O Estilingue cor · 2013-08-16 · 18 de maio de 2013 Existe algum crime em ser óbvia, ao invés...

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O ESTILINGUE arte em movimento Ano 2013 / Nº 13 agosto, setembro e outubro MITO MITO MITO MITO MITO LITERA LITERA LITERA LITERA LITERATURA TURA TURA TURA TURA ARTE ARTE ARTE ARTE ARTE MOBILIDADE URBANA MOBILIDADE URBANA MOBILIDADE URBANA MOBILIDADE URBANA MOBILIDADE URBANA OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO E LOUCURAS AFINS E LOUCURAS AFINS E LOUCURAS AFINS E LOUCURAS AFINS E LOUCURAS AFINS Somos feitos de Reis e Rainhas, Somos feitos raízes, Persistentes, sempre crescendo, Fixando doutrinas sem medo... ...de falar ou de lutar! sem medo de responder às forças da opressão José S. Grando

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O ESTILINGUEarte em movimento

Ano 2013 / Nº 13agosto, setembro e outubro

MITOMITOMITOMITOMITOLITERALITERALITERALITERALITERATURATURATURATURATURAARTEARTEARTEARTEARTEMOBILIDADE URBANAMOBILIDADE URBANAMOBILIDADE URBANAMOBILIDADE URBANAMOBILIDADE URBANAOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOE LOUCURAS AFINSE LOUCURAS AFINSE LOUCURAS AFINSE LOUCURAS AFINSE LOUCURAS AFINS

Somos feitos de Reis e Rainhas,Somos feitos raízes,Persistentes, sempre crescendo,Fixando doutrinas sem medo......de falar ou de lutar!sem medo de responderàs forças da opressão

José S. Grando

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Nós, do Coletivo de Escritores Periféricosde Itajaí, acreditamos em um mundo melhor, maisjusto e cheio de paz. Temos o prazer de trazer àluz do dia este brado literário e libertário, Poissomos feitos de Reis e Rainhas. Somos feitosraízes, persistentes. Sempre crescendo. Fixandoas nossas doutrinas, sem medo de falar ou delutar!

Lutamos por dias melhores, nestes contur-bados tempos da comunicação massificada, ins-tantânea e mundializada, de ondas, modas pas-sageiras e artificiais, de peças ocas e seriadas daindústria cultural de massa.

Existimos, afinal! Existimos e ganhamos asruas, dobramos as esquinas e ocupamos as pra-ças públicas, erguemos os nossos acampamen-tos e levantamos os nossos cartazes e bandeirasem protesto. Bradamos, enfim, as nossas pala-vras de ordem, a nossa arte tão marginalizada,ignorada e tão desapercebida.

Enfim existimos, para além das zonas peri-féricas, favelas, aldeias e florestas. Existimos paraalém de estereótipos e das violências de todosos tipos. Um fraternal abraço e uma boa e agra-dável leitura para todos e todas.

Dedicamos esta edição para:Eleane da CostaRaquel da Costa

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Alma pura que fala a verdadeAlma simples que diz:“Não quero ser dominado”

José L. Grando

Foto: Leticia Regina Rita

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18 de maio de 2013Existe algum crime em

ser óbvia, ao invés de viverse esquivando da verdade?Se existe, eu me declaro cri-minosa. Não quero dizer quesou perfeita, pois sei odiar,perdoar, conquistar e, acimade tudo amar. Mas tambémsei abrir mão, quando que-ro, do que não me faz bem,e isso se chama coragem.Acho que meu grande defei-to é ser simplesmente eu... -não imito, não finjo e não re-presento, isso é ser forte. Noentanto, apesar da fortaleza,também sou como névoa finalevada por uma aragem, emoutros momentos, finco ospés no chão ao ponto de nãoser movida nem por um fu-racão.

Sou simples, não per-mito em meu caminho ne-

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nhum entrave. Sou clara, não deixo poronde passo, pegadas invisíveis, semprepisarei firme, terei meus pés caminhandocom firmeza. Muitos dirão ser isso umsinal de personalidade forte, e eu até con-cordo ser possuidora de uma personali-dade forte, sem com isso ser prepotenteou arrogante. Apesar de tudo isso afirmoque sou frágil, tendo momentos que mequebro como um cristal muito fino. Mas,mesmo em pedacinhos, jamais fico iner-te, parada, sem nada fazer, sem nenhu-ma atitude.

Me apresso em juntar os cacos,como um quebra-cabeça de muitas pe-ças e, mesmo sofrendo, sentindo muitador, colo todos os pedaços, espero quea “cola” seque e prossigo, se não reno-vada, pelo menos inteira novamente. Pen-so que tudo que se parte tem conserto,inclusive o coração, não digo com issoque sou insensível, muito pelo contrário,tenho uma sensibilidade pouco compa-rada a de muitas pessoas, mas como nin-guém enxerga isso, ninguém chora por

APESARDA FORTALEZA

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mim nem sente minha dor, só me restausar o mecanismo de defesa e sobrevi-ver chorando por mim, sorrindo por mime sendo feliz comigo mesma.

As pessoas que me rodeiam, nãopercebem que também sinto frio, medo,insegurança, que choro por ter perdidoum amor apenas por não ter sido com-preendida, julgada sem ter sido analisa-da. Sou tímida, embora demonstre o con-trário, sinto dores de perdas irreparáveis,cujas dores me deixaram feridas aindanão cicatrizadas totalmente.

Tenho o dom de seguir em frente,de deixar as mágoas bem para trás, bemdistantes.

Se durante minha existência, fiz malou feri alguém, com certeza não foi deforma premeditada, afirmo até que tenhasido de forma impensada ou mesmoinconsequente. Afinal, tenho o direito deerrar, sendo eu ser humano.

Sou simplesmente eu mesma: - Nashoras que erro, nas horas que acerto. Souuma mistura de menina e mulher, ora frá-gil como uma flor, ora forte como umarocha. Aliás, fui obrigada a ser forte, se-não teria sido engolida pelos algozes queo mundo insiste em colocar em nossocaminho, nos causando dissabores, nosatropelando e, porque não dizer, nosespezinhando até a exaustão.

E depois de tantas quedas e decep-ções, de tanto pedir desculpas por errosque não cometi, de tanto assumir culpasinfundadas, decidi dar uma chance paramim. Determinei que quisesse de volta avida que me abandonou por um grandeespaço de tempo. Quero, doravante,poder dizer quem eu sou, afirmar que nãotive culpa do desengano ou sofrimentode ninguém, pois, com certeza sofri mui-to também.

Sei agora o rumo que irei tomar.Avistei um caminho que me leva a um lu-gar muito distante, ou melhor, um cami-nho infinito. E durante essa caminhada,em alguma parada para descansar, en-contrarei uma placa bem grande com osseguintes dizeres: - chega de andar semrumo, descanse em meu colo, eu sou aFELICIDADE e vim para fazer moradaem sua vida para sempre...

Amariles Campos Machado écronista em Campos dos

Goytacazes Rio de Janeiro.Contato:

[email protected]

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giordanozaguinifurtadoSamuel, transparecendoautenticidade, dizendo verdade,derrubando propagandas porenxergar a açoitada cidade

Giordano Zaguini Furtado é poeta eadvogado em Itajaí.

E-mail: [email protected]

A zica guerreira vai cortando as vias entupidas de automóveisimportados e caminhões de containeres,

O poeta se lança no trânsito louco para sobreviver,e seu filho, orgulhoso do pai, na garupa

aprende no exemplo dado a vocação pra pensar.

E diante os olhos da criança tudo é um laboratório vivo,o navio de cargas deixando a boca da barra,

a mansão do rico no costão ou o barraco num brejo,a cor de cada um e seu respectivos dotes,

o plainar do biguá no Itajaí-açú e suas despreocupaçõesdesenvolvimentistas,

o pôr do sol, insetos, praça, a rua,os amigos, a força do pai.

O exercício da filosofia pede o movimento e a bicicleta o dá.O pai e o filho pactuam o elo da dignidade e sabedoria nestes

passeios rotineiroscontra a farta apelação da ilusão e fomento de desejo que é nossa

civilização mercantil.Foi assim que aprendi e é assim que ensinas.

Forte abraço Samuel.

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O Estilingue

Esqueço que sou mulherEsqueço que sou gente

Esqueço que sou humanaEsqueço que sou admirada

Esqueço que sou forteEsqueço que sou felizEsqueço que sou tristeEsqueço que sou alegreEsqueço que sou felizEsqueço que eu existo

Esqueço que sou bonitaEsqueço que sou me transformando

Esqueço que te queroEsqueço que não sou perfeita

Esqueço que sou falhaEsqueço que sou amada

Esqueço que te quero bemEsqueço que sou que fui tua

Esqueço que te beijeiEsqueço que te adorei

Esqueço que fui uma pessoaEsqueço que tenho talento!

Esqueço tudoEsqueço o mundoEsqueço a euforia

Esqueço a harmoniaEsqueço os teus carinhos

Patrícia Raphael é poetisa e militantedo movimento negro em Itajaí. Uma dasfundadoras da ONG Núcleo Afro-des-cendente Manoel Martins dos Passos, éna atualidade aluna da ONG ADACO/Ofearte. Na literatura é fomentadora ecolaboradora dos cadernos literários: ‘’OEstilingue” e ‘’Nas Nuvens”. Tambémpublicou textos nos jornais: Diário de

RaphaelPatrícia

Nas nuvensFico nas nuvens......e sinto meu corpo em chamas!A envolver-te, até acabar em cinzas. Ensaio

Esqueço o passadoEsqueço o futuro

Esqueço o presenteEsqueço o momento

Esqueço a minha sombraEsqueço o sossegoEsqueço a multidão!

Esqueço do tratoEsqueço que nasciEsqueço da traiçãoEsqueço do humorEsqueço a família

Esqueço a sinceridadeEsqueço a amizade

Esqueço a solidariedadeEsqueço o perdão

Esqueço a falsidadeEsqueço que tenho direitosDessa vez há uma chance...

Sou real

Santa Catarina, Diário do litoral, Diárioda Cidade, Caleidoscópio, Revista PapaSiri além de blogs e sites especializadosem literatura.

Contato: [email protected]

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Numa noite maravilhosa, em que o céu estava inteira-mente prateado - isso porque no mesmo não cabia mais seusastros - eu estava melancólico e triste, lembrando dos amo-res que, por bem ou por mal, fizeram parte do meu ser. Atéporque estando eu envelhecido, e não tendo alguém para meinspirar, procuro lembrar-me das belas mulheres, que numaépoca me fizeram estremecer de alegria e felicidade.

Será crime lembrar-nos de alguém que nos proporcio-nou minutos, horas, ou anos de felicidade? Acho que não.Mas a vida é assim, e o que vale mesmo não é só o dinheiro,mas principalmente a juventude, a saúde e o melhor de tudoque é a Graça Divina.

Sem esses itens o ser humano perde a essência da vidae consequentemente, a razão de existir. Vivemos num mundoem que o poder age sem dó e sem piedade, haja vista aguerra entre Israel e o grupo Hamas, quantas vidas foramceifadas e quantos corações de mães dilacerados, única eexclusivamente por culpa do poder. Muitas vezes, o que medeixa triste são os poderosos se eximirem de culpa.

TERRESTERRESTERRESTERRESTERRESVivaldo

O VerãoO VerãoO VerãoO VerãoO Verão Vivaldo Terres é cronista,poeta e contista em Itajaí,publicou os livros: Mulher(versos), Contos e encon-tros (prosa) e Fragmentos

(versos).E-mail:

[email protected]

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O Estilingue

Há gritos que o tempo e as suas garras não conseguemcalar, muito menos apagar o fogo que branda no universo destemedo que se chama morte. Desordenado, num espaço descal-ço de construções verticais da felicidade que mantém a metáfo-ra das asas coladas na estrada cicatrizada de buracos de san-gue, empoeirada de lágrimas costuradas por uma agulha comlinhas de tristezas no corpo do destino incerto.

Onde o medo invade a vida privada dos passageirosensardinhados no machibombo. A viagem continua profunda elonga, com vozes a apedrejar a chuva em pleno florescimentoagreste do nevoeiro que desafia a consternação do chicote dasabelhas ensurdecedoras.

E para melhor içar esta viagem no limbo enxertado ao modusvivendi das árvores do bosque e da toponímia da estação quese segue. O último suspiro de alívio ampara a alegre dissertaçãodo viajante arquitectado pelo náufrago do cansaço.

amossemucavele

O viajante 100 sonoPara Filinto Elisío

Amosse Eugenio Mucavele nasceu em Maputo- Moçambique, membro fundador do Movimento Literario Kuphaluxa. Fazparte da equipe editorial da Revista Literatas- Revista de literatura moçambicana e lusófona, colabora no Pavilhão LiterárioSingrando Horizontes-Academia de Letras do Paraná, ricardoriso.blogspot.com, Jornal Coruja, organizou a antologia danova poesia moçambicana publicada na Revista Zunai. Tem poemas publicados na Revista Eutomia e Linguística da Universi-dade Federal de Pernambuco. [email protected], [email protected]

Vozes da África: crônica/canto

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O Estilingue

Tânia Tomé é de Moçambique é cantora, compositora, poetisa, declamadora eapresentadora de espectáculos e televisão. Licenciada em Economia, e pós-gradua-da em Auditoria e Controle Gestão, exerce actualmente a sua função de chefe decrédito e mitigação de riscos em instituição financeira. É membro da Associação dosescritores Moçambicanos, da Associação dos músicos moçambicanos, da Associa-ção dos Poetas del mundo e membro correspondente da Academia Rio-Grandina deLetras do Brasil.

TâniaToméSELVAME

Estrelas no chãodeitadas de ventre

Rio incestuosoonde a noitetem caroço

Incêndios

Não me salves,selva-me!

RIO

Me ancorasteexactamente aquionde te rio.

Ri comigomeu amor,vêcomo se ampliao cais.

Contato: [email protected]

Vozes da África: poesia

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O Estilingue

A pescaria em extinção e a devastaçãodas matas da costa marítima

João Carlos Pereira cronista em Itajaí eamante da natureza (em memória)

Quando cheguei na pequena cidade li-torânea de Itapema, denominada historicamen-te no idioma Brasileiro, ainda viam-se os gran-des molhes de tubarões na faixa de areia aguar-dando para ser recolhidos pelos proprietáriosdas salgas (micro empresas de pescados) quecompravam os pescados dos pescadoresartesanais do local, coisa que com o passardos anos foi desaparecendo juntamente comos pescadores que, devido o afastamento destepescado da nossa costa, aumentava cada vezmais os riscos de vida dos pescadores. Pes-cadores estes que ao sair mar adentro atrásdos pescados, muitas vezes não retornavam.

Outra coisa que também chamou a aten-ção foi o desaparecimento da procriação dasardinha nesta área, os grandes cardumes eramtão abundantes que ao amanhecer encontra-vam-se milhares de alevinos mortos na faixade areia, devido à perseguição de seus preda-dores que geralmente era o peixe-espada eoutras espécies acabavam se envolvendo comas quebranças das ondas que os jogava naareia fazendo com que morressem encalhadas.

Mas o que quase ocasionou a extinçãodos cardumes foi a pescaria industrial do atum,pois para pescar o atum é necessário utilizar-se da isca viva e os alevinos da sardinha emprocesso de crescimento é a isca maisindicada. Foi assim que os barcos atuneiros,descobrindo a reprodução nesta área, passa-ram a capturar os cardumes e acabaram qua-se dizimado a procriação ali naquele lugar.

O que vem garantindo o sustento das fa-mílias dos pescadores, é a pescaria do cama-rão sete barbas e a criação de mariscos emcativeiro, com muita precariedade, já que ospescadores têm que respeitar os meses dedefeso do camarão. Estes testemunhos comoo meu, que tem um acompanhamento nesta eem outras questões de sobrevivência no esta-do, e quem pode avaliar e mostrar aos demaisque a nossas condições de sobrevivência nãoandam lá muito bem e cada vez traz mais pre-ocupação para quem realmente se interessapelas causas de muitos pais de famílias de bai-xa renda.

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Era um tanto inusitada a presençado jovem promotor naquele local. Elenão combinava em nada com o bar doGarrafão e isso era um fato inegável. Aoadentrar no recinto, Missael Da Maia nãonotou os olhares furtivos e estupefatosdaqueles que ali frequentavam. Os fre-gueses do bar, em sua maioria, eram tra-balhadores do mar e da construção civile algumas figuras fáceis, bem comuns, dosubmundo do crime. Olhavam o indiví-duo de terno e calça social de cor preta,gravata vermelha, sapatos pretos bemengraxado usava um perfume unissex caroe discreto, de pele morena e os olhos li-geiramente puxados, como se fosse umanimal exótico. E numa olhada rápidapelo local, o promotor encontrou afinalquem estava procurando. O policial mili-tar estava jogando cartas em um cantodo bar. O promotor notou que o policial

SAMUELda Costa

Kriseide

‘’Naquela manhã de ara-gem fresca... de vento feliz.Só o vento podia tocá-la,Se bem que eu queria, masela não quis... ”

Vivaldo Terres

Para Delta Maria de Souza Maia (em memória)e João Carlos Pereira (em memória).

militar era o único branco no lugar. Eraquase isso, havia também uma jovemmulher de pele alvíssima, loura e de olhosclaros e trágicos no fundo do bar. Elaparecia alheia ao palavreado chulo, aobarulho que saia da jukebox, ao cheirode álcool e de cigarro barato do lugar.

— Uma cerveja, por favor! — Pe-diu o ‘’doutor Da Maia” ao sentar juntoao balcão. Teve, ainda, o ímpeto de tirardo bolso uma cigarreira de couro impor-tada e acender um cigarro, também im-portado, em um gesto teatral. O dono dobar, não escondeu o nervosismo ao aten-der o inusitado freguês.

— O que ‘’tu” quer vindo aqui, guri?Perguntou de forma áspera o dono dobar, antecipando a pergunta de algum‘’habitue” do recinto. O dono do barquestionou Missael dessa forma ásperae firme, para evitar algo bem pior.

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— Doutor Da Maia, o que veio fa-zer ‘’nesse” covil de bestas? — Era osoldado Silveira, que viera acudir o jo-vem promotor. Deixara a jogatina a di-nheiro, e também por diversão, para vero que aquele ‘’guri” queria, de fato, aoadentrar naquele ‘’recinto de bestas”.

— Eu só queria tomar uma cerve-ja, e mais nada soldado...

— Ora, doutor! Tu não ‘’tá” no tri-bunal, o expediente acabou faz tempo!Oh Garrafão, manda a ‘’gelada” que omeu amigo pediu. Serve na mesa lá defora. Manda também dois copos.

A pergunta que passou na cabeçado jovem promotor naquele momento foicomo seu velho pai, que nascera em An-gola e andara meio mundo, sempre emáreas de conflito, sobrevivera a lugarescomo aquele ou piores ainda, se com-portaria? Estar ali era, também, uma for-ma de entender o seu velho pai, entrarno mundo do seu progenitor, e tentar sairvivo e bem. Missael, de repente, lembra-se de uma advertência do velho Aristo:‘’Meu filho, antes de tudo, procure en-tender as pessoas, e só assim meu filho,‘’vás” encontrar o teu lugar neste mun-do. Senão compreenderes as outras pes-soas, não te compreenderás a ti mesmo!”E, de fato, compreender o pai era ummistério para Missael. E ir procurá-lo emlugares como aquele, mesmo que de for-ma inconsciente, era uma forma deses-perada de encontrar a si mesmo, e seu

lugar neste mundo.Foi com o frescor da noite, na fren-

te daquele bar, no bairro periférico, queMissael começou sua procura desespe-rada para entender o seu pai e a si mes-mo. A mulher que estava no fundo do bardecidiu sair de onde estava. Caminhousem que ninguém a importunasse. Pas-sou entre o soldado Silveira e Missael,deixando um perfume forte de flores noar. Saiu porta afora como se flutuasse edesapareceu em meio à noite escura, semolhar para trás, como se fosse um fan-tasma. Missael ficou angustiado comaquela figura. Queria ir atrás dela e fazermil perguntas, mas ficou com medo. Nãodas perguntas, mas das possíveis respos-tas que aquela criatura etérea poderia dar.Não demorou muito para o dono do barGarrafão, um pouco mais calmo, servirseu mais novo freguês e o soldado Silveira.

— O que senhor quer comigo dou-tor Da Maia? Por que, afinal, veio meprocurar aqui? — Era uma pergunta ób-via para ambos, para uma situação tam-bém óbvia.

— Quem disse que vim te procu-rar, soldado? — Era despreocupado otom de voz Missael

— Olha doutor, ‘’ tô” há um‘’tempão” trabalhando na polícia. Estouvivo e muito bem vivo há um bom temponessa minha profissão e, por isso, não metrate como qualquer um, por favor! Jápassei dessa fase faz tempo...

Missael deu uma risada alta, cha-mando a atenção de todos dentro do bar,para os dois.

— Algum problema Tenente? —Quem perguntava era Sebastião, aindacom o taco de sinuca na mão. O pesca-dor artesanal, com sua cor de ébano, doismetros de altura e com um olhar duro,não intimidou Missael.

— Nada Tião, volta pro jogo! Meuamigo mal começou a beber e parece que‘’tá” bêbado. — Foi o suficiente, paraque todos começarem rir, menos Missaelque se fechou em uma cara de poucosamigos.

— Volta para o teu jogo Tião!Anda! Aqui ‘’ tá” tranquilo! Podes crêmeu irmão! Sabe de uma coisa, doutorpromotor? — Disse voltando a encararo jovem promotor de frente com o olharvil de uma cobra — O teu apelido por aié Japa. Os teus amigos engravatados techamam assim, meu caro amigo doutor,menos na tua frente, é claro! — Disseisso e começou a rir com uma criança.

Silveira estava em seu habitat natu-ral. Ali ele não era mais um soldado. Adisciplina de quartel não cabia ali, muitomenos a lógica dos tribunais. Missaelcomeçou, enfim, a entender as pessoas eonde estava de fato naquele momento.

— Minha mãe é da etnia Wapixana,meu pai é africano. Tenho tanto quantomais direito de frequentar este bar exclu-sivo, só para nativos, seu branquelo pal-

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mito desgraçado. — O tom de voz deMissael não agradou Silveira.

— Olha doutor, olha bem para oTião! Quando entrei neste bar, pela pri-meira vez, ele queria me matar. Ele nãogostou que um estranho, que um brancoazedo, como eu, aparecer por aqui, porestas bandas. Entendeu, meu caro amigodoutor Japa. Este é um dos poucos luga-res na cidade, ‘’aonde” gente engravatadanão manda em nada! Tu és mais um bu-rocrata que nós sustentamos. Damos boavida, para gente engravatada, caro ami-go doutor promotor. É assim que estepovo encara a vossa digníssima pessoa!

— ‘’To” começando a ficar como-vido, soldado!— Missael não media aspalavras que dizia, o álcool começava afazer efeito em sua mente pouco acostu-mada com bebidas.

— Só não me partiu em dois porcausa do taxista que me trouxe aqui pelaprimeira vez. Ainda posso ver a confu-são e o sujeito dizendo: — Não bate notenente... não bate no tenente”. Era meuprimeiro dia na cidade. Eu ‘’tava” a pai-sana naquele dia. Sabe o que eu dissepara o Tião depois que ficamos amigos?O que é um branco, senão um negro vi-rado do avesso!

— Que história comovente...— Queria saber, o que tu ‘’quer”

comigo doutor promotor! Vou te pergun-tar ‘’di” novo. Por que veio aqui atrás demim?

— Como o Fábio Ramos morreu?— Tu ‘’quer” saber como aquele

safado morreu? É só ler o inquérito e osautos do processo, doutor Japa, porquenos jornais não saiu nada!

— Ora, não foi isso que eu pergun-tei, soldado Silveira! Perguntei como foique o promotor que eu substituo mor-reu?

— Kriseide era o nome da belda-de! Um raio de sol no meio da escuri-dão, caro amigo. Dizem que quando elapassava deixava um rastro: cheiro de flo-res! Outra coisa que o povo conta, é queela era cigana ou filha de ciganos, coisaassim. Olhos claros e pele branca igual auma cera, rosto perfeito... ainda quer ouviro resto doutor? — O policial militar en-cara o promotor em tom de desafio.

Missael estava um pouco apreensi-vo com o rumo da conversa. Estava pre-parado para tudo, menos para aquilo.Esses assuntos em cidades pequenas, emgeral, eram coisas delicadas. Não sabiao rumo que iria tomar a conversa ‘’infor-mal”. Mas decidiu ir em frente com acoisa toda. Não poderia seguir sem sa-ber onde estava se metendo.

— Quero sim, quero saber de tudo!O policial militar não sabia, e não

tinha como saber, mas Fábio e Missaelestudaram juntos na universidade e erambons amigos. Foi Fábio que o conven-ceu a fazer o concurso para promotor dejustiça. Ambos fizeram, e Fábio tirou em

primeiro lugar, Missael em segundo.— Essa mulher esquisita, que tinha

o péssimo hábito de fazer os homens seapaixonarem por ela, acabou se casan-do, não se sabe por que cargas d´águas,com o nego Acácio. Foi um alívio paraas mulheres casadas e para as solteirastambém. E um desespero para algunshomens casados e solteiros, inclusive. Oteu colega de ofício era um desses soltei-ros desesperados. Ele não gostou muitode ver aquela beldade com um negroqualquer. — O soldado para de falar ebebe um gole, demorado, de cerveja.Bebia como para tomar fôlego. — En-tão, um dia, o jovem cheio de ambiçõese desesperado promotor Fábio Ramos,possesso da vida, decidiu acabar com acoisa toda, com aquela afronta à sua fi-gura de todo poderoso ofendido. O pro-motor Fábio Ramos saiu do fórum, di-zem alguns, passou naquele bar‘’chiquetoso” no centro da cidade, to-mou uma e outras dos bons e velhos im-portados, e foi atrás do nego Acácio paratomar satisfação. Ele foi encontrar oAcácio na casa dele. Aí dizem que o dou-tor Fábio acabou matando o pobre coi-tado, matou o nego Acácio com as pró-prias mãos. O resto o senhor já sabe,creio eu: a fuga, as quarenta e oitos ho-ras, a detenção, curso superior, cela es-pecial, o habeas corpus, processo arqui-vado, família influente, absolvição, ope-ração abafa e tudo mais...

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— Nossa! Não li metade disso nosautos...

— Novidade, caro doutor Japa? Oque esperava ler? Jovem branco, rico ecom curso superior mata pobre, negro etrabalhador em acesso de fúria passional?

— E a mulher? O que aconteceucom ela? - As palavras saíram da bocade Missael de forma mecânica.

— É aí que a porca torce o rabo,meu bom doutor Japa. Alguns dizem que

bio Ramos na arma que encontram aolado do corpo...

— Essa mulher... Será que estámorta mesmo? — Missael sente a gar-ganta seca ao fazer a pergunta para osoldado que estava sentado calmamentena frente dele. Tomou um gole no copocomo para aplacar a secura na garganta.A impressão que Missael teve era que osoldado esperava Missael para contaraquela história fantástica.

— Olha! Com esses anos todos depolícia que tenho nas costas, eu não meengano, meu caro amigo doutor Japa.Deve estar morta sim. Mas o que fica nacabeça das pessoas é o que importa. E aimagem dela que todos têm é daquelacriatura... criatura... — O soldado tentaencontrar a palavra certa, mas não con-segue.

— Etérea... que andava como seflutuasse... e o cheiro de flores que exa-lava quando caminhava, os olhos clarose a pele branca com uma cera!

— Kriseide era uma mistura de anjoe demônio, meu caro amigo doutor‘’Japa”! Era um mistério materializado emum corpo de mulher, se isso é possível.

ela se matou. Já outras preferem dizer queela pegou um barco qualquer e sumiu emmar aberto. O negócio foi que a mulherdesapareceu como por encanto, logoapós o nego Acácio ter morrido.

— Mas isso não explica o fato...— Não explica com o teu colega

de trabalho, jovem branco, rico com cur-so superior, ter aparecido morto diasdepois do julgamento relâmpago que oabsolveu não é? O jovem promotor apa-receu morto na casa dele. Tinha um bu-raco na cabeça... o engraçado, caro ami-go doutor Japa, era o cheiro quase insu-portável de flor no lugar. Aí cada pessoasentia um cheiro diferente de flor! Outrasdizem não sentir nada. Parecia um suicí-dio: não encontraram as digitais do Fá-

Samuel da Costa é contista, poeta, cronista emilitante do movimento negro em Itajaí.

Publicou os livros: Horizonte vermelho versos eUma flor chamada margarida verso e prosa.

E-mail: [email protected]

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O Estilingue

Um dia

Ana Paula Kalantã, da etnia Indígena Pataxós.É natural de Pau Brasil interior da Bahia, mas naturalizada em Salvador. Filha e neta de nativos indígenas,

formada em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. Faz palestras e escreve sobre os costumes, luta ecultura dos povos indígenas.E-mail: [email protected]

Ana PAna PAna PAna PAna Paulaaulaaulaaulaaula

KALANTÃKALANTÃKALANTÃKALANTÃKALANTÃ~

“Um dia, quando a fumaça enchero peito do céu, o trovão vai ficar doentetambém e vai gritar de raiva, sem parar,sob o efeito do calor... Assim o céu vaiacabar rachando, os Pajés que morremsão muitos e vão querer se vingar... Quan-do os Pajés morrem, os seus Hekurabêficam muitos zangados. Eles vêem que osNabebes fazem morrer os Pajés, seuspais. Os Hekurabê vão querer se vingarvão querer cortar o céu em pedaços, paraque ele desabe em cima da terra.

Também vão fazer cair o sol, e quan-do o sol cair, tudo vai escurecer. Quan-do a lua e as estrelas caírem, o céu vaificar escuro. Nós queremos contar tudoisso aos Nabebes, mas vocês não escu-

tam. Eles são outra gente e não enten-dem ou não querem. Eles pensam: - Estepovo simplesmente está mentindo.

Mas, nós não mentimos. OsHekurabê estão aqui conosco e o céutambém está, bem como o espírito deOMAMÊ que nos diz: - Não fiquem de-sesperados! Mais tarde, nós vamos ternossa vingança! O governo, os Nabebesque não gostam de nós, pensam que sãopoder, eles destroem tudo e não sabemque também vão morrer? Nós vamostodos morrer, quando o céu acabar ra-chando, mas eles também acabarão mor-rendo... É assim que pensam osHekurabê, é assim teremos nossa vingan-ça”.

Vozes da Floresta: mito

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~

O Estilingue

LuanaSantos de Oliveira

Reação Esperada

Reação esperadaTrajetória na jornadaSaiu rasgando tudo

Xingando todo mundo

Revoltado pacasChutando latas

Entendo seu estadoDepois de pressionado

Reagiu conforme o esperado

Agora imaginoque foi o fim da linha

Nem perdas, nem ganhosApenas lembranças

na minha vida

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O Estilingue

por Cláudia Regina Tellesem 28 de dezembro de 2011

CláudiaTelles

Cláudia Regina Telles, natural de Luis Alves/SC,poeta que pesquisas diversas linguagem artísticasque utiliza em sua poética, graduada em Letras pelaUNIVALI e cursou Artes Cênicas na UDESC.Contatos: [email protected]://www.claudiareginatelles.blogspot.com

SE AINDA FOR TEMPO

... luz nos caminhos sem-pre abraço “Inspirei’’ fundocontemplando o vazio brancoda tela, lembrei o nome darevista “Estilingue”, me veiouma imagem e um querer, pen-sei num texto com palavrasminerais, submetidas a forjada escritura, fiz um poemapedra.

Enquanto caminho pelovazio do papel penso emdescartá-lo, depois o segurofirme na mão e devagar leioas sonoridades, examino-o,meço sua dimensão e seupeso.

Esse ritual me traz lem-branças, faz surgir idéias infan-

tis e transgressoras sobre pos-síveis usos do meu poemapedra, bem ao gosto de poe-ta.

Guardo-o cerimoniosa-mente na sacola de pano quetrago junto ao quadril e voupara o campo das desigualda-des, sem receios e confiante.

Pego o poema, colocono couro seco, estico a bor-racha, seguro firme e miro oalvo por entre a forquilha dedura goiabeira, desapego, ati-ro-o sem piedade entre osolhos do gigante.

Acerto-o em cheio...Ele não cai, mas fica ton-

to...

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O Estilingue

Alma pura que fala a verdade, alma sim-ples que diz não quero ser dominado, almasuave que diz com segurança quem vocêspensam que são, quero explodir de liberda-de e vir e ir a qualquer hora, quero poderlevar o brilho da minha pele escura a qual-quer recanto não quero ser colonizado ouescravizado quero poder expandir minhamente até o máximo da sabedoria não queromais ver hipócritas dizendo que vão me aju-dar para depois me matar não quero ver meusirmãos sendo mortos nas favelas e vielas davida quero ver a liberdade para o povo semprecisar aceitar suborno, ou favores querolutar só com Jah, para ver a massa afro gritara conquista de suas raízes com grito de so-mos livres.

José Luiz P. Grando, historiador e militante do movimento negro em Itajaí.Organizador do Sarau Para a Mãe África e o povo Brasileiro.

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Berlin é vanguarda mundial quando o assunto é mobilida-de urbana; ocupação de grandes cidades por pessoas ehumanização dos espaços públicos. A arte, a criatividade e odesign – todos à serviço da sustentabilidade – estão em cadabairro, feira de rua ou parque da capital alemã. Onde tudofunciona, e o sistema é integrado, há pontos estratégicos espa-lhados pela cidade que, usam os transportes adequados moto-rizados, ou não.

No Brasil a ideia de usar transporte motorizado, é muitonova, tem em média 50 anos. Antes disto, as pessoaslocomoviam-se de bondes, bicicletas e, a pé. O transportemotorizado era usado apenas aos finais de semana, para ospasseios.

Diante das manifestações que ocorreramem Junho de 2013, que reivindicavam a re-dução da tarifa do transporte público e, a qua-lidade do mesmo. Fica evidente que, o Paísinteiro sofre a ausência de políticas públicavoltada à mobilidade urbana. Apenas as ca-

Larrisa Alves é aspirante à engenharia civil em ItajaíContato: [email protected]

LARISSAAlves

Mobilidade Urbana, a grande problemática das cidadespitais apresentam um modelo padrão de transporte público.Nota-se que, as cidades estão projetos para um único trans-porte: o carro. Mas normalmente, o trânsito não é planejado,não há vias para ciclistas, ocupa muito espaço e, não é susten-tável. Itajaí em especial, sofre também com a travessia fluvial,afinal de contas apenas o Rio Itajaí Açú separa as cidades deItajaí e Navegantes, onde há uma cobrança muito alta pararealizar a travessia.

Somente a requalificação dos transportes públicos pode-rá reduzir o ronco dos motores e permitir que as ruas deixemde serem “vias” de passagem e voltem a ser locais de convi-vência. Quem sofre com a ausência de planejamento das cida-des, o não investimento de políticas públicas para o transporte

coletivo de qualidade, é o cidadão.Itajaí é o sétimo município que, mais tem

veículos circulando pelas ruas, totalizando116.697 veículos, sendo 60.426 carros,22.082 motos e, 34.459 demais veículos.Somos 183.373 habitantes e, 1,57 por car-ro.

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O Estilingue

Por que esquecemos nossas raízes? Co-meço o texto com uma pergunta, assim comofaço no título. Sei que fugir das regras gramati-cais me faz desperdiçar anos de estudo e es-forço de minhas professoras (olá Nalba, Simo-ne, e mais algumas que muito insistiram em meensinar português no CAU e depois naUNIVALI durante a faculdade), porém o intui-to desse artigo é continuar a reflexão coletivaque há na cidade a respeito do resgate de nos-sas origens.

Leio em algum lugar a falta de “intelectu-ais” ou a perda de interesse pelo estudo da his-tória da cidade, e vejo esse abismo ligado dire-tamente a uma perda da identidade de Itajaí.Tudo bem, somos uma cidade de migrantes,com pessoas de todo o mundo influenciandona cultura, pois as portas abertas do porto nosfez assim. Porém temos uma formação maior,uma característica rara e pertinente desses ho-mens que habitam as margens e foz do rio Itajaí-Açu: Habituamo-nos a não perpetrar nossasraízes.

Por que viramos as costas para o rio?

MOACIRKienast

E vemos isso todos os dias, com a modi-ficação berrante arquitetada pelos magos daverticalização do centro velho, histórico(?), pelaalteração de nossa identidade em detrimento deuma festa comercial (leia o livro A MaquiagemPossível, do Professor José Roberto Severino)pela destruição sistemática da Praia Brava, peloesquecimento da estrada de ferro que um dianos serviu economicamente (cadê as referênci-as que aqui já houve uma?) pelos ciclos econô-micos únicos, pela pesca deteriorada, pelo riopoluído, nas marinas públicas(?), nos clubesnáuticos que nem mais times têm, nas famíliasque construíram essa cidade, nas empresas eprédios centenários, na igreja, na cultura de cadabairro.

Pode soar negativamente uma reflexãodessas desconsiderando o patamar que Itajaíestá atualmente. Caminhamos, avançamos, po-rém sem uma linha reta que não nos faça darvoltas. Sem um horizonte. O povo que não olhapara trás não consegue andar para frente. Nãoconsegue evoluir, crescer como cidade. Sere-

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mos apenas mais um aglomerado de gente.Quero e procuro incitar o debate. Por que

viramos as costas para o rio? Por que não te-mos mais o Itajaí Açu como referência? Porque temos uma festa que nada nos traz de cul-tura e que virou mera formalidade do calendá-rio? Organizada e agradável, mas trazendo pre-juízos para os cofres públicos? Falando emmarejada, só traremos qualquer referencia cul-tural e de valorização do povo de nossa cidadequando virarmos ela para o rio. Quando reali-zarmos competições náuticas pelos parques quetemos na cidade. Quando reativarmos os clu-bes náuticos com equipes que possam levar onome de Itajaí para outros patamares. A festado peixe ainda é um exemplo da união e con-

fraternização do povo português em torno domar. Deveria ser feita em vários bairros simulta-neamente. Os festivais de terno de reis, a forteinfluência religiosa (católica e protestante), olinguajar característico também são fontesriquíssimas de cultura. Portuguesa. Mas e osalemães? Basta olhar para as placas das ruaspara vermos a forte em Itajaí. E os italianos? Eos africanos que aqui também chegaram?

A construção de Itajaí se fez pelo rio, e norio é que vivemos. Dali que viemos, todos, ale-mães, portugueses, descendentes. É dali quevem nossa maior fonte de economia. Somoscortados por ele, são nossas veias. São nossasfronteiras. Nossa raiz está no rio. E estamos decostas para ele.

Moacir Kienast é itajaiense, Guarda Portuário e comunicador. Contato: [email protected]

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O Estilingue

As multidões têm a incoerênciaDuma bandeira patriótica

A fragilidade das suas convicçõesÉ como olhar para o ventoE desejar domesticá-lo

Estranho fenómeno!Aprendi a subtrair-me.A individualidade com que suportoO fardo da exclusãoÉ como a clarividência dum pescadorQue refuta fazer-se ao marQuando a tempestade vem.

DINISDINISDINISDINISDINISMuhai

Dinis Muhai, vive em Maputo, é co-fundador do Movimento literário Oásis (1997).Colaborou na revista literária brasileira Poesia Sempre. É autor da história em quadri-

nhos Nossos Direitos. Publicou o livro de poesia Rascunhos para uma comunicaçãoimprovável (Prêmio T.D.M na Modalidade Poesia, 2008).

S/Título

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O EstilingueROBERTO

LamimA sombra

Roberto Lamim é poeta em Itajaí

Mergulho nesse imenso abismoCoberto por uma camada de tristeza,Triste, fumando um cigarro, à belezaDe um quadro de profundo goticismo.

A chuva cai tristemente...Passa uma sombra... O vento gelaA camada fina da pele, e ela,Uma sombra magra, anda silenciosamente...

Acendo outro cigarro! A sombra- companheira abstrata-Alterna entre formas de artísticas poses,Ora penumbra, ora silhueta esbelta, closesDe imagens fotográficas que a luz retrata.

Tão densa e rígida é a nossa carne. A matéria,Enfim, esconde o vazio e escuridão...A sombra produz a solidãoQue germina o egoísmo, envenena a artéria...

Silenciosamente e triste noite, não chores, não chores!És e sempre serás: A noite que iluminaOs poetas, os doentes, os loucos, e alucinaAs mentes dessa solitária estratosfera de horrores!

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O EstilingueRua Joaçaba, nº 724

bairro São Vicente, Itajaí

Fone: 9126.4134

E–mail: [email protected]

Apoio Cultural:

Editor: Samuel da Costa

direção de arte: Anderson Luiz da Silva (Jamaica)

Revisão Amariles Campos

conselho editorial: Moacir Veiga Kienast, Vivaldo

Terres e Patrícia Raphael

[email protected](48) 8447.9800 / 9909.0555

VINHETA, ANUNCIO, CRIAÇÃO DE ÁUDIO,EDIÇÃO DE VÍDEOS E MÚSICOS PARA CASAMENTOS,FORMATURAS, ANIVERSÁRIOS E EVENTOS SOCIAIS.

(47) 9604.4551 / [email protected]

Fone: (47) [email protected]

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O Estilingue

eduardo

QUIVEO Guardador de Coisas

empos difíceis se passaram. Moldaram-se outrasalturas por onde perpassam ressonâncias que asgentes se desencantam. Constroem-se os prédi-os e os homens aumentam. Inundam-se os cam-

além de si, por seu filho, Pedro, 17 anos de idade, estudadograças ao atestado de pobreza que conseguira com esfor-ços e corrompimentos na administração. Agora é seu sonhoingressar para a faculdade de direito. Porém conhece seutalento é pensar, observar e escrever boas histórias. Recen-temente concentra-se em histórias de amor. Mas mais ain-da, cabe-lhe adormecer nas noites enquanto seu pai de olhosabertos guarnece quinquilharias dos brancos lá de Germany.

Cristo revela-se desde idos tempos um exemplo deconfiança, apesar de ser magro, olhos para dentro, cabeçaa pesar-lhe entre os ombros, pescoço magro, alto, escuro equase velho. Pelos tempos que passa poderá ter não maisde 30 anos. Mas ser certeiro na sua idade é esforço gratui-to, afinal, pelo que se é notável, algo o come por dentro ecada vez mais envelhece. Faz anos que não tem aquele cor-po que lembra com saudosismo quando vê miúdos a passa-rem pela rua José Craveirinha, pelos andares da Somarshild,no peito da burguesia estrangeira que vive no Maputo. Deeterno amante de futebol que vangloria desde tenra idade oDesportivo, clube de família, na alegria e na tristeza na saú-de e na doença que nunca passa desde que ganhara as últi-mas taças, agora tornou-se num simples guardador de sau-

Tpos e as mulheres ainda sustentam expectativas. Os temposque passaram pelo menos deixaram que as chuvas não de-vastassem a esperança que impera.

Cristo sai, pela rua 15, ao amanhecer da noite depoisque o sol adormece. Há anos é guarda noturno e guardapara além das coisas, vidas de gente e de animais desdegatos, cães, ratos, e outros répteis que sucumbem por den-tro da casa que agora parece abandonada. Já se foram tem-pos em que guarnecia os brancos lá da Alemanha que vie-ram se hospedar na residência. Agora guarda coisas, ape-nas isso sabe.

No princípio fervia com as luzes que enchiam a cida-de, com o silêncio dos homens rompido por delírios de cãese outros bichos da noite. Tempos difíceis foram esses. Ha-via ladrões por aturar toda noitada, ser guarda era digno deconfiança e amabilidade. Agora ser guardador de coisa éser apenas mais uma coisa que se tem a guardar. Mas Cris-to preza a sua profissão como ama sua família composta,

Vozes da África: Crônica/Conto

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dosas lembranças nas noites que dorme de pé.Quando jogavam no Xicampuanini, Mafalala, recor-

da-se, usava a camisola 7, era o maestro das jogadas, senão passava por dois então era o que fazia os melhorespasses que davam sempre em golo. Das vitórias que se fa-ziam a cada jornada, das cervejas que se despejavam dasua garganta jovem nas pequenas barracas improvisadasno bairro de madeira e zinco, da Jorgina, mulher a que apal-pava os seios enquanto cheirava ainda a sevada; esta, porsua vez, esfregava-se no seu peito de grande jogador, umverdadeiro ponta de lança. Foi com Jorgina que marcou oseu crescimento quando teve Pedro na primeira relação se-xual. Dos amigos que sempre disputavam para tê-lo nos 11em campo. Ah tempos, tempos, tempos. Quem matará a

eterna saudade que o tempo dá? Quem mais pode amar otempo se este não o deu bons frutos? Tempos, tempos, tem-pos, quem te trará de volta, ó enigma.

Em instantes, a saudade murcha. Volta para sua ca-deira de ferro no canto da rua quando apenas cães ladramsob o não passar de gente. De quando em vez entram car-ros de luxo nas vivendas, aí diversificam-se os ruídos. Virae olha para o interior da casa que guarnece, vê plantas quecada vez mais crescem, pressente uma mata. Ouve os gri-tos de cães que, há já cinco anos, gritam com voz rouca. Vêas mesmas luzes acesas da casa. Para variar nessa noite acasa parece mover-se. Mas não se agita. Todo o caos viráde fora para dentro, essa é a incerteza, afinal o que vem defora é o que sempre espera e está preparado para enfrentar

Eduardo Quive é escritor e jornalista nacidade de Maputo em Moçambique. Editor da

revista “Literatas – Revista de LiteraturaMoçambicana e Lusófona” do Movimento

Literário Kuphaluxa, agremiação de que é umdos fundadores. Correspondente em

Moçambique do jornal angolano de artes ecultura “Cultura”. O seu primeiro livro de

poesia intitula-se “Lágrimas da Vida Sorrisoda Morte” (FUNDAC, 2012).

[E-mail: [email protected][Blogue: www.quivismo.blogspot.com

Fonte: Revista Literatas nº53, março de2013

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O Estilingue

HHHHHÉLDERÉLDERÉLDERÉLDERÉLDERfaife

que o fim sejaum lento e suave striptease

livrar-me de mim roupa a roupadespir as máscaras e disfarces da vida

desabotoar a invernal gabardine da pelealiviar o zíper da carne que me gangrena

o gorro crespo que me postiçaas garras sujas que me desfelinam

descuecar-me das vísceras mais íntimasdesroupar-me até as vértebras

e de alma nua usar luvasrecolher tudo do chãoe entulhar num caixão

FI

M

Hélder Faife é poeta em Maputo

Vozes da África: Poesia

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... E o brilho da minha peleescura, a qualquer recanto nãoquero ser colonizado ou escravizado...

José Luiz P. Grando

Foto: Letícia Regina Rita

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Amariles Campos Machado / 05Giordano Zaguini Furtado / 07Patrícia Raphael / 08Vivaldo Terres / 09Amosse Mucavele / 10Tania Tomé / 11João Carlos Pereira / 12Samuel da Costa / 13Luana Santos de Oliveira / 18Cláudia Telles /19José Luiz Grando /20Larissa Alves / 21Moacir Kienast / 22Dinis Muhai / 24Roberto Lamim /25Eduardo Quive / 27Hélder Faife / 29