundo Hobbes, no existe outra realidade alm do corpo, outra origem de nossas idias alm da sensao, outro fim na natureza alm da satisfao dos sentidos; seu modo de ver tambm levava diretamente apologia do despotismo como forma social.

    Gassendi foi um discpulo de Epicuro, de quem renovou as doutrinas; mas, o mais clebre filsofo dessa poca Locke, que pode ser encarado, com justa razo, como fundador da psicologia. Ele combateu o sistema cartesiano das idias inatas e imprimiu, na Inglaterra e na Frana, grande impulso aos estudos filosficos.

    Quase na mesma poca viveram Bossuet e Fnelon, que escreveram admirveis livros sobre Deus e a alma. Em tais obras, cheias da lgica mais s, podemo-nos convencer da existncia dessas grandes verdades to bem postas em relevo por aqueles eminentes espritos. A profundeza dos pensamentos realada, ainda, por uma linguagem admirvel e nunca o esprito francs ostentou maior clareza, elegncia e fora como nesses livros imortais.

    Leibnitz, a mais vasta inteligncia produzida nos tempos modernos, colocou-se entre as duas escolas que se disputavam o imprio dos espritos, entre Locke e Descartes. Refutou o que ambos tinham de absoluto; mas, com sua morte, seu sistema no tardou a ser abandonado, mesmo na Alemanha, onde havia inicialmente sido acolhido com simpatia.

    Na Frana, os Enciclopedistas fizeram triunfar as idias de Locke; elas conduziram, com Condillac, Helvetius e d'Holbach a um materialismo absoluto; esse materialismo a conseqncia inevitvel das teorias, que,

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    reduzindo o homem pura sensao, no podem assinalar-lhe outro fim que no o da felicidade material.

    No tardou a verificar-se quanto esse mtodo, chamado empirismo, levava a tristes resultados. Sentiu-se, imperiosamente, a necessidade de uma reforma e ela foi realizada por Thomas Reid, na Esccia, e Emmanuel Kant, na Alemanha.

    Em Frana, a escola ecltica admitiu o racionalismo de Descartes e brilhou com vivo claro sustentando a tese espiritualista.

    As vozes eloqentes de Jouffroy, Cousin, Villemain demonstraram a existncia e a imaterialidade da alma, com tal evidncia, que lhes coube a vitria no terreno filosfico. Mas a escola materialista operou uma alterao de frente; deixando o domnio da especulao, desceu ao estudo do corpo humano e pretendeu demonstrar que, em ns, o que pensa, o que sente, o que ama, no uma entidade chamada alma, seno o organismo humano, a matria, que s ela pode sentir e perceber.

    Devemos confessar que, para a massa dos leitores, difcil tomar p, em meio s contradies, aos sistemas e s utopias pregadas pelos maiores espritos. Cansam as pesquisas metafsicas que se agitam no vazio; exige-se o retorno ao estudo meticuloso dos fatos: da o xito dos positivistas.

    preciso, entretanto, colocar nitidamente a questo. A fim de que o equvoco no seja mais possvel, vamos faz-lo o mais claramente que pudermos.

    S podem existir duas suposies quanto natureza do princpio pensante: matria ou esprito; uma sujeita destruio, o outro imperecvel.

    Todos os meios termos, por mais sutis que sejam, epicurismo, espinosismo, pantesmo, sensualismo, idealismo, espiritualismo vm confundir-se nestas duas opinies.

    Que importa, diz Foissac, que os epicuristas admitam uma alma racional formada dos tomos mais polidos e mais perfeitos, se essa alma morre com os rgos, ou se, pelo menos, os tomos que a formam se desagregam e voltam ao estado elementar? Que importa que Spinosa e os pantestas reconheam que um Deus vive em mim, que minha alma uma parcela do grande todo? No concebo a alma seno com o carter de unidade indivisvel e a conservao da individualidade do eu. Se minha alma, depois de ter sentido, sofrido, pensado, amado, esperado, vai-se perder nesse oceano fabuloso chamado a alma do Mundo, o eu se dissolve e desaparece: isto a extino e a morte de minhas afeies, de minhas recordaes, de minhas esperanas, o abismo das consolaes desta vida e o verdadeiro nada da alma.

    Assim, a alternativa esta: ou com a morte terrestre, todo o ser desaparece e se desagrega, ou dele resta uma emanao, uma individualidade

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    que conserva o que constitua a personalidade, isto , a memria, e, como conseqncia, a responsabilidade.

    Pois bem, restringindo-nos ao terreno dos fatos, vamos passar em revista as objees que se nos opem e demonstrar que a alma uma realidade que se afirma pelo estudo dos fenmenos do pensamento; que jamais se a poderia confundir com o corpo, que ela domina; e que, quanto mais se penetra nas profundezas da fisiologia, tanto mais se revela, luminosa e clara, aos olhos do pesquisador imparcial, a existncia de um princpio pensante.(1)

    As teorias materialistas

    Os mais ilustres representantes das teorias materialistas so, na Alemanha, Moleschott e Bchner. Eles reuniram em suas obras a maior parte dos argumentos que militam em seu favor. Vamos examinar, primeiro, os sistemas que eles preconizam. Em outro captulo, ocupar-nos-emos com uma segunda categoria de adversrios: os positivistas.

    Compulsando os anais da fisiologia, ou sejam, os fenmenos da vida, que os sbios acima citados esperam provar que esto certos. Eles examinam minuciosamente todos os elementos que entram na composio dos corpos organizados, estabelecem com autoridade a grande lei da equivalncia das foras que se traduz nas aes vitais, medem, pesam, analisam com talento excepcional todas as aes fsicas e qumicas que se verificam no corpo humano. Mas se, deixando as cincias exatas, se aventuram no domnio filosfico, bem se lhes pode recusar o testemunho.

    que eles tentam, com efeito, uma empresa impossvel. Querem banir dos conhecimentos humanos todos os fatos que no caem diretamente sob os sentidos.

    Na pressa de repelir idias antigas, no refletem que admitem causas to estranhas, entidades cientficas to bizarras como as dos espiritualistas.

    No vemos, em primeiro lugar, esses sbios que rejeitam a alma, porque ela imaterial, admitirem a existncia de um agente impondervel, invisvel e intangvel que se chama vida? Que , com efeito, a vida? , responde Longet, o conjunto das funes que distinguem os corpos organizados dos corpos inorgnicos. No avanamos nada sobre o conhecimento da vida, aceitando essa definio, porque ignoramos sempre qual a causa dessas funes. Elas no se executam seno em virtude de uma fora que age constantemente, que se conhece por seus efeitos, mas cuja natureza ntima permanece sempre um mistrio.

    Que fora esta que anima a matria, que dirige as operaes to numerosas e to complicadas que se passam no interior do corpo?

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    Nossas mquinas, ainda to rudimentares, exigem, se as comparamos ao mais simples vegetal, um cuidado constante para o bom funcionamento de cada uma de suas partes, uma vigilncia contnua para remediar os acidentes que se podem produzir. Na natureza, ao contrrio, tudo se executa maravilhosamente. As aes mais diversas, as mais dissemelhantes combinam-se para manter essa harmonia que constitui o ser em bom equilbrio orgnico.

    Que o que designa a cada substncia o posto que ela deve ocupar no organismo? O que repara essa mquina quando ela vem a estragar-se? Em uma palavra, que poder este, de que resulta a vida?

    Para responder a essas perguntas, os fisiologistas imaginaram uma fora, que denominam princpio vital. Desejamos muito acreditar nessa fora, mas faremos observar que esse princpio invisvel, intangvel, impondervel, que no acusa sua presena seno pelos efeitos que manifesta, e que os espiritualistas esto nas mesmas condies quando falam da alma. Se os materialistas admitem a vida e nenhum deles a pode negar, nenhuma razo tm para repelir a existncia do princpio pensante do homem.

    Moleschott publicou uma obra intitulada - A circulao da vida, na qual expe a nova forma das crenas materialistas. Vamos resumi-Ia rapidamente, para que se veja como so desprovidas de justeza suas alegaes e por que sofismas consegue-o dar s suas dedues uma aparncia de lgica.

    Estabelece, como princpio, que no podemos verificar em ns e em torno de ns seno a matria; que nada existe sem ela; que o poder criador reside em seu seio, e que pelo seu estudo que o filsofo pode tudo explicar.

    Discorre, complacentemente, sobre as provas que a cincia forneceu a respeito dessa grande frase de Lavoisier: - nada se cria, nada se perde. A balana demonstra, que em suas transformaes, os corpos se decompem, mas os tomos que os constituem podem reencontrar-se integralmente em outras combinaes. Ou, dito por outra forma, no se cria matria.

    O corpo do homem rejeita o que nutre a planta; a planta transforma o ar, que nutre o animal; o animal nutre o homem, e os seus resduos, levados pelo ar superfcie da terra vegetal, renovam e entretm a vida das plantas. Todos os mundos: vegetais, minerais, animais, se unem, se penetram, se confundem e transmitem a vida por um movimento que dado ao homem verificar e compreender. Eis por que - diz ele - circulao da matria a alma do Mundo.

    Esta matria que nos aparece sob aspectos to diversos, que se transforma em to mltiplos avatares, , entretanto, sempre a mesma. Como essncia imutvel, eterna. Moleschott faz notar que ela inseparvel de uma de suas propriedades: a fora. No concebe uma sem a outra. No pode admitir que a forma exista independente da matria, ou vice-versa. Da

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    conclui que as foras designadas sob os nomes de Deus, alma, vontade, pensamento, etc. so propriedades da matria. Segundo ele, acreditar que essas foras possam ter uma existncia real cair num erro ridculo.

    Ouamo-lo: Seria uma idia absolutamente sem significao a de que uma fora

    pairasse acima da matria e pudesse, vontade, casar-se com ela. As propriedades do azoto, do carbono, do hidrognio, do oxignio, do enxofre, do fsforo, residem em si de toda a eternidade. Da resulta que a fora vital, a idia diretriz, a alma, no passam, realmente, de modificaes da matria, de alguns dos seus aspectos particulares. A matria, por toda parte e sempre, sob infinita variedade de formas, no mais que a combinao fsico-qumica dos elementos.

    Tais so, em suas grandes linhas, as primeiras afirmaes de Moleschott. Sero exatas? o que se trata de verificar. Resumamos.

    1 - Ele nega, em absoluto, todo plano, toda vontade dirigente na marcha dos acontecimentos do Universo.

    2 - Ele afirma que a fora um atributo da matria. Vejamos se os fatos lhe do razo.

    A idia diretriz

    Notamos em primeiro lugar, que existem, no infinito, terras como a nossa, que obedecem a regras invariveis, cuja harmonia de tal forma grandiosa, que o esprito, espantado e confuso diante de tantas maravilhas, no pode duvidar de que uma profunda sabedoria tenha presidido ao seu planejamento. No ser a um sbio como Moleschott que seja necessrio lembrar essa extrema complicao da mquina celeste, nem preciso mostrar esses milhares de milhes de mundos que rolam no ter, e emaranham suas rbitas numa harmonia to poderosamente combinada, que a mais frtil imaginao mal lhes pode aprofundar as leis mais simples.

    Quem no se sente maravilhado diante do esplendor de uma bela noite de vero? Quem no estremeceu de indescritvel emoo vendo essa poeira de sis suspensa no espao? Quem no sentiu involuntrio terror ao lembrar-se de que o astro que nos conduz caminha no ter, sem outro sustentculo que a atrao de um planeta longnquo? E quem no refletiu um dia que os movimentos to precisos deste vasto maquinismo revelaram a inteligncia de um sublime operrio? Quem no compreendeu que a harmonia no pode nascer do caos e que o acaso, essa fora cega, no poderia engendrar a ordem e a regularidade?

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    Sim, nos espaos sem limites, do-se as transformaes eternas da matria; sim, ela muda de aspectos, de propriedades, de formas, mas verificamos que o faz em virtude de leis imutveis, guiadas pela mais inflexvel lgica; eis por que acreditamos em uma inteligncia suprema, reguladora do Universo.

    Se, desviando os olhos da abbada azulada, lanarmos a vista em torno de ns, notaremos a mesma influncia diretriz.

    Sabemos, como Moleschott, que nada se cria, que nada se perde em nosso pequeno mundo. A Astronomia nos ensina que a Terra rodopia em torno do Sol atravs dos campos da extenso e sabemos que a gravidade retm em sua superfcie todos os corpos que a compem. Podemos compreender, perfeitamente, portanto, que ela no adquire nem perde coisa alguma em sua incessante carreira.

    Provam-nos as novas descobertas que todas as substncias se transformam umas nas outras, que os corpos, estudados luz da qumica, diferem pelo nmero e pela proporo dos elementos simples que entram em sua composio. Nada mais exato e ningum pensa em contestar essas verdades demonstradas.

    Se encararmos a multiplicidade enorme das trocas que se realizam entre todos os corpos, o que mais nos surpreende no so essas combinaes em si, mas o maravilhoso conhecimento das necessidades de cada ser que elas ates-tam. Nada se perde no imenso laboratrio da natureza. Todos os seres, por nfimos que nos paream, tm sua utilidade para o bom funcionamento do conjunto da criao; cada substncia utilizada por forma a produzir seu mximo de efeito, e a circulao da matria entretm a vida na superfcie do nosso Globo. Sim, esse movimento perptuo a alma do Mundo, e, quanto mais complicado ele , quanto mais variado, tanto mais testemunha em favor de uma ao diretriz.

    A cincia contempornea descobriu nossas origens; sabemos que, desde quando a Terra no era mais que um amontoado de matria csmica, produziram-se metamorfoses que a trouxeram lentamente, gradualmente, poca atual. em razo dessa progresso evolutiva que reconhecemos a necessidade de uma influncia que se exerce de maneira constante, para conduzir os seres e as coisas, da fase rudimentar, a estados cada vez mais aperfeioados.

    No se pode negar, quando examinamos o desenvolvimento da vida atravs dos perodos geolgicos, que uma inteligncia haja dirigido a marcha ascendente de tudo o que existe, para um fim que ignoramos, mas cuja existncia evidente.

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    fcil verificar que os seres se tm modificado de maneira contnua, em virtude de um plano grandioso, medida que as condies da vida se transformam superfcie do Globo; encontramos nas entranhas da Terra o esboo da maior parte das raas, vegetais e animais, que compem, hoje, a fauna e a flora terrestres.

    A que agente atribuir essa marcha progressiva? o acaso que combina, com tanto cuidado, a ao de todos os elementos? Seria absurdo sup-lo, pois o acaso uma palavra que significa a ausncia de todo o clculo, de toda a previso.

    Afastada esta hiptese, restam-nos as leis fisico-qumicas de que fala Moleschott. Faremos ainda aqui observar que essas leis no so inteligentes. Nunca se admitiu que o oxignio se combinasse por prazer com o hidrognio; o azoto, o fsforo, o carbono, etc. tm propriedades que possuem de toda a eternidade, evidente; mas no menos verdade que se trata de foras cegas, que no se dirigem em virtude de um impulso prprio, e se estas energias passivas ao se aliarem produzem resultados harmnicos, bem coordenados, que elas so postas em ao por um poder que as domina. A Qumica, a Fsica, a Astronomia, explicando os fatos que pertencem as suas respectivas esferas, de forma alguma atingiram a causa primria. A Biologia moderna tambm no toca nessa causa; no suprime Deus; ela o v mais longe, e, sobretudo, mais alto.

    A fora independente da matria

    Examinemos, agora, a segunda proposio de Moleschott, que pretende seja a fora um atributo da matria, isto , que impossvel seja conceber uma sem a outra.

    Em sua opinio, estudar separadamente a fora e a matria uma falta de senso, donde resulta que, estando a energia contida na matria, as foras como a alma, o pensamento, Deus, no so mais que propriedades dessa matria. Se demonstrarmos que tal assero falsa, estabeleceremos, implicitamente, a realidade da alma. Para responder a um sbio no h melhor mtodo que o de lhe opor outros sbios.

    Diz d'Alembert, secundando Newton, que um corpo abandonado a si prprio deve persistir eternamente em seu estado de movimento ou de repouso uniforme. Em outras palavras: estando um corpo em repouso, no poderia por si mesmo deslocar-se.

    Laplace assim exprime o mesmo pensamento. Um ponto em repouso no pode dar a si o movimento, pois que no dispe de raciocnio que o faa mover num sentido em vez de outro. Solicitado por uma fora qualquer e, em

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    seguida, abandonado a si mesmo, move-se constantemente de maneira uniforme, na direo dessa fora; no experimenta nenhuma resistncia; em todo o tempo, sua fora e sua direo de movimento so as mesmas. Essa tendncia da matria para perseverar em seu estado de movimento e de repouso o que se chama a inrcia. esta a primeira lei do movimento dos corpos.

    Assim, Newton, d'Alembert e Laplace reconhecem que a matria indiferente ao movimento e ao repouso, que s se move quando uma fora atua sobre ela, porque, naturalmente, inerte. , portanto, uma afirmao gratuita e sem fundamento cientfico, atribuir fora matria. Cremos que dificilmente podem recusar-se o testemunho e a competncia dos trs grandes homens acima citados; para dar mais peso, entretanto, nossa assero, diremos que o Cardeal Gerdil e Euler estabelecem, por clculos matemticos, a certeza da inrcia dos corpos; no podemos reproduzi-los aqui, mas faremos valer um argumento decisivo, em apoio de nossa convico. Temos excelente prova do princpio da inrcia nas aplicaes que se fizeram das teorias da mecnica aos fenmenos astronmicos.

    Com efeito, se esta cincia que tem por base a inrcia no se apoiasse em um fato real, suas dedues seriam falsas e inverificveis pela experincia. Se a lei da inrcia no passasse de uma concepo do esprito, sem nenhum valor positivo, fora impossvel a Leverrier achar e calcular a rbita de um planeta desconhecido, at sua poca, e suas previses, sobretudo, jamais se teriam realizado, as quais, entretanto, se verificaram ponto por ponto.

    Esta descoberta demonstra que as leis encontradas pela razo so exatas, porque se verificam pela observao de um fenmeno cuja possibilidade no se suspeitava, quando os princpios da mecnica celeste foram estabelecidos. No evidente que se conheciam as propriedades dos corpos e mais tarde se conheceram as curvas que eles descrevem, muito antes de se ter observado no cu o movimento dos astros? Ora, no sendo a mecnica seno o estudo das foras em ao, certo que suas leis so rigorosas, porque se verificam na Natureza.

    No s os matemticos trataram desta questo: M. H. Martin, em seu livro - As cincias e a Filosofia, demonstra, segundo o Sr. Dupr, que em virtude das leis da termodinmica, necessrio admitir uma ao inicial exterior e independente da matria.

    , alis, fcil a convico, raciocinando de acordo com o mtodo positivo, de que o testemunho dos sentidos no pode fazer-nos ver a fora como um atributo da matria; ao contrrio, verificamos pela experincia cotidiana que um corpo fica inerte e permanecer eternamente na mesma posio, se nada lhe vier dar o movimento. Uma pedra, que lanarmos, permanece, depois de

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    sua queda, no estado em que se achava, quando a fora que a animava cessou de atuar. Uma bola no rolar sem o primeiro impulso que lhe determine o deslocamento. Sendo o Universo o conjunto dos corpos pode dizer-se do conjunto da criao o que se diz de cada corpo em particular, e se o Universo est em movimento, impossvel achar que a causa desse movimento esteja em si prprio.

    V-se at aqui que Moleschott no foi feliz na escolha de suas afirmaes. Erige como verdade os pontos mais contestveis; no , pois, de surpreender que, partindo de dados to falsos, chegue a concluses absolutamente errneas. O estudo imparcial dos fatos nos leva a encarar o Mundo como formado de dois princpios independentes um do outro: a fora e a matria.

    preciso, alm disso, observar que a fora a causa efetiva a que obedecem aos seres, orgnicos ou no. Todas as foras, portanto, designadas sob os nomes de Deus, alma, vontade, tm uma existncia real fora da matria e esta o instrumento passivo, sobre o qual elas se exercem.

    Continuemos a anlise do livro de Moleschott e veremos que em suas apreciaes sobre o homem ele no mostra mais perspiccia do que em seu estudo sobre a Natureza.

    O grande argumento que ele oferece como prova de convico o mesmo que o dos materialistas em geral. Consiste em dizer - o crebro o rgo pelo qual se manifesta o pensamento, logo, o crebro que segrega o pensamento. Esse raciocnio quase to lgico como se dissssemos - o piano o instrumento que serve para que se faa ouvir uma melodia, logo, o piano segrega a melodia.

    Se algum se exprimisse por tal forma diante de um incrdulo, mais que provvel que ele encolheria os ombros desdenhosamente; mas, fato estranho, quando se trata da alma, ele aceita imediatamente semelhante maneira de discutir. que os materialistas no querem, sob nenhum pretexto, acreditar num princpio pensante; negam a existncia do msico, da as singulares teorias que nos expem.

    Os materialistas se encontram em face desse problema: o homem pensa; o pensamento no tem nenhuma das qualidades da matria; invisvel, no tem forma, nem peso, nem cor; entretanto, existe. preciso, pois, por se mostrarem coerentes, que o faam provir da matria.

    Certo, a dificuldade grande para explicar como uma coisa material, o crebro, pode engendrar uma ao imaterial, o pensamento. Vamos ver, ento, desfilarem os sofismas, com o auxlio dos quais nossos adversrios do a aparncia de um arrazoado.

    O crebro necessrio manifestao do pensamento; os filsofos gregos j o sabiam e no caam, por isso, no erro dos cpticos de hoje; estabelecem a

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    distino entre a causa e o instrumento que serve para produzir o efeito. Certos fisiologistas, como Cabanis, no encaravam o assunto de to perto. Este diz, com efeito:

    Vemos as impresses chegarem ao crebro por intermdio dos nervos; elas se acham, ento, isoladas e sem coerncia. O rgo entra em ao, age sobre as impresses e as reenvia metamorfoseadas em idias, que se manifestam, exteriormente, pela linguagem da fisionomia ou do gesto, pelos sinais da palavra ou da escrita. Conclumos, com a mesma segurana que o crebro digere, de alguma sorte, estas impresses; que ele faz, organicamente, a secreo do pensamento.

    Tal doutrina to bem se implantou no esprito dos materialistas que, segundo Carl Vogt, os pensamentos tm com o crebro quase a mesma relao que a blis com o figado ou a urina com os rins.

    Broussais j tinha dito em seu testamento: Desde que eu soube, pela cirurgia, que o pus acumulado superfcie do

    crebro destrua nossas faculdades, e que a sada desse pus lhes permitia o reaparecimento, no as pude considerar de outra forma que no atos do crbro vivo, embora no soubesse nem o que era o crebro, nem o que era a vida.

    Moleschott, seguindo nessa alheta, diz a seu turno, variando um pouco a argumentao:

    O pensamento no mais que um fluido, como o calor ou o som; um movimento, uma transformao da matria cerebral; a atividade do crebro uma propriedade do crebro, to necessria como a fora, por toda a parte inerente matria, de que carter essencial e inalienvel. to impossvel que o crebro intacto no pense, como impossvel seja o pensamento ligado outra matria que no o crebro.

    Segundo o sbio qumico, qualquer alterao do pensamento modifica o crebro, e qualquer dano a esse rgo suprime o pensamento no todo ou em parte.

    Sabemos, afirma ele, por experincia, que a abundncia excessiva do lquido cfalo-raquidiano produz o estupor; a apoplexia seguida do aniquilamento da conscincia; a inflamao do crebro provoca o delrio; a sncope, que diminui o movimento do sangue para o crebro, provoca a perda do conhecimento; a afluncia do sangue venoso para o crebro produz a alucinao e a vertigem; uma completa idiotia o efeito necessrio, inevitvel da degenerescncia dos dois hemisfrios cerebrais; enfim, toda excitao nervosa na periferia do corpo s desperta uma sensao consciente no momento em que repercute no crebro.

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    Conclui, pois, que nos fenmenos psicolgicos o que se observa a eterna dualidade da criao; uma fora, o pensamento que modifica; uma matria, o crebro.

    Toda a argumentao de Moleschott consiste em dizer que, com rgos sos, os atos intelectuais se exercem facilmente; ao contrrio, se o crebro adoece, a alma no pode mais se servir dele, e as faculdades reaparecem quan-do as causas que o alteravam cessam de agir.

    sempre a histria do piano. Se uma das cordas chega a quebrar-se, ser impossvel fazer vibrar a nota que lhe corresponde; substitua-se a corda e imediatamente o som voltar a produzir-se. Mas, quando fosse demonstrado que o pensamento sempre a resultante do estado do crebro, no bastaria isso para afirmar-se que o encfalo produz o pensamento. Quando muito, da se poderiam induzir as relaes ntimas existentes entre ambos. No est ainda provado que a integridade do crebro seja indispensvel produo dos fenmenos espirituais.

    Eis o que diz Longet, cuja competncia em fisiologia unanimemente reconhecida:

    Nunca se negou solidariedade dos rgos sos com uma inteligncia s - mens sana in corpore sano; mas essa dependncia to natural no de tal forma absoluta que se no encontrem numerosos exemplos do contrrio; vem dbeis crianas assombrar pela precocidade da inteligncia e extenso do esprito; velhos decrpitos, j vizinhos da tumba, conservam intactos os julgamentos, a memria, o fogo do gnio, o ardor da coragem.

    H poucos anos, o Professor Lordat escreveu notvel tratado sobre a insenescncia(2) do senso ntimo nos velhos.

    A loucura acompanhada, muitas vezes, de uma leso aprecivel dos centros nervosos; mas, que diremos dos casos em que Esquirol e os autores mais conscienciosos afamam no haver encontrado nenhum vestgio de alterao no crebro? Os anais da Cincia nos fornecem grande nmero de fatos, perfeitamente observados, de alterao profunda da substncia cerebral, sem que, durante a vida, se haja notado a mais leve alterao da inteligncia.

    Viram-se pores do crebro retirado, balas atravessarem esse rgo de um lado a outro, sem o menor desarranjo do esprito; basta, entretanto, alguns delgados filetes de sangue em um pequeno ponto, para acender a febre, excitar um delrio furioso e trazer rapidamente a morte. Apressemo-nos em reconhecer que a integridade dos rgos, sua boa conformao, um volume suficiente so condies favorveis ao livre exerccio, ao vigor das faculdades intelectuais, mas no confundamos o rgo com a funo; e , sobretudo, falando do crebro e do pensamento, que essa distino se torna importante,

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    porque muitos rgos da economia concorrem para esse grande fenmeno da vida intelectual: a privao do ar a faz cessar imediatamente; uma bala que atravessa o corao a destri com rapidez. Quem ousaria, entretanto, dar como causa primria ao pensamento, o ar que respiramos ou o sangue vermelho que circula nos canais arteriais?

    Eis o que diz a Cincia e parece-nos que suas concluses no so inteiramente a favor de Moleschott; no possvel afirmar que o pensamento esteja sempre em harmonia com a integridade do crebro, logo, ele no produzido pelo crebro.

    Vimos tambm, mais acima, o sbio holands atribuir o pensamento a uma vibrao da matria cerebral. Seria essa teoria mais justa que as precedentes? Vamos v-lo imediatamente.

    Desde logo esbarramos numa dificuldade; difcil compreender como uma sensao gera uma idia. A sensao uma impresso produzida nos nervos sensitivos por um abalo externo; este determina um movimento ondulatrio que se propaga at o crebro pelas fibras nervosas. L chegado, esse movimento faz vibrar as clulas do sensonum. Como pode o movimento mecnico das clulas determinar uma idia? Como compreender que esse abalo seja percebido pelo ser pensante?

    As clulas nervosas, formadas de colesterina, gua, fsforo, cido humico, etc., associados em certas propores, no , por si mesma, inteligente; o movimento vibratrio simples ao material. Como pode o pensamento nascer desse abalo da clula nervosa? Foi o que se esqueceram de ensinar-nos.

    Os espiritualistas interpretam os fatos dizendo que h em ns umas individualidades intelectuais, que advertida por essa vibrao de que uma ao foi exercida sobre o corpo, e quando a alma tem conscincia desse movimento vibratrio que ns experimentamos a percepo. O que prova at evidncia que tudo se passa assim o fenmeno to ordinrio da distrao.

    Quando trabalhamos num aposento, no acontece freqentemente ficarmos insensveis ao tique-taque de um relgio? E no sucede, mesmo, ficarmos insensveis s horas que batem? Por que no as ouvimos? As vibraes, produzidas pelo som impressionaram nosso ouvido, propagaram-se atravs do organismo at o crebro, mas, estando a alma preocupada por outros pensamentos, no pde transformar a sensao em percepo, de sorte que no tivemos conscincia dos rudos produzidos pelo relgio. Esse simples fato demonstra, de maneira concludente, a existncia da alma.

    Outras objees

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    Estamos certos, agora, de que o pensamento no produzido, nem pelo conjunto do crebro, nem por um movimento vibratrio de suas molculas. Asseguremo-nos de que no ele alm disso produto da matria cerebral.

    Retomemos, para examin-las, as teorias de Cabanis e Carl Vogt: possvel que o pensamento seja uma secreo do crebro? To falsa se apresenta essa idia, to pouco em harmonia com a realidade dos fatos, que um declarado materialista como Bchner recusa-se admiti-Ia.

    Diz-nos ele: Apesar do mais escrupuloso exame, no podemos encontrar analogia

    entre a secreo da blis ou a da urina, e o processo pelo qual se forma o pensamento no crebro. A urina e a blis so matrias palpveis, ponderveis e visveis; e ainda mais, matrias excrementcias que o corpo usou e que ele rejeita. O pensamento, o esprito, a alma, pelo contrrio, nada tem de material, no ela mesma uma substncia mas o encadeamento de foras diversas formando uma unidade, o efeito do concurso de muitas substncias dotadas de foras e de qualidades.

    Quando uma mquina feita pela mo do homem produz um efeito, pe em movimento seu mecanismo ou outros corpos, d uma pancada, indica a hora ou coisa semelhante, esse efeito, considerado em si, coisa essencialmente diferente de certas matrias excrementcias que ela produz, talvez, durante essa atividade.

    Assim, o crebro o princpio e a fonte, ou, para melhor dizer, a causa nica do esprito, do pensamento; mas, no por isso o rgo secretor. Ele produz algo que no rejeitado, que no dura materialmente, mas que se consome a si mesmo no momento da produo. A secreo do fgado, dos rins, se realiza sem o sabermos, independentemente da atividade superior dos nervos; ela produz uma matria palpvel. A atividade do crebro no pode existir sem a conscincia completa e no segrega substncias, porm foras. Todas as funes vegetativas, a respirao, a pulsao do corao, a digesto, a secreo dos rgos excretores se verificam tanto no sono como em estado de viglia; mas as manifestaes da vida se suspendem no momento em que o crebro, sob a influncia de uma circulao mais lenta, fica mergulhado no sono.

    Para Bchner o pensamento no uma secreo; provm de um conjunto de foras diversas que formam unidade; uma resultante; mas uma resultante de qu? Ser do conjunto do crebro ou somente de certas partes? Poder algo invisvel e impondervel, como o pensamento, ser produzido por diferentes rgos que se renem para um efeito comum?

    O Autor nada nos diz, nem temos necessidade de explicao para perceber que essa maneira de encarar o pensamento ainda errnea. Bchner

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    reconhece que o pensamento imaterial; perguntamos, agora, como poderia ser produzido pelo crebro, que s se compe de matria?

    Abordemos mais de perto o assunto e veremos que, de qualquer maneira que o encaremos, impossvel supor que o crebro segregue o pensamento, ou que este dele se desprenda, como a eletricidade dos corpos que a contm.

    evidente, averiguado, incontestvel, que o trabalho cerebral determina uma elevao de temperatura no crebro. Produz-se uma oxidao das clulas, que se pode medir, como fez Schiff, operando sobre ces ou sobre o homem; como o atestam as experincias de Broca, em estudantes de medicina; ou, enfim, as de Bayson, que pesava os sulfatos e os fosfatos que entravam em seu corpo pela alimentao, para demonstrar que a quantidade dos sais, rejeitada pelas excrees, aumentava de maneira sensvel, aps um trabalho cerebral.

    Como podem estas experincias, de que os materialistas tm pretendido fazer um argumento, infirmar a existncia da alma? Elas demonstram, simplesmente, que quando o crebro trabalha, o sangue a aflui e determina uns movimentos moleculares, que se traduz materialmente por aes qumicas. Acreditar que o pensamento seja o produto dessas reaes seria erro grave, porque, se o crebro segrega o pensamento, preciso explicar a natureza e o resultado dessa secreo. um lquido, um slido, um corpo simples ou composto? Desde que se afaste resolutamente a hiptese espiritual, deve-se estabelecer que, pela elevao de temperatura, se obtm um objeto material. Ora, quem pretender jamais que o pensamento, esta coisa fugitiva, esteja nesse caso?

    Admitindo que o pensamento uma fora, como a eletricidade e o calor, que emana do crebro em certos momentos, e como toda fora um movimento vibratrio do ter, recairemos na teoria de Moleschott, que demonstramos falsa.

    V-se, qualquer que seja o processo de anlise empregado, que impossvel supor o pensamento como emanao do crebro e ainda menos como secrees ou vibraes da matria cerebral. No podemos admitir os sistemas materialistas sem nos encontrarmos em oposio formal com os fatos e com a razo; e, se verificamos no crebro uma srie de atos que precedem, acompanham ou seguem o pensamento, absolutamente ilgico atribuir-lhes a produo desse pensamento.

    Uma das faculdades da alma que mais tm chamado a ateno dos filsofos a memria. Faculdade misteriosa essa, que reflete e conserva os acidentes, as formas e as modificaes do pensamento, do espao e do tempo; na ausncia dos sentidos e longe da impresso dos agentes externos, ela representa essa sucesso de idias, de imagens e de acontecimentos j

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    desaparecidos, j cados no nada. Ela os ressuscita espiritualmente, tais como o crebro os sentiu, a conscincia os percebeu e formou.

    Para explicar-lhe o mecanismo, Aristteles admite que as impresses exteriores se gravam no esprito, quase pela forma por que se reproduz uma letra, colocando-se um sinete sobre a cera. Descarte cr tambm que essa faculdade provm dos vestgios que deixam em ns as impresses dos sentidos ou as modificaes do pensamento. Adotemos a maneira de ver desses grandes homens e indaguemos como ser possvel concili-la com os dados que Mo-leschott nos fornece sobre a natureza do princpio pensante.

    O sbio qumico afirma, em magnfico captulo, que um movimento incessante da matria, que transformaes maravilhosas e mltiplas se executam no interior de nosso corpo, e, apoiando-se nos trabalhos de Thompson, de Vierodt e de Lehumann, os quais, por sua vez, tinham por base os de Cuvier e Flourens, declara que os fatos justificam plenamente a suposio de que o corpo renova a maior parte de sua substncia em um lapso de vinte a trinta dias. E alhures diz mais: O ar que respiramos muda a cada instante a composio do crebro e dos nervos.

    Se isto verdade, se somos uma nova entidade de trinta em trinta dias, se todas as molculas que compem nosso ser entram no turbilho vital, como conservamos, ainda, na idade madura, a lembrana de atos que se passaram em nossa mocidade? Como explicar Moleschott que nos conservemos sempre os mesmos, apesar desse mutaes.

    incontestvel que possumos a invencvel certeza de ser sempre idntico; mesmo quando envelhecemos, sabemos que a essncia de ns mesmos no muda. Em meio s vicissitudes da existncia, nossas faculdades podem aumentar ou obliterar-se, nossos gostos variar ao infinito e nossa conduta apresentar as mais singulares contradies; estamos certos, porm, de que conservamos o mesmo ser; temos conscincia de que outro no tomou nosso lugar, e, entretanto, todos os elementos de nosso corpo foram renovados muitas vezes. Nem um tomo, do que o formava h dez anos subsistem nele presentemente. Como se mantm, ento, em ns a memria dos acontecimentos passados?

    Responde os espiritualistas que existe em ns um princpio que no muda e cuja natureza indivisvel no est, como a matria, submetida destruio. a alma que conserva a lembrana dos fatos, as conquistas da inteligncia e as virtudes adquiridas por incessante luta contra as paixes.

    No podemos admitir as teorias materialistas, porque elas tendem simplesmente a suprimir a responsabilidade dos atos.

    Se no somos, com efeito, seno uma associao de molculas, sem cessar renovadas, se as nossas faculdades so apenas a traduo exata do

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    desenvolvimento que o acaso daria a certas partes do crebro, com que direito poderia o homem prevalecer-se de suas qualidades e por que se condenaria um malfeitor, desde que sua inclinao para o crime dependeria de certa disposio orgnica que ele no pode modificar?

    Os combates sustentados contra os impulsos que nos arrastam para o mal indicam que h em ns uma fora consciente dirigida pelas leis da moral.

    Essas lutas interiores revelam a ao da vontade, a despeito de todos os sofismas com que se pretende estabelecer que ela quimrica. No somos senhores sempre, verdade, de dominar as nossas sensaes; elas se nos impem, muitas vezes, com energia: um espetculo sensibilizador enche-nos de doce emoo; provoca a nossa revolta a vista de uma injustia; encanta-nos uma harmonia suave; mas essas impresses to diversas so bem diferentes da vontade, que carter mais ntimo do eu e da personalidade humana.

    Quando estamos em face de um ato a realizar, ponhamramos os motivos que nos podem dirigir; faz-se ouvir a voz do interesse em oposio do dever e o que constitui o mrito o poder que temos de escolher entre os dois mveis.

    Por sermos livres que somos responsveis; esta grande verdade est to firmada na conscincia universal que nunca se viu punir um louco por ter cometido um crime. O livre-arbtrio no uma iluso. ele que d ao homem honesto a fora de preferir a morte infrao das leis; ele que impele os grandes coraes devotamentos hericos; e se o homem no passasse do joguete cego das foras fsico-qumicas, seria preciso despedirmo-nos de todos os nobres sentimentos, de todas as aspiraes generosas!

    Tentaram provar, comparando-se o peso de grande nmero de crebros humanos, que a inteligncia mais desenvolvida correspondia sempre a um encfalo mais pesado. Estatsticas numerosas foram estabelecidas, mas at agora os resultados no so bastante precisos para permitir que se formule uma lei. V-se, verdade, que, medida que nos aproximamos das raas inferiores, a capacidade craniana diminui. Nestes ltimos tempos, Bischof, Nicolucci, Herv, Broca e outros fizeram pesquisas muito curiosas a este respeito, mas, tanto como seus predecessores, no puderam deduzir uma regra dos casos numerosos que observaram; viram-se idiotas com o volume do crebro to considervel quanto o de pessoas que gozavam da integridade de suas faculdades intelectuais.

    Nesta espcie de pesquisa preciso no confundir C rgo com a funo. V-se que certas partes do corpo crescem mais que outras, que elas trabalham mais. Sabe-se que os ferreiros tm o brao direito mais forte que o esquerdo, porque com aquele que manejam o martelo, assim como os torneiros tm a perna esquerda mais volumosa que a direita, porque a de

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    que se servem constantemente. Concluir-se- que estes homens so ferreiros ou torneiros porque seus membros se acham mais desenvolvidos?

    O raciocnio o mesmo para com o crebro. Se, em certos casos, se observa uma correlao entre seu volume e uma grande atividade intelectual, prova isto to-s que o esprito atua sobre ele com intensidade. Disse exce-lentemente Herv: - O encfalo cresce em proporo atividade funcional de que a sede. essa uma lei que se aplica a todos os rgos, em toda a srie animal; ora, qual a atividade funcional do crebro? A intelectual e a moral.

    O peso e o volume do crebro nada tm, portanto, de comum com a existncia da alma e no podem invalid-la.

    Concluso

    Diremos, em resumo, que do estudo dos fatos ressalta a certeza de que possumos um princpio pensante, independente da matria, que no est submetido, como esta, s transformaes da vida, e no qual reside a memria. Para combater to simples verdade os sbios investigaram as mais ntimas profundezas do ser, a fim de haurirem a seus argumentos.

    Surpreende-nos ver como eles se extraviam, quando abandonam o slido terreno da experincia e se aventuram, guiados por hipteses, no domnio filosfico. que no querem admitir seno o que visvel, tangvel, que se pode medir. Nada teramos que alegar contra esse mtodo, se dele se servissem sempre; mas o que no justo que s o apliquem aos fenmenos psquicos. Broussais dizia: Dissequei muitos cadveres, mas nunca encontrei a alma. Entretanto admitia a vida e as cincias naturais que s repousam sobre entidades.

    Ouamos Langel: A Qumica contenta-se com palavras, todas as vezes que lhe impossvel

    penetrar a essncia mesma dos fenmenos. De que fala ela sem cessar? De afinidade. No isso uma fora hipottica, uma entidade to pouco tangvel como a vida e a alma? A Qumica deixa Fisiologia a idia da vida e recusa ocupar-se com ela. Mas a idia em torno da qual a Qumica se desenvolve tem alguma coisa de mais real? Essa idia muitas vezes inapreensvel, no s em sua essncia seno ainda em seus efeitos. Pode-se, por exemplo, meditar um instante nas leis de Berthollet, sem compreender que estamos em face de um mistrio impenetrvel?.

    Nas experincias que lhe serviram de fundamento as reaes qumicas so conduzidas em condies puramente estticas e independentes das afinidades propriamente ditas; mas no fenmeno de uma combinao, nessa atrao que precipita um para os outros tomos que se procuram, que se juntam,

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    escapando aos compostos que os aprisionavam, no h com que confundir o esprito?

    Por mim, penso que quanto mais se estudam as cincias em sua metafsica, mais se acentua a convico de que esta nada tem de inconcilivel com a filosofia mais idealista. As cincias analisam as reaes, tomam as medidas, descobrem as leis que regulam o mundo fenomenal; mas no h nenhum problema, por humilde que seja, que no as coloque em face de duas idias sobre as quais o mtodo experimental no tem nenhuma inferncia; em 1: lugar, a essncia da substncia modificada pelos fenmenos; em 2: lugar, a fora que provoca essas modificaes.

    S conhecemos, s vemos o exterior, as aparncias: a verdadeira realidade, a realidade substancial e a causa nos escapam.

    No podemos terminar melhor esta revista do que citando as seguintes palavras do ilustre fisiologista Claude Bernard:

    A matria, qualquer que seja, sempre destituda de espontaneidade e nada provoca; s faz exprimir por suas propriedades a idia de quem criou a mquina que funciona. De sorte que a matria organizada do crebro, que manifesta fenmenos de sensibilidade e de inteligncia prprios ao ser vivo, no tem, do pensamento e dos fenmenos que ela manifesta, mais conscincia do que a matria bruta teria de uma mquina inerte, de um relgio, por exemplo, que no possui conscincia dos movimentos que manifesta ou da hora que indica; assim, tambm, os caracteres de impresso e o papel no tm conscincia das idias que reproduzem. Assegurar que o crebro segrega o pensamento, sena o mesmo dizer que o relgio segrega a hora ou a idia do tempo.

    preciso no supor que foi a matria quem criou a lei de ordem e de sucesso; seria isso cair no erro grosseiro dos materialistas.

    CAPTULO II

    0 MATERIALISMO POSITIVISTA

    Na curta resenha que fizemos dos diferentes sistemas filosficos, deixamos de referir-nos a duas escolas importantes: os falansterianos.e os fourieristas. No nos interessam elas diretamente, visto que as suas teorias so mais sociais que filosficas. preciso, entretanto, notar que Saint-Simon prestou um verdadeiro servio ao esprito humano, mostrando, com sagacidade, que se deve conceder alma maior importncia que aquela que lhe deram os filsofos do sculo XVIII.

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    O prprio Fourier, apesar do sensualismo de sua poca, acreditava na alma e na sua imortalidade. Seus continuadores se distinguem, no movimento moderno, pela feio dos seus escritos, que sobressaem entre os trabalhos mais materialistas do fim do nosso sculo.

    Afora esses dois grandes homens, assinalaremos uma pliade de pensadores de escol, tais como Pierre Leroux, Jean Raynaud, Lamennais e outros, que reergueram brilhantemente o estandarte espiritualista; poder-se-ia acreditar que a vitria lhes estava definitivamente assegurada, quando se revelou, entre os discpulos de Saint-Simon, um filsofo de primeira ordem: Augusto Comte. Fundou ele um sistema denominado positivismo, que teve o mrito de opor imaginao, realmente muito errante dos seus predecessores, as frias e rgidas doutrinas da tradio baconiana.

    Comte procurou reanimar o sensualismo, aplicando-lhe a idia do progresso, mas faliu em sua tentativa, e foi forado, depois de ter querido explicar tudo pela experincia e pela observao, a reconhecer que existe em ns uma faculdade: o sentimento, que no pode ser ignorado impunemente. Acabou por inventar uma espcie de religio que se perdia nas nuvens de um misticismo incompreensvel. Era, segundo Huxley, um catolicismo a que faltava o cristianismo.

    Seus discpulos no o. acompanharam nessa estrada; os dissidentes caram no excesso oposto e so agora verdadeiros materialistas, bem que disto pretendam escusar-se.

    Um dos mais ilustres representantes do Positivismo Littr. Durante toda a sua vida, esse trabalhador infatigvel defendeu a nova concepo, expurgando-a daquilo que seu vigoroso esprito achava intil ou suprfluo. Foram estas supresses que o determinaram a separar-se de Augusto Comte, decadente, e a reduzir as doutrinas de seu mestre ao que elas tinham de verdadeiramente til; mas, acentua ainda as tendncias materialistas, que o Positivismo contm em grmen, e vemos essa inteligncia em contradio consigo mesma, quando pretende ficar neutra entre os dois sistemas que disputam a conquista dos espritos: o espiritualismo e o materialismo.

    Principiemos por expor o que se chama a concepo positiva do Mundo, isto , a Filosofia que resulta da coordenao do saber humano. Ela mais uma negao que um dogma. Os positivistas tm por objetivo o estudo da natureza pelos sentidos, pela observao e pela anlise. Tudo o que se afasta dessa ordem de coisas para eles o desconhecido, o porqu, ao qual renunciam, deliberadamente, pesquisar.

    As realidades dos metafsicos podem existir, no as negam; mas como no entram no domnio dos fatos sensveis, acham intil e perigoso querer defini-

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    Ias; em suma, elas so incognoscveis, isto , inteiramente fora do alcance do entendimento.

    Assim, a base do estado positivo do esprito humano, o carter essencial da mentalidade positiva, consiste em afastar a imaginao, na explicao das coisas e s proceder pela verificao real, pela observao; em eliminar todas as suposies indemonstrveis e inverificveis e nos limitarmos a observar as relaes naturais, a fim de prev-las, para as modificar em nosso proveito, quando isso for possvel, ou as suportar, convenientemente, quando no forem acessveis ao nosso domnio.(3)

    Alm da esfera dos fenmenos comprovados, existe um desconhecido que o esprito procura em vo penetrar; assim, Littr, traando o programa da escola, recomendou absoluta neutralidade em todas as questes dogmticas relativas essncia das coisas. Ele o afirma nitidamente na seguinte pgina:

    No se conhecendo, nem a origem nem o fim das coisas, no h motivo para negar que haja algo alm dessa origem e desse fim (isto contra os materialistas e os ateus), assim como no h razo para o afirmar (isto agora contra os espiritualistas, os metafsicos e os telogos). A doutrina positiva pe de lado a questo suprema de uma inteligncia divina, pelo fato de reconhecer sua absoluta ignorncia nesse sentido, como alis acontece s cincias particulares, que lhe so afluentes, no que toca origem e ao fim das coisas, o que implica necessariamente que, se a doutrina positiva no nega a inteligncia divina, no a afirma; conserva-se perfeitamente neutra entre a negao e a afirmao, as quais se valem, no ponto em que estamos.

    No preciso dizer que ela exclui o materialismo, que uma explicao daquilo que ningum pode explicar.

    No busca mais o que o naturalismo tem de exorbitante, pois exclama, como De Maistre, falando da Natureza: quem esta mulher?(4)

    V-se, est bem claro, que o verdadeiro positivista no se deve inclinar para nenhum sentido; -lhe absolutamente interdito meditar sobre os problemas que no se podem resolver pelo mtodo direto da anlise e da ob-servao.

    Este equilbrio de que fala Littr pode ser mantido? possvel, quando as leis da Natureza revelam um encadeamento admirvel de fenmenos, restringir-nos aos estreitos limites dos fatos conhecidos, sem tentar elevar-nos causa primria, qualquer que ela seja?

    - No. No natural parar em caminho e dizer: No iremos mais longe. A invencvel curiosidade humana leva-nos a franquear os limites que se lhe quer impor, e, voluntariamente ou no, os homens de cincia so chamados a se pronunciarem, quer num sentido, quer noutro. Apressemo-nos a acrescentar que o estado suspensivo, recomendado como expresso da sabedoria, violado

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    por Littr e seus partidrios; eles se declaram francamente materialistas, assim como o prova a seguinte passagem, que o mestre escreveu no prefcio do livro de Leblais sobre o materialismo:

    O fsico reconhece que a matria pesa; o fisiologista, que a substncia nervosa pensa, sem que um ou outro tenha a pretenso de explicar por que uma pesa e a outra pensa.

    No nos deteremos em salientar a impropriedade da comparao entre o peso, fenmeno fsico, e o pensamento, ao espiritual, que no pode ser assimilada a nenhuma propriedade da matria. O que importa notar essa afirmao: - a substncia nervosa pensa, afirmao que vimos reproduzidas por todos os materialistas.

    Um filsofo da escola de Comte deveria ser, entretanto, de absoluta ignorncia quanto aos fatos psquicos; para ele, os fenmenos do pensamento no podem ser o produto da substncia cerebral, pois que nunca conseguiram verificar, experimentalmente, se certa quantidade de fsforo, por exemplo, junta massa cerebral, tornaria o pensamento mais ativo, ou, se a mesma quantidade, retirada desse rgo, aniquilaria o pensamento. Ele sai da neu-tralidade que seu programa exige, para pronunciar-se negativamente. Da termos razo no dizer que os positivistas no passam de materialistas disfarados.

    Querem ainda uma prova? Littr fornece quando examina o Universo e procura as leis que o dirigem. Eis o que se l nas Paroles de Philosophie Positive:

    O Universo nos aparece, presentemente, como tendo suas causas em si mesmo, causas que chamamos leis. A imanncia a cincia que explica o Universo pelas causas que nele residem

    A imanncia diretamente infinita, porque, deixando os tipos e as figuras, ela nos pe, sem intermedirio, em relao com os eternos motores de um universo ilimitado, e descobre, ao pensamento estupefato e maravilhado, os mundos librados no abismo do espao e a vida librada no abismo do tempo.

    No se pode negar, nesta passagem, o estabelecimento de uma doutrina muito nitidamente formulada. Ope-se idia do Criador - a da imanncia -, isto , a propriedade que teria o Universo de se mover em virtude de leis que lhe so prprias. Como o faz notar Caro, essa uma afirmativa que ultrapassa singularmente a esfera dos fatos verificveis e das verdades demonstradas, de que Littr no pretende afastar-se.

    Em suma, o mais ilustre representante da cincia positiva materialista, seno em principio, pelo menos efetivamente.

    Contrrio ao seu programa e realidade, afirma que a matria pensa, e cr que a Natureza se governa por si mesma.

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    So estas concluses que ns denunciamos como falsas, em virtude das razes que expusemos no captulo precedente.

    O mtodo positivo rejeita todo instrumento de estudo, que no os sentidos; mas existe em ns essa propriedade de nos conhecermos que se chama senso ntimo, e que tem seu valor, pois por ele que somos informados da existncia do pensamento. Sem dvida, no se pode precisar em que consiste; impossvel encontrar o rgo que lhe corresponda; entretanto, ningum recusar sua manifestao, que se afirma por um exerccio ininterrupto. Citemos uma bela pgina do padre Elie Mric, tirada do livro - A vida no esprito e na matria:

    Os Srs. Littr e Robin no expuseram o positivismo mais claramente que Broussais. Uns e outros nos acusam de explicar o pensamento por uns arranjos misteriosos, impalpveis: - a alma.

    preciso provar, pois, que temos a percepo clara da alma, do pensamento, do juzo, da vontade e da relao necessria entre a alma e suas faculdades. preciso demonstrar que possumos dessas coisas uma percepo to real como dos fenmenos materiais.

    Por uma propenso invencvel e uma convico raciocinada, eu sei e sinto que penso, que imagino, que amo, que arrazo. Sei que pensamentos me acodem; que idias se me apresentam sob a forma de imagens, que certos objetos, certas criaturas despertam em mim um sentimento de amor e outras um sentimento de dio. Sei e sinto que posso refletir sobre essas idias, essas imagens, esses desejos, esses sentimentos, observ-los, descrev-los, analis-los; que eu raciocino, enfim.

    Posso renovar esse fenmeno, evocar uma lembrana pela memria, acordar o amor e o dio, chamar uma imagem desaparecida, ao sabor de minha vontade. uma experincia que posso renovar, tantas vezes quantas um fsico ou um qumico renovaro uma experincia de fsica ou de qumica. Tal fato to certo como a circulao do sangue e a transformao dos elementos em minha prpria substncia.

    Sob pena de fazer violncia ao senso ntimo, de renegar o testemunho da conscincia universal ou de ceder a preconceitos deplorveis e culpveis, eis realidades que o Positivismo deve reconhecer e afirmar; entretanto, essas realidades, esses fenmenos no so materiais; no os conhecemos pelo testemunho dos sentidos.

    O declive, por onde escorregam os positivistas, deve lev-los, fatalmente, ao materialismo, de que, teoricamente, os tm a pretenso de se afastarem. O desdm que mostram por tudo que no diretamente mensurvel denota a negao antecipada das realidades espirituais. Apesar de toda a sua cincia, no podem explicar o pensamento; ele se produz em condies determinadas

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    que tm, sem dvida, certa relao com estados especiais do crebro; mas, como sucede com Moleschott, no lhes possvel afirmar que esse pensamento seja o produto do crebro.

    O crebro, sua composio, seu modo de funcionamento, tal o campo de batalha atual onde se concentram os esforos dos partidos opostos. penetrando nas profundezas de sua constituio ntima, perscrutando com tenacidade os recnditos desse rgo, que um sbio fisiologista, Luys, espera dar ganho de causa aos positivistas.

    Ele quer mostrar que a atividade intelectual produzida simplesmente pelo jogo das foras naturais das clulas do crtice cerebral, estimuladas pelas excitaes do exterior e trazidas pelos nervos centrpetos.

    conseqente com suas doutrinas, porque, hoje, a maior parte dos discpulos de Littr professam injustificvel horror pela antiga filosofia; repelem em bloco todos os fatos certos, aos quais se tinha chegado pelo estudo atento dos estados de conscincia, para adotar uma psicologia nova, que absolutamente no participa de qualquer filosofia, antes constitui outra cincia.

    Esta psicologia no se ocupa da alma e de suas faculdades, consideradas em si mesmas, seno dos fenmenos pelos quais se manifesta a inteligncia e das condies invariveis das leis que regem a sua produo. Ela no pede s conscincia que lhe faa conhecer o esprito; no se limita ao interna, que julga, muitas vezes, ilusria, mas apela para o mtodo das cincias naturais, e dispe, por vezes, apesar da delicadeza do assunto e do temor respeitoso que a domina, da prpria experimentao, graas patologia.

    Seu primeiro princpio, seu ponto de partida, o fato, admitido h pouco tempo pela cincia oficial, de que o crebro o rgo do pensamento, do esprito, ou melhor, que a inteligncia, a alma - se quisermos compreender sob esse vocbulo o conjunto das idias e dos sentimentos -, uma funo do crebro.

    Outros, exagerando, ainda, esse sistema, esperam chegar, um dia, a determinar a que vibraes da massa fosfrea correspondem, por exemplo, a noo do infinito!

    Retomemos, ainda uma vez, o estudo do crebro, no mais o encarando, com Moleschott, sob o ponto de vista de sua composio qumica, mas em sua estrutura anatmica e em sua vida fisiolgica. Seguiremos, passo a passo, o livro de J. Luys: o Crebro e suas funes, e poremos ainda a, em evidncia, todos os artifcios empregados para falsear as concluses naturais dessas investigaes, que so todas a favor dos espiritualistas.

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    II. O crebro e suas funes

    Para bem compreender a discusso, indispensvel que sigamos o autor na anlise minuciosa que ele faz das diferentes partes do crebro, resumindo, de maneira sucinta, o que est em relao com o nosso assunto.

    Luys um experimentador de primeira ordem; aperfeioou os mtodos de investigao da substncia cerebral, empregando uma srie de cortes metodicamente espaados, de milmetro em milmetro, quer no sentido horizontal, quer no vertical, quer no antero-posterior; e esses cortes, praticados segundo as trs direes da massa slida que se trata de estudar, foram reproduzidos pela fotografia.

    As operaes, assim regularmente conduzidas, permitiram representaes to exatas quanto possveis da realidade, e conservar as disposies mtuas das partes mais delicadas dos centros nervosos. Pode-se, comparando as sees, horizontais, ou verticais, seguir determinada ordem de fibras nervosas em sua progresso para o seu ponto de partida ou para o seu ponto de chegada. Estudou-se, milmetro por milmetro, a marcha natural e os emaranhados sucessivos das diferentes categorias de fibrilas nervosas, sem nada mudar, sem nada lacerar, deixando, de alguma sorte, as coisas em seu estado normal. Alm disso, as pores observadas ao microscpio foram aumentadas por meio da fotografia, o que permitiu verificar certos detalhes anatmicos que no haviam ainda sido notados.

    O sistema nervoso do homem apresenta 3 grandes divises: 1 - O crebro e o cerebelo;(5) 2 - A medula espinhal; 3 - Os nervos. No temos que tratar da medula espinhal nem dos nervos; o que nos

    interessa o crebro. Ele constitudo por dois hemisfrios A e C reunidos por meio de uma

    srie de fibras brancas transversais B, que fazem comunicar as partes semelhantes de cada lobo, de modo que as duas metades faam um s corpo, cujas molculas esto todas em relao umas com as outras.

    Cada lobo, tomado separadamente, apresenta por seu turno: 1 - Massas de substncias cinzentas; 2 - Aglomeraes de fibras brancas. 1 - As massas de substncia cinzenta, compostas de milhes de clulas,

    que so os elementos essencialmente ativos do sistema, esto dispostas: Em primeiro lugar na periferia do lobo, sob a forma de uma camada

    delgada, ondulosa e contnua; o crtice cerebral A, fig. 1. Alm disso, nas regies centrais, sob a forma de dois ncleos cinzentos, ligados entre si, e que

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    no so mais do que a substncia cinzenta das camas ticas(6) dos corpos estriados C, fig. 2.

    2 - A substncia branca, inteiramente composta de tubos nervosos justapostos, ocupa os espaos compreendidos entre a superfcie dos lobos e os ncleos centrais. As fibras que a constituem representam traos de unio entre tal ou qual regio do crtice cerebral e tal ou qual dos ncleos centrais. Podem ser consideradas como uma srie de fios eltricos estendidos entre duas estaes e em duas direes diferentes. As que renem os diversos pontos da superfcie dos hemisfrios aos ncleos centrais so comparveis a uma roda, cujos raios ligam a circunferncia ao centro; as outras se dirigem transversalmente e juntam duas partes semelhantes de cada hemisfrio.

    FIG. 1

    A - Camada cortical cinzenta do crebro. 11 - Fibras brancas que fazem comunicar duas partes semelhantes de

    cada hemisfrio.

    FIG. 2

    A mesma figura que a procedente, porem com as camas ticas. A - Camada cortical cinzenta. B - Fibras brancas comissurais.

    C - Camas ticas. D - Fibras brancas que fazem comunicar as camas ticas entre si e com

    cada um dos hemisfrios.

    Substncia cortical dos hemisfrios - Todos conhecem a aparncia exterior dos lobos do crebro. Basta lembrar os miolos, servidos habitualmente nas nossas mesas, para ver de imediato, que a substncia cortical cinzenta se apresenta sob a aparncia de uma lmina cinzenta, ondu-losa, dobrada muitas vezes sobre si mesma, e formando uma srie de

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    sinuosidades mltiplas, cujo fim aumentar-lhe a superfcie. Pensou-se que havia nessas dobras certas disposies gerais; seu maior nmero, porm, toma as mais variadas formas, conforme os indivduos. Os hemisfrios no so rigorosamente homlogos, isto , no tm, absolutamente, a mesma conformao, mas as modificaes entre os dois lobos so de mnima importncia.

    A espessura da camada cerebral em mdia de 2 a 3 milmetros; em geral, mais abundantemente repartida nas regies anteriores do que nas regies posteriores. A massa varia conforme a idade e a raa: Gratiolet notou que nas espcies de pequena estatura a massa da substncia cortical pouco abundante.

    Quando se toma uma fatia delgada dessa matria cinzenta do crtice cerebral e se a comprime entre duas lminas de vidro, nota-se que ela se divide em zonas de desigual transparncia e que estas zonas se dispem em uma estriao regular e fixa. Veremos o que apresenta o crtice cerebral, visto a olho nu, o que todos podem verificar em crebros frescos.

    Penetremos, agora, com o auxlio de lentes de aumento, no interior dessa substncia mole, amorfa em aparncia, e cujo aspecto homogneo est longe de revelar seus maravilhosos pormenores.

    Que se encontra na substncia cerebral como elemento anatmico fixo, como unidade primria? A clula nervosa, com seus vrios atributos, suas configuraes definidas; vem-se tambm fibras nervosas e um tecido que rene todos esses elementos, o qual atravessado por vasos sanguneos muito pequenos, chamados capilares.

    do estudo da clula que depende a cincia das propriedades do crebro, pois que ela a unidade primordial do tecido cerebral, e quando conhecermos as propriedades ntimas desse elemento, teremos uma idia exata do papel da matria cortical.

    Vemos na parte inferior desta camada dos hemisfrios o comeo das fibras que ligam a superfcie ao centro. Elas so, a princpio, ramificadas ao infinito, de forma a entrarem em contato com grande nmero de clulas da camada cortical; depois se vo condensando at a sada do crtice dos hemisfrios, onde tm a forma de fibras compactas.

    Examinando as clulas nervosas, vemos que elas tm, como toda clula, uma forma determinada por uma membrana envolvente, a maior parte das vezes irregular, cujos contornos parecem braos que se prolongam em diversos sentidos; depois, no interior, um ncleo apresentando um ponto brilhante, que se chama nuclolo. No crtice do crebro, as clulas menores ocupam as regies superiores A, e as clulas maiores, as regies profundas B; estas ltimas tm, aproximadamente, um volume duplo das primeiras, e a

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    passagem das pequenas para as grandes se opera por transies insensveis. As ramificaes de todas essas clulas formam uns verdadeiros tecidos, cujas molculas so aptas a vibrar de algum modo, em unssono.

    Para se ter idia do nmero imenso dessas clulas nervosas, bastas saber que no espao de um milmetro quadrado de substncia cortical, com a espessura de um dcimo de milmetro, conta-se cerca de cem a cento e vinte clulas nervosas de volume variado.

    FIG. 3

    Corte e aumento do crtice do crebro. A - Pequenas clulas. B - Grandes clulas.

    C - Comeo das fibras brancas que ligam a camada cortical aos lobos ti-cos.

    D - Capilar condutor do sangue.

    Que se imagine o nmero de vezes que esta pequena quantidade est contida no todo e chegar-se- a muitos milhes.

    Ficamos confusos, ao penetrar no mundo desses infinitamente pequenos onde se reencontram essas mesmas divises infinitas da matria, que impressionam to vivamente o esprito, no estudo do mundo sideral.

    Ao examinar a estrutura de um elemento anatmico, s visvel com um aumento de setecentos a oitocentos dimetros, se pensarmos que esse mesmo elemento se repete por milhes, na espessura da camada cerebral, no pode-mos deixar de ser tomados de admirao.

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    Refletindo-se que cada um desses pequenos aparelhos tem sua autonomia, sua individualidade, sua sensibilidade orgnica, ntima, que ligado a seus congneres, que participa da vida comum, e que o obreiro silencioso e infatigvel que elabora discretamente as foras nervosas necessrias atividade psquica, que se consome incessantemente, reconhecer-se- a maravilhosa organizao que preside ao mundo dos infinitamente pequenos.

    Decorre do que precede, que a substncia cortical representa imenso aparelho formado por elementos nervosos dotados de sensibilidade prpria, mas solidrios, porque as sries de clulas superpostas em andares, a corres-pondncia delas entre si, implicam a idia de que as atividades nervosas de cada zona podem ser despertadas isoladamente, que tm a faculdade de associar-se, de modificar-se de uma regio para outra, segundo a natureza das clulas intermedirias postas em vibrao; que, enfim, as aes nervosas, como as ondulaes vibratrias, devem propagar-se gradativamente, conforme a direo das clulas orgnicas, no sentido horizontal ou no vertical, das zonas profundas s superficiais e vice-versa.

    Estamos at aqui no firme terreno da observao; preciso deix-lo para entrar nas dedues fisiolgicas, que oferecem quase sempre assunto discusso.

    No ponto de vista da significao fisiolgica de certas zonas e do modo de distribuio da sensibilidade e da motilidade (faculdade de dar o movimento), permitido supor, apoiando-nos nas leis de analogia, que as regies superiores, ocupadas principalmente pelas pequenas clulas, devem achar-se, sobretudo, em relao com as manifestaes da sensibilidade, enquanto as regies profundas, povoadas pelos grupos das grandes clulas, podem ser consideradas, principalmente, como centros de emisso do fenmeno da motricidade, isto , das incitaes que determinam o movimento.

    Apiam-se estas dedues num fato de observao, o de que, na medula espinhal, os nervos sensitivos comunicam-se com as pequenas clulas da medula, e os nervos motores, com as grandes clulas, nas quais se verificam as diversas aes da motricidade. Por analogia, estaramos no direito de considerar as clulas superiores da camada cortical como a esfera de difuso da sensibilidade geral e especial, e, por isso mesmo, o grande reservatrio co-mum, sensorium commune, de todas as sensibilidades do organismo; de outro lado, poder-se-iam admitiras camadas profundas como o lugar de emisso dos fenmenos do movimento.

    Substncia branca - A substncia branca composta, em grande parte, de fibras nervosas brancas B (figura. 1 e 2), formadas essencialmente por um filamento central chamado cylinder axis, envolto numa bainha; entre o cilin-dro e a bainha se encontra uma substncia oleofosforada, transparente

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    durante a vida, e que se chama mielina. Tem por fim isolar o cilindro, tal como a borracha com os fios destinados a conduzir eletricidade. A comparao tanto mais justa quanto as fibras brancas s servem para transmitir as excitaes nervosas do centro periferia e reciprocamente.

    O exame dos centros optoestriados terminar a revista das principais partes do crebro, sem o que no poderamos compreender a teoria de Luys.

    Camas ticas(6) (v. fig. 4) - As camas ticas e os corpos estriados so, de alguma sorte, os eixos naturais em torno dos quais gravitam os elementos do sistema; apresentam-se sob a forma de massa cinzenta, cuja estrutura e relaes gerais foram conhecidas h bem pouco tempo. Parecem uns ovos, de cor avermelhados, ocupando o meio do crebro, como se pode verificar a compasso; so, por assim dizer, o centro de atrao de todas essas fibras, de que comandam o agrupamento e a direo.

    Uma srie de pequenos ncleos, colocados uns ao lado dos outros, indo de trs para diante do crebro, so as partes principais da cama tica. Essas excrescncias, implantadas na massa, so em nmero de quatro; a maior, parte foi descrita pelos anatomistas, por Arnold em particular, salvo os ncleos mdios, assinalados por Luys; eles formam, superfcie da cama tica, tuberosidades que do a esse corpo um aspecto mamiloso.

    Podemos verificar, numa srie de cortes horizontais e verticais, que esses ncleos formam verdadeiros pequenos centros, constitudos por clulas emaranhadas, que se comunicam isoladamente com grupos especiais de fibras nervosas aferentes.

    Vejamos agora, do ponto de vista fisiolgico, a importncia desses centros.

    At os ltimos anos, as camas ticas eram para os autores um problema insolvel, terra desconhecida de que a anatomia apenas precisava a situao; compreende-se, facilmente, que a funo de cada um dos ncleos estava longe de ser fixada.

    Foi estudando, ele mesmo, e examinando que Luys chegou a considerar esses ncleos como pequenos focos de concentrao, isolados e independentes, para as diferentes categorias de impresses sensoriais que chegam sua substncia.

    Assim, o centro anterior, que comunica com o nervo olfativo, o que deve transmitir as impresses que vm das regies perifricas, isto , do nariz, destinadas quele nervo. Temos a prova disso nas espcies animais de faro muito desenvolvido, onde o ncleo proporcionalmente muito grande. Ele bem o ponto para onde convergem todas as sensaes olfativas, antes de serem irradiadas para a periferia cortical.

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    Foi assim que se determinaram para os outros sentidos as funes seguintes:

    1: - O ncleo mdio destinado condensao das sensaes visuais; 2: - O ncleo mediano o ponto de concentrao da sensibilidade geral; 3: - O ncleo posterior serve para condensar as sensaes auditivas. Esses dados, posto que novos, so, segundo Luys, confirmados por

    experincias fisiolgicas e, de outro lado, pelo exame dos sintomas clnicos, que so, nessas matrias, o critrio irrefragvel de toda doutrina verdadeiramente cientfica.

    Admitidas as dedues precedentemente expostas, compreender-se- possvel encarar as camas ticas como regies intermedirias entre as incitaes puramente espinhais, isto , vindas da medula espinhal, e as atividades mais apuradas da vida psquica.

    Por seus ncleos isolados e independentes, as camas servem de pontos de concentrao a cada ordem de impresses sensoriais, que encontram em suas redes de clulas um lugar de passagem e um campo de transformao. a que estas impresses so logo condensadas, armazenadas e trabalhadas pela ao especial dos elementos que elas agitam em seu percurso. Da, como de um ltimo ponto depois de terem emergido de gnglio em gnglio, atravs dos condutores centrpetos que as transportam, so lanadas nas regies da periferia cortical sob uma forma nova e, de algum modo, espiritualizadas, para servir de materiais incitadores atividade das clulas da substncia cortical.

    So as nicas portas abertas pelas quais passam todas as incitaes exteriores destinadas a serem aproveitadas pelas clulas corticais e os nicos condutos que permitem atividade psquica manifestar-se no exterior.

    Mostra o exame do crebro que cada um dos centros de que falamos est mais particularmente em relao com certas partes da substncia cortical.

    Pode-se, pois, admitir hoje esta verdade outrora to controvertida das localizaes cerebrais. fcil compreender, agora, como o desenvolvimento perifrico de tal ou qual aparelho sensorial determina, nas regies centrais, um aparelho receptor, de alguma sorte proporcional; como a riqueza em elementos nervosos da prpria substncia cortical, o grau de sensibilidade prpria, a energia especfica de cada um deles podero, em dado momento, desempenhar preponderante papel no conjunto das faculdades mentais e determinar o temperamento e a atividade especfica dessa ou daquela organizao. Enfim, as experincias de Schiff estabelecem que as incitaes da vida orgnica penetram tambm at os lobos ticos. , pois, sob um duplo ponto de vista, que podemos considerar os lobos ticos como o n de todo o conjunto do sistema cerebral.

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    O corpo estriado agora o ltimo rgo que devemos estudar. Corpo estriado - A massa de substncia cinzenta designada pelo nome de

    corpo estriado , com a cama tica, a poro complementar dos dois ncleos cinzentos que ocupam o lugar central de cada hemisfrio e que so, como j temos vrias vezes assinalado, os plos naturais em torno dos quais gravitam todos os elementos nervosos.

    As camas ticas parecem o prolongamento das clulas sensitivas da medula, enquanto o corpo estriado seria a continuao das clulas motoras do eixo espinhal.

    A massa dos corpos estriados se compe de grandes clulas semelhantes s da regio inferior do crtice cerebral e ligadas entre si da mesma maneira. Tal como nas camas ticas, existem fibras que unem o corpo estriado substncia cortical.

    Essas fibras representam, pois, propriamente falando, os traos de unio naturais entre as regies corticais donde emergem as incitaes voluntrias e os diferentes pontos do corpo estriado onde elas se reforam. Foram as expe-rincias de Fristch e de Hitzing, e, depois, as de Foumier, que demonstraram a existncia de uma ordem especial de fibras nervosas, irradiadas dos diferentes departamentos da substncia cortical e que se vo distribuir nos territrios isolados da substncia cinzenta dos corpos estriados, a qual se acha assim associada, de modo direto e instantneo, a todos os abalos das regies da substncia cerebral dos hemisfrios.

    Devem-se notar nos corpos estriada a presena de pequenas partculas amarelas, que so postas em relao com o cerebelo por fibras especiais. Segundo Luys, esses ncleos amarelos seriam os receptores da fora nervosa desprendida pelo cerebelo, sob o nome de influxo cerebeloso. Essa inervao, verdadeira fora extranumerria, serve para aumentar a ao do corpo estriado. ela que, semelhante a uma corrente contnua, derrama a fora nervosa que carrega as clulas do corpo estriado; ela que d a nossos movimentos sua fora, sua regularidade, sua continuidade.

    No interior dos tecidos do corpo estriado, as incitaes partidas dos centros motores do crtice cerebral fazem uma primeira parada em seu curso descendente; entram em relao mais ntima com elementos novos que reforam, materializam, de alguma sorte, as excitaes to fracas, em seu comeo, das clulas motrizes do crtice cerebral. O influxo da vontade sai do corpo estriado, aumentado, por assim dizer, e vai s diversas partes dos pednculos cerebrais, onde aciona, por sua vez, diferentes grupos de clulas, das quais excita as propriedades dinmicas.

    Conhecendo agora os elementos gerais do crebro, examinaremos a marcha da sensao atravs de todos esses rgos. No podendo entrar em

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    todo o desenvolvimento que o autor deu a esse estudo, limitar-nos-emos a ver a maneira por que uma excitao exterior chega ao crebro e como volta periferia, sob a forma de incitao motriz.

    Mecanismo da sensao - Os nervos que vo ter superficie do corpo no vibram indiferentemente sob todos os impulsos; preciso que as fibrilas que os compem possam entrar em movimento sob determinadas incitaes; por exemplo, as sensaes luminosas so de nenhum efeito para o nervo auditivo e reciprocamente.

    Suponhamos, para maior clareza, que s temos que ver com as vibraes luminosas. Quando a retina impressionada pelo movimento ondulatrio do ter, preciso certo tempo para que esse abalo material determine vibraes no nervo tico; mas uma vez produzidas, elas se propagam pouco a pouco at os tlamos ticos. A essas vibraes se concentram no primeiro ncleo, cuja existncia j verificamos; experimentam nesse pequeno centro uma ao que tem por fim espiritualiz-las, j tendo sido animalizadas no trajeto dos nervos.

    Figura 4

    A - Crtice do crebro. B - Fibra comissural que liga o crtice s camadas ticas.

    C - Camadas ticas. D - Corpo estriado. E - Ncleos medianos.

    F - Orelha. G - Olho.

    MECANISMO DA SENSAO

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    Uma sensao luminosa chega em I; impressiona a retina, que comunica seu movimento ao centro J por intermdio do nervo tico. Desse ncleo J a sensao reenviada camada cortical B. Ai chegada abala as clulas vizinhas L, que propagam o movimento s zonas profundas. A ao ondulatria volta transformada ao ncleo do corpo estriado e em seguida se espalha pelo corpo por meio do nervo N.

    Depois do tempo de parada necessrio quela operao, so lanadas para o sensrio, isto , para a parte perifrica do crebro, onde se espalham na camada das pequenas clulas e pem em ao toda uma srie de elementos nervosos, relativos s impresses visuais.

    Cada ordem de incitao sensorial assim dispersa e localizada em um lugar especial do crtice do crebro. A anatomia mostra, alm disso, que h localizaes definidas, regies limitadas, organicamente destinadas a receber, a condensar, a transformar tal ou qual categoria de impresses vindas dos sentidos.

    A fisiologia experimental provou, por seu lado, que, nos animais vivos, como h muito tempo mostraram as belas experincias de Flourens, poder-se-ia, tirando-se metodicamente fatias da substncia cerebral, fazer que eles perdessem, ou a faculdade de perceber as impresses visuais, ou as auditivas.

    Ainda mais: Schiff ps em evidncia este fato, o de que o crebro de um co se aquecia parcialmente, conforme a natureza das excitaes que recebia. Logo, as impresses sensoriais chegam todas, em ltimo lugar, s redes da substncia cortical, transformadas pela ao dos meios intermedirios que encontraram no percurso; enfim, a que elas se amortecem e se extinguem, para reviverem sob forma nova, pondo em jogo as regies da atividade psquica, onde so definitivamente recebidas.

    Chegamos ao ponto delicado da demonstrao; pudemos ver a marcha evolutiva dos movimentos vibratrios, fazendo, entretanto, r