O estilo emocional do cérebro richard j davidson

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o estilo emocional do cérebro

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Título original: The Emotional Life of Your Brain

Copyright © 2012 por Richard J. Davidson, Ph.D., e Sharon BegleyCopyright da tradução © 2013 por GMT Editores Ltda.

Publicado mediante acordo com Hudson Street Press, um membroda Penguin Group (USA) Inc.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode serutilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem

autorização por escrito dos editores.

tradução: Diego Alfaro

preparo de originais: Cristiane Pacanowski

revisão: Caroline Mori e Luis Américo Costa

diagramação: DTPhoenix Editorial

ilustrações: David Barash

capa: Miriam Lerner

imagem de capa: Illustration Works / Corbis

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

D283eDavidson, Richard J.

O estilo emocional do cérebro [recursoeletrônico] / Richard J. Davidson [traduçãode Diego Alfaro]; Rio de Janeiro: Sextante,2013.

recurso digitalTradução de: The emotional life of your brainFormato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital

EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-7542-915-0 (recurso

eletrônico)1. Emoções 2. Cérebro 3. Psicologia 4.

Livros eletrônicos. I. Título.

13-1428 CDD: 155.93 CDU: 159.942

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo22270-000 – Rio de Janeiro – RJ

Tel.: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244E-mail: [email protected]

www.sextante.com.br

Para Amelie, Seth e Susan, pelo amor,

pelo apoio e pelos ensinamentos infinitos querecebo de vocês.

SUMÁRIO

Introdução: Uma jornada científica

Capítulo 1: Cada cérebro é um cérebro

Capítulo 2: A descoberta do estilo emocional

Capítulo 3: Avaliando seu estilo emocional

Capítulo 4: As bases cerebrais do estilo emocional

Capítulo 5: Como o estilo emocional sedesenvolve ao longo da vida

Capítulo 6: A conexão mente-cérebro-corpo, oucomo o estilo emocional influencia a saúde

Capítulo 7: Normal e anormal, e quando o“diferente” se torna patológico

Capítulo 8: O cérebro plástico

Capítulo 9: Assumindo a meditação

Capítulo 10: O monge no aparelho deressonância

Capítulo 11: Reconexão: exercícios inspirados naneurologia para mudar seu estilo emocional

Agradecimentos

Notas

E

I N T R O D U Ç Ã O

UMA JORNADA CIENTÍFICA

ste livro descreve uma jornada pessoal epro ssional dedicada a entender por que as

pessoas têm reações emocionais diversas ao quelhes acontece e como se manifestam essas reações– uma jornada motivada por meu desejo deajudá-las a viver de maneira mais saudável egratificante.

O tom “pro ssional” desta narrativa descreve osurgimento da disciplina híbrida chamada“neurociência afetiva”: o estudo dos mecanismoscerebrais que estão por trás das nossas emoções ea busca por maneiras de melhorar a sensação debem-estar e promover qualidades mentaispositivas.

O tom “pessoal” retrata minha história. Movidopela convicção de que há mais coisas no que dizrespeito à descrição da mente segundo ascorrentes predominantes da psicologia e daneurociência, aventurei-me além das fronteirasdessas disciplinas. Sofri alguns contratempos, masespero ter conseguido demonstrar que asemoções, longe de serem bobagens neurológicas,são fundamentais para as funções cerebrais e paraa vida da mente.

Meus 30 anos de pesquisa em neurociênciaafetiva1 geraram centenas de descobertas: dosmecanismos cerebrais subjacentes à empatia, dasdiferenças entre o cérebro autista e o normal e daexplicação sobre como o centro da racionalidadecerebral pode levar alguém a mergulhar noagitado abismo emocional da depressão, entremuitas outras. Espero que esses resultadostenham contribuído para compreendermos maisprofundamente a existência humana e o fato de

termos uma vida emocional. No entanto, àmedida que essas descobertas se sucediam,afastei-me gradativamente do dia a dia de meulaboratório na Universidade de Wisconsin emMadison.

Desde maio de 2010, tenho atuado tambémcomo diretor do Centro de Investigação deMentes Saudáveis dessa universidade,2 umcentro de pesquisa cuja missão é entender comosurgem, no cérebro, as qualidades mentais que ahumanidade valoriza desde o início da civilização– a compaixão, o bem-estar, a caridade, oaltruísmo, a gentileza, o amor e outros aspectosnotáveis da condição humana – e como ascaracterísticas positivas podem ser estimuladas.

Uma das grandes virtudes desse centro é o fatode não restringirmos o trabalho à pesquisa: nossodesejo é ver os resultados dessas investigaçõesganharem o mundo, onde poderão fazerdiferença na vida das pessoas. Para isso,

elaboramos um currículo voltado a alunos da pré-escola e do ensino fundamental especi camentepara incentivar a gentileza e a atenção e estamosavaliando o impacto desse treinamento nodesempenho acadêmico, na concentração, naempatia e na cooperação. Outro projeto trabalhacom a hipótese de o treinamento em técnicas derespiração e meditação ser capaz de ajudar osveteranos de guerra que voltam do Afeganistão edo Iraque a lidar com o estresse e a ansiedade.

Eu me entusiasmo tanto com a parte cientí caquanto com a aplicação das descobertas nomundo real. Mas é muito fácil ser consumidopelo trabalho. Costumo brincar dizendo quetenho vários empregos em período integral, desdesupervisionar os pedidos de bolsa acadêmica aténegociar com os comitês universitários debioética a permissão para fazer pesquisas emvoluntários humanos. Mas eu não queria quefosse assim.

Dessa forma, cerca de 10 anos atrás comecei afazer um levantamento sobre as minhas pesquisase os estudos de outros laboratórios queinvestigavam a neurociência afetiva – não asinteressantes descobertas especí cas, mas oquadro geral. E percebi que nossos trabalhostinham revelado algo fundamental sobre a vidaemocional do cérebro: o fato de que cada pessoaé caracterizada por aquilo que passei a chamar deestilo emocional.

Antes de resumir os componentes do estiloemocional, vou explicar rapidamente de quemaneira ele se relaciona com outros sistemasclassi catórios que tentam esclarecer a grandediversidade da existência humana: estados etraços emocionais, personalidade etemperamento.3

O estado emocional é a menor e a mais efêmeradas unidades das emoções. Ele costuma durarpoucos segundos e tende a ser desencadeado por

uma experiência – por exemplo, o surto de alegriaao vermos a colagem feita por nosso lho no Diadas Mães, a sensação de realização aoterminarmos um grande projeto no trabalho, araiva que sentimos quando precisamos trabalhardurante um feriado, a tristeza de vermos quenossa lha foi a única da turma que não foiconvidada para uma festa. Os estados emocionaistambém podem surgir unicamente da atividademental, como quando sonhamos acordados,

camos introspectivos ou antevemos o futuro.Independentemente de terem sidodesencadeados por experiências mentais ou domundo real, os estados emocionais tendem a sedissipar, deixando espaço para novos estados.

Um sentimento que persiste e se mantémconsistente ao longo de minutos ou de horas, ouaté de dias, é um humor – como quando dizemos“ele está de mau humor”. E o traço emocional é oque caracteriza uma pessoa não só durante dias,

mas também durante anos. Costumamosclassi car uma pessoa que resmunga o tempotodo de rabugenta e aquela que se exaspera comfacilidade de nervosa. Um traço emocional –como a raiva crônica de quem tem pavio curto –aumenta a probabilidade de vivenciarmos umestado emocional especí co (a fúria, porexemplo), por diminuir o limiar necessário parasua manifestação.

O estilo emocional é um modo consistente derespondermos às nossas experiências de vida.4 Édirigido por circuitos cerebrais especí cos eidenti cáveis e pode ser medido por meio demétodos laboratoriais objetivos. O estiloemocional in uencia a probabilidade deapresentarmos determinados estados emocionais,traços emocionais e humores. Os estilosemocionais têm uma correlação muito maispróxima com os sistemas cerebrais subjacentes doque os estados ou traços e por isso podem ser

considerados os átomos de nossa vida emocional– seus elementos constituintes fundamentais.

Por outro lado, a personalidade, um conceitomuito mais utilizado para descrevermos aspessoas, não é fundamental nesse sentido nem sebaseia em mecanismos neurológicos. Ela consisteem um conjunto de qualidades quecompreendem traços e estilos emocionaisespecí cos. Considere, por exemplo, um traço depersonalidade bastante estudado, a amabilidade.Pessoas extremamente amáveis são empáticas,atenciosas, amigáveis, generosas e prestativas.Porém cada um desses traços emocionais é, elepróprio, o produto de diferentes aspectos do estiloemocional. Ao contrário da personalidade, oestilo emocional pode ser relacionado com umconjunto de propriedades cerebrais especí cas ecaracterísticas. Portanto, para entender a basecerebral da amabilidade, é preciso examinar maisa fundo os estilos emocionais subjacentes que a

abrangem.Nos últimos tempos, a psicologia tem

demonstrado grande interesse em criar sistemasde classi cação, a rmando que existem quatrotipos de temperamento, cinco componentes dapersonalidade e sabe-se lá quantos tipos decaráter. Apesar de interessantes e até divertidos –os meios de comunicação de massa encontramnisso um prato cheio para descrever os tipos depersonalidade que geram bons casais, líderes denegócios ou psicopatas –, esses sistemas não têmgrande validade cientí ca, pois não se baseiam naanálise rigorosa dos mecanismos cerebrais queexistem por trás deles. Qualquer coisa que estejaligada ao comportamento humano, aossentimentos e às formas de pensar surge nocérebro. Por isso, qualquer sistema declassi cação também deve se basear no cérebro.O que nos leva de volta ao estilo emocional.

O estilo emocional tem seis dimensões, que não

são aspectos convencionais da personalidade nemsimples traços ou humores emocionais, muitomenos critérios diagnósticos para doençasmentais. Elas derivam de descobertas da pesquisaneurocientífica moderna e são:

• Resiliência: a velocidade com que nos

recuperamos de uma adversidade.• Atitude: por quanto tempo conseguimos

sustentar as emoções positivas.• Intuição social: a facilidade com que captamos

os sinais sociais emitidos pelas pessoas ao nossoredor.

• Autopercepção: nossa capacidade de perceberas sensações corporais relacionadas com asemoções.

• Sensibilidade ao contexto: a capacidade deregularmos nossas respostas emocionais paraque correspondam ao nosso contexto social.

• Atenção: quão aguçada e clara é nossa

concentração. É provável que não sejam essas as seis

dimensões que você sugeriria se resolvesse pensarnas próprias emoções e em como elas podem serdiferentes das de outras pessoas. Da mesmaforma, é possível que o modelo de Bohr para oátomo não seja o que você conceberia sedecidisse re etir sobre a estrutura da matéria.Não pretendo comparar meu trabalho ao dosfundadores da física moderna. Meu objetivo éapenas apresentar um argumento geral: a mentehumana raramente consegue determinar asverdades da natureza, ou mesmo as verdadessobre os homens, apenas pela intuição ou pelaobservação casual. É para isso que temos aciência. Somente por meio de experimentosmetódicos e rigorosos conseguimos desvendar ofuncionamento do mundo – e de nós mesmos.

A classi cação dessas seis dimensões é

resultado de meus mais de 30 anos de pesquisaem neurociência afetiva, trabalho corroboradocom as descobertas de colegas do mundo inteiro epor elas complementado, também. Elascorrespondem a propriedades do cérebro e a seusmodos de funcionamento e são indispensáveis aqualquer modelo das emoções e docomportamento humanos. Se essas seis dimensõesnão re etem sua compreensão de si mesmo oudas pessoas próximas a você, isso talvez se devaao fato de que muitas delas atuam em dimensõesque nem sempre são claramente visíveis. Porexemplo: em geral não estamos conscientes dotipo de pessoa que somos na dimensãoResiliência. Com poucas exceções, não prestamosatenção à velocidade com que nos recuperamosde um evento estressante. Algo extremamentetraumático, como a morte de um lho, é umaexceção. Nesse caso, costumamos estarperfeitamente cientes de que vivemos com os

nervos à or da pele durante meses. Entretanto,vivenciamos suas consequências. Por exemplo: sevocê discutir com o seu companheiro pelamanhã, poderá car irritado o dia inteiro – masainda assim talvez não perceba que cou de paviocurto por não ter retomado seu equilíbrioemocional, o que é a marca do estilo deRecuperação Lenta.

No Capítulo 3, vou mostrar de que maneirapodemos car mais cientes de nosso estiloemocional, que é o primeiro passo, e também omais importante, em qualquer tentativa deaceitarmos com tranquilidade a pessoa que somos– ou de nos transformarmos.

A ciência tem uma regra básica: qualquer novateoria cujo objetivo seja suplantar uma anteriordeverá explicar os mesmos fenômenos explicadospor aquela, além de fenômenos novos. Para seraceita como uma Teoria da Gravidade maisprecisa e abrangente que aquela proposta por

Isaac Newton, a Teoria Geral da Relatividade deEinstein teve que explicar todos os fenômenosgravitacionais explicados pela teoria de Newton,como as órbitas dos planetas em volta do Sol e avelocidade com que os objetos caem, além defenômenos novos, como a curvatura da luzcelestial em volta de uma grande estrela. Assim,pretendo demonstrar aqui que o estilo emocionaltem poder explicativo su ciente para descrevertraços de personalidade e tipos de temperamentojá bem estabelecidos. Mais adiante, no Capítulo4, veremos que o estilo emocional tem fundaçõessólidas no cérebro, o que não ocorre com outrossistemas de classificação.

Acredito que cada personalidade etemperamento corresponda a uma combinaçãodiferente das seis dimensões do estilo emocional.Consideremos os “cinco grandes” traços depersonalidade, que constituem um dos sistemasde classi cação típicos da psicologia: abertura a

novas experiências, estado consciente,extroversão, amabilidade e tendência à neurose:

• Uma pessoa aberta a novas experiências tem

uma forte intuição social. Também tem muitaautopercepção e tende a possuir um estilo deatenção concentrado.

• Uma pessoa conscienciosa tem uma intuiçãosocial bem desenvolvida, um estilo de atençãoconcentrado e uma intensa sensibilidade aocontexto.

• Uma pessoa extrovertida se recuperarapidamente das adversidades e mantém umaatitude positiva.

• Uma pessoa amável tem grande sensibilidadeao contexto e muita resiliência. Também tendea manter uma atitude positiva.

• Uma pessoa com forte tendência à neurosepossui recuperação lenta diante dasadversidades. Tem uma atitude pessimista e

negativa, é relativamente insensível aocontexto e tende a ter um estilo de atençãopouco concentrado.

Embora essas combinações de estilos

emocionais – que, somadas, geram os cincograndes traços de personalidade – estejam emgeral presentes, sempre haverá exceções. Nemtodas as pessoas com certa personalidade terãotodas as dimensões do estilo emocional quedescrevo aqui, mas invariavelmente terão aomenos uma delas.

Avançando além dos cinco grandes traços,podemos examinar outros nos quais todospensamos ao nos descrevermos ou ao nosreferirmos a alguém que conheçamos bem. Cadaum desses traços também pode ser compreendidocomo uma combinação de diferentes dimensõesdo estilo emocional, ainda que, é bom frisar, nemtodas as pessoas com determinado traço possuam

todas as dimensões. Entretanto, boa parte terá amaioria destas dimensões:

• Impulsivo: uma combinação de atenção pouco

focada com baixa autopercepção.• Paciente: uma combinação de grande

autopercepção com alta sensibilidade aocontexto. O fato de sabermos que outras coisastambém mudarão quando o contexto mudarnos ajuda a ter paciência.

• Tímido: uma combinação de recuperaçãolenta na dimensão resiliência com baixasensibilidade ao contexto. Por causa dainsensibilidade ao contexto, a timidez e adescon ança se estendem para além doscontextos nos quais poderiam ser normais.

• Ansioso: uma combinação entre recuperaçãolenta, atitude negativa, altos níveis deautopercepção e atenção pouco focada.

• Otimista: uma combinação de recuperação

rápida com atitude positiva.• Cronicamente infeliz: uma combinação de

recuperação lenta com atitude negativa, o quefaz com que a pessoa não consiga sustentar asemoções positivas e que atolada em emoçõesnegativas quando sofre um revés.

Como se pode ver, essas características comuns

compreendem diferentes combinações dos estilosemocionais. Tal formulação nos permitedescrever as prováveis bases cerebrais para essascaracterísticas comuns.

Quando se lê artigos cientí cos originais, é fácil

ter a impressão de que os pesquisadorespensaram em uma questão, conceberam umexperimento inteligente para responder a ela eentão realizaram o estudo sem sofrer nenhumcontratempo nem chegar a um beco sem saída emsua busca pela resposta. Na verdade, não é assim

que funciona. Imagino que você já descon edisso, mas a maioria das pessoas não sabe dagrande di culdade que existe quando sequestiona um paradigma, uma questão jáestabelecida.

Era nessa posição que eu estava no início dosanos 1980. Nessa época, a psicologia acadêmicareservava o estudo das emoções à psicologiasocial e da personalidade, em vez de àneurobiologia, e poucos pesquisadores seinteressavam por estudar as bases cerebrais dasemoções. Os que se interessavam apoiavam apesquisa sobre os chamados centros emocionaisdo cérebro, que, conforme se acreditava então,estariam situados exclusivamente no sistemalímbico. Eu tive uma ideia diferente: a de que asfunções corticais mais elevadas, em particularaquelas situadas no córtex pré-frontal, a áreamais avançada em termos evolutivos, eramfundamentais para as emoções.

Na primeira vez em que sugeri que o córtexpré-frontal estaria envolvido nas emoções, tiveque enfrentar uma onda interminável deceticismo: o córtex pré-frontal, insistiam oscéticos, trabalha com a razão, a antítese dasemoções. Essa área, portanto, certamente nãopoderia participar também das emoções.

A tentativa de avançar em minha carreiracientí ca quando todos os ventos sopravam comforça na direção contrária foi muito solitária.Minha busca pelas bases das emoções na regiãocerebral dedicada à razão foi vista como umempreendimento quixotesco, para dizer o mínimo– o equivalente neurocientí co de procurarelefantes no Alasca. Não foram poucas as vezes,sobretudo quando busquei nanciamento noinício da carreira, em que minha descon ança dadivisão clássica entre o pensamento (noneocórtex altamente desenvolvido) e ossentimentos (no sistema límbico subcortical)

pareceu ser uma boa maneira de acabar com umacarreira científica, e não de começá-la.

Minhas inclinações cientí cas e meus interessespessoais não favoreceram o avanço da minhacarreira. Pouco depois de começar a pós-graduação em Harvard, na década de 1970,conheci um grupo incrível de pessoas gentis ecompassivas que, como logo percebi, tinham algoem comum: praticavam meditação. Essadescoberta estimulou meu interesse por essaatividade, a tal ponto que, um ano após terminara pós-graduação, z uma viagem de três meses àÍndia e ao Sri Lanka, a m de aprender maissobre essa antiga tradição e vivenciar os efeitos dameditação intensiva. Eu tinha também outramotivação: queria saber se a meditação poderiaser um tema adequado a um estudo científico.

O estudo das emoções era bastante controverso.Praticar a meditação era quase uma heresia eestudá-la, então, parecia um absurdo cientí co.

Como já mencionei, os psicólogos e osneurocientistas acreditavam na existência deregiões cerebrais dedicadas à razão e de regiõesdedicadas às emoções, sendo que os dois tiposjamais se encontrariam. Da mesma forma, elesconsideravam que existisse a ciência rigorosa eempírica de um lado e a meditação bicho-grilo deoutro – e, se você praticasse a meditação, suascredenciais para a ciência seriam altamentequestionáveis.

Estávamos na época de O Tao da física (1975),A dança dos mestres Wu Li (1979) e outros livrosque defendiam a existência de fortescomplementaridades entre as descobertas daciência ocidental e as ideias das loso asorientais. A maioria dos cientistas acadêmicosacreditava que isso fosse uma grande bobagem –praticar a meditação nesse meio não era,digamos, o caminho mais direto para o sucessoacadêmico. Meus mentores em Harvard deixaram

muito claro que, se eu quisesse seguir umacarreira cientí ca bem-sucedida, o estudo dameditação não seria um bom ponto de partida.Embora no início da carreira eu tivesse meaventurado timidamente no estudo cientí co dameditação, logo percebi que a resistência a essetipo de estudo era profunda e o deixei de lado.Ainda assim, continuei a meditar, sem falar sobreisso com ninguém, até que, por m – ao metornar professor titular da Universidade deWisconsin e ter uma longa lista de publicações eprêmios cientí cos –, voltei à meditação comoum tema de estudo científico.

Uma importante razão para isso foi o encontrotransformador que tive com o Dalai-Lama em1992, que modi cou completamente minhacarreira e minha vida pessoal. Esse encontro foi acentelha que me fez assumir meus interesses emmeditação e outras formas de treinamentomental.

É impressionante ver quanto a situação mudouno curto período desde então. Em menos de 20anos, as comunidades cientí ca e médica setornaram muito mais receptivas à pesquisa sobreo treinamento mental. Milhares de novos artigosque tratam desse assunto são publicados a cadaano nos principais periódicos cientí cos e osInstitutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidosdistribuem atualmente fundos consideráveis paraa pesquisa em meditação. Uma década atrás, noentanto, isso seria impensável.

Encaro essa mudança de forma muito positiva enão faço isso por nenhum sentimento de desforrapessoal, ainda que, confesso, seja grati cante verum tema cientí co antes renegado receber, en m,o respeito que merece. Em 1992 z duaspromessas ao Dalai-Lama. A primeira: euestudaria a meditação. A segunda: eu tentariafazer com que a psicologia desse à pesquisa sobreas emoções positivas, como a compaixão e o bem-

estar, a mesma atenção que sempre dedicara àsemoções negativas.

Essas duas promessas nalmente convergiram e,com elas, minha convicção quixotesca de que aregião do cérebro dedicada à razão e a outrasfunções cognitivas elevadas é tão importante paraas emoções quanto o sistema límbico. A pesquisaque conduzi com pessoas que praticam ameditação demonstrou que o treinamento mentalpode alterar padrões de atividade no cérebro e,assim, fortalecer a empatia, a compaixão, ootimismo e a sensação de bem-estar. Esse foi oauge da minha promessa de estudar a meditaçãoe as emoções positivas. E minha pesquisa naslinhas bem estabelecidas da neurociência afetivademonstrou que é nas regiões dedicadas aoraciocínio elevado que se encontra a chave paraalterar tais padrões de atividade cerebral.

Assim, embora este livro seja uma história daminha transformação pessoal e cientí ca, espero

que sirva também como um guia para a suatransformação. Em sânscrito, a palavra parameditação também signi ca “familiarização”. Oprimeiro passo para transformarmos nosso estiloemocional – e que é também o mais importante –é nos familiarizarmos com ele. Se este livro não

zer nada além de aumentar a sua percepçãosobre seu estilo emocional e o de outras pessoas aseu redor, considero que já terá sido bem-sucedido.

S

C A P Í T U L O 1

CADA CÉREBRO É UM CÉREBRO

e você acredita na maioria dos livros de

autoajuda, artigos de psicologia pop eterapeutas da televisão, provavelmente imaginaque as pessoas respondam aos eventossigni cativos da vida de forma bastante previsível.Segundo os “especialistas”, em geral somosafetados de forma semelhante por determinadasexperiências – existe um processo de luto peloqual todos passam, uma sequência de eventosque ocorre quando nos apaixonamos, umamaneira tradicional de respondermos a umarejeição amorosa, além de modos bastantepadronizados de como quase toda pessoa normalreage ao nascimento de um lho, à falta de

reconhecimento no emprego, a uma carga detrabalho insuportável, às di culdades de criaradolescentes e às mudanças inevitáveis quesurgem com o envelhecimento. Esses mesmosespecialistas recomendam, con antes, váriospassos para retomarmos nosso equilíbrioemocional: quer tenhamos sofrido revesespro ssionais ou amorosos, pedem que nostornemos mais (ou menos) sensíveis, que lidemoscom a ansiedade de forma mais serena e que, demodo geral, nos transformemos no tipo de pessoaque gostaríamos de ser.

No entanto, meus mais de 30 anos de pesquisamostraram que essas suposições são ainda menosválidas no âmbito das emoções que no damedicina. No caso da medicina, os cientistasestão descobrindo que o DNA das pessoas afeta omodo como elas respondem a certosmedicamentos (entre outras coisas), o queprenuncia uma era de medicina personalizada na

qual os tratamentos que um paciente recebe paradeterminada doença poderão ser diferentes dosque outro receberá para a mesma enfermidade –e a razão fundamental disso é que os genes deduas pessoas nunca são idênticos. Por exemplo: adose de varfarina1 – um remédio para a nar osangue – que um paciente pode tomar comsegurança para prevenir coágulos sanguíneosdepende da velocidade com que seus genesmetabolizam o medicamento. Quando estivermostratando do modo como as pessoas reagem ao quea vida lhes traz e de como podem encontrar eestimular a capacidade de sentir alegria,estabelecer relações amorosas, suportarinfortúnios e levar uma vida grati cante, aprescrição deverá ser igualmente personalizada.Nesse caso, a razão não está apenas nasdiferenças em nosso DNA – ainda que, é claro,ele certamente in uencie nossos traçosemocionais –, mas também nas distinções entre

nossos padrões de atividade cerebral. A medicinado futuro será guiada pelo código genético dospacientes e a psicologia de hoje também pode sermoldada pela compreensão dos padrões deatividade cerebral que existem na base dos traçose estados emocionais que de nem cada um denós.

Durante minha carreira de neurocientista, já vimilhares de pessoas com histórias de vidaparecidas reagirem de formas drasticamentediferentes a um mesmo tipo de acontecimento.Por exemplo: algumas demonstram resiliênciadiante do estresse, enquanto outras desmoronam.Essas últimas se sentem ansiosas, deprimidas ouparalisadas quando deparam com adversidades.As pessoas resilientes, de alguma forma,conseguem suportar certas ocorrênciasestressantes e até se bene ciar delas,transformando as adversidades em vantagens.Esse é, resumidamente, o enigma que motivou

minha pesquisa cientí ca. Sempre quis saber oque determina o modo como alguém reage a umdivórcio, à morte de um ente querido, à perda deum emprego ou a qualquer outro revés. Damesma maneira, me interesso por aquilo quemotiva a reação das pessoas quando têm umtriunfo na carreira, conquistam a pessoa amada,percebem que um amigo faria de tudo paraajudá-las ou em qualquer ocasião em que sesintam felizes. Por que e como as pessoas diferemtão amplamente em suas respostas emocionaisdiante dos altos e baixos da vida? E como seprocessam essas respostas diferenciadas?

A resposta que descobri com meu trabalho éque pessoas diferentes têm estilos emocionaisdistintos. Estilos emocionais são constelações dereações e estratégias emocionais que diferemsegundo o tipo, a intensidade e a duração. Cadapessoa tem uma impressão digital e um semblanteúnico. Da mesma forma, cada um de nós tem um

per l emocional único, que faz parte de quemsomos a ponto de aqueles que nos conhecemconseguirem prever como reagiremos adeterminada di culdade emocional. Meu estiloemocional, por exemplo, é bastante otimista eanimado. Estou sempre disposto a enfrentardesa os e me recupero rapidamente dasadversidades, mas tendo a me preocupar comcoisas que estão além do meu controle. O estiloemocional explica por que uma pessoa se recuperarapidamente de um divórcio doloroso, ao passoque outra ca presa na autocrítica e no desespero.Por que alguém logo se refaz de uma demissão,enquanto outro se sente incompetente duranteanos a fio. O estilo emocinal permite entender porque um pai não liga tanto para o juiz que marcouuma falta da lha no campeonato de futebolmirim e outro salta da cadeira e grita com o juizaté car roxo. Por que uma pessoa serve comofonte de alento a todos os que estão a seu redor e

outra se mantém ausente – tanto emocionalquanto sicamente – sempre que os amigos e osfamiliares precisam de apoio ou solidariedade.Por que algumas pessoas conseguem entender alinguagem corporal e o tom de voz de alguémcom toda a clareza, enquanto outras consideramesses sinais não verbais uma língua estrangeira. Eexplica ainda por que algumas pessoas conseguemenxergar os estados de sua mente, seu coração eseu corpo, ao passo que outras nem sequerpercebem que isso é possível.

A cada dia, temos inúmeras oportunidades deobservar estilos emocionais em ação. Eu passomuito tempo em aeroportos e são raras as viagensem que não tenho a chance de fazer umapequena pesquisa de campo. Como todossabemos, parece haver mais possibilidades para oatraso de um avião que o número de voos quepartem, por exemplo, do aeroporto de Chicagonuma sexta-feira à noite: mau tempo, tripulação

em uma conexão que esteja atrasada, problemasmecânicos, luzes de alerta que ninguém consigadecifrar – a lista parece interminável. Assim, tiveinúmeras oportunidades de observar as reaçõesde passageiros que, aguardando a decolagem,ouvem o temível anúncio de que o voo se atrasouuma hora, ou duas, ou, pior, que foi cancelado. Oresmungo coletivo é audível. Mas, seexaminarmos cuidadosamente cada passageiro,veremos uma ampla gama de reações emocionais.Temos o estudante universitário que balança acabeça ao ritmo da música que escuta pelo fonede ouvido e que mal ergue os olhos antes de seperder outra vez em seu mp3 player. E a jovemmãe que está viajando sozinha com um bebê esolta um murmúrio a ito ao perceber que achegada a seu destino ainda vai demorar. Temosa mulher de negócios que, vestindo um terninho,caminha rápido até a funcionária do portão e,em tom calmo mas decidido, exige ser

imediatamente transferida para qualquer outrovoo que parta para qualquer ponto neste lado doplaneta, desde que consiga chegar à sua reunião.Há também o homem grisalho que, usando umterno feito sob medida, se aproxima dafuncionária a passos pesados e, gritando paratodos ouvirem, exige saber se ela percebe quantoé importante que ele chegue a seu destino, insisteem falar com um superior e – a essa altura, jácom a cara vermelha – exclama que aquelasituação é completamente intolerável.

Creio que os atrasos são piores para algumaspessoas que para outras, de acordo com ascircunstâncias que estejam vivenciando. Chegaratrasado para visitar um parente em estado graveno hospital certamente é muito ruim. Perder umareunião de negócios crucial para a empresa que oavô fundou é muito pior que o atraso de umestudante no primeiro dia de aula depois dasférias. Mas tenho a forte suspeita de que as

diferenças no modo como as pessoas reagemdiante de um atraso exasperante estejam menosrelacionadas com as circunstâncias externas quecom seu estilo emocional.

A existência do estilo emocional desperta umasérie de perguntas referentes a ele. A mais óbviaé: quando o estilo emocional surge pela primeiravez? No início da vida adulta, quando nosestabelecemos nos padrões que nos descrevemcomo pessoa, ou, como defenderiam osdeterministas genéticos, antes do nascimento?Esses padrões de resposta emocional sãoconstantes e estáveis durante a vida? Saber se oestilo emocional in uencia a saúde física é umaquestão menos óbvia, mas que surgiu durante aminha pesquisa. Uma razão que me faz suspeitarde que a resposta a essa questão seja a rmativa éo fato de que as pessoas que sofrem de depressãoclínica são muito mais suscetíveis a determinadasdoenças físicas, como ataque cardíaco e asma, que

aquelas que não têm histórico de depressão. Apergunta mais fundamental talvez seja: de quemaneira o cérebro produz os diferentes estilosemocionais? Eles estão inscritos sicamente emnossos circuitos neurais, ou existe algo quepossamos fazer para mudá-los e, assim, alterar aforma como lidamos com os prazeres e aseventualidades da vida? E, se formos capazes demodi car nosso estilo emocional (no Capítulo 11,irei sugerir alguns métodos para fazer isso), essatransformação também produzirá mudançasmensuráveis no cérebro?

AS SEIS DIMENSÕES

Para não criar suspense – e no intuito deespeci car o que quero dizer com “estiloemocional” –, vou esmiuçar o conceito. O estiloemocional tem seis dimensões, mas a existênciadelas não me ocorreu de um dia para outro, nemfoi algo que surgiu logo no início da minhapesquisa, muito menos resulta da decisão de queseis é um número bacana. As seis dimensõessurgiram de estudos sistemáticos sobre as basesneurais das emoções e têm, cada uma delas, umamarca neural especí ca e identi cável – um bomsinal de que são dimensões reais, não apenasconstrutos teóricos. É aceitável pensar queexistam mais de seis, embora seja improvável: osprincipais circuitos emocionais no cérebro jáestão bem compreendidos e, se acreditarmos queos únicos aspectos das emoções que possuemvalidade cientí ca são aqueles que podem serassociados a eventos no cérebro, então as seis

dimensões descrevem completamente o estiloemocional.

Cada dimensão representa uma série contínua.Algumas pessoas se encontram em um dosextremos da série, ao passo que outras estão nomeio. A combinação dos pontos em que nosencontramos nas seis dimensões dá origem anosso estilo emocional geral.

O seu estilo de Resiliência: você geralmenteconsegue superar as adversidades ou sofre umcolapso? Quando depara com uma di culdadeemocional, encontra tenacidade e determinaçãopara seguir em frente ou se sente tão indefesoque simplesmente se rende? Se discute com seuparceiro/a, isso estraga o resto de seu dia ou vocêconsegue se recuperar com rapidez e deixar odesentendimento para trás? Quando éderrubado, consegue car em pé e entrar outravez no ringue da vida ou afunda num poço dedepressão e resignação? Você reage aos

problemas com energia e determinação ou apenasdesiste? As pessoas que estão em um extremodesta dimensão têm recuperação rápida diantedas adversidades. As que cam no extremooposto têm recuperação lenta, pois se deixamimobilizar pelas adversidades.

O seu estilo de Atitude: você di cilmente deixaque as nuvens emocionais ofusquem sua visãoluminosa da vida? Mantém alto seu nível deenergia e empenho mesmo quando as coisas nãosaem como desejado? Ou tende à descrença e aopessimismo, pois acha difícil enxergar qualqueraspecto positivo? As pessoas em um extremo doespectro da Atitude podem ser descritas comotipos positivos. As que estão no outro extremo,como tipos negativos.

O seu estilo de Intuição Social: você consegueinterpretar a linguagem corporal e o tom de vozdas pessoas como quem lê um livro, deduzindo seelas querem conversar ou car sozinhas, se estão

estressadas ou tranquilas? Ou você se senteintrigado – ou até mesmo cego – diante dos sinaisque indicam os estados mentais e emocionais daspessoas? Os que cam em um extremo desseespectro são os tipos socialmente intuitivos. Osque cam no outro são os tipos socialmentedesnorteados.

O seu estilo de Autopercepção: você temconsciência dos próprios pensamentos esentimentos e está ligado nas mensagens que seucorpo lhe envia? Ou atua e reage sem saber porque faz o que faz, pois sua mente consciente temdi culdade em enxergar seu eu interior? Aspessoas próximas perguntam por que você nuncaexercita a introspecção e dizem que você pareceinconsciente do fato de estar ansioso, ciumento,impaciente ou se sentindo ameaçado? Em umextremo desse espectro estão as pessoasautoconscientes. No outro, as que não conhecema si mesmas.

O seu estilo de Sensibilidade ao Contexto:você consegue captar as regras convencionais deinteração social, de modo que não conta ao chefea mesma piada obscena que contou ao cônjugenem dá uma cantada em alguém durante umfuneral? Ou ca perplexo quando as pessoas lhedizem que seu comportamento é inadequado? Sevocê estiver em um extremo do estilo deSensibilidade ao Contexto, será uma pessoaantenada. Se estiver no outro, será desligada.

O seu estilo de Atenção: você consegue ltrardistrações emocionais e se manter concentrado?Fica tão ligado no seu videogame que nãopercebe que o cachorro está chorando porquequer sair, até que ele acaba fazendo asnecessidades no chão da sala? Ou seuspensamentos saltam da tarefa que está fazendopara a briga que teve com seu cônjuge pelamanhã, ou para a ansiedade que sente por causade uma apresentação que terá que fazer no

trabalho? Em um extremo do espectro estão aspessoas concentradas. No outro, asdesconcentradas.

Todos temos elementos de cada uma dessasdimensões do estilo emocional. Pense nas seisdimensões como ingredientes da receita de suaconstituição emocional. Talvez você tenha umacolher de sopa do estilo concentrado, uma pitadado per l antenado e não tanta autopercepçãoquanto gostaria. Você pode ter uma atitude tãopositiva que ela ofusque todo o resto, embora aausência de resiliência e o fato de cardesnorteado em situações sociais se manifestecom frequência. Você é o produto de diferentesquantidades desses seis componentes. Porexistirem tantas maneiras de combinar as seisdimensões, existem incontáveis estilosemocionais, e por isso cada pessoa tem um estiloúnico.

EXCEÇÕES

Descobri as seis dimensões do estilo emocionalpor acaso, enquanto fazia pesquisas sobreneurociência afetiva, o estudo das bases cerebraisdas emoções humanas. Não foi como se eusimplesmente decidissse que iria conceberdiferentes estilos emocionais e então conduzissealguns estudos que pudessem con rmar suaexistência. Em vez disso, desde o início da minhacarreira, como vou explicar com mais detalhes nopróximo capítulo, percebi que eu estava fascinadopela existência de diferenças individuais.

Mesmo que você seja um leitor habitual ecuidadoso de temas cientí cos, em especial dosrelacionados com a psicologia e a neurociência, éprovável que não tenha notado que a conclusãode quase todo estudo se aplica apenas à média ouà maioria dos indivíduos analisados. O estudotalvez tenha chegado à conclusão de que terescolhas em excesso impede a tomada de

decisões, ou que as pessoas baseiam seusjulgamentos éticos mais nas emoções que narazão. Ele pode ter concluído que quandolavamos as mãos nos sentimos menosdesconfortáveis diante da ideia de cometer umato antiético ou de pensar em algo imoral, ou quegeralmente preferimos candidatos políticos deestatura mais alta. O que você raramente lê é quea resposta média integra uma ampla gama depossíveis respostas, como o “peso médio” dosadultos de certo bairro. Quando nosconcentramos apenas na média, corremos o riscode ignorar alguns fenômenos muito interessantes:os extremos. Neste exemplo simples, os extremosseriam as pessoas perigosamente obesas ouanoréxicas, de cuja existência nem sequersuspeitaríamos se soubéssemos apenas que o pesomédio é de, digamos, 70 quilos.

O mesmo vale para o comportamentopsicológico e as reações emocionais. Quase

sempre existem exceções, como alguém que nãojulga os membros do próprio grupo étnico deforma mais caridosa, em comparação com umestrangeiro, ou que não segue a ordem de aplicarum choque elétrico em uma pessoa que esteja emoutra sala simplesmente porque lhe dissseram queisso iria ajudá-la a aprender melhor. As exceçõessempre me atraíram, pois não tenho dúvida deque a pesquisa sobre o comportamento, opensamento e as emoções humanas precisa lidarcom as diferenças individuais. Além disso,concluí, muito tempo atrás, que são justamenteessas diferenças individuais a característica maisnotável das emoções.

Fiquei convencido disso logo no início. Minhaepifania veio com a descoberta casual de que onível de atividade no córtex pré-frontal dediferentes pessoas varia numa escala de até 30vezes. Essa atividade é associada à alegria, aomedo, ao nojo, à ansiedade e ao retraimento.

Desde então, minha pesquisa esteve focada nasdiferenças individuais, o que me levou aoconceito do estilo emocional e das dimensões queo constituem.

Todos reagimos de diferentes maneiras aestímulos emocionais, por isso uma referênciagenérica “à maioria das pessoas” ou “à pessoanormal” é totalmente inadequada. Eu sentia que,se compreendêssemos a natureza dessasvariações, todos estaríamos mais capacitados paraseguir o clássico imperativo “Conhece-te a timesmo”.

Além disso, essa compreensão teria outrasconsequências no mundo real. O estudo dasvariações nas reações emocionais nos permitiriaprever quem poderia ser vulnerável a umadoença mental ou até mesmo a um nível deansiedade e tristeza que não chegue a serde nido como doença, e quem demonstrariaresiliência diante das adversidades.

A MENTE A PARTIR DO CÉREBRO

É fundamental compreender que cadadimensão do estilo emocional está associada aum padrão especí co de atividade cerebral. Osexames de imagem do cérebro mostram que essasdimensões não foram escolhidas ao acaso. Naverdade, elas estão relacionadas com umaatividade biológica mensurável, que ocorresobretudo no córtex e no sistema límbico,mostrados na figura a seguir:

Durante muito tempo se pensou que o sistemalímbico — que inclui a amígdala cerebelosa e oestriado — fosse a sede cerebral das emoções. Noentanto, o córtex também determina nossos estadose humores emocionais.

Acredito que a compreensão das bases neurais

das seis dimensões do estilo emocional poderádar a você a capacidade de reconhecer seu estilo

geral. Esses padrões cerebrais serão o tema doCapítulo 4, mas farei uma prévia aqui. Umaregião do córtex visual – uma grande área detecido neural situada na parte posterior docérebro – parece ter se especializado emidenti car elementos que sejam muito conhecidosde determinado grupo (humano ou não).2Assim, essa área é ativada, por exemplo, quandoum colecionador de carros clássicos examina umNash Healey 1952 e um Shelby Cobra 1963 ouquando examinamos um rosto, já que todossomos especialistas em sionomia. Na verdade,esse giro fusiforme3 era inicialmente chamado deárea facial fusiforme, pois os cientistas pensavamque ele processasse apenas rostos, e não qualquerexemplar de algo que a pessoa conhecesse bem. Ofato é que aqueles que são incapazes de perceberas emoções dos outros – como as crianças que seencontram no espectro autista e outras pessoasque estão no extremo Desligado da dimensão

Sensibilidade ao Contexto – têm uma atividademuito baixa no giro fusiforme. Como descrevereino Capítulo 7, já descobrimos a causa para isso e,portanto, sabemos o que podemos fazer paramodi car os estímulos cerebrais de modo aaumentar a atividade do giro fusiforme eempurrar, assim, uma pessoa para o ladoAntenado da dimensão Sensibilidade aoContexto.

Nas palestras e aulas que dou, explico que todostemos diferentes estilos emocionais e que eles secorrelacionam a padrões especí cos de atividadecerebral. As pessoas, no entanto, costumampresumir que o estilo emocional seja algo xo,com prováveis raízes genéticas. De fato, durantedécadas os neurocientistas presumiram que océrebro adulto tivesse forma e funçãoessencialmente xas. Entretanto, sabemos hojeque esse conceito de um cérebro estático eimutável está errado. Na verdade, ele tem uma

propriedade chamada neuroplasticidade: acapacidade de modi car sua estrutura e suafunção de maneira considerável. Essa mudançapode ocorrer em resposta às nossas experiências eaos nossos pensamentos. O cérebro de virtuosesdo violino,4 por exemplo, tem um aumentomensurável de tamanho e atividade nas áreasque controlam os dedos, e o dos taxistas deLondres,5 que aprendem a dirigir naquela tramade ruas absurdamente complicada, demonstra umcrescimento considerável no hipocampo, umaregião associada ao contexto e à memóriaespacial. Tocar piano e entender o mapa de umacidade são exemplos de experiências sensoriais ede aprendizado intensas e repetitivas, vindas domundo externo.

Mas o cérebro também pode mudar emresposta a mensagens geradas internamente – emoutras palavras, em consequência de nossospensamentos e intenções. Essas mudanças

incluem a alteração da função de áreas cerebrais,a expansão ou a contração do território neuraldedicado a tarefas especí cas, o fortalecimento ouo enfraquecimento de conexões entre diferentesregiões cerebrais, o aumento ou a diminuição donível de atividade em circuitos cerebraisespecí cos e a modulação dos mensageirosneuroquímicos que continuamente atravessam océrebro.

Meu exemplo preferido de como um “mero”pensamento pode modi car o cérebro demaneiras fundamentais é um experimento quevou chamar de estudo de piano virtual. Um grupode cientistas liderado por Alvaro Pascual-Leone,6da Universidade de Harvard, pediu que metadede um grupo de voluntários aprendesse a tocaruma música simples no teclado, usando os cincodedos da mão direita, e que a praticasserepetidamente durante uma semana. Os cientistasentão zeram exames de imagem do cérebro para

determinar o tamanho da área do córtex motorresponsável por mover esses dedos e descobriramque a prática intensa havia expandido a região.Isso não foi uma grande surpresa, pois outrosexperimentos já tinham constatado essa expansãoapós o aprendizado de movimentos especí cos.No entanto, os cientistas pediram que a outrametade do grupo de voluntários apenasimaginasse estar tocando as notas, sem de fatousar as teclas. Em seguida mediram o córtexmotor para veri car se ele havia sofrido algumamodi cação. E descobriram que sim: a regiãocerebral que controla os dedos da mão direita seexpandira nos pianistas virtuais de formasemelhante à veri cada nos voluntários querealmente tocaram o piano. O pensamento, enada mais que ele, tinha aumentado a área docórtex motor dedicada àquela função específica.

Tendo em vista que o estilo emocional é oproduto de todas essas funções cerebrais –

conexões, circuitos, relações estrutura/função eneuroquímica –, a dedução é inegável: já que océrebro contém as bases físicas do estiloemocional e que esse órgão pode sofrermudanças fundamentais, o estilo emocional podemudar. Nosso estilo emocional resulta doscircuitos cerebrais criados, no início da vida, pelosgenes que herdamos de nossos pais e pelasexperiências que vivemos. Mas esse circuito nãonecessariamente se mantém. Embora o estiloemocional costume permanecer bastante estávelao longo do tempo, pode ser alterado porexperiências casuais e também por um esforçoconsciente e intencional em algum momento davida, pelo cultivo deliberado de qualidades ou dehábitos mentais específicos.

Não estou dizendo que seja teoricamentepossível modi car nossa posição em uma dassequências do estilo emocional, nem que essamudança seja possível em princípio. Em minha

pesquisa, descobri, isso sim, maneiras práticas eefetivas de fazer isso. Vou explicar maisdetalhadamente no Capítulo 11, mas, por ora,basta dizer que podemos modi car nosso estiloemocional para melhorar nossa resiliência,intuição social, sensibilidade aos estadosemocionais e siológicos internos, nossosmecanismos para lidar com certas situações, nossaatenção e sensação de bem-estar. Oimpressionante é o fato de conseguirmosmodi car nosso próprio cérebro usando apenas aatividade mental. Da meditação à terapiacognitivo-comportamental, a atividade mental écapaz de alterar as funções cerebrais de circuitosespecí cos, fazendo com que nos tornemos maisatentos aos sinais sociais, mais sensíveis a nossossentimentos e sensações corporais e adotemos,portanto, uma atitude consistentemente maispositiva. Em suma, o treinamento mental nospermite alterar os padrões de atividade e a

própria estrutura de nosso cérebro, fazendo-nosmodi car nosso estilo emocional e levar uma vidamelhor. Acredito que essa seja a etapa maiselevada na interação mente-corpo.

VOCÊ É PERFEITO: AGORA MUDE

Não existe um per l ideal nem uma posiçãopreferível entre os seis estilos emocionais, muitomenos em todos eles. A civilização não poderia

orescer sem diferentes tipos emocionais,inclusive os extremos. Por exemplo: contadorescujo córtex pré-frontal e o estriado lhes permitemexaminar declarações de imposto de rendaenquanto bloqueiam, sem esforço, distraçõesenviadas pelos centros emocionais do cérebro, ougênios da tecnologia que preferem trabalhar commáquinas a lidar com pessoas porque o circuitoresponsável por sua cognição social apresentabaixa atividade, o que faz com que eles não deemimportância às interações sociais. Embora asociedade rotule o contador de “obsessivo” e oprogramador de “fóbico social”, o mundo seriaum lugar bem menos interessante sem eles.Precisamos de todos os tipos.

Dito isso, não sou dos que defendem e

acreditam que todos os estilos psicológicos sãoidênticos e igualmente desejáveis. Você talveztenha notado, nas descrições das seis dimensõesdo estilo emocional, que alguns extremos parecemquase disfuncionais, como quando uma completafalta de resiliência faz com que uma pessoademore tanto a se recuperar das adversidades quecorra o risco de entrar em depressão. Mesmoquando nosso estilo emocional não nos tornavulneráveis a uma doença mental, não podemosnegar que, ao menos na cultura ocidental doséculo XXI, alguns estilos di cultam a atuaçãodas pessoas como membros produtivos dasociedade, a formação de relações signi cativas ea conquista do bem-estar. Pode haver situaçõesnas quais seja desejável ser socialmentedesnorteado, em vez de intuitivo, ou aindaautoignorante na dimensão Autopercepção edesligado na dimensão Sensibilidade aoContexto. Basta dizer que algumas das melhores

obras de arte e das descobertas maismonumentais da matemática e da ciênciasurgiram das mentes torturadas de desajustadossociais. Porém, com as raras exceções dosTolstóis, Hemingways e Van Goghs, ésimplesmente mais difícil levar uma vidasigni cativa e produtiva com alguns estilosemocionais do que com outros.

Na minha opinião, esse é o teste maisimportante. Não deixe ninguém lhe dizer quevocê precisa ser, por exemplo, mais socialmenteintuitivo ou mais concentrado. Mas pode ser quevocê queira considerar a questão se for seucônjuge que zer uma sugestão como esta. Vocêsó deve realmente fazer o esforço de mudar se oseu estilo emocional interferir em sua vida diáriae limitar sua felicidade, se o impedir de atingirseus objetivos ou lhe causar sofrimento. Noentanto, se decidir mudar, minha pesquisa temdemonstrado que existem maneiras especí cas e

e cazes de fazer isso, existem formas de treinar amente para modi car os padrões de atividadecerebral, permitindo que você se aproxime doponto em que deseja estar nas dimensões deestilo emocional.

Mas já estou me adiantando. Em primeirolugar, vou falar de como tive os primeirosvislumbres daquilo que passaria a ser chamado deestilo emocional.

D

C A P Í T U L O 2

A DESCOBERTA DO

ESTILO EMOCIONAL

izer que o estudo das emoções não eramuito popular quando comecei meu trabalho

de pós-graduação no departamento de psicologiada Universidade de Harvard, em 1972, seriacomo dizer que o Saara é um pouquinho seco.Praticamente nenhum cientista abordava essaquestão. Uma das razões para isso era o fato deque a década de 1970 marcou o desenvolvimentoda psicologia cognitiva, um termo cunhado em1965. Esse ramo da psicologia estuda o modocomo as pessoas elaboram suas percepções elembranças, resolvem seus problemas, falam, eassim por diante, levando muito a sério a

metáfora de que a mente humana é como umcomputador. Os computadores, naturalmente,fazem seus cálculos sem nenhuma emoção, porisso os psicólogos cognitivos da épocaconsideravam as emoções nada mais que umaeletricidade estática que interferia nos processosmentais que eles queriam compreender.

Alguns dos pesquisadores mais notáveisdeclaravam1 que as emoções abalam as funçõescognitivas. Entre os psicólogos cognitivos, a visãomais benevolente sobre as emoções era a de queelas são uma espécie de “interrupção”: ocorrempara que o organismo preste atenção em algumainformação fundamental e altere seucomportamento. De acordo com esse ponto devista, sentimos medo ao defrontarmos uma cobraporque essa emoção faz com que nosconcentremos na ameaça para fugirmos o maisrápido possível. Sentimos tristeza quando alguémque amamos se machuca porque isso nos leva a

interromper o que estamos fazendo e a cuidar dasnecessidades da pessoa. Ficamos com raivaquando alguém nos insulta porque essesentimento nos leva a nos concentrar no inimigo ea nos defender. Esse ponto de vista contrapunhaas emoções à cognição, caracterizando-as comouma força perturbadora, ainda queocasionalmente útil. No entanto, de modo geral,não havia muito espaço para as emoções noscálculos frios e duros da psicologia cognitiva, queas enxergava com grande descon ança. Existiaum desdém arrogante diante do fato de aquelaescória mental ocupar o mesmo cérebro que geraa cognição. A noção de que as emoçõespudessem ser bené cas, ou de que tivessem outrafunção que não a de interromper ocomportamento, confrontava a ideia de que asemoções fossem meras distrações ouperturbações mentais.

Quase todas as pesquisas sobre o cérebro e as

emoções feitas nessa época usavam ratos delaboratório. Os estudos mostravam que o medo, acuriosidade, o “comportamento de aproximação”– no qual um animal é atraído, por exemplo, pelacomida ou por um parceiro sexual, que éconsiderado o análogo mais próximo da emoçãohumana de felicidade ou desejo – e a ansiedadese relacionam com a atividade na região límbicado cérebro, em especial o hipotálamo. Essapequena estrutura se situa logo acima do troncocerebral e envia sinais para que o corpo geremuitas das mudanças viscerais e hormonais quegeralmente acompanham as emoções. Em umestudo típico, o pesquisador destruía certa partedo hipotálamo de um rato e observava que oanimal já não mostrava nenhuma resposta demedo ao ver um gato, por exemplo. A destruiçãode outra parte dessa estrutura fazia o rato perdercompletamente o interesse pelo sexo ou pelacomida ou deixar de brigar com outros animais.

Acreditava-se que todos esses comportamentosprecisassem de alguma espécie de motivação doanimal – daí a dedução de que o hipotálamo sejaa fonte da motivação e, por ser a motivaçãoconsiderada uma emoção, talvez de outrasemoções (posteriormente, os cientistasdescobririam que o hipotálamo na verdade nãoestá diretamente envolvido na geração damotivação, mas é apenas uma estaçãointermediária para sinais originados em outraspartes do cérebro).

Por se situar abaixo do córtex, a parte maisrecente do cérebro em termos evolutivos, ohipotálamo era visto com certo desprezo. Chamoesse fenômeno de esnobismo cortical: se umafunção surge da atividade de qualquer região quenão seja o glorioso córtex, deverá ser primitiva e,de alguma forma, opor-se à cognição. Esse modode pensar gerou um grande debate na psicologia,que atingiu seu ápice na década de 1980: a

cognição e as emoções eram postas emcontraposição, vistas como sistemas mentais ecerebrais separados e antagônicos.

Além da crença de que as emoções nãodesempenham nenhuma função na máquina depensar que é a mente humana, outro obstáculopara o estudo das emoções naquela época era ofato de que a psicologia acabava de emergir danoite longa e escura durante a qual observamos ahegemonia do behaviorismo, a escola depensamento que enfatiza apenas ocomportamento externo e não vê problemas emignorar todo o resto. O comportamento emocionalé um objeto de estudo legítimo para osbehavioristas, mas, como as emoções em si sãointernas, eles as consideram suspeitas, nãodevendo ser alçadas ao patamar de fenômenospsicológicos “reais”. Com isso, as únicas pesquisassigni cativas sobre as emoções humanas estavamcentradas nas observações que Charles Darwin

zera em meados do século XIX. Apesar de sermais famoso por sua descoberta da seleçãonatural como a força motriz da evolução, Darwintambém se interessou por estudar as emoçõeshumanas e animais,2 investigando, em particular,as expressões faciais que indicam o que alguémestá sentindo. Na década de 1970, algunspsicólogos continuaram essa tradição,3 separandoas expressões faciais em seus menorescomponentes possíveis – os músculos especí cosque formam um sorriso, um olhar carrancudo ouqualquer outra expressão. As expressões faciaiseram ao menos um comportamento observável,por isso constituíam objeto de estudo legítimopara o paradigma behaviorista. No entanto, éinteressante notar que o trabalho sobre expressõesfaciais não fazia referências ao cérebro, cujofuncionamento misterioso era visto, para obehaviorismo, como algo fora do alcance dapesquisa empírica rigorosa.

BONS SONHOS

Todavia, ainda nos anos 1970, eu já havianotado que os fenômenos internos, ocultos,podiam ser trazidos à luz do dia. Durante meuúltimo ano no ensino médio, no Brooklyn,trabalhei como voluntário em um laboratório dosono no Centro Médico Maimonides, que, porcoincidência, é o hospital em que nasci. Osparticipantes do estudo chegavam à noite e umdos cientistas lhes explicava que eles deveriamdormir normalmente – ou o mais normalmenteque pudessem, estando em um quarto estranho,em uma cama estranha, vendo desconhecidosentrarem e saírem e tendo dezenas de fios coladosna cabeça, como se fossem as serpentes daMedusa –, e então eles saíam para um quartoprivado. Chuck, um dos pesquisadores, colocavaeletrodos em todo o rosto e no couro cabeludo dovoluntário. Aqueles presos ao couro cabeludomonitoravam as ondas cerebrais. Os xados em

torno dos olhos detectavam os movimentosoculares rápidos que ocorrem durante os sonhos.Os eletrodos colocados em outras partes da facemediam a atividade muscular – se você observarseu companheiro durante a noite, notará que osmúsculos das bochechas, dos lábios e da testa setornam ativos durante algumas fases do sono.Chuck veri cava se o equipamento eletrônicoestava funcionando corretamente, desejava boanoite à pessoa e ligava o “polígrafo”, uma enormemáquina com 32 canetas que registravam todosos indicadores siológicos em um rolo contínuode papel que avançava cerca de três centímetrospor segundo. Era nesse ponto que eu entrava.Meu trabalho consistia em garantir que as canetasestivessem cheias de tinta e que esta uíssecorretamente. A tarefa não era tão fácil quantopode parecer: as canetas entupiam comfrequência, obrigando-me a inserir um arame

no no orifício para limpá-las. Essa foi minha

introdução à metodologia científica.Os participantes geralmente caíam no sono em

poucos minutos e os dados doeletroencefalograma (EEG) começavam a uirpara a sala de controle. Eu adorava ver a linhaagitada do EEG, que indicava que a pessoa haviaentrado no sono REM, caracterizado pelomovimento rápido dos olhos. Depois quedominei a técnica de manter as canetas em plenofuncionamento, fui recompensado com a tarefade acordar a pessoa adormecida, chamando-apelo sistema de som e lhe perguntando o que sepassava em sua mente logo antes de ter sidoacordada. Eu cava intrigado com a conexãoentre os picos e as ondulações do EEG e asimagens fantásticas e as narrativas bizarras dossonhos relatados. Embora não me recorde denenhum detalhe dos sonhos, eu me lembro muitoclaramente de car impressionado com o fato deque quase todos eles continham emoções

importantes: terror, alegria, raiva, tristeza, ciúmeou ódio. Essa experiência no laboratório do sonotambém me mostrou que, para compreendermosa mente, seria fundamental estudarmos océrebro. A mensagem era clara: processos mentaispuramente internos sem manifestações externas(ondas cerebrais e o componente emocional dossonhos) são demonstravelmente reais e podemser estudados em laboratório. Ao contrário doque diziam os behavioristas, não precisávamos deum comportamento – isto é, de uma açãoobservável por terceiros – para termos umfenômeno psicológico válido.

Essa suspeita ganhou força durante meus anoscomo aluno de graduação na Universidade deNova York, onde cursei, simultaneamente,psicologia e um programa interdisciplinarchamado Metropolitan Leadership Program, queenfatizava pequenos seminários, em vez de aulaslongas. Foi durante esses anos que aquela minha

convicção da juventude, de que a psicologiaprecisava estudar e explicar processos mentaisinternos para se tornar uma verdadeira ciência damente, colidiu com o muro da Autoridade.

Na época, o diretor do departamento depsicologia da universidade era Charles Catania,um behaviorista convicto. Ele ministrava umseminário que eu frequentava e, depois das aulas,costumávamos discutir a natureza fundamentalda psicologia. Catania argumentava que apenascomportamentos observáveis por terceirosconstituíam dados cientí cos, sendo, dessa forma,objetos válidos para o estudo da psicologia. Maseu, insolente, insistia em dizer que aquilo que osbehavioristas estudavam era apenas umfragmento da realidade psicológica. E quanto aoque as pessoas sentem, eu perguntava? Comoignorar tudo isso? E o que dizer do livro que euestava lendo para um curso de psicopatologia, que( el à linhagem behaviorista) declarava

orgulhosamente que os transtornos psiquiátricoseram consequências de reforços errôneos? Emoutras palavras, o livro dizia que doenças mentaisgraves, como a depressão, o transtorno bipolar e aesquizofrenia, eram causadas por recompensas epunições aberrantes, a rmando que as pessoasque escutam vozes, que vivem em umamontanha-russa emocional ou sentem umdesespero tão grande a ponto de pensarem em sesuicidar agem assim por terem sidorecompensadas por esse tipo de comportamento,ou porque foram punidas por ser “normais”. Esseargumento, dizia eu a Catania, além de sermoralmente deplorável, ignora a biologia e,especi camente, o cérebro! É claro que nãoconsegui convencer Catania a abandonar obehaviorismo e larguei o curso de psicopatologiadepois da primeira semana. Mas aquelasdiscussões ajudaram a moldar meu foco e meconvenceram de que a pesquisa em psicologia

poderia descobrir algo mais profundo que osimples comportamento evidente.

Até então, o que a ciência tinha descobertosobre a vida interna da mente era, por assimdizer, pouco impressionante, como percebi aopesquisar para um trabalho sobre a personalidadedurante uma disciplina da graduação. Essa foiminha primeira exposição à literatura cientí caexistente sobre as emoções. A maior parte dosestudos era feita por psicólogos sociais quea rmavam que as emoções eram formadas pordois constituintes fundamentais.4 O primeiro eraa ativação siológica – por exemplo, a velocidadecom que nosso coração bate quando estamos commedo ou quanto nosso rosto ca vermelhoquando estamos com raiva. A ativação siológicasupostamente gera o componente energético dasemoções, determinando se estamos levementeirritados ou furiosos a ponto de procurar a pistolamais próxima, se sentimos uma leve inveja ou um

ciúme doentio. O segundo constituinte dasemoções nesse esquema primitivo era a avaliaçãocognitiva. Como o próprio nome indica, esse é oprocesso de observar nosso coração acelerado ourosto vermelho e pensar: Ah, acho que devo estarcom medo (ou com raiva). A ideia era que aativação siológica era inde nida eindiferenciada – a sensação de estarmos alegres éigual à de estarmos com raiva, surpresos, commedo ou cheios de ciúme. É apenas ainterpretação cognitiva dessa ativação que nosmostra o que de fato estamos sentindo.

Dessa maneira, é fácil vermos quanto essemodelo é ridículo. A ideia de que não existenenhuma diferença psicológica qualitativa entreas emoções, de que não há diferença na sensaçãode estarmos alegres, ou com raiva, ou tristes, ouenciumados, ou seja, a noção de que o quedistingue uma emoção da outra sejam apenas asinterpretações cognitivas ou os pensamentos que

as pessoas têm sobre sua ativação interna,parecia-me errada, tanto pessoal quantocienti camente considerada. Fiquei tãoinsatisfeito com esse modelo que passei ainvestigar se os psicólogos sempre haviampensado dessa maneira. Comecei lendo o capítulode William James sobre as emoções em seu livroseminal de 1890, Os princípios da psicologia, quetinha dois volumes. James propunha que asemoções eram a percepção de mudançascorporais. Em seu modelo, o medo, por exemplo,surge fundamentalmente da percepção de quenosso coração está batendo mais rápido e/ou deque camos paralisados, incapazes de nos mover.As mudanças corporais internas são provocadaspelo ambiente – neste exemplo, uma gurasombria em uma porta à nossa frente – e aemoção consiste na percepção das mudançascorporais. Assim, para James, as diferentesemoções possuem marcas psicológicas distintas e

portanto não poderiam ser apenas a ativaçãosiológica indiferenciada, como alegava o modelo

predominante na década de 1970.Outra inspiração para meu interesse cada vez

maior pela ciência das emoções foi a empolgaçãoque senti ao descobrir que em 1872 Darwin haviaescrito um livro inteiro sobre as emoções,intitulado A expressão das emoções no homem enos animais. Enfatizando os sinais distintivos dasemoções, particularmente as expressões faciais,Darwin reforçou minhas ideias hesitantes de queas diferentes emoções deviam estar associadas aper s psicológicos distintos. Depois de lerDarwin, convenci-me de três coisas: de que asemoções são fundamentais para entendermos asimportantes qualidades da existência humana, deque a abordagem do estudo das emoçõesdominante na psicologia humana tinha sériasfalhas e de que o cérebro, de alguma forma, tinhaque ser o foco de qualquer estudo sobre as

emoções. Eu acreditava que seria impossívelcompreendermos a mente por completo sem umtotal entendimento das emoções. Se a ciência nãoconseguisse desvendar as emoções, jamaisconseguiria conhecer a personalidade e otemperamento humanos, as doenças como otranstorno de ansiedade e a depressão e(possivelmente) a cognição. Também tive certezade que a chave para os maravilhosos mistérios dasemoções humanas estava no cérebro.

Apesar da minha heresia, a Universidade deNova York me concedeu um diploma empsicologia. Eu queria cursar a pós-graduação, masminha insistência em trazer o cérebro para oestudo das emoções di cultava o processo deencontrar um bom lugar em que estudar. Eu mesenti atraído pela Universidade de Stanford e fuivisitá-la. Lá, conheci o professor de psicologiaErnest “Jack” Hilgard, um personagem famoso efascinante que deixara sua marca com

contribuições para a teoria do aprendizado e,posteriormente, para a hipnose – em especial parao modo como ela pode ser usada para controlar ador. Fiquei fascinado com a possibilidade deestudar com Hilgard, mas ele me sugeriu que eunão escolhesse Stanford: fui alertado de que nãohavia ninguém no departamento de psicologiaque zesse pesquisa biológica em humanos.Cheguei a me candidatar ao Centro de Pós-Graduação da Universidade da Cidade de NovaYork, e acho que teria cado bastante satisfeito,mas também me candidatei a Harvard.

Durante o processo de entrevistas em Harvard,tive uma ótima discussão com Gary Schwartz, queestudava psicologia siológica. Estávamoschegando mais perto do cérebro: a parte“ siológica” daquela disciplina se referia à massacinzenta. Também tive uma entrevista com oprofessor de psicologia David McClelland, diretordo Centro de Estudos da Personalidade, que

apoiara a pesquisa feita por um membro maisjovem do corpo docente chamado Richard Alpert.O estudo envolvia dar drogas psicodélicas, comoa psilocibina, a alunos de graduação. TimothyLeary, famoso por seu envolvimento com o LSD,era o colega de Alpert na pesquisa, que auniversidade acabou desaprovando, sobretudoporque Alpert também tomava a droga comfrequência, o que, segundo seus críticos, faziacom que ele tivesse di culdades em observar demaneira objetiva seus efeitos nos voluntários, etambém porque dois alunos acabaram internadosnum hospital psiquiátrico. Em 1963, auniversidade demitiu Alpert, que mudou seunome para Ram Dass.

Eu tinha uma vaga noção de tudo isso, o queaumentou ainda mais minha curiosidade sobreMcClelland e me deu coragem para tocar em umtema que, se mencionado para qualquer outropesquisador eminente em psicologia, poderia ter

destruído as minhas chances de ser aceito. Euhavia lido recentemente a autobiogra a de CarlJung, Memórias, sonhos, re exões, e cara muitoimpressionado com o livro. Sabia que as correntespredominantes da psicologia desprezavam Jungpor suas ideias incomuns sobre, por exemplo, oinconsciente coletivo e a teoria dos arquétipos.Ainda assim, achava que algumas de suasobservações eram muito perspicazes, em especialas que tratavam das diferenças individuais. Jungfoi de fato o primeiro psicólogo a discutir aintroversão e a extroversão como traços e aespecular sobre as diferenças psicológicas e

siológicas entre pessoas de cada tipo. De algumaforma, durante a minha conversa comMcClelland, acabamos discutindo Jung. Fiqueimuito impressionado ao constatar que aqueleeminente professor de psicologia de Harvardestava aberto a tais ideias, o que reforçou minhaintuição de que aquela universidade seria o lugar

certo para mim. E lá fui eu, determinado a medebruçar sobre a pesquisa a respeito do cérebro edas emoções.

EM HARVARD

Quando entrei para a pós-graduação e disse ameu orientador, Gary Schwartz, que pretendiaestudar as bases cerebrais das emoções, ele semostrou cético. Como a maioria dospesquisadores de psicologia da época, Gary nãosabia muito sobre a fisiologia cerebral – até então,ele jamais zera um EEG, que mede a atividadeelétrica do cérebro. Para mim, era muito estranhoque a cultura predominante na pesquisapsicológica – e Harvard era o epítome dessacultura, que, na época, signi cava behaviorismo –tivesse tão pouco interesse em saber de que formao cérebro gera as emoções. A nal, a menos quealguém descobrisse, digamos, que o apêndiceproduz e processa as emoções, o cérebro é oórgão a ser estudado. Ainda assim, as ín maspesquisas psicológicas sobre as emoçõesconduzidas na época se pautavam no estudo dasexpressões faciais – behaviorismo clássico! – ou

em questionários, e, para mim, nenhum dos doiscaminhos nos levaria à base essencial dasemoções. Por incrível que pareça, o cérebrojamais era mencionado. A falta de interesse doscientistas acadêmicos pelo papel do cérebro emdar origem às emoções me parecia estranhíssima:era como entrar em um departamento denefrologia e descobrir que eles não tinhamnenhum interesse pelos rins. Tudo aquilo eraainda mais estranho se considerássemos queWilliam James, considerado o fundador daciência da psicologia, explica, no prefácio de Osprincípios da psicologia, que o cérebro é o órgãoresponsável por todas as operações mentais. Elefaz então a a rmação inusitada de que o restantedo livro não passa de uma nota de rodapé para aa rmação anterior. Os pesquisadores depsicologia de Harvard, ao que parecia, nãotinham lido aquela parte.

Tive contato direto com o paradigma

behaviorista que dominava o departamento depsicologia de Harvard certo dia quando, duranteminha primeira semana como estudante da pós-graduação, entrei em um elevador e dei de caracom B. F. Skinner, o fundador do behaviorismo.Um tanto aturdido, apertei o botão para o meuandar e percebi imediatamente que tinha meenganado. “Mudei de ideia”, murmurei, e aperteio botão para outro andar. Ao que Skinner disse:“Meu lho, você não mudou de ideia; mudou decomportamento.”

Ainda assim, havia um raio de esperança dentroda falta de interesse da psicologia pelas basescerebrais das emoções. Quando cheguei à pós-graduação, decidido a estudar o papel do cérebrona vida emocional das pessoas, o volume deliteratura cientí ca sobre o tema não era, porassim dizer, muito intimidante. Ao contrário doque ocorre com muitos estudantes de pós-graduação, que têm di culdades em encontrar

um tema original para suas teses, eu não teriaesse problema. Tive a rara oportunidade dede nir minha própria área de estudo e nenhumaautoridade poderia me criticar por deixar deaderir ao paradigma predominante, pois nãohavia nenhum paradigma para as bases neuraisdas emoções. O desa o era justamente o oposto:o que escolher entre aquela abundância dequestões não respondidas – nem sequerestudadas – sobre como funcionam as emoções?

Havia duas fontes que eu poderia consultar. Aprimeira eram as pesquisas feitas em animais.Nesses estudos, os cientistas destruíam ouestimulavam (com eletrodos implantados)seletivamente algumas regiões do cérebro nointuito de veri car quais áreas se correlacionavama quais emoções (ou pelo que passa por umaemoção num animal: nós achamos que sabemosquando um animal está expressando medo, raivaou contentamento e presumimos que ele está

sentindo a emoção de uma forma minimamentesemelhante a um ser humano). A maioria dessesestudos, feitos pela primeira vez no século XIX,enfocava a função do hipotálamo, comomencionei anteriormente.

A segunda fonte de conhecimentos sobre asemoções vinha do estudo de pacientes quehaviam sofrido lesões em regiões especí cas docérebro, causadoras de grandes estragos em suavida emocional. O exemplo mais famoso talvezfosse o de Phineas Gage,5 que trabalhava comocapataz, supervisionando uma equipe detrabalhadores na Ferrovia Rutland andBurlington, perto de Cavendish, Vermont, em1848. Para limpar a área por onde passaria aferrovia, a equipe perfurava orifícios em grandesrochas que precisavam ser removidas, enchia-oscom dinamite, inseria um pavio e usava umabarra de ferro para socar areia no buraco,tapando-o, de modo que a força da explosão

fosse dirigida para o interior da rocha.Infelizmente, enquanto Gage socava areia com abarra, uma faísca detonou a dinamite. A explosãoresultante fez com que a barra de ferro, quepesava seis quilos e tinha um metro decomprimento, atravessasse o crânio de Gage,penetrando abaixo da maçã do rosto no ladoesquerdo e saindo pelo alto da cabeça, vindo acair a 30 metros de distância.

Embora a barra tenha perfurado os lobosfrontais, Gage não só sobreviveu como também,depois de sofrer convulsões por um minuto, sesentou e pediu aos funcionários que trouxessem ocaderno que ele usava para registrar as horas detrabalho da equipe. Gage ainda conseguiucaminhar até um carro de boi que o levou à suapensão. Lá, um médico local cuidou de suasferidas, removendo pedaços de osso ereconstruindo a região do crânio que a barra deferro atravessara. Gage pareceu se recuperar, mas

sua sobrevivência logo revelou um revés sombrio.Sua mulher e seus amigos começaram a notar quePhineas, que antes era um homem dócil,con ável, modesto e equilibrado, tornara-seinstável e destemperado: sofria surtos de fúriadurante os quais gritava muitos palavrões, e semostrava “profundamente obstinado, apesar devolúvel e vacilante”, como escreveu seu médico.Gage, que já fora “o capataz mais e ciente ecompetente”, continuou o médico, tornara-se“impaciente, avesso a quaisquer conselhos queentrassem em con ito com seus desejos (...),criando muitos planos para operações futuras queeram abandonados assim que concebidos. (...)Seus amigos e conhecidos dizem que ele ‘já não éo velho Gage’”. A razão para isso caria clara nofuturo: a região pré-frontal do cérebro, que foraperfurada pela barra, é a área dedicada aocontrole emocional, à razão, ao planejamento e aoutras funções cognitivas de alta ordem. O

cérebro de Phineas Gage deu aos neurocientistaso primeiro indício de que estruturas cerebraisespecí cas controlam funções mentais especí cas,sugerindo uma função fundamental para o córtexpré-frontal no controle das emoções.

Embora as descobertas das pesquisas comanimais e em seres humanos com disfunçõescerebrais fossem interessantes e importantes, elasnão lidavam diretamente com os mecanismoscerebrais relacionados com as emoções normaisdos seres humanos.

UM MOMENTO DE INSPIRAÇÃO

Na década de 1970 os cientistas passavammuito tempo na biblioteca, pois os periódicoscientí cos só existiam na forma impressa, e nãocomo arquivos eletrônicos que pudessem seracessados em um computador. Toda semana eu iaà Biblioteca Countway, da Faculdade deMedicina de Harvard. Passava muito tempo lá eadorava examinar revistas e xerocar centenas deartigos, devorando a literatura cientí ca. O queeu mais gostava era de descobrir ao acasomateriais interessantes, deparando com revistasque jamais teria procurado, mas que estavam ali,bem visíveis nas prateleiras, pedindo para que euas olhasse: e Anatomical Record, AmericanJournal of Physical Anthropology, Radiology... Euolhava para todas aquelas pilhas e folheavarevistas e livros publicados mais de 100 anosantes, e o cheiro bolorento me transportava para aciência de outra era.

Foi em uma das minhas perambulaçõesnoturnas pelas prateleiras da BibliotecaCountway, durante meu primeiro ano no cursode pós-graduação, que encontrei a edição deagosto de 1972 da revista Cortex. Nela, li umartigo escrito por um neurologista italianochamado Guido Gainotti, da Universidade dePerúgia.6 Ele estudava pacientes que haviamsofrido lesões no hemisfério direito ou esquerdodo cérebro, examinando como elas afetavam suasemoções. Gainotti analisava casos de “riso e choropatológicos”. Com o termo “patológico” querodizer inadequado, pois os pacientes não estavamrespondendo a situações que as demais pessoasconsiderariam engraçadas (como uma ótimapiada) ou dolorosas (como a rejeição da pessoaamada). Em vez disso, os pacientes tinham surtosde riso ou choro em momentos completamentealeatórios e muitas vezes inapropriados. Gainottidescobriu que os indivíduos que haviam sofrido

lesões – sobretudo acidentes vasculares cerebrais(AVC), conhecidos popularmente como derrames– no hemisfério esquerdo do cérebro, na regiãofrontal, apresentavam choro patológico, além dealguns dos sintomas observados em pacientes comdepressão, como a ausência de motivação e aincapacidade de de nir objetivos e perseverar atéconquistá-los. Por outro lado, aqueles com lesõesna região frontal direita sofriam de risopatológico.

Esse estudo me fascinou, pois trazia a tentadorapossibilidade de demonstrar que determinadasregiões e certos circuitos cerebrais geravamemoções especí cas. Assim que li o artigo, sentique havia encontrado uma passagem secreta paraum reino encantado. Comecei a me perguntar: seuma lesão na região frontal esquerda provocachoro patológico e sintomas de depressão, seráque essa região é responsável por algumaqualidade emocional – como o otimismo e a

resiliência – ausente em pessoas depressivas?Naquela época, a dedução não era tão óbviaquanto poderia parecer hoje, quando estamosacostumados a correlacionar funções cerebraiscom emoções e outros estados mentais. De fato,Gainotti interpretara sua descoberta de outraforma: ele achava que a lesão no hemisfériodireito interferia de alguma maneira nacompreensão do paciente sobre sua condiçãoneurológica, o que gerava emoçõesinadequadamente positivas diante de uma lesãoneurológica grave. Mas eu, um insolente aluno depós-graduação, não pensava que o cientista quedescobrira o fenômeno – o fato de que lesões emcertas áreas do cérebro causavam mudançasemocionais especí cas – merecesse nenhumadeferência especial no momento de interpretar osigni cado de sua descoberta. Assim, concentrei-me na possibilidade de que a região pré-frontalesquerda pudesse ser responsável pelas emoções

positivas e que uma lesão nessa área levasse a umestado depressivo.

ESQUERDA, DIREITA, ESQUERDA, DIREITA

Eu queria poder a rmar que essa ideia meinspirou, naquele exato momento, a traçar umplano de pesquisa experimental sobre a basecerebral das emoções humanas, mas não foi oque aconteceu. No entanto, consegui ao menossentir o gostinho da coisa, por assim dizer. Com oapoio de Gary, conduzi um experimento quecombinava, de uma forma muito primitiva, asideias de lateralidade e emoções nas quaisGainotti havia tocado. Uma das poucasobservações que os psicólogos zeram sobre alateralidade era o fato de que, quando umapessoa ouve uma pergunta que requer algumare exão, a direção em que os olhos se movemindica o hemisfério que está trabalhando paraencontrar a resposta – o situado no lado opostoàquele ao qual os olhos se dirigiram. Se o ladoesquerdo estiver trabalhando e o direito estiver àtoa (como costuma ocorrer quando a resposta

está ligada à habilidade verbal), os olhos tendema se mover para a direita. Se o lado direito forconvocado a responder (como ocorre quando aresposta requer raciocínio espacial), os olhos semovem para a esquerda. (Não deixe de tentar istoem casa. Porém faça uma pergunta cuja respostanão seja automática, mas exija algum raciocínio.Eu obtive bons resultados com “Pense em trêssinônimos para a palavra ‘teimoso’” e “Quantosvértices têm um cubo?”).

No meu experimento rudimentar, z uma sériede perguntas aos participantes, algumasdestinadas a desencadear emoções (“Quando foia última vez em que você sentiu raiva?”), outrasneutras (“O que você comeu no café damanhã?”). Enquanto eles respondiam, euregistrava em que direção seus olhos se moviam.Notei que, ao ouvirem as perguntas emocionais,os participantes olhavam para o lado esquerdocom mais frequência – o que indicava a ativação

do hemisfério direito – que ao escutarem asperguntas neutras. No entanto, meu teste incluía,por acaso, mais perguntas emocionais negativasque positivas. Assim, quando digo que osparticipantes olhavam para a esquerda emresposta às perguntas emocionais, deveria dizerque eles olhavam para a esquerda em resposta àsperguntas emocionalmente negativas. Dessaforma, eu tinha deparado com uma das primeirasindicações de que o hemisfério direito poderia sermais ativado por emoções negativas que porpositivas. Junto de Gary e de outro aluno da pós-graduação de Harvard chamado Foster Maer,publiquei o artigo na respeitada revista Science.7

Ao terminar esse estudo, cou claro que euprecisava fazer medições melhores e mais precisasda atividade cerebral localizada. Os movimentosoculares podem nos dar uma indicação bruta dohemisfério mais ativado, mas não trazeminformações sobre quais regiões estão envolvidas

em cada hemisfério. Seria difícil fazer mediçõesmais aprimoradas, pois na década de 1970existiam poucos recursos cientí cos para sondar océrebro humano de forma não invasiva, isto é,sem abrir o crânio e en ar instrumentos nocérebro. Wilder Pen eld zera famososexperimentos dessa maneira, mapeando o cérebrode pacientes submetidos a cirurgias para curar aepilepsia. Ele retirava parte do crânio, deixando océrebro à mostra, e então aplicava pequenoschoques elétricos em diferentes regiões, com oobjetivo de descobrir o que o paciente sentia oufazia. Com certa corrente elétrica, um pacienterecordava vividamente a visita de um sobrinho,vendo-o vestir o chapéu e o casaco para voltarpara casa. Quando a corrente era aplicada a outraregião, o paciente sentia como se houvessemencostado em seu antebraço direito, ou então seubraço ou sua perna se moviam de forma nãointencional, como se ele fosse uma marionete

(terei mais a dizer sobre o mapeamento cerebralde Pen eld no Capítulo 7). Uma das observaçõesmais interessantes foi que, ao estimularmos o lobotemporal anterior (uma área do córtex situadaperto da amígdala), os pacientes frequentementediziam sentir emoções.

No entanto, como eu não pretendia me tornarum neurocirurgião, a ideia de examinar o córtexem busca de locais relevantes para as emoçõesnão estava nos meus planos. Eu precisava de ummétodo menos invasivo para observar o queocorria no cérebro. Nos anos 1970, aindafaltavam décadas até a invenção da tecnologia deneuroimagem – aparelhos como a tomogra a poremissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês) e aRessonância Magnética Funcional (fMRI, na siglaem inglês) –, que gera as imagens cerebraismulticoloridas que tanto encantam o público e osneurocientistas. Assim, minha única opção seriamedir os sinais elétricos do cérebro usando

sensores no couro cabeludo, a técnica usada pararegistrar EEGs.

Você talvez pense que os sinais elétricos quecruzam o cérebro sejam tão detectáveis do ladode fora do crânio quanto os sussurros de doisladrões escondidos no cofre de um banco,quando ouvidos por um guarda que patrulhe olado de fora. No entanto, os eletrodos externosfuncionam como antenas que captam a tagareliceelétrica do cérebro – e para isso não precisamosremover nenhum pedaço do crânio. Outravantagem de colar eletrodos no crânio é o fato deque eles nos oferecem uma excelente precisãotemporal. Isto é, se um sinal elétrico do cérebrodurar apenas uma ín ma fração de segundo(mais precisamente, até 50 milissegundos, oumilésimos de segundo), o eletrodo irá detectá-lo.Como eu pensava que as emoções que pretendiainduzir nos meus voluntários seriam bastantefugazes, era fundamental ter boa precisão

temporal.Infelizmente, os estudos de neuroimagem

funcionam mais ou menos como o princípio daincerteza de Heisenberg, que diz que, sequisermos medir com precisão a localização deuma partícula, teremos que nos conformar emnão conhecer sua velocidade. Assim, sedesejarmos saber precisamente quando ocorreuum momento fugaz de atividade cerebral, nãosaberemos exatamente onde ele ocorreu (e, sequisermos saber precisamente onde ocorreu aatividade, precisaremos nos conformar em nãosaber quando ela ocorreu). Dessa forma, emboraeu pudesse saber, com precisão de poucosmilissegundos, quando meus voluntários haviamsentido uma emoção, só poderia localizar comprecisão de alguns centímetros o local do cérebroonde estavam os neurônios que haviam gerado talemoção. Alguns centímetros podem representar adiferença entre o lobo temporal e o lobo frontal.

Na verdade, para calcular, mesmo que de formaaproximada, o local em que a atividade elétrica seoriginou, precisamos de técnicas matemáticasso sticadas, que felizmente estavam sendodesenvolvidas por físicos na mesma época em queeu buscava novos métodos de medição.

O laboratório de Gary Schwartz nunca haviaadotado medidas de atividade elétrica cerebralem suas pesquisas, por isso precisamos prepararbem o terreno a m de demonstrar queconseguiríamos usar o EEG para determinar afonte de uma atividade cerebral especí ca. Assim,apresentamos estímulos visuais e táteis simples,como luzes piscantes e toques no antebraço, a 20participantes e então pedimos que elesimaginassem esses estímulos. Enquanto isso,registramos a atividade elétrica cerebral por meiode eletrodos xados no couro cabeludo. E entãoos eletrodos registraram atividade no córtexvisual8 quando os participantes imaginaram a luz

piscante, e atividade no córtex somatossensorialquando imaginaram o toque no antebraço. Seobtivéssemos qualquer resultado diferente,teríamos que recomeçar do zero.

Estávamos prontos para usar o EEG no estudodas emoções. Mas como? Sugeri a Gary quepedíssemos a alunos de graduação que evocassemdois tipos de memória emocional – tranquilidadee raiva, por exemplo – enquanto registrávamosseus batimentos cardíacos e as variações dopotencial de seu cérebro. Imaginamos que amedição dos batimentos revelaria se os alunosestavam mentindo sobre a memória que haviamevocado, pois a frequência cardíaca é mais altaquando as pessoas se lembram de uma briga feiacom o pai do que quando se lembram de ter visto

lhotes de pato em um parque. Mais uma vez, osdeuses da ciência sorriram para nós: conseguimosdiferenciar efetivamente emoções positivas denegativas usando medidas da atividade elétrica

cerebral por meio do EEG. Foi o primeiro estudopublicado no qual esse tipo de exame haviadetectado o estado emocional interior daspessoas.9Àquela altura eu já tinha assinado vários textos

de peso, entre eles um que tratava da relaçãoentre a direção do olhar e as emoções e inúmerosartigos sobre mudanças veri cadas no EEGdurante a vivência de emoções e a cognição, masisso não impressionou muita gente. Um poucoantes de terminar a pós-graduação eu não tinhamuitas propostas de emprego. Meus interessesinterdisciplinares eram simplesmente amplosdemais para a maioria dos departamentos depsicologia e eu não me encaixava nos modelosprevalecentes de behaviorismo ou de psicologiacognitiva. As pessoas me tratavam bem epareciam interessadas no meu trabalho – ou aomenos era o que diziam –, mas acabavam por meexplicar que minhas pesquisas eram siológicas

demais para seu programa de psicologia cognitiva,ou cognitivas demais para seu programa depsicologia siológica. Por sorte, recebi umaproposta da Universidade Estadual de Nova York(SUNY, na sigla em inglês) em Purchase, umacidade do condado de Westchester, cerca de 40quilômetros ao norte de Manhattan. Esse novocampus prometia ser um refúgio interdisciplinar.Aceitei a oferta.

EXCEDRIN E DORES DE CABEÇA

O prédio de Ciências Naturais do campus daSUNY em Purchase tinha acabado de serconstruído e as novas instalações contavam cominúmeros equipamentos eletrônicos prontos paraser instalados em um laboratório deeletro siologia de última geração. Já que commeus conhecimentos de engenharia elétrica eunão saberia reconhecer um cabo coaxial nem seele batesse à minha porta e se apresentasse(embora eu tenha brincado um pouco comoradioamador durante o ensino médio), euprecisava de alguém que me construísse umlaboratório. Foi quando conheci Cliff Saron.

Cliff estava no segundo ano do curso de biologiaem Harvard quando eu cursava a pós-graduaçãolá. Nós nos conhecemos em 1973, numaconferência da Associação de PsicologiaHumanista de Quebec, e, no semestre seguinte,Cli fez o curso de psico siologia de Gary

Schwartz, que fornecia orientações sobre comomedir as funções cerebrais com EEGs. Cli tinhagrande interesse pelos estados alterados daconsciência e pelo modo como a biologia dáorigem à consciência, mas ele se destacava porsua facilidade com aparelhos eletrônicos. Quandoadolescente, na cidade de Nova York, ele fora umphreaker (uma espécie de hacker de telefonia) etrabalhara como operador de som de teatro etécnico em eletrônica no ensino médio e nauniversidade. Isso o tornava a pessoa ideal paramontar o equipamento de que precisávamos paratrabalhar com eletro siologia, o registro daatividade elétrica do cérebro.

Cli também teve aulas sobre a psicologia daconsciência, disciplina que eu lecionava com meuamigo Daniel Goleman. Um dos aspectos maisnotáveis desse curso era que, em algumas aulas,os alunos e os professores meditavam. Danielacabou seguindo uma carreira notável no New

York Times , cobrindo temas relacionados com aciência e a psicologia, além de escrever o grandesucesso Inteligência emocional. Cli se formou naUniversidade de Harvard aproximadamente namesma época em que concluí meu doutorado eparti para Purchase.

Daniel, que na época trabalhava como editor darevista Psychology Today , cou com pena de mimao ver que eu recebia poucas propostas detrabalho e ao perceber que eu tinha di culdadede conseguir nanciamento para pesquisa peloscanais tradicionais. Ele conseguiu convencer umaagência de publicidade que detinha a conta dogrupo farmacêutico Bristol-Myers a me concederfundos para avaliar os comerciais do analgésicoExcedrin. A empresa queria saber se os métodosmodernos de registro da atividade cerebralpoderiam fornecer informações úteis sobre ae cácia de seus anúncios na televisão. Porexemplo: se os circuitos cerebrais associados ao

nojo fossem ativados quando alguém assistisse aocomercial, isso seria ruim; circuitos associados aodesejo seriam um bom sinal. Essa agência depublicidade estava muito à frente de seu tempo: amedição das respostas cerebrais aos comerciaisdecolou no século XXI, sendo atualmentechamada de neuromarketing.

Com o subsídio de 75 mil dólares, uma quantiaconsiderável na época, consegui contratar Clipara construir meu laboratório usando osequipamentos já disponíveis no prédio deCiências Naturais, além de um signal averager –um instrumento para medir pequenas mudançasna atividade elétrica cerebral causadas porestímulos externos, como imagens e sons – quetinha sido um presente de um amigo daFaculdade de Medicina de Harvard. Cli e eufomos de avião de Boston para Nova Yorklevando a engenhoca na bagagem de mão. Era dotamanho de um televisor médio e tinha tantos

botões, luzes e cabos que, se eu tentasse pegar umvoo com ela hoje em dia, os agentes de segurançairiam me interrogar.

A agência de publicidade basicamente me disse:“Se você avaliar nossos comerciais, poderá fazer oque quiser com os programas de TV que vão aoar entre as propagandas.” Nós geralmenteachamos que os comerciais é que interrompem osprogramas, mas os publicitários parecem pensar ooposto. Naturalmente, zemos a pesquisa para aqual a empresa nos havia contratado, porémestávamos muito mais interessados no impacto doconteúdo emotivo da programação. A tacontinha episódios de um programa cômico euma reportagem sobre um acidente numa mina,que mostrava esposas ansiosas e crianças correndode suas casas para a praça da cidade ao ouviremuma sirene que sinalizava um desastresubterrâneo. Em outras palavras, nossospatrocinadores nos deram vídeos ideais para

induzir o bom humor, no primeiro caso, e aansiedade e o medo, no segundo. Foi aoportunidade perfeita para determinar se os sinaiselétricos do cérebro, registrados a partir do courocabeludo, nos permitiriam diferenciar emoçõespositivas de negativas.

Cli pôs os sensores nos músculos da testa e aoredor dos olhos (nos músculos que nos fazemfranzir a fronte ou contrair os olhos) dosvoluntários, e também em uma touca com outros16 eletrodos. Então pedimos que eles sesentassem confortavelmente diante de umtelevisor, no qual exibimos os vídeos da comédiae da reportagem sobre os mineiros perdidos. Oprimeiro certamente induziria uma emoçãopositiva, como a alegria ou a diversão, e osegundo sem dúvida despertaria emoçõesnegativas, como o medo ou a raiva. Por “semdúvida” quero dizer que eu havia pré-testado osvídeos com outros voluntários, perguntando-lhes

que emoções eles lhes induziam. Se um trechodeixasse algumas pessoas com raiva e outrascontentes, ou se a emoção induzida não fosse tãointensa, não seria selecionado. No experimentosó foram incluídos trechos que induzissememoções inequivocamente positivas ou negativas,e de forte intensidade.

Enquanto os participantes assistiam aos vídeos,monitoramos os sinais elétricos cerebrais captadospelos eletrodos do couro cabeludo para garantirque tudo estivesse funcionando de maneiracorreta. Os sinais do eletroencefalogramapassavam por ltros eletrônicos e então seguiampara um dispositivo que, a cada 30 segundosaproximadamente, emitia números queindicavam a quantidade média de energia dasondas cerebrais nas quais estávamos interessados.Quanto maior a energia – ou a amplitude – daonda, mais intensa era a atividade cerebral. Aseguir, inserimos manualmente esses números em

cartões perfurados e os introduzimos nocomputador que ocupava metade da sala. Clitambém havia instalado um botão que osvoluntários deveriam apertar com força, sesentissem uma emoção intensa e suavemente, sea emoção fosse fraca. Isso, somado aosmovimentos faciais, nos permitiria examinar aatividade cerebral que acompanhava reaçõesemocionais conscientes, claras e intensas.

Descobrimos que, quando os voluntáriosassistiam aos vídeos que induziam emoçõespositivas e contraíam os músculos ligados aosorriso, regiões de seu córtex pré-frontalesquerdo eram ativadas intensamente. Quandoassistiam aos que induziam fortes emoçõesnegativas e faziam expressões de medo ou nojo,sua região pré-frontal direita era ativada. Fiqueialiviado de ver que nossas descobertas estavamem perfeita sintonia com as de Gainotti, cujosestudos revelavam que as lesões no lado esquerdo

do cérebro induziam o choro patológico e aslesões no lado direito induziam o riso patológico.Se as pessoas choravam sem razão aparenteporque a parte de seu cérebro que expressaemoções positivas tinha sido destruída, então otrabalho de Gainotti indicava que o lado esquerdodo cérebro era a fonte das emoções positivas –exatamente o que havíamos observado nosvoluntários, cujas regiões pré-frontais esquerdas

cavam animadíssimas assistindo ao programa decomédia. Da mesma forma, se pessoas com lesõesno lado direito do cérebro sucumbiam ao risopatológico porque o lado direito manifestaemoções negativas, como o medo e o nojo, entãoo trabalho de Gainotti indicava que o hemisfériodireito era a fonte dessas emoções negativas – oque também correspondia às nossas observações,uma vez que as regiões pré-frontais direitas denossos voluntários temiam pelos mineiros.

Nossas descobertas nesse experimento foram as

primeiras a demonstrar que as emoções positivase as negativas se distinguem pela ativação docórtex pré-frontal esquerdo e do córtex pré-frontal direito, respectivamente. Mas, para falar averdade, não quei muito satisfeito com nossosresultados. Embora eu os tenha apresentado emuma versão abreviada, como um resumo parauma conferência cientí ca, jamais cheguei a usá-los para escrever um artigo propriamente dito. Emparte, retive os resultados por sentir que nãopossuíamos um modo rigoroso de medir, deforma independente, as emoções que os pacientessentiam. Isto é: presumimos que as pessoas sedivertiam com o programa de comédia e temiampelos mineiros, mas não tínhamos como saber sealgum dos voluntários não suportava a comédianem se havia outros que eram sádicos emsegredo, e estavam na verdade desejando a mortedos mineiros. Sei que estou exagerando – eu nãotinha nenhuma razão para pensar que algumas

das respostas fossem tão aberrantes –, mas, aindaassim, senti que o experimento não tinha o rigornecessário para um artigo científico.

VOLTANDO A FITA

Assim, re z o experimento usando medidasmuito mais re nadas das emoções. Nesse novoexperimento, que acabou por se tornar um estudoseminal, expliquei aos voluntários que seapresentaram no meu laboratório na SUNY quefaríamos um estudo sobre o cérebro e asemoções: nós lhes mostraríamos vídeos curtosenquanto medíamos sua atividade elétricacerebral. Pedi a cada um deles que vestisse umgorro com 16 eletrodos (atualmente, usamos 256)e que se sentasse confortavelmente diante dotelevisor. Apresentamos então vídeos de dois atrês minutos de duração. Dois deles – em queapareciam lhotes de cachorro brincando com

ores e gorilas tomando banho em um zoológico– comprovadamente induziram emoçõespositivas, como diversão ou alegria, e outros dois– que exibiam a amputação de uma perna ouimagens de uma vítima de queimaduras de

terceiro grau – instigaram emoções negativas,como o nojo ou o medo. Enquanto osparticipantes assistiam aos vídeos, eu monitoravaos sinais captados pelos eletrodos em seu courocabeludo.

Havia uma câmera de vídeo escondida,montada atrás do que parecia ser uma caixa desom. Era aí que entrava um dos meus maisimportantes colaboradores. Paul Ekman, umpsicólogo da Universidade da Califórnia em SãoFrancisco, era provavelmente o maior cientistaque investigava emoções na época. Paul faz partedo pequeno grupo de mentores e colegas quemais in uenciaram meu desenvolvimentopro ssional. Conheci-o em 1974, durante a pós-graduação, quando dei uma palestra no encontroanual da Sociedade Internacional deNeuropsicologia, em São Francisco. Nos dois anosanteriores, eu tinha lido muitos dos estudospioneiros de Paul, que demonstravam que as

expressões faciais de várias emoções básicas sãocaracterísticas humanas universais. Isto é: pessoasde culturas muito diferentes, como as da NovaGuiné, de Bornéu e do Japão, faziam as mesmasexpressões faciais ao sentirem qualquer uma dasseis emoções básicas – alegria, tristeza, raiva,medo, nojo e surpresa. Por isso, um nativo daNova Guiné consegue reconhecer uma expressãode nojo no rosto de um parisiense, um peruanoconsegue reconhecer a alegria no rosto de uminuíte e um boxímane consegue reconhecer omedo, a surpresa, a tristeza ou a raiva no rosto deum japonês.

Com base nessas descobertas, Paul (que, porsinal, é uma das pessoas mais emocionalmenteexpressivas que conheço) desenvolveu um sistemamuito detalhado para codi car os movimentosmusculares que constituem os sinais faciais dasemoções. O sistema se baseia na medição de 44movimentos independentes, cujas diversas

combinações descrevem de forma única todas asexpressões faciais das quais o Homo sapiens écapaz. Para desenvolvê-lo, Paul aprendeu amover cada um desses músculos de formaindependente – além de um excelente cientista,ele também é provavelmente o melhor atletafacial do mundo! O sistema já foi usado porforças de segurança, polícias e outras instituiçõesque precisam interpretar as emoções de umapessoa a partir de seu rosto, frequentemente emquestões de vida ou morte. O trabalho de Paultem feito grande sucesso popular desde a estreia,em janeiro de 2009, da série de televisão Lie toMe, que, inspirada em sua pesquisa, contatambém com sua consultoria.

Durante nosso encontro em São Francisco, Paule eu passamos horas conversando sobre asemoções, as possibilidades de aplicarmos aneurociência para estudá-las e o estado geral dapsicologia. Então, no início da década de 1980,

formamos uma parceria, começando com nossoestudo sobre os gorilas e as amputações.Filmamos cada participante com a câmera oculta,enfocando seu rosto, e registramos a atividadeelétrica cerebral usando sensores de EEG nocouro cabeludo. Paul codi cou o comportamentofacial dos participantes, registrando com precisãoo momento em que os sinais faciais de emoçõessurgiam e desapareciam. Essas expressõesindicavam o instante em que o voluntário estavasentindo picos de emoção. A seguir, usando asmarcas temporais do registro do EEG,determinamos quais sinais elétricos cerebraiscoincidiam com cada instante de comportamentofacial. Dessa forma, começamos a compreender oscorrelatos neurais à alegria, ao medo e ao nojo –as principais emoções que aqueles vídeosdespertavam. As coisas não começaram bem.Como os cachorrinhos e os gorilas provocavamsorrisos de forma muito consistente, iniciamos

examinando a atividade elétrica relacionada comesses sorrisos. Consternado, notei que a atividadeelétrica do cérebro durante os vários segundos deum sorriso não era em nada diferente daobservada durante o estado de base, um períodoanterior ao teste durante o qual os participantesobservavam uma imagem nada emotiva: as barrascoloridas de um teste de cor na televisão. Comoera possível que a atividade cerebral relacionadacom a alegria, com a diversão, com a felicidadeou o que quer que os participantes estivessemsentindo fosse indistinguível da atividaderelacionada com nada? Inicialmente pensei que ométodo para registrar a atividade cerebral a partirdo couro cabeludo fosse muito rudimentar. Outalvez os cientistas céticos quanto à nossaabordagem estivessem certos. Talvez fosse loucuraacreditar que eu poderia examinar o mecanismoemocional do cérebro grudando eletrodos nocouro cabeludo das pessoas.

Lembrei-me então de uma pesquisa clássicafeita no século XIX pelo anatomista francêsGuillaume Benjamin Armand Duchenne deBoulogne. Ele observou que, em um sorriso dealegria genuína, não movemos apenas osmúsculos da boca e das bochechas, mas tambémos dos olhos, de modo que se formam rugas noscantos deles. Na próxima vez em que você estiverconversando com alguém, preste bastanteatenção nesses locais. Se não observar rugasquando a pessoa sorri, não é um verdadeirosorriso de alegria. As rugas signi cam que apessoa está realmente feliz, alegre ou divertida, enão fingindo.

Paul vinha codi cando sorrisos apenas com basena contração dos músculos das bochechas – oszigomáticos –, que erguem os cantos dos lábiosem direção às orelhas. A atividade elétricarelacionada com esses movimentos era umagrande confusão. Em alguns participantes, havia

picos de atividade na região pré-frontal esquerdaquando eles davam sorrisos genuínos, daquelesde levantar as bochechas, mas em outrosparticipantes não era possível observar nenhumpadrão discernível.

No entanto, como descobriu Duchenne, são osolhos, e não as bochechas nem a boca, queexpressam os verdadeiros sinais de alegria. Assim,voltamos à ta de vídeo. Dessa vez, Paulcodi cou os sorrisos com base nos músculosoculares, além dos zigomáticos – umacombinação que produzia o que passamos achamar de “sorriso de Duchenne”. E só então osdados começaram a fazer sentido. Aoconfrontarmos as expressões faciais com aatividade do eletroencefalograma, vimos quequando os voluntários abriam um “sorriso deDuchenne”, em comparação com os momentosem que abriam sorrisos falsos ou não faziamnenhuma expressão facial – o estado de base –,

veri cava-se uma maior ativação pré-frontalesquerda (em relação com o lado direito). Em umestudo subsequente, instruímos os participantes asorrir (em vez de depender dos vídeos que osfariam sorrir) usando ora apenas os músculos dasbochechas, ora tanto os músculos das bochechasquanto os dos olhos. Somente quando ambos osgrupos musculares participavam do sorrisoobservávamos maior ativação no lado esquerdodo cérebro.10 Essa descoberta corrobora asabedoria popular que diz que se abrirmosintencionalmente um sorriso genuíno iremos nossentir mais alegres. Agora tínhamos dadoscerebrais que provavam isso.

Lembro claramente a empolgação que sentiquando vi os correlatos cerebrais às emoçõespositivas e às emoções negativas. O fato de queaquela atividade não ocorresse no tronco cerebralnem no sistema límbico – regiões primitivas quenão estão envolvidas na cognição –, e sim no

louvado córtex pré-frontal, me levou a suspeitarde que iríamos abalar a comunidade cientí ca.Tendo pensado muito pouco sobre o cérebro e asemoções, a psicologia havia concluído que ohipotálamo e outras partes do sistema límbicodesempenhavam o papel principal na produçãodas emoções. Basta lembrarmos os experimentosem que o hipotálamo de um rato era dani cado,o que afetava as emoções do animal. Nós, porém,estávamos apontando para o córtex pré-frontal.Essa região era considerada a sede da razãohumana, o lócus da premeditação, da sabedoria,da racionalidade e de outras funções cognitivasque nos distinguem dos animais “inferiores”. Masnós dizíamos que o córtex também governava asemoções – e que a barricada que a psicologiahavia erguido entre a razão e as emoções nãotinha base real.

O CÉREBRO DOS BEBÊS

Comecei imediatamente a me perguntar se essalateralidade, segundo a qual a região pré-frontaldireita dá origem a emoções negativas e aesquerda a emoções positivas, era desenvolvidaao longo de muitos anos ou já estava presente noinício da vida. Para descobrir, precisaríamosestudar bebês o mais novos possível. Por sorte,durante uma visita a Harvard, em 1978, encontreium antigo colega da pós-graduação, Nathan Fox.Ele zera seu trabalho de pós-graduação comJerome Kagan, um dos maiores especialistas domundo em psicologia do desenvolvimento, e semudara recentemente para Nova York a m detrabalhar no Hospital Roosevelt. Nathan estavainteressado no temperamento infantil e nodesenvolvimento das emoções, porém jamais

zera pesquisas neurológicas nem usara qualquertipo de exame cerebral. Eu nunca tinha estudadobebês nem crianças. E foi assim que começamos

uma parceria.Publicamos nos jornais de Nova York anúncios

que falavam de um estudo sobre a “psico siologiado desenvolvimento emocional” e selecionamos38 bebês de 10 meses, uma idade na qual ascrianças claramente conseguem reconhecerrostos. Eu não con ava nos vídeos que tínhamosusado em estudos anteriores para induziremoções nos bebês, por isso decidi usar algo maisbásico: vídeos de uma atriz rindo ou chorando. Àsemelhança do que eu zera no estudo originalsobre a lateralidade das emoções, coloquei umpequeno gorro com oito eletrodos – em vez de 16– em cada bebê. Depois de explicar à mãe queestávamos interessados nas mudanças cerebraisassociadas às diferentes emoções, pedi que ela sesentasse diante do televisor, segurando o bebêtranquilamente em seu colo. Então passei o vídeo.

Você talvez pense que induzir determinadaemoção em um bebê de 10 meses seja um pouco

complicado, a nal todos os pais de primeiraviagem cam perplexos ao verem o tipo de coisacapaz de provocar o riso ou o choro em seu bebê.Porém existem duas razões importantes para sermais fácil trabalhar com bebês em umexperimento como aquele do que com os adultosdo experimento original. Em primeiro lugar, osbebês são emocionalmente muito expressivos:eles riem, choram, cam aterrorizados ou sentemnojo de forma tão intensa que não nos deixamnenhuma dúvida sobre o que estão sentindo.Além disso, felizmente os bebês ignoram asrestrições sociais. Um adulto talvez tente conteruma gargalhada se achar que o tipo de humor deum vídeo é infantil (apesar de hilário), ou queiracensurar uma expressão de nojo se considerarque demonstrar essa emoção não é uma atitudemuito máscula. Já os bebês expressam suasemoções com toda a sinceridade.

Eles não nos decepcionaram. Ao assistirem ao

vídeo no qual a atriz ria, eles sorriam – e a regiãopré-frontal esquerda de seu cérebro era tomadapor atividade elétrica. Ao assistirem ao vídeo noqual a atriz chorava e soluçava, os bebêsimediatamente se mostravam tristes – e algunsaté cavam agitados, causando grandeconsternação nas mães –, e a atividade em suaregião pré-frontal direita aumentava. Tudoindicava que o padrão lateralizado de atividadepara emoções positivas ou negativas estavapresente já no início da vida. O estudo foipublicado na revista Science e, com ele, foilançada a disciplina da neurociência afetiva,11 oestudo das bases cerebrais das emoções.

Tendo visto aquele padrão (esquerda =emoções positivas, direita = emoções negativas)em bebês de 10 meses, começamos a nosperguntar se ele estaria presente desde onascimento ou se seria desenvolvido nosprimeiros 10 meses de vida. Para resolver

de nitivamente a questão, teríamos que testarrecém-nascidos. Por sorte, o laboratório deNathan no Hospital Roosevelt cava bempróximo das salas de parto. Assim, percorremosos corredores “emboscando” os novos pais deforma educada. Em geral eu me aproximavacalmamente de uma mãe ou de um pai que vinhapara uma visita e perguntava se estavaminteressados em participar do estudo. Para minhasurpresa, 33 famílias concordaram.

Não podíamos mostrar vídeos aos recém-nascidos, pois sua visão e atenção ainda nãoestavam preparadas para assistir às cenas.Precisávamos de outra coisa que provocasse umareação emocional claramente positiva ounegativa. Então me lembrei de Darwin. Em seulivro A expressão das emoções no homem e nosanimais, ele postulou que a sensação de nojo seorigina da rejeição de substâncias nocivas naboca. Então me dei conta de que deveríamos usar

sabores. Assim, depois que um bebê tinha sidoamamentado e estava calmo e acordado, nósentrávamos no berçário e o levávamos para olaboratório de Nathan, que cava ao lado.Colocávamos nele um gorro com eletrodostamanho recém-nascido e então pingávamos emsua linguinha poucas gotas de água, depois deágua com açúcar e finalmente de suco de limão.

Os resultados foram quase cômicos. A águapura não provocava nenhuma grande resposta,mas a água com açúcar fazia o rosto do bebê seanimar e produzia o que provavelmente era seuprimeiro sorriso. O suco de limão os fazia enrugartodo o rosto: os olhos se contraíam e os cantos daboca eram puxados para trás. E, para nossofascínio, o eletroencefalograma correspondia:maior ativação pré-frontal esquerda em respostaà água com açúcar e maior ativação direita emresposta ao suco de limão. Embora o córtex pré-frontal seja ainda muito imaturo logo depois do

nascimento, ele já apresenta diferenças funcionaisassociadas às emoções positivas e às negativas.12

Você talvez esteja se perguntando se essesdiferentes níveis de atividade cerebral – entre aregião pré-frontal esquerda e a direita da mesmapessoa e entre a atividade de duas pessoas namesma região pré-frontal (esquerda ou direita) –têm alguma relação com o comportamento daspessoas na vida real. Boa pergunta. Sempre quefazemos um experimento em psicologia, tememosque a situação experimental, de tão arti cial, sejairrelevante para o comportamento humano real.Também nos perguntamos se nossos voluntáriosconseguirão descobrir o que estamos tentandomedir e se, de alguma forma, tentarão manipularos resultados. Por exemplo: se pensarem queestamos tentando identi car quais aspectos dapersonalidade in uenciam o fato de alguém secomportar como o bom samaritano, poderãocomeçar a agir como a Madre Teresa. Também é

possível que eles mintam. Talvez digam que sesentiram inspirados ao assistirem a um vídeo deMartin Luther King fazendo seu famoso discurso“Eu tenho um sonho” – o que nos farácorrelacionar sua atividade cerebral com asensação de inspiração –, quando, na verdade,acharam que o vídeo era maçante. Sem que osaibamos, acabamos de descobrir o correlatoneural ao tédio e o chamamos de correlato neuralà inspiração.

Graças a Deus, existem os bebês! Eles nãoconseguem descobrir o verdadeiro propósito doexperimento e são inocentes demais para mentirsobre o que estão sentindo. Acabei de mencionarnosso primeiro estudo com bebês, no qualNathan Fox e eu constatamos maior atividadepré-frontal esquerda quando eles viam alguémsorrir e maior atividade pré-frontal direita aoverem alguém chorar. Presumi então que osbebês estivessem de fato se sentindo felizes ou

tristes, mas é claro que eles não tinham como nosdizer. Para garantir que a minha suposiçãoestivesse correta, decidi examinar como os bebêsrealmente se comportam.

Nessa época, eu já estava na Universidade deWisconsin em Madison, e minha pesquisa iniciavaoutra fase. Em vez de me concentrar nos padrõesgerais de atividade cerebral relacionados com asemoções, comecei a tentar avaliar a base neuraldas diferenças individuais. Até então, eu estiveraà procura dos padrões aplicáveis a todas aspessoas. Porém, como comentei no primeirocapítulo, as pessoas vivenciam e expressam asemoções de formas muito diferentes. Eu queriatentar descobrir uma base cerebral para essasdiferenças, começando pelos bebês.

Para recrutar bebês de 10 meses, usamos umregistro dos nascidos na região, baseado nosanúncios de nascimento nos jornais. Osparticipantes vinham ao meu laboratório um a

um, eu explicava o procedimento a cada mãe,colocava o gorro com eletrodos na cabeça do bebêe media sua atividade cerebral de base. A seguir,pedia à mãe que colocasse o bebê em umacadeirinha e se sentasse ao lado do lho. Euexplicava que, cerca de 10 minutos após o iníciodo experimento, eu daria um sinal luminoso quesó a mãe poderia ver e que seria o aviso para queela saísse da sala. Nesse momento começávamosa lmar o bebê. Eu estava interessado em saber seas medidas da atividade cerebral de base, feitasantes do início do experimento, serviriam paraprever o comportamento do bebê em resposta àseparação.

Felizmente para nós, os bebês não eramcriativos no modo como reagiam à separação dasmães: eles começavam a se agitar quase deimediato, ou então pareciam muito curiosos eolhavam ao redor, sem grandes sinais desofrimento. As medidas da atividade cerebral de

base previam perfeitamente essas reações.13 Osbebês que choravam tinham níveis mais altos deatividade pré-frontal direita que aqueles queaceitavam o abandono com tranquilidade. Issome convenceu de que as medidas de atividadecerebral de base indicavam algo bastante real, queera traduzido em diferenças comportamentais.

UM CÉREBRO DEPRIMIDO

Os pacientes de Gainotti com lesões na regiãopré-frontal esquerda apresentavam choropatológico, além de vários sinais clássicos dedepressão. Isso nos levou a uma pergunta óbvia:os pacientes com quadro depressivo teriam menoratividade no córtex pré-frontal esquerdo? Pararesponder a essa pergunta, z meu primeiroestudo no que seria uma longa série deexperimentos sobre a depressão e o cérebro.Enquanto ainda estava na SUNY, no início dadécada de 1980, recrutei seis pessoas comdepressão e nove voluntários saudáveis para umpequeno estudo-piloto. Decidi registrar aatividade cerebral na ausência de estímulo,durante um breve período em que os voluntáriosnão eram instruídos a fazer nada em particular.Eles só deveriam “descansar” – com os olhosabertos em alguns instantes e fechados em outros.Foi dessa maneira que constatei que os

participantes com sintomas depressivos tinhamuma ativação signi cativamente menor na regiãopré-frontal esquerda que os saudáveis.14

Você faria bem em descon ar de um estudofeito com apenas 15 pessoas. Além do mais, se asdescobertas surgissem do nada e não zessemnenhum sentido siológico – por exemplo, se aspessoas com depressão tivessem uma atividademuito baixa no córtex visual –, seu ceticismoestaria bem justi cado. Porém, apesar de suaslimitações, esse estudo foi importante, por váriasrazões. Em primeiro lugar, ele con rmou aexistência, em pessoas anatomicamentesaudáveis, de características descobertas emindivíduos com lesões cerebrais (os pacientes deGainotti que haviam sofrido AVC): nos doisgrupos, baixos níveis de atividade na regiãofrontal esquerda do cérebro estavam associados àdepressão ou ao choro patológico. Além disso, oestudo sugeria que a região pré-frontal esquerda

contribui para um lado bastante especí co danossa vida emocional: as emoções positivas e acapacidade de mentalizar um objetivo desejado ede formular um plano de ação para atingi-lo. Afalta desses componentes é um sintoma marcanteda depressão. Muitos pacientes a rmam que aausência de alegria é ainda mais dolorosa que apresença de tristeza, e a incapacidade de realizaratividades dirigidas a um objetivo é uma dasmanifestações mais debilitantes da doença.

Recapitulando as descobertas que zemos atéaqui: quando adultos saudáveis sentem emoçõespositivas ou quando sentem emoções negativas,observamos a ativação de seu córtex pré-frontalesquerdo ou do direito, respectivamente. Omesmo padrão ocorre em bebês. Por último,pacientes deprimidos apresentavam baixaatividade no córtex pré-frontal esquerdo ou umaumento da atividade no pré-frontal direito, ouambas as situações.

Fiquei questionando esses resultados. Eu meperguntei se o que havíamos identi cado nocórtex pré-frontal poderia ser o correlato neuralàs emoções relacionadas com a aproximação e oafastamento em humanos. “Aproximação” e“afastamento” podem parecer conversa ada, masexistem bons argumentos que defendem a ideiade que todas as emoções que sentimos seenquadram, ao menos em parte, em uma dessasduas categorias. Segundo o grande psicólogocomparativo T. C. Schneirla, 15 o ato de seaproximar ou o de se afastar são as decisõespsicológicas fundamentais que um organismo fazem relação ao ambiente que o cerca. Nesse caso,emoções positivas com um forte componente deaproximação, como esperar a pessoa amadadesembarcar no aeroporto e correr para abraçá-la,estariam associadas à ativação da região pré-frontal esquerda. O afastamento, como o ato dedesviar o olhar da cena de um acidente horrível

ou de nos encolhermos de medo ao ouvirmos umintruso em nossa casa, estaria associado àativação da região pré-frontal direita.

Por que a evolução teria segregado as funçõesde aproximação e de afastamento em hemisfériosdiferentes do cérebro? Isso talvez tenha algumarelação com a necessidade de minimizar a disputaou a confusão entre eles. Quando precisamosevitar um estímulo nocivo ou ameaçador, éimportante que nada prejudique nossa ação – porexemplo, a fuga de uma pedra que esteja caindoda montanha ou de um urso deixando a caverna.A evolução parece ter resolvido esse problemamantendo o comportamento concorrente – nocaso, a aproximação – bem longe, no outro ladodo cérebro, de modo que não haja praticamentenenhuma chance de que ele seja ativado porengano.

DIFERENÇAS INDIVIDUAIS

Você talvez tenha notado que, em vários dosestudos fundamentais feitos no início da minhajornada para entender as bases cerebrais dasemoções – com adultos saudáveis imaginandouma cena emocional positiva ou negativa, combebês vendo pessoas sorrir ou chorar e comrecém-nascidos provando sabores doces ouazedos –, comparei dois ou mais estadosemocionais e estudei as diferenças neurais entreeles. O primeiro desses experimentos foipublicado em 1976. Porém foi somente em 1989que, ao rever os dados brutos desses estudos paraescrever o capítulo de um livro,16 percebi quehavia deixado passar em branco uma questãomuito importante. Existem várias maneiras deanalisar dados e, para aquele capítulo, decididesenhar um grá co que mostrasse as diferençasde atividade cerebral nos voluntários saudáveisenquanto eles assistiam a vídeos que induziam

emoções positivas ou negativas. Na primeira vezeu havia me concentrado no fato de que, quandoas pessoas viam vídeos assustadores ou nojentos, aatividade no córtex pré-frontal direito era maiorque no esquerdo e, quando viam vídeosdivertidos ou alegres, a atividade era maior nolado esquerdo que no direito. Essa era a respostamédia para os mais de 100 participantes quetestamos nos diferentes estudos.

Agora, imagine vários pares de pontos para umvídeo divertido, sendo que um ponto bem alto nográ co indica uma forte atividade no córtex pré-frontal esquerdo e um ponto bem baixo indicauma atividade muito reduzida no córtex pré-frontal direito. Visualize também uma linhaligando os dois pontos. Eu desenhei essas linhas,com cores diferentes, para cada um dosparticipantes dos estudos. No início, o quechamou minha atenção foi a diferença entre oponto alto e o ponto baixo. Dessa vez, porém,

notei outra coisa: os pontos altos não estavamtodos na mesma altura. O nível de atividade nocórtex pré-frontal esquerdo de uma pessoa aoassistir a um vídeo hilário era muito mais alto queno de outra pessoa que vira o mesmo vídeo. Damesma forma, o nível de atividade no córtex pré-frontal direito de alguém que tinha assistido a umvídeo nojento era drasticamente mais baixo queno de outra pessoa que vira o mesmo vídeo.Embora na mesma pessoa a atividade no ladoesquerdo do cérebro chegasse a ser 30% mais altaque no lado direito ao assistir a um vídeo hilário,a diferença entre duas pessoas era de até 3.000%.Algumas pessoas estavam incrivelmente felizes –se considerarmos que a felicidade é quanti cadapela atividade pré-frontal esquerda.

Esse foi meu primeiro vislumbre das drásticasdiferenças no modo como as pessoas reagem àssuas experiências de vida, diferenças essas que setraduzem em padrões de atividade cerebral. Foi

assim que surgiu a ideia do estilo emocional.

N

C A P Í T U L O 3

AVALIANDO SEU

ESTILO EMOCIONAL

a introdução, apresentei os aspectos

essenciais dos seis elementos, ou dimensões,que constituem o estilo emocional. Imagino quequando perguntei se você era do tipo de pessoaque consegue deixar para trás uma discussãoboba com o parceiro, que compreende o próprioestilo emocional, que consegue se manterconcentrado, e assim por diante, você tenhatentado se situar no espectro de cada dimensãodo estilo emocional.

Agora quero fazer isso de forma mais metódica,explicando cada dimensão com mais detalhes eapresentando uma maneira de você avaliar os

aspectos gerais de seu estilo emocional.Em algumas avaliações, bastará observar de

forma sincera seu comportamento e seussentimentos. Em outras, não será tão fácil avaliara si mesmo, mas lhe apresentarei formasdiferentes de você se situar nessas dimensões.

Você também poderá usar as avaliações paradeterminar a posição de uma pessoa ligada avocê: quanto mais profundamente conheceralguém, mais precisa será sua avaliação. Emparalelo, depois de responder a cadaquestionário, peça a alguém próximo queresponda às mesmas questões pensando em você,por você. Isso servirá como um teste de realidade:se uma pessoa que o conhece der uma respostadiferente da sua à pergunta de persistência desua irritação após um desentendimento, porexemplo, isso é uma indicação de que você talveznão esteja respondendo de forma correta ousincera.

Em cada caso, começarei com descrições desituações da vida cotidiana, para exercitar seupensamento.

A DIMENSÃO RESILIÊNCIA

Se você tem uma briga com um amigo, issodeixa uma sombra sobre o resto do seu dia? Se, aochegar ao aeroporto, descobre que seu voo foicancelado, você xinga o funcionário do portão,briga com o companheiro, acha que essas coisassempre acontecem com você e não consegueretomar a calma e a compostura até que setenham passado horas? Se a máquina derefrigerante engole o seu dinheiro, você grita ebate nela, ca enfezado o dia todo e dá um chutena máquina na próxima vez que passar por ali? Seuma pessoa próxima a você morre, você nãosente apenas tristeza, mas também um desesperoprofundo e prolongado, tão debilitante que se vêincapaz de agir normalmente durante meses oumesmo anos? Caso algumas dessas descrições, outodas, se apliquem a você, então você se encontrano polo de recuperação lenta da dimensãoResiliência. Essa parte é caracterizada pela

di culdade em se livrar de sentimentos de raiva,tristeza ou qualquer outra emoção negativa apósperdas, adversidades, reveses ou outros tipos deaborrecimento.

Por outro lado, você costuma superaradversidades, de modo que, quando algo ruimlhe acontece, consegue seguir em frente? Sediscute com seu parceiro antes de sair para otrabalho, é capaz de deixar a questão para trás,acreditando que o problema logo será resolvido?As pessoas nesse extremo têm recuperaçãorápida, são resilientes.

Os dois extremos dessa dimensão podem serprejudiciais. Uma pessoa bastante resiliente podenão ter motivação para superar di culdades,aceitando cada revés com indiferença e com umaatitude do tipo “não se estresse, seja feliz”. Poroutro lado, pessoas com recuperação lenta podemse sentir incapazes de prosseguir após sofreremum golpe, cando enfurecidas com algo que já

aconteceu, obcecadas pelo passado. Todos essesexemplos – desde pequenos aborrecimentos atégrandes perdas – requerem um tempo derecuperação médio. É óbvio que o retorno aoestado emocional de base após uma morte requermais tempo que a retomada do equilíbrioemocional depois de perdermos nosso dinheironuma máquina. Porém, independentemente dagravidade do revés em questão, existem grandesdiferenças na velocidade com que as pessoas serecuperam. É curioso notar que nem sequerestamos conscientes da rapidez com que nosrecuperamos, ainda que o abalo gerado por uminfortúnio afete nosso nível de estresse e humor.Após discutir com um colega pela manhã, vocêpode car irritado durante um dia inteiro semnem mesmo se dar conta de que seu mau humorresulta de sua Recuperação Lenta.

Nossa rapidez ou nossa lentidão ao nosrecuperarmos das adversidades da vida é, em

parte, automática. Quando somos tomados poremoções negativas, o cérebro e o corpoimediatamente ativam mecanismos que reprimemtais emoções, fazendo-nos retomar o humorhabitual. Isso também acontece com as emoçõespositivas: se a máquina de refrigerante nos derduas latinhas, em vez de uma, essa pequenaalegria acabará por se dissipar. De fato,conseguimos medir esse tempo de recuperaçãono laboratório. Em um experimento típico,mostramos aos voluntários algo que faz a maiorparte das pessoas sentir tristeza, nojo ou outraemoção negativa, como imagens de uma viúva ede seus lhos pequenos chorando num funeral,ou de uma pessoa ferida num terrível acidente deautomóvel. Também podemos administrar umestímulo sicamente doloroso, em geral usandouma espécie de bastão cheio de água muitoquente que, ao tocar a pele, parece queimar, masnão causa nenhuma lesão.

Em seguida, examinamos o que acontecedurante aquele que deveria ser um período derecuperação, em que o sentimento negativo ou aardência da queimadura se dissipam. Porexemplo: medimos o re exo do piscar de olhos,uma versão mais branda do re exo de susto, noqual um ruído súbito e intenso, como o de umtiro ou o do estouro do escapamento de um carro,nos faz dar um salto. Com um estímulo mais leve– um ruído que lembra o som de estática numrádio –, a maioria das pessoas apenas pisca demaneira involuntária. Medindo com eletrodos aforça da contração dos músculos que provocam opiscar de olhos, podemos quanti car aintensidade do re exo. Ele está relacionado como período de recuperação de uma mágoaemocional:1 quando alguém vivencia umaemoção negativa, como o nojo ao ver um corpodestroçado num acidente, e em seguida ouve osom inesperado, seu piscar de olhos é mais forte.

Podemos usar esse fato para examinar o queacontece algum tempo depois de alguém ver asimagens perturbadoras.2 Apresentamos o ruídosúbito assim que a pessoa vê as imagens, emseguida 30 segundos mais tarde e, nalmente, umminuto depois, medindo, a cada vez, o re exo dopiscar de olhos. Isso nos permite avaliar a rapidezcom que uma pessoa se recupera da emoçãonegativa, determinando o momento em que aforça do re exo retorna ao que era antes daexposição às imagens. Quanto mais rápida é arecuperação, mais resiliente a pessoa é diante deuma adversidade. Foi observado que a curtíssimaescala de tempo usada no experimento emlaboratório está relacionada com a escala detempo muito mais comprida dos eventos daexistência. Assim, embora estejamos medindoperíodos de recuperação em segundos, elespreveem os tempos de recuperação muito maislongos da vida real, que duram minutos, horas ou

mais.Não recomendo tentar isso em casa. Em

primeiro lugar, porque o equipamento para medira força dos músculos da contração ocular não éalgo que se possa comprar na loja da esquina.Ainda assim, para ter uma noção da suaresiliência, complete o questionário a seguir.Responda a cada a rmativa dizendo se ela éVerdadeira ou Falsa. Se sentir a tentação depensar demoradamente antes de responder, ou seconsiderar que existem muitas nuances eexceções, resista: os resultados mais precisossurgem quando a resposta é instantânea. Se nãoquiser escrever no livro (ou estiver lendo numtablet), basta pegar um pedaço de papel, escrever“Resiliência” no alto e os números 1 a 10 nalateral. Anote Verdadeiro ou Falso após cadanúmero. Explicarei como calcular os pontos no

m do questionário. Você também deveráproceder assim nos outros cinco questionários.

1. Se tenho uma discussão boba com um amigo

próximo ou com meu parceiro, isso me deixamal-humorado durante horas, ou por maistempo até.

2. Se outro motorista usa o acostamento parafurar uma longa la no engarrafamento,costumo superar a raiva com facilidade, emvez de ficar enfezado por muito tempo.

3. Nas vezes em que vivenciei um sofrimentoprofundo, como a morte de uma pessoaquerida, isso interferiu na minha capacidadede agir normalmente durante muitos meses.

4. Se cometo um erro no trabalho e sourepreendido, consigo deixar o acontecimentopara trás e enxergá-lo como uma experiênciade aprendizado.

5. Se vou a um restaurante que ainda nãoconheço e descubro que a comida é horrível eo serviço, ruim, isso estraga toda a minha

noite.6. Se, por causa de um acidente, co preso no

trânsito, quando deixo o engarrafamento paratrás costumo pisar fundo no acelerador a mde descarregar minha frustração, mascontinuo fervilhando por dentro.

7. Se o aquecedor de água da minha casa pifa,isso não afeta muito meu humor, pois sei quepara consertá-lo basta chamar um encanador.

8. Se recebo um “não” depois de perguntar a umhomem/mulher que conheço se ele/elagostaria de me encontrar outra vez, co demau humor durante horas ou mesmo dias.

9. Se sou candidato a um prêmio importante ouuma promoção no trabalho e outra pessoa,que considero menos quali cada, é quem o/arecebe, geralmente supero depressa afrustração.

10. Em uma festa, se estou conversando com umapessoa interessante e me vejo completamente

sem palavras quando ela faz uma perguntasobre mim, depois co repassandomentalmente a conversa – porém pensandono que eu deveria ter dito – durante horas oumesmo dias.

Você deve ter notado que o questionário

abrange uma ampla gama de frustrações, desde astriviais até as mais profundas. Isso é proposital.Minhas pesquisas têm demonstradoconsistentemente que o modo como uma pessoase recupera das pequenas perturbações que lheprovocamos por meio dos experimentos – comoter a sensação de ser queimada ou ver umaimagem perturbadora – tem uma forte correlaçãocom – e dessa forma é capaz de prever – a reaçãoque ela terá diante de uma adversidade na vidareal, sobretudo no que diz respeito à suavelocidade de recuperação. Assim, demonstrarresiliência nas questões menores é um bom

indicador de uma atitude semelhante nasquestões maiores. Embora existam pessoas que

cam obcecadas por pequenos aborrecimentosmas reagem em situações de verdadeiraemergência, a resiliência que apresentamos nasvariadas circunstâncias da vida tende a serconstante: se alguém se recupera rapidamentedos pequenos contratempos, geralmente éresiliente diante dos problemas maiores e, se caparalisada por coisas pequenas, tende a serafetada por muito tempo pelas questões maiores.

Para cada frase Verdadeira nos itens 1, 3, 5, 6, 8e 10, some um ponto e não some nada quandosua resposta foi Falsa. Some um ponto para cadaa rmativa Falsa nos itens 2, 4, 7 e 9 e paraaquelas a que você respondeu Verdadeira nãosome nada. Quanto mais alta for a suapontuação, mais próximo você estará do estilo derecuperação lenta na dimensão Resiliência. Semarcou menos de três pontos, é uma pessoa de

recuperação rápida e, portanto, bastanteresiliente.

Se quiser compreender uma pessoa próximacom mais profundidade, você poderá preencheresse questionário de acordo com as característicase as atitudes que observa nela. Da mesma forma,pode pedir a alguém que o conheça bem queresponda ao questionário por você. Às vezes,outras pessoas nos enxergam com mais clarezaque nós mesmos. Você talvez responda com umnão enfático às perguntas sobre a irritação queum contratempo insigni cante é capaz de lhecausar, mas uma pessoa próxima poderádiscordar de sua resposta.

A DIMENSÃO ATITUDE

Sim, existem pessoas deste tipo: uma mulherque vai a reuniões nas quais não conheceninguém e consegue se sair bem com pessoas quenunca viu na vida. Um cara que nunca deixouuma nuvem emocional escurecer sua visãoiluminada da vida. Uma pessoa que mantém umnível de energia e motivação alto, até mesmo nascircunstâncias mais penosas. Alguém que sentegrande prazer em participar de qualquer encontrosocial e nunca se incomoda com essas situações.Aquele que se sente interconectado com oambiente que o cerca, tanto o social quanto onatural. O que sente muito prazer em viver,quando poderia considerar a existência uma fontede tristeza ou ansiedade. Pessoas assim parecemenxergar o lado positivo de qualquer problema.No entanto, às vezes queremos pegá-las pelosombros e sacudi-las, gritando: “Você não percebeque o mundo está indo para o buraco?” É claro

que não percebem, pois o funcionamento de seucérebro as faz enxergar o lado positivo de tudo.Isso, porém, pode deixá-las cegas diante dossinais de alerta, tanto na vida pessoal quanto napro ssional. Essas são as pessoas que ocupam oextremo otimista, positivo, da dimensão Atitude.Elas têm uma estranha capacidade de sustentar asemoções positivas. O aspecto da “sustentação” éa característica fundamental: ele não mede seconseguimos ou não sentir alegria, mas simquanto tempo conseguimos manter vivo essesentimento.

No outro extremo estão as pessoas cuja alegriatende a desaparecer tão rapidamente quanto um

oco de neve sob o sol. São os descon ados e ospessimistas que, se sentem uma pontada inicial dealegria ou orgulho diante de algum encontro ouconquista, não conseguem sustentá-la. Às vezes, aincapacidade de sustentar uma emoção positiva étão extrema que a sensação mal chega a ser

vivenciada – é algo que vem e vai num piscar deolhos. Por isso, as pessoas no extremo negativodessa dimensão têm di culdade em sentir prazere correm o risco de sofrer depressão clínica ou deadquirir algum vício. Podemos descrevê-las comotipos sombrios, negativos. A capacidade decontinuar alegre e de sustentar emoções positivasao longo do tempo é a medida fundamental dadimensão Atitude. Essa capacidade pode ser vistacomo um complemento à Resiliência, que dizrespeito à rapidez com que nos recuperamos dasadversidades. A Atitude denota a facilidade desustentar emoções positivas quando vivemos umasituação agradável ou temos pensamentosemocionalmente positivos – sobre uma pessoamuito querida, por exemplo. A durabilidade dossentimentos positivos tem um forte efeito sobre aatitude em geral, o que explica o nome dessadimensão. Pessoas normalmente bem-humoradastendem a ser otimistas; pessoas cujos momentos

de alegria podem ser medidos em microssegundoscostumam se sentir cronicamente tristes ou serpessimistas.

No laboratório, medimos a Atitude pelaobservação da quantidade de tempo em que oscircuitos cerebrais responsáveis pelas emoçõespositivas permanecem ativos depois que umapessoa observa imagens que os ativam, como a deuma mãe alegre que abraça seu bebê ou a dealguém que, solícito, auxilia uma pessoa emdi culdades. Também medimos a Atitudeavaliando por quanto tempo os músculos faciaisassociados ao sorriso são ativados em resposta aum estímulo como esse. Em pessoas que estão noextremo positivo, os circuitos cerebrais associadosàs emoções positivas continuam ativos por muitomais tempo que em pessoas situadas no extremonegativo.3 Seus músculos do sorriso também semantêm ativos por mais tempo. Repito que nãosão testes que possam ser feitos em casa, mas é

possível avaliar se você está situado no ladopositivo ou negativo da dimensão Atitudeconsiderando as frases a seguir. Diga se aa rmação contida em cada uma é Verdadeira ouFalsa. Como comentei antes, não pense demaisem cada situação nem avalie todo tipo deexceção e circunstância especí ca. Siga suaimpressão inicial.

1. Quando sou convidado a conhecer novas

pessoas, co animado, pensando napossibilidade de fazer novos amigos, em vezde encarar a situação como uma obrigação,imaginando que não valerá a pena.

2. Ao avaliar um colega de trabalho, eu meconcentro nos detalhes que ele precisamelhorar, em vez de pensar em seudesempenho geral positivo.

3. Acredito que os próximos 10 anos serãomelhores que os últimos 10.

4. Diante da possibilidade de me mudar parauma nova cidade, encaro a situação como umpasso assustador rumo ao desconhecido.

5. Mesmo que eu tenha uma pequena alegriainesperada pela manhã – por exemplo, umaótima conversa com um estranho –, o bomhumor provocado pela surpresa desapareceem poucos minutos.

6. Quando vou a uma festa e me sinto bem noinício, a sensação positiva tende a se manterao longo de toda a noite.

7. Cenas visualmente bonitas, como um pôr dosol maravilhoso, tendem a perder a graça comrapidez, de modo que logo fico entediado.

8. Pela manhã, consigo pensar numa atividadeagradável que planejei, e o bom humor queisso me causa se prolonga pelo dia inteiro.

9. Quando vou a um museu ou assisto a umconcerto, os primeiro minutos são muitoagradáveis, mas essa sensação não dura

muito.10. Mesmo nos dias agitados, passo de um evento

ao seguinte sem me sentir cansado. Se os enunciados parecem abarcar sua

disposição para o futuro, além de sua capacidadede manter um sentimento positivo causado porum evento passado, isso é intencional: adimensão atitude abrange ambos os tempos.Como no caso da Resiliência, sua atitude peranteos acontecimentos triviais está relacionada com (econsegue prever) sua atitude diante dosacontecimentos importantes. E, embora ascircunstâncias individuais afetem as respostas –por exemplo, mudar-se para uma nova cidade émais fácil para uma pessoa de 20 e poucos anosque para alguém de 40, casado e com lhos queprecisariam se adaptar à nova rotina –, asa rmativas ainda assim captam a essência dadimensão Atitude.

Some um ponto para cada frase consideradaVerdadeira nos itens 1, 2, 3, 6, 8 e 10 e não somenada se sua resposta foi Falsa. Some um pontopara cada resposta Falsa nos itens 4, 5, 7 e 9 enada para cada resposta Verdadeira. Quanto maisalta for sua pontuação, mais perto você estará doextremo positivo da dimensão Atitude. Qualquerpontuação acima de 7 representa um tipopositivo, e uma pontuação abaixo de 3 caracterizaum tipo negativo.

A DIMENSÃO INTUIÇÃO SOCIAL

É provável que você já tenha visto uma cenacomo esta: um homem e uma mulher estãoconversando; ele desvia o olhar, inclina-se paratrás, afasta-se um pouco dela... Mesmo assim, amulher não percebe que o cara não temabsolutamente nenhum interesse nela. Ou, ao sairàs pressas de casa, você talvez encontre um amigoque começa a tagarelar sobre algo que aconteceua ele, enquanto você continua a andar apressado,checando a hora com frequência. Ele insiste emconversar, sem se dar conta de que você não temtempo. As pessoas nesse extremo do espectro daIntuição Social podem ser classi cadas comosocialmente desnorteadas.

No outro extremo estão os tipos socialmenteintuitivos. Eles têm a estranha capacidade decaptar indicações não verbais sutis, de decifrar alinguagem corporal das pessoas, a entonação e asexpressões faciais. Percebem se alguém que está

sofrendo deseja falar sobre sua perda ou gostariade ser distraído por uma fofoca qualquer. Sabemdiscernir entre dar apoio moral a um colega quefoi repreendido pelo chefe e deixá-lo sozinho,porque entendem a vontade do outro. Notam seum lho que sofreu sua primeira rejeiçãoamorosa quer conselhos sobre relacionamentos ouprefere que os pais njam não saber o queaconteceu.

O modo como as pessoas percebem sinais sociaisnão verbais varia consideravelmente.Insensibilidade extrema a esses sinais é umacaracterística de pessoas no espectro autista, quetêm di culdade em interpretar expressões faciaise outros gestos. No entanto, mesmo pessoas cujainsensibilidade ainda esteja longe de constituirum diagnóstico clínico podem ser socialmentecegas e surdas, o que traz consequênciasdevastadoras para suas relações pessoais epro ssionais. Por outro lado, sensibilidade

aguçada diante do estado emocional dos outros éfundamental para a empatia e a compaixão, pois acapacidade de decodi car e de compreender ossinais sociais nos permite responder a eles.

De fato, a intuição social é a marca de algunsdos maiores professores, terapeutas e demaispro ssionais que dedicam a vida a cuidar dosoutros. O Dalai-Lama, por exemplo, tem intuiçãosocial em abundância. Há alguns anos, ele estavavisitando um centro de meditação na região oestede Massachusetts. Todos estavam bastanteentusiasmados, em especial a cofundadora docentro, que, uma semana antes, tinha quebrado aperna e caminhava com a ajuda de muletas. Maisde 100 pessoas esperavam do lado de fora doedifício principal para cumprimentar o Dalai-Lama, e a mulher se mantinha atrás da multidão.Ela, que nunca o encontrara, pensava, um poucodesanimada, que a perna quebrada a impediria deconhecê-lo. Quando o guia espiritual desceu do

carro, olhou para a multidão e, de alguma forma,notou a mulher. Captando seus sinais, acenoueducadamente em meio ao amontoado de gentee, dirigindo-se a ela, perguntou: “O queaconteceu? Você está bem?” Com esse gestosimples e sincero, o guia fez com que a mulhersoubesse que ela era, ao menos naquelemomento, o centro de seu universo.

Várias vezes tive a sorte de me bene ciar daintuição social do Dalai-Lama. Em 2010, ao mde um encontro entre cientistas e estudiososbudistas, ele veio se despedir de mim e, derepente, me deu um abraço apertado. “Sei queestivemos juntos numa vida anterior”, disse,dando-me o maior elogio que o líder espiritual dobudismo tibetano poderia dar. Alguns mesesantes, ele participara da inauguração do Centrode Investigação de Mentes Saudáveis daUniversidade de Wisconsin, do qual sou diretor.Várias personalidades de renome tinham sido

convidadas para um almoço organizado peloreitor da universidade. Pensamos que o Dalai-Lama fosse se sentir mais à vontade se almoçassecomida tibetana apenas na companhia dos demaismonges budistas de sua caravana, mas, quandoele viu o pequeno grupo, perguntou: “Onde estãotodos os outros?” Ao car sabendo que obanquete do reitor seria em outro prédio, umtanto afastado, disse a Tenzin Takla, seu assessor:“Eu gostaria de ir para lá.” Bem, não é muitosimples levar o Dalai-Lama a qualquer parte queseja dos Estados Unidos, sobretudo se seupercurso se desvia do planejado. Quando ele sedirigiu à saída, decidido a encontrar o reitor, oshomens que faziam sua escolta, com seus fones deouvido e seu aspecto intimidante – membros doServiço Secreto que cuidavam da segurança –,pareceram prestes a sofrer um ataque cardíaco.Rugiram ordens pelos rádios, reposicionaram osfranco-atiradores do FBI nos telhados adjacentes

e só então permitiram que partíssemos. Quando oDalai-Lama chegou ao local, tentei acomodá-loem uma mesa tranquila e pedi aos garçons quelhe trouxessem o almoço, mas ele não quis nadadisso. Como todos os demais convidados, seguiuem direção ao bufê, pegou um prato e entrou na

la, atraindo muitos olhares e sorrisos de pessoasimpressionadas com o fato de aquele líderespiritual ganhador do prêmio Nobel, chefe dogoverno tibetano no exílio e autor de best-sellers,estar esperando sua vez de se servir. Isso é o queeu considero ter intuição social.

No laboratório, avaliamos a intuição socialmedindo as funções cerebrais e ocomportamento.4 Por exemplo: usamos umaparelho a laser para rastrear os movimentosoculares de uma pessoa a quem mostramos aimagem de um rosto, e conseguimos determinar,assim, para onde ela está olhando. Quem xa oolhar na região dos olhos dos outros costuma ter

uma intuição social mais forte que quem o dirigepara a boca, e aquele que desvia o olhar costumater baixa intuição social. Se usarmos o aparelhonuma pessoa cujo cérebro esteja sendoexaminado por ressonância magnética funcional(fMRI), é possível medir sua atividade cerebralsimultaneamente. Então examinamos a ativaçãodo giro fusiforme, que faz parte do córtex visual, edas amígdalas, estruturas fundamentais de umcircuito que tem papel importante na cogniçãosocial. Essas regiões costumam ser ativadasquando processamos o rosto de outra pessoa e,em especial, quando observamos os olhos, quetransmitem grande quantidade de informaçõesemocionais.

Para estimar onde você se situa no espectro daIntuição Social, observe se cada uma dasafirmações a seguir é Verdadeira ou Falsa:

1. Quando converso com alguém, costumo notar

sinais sutis das emoções de meu interlocutor –desconforto ou raiva, por exemplo – antes queele me diga o que está sentindo.

2. Muitas vezes me pego reparando nasexpressões faciais e na linguagem corporal daspessoas.

3. Para mim não faz muita diferença se conversocom alguém ao telefone ou pessoalmente, poisnão costumo captar informações adicionais aover a pessoa com quem estou falando.

4. Com frequência sinto que sei mais sobre osverdadeiros sentimentos das pessoas do queelas próprias.

5. Muitas vezes sou pego de surpresa quandoalguém com quem estou conversando cabravo ou magoado, sem razão aparente, comalgo que eu disse.

6. Em um restaurante, pre ro me sentar ao ladoda pessoa com quem estou, assim não precisover seu rosto de frente.

7. Muitas vezes me pego reagindo aodesconforto ou ao sofrimento de outra pessoacom base numa sensação intuitiva, e nãonuma conversa explícita.

8. Quando estou em lugares públicos e nãotenho nada que fazer, gosto de observar aspessoas ao meu redor.

9. Sinto-me desconfortável quando uma pessoaque mal conheço me encara durante umaconversa.

10. Muitas vezes, basta-me olhar para outrapessoa para saber que algo a estáincomodando.

Some um ponto para cada a rmativa

considerada Verdadeira nos itens 1, 2, 4, 7, 8 e 10e um ponto para as sentenças a que vocêrespondeu Falsa nos itens 3, 5, 6 e 9. Não somenada para resposta Falsa nos itens 1, 2, 4, 7, 8 e10 nem para resposta Verdadeira nos itens 3, 5, 6

e 9. Quanto mais alta for a sua pontuação, maiorserá a sua Intuição Social. Uma pontuação maisbaixa sinalizará que você está mais propenso a sersocialmente desnorteado.

A DIMENSÃO AUTOPERCEPÇÃO

Você tem amigos que não fazem ideia do queseja introspecção? Você age e reage sem saber porquê, como se seu eu interior fosse uma pessoaestranha para sua consciência, um completomistério? As pessoas mais próximas lheperguntam por que você parece ansioso,enciumado, bravo ou impaciente – e, depois queelas chamam sua atenção para o fato, você casurpreso ao perceber que se sente de fato comoelas o perceberam? Todos conhecemos pessoasque são completamente cegas e surdas diante daspróprias emoções. Não, elas não estão numestado de negação: na verdade, não têmconsciência dos sinais emocionais que surgem nopróprio corpo. Em parte, isso re ete diferenças naintensidade de tais sinais. Mas também é umefeito das diferenças na capacidade de reconhecere interpretar esses alertas e na sensibilidade a eles,isto é, na intensidade que os sinais devem ter

para que se consiga percebê-los. Algumas pessoastêm grande di culdade em “sentir” seussentimentos: podem levar dias para reconhecerque estão com raiva, tristes, enciumadas ou commedo. Nesse extremo da dimensãoAutopercepção estão aqueles que denominamosautoignorantes.

No outro extremo estão os autoperceptivos, quesão plenamente conscientes dos própriospensamentos e sensações e muito atentos àsmensagens que o corpo lhes envia. Quandogritam com os lhos, sabem que estão fazendoisso não por acharem inaceitável que eles nãoqueiram comer os legumes, e sim porque estãoestressados por terem cado presos noengarrafamento na volta do trabalho. Eles podemser supersensíveis às mensagens que o corpo lhestransmite, vivenciando os aspectos físicos de seuestado emocional de maneira extremamenteintensa, às vezes incapacitante. Mas essa

sensibilidade aumentada também pode serbené ca de várias formas. Parece serfundamental, por exemplo, para a empatia acapacidade de sentir o que os outros estãosentindo. Além disso, ela nos permitecompreender nosso estado emocional, ajudando-nos a evitar mal-entendidos durante brigas compessoas íntimas: se você perceber que estámagoado por algo que aconteceu antes de chegarà sua casa, provavelmente irá entender que araiva explosiva que está sentindo não se deverealmente ao fato de que o jantar ainda não estápronto.

No entanto, uma Autopercepção elevadaigualmente pode ter seu preço. Alguém quetenha antenas emocionais muito sensíveis aospróprios sentimentos, ao observar a dor de outrapessoa sentirá sua ansiedade ou tristeza, o queprovoca, por exemplo, uma forte elevação docortisol, o hormônio do estresse, além de um

aumento da frequência cardíaca e da pressãoarterial. Essa sensibilidade extrema pode ser umadas causas da exaustão relatada por enfermeiros,terapeutas e assistentes sociais.

No laboratório, uma maneira de medirmos asensibilidade de uma pessoa a seus sinais

siológicos internos consiste em avaliarmos quãobem ela consegue detectar os próprios batimentoscardíacos.5 Em primeiro lugar, medimos afrequência cardíaca enquanto ela estádescansando confortavelmente. A seguir, usamosum computador para simular uma série de 10tons cujo ritmo acompanhe perfeitamente osbatimentos de seu coração: cada tom ocorreprecisamente no momento da batida. Depoiselaboramos uma segunda sequência, ligeiramentemodi cada, de modo que os tons sejam ouvidosum pouco antes ou depois de cada batimento.Para avaliar a sensibilidade da pessoa a seus sinaisinternos, tocamos (em fones de ouvido) as duas

sequências de 10 tons e pedimos à pessoa queidenti que qual das duas está sincronizada comseus batimentos cardíacos. Tocamos tanto asequência sincronizada quanto a que está fora desincronia cerca de 100 vezes cada uma,alternando-as de forma aleatória. Pessoas comelevada Autopercepção costumam acertar maisde 75% das respostas desse teste.

A avaliação da sensibilidade aos nossos sinaiscorporais não é algo que possa ser medido pelotipo de questionário que criei para as outras cincodimensões do estilo emocional, por isso incluí,além das a rmativas às quais você deveráresponder com Verdadeira ou Falsa, um exercíciosimples que deve ser feito com outra pessoa.

1. Muitas vezes, quando alguém me pergunta

por que estou tão irritado ou triste, respondo(ou penso comigo mesmo): “Mas não estou!”

2. Quando as pessoas mais próximas a mim

perguntam por que tratei alguém de formatão rude ou grosseira, muitas vezes discordodelas, acreditando que sua avaliação de meucomportamento está equivocada.

3. Com frequência percebo que meu coraçãoestá batendo acelerado, mas não sei por queisso está acontecendo.

4. Quando vejo uma pessoa sofrendo, tambémsinto essa dor, tanto emocional comofisicamente.

5. Geralmente percebo como estou me sentindode forma tão precisa que consigo descreverminhas emoções.

6. Às vezes noto dores e incômodos e não sei deonde vieram.

7. Gosto de passar algum tempo tranquilo erelaxado, apenas sentindo o que estáacontecendo dentro de mim.

8. Sinto-me em harmonia com meu corpo e merelaciono com ele de forma confortável e

espontânea.9. Sinto-me fortemente orientado para o mundo

exterior e poucas vezes percebo o que estáacontecendo em meu corpo.

10. Quando faço um exercício, sou muitosensível às mudanças que a atividade provocaem meu corpo.

Some um ponto para cada resposta Verdadeira

nos itens 4, 5, 7, 8 e 10 e um ponto para cadaresposta Falsa nos itens 1, 2, 3, 6 e 9. Não somenada para resposta Falsa nos itens 4, 5, 7, 8 e 10 epara resposta Verdadeira nos itens 1, 2, 3, 6 e 9.Quanto mais alta for a sua pontuação, maisautoperceptivo você é. Oito pontos ou maisindicam que você é autoperceptivo. Umapontuação abaixo de três indica que você éautoignorante.

Agora, tente este exercício: peça a uma pessoaque tome seu pulso durante 30 segundos,

enquanto você faz a mesma coisa. Sem tocar emseu punho ou em nenhum outro lugar onde sintao pulso concentre a atenção nas suas sensaçõescorporais internas e faça o melhor que puder parasentir e contar seus batimentos cardíacos. Repita oprocesso outras três vezes, ou seja, faça quatrotestes de 30 segundos. Compare sua contagemcom a de seu parceiro. Quanto mais próximasforem as duas contagens, maior será a suaAutopercepção.

A DIMENSÃO SENSIBILIDADE AO CONTEXTO

Você contaria a seu chefe a mesma piadaindecente que contou aos amigos num bar nanoite anterior? Já cou chocado ao ver quealguém estava brincando com um joguinho decelular durante um funeral? Já foi a umcasamento e ouviu uma das convidadas contarsobre o longo caso de amor que teve com o noivo?Você ca surpreso quando as pessoas lhe dizemque seu comportamento é inadequado?

A maioria de nós sabe quando determinadoassunto ou atitude não são apropriados paracertas circunstâncias. As pessoas que sãoespecialmente cientes do entorno social estão nopolo antenado do espectro da Sensibilidade aoContexto. As que o ignoram estão no extremodesligado: são surdas e cegas diante das regrasimplícitas que regem as relações sociais e fazemcom que um comportamento perfeitamenteaceitável num contexto seja ofensivo em outro.

Considero esse um importante componente doestilo emocional, porque a Sensibilidade aoContexto é amplamente intuitiva, e não algo queconsigamos regular de forma consciente, etambém porque o contexto social e nossocomportamento costumam ter entrelinhasemocionais (casamento: alegria, decoro; caso como noivo: mau gosto).

Dependendo da pessoa com quem interajamos,assim como das circunstâncias, existem diferentesregras e expectativas. Nada de bom irá acontecerse tratar seu chefe como criança ou o policial queacabou de mandar que você encostasse o carrocomo um amigo próximo, muito menos se tratarum colega de trabalho como trata seu namorado.A sensibilidade às regras da interação social e acapacidade de regular as emoções e ocomportamento de forma adequada variambastante de pessoa para pessoa. Podemos pensarna dimensão Sensibilidade ao Contexto como

uma versão da Autopercepção, só que dirigidapara fora: a Autopercepção diz respeito a quantoestamos ligados em nossos próprios processos

siológicos e emocionais; a Sensibilidade aoContexto diz respeito a quanto estamos atentosaos estados emocionais de outras pessoas e aoambiente social.

No laboratório, medimos essa dimensãoavaliando a variação do comportamentoemocional segundo o contexto social.6 Porexemplo: crianças pequenas costumam cardescon adas num ambiente desconhecido, comoum laboratório, mas não num ambiente familiar.Assim, é provável que uma criança pequena quepareça eternamente descon ada em casa sejainsensível ao contexto. No caso de adultos,testamos a Sensibilidade ao Contexto fazendo aprimeira rodada de testes numa sala e a segundanuma sala diferente. Avaliando o grau devariação das respostas emocionais segundo o

ambiente no qual o teste é feito, conseguimosinferir a capacidade da pessoa de perceber e sentiros efeitos do contexto. Também fazemos examescerebrais: o hipocampo parece ter um papelespecialmente importante na apreensão docontexto, por isso medimos sua função e suaestrutura usando a ressonância magnética.

Para saber onde você se situa no espectro daSensibilidade ao Contexto, considere as seguintesafirmações e marque Verdadeira ou Falsa:

1. Uma pessoa próxima disse que costumo ser

insensível aos sentimentos dos outros.2. Algumas vezes já me disseram que me

comportei de maneira socialmenteinadequada e fiquei surpreso com isso.

3. Já tive problemas no trabalho oudesentendimentos com amigos por mecomportar de modo íntimo demais com umsuperior ou alegre demais com um bom amigo

que estava magoado.4. Quando converso com as pessoas, elas às

vezes se afastam um pouco, aumentando adistância ente nós.

5. Frequentemente me pego censurando o queeu estava prestes a dizer, por sentir que algonaquela situação tornaria minhas palavrasinadequadas (por exemplo, antes deresponder à pergunta: “Querido, esta calçame deixa gorda?”).

6. Quando estou num ambiente público, comoem um restaurante, sei regular muito bem ovolume da minha voz.

7. Já me disseram muitas vezes, quando euestava em local público, que deveria evitarcitar os nomes de pessoas que estivessem porperto.

8. Quase sempre reconheço lugares em que jáestive, mesmo que muitos anos atrás.

9. Percebo quando uma pessoa está se

comportando de maneira inapropriada, comoquando alguém está descontraído demais notrabalho.

10. Uma pessoa próxima já me disse que tenhoboas maneiras ao lidar com estranhos emsituações novas.

Some um ponto para cada resposta Verdadeira

nos itens 1, 5, 6, 8, 9 e 10 e um ponto para cadaresposta Falsa nos itens 2, 3, 4 e 7. Não somenada para resposta Falsa nos itens 1, 5, 6, 8, 9 e10 e para resposta Verdadeira nos itens 2, 3, 4 e7. Se sua pontuação cou abaixo de três, vocêestá do lado desligado do espectro. Umapontuação de oito ou mais indica que você émuito antenado no contexto.

A DIMENSÃO ATENÇÃO

Você consegue ltrar distrações emocionais emanter a concentração? Ou seus pensamentos semovem da tarefa que você está realizando para abriga que teve com o parceiro pela manhã, para aansiedade que sente diante de uma futuraapresentação no trabalho ou para a consultamédica do dia seguinte? Se estiver correndo paracumprir um prazo e sua chefe for à sua mesa acada meia hora para ver como está se saindo,você precisa de vários minutos depois que ela seafasta para retomar sua linha de raciocínio? Equando seu lho adolescente telefona em crise,dizendo que não sabe qual vestibular pretendeprestar?

Pode parecer estranho incluir a Atenção entreas dimensões do estilo emocional, já que acapacidade de concentração geralmente é vistacomo um componente da capacidade cognitiva. Arazão para incluí-la aqui é o fato de que imagens

e sons simples, embora já nos distraiam bastante,podem ser muito piores quando associados a umacarga emocional. Por exemplo: em um restaurantebarulhento, se ouvimos alguém gritar em outramesa, ou uma voz alta e agitada, seguida pelo somde um copo se quebrando, temos maisdi culdade em permanecer concentrados naconversa do que nos momentos em que as vozesao redor revelam menos carga emocional.

Os sinais emocionais estão presentes em toda anossa vida e no ambiente que nos cerca econstituem fortes distrações, frequentementeinterferindo em nossa capacidade de realizartarefas e de manter a tranquilidade. Descobriu-seque a capacidade de ltrar distrações emocionaisse correlaciona com a capacidade de ltrardistrações sensoriais. Uma pessoa concentradaconsegue prestar atenção em uma única conversanuma festa barulhenta, ao passo que alguémdesconcentrado desvia constantemente a atenção

e o olhar para o estímulo mais chamativo a cadainstante. Algumas pessoas conseguem sedesconectar apesar de estarem em meio a umredemoinho emocional – elas se situam noextremo concentrado do espectro da Atenção.Outras são distraídas com frequência porimpulsos emocionais que não têm nenhumarelação com a tarefa que estão realizando – elasestão no extremo desconcentrado. Pessoasconcentradas conseguem manter a atençãomesmo quando ocorrem intromissões carregadasde emoção, pois ltram a ansiedade que tomaconta do ar ao seu redor, algo que as pessoasdesconcentradas são incapazes de fazer. Emresumo: a atenção e a emoção são parceirasíntimas. Como os estímulos emocionaisconsomem boa parte da nossa atenção, amanutenção de uma bússola interna estável quenos permita manter uma atenção tranquila eresistir às distrações é um aspecto do estilo

emocional.De muitas formas, a capacidade de ltrar

distrações emocionais gera os elementos básicosde outros aspectos da nossa vida emocional, pois aatenção afeta as demais dimensões do estiloemocional: a Autopercepção, por exemplo,depende de que prestemos atenção aos sinais denosso corpo, assim como a Intuição Social requerque nos concentremos nos sinais sociais.

No laboratório, medimos a Atenção de váriasmaneiras. Na verdade, existem dois tipos deatenção. Um deles é a atenção seletiva, 7 que é acapacidade de carmos imersos no mar deestímulos que nos cerca e ainda assim,milagrosamente, prestarmos atenção numa únicacoisa. Digo “milagrosamente” porque aquantidade de informação a que estamosexpostos a todo momento é atordoante.Enquanto você lê agora, sua visão periférica estáenxergando suas mãos, que seguram o livro. Seus

ouvidos captam sons; se você acha que está numambiente silencioso, pare de ler e concentre-se noque consegue ouvir. Seus pés estão tocando ochão e seu corpo está apoiado na cadeira; maisuma vez, pare de ler e concentre-se em suassensações corporais. Percebe o que estoudizendo? Se antes você não estava prestandoatenção em nenhuma dessas coisas, parabéns porsua notável concentração. Ainda assim, apesar detodos esses estímulos que competem com nossaatenção, (em geral) conseguimos nos concentrarnum só e ignorar os demais. Se nãoconseguíssemos, caríamos tristemente perdidosno vasto oceano do nosso mundo sensorial. Paraconseguirmos nos concentrar dessa maneira,utilizamos duas estratégias: ampli camos o“canal” no qual queremos prestar atenção (aspalavras desta frase) e abafamos os canais quequeremos ignorar (seu corpo encostado nacadeira, etc.).

O segundo tipo de atenção é a percepçãoaberta, sem julgamento crítico. Por exemplo, sevocê está ciente de uma dor leve na regiãolombar, mas consegue notá-la sem que ela tomeconta de seus pensamentos, você está praticandoa percepção aberta. Se sente uma pontada depreocupação ao se atrasar para uma reuniãoporque o elevador está quebrado e simplesmentepensa consigo mesmo “Hum, isso me deixaestressado”, mas não entra em pânico enquantoprocura as escadas, você está mais uma vezpraticando a percepção aberta e acrítica. Umapessoa que tem facilidade para isso costuma teruma espécie de ímã interno que a ajuda a mantera concentração no objeto desejado, sem vagar deum lado para outro pelos eventos que ocorrem aoseu redor.

Esse é o tipo de percepção cultivada por váriasformas de meditação, como explicarei noCapítulo 9. Ele gera uma sensação de

contentamento e equilíbrio emocional (outrarazão para fazer parte do estilo emocional). Aspessoas que estão no extremo concentrado doespectro da Atenção tendem a ser imperturbáveise não são abaladas por constantes altos e baixosemocionais. A percepção aberta e acríticatambém é fundamental para estarmos antenadosno ambiente que nos cerca e em nossospensamentos e emoções, de forma que tem umpapel importante na Autopercepção e naIntuição Social. Sem a capacidade de mantermosuma percepção aberta e acrítica, podemos deixarpassar despercebidos os sinais sutis que surgem denosso corpo e nossa mente, bem como as nuancesdo ambiente social.

Para medirmos a percepção aberta nolaboratório, começamos por um fato conhecido:se um estímulo dominar nossa atenção,8 nãoiremos notar outros estímulos que ocorram umafração de segundo depois dele. Essa cegueira (ou

surdez) aos estímulos subsequentes é chamadaintermitência da atenção – do inglês attentionalblink, expressão que faz referência ao lapsoperceptual que ocorre quando piscamos os olhos– e existe um teste simples para medi-la. Numadas versões do teste, o participante observa umasérie de letras que aparecem rapidamente numatela, uma após outra, 10 por segundo: C, P, Q, D,K, L, T, B, X, V, etc. De tempos em tempos,aparece um número, por exemplo: C, P, Q, D, 3,K, L, 7, T, B, X, V. O participante deve indicar omomento em que um número interrompe asequência de letras. Se o segundo número surgirmenos de meio segundo após o primeiro, a maiorparte das pessoas irá notar o primeiro número (o3), mas não verá o segundo (o 7). É como se aatenção piscasse os olhos. A razão para issoparece ser que, como os números só aparecemraramente e por serem aquilo que o participanteestá buscando, a pessoa sente uma pontada de

empolgação ao ver o primeiro. O cérebro levaalgum tempo para voltar ao estado no qualconsegue perceber aquilo que busca. Quanto maislonga é a intermitência da atenção – isto é, dequanto mais tempo uma pessoa precisa paraperceber o número seguinte em meio a umasequência de letras –, maior é o tempo que océrebro leva para conseguir dar atenção aopróximo estímulo e maior é a quantidade deinformações perdidas no mundo ao redor.

A intermitência da atenção dura ainda maisquando existe um componente emocional naquiloque a pessoa procura. Em outra versão doexperimento, em vez de observarem uma série deletras interrompidas por um número ocasional, osvoluntários devem tentar perceber, por exemplo,a imagem de uma criança chorando em meio auma sequência de paisagens. Nesse caso, o temponecessário para que consigam perceber outraimagem de uma criança chorando é maior que no

caso das letras e dos números, o que indica que aatenção tem um componente emocional, ou, maisprecisamente, que as emoções afetam a atenção.

No entanto, algumas pessoas praticamente nãotêm a atenção interrompida. Elas possuem umaespécie de percepção não reativa que consegueidenti car estímulos de forma muito estável. Abreve empolgação que normalmente sentimos aopercebermos um número em meio à sequênciade letras está inteiramente ausente neles, ou, sepresente, não provoca uma intermitência daatenção. Com isso, elas tendem a deixar passarmenos estímulos que as demais pessoas. Aduração da intermitência em cada indivíduo,especialmente no caso de estímulos emocionais,re ete uma qualidade ligada ao equilíbrio e àestabilidade emocionais.

No laboratório, avaliamos a percepção aberta eacrítica utilizando o teste da intermitência daatenção, por meio do experimento com letras e

números ou com a variação que utiliza as cenasemotivas ou naturais. Medimos a atenção focadatocando sons simples a diferentes alturas,geralmente um grave e outro agudo, através defones de ouvido. No início, pedimos aoparticipante que preste atenção apenas nos tonsagudos e que aperte um botão sempre que osouvir – portanto, ele não deve apertar o botãoquando ouvir o tom grave. Para di cultar a tarefa,separamos os tons entre o ouvido direito e oesquerdo, tocando cerca de um por segundo ealternando os ouvidos. A pontuação doparticipante – em quantos tons ele apertoucorretamente o botão, subtraídos os erros – éuma medida de sua capacidade de manter aatenção focada. Para tornar o teste ainda maisdifícil, às vezes pedimos aos participantes que sóapertem o botão se ouvirem o tom agudo noouvido esquerdo, ou o tom grave no ouvidodireito, ou outra combinação. O que acontece

muitas vezes é que, quando o tom agudo épercebido pelo ouvido que a pessoa deveriaignorar, o participante se equivoca e aperta obotão, o que indica que sua atenção é amplademais, e não focada o su ciente. Às vezes, apessoa simplesmente deixa passar despercebido otom agudo. Em todos esses casos, fazemos examescerebrais simultâneos, usando oeletroencefalograma, se quisermos nos ater aomomento em que a atividade cerebral ocorreu, oua ressonância magnética, quando desejamos nosconcentrar em sua localização.

Você pode avaliar seu estilo de Atençãoassinalando cada uma das a rmações a seguircomo Verdadeira ou Falsa:

1. Consigo me concentrar em um ambiente

barulhento.2. Quando há muitas coisas acontecendo à

minha volta e uma grande quantidade de

estímulos sensoriais, como numa festa ou numaeroporto tumultuado, consigo não me perderem pensamentos sobre o que quer que euesteja vendo.

3. Se eu decidir concentrar minha atenção numatarefa específica, quase sempre consigo.

4. Quando tento trabalhar em casa, o som datelevisão ou de outras pessoas me distraimuito.

5. Se eu car sentado tranquilamente por unspoucos momentos, uma torrente depensamentos invade minha mente e logoestou seguindo vários raciocínios, sem nemsequer saber onde cada um deles começou.

6. Se eu me distrair com algum eventoinesperado, consigo voltar a me concentrar noque estava fazendo.

7. Durante períodos de relativa tranquilidade,como quando estou sentado em um trem ouônibus, ou esperando em uma fila, noto muito

do que acontece ao meu redor.8. Quando me dedico a um projeto importante

que requer toda a minha atenção, tentotrabalhar no lugar mais calmo que eu consigaencontrar.

9. Minha atenção tende a ser atraída porestímulos e eventos do ambiente e, uma vezque isso acontece, tenho di culdade em medesligar deles.

10. Tenho facilidade em conversar com umapessoa numa situação em que haja muitagente ao redor, como numa festa ou noescritório; consigo me desligar dos outros emambientes assim, mesmo quando,concentrando-me, consigo distinguir o queestão dizendo.

Some um ponto para cada resposta Verdadeira

nos itens 1, 2, 3, 6, 7 e 10 e um para cada respostaFalsa nos itens 4, 5, 8 e 9. Não some nada para

resposta Falsa nos itens 1, 2, 3, 6, 7 e 10 e pararesposta Verdadeira nos itens 4, 5, 8 e 9. Umapontuação de oito ou mais signi ca que você sesitua no extremo concentrado da dimensãoAtenção; uma pontuação de três ou menossignifica que você tende a ser desconcentrado.

Agora que avaliamos onde você se situa emcada uma das seis dimensões do estilo emocional,pegue um pedaço de papel e desenhe seis linhashorizontais, de cima para baixo, igualmentedistantes entre si:

• Chame a primeira linha de Resiliência, e então

continue pelas categorias Atitude, IntuiçãoSocial, Autopercepção, Sensibilidade aoContexto e Atenção.

• Anote os extremos de cada dimensão, daesquerda para a direita. Para a Resiliência, osextremos são recuperação rápida e

recuperação lenta. Para a Atitude, negativa epositiva. Para a Intuição Social, socialmentedesnorteado e socialmente intuitivo. Para aAutopercepção, autoignorante eautoperceptivo. Para a Sensibilidade aoContexto, desligado e antenado. Para aAtenção, desconcentrado e concentrado.

• Agora, de acordo com sua pontuação nos seisquestionários, faça uma marca em cada linha.

Assim é possível ter uma visão geral do seu

estilo emocional. Você talvez seja uma pessoapositiva e de recuperação rápida, socialmenteintuitiva, autoignorante, antenada e concentrada.Talvez seja negativa, mas de recuperação rápida,desnorteada em relação ao seu entorno social,autoignorante e desconcentrada. Qualquer queseja seu estilo emocional, conhecê-lo é o primeiropasso para entender como ele afeta a sua saúde eas suas relações e decidir se você gostaria de

modi cá-lo em qualquer uma das seis dimensões.Este é o diagrama do meu Estilo Emocional:

Pontuação de Davidson nos questionários que avaliamo estilo emocional.

Em vez dos tipos de personalidade, eu foco as

seis dimensões do estilo emocional porque elas

possuem fundações sólidas em padrões deatividade cerebral, como expliquei na introdução.No próximo capítulo, vou detalhar como zemosessa descoberta, quais são esses padrões típicos deatividade e por que são fundamentais paracompreendermos o estilo emocional econsiderarmos maneiras de modi car uma oumais das seis dimensões.

N

C A P Í T U L O 4

AS BASES CEREBRAIS

DO ESTILO EMOCIONAL

esta era do cérebro, em que até asagências de publicidade querem saber como

as amígdalas dos consumidores reagem a umcomercial, parece bastante óbvio que nossospensamentos e emoções re itam padrões deatividade cerebral. Quando vislumbramos aimagem mental da nossa casa, podemos agradecerà atividade do córtex visual nossa capacidade deenxergar, mentalmente, o local exato da caixa docorreio em relação à porta de entrada. Quandoouvimos e compreendemos uma frase inteira, issose deve à interação dos circuitos do lobotemporal com os do córtex pré-frontal, que nos

permite decodi car o signi cado dos sinaisauditivos. Quando planejamos férias eimaginamos a ida ao aeroporto, utilizamos nossaenorme massa de córtex pré-frontal, umamáquina do tempo capaz de transportar nossospensamentos para o futuro.

O mesmo ocorre com as dimensões do estiloemocional: elas se relacionam com a atividade decircuitos cerebrais especí cos e identi cáveis.Cada dimensão tem dois extremos – comopositiva e negativa, no caso da Atitude –, quegeralmente resultam de maior ou menoratividade nesses circuitos. Dessa forma, paraentender por que você é como é e compreender aforma de seu diagrama de respostas do capítuloanterior, antes de mais nada precisarácompreender a base cerebral de cada dimensão ede seus extremos. Esse é o primeiro passo paramodi car sua posição em qualquer uma dasdimensões. Admito que estou sendo tendencioso,

mas acredito que qualquer programa quepretenda alterar algo tão fundamental quanto oestilo emocional simplesmente terá maiscredibilidade se estiver baseado na neurociência.

Não é de admirar que o ponto em que nossituamos em cada dimensão resulte de padrõesespecí cos de atividade cerebral, pois o mesmoocorre com toda a nossa vida mental. Osurpreendente é que boa parte dos circuitos queestabelecem as seis dimensões se situe longe dassupostas regiões cerebrais ligadas às emoções – osistema límbico e o hipotálamo. Isso surgiu deuma descoberta que deu início a tudo: o fato deque é o córtex pré-frontal, a sede das funçõesexecutivas, como o planejamento e odiscernimento, que controla a resiliênciaemocional das pessoas.

O estudo que demonstrou esse fato, descrito noCapítulo 2, foi feito enquanto eu estava na SUNYPurchase, mas logo percebi que a universidade

era pequena demais e não tinha a infraestruturanecessária para as pesquisas que eu queriarealizar. Pouco depois de começar a mecandidatar a cargos em universidades maiores,mais orientadas para a pesquisa, ouvi dizer quePeter Lang, um psico siologista bastanteconhecido, estava deixando a Universidade deWisconsin em Madison. A instituição haviadecidido substituí-lo por alguém que zesse umapesquisa vagamente semelhante e entrou emcontato comigo. Aceitei a proposta que me

zeram em grande parte por causa da excelentereputação de seu departamento de psicologia.

Eu me mudei para Madison em setembro de1985 para começar um novo trabalho, num novoestado, em condições pessoais nada ideais, poisminha mulher Susan e nossa lha de 3 anospermaneceriam em Nova York. Meu estiloemocional resiliente e positivo certamente meajudou, evitando que o estresse me derrubasse.

O CÉREBRO RESILIENTE

Em um extremo da dimensão Resiliência estãoas pessoas que, quando abatidas pelasadversidades, recuperam-se de forma bastantelenta ou nem se recuperam. No outro extremoestão as que deixam os problemas para trás eseguem em frente, ou que lutam contra osproblemas, recuperando-se rapidamente dasadversidades. Como descrevi no Capítulo 2, aResiliência é marcada por maior ativação no ladoesquerdo do córtex pré-frontal, em comparaçãocom o lado direito, enquanto a ausência deResiliência vem da maior ativação pré-frontaldireita. O nível de ativação na região pré-frontalesquerda de uma pessoa resiliente pode ser 30vezes maior que na de uma não resiliente.

Esse foi o primeiro sinal de que diferentes níveisde atividade numa região cerebral especí cadeterminam onde uma pessoa se situa em dadadimensão do estilo emocional. Por mais

interessante que fosse essa descoberta, eu nãoqueria sair por aí alardeando uma ideia muitodistante das correntes de pensamentopredominantes na época e falando de uma basecerebral para as diferenças individuais, a menosque soubesse que eu não iria dar com a cara naparede e afundar a minha carreira. O estudo querevelou a diferença pré-frontal esquerda/direitaera bastante reduzido (apenas algumas dezenasde participantes) e a distinção só surgiu quandomostramos vídeos emotivos às pessoas. Era claroque eu precisava de indícios mais sólidos. Assim,comecei a re etir mais profundamente sobre opossível signi cado daquelas variações nospadrões de função pré-frontal1 e, em particular,passei a me perguntar qual seria a relação docórtex pré-frontal com as emoções. A nal, eleera, e é, conhecido por ser a sede da atividadecognitiva de mais alta ordem, do discernimento,do planejamento e de outras funções executivas.

Como era possível que ele afetasse um elemento-chave do estilo emocional?

Uma pista veio dos grandes feixes de neurôniosque ligam determinadas regiões do córtex pré-frontal à amígdala. A amígdala está envolvida nasemoções negativas e no sofrimento. Ela é ativadaquando nos sentimos ansiosos, temerosos ouameaçados. Pensei que o córtex pré-frontalesquerdo talvez a inibisse, facilitando, assim, arecuperação após as adversidades.

Para testar essa ideia, o estudante de pós-graduação Daren Jackson e eu recrutamos 47adultos com idade média de 58 anos.2 Todosfaziam parte do Estudo Longitudinal deWisconsin, que havia sido iniciado por sociólogosda universidade em 1957. O estudo incluía umterço dos alunos que se formaram no ensinomédio no estado naquele ano, com a intenção deacompanhá-los durante décadas para examinarsua experiência de trabalho, situação

socioeconômica, vida familiar, seus traumas e suasaúde.

Os participantes iam a meu laboratório nocampus. Daren cumprimentava cada um,explicava o experimento e a nossa razão parafazê-lo e então pedia que assinassem umformulário de consentimento. Ele dizia quequeríamos medir a atividade elétrica cerebral paradeterminar se as pessoas com maior ativação pré-frontal esquerda eram mais resilientes queaquelas com maior ativação pré-frontal direita. Aseguir, vestíamos os voluntários com uma toucacom eletrodos, molhando a ponta de cada sensorcom água salgada para que conduzisse osimpulsos elétricos com mais facilidade. Da sala decontrole ao lado, outro assistente monitorava oscontatos elétricos, avisando pelo sistema de somquando um deles precisava ser consertado.

Assim que os sensores estavam funcionandocorretamente, medíamos a atividade cerebral de

base durante oito minutos: quatro com osparticipantes de olhos fechados e quatro de olhosabertos. A seguir, apresentávamos 51 imagensnum monitor de vídeo – cada uma apareciadurante seis segundos. Um terço delasapresentava cenas tristes, como a de um bebêcom um tumor no olho; um terço mostravaimagens alegres, como a de uma mãe que,radiante, abraçava um bebê; e um terço exibiauma cena neutra, como a de uma sala qualquer.Às vezes, durante uma imagem ou um poucodepois dela, o voluntário ouvia um ruído breveque soava como um clique – um som que oassustava, fazendo-o piscar involuntariamente,como descrito no capítulo anterior. Por m,colocávamos sensores logo abaixo de um dosolhos, sobre o músculo orbicular, que se contraiquando piscamos. Muitas pesquisas anterioreshaviam demonstrado que, quando em um estadoemocional negativo, o re exo de piscar das

pessoas que se assustam é mais forte que duranteum estado emocional neutro. Por outro lado, umestado emocional positivo tende a reduzir a forçado re exo, em comparação com o estado neutro.Esses sensores nos indicariam a força do re exode piscar, permitindo-nos, assim, examinar oestado emocional do participante tanto durante aexibição das imagens emotivas quanto depois.Dessa forma, conseguiríamos avaliar com querapidez a pessoa se recuperava de uma emoçãonegativa gerada por uma imagem perturbadora.

Em suma, o que descobrimos foi que as pessoasque apresentavam maior ativação do ladoesquerdo do córtex pré-frontal durante o períodode base se recuperavam muito mais rapidamenteque as demais até mesmo dos piores sentimentosde nojo, horror, raiva e medo provocados pelasimagens. A partir daí, deduzimos que a regiãopré-frontal esquerda envia sinais inibitórios paraa amígdala, instruindo-a a car quieta, como

indicado na gura a seguir. Essa deduçãocorroborava a pesquisa de outros laboratórios,que haviam descoberto que pessoas com menorativação em determinadas zonas do córtex pré-frontal tinham maior atividade de longa duraçãona amígdala após uma experiência que gera umaemoção negativa. Esses indivíduos têm menoscapacidade de inibir uma emoção negativa depoisque ela é ativada. Nossa pesquisa descobriuessencialmente o outro lado da moeda: aatividade no córtex pré-frontal esquerdo reduz operíodo de ativação da amígdala, permitindo queo cérebro se recupere mais rapidamente de umaexperiência ruim.

Resiliência: os sinais enviados do córtex pré-frontalpara a amígdala, e desta para o córtex pré-frontal,determinam a velocidade com que o cérebro serecupera de uma experiência negativa.

Avancemos então ao ano 2012. Graças à

ressonância magnética, sabemos hoje que quantomaior for a massa branca (os axônios queconectam um neurônio a outro) que liga o córtexpré-frontal à amígdala, mais resiliente é a

pessoa.3 Logo, quanto menor for a massa branca– ou seja, quanto menor o número de ligaçõesentre a região pré-frontal e a amígdala –, menosresiliente é a pessoa.

Como explicarei no Capítulo 8, tambémsabemos hoje que o cérebro é plenamente capazde aumentar o número de conexões entre asregiões. No Capítulo 11, ensinarei comopromover esse tipo de reconexão entre a regiãopré-frontal e a amígdala. Da mesma forma, écertamente possível aumentar seu nível deatividade de base no córtex pré-frontal esquerdo.

Portanto, nas pessoas de recuperação lenta, quetêm grande di culdade em se recuperar dasadversidades, menos sinais são transmitidos entreo córtex pré-frontal e a amígdala. Isso pode sercausado pela baixa atividade do córtex pré-frontalou por uma pequena quantidade de conexõesentre a região pré-frontal esquerda e a amígdala.Pessoas de recuperação rápida, ou seja,

extremamente resilientes, têm uma forte ativaçãodo córtex pré-frontal esquerdo em resposta àsadversidades e possuem fortes conexões entre ocórtex pré-frontal e a amígdala. Inibindo aamígdala, o córtex pré-frontal consegue acalmaros sinais associados às emoções negativas,permitindo que o cérebro planeje e atue de formaefetiva, sem ser distraído pelas emoções negativas.

O CÉREBRO SOCIALMENTE INTUITIVO

Agradeço a Timothy, um garoto de 13 anos queconheci durante um estudo, a ajuda que me deuna compreensão de que a Intuição Social é umadimensão indispensável do estilo emocional,cujos extremos – socialmente intuitivo edesnorteado – estão associados a diferençasnítidas na atividade e na conectividade cerebrais.Timothy tinha autismo altamente funcional – eramuito inteligente e capaz de compreender alíngua e a fala. No entanto, seu modo de falar erabastante monótono, sem modulações deentonação – os acentos e as mudanças de tom,volume e velocidade que transmitem as emoções.Por exemplo: quando a voz de uma pessoa setorna mais sonora e aguda, esse é um sinal clarode que ela está com raiva. Quando o ritmodesacelera, o volume diminui e a voz se tornamais grave, é provável que a pessoa esteja triste.A voz de Timothy, contudo, parecia a de um

robô.Porém o mais marcante era sua incapacidade de

fazer contato visual com a pessoa com quemestivesse falando. O menino às vezes me olhavade forma passageira quando eu falava com ele.Mas na maior parte do tempo seus olhos sedirigiam a qualquer outra parte, exceto meusolhos. Nós o levamos ao laboratório e o so warede rastreamento dos olhos con rmou: quando lhemostramos imagens de rostos numa tela, elepassou muito pouco tempo olhando para a regiãodos olhos. As crianças em desenvolvimentotendem a xar o olhar nessa região. E, quandosubmetemos Timothy à ressonância magnética eexaminamos os padrões de ativação de seucérebro enquanto ele olhava para imagens defaces com expressões neutras ou emotivas, eleapresentou níveis muito mais baixos de ativaçãona área fusiforme, especializada em decifrar faces,quando comparado com crianças normais. E

quanto menor era a ativação da região fusiformede Timothy, pior era sua capacidade de nos dizerque emoção a face estava transmitindo. Duranteesse teste, ele também apresentou uma elevadaativação na amígdala. Mas, quando desviava oolhar da região dos olhos da imagem, o nível deativação da amígdala caía. Timothy aprenderaimplicitamente uma estratégia que o ajudava areduzir o desconforto e a ansiedade que sentia aofitar os olhos das pessoas.

O Homo sapiens é uma criatura muito visual.Nós usamos os olhos para captar os sinais sociaisenviados pelos demais seres humanos. Os estudosrealizados com crianças, adolescentes e adultos,como o de Timothy, me zeram concluir que aausência de Intuição Social – e a resultanteincapacidade de compreender o que ésocialmente apropriado – surge de baixos níveisde ativação da região fusiforme e de altos níveisde ativação da amígdala, como mostrado na

figura a seguir:

Intuição social: a baixa atividade no giro fusiforme e aalta ativação da amígdala caracterizam o extremodesnorteado dessa dimensão, ao passo que a atividadealta no giro fusiforme e baixa na amígdala é a marcacaracterística de um cérebro socialmente intuitivo.

Esse é o padrão cerebral característico de

alguém no extremo desnorteado da dimensãoIntuição Social. Por outro lado, uma pessoa com

altos níveis de ativação fusiforme e uma atividadede baixa a moderada na amígdala serásocialmente intuitiva, bastante atenta aos sinaissociais e capaz de captar pistas muito sutis.

Desde que publicamos esse estudo sobre océrebro autista em 2005,4 vários outros estudosde diferentes laboratórios con rmaram que aatividade da amígdala é responsável por parte davariação observada na sensibilidade social daspessoas. Por exemplo: vários experimentosexaminaram uma molécula que reduz a ativaçãoda amígdala. Tal hormônio, chamado ocitocina,entrou no imaginário popular na década de 1990,após pesquisas com um pequeno mamíferochamado arganaz-do-campo. Essa é uma daspoucas espécies de mamífero que praticam amonogamia. Uma espécie próxima, o arganaz-da-montanha, adota um tipo de relação maiscomum, o sexo casual. A principal razão para adiferença de comportamento entre os dois tipos

de roedores, que são ao menos 99%geneticamente idênticos, é que o arganaz-do-campo é inundado de ocitocina durantemomentos cruciais de seus relacionamentos, oque não ocorre com o arganaz-da-montanha.Além disso, o arganaz-do-campo, el eromântico, tem uma abundância de receptores deocitocina no cérebro, ao contrário do arganaz-da-montanha, que é in el e desapegado.5 Nos sereshumanos, esse hormônio também está ligado aocomportamento maternal (é secretado durante oparto e a amamentação), ao apego romântico eaos sentimentos de calma e contentamento.6

Naturalmente, o comportamento humano écomplicado demais para ser reduzido aosdiferentes níveis de um hormônio no cérebro.Por exemplo: há bons indícios de que ossentimentos de amor e apego podem aumentar osníveis de ocitocina, e não o contrário (também épossível que ambos ocorram ao mesmo tempo).

De qualquer forma, os experimentos comocitocina con rmaram o papel da amígdala nocérebro social:7 quando um grupo de voluntáriosrecebeu um jato de ocitocina no nariz, de onde ohormônio segue diretamente para o cérebro, aativação da amígdala foi reduzida. Isso sugereque ele induz sentimentos de compromisso eapego por inibir a atividade da amígdala. Se estafor inibida por outros meios, o efeito será igual, oque gera as bases para um cérebro socialmenteintuitivo.

O CÉREBRO SENSÍVEL AO CONTEXTO

Como já mencionei, as seis dimensões do estiloemocional foram descobertas de forma fortuita,no decorrer da minha pesquisa sobre as emoções.No caso da dimensão Sensibilidade ao Contexto,a culpa foi dos macacos.

Em 1995, formei uma parceria com o colegaNed Kalin para estudar as bases neurais dotemperamento ansioso em macacos Rhesus. Parafazer o estudo, obviamente precisávamosidenti car tal temperamento, determinando quaisanimais eram neuróticos e quais eramequilibrados. Ned começou pelo fato bastanteconhecido de que os bebês – tanto humanosquanto macacos – tendem a car imóveis quandose veem numa situação desconhecida – umaforma de ansiedade chamada inibiçãocomportamental. Assim, ele planejou um estudono qual os macacos Rhesus seriam expostos àsilhueta de um ser humano numa tela de vídeo.

Ao verem uma silhueta humana, os macacoscostumam car imóveis. No entanto, o tempodurante o qual permanecem imóveis varia muitode um bicho para outro, desde cerca de 10segundos até mais de um minuto.

Dentre 100 macacos que observaram gurashumanas, identi camos os 15 que caramimóveis por mais tempo.8 Curiosamente, trêsdesses 15 também caram ocasionalmenteimóveis quando estavam sozinhos, sem ninguémpor perto. Assim, além de apresentarem umaresposta extrema a uma situação na qual esse tipode resposta é normal – isto é, ao verem umasilhueta humana –, eles também tinham umaresposta extrema numa situação que, na maioriados macacos, não desencadeia resposta nenhuma:

car sentados em seu ambiente familiar nacolônia de macacos, sem nenhum humano porperto. Esse era um sinal de que os macacos nãoestavam cientes do contexto: eles confundiam

uma situação segura e familiar com uma situaçãonova e potencialmente ameaçadora, respondendoao que já conheciam como se fosse desconhecidoe, portanto, ameaçador.

A capacidade de distinguir um contextoconhecido de outro desconhecido surge dohipocampo, mostrado na figura a seguir:

Contexto social: apesar de ser mais conhecido por suafunção na formação das memórias de longo prazo, ohipocampo também ajusta o comportamento aos

diferentes contextos. A baixa atividade é característicado extremo desligado e a alta atividade é característicado extremo antenado.

O hipocampo é mais conhecido por sua função

no processamento das memórias: ele parece agircomo um local de armazenamento para asmemórias de curto prazo, preparando algumasdelas para ser transferidas para o armazenamentode longo prazo. No entanto, num estudo recenteque realizei em macacos Rhesus,9 descobrimosque o hipocampo anterior, a porção mais próximaà amígdala, também ajuda a regular a inibiçãocomportamental em resposta a diferentescontextos.

Esse achado corrobora a descoberta de quepessoas que sofrem do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) com frequência têm umfuncionamento anormal no hipocampo. Vocêprovavelmente já ouviu falar do TEPT como a

condição incapacitante na qual experiênciasnormais desencadeiam memórias dolorosas deum trauma, como quando o estouro doescapamento de um carro faz com que umveterano de guerra pense estar de volta às ruasviolentas de seu passado. Mas também podemospensar no TEPT como um transtorno no qual aSensibilidade ao Contexto esteja afetada: aansiedade ou o terror são sentimentos adequadosa alguns contextos, como um campo de batalha.O problema é que essas pessoas vivenciam taissentimentos em contextos não traumáticos. Paraum soldado, ter um surto de adrenalina e deatividade na amígdala ao ouvir uma explosãonuma zona de guerra é algo esperado e atéadaptativo. Ter, no entanto, a mesma reação aoouvir um estrondo em um canteiro de obras navizinhança, não.

Isso cou muito claro para mim em 2010,quando iniciei um estudo para determinar se a

meditação e outras formas contemplativas detreinamento mental conseguiriam reduzir partedo estresse sentido por veteranos de guerra.Quando expliquei o estudo ao comandante dosveteranos de guerra no Wisconsin, ele me contouo que ocorrera com um de seus soldados naquelasemana. O sujeito, que acabara de voltar doAfeganistão, havia comprado a moto com quesempre sonhara. Levou a mulher para dar umavolta. Quando uma ambulância passou por elecom a sirene ligada, o homem entrou em pânico.Acelerou a moto e partiu em disparada.Enlouquecido, perdeu o controle e bateu: morreuna hora, deixando a mulher gravemente ferida.Foi uma demonstração trágica do que podeacontecer quando o cérebro deixa de identi car ocontexto: naquele caso, diferenciar o signi cadode um ruído intenso ouvido na relativa segurançade um ambiente rural bucólico do sentido domesmo som numa zona de guerra.

Vários estudos revelaram que o TEPT estáassociado a uma redução no volume dohipocampo. Isso faz sentido: um hipocampomenor teria di culdade em formar memóriassobre o contexto que provocou uma situaçãotraumática, confundindo os perigos de um paísem guerra com a segurança do Wisconsin. Apartir daí, concluí que uma atividadeanormalmente baixa no hipocampo está na basedo extremo desligado da dimensão Sensibilidadeao Contexto. No extremo antenado, ahiperatividade do hipocampo provavelmenteprovoca uma atenção excessiva ao contexto,podendo inibir a espontaneidade emocional. Issoacontece quando uma pessoa bastante ciente docontexto social se vê emocionalmente paralisada,tão antenada em cada detalhe do ambiente que

ca com medo de agir e então fazer algo errado.Do mesmo modo, alguém extremamente sensívelao contexto pode moldar seu comportamento

pelo que pensa ser exigido a cada situação,apresentando-se como uma pessoa diante docônjuge, como outra diante do chefe e aindacomo uma terceira quando está entre amigos, aponto de começar a duvidar da própriasinceridade e autenticidade.

Diferenças na força das conexões entre ohipocampo e outras regiões do cérebro, emespecial o córtex pré-frontal, estão na base dosdiferentes níveis de Sensibilidade ao Contexto. Ohipocampo se comunica regularmente com asáreas executivas do cérebro, como o córtex pré-frontal, e também com regiões dedicadas àmemória de longo prazo, situadas em outraspartes do córtex. Conexões mais fortes entre ohipocampo e essas áreas aumentam aSensibilidade ao Contexto, ao passo que conexõesmais fracas geram a insensibilidade ao contexto.

Muitas pesquisas feitas com pessoas e comcobaias de laboratório demonstram que o

hipocampo10 e as estruturas com as quais ele secomunica codi cam informações sobre ocontexto, além de acessarem essas informaçõesnas áreas em que elas estão armazenadas. Porexemplo, estudos feitos com ratos indicam que o“contexto” é algo tão rudimentar quanto omaterial de que é feito o chão de uma gaiola ou otamanho dela. Para testar o modo como os ratoscompreendem o contexto, os pesquisadoresassociam um estímulo neutro, como um som, aum estímulo desagradável, como um leve choqueelétrico, o que faz com que o bicho corra pelagaiola na tentativa de se livrar do choque. Se orato levar o choque sempre que ouvir o som, logopassará a associar o som ao choque e, com isso,começará a correr assim que o ouvir, antesmesmo que o choque ocorra. Esse paradigmaexperimental remonta a Pavlov, que associou umsom a comida em experimentos feitos comcachorros. Depois de bastantes experiências do

tipo “som = comida”, os cães de Pavlovcomeçaram a salivar logo após ouvirem o som, jáprevendo a comida que receberiam. Mas então,se o som é apresentado muitas e muitas vezes semser seguido do choque, o rato aprende que elenão é um aviso da dor que está por vir e para decorrer pela gaiola ao ouvi-lo – um fenômenochamado aprendizado de extinção. É aí que entrao contexto: se o rato aprender a não mais associaro som ao choque enquanto vive numa gaiola comchão de arame, ao se mudar para uma gaiolamaior, com um chão sólido, ele voltará aacreditar que o som indica o choque e a correrpela gaiola ao ouvi-lo. Mas isso só ocorre se seuhipocampo estiver intacto. Se for lesionado, obicho não mais conseguirá distinguir os doiscontextos e não apresentará o aprendizado deextinção em nenhum deles. Descobertas comoessa sugerem fortemente que o hipocampo éimportante no aprendizado do contexto. Como o

aprendizado pressupõe a percepção, faz sentidoconcluir que a atividade do hipocampo está nabase da percepção do contexto.

O CÉREBRO AUTOPERCEPTIVO

Quando eu estava na pós-graduação, comecei aestudar um tipo de personalidade caracterizadopelo que, na época, era chamado dedefensividade repressiva.11 Pessoas que têm essapersonalidade negam sentir grande ansiedade ouestresse, mas seu corpo nos revela algo muitodiferente, como observamos num experimento.Pedimos aos participantes que zessem umexercício de associação de frases emocionais, noqual tinham de dizer as primeiras palavras quelhes viessem à mente ao lerem um enunciado. Asfrases eram neutras (“O abajur está na mesa decabeceira”), com conotações sexuais (“Aprostituta dormiu com o estudante”) ou agressivas(“Seu colega lhe deu um chute na barriga”).Indivíduos com altos níveis de defensividaderepressiva a rmavam não ter cado nadaperturbados com as frases emocionais, mas seusbatimentos cardíacos e a condutância de sua pele

– que mede o suor e, assim, a ansiedade –estavam altíssimos. Eles claramente não erammuito autoperceptivos. Pesquisas subsequentesmostraram que pessoas que apresentam grandedefensividade repressiva não suprimemconscientemente suas reações nem mentem sobreo que estão sentindo. Em vez disso, ignoram oque está acontecendo dentro de si. Por causadessa incapacidade de perceber com precisão seuestado interno, o que elas dizem sentir éamplamente divergente das medições objetivasdesse estado.

Na época, não havia muito mais que eupudesse aprender sobre essa extrema falta deautopercepção, mas isso mudou com osurgimento dos exames de neuroimagem. Umaregião do cérebro fundamental para aautopercepção é a ínsula,12 mostrada na gura aseguir:

Autopercepção: a ínsula recebe sinais dos órgãosviscerais. Assim, a alta atividade nessa região docérebro está associada a uma forte Autopercepção, aopasso que a baixa atividade caracteriza uma fracaAutopercepção.

Situada entre os lobos temporal e frontal, aínsula contém o que chamamos de mapaviscerotópico do corpo, o que quer dizer que osórgãos viscerais – coração, fígado, cólon, órgãossexuais, pulmões, estômago, rins – estão todos

mapeados em pontos especí cos dessa estrutura.Quando digo “mapeados” re ro-me a algosemelhante ao mapeamento de cada ponto dapele no córtex somatossensorial. Nessa região docórtex, diferentes grupos de neurônios recebemsinais enviados por diferentes pontos da superfíciedo corpo – da cabeça aos dedos dos pés. Cadaregião da pele envia sinais a um único ponto docórtex somatossensorial. Assim, a superfície docorpo está mapeada nessa região do córtex. Aínsula, da mesma forma, recebe sinais dos órgãosviscerais e forma um mapa, ou seja, regiõesespecí cas da estrutura recebem estímulos deórgãos especí cos. Trata-se, portanto, do centrode monitoração cerebral de tudo o que ocorreabaixo do pescoço e no interior do corpo. A ínsulatambém envia sinais para os órgãos, instruindo,por exemplo, o coração a bater mais rápido ou ospulmões a inspirar com mais frequência.Pesquisas recentes mostram que, além da ínsula,

o córtex somatossensorial também está envolvidona percepção das sensações internas. Na próximavez que perceber que seu coração ca aceleradoquando você sente medo, ou que seu rostoenrubesce quando você se enfurece, agradeça àsua ínsula e a seu córtex somatossensorial.

Não é de surpreender, portanto, que a ínsulaseja ativada ao receber a instrução (vinda deoutras áreas do cérebro) de monitorar osbatimentos cardíacos. Quando essa estrutura setorna mais ativa – por exemplo, recrutando maisneurônios que recebem estímulos do coração, oufazendo com que mais neurônios transmitamesses dados às regiões do cérebro que osinterpretam –, as pessoas cam mais sensíveis àfrequência de seu coração. Pesquisadoresbritânicos descobriram, usando exames deneuroimagem,13 que as pessoas que conseguemestimar sua frequência cardíaca com maisprecisão também possuem uma ínsula maior;

logo, quanto maior – a ínsula, melhor é aestimativa.É interessante notar que a maior ativação daínsula está associada a maior percepção não sódas sensações físicas, mas também das emoções.Em um estudo feito em 2010, também no ReinoUnido, cientistas pediram aos participantes querespondessem a perguntas cujo objetivo eraavaliar a di culdade de identi car e descrever ospróprios sentimentos.14 Os participantes tinhamque indicar se as frases que lhes eramapresentadas os descreviam com precisão. Porexemplo: “Quando outras pessoas estão tristes oumagoadas, tenho di culdade de imaginar o queelas estão sentindo”; “Quando me perguntam queemoção estou sentindo, muitas vezes não seiresponder”; “Não consigo identi car sentimentosvagos que existem dentro de mim”. Depois ospesquisadores mediram a atividade da ínsula decada participante. Quanto maior parecia ser a

di culdade da pessoa em responder às perguntas,mais baixa era a atividade de sua ínsula.

A conclusão disso tudo é que pessoas com altosníveis de Autopercepção têm maior ativação daínsula, ao passo que as que apresentam baixosníveis de Autopercepção possuem menorativação. Num extremo, níveis muito elevados deatividade na ínsula parecem estar associados àpercepção excessiva de sinais corporais, o quepode ocorrer, por exemplo, na síndrome dopânico e na hipocondria. Quem tem algumadessas doenças é hipersensível à sua pulsação,frequência respiratória, temperatura corporal eoutras medidas de ansiedade, que tende asuperestimar. Com isso, um pequeno aumentonos batimentos cardíacos, por exemplo, pode serinterpretado por alguém hipersensível como sinalde um infarto iminente, enquanto qualquer outrapessoa daria pouca atenção ao fato, pensando quepudesse ser apenas uma reação causada por

algum estímulo ainda não percebidoconscientemente.

O CÉREBRO E SUA ATITUDE

Em 1982, a descoberta de que a maior atividadeno córtex pré-frontal esquerdo estava relacionadacom as emoções positivas e que a maior atividadeno córtex pré-frontal direito estava associada àsemoções negativas foi apenas o primeiro passo najornada para encontrar as bases cerebrais do quese tornaria a dimensão Atitude. Essa descobertainicial se deu por meio do eletroencefalograma,no qual sensores aplicados no couro cabeludodetectam os ecos elétricos da função cerebral. Poralgum tempo, esse era o único recurso disponívelpara estudar o cérebro humano intacto. Quandofoi criada a ressonância magnética funcional(fMRI), por volta de 1995, ela logo se tornou ométodo preferencial para o estudo da funçãocerebral. Além de oferecer mais resoluçãoespacial que o EEG, a fMRI mede a atividade nãoapenas na superfície cortical, como faz o EEG,mas também nas regiões subcorticais, como a

amígdala, que aquele exame não alcança.Em 2007 eu me reuni com Aaron Heller, um

estudante de pós-graduação bastante talentosoque fora trabalhar em meu laboratório em2005,15 para encontrar uma maneira deidenti car os aspectos especí cos das emoçõespositivas que estavam ausentes em pessoasdeprimidas. Isso pode parecer ridiculamenteóbvio – o que falta nas pessoas deprimidas é aalegria, certo? –, mas, na verdade, a depressãotambém se caracteriza pela ausência de outrasemoções positivas. Os deprimidos têm poucamotivação para atingir objetivos e às vezes nempercebem esse fato. Tampouco cam animados aoencontrarem algo novo, como, por exemplo, umcanteiro de ores recém-plantado no jardim dovizinho ou um restaurante que acabou de serinaugurado em sua rua. Elas também tendem asofrer de falta de persistência. Muitas pessoasdeprimidas estão totalmente cientes de que

possuem planos (mesmo que tenham sido criadospor outra pessoa, como um encontro em família)e tarefas a cumprir, mas parecem não ter adedicação necessária para realizá-los. É como sesua motivação sofresse um curto-circuito. Aarone eu, portanto, queríamos identi car a basecerebral dessas tendências.

Enquanto pensávamos em como proceder, eume lembrei de um estudo que havia feito 15 anosantes e que não tinha sido publicado. Eumostrara a pacientes deprimidos alguns vídeosque tinham o intuito de induzir emoçõespositivas, como a alegria. Entre eles havia cenasde um lme de Steve Martin. As pessoasdeprimidas demonstravam, em resposta a essesvídeos, tantas emoções positivas quanto osparticipantes saudáveis, o que lançava dúvidassobre a noção de que os deprimidos nãoconseguem vivenciar alegria nem outras emoçõespositivas. Se existia uma diferença no modo como

eles vivenciavam as emoções positivas, ela não seexpressava em sua resposta aos vídeos cômicos.No entanto, esse estudo não testou o que eususpeitava ser uma diferença fundamental entrepessoas deprimidas e saudáveis: a capacidade desustentar as emoções positivas, e não de senti-las.

Para testar essa ideia, publicamos anúncios emjornais da região para o recrutamento devoluntários. Conseguimos reunir 27 pessoas quesofriam de depressão clínica e 19 voluntáriossaudáveis. Como queríamos medir a atividadecerebral enquanto os participantes estivessemobservando imagens emotivas, desenvolvemos umsistema que permitia projetar imagens no teto dotubo da ressonância magnética.

Quando os voluntários chegavam ao meulaboratório, eram levados a uma sala na qualhavia um aparelho de ressonância magnéticafalso, para que testássemos como se sentiriamquando estivessem no tubo. Assim cariam

familiarizados com o procedimento e osvoluntários ansiosos demais poderiam desistir departicipar ou tentar controlar a ansiedade osu ciente para que pudéssemos realizar oexperimento. Como a máquina de ressonânciamagnética faz um ruído que parece o de umabritadeira a meio metro da nossa cabeça,gravamos os sons de um aparelho real e ostocamos em alto volume no aparelho falso, paraque as pessoas soubessem o que as esperava. Sefossem desistir, era melhor que o zessem aindano aparelho falso, em vez de gastarmos o valiosotempo do aparelho real.

Os voluntários que continuaram dispostos aparticipar foram então colocados no tubo doaparelho real. Quando diziam estar confortáveis,começávamos a projetar imagens numa telaacima de seu rosto. Todas elas apresentavamcenas alegres ou, no mínimo, destinadas aprovocar um pequeno sorriso, como as de

crianças brincando felizes, adultos dançando,pessoas comendo algo saboroso e que fariaqualquer um salivar.

A cada imagem projetada, os voluntáriosrecebiam uma de duas instruções: ou deveriamolhá-la como fariam normalmente, sem tentarmodi car sua resposta emocional, ou teriam detentar intensi car e sustentar a emoção positivainduzida durante o máximo de tempo queconseguissem (ou até 20 segundos), mesmodepois que a imagem desaparecesse da tela.Aaron lhes explicava algumas estratégiascognitivas que poderiam utilizar para prolongar aemoção: pensar em si mesmos na situação alegremostrada na gura ou imaginar que as pessoasapresentadas eram seus familiares próximos ouamigos queridos. Eles poderiam imaginar aindaque a alegria que estavam sentindo iria durarmuito tempo. Suspeitávamos de que essasestratégias intensi cariam e possivelmente

estenderiam a alegria inicial que sentiriam ao veras imagens. Nós lhes apresentamos então 72cenas durante os 45 minutos que passaram notubo da ressonância magnética. Aaron e eu

camos sentados na sala de controle, de ondemonitorávamos o protocolo e nos assegurávamosde que os computadores que apresentavam asimagens e coletavam os dados estavamfuncionando corretamente. Tambémacompanhamos as imagens cerebrais, para noscerti car de que os participantes estavam imóveis,porque as imagens no monitor cariam borradasse eles se mexessem muito.

Quando coletamos os dados de todos osvoluntários, deprimidos e saudáveis, observamosum padrão claro. Quando eles viram pelaprimeira vez as imagens que ilustravam situaçõesalegres, veri camos uma ativação naquele queacreditamos ser o circuito de recompensa docérebro, destacado na gura a seguir. Esse

circuito se situa numa região do estriado ventral,localizado abaixo da superfície cortical, no centrodo cérebro. Outros estudos demonstraram queessa região é ativada quando as pessoas preveemque irão receber algo grati cante ou agradável.Mais especi camente, a região ativada duranteessa experiência consiste em um amontoado deneurônios no interior do estriado ventral,chamado núcleo acumbente, uma região críticapara a motivação e a sensação de grati cação.Essa região está repleta de neurônios quesecretam ou captam o neurotransmissor chamadodopamina – que está ligado às emoções positivas,à motivação e ao desejo – e também os opiáceosendógenos – que estão ligados ao bem-estar quesentimos ao fazermos exercícios físicos. Aoobservarem as imagens alegres, o nível deatividade no núcleo acumbente de voluntáriosdeprimidos e saudáveis era bastante parecido.Todos conseguiam sentir um surto inicial de

alegria. Mas essa semelhança não se mantinha.As pessoas saudáveis conseguiam manter asemoções positivas durante toda a sessão. Nospacientes deprimidos, entretanto, os sentimentospositivos desapareciam em poucos minutos.

Atitude: o córtex pré-frontal e o núcleo acumbente, noestriado ventral, formam o circuito da sensação derecompensa. Sinais vindos do córtex pré-frontalmantêm alta atividade no estriado ventral, uma regiãofundamental para a sensação de recompensa e,

portanto, para uma atitude positiva. A baixa atividadeno estriado ventral, em razão dos sinais mais fracosenviados pelo córtex pré-frontal, é característica deuma atitude negativa.

Por que isso acontece? A razão é que o núcleo

acumbente recebe sinais do córtex pré-frontal, aregião de hierarquia mais elevada, que transmitea instrução de intensi car e sustentar a sensaçãode alegria. Isso sugere que é possível induzirmosem nós mesmos, por meio do pensamento – e atéda vontade, diria eu –, a sensação derecompensa. Sinais persistentes gerados pelocórtex pré-frontal basicamente informam aonúcleo acumbente: “Não desista ainda! Nãofraqueje!” Foi o que aconteceu no cérebro dosvoluntários saudáveis, mas não no dos quesofriam de depressão. Com o passar do tempo,nos pacientes deprimidos a sequência de sinais“Continue!” enviados do córtex pré-frontal para onúcleo acumbente declinou, fazendo a ativação

do circuito relacionado com o processamento dasensação de recompensa também diminuir. Aoque parecia, ou as mensagens não estavam sendotransmitidas pelo córtex pré-frontal, ou seperdiam pelo caminho, como a água que vaza deuma mangueira furada.

Eu e Aaron queríamos saber o que esse declíniona atividade do circuito ligado ao processamentoda sensação de recompensa signi cava para ocomportamento na vida real. Então, depois dasessão no aparelho de ressonância magnética,solicitamos aos voluntários que preenchessem umquestionário simples, que trazia uma lista dediferentes emoções – como felicidade, interesse,inspiração e orgulho – e pedia a eles quemarcassem, numa escala de cinco pontos, quantoesses itens descreviam seu humor no momento. Acapacidade de sustentar a ativação no circuitoligado ao processamento da sensação derecompensa previa fortemente a intensidade das

emoções positivas descritas pelos voluntários noquestionário. Quanto maior era a capacidade doparticipante de sustentar a satisfação neural dever uma imagem de crianças brincando, maior eraa felicidade descrita por ele. É importante notarque isso ocorria tanto entre pacientes deprimidosquanto entre os saudáveis. Em média, osparticipantes deprimidos não tinham de ciênciasna indução de ativação do circuito derecompensa e no córtex pré-frontal, e sim em suasustentação.

Descobertas recentes em roedores delaboratório sugerem que a atividade da dopaminano núcleo acumbente pode estar associada aocomponente motivacional da satisfação, o queestá na base da motivação e da persistência,enquanto os opiáceos endógenos do núcleoacumbente podem estar mais associados aossentimentos de prazer.16 Quando os receptoresde opiáceos do núcleo acumbente são ativados,

eles estimulam uma região adjacente ao cérebro,o pálido ventral,17 que, segundo estudos emanimais, pode codificar diretamente o prazer.

Essas descobertas indicam que a atividade nonúcleo acumbente e no córtex pré-frontal secorrelaciona com a capacidade de sustentaremoções positivas. Quanto maior é a atividade nonúcleo acumbente – atividade sustentada porsinais emitidos pelo córtex pré-frontal –, mais apessoa se situa no extremo positivo da dimensãoAtitude. Menor atividade nessa região serelaciona com uma Atitude negativa.

O CÉREBRO ATENTO

Vivemos mergulhados em um mar de estímulosconstantes. Parece milagre que consigamosconcentrar nossa atenção, tendo em vista aabundância de informações que invade nossocérebro a cada momento, sem falar dosincontáveis pensamentos que surgem em nossaconsciência. A capacidade de nos concentrarmos,ainda que durante parte do tempo, é um triunfomonumental da atenção, permitindo-nosselecionar alguns objetos externos ou internos nosquais focar nossa percepção consciente e fazendo-nos ignorar todo o restante.

Para concentrar sua atenção, os seres humanosutilizam dois mecanismos relacionados.18 Umdeles consiste em ampli car os sinais que surgemno canal ao qual estamos dando atenção. Porexemplo: conseguimos aumentar a força dossinais visuais que trazem a imagem das letras deum texto, em comparação com a força dos sinais

visuais que trazem a imagem das nossas mãossegurando o livro. O segundo mecanismo consisteem inibir os sinais advindos dos canais ignorados.Em geral, utilizamos as duas estratégias. Pense naúltima vez em que você esteve em um restaurantebarulhento, conversando com um amigo. Paraouvi-lo, você aumentou internamente o volumeda voz de seu amigo, ao mesmo tempo que inibiuos sons das mesas em volta. Até mesmo os bebêstêm a capacidade de manter uma atençãoseletiva, concentrando-se no rosto da mãe eignorando distrações vindas de outras fontessensoriais.

Duas formas de atenção possuem relevânciapara o estilo emocional: a atenção seletiva e apercepção aberta e acrítica. A atenção seletiva,como expliquei no Capítulo 3, está ligada àdecisão consciente de nos concentrarmosseletivamente em determinadas características doambiente e ignorarmos as demais. Essa

capacidade é um elemento fundamental paraoutras dimensões, já que a incapacidade de nosconcentrarmos seletivamente pode nosimpossibilitar de sermos autoperceptivos ouantenados. A percepção aberta e acrítica serelaciona com a capacidade de absorvermos, alémdos pensamentos e sentimentos que surgem nonosso cérebro, os sinais do ambiente externo, deampliarmos nossa atenção e captarmos comsensibilidade os sinais muitas vezes sutis quecontinuamente chegam até nós, mas sem nos

xarmos num estímulo em detrimento de todosos demais.

Desde a pós-graduação eu suspeitava quediferenças individuais na atenção seletiva eramfundamentais para as diferenças emocionais. Naépoca, z um estudo no qual apliquei umquestionário criado pelo psicólogo Auke Tellegen,da Universidade de Minnesota, destinado amedir a propensão de uma pessoa para car

absorta numa atividade a ponto de deixar de estarciente do ambiente que a cerca. Por exemplo: umestudante que ca tão concentrado em seusestudos de matemática que não ouve o alarme deincêndio provavelmente terá uma alta pontuaçãona escala de Tellegen. No questionário, as pessoasdeveriam determinar o nível de precisão com quediversas a rmações as descreviam. Por exemplo:“Posso ser tocado profundamente por umalinguagem eloquente ou poética”; “Enquantoassisto a um lme, um programa de TV ou umapeça, posso car muito envolvido, a ponto de meesquecer de mim mesmo e do ambiente que mecerca e viver a história como se fosse real e euparticipasse dela” e “Quando escuto música, posso

car tão absorto que não sou capaz de percebermais nada”.

Depois de aplicar o questionário de Tellegen em150 alunos de graduação de Harvard, quesupostamente seriam pessoas bastante

concentradas,19 selecionamos os 10 que tiraram amaior nota na escala e os 10 com a menor nota.No modelo do estilo emocional, esses seriamindivíduos com estilos concentrado edesconcentrado, respectivamente. Submetemos os20 participantes a um exame deeletroencefalograma enquanto lhesapresentávamos estímulos visuais e táteis (luzespiscantes ou toques leves no antebraço, aplicadospor um aparelho que criei). Pedimos a eles quecontassem o número de vezes que as luzespiscavam ou que eles sentiam o toque noantebraço, enquanto registrávamos a atividade docórtex visual e do somatossensorial.

Você talvez imagine que a intensidade com quealguém se perde enquanto ouve música não deveestar relacionada com a força com que seucérebro responde a luzes piscantes, mas aí está: onível de atividade do córtex visual enquanto umparticipante contava as luzes e do córtex

somatossensorial enquanto ele contava os toquescorrespondia à sua pontuação na Escala deAbsorção de Tellegen. Os participantes queconseguiam car completamente concentrados noambiente que os cercava tinham uma atençãoseletiva mais forte – mais atividade no córtexvisual ou no somatossensorial – que aqueles quenão cavam nem um pouco concentrados. Essafoi, para mim, a primeira indicação de quediferenças no nível de atenção talvez tivessemimportância.

No entanto, foi só quando utilizei técnicasmodernas de avaliação do cérebro que conseguiidenti car o circuito cerebral que controla o estilode Atenção de cada pessoa. Outros estudos jáhaviam demonstrado que o córtex pré-frontaltem um papel importante no ato de orientar aatenção seletiva. O cérebro realmente intensi caos sinais nos quais quer prestar atenção – como aspalavras de um amigo no restaurante, em relação

aos ruídos de fundo – e atenua os sinais quedeseja ignorar – as outras conversas, por exemplo.Com base nesse fato, zemos um experimento emque os participantes usavam fones de ouvido20através do quais ouviam sons agudos e graves, umpor segundo, no ouvido direito ou no esquerdo.Pedimos aos participantes que apertassem umbotão toda vez que determinado tipo de somfosse apresentado em certo ouvido – por exemplo,o tom agudo no ouvido esquerdo durante cincominutos, depois o grave no ouvido direito peloscinco minutos seguintes, e assim por diante, emtodas as quatro combinações. Ao mesmo tempo,medimos a atividade elétrica cerebral com umadensa trama de sensores de eletroencefalogra aposicionados em todo o couro cabeludo.

Usando métodos modernos de análise dossinais elétricos cerebrais, zemos uma descobertamarcante. Quanto mais os participantesconseguiam concentrar sua atenção no estímulo

correto de forma estável, apertando o botãosomente ao ouvirem um som grave no ouvidodireito, por exemplo, mais os sinais elétricos dasregiões pré-frontais se sincronizavamprecisamente com a chegada dos sons. Essa“sincronia de fase” signi ca que a atividadecerebral pode ser acoplada a estímulos externos.Quando isso ocorre, a atenção se tornaextremamente concentrada e estável, o que édemonstrado pela precisão com que osparticipantes apertavam o botão e a consistênciaem seu tempo de resposta de um som para oseguinte. A sincronia de fase que identi camosenvolvia apenas os sinais da região pré-frontal –nenhuma outra região cerebral foi ativada –, oque ressalta a importância do córtex pré-frontalna regulação da atenção seletiva.

A percepção aberta e acrítica também surge depadrões especí cos de atividade cerebral,21 comodescobrimos em 2007 num estudo sobre a

intermitência da atenção. Como descrevi noCapítulo 3, a intermitência da atenção ocorrequando a mente, que ainda está lidando com umobjeto da atenção prévio, torna-semomentaneamente inconsciente do ambiente.Isso não quer dizer que a pessoa tenha entradoem coma, e sim que não percebe o que acontecebem diante de seus olhos – por exemplo, umnúmero que surja em meio a uma sequência deletras. Quando medimos a função cerebraldurante essa intermitência da atenção, vemosque o grau de hiperatenção que as pessoasdedicam ao primeiro número (o 3 na sequênciaT, J, H, 3, I, P, 9, M...) determina se elas irãonotar o segundo número (9) ou não. Dito deoutra forma, indivíduos com alto grau depercepção aberta e acrítica tendem a notar osegundo número, enquanto pessoas com baixograu quase sempre deixam de percebê-lo. Osdados do eletroencefalograma revelaram a base

cerebral desse fenômeno: o surgimento de umpotencial chamado P300, que é apenas um sinalelétrico desencadeado em resposta a um eventoou estímulo externo especí co. O nome indicauma resposta positiva (daí o P) que ocorreaproximadamente 300 milissegundos após oevento. Um sinal P300 forte demais indica umexcesso de investimento de concentração noprimeiro número, o que faz com que a pessoa nãoperceba o segundo. Um P300 fraco demais, porsua vez, indica uma carência de investimento, oque faz com que a pessoa também deixe deperceber o primeiro número. A percepção abertae acrítica requer um equilíbrio: a pessoa não pode

car presa a um estímulo chamativo – em vezdisso, deve estar aberta a todos os estímulos.

Resumindo: no extremo concentrado dadimensão Atenção, o córtex pré-frontal tem umaforte sincronia de fase em resposta a estímulosexternos e uma ativação moderada do sinal P300.

No extremo desconcentrado, o córtex pré-frontaltem uma baixa sincronia de fase e um sinal P300extremamente fraco ou extremamente forte.

Incluí neste capítulo muitas descobertas deestudos sobre o cérebro, mas espero que vocêtenha captado duas mensagens claras. A primeiraé que existe um padrão inconfundível deatividade neuronal na base de cada dimensão doestilo emocional. A segunda é que essa atividadecostuma ocorrer em regiões do cérebro queteriam chocado os psicólogos pesquisadores dadécada de 1970 e até da de 1980. Como descrevino Capítulo 2, eles faziam pouco caso dasemoções, presumindo que não passavam de umentulho incômodo que interferia nas funçõesmais nobres do cérebro, isto é, a cognição, arazão, o discernimento e o planejamento.

Na verdade, os circuitos do cérebro emocionalestão frequentemente sobrepostos aos do cérebroracional e pensante, e acredito que a mensagem

que podemos extrair desse fato seja bastante forte:as emoções trabalham de forma integrada com acognição, permitindo assim que encontremosnosso rumo no mundo das relações, do trabalho edo crescimento espiritual. Quando as emoçõespositivas nos dão energia, conseguimos nosconcentrar mais, compreender as redes sociaisnum novo emprego ou numa nova escola, ampliarnosso pensamento de modo a integrarcriativamente diversas informações e sustentarnosso interesse e perseverança numa tarefa.Nesses casos, as emoções não são elementos quenos interrompem ou perturbam, como ospsicólogos da década de 1970 acreditavam. Aocontrário: elas facilitam nossa vida. Umsentimento permeia praticamente tudo o quefazemos. Logo, não é de surpreender que oscircuitos cerebrais que controlam e regulam asemoções estejam sobrepostos àqueles envolvidosem funções que consideramos puramente

cognitivas. Não existe uma linha divisória claraentre as emoções e outros processos mentais: elesse confundem uns com os outros. Por isso,praticamente todas as regiões cerebrais participamdas emoções ou são afetadas por elas – atémesmo o córtex visual e auditivo.

Esses fatos sobre a organização neural dasemoções têm importantes implicações paracompreendermos por que nossos pensamentos epercepções são alterados quando sentimosemoções. Eles também ajudam a explicar comopodemos usar nosso mecanismo cognitivo paraintencionalmente regular e transformar nossasemoções, como veremos. Mas também tocam emoutra questão: as marcas cerebrais de cadadimensão do estilo emocional parecem constituirelementos fundamentais do nosso ser. Assim, éfácil presumirmos que sejam inatas, querepresentem características essenciais de umapessoa, como suas impressões digitais e a cor de

seus olhos, sendo igualmente imutáveis. Foi oque eu supus um dia, como descreverei nopróximo capítulo.

Q

C A P Í T U L O 5

COMO O ESTILO EMOCIONAL SE

DESENVOLVE AO LONGO DA

VIDA

uando descobri as bases neurológicas dasseis dimensões do estilo emocional, presumi

que elas fossem inatas e xas, determinadas assimque uma criança chega ao mundo. Como outroscientistas e pais de primeira viagem, tambémnotei, maravilhado, as impressionantespersonalidades dos recém-nascidos. Alguns bebêssão curiosos e relaxados, outros são irritadiços eansiosos. Minha primeira lha, Amelie, foi umacriança alegre e extrovertida, que começou a falarcedo e sempre gostou de se comunicar. Aos 8

anos, quando viajávamos de avião, ela já preferiase sentar separada de mim e de minha mulher,pois desse modo poderia mais facilmenteconversar com outras pessoas. Ao nal do voo, elajá sabia a história da vida de quem quer queestivesse sentado a seu lado. Seth, ao contrário,apesar de ser um menino doce e encantador,preferia sondar as situações a mergulhar decabeça.

DNA EMOCIONAL

As crianças parecem vir ao mundo comtemperamentos e estilos emocionais preexistentes,o que sugere que eles devem ser moldados pelosgenes herdados dos pais. A nal, o recém-nascidoainda não teve nenhuma experiência quepudesse influenciar seu estilo emocional,1 por issoos genes são considerados os únicos fatoresdeterminantes possíveis.* Estudos que comparamgêmeos idênticos a gêmeos fraternos mostramindícios convincentes de que os genes nosin uenciam a ser tímidos ou arrojados,cuidadosos ou dispostos a assumir riscos, tristesou felizes, ansiosos ou relaxados, concentrados oudispersivos.2 Essas pesquisas se baseiam no fatode que os gêmeos idênticos são gerados a partirde um único óvulo fertilizado, tendo assimsequências genéticas idênticas. Os gêmeosfraternos são gerados de dois óvulos, fertilizados

por dois espermatozoides, tendo assim um graude proximidade genética semelhante ao deirmãos não gêmeos. Eles compartilhamaproximadamente metade dos genes dos quaisexistem diferentes variedades. Muitos geneshumanos possuem uma única variedade. Assim,independentemente do grau de parentesco deduas pessoas, elas terão cópias idênticas dessesgenes. Gêmeos idênticos são, portanto, duasvezes mais semelhantes geneticamente entre sique irmãos não gêmeos, devendo, portanto, sercerca de duas vezes mais semelhantes entre si quegêmeos fraternos em qualquer característica quecontenha um componente genético. Dito deoutra forma: quando a semelhança entre gêmeosidênticos em certo atributo é maior que entregêmeos fraternos, esse é um forte sinal de que talcaracterística tem base genética.

Dessa forma, os estudos com gêmeos são umamina de ouro na busca de pistas para a base

genética do temperamento, da personalidade edo estilo emocional. Alguns dos traços maissemelhantes entre gêmeos idênticos que entrefraternos são a timidez, a sociabilidade, aemotividade, a tendência ao sofrimento, aadaptabilidade, a impulsividade e o equilíbrioentre emoções positivas e negativas. Esse podeparecer um estranho grupo de aspectos variados,mas os escolhi porque cada um deles secorrelaciona com uma das dimensões do estiloemocional.

• A timidez e a sociabilidade estão relacionadas

com a dimensão Intuição Social.• A emotividade está relacionada com a

Resiliência e a Atitude.• A tendência à angústia e ao sofrimento está

relacionada com a Resiliência.• A adaptabilidade se correlaciona

principalmente com a Sensibilidade ao

Contexto.• A impulsividade está relacionada com a

posição em que a pessoa se situa na dimensãoAtenção (pessoas desconcentradas, porexemplo, tendem a ser mais impulsivas).

• Emoções positivas ou negativas geralmente sãoproduto das dimensões Resiliência e Atitude.

Para todas essas características, a contribuição

genética varia de 20% a 60%, isto é, a diferençaentre uma pessoa e outra em cada aspecto variaentre um quinto e três quintos. Se esse é umvalor alto ou baixo, depende da sua perspectiva.Um determinista genético obstinado considerariaestranhamente baixo qualquer valor inferior a100%, ao passo que alguém que acredite quesomos uma tábula rasa ao nascermos pensaria em20% como um valor alto demais. Para ns decomparação, a anemia falciforme, por exemplo, é100% determinada pela hereditariedade,

enquanto o fato de pertencer a uma religiãoespecí ca praticamente não tem nenhumarelação com o caráter hereditário.

Vivemos na era da genética e muitas pessoaspresumem que todas as características sejamherdadas do DNA, mas isso certamente não éverdade. Para exempli car, pense naesquizofrenia. Embora a doença tenha um fortecomponente genético, quando um dos gêmeosidênticos a desenvolve, a probabilidade de que ooutro irmão venha a sofrer do mesmo problema éde apenas 50%. A depressão tem umacontribuição genética ainda mais baixa, queparece variar segundo o sexo: em mulheres, 42%dos casos são determinados pela hereditariedade,e, em homens, 29%. É interessante notar que afacilidade com que um bebê se acalma parecenão ter praticamente nenhum componentegenético e meus estudos com gêmeos mostramque os transtornos de ansiedade têm um

componente genético ainda menor que adepressão. Mesmo nos aspectos com algumcomponente hereditário, os genes não explicam oquadro como um todo.3 As propensões genéticaspodem fazer com que uma criança sejadirecionada a determinado estilo emocional, mascertas experiências e ambientes podem desviá-lade um caminho para outro.

NASCEU TÍMIDO?

O cientista pioneiro no estudo da base inata dotemperamento é Jerry Kagan, da Universidade deHarvard, um apaixonado pelo estudo da formacomo o temperamento de uma criança sedesenvolve. Sempre que eu ou outros estudantespassávamos por ele nos corredores, Kaganperguntava, brincalhão: “A natureza se reveloupara vocês hoje?” Ele nos incentivava a descobriro que determina como uma criança será.

Kagan foi precursor no estudo da inibiçãocomportamental,4 que é basicamente uma formade ansiedade. O termo descreve a propensão a

carmos imóveis em resposta a algo novo oudesconhecido, reação muito parecida com atimidez. Kagan foi o primeiro a examinarsistematicamente os correlatos comportamentais ebiológicos às diferenças individuais entre criançaspequenas que demonstram esse tipo detemperamento.

Sua principal descoberta veio após um estudorealizado durante anos com uma grandequantidade de crianças5 que foram avaliadas embusca de inibição comportamental. Elas foramclassi cadas, segundo seu comportamento, comoinibidas ou desinibidas, sendo então reavaliadasquando tinham pouco mais de 20 anos. Kaganpediu aos pais que descrevessem os lhos e osclassi cassem de acordo com uma escala deinibição comportamental. Ele também observouas crianças e examinou seu cérebro por meio daressonância magnética funcional. A fMRImostrou que os adultos jovens que haviam sidoclassi cados como fortemente inibidos nainfância tinham maior ativação da amígdala, emcomparação com as crianças avaliadas comodesinibidas. A amígdala tem papel fundamentalnas sensações de medo e de ansiedade,respondendo a eventos ameaçadores doambiente. A maior ativação da amígdala re ete

uma importante característica de crianças eadultos de comportamento inibido: eles sãohipervigilantes, estão sempre à procura depossíveis ameaças e fontes de perigo e têm maispropensão a se assustar em resposta a pequenosruídos que pareceriam inócuos para a maioria daspessoas. Em suma: o que o trabalho de Kagandemonstra é que a inibição comportamental éuma característica do temperamentoincrivelmente estável. A criança tímida aos 9 anosse torna um adolescente tímido aos 16 e depoisum adulto tímido. Como Kagan descobriu o queparecia ser a base cerebral para aquilo – maioratividade da amígdala – e como, na época em queo trabalho foi feito (as décadas de 1980 e 1990), amaioria dos cientistas acreditava que os genesherdados determinavam a estrutura e a funçãocerebral, a imutabilidade da inibiçãocomportamental se tornou parte da culturapopular. A frase que resumia esse pensamento

era: “Nascido tímido, sempre tímido.”Até alguns anos atrás, dizer que havia uma base

genética para o estilo emocional ou para qualqueroutra característica física ou psicológicapressupunha algo mais: que essa característicapermaneceria conosco durante toda a vida, comoum legado que levaríamos para o túmulo. A nal,a forma do nosso nariz e a cor dos nossos olhos,que são determinadas geneticamente, não variam(exceto em caso de traumatismos ou cirurgiasplásticas). Assim, acreditava-se que característicaspsicológicas com base genética, como o estiloemocional, também não se modificariam.

No entanto, a genética passou por umarevolução e o dogma de que “genético =imutável” foi derrubado de forma drástica ecompleta. Os cientistas zeram duas descobertasincríveis e relacionadas: uma característicagenética pode se expressar ou não, dependendodo ambiente no qual a criança cresça, e o gene

em si – a dupla hélice existente em todas asnossas células – pode ser ativado ou desativado,de acordo com as experiências que vivenciamos. Émuito comum ouvirmos que não existe um fatorúnico – nem genético nem ambiental – queexplique as variações no estilo emocional. Masisso é tão óbvio e incontestável quanto dizer queo sol é quente. Estamos falando de algo muitomais interessante: ao contrário da crença popularde que algo que tinha uma base genética caráconosco pelo resto da vida – como poderíamosmodi car nosso próprio DNA? –, sabemos hojeque até mesmo as características genéticas podemser modi cadas consideravelmente pelasexperiências vividas pelas crianças e de acordocom o modo como são tratadas por pais,professores e as demais pessoas.

O EFEITO DA CRIAÇÃO SOBRE A NATUREZA

A mera presença de um gene não é su cientepara que a característica por ele codi cada sejaexpressa. O gene também precisa ser ativado, eestudos com pessoas e animais de laboratóriomostram que as experiências de vida podemativar ou desativar os genes. A cultura é,portanto, capaz de afetar a natureza.

Isso cou claro a partir dos estudos feitos comum gene que cou famoso no m da década de1980, quando um grupo de cientistas começou aestudar uma grande família holandesa na qual 14homens, ao agirem impulsivamente, tinhamcometido crimes agressivos, entre os quaisincêndio criminoso e tentativa de estupro. Em1993, os cientistas demonstraram que todos elestinham uma forma idêntica de um gene nocromossomo X, produtor de uma enzimachamada MAO-A – ou monoamina oxidase A –,que metaboliza neurotransmissores como a

serotonina, a noradrenalina e a dopamina. Aversão normal do gene, mais longa, produz muitaMAO-A; a versão aberrante, mais curta, produzpouca enzima. Quanto mais MAO-A temos nocérebro, mais rapidamente essesneurotransmissores são destruídos.

Cerca de um terço das pessoas possui a formacurta do gene e dois terços possuem a formalonga. Estudos em animais relacionaram baixosníveis da enzima, característicos da forma curtado gene, com a agressão, talvez pelo fato de que,na falta da MAO-A, o cérebro ca inundado desubstâncias neuroquímicas que induzem àagressão. De fato, homens com a versão curtacostumam ter uma reação explosiva diante deameaças e essa resposta é medida por umaumento da atividade na região do cérebro ligadaao medo – a amígdala – à vista da imagem de umrosto bravo. Isso talvez explique a violênciacometida pelos homens naquela família

holandesa. O gene que codi ca a MAO-A couconhecido como o “gene da violência”:manchetes de jornais alertavam sobre a “violênciano sangue” e houve quem sugerisse testar todas aspessoas para identi car os portadores da formacurta, a m de melhor conter futuros criminososantes mesmo de eles largarem a mamadeira.

Mas, então, surgiu um estudo notável.6 Umgrupo de cientistas examinou 442 homensneozelandeses com o objetivo de determinar otipo de gene de MAO-A presente neles. Oscientistas analisaram os registros criminais eoutros registros públicos para identi car quaisdesses indivíduos haviam apresentadocomportamento antissocial ou criminoso até os 26anos, realizaram uma avaliação psicológica com aintenção de determinar se os participantestinham transtorno de personalidade antissocial,transtorno de conduta na adolescência ou outrasdoenças psicológicas e entrevistaram ao menos

uma pessoa que conhecesse bem cada um dosparticipantes. Um total de 63% dos homenspossuía a forma de alta atividade do gene deMAO-A e 37% tinham a forma de baixaatividade. Eis a surpresa: não havia nenhumaassociação estatisticamente signi cativa entre ogene e o comportamento antissocial. Isto é: àsvezes os garotos com MAO-A de baixa atividadese tornavam criminosos ou delinquentes, às vezesnão. Mas a grande revelação foi: se um homemcom o gene de MAO-A de baixa atividade tivessesofrido maus-tratos quando criança, comoocorrera com 8% daqueles neozelandeses, eletinha uma enorme probabilidade de apresentarcomportamento antissocial. Homens com umgene idêntico, mas que houvessem recebido amore carinho na infância, caso de 64% dos estudados,não ofereciam risco de comportamento antissocialmaior que o oferecido pelos homens de MAO-Ade alta atividade. Os genes, por si sós, não

aumentam o risco de delinquência ecriminalidade – para isso, é necessário que hajatambém um ambiente desfavorável.

Após esse estudo, os cientistas examinaram omesmo grupo de homens neozelandeses paradeterminar se essa interação entre a natureza e acultura ocorria no gene do transportador deserotonina, também ligado ao comportamento.7Situado no cromossomo 17, esse gene produzuma enzima que retira o neurotransmissorserotonina das sinapses. Assim, o gene temessencialmente o efeito oposto dos conhecidosantidepressivos chamados inibidores seletivos darecaptação de serotonina – ou ISRSs –, quemantêm a substância por mais tempo nassinapses. Não é de admirar que uma versão curtado gene, que resulta numa menor produção deserotonina, esteja ligada à depressão. No entanto,mais uma vez os cientistas demonstraram que osgenes não determinam nosso destino. Entre

homens com a versão curta do gene, somente osque haviam passado por eventos estressantes aos20 e poucos anos tinham maior risco de se tornardepressivos. Se a pessoa tivesse o “gene dadepressão” mas levasse uma vida basicamentesem traumas, não teria maior risco dedesenvolver a doença.

Esses foram os primeiros indícios de que nossodestino emocional e psicológico não está sujeitoapenas às curvas da dupla hélice. A depender dasexperiências que uma criança vivencia, sua basegenética para a timidez, a agressão ou adelinquência poderá ou não se manifestar. Emvez de pensar no DNA como o so ware que fazas células funcionarem – ou como a partitura quedita as notas a ser tocadas pelo pianista –, é horade imaginar os genes como uma coleção demúsica. Independentemente da forma como vocêarmazena a música – num iPod, numa pilha deCDs ou em discos de vinil –, a música que

ouvimos é a que é tocada. O fato de haver certasharmonias codi cadas nas cristas e nos vales deum LP não signi ca que essa música chegará aténossos ouvidos. Sabemos hoje que o fato determos um gene especí co não signi ca que suamúsica fará parte de nossas vidas. Ou, deixandode lado a analogia musical, pense da seguintemaneira: os genes carregam a arma, mas só oambiente pode puxar o gatilho.

Mas de que maneira, exatamente, a vida quelevamos pode afetar os genes das nossas células eativá-los ou mantê-los desativados? Como decostume, as primeiras pistas sobre como o DNApode ser silenciado ou ampli cado pelasexperiências de vida vieram de estudos comanimais de laboratório. Na década de 1990, obiólogo Michael Meaney começou a pensar nosratos que estava estudando. Alguns eramextremamente inibidos e ansiosos: cavamimóveis ao serem colocados num ambiente

desconhecido e davam um salto de 30centímetros quando se assustavam. Eram osratinhos neuróticos, que reagiam a umaexperiência estressante com um pulo e cavaminundados de hormônios do estresse chamadosglicocorticoides, responsáveis por fazer o coraçãobater mais rapidamente e os músculos seprepararem para a reação de luta ou de fuga.Outros ratos eram tranquilos e relaxados. Quandocolocados num campo aberto que nunca tinhamvisto, exploravam o lugar com alegria. Mantinhamo autocontrole em situações de estresse: porexemplo, quando levavam um choque elétrico,secretavam apenas umas poucas gotinhas deglicocorticoides. Quando as ratas tranquilastinham lhos, elas lambiam e cuidavamnormalmente dos lhotes, o que, entre roedores,é equivalente a abraçar, beijar e contar umahistória antes de os lhos dormirem. As ratasansiosas, por outro lado, eram neuróticas demais

para assumir suas funções maternas. Essas mãeseram tão negligentes na hora de lamber os

lhotes que, se existisse uma agência de proteçãoa crianças roedoras, elas seriam obrigadas a teraulas sobre como cuidar dos filhos.

Em 1989, Meaney e seus colaboradoresdescobriram que a razão que levava alguns ratos alidar com as experiências estressantes de formatão tranquila8 era o fato de produzirem menosglicocorticoides em resposta ao estresse. Nos ratosmuito sensíveis aos glicocorticoides, uma dosepequena do hormônio já provoca um bom efeito– à semelhança das crianças obedientes, queatendem aos pedidos da mãe sem que ela precisefalar duas vezes. Por isso, quando sofrem umaexperiência estressante uma quantidade menorda substância inunda seu corpo. Com uma dosemenor do hormônio do estresse no sangue, osratos parecem mais tranquilos, menosassustadiços, temerosos e neuróticos. E alguns são

mais sensíveis aos hormônios do estresse porqueseu cérebro contém mais receptores para esseshormônios no hipocampo. Como o nome indica,os receptores são moléculas às quais osglicocorticoides se ligam. Com uma grandequantidade dessas moléculas, o corpo não precisaproduzir muito hormônio do estresse paratransmitir a mensagem. Por analogia: se seu lhoadolescente tivesse três ouvidos, talvez você nãoprecisasse gritar tão alto para que ele parasse dedeixar roupas sujas espalhadas pelo quarto.

Em meados da década de 1990, Meaneydescobriu que alguns ratos tinham maisreceptores de glicocorticoides no cérebro porquesuas mães os enchiam de lambidas e cuidados.10Essa experiência afetava os ratinhos pelo resto davida, programando seu cérebro para suportar comtranquilidade experiências estressantes, sem queeles se transformassem em trêmulas bolinhas deprotoplasma sempre que expostos a condições

desconhecidas. Os bebês que haviam recebidolambidas e cuidados viravam adultos serenos,curiosos, ávidos por explorar novos ambientes eresilientes diante do estresse. Mas os ratinhoscujas mães raramente os lambiam se tornavammedrosos e estressados, hipersensíveis, com umatendência a se assustar facilmente e a carparalisados diante de qualquer situaçãodesconhecida ou inesperada.

Como as ratas neuróticas e ansiosas têm lhotesneuróticos e ansiosos, todos presumiram que aneurose e a ansiedade fossem característicasgenéticas, herdadas e – é claro – imutáveis. E,como as ratas tranquilas têm lhotes tranquilos,todos presumiram que a tranquilidade tambémfosse genética, herdada e imutável. Mas Meaneysempre duvidara do dogma de que a ansiedadeou a tranquilidade fossem herdadas tal qual a cordos olhos. Assim, ele abriu uma espécie deagência de adoção de roedores, fazendo com que

mães neuróticas cuidassem de lhotes de mãestranquilas e que mães tranquilas criassem lhotesde mães neuróticas. A criação venceu a natureza.Os lhotes de mães ansiosas, neuróticas enegligentes criados por mães cuidadosas setornaram animais tranquilos, brincalhões,curiosos e plenamente bem ajustados, dispostos aexplorar terrenos desconhecidos e a aceitar novassituações com leveza – à semelhança de suasmães adotivas. Os lhotes de mães cuidadosas etranquilas criados por mães negligentes, noentanto, se deram mal: apesar de sua genéticapromissora, eles se tornaram bolinhas de peloscom os nervos à or da pele, que davam grandespulos quando assustados e se encolhiam de medoao serem colocados num ambiente desconhecido.Além disso, houve mais uma mudança: quandoos ratos adotados cresceram e se tornaram pais, asfêmeas se comportaram como suas mães adotivas,e não como as biológicas. Assim, as lhas de

mães negligentes criadas por mães que cuidaramdelas com diligência e as lamberam trataram seus

lhotes da mesma maneira, ao passo que asfêmeas nascidas de mães cuidadosas, mas queforam criadas por mães negligentes, se mostraramdesleixadas com seus lhotes. Os ratos haviamherdado um comportamento de mães cujos geneseram diferentes dos seus. Foi de fato um triunfoda criação sobre a natureza.

Você talvez conclua que as mães ratas tenham,de alguma forma, ensinado seus lhotes adotadosa se comportar e a criar seus lhos, ou que, nomínimo, serviram de modelo de comportamentoansioso ou tranquilo. Mas Meaney acreditava quehouvesse algo mais profundo em jogo. Ele sabiaque um dos genes que tornam um rato ansiosoproduz receptores de hormônios do estresse nohipocampo – receptores que os ratos tranquilostêm em abundância, mas os neuróticos não.Você deve se lembrar do que foi dito: quanto

maior é o número de receptores, menor é aquantidade de hormônio do estresse produzidaem resposta, por exemplo, à imagem de um felinofaminto que espreita a distância. Logo menor é aquantidade de hormônios do estresse para tornarum cérebro estressado e neurótico. Por outrolado, quanto menor a quantidade de receptores,maior é a produção e a disponibilidade dehormônios do estresse e mais ansioso e neuróticoé o rato. Dessa forma, um lugar óbvio em queprocurarmos uma explicação para atransformação dos bebês ratos – na qual acriação venceu a natureza – era nesses genes dereceptores de hormônios.

Meaney e seus colegas descobriram que o geneque ordena a produção de receptores dohormônio do estresse é alterado pelas primeirasexperiências na vida de um lhote: o gene é cercade duas vezes mais ativo em lhotes criados pormães atentas e cuidadosas que naqueles criados

por mães negligentes. (Lembre-se: o gene maisativo produz mais receptores de glicocorticoides.Quanto mais receptores, mais tranquilo o rato.)Meaney descobriu o mecanismo molecularpreciso que torna isso possível: as lambidas e oscuidados de uma mãe, que permitem que o genedo receptor de glicocorticoides seja ativado. Mas,se uma mãe é negligente e raramente lambe ecuida de seus lhotes, o gene do receptor dehormônios do estresse ca silenciado: um grupode átomos (chamado grupo metil) literalmente seencaixa no gene e o desativa. Meaneydemonstrara assim que as experiências de vidapodem afetar o próprio DNA de um animal,intensi cando-o ou impedindo-o de semanifestar. O resultado era tão surpreendenteque uma das maiores revistas cientí cas domundo rejeitou o artigo quando Meaney oapresentou para publicação, pois a noção de queo ambiente poderia ativar ou desativar genes

derrubava muitos dogmas. Os editores da revistaNature Neuroscience foram mais receptivos epublicaram seu estudo em 2004.11

O DNA humano também pode ser desativadopor grupos metil, como Meaney logo descobriuem outro estudo pioneiro. Ele e sua equipeutilizaram um recurso cientí co sombrio, porémprecioso: o Banco de Cérebros de Suicidas deQuebec. Como o nome indica, ele contémamostras de tecido cerebral de pessoas queacabaram com a própria vida – todos preservadosem recipientes de vidro em um congelador doInstituto Universitário Douglas de Saúde Mental,de Montreal, e armazenados ao lado doshistóricos médicos e psicológicos completos dossuicidas. Meaney estudou amostras de 36cérebros:12 um terço era de suicidas que haviamsofrido maus-tratos na infância, outro terço desuicidas que não haviam sofrido maus-tratos e oúltimo terço era de não suicidas. Analisando os

cérebros humanos como haviam feito com os deratos, Meaney e seus colegas descobriram que, emcomparação com os cérebros de não suicidas, ode pessoas que haviam se matado e na infânciahaviam sofrido maus-tratos continha umaquantidade signi cativamente maior deinterruptores desativados pela metilação no genedo receptor de glicocorticoides. Esse era o geneque, como descobrira a equipe de Meaney, estavametilado em ratos criados por mães negligentes.Em pessoas, assim como em roedores, o sistemade resposta ao estresse ca em alerta máximoquando o gene está silenciado, o que faz com queo indivíduo tenha extrema di culdade em lidarcom as adversidades da vida. Sabe-se há muitotempo que a atividade anormal do sistema dereação ao estresse está ligada ao suicídio. Comessa descoberta, feita em 2009, Meaney fechou acadeia causal: os maus-tratos na infância alterama expressão de genes no cérebro, essa expressão

alterada prejudica a capacidade de lidar com asadversidades e a incapacidade de lidar com asadversidades torna a pessoa mais vulnerável aosuicídio.

Contrariando a crença de que os genes quepossuímos são xos e imutáveis, estudos como osde Meaney têm mostrado que nosso DNA separece mais com aquela grande coleção de CDs:assim como o fato de termos um CD não signi caque iremos tocá-lo, o de termos um gene nãosigni ca que ele será ativado (ou, como dizem osgeneticistas, “expressado”). O grau de expressãodo gene é fortemente afetado pelo ambiente.Assim, embora possamos ter, por exemplo, umapropensão genética à ansiedade, sermos criadosem um ambiente que promova o equilíbrio é fatorcapaz de silenciar esse “DNA ansioso”,impedindo-o de afetar o cérebro e, assim, nossocomportamento ou temperamento. É como senunca colocássemos o CD no aparelho de som.

A presença de um grupo metil cobrindo umpedaço de DNA é chamada alteraçãoepigenética. Essa alteração não modi ca asequência do gene, denotada pelas famosascombinações de A, T, C e G, mas altera suaexpressão. Isso pode explicar enigmas como abaixa concordância entre gêmeos idênticos noque diz respeito à esquizofrenia, por exemplo. Aonascerem, os gêmeos idênticos são muitosemelhantes do ponto de vista epigenético. Se umgene em particular estiver silenciado num dosgêmeos, geralmente estará silenciado no outrotambém. No entanto, com o decorrer da vida,acabamos por acumular alterações epigenéticas.Seja pelo mero acaso, seja pelas experiências quevivemos – por exemplo, o fato de sermos criadospor pais atenciosos, embora se tenha quase comocerto que muitas outras experiências afetem oDNA –, nossos genes recebem cada vez maismarcas epigenéticas. Elas tanto silenciam alguns

genes previamente ativados quanto retiram amordaça que havia sido posta em outros.

Um estudo de 2005 demonstrou quanto asexperiências são importantes:13 gêmeosidênticos que levaram vidas parecidas e viveramjuntos por um bom tempo eram mais semelhantesdo ponto de vista epigenético que gêmeosidênticos que tiveram estilos de vida diferentes eviveram a maior parte da vida separados, o que,presumivelmente, signi ca que compartilharammenos experiências. Aos 50 anos, gêmeos criadosseparados tinham quatro vezes mais diferençasepigenéticas – quatro vezes mais genes silenciadosnum gêmeo e ativados no outro – que aos 3 anos,quando suas experiências de vida erampraticamente idênticas. E esse é o segredo queexplica como ambientes diferentes fazem com quepessoas de genomas idênticos acabem setornando pessoas diferentes.

CONHEÇA ROBIE

Muitas vezes já fantasiei medir mudanças naexpressão gênica de crianças à medida que elascrescem, em especial depois de nosso estudo comRobie, o Robô. Esse foi nosso primeiro grandeestudo longitudinal sobre o estilo emocional. Neleanalisamos a inibição comportamental, acaracterística que, segundo o famoso estudo deKagan, estende-se da infância à vida adulta. Ainibição está ligada à dimensão Resiliência doestilo emocional, isto é, crianças tímidas ouinibidas são menos resilientes: levam mais tempopara se recuperar de qualquer situação que asdeixe estressadas, como estar em um ambientedesconhecido ou ter que interagir com estranhos.Crianças desinibidas costumam ser resilientes:enfrentam as circunstâncias mais tensas comtranquilidade, recuperando-se tão rapidamentede qualquer pontada inicial de ansiedade que malchegam a notá-la. De fato, eu diria que é

justamente essa falta de resiliência que talvezesteja por trás da timidez, sendo umacaracterística mais básica: falar com estranhos,explorar um terreno desconhecido ou qualqueroutra situação que exija coragem e desinibiçãoleva as pessoas tímidas a sentir ansiedade esofrimento prolongados, o que faz com que elasevitem tais situações. Elas agem com timidez(pessoas autoperceptivas evitam conscientementetais situações, enquanto pessoas autoignorantesfazem isso de forma inconsciente, dizendo apenasque preferem trabalhar em casa e que não gostamde sair à noite). Por acreditar que as crianças jápossuíam estilos emocionais ao nascerem e queesses estilos persistiriam ao longo da vida, presumique iríamos descobrir que a Resiliência de umacriança (ou sua ausência) caria com ela parasempre – por ser fixa, estável, imutável.

Na década de 1980, um jornal da cidadepublicava anúncios de nascimento, uma mina de

ouro para os cientistas que precisavam devoluntários para seus estudos. Um escritório daUniversidade de Wisconsin registrava cadanascimento, criando um grande banco de dadosde crianças, organizado pelas datas deaniversário. Se um cientista quisesse, porexemplo, encontrar 100 crianças de 3 anos, tudoo que precisava fazer era solicitar a lista dosnascidos três anos antes e começar a telefonarpara os pais. Foi o que zemos: estávamos em1988 e examinamos a lista de crianças nascidasem 1985. Em seguida, descartadas as que viviam amais de 40 quilômetros de distância,perguntamos aos pais das demais crianças seestariam interessados em participar de umapesquisa cientí ca sobre a inibiçãocomportamental – a timidez. Conseguimosconvencer 70% dos pais a participar – o quedemonstra quanto a universidade é bem-vistapela comunidade – e programamos sua vinda ao

meu laboratório.Embora houvesse alguns pais, a maior parte dos

voluntários foi levada pelas mães. Eram 368crianças, duas famílias por vez. A estudante depós-graduação Rona Finman conduzia as mãesaté as cadeiras que estavam no canto de umagrande sala repleta de brinquedos e pedia a elasque preenchessem uma pilha de questionáriosque tratavam dos dados demográ cos básicos dacriança, além de seu temperamento(Temperamental? Ansiosa? Tímida?), e do modode agir da mãe. Nesse meio-tempo as criançasficavam brincando no chão com os brinquedos.

Depois de alguns minutos, a porta da sala seabria e Robie, nosso robô movido a controleremoto, entrava. O robô, que era um pouco maisbaixo que as crianças, avançava sobre três rodas,tinha duas luzes piscantes como olhos, umacabeça que se movia para os dois lados e umaboca mecânica que se mexia quando ele falava.

Aproximando-se de cada criança, movido pornosso controle remoto, ele anunciava com sua vozde computador: “Oi, eu sou Robie, o Robô, e vimbrincar com você. Quer brincar comigo?”Seguindo as instruções de Rona, as mãescontinuavam concentradas nos questionários enão erguiam os olhos nem interagiam com osfilhos.

As crianças tiveram reações de todo tipo.Algumas corriam até o robô, tocavam-no econversavam com ele. Outras cavam imóveis,sem pronunciar nem mesmo uma palavra. Porexemplo: Will, lho de uma professora com umservidor público, foi um dos que permaneceramimóveis. Assim que Robie entrou, Will largou obrinquedo com o qual estava brincando e couali, completamente parado, sem dizer nada,encarando o robô. Continuou atento, com umaexpressão preocupada, observando Robie, embusca do primeiro sinal de problemas. Quando o

robô se aproximou dele, Will deu vários passospara trás e cou imóvel mais uma vez. Depois devários outros convites para brincar, Robieanunciou que tinha que ir embora, deu meia-volta e saiu por onde havia entrado. Após a saídado robô, o menino quase suspirou de alívio evoltou a brincar. Por outro lado, Sam, lho dodono de uma pequena empresa de construçãocom uma bibliotecária, correu até Robie assimque o robô entrou na sala, sorriu, agarrou-o e nãoparou de falar. Rona achou que a criança fossearrancar a antena da cabeça de Robie, o que nosimpediria de controlá-lo remotamente. Sam nãoparava de pular e de chamar a mãe (“Olha! Olhao robô, mãe!”), que seguia, imperturbável, nossasinstruções de continuar concentrada nosquestionários independentemente do queocorresse.

Multiplique Will e Sam por 184, e você iráentender o que vimos ao observarmos crianças

interagirem (ou não) com Robie durante 25minutos. Tivemos muitos Wills: tímidos,reticentes, preocupados e nem um poucoresilientes. Eles não conseguiram superar o medoque sentiam diante de uma criatura desconhecidae de uma situação estranha. Também tivemosmuitos Sams: extremamente extrovertidos,sociáveis e resilientes, capazes de absorver ochoque de ver um robô falante e de se adaptar àestranheza da situação. No jargão da área,tivemos crianças que não mostravampraticamente nenhuma inibição comportamentale outras com um alto grau de inibiçãocomportamental – altos níveis de Resiliência efalta de Resiliência, respectivamente. E tivemosmuitas crianças cujo comportamento cou entreesses dois extremos. Seis meses após essaavaliação comportamental (foi o tempo quelevamos para fazer todos os testes com Robie),pedimos às famílias que voltassem ao laboratório

para medirmos, no eletroencefalograma, aatividade de base do cérebro das crianças, isto é,a atividade cerebral durante um momento dedescanso, em que elas não estivessem fazendonada em particular, embora, é claro, nãopudéssemos controlar se estariam sonhandoacordadas ou cantarolando mentalmente amúsica de seu desenho animado favorito.

A enorme variação no grau de timidez ousociabilidade de crianças pequenas não énenhuma notícia de outro mundo. Podemosobservá-la se dermos uma volta pelo parquinhoinfantil mais próximo. O que procurávamos,porém, era outra coisa. Como já disse, oparadigma predominante na psicologia dodesenvolvimento era de que o temperamento épersistente. E era isso que queríamos testar.

A partir das reações das crianças de 3 anosdiante de Robie, identi camos 70 que, dentreaquelas 368, acompanharíamos de forma mais

intensa, num estudo longitudinal. Determinamosquantidades aproximadamente iguais de criançasmais tímidas, como Will, que falaram poucaspalavras com Robie e em seguida esconderam acabeça no colo da mãe; de crianças desinibidas,como Sam, que passaram menos de 10 segundoscom a mãe e zeram de Robie seu novo melhoramigo; e de crianças que, entre esses doisextremos, interagiram com Robie durante umtempo que se manteve dentro da média. Pedimosaos pais que novamente trouxessem as crianças aolaboratório quando elas tivessem 7 anos e depois,mais uma vez, aos 9.

Tendo em vista a descoberta de Kagan de que otemperamento parece ser uma característica xa,eu esperava que as crianças que se mostraramtímidas com Robie aos 3 anos continuassemacanhadas nos testes subsequentes, e que ascrianças extrovertidas, da mesma forma,mantivessem seu temperamento. Porém mesmo

as descobertas mais respeitadas da ciênciaprecisam ser testadas e havia algumas questõesnos estudos de Kagan que deixaram certaspessoas descon adas, sobretudo uma colega queseria fundamental nos estudos com o robô:Maureen Rickman.

Maureen terminou sua graduação emneurociência na Universidade de Wisconsin emMadison no início da década de 1980, uma épocaem que esse curso só existia no nível de pós-graduação. Mas Maureen convenceu asautoridades universitárias a lhe permitirem cursaras matérias que lhe dariam um título degraduação em neurociência e cou vidrada noassunto. Depois que se formou, passou cinco anosfazendo pesquisa com bebês, em especial sobre odesenvolvimento da audição. Ela disse: “Eurealmente queria estudar algo relevante. Tinhaouvido falar de um cara que faziaeletroencefalogramas para localizar as funções

cerebrais de determinadas regiões e se perguntavaqual seria o aspecto do cérebro das pessoasansiosas.” Ela estava falando de mim. Assim,aceitei Maureen como estudante de pós-graduação em meu laboratório.

Expliquei a ela que, à semelhança do que Kaganhavia feito, iríamos determinar se a inibiçãocomportamental apresentada por uma criança aos3 anos persistia até mais tarde na infância e se ospadrões de atividade cerebral subjacentes a essacaracterística também persistiam. QuandoMaureen começou a acompanhar o estudolongitudinal, já estávamos na terceira avaliação eas crianças tinham 9 anos. Antes de entrar emcontato com a primeira criança, Maureen teriaque reler os estudos de Kagan segundo os quais ainibição comportamental da infância persiste naadolescência – isto é, “uma vez tímido, sempretímido”. Ela não estava tão interessada naconclusão, que já era bastante conhecida, e sim

nos complexos detalhes da metodologia.Uma tarde, Maureen veio à minha sala e

perguntou se eu havia notado algo sobre osestudos: uma das medidas para a timidez dascrianças nas investigações de Kagan era umaavaliação feita pelos pais. Segundo ela, issopoderia ser um problema, pois os pais tendem ater opiniões quase imutáveis sobre os lhos: este

lho é “o incontrolável”. Este é “o inteligente”.Este é “o tímido”. Será que o hábito de rotular ascrianças não os impediria de perceber asmudanças de temperamento pelas quais elaspassavam? E se, uma vez tendo observado atimidez no filho aos 3 anos, os pais pensassem queele seria tímido para sempre? Isso poderia terdistorcido as descobertas de Kagan? A avaliaçãodos pais sobre o temperamento da criança nãoera a única medida usada por ele, mas era umadelas, o que poderia ser problemático.

Havia mais um problema metodológico. Ao

mergulhar nos detalhes do estudo de Kagan,Maureen notou que outro critério que ele usarapara classi car as crianças era o tamanho de suasfrases antes da nona sentença espontânea. Ela

cou confusa com isso, como deve ter acontecidocom você agora. De onde Kagan tirara a ideia decontar o número de palavras das primeiras oitofrases que as crianças diziam em várias situaçõesno laboratório, concluindo que a articulação depoucas palavras seria sinal de timidez e que atagarelice representaria a ausência de inibiçãocomportamental? Por acaso uma criança que diga“Quem é ele?” é mais tímida que outra que diga“Mamãe, mamãe, quem é aquele homemsentado ali?”. A timidez pode tornar algumaspessoas tão ansiosas que elas tendem a falar semparar. Outras cam mudas, dizia Maureen.“Como ele inventou essa medida de timidez?”,perguntou-me ela. “Qualquer medida queescolhamos deve ter validade e fazer sentido, caso

contrário, precisaremos de uma explicação muitoboa para o fato de a termos escolhido.”

Kagan também usou medidas mais razoáveis detimidez: a imobilidade de uma criança napresença de um estranho e seus níveis dehormônios do estresse durante esse encontro.Mas os dois aspectos estranhos da metodologia deKagan – as avaliações parentais e o número depalavras nas frases de uma criança – nos zerampensar que a conclusão sobre a persistência datimidez poderia não ser tão sólida quanto todospresumiam.

LÁ SE VAI O TEMPERAMENTO

Robie não iria funcionar com crianças daquelaidade. Pelo que sabíamos, crianças de 9 anospoderiam tanto bater no robô quanto interagircom ele. Para testarmos sua inibiçãocomportamental, decidimos colocar cada umadelas em três situações distintas. Na primeira, umestranho – um dos estudantes de pós-graduação– estaria lendo na sala quando a criança entrasse.Algumas crianças imediatamente se aproximavame perguntavam “O que você está lendo?”,enquanto outras o ignoravam e começavam a sedistrair com os brinquedos. Na segunda situaçãohaveria um cientista usando uma medonhamáscara de lobo. Ele falaria com a criança e aconvidaria a tocar e a usar a máscara, que teriatirado. Algumas crianças se afastavam,aterrorizadas, enquanto outras cavam ávidas porbrincar. Por m colocamos as crianças numa salacheia de brinquedos um tanto ameaçadores,

como um túnel de 2,5 metros de comprimento,uma trave olímpica e uma máscara de gorila numpedestal. Medimos de tudo: se a criança seaproximava do estranho por conta própria equanto tempo levava para que ela zesse isso, sedeixava o estranho se sentar a seu lado no chão ebrincar, quantos minutos se passavam até que elafalasse com o estranho, quanto tempo transcorriaaté ela car a menos de um metro do estranho,como reagia à máscara de lobo e se ela brincavacom os itens colocados na “sala perigosa”.

Além de observar seu comportamento, zemosduas medições adicionais. Como quando elastinham 3 anos, seis meses após sua última visitaao laboratório realizamos seuseletroencefalogramas de base aos 9 anos. Emambas as idades, as crianças desinibidas tinhammaior atividade no córtex pré-frontal esquerdoque no direito, enquanto as tímidas tinham maioratividade no córtex direito que no esquerdo.

Eu já vira esse padrão assimétrico de atividadefrontal muitas outras vezes: em pessoas quesofriam de depressão (maior atividade no ladodireito), em bebês alegres (maior atividade nolado esquerdo), em pessoas que assistiam a vídeosdivertidos (maior atividade no lado esquerdo) enaquelas que assistiam a vídeos perturbadores(maior atividade no lado direito). Mas aquela eraa primeira vez em que a assimetriaesquerda/direita estava ligada a algo que não eraclaramente uma emoção: agora ela se combinavacom um temperamento desinibido ou tímido. Emcada idade, encontramos fortes correlações entrea atividade cerebral e o comportamento: criançascom maior atividade pré-frontal esquerda erammenos inibidas e as que apresentavam os maioresníveis de atividade pré-frontal direita tinhamtambém os níveis mais extremos de inibiçãocomportamental. As desinibidas se recuperavamrapidamente dos contratempos e conseguiam

voltar ao que estavam fazendo sem ser afetadas.As tímidas, por outro lado, tinham uma respostamuito mais prolongada às adversidades. É porisso que cavam imóveis durante períodos maislongos em situações desconhecidas. Issocon rmou meu palpite de que a dimensãoResiliência do estilo emocional está associada apadrões de assimetria esquerda/direita no córtexpré-frontal.

Passou-se um ano inteiro até que coletássemosos dados comportamentais e os doseletroencefalogramas de cada grupo de crianças edepois mais um ano até que os analisássemos.Durante os longos meses em que eles estavamsendo investigados, não parávamos de nosperguntar se a personalidade das crianças quandopequenas iria corresponder à que elas revelaramaos 9 anos, em termos de inibiçãocomportamental. Quando me trouxe osresultados, Maureen mal conseguia conter sua

surpresa. Ela havia avaliado cada medida – otempo que a criança levava para conversar com orobô ou com o estranho, o tempo até seaproximar de um ou de outro, com quantosbrinquedos ameaçadores ela havia brincado –para calcular a correlação entre o valor da medidaquando a criança tinha 3, 7 e 9 anos. A surpresade Maureen se devia ao que ela tinha descoberto,ou, mais precisamente, ao que não tinhadescoberto: não havia correlação entre asmedidas aos 3, 7 e 9 anos. Ou, para ser maisexato: a correlação média para a medida geral deinibição comportamental aos 3 e aos 9 anos erade 0,03. Para quem não entende de estatística,explico: uma correlação de 1 signi ca que duasquantidades variam juntas. A altura de umapessoa em polegadas e sua altura em centímetrostêm uma correlação de 1. Uma correlação de 0signi ca que duas quantidades não têmnenhuma relação entre si. A correlação entre o

número de vitórias dos Yankees numa temporadade beisebol e o número de noivas chamadas Verano mesmo ano é de 0.

O fato de que a correlação entre a inibiçãocomportamental aos 3 e aos 9 anos fosse de0,0314 signi cava apenas uma coisa: a inibiçãocomportamental não é uma característica estável,duradoura. “Os três grupos – os tímidos, osintermediários e os desinibidos – foramembaralhados de forma absolutamente aleatória”,disse Maureen, surpresa. “Cerca de um terço dascrianças de cada tipo continuou no grupo em quecomeçou, mas veja só quantas crianças mudaramde categoria.” Dois terços das crianças de cadaum dos três grupos iniciais (aos 3 anos) estavamem um grupo diferente aos 9.

Ficamos perplexos com essa contradição àconclusão de Kagan, por isso pedi a Maureen queconsultasse Hill Goldsmith, um dos maioresespecialistas da universidade em desenvolvimento

infantil, além de profundo conhecedor deestatística, para termos certeza de que nãoestávamos fazendo nada errado. Talveztivéssemos nos equivocado no modo de combinaras medidas, como o tempo que cada criança levouaté começar a brincar com Robie, a falar com oestranho ou algum outro critério que tenhamosusado para classi car os participantes de tímidos,desinibidos ou situados entre os dois extremos.Com base nas sugestões que Hill deu a Maureen,ela refez toda a análise e me disse, admirada:“Eles ainda estão distribuídos aleatoriamente!”Uma criança que era tímida aos 3 anos tinha amesma probabilidade de, aos 9, continuar tímidaou ter se tornado desinibida, ou, ainda, de estarno meio do caminho. O mesmo valia para asdesinibidas: seu temperamento aos 3 anos previaseu modo de agir aos 9 com a mesma precisão deum jogo de cara ou coroa.

Para ter certeza de que não havia nenhuma

imprecisão no teste comportamental, analisamostambém os padrões de atividade pré-frontal noseletroencefalogramas. Talvez tivéssemos cometidoalgum engano nos dados comportamentais, queraramente são infalíveis. O EEG, no entanto, écompletamente objetivo – e essa medidaigualmente acabou com o dogma de que otemperamento é xo. Em algumas crianças, oEEG aos 3 anos correspondia ao realizado aos 9 –assim como a inibição comportamental. Porém,no geral, a correlação entre o eletroencefalogramaaos 3 e o mesmo exame aos 9 era menor que 0,1.E camos aliviados de ver que as crianças queapresentaram padrão de função cerebralpersistente ao longo dos anos eram as mesmascuja inibição comportamental continuouessencialmente inalterada – outra con rmação deque nossas medições eram válidas. Os EEGs commaior ativação pré-frontal esquerda ou maiorativação pré-frontal direita – registrados em

crianças desinibidas ou tímidas, respectivamente– correspondiam aos dados comportamentais, ouseja, as crianças com maior ativação esquerdaeram as que haviam interagido com o robô econversado com o estranho.

Mas não era o que eu esperava encontrar. Asmedidas cerebrais e comportamentais aos 3 anosnão previam como os voluntários seriam aos 9.Na maioria dos casos, a criança analisada aos 3anos estava muito diferente aos 9. Essa foi aprimeira dúvida lançada sobre meus pressupostosde estabilidade das características que possuemuma base genética, o que me fez pensar maisprofundamente sobre a plasticidade do cérebrohumano.

O mais intrigante nesses dados foi que atéentão o modelo predominante dodesenvolvimento infantil dizia que, se um bebênascesse em um dos extremos do espectro detimidez e ansiedade (por exemplo, os que gritam

quando alguém pigarreia e começam a chorar deforma incontrolável), correria o risco de sofrer deum transtorno de ansiedade. Segundo o modelo,se uma criança fosse extremamente desinibida,provavelmente se penduraria nos móveis edesceria as escadas escorregando pelo corrimão, oque poderia provocar muitos acidentes, e entãoela se tornaria um adolescente selvagem e louco(e, quando adulta, com certeza seria um corretorda bolsa de valores ou um tra cante de drogas).“Quando analisamos os dados, porém, havia maisvariação que estabilidade no temperamento dascrianças”, comentou Maureen, que continuou:“Não é que elas tenham adquirido maishabilidades sociais ao crescerem, de modo queconseguem conversar melhor com um estranho,apesar de continuarem ansiosas. Isso é o que diziao modelo antigo: que as pessoas poderiamcomplementar seu temperamento com oaprendizado ou a socialização, mas que sua

timidez ou desinibição inata permanecerialatente. A grande descoberta foi que o cérebromudou. Crianças antes classi cadas de tímidastinham passado para o grupo intermediário ouaté para o desinibido, e outras anteriormenteavaliadas como extrovertidas passaram a se situarentre os dois extremos ou mesmo se tornaramtímidas. Em dois terços das crianças, todo osistema – cérebro, siologia, temperamento ecomportamento – mudou. Isso questionou oconceito de que o temperamento é altamenteestável.”

Ela esclareceu: “Foi possível demonstrar que, seensinarmos uma criança a responder sempre quealguém lhe dirige a palavra, a siologia de seucérebro irá se modi car e, assim, de tímida elapoderá se tornar extrovertida. Se expusermosuma criança tímida a situações de ansiedade –não precisa ser nada radical, basta colocá-la numparquinho com outras crianças, por exemplo – e

mostrarmos a ela que caremos por perto para lhedar apoio, estaremos lhe ensinando a lidar melhorcom esses momentos. No caso de criançasdesinibidas, será su ciente ensiná-las a perceberos sinais de perigo no ambiente. É preciso fazercom que parem e observem o comportamento dasoutras crianças, com que percebam que nãoprecisam ser sempre as primeiras nem aceitarqualquer desa o. Nesse estudo identi camosmudanças em todo o processo, até em suasreações de susto. Não é correto pensarmos emcrianças que um dia foram tímidas como pessoasque, ‘no fundo, serão sempre tímidas’, mesmoque já não demonstrem timidez. Revelamos quepodemos modi car os padrões cerebrais queestão por trás da timidez e da desinibiçãoextremas.”

Hoje Maureen trabalha em Madison comopsicóloga, atendendo crianças a partir dos 3 anos,e a descoberta pioneira que zemos é muito útil

em seu dia a dia. “Quando vejo quanto essadescoberta serve de base para a minha prática,percebo que ela me faz tentar ajudar as pessoas acompreender que existem diferenças individuais eque elas não necessariamente representam umproblema. As conexões existentes no seu cérebrotalvez façam você se assustar ao ouvir qualquerruído. É provável que você tenha altasensibilidade sensorial associada a um estilonervoso. Mas o estilo só é um problema se lhecausar inconvenientes. Não é preciso pensarnessas diferenças como patologias. É um tipo decriança, não uma criança problemática. Muitosdos pais que trazem os lhos para se consultarcomigo cam incrivelmente aliviados quando lhesdigo que a criança não precisa ser tratada comnenhum medicamento. Eles só têm decompreendê-la e de apoiá-la.”

E OS FRACOS HERDARÃO A DESINIBIÇÃO

Para termos uma ideia de como e por que umacriança desinibida pode se tornar um adolescentetímido e uma criança tímida se transformar emum adolescente desinibido, vejamos o queaconteceu com Will e Sam.

Will, o menino que cou paralisado de medo,tinha uma irmã mais nova que era extrovertida etambém teve a sorte de contar com professoresque estimularam sua sociabilidade. Embora nãotenha se tornado uma criança extremamenteextrovertida aos 9 anos, ele passou a apresentarum comportamento mais intermediário entre osdois extremos.

O pai de Sam teve câncer e foi hospitalizadoduas vezes – quando o menino tinha 5 e 7 anos.Essa adversidade evidentemente deixou marcasna família, o que pode ter in uenciado amudança de Sam, que era um dos voluntáriosmais extrovertidos e sociáveis, mas depois passou

a apresentar um temperamento intermediário,nem tão extrovertido nem tão tímido.

Embora nem Will nem Sam tenham passado deum extremo a outro, ambos se moveram maispara o meio de seus respectivos espectros deinibição e desinibição comportamental. Cerca demetade das crianças se moveu na outra direção,do centro para um dos extremos. E algumaspassaram de um extremo para o outro. Aos 3anos, Shawn era uma das nossas crianças menosinibidas. Aproximou-se do robô quaseimediatamente, interagiu o tempo todo com ele ese mostrou muito feliz. Acho que teria gostado delevar o robozinho para casa, para que fosse seumelhor amigo. Mas, quando Shawn tinha 8 anos,seu pai morreu pouco depois de receber odiagnóstico de um câncer. No encontro seguinte,quando ele tinha 9 anos, era outra criança: cavaparalisado na presença de estranhos e nãobrincou com nenhum brinquedo. Ele se tornara

uma das crianças mais inibidas do estudo.Agora você entende por que eu adoraria

estudar a expressão gênica? Seria fascinante sabero que aconteceu com os “genes da timidez” dascrianças que se encolheram de medo na presençado robô quando tinham apenas 3 anos, mas que,aos 9, brincaram tranquilamente com o estranhoque usava uma máscara de lobo. E eu adorariasaber o que aconteceu com os “genes da timidez”de crianças que, aos 3 anos, logo interagiram como robô, mas que, aos 9, se encolheram num canto,em vez de falar com o estranho que estava lendoem uma cadeira próxima. Eu gostaria muito desaber como os altos níveis de hormônios doestresse que inundaram o corpo de Shawn ao vero pai no hospital, e depois o choque emocionalcausado pela morte paterna e a ansiedade sentidanas semanas e nos meses subsequentes (“O quevai acontecer comigo sem o meu pai?”),modi caram seu DNA. Infelizmente, embora

saibamos onde examinar os genes de receptoresdo hormônio do estresse nos cérebros de ratos,como fez Meaney, ainda não sabemos como fazerisso em humanos. E, mesmo que soubéssemos,ninguém gostaria muito da ideia de ter amostrasde seu cérebro coletadas para análise. Um estudocomo esse só poderá ser feito com órgãos doadospara pesquisa, como fez Meaney nos cérebros dasvítimas de suicídio.

Esse estudo com crianças foi a primeira liçãoque tive sobre a força da plasticidade do cérebro.Ao longo da vida, algumas das feições maiscaracterísticas do cérebro, como o padrão deatividade do córtex pré-frontal noeletroencefalograma, podem sofrer mudançasradicais.

Como conciliar nossa descoberta de que ainibição comportamental não é umacaracterística xa e imutável – ao menos dos 3aos 9 anos de idade – com as descobertas de

Kagan, que afirmavam o oposto? Percebemos que,ao longo do tempo, o grau de estabilidade de umacaracterística temperamental, como a inibiçãocomportamental, é ele próprio uma diferençaindividual estável. Isto é: em algumas pessoasessa característica persiste do início da infânciaaté o início da adolescência; em outras, não.Assim, parece haver um subgrupo de crianças nasquais a inibição comportamental e alguns dospadrões de atividade cerebral associados a ela sãoestáveis ao longo do tempo e outro subgrupo noqual isso não ocorre. Kagan pode ter estudado, demaneira não intencional, apenas o primeirosubgrupo – crianças que permanecem tímidas aolongo da adolescência. Mas esse grupocompreende apenas cerca de 15% das crianças.Como vimos com Will, Sam e Shawn, novascircunstâncias ambientais – o incentivo deprofessores ou um irmão que exerça grandein uência sobre a criança em questão – e

experiências de vida marcantes – a doença ou amorte de um ente querido – podem afetar otemperamento e o estilo emocional. Se oambiente que nos cerca continuar estável (equando digo “ambiente” também estou mereferindo às experiências pessoais), nossotemperamento e estilo emocional tambémpermanecerão. Se o ambiente não for estável, oestilo emocional irá mudar.

Essas descobertas sobre a maleabilidade de umafaceta fundamental do estilo emocional – e, defato, da personalidade, do temperamento e deoutras características genéticas – servem de basepara que pais e professores identi quem o estiloemocional de uma criança e tentem moldá-lo.Mesmo que o genótipo de uma criança a tornepredisposta a ser ansiosa, o fato de ela ser criadaem um ambiente relaxado e acolhedor podedesativar esses genes, alterando seu grau deexpressão. Da mesma forma, uma criança que

tenha predisposição genética para a timidezpoderá se tornar um adolescente e um adultosociáveis se os pais não incentivarem sua timidez,mas encorajarem sua interação com outrascrianças. O ambiente não apenas molda ocomportamento e a função cerebral comotambém afeta a escolha dos genes que serãoativados ou desativados e, portanto, dascaracterísticas herdadas que irão se manifestar.

* Novos estudos revelam que o ambiente intrauterino afeta asaúde física, incluindo a probabilidade de que uma criança, aocrescer, tenha doenças cardíacas ou outras enfermidades da vidaadulta. É possível que também afete as emoções, a personalidadee o temperamento, mas isso ainda não foi demonstrado.9

U

C A P Í T U L O 6

A CONEXÃO MENTE-CÉREBRO-

CORPO,

OU COMO O ESTILO

EMOCIONAL

INFLUENCIA A SAÚDE

nhas riscando um quadro-negro. Umcanivete perfurando seu olho e indo cada vez

mais fundo. A lâmina de uma faca atravessandolentamente a sola de seu pé. Ei! Você estáouvindo passos às suas costas?

Não estou tentando assustá-lo, leitor. Bem, naverdade, estou sim, mas por um bom motivo:quero que você tenha uma reação siológica

provocada por algo que esteja inteiramentedentro de sua mente. Você talvez não contraia orosto nem cubra os ouvidos ao ouvir (ou pensarem) unhas riscando um quadro-negro, e pode sertambém que a imagem mental de um objetocortante atravessando seu olho não lhe dêcalafrios, como ocorre comigo. Mas tenho certezade que há algo que, quando você vê ou imagina,lhe causa uma reação siológica. Sentimentos epensamentos, que se originam no cérebro,literalmente saem da matéria cinzenta e chegamao restante do corpo. De fato, William Jamesacreditava que as emoções não fossem nada alémda percepção de eventos corporais. Sem ir tãolonge, a neurociência moderna demonstrou queas emoções de fato percorrem não apenas amente, mas também o corpo: quando alguémestá ansioso, sua pressão arterial aumenta e apulsação se acelera, assim como a satisfação podefortalecer o sistema imunológico, fazendo com

que a pessoa satisfeita não sucumba a infecçõesnem a outras doenças contagiosas com tantafrequência quanto alguém que vive cronicamentemelancólico.

Com base em tudo o que apresentei até agora,você já sabe que o estilo emocional afeta nossosentimento sobre nós mesmos e as pessoas aonosso redor, nosso comportamento, nossasuscetibilidade ao estresse, nossas funçõescognitivas e nossa vulnerabilidade a determinadostranstornos psiquiátricos. Mas ele também afeta asaúde física: tem consequências siológicas que,por sua vez, afetam a função dos sistemasrespiratório, imunológico, cardiovascular,gastrintestinal e endócrino. Não é de mais dizerque a in uência mais poderosa sobre a saúdefísica é a vida emocional.

Os fundadores da medicina psicossomática, queé o estudo das relações entre os fatorespsicossociais e as doenças, tiveram essa intuição

séculos atrás. Os primeiros médicos do mundo –homens como o anatomista grego Erasístrato, doséculo III a.C., como Galeno, no século II d.C., eo filósofo persa Avicena, no século X1 – usavam afrequência cardíaca para fazer inferências sobre o“mal de amor”, pois acreditavam que o amor nãocorrespondido deixava uma marca fisiológica.

MEDICINA COMPORTAMENTAL

A medicina psicossomática também é chamadade medicina mente-corpo, em parte porque otermo “psicossomático” ganhou um tompejorativo, dando a entender que quaisquersintomas que a pessoa apresente são existentesapenas em sua cabeça. Hoje, portanto,costumamos chamá-la de medicinacomportamental ou de psicologia da saúde.Independentemente do nome, a disciplina temsido muito bem-sucedida. Estudos demonstraramque o isolamento social tende a aumentar osníveis de cortisol e de outros hormônios doestresse, bem como a elevar a pressão arterial e aenfraquecer o sistema imunológico. Com isso, amaior parte das pessoas que moram sozinhas enão possuem em torno de si uma rede socialsólida produz menos anticorpos em reação avacinas contra a gripe, por exemplo. No entanto,como enfatizei no Capítulo 1, achados como esse

indicam uma resposta média, que não consideraas exceções. Se quiséssemos estudar apenas osindivíduos que se sentem bem morando sozinhos– uma pesquisa que, infelizmente, nunca foi feita–, suspeito que descobriríamos que o isolamentosocial não traz consequências siológicasadversas. Pelo contrário: forçar alguémintrovertido a ser sociável é que provavelmentegeraria esses efeitos nocivos.

No outro lado do espectro, o envolvimentosocial está associado a um risco menor de doençacoronariana, a uma frequência mais baixa deresfriados e outras infecções e a uma vida maislonga. Porém, mais uma vez, essa não é umaverdade universal, pois alguém que éextremamente sociável também ca mais expostoa germes. E é pouco provável que pessoas queparticipam de festas, encontros e outros eventossociais a contragosto vivam por mais tempo outenham o sistema imunológico mais fortalecido

que aquelas que se divertem nessas ocasiões.A medicina comportamental também mostrou

que a depressão aumenta o risco de morte pordoença coronariana. Você talvez argumente quepessoas tristes e solitárias fazem coisasautodestrutivas, como fumar ou beber emexcesso, e que essa é a razão para que suaexpectativa de vida seja reduzida e sua saúde,mais vulnerável. Mas os estudos consideraramessa possibilidade e já a descartaram como ummecanismo causal. O que foi reveladorepetidamente é que – mais uma vez, em média– o estado emocional em si prevê a ocorrência deproblemas de saúde.

Tendo em vista que as emoções geramconsequências siológicas, concluí que issotambém acontece com o estilo emocional: ospadrões de atividade cerebral subjacentes a cadauma de suas dimensões estão associados asistemas siológicos associados à saúde ou à

doença. O que está no cérebro necessariamentein uencia o que está no corpo. A comunicação ébidirecional, de modo que o que está no corpotambém in uencia o que está no cérebro. Nadadisso é muito surpreendente, uma vez que asemoções claramente afetam o corpo, como sabequalquer pessoa que já tenha sentido náuseacausada por um estresse extremo, ou que tenhapercebido um aumento no nível de energia emresposta a uma felicidade intensa, ou ainda quetenha tido insônia por causa de uma tristezaprofunda. Porém até recentemente poucosestudos mediam ao mesmo tempo aspectosmentais e físicos (isto é, fora do cérebro),sobretudo porque as diferentes áreas da pesquisacientí ca muitas vezes trabalham de formasobremodo isolada. Pedir a um cientistaespecializado em emoções que meça algo nospulmões ou no sistema imunológico é como pedira um relojoeiro que dê uma olhada em um forno.

Outra razão para a falta de interesse damedicina em pesquisar o papel das emoções nasaúde está ligada a uma lacuna real e importanteda ciência: embora tenha reunido indíciosimpressionantes que documentam o papel dosfatores psicossociais nas doenças, a medicinacomportamental não fez uma boa análisemecanicista. O que falta é uma explicação passo apasso, do tipo “esse osso está ligado a esse outro”,que relacione um evento no cérebro (já que, peloque sabemos, todas as emoções têm algumarepresentação nesse órgão) com suasconsequências no corpo. Para receber maisconsideração e ser incorporada à prática médicapredominante, a psicologia da saúde deverárealizar uma análise mais focada no cérebro, quee xpl iq u e como os fatores psicológicos epsicossociais in uenciam os aspectos físicos,afetando a saúde. Em suma, ela tem que parar deser tão desmiolada.

Acredito que isso seja possível. Uma dasprincipais descobertas já feitas sobre as seisdimensões do estilo emocional é o fato de elasestarem associadas a circuitos neurais especí cos ea determinados padrões de atividade nessescircuitos, como descrevi no Capítulo 4. Isso nosdá um ponto de partida: de que maneira talpadrão de atividade em tais regiões cerebraisdeixa o crânio e percorre o corpo, provocandomudanças que afetam a saúde? E como oseventos expressos no corpo retroalimentam ein uenciam o funcionamento dos circuitoscerebrais que estão na base do estilo emocional?

O fato de que o estilo emocional afeta a saúdefísica abre todo um novo mundo de possibilidadese eleva a medicina mente-corpo a outro patamar,pois sugere que podemos controlar nossossentimentos e pensamentos com o objetivo depromover nossa saúde física. Isso sugere tambémque todos nós – os médicos, o establishment

médico e os possíveis pacientes – devemos levar amente mais a sério ao tentarmos compreender ascausas das doenças e ao buscarmos maneiras depreveni-las e de tratá-las.

NÃO FIQUE DOENTE, FIQUE FELIZ?

Durante décadas, quando os psicólogosmencionavam o efeito das emoções sobre asaúde, quase sempre se referiam às emoçõesnegativas, como a raiva, a hostilidade, adepressão, o medo e a ansiedade. É verdade queexistem inúmeras provas de que as emoçõesnegativas enfraquecem o sistema imunológico eaumentam o risco de doenças cardíacas, entreoutras consequências. Em 2005, quando doisrenomados psicólogos da saúde computaram osestudos sobre depressão e saúde2 e os trabalhossobre felicidade e saúde que haviam sidorealizados até então, encontraram 20 vezes maisestudos do primeiro tipo que do segundo. Fazpouco tempo que esses pro ssionais começaram aestudar os efeitos das emoções positivas – afelicidade, a alegria, o contentamento, o ânimo, aempolgação, o entusiasmo, entre outras. Desdeque passaram a se dedicar a essa investigação

observaram toda uma nova série de associações –a tal ponto que a relação entre as emoçõespositivas e a saúde se tornou uma das descobertasmais fortes e consistentes da medicinacomportamental na atualidade. No entanto,estabelecer essa relação foi muito difícil, poisencontrar uma maneira con ável de avaliar ohumor das pessoas é uma tarefa complexa eárdua – mais um obstáculo que a medicinapsicossomática precisou superar.

Isso pode parecer simples. Se perguntarmos auma pessoa, em termos gerais, quanto ela se sentefeliz e satisfeita com a vida, poderíamos imaginarque ela nos daria uma resposta con ável.Entretanto, é surpreendente saber que as pessoastêm extrema di culdade de responder aperguntas desse tipo. Por que estamos dizendoisso? Porque, embora a avaliação de quanto umapessoa está satisfeita com a própria vida devessegerar respostas semelhantes em um espaço de

tempo considerável – a nal, a situação familiarou pro ssional de uma pessoa e também suasaúde e os outros componentes da sensação debem-estar não costumam variar de um dia paraoutro (exceto em casos de catástrofes ou de sortena loteria) –, na verdade ela varia amplamente,dependendo de quando a pergunta é feita. Apergunta não é “Como você está se sentindoneste exato momento?”, nem “Qual é o seuhumor agora?”, e sim “Em geral, qual é seu nívelde satisfação com a vida?”. Se perguntarmos aalguém seu nível geral de bem-estar em um diachuvoso, talvez a pessoa diga que não está muitosatisfeita, diferentemente da resposta que elaprovavelmente daria à mesma pergunta feita emum dia ensolarado. Se zermos essa pergunta auma pessoa que acabou de entrar em casa depoisde ficar presa num engarrafamento gigantesco, elairá a rmar sentir um nível de bem-estar menorque o que diria sentir se a abordássemos em um

dia triunfante no trabalho.Já que a pergunta tem o objetivo de sondar

questões que não são afetadas pelo tempo nempelo trânsito, como a felicidade no casamento, arealização na carreira e o orgulho que se sentedos lhos, é evidente que estamos diante de umproblema. Em particular, o problema diz respeitoa estudos que buscam uma associação entre bem-estar geral e medidas de saúde física. Se aavaliação do bem-estar se mostra, pelas razõesapresentadas, tão pouco con ável, qualquerconexão com a saúde restará obscurecida. Defato, pesquisas sobre a relação entre ocontentamento, ou o bem-estar geral, e a saúdedurante décadas geraram resultadosinconsistentes, em parte pela di culdade demedir a felicidade.

Por sorte, o psicólogo Daniel Kahnemanpercebeu que não é possível con armos nasinceridade nem na precisão das pessoas quando

elas nos dizem quanto estão satisfeitas ou felizescom a vida que levam3 – não quando a respostapode ser afetada pela chuva que cai lá fora.Kahneman, que foi um dos ganhadores doPrêmio Nobel de Economia de 2002, por suasdescobertas seminais sobre o discernimento e atomada de decisões, fez também pesquisaspioneiras sobre as di culdades inerentes dasmedidas do bem-estar subjetivo e o modo comopodemos evitá-las. Kahneman e seus colegasdescobriram que podemos obter medidas maisconsistentes e precisas da satisfação geral daspessoas com a vida se, em vez de lhes fazermos apergunta diretamente, pedirmos a elas quedescrevam suas experiências momentâneas eentão agregarmos as respostas de modo aconstruirmos uma avaliação de seu bem-estargeral. Na prática, isso signi ca dar às pessoas umpager, um telefone celular ou outro aparelhoeletrônico semelhante e lhes enviar mensagens de

texto ou lhes telefonar em momentos aleatóriosdurante semanas – ou por mais tempo até.Sempre que forem contatadas, elas deverão dizercomo estão se sentindo no exato momento. Aoagregarmos muitas respostas, o resultado será umíndice de felicidade ou bem-estarconsideravelmente menos in uenciado porminúcias como o trânsito que fez a pessoa seatrasar para jantar com os filhos.

Depois que os cientistas desvendaram o ladoesquerdo da equação (os níveis de felicidade),puderam prosseguir com a tarefa de avaliar o ladodireito (a saúde) e assim determinar se o bem-estar tem algum efeito no corpo. Só para deixarclaro: quando falo de níveis de felicidade, eu mere ro a algo duradouro, o que os psicólogosdenominam traço, e não estado – estamosfalando da experiência emocional habitual deuma pessoa, não de respostas passageiras aeventos especí cos. A ideia básica da metodologia

desenvolvida por Kahneman é captar traçosemocionais, em vez de estados emocionais. Todosos estudos que irei descrever mediram os traçosemocionais (e a saúde) no início da pesquisa e emseguida determinaram se certo traço previamudanças na saúde durante o período do estudo.Como o estado emocional foi medido antes dequalquer mudança na saúde, a mudança nasaúde não pode ter sido a causa do traçoemocional – isto é, uma doença não pode ser acausa da depressão, assim como a ausência degripes durante vários anos não pode ter sido acausa da forte sensação de contentamento. Adepressão ou o contentamento vieram antes. Issonos assegura que é correto atribuir mudançassubsequentes na saúde àquele traço emocional debase.

Não se pode dizer o mesmo de boa parte daspesquisas sobre as conexões entre a mente e ocorpo e a saúde. Alguns estudos, por exemplo,

correlacionaram emoções positivas com taxasmais baixas de acidente vascular cerebral (AVC)entre idosos que moram em casa, com taxas maisbaixas de retorno ao hospital entre pessoas comdoença coronariana e com uma probabilidademaior de conceber um bebê e levar a gestação atéo m entre mulheres que estão passando por umprograma de fertilização assistida. Apesar deinteressantes e sugestivos, esses estudos nãodescartaram a possibilidade de que os traçosemocionais negativos fossem, na verdade, umaindicação da presença de doenças subclínicas.Isto é, eles não eliminaram a possibilidade de queproblemas de saúde tivessem causado emoçõesnegativas (uma doença cardiovascular faz umapessoa se sentir doente, o que gera emoçõesnegativas, e não o contrário: as emoçõesnegativas surgem primeiro e provocam a doençacardiovascular) e de que a boa saúde tivessecausado emoções positivas – em especial no que

diz respeito a certas emoções especí cas, como asensação de vigor.

Você provavelmente já leu que as emoçõespositivas também estão ligadas a melhoresresultados nos tratamentos de saúde – a ideia“Pense positivo que você irá sobreviver ao câncerde mama!” (ou a outra doença grave que estejacolocando sua vida em risco). Os indícios quecorroboram essa ideia, na verdade, são duvidosos.Foram poucos os estudos que testaram essahipótese e seus resultados são bastante variados.Minha opinião sobre essas pesquisas,compartilhada com muitas das principais gurasda medicina comportamental, é de que asemoções positivas parecem ser bené cas parapacientes com doenças que possuem tratamentosefetivos e uma chance razoável de sobrevivência alongo prazo, como o câncer de mama de estágioI, a doença coronariana e a aids. Porém altosníveis de emoções positivas podem ser

prejudiciais em pacientes com doenças avançadasque possuem prognósticos ruins, como omelanoma metastático, o câncer de mamaterminal e a insu ciência renal terminal. Umaatitude consistentemente positiva talvez faça comque os pacientes deixem de relatar seus sintomasao médico e, com isso, não recebam os cuidadosnecessários. Ou pode ser que eles não tomem osmedicamentos prescritos ou não realizem osexames e tratamentos recomendados. Otimismoem excesso pode sair pela culatra.

Vários estudos recentes trazem argumentosconvincentes a favor dos benefícios à saúdegerados pelas emoções positivas. Num deles,Andrew Steptoe e Michael Marmot – dois dosmaiores especialistas mundiais em psicobiologiada saúde e da doença4 –, do University CollegeLondon, coletaram dados sobre a saúde e o bem-estar de 116 homens e 100 mulheres. Todos os216 participantes eram funcionários públicos

britânicos com idades entre 45 e 59 anos. Oscientistas analisaram então se existia algumaassociação entre o bem-estar, avaliado pelocon ável método desenvolvido por Kahneman, etrês importantes marcadores biológicos: afrequência cardíaca, os níveis de cortisol e osníveis de brinogênio plasmático. A baixafrequência cardíaca costuma estar associada amais saúde cardiovascular, por isso os atletasgeralmente têm frequências cardíacas baixas, quevão de 40 a até pouco mais de 30 batimentos porminuto. O cortisol é um hormônio do estressesecretado na corrente sanguínea pelas glândulasadrenais, situadas logo acima dos rins, emresposta a sinais de medo, ameaça ou ansiedadeemitidos pelo cérebro. O hormônio ajuda o corpoa lidar com o estresse agudo porque mobilizarecursos e inibe a in amação que pode surgir emdecorrência de lesões associadas ao estresse.Porém, quando o cortisol é secretado em

quantidades excessivas, ou quando é expelidodesnecessariamente – isto é, quando sua secreçãonão ocorre em resposta a uma ameaça real eimediata, e sim a uma ansiedade crônica de base–, ele pode lesionar o cérebro e o corpo,chegando a matar neurônios. O brinogênioplasmático é uma molécula relacionada com ain amação e a doença coronariana. Como seunível no sangue aumenta em circunstânciasestressantes, é um marcador geral de in amaçãoe está associado a enfermidades como diabetes,doenças cardiovasculares e asma.

Os participantes que se autoavaliaram entre osmenos felizes tinham níveis de cortisol, emmédia, 48% mais altos que os que declararamestar entre os mais felizes. Os menos felizestambém tiveram uma grande elevação de seu

brinogênio plasmático diante de duas tarefasindutoras de estresse: completar o teste de Stroop,no qual é preciso dizer a cor na qual uma palavra

é apresentada (o que não é difícil se a palavra forpiano, mas que confunde bastante o cérebroquando, por exemplo, vermelho está escrito emverde ou azul em marrom), e acompanhar comum lápis as linhas de uma estrela vista numespelho. Para piorar a situação, disseram aosparticipantes que o tempo médio de conclusãodaquelas tarefas era certo número de segundos –uma informação falsa, na verdade um tempomuito menor que o realmente gasto pelas pessoasem geral, e que por isso fez com que osvoluntários se sentissem bastante estressados. Noentanto, siologicamente, as formas de lidar como estresse foram muito diferentes: no grupomenos feliz, o aumento médio no nível de

brinogênio foi 12 vezes maior que no grupomais feliz.

Essas descobertas indicam claramente que afelicidade está relacionada com marcadoresbiológicos que têm um papel fundamental na

saúde. É importante notar que Steptoe e Marmotnão pararam por aí. Três anos depois, eles maisuma vez contataram os voluntários, com o intuitode repetir as medições siológicas. Ospesquisadores descobriram que as pessoas comavaliações mais elevadas de emoções positivasainda possuíam níveis mais baixos de cortisol e

brinogênio, além de frequências cardíacas maisbaixas. A descoberta inicial não fora umaocorrência isolada.

O passo seguinte foi determinar se a felicidaderealmente tinha in uência sobre a saúde física.Num dos estudos mais convincentes sobre otema, o psicólogo da saúde Sheldon Cohen, daUniversidade Carnegie Mellon,5 pediu a 334voluntários com idade entre 18 e 55 anos quedescrevessem suas emoções uma vez por diadurante três semanas, sempre que recebessem umtelefonema dos cientistas (o método Kahnemande avaliação da felicidade e do bem-estar).

Especi camente, os voluntários deveriam dizerem que medida uma lista de nove adjetivospositivos e nove negativos os descreviam. Porexemplo: feliz, animado, calmo, tranquilo, cheiode vida e bem-disposto, ou triste, deprimido,nervoso e hostil. Depois de três semanas deavaliação de seu humor, os voluntários foram aolaboratório de Cohen, onde um dos cientistaspingou em seu nariz uma solução com o vírusque causa o resfriado comum. Durante os cincodias seguintes, os participantes foram mantidosem quarentena: viveram no laboratório epassaram o tempo lendo, vendo lmes, ouvindomúsica, dormindo e comendo. O ponto alto dodia era quando um cientista os examinava àprocura dos sinais de um resfriado e, casotivessem cado doentes, avaliava a gravidade dossintomas. Uma medida da gravidade era acongestão, determinada pelo tempo que umatinta aplicada nas narinas com um aerossol levava

para chegar ao fundo da garganta. Outra medidaera o peso dos lenços de papel usados pelosvoluntários.

Cohen e seus colegas descobriram que osparticipantes com os maiores níveis de emoçõespositivas tinham praticamente um terço dachance de pegar um resfriado que tinham os quedescreviam a menor quantidade de emoçõespositivas. O grupo também descobriu que osparticipantes que possuíam maior número deinterações sociais, em especial positivas, tinhammenos chance de pegar resfriados. Essas relaçõesse mantinham mesmo depois de ser levada emconsideração a imunidade inicial dos voluntários,isto é, a presença de anticorpos contra o vírus doresfriado no começo do experimento. Ointeressante foi que as pessoas com emoções maispositivas geralmente relatavam menos sintomas, emais leves, qualquer que fosse a gravidade dadoença. Isto é, se duas pessoas tivessem resfriados

ruins (medidos pela congestão nasal e pelaprodução de muco), a mais alegre descreviamenos sintomas, e mais leves, que a mais triste oumal-humorada, que embora os sintomas fossemidênticos a rmava que aquele resfriado eraterrível. Isso serve como um alerta para os estudossobre as emoções positivas e a saúde: seperguntarmos às pessoas sobre sua saúde, as quetiverem os maiores níveis de emoções positivasprovavelmente não darão tanta importância aosproblemas quanto as deprimidas, nervosas oucronicamente irritadas – ainda que não estejammais saudáveis que elas. Por isso os estudos queefetivamente meçam a doença, como o de Cohen,são tão importantes – e mais efetivos queperguntar às pessoas sobre sua artrite reumatoide,fibromialgia ou outros aspectos da saúde.

Nenhum estudo isolado é capaz de estabelecerum fato científico, como a relação entre felicidadee saúde. Embora o estudo de Cohen seja, na

minha opinião, um dos mais rigorosos entre osque investigaram essa relação, outras excelentesinvestigações chegaram à mesma conclusão.

Uma equipe analisou as anotações feitas emdiários, as cartas e outros escritos de um grupo dejovens freiras6 com idade média de 22 anos. Emsetembro de 1930, a madre superiora da ordem,que vivia em Milwaukee, enviou cartas a todas asfreiras que supervisionava, pedindo-lhes queescrevessem suas biogra as. Muitos dos escritossobreviveram. Esses textos foram analisados peloscientistas liderados por David Snowdon, daUniversidade de Kentucky, que codi caram todasas palavras que indicavam experiênciasemocionais positivas, negativas ou neutras.Quando calcularam a frequência de utilização depalavras e frases que transmitiam emoçõespositivas, os cientistas descobriram que quantomaior seu número, maior a probabilidade de quea freira estivesse viva 60 anos depois. É

importante notar que a frequência de termos efrases que transmitiam emoções negativas não semostrou associada a um risco maior de morrerjovem – um indício importante de que era apresença de emoções positivas, e não a ausênciade emoções negativas, que contribuía para oaumento da longevidade.

Outro estudo acompanhou, durante dois anos,hispânicos com idade entre 65 e 99 anos.7 Elerevelou que os participantes que manifestarammaiores níveis de emoções positivas no início doestudo tinham 50% da probabilidade de morrernos dois anos seguintes daqueles quedemonstraram menores níveis de emoçõespositivas. Esse estudo feito em 2000 se destacaespecialmente porque os pesquisadores zeram ocontrole de uma longa lista de doenças(problemas cardíacos, AVC, câncer, diabetes eartrite) e também de sobrepeso, tabagismo, álcoole dos níveis de emoções negativas. Mesmo depois

de considerarem o efeito desses hábitos e doençascapazes de encurtar a vida, a associação “emoçõespositivas = menor risco de morrer em breve” semanteve.

Outro trabalho impressionante foi umapesquisa, feita em 2001, que mediu as emoçõespositivas em idosos saudáveis.8 O estudodescobriu que níveis mais baixos de emoçõespositivas no início da investigação estavamassociados a uma probabilidade maior deocorrência de um AVC em algum momentodurante os seis anos subsequentes, sobretudoentre os homens. Mais uma vez, os cientistasdescartaram vários outros fatores – como idade,renda, educação, estado civil, obesidade, pressãoarterial, tabagismo, história de ataque cardíaco,diabetes, emoções negativas – que poderiamexplicar a variação no risco de AVC.

Em 2008, uma convincente revisão de 70estudos feitos tanto com pessoas doentes quanto

com pessoas saudáveis9 concluiu que o bem-estarpsicológico ou a felicidade estão associados a umamortalidade menor para ambos os grupos. Porexemplo, o bem-estar psicológico está ligado auma mortalidade cardiovascular menor empessoas saudáveis e a taxas de mortalidade maisbaixas em pacientes com insu ciência renal einfecção pelo HIV.

Juntas, essas e outras descobertas con rmam deforma convincente a ideia de que existe umarelação entre a felicidade e a saúde. Em suma,pessoas mais felizes têm resultados maissatisfatórios numa série de parâmetros de saúde– desde os níveis de cortisol até a probabilidadede pegarem um resfriado –, além de viveremmais. Porém não quero sugerir com isso que adiscussão sobre o tema esteja encerrada. Pelocontrário: esses estudos têm carênciasimportantes, como o fato de não separaremcompletamente os efeitos da presença de emoções

positivas dos efeitos da ausência de emoçõesnegativas. Os benefícios que parecem ser causadospelas emoções positivas não poderiam ser apenasconsequência da ausência de emoções negativas?A nal, muitos trabalhos as relacionam com asdoenças. Na nossa escala de Atitude, se aausência de emoções negativas é tudo de queprecisamos para ter boa saúde, então bastaria queestivéssemos no meio do espectro, longe doextremo mais sombrio dessa dimensão. Porém, seo que conta é a presença de emoções positivas,então, para termos mais saúde, precisamos nosmover para o lado positivo da escala.

Deixe-me fazer outra advertência sobre aassociação entre as emoções positivas e a saúde,relacionada com o problema do enfoque dapesquisa em psicologia da saúde, que descrevianteriormente. O estudo britânico que revelouque as emoções positivas estão ligadas a níveismais baixos de cortisol e brinogênio foi um

passo importante na elucidação do mecanismopelo qual as emoções positivas afetam a saúde,embora ainda sejam muitos os aspectosdesconhecidos. Em primeiro lugar, as pessoas quese sentem contentes, enérgicas, otimistas, e assimpor diante, tendem a cuidar mais de si mesmas –dormem a quantidade de horas recomendada pordia e fazem exercícios. Também costumam terrelações sociais mais sólidas e mais próximas, oque está relacionado com menos risco de doençase de morte prematura. Por m, como ressaltaCohen, os médicos e outros pro ssionais dasaúde talvez cuidem mais de pessoas agradáveis,fazendo um esforço adicional para incluí-las numestudo que teste um novo tratamento para suadoença e passando mais tempo com elas, paraconvencê-las a adotar hábitos saudáveis, etc. Poroutro lado, existem mecanismos bastanteplausíveis para explicar como um estado cerebral– o que chamamos de emoções – pode ser

transmitido ao corpo inteiro, in uenciando,assim, a saúde abaixo do pescoço.

Foi nesse contexto de estudos quedemonstravam que as emoções estavamcorrelacionadas com a saúde física que comecei ame perguntar se estilos emocionais especí costambém não estariam. A seguir, apresento algunsmodos de um estilo emocional especí co, qualseja a versão positiva da dimensão Atitude, afetara saúde:

• A forma mais óbvia talvez seja a in uência no

comportamento. Isso pode não parecer tãoimpressionante, já que as emoções positivas sóafetariam a saúde de maneira indireta, mas éum aspecto importante. A sensação de bem-estar, a felicidade e a alegria persistente estãoassociadas à adoção de uma alimentação maissaudável, à prática regular de exercícios e aum sono melhor. Tudo isso melhora a saúde e

a capacidade de combater as doenças e deevitar o declínio, tanto físico quanto mental.

• As emoções positivas também podem atuar deforma mais direta sobre a siologia, acalmandoo sistema cardiovascular e também oneuroendócrino ou hormonal. Em ambos oscasos, o elo pode ser o sistema nervososimpático, a parte amplamente inconsciente dosistema nervoso, que controla, entre outrascoisas, a reação de luta ou de fuga diante dasameaças. Se a atividade do sistema nervososimpático for reduzida, a frequência cardíacairá diminuir, o que costuma ser consideradoum sinal de que a saúde cardiovascular é boa.A pressão arterial também cairá, reduzindo orisco de AVC. Um sistema neuroendócrinomais calmo provocará uma redução nos níveissanguíneos de adrenalina e noradrenalina, oshormônios de luta ou fuga.

• As emoções positivas poderiam afetar a saúde

por meio da imunidade: foi demonstrado queas emoções positivas aumentam os níveis dohormônio do crescimento, da prolactina e daocitocina. Os dois primeiros têm capacidade dese ligar a receptores dos glóbulos brancos,fazendo com que esses soldados do sistemaimunológico quem vigilantes e sejam maise cazes no combate às infecções; a ocitocinareduz a pressão arterial e também o cortisol, ohormônio do estresse.

• Talvez exista um efeito ainda mais direto dasemoções positivas sobre o corpo. Algunsneurônios do sistema nervoso simpáticopossuem bras que percorrem todo o caminhoaté o timo e os linfonodos, tambémdenominados gânglios linfáticos, que são asfábricas de produção de células do sistemaimunológico. A ativação desses neurôniospelas emoções positivas poderia, por sua vez,ativar o timo e os linfonodos, que produziriam

grande quantidade de células dedicadas aocombate das infecções. As bras simpáticastambém secretam uma série de substânciasque se ligam a receptores nos glóbulos brancos,ajudando a prepará-los para atacar osinvasores.

• Por causa dessas diversas possibilidades, éfundamental determinarmos os mecanismosexatos por meio dos quais o estilo emocionalin uencia a saúde. Antes de descrever nossasdescobertas sobre como o estilo emocionalafeta a saúde física, vou ilustrar as fortesconexões existentes entre o cérebro e o corpocom um pequeno experimento que zemosrecentemente.

BOTOX E A CONEXÃO CORPO-CÉREBRO

Costumamos pensar que o cérebro enviacomandos ao restante do corpo, dirigindo todas asnossas ações, enquanto os órgãos e membrosabaixo do pescoço apenas esperam receber ordense jamais respondem ao que quer que seja. Naverdade, trata-se de uma via de mão dupla: acomunicação entre a mente e o corpo ébidirecional, e não apenas em um nível simplista,como quando nos sentimos chateados aotoparmos o dedão do pé em uma pedra oualegres ao recebermos uma massagem. O cérebrode fato utiliza sinais enviados pelo corpo pararealizar o processamento básico de informações.Podemos agradecer essa descoberta ao Botox.

Desde 2002, essa droga derivada da toxinabotulínica produzida pela bactéria Clostridiumbotulinum tem sido usada com ns cosméticos,para reduzir as rugas. O Botox paralisatemporariamente os músculos, em geral durante

semanas ou meses, de modo que faz as rugas dorosto desaparecerem. Porém estávamos maisinteressados nos músculos paralisados que nodesaparecimento das rugas. Como já mencioneino Capítulo 2, os cientistas suspeitam de que, aofazermos determinada expressão facial, podemossentir a emoção que ela tenta transmitir: sesorrimos, nos sentimos ao menos um pouquinhoalegres; se baixamos os cantos da boca, nossentimos um pouco tristes; se franzimos a testa,nos sentimos um pouco bravos. Usando essa“hipótese da retroalimentação facial” comoprincípio norteador, comunicamos às clínicas decosmética de Madison e arredores que estávamosà procura de voluntárias que já houvessemagendado tratamentos com Botox para o músculocorrugador, situado entre as sobrancelhas.Percebemos que essas mulheres eramexperimentos ambulantes sobre como manipulara retroalimentação do corpo – nesse caso,

especificamente do rosto – para o cérebro.Eu me reuni com o professor de psicologia

Arthur Glenberg, um colega da Universidade deWisconsin em Madison, e também com seuestudante de pós-graduação David Havas.10Uma de suas áreas de pesquisa busca entendercomo a linguagem, em especial a linguagememocional, é processada e compreendida. Para oestudo, testamos 41 mulheres antes e depois daprimeira injeção de Botox e medimos o tempoque elas demoravam para ler frases destinadas adesencadear diferentes emoções. Por exemplo,uma frase indutora de raiva era: “A operadora detelemarketing liga o tempo todo e não a deixajantar em paz com a família.” Uma das frasestristes era: “No seu aniversário, você abre seu e-mail e não encontra nenhuma mensagem.” Umafrase alegre era: “O parque aquático é refrescantenum dia quente de verão.” Se o fato de fazermosuma expressão facial realmente nos ajuda a

processar as emoções com mais rapidez e acompreendê-las mais profundamente, era deesperar que as mulheres vacilassem um pouco aolerem frases indutoras de raiva ou de tristeza: omúsculo corrugador aproxima as sobrancelhasquando estamos com raiva e eleva sua parteinterna quando estamos tristes. Mulheres quereceberam aplicações da toxina não conseguemfazer as expressões faciais que representam a raivaou a tristeza. Portanto, previmos que o tempo quelevariam para ler frases indutoras de raiva ou detristeza aumentaria após a injeção de Botox. Noentanto, como esse músculo não nos ajuda asorrir, sua paralisia não afetaria a capacidade dedar um sorriso, por isso previmos que o tempoque as mulheres demorariam para ler as frasesalegres não seria afetado.

E foi o que constatamos. Medimos o tempo deleitura pedindo-lhes que apertassem um botãoassim que terminassem cada frase. Para termos

certeza de que elas tinham lido, de tempos emtempos nós lhes fazíamos uma pergunta sobre oque tinham acabado de ler. Depois de o músculocorrugador ter sido paralisado, a média de tempoque as mulheres levaram para ler as frases alegres(1,3 segundo) foi essencialmente a mesma quehaviam levado antes da injeção. Para ler as frasesindutoras de tristeza e raiva, no entanto, levaram1,55 segundo, isto é, cerca de um quarto desegundo a mais. No mundo da psicologiacognitiva e da medição dos tempos de reação,um quarto de segundo é uma eternidade. Obloqueio da ativação dos músculos envolvidos naformação das expressões faciais de raiva ou detristeza aumentou o tempo de leitura das frasesque transmitiam essas emoções, quenormalmente ativam o músculo corrugador.Nossa suspeita é de que o cérebro das mulheres,porque estava incapacitado de expressar raiva outristeza, foi privado dos sinais que normalmente

chegam à ínsula e ao córtex somatossensorial eseguem dali para as áreas da linguagem, nohemisfério esquerdo, onde o signi cado édecodificado.

Esse estudo ajudou a determinar oentendimento de que a comunicação entre océrebro e o corpo é bidirecional. Existem cada vezmais indícios que corroboram essa ideia básica.Por exemplo: em vários estudos, foi pedido aalguns participantes que colocassem um lápishorizontalmente na boca, prendendo-o com osdentes, o que induz um sorriso, enquanto outrosdeveriam manter o lápis preso aos lábios com aponta para fora, o que os impedia de sorrir. Emseguida, foi solicitado a eles que avaliassemhistórias em quadrinhos. Os voluntários queestavam segurando o lápis do modo que osobrigou a sorrir julgaram os quadrinhosconsideravelmente mais engraçados que osparticipantes que foram impedidos de sorrir. Mas

qual é a importância dessa bidirecionalidade?

ASMA: UM MODELO PARA AS CONEXÕESMENTE-CÉREBRO-CORPO

Certo dia do ano 2000 eu estava sentado comvários dos meus alunos e colegas na sala deconferências do nosso laboratório, no edifício depsicologia, tentando ter ideias sobre uma “boa”doença que pudéssemos estudar, algo que nosajudasse a revelar as conexões entre os estilosemocionais e a saúde. Tínhamos três critérios.Em primeiro lugar, deveria ser uma doença comefeitos biológicos conhecidos e passíveis de sermedidos de forma objetiva – portanto, ossintomas não poderiam consistir apenas em umsofrimento subjetivo. Em segundo lugar, erapreciso haver fortes indícios de que fatorespsicossociais, em especial eventos de vidaestressantes, modulavam a evolução da doençaou seus sintomas. Isso seria sinal de que a doençaera afetada pelos circuitos emocionais do cérebroe, portanto, pelo estilo emocional. Por último, a

doença teria de ser um importante caso de saúdepública e pesar fortemente sobre o sistema desaúde. Dessa forma, quaisquer descobertas que

zéssemos sobre intervenções voltadas ao estiloemocional e/ou aos circuitos emocionais docérebro poderiam gerar benefícios consideráveisno mundo real. Finalmente nos decidimos poruma doença que eu jamais imaginaria estudar: aasma. Em se tratando de ciência, porém, nuncasabemos aonde o trabalho irá nos levar.

Como nem eu nem ninguém mais em meulaboratório sabíamos muito sobre a asma,precisávamos encontrar alguém que soubesse.Para nossa sorte, o médico-cientista WilliamBusse, um dos maiores especialistas mundiais naárea e diretor de um grande estudo sobre a asmaem áreas urbanas pobres, cou curioso com aproposta que lhe z, sugerindo uma parceria. Emsuas pesquisas, ele já havia demonstrado que oestresse pode exacerbar os sintomas da doença –

isso fez com que ele compreendesseimediatamente que o cérebro tem que estarenvolvido nesse efeito. A nal, eventosestressantes são coisas complexas. Paracompreendermos uma situação e nosestressarmos com ela – por exemplo, aorecebermos um comunicado da malha na daReceita Federal, ou ao descobrirmos que o saldodo nosso fundo de aposentadoria diminuiu ou,ainda, ao não conseguirmos marcar uma reuniãocom o chefe numa época em que circulam boatosde demissões na empresa –, é preciso que océrebro faça uma boa interpretação dos fatos.

Em seu primeiro estudo sobre a asma, Williamse reuniu com o psicólogo Chris Coe, que estudapsiconeuroimunologia,11 a relação entre amente, o cérebro e o sistema imunológico. Elesrecrutaram 20 alunos de graduação, todosasmáticos, e os zeram inalar uma pequena dosede um alérgeno (pólen de carpino, ácaros ou

caspa de gato, aquele que gerasse o maior declíniona função pulmonar durante um exame) em doismomentos de um semestre: o primeiro em umperíodo não muito estressante e o segundo logoantes das provas nais. Os alunos tambémforneceram amostras de escarro, que contémmoléculas produzidas quando os pulmões estãoin amados e que são marcadores con áveis dein amação pulmonar. Antes da exposição aosalérgenos, a quantidade de moléculasin amatórias presente no escarro durante asprovas nais e no início do semestre erapraticamente a mesma. Porém, após o contatocom o alérgeno, nas duas ocasiões, os marcadoresin amatórios no escarro resultaram 27% maisaltos durante as provas nais, em comparaçãocom o período de baixo estresse – embora asexposições ao alérgeno tivessem se realizado deformas idênticas. O estresse, ao que parece, piorasigni cativamente a resposta siológica a um

alérgeno.O mecanismo exato desse efeito ainda não foi

compreendido por completo, mas uma descobertarecente sugere que o cortisol esteja envolvido noprocesso. O estresse aumenta o nível de cortisol, oque, à primeira vista, pode ser bené co para umasmático: o cortisol inibe a in amação. Entãocomo é possível que a in amação pulmonaraumente apesar dos altos níveis de cortisol? Issoocorre porque as células imunológicas se tornammenos responsivas ao cortisol, o que acabaprejudicando a função normal da substância, queé a de inibir a in amação. Infelizmente, poucosmédicos que tratam pacientes com asma chegama considerar a possibilidade de que algo acima dopulmão participe da doença.

Esse e outros estudos indicam claramente que,apesar de ser considerada uma doença das viasaéreas e, possivelmente, do sistema imunológico,a asma também possui um forte componente

emocional – e, portanto, neurológico. O estressesentido pelos estudantes às vésperas das provas

nais desencadeia sintomas mais graves de asmaquando eles são expostos a um alérgeno. Somadaa outras observações semelhantes de casos deasma exacerbados pelo estresse, essa situaçãoexperimentada demonstra que o cérebro está secomunicando com as vias aéreas e os pulmões.Assim, resolvemos explorar a relação entre oestresse e os sintomas da asma – ou, maisespeci camente, decidimos avaliar que padrõesde atividade cerebral afetam a obstrução das viasaéreas e a in amação pulmonar durante a criseasmática.

Para isso precisávamos, antes de mais nada, deuma forma e caz de induzir o estresse. Bolamosuma versão do conhecido teste de Stroop, quemencionei anteriormente, adaptada para a asma.Nesse teste, criado em 1935, apresentamos àpessoa nomes de cores impressos na cor

correspondente ou numa cor diferente: porexemplo, verde pode ser escrito com tinta verdeou com tinta vermelha. O participante deve dizero nome da cor da tinta sem ler a palavra em vozalta. As pessoas levam mais tempo para indicar acor quando esta é diferente da palavra escrita –isto é, levam mais tempo para dizer “vermelho”quando a palavra escrita em vermelho é verde quepara dizer “verde” quando a palavra escrita emverde é verde. Versões mais recentes do teste deStroop pedem aos participantes que digam osnomes das cores nas quais estão escritas palavrasindutoras de emoções. Pesquisas com esse testedemonstraram que, por exemplo, pacientes comtranstornos de ansiedade levam mais tempo paradizer os nomes das cores nas quais estão escritaspalavras como ansioso, nervoso e tenso que paradizer os nomes das cores nas quais estão escritaspalavras não emocionais, como casa ou cortina.Tanto na versão original do teste de Stroop como

na modi cada, a razão para esse maior tempo deresposta está no fato de não conseguirmos deixarde ler a palavra; isso interfere com a tarefa dedizer o nome da cor.

No nosso primeiro estudo sobre asma,recrutamos seis pacientes da região deMadison.12 Quando eles entraram nolaboratório, explicamos que iriam inalar uma detrês substâncias: uma solução salina simples, quenão provoca sintomas de asma; metacolina, umasubstância que, por contrair os músculos lisos,produz a rigidez no peito geralmente associada aum ataque de asma, mas não gera respostain amatória nos pulmões; ou um alérgeno (que,em nosso caso, foi ácaro ou pólen de carpino).Nem o cientista nem o participante sabiam o quehavia no spray, pois não queríamos que a meraideia de inalar um alérgeno in uenciasse areação do voluntário. Algumas horas depois deinalar o composto desconhecido, cada

participante foi submetido a um exame deressonância magnética.

Uma vez dentro do tubo, ligamos uma tela quefora acoplada a seu teto e, usando um sistema defones de ouvido, pedimos ao participante quecomeçasse o teste de Stroop. Nesse caso, foinecessário adaptar o teste para a asma, usandopalavras como chiado, sufocamento e aperto, alémde termos negativos genéricos, tais quais ódio,raiva e ansioso. Como de costume, as palavrasapareciam em cores diferentes e instruímos osparticipantes a identi car a cor em que elasestavam escritas. Como o ato de falar podeatrapalhar as medições feitas na ressonânciamagnética, em vez de dizer a resposta, osparticipantes teriam de apertar botões distintospara as diferentes cores. Repetimos oprocedimento em três ocasiões diferentes, comintervalo de um mês entre elas. Assim, ao final doestudo, cada voluntário havia inalado as três

substâncias.O processo foi liderado por Melissa Rosenkranz,

uma talentosa aluna de pós-graduação.13Observando os dados do primeiro participante nasala de controle, sentimos que estávamos nocaminho certo. Quando os asmáticos viampalavras ligadas à asma, como chiado, era possívelperceber maior ativação em duas regiões docérebro: a ínsula, que monitora o estado do corpoe emite sinais para os órgãos viscerais durante asemoções, e o córtex cingulado anterior, que tempapel fundamental no ato de monitorar oambiente e iniciar ações que promovamcomportamentos dirigidos a um objetivo. Alémdisso, a ativação dessas regiões em resposta àspalavras associadas à asma foi mais intensa depoisde os participantes inalarem o alérgeno, emcomparação com a resposta após a inalação dasolução salina ou da metacolina. Os asmáticoscom a maior ativação dessas regiões em resposta

às palavras ligadas à asma também tiveram a piorin amação pulmonar, medida 24 horas após aressonância, quando eles voltaram ao laboratório.De fato, somente os asmáticos com forte respostacerebral às palavras ligadas à asma tiveraminflamação pulmonar intensa.

O que esse estudo demonstra é que, em pessoascom asma, termos como chiado e sufocamentopossuem uma carga emocional tão forte quedesencadeiam uma sequência de eventos –primeiro no cérebro, depois no corpo. Nossasuspeita é de que os asmáticos têm umasensibilidade diferenciada a fatores de estresserelacionados com a asma. Os asmáticos maissensíveis estão no extremo de recuperação lentada dimensão Resiliência: os contratempos osafetam de maneira muito intensa e eles têmdi culdade de voltar a seu estado emocionalprévio. Quando são expostos a um antígeno, estesensibiliza o cérebro, tornando-os hiper-reativos a

estressores ligados à asma, como as palavrasaperto e sufocamento. Sua reação a essas palavrasativa a ínsula e o cingulado anterior, o queexacerba a resposta in amatória nos pulmões,através de vias que partem dessas regiõescerebrais e chegam a sistemas que secretammoléculas reguladoras da in amação, como ocortisol.

A Resiliência é apenas uma das dimensões doestilo emocional que têm relação com a asma. AAutopercepção também está envolvida. Comoexplicado no Capítulo 4, a base cerebral para essadimensão está centrada na ínsula. Em asmáticosparticularmente sensíveis ao estresse ocorre umahiperativação da ínsula, sobretudo por estímulosrelacionados com a asma, como as palavras chiadoe sufocamento. Essa hiperativação podeprejudicar a função pulmonar, o que sugere que,para um asmático, tornar-se menosautoperceptivo talvez seja benéfico.

Essas recentes descobertas sobre a asma indicama possibilidade de usarmos uma nova abordagempara o tratamento. Como o cérebro estáclaramente envolvido na modulação da respostainflamatória nos pulmões, se conseguirmos alteraro circuito neural envolvido talvez seja possívelaliviar alguns dos sintomas e melhorar a evoluçãoda doença. No Capítulo 11 descreverei comopodemos modi car o cérebro, transformandonossa mente por meio de métodos como ameditação. De fato, alguns dos principaiscircuitos relacionados com a asma, entre eles aínsula e o cingulado anterior, também sãoafetados pela meditação. Por exemplo: treinamospessoas na meditação da consciência plena, umatécnica na qual o praticante deve observar seuspróprios pensamentos e sentimentos daperspectiva de uma terceira pessoa a cadamomento, sem julgá-los. O treinamento nessaforma de meditação talvez permita a um

asmático ler um termo relacionado com a asma,c o m o chiado, sem apresentar uma reaçãoemocional. E com isso talvez seja possível impedirque a palavra desencadeie os eventos siológicosque provocam um ataque de asma. Dessa forma,o treinamento mental alteraria padrões deatividade cerebral, e assim poderia produzirresultados reais e relevantes para a saúde e adoença.

OS ESTILOS EMOCIONAIS E A IMUNIDADE

Como vimos nos exemplos anteriores, existemevidências convincentes de que o estado damente afeta o estado do corpo e, maisespecificamente, de que as emoções influenciam a

siologia e, portanto, a saúde. O que maispodemos dizer sobre estilos emocionais específicose a saúde?

Como você deve se lembrar, a descoberta queimpulsionou meu desejo de compreender as basescerebrais das diferenças individuais naquilo queeu passaria a chamar de estilo emocional foi aassimetria de ativação no córtex pré-frontal: umaativação maior do lado esquerdo está associada aemoções positivas, ao passo que maior ativaçãodo lado direito está associada a emoçõesnegativas. Durante aquela pesquisa, eu haviaentrado em contato com alguns estudos obscurosque demonstravam que, em camundongos, osefeitos sobre a função imunológica eram

consideravelmente diferentes de acordo com aregião cortical lesionada: esquerda ou direita.Lesões no hemisfério esquerdo, que, em sereshumanos, estão associadas à depressão,resultavam numa depressão da funçãoimunológica. Já lesões nas regiões corticaisdireitas não tinham essa consequência. Inspiradopor essa descoberta, decidi examinar se o mesmoefeito básico estaria presente em humanos. Isto é,será que a redução da atividade no ladoesquerdo do cérebro poderia causar não apenasdoenças mentais, como a depressão, mas tambémdoenças somáticas?

Assim, retomei o contato com 20 alunos degraduação que haviam participado de alguns dosmeus estudos anteriores e que possuíam umaatividade frontal signi cativamente assimétrica:uma extrema ativação pré-frontal esquerda oudireita. Coletamos amostras de seu sangue eexaminamos a presença de células

exterminadoras naturais (células NK, na sigla eminglês), um tipo de glóbulo branco que constitui oprincipal componente do sistema imunológicoinato e cuja função consiste em atacar tumores ematar células infectadas por vírus. O quedescobrimos foi que o padrão de assimetriafrontal que caracteriza um estilo emocional maispositivo – a maior ativação frontal esquerda –estava associado a uma maior atividade dascélulas NK. Os participantes com alta ativaçãofrontal esquerda tinham 50% mais atividade dascélulas NK que aqueles com alta ativação frontaldireita. Essa descoberta foi incrivelmentesemelhante ao que tinha sido observado emcamundongos. Como foram poucos osparticipantes, repeti o estudo vários anosdepois14 e obtive resultados essencialmentesemelhantes: maior ativação frontal esquerda éigual a maior atividade das células NK.

Mas essa maior atividade das células NK se

traduz em algo signi cativo? Eu queria testar umamedida mais válida da função imunológica e, em2003, percebi que poderia testar a reação daspessoas a uma vacina,15 que indica se elas estãodesenvolvendo imunidade. Recrutamos 52homens e mulheres de meia-idade em meio àtemporada de gripes, que, no Wisconsin, vai do

nal do outono até a primavera. Na primeira idaao laboratório, a atividade elétrica cerebral decada voluntário era avaliada, para determinarmossua assimetria frontal. A seguir, eles tomavamuma vacina contra a gripe e recebiam instruçõespara voltar duas, quatro e 26 semanas depois. Emcada visita subsequente, coletávamos sangue eanalisávamos a presença de anticorpos contra agripe, um indicativo de que a pessoa tinharespondido à injeção da maneira prevista.

Levamos bastante tempo para coletar os dadosdesse estudo, pois só obtivemos as últimasamostras de sangue seis meses depois de os

participantes terem sido vacinados. E a análisedos dados do eletroencefalograma durou novemeses. Os resultados obtidos foram: pessoas commaior ativação frontal esquerda, associada a umestilo emocional mais positivo, tinham respostasimunitárias mais intensas. Os níveis de anticorposdos participantes com maior ativação esquerdaeram, em média, quatro vezes maiores que osdaqueles com maior ativação direita. Essa é umadiferença enorme e é quase certo que produzaefeitos clínicos. Quanto maior o nível deanticorpos, menor é a probabilidade de pegarmosuma gripe.

A CONEXÃO CORAÇÃO-CÉREBRO

No início deste capítulo, comentei que oscientistas podem trabalhar de forma muitoisolada, com pouco interesse em explorarfenômenos distantes de sua especialidade restrita.Deparei com esse modo de pensar no nal dadécada de 1990, época em que pesquisadoresbiomédicos estavam desenvolvendo maneiras deavaliar a função cardíaca por meio de ressonânciamagnética, em vez de métodos mais invasivos,como a angiogra a, na qual um cateter é inseridono coração. Quando ouvi falar disso, ocorreu-meque eu já tinha uma la de voluntários que eramconstantemente submetidos à ressonânciamagnética para experimentos nos quaisavaliávamos a atividade cerebral que acompanhavários estados emocionais. Portanto, pensei: porque não examinar outros órgãos que do mesmomodo devem sofrer alterações durante os estadosemocionais?

Alguns colegas da universidade que estavamentre as principais referências no uso daressonância magnética como forma de avaliar afunção cardíaca se mostraram muito céticosquando os procurei para explicar que pretendiausar a técnica em pessoas saudáveis paraexaminar de que forma os estados psicológicos,como as emoções, afetam o coração. Aressonância magnética cardíaca tem comoobjetivo avaliar doenças, lembraram-me. Paraeles, era inimaginável que as emoções pudessemin uenciar o coração a ponto de gerar umaalteração detectável na ressonância magnéticacardíaca. Isso me fez pensar que nossos métodoshabituais de induzir emoções no laboratóriotalvez não fossem e cazes o bastante paraproduzir mudanças observáveis na ressonânciamagnética cardíaca. Assim, pela primeira vez,decidi que não iria induzir o medo mostrandoimagens ou vídeos aos participantes, como

costumava fazer, mas ameaçando-os com umchoque elétrico.

Há muito tempo os psicólogos vêm utilizandochoques elétricos em animais e humanos paraestudar o medo e o aprendizado. Por exemplo:um experimento tradicional consiste em dar umchoque num rato quando ele é exposto a umestímulo simples, como um som ou uma luzcolorida. O rato aprende a associar o estímulo aochoque e, com isso, sempre que o estímulo ocorre,sua frequência cardíaca vai às alturas e ele tentaescapar do choque. Em pessoas, inúmerosexperimentos utilizaram choques elétricos, atéalguns nos quais pacientes ansiosos e pacientessaudáveis faziam o papel dos ratos. O resultadofoi que os ansiosos aprenderam a associar oestímulo ao choque com mais rapidez que ossaudáveis. O experimento de Stanley Milgram foitalvez o estudo mais famoso a trabalhar comchoques elétricos, mas ele apenas ngia que os

usava. Disseram aos participantes que elesdeveriam aplicar choques em outros voluntários –que eles não conseguiam ver – sempre que eleserrassem uma resposta, e que deveriam aumentara voltagem a cada resposta errada. Na verdade,ninguém dava choque em ninguém. O objetivoera saber se pessoas comuns poderiam sercoagidas por guras de autoridade – os cientistas– a torturar estranhos inocentes. A resposta foiafirmativa.

Por serem um estímulo muito arti cial, sempredescon ei do uso de choques elétricos, e aindamais porque que não parecia ético darmoschoques nos participantes de um estudo quandotemos outras formas de induzir o medo ou aansiedade. No entanto, como meus colegasachavam improvável que os métodos tradicionaisnos permitissem induzir emoções negativas aponto de elas produzirem um efeito mensurávelno coração, decidi tentar.

No experimento, usei principalmente o quechamamos de “ameaça de choque”, em vez dechoques verdadeiros.16 Recrutamos 23estudantes da universidade e lhes explicamos queseriam submetidos à ressonância magnética,durante a qual formas geométricas simples, comoum losango ou um círculo, seriam projetadas noteto do aparelho. A primeira gura indicava queiriam receber um choque elétrico, mas, quando asegunda aparecesse, nada aconteceria. Para queos estudantes soubessem o que os esperava,durante 20 milissegundos aplicamos um choquesemelhante ao que levamos ao encostarmos nalíngua uma pilha de 9 volts.

Parado na sala de controle, vendo os dadossobre a atividade cerebral aparecerem na tela emtempo real, quei impressionado ao observar asgrandes diferenças no padrão de ativação neuralentre as duas circunstâncias: quando as pessoasviam o losango (“Choque iminente!”) e quando o

que aparecia era o círculo (“Nada vai acontecer.”).Eu estava focado em várias partes do cérebro quesabidamente seriam ativadas pelo medo, como aamígdala, a ínsula e o córtex pré-frontal. Aindaassim, não é tão surpreendente constatar asdiferenças entre o per l neural de uma pessoaque se sente ameaçada e o de uma pessoa que sesente segura. Ao examinarmos a força com que ocoração bate (denominada contratilidade), noteiimediatamente que, ao menos em algunsparticipantes, as emoções haviam descido para opeito, causando o caos. A contratilidade é afetadapelo sistema nervoso simpático, o principalresponsável pela reação de luta ou de fugarelacionada com o estresse e o sofrimento.Quanto mais intensa era a ativação cerebral emtrês regiões principais – um setor do córtex pré-frontal direito, a ínsula e a amígdala –, mais forteera a contratilidade cardíaca. Em resposta aolosango ameaçador, algumas pessoas

apresentavam um pequeno aumento nacontratilidade; outras, um aumento considerável.

Conseguimos distinguir quem era quemexaminando os cérebros. Mais de 40% davariação interpessoal na contratilidade cardíacaeram explicados pela intensidade com que aínsula e o córtex pré-frontal respondiam à gurageométrica que anunciava a ameaça. Essa maioratividade cerebral descia pelas vias do sistemanervoso simpático e fazia o coração bater commais força. Tais diferenças no estilo emocionalprovavelmente acarretam consequências à saúdequando afetam uma pessoa ao longo de muitotempo.

A MENTE ENCARNADA

A mente é encarnada, no sentido de que estádentro do corpo – especi camente, no órgão de1,5kg que chamamos de cérebro –, envolvidanuma comunicação bidirecional com ele, demodo que o estado da mente in uencia o corpo eo estado do corpo in uencia a mente. Asemoções também são encarnadas, e, tendo emvista sua capacidade de afetar a siologia exteriorao crânio, poderíamos dizer que são a forma maisencarnada de atividade mental. Os circuitoscerebrais que estão por trás dos estilos emocionaispossuem amplas conexões de mão dupla com osistema imunológico, o sistema endócrino e osistema nervoso autônomo. O tráfego do cérebropara o corpo faz a mente in uenciar a saúde. Issosugere que, para um pro ssional da saúde,conhecer o estilo emocional de um paciente podeser tão importante quanto saber se ele fuma.Sugere também que a alteração do estilo

emocional pode ser bené ca para os sistemassiológicos e, portanto, para a saúde geral. O

tráfego do corpo para o cérebro faz com quemudanças em nossos padrões de movimentoafetem o modo como a mente processa asinformações emocionais. Isso tem consequênciasque vão além do alerta aos usuários de Botoxsobre o fato de que a paralisia de alguns de seusmúsculos faciais pode limitar sua amplitudeemocional. O corpo poderia se tornar um aliadona transformação das emoções, isto é, práticasque enfatizam o corpo, como a hataioga, têm opotencial de modi car as emoções. A pesquisanessa área ainda está engatinhando, mas existempistas interessantíssimas do possívelfuncionamento dessa conexão corpo-cérebro.

A

C A P Í T U L O 7

NORMAL E ANORMAL, E

QUANDO O

“DIFERENTE” SE TORNA

PATOLÓGICO

nal, o que é ser emocionalmente

normal? Quando apresentei as seisdimensões do estilo emocional, espero terdeixado claro que não existe estilo ideal. Naverdade, além de não existir um que seja melhor,penso que a civilização jamais teria avançado atéo ponto em que estamos hoje sem a diversidadede estilos.

Se você considera que a existência de coisascomo iPads, celulares, bancos on-line e redes

sociais é algo bom, então deveria se alegrar com ofato de existirem pessoas que preferem interagircom máquinas a se inter-relacionar com outrosindivíduos – pessoas que provavelmente estão noextremo desnorteado do espectro da IntuiçãoSocial. Se para você é um alívio que osassassinatos políticos não ocorram com maisfrequência, deverá car feliz de saber que osagentes do serviço secreto estão no ladosocialmente intuitivo da dimensão IntuiçãoSocial, o que os torna extremamente sensíveis àspistas sutis, não verbais, do ambiente. Se vocêacha bom que existam professores bem-sucedidose líderes e cientes na sociedade moderna, deve

car feliz com o fato de haver pessoas que sesituam no lado de recuperação rápida dadimensão Resiliência, no lado positivo dadimensão Atitude, no lado socialmente intuitivoda dimensão Intuição Social (professores e líderesprecisam ser sensíveis aos sinais emitidos por

aqueles que estão ao seu redor) e no ladoantenado da dimensão Sensibilidade ao Contexto(precisam ainda ser sensíveis às nuances doambiente social, para responder de formaadequada a cada situação). Em resumo, asvariações no estilo emocional são bené cas àsociedade, porque possibilitam que diferentespessoas desenvolvam habilidades distintas ecomplementares.

No entanto, às vezes um estilo pode ser extremoa ponto de interferir na rotina da pessoa. Quandoisso ocorre, torna-se uma patologia. A pressãoarterial, o nível de colesterol, a frequênciacardíaca e outras medidas siológicas variam,assim como as dimensões do estilo emocional.Para todos esses parâmetros, existe um ponto decorte além do qual um valor é consideradopatológico, por estar associado a doenças, comoum risco maior de AVC ou de doençacardiovascular. A fronteira entre a saúde e a

doença é um tanto arbitrária e pode mudar como avanço da pesquisa biomédica – considere, porexemplo, a redução no nível de colesterolclassi cado como saudável. No entanto, em geralessa fronteira está no ponto em que uma medida

siológica passa a resultar em prejuízos à vidadiária. Poderíamos ter uma discussão acadêmicainteressante sobre o que vem a ser umacapacidade pulmonar saudável, mas acho quetodos concordaríamos com a ideia de que, se umapessoa não consegue subir uma escada sem carcompletamente sem fôlego, chegamos ao limitedo patológico.

O mesmo vale para o estilo emocional. Quandouma pessoa tem uma recuperação tão lenta que omenor revés a faz mergulhar em mais umepisódio agudo de pânico ou ansiedade, signi caque ele se tornou patológico. Quando a atitudede uma pessoa é tão negativa que a ausência dealegria em sua vida a faz pensar seriamente em

acabar com tudo, quer dizer que ele se tornoupatológico. Quando alguém é tão socialmentedesnorteado que tem di culdade emcompreender interações sociais básicas e nãoconsegue estabelecer relações próximas, seu estilose tornou patológico e ele pode até estar noespectro autista. Quando uma pessoa é tãoautoignorante que não consegue perceber queseu nível de estresse chegou às alturas, ela não sedá conta de que precisa tomar medidas parareduzir a tensão, o que aumenta seu risco decontrair doenças. Quando uma pessoa é tãodesligada do ambiente que a cerca que confundea sirene de uma ambulância com um alerta paraevacuação no campo de batalha, signi ca que elese tornou patológico, chegando a apresentartranstorno do estresse pós-traumático. Quandouma pessoa é tão desconcentrada que nãoconsegue nem sequer completar tarefas simplesou aprender o que precisa para ser bem-sucedida

acadêmica ou pro ssionalmente, isso quer dizerque seu estilo de atenção se tornou patológico epode até indicar um transtorno de dé cit deatenção/hiperatividade.

No caso de algumas dessas dimensões, oextremo oposto também pode ser patológico. Porexemplo: se o estilo de uma pessoa na dimensãoAtitude for excessivamente positivo, ela talvezcorra o risco de sofrer de transtorno bipolar ou devariantes de mania marcadas por emoçõespositivas inadequadas. Pode ser tãoautoperceptiva e inundada de sensações dopróprio corpo a ponto de ter tendência a ataquesde pânico. Ou pode ser tão concentrada que nãose dê conta de coisas ou pessoas que exigem suaatenção.

A partir desses exemplos, você deve terpercebido que praticamente todas as principaisformas de transtorno psiquiátrico envolvemalgum desequilíbrio emocional – logo, talvez

pense que o estilo emocional determina quantouma pessoa será vulnerável a doenças mentais.Embora não possa, por si só, causar doençasmentais, o estilo emocional interage com outrosfatores, indicando se alguém poderá ter umadoença. Por exemplo: os problemas na funçãoemocional estão no âmago dos transtornos dohumor e de ansiedade, o que não é desurpreender, pois em transtornos do humor,como a depressão, as pessoas são incapazes demanter sentimentos positivos, como a felicidadeou até mesmo o interesse, ao passo que notranstorno de ansiedade generalizada e no deansiedade social as pessoas têm di culdade emsuprimir as emoções negativas quando elassurgem. No entanto, o mais surpreendente talvezseja o fato de que os transtornos emocionaistambém são cruciais nos casos de esquizofrenia ede autismo. A esquizofrenia costuma sercaracterizada pela incapacidade de obter prazer

com atividades normais. E pessoas com autismotêm tanta di culdade em interpretar sinais sociaisinócuos – como a expressão no rosto de umestranho – que passam a vê-los como ameaças,retraindo-se cada vez mais em seu mundo, demodo que nem mesmo a súplica dos maispróximos é capaz de tirá-las dele.

PSIQUIATRIA BASEADA NA NEUROLOGIA

Ao entendermos quais dimensões do estiloemocional podem estar relacionadas comtranstornos especí cos e como elas podemcontribuir para os sintomas fundamentais de cadatranstorno, somos capazes de reconhecer maisfacilmente o espectro entre o normal e o anormal.Ao identi carmos a in uência das diferentesdimensões sobre transtornos especí cos tambémconseguimos de nir com clareza os sistemascerebrais que contribuem para cada transtorno eelaborar novas estratégias para seu tratamento,alterando o estilo emocional que existe em seuâmago. Estou convencido de que esse é o futuroda pesquisa em psiquiatria. Hoje, um psiquiatraavalia os sintomas de um paciente e, se umnúmero su ciente deles corresponder aossintomas que caracterizam, por exemplo, a fobiasocial, o transtorno obsessivo-compulsivo ou obipolar, então o paciente será classi cado como

portador desse transtorno. O problema nessaabordagem é que ela deixa de reconhecer que aspessoas são diferentes e que o ponto de corte éarbitrário. O mais importante é que a divisão em365 tipos de transtornos, o número de doençaslistadas no Manual Diagnóstico e Estatístico deTranstornos Mentais, não corresponde aofuncionamento do cérebro. Uma abordagem maisadequada, que venho defendendo desde 1996,quando era presidente da Sociedade de Pesquisaem Psicopatologia, seria situar as pessoas emespectros baseados na neurociência.

Deixe-me usar um exemplo para explicar comoisso funcionaria. Muitos transtornos psiquiátricosenvolvem anormalidades na capacidade devivenciar o prazer.1 A depressão é o caso maisevidente, mas a incapacidade de sentir felicidade,alegria ou contentamento – a anedonia –também está presente na esquizofrenia. Muitaspessoas pensam que essa doença se caracteriza

principalmente por alucinações e delírios e defato esses são os chamados sintomas positivos daesquizofrenia, em que “positivo” se refere àpresença de um sintoma. Mas a esquizofreniatambém possui sintomas “negativos”, isto é, aausência de qualidades que normalmenteestariam presentes. O sintoma negativo maismarcante da esquizofrenia é a anedonia. Naclassi cação dos estilos emocionais, a anedoniaenquadra uma pessoa no extremo negativo doespectro da Atitude. Portanto, é provável queesse estilo esteja envolvido na esquizofrenia – etambém na depressão, nos transtornos deansiedade, nos vícios e em outras doençasmarcadas por problemas com as emoçõespositivas.

Este capítulo irá considerar a fronteira entre onormal e o anormal no caso de três dimensões doestilo emocional: a Intuição Social, que tem umaparticipação fundamental no autismo; a Atitude,

que afeta o risco de depressão; e a Atenção, queestá relacionada com o transtorno do dé cit deatenção com hiperatividade (TDAH).

O ESPECTRO AUTISTA

Agradeço à minha lha o fato de eu meinteressar pelo autismo. Desde que Amelie teveidade su ciente para notar outras pessoas – oque, em seu caso, ocorreu pouco depois donascimento –, cou claro que ela eraextremamente sociável. Essa característica couainda mais evidente durante o ensino médio,quando ela ajudou Molly, uma menina autista de11 anos. Além de auxiliá-la com o hebraico,Amelie foi uma importante conexão social para amenina. Nunca vou me esquecer do bat mitzvahde Molly, pois sei que minha lha teve enormeparticipação na capacidade demonstrada pelagarotinha autista de recitar preces e de se colocardiante da congregação inteira sem vacilar.

A descrição clássica do autismo envolve umatríade de sintomas. O primeiro diz respeito aproblemas de interação social, de modo queautistas evitam o contato visual, com frequência

não respondem quando chamados pelo nome emuitas vezes parecem não estar cientes dossentimentos dos outros. O segundo grupo desintomas está relacionado com problemas decomunicação, a tal ponto que alguns mal falam,ou falam em tom ou ritmo anormais, repetindopalavras ou frases sem saber o que signi cam enão conseguindo nem mesmo iniciar umaconversa. O terceiro grupo trata decomportamentos estereotipados, comomovimentação repetitiva (por exemplo, agitar asmãos ou balançar o corpo) ou rotinas ou rituaisespecí cos, como a necessidade de sempre tomarum gole de leite no início de uma refeição e determinar o prato principal antes de experimentarqualquer acompanhamento.

A pesquisa moderna ampliou a categoria deautismo, passando a incluir o “espectro autista”, oque signi ca que existe uma ampla variação nagravidade de cada elemento da tríade de

sintomas. Por exemplo: algumas crianças têmapenas um mau contato visual e um tomligeiramente anormal e inexpressivo da fala.Outras explodem em paroxismos aterrorizados: –e aterrorizantes – de raiva quando alguémencosta nelas, ou apenas lhes dirige a palavra, oumesmo tenta fazer contato visual. Em outras,ainda, o sintoma mais visível é carem xadasnuma parte especí ca de um brinquedo, como asrodas de um caminhão. Com isso, as pessoas queestão no espectro autista variam desde as quefuncionam bem em sociedade, como a estudiosado comportamento animal Temple Grandin, atéas que sofrem de tamanha incapacidade funcionalque não conseguem falar nem frequentar a escolae precisam de cuidados constantes. No entanto,independentemente do ponto em que alguém sesitua nesse espectro, sempre existe algumadeficiência na interação e na comunicação social.

Durante as sessões em que Amelie ajudava

Molly na nossa sala de jantar, em 1999, notei umaspecto muito marcante na menina: a ausência decontato visual. Percebi que ela prestava atençãono que Amelie dizia, pois, quando minha filha lhepedia que lesse em voz alta trechos da Torá, eraclara sua tentativa de fazer isso. Mas Molly nuncaolhava para Amelie. Isso me fez questionar se aausência de contato visual poderia servir comouma janela para vislumbrarmos a base do autismoe se isso poderia estar associado às conhecidasdi culdades na comunicação social enfrentadaspelos autistas, como a incapacidade de detectarironia, sarcasmo ou humor. Com o tempo, aoconhecer outras pessoas e crianças com autismo,observei que, independentemente da gravidadeda doença, a aversão ao contato visual era umsintoma consistente.

A essa altura da minha pesquisa eu já estavaformulando minha teoria do estilo emocional eincluíra provisoriamente a Intuição Social como

uma das seis dimensões. Ocorreu-me que umadas consequências da aversão ao contato visualseria má intuição social. A razão para isso é quemuitos dos sinais sociais que enviamos – ointeresse, o tédio, a surpresa, o prazer ou acon ança – são transmitidos pela área em tornodos olhos. Como os músculos em volta dos olhostransmitem as emoções verdadeiras, essa regiãoda face é fundamental para a comunicação social.Eu sabia disso graças a algumas das minhasprimeiras pesquisas sobre emoções, nas quais osvoluntários que assistiam aos vídeos divertidos nomeu laboratório na SUNY Purchaseapresentavam movimentos característicos nosmúsculos oculares (formando rugas nos cantosdos olhos) que acompanhavam padrões deatividade cerebral. Esses foram os estudos nosquais descobrimos que a alegria verdadeira,determinada pelos sorrisos que fazem os olhos seenrugar,2 é acompanhada de picos de atividade

na região pré-frontal esquerda, o que nãoacontece quando a alegria é falsa, sem aformação das rugas. O estudo mostrou quesomente por meio da observação dos olhospodemos de fato discernir se alguém estávivenciando uma emoção positiva.

Essa memória me tomou de súbito quandonotei que Molly não conseguia tar os olhos deAmelie. Tendo em vista a prevalência da aversãoao contato visual, percebi que as crianças e osadultos que se situam no espectro autistadeveriam estar deixando passar importantes sinaissobre o estado emocional das pessoas. Elas nãoconseguiriam entender que um comentáriobrincalhão do tipo “Nossa, só 9,8? Acho que vocênão estudou muito para a prova” signi ca, naverdade, o oposto do sentido literal: “Você sematou de estudar e tirou uma nota ótima.” Não éde surpreender que autistas tenham di culdadeem interagir socialmente: eles não conseguem

apreender as emoções nem as palavras e oscomportamentos dos outros. Suspeitei que essacegueira social e emocional talvez não resultassede nenhum dé cit do processamento dasemoções no cérebro, como os cientistascostumavam acreditar. Talvez fosse, isso, sim,consequência de não olhar os outros nos olhos.Se os não autistas passassem um dia inteirodesviando os olhos do rosto de seus colegas, elestambém perderiam todo tipo de sinal social eemocional e cariam igualmente perplexos com omundo a seu redor. Isso sugere que se os autistasconseguissem, de alguma forma, aprender a taros olhos das pessoas, sem desconforto nemansiedade, boa parte de seu dé cit social eemocional talvez desaparecesse.

Entretanto, isso estava muito longe do consensodos especialistas. Vários estudos concluíram quecrianças com autismo talvez tenham umaanormalidade fundamental no giro fusiforme,3

um conglomerado de neurônios situado no córtexvisual, na parte posterior do cérebro, que éresponsável pela percepção de faces. Em 1997, adescoberta de que existe uma região do cérebroespecializada em perceber faces – não árvores,nem rochas, móveis, comida, tampouco nenhumaoutra parte da anatomia – fazia algum sentido, jáque o rosto é muito importante na vida social dosseres humanos e de outros primatas. No entanto,estudos posteriores revelaram que o girofusiforme não é necessariamente especializadoem reconhecer faces. Em vez disso, é ativadosempre que as pessoas percebem um objeto quepertence a uma categoria na qual elas têmexperiência. Por exemplo: em fanáticos porautomóveis e especialistas em observação de aves,o giro fusiforme é ativado diante da imagem decarros e de pássaros, respectivamente. Isto é,quando um observador de aves vê guras decardeais, chapins, patos e albatrozes e alguém lhe

pede que os classi que, o giro fusiforme se enchede atividade. É por isso que os cientistas pensaraminicialmente, de forma equivocada, que o girofusiforme fosse especializado na percepção defaces, e somente nisso: todos somos especialistasna percepção de faces, e geralmente tentamosclassi cá-las. Os estudos diziam que o girofusiforme era de ciente em pessoas com autismo.Quando crianças autistas são colocadas noaparelho de ressonância magnética paramonitoração de sua atividade cerebral e sãoentão submetidas a testes de discriminação facial– por exemplo, dizer se um rosto está fazendouma expressão de felicidade ou de raiva –, seugiro fusiforme ca muito menos ativo que emcrianças de desenvolvimento normal.

Eu tinha dúvidas quanto à ideia de que oautismo fosse causado basicamente por um dé citinerente no giro fusiforme. Pense nisto: criançascom autismo – portanto, com terríveis problemas

de relacionamento – são colocadas em um tuboensurdecedor e claustrofóbico por um bando deestranhos que lhes dão instruções para a práticade tarefas que envolvem a percepção de faces.Parecia-me de fato mais provável que elas fossemolhar para o espaço com o olhar desfocado,tentando se acalmar, ou que apenas fechassem osolhos até que aquele suplício estivesse terminado.E, se zessem isso, é claro que seu giro fusiforme

caria menos ativo. Sem que os cientistassoubessem (por que não colocar “eye trackers” namáquina de ressonância magnética, quedeterminassem o ponto no qual as criançasestavam xando os olhos?), as crianças autistastalvez não estivessem olhando para as facesprojetadas no teto da máquina, muito menostentando discriminar as emoções daqueles rostos.Suspeitei que a ausência de atividade no girofusiforme não indicasse um defeito nessa região –talvez fosse apenas o resultado do fato de as

crianças estarem desviando os olhos das faces queos cientistas lhes apresentavam. A conclusão deque o problema estava no giro fusiforme seriaanáloga à a rmação de que a ausência deatividade no córtex auditivo é a razão de seu

lho adolescente não o ouvir quando você ochama para jantar, embora, na verdade, o queocorra é que ele está ouvindo música com seusfones de ouvido. A ausência de atividade nãonecessariamente re ete uma função defeituosa.Pode tão só indicar a ausência de um estímulo.

QUEM NÃO OLHA NÃO VÊ

Para testar se nossa suspeita estava correta,meus colegas e eu lançamos4 o primeiro estudopara examinar os correlatos neurais à percepçãode faces em crianças autistas, que englobavamedir simultaneamente seu padrão demovimento ocular. As crianças usaram óculos de

bra óptica com um sistema a laser infravermelhoque rastreava a direção do olhar, permitindo amonitoração dos movimentos realizados por seusolhos. A tarefa era muito simples, pois queríamosque crianças de todos os níveis conseguissemrealizá-la: projetamos nos óculos um único rostodurante três segundos e lhes pedimos queapertassem um de dois botões para indicar se aface era emotiva ou neutra. Com base no trabalhode Duchenne, sabíamos que as crianças teriamque tar a região dos olhos para conseguirresponder.

Ficar sentado na sala de controle, monitorando

os dados coletados, foi um exercício dehumildade. Como estudos anteriores haviamrevelado, crianças com autismo executavamaquela tarefa com muito menos e ciência que umgrupo de controle formado por crianças nãoautistas. As autistas classi caram corretamente85% das faces, em comparação com 98% deacertos entre as não autistas. Esse percentualpode parecer elevado, mas tenha em mente queas crianças estudadas eram funcionais o su cientepara ir até o laboratório, interagir com estranhos,seguindo suas instruções, e tolerar o espaçoapertado e os ruídos intensos do tubo deressonância magnética. As crianças autistastambém tiveram menor ativação no girofusiforme, como outros estudos igualmenterevelaram.

No entanto, zemos uma descoberta marcante.Quando cada rosto – alguns neutros, outrosemotivos – aparecia nos óculos, observei o trajeto

percorrido pelos olhos das crianças: muitas delasolhavam para qualquer outra região exceto osolhos. Quando examinamos o registro dosmovimentos oculares das crianças autistas deforma mais sistemática, depois de coletarmosdados de todos os 30 voluntários, descobrimosque essas crianças passavam em média 20%menos tempo tando os olhos que as criançasnormais. Quando levamos essa descoberta emconsideração, ela explicou quase toda a variaçãono nível de ativação da região fusiforme. Nãohavia nada de errado com a região fusiforme dascrianças autistas: sua baixa ativação não se deviaa nenhum defeito. O que acontecia era que aregião fusiforme não estava recebendo sinais – enão os recebia porque as crianças desviavam oolhar das faces das pessoas e, em especial, de seusolhos.

Essa foi uma descoberta relevante, que rejeitoua ideia tradicional de que autistas possuem

defeitos neurológicos inerentes à percepção defaces. No entanto, acabamos por deparar comoutra descoberta ainda mais importante. Aatividade cerebral das crianças autistasapresentava diferenças, em relação às dedesenvolvimento normal, em outra região.Durante a tarefa de percepção de faces, outraregião do cérebro chamou atenção, peladiferença de atividade nela detectada entre ascrianças autistas e as não autistas: a amígdala,cuja atividade se revelou maior nas autistas. Vocêdeve lembrar que a amígdala é fundamental parao aprendizado emocional, uma estrutura essencialnos circuitos que participam do medo e daansiedade. Essa é a região responsável porperceber ameaças no ambiente. Muitas dascrianças autistas que mal conseguiam tar osolhos de um rosto na fotogra a (muito menos umrosto real e vivo) tinham níveis altíssimos deatividade na amígdala. Essa atividade, que se

eleva quando as crianças autistas olham pararostos – até mesmo durante as frações desegundo que o experimento durou –, sugere que

tar os olhos das pessoas as deixa profundamentedesconfortáveis, até temerosas, e que quandofazem isso seu cérebro e o corpo como um todosão inundados por mensagens que elasinterpretam como ameaçadoras. A única formade acabar com esse suplício é desviando o olhar.De fato, quando as crianças desviavam o olhar daregião dos olhos, a ativação na amígdala caía,sugerindo que a aversão ao contato visual é umaestratégia tranquilizante, reguladora dasemoções, que alivia a ansiedade e o medo.Evitando encarar as pessoas, a criança autistaconsegue reduzir o estímulo social que lhe é tãoameaçador.

Se, como sugerem nossas descobertas, os altosníveis de ativação da amígdala sãodesconfortáveis, interpretados pelo cérebro como

algo que sinaliza a presença de uma ameaça,então é provável que as expressões inócuas nasfaces de estranhos, e até mesmo de familiares,sejam interpretadas como ameaçadoras.Descon o que crianças com autismo sedefrontem com a estratégia de desviar o olharlogo no início da vida. Como se sentem ansiosasquando tam rostos, não demoram a descobrirque conseguem aliviar ou evitar essa ansiedadeolhando para outra parte qualquer.

Esse alívio, porém, tem um custo alto. Aconsequência do ato de desviarem o olhar dorosto alheio é que elas perdem as importantesinformações sociais transmitidas pela face,sobretudo pelos olhos. Mike, um adolescenteautista de 15 anos que participou dos nossosestudos, con rmou esse fato. Ele tinha muitacuriosidade por nossa pesquisa e estava ávido desaber mais sobre as descobertas. Depois de suasessão no aparelho de ressonância magnética, eu

lhe perguntei se ele estaria disposto a falar sobreseu autismo em um seminário que eu estavadando. Ele deveria descrever como é olhar para orosto de alguém e interagir socialmente. Mikeconcordou, contente. Sentado a uma mesa comuma dúzia de estudantes, perguntei-lhe como erafazer contato visual. Ele descreveu, em termoscomoventes, a di culdade e a humilhação quesentia pelo fato de não olhar diretamente para orosto das pessoas. As crianças da escola pensavamque ele não ligava para elas, já que Mike não lhesdirigia o olhar quando conversavam. Mas Mikenão via alternativas, pois sentia um terrorvergonhoso sempre que olhava para o rosto dealguém, ainda mais para os olhos.

A FAMÍLIA INTEIRA

O autismo é, entre todas as doençasneuropsiquiátricas, a que tem a carga mais fortede hereditariedade. A prevalência básica é dequase 1%: estimativas atuais informam que umaem cada 110 crianças de 8 anos recebe umdiagnóstico de transtorno do espectro autista. Seuma criança de uma família tiver autismo, noentanto, a probabilidade de que um irmãotambém tenha é de aproximadamente 3%, otriplo da taxa veri cada na população em geral.Entre gêmeos idênticos, que possuem sequênciasde DNA idênticas, se um tiver autismo, aschances de o outro ter também serão de 63% a98%,5 como apontaram os valores encontradosem diferentes estudos. Assim, está claro que adoença tem um componente genético. Apesar deexistirem vários suspeitos, ainda não foiidenti cado de forma de nitiva nenhum “genedo autismo”, embora pareça claro que muitos

genes devem estar presentes para causá-lo. Issosugere que, quando uma pessoa herda umnúmero de genes menor que o mínimo necessáriopara a manutenção da doença plena, ainda assimela talvez apresente alguns sintomas.

Para testar essa possibilidade, zemos umestudo em irmãos de crianças com autismo6 quenão se situavam nem mesmo na faixa de espectroautista leve. Essas crianças tinham padrões demovimentação ocular incomuns: não desviavamo olhar do rosto e dos olhos de outras pessoascom tanta assiduidade quanto seus irmãosautistas, mas, quando examinadas de forma maisatenta, revelavam um padrão de movimentaçãoocular e de ativação cerebral que era um meio-termo entre o de seus irmãos afetados e o decrianças de desenvolvimento normal. Isto é, aatividade de sua amígdala aumentava quandoelas tavam as pessoas diretamente no rosto. Oaumento não era tão alto quanto o de seus

irmãos autistas, mas ainda assim existia. Quandoolhavam para faces, seu olhar se dirigia à regiãodos olhos com muito menos frequência que o decrianças não autistas. Essa descoberta reforça aideia que está na base da teoria do estiloemocional: a Intuição Social varia ao longo de umcontínuo e a linha divisória entre o normal e oanormal é um tanto arbitrária.

Quando analisamos esses dados de forma maisminuciosa, percebemos quanto essa linha semanifestou arbitrária. A maioria de nós considerasaber a diferença entre a saúde e a doença, onormal e o patológico. Eu também pensava quesoubesse: acreditava que, embora os sintomascomportamentais pudessem nos enganar, ospadrões de atividade cerebral – que têm sidoespeci camente ligados a um número cada vezmaior de doenças psiquiátricas, gerando apromessa de servirem como suas marcascaracterísticas – eram con áveis. Quando

examinei com mais atenção os dados sobrecrianças autistas e crianças não autistas às quaishavíamos apresentado imagens de faces, constateique o nível de atividade da amígdala nas autistasera de fato maior, em média, que nas saudáveis.Mas a atividade nas autistas variava bastante. E onível de atividade da amígdala em algumascrianças de desenvolvimento normal era tão altoquanto nas autistas.

Foi então que percebi que a linha divisóriaentre o normal e o anormal é problemática.Muitos dos sintomas sociais e dos problemas delinguagem existentes no autismo – e os processoscerebrais subjacentes a esses sintomas – tambémestão presentes na população em geral.Indivíduos que não têm autismo mas que nãosuportam tar os olhos das pessoas às vezes sãochamados de “fóbicos sociais”. No entanto, o queeu defendo é que esse rótulo não descreve umadoença isolada nem facilmente identi cável.

Trata-se apenas de um dos extremos de umcontínuo. Isso mostra que, nas dimensões doestilo emocional, não existe um ponto de cortemágico que marque a divisão entre anormalidade e a patologia.

UMA TAXONOMIA CEREBRAL DA DEPRESSÃO

A maioria das pessoas pensa na depressão comoa presença difusa e inabalável da tristeza e até dodesespero. Isso certamente descreve muitos doscasos dessa doença cruel. No entanto, umapesquisa mais recente identi cou outras marcascaracterísticas da depressão, sobretudo aincapacidade de sentir prazer e outras emoçõespositivas, como a satisfação, a alegria e o orgulho.Uma consequência nada surpreendente dessaincapacidade é a di culdade de planejar, deprever o futuro e de realizar ações direcionadas aobjetivos. Se uma pessoa não consegue imaginarque certa ação lhe proporcionará felicidade, oumesmo uma sensação de realização, écompreensível que não se sinta muito incentivadaa planejá-la, muito menos a executá-la.

Todos esses sintomas de depressão secorrelacionam com padrões aberrantes deatividade no córtex pré-frontal e em outras

regiões cerebrais. Uma das minhas primeirasdescobertas foi o fato de que pessoas comdepressão têm uma ativação muito mais forte nolado direito do córtex pré-frontal que noesquerdo, ao passo que indivíduos saudáveis têmuma ativação maior no lado esquerdo – e, comoirei expor no capítulo 10, alguns monges budistastêm uma ativação esquerda elevadíssima. Porém,mais recentemente, em estudos realizados comum enorme número de pacientes com depressão,

cou claro que essa não é uma doença única,como a artrite reumatoide. Em outras palavras,existem muitas maneiras de carmos deprimidos.O que ocorre é que existem quase tantas espéciesde depressão quantas são as de besouros,7 e cadauma de suas formas possui um padrãocaracterístico de atividade cerebral. Isso sugereque diferentes subgrupos poderiam se bene ciarde tratamentos diferentes.

• Um subgrupo especí co de pacientesdeprimidos é formado por aqueles que têmdi culdade de se recuperar das adversidades.Quando algo ruim lhes acontece, elespermanecem abalados por um longo período.Essas pessoas estão no extremo de recuperaçãolenta da dimensão Resiliência, o que estáligado a níveis mais baixos de ativação pré-frontal esquerda. Logo, têm di culdade de selivrar das emoções negativas quando estassurgem.

• Outro subgrupo de pessoas com depressão éformado pelas que se encontram – mais umavez, não todas – no extremo desligado dadimensão Sensibilidade ao Contexto. Elas têmdi culdade de regular suas emoções de formaadequada ao contexto. Por exemplo: se sãopessoas que se sentem descon adas eacanhadas em situações novas ou entredesconhecidos, o que é bastante normal, pode

ser que generalizem sobremodo essassensações, levando-as também para assituações familiares, de forma que suadescon ança e timidez persistem. Pessoas comesse estilo emocional atuam de formaigualmente formal e reticente tanto entreamigos quanto com familiares. Isso as impedede ter interações sociais satisfatórias e porconseguinte elas entram em depressão. Outramanifestação do fato de ser desligado docontexto social: imagine que uma supervisora otrata como se você não zesse nada direito notrabalho. Ela o critica porque você bate muitopapo com os clientes. Quando você controlasua tagarelice, ela o repreende por estar sendolacônico demais. Não é de surpreender quevocê esteja sempre tenso, certo de que irá darum passo em falso no que quer que faça. Setiver di culdade em alinhar suas emoções como contexto social, irá se sentir ansioso mesmo

quando estiver em casa ou entre amigos,temendo dizer algo errado. Mais uma vez, issoaumenta o risco de depressão. Nesse subgrupode pacientes, exames de ressonânciamagnética demonstraram que o hipocampo émenor que em pessoas saudáveis. Isso fazsentido: o hipocampo é a região do cérebrofundamental para o processamento docontexto.

• Um terceiro subgrupo é formado porindivíduos que se consideram completamenteincapazes de sustentar emoções positivas,quaisquer que elas sejam, a saber: o ânimo, aalegria, a esperança... Ao contrário de pessoasemocionalmente saudáveis, que recebem umaboa notícia de manhã e provavelmente sesentem “animadas” durante várias horas, essespacientes não conseguem manter a alegria.Eles estão no polo negativo da dimensãoAtitude. Sua incapacidade de manter qualquer

emoção positiva faz com que jamais consigamaproveitar as coisas boas da vida. Muitos dessespacientes também se situam no extremo derecuperação lenta da dimensão Resiliência,mas não todos, uma vez que as duasdimensões são independentes. Muitas pessoasque são incapazes de sustentar emoçõespositivas se recuperam rapidamente diante dasadversidades, ao passo que outras que têmmuita facilidade em manter a alegria após umaexperiência positiva demonstram recuperaçãolenta quando vivenciam algum problema. Amistura da incapacidade de sustentar emoçõespositivas com a incapacidade de superaradversidades é uma receita para a depressão.

A DEPRESSÃO E A DIMENSÃO ATITUDE

Esse último subgrupo, daqueles que têmdi culdade de sustentar as emoções positivas,tem sido o foco da minha pesquisa, que estácentrada nas anormalidades do processamentoemocional. Curiosamente, embora a depressãocostume ser vista como um transtorno emocionalou do humor, são muito poucas as pesquisas quede fato investigam o processamento emocional empacientes com a doença. Isso re ete uma atitudedo tipo “Esse não é o meu trabalho” tanto dapsiquiatria como da psicologia. A psiquiatria nãoestuda as emoções normais – particularmente,não estuda as emoções positivas. A psicologia,sim, mas os psicólogos que estudam as emoçõesnormais raramente interagem com aqueles queestudam psicopatologias. Com isso, foram feitospouquíssimos estudos sobre anormalidades nosprocessos que geram e sustentam as emoçõespositivas. Foi então que eu entrei.

Num dos meus primeiros estudos na SUNYPurchase, mostramos a pacientes deprimidos e aoutros, saudáveis, vídeos retirados de lmes decomédia, com duração de um a dois minutos,8escolhidos para induzir sensação de alegria. Paraminha surpresa, logo após assistirem às cenas, ospacientes deprimidos relataram aproximadamenteo mesmo nível médio de emoções positivas –alegria, contentamento, entusiasmo – que ossaudáveis, numa escala de cinco pontos. Aspessoas deprimidas tinham tanta capacidade desentir emoções positivas quanto as saudáveis.

Anos depois, voltei aos dados brutos daqueleestudo, ainda incomodado com aquele que euconsiderava um achado anômalo. Àquela altura,meu trabalho sobre os estilos emocionais haviademonstrado que há entre as pessoas variação notempo de sustentação das emoções positivas. Essase tornou a base para o estilo da Atitude, comseus extremos: pessoas positivas, que conseguem

manter a chama da felicidade acesa como sefossem um escoteiro cuidando das brasas de umafogueira, e pessoas negativas, nas quais o fogo daalegria logo é apagado. Assim, examinei os dadosantigos com mais cuidado, prestando atençãosobretudo nos registros em vídeo das expressõesfaciais dos participantes, que servem como umaleitura instantânea de seu estado emocional.Dessa vez notei que, embora demonstrassemfelicidade em resposta aos vídeos cômicos, ospacientes deprimidos não conseguiam sustentá-la. A expressão de emoções positivas em seu rostose esvaía rapidamente, em instantes, ao contráriodo que acontecia aos voluntários saudáveis, dogrupo de controle, que conseguiam mantê-la poralgum tempo.

Por exemplo: Debra, uma paciente deprimidade um de nossos estudos, apreendeu a essênciadessa característica quando descreveu seussentimentos num jantar na casa de uma amiga.

Ela contou que, quando chegou e cumprimentoua an triã, sentiu um surto genuíno de felicidade.Porém, quando todos se sentaram para comer,seus sentimentos começaram a mudar: sua alegriainicial desapareceu e ela sentiu o abismo negro dadepressão se abrir diante de si. Quando o pratoprincipal foi servido, a comida já havia perdidotodo o sabor e ela mal conseguia comer. Debranão sentiu nenhum prazer – nem com acompanhia dos demais convidados nem com acomida – e quis ir embora da festa o mais rápidopossível.

O que estaria acontecendo no cérebro de Debradurante essa mudança colossal em seu humor?Em um experimento recente, treinamos pacientesdeprimidos e pacientes saudáveis para fazer o queé chamado de reavaliação cognitiva,9 técnica queconsiste em pensar num estímulo – mostraríamosimagens indutoras da sensação de felicidade –,de modo a que resposta emocional gerada por ele

seja ampli cada. No caso de imagens geradorasde felicidade, por exemplo, demos aosparticipantes instruções para imaginar que oseventos alegres ilustrados nas imagens estivessemocorrendo consigo mesmos ou com pessoasqueridas. Portanto, quando viam a imagem deuma mãe sorrindo contente e abraçando o lho,os participantes eram induzidos a se imaginarnaquela situação – ou a imaginar uma pessoaquerida. Depois de lhes ensinar a reavaliaçãocognitiva, colocamos os participantes no tubo deum aparelho de ressonância magnética eprojetamos 72 imagens como a anteriormentecitada, uma de cada vez, solicitado-lhes queamplificassem suas respostas emocionais.

Na primeira metade do experimento, oscérebros dos pacientes deprimidos e os dossaudáveis reagiram de forma quase idênticaquando eles tentaram ampli car cognitivamentesuas respostas às imagens: a ativação no núcleo

acumbente, uma região cerebral associada àsemoções positivas e à motivação, aumentou. Essaárea está repleta de receptores de dopamina –um neurotransmissor relacionado com amotivação de uma pessoa em sua busca deobjetivos e recompensas – e também de opiáceosendógenos, que são as moléculas do prazer e deoutras emoções positivas. Entretanto, na segundametade da projeção, o padrão foi muitodiferente: os participantes saudáveis continuarama apresentar altos níveis de ativação no núcleoacumbente. Sua resposta realmente aumentoucom o tempo, como se a experiência de ampli cara sensação de felicidade se autorreforçasse numprocesso de feedback positivo. Nos deprimidos,porém, a atividade no núcleo acumbente caiu demaneira considerável durante a segunda metadeda projeção de imagens. Eles foram incapazes desustentar suas emoções positivas – assim comoDebra fora incapaz de sustentar as dela. Foi isso

que aconteceu em seu cérebro quando a sensaçãoinicial de felicidade e envolvimento que elasentira ao chegar desapareceu de uma hora paraoutra: a atividade em seu núcleo acumbentedespencou em um precipício.

Assim como Debra, os participantes de nossoestudo sentiram as consequências dessa queda naatividade. Pedimos a eles que classi cassem emque medida adjetivos como alegre, enérgico,entusiasmado, orgulhoso e interessado osdescreviam. Por quanto mais tempo a ativação nonúcleo acumbente fosse sustentada, mais positivaseram as emoções descritas pelas pessoas. Essa é,portanto, a base cerebral da forma de depressãocaracterizada por uma incapacidade de sustentaremoções positivas: o núcleo acumbente nãoconsegue sustentar sua atividade, provavelmentedevido a uma disfunção nas conexões que oligam ao córtex pré-frontal. Com isso, o núcleoacumbente sofre um surto inicial de atividade,

que, no entanto, se extingue com muita rapidez,de maneira que as emoções positivasdesaparecem. Essa é a marca característica doextremo negativo na dimensão Atitude.

Nenhuma região cerebral é uma ilha: existeuma enorme conectividade entre as diversasregiões – ainda que, é claro, existam regiões quese conectam mais entre si que com as demais.Usando a ressonância magnética funcional, alémde identi carmos quais regiões têm maioratividade durante certas tarefas, tambémconseguimos enxergar a força das conexões entrediferentes áreas, determinando a correlação entreos sinais observados na fMRI em duas ou maisregiões. Na essência, funciona assim: se duasáreas se “acendem” juntas com mais frequênciaque o fazem outros pares de regiões, existe umaboa probabilidade de que estejam funcionalmenteconectadas, de sorte que a atividade numa áreacausa a atividade na outra. Desse modo, usamos

os exames de ressonância para mapear asconexões funcionais incitadas especi camentedurante a amplificação cognitiva do prazer.

O que veri camos no experimento foi que umaregião do córtex pré-frontal chamada giro pré-frontal médio, que está envolvida noplanejamento e no comportamento direcionadosa um objetivo, estava fortemente conectada aonúcleo acumbente durante essa tarefa. Isto é:quando o giro pré-frontal médio era ativado, issotambém ocorria com o núcleo acumbente. E,quando a atividade do núcleo acumbente caía nospacientes deprimidos, a conectividade entre essenúcleo e o giro pré-frontal médio tambémdiminuía. A princípio, tanto os pacientessaudáveis quanto os deprimidos demonstraramboa conectividade entre as duas regiões. Ossaudáveis mantiveram essa conectividade, porém,nos deprimidos, ela começou a se dissipar.Acreditamos que, embora tenha permanecido

ativo, o giro pré-frontal médio parou de enviarsinais para o núcleo acumbente. Imagine um casalsonolento, no qual a mulher ca cutucando omarido para mantê-lo acordado, mas acabadesistindo – embora ela continue acordada.

Foi uma descoberta empolgante, pois sugeriuque a razão para a queda na ativação do núcleoacumbente em pacientes deprimidos era umdefeito em sua conexão com o córtex pré-frontal,que dirige a atividade em outras partes docérebro. Os pacientes tentavam conscientementeampli car suas emoções positivas, mas semsucesso. É como quando uma pessoa tenta chutara bola em direção ao gol: se as conexõesfundamentais entre o córtex motor e os músculosnão estiverem presentes, o chute não acontece.Sem boas conexões entre o córtex pré-frontal e onúcleo acumbente, não conseguimos sustentaremoções positivas e corremos o risco de cair emdepressão.

O CAMINHO À FRENTE

Minha motivação para identi car os padrões deativação cerebral existentes na base dos diferentestranstornos mentais não tem nenhuma relaçãocom o desejo de aumentar a longa lista decorrelatos neurais que se tornaram tão popularesdesde o surgimento dos exames de neuroimagem– isto é, os padrões de atividade cerebral quesurgem quando as pessoas têm uma sensaçãoespecí ca, pensam em algo ou participam dealguma atividade que ative a mente. Tudo isso éfascinante e importante, mas é também apenas oprimeiro passo. O objetivo principal é o quechamo de terapia comportamental inspirada naneurologia. Por “inspirada na neurologia” querodizer que a terapia deverá alterar a atividadecerebral aberrante associada à doença mental.Por “comportamental” me re ro à esperança deque isso possa ser alcançado não pelo uso demedicamentos, e sim pelo treinamento mental,

pela terapia cognitivo-comportamental e poroutras intervenções que, essencialmente, ensinemas pessoas a pensar sobre seus pensamentos demaneira diferente e, quem sabe, benéfica.

Todas as terapias inspiradas na neurologia –não apenas a comportamental – ainda estãodando seus primeiros passos, mas seus êxitospreliminares me fazem acreditar que podemosestar no caminho certo. Deixe que eu lheapresente alguns exemplos, surgidos tanto domeu trabalho quanto do trabalho de outroscientistas.

Para ter certeza de que eram as conexõesdefeituosas entre o córtex pré-frontal e o núcleoacumbente que causavam a incapacidade desustentar emoções positivas, estudei o queacontece quando indivíduos com depressãopassam por uma terapia bem-sucedida.Recrutamos 20 pessoas com depressão e, depoisde medirmos suas funções cerebrais com a

ressonância magnética funcional, nós as tratamoscom medicamentos antidepressivos durante oitosemanas. Ao m desse período, algumasrelataram estar sentindo emoçõessigni cativamente mais positivas, enquanto outrasconsideraram que tiveram pouca melhora, umpadrão típico na resposta aos antidepressivos, queajudam alguns pacientes, mas outros, não. Noentanto, quando os pacientes que descreveramemoções mais positivas tentaram ampli carcognitivamente a alegria que sentiam ao veremimagens felizes, tiveram um aumentoconsiderável na ativação sustentada do núcleoacumbente e na conectividade dessa região com ocórtex pré-frontal. Quer dizer, a atividadecerebral que caracteriza a incapacidade desustentar emoções positivas – um núcleoacumbente pouco ativo e com baixa conectividadecom o córtex pré-frontal – voltou ao padrãosaudável nas pessoas que reagiram bem ao

tratamento com antidepressivos. Isso sugere que,quando os medicamentos funcionam, eles estãoafetando o circuito que sustenta as emoçõespositivas, talvez por melhorarem a sinalizaçãoentre o córtex pré-frontal e o núcleo acumbente.Entretanto, a razão de os medicamentos teremesse efeito bené co somente em alguns pacientese não em outros continua a ser um mistério.Estamos agora tentando determinar se terapiasnão farmacológicas comuns – como a terapiacognitiva e a interpessoal – terão efeitossemelhantes, ao menos em alguns pacientesdeprimidos.

Uma das formas mais promissoras de terapiabaseadas na neurologia surge da minhadescoberta básica sobre os padrões de atividadecerebral subjacentes à depressão:

• Pessoas com maior atividade pré-frontal

esquerda, em comparação com a direita,

sentem mais bem-estar e contentamento,10 aopasso que aquelas com maior atividade pré-frontal direita muitas vezes sofrem dedepressão. Além disso, indivíduos com maiorativação de base na região pré-frontalesquerda têm maior ativação comportamental,que é uma medida da intensidade daquilo queos psicólogos chamam de motivação deaproximação. Pessoas com alta ativaçãocomportamental costumam concordarfortemente com a rmações do tipo: “Quandoconsigo algo que desejo, eu me sinto animadoe enérgico.” Ou: “Quando quero alguma coisa,geralmente faço tudo o que posso para obtê-la.”

• Pessoas com maiores níveis de base de ativaçãopré-frontal direita têm forte inibiçãocomportamental, que é uma medida daansiedade e da propensão a “parar defuncionar” diante das adversidades. Pessoas

comportamentalmente inibidas costumamconcordar com a rmações do tipo: “Tenhomedo de cometer erros.” Ou: “As críticas oureprimendas me magoam muito.”

Os conceitos de ativação e de inibição

comportamental foram concebidos peloneurocientista britânico Je rey Gray e se referemaos sistemas cerebrais associados aoscomportamentos de aproximação e deafastamento, respectivamente. A terapia deativação comportamental ensina os pacientes aaumentar sua atividade e a se aproximar desituações novas – mesmo que claramenteameaçadoras –, em vez de evitar situaçõesdifíceis. Também os ensina a identi car asatividades que lhes trazem satisfação e que sãoconsistentes com seus objetivos de longo prazo.Por exemplo: um paciente classi ca o grau deprazer e realização que sente durante atividades

especí cas. Ele poderá dizer que gosta muito deler, de socializar informalmente em um pequenogrupo de bons amigos e de fazer trabalhovoluntário numa instituição de caridade. Oterapeuta irá então ajudar e estimular o pacientea estabelecer e a manter rotinas regulares queenvolvam essas atividades, em vez de deixar queelas ocorram por acaso. Assim, em lugar de deixarque o paciente chame os amigos ou se dedique àinstituição de caridade somente quando tivervontade, o terapeuta elabora um cronograma“preciso”, que ele deverá seguir, ou o faz secomprometer, por exemplo, a “almoçar com osamigos na quinta-feira” e a “fazer trabalhosvoluntários na terça de manhã”. Por m, oterapeuta ajuda o paciente a evitar pensamentosrepetitivos do tipo “Eu sou uma pessoa má” ou“Nada do que eu tento fazer dá certo”,provocando-o com contraexemplos retirados desua vida: “Você se formou na universidade!”,

“Você conseguiu um emprego, apesar da criseeconômica!” – o que quer que dê resultado.

A terapia de ativação comportamental érealmente promissora. Em um grande estudocontrolado e randomizado, 188 pacientes comtranstorno depressivo grave11 receberam umentre três tratamentos: medicamentosantidepressivos, terapia cognitiva ou terapia deativação comportamental. O tratamento foi bem-sucedido em 106 pacientes cujo estado melhoroudepois de seis semanas. No entanto, quandoavaliadas, as taxas de resposta iniciais são apenasa ponta do iceberg dos tratamentos para adepressão. O mais importante é saber se amelhoria persiste ao longo do tempo.

Assim, os cientistas acompanharam os pacientesdurante um ano inteiro. Os tratados commedicamentos tiveram o maior número derecaídas: 59% sofreram outro episódio agudo dedepressão depois de interromperem o tratamento.

Os que receberam a terapia cognitiva ou a deativação comportamental tiveram taxas de recaídaque variam entre 40% e 50%. Esses resultadosindicam que tais tratamentos psicológicos sãoe cazes e provocam menos recaídas que osmedicamentos, além de serem mais baratos.

E agora temos indicações de que a terapia deativação comportamental talvez seja o tipo detratamento inspirado na neurologia que descrevianteriormente. Em um estudo de 2009, cientistasrealizaram ressonâncias magnéticas funcionaisantes e depois do tratamento12 com terapia deativação comportamental. Eles examinaram asrespostas neurais durante uma tarefa baseada emapostas e recompensas, mas em condições nasquais os participantes esperavam receber arecompensa. Depois de 12 semanas detratamento, 75% dos pacientes apresentaramacentuada redução nos sintomas depressivos.Também tiveram maior ativação no estriado,

uma região cerebral que inclui o núcleoacumbente. As descobertas sugerem que otreinamento especi camente destinado aaumentar o envolvimento com estímulosgrati cantes e a reduzir os comportamentos deafastamento produz mudanças acentuadas noscircuitos cerebrais relacionados com as emoçõespositivas sustentadas. Essas novas descobertastrazem a promessa de que a terapia de ativaçãocomportamental será capaz de afetar de formaexclusiva os circuitos necessários para aumentar otempo de duração da felicidade, do orgulho, dacuriosidade e de outras emoções positivas.

ESTILO DE ATENÇÃO E TDAH

Uma velha história zen conta que um alunopediu ao Mestre Ichu:– Por favor, escreva-me algo de grande

sabedoria.O mestre apanhou seu pincel e escreveu uma

palavra: “Atenção”.– Isso é tudo? – perguntou o aluno.O mestre escreveu: “Atenção. Atenção.”O aluno ficou irritado.– Para mim, isso não parece nem profundo nem

sutil.Em resposta, Mestre Ichu escreveu: “Atenção.

Atenção. Atenção.”Frustrado, o aluno perguntou:– O que significa atenção?Mestre Ichu respondeu:– Atenção significa atenção. Muito simples, muito complicado.

Aparentemente fácil, mas, às vezes, insanamentedifícil. O TDAH tem três variedades, marcadaspredominantemente por desatenção, ou porhiperatividade/impulsividade, ou por ambas ascaracterísticas em igual medida. A desatençãoimpede que a pessoa se concentre nos detalhes e,consequentemente, faz com que ela cometa errospor descuido nas tarefas escolares, no trabalho ouem outras funções. Também torna difícil aorganização das atividades e faz com que a pessoase distraia constantemente. Um indivíduohiperativo não para de mexer as mãos e os pés,ajeita-se incessantemente na cadeira, ca em péquando deveria continuar sentado e fala emexcesso. Uma pessoa com impulsividade respondeàs perguntas antes que elas sejam concluídas, temdi culdade em esperar a própria vez e interrompeos outros, por exemplo, intrometendo-se emconversas ou em jogos.

Os dados mais recentes do governo americano

mostram que aproximadamente 9,5% dapopulação do país com idade entre 4 e 17 anos –5,4 milhões de crianças – receberam umdiagnóstico de TDAH, e esse número estácrescendo. Entre 2003 e 2007, a taxa de TDAHaumentou aproximadamente 5,5% ao ano.Embora a causa precisa desse aumento drásticoseja desconhecida, é evidente que a genética, porsi só, não explica o fenômeno, já que o DNA dapopulação não se altera a uma velocidade quepossa dar causa a ele. É provável que essa grandeelevação na incidência da doença provavelmentese deva, isso sim, a fatores ambientais ou a umaampliação nos critérios usados para diagnosticaro TDAH.

Embora os sintomas dos diferentes subtiposindiquem a existência de desajustes em váriosprocessos cerebrais, o problema central pareceestar nos circuitos responsáveis pela atenção epela “inibição de resposta”, a capacidade de

conter os impulsos. Essa capacidade pode sertestada em laboratório. Em um experimentotípico, mostramos a um grupo de crianças umasérie rápida de imagens – por exemplo, faces.Elas deveriam apertar um botão sempre quevissem um rosto que não transmitisse nenhumaemoção e não deveriam apertá-lo quando vissemum rosto com uma expressão emotiva. Em umacentena de imagens, 70 eram neutras e 30 eramemocionalmente expressivas. Assim, as criançasdeveriam apertar o botão 70% das vezes. Amaioria comete erros, apertando o botão ao verum rosto emotivo. Isso não ocorre devido a umaincapacidade de distinguir um rosto neutro deum rosto com uma expressão de raiva, alegria,tristeza ou surpresa (essa possibilidade foidescartada durante um teste prévio), e simporque elas não conseguem inibir a tendência aapertar o botão. Todavia, crianças e adultos comTDAH cometem mais erros.

Exames de imagem do cérebro explicam a razãodisso. Em uma análise de 16 estudos, queenvolveram 184 pacientes com TDAH e 186pessoas normais, pesquisadores do Centro deEstudos sobre Crianças da Universidade de NovaYork13 descobriram que várias regiões do córtexpré-frontal relacionadas com a atenção seletiva ea inibição de resposta apresentavam baixaatividade no grupo que sofria de TDAH. Emparticular, o córtex pré-frontal inferior, que é ocentro de inibição de impulsos, não parecia estarparticipando da brincadeira: ele se enchia deatividade nas pessoas saudáveis, mas cavainativo nas crianças e adultos com TDAH. Comoveremos no Capítulo 11, essas regiões cerebraissão fortalecidas por certas formas de meditaçãoque aprimoram vários aspectos da atenção.

Outra marca característica da atenção é asincronia de fase, na qual um estímulo externo ésincronizado com oscilações cerebrais

preexistentes detectadas por eletrodos no courocabeludo. Também nesse caso, quando o processodeixa de funcionar da maneira correta, oresultado é o TDAH:14 recentemente, quandocientistas da Universidade de Toronto mediram asincronia neural em nove adultos com TDAH eem 10 pessoas saudáveis, encontraram umasincronia muito pior no grupo que apresentava otranstorno. Mais uma vez, um dos principiaiscorrelatos neurais da atenção seletiva nãofunciona corretamente no TDAH.

Minha esperança é usar esses resultados paralocalizar com exatidão a atividade neural que saiudos trilhos e desenvolver intervenções baseadasna neurologia para restaurar essa atividade, demodo que ela volte a ter alguma normalidade.Hoje em dia, o tratamento de primeira linha parao TDAH consiste no uso de medicamentos,sobretudo de estimulantes como a Ritalina, queagem sobre os neurotransmissores do córtex pré-

frontal, melhorando assim a atenção. Atendência dos médicos de logo partir para aprescrição de medicamentos é compreensível: amaioria das crianças em tratamento do TDAH éatendida por clínicos gerais que não têm temponem formação para oferecer nenhum outro tipode terapia. Existem poucos especialistas,sobretudo fora dos grandes centros urbanos, e atémesmo os psicólogos e psiquiatras se sentempressionados (pelos planos de saúde) a prescreverremédios, em vez de oferecer uma terapiacomportamental.

No entanto, existem indícios de que terapiasalternativas ao uso de medicamentos (com todosos seus efeitos colaterais) merecem ser mais bemestudadas. Embora poucos estudos tenhamavaliado métodos comportamentais para otratamento da atenção, os que existem sãopromissores. Em um trabalho feito em 2011 poruma equipe de pesquisadores holandeses,15

crianças com TDAH receberam ou treinamentode atenção, ou treinamento perceptivo. No tipoperceptivo, as crianças de 11 anos aprimoraramsua capacidade de ver e de ouvir, mas nenhumcomponente de atenção foi trabalhado. Notreinamento de atenção, elas participaram de umjogo de computador no qual tinham de notarquando os robôs inimigos entravam em cena equando sua força vital estava perigosamente baixa– portanto, precisavam se manter atentas. Depoisde oito sessões de treinamento com duração deuma hora, ao longo de quatro semanas, ascrianças que receberam o treinamento de atenção– e unicamente elas, excluídas as que receberam otreinamento perceptivo – demonstraramaumentos signi cativos em várias medidasobjetivas de atenção, inclusive no ato de seconcentrarem apesar da presença de distrações.Os cientistas não realizaram exames cerebraispara identi car quaisquer mudanças de atividade

neural que pudessem explicar a melhoria naatenção – esse é um estudo que pede para serfeito. Porém o que sabemos até agora traz aesperança de que o treinamento mental possamodificar o cérebro com TDAH.

Em 2011, enquanto escrevia este livro, umainiciativa do Instituto Nacional de Saúde Mentaldos Estados Unidos (NIMH, na sigla em inglês),uma subdivisão dos Institutos Nacionais deSaúde, tentava reunir as descobertas conhecidassobre os elementos comuns de diferentestranstornos mentais e usá-las para compreendercom mais profundidade as bases cerebrais dasdoenças mentais. A ideia é de que certoscomportamentos e traços psicológicos estãopresentes em vários transtornos psiquiátricos quehoje são vistos como doenças sem relação entresi. Por exemplo: baixos níveis de Intuição Social –na minha classi cação, o extremo socialmente

desnorteado dessa dimensão – são umacaracterística fundamental de muitas pessoas comautismo. Mas esse aspecto está presente em váriostranstornos de ansiedade, sobretudo na fobiasocial, e também pode ocorrer na depressão. Damesma forma, a di culdade em sustentaremoções positivas caracteriza a depressão, masestá igualmente presente nos transtornos deansiedade e na esquizofrenia. Isso sugere que ostratamentos e cazes para determinado transtornotambém podem ser úteis para outro com o qualcompartilhe certa dimensão do estilo emocional.

Na situação atual, os médicos tratam adepressão de forma muito diferente dotratamento que oferecemos aos transtornos deansiedade e à esquizofrenia, e tratam o autismode forma muito distinta de como tratam adepressão. Os remédios e a terapia psicológicasão diferentes. Porém o NIMH reconhece que,para progredirmos na compreensão das bases

cerebrais das doenças psiquiátricas – o que écrucial para tratarmos a doença –, precisamosesclarecer as dimensões do estilo emocional eidenti car sua origem nos padrões de atividadecerebral. Isso é, precisamente, o que busquei fazercom as seis dimensões do estilo emocional.

Essa nova abordagem traz a promessa demelhorar os diagnósticos de doençaspsiquiátricas. Na abordagem tradicional, umapessoa que tenha o número mínimo de critériosdiagnósticos – por exemplo, seis entre os 11possíveis sintomas do transtorno de ansiedadesocial – tem a doença, e a que apresenta umnúmero menor de sintomas não a tem. Comovocê pode ver, o conceito de estilo emocional trazuma perspectiva muito diferente. Apesar dereconhecer a realidade das doenças mentais, essemodelo mostra que não existem fronteiras clarase inequívocas entre o normal e o anormal. Dessaforma, a decisão de transformarmos nosso estilo

emocional não deve se basear num diagnósticoarbitrário, mas sim em nossa avaliação subjetivado tipo de pessoa que queremos ser e do tipo devida que esperamos levar.

Poucos anos atrás, a ideia de que a

atividade cerebral disfuncional existente nabase de uma doença mental poderia ser tratadacom o poder da mente teria provocado risadas,ainda mais se estivéssemos acompanhados depsiquiatras ou de neurocientistas. Porém, com arevolução da neuroplasticidade, essapossibilidade, embora não tenha se tornado umdogma, ao menos passou a fazer parte dascorrentes predominantes da psiquiatria. Acapacidade da mente de alterar os padrões deatividade cerebral é o tema do próximo capítulo.

N

C A P Í T U L O 8

O CÉREBRO PLÁSTICO

as minhas palestras e aulas, quandoexplico que as pessoas têm diferentes estilos

emocionais e que esses estilos se correlacionamcom padrões especí cos de atividade cerebral, osparticipantes costumam concluir que o estiloemocional deve ser xo e que provavelmente temuma base genética. Espero que o Capítulo 5 otenha convencido de que seu estilo emocionalnão é uma consequência direta dos genes queherdou dos seus pais, e sim uma misturacomplexa desses genes somados às experiênciasda sua infância. Quero mostrar agora que o estiloemocional que se rmou na sua vida adulta nãoprecisa se manter inalterado para sempre. O estilo

emocional está ligado a padrões de atividadecerebral – moldados pelos genes ou não –, masisso não signi ca que ele seja xo, estático eimutável. O dogma da neurociência de que océrebro adulto possui forma e funçãoessencialmente xas, um dogma que persistiudurante décadas, está errado.

Pelo contrário, o cérebro tem uma propriedadechamada neuroplasticidade, que é a capacidadede modi car de forma considerável sua estruturae seus padrões de atividade, não só na infância,mas também durante a vida adulta. Essamudança pode resultar das experiências quetemos e também da atividade mental puramenteinterna, ou seja, de nossos pensamentos.Considere, por exemplo, as experiências de vida:1o cérebro de uma pessoa cega de nascença queaprendeu braille tem um aumento mensurável notamanho e na atividade de áreas do córtex motore do córtex somatossensorial que controlam o

movimento e recebem sensações táteis dos dedosusados para ler. Ainda mais impressionante é ofato de que o córtex visual2 – que supostamenteestá estruturado para processar sinais dos olhos etransformá-los em imagens visuais – passa poruma mudança de carreira radical, assumindo afunção de processar as sensações dos dedos, emvez dos estímulos enviados pelos olhos.

A leitura em braille é um exemplo de umaexperiência sensorial e educativa intensa erepetida, oriunda do mundo externo. Porém océrebro também pode mudar em resposta amensagens geradas internamente – ou seja, aosnossos pensamentos e intenções. Essas mudançaspodem aumentar ou diminuir a área corticaldedicada a funções especí cas. Por exemplo:quando atletas treinam mentalmente,concentrando-se na sequência precisa demovimentos necessários para executar, digamos,um duplo mortal carpado, as regiões do córtex

motor que controlam os músculos necessáriospara esse movimento se expandem. Da mesmaforma, o pensamento, por si só,3 pode aumentarou diminuir a atividade de circuitos cerebraisespecíficos ligados a doenças psicológicas: é o casoda terapia cognitivo-comportamental, queconsegue diminuir a hiperatividade no “circuitoda preocupação” responsável pelo transtornoobsessivo-compulsivo. Utilizando apenas aatividade mental, ela própria um produto docérebro, conseguimos modi car intencionalmentenosso cérebro.

DOGMA ESTRUTURAL

Você não caria sabendo sobre aneuroplasticidade caso se baseasse unicamentenos famosos desenhos do cérebro que dão a cadauma de suas várias regiões uma funçãoespecí ca: este é o lugar do córtex motor, quemexe o dedinho esquerdo; este é o ponto docórtex somatossensorial, que processa assensações da bochecha direita. A ideia de queexiste uma correspondência direta4 entreestrutura e função remonta a 1861, quando oanatomista francês Pierre Paul Broca anunciouter identi cado a região cerebral que produz afala: é uma área na parte posterior dos lobosfrontais, concluiu ele ao fazer a necrópsia de umhomem que havia perdido essencialmente toda acapacidade de falar. Ele ganhou o direito debatizar sua descoberta, de modo que a região docérebro responsável pela produção da fala éconhecida desde então como a área de Broca.

Com essa descoberta, os cientistas caramanimados e, como se fossem cartógrafosdedicados, passaram a especi car as funções decada região cerebral. Graças ao neurologistaalemão Korbinian Brodmann, cujos estudos comcérebros de cadáveres estabeleceram as relaçõesentre estrutura e função de 52 regiões distintas,passamos a conhecer as áreas de Brodmann:5 danúmero 1 – a parte do córtex somatossensorialque processa as sensações táteis de pontosespecí cos da pele – até a número 52 – da regiãoparainsular, na qual estão o lobo temporal e aínsula. Sempre tive um fraco pela área deBrodmann número 10, a parte mais anterior docórtex pré-frontal, que foi a que mais aumentoude tamanho ao longo da evolução da espécie eque parece permitir que realizemos múltiplastarefas ao mesmo tempo.

Nenhuma região do cérebro foi mapeada comtanta precisão quanto o córtex somatossensorial.

Essa faixa corre aproximadamente pelo topo docérebro, de orelha a orelha. O córtexsomatossensorial esquerdo recebe sinais do ladodireito do corpo e vice-versa. No entanto, não setrata de uma área receptora única eindiferenciada. Cada parte do corpo estárepresentada num ponto especí co do córtexsomatossensorial. Ele consiste essencialmentenum mapa do corpo.

Em experimentos feitos nas décadas de 1940 e1950,6 o neurocirurgião canadense WilderPen eld descobriu quanto esse mapa eraestranho. Ele fazia cirurgias cerebrais, geralmentepara tratar a epilepsia. Porém, antes de iniciar aparte terapêutica de cada cirurgia, fazia umpequeno experimento. Usando um choqueelétrico leve, Pen eld estimulava diversas áreasdo córtex somatossensorial exposto – o cérebronão tem receptores sensoriais, por isso não senteos choques –, perguntando ao paciente consciente

o que ele havia sentido. Os pacientes cavamchocados: quando Pen eld estimulava seu córtexsomatossensorial, eles sentiam como se alguémtivesse encostado em sua bochecha, testa, braço,perna ou alguma outra parte do corpo. Naverdade, tudo o que Pen eld zera fora estimularos neurônios somatossensoriais, fazendo-osdisparar suas descargas elétricas. Essas descargas,para o paciente, eram indistinguíveis daquelasproduzidas pelos mesmos neurônios em respostaa um verdadeiro estímulo físico em alguma partede seu corpo. Dessa maneira, Pen eld conseguiu“mapear” o córtex somatossensorial,determinando a correspondência entre cada áreado córtex e cada parte do corpo.

E foi então que ele descobriu que o anatomistacartográ co responsável por aquele mapaaparentemente tinha senso de humor. Embora amão que na extremidade do braço, a mão docórtex somatossensorial ca ao lado da região que

recebe sinais da face. A representaçãosomatossensorial dos órgãos genitais ca logoabaixo da dos pés. A escala também édesproporcional: a representação dos lábios ébem maior que a do torso e a das panturrilhas, eas das mãos e dos dedos são enormes emcomparação com as dos ombros e das costas. Issoacontece porque as partes do corpo com maisespaço cortical se tornam mais sensíveis. A pontada língua, que tem uma grande representaçãosomatossensorial, consegue sentir os sulcos dosdentes, algo que o dorso da mão, com suapequena representação somatossensorial, não écapaz de fazer.

Por causa das descobertas7 de Brodmann,Pen eld e outros, a neurociência acreditou,durante boa parte do século XX, que essasrelações entre estrutura e função estivesseminscritas na anatomia, uma visão contida nadeclaração do grande neuroanatomista espanhol

Ramón y Cajal, que, em 1913, a rmou que océrebro adulto era “fixo, terminado, imutável”.

Essa crença na estagnação foi transferida para aideia de que padrões especí cos de atividadecerebral também devem estar inscritos naanatomia e, ainda que não sejam estritamenteimutáveis, são ao menos persistentes. Segundoesse ponto de vista, doenças mentais como adepressão podem ser causadas por uma baixaatividade em certas áreas do córtex pré-frontal epor uma hiperatividade da amígdala, e a biologiasubjacente a esse padrão é tão permanentequanto nossas impressões digitais. É precisodeixar claro que os neurocientistas já sabem, hámuitas décadas, que o cérebro adulto pode sofreralterações no nível celular, codi cando novosfatos e habilidades ao fortalecer as conexões entreneurônios. Mas essa mudança ocorreria apenasno varejo, por assim dizer. Acreditava-se quemudanças no atacado, que pudessem alterar as

relações entre estrutura e função ilustradasnesses belos mapas cerebrais, fossem impossíveis.

OS MACACOS DE SILVER SPRING

E então vieram os macacos Rhesus de SilverSpring.8 Esses animais de laboratório estiveramno centro de uma das mais famosas controvérsiasda história da pesquisa biomédica. Dezessetemacacos usados em experimentos no Instituto dePesquisa Comportamental de Silver Spring, emMaryland, tinham arrancado com os dentes 39 deseus próprios dedos – o que, segundo grupos deativistas, resultara dos maus-tratos que tinhamsofrido e de suas deploráveis condições de vida.Na verdade, eles arrancaram os dedos porquenão os sentiam mais. O chefe do laboratório,Edward Taub, havia cortado cirurgicamente osnervos sensoriais que partiam de um ou dos doisbraços de nove desses animais. Convencido deque seus experimentos levariam a tratamentose cazes contra AVCs, Taub queria saber se umanimal precisava de estímulos sensoriais paraconseguir mexer um membro. Ele acabou

descobrindo que não. Com isso, os animaisperderam toda a sensibilidade nesses membros.

Esse caso deu início ao movimento pelos direitosdos animais nos Estados Unidos. Depois de seremresgatados, os macacos não foram submetidos anovas pesquisas e envelheceram em paz. Numdesfecho controverso, os cientistas argumentaramque, já que os animais restantes seriamsubmetidos à eutanásia para evitar que sofressemmais, eles talvez pudessem prestar um últimoserviço à ciência: os cérebros seriam examinadospara determinar o que ocorrera depois de cercade 12 anos sem que nenhuma sensação de seusdedos, mãos ou braços chegasse ao córtexsomatossensorial.

O resultado dessa privação sensorial,9demonstrado num estudo de 1991, chocou umaárea da ciência que ainda estava presa à ideia dasfunções cerebrais inscritas na anatomia. A regiãodo córtex somatossensorial dos macacos que

originalmente processava as sensações vindas dosdedos, mãos e braços mudara de função: semreceber sinais dessas partes do corpo durantetantos anos, ela passara a processar sinais vindosda face. Tudo o que se sabia sobre neurociênciaaté então assegurava que uma região privada desinais vindos da parte do corpo à qualnormalmente estaria conectada simplesmentepararia de funcionar, pois estava ligada àquelafunção e apenas a ela. A área do cérebro queagora recebia as sensações da face havia crescidoentre 10 e 14 milímetros – uma “enormereorganização cortical”, disseram os cientistas,“uma ordem de grandeza maior que qualquercoisa já descrita”.

Mais ou menos nessa mesma época, outrosestudos mais humanizados com macacospassaram a mostrar que o cérebro adulto deprimatas pode se modi car em reação a algomuito menos extremo e traumático que uma

amputação ou uma cirurgia para cortar os nervos:o cérebro pode mudar em resposta ao modocomo os animais vivem e se comportam. Em umestudo seminal, cientistas da Universidade daCalifórnia em São Francisco treinaram macacos-da-noite a desenvolver um senso de tatoextremamente aguçado nos dedos. Utilizando ochamado “experimento do disco giratório”,10 oscientistas ensinaram os animais a esticar a mãopara fora da jaula e a apoiar levemente os dedosnum disco de 10 centímetros de diâmetro no qualhavia sulcos em forma de cunha. A ideia era queeles encostassem os dedos no disco, mantendocontato enquanto ele girava, mas sem interrompero movimento nem deixar que os dedos fossemjogados para fora.

Dia após dia, os macacos treinaram esseexercício centenas de vezes. Resultado: a regiãodo córtex somatossensorial que recebia os sinaisvindos dos dedos treinados para sentir os sulcos

no disco giratório aumentou quatro vezes. Osimples ato de aprender um truque que exigiauma enorme sensibilidade na ponta dos dedos fezcom que uma região do cérebro se expandisse porum território que costumava ter uma funçãodiferente. As relações entre estrutura e funçãonão são xas. Pelo contrário: a disposição físicado cérebro – a quantidade de espaço dedicada acada tarefa e cada parte do corpo – é moldadapelo comportamento do animal.

A região do cérebro responsável por sentir otato numa parte especí ca do corpo ou por mexê-la pode se modi car em resposta a umaexperiência. Quando os cientistas daUniversidade da Califórnia11 treinaram macacospara encostar num recipiente de comida comdestreza su ciente para fazer com que caísse paraum copinho pequeno (no qual só cabia um únicodedo de macaco), eles encontraram umamodi cação semelhante no cérebro: a região do

córtex motor responsável por mexer o dedo haviadobrado de tamanho, assumindo o espaço queantes controlava outras partes do corpo.

E quanto às experiências humanas? Será que asmodi cações cerebrais descobertas em macacosocorrem somente neles, enquanto o cérebrohumano – possivelmente a estrutura maiscomplicada do universo, tão complexa quequalquer modi cação que ela sofresse poderia serperigosa – é, de alguma forma, protegido contraesse tipo de mudança? Para saber as respostas, oscientistas precisaram examinar o cérebro depessoas cegas e surdas.

VER O TROVÃO, OUVIR O RELÂMPAGO

Você talvez não tenha cado surpreso ao saberque as delicadas estruturas do córtexsomatossensorial e do córtex motor – cujadistância entre uma região que sente ou moveum dedo e uma área que sente ou move umabochecha é medida em milímetros – podem semodi car em resposta às experiências ou aocomportamento. No entanto, o cérebro é capazde reorganizações ainda maiores. Estudosdesenvolvidos com pessoas cegas e surdasexaminaram pedaços muito maiores, epossivelmente mais fundamentais, de tecidoneural: o córtex visual, que ocupa quase um terçodo volume do cérebro e se situa na parte posteriordo crânio, e o córtex auditivo, que ocupa o topodo cérebro, acima das orelhas. Você já deve terouvido falar que os cegos têm uma audição maisaguçada e que os surdos têm uma visão maisa ada, quase como se os deuses estivessem

compensando os sentidos que eles não possuem.Porém a verdade é que os cegos não ouvem sonsmais suaves, assim como os surdos nãoconseguem detectar contrastes mínimos nemenxergar a uma luz mais fraca, se comparadoscom as pessoas que escutam normalmente. Aindaassim, a ideia das mudanças compensatóriasrealmente tem algo de verdadeiro.

Nos surdos de nascença, os objetos da visãoperiférica não são percebidos apenas no córtexvisual, mas também no córtex auditivo.12 Ocórtex auditivo enxerga. É como se ele, cansadode sua inatividade forçada por não receber sinaisdos ouvidos, aprendesse a desempenhar umanova função e passasse a processar sinais visuais.Essa reorganização tem consequências práticas:13pessoas surdas conseguem detectar o movimentode objetos em sua visão periférica com maisrapidez e precisão que as que têm audiçãonormal.

Algo comparável ocorre nos cegos de nascença,ou nos que cam cegos no início da infância.Neles, naturalmente, nenhum sinal chega aocórtex visual, que, como já mencionei, é umaparte bastante grande do cérebro que a mãenatureza não gostaria de desperdiçar. E ela não odesperdiça. Nos cegos que aprendem a ler oalfabeto braille,14 o córtex visual muda defunção e passa a processar os sinais táteis quechegam dos dedos durante a leitura. Essadescoberta foi tão inesperada que alguns dos maiseminentes neurocientistas se recusaram a lhe darcredibilidade, recomendando à Science, revista àqual o estudo havia sido enviado, que rejeitasse oartigo. No m das contas, a revista Nature,principal concorrente da Science, publicou-o emabril de 1996.

O cérebro dos cegos15 também pode semodi car de outro modo: ao usarem sua audiçãoperiférica – por exemplo, para localizar a origem

de um som, algo que tendem a fazer melhor queas pessoas dotadas de visão –, eles acionam seucórtex visual. Seu cérebro passou pelo quechamamos de reorganização compensatória, oque faz com que o córtex visual consiga escutar.Mais uma vez, William James foi um visionário.Um século antes dessas descobertas, no livro Osprincípios da psicologia, escrito em 1892, ele seperguntou se, caso os neurônios se cruzassemdentro do cérebro, “nós ouviríamos o trovão everíamos o relâmpago” – um prenúncio dasprofundas alterações funcionais que podemocorrer nos córtices sensoriais primários docérebro como resultado das experiências de vida.

Um último exemplo16 do nível dereorganização que pode ocorrer em um cérebro,mesmo em regiões tão básicas quanto o córtexsensorial primário, é: cegos usam o córtex visualpara se lembrar de palavras. A memória verbalnão é nem sequer uma capacidade sensorial

primária, ainda assim, quando o córtex visual nãoé chamado a realizar sua função prevista, elepode assumir até mesmo essa função cognitiva dealta ordem (essa ativação das regiões visuais nãoocorre quando pessoas dotadas de visão recordamlistas de palavras). Além disso, em cegos17 ocórtex visual também gera verbos em resposta asubstantivos (como jogar, em consequência dapalavra bola). Mais uma vez, o córtex visual nãorealiza essa função em pessoas dotadas de visão.A descoberta da capacidade do córtex visual deprocessar a linguagem foi um choque para osneurocientistas.

Recapitulando: as primeiras indicações de que océrebro pode mudar, dando uma nova função auma região que originalmente fazia algodiferente, vieram de estudos realizados comanimais de laboratório e com cegos ou surdos denascença. Os mais céticos poderiam dizer – comodisseram – que esses casos representavam

aberrações, que o cérebro humano é complexo eso sticado demais para ser assim tão maleável eque a mudança em resposta a uma condiçãoextrema, como a cegueira ou a surdez congênitas,não signi ca que tais mudanças ocorram emcircunstâncias normais. O fato de cérebrosjovens, altamente plásticos, conseguiremreorganizar suas funções para compensar aausência de visão ou de audição não queria dizerque o cérebro adulto normal consegue fazer omesmo.

No Capítulo 1, mencionei o interessanteexperimento do “pianista virtual”, no qualPascual-Leone e seus colegas descobriram que omero ato de pensar em tocar um exercício noteclado expandia a região do córtex motordedicada a mover os dedos. O cientista realizououtro estudo que foi ao cerne das objeções contraa capacidade do cérebro adulto normal de semodi car. Ele se perguntou se as regiões

sensoriais primárias do cérebro, quesupostamente estariam entre as mais imutáveis,poderiam de fato ser maleáveis, e não só emcegos ou surdos de nascença, nos quais talplasticidade poderia ser justi cada como umaaberração, mas também em pessoas com visão eaudição normais.

Assim, Pascual-Leone iniciou o que chamamosde “experimento dos olhos vendados”. Ele e seuscolegas recrutaram um grupo de voluntáriossaudáveis para passar cinco dias num ambienteseguro do Beth Israel Deaconess Medical Center,em Boston, usando uma venda nos olhos o tempointeiro. Antes de colocarem as vendas – dentrodas quais havia um lme fotográ co, de modoque, se um voluntário tentasse erguê-la, o lmeseria exposto e o voluntário seria eliminado doexperimento –, os voluntários passaram porexames de ressonância que documentaram seupadrão de atividade cerebral. Tudo saiu conforme

era esperado: quando um participante olhava paraalguma coisa, a atividade em seu córtex visualaumentava, e quando ouvia ou tocava em algo, aatividade em seu córtex auditivo ousomatossensorial também aumentava.

Então os voluntários passaram cinco dias comos olhos vendados. Para que eles não morressemde tédio, os cientistas os zeram passar o temporealizando duas atividades intensamentesensoriais: aprendendo braille e aprimorando suaaudição. Você deve se lembrar de que o brailleconsiste em séries de pontos em alto-relevo sobreos quais a pessoa corre a ponta dos “dedos deleitura” (em geral um ou dois indicadores), o queé um treinamento tátil intenso. Para aguçar aaudição, os voluntários ouviam pares de tons emfones de ouvido e tinham que indicar qual era omais agudo. Essa tarefa é bastante fácil quandoum dos tons parece de barítono e o outro, desoprano, porém a di culdade aumenta quando as

frequências são mais próximas. Após cinco diasde exercício, sem que nenhum estímulo visualchegasse aos olhos dos voluntários nem, portanto,ao seu córtex visual, os participantes foramnovamente submetidos a exames de ressonânciamagnética.

Agora, quando sentiam algo com os dedos, aatividade em seu córtex visual aumentava.Quando ouviam alguma coisa, a atividade em seucórtex visual também aumentava. O córtex visualsupostamente só lida com a visão. No entanto,depois de meros cinco dias18 num ambientesensorial incomum – sem enxergar nada, mascom uma intensa estimulação auditiva e tátil –, ocórtex visual, que, pelo que se supunha, eraestruturalmente dedicado a uma única função,mudara de atividade, passando a processar aaudição e o tato. Isso demonstrou que taismudanças radicais de função podem ocorrer nãosomente em cegos de nascença – caso em que a

modi cação poderia ser considerada irrelevantepara os cérebros saudáveis, ou vista como algoque demorasse décadas para ocorrer –, mastambém em pessoas com visão normal, e emapenas cinco dias. Se o córtex visual, que pareceser a área mais imutável entre todas as regiõesimutáveis do cérebro, pode, em consequência daprivação sensorial e da introdução de novosestímulos, mudar de função tão rapidamente, écerto que chegou a hora de questionarmos se océrebro é de fato tão xo e imutável quantopensávamos.

O mais provável é que o córtex visual nãotenha desenvolvido novas conexões com osouvidos e os dedos – cinco dias não sãosu cientes para isso. Pascual-Leone suspeita que“algumas conexões somatossensoriais e auditivasrudimentares com o córtex visual já deviam estarpresentes”, conexões surgidas durante odesenvolvimento cerebral, quando os neurônios

dos olhos, ouvidos e dedos se conectam a muitasregiões do córtex, não apenas às mais óbvias.Quando os estímulos vindos da retina para ocórtex visual desapareceram, por causa da vendaposta sobre os olhos, as outras conexões sensoriaisforam ativadas. Até mesmo as estradas neuronaispelas quais durante décadas não passou nenhumtráfego podem voltar a transportar sinais.

NEUROPLASTICIDADE NA CLÍNICA

A descoberta de que as experiências sensoriaispodem alterar as conexões cerebrais tem geradoimportantes consequências na vida real. Aquestão dos macacos de Silver Spring custou anosda vida de Edward Taub, que teve de enfrentarprocessos civis e criminais, mas acabou voltando àpesquisa. Enquanto era exposto ao desprezopúblico por seus maus-tratos aos macacos, Taubinsistia em explicar que zera tudo aquilo com aintenção de ajudar as pessoas incapacitadas porAVCs. Em meados da década de 1990, eleconseguiu fazer jus ao que dizia, utilizando opoder da neuroplasticidade descoberta nosmacacos de Silver Spring – cujas regiões cerebraishaviam sido “remapeadas”, assumindo novasfunções – para criar uma terapia que ajudouinúmeros pacientes afetados por AVCs a serecuperar. Da descoberta de que uma região nocérebro dos macacos poderia ser treinada para

realizar uma nova função, Taub inferiu quepessoas que tiveram uma parte do cérebrolesionada por um AVC poderiam treinar umaregião saudável para assumir a função da árealesionado.

Ele chamou o tratamento19 de terapia domovimento induzido pela restrição. Ilustrarei seufuncionamento com o exemplo de um pacienteque teve um dos braços paralisados após um AVCque incapacitou uma região do córtex motor.Taub colocou o braço bom do paciente numatipoia e a mão boa numa luva de forno durante90% do tempo, durante 14 dias consecutivos, paraque ele não usasse nem o braço nem a mão.Assim, o paciente não tinha escolha que nãofosse tentar usar o braço paralisado nas atividadesda vida diária e nos exercícios de reabilitaçãoelaborados por Taub. Realizados seis horas pordia durante dez dias em duas semanas, osexercícios envolviam o uso intensivo do braço

“paralisado” – que, na verdade, ainda retinharesquícios de sua função. O paciente manipulavapeças de dominó, segurava cartas, xícaras etalheres, apanhava sanduíches e colocava pinosem buracos – não muito bem nem muito rápido,nem tampouco com muito êxito, no geral, pelomenos no início. Porém, depois de horas detreinamento, a maioria dos pacientes faziagrandes progressos e retomava a maior parte dafunção da mão e do braço “inúteis”. Elesconseguiam se vestir, comer e apanhar objetos, deforma que realizavam com sucesso quase o dobrodas atividades diárias cumpridas pelos pacientesincapacitados por AVCs que não eram tratadoscom a terapia do movimento induzido pelarestrição. E essa melhoria não ocorreu apenas emvítimas recentes de um AVC. Até mesmopacientes que haviam sofrido um acidentevascular cerebral anos antes de iniciarem a terapiaapresentaram grandes melhoras, retomando sua

capacidade de escovar os dentes, pentear-se,utilizar um garfo, beber num copo, e assim pordiante.

Exames de imagem do cérebro revelaram arazão para esse êxito. Taub descobriu o quechamou20 de “uma grande reorganizaçãocerebral dependente do uso, na qual sãorecrutadas novas áreas do cérebro, de tamanhoconsiderável”, áreas essas que assumiam a funçãodas regiões incapacitadas pelo AVC. “A regiãoresponsável pela produção de movimentos nobraço afetado quase dobrou de tamanho e partesdo cérebro que geralmente não estavamenvolvidas nessas funções, áreas adjacentes à doinfarto cerebral, foram recrutadas”, afirmou Taub.Essa foi a primeira vez em que um experimentodemonstrou a reestruturação do cérebro graças àfisioterapia após um AVC.

Como demonstraram os estudos de Taub eoutros,21 essa plasticidade cerebral podia ocorrer

de três formas distintas. Em alguns pacientes,uma região adjacente ao córtex motor assumia afunção da região incapacitada. Em outros, ocórtex pré-motor, que em geral se dedica apenasa planejar os movimentos, sem de fato ordenarsua execução, assumia as funções da região docórtex motor lesionada. Por m, em outrospacientes, a reorganização cerebral era realmentedrástica: se o AVC tivesse incapacitado o córtexmotor direito (e portanto deixado o braçoesquerdo paralisado), a região correspondente nocórtex motor esquerdo assumia as funções daárea cerebral lesionada, sem efeito aparente sobresua capacidade de realizar os movimentoshabituais com o braço direito. Em suma: océrebro tem a capacidade de recrutar neurôniossaudáveis para realizar a função dos neurônioslesionados. A neuroplasticidade permite que océrebro redistribua o trabalho dos neurônios.

Entretanto, o argumento em favor da

neuroplasticidade não era totalmenteincontestável. Os céticos ainda poderiamargumentar que ela ocorria apenas em condiçõesextremas, como as que se desenham após umAVC. Taub provou que esses argumentostambém estavam errados. Ele recrutou violinistase outros músicos de instrumentos de cordas parafazer um estudo de imagens cerebrais,examinando a região que controla os quatrodedos que se movem pelas cordas para escolher asnotas. Esses “dedos de digitação” são trabalhadosde forma intensa e possuem habilidades motorasincrivelmente re nadas – assim como as dosmacacos-da-noite da Universidade da Califórnia,que aprenderam a apoiar delicadamente os dedosno disco giratório. E Taub descobriu que osmúsicos não eram diferentes dos macacos. Nosviolinistas,22 sobretudo nos que haviamcomeçado a tocar seriamente antes dos 12 anos(embora essa expansão também ocorresse em

pessoas que haviam aprendido a tocar quandoadultas), a área do córtex somatossensorialdedicada a registrar as sensações dos dedos damão esquerda era muito maior que em pessoasque não tocavam instrumentos musicais.Cérebros expostos às exigências de tocar violinopassam por amplas alterações, sofrendo umareorganização cortical provocada pelo uso.“A plasticidade é uma propriedade intrínseca23

do cérebro humano”, a rma Pascual-Leone. “Opotencial do cérebro adulto de se ‘reprogramar’pode ser muito maior que o que imaginávamosanteriormente”, concluíram em 2005 ele e seuscolegas. A neuroplasticidade permite ao cérebrose libertar do próprio genoma, que dita que umaregião cerebral irá “ver” e outra irá “ouvir”, quecerto ponto do córtex somatossensorial irá sentiro polegar direito e outro sentirá o cotoveloesquerdo. Esse mapa determinado pela genéticafunciona bem na maioria das pessoas, na maioria

das condições, mas não em todo mundo, nem otempo todo. Por exemplo: não funciona quandoperdemos a visão ou sofremos um AVC, nemquando nos dedicamos a dominar o violino. Porisso, a natureza deu ao cérebro humano umamaleabilidade e uma exibilidade que lhepermitem se adaptar às exigências do mundo emque ele está. O cérebro não é imutável nemestático – na verdade, ele é remodeladocontinuamente pela vida que levamos.

Até agora, nessa discussão sobre aneuroplasticidade, vimos que o cérebro podemudar a função de estruturas especí cas emresposta às exigências sensoriais e motoras àsquais é submetido. O treinamento motor intensoinduz o cérebro de pacientes que sofreram umAVC a se reorganizar de modo que regiõessaudáveis substituam regiões incapacitadas, aprática musical intensa expande as regiõesresponsáveis pela sensibilidade dos dedos, assim

como a ausência de sinais visuais induz o córtexvisual a processar sons ou toques, por exemplo.Em todos esses casos, a causa da reorganização foium estímulo externo – uma intensidade maior desinais motores ou sensoriais (no caso dosviolinistas e dos pacientes em reabilitação), ou aausência desses sinais (em se tratando das pessoascegas e das surdas). Mas e quanto aos sinaissurgidos no próprio cérebro, isto é, seus própriospensamentos?

O DOMÍNIO DA MENTE SOBRE A MATÉRIA

No Capítulo 1, narrei o experimento no qual omero ato de pensar em um exercício ao pianoexpandia a região do córtex motor responsávelpor mover os dedos. Vou contar agora outros doisexperimentos fascinantes nos quais a mente alterao cérebro.

O neuropsiquiatra Je rey Schwartz, daUniversidade da Califórnia em Los Angeles, haviatratado muitos pacientes com transtornoobsessivo-compulsivo (TOC). O TOC faz com queas pessoas tenham pensamentos perturbadores,invasivos e indesejados, chamados obsessões. Elastemem, por exemplo, que o fogão ainda estejaligado quando já o desligaram ou acreditam queo ato de pisarem uma rachadura na calçada irádesencadear alguma calamidade. Com isso,sentem-se compelidas a assumir comportamentosritualísticos, chamados compulsões, como correrrepetidamente de volta para casa para veri car o

fogão ou fazer acrobacias para não pisar arachadura do chão. Exames de imagem docérebro mostram que o TOC se caracteriza pelahiperatividade em duas regiões: o córtexorbitofrontal, cuja principal função é notarquando algo está errado, e o estriado, que recebesinais do córtex orbitofrontal e da amígdala.Juntos, o córtex orbitofrontal e o estriado formamo que é chamado de “circuito da preocupação”,que é intensamente ativo em pessoas que sofremde TOC.

Em vez de simplesmente medicar seus pacientes– antidepressivos como Prozac, Paxil e Zoloajudam alguns pacientes, mas em geral nãototalmente nem por tempo inde nido –, Schwartzteve a ideia de usar uma técnica que empregavaem sua prática pessoal de meditação budista.Chamada de meditação da consciência plena,essa prática envolve a observação dos própriospensamentos e sentimentos da perspectiva de

uma terceira pessoa, feita de forma acrítica. Nol ivro e Heart of Buddhist Meditation,24 omonge budista Nyanaponika era, nascido naAlemanha, descreve essa técnica como o ato deprestar atenção “apenas nos fatos da percepção,apresentados pelos cinco sentidos físicos ou pelamente... sem reagir a eles por meio de atos,palavras ou comentários mentais”. Ao praticarema meditação da consciência plena, os pacientescom TOC eram ensinados a vivenciar25 umsintoma do transtorno sem reagiremocionalmente, aprendendo a perceber que asensação de que algo está faltando é apenas amanifestação da hiperatividade nos circuitos doTOC. O paciente deveria pensar: “O transtornoestá produzindo outro pensamento obsessivo. Seique ele não é real, mas apenas a interferência deum circuito defeituoso.” Depois de muitas horasaprendendo a técnica, os pacientes conseguiamresistir com mais rmeza às mensagens

produzidas pelo TOC e sentiam que a doençanão os controlava mais. Exames de neuroimagemtambém demonstraram que a atividade em seucórtex orbitofrontal, a parte principal do circuitoenvolvido no TOC, diminuíra consideravelmente,em comparação com os níveis observados antesda terapia com a técnica de meditação daconsciência plena. O ato de pensarem sobre seuspensamentos de uma nova maneira26 haviaalterado o padrão de atividade cerebral dospacientes.

Essa descoberta é crucial para minha crença deque também podemos alterar os padrões deatividade cerebral que existem na base do estiloemocional. Apresentarei mais um exemplo decomo isso pode ser feito por meio do treinamentomental. A depressão clínica se caracteriza pelahiperatividade em regiões especí cas do córtexfrontal, que é a sede do raciocínio, da lógica, daanálise e do pensamento elevado. Essa

hiperatividade ocorre particularmente em regiõesassociadas à antecipação, o que talvez seja a causada in ndável ruminação mental que toma contadas pessoas deprimidas. Além disso, costumahaver uma baixa atividade em partes do sistemalímbico (o centro cerebral das emoções)associadas às sensações de recompensa e prazer.Isso pode parecer estranho se pensarmos nadepressão como uma doença caracterizadasobretudo por uma sensação opressiva de tristeza,o que, supostamente, deveria se manifestar comouma atividade maior no sistema límbico.Entretanto, pacientes com depressão tendem aa rmar que sentem o que é chamado deembotamento afetivo: a óbvia incapacidade desentir surtos de alegria, mas também a ausênciade sentimentos como a curiosidade e o interessepelo mundo.

A terapia cognitivo-comportamental, criada nadécada de 1960, é essencialmente uma forma de

treinamento mental. Seu propósito é ensinar ospacientes a responder às próprias emoções,pensamentos e comportamentos de formasaudável. A ideia é reavaliar o pensamentodisfuncional, ajudando as pessoas a escapar dopadrão mental que as faz pensar coisas como Elanão quis sair comigo uma segunda vez. Issosigni ca que sou um completo fracassado e queninguém nunca vai me amar. Os pacientesaprendem a reconhecer seu hábito de pensar emcatástrofes e de transformar contratemposcotidianos em calamidades. Munidos dessashabilidades cognitivas, aprendem a sentir tristezaou a vivenciar frustrações sem afundar no abismoda depressão.À semelhança do que zera Schwartz ao ensinar

os pacientes com TOC a reconhecer seuspensamentos obsessivos e compulsões como asinterferências de um circuito de TOC hiperativo,um grupo de psicólogos pioneiros ensinou

pacientes com depressão a enxergar seuspensamentos depressivos como meros eventoselétricos no cérebro. Cientistas da Universidadede Toronto descobriram27 que a terapiacognitivo-comportamental tem um efeitopoderoso na atividade cerebral existente na baseda depressão. A terapia reduziu a atividade nocórtex frontal e aumentou a atividade no sistemalímbico. Os pacientes passaram a ruminar menosseus pensamentos e já não se sentiamemocionalmente mortos. Sua depressãodesapareceu e, na maioria dos casos, não voltou:as taxas de recaída apresentadas pela terapiacognitivo-comportamental são muito mais baixasque as registradas após o uso de medicamentos,que, de qualquer forma, não parecem ser muitomais e cazes que um placebo na maioria doscasos, exceto nos mais graves. Porém, para nós, oque importa é que novos padrões de pensamento,aprendidos por meio da terapia cognitivo-

comportamental, podem alterar a atividadecerebral de maneira fundamental, permitindo queas pessoas deixem para trás o padrão depensamento prejudicial e adotem novos padrões,mais saudáveis, que façam com que elasrecuperem a sensação de alegria e deixem paratrás a tristeza, o embotamento afetivo e aruminação mental que tanto as incapacitavam.

Em suma, a revolução da neuroplasticidadedemonstrou que o cérebro pode sofrer alteraçõesem consequência de dois tipos de estímulos: asexperiências que temos no mundo – o modocomo agimos e nos comportamos e os sinaissensoriais que chegam ao nosso córtex – e aatividade puramente mental – desde a meditaçãoaté a terapia cognitivo-comportamental, queprovocam o aumento ou a diminuição daatividade em circuitos específicos.

No próximo capítulo, irei descrever o início daminha jornada pessoal para descobrir a

capacidade da mente de modificar o cérebro.

N

C A P Í T U L O 9

ASSUMINDO A MEDITAÇÃO

ão vou dizer que a razão que me fez

escolher Harvard para cursar a pós-graduação foi a presença de Daniel Goleman, naépoca um pós-graduando em psicologia, mas ofato de ele estar lá contribuiu para minha escolha.Dan caria muito famoso como repórter depsicologia do New York Times e, depois, como oautor do livro Inteligência emocional, um best-seller no mundo todo. No entanto, no meuúltimo ano de faculdade, ele me chamou aatenção por uma série de artigos publicados emum periódico obscuro chamado Journal ofTranspersonal Psychology. Em 1971, escreveu umartigo intitulado “Meditação como metaterapia:

hipóteses para um proposto quinto estado deconsciência”. No ano seguinte, também publicou“O Buda sobre meditação e estados deconsciência, parte I: o ensinamento” e “Parte II:uma tipologia das técnicas de meditação”. Nempreciso dizer que meditação e Buda não faziamparte da corrente de pesquisa predominante empsicologia. Por isso, o fato de um estudante depós-graduação em Harvard – universidade emque a hegemonia do behaviorismo fazia com queuma palestra sobre meditação fosse tão bem-vinda quanto uma acerca de biologia evolutivanuma conferência sobre criacionismo – escreverartigos acadêmicos a respeito desses temas era nomínimo chamativo.

RUMO À ÍNDIA

Perto do nal do meu segundo ano na pós-graduação, anunciei aos meus orientadores emHarvard que gostaria de tirar três meses de folgapara ir à Índia e ao Sri Lanka “estudarmeditação”. Meu anúncio não despertou muitoentusiasmo. Um professor perguntou por que euqueria desperdiçar três preciosos meses da pós-graduação com uma baboseira como aquela eoutro pensou que aquilo seria o m da minhacarreira como cientista. Por sorte, a bênção dosprofessores do departamento não era tão crucial,mas eu precisaria de dinheiro para comprar aspassagens de avião e pagar minhas despesas comalimentação lá. Para isso, teria de ser o maispersuasivo que conseguisse junto à FundaçãoNacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês),que, no ano anterior, me dera uma prestigiosabolsa de pós-graduação, que pagava todas astaxas da universidade e ainda me dava mil

dólares por mês, quantia que, na época, mepermitia viver como um príncipe. Como eu fariapara convencer a NSF a me deixar usar essedinheiro na Índia e no Sri Lanka?Aparentemente, eu deveria argumentar que iriaestudar a relação entre a meditação, a atenção eas emoções. Para mim, era importante ter umaexperiência direta com a meditação nas culturasnas quais ela se originara. A NSF me deu seu avale, em maio de 1974, parti para a Ásia com Susan,com quem me casaria em 1976.

A primeira parada foi o Sri Lanka, aindachamado Ceilão. Durante um mês e meio,ficamos hospedados com Dan Goleman, Anasuya,sua esposa na época, e seu lho de 2 anos numcasarão que eles haviam alugado. Dan e euacordávamos cedo todas as manhãs, vestíamosnossos sarongues e camisetas, meditávamos epassávamos horas debatendo sobre como estudara meditação de uma forma cienti camente

rigorosa. Durante as tardes visitávamos mosteirospara encontrar monges budistas. Fomos muitobem recebidos por todos.

Em julho, Susan e eu partimos para o norte daÍndia, onde passamos dez dias no nosso primeiroretiro de meditação. O centro era dirigido por umfamoso professor e oferecia um programa demeditação bastante intenso. O sino nos acordavaàs 4h30 da manhã, a primeira meditaçãocomeçava às cinco e todos os participanteshaviam feito voto de silêncio.

As instruções do professor para nossa prática devipassana – uma meditação que tem o objetivode fazer o praticante “ver as coisas como elasrealmente são” – eram muito especí cas.Deveríamos dirigir a atenção, de forma lenta edeliberada, a diferentes partes do corpo, uma decada vez, sentindo a ponta do nariz, as diferentestemperaturas do ar, a sensação dos ossos daspernas contra o chão, etc. Um dos objetivos dessa

forma de meditação é perceber a mudança emnossos sentimentos e atitudes. Por exemplo: a dorcomeça como dor, mas, quando nosconcentramos nas sensações corporais, passamosa perceber que o que parecia dor é apenas umconceito e, se conseguirmos observar além doconceito, notaremos um conjunto de sensações:talvez um formigamento nos pés, uma pressãonos joelhos, uma queimação nas panturrilhas...Toda essa gestalt, somada, é entendida como dor,porém, se nos concentrarmos em seusconstituintes, o modo como a encaramos mudaapesar de a sensação permanecer. A nova atitudeé algo do tipo “Meu pé está formigando”, mas amente aprende a não conceitualizar essain nidade de sensações como a coisa aversiva edesagradável rotulada de “dor”.

Você talvez não que surpreso se eu lhe disserque esse tipo de (ausência de) reação à dor nãosurge naturalmente. No segundo dia, Susan já

queria cair fora de lá. Na palestra que o professorfez naquela noite, ele disse: “Muitos de vocêsdevem estar sentindo muita dor e gostariam de irembora, mas quero pedir que se comprometam apermanecer aqui por pelo menos mais um dia.”Susan, com sua boa vontade habitual, resolveu

car por lá – e, depois de mais um dia, tudomudou. Como ele implicitamente prometera,Susan dominou sua atitude em relação à dor,adotou uma percepção acrítica diante dasensação: “Meus joelhos ardem e meus pés estãoformigando, mas são apenas experiênciassensoriais que não vou rotular como ‘dor’.”

O professor ensinava que a meditaçãovipassana servia como um caminho para ailuminação e a erradicação do sofrimento.Entretanto, durante todas aquelas horas demeditação silenciosa, quei convencido de queela tinha também um enorme potencial para apsicologia e a neurociência. Eu havia vivenciado

diretamente uma mudança colossal no modocomo encarava o mundo, livrando-me doconceito de dor e cultivando uma sensaçãoprofunda e duradoura de contentamento notempo presente. Como cientista, eu não tinhadúvidas de que ocorrera uma mudança no meucérebro, presumivelmente nos sistemas quecomandam a atenção e as emoções.

A MEDITAÇÃO ENCONTRA A CIÊNCIA

Ao voltar para Harvard, comecei a fazeralgumas pesquisas sobre meditação. Em umexperimento, Dan Goleman e eu estudamos 58pessoas que tinham graus variados de prática emmeditação1 – desde nenhuma prática até maisde dois anos de execução rotineira. Aplicandoquestionários psicológicos tradicionais,descobrimos que quanto maior era a experiênciacom a meditação, menor era a ansiedade e maiora capacidade de atenção. Ainda bem quereconhecemos que a diferença poderia ter sidocausada pelas distintas predisposições daquelesque não meditavam, dos iniciantes e dosexperientes. Isto é, admitimos que a capacidadede concentração e a pouca ansiedade permitiriama alguns dos participantes se dedicarem àatividade durante anos, enquanto umapersonalidade neurótica e inquieta di cultaria aprática. Sem essa ressalva, nosso estudo pareceria

terrivelmente ingênuo. Fiquei animado quando oartigo foi aceito pelo Journal of AbnormalPsychology, mas a publicação não era garantia derespeito. Quando comentei esse trabalho com umde meus professores, ele disse: “Richie, se vocêquer ter uma carreira bem-sucedida na ciência,essa não é uma boa forma de começar.”

O desprezo por parte das correntespredominantes da psicologia era apenas um dosfatores que tornavam a pesquisa sobre ameditação não muito desejável. O maiorempecilho era o fato de que os exames de imagemdo cérebro ainda não haviam sido inventados. Oseletroencefalogramas que utilizávamos, bastantetoscos, detectavam a atividade elétrica nas regiõesdo córtex próximas da superfície, onde oseletrodos eram aplicados, mas não nas áreas maisprofundas. Com isso, grande parte do cérebrovivo permanecia oculta dos cientistas, inclusive asregiões subcorticais, em que as emoções se

originam. Entretanto, a longo prazo, aincapacidade de estudar cienti camente ameditação na década de 1970 acabou por seruma bênção, porque me permitiu voltar toda aminha atenção ao estudo das emoções e docérebro e isso acabou levando aodesenvolvimento da neurociência afetiva queconhecemos hoje. E no momento em que me vipronto para estudar a meditação, as ferramentasneurocientíficas já haviam avançado o suficiente.

A meditação só se tornaria parte da minha vidacientí ca mais de duas décadas depois, porém jáfazia parte da minha vida pessoal. Continuei apraticá-la diariamente, dedicando 45 minutos deminhas manhãs à técnica chamada meditação dapresença aberta. Ela requer que estejamosplenamente cientes de qualquer objeto quedomine a mente em determinado momento –uma sensação corporal, uma emoção, umpensamento ou um estímulo externo –, mas sem

deixar que ele domine nossa consciência. Eualternava a meditação da presença aberta com ameditação compassiva, na qual começo meconcentrando nas pessoas mais próximas a mim,desejando que se livrem do sofrimento, e entãome movo para fora, num círculo que continua ase expandir até envolver toda a humanidade. Essaprática foi incrivelmente bené ca para mim, quelevo uma vida estressante e extremamenteatarefada, à frente de um laboratório comdezenas de estudantes, técnicos e assistentes,administrando milhões de dólares de

nanciamentos privados e governamentais econcorrendo a bolsas muito disputadas. Acreditoque minha capacidade de organizar todas essasatividades mantendo o equilíbrio emocional sejaum efeito direto da minha prática de meditação.

Eu não tinha o hábito de falar sobre meditaçãocom meus colegas cientistas, pois imaginava que,por ser uma prática muito alternativa,

di cilmente iria auxiliar minha carreira, queestava apenas começando. Mas tudo isso mudoudrasticamente em 1992. Naquele ano, junteicoragem e escrevi uma carta para o Dalai-Lama.Presunçoso, perguntei a ele se seria possívelestudar alguns dos experientes praticantes queviviam nas montanhas em volta de Dharamsala,no intuito de determinar se a prática de milharesde horas de meditação poderia modi car aestrutura ou a função do cérebro e, em casoa rmativo, de estabelecer como isso se veri cava.Eu não estava interessado em medir os padrõesde atividade cerebral que acompanham ameditação, embora isso pudesse ser interessante.Em vez disso, esperava saber como aquelesmilhares de horas de meditação alteravam oscircuitos cerebrais de um modo su cientementeduradouro, que fosse perceptível mesmo quandoo cérebro não estivesse meditando. Seria comomedir a força do bíceps de um siculturista

quando ele não estivesse fazendo musculação:todos aqueles exercícios aumentam o tamanho domúsculo, e isso pode ser medido mesmo quandoo praticante está fazendo um esforço qualquer,como levantar uma xícara de café. Os iogues, oslamas e os monges que vivem nas montanhasseriam perfeitos para o estudo, pois participam deretiros de meditação que duram meses ou anosaté, o que, eu suspeitava, deixaria uma impressãoduradoura em seu cérebro. É claro que o que éperfeito para a ciência não necessariamente éperfeito para quem medita. Eles haviam sededicado a toda uma vida de contemplaçãosolitária. Por que concordariam em fazer avontade de gente como nós?

Tivemos sorte, pois o líder tibetano tinhainteresse pela ciência e pela engenharia desdecriança. Além disso, fazia pouco tempo quecomeçara a se interessar pela neurociência, deforma que gostou da minha proposta. O Dalai-

Lama respondeu à minha carta: prometeu entrarem contato com os eremitas e lamas quemeditavam em suas cabanas nas montanhas doHimalaia e pedir que cooperassem em nossoexperimento. É claro que isso não foi fácil. Nãotínhamos a opção de enviar uma carta, tampoucode telefonar ou usar outro meio de comunicação.Felizmente, entretanto, havia um monge que osupremo sacerdote selecionara para atuar comointermediário entre si e os lamas, monges eeremitas. Esse homem visitava cada um delessemanalmente, quando lhes levava comida e seassegurava de que tudo estava bem. Assim, naprimavera e no verão de 1992, esse emissário dolíder tibetano levou àqueles praticantes dameditação algo inesperado: um pedido de SuaSantidade para que cooperassem com uns homensestranhos que dentro de alguns meses iriamvisitá-los a m de medir sua atividade elétricacerebral. No m das contas, o Dalai-Lama

conseguiu convencer 10 dentre 67 praticantes acooperarem conosco. Aquele não era um estudoque eu pudesse fazer sozinho. Em minha viagema Dharamsala naquele mês de novembro, fuiacompanhado por Cli Saron, na época meucolega na Universidade de Wisconsin, porFrancisco Varela, um neurocientista do Hôpitalde la Salpêtrière, de Paris, e por Alan Wallace,um acadêmico budista da Universidade daCalifórnia em Santa Barbara, que em 1980 zeraum retiro de meditação naquelas mesmasmontanhas depois de estudar por dez anos obudismo tibetano na Índia e na Suíça. No inícioda década de 1970, ele fora aluno do Dalai-Lama, de quem recebera a ordenação monásticaem 1975. Todos esperávamos que Alan pudessefacilitar nossa aceitação entre os praticantestibetanos.

Na segunda manhã após nossa chegada, fomosao encontro do supremo sacerdote budista.

Embora antes eu estivesse nervoso, diante deleminha ansiedade desapareceu por completo e tiveuma sensação muito profunda de segurança etranquilidade, uma con ança súbita de que euestava exatamente onde deveria estar. As palavras

uíram da minha boca e eu sugeri que ele nosajudasse a estudar as capacidades mentais e afunção cerebral de pessoas que haviam passadoanos treinando a própria mente, paradescobrirmos se o treinamento mental modi ca océrebro.

Apesar de todas as ocupações do Dalai-Lama,ele de alguma forma conseguira encontrar tempopara se manter atualizado nas questões ligadas àneurociência. Ficou interessado na possibilidadede que a ciência ocidental pudesse aprender algocom os homens que dedicam a vida aotreinamento mental na tradição do budismotibetano e se mostrou grato por constatar quehavia cientistas ocidentais sérios dispostos a fazer

um estudo como aquele.E foi assim que nós – Cli Saron, Alan Wallace,

Francisco Varela e eu – começamos nossa jornadaem Dharamsala, em novembro de 1992. Acaminhada foi longa e cansativa: carregamosmontanha acima todo o equipamento necessáriopara as medições e não faltaram obstáculos aolongo do percurso. Não sei se as preces que

zemos a todas as divindades do panteão budistaajudaram, mas sobrevivemos.

Finalmente, vislumbramos a primeira cabana namontanha. Foi ali que encontramos um monge –que chamarei Rinpoche 1, para manter anônimasua verdadeira identidade –, que vivia num retirosilencioso havia 10 anos. Um dos mais experientespraticantes de meditação entre os 10 mongesindicados pelo Dalai-Lama para participar doestudo, Rinpoche 1 tinha pouco mais de 60 anos,uma saúde frágil e não se podia dizer que haviarealmente abraçado nossa missão. Naquele

momento, queríamos apenas estabelecer umarelação, explicar nosso objetivo e demonstrar osexperimentos que pretendíamos realizar. Umdeles era o teste de Stroop, no qual a palavra quenomeia certa cor é escrita em uma cor diferente eo participante deve lê-la sem se distrair para a corem que ela está escrita. Trata-se de um teste deconcentração, que coloca à prova a capacidade deevitar uma distração. Porém Rinpoche 1 explicou,com toda a modéstia, que sua prática pessoal demeditação era medíocre, portanto, sequiséssemos aprender os efeitos dessa atividade,tudo o que precisávamos fazer era meditartambém, ora! Não tínhamos levado emconsideração que a humildade é um valorfundamental do budismo tibetano e que a meradescrição de uma prática meditativa pode serconsiderada arrogante. Deixamos a cabana deRinpoche 1 sem que conseguíssemos sequer fazeruma entrevista satisfatória, que dirá obter dados

no eletroencefalograma.Não nos saímos muito melhor com Rinpoche 2,

embora ele tivesse sido um dos professores deAlan Wallace. Nesse caso, o problema foramoutros cientistas. Rinpoche 2 nos contou de umfamoso iogue chamado Lobsang Tenzin, tambémdas montanhas de Dharamsala, que fora até aFaculdade de Medicina de Harvard para realizarestudos sobre a meditação, que seriam nãoinvasivos, como prometido pelos cientistas.Entretanto, os pesquisadores de Harvardcoletaram uma amostra do sangue de Lobsang e,infelizmente, três meses depois de voltar aDharamsala, o monge morreu. Rinpoche 2 tinhacerteza de que os experimentos tinham matadoseu amigo. Segundo ele, não faz sentido tentarmedir a mente, que não tem forma e não é física.Se fosse possível medir qualquer coisa, assegurou-nos, ela não teria nenhuma importância emtermos da compreensão dos efeitos da meditação.

E de forma semelhante se deu com os mongessubsequentes, até o décimo. Um deles, muitogentil, nos aconselhou a rezar ao Dalai-Lama,pedindo sucesso em nossa empreitada. Outrosugeriu que voltássemos depois de dois anos, poisnessa época ele talvez já houvesse tido algumêxito na prática meditativa. Outros temiam quenossos testes esquisitos pudessem afetar suaprática. Porém a queixa mais consistente foiaquela expressa por Rinpoche 2: as mediçõesfísicas eram simplesmente inadequadas paradiscernir os efeitos da meditação sobre a mente.Pretendíamos usar o eletroencefalograma paradetectar, por exemplo, a compaixão cultivada pelameditação?

Apesar do fracasso cientí co, sentimos quehavíamos progredido em outro nível. Um dosmonges relatou que tinha cado con nadodurante muitos anos numa prisão chinesa noTibete, onde fora torturado. Ele nos descreveu,

em detalhes assombrosos, as mudanças quevivenciara momento a momento em virtude dameditação compassiva, que praticararegularmente durante o tempo que passou nocativeiro. A tristeza, o desespero e a raiva quehaviam tomado conta de sua mente no início,explicou-nos o monge, foram desaparecendo, umpouco a cada dia, até que deram lugar a umasensação de compaixão – até pelos captores, queele considerou estarem numa situação tão ruimquanto a dele. Senti, então, que aquelaextraordinária capacidade certamente poderia nosensinar algo sobre a mente e o cérebro.

Depois de 10 dias percorrendo trilhas nasmontanhas, nalmente desistimos da ideia decoletar dados cientí cos sobre os praticantes dameditação. No entanto, antes de deixarmosDharamsala, tivemos mais uma conferência como Dalai-Lama e dissemos a ele que nossaesperança de coletar os primeiros dados sobre os

efeitos neurológicos da meditação a longo prazonão dera certo. Explicamos as razões de osadeptos terem rejeitado nossa proposta, adesconfiança que sentiram diante da aparelhageme os relatos preocupantes sobre o que acontecera aoutros monges que haviam cooperado comcientistas ocidentais. Depois de ouvir nosso relato,o Dalai-Lama sugeriu: “E se vocês tentassem denovo, com praticantes experientes, mas só com osque tenham estado no Ocidente e estejam maisfamiliarizados com o modo de pensar e atecnologia ocidentais?” Uma pessoa queconhecesse melhor a ciência não iria suspeitar deque os eletrodos pudessem afetar sua prática demeditação. Talvez pudéssemos convidá-los a iraos Estados Unidos, em vez de tentarmossubmetê-los a testes numa pesquisa de campo –assim utilizaríamos o ambiente controlado de umlaboratório. Logo quei interessado. E, quando olíder tibetano prometeu recomendar nosso

projeto a alguns adeptos budistas de seu círculo,soube que estávamos no caminho certo.

Mas o Dalai-Lama também tinha algo a nospedir. Ele nos disse que, em seu entendimento, apesquisa psicológica estava focada quaseexclusivamente nas emoções negativas, como aansiedade, a depressão, o medo e a tristeza. Porque os cientistas não utilizavam as ferramentas daneurobiologia moderna para estudar qualidadespositivas, como a bondade e a compaixão? Nãosoube muito bem como responder. Balbucieiqualquer coisa sobre o fato de que boa parte dapesquisa biomédica no Ocidente era movida porum desejo de tratar as doenças e que esse modelofora importado para a pesquisa sobre as emoções.Dessa forma, como a ansiedade e a depressão sãoconsideradas doenças, recebem mais atenção doscientistas, ao passo que o amor e a gentileza, pornão serem problemas, são amplamenteignorados. Enquanto lhe dava essa explicação, no

entanto, notei como ela era vazia. Evidentemente,se aprendêssemos mais sobre as emoçõespositivas estaríamos mais capacitados a treinar aspessoas para cultivá-las. Ainda assim, o termocompaixão não era nem citado no índiceremissivo de nenhum grande livro de psicologiada época. Então, naquele momento, prometifazer tudo o que pudesse para remediar aquelasituação. Falei ao Dalai-Lama que faria o queestivesse a meu alcance para incluir a compaixãono mapa cientí co. Também prometi ser maisfranco com meus colegas acadêmicos sobre meuinteresse pela meditação. Naquela época, eu jáera professor titular da Universidade deWisconsin e tinha recebido vários prêmiosprofissionais. O que teria a perder?

MONGES NO LABORATÓRIO

Ao voltar para Madison, mergulhei de cabeçana pesquisa sobre as bases neurais do estiloemocional, a regulação das emoções e asdiferenças interpessoais na reatividade emocional,mas também lancei os fundamentos para estudosrigorosos sobre a meditação. Se você costuma lernotícias sobre a pesquisa cientí ca, provavelmenteimagina que um pesquisador pensa num temainteressante, recruta voluntários e então, depoisde algum tempo, obtém resultados fascinantes.Quem me dera fosse assim! Antes de mais nada, amera tarefa de conseguir permissão dauniversidade para realizar pesquisas comhumanos – e não estou falando de cirurgiasinvasivas nem de medicamentos experimentais,mas apenas de pedir que pessoas respondam aquestionários – é tão penosa e requer tantotempo que em alguns laboratórios há umpro ssional exclusivamente dedicado a preencher

a papelada e enviar propostas de pesquisa. Alémdisso, uma vez de nidos os detalhes de umprojeto experimental (o que pode levar muitotempo), qualquer novo protocolo exige amplostestes-piloto nos quais uns poucos voluntáriosparticipam de todas as fases do experimento, umempreendimento que dura meses.

O primeiro retorno que tivemos da promessa doDalai-Lama de recomendar nosso trabalho apraticantes de meditação experientes aconteceuem 2001, quando uma das pessoas maisextraordinárias que já conheci entrou no meulaboratório. Matthieu Ricard, francês que setornou monge tibetano, atendeu a esse chamadopor caminhos bastante tortuosos. Em 1972,Matthieu concluiu seu doutorado em biologiamolecular no Instituto Pasteur. Naquele mesmoano, ele decidiu abandonar o mundo da ciência ese mudar para o Himalaia, onde estudou para setornar um monge budista.

Matthieu ajudou a fechar o hiato que existiaentre a ciência moderna e as tradições ancestraisdo budismo tibetano: ele compreende anecessidade de um grupo de controle, mastambém é um praticante dedicado da meditação.Ele emprestou seu cérebro à ciência pela primeiravez quando permitiu que Francisco Varela, umdos meus companheiros no estudo fracassado emDharamsala, medisse sua atividade cerebraldurante a prática meditativa, trabalho que nuncafoi publicado.

Matthieu foi a Madison em maio de 2001.Sabíamos que queríamos medir a atividadecerebral durante a meditação, provavelmenteusando a ressonância magnética funcional, mas oprocesso não é simples. A semelhança entre asimagens cerebrais coloridas que tanto encantam opúblico (“Este é seu cérebro enquanto você jogavideogame”, por exemplo) e os dados queefetivamente coletamos é a mesma que existe

entre um Rembrandt e uma paleta coberta demanchas de tinta. Em primeiro lugar, os dadosbrutos não passam de séries de números. Ascores – vermelho, azul e outras – que vemos emregiões especí cas do cérebro são arbitrárias. Omais importante é que a fMRI não mede aatividade cerebral isoladamente: tudo o que oexame produz resulta da subtração da atividadedo cérebro em repouso (ou em algum outroestado de base) da sua atividade durante a práticada tarefa na qual estamos interessados, seja elamexer um dedo, seja formar uma imagem mentalde uma celebridade. Isso signi ca que o estado debase é crucial. Não queremos incluir nele nadaque se sobreponha à atividade de interesse, seessa sobreposição for um componente importanteda atividade estudada. Por exemplo: se estamosinteressados em estudar a atividade neuraldurante o ato de visualizar imagens mentalmente,não queremos que os participantes observem uma

imagem externa, pois o cérebro utilizamecanismos semelhantes ao formar uma imagemmental e ao perceber uma imagem real no mundoexterior. Assim, o que poderíamos utilizar comoestado de base ou condição de controle, queteríamos de subtrair da condição meditativa?

Outra questão dizia respeito ao tempo duranteo qual Matthieu precisaria meditar até alcançar o“estado meditativo”, o que não é algo queaconteça rapidamente. Precisávamos dar a elealgum tempo para chegar a esse estágio e eledeveria sustentá-lo por tempo su ciente, atésentir que alcançara de fato um estadomeditativo. Isso era algo que o próprio Matthieuiria julgar. Um praticante experiente dameditação sabe reconhecer quando entra numestado meditativo. Entretanto, se esperássemosmuito para começar a coletar os dados daressonância, ou se permitíssemos que ameditação prosseguisse por tempo demais,

poderíamos limitar a capacidade de Matthieu depermanecer imóvel no desconfortável tubo doaparelho. De uma perspectiva metodológica, oideal seriam períodos curtos de meditaçãoalternados com períodos curtos no estado de base.

Depois de algumas tentativas e erros, Matthieudecidiu que dois minutos e meio seria o tempoideal para cada sessão de meditação. Para acondição de base, ele sugeriu um estado mentalno qual a pessoa não está dormindo nemmeditando, mas também não está prestandoatenção em nada especí co. Matthieu dizia queesse era o estado em que ele colocava a mentedurante longas viagens de trem ou de avião. Paraa condição meditativa, sugeriu alternarmos ameditação compassiva com a meditação dapresença aberta e a meditação de devoção, naqual um meditador visualiza um de seus maisimportantes instrutores espirituais e se concentranos fortes sentimentos de respeito, gratidão e

devoção que sente por ele. Nossos programadorescaram acordados a noite inteira ajustando o

código de computador que controla a coleta dedados no aparelho de ressonância magnética,fazendo com que seu uxo fosse marcado a cadamudança de estado mental e controlando osmomentos em que diferentes estímulos fossemprojetados na tela de vídeo colocada dentro dotúnel.

Naturalmente, os problemas começaram logono início do experimento. Assim que Matthieuentrou no tubo de ressonância, colocou os fonesde ouvido que usaríamos para nos comunicar comele e ajustou os óculos de bra óptica nos quaisprojetaríamos instruções visuais, o so waretravou e o exame foi interrompido. Explicamosque seria necessário consertar algo no so ware eque ele deveria esperar.

Quando nalmente camos prontos para tentaroutra vez, pedi a Matthieu que entrasse no

primeiro estágio. Esperamos três minutos. Emseguida, solicitei que passasse à meditaçãocompassiva. Esperamos dois minutos e meio.Depois de seis ciclos como esse, Matthieu fez umapequena pausa e então nos dedicamos à atençãoconcentrada. Ele se concentrou num pontoprojetado na tela instalada dentro do tubo deressonância, alternando novamente com o estadode base. Depois ele fez seis ciclos de meditação dapresença aberta, na qual expandiu seu campo deconcentração até envolver todo um panorama.Finalmente, também fez seis ciclos de meditaçãode devoção. Foi uma maratona que durou dassete da manhã até uma da tarde. Ao nal desseperíodo, que teria deixado qualquer outrovoluntário completamente exaurido, Matthieusaiu do tubo com um sorriso no rosto e querendosaber apenas se tínhamos encontrado o queprocurávamos.

Geralmente não temos grande pressa em

processar e analisar os registros obtidos, masaquela não era uma sessão qualquer. O Dalai-Lama viria nos visitar na manhã seguinte.

Quando estive em Dharamsala em abril de2000, numa das reuniões periódicas organizadaspelo Mind and Life Institute entre o líder tibetanoe cientistas ocidentais, ele me encheu deperguntas sobre como eram os métodos usadospara investigar o cérebro e o que eles nospermitiam inferir da função cerebral. Quis saberainda como funcionava o eletroencefalograma,com que velocidade ele se alterava e quais eramas vantagens da ressonância magnética funcional.Naquela época, a Universidade de Wisconsinestava construindo um grande laboratório deimagens cerebrais. Procurando responder aosquestionamentos do Dalai-Lama da melhor formapossível, nalmente disse: “Seria um grandeprazer se Vossa Santidade visitasse meulaboratório para que eu pudesse lhe mostrar

exatamente como são feitas essas medições.”Depois de uma breve consulta a seus assistentes,que se mostraram um tanto perplexos, ele disseque me visitaria em maio de 2001.

E a data logo chegou.Depois da sessão de Matthieu, pedi à equipe

que passasse a noite inteira analisando os dados.Eu estava ansioso para obter os primeirosresultados referentes a um experiente praticanteda meditação, de modo que pudesse apresentá-los ao Dalai-Lama na manhã seguinte. Entãocorri para o laboratório bem cedinho, naexpectativa de saber se havíamos obtido algumresultado útil. O que vimos nos dados foram asprimeiras impressões de que formas especí cas demeditação provocam mudanças drásticas nafunção cerebral – mudanças essas mensuráveiscom os aparelhos e os recursos de quedispúnhamos. Ficamos sentados diante de váriosmonitores de computador. Os estudantes de pós-

graduação e os pós-doutorandos apresentaram asimagens de estruturas do cérebro de Matthieu, àsquais foram sobrepostas manchas coloridas querepresentavam diferentes graus de ativação emtodo o cérebro durante cada sessão demeditação, sempre em comparação com o estadode base. Eu queria ver a compaixão, a atençãoconcentrada, a presença aberta e a devoção ladoa lado. Fiquei impressionado com as diferençasexistentes entre os quatro tipos de meditação.Embora as distinções entre aquelas condiçõesfossem puramente mentais, as imagensmostravam claras diferenças em seus padrões deatividade cerebral. Tive a forte sensação de quehavíamos desbravado um novo território e de queestávamos fazendo história.

Depois de me assegurar, então, de que assessões com Matthieu não tinham sido umfracasso total, fui receber o Dalai-Lama.

Quando consegui conduzir todos até a sala do

aparelho de ressonância magnética, cruzei osdedos, na esperança de que tudo funcionasse comperfeição. Um dos meus alunos entrou no tuboenquanto eu e o supremo sacerdote tibetanoobservávamos da sala de controle. Quando oequipamento foi ligado, esperei por um minuto,tempo durante o qual o estudante se manteveimóvel, e então lhe pedi que mexesse os dedos damão direita. Perfeito: depois de algumprocessamento dos dados, o córtex motor foiativado. Isso funciona quase sempre, e é o motivode eu utilizar esse método para demonstrar omodo como a ressonância magnética funcionalcapta a atividade cerebral. O Dalai-Lama,entretanto, não cou satisfeito. Ele me perguntouse eu poderia pedir ao estudante que apenaspensasse em mover os dedos. Sem problema: ocórtex motor mais uma vez foi ativado, emboracom menos intensidade. O líder espiritual couencantado ao ver que algo puramente mental,

como uma intenção ou uma visualização, geravauma atividade cerebral muito semelhante àatividade física, isto é, o movimento dos dedos.

Seguimos então para um centro de conferênciasda universidade, onde faríamos uma reunião paratratar das últimas descobertas cientí cas sobre ameditação. Era ali que eu pretendia contar aoDalai-Lama nosso experimento com Matthieu.Projetei numa grande tela à nossa frente asimagens que havíamos processado poucas horasantes. Como Matthieu representava nosso únicoexperimento, alertei o sacerdote de que nãopodíamos ter plena con ança no que havíamosencontrado, mas os resultados certamenteindicavam que algo diferente acontecia nocérebro durante os quatro estados meditativos,em comparação com o estado de base. Durante acompaixão, a ínsula e o córtex motor eramfortemente ativados. Na atenção concentrada, arede clássica de áreas da atenção, que envolve o

córtex pré-frontal e o parietal, era ativada.Durante a presença aberta, havia uma ativaçãogeneralizada de muitas regiões cerebrais. Nadevoção, identi camos uma forte ativação docórtex visual, presumivelmente porque Matthieuvisualizou seu instrutor.

O Dalai-Lama quis ter certeza: não houveranenhuma mudança nos estímulos externos, certo?Aqueles resultados re etiam uma atividadepuramente mental, como o estudante que apenaspensou em mexer os dedos? Sim, garanti,contorcendo-me por dentro, pensando que tudoaquilo era muito interessante, mas não eraciência – ao menos não ainda. Aquele fora umúnico experimento com uma única pessoa, deforma que poderia muito bem não representarnada. A ciência é um processo longo, árduo e atéentediante, alertei-o. Não iríamos anunciarnenhuma descoberta para o mundo até queobtivéssemos dados rigorosos com muitos, muitos

praticantes de meditação. Além disso, o fato de ameditação gerar diferentes padrões de atividadecerebral não era tão surpreendente assim. Isto ébastante óbvio: qualquer coisa que a mente (e,portanto, o cérebro) faça é caracterizada pordeterminados padrões de atividade neuronal emáreas especí cas. É o que ocorre também com osmúsculos, que apresentam padrões especí cos deatividade elétrica quando nos exercitamos.

O Dalai-Lama percebeu, com mais clareza quenós, que a área da neurociência contemplativaacabava de surgir. Apesar de compreender quelevaríamos anos até reunirmos dados su cientesdos quais tirar conclusões sobre o modo como ameditação produz diferentes padrões deatividade cerebral em tempo real, gerandomudanças duradouras na atividade cerebral – demodo que o cérebro de alguém que praticameditação, mesmo quando não está meditando,é diferente do de um não praticante –, o líder

tibetano achava que aquela pesquisa tinhapotencial para transformar a humanidade. Otreinamento mental é capaz de cultivar asqualidades positivas da mente, algo que osbudistas ensinam e vivenciam há muito tempo,além de aliviar grandes sofrimentos, aumentandoa dose de compaixão, amor e gentileza existenteno mundo. Mas o Dalai-Lama sabia que estamosnuma era cientí ca. O testemunho dos budistasnão seria su ciente para convencer as pessoas dopotencial do treinamento mental. Para isso,precisaríamos da ciência.

Anos mais tarde, eu me lembraria desse diatendo em mente também as palavras de FrancisCrick, um dos descobridores da estrutura doDNA, que escreveu o seguinte sobre as novasdisciplinas científicas híbridas:“Na natureza, as espécies híbridas costumam ser

estéreis. Na ciência, o oposto tende a acontecer:os temas híbridos têm por hábito ser

incrivelmente férteis, enquanto as disciplinascientíficas puras demais costumam definhar.”

A pureza excessiva não seria um problema paranós. Eu me comprometera a usar as ferramentasda ciência ocidental moderna para investigar osfenômenos e os métodos de treinamento mentalque formavam o âmago dos ensinamentosbudistas havia 25 séculos. Reunindo duasabordagens para a compreensão da natureza darealidade, talvez conseguíssemos formar umaimagem mais completa e imparcial da mentehumana. Eu realmente esperava que a reuniãodesses dois mundos gerasse o vigor híbridomencionado por Crick, e não um cruzamentoestéril.

No próximo capítulo, descreverei o início daminha jornada pessoal na descoberta do poderque a mente tem de modificar o cérebro.

L

C A P Í T U L O 1 0

O MONGE NO APARELHO

DE RESSONÂNCIA

ogo após o asco do estudo com os

monges tibetanos nas montanhas deDharamsala, percebi que fazer pesquisa compraticantes de meditação experientes envolveriaalgumas di culdades, entre elas conseguir queessas pessoas cooperassem. É importante lembrarque as pessoas que dedicam a vida aotreinamento mental e a desenvolver aespiritualidade talvez não representem um serhumano típico. Bem poucos indivíduos decidempassar em silêncio períodos tão longos, adotandopráticas contemplativas. Mesmo que eu chegassea descobrir que os padrões de atividade no

cérebro dessas pessoas são marcadamentediferentes dos padrões dos iniciantes e dos nãopraticantes, isso poderia não signi car o queparece à primeira vista, pois as pessoas jápoderiam ter nascido com essas distinções. Umadiferença cerebral congênita talvez leve algumaspessoas a optar por uma vida contemplativa. Asdiferenças cerebrais, portanto, talvez não sejam oresultado da meditação, e sim sua causa. Comonão tínhamos dados sobre os cérebros dosmonges antes de eles terem começado a meditar,tal possibilidade não podia ser descartada.

Essa percepção foi apenas uma das razões queme zeram adiar os planos de estudar ospraticantes de meditação experientes, quecostumam meditar por duas horas, todos os dias.

A hipótese de que os praticantes experientestalvez já tivessem um cérebro incomum antes dese dedicarem à atividade me levou a pensar que,em vez de compará-los com os não praticantes,

seria mais indicado que eu estudasse os efeitos dameditação a curto prazo e acompanhasse osparticipantes ao longo do tempo, para veri car seseu cérebro havia mudado.

REDUÇÃO DO ESTRESSE POR MEIO DAMEDITAÇÃO DA CONSCIÊNCIA PLENA

Minha chance de fazer um estudo longitudinalsobre a meditação surgiu em 1999. Na época, euparticipava de uma rede de pesquisa sobreinterações mente-corpo criada pela FundaçãoMacArthur, um grupo interdisciplinar formadopor uma dúzia de cientistas e acadêmicosdedicados a pensar em pesquisas incomuns, quedi cilmente conseguiriam nanciamento pelasvias tradicionais. Embora o Instituto Nacional deSaúde Mental tivesse sido meu principal

nanciador desde 1978, eu sabia que pedirnanciamento para estudar a meditação seria

perda de tempo. Em um de nossos encontros,consideramos a ideia de estudar a redução doestresse por meio da meditação da consciênciaplena e a Fundação MacArthur, generosamente,aceitou financiar a pesquisa.

Essa é a forma de meditação mais ensinada em

centros médicos e acadêmicos da América doNorte e da Europa. Trata-se de uma técnica naqual praticamos a percepção acrítica, momento amomento. Quando digo “percepção”, estoufalando de nos sentarmos num lugar tranquilo enos concentrarmos em qualquer sensação quenosso corpo esteja vivenciando, ou quaisquerpensamentos e emoções que a mente estejaproduzindo. Começamos sentindo a pressão dacadeira. Ou a tensão nas pernas. Ou umincômodo nos cotovelos. Enquanto fazemos uminventário mental de nossas sensações físicas,notamos que um pensamento sobre o quequeremos almoçar surge em nossa mente. Ou quenosso cérebro parece subitamente quieto.“Momento a momento” indica o fato de querecebemos cada sensação ou pensamento domodo como ele chega até nós. O fato de ser umapercepção “acrítica” é fundamental. Se sentirmosuma tensão nas pernas, não nos criticamos por

termos di culdade em relaxar. Da mesma forma,não trabalhamos cada pensamento que temos,como costumamos fazer (Por exemplo: Ah,almoço. Preciso comprar mais maionese. Talvezdevesse fazer uma salada. Eu realmente deveriacomer menos. Por que estou pensando nisto,quando deveria estar meditando? Nunca vouconseguir meditar direito.) Se esses pensamentossurgirem, temos de observá-los de formadesinteressada, como se o zéssemos a partir daperspectiva de um observador isento – sem nosenvolvermos com eles. São tão somente osinteressantes efeitos das sinapses e dos potenciaisde ação do cérebro.

Atualmente, dezenas de estudos clínicos jádemonstraram que a meditação da consciênciaplena é capaz de aliviar o estresse psicológico emmulheres que sobreviveram ao câncer de mama,de reduzir os efeitos colaterais em transplantados,de aliviar a ansiedade e a depressão em pessoas

com transtorno de ansiedade social e de ajudar osindivíduos a lidar com a dor crônica. Entretanto,em 1999, ainda não havia sido feito nenhumestudo controlado e randomizado sobre esse tipode meditação, e pouco se sabia sobre seus efeitosbiológicos. Queríamos mudar essa situação.

Decidimos, então, entrar em contato com aPromega, uma empresa de biotecnologia cujopresidente, Bill Linton, formou-se naUniversidade de Wisconsin e é membro dealguns conselhos consultivos da universidade. Emuma reunião, Linton revelou que tinha interessena meditação e em questões sobre a natureza daconsciência e o modo como ela surge. Pensei queele talvez permitisse que seus funcionáriosparticipassem de um estudo em que lhesensinaríamos a meditação da consciência plena edepois avaliaríamos seu efeito sobre algumasmedidas de saúde, além de sua função mental.

Bill cou entusiasmado e concordou com a

ideia. Em sessões na empresa, expliquei quealguns dos voluntários aprenderiam uma técnicade redução do estresse derivada da meditaçãobudista e que outros seriam colocados num grupode controle em que seriam submetidos às mesmasavaliações que os colegas, mas não frequentariamas aulas de meditação. A escolha de quem cariaem cada grupo seria completamente aleatória. Ao

nal do estudo, quem estivesse no segundo grupoteria a oportunidade de aprender a técnica.Precisávamos de um grupo de controle para nosassegurar de que as pessoas que aprendiam atécnica tinham o mesmo interesse pelas aulas –assim como uma motivação comparável parafrequentá-las – que as que não a aprendiam. Seaceitássemos apenas voluntários interesados emaprender a meditação, reviveríamos o problemaenfrentado na tentativa de estudo dos praticantesexperientes: não poderíamos descartar apossibilidade de que os funcionários que optaram

pela política da meditação talvez já fossemdiferentes dos que não se interessaram pelasaulas. A nal, reunimos 48 voluntários, umnúmero su ciente para avançarmos no estudo.Agora era a vez de Jon entrar em cena.

Quando conheci Jon Kabat-Zinn, o criador datécnica de meditação da consciência plena, em1973, ele havia acabado de aceitar um cargo naUniversidade de Massachusetts para desenvolverum programa de redução do estresse. Tinhaconcluído um doutorado em biologia molecularno Instituto de Tecnologia de Massachusetts(MIT, na sigla em inglês), mas já sabia que queriausar sua prática pessoal de meditação para ajudaras pessoas comuns, que nunca haviam tidonenhum contato com a meditação. Assim,quando lhe contei sobre o estudo que eu estavapreparando, ele cou animado para participar equis ele próprio ensinar a técnica aos voluntários.

Antes da primeira aula, em setembro de 1999,

reunimos dados sobre todos os voluntários.Medimos a atividade elétrica cerebral comeletroencefalogramas focados no córtex pré-frontal, pois essa é a área na qual a assimetriaesquerda/direita está associada a emoçõespositivas ou negativas e a maior ou menorresiliência. Também aplicamos questionários queavaliavam os níveis de ansiedade e de estressevivenciados pelos participantes, perguntando-lhesse concordavam ou discordavam de a rmaçõescomo “Eu me preocupo demais com coisastriviais” e “Frequentemente tenho pensamentosperturbadores”.

A seguir, os participantes selecionados parafrequentar as aulas começaram a aprender atécnica da percepção acrítica momento amomento. Jon começou ensinando a consciênciaplena da respiração: ele lhes explicou quedeveriam se concentrar na respiração. Depoispassou para a consciência plena do corpo:

deitados de costas, os participantes deveriam,lenta e calmamente, perceber as sensações emdiferentes partes do corpo: o contato dasescápulas e dos cotovelos com o chão; oformigamento nos calcanhares, etc. Jon lhes pediuque saboreassem uma uva-passa durante cincominutos, notando as sensações que surgiam àmedida que a fruta era mastigada, degustada e,

nalmente, engolida. Ensinou-lhes também aioga da consciência plena, na qual posiçõessimples proporcionam maior percepção dassensações corporais. Em sessões posteriores, leupoemas que captavam algumas das qualidadesmentais essenciais da consciência plena. Após asexta aula, zemos um retiro de um dia inteiro,durante o qual Jon intercalou períodos de práticamais intensos com longas sessões silenciosas demeditação da consciência plena.

Embora seis semanas possam parecer umperíodo curto, em comparação com os milhares

de horas meditados por um praticante experiente,o curso foi bastante intenso e eu esperava que elecausasse algumas mudanças mensuráveis esigni cativas no estilo emocional, em especial nasdimensões Resiliência e Atitude.

Repetimos todas as medições da atividadeelétrica e os questionários que havíamos feito noinício do experimento. Chegou então o momentode observarmos o que tínhamos descoberto.

A primeira coisa que notamos foi que ossintomas de ansiedade caíram cerca de 12% entreas pessoas que zeram as aulas de meditação,tendo aumentado ligeiramente no grupo decontrole. O grupo que frequentou as aulastambém teve um aumento signi cativo daativação frontal do lado esquerdo: emcomparação com as medições anteriores ao curso,o nível de ativação do lado esquerdo tinhatriplicado – isso em apenas quatro meses. Ao naldo estudo, o grupo de controle tinha uma

ativação menor no lado esquerdo – talveztenham cado frustrados por não estarem nogrupo que frequentou as aulas. Tambémcoletamos sangue antes e após a vacina contra agripe que foi aplicada em todos os participantesquando do m do estudo e observamos que osvoluntários que praticaram a técnica demeditação produziram níveis de anticorpos 5%mais altos, o que indica a efetividade da reaçãodo sistema imunológico. Foi curioso observar queos participantes que tiveram maior respostacerebral à meditação também tiveram maiorresposta à vacina. Isso me deu a con ança de quea atividade cerebral e o sistema imunológico estãode fato interligados, como sugeri no Capítulo 6: asemoções positivas (um estilo de recuperaçãorápida na dimensão Resiliência e uma atitudepositiva) estimulam o sistema imunológico, alémde gerar outros efeitos bené cos à saúdecorporal.

A meditação da consciência plena pode nosmover na direção da recuperação rápida noespectro da Resiliência e, de forma indireta, nadireção positiva no espectro da Atitude, afetandonossa capacidade de lidar com o estresse. Isto é, amelhora da capacidade de lidar com o estresse fazcom que consigamos nos recuperar maisrapidamente de uma adversidade, enxergando omundo com olhos mais otimistas. Descon o queisso se deva a um retreinamento dos hábitosmentais. Todos temos maneiras costumeiras deresponder às di culdades emocionais e essescostumes são produtos complicados da genética edas nossas experiências. O treinamento nameditação da consciência plena altera nossoshábitos, aumentando a probabilidade deutilizarmos uma via neuronal em vez de outra.Assim, se a resposta habitual a uma adversidadeera o envio de sinais do córtex pré-frontal – quedesvenda o signi cado de uma experiência – ao

sistema límbico – no qual a amígdala confere aessa experiência uma valorização emocionalintensamente negativa –, a meditação daconsciência plena é capaz de criar um novopercurso neuronal. A mesma experiência ainda éprocessada pelo córtex pré-frontal, mas os sinaisnão chegam à amígdala – ou chegam em menorquantidade. Em vez disso, eles se extinguem,como o mau humor que vai embora ao longo deum dia em que tudo parece correr bem. Oresultado é que aquela adversidade ouexperiência estressante não mais desencadeiauma sensação de ansiedade ou de medo. Opercurso habitual tomado pelos sinais neuronaismudou, como a água que seguia por um caminhonum córrego e após uma tempestade súbita adotaum curso diferente, cavando um novo canal. Ameditação da consciência plena cava novos canaisnos riachos da mente.

Mais especi camente, a meditação da

consciência plena treina o cérebro, dando-lhenovas formas de responder às experiências e aospensamentos. Se o pensamento sobre tudo o queprecisamos fazer no dia seguinte – levar ascrianças à escola, ir a uma reunião importante,arrumar um encanador para consertar umvazamento, ligar para a Receita Federal paraperguntar sobre o erro que cometeram narestituição do imposto de renda, preparar o jantar– costumava desencadear uma sensação depânico e de arrebatamento, a meditação daconsciência plena faz com que os pensamentossigam por um novo caminho: ainda pensamos emtudo o que temos de fazer, mas, quando asensação de arrebatamento surge, lidamos com opensamento que a causou de formadesapaixonada: nós nos afastamos e deixamosque ele desapareça, percebendo que não ajudariapermitir que ele tomasse conta da nossa mente. Ameditação da consciência plena serve como um

retreinamento da mente, de forma que utilizamosa plasticidade cerebral para criar novas conexões,fortalecer algumas antigas e enfraquecer outras.

Essa é a razão para as mudanças cerebrais queobservamos no estudo. Os alunos do curso demeditação apresentaram maior atividade noscircuitos do córtex pré-frontal esquerdo, emcomparação com os do direito, o que indica quepessoas que praticam essa forma de treinamentomental aprendem a redirigir os pensamentos esentimentos – cuja manifestação física não passade impulsos elétricos que atravessam osneurônios do cérebro –, reduzindo a atividade nocórtex pré-frontal direito, ligado às emoçõesnegativas, e aumentando a atividade no ladoesquerdo, ligado à resiliência e à sensação debem-estar. Esse novo canal transporta cada vezmais pensamentos e sensações, criando umcírculo virtuoso: quanto mais os pensamentospercorrem o caminho da menor ansiedade, mais

ajudam a aumentar a Resiliência e mais positivase torna a Atitude, o que facilita a passagem depensamentos e sensações por essa nova via.

NOSSO RETIRO DE PESQUISA

Como descobriríamos em nosso estudoseguinte, outras formas de meditação prometemafetar uma ou mais dimensões do estiloemocional de forma ainda mais direta que aredução do estresse pela meditação daconsciência plena. A maior parte das técnicas demeditação tem instruções explícitas para regular aatenção, como manter o foco na respiração, porexemplo. Para isso, o praticante deve monitorar asvariações na atenção e, se a mente começar adivagar, voltar a se concentrar na respiração, deforma suave. Isso me fez questionar se a práticade uma forma de meditação que cultive aatenção poderia aumentar o poder deconcentração. Ela nos torna mais atentos aoambiente que nos cerca? Mais autoperceptivos?Em outras palavras, de que forma essas práticasafetam as dimensões do estilo emocional?

Para tentar responder a algumas dessas

perguntas, iniciamos um projeto incomum, emum ambiente muito diferente do nossolaboratório de pesquisa habitual: um centro deretiros meditativos na excêntrica vila de Barre, emMassachusetts. Ali, a Insight Meditation Society(IMS) realiza retiros intensivos de meditação noestilo budista, sobretudo formas de meditação daconsciência plena que estimulam os participantesa prestar atenção no momento presente demaneira acrítica.

No verão de 2005, a IMS generosamenteofereceu à minha equipe de pesquisa umacasinha, na qual instalamos um laboratóriotemporário, onde testaríamos os participantesantes e depois de um retiro intensivo de trêsmeses. Sete dias por semana, após oito horas desono, os participantes acordavam às cinco damanhã e passavam as 16 horas seguintes emcompleto silêncio, sem fazer contato visual comninguém, nem mesmo durante as refeições. A

única exceção eram as entrevistas nas quais, duasvezes por semana, eles descreviam ao instrutor demeditação sua prática e os obstáculos queencontravam pelo caminho. Os participantespassavam seus dias praticando meditação,comendo, fazendo faxina ou preparandorefeições. A maioria praticava mais de 12 horasdiárias de meditação – que somavam mais de milhoras ao longo dos três meses. Como você deveimaginar, não poderíamos testar os participantesdurante o retiro, o que interromperia a prática, epor essa razão nosso trabalho seria feito antes doinício do retiro e após sua conclusão, em poucosdias. O grupo de controle, formado pormoradores de Madison, tinha característicassemelhantes às do outro grupo, o dosparticipantes do retiro, em termos de faixa etáriae sexo.

Decidimos estudar se essa prática de meditaçãointensa tinha algum efeito sobre a atenção,1 em

particular sobre a intermitência da atenção, umfenômeno que descrevi no Capítulo 3. Quando asinformações mudam rapidamente em nossoambiente e estamos à procura de estímulos, alvosou eventos especí cos, em geral os ignoramos seeles ocorrem muito próximos um do outro,separados por menos de um segundo. Isso podeacontecer, por exemplo, num jogo de computadorem que o jogador deva capturar certas criaturasque surgem na tela. Se a segunda criaturaaparecer menos de um terço de segundo após aprimeira, ele não conseguirá vê-la nem muitomenos clicar nela. É como se, depois de registrar oprimeiro alvo, a atenção “piscasse os olhos”,deixando de notar o segundo. A intermitência daatenção não é apenas um estranho fenômeno delaboratório – ela também ocorre na vida real.Somos constantemente bombardeados porinúmeros estímulos, mesmo em ambientes derelativa calma. Pense na última vez em que você

teve uma conversa importante: muitos gestos nãoverbais, expressões faciais sutis, minúsculosmovimentos oculares e outros elementos quefazem parte da conversa e transmiteminformações importantes ocorrem tãorapidamente que a intermitência da atenção fazcom que deixemos de perceber muitos deles, demodo que perdemos certos sinais que comunicampistas sociais e emocionais decisivas.

Os psicólogos propuseram duas hipótesesexplicativas sobre a intermitência da atenção.Uma delas supõe que o cérebro invista uma partetão grande de seus recursos de atenção em captara primeira informação que não tenha recursossu cientes para detectar a que vem a seguir. Sódepois que a atenção é “zerada”, ou, por assimdizer, retoma o fôlego, é que consegue perceberuma segunda informação. Uma previsão dessa“hipótese do hiperinvestimento” é que, sereduzirmos os recursos de atenção necessários

para perceber a primeira informação, nós osteremos em quantidade su ciente para perceber asegunda, com a consequência de que nãoocorrerá intermitência da atenção. Essa é a razãopara termos achado que a meditação teria umefeito relevante: na meditação vipassana,empregamos o que é chamado atenção crua, istoé, dirigimos a atenção aos pensamentos, àsemoções e às sensações presentes, mas sem julgaresses objetos mentais nem car absortos neles.Nós queríamos saber se a prática da atenção cruapoderia reduzir a quantidade de recursos deatenção necessários para detectar umainformação inicial, deixando mais recursosdisponíveis para perceber uma segundainformação e eliminando, assim, a intermitênciada atenção.

No estudo apresentamos aos participantes umasequência de letras – 10 por segundo. De temposem tempos, um número era inserido entre as

letras. Os voluntários deveriam indicar todos osnúmeros que tivessem visto. Assim, numasequência do tipo R, K, L, P, N, E, 3, T, U, S, 7,G, B, J (que seria apresentada em 1,4 segundo),os participantes teriam de perceber os números 3e 7. A maioria não tem problemas em detectar onúmero 3, mas deixa de perceber o 7, pois suaatenção “pisca”. É como se cassem tão animadospor terem detectado o 3 que sua mente se xassenesse número e se tornasse cega diante do 7.Fizemos esse teste com todos os participantesantes de eles iniciarem sua meditação intensiva eo repetimos após a conclusão do retiro. Tambémtestamos duas vezes o grupo de controle. Comoesperado, na primeira vez todos foram afetadospela intermitência da atenção, tendo deixado deperceber cerca de 50% dos segundos números(ainda que, como de costume, existissemvariações interpessoais). Enquanto aplicávamos oteste, também medimos a atividade cerebral dos

participantes, por meio do eletroencefalograma.Não foi surpresa constatar que o córtex visual

cava bastante ativo quando as pessoasvislumbravam o primeiro número. Porém, nasque não percebiam o segundo número, essaregião se mantinha silenciosa.

O desempenho após o intenso treinamento demeditação foi bastante diferente. O grupo decontrole não demonstrou nenhuma melhora,como era esperado. Isso descartou a possibilidadede que o simples ato de fazer o teste pela segundavez melhorasse o desempenho. Porém osparticipantes do retiro tiveram uma quedaacentuada na intermitência da atenção,demonstrando, assim, uma capacidade muitomaior de detectar informações subsequentes –sua taxa de detecção do segundo número foi, emmédia, 33% mais alta.

A análise da atividade cerebral se mostrouainda mais interessante. Quando uma pessoa

conseguia perceber a segunda informação, o quefoi mais frequente entre os que meditaram, aregião de seu cérebro dedicada à atenção cavamenos ativa em resposta à primeira informaçãoem comparação com as vezes em que ela deixavade perceber a segunda. Em outras palavras: aquantidade de ativação na área da atenção emresposta ao primeiro número podia prever se ovoluntário iria ou não detectar o segundonúmero. Uma ativação menor em resposta aoprimeiro número estava correlacionada com umataxa muito mais alta de detecção do segundonúmero. Isso sugeria que a hipótese dohiperinvestimento fazia sentido. A intermitênciada atenção resulta de um investimento excessivode recursos para captar a primeira informação, demaneira que restam poucos recursos para adetecção da segunda. No entanto, um menorinvestimento na percepção da primeirainformação deixa recursos su cientes para a

detecção da segunda. A capacidade de focar aatenção de forma calma e persistente, sem muitaexcitação, maximizava o desempenho no teste –esse era o tipo de atenção que os participanteshaviam aprendido a desenvolver durante o retiro.

Examinamos também um segundo tipo deatenção, a chamada atenção seletiva, que dizrespeito à capacidade de nos concentrarmos emcertos estímulos e de ignorarmos outros.Costumamos fazer esse tipo de seleção o tempotodo, pois não seria possível nos concentrarmosem todos os estímulos que nos chegam atravésdos olhos, dos ouvidos e da pele. Quando estádirigindo, por exemplo, o motorista concentra aatenção seletivamente nos carros ao redor, e nãona sensação do cinto de segurança em seu peito.Mas o que determina o que vamos selecionar?Talvez seja a intensidade do sinal de entrada: éprovável que as imagens dos carros produzamuma atividade elétrica mais intensa no cérebro

que a sensação do cinto de segurança. Ou talvezsejam os sinais que consideramos importantes: épossível que algum processo mental de alta ordemexamine rapidamente as informações que noschegam e intensi que as imagens dos carros,apagando a sensação do cinto de segurança. Oque queríamos saber era se as pessoas conseguemser intencionalmente seletivas, em vez desimplesmente deixarem que certos estímuloscapturem sua atenção por serem mais fortes oumais importantes.

Para esse teste, mais uma vez convidamos osfuturos praticantes de meditação para quecomparecessem ao nosso laboratório improvisadono centro da IMS. Depois que cada um haviacompreendido o protocolo, tocamos certos sonsatravés dos fones de ouvido que eles usavam:tons agudos ou graves em cada ouvido. Elesreceberam instruções de dar atenção apenas aum tipo de estímulo em determinado ouvido. Por

exemplo: deveriam pressionar um botão quandoouvissem um tom agudo no ouvido direito. Apósalguns minutos, mudamos as instruções, pedindoque prestassem atenção apenas no tom grave quesoasse no ouvido direito, e daí por diante, até quetivéssemos tentado as quatro combinações. Eratocado um tom por segundo, aproximadamente,portanto a tarefa não era fácil, ainda mais porqueos participantes tinham de fazê-la durante 20minutos consecutivos. Como os resultadosmostraram, eles deixavam de perceber cerca de20% dos sons indicados. Ou não apertavam obotão quando tinham escutado o tom correto noouvido correto, ou o apertavam errado, quandotinham escutado o tom incorreto no ouvidocorreto ou qualquer tom no ouvido incorreto.

Será que os três meses de uma práticameditativa iriam melhorar o desempenho nessatarefa que depende da atenção? Após o retiro,testamos os voluntários novamente, tanto os que

aprenderam a praticar a meditação quanto os quezeram parte do grupo de controle. Os últimos

não apresentaram melhora, o que demonstroumais uma vez que a mera familiaridade com oteste não é de grande ajuda. Os que participaramdo retiro, entretanto, apresentaram uma melhorasigni cativa: responderam corretamente a umnúmero maior dos tons corretos e cometerammenos erros ao ouvirem os tons que deveriamignorar, acertando 91% das vezes, emcomparação com os 80% de antes do treinamentode meditação. Uma segunda descoberta foi aindamais marcante. Os que praticaram a meditaçãotiveram um desempenho muito mais estável, oque não se constatou no grupo de controle. Istoé, o tempo que levavam para apertarcorretamente o botão foi mais consistente, comuma variação média de 110 milissegundos. Oscontroles, por outro lado, assim como osparticipantes do retiro antes de passarem pelo

treinamento, às vezes respondiam rápido, àsvezes respondiam devagar – pessoas com TDAHtambém têm tempos de resposta inconsistentesnesse tipo de teste. Após o retiro meditativo, avariabilidade no tempo de resposta dosparticipantes caiu 20%, ao passo que no grupo decontrole ela chegou a aumentar.

Durante esse teste de atenção seletiva, além demedirmos o desempenho, mais uma vezregistramos a atividade cerebral por meio doeletroencefalograma. O que nos saltou aos olhosfoi uma medida chamada sincronia de fase. Essepadrão de atividade elétrica indica o grau desincronização das ondas cerebrais – ou, emtermos mais formais, das oscilações corticais –com um estímulo externo. Quando existe um altograu de sincronia de fase, um estímulo externodesencadeia um padrão claro de oscilaçõescorticais facilmente detectáveis diante dasoscilações de fundo, mas somente se o cérebro

não for um emaranhado de pensamentos edivagações mentais. Nesse caso, a resposta a umestímulo externo é difícil de detectar perante acacofonia de fundo. É como se tentássemosperceber as ondulações produzidas por umapedra que foi jogada num mar turbulento:existem tantas outras ondas e perturbações que asque foram geradas pela pedra cam quaseimperceptíveis. Porém, se a pedra cair num lagode total imobilidade, as ondulações serãoperfeitamente discerníveis. Um cérebro calmo écomo um lago imóvel: quando recebe umestímulo externo, ele desencadeia clarasoscilações sincronizadas com a chegada doestímulo. Quanto maior era o grau de sincroniade fase de um participante, mais preciso era seudesempenho no teste de atenção seletiva.

Um estudo realizado recentemente é muitointeressante e corrobora a ideia de que otreinamento mental pode alterar os padrões

cerebrais2 subjacentes à atenção. Cientistas doMIT e da Universidade de Harvard pediram avoluntários que durante oito semanas praticassema redução do estresse por meio da meditação daconsciência plena. Antes do início dotreinamento, zeram neles um exame cerebralque, embora semelhante ao eletroencefalograma,media os campos magnéticos, em vez de detectara atividade elétrica. Chamadomagnetoencefalograma (MEG), esse exame utilizaum aparelho parecido com um enorme secadorde cabelo e tem precisão espacial melhor que a doEEG. Os cientistas pediram que os participantes seconcentrassem na mão ou no pé, uma variaçãodo teste de atenção seletiva que usei no retiromeditativo. Após o treinamento, a atividadecerebral dos participantes no momento em queeles se concentraram no pé mudou de formamuito especí ca: as ondas alfa, que indicam orelaxamento cortical, aumentaram na parte do

córtex somatossensorial dedicada à sensação detoque na pele da mão. O grupo de controle nãoapresentou esse aumento. Essas descobertascomprovam que a meditação da consciênciaplena transforma as bases neurais da atenção,minimizando, nesse caso, a ativação em regiõesnão relevantes para o objeto da atenção.Basicamente, o treinamento mental ajuda océrebro a reduzir os sons de fundo e a seconcentrar nas informações selecionadas.

É POSSÍVEL TREINAR A COMPAIXÃO?

Com a descoberta de que apenas três meses detreinamento meditativo podem afetar funçõesmentais tão básicas quanto a intermitência daatenção e a atenção seletiva, quei cada vez maisconvencido de que as mudanças cerebrais queacompanham a meditação devem acontecer combastante rapidez – portanto, não é preciso esperaraté que nos tornemos atletas olímpicos dameditação, com dezenas de milhares de horas deexperiência. Quando falo sobre nossos estudoscom praticantes de meditação experientes,inicialmente recebo muitos olhares descon adosde pessoas que têm certeza de que nunca irãodedicar tanto tempo ao treinamento da mente,mas depois alguém sempre me pergunta se umtreino mental muito mais curto ainda poderia serbené co. Acredito que, no caso da atenção, aresposta seja a rmativa e no próximo capítulo ireidescrever um programa passo a passo para gerar o

tipo de mudança que identi camos no cérebrodos participantes do retiro.

Mas e quanto às outras qualidades marcantesque observamos nos monges? Eu estava prontopara tentar estudar mais uma vez esses praticantesexperientes. Já obtivera resultados preliminaresno estudo com Matthieu Ricard. Com a ajudadesse monge francês e do Dalai-Lama, dediquei-me a investigar que outros efeitos a meditaçãosurtiria no cérebro.

Na pesquisa cientí ca com voluntários, oprocedimento-padrão é recrutar o maior númeropossível de participantes e então iniciar o estudo.Isso não iria funcionar com os praticantes demeditação experientes: em um mesmo lugar, nãosão muitos os que já praticaram mais de 10 milhoras de meditação budista – certamente não emMadison. Assim, foi preciso improvisar. Matthieue o Dalai-Lama se puseram a investigarpraticantes experientes que estivessem

pretendendo passar pelos Estados Unidos, aosquais pediam que entrassem em contato comigo,para que pudéssemos combinar uma visita aomeu laboratório. A estratégia funcionou. Aprimeira resposta que obtive foi de TenzinRinpoche, um monge de 41 anos nascido noTibete e radicado na Índia, que daria aulas nopaís. Depois, Sopham Rinpoche, um monge de 54anos nascido no Butão, concordou em viajar paraos Estados Unidos apenas para tomar parte noestudo. O processo de obter um número mínimode participantes foi lento e penoso, porém, após18 meses, nalmente consegui reunir oito mongescom idades entre 34 e 64 anos e experiência entre10 mil e 50 mil horas de meditação tibetana. Elespassariam bons momentos em Madisonsubmetendo-se a eletroencefalogramas emeditando dentro de um tubo claustrofóbico etão ruidoso quanto uma britadeira.

Para o primeiro estudo eu estava interessado

num fenômeno chamado sincronia neural,3 queocorre quando neurônios especí cos de regiõesdistantes do cérebro são ativados ao mesmotempo. Pesquisas feitas em outros laboratórioscorrelacionaram a sincronia neural das ondascerebrais de alta frequência a processos mentaiscomo a atenção, a memória de trabalho, oaprendizado e a percepção consciente. Supomosque, ao se ativarem em sincronia, os neurôniosfazem com que redes distantes trabalhem juntas epermitem, assim, que os processos cognitivos e osemocionais funcionem de modo mais integrado ecoerente.

Como seguimos o mesmo procedimento paracom todos os monges, selecionei para contar-lheso caso de Tenzin Rinpoche. Depois deexplicarmos a ele o que tínhamos em mente,colocamos em sua cabeça uma rede que continha128 eletrodos. Meu colega Antoine Lutz, umcientista francês, liderou o processo: primeiro

pediu a Rinpoche que casse apenas sentado,mantendo a mente neutra, durante 60 segundosde cada vez. Depois de várias rodadas fazendotão somente isso, estabelecemos sua atividadeelétrica de base e passamos à meditação. Antoinepediu a Rinpoche que começasse a meditação da“compaixão incondicional”. Matthieu, queajudou a projetar o estudo, descreve que o estadomeditativo resultante é uma “prontidão edisponibilidade irrestrita para ajudar os seresvivos”. Nessa forma de meditação, o praticantenão precisa se concentrar em objetos, nem emmemórias, nem tampouco em imagensespecí cas: basta ter sentimentos de benevolênciae de compaixão e fazer com que eles “inundem amente como um modo de ser”. Vinte segundosdepois, começamos a registrar oeletroencefalograma. Coletamos dados durante60 segundos e pedimos a Rinpoche que parassede meditar. Ele descansou por 30 segundos, e

então repetimos a sequência três vezes, somandoquatro sessões de meditação. Fizemos o mesmoprocedimento com Matthieu e os demais monges.“Tentamos gerar um estado mental no qual acompaixão permeie toda a mente, sem que hajanenhuma outra consideração, nem raciocínio,nem pensamentos discursivos”, explicouMatthieu.

Para o grupo de controle, recrutamos alunos degraduação da universidade e lhes demos umcurso intensivo de meditação compassiva.Pedimos a eles que pensassem em uma pessoa dequem gostassem, como os pais ou alguma outraque fosse importante na vida deles, e quedeixassem que a mente fosse permeada desentimentos de amor ou compaixão – nesteúltimo caso, imaginando a pessoa numa situaçãotriste ou dolorosa e desejando que ela se livrassedo sofrimento. Depois de praticar durante umahora, os controles tentaram gerar essa sensação

direcionada não a uma pessoa apenas, mas a“todos os seres sensíveis”, sem pensar emnenhuma pessoa específica.

Eu não queria tirar conclusões apressadas combase nos resultados de um único praticante demeditação, mas, assim que olhei para os dados doeletroencefalograma de Rinpoche, suspeitei quetínhamos algo incrível nas mãos. Essa suspeitavirou certeza depois que reuni os dados dos oitomonges. Durante a meditação, a atividade gamaatingira os mais altos níveis já registrados naliteratura cientí ca. As ondas gama são ondascerebrais de alta frequência associadas aatividades mentais elevadas, como a consciência.Embora o grupo de controle, que acabara deaprender a meditação compassiva, apresentasseum ligeiro aumento na atividade gama, nosmonges os aumentos tinham sido drásticos, emsua maior parte. Como o tamanho da onda gamaestá relacionado com o número de neurônios

ativados em sincronia, aqueles resultadosdemonstravam que enormes quantidades deneurônios distantes estavam sendo ativadas comalto grau de precisão temporal, como dançarinasde cancã levantando as pernas de um lado aoutro do palco em perfeita sincronia. Com odecorrer da meditação, as ondas gamaaumentaram gradualmente, o que re ete o fatode que a sincronização neural precisa de algumtempo para ocorrer. Visto que essa sincronia estána base de muitos processos mentais elevados,como a percepção e a atenção, considerei queaquilo seria uma prova interessante de que ameditação talvez produzisse mudançasfundamentais na função cerebral, o que teriaimplicações importantes para nossa capacidade deaprender e de perceber. A alta atividade dasondas gama e a sincronia neural talvez sejam amarca cerebral daquilo que os praticantes budistasa rmam vivenciar durante a meditação: uma

mudança na qualidade da percepção momento amomento, que traz um amplo panorama declareza perceptual. É como se uma neblina mentaldesaparecesse, algo cuja existência nem mesmonotávamos, mas que prejudicava nossapercepção.

Usando a ressonância magnética funcional,localizamos com precisão as regiões cerebraisativadas durante a meditação compassiva.4 Emquase todos os casos, o aumento de atividade eramaior no cérebro dos monges que no do grupo decontrole. A atividade na ínsula, uma regiãoimportante para os sinais corporais associados àsemoções, assim como na junção temporoparietal,que é importante para a empatia, foiconsideravelmente ampli cada nos praticantes demeditação experientes. Um amplo circuito que éativado diante da imagem do sofrimentoapresentou maior atividade nos monges. Issotambém ocorreu em regiões responsáveis por

planejar os movimentos, como se o cérebro dosmonges estivesse ansioso para ajudar pessoas emsofrimento. Quando perguntei a Matthieu o quepoderia explicar essas descobertas, ele pensou nasensação gerada pela meditação compassiva, emespecial quando se pensa numa pessoa queridaque está sofrendo, e descreveu-a como “uma totalprontidão para agir, para ajudar”.

Para mim, ainda mais interessante que oaumento da sincronia neural durante ameditação foram os registros noeletroencefalograma quando os monges estavamno seu estado de base, descansando, nãomeditando. Nesse caso, a atividade gama e asincronia neural também eram signi cativamentemais altas que nos controles. Isso foi umaindicação de que a meditação não se caracterizaapenas por padrões de atividade cerebral (o que,na verdade, não é tão surpreendente), mastambém por aumentos duradouros na atividade

gama e na sincronia neural. Talvez, pensei, aatenção necessária para a meditação e acompaixão por ela gerada sejam habilidades quepossam ser adquiridas ou ampliadas por meio detreinamento.

Eu não podia descartar a possibilidade de haverdiferenças preexistentes entre a função cerebraldos monges e a dos aprendizes e que elas fossema causa da sincronia gama muito mais elevada.Porém o fato de que os monges com mais horasde experiência de meditação tivessem maiorsincronia gama tanto no estado de base quantodurante a meditação me deixou con ante nahipótese de que essas mudanças realmentetivessem sido geradas pelo treinamento mental.

RINPOCHE, POR FAVOR, CONCENTRE-SE

Como não havia tantos monges dispostos apassar horas no laboratório para que seu cérebrofosse estudado, abusei da boa vontade dos que jáestavam por lá e lhes pedi que participassem deoutro estudo paralelo. Após entrarem e saírem doestado de meditação compassiva e de bondadeamorosa enquanto usavam a rede de eletrodos doeletroencefalograma e, depois, dentro do tubo deressonância magnética, pedi que zessem algosemelhante com uma forma de meditaçãochamada concentração unidirecional. Nessaprática, a pessoa se concentra num único objetode atenção, como a respiração ou uma imagemou estátua do Buda, por exemplo, e fortalece ofoco atencional até atingir um estado detranquilidade no qual as preocupações comoutros pensamentos e emoções sejamgradualmente eliminadas. A mente é preenchidaapenas com o foco direcionado para a respiração

ou o Buda. Ao mesmo tempo, o meditador realizaum automonitoramento, observando quaisquerpensamentos ou estados mentais diferentes doobjeto de concentração que surjam em suamente. Ele poderá notar sonolência, ou observaro momento em que a “tagarelice mental” talvezcomece a invadi-lo. Matthieu explica que, nesseestado de concentração, “tentamos convergir todaa nossa atenção para um objeto, mantê-la nele efazê-la retornar a ele sempre que notarmos quefomos distraídos por percepções externas ou porpensamentos internos. Procuramos não cair numembotamento ou no sono, nem ser carregadospela agitação mental e pela tagarelice interna dospensamentos. Caso isso ocorra, voltamos calma edeliberadamente ao objeto de meditação, comuma sensação de concentração intensa”. Aolongo do estado neutro, explica Matthieu, osolhos permanecem abertos, como durante ameditação, e “o estado emocional não é

agradável nem desagradável. Permanecemosrelaxados. Tentamos car no estado mais comum,sem nos envolvermos em nenhum estado mentalativo, como quando recordamos ou planejamosvoluntariamente alguma atividade ou observamosativamente um objeto”.

Nosso estudo com os participantes do retiro jádemonstrara que um período intenso demeditação é capaz de melhorar a atenção seletivae de reduzir a intermitência da atenção. Entãome perguntei quais seriam os benefícios de 10 milhoras de meditação.

Tivemos de trabalhar no espaço restrito do tubode ressonância e, para focar a concentração,decidimos projetar um ponto numa tela montadaem seu interior.5 Uma vez que o monge estivesselá dentro, Antoine Lutz lhe pedia que entrasse esaísse do estado meditativo, seguindo umcronograma que havíamos calibrado com oso ware. Depois de 90 segundos de descanso, era

a vez de solicitar ao monge que entrasse nameditação atenta, um estado que deveriasustentar durante 2 minutos e 40 segundos. Emseguida, o meditador deveria voltar ao estadoneutro durante cerca de 90 segundos e entãorepetir o processo por 10 ciclos. Foramnecessários aproximadamente 18 meses para quereuníssemos dados de 14 monges visitantes, alémde 27 alunos que zeram um curso intensivo demeditação de concentração.

Nossa primeira descoberta foi exatamente o queesperávamos: as redes cerebrais ligadas à visão eà atenção estavam mais ativas durante ameditação que no repouso, sobretudo o córtexpré-frontal dorsolateral (que monitora oambiente em busca de objetos que exijamatenção), o córtex visual, o sulco frontal superior,a área motora suplementar e o sulco intraparietal(todos envolvidos na atenção), que estavammuito mais ativados durante a prática meditativa,

e tanto nos monges quanto nos iniciantes. Até aí,nenhuma surpresa. Mas o diabo está nosdetalhes. Como um todo, os iniciantes tiverammenos ativação nas regiões ligadas à atenção queos experientes. Mas, quando dividimos ospraticantes experientes em dois grupos, o primeirotendo feito de 10 mil a 24 mil horas de meditaçãoe o segundo entre 37 mil e 52 mil horas, vimosalgo mais interessante: embora os monges commenos horas de prática tivessem mais ativaçãonas redes de atenção que os iniciantes, os mongesmais experientes tinham menos ativação. Ográ co parecia uma letra U invertida: a ativaçãoaumentava quanto maior o número de horas demeditação praticadas, mas depois caía quando aexperiência passava de aproximadamente 25 milhoras.

Isso me levou a lembrar que um ciclista amadorbem exercitado faz mais esforço e sobe maisrápido uma ladeira íngreme que um iniciante – o

que indica maior capacidade muscular –, mas umciclista pro ssional, daqueles que participam doTour de France, sobe a mesma ladeira quase semesforço. Os praticantes mais experientesconseguiram manter o foco e a concentração commenos esforço que os controles. Isso correspondiaao que os monges nos haviam dito: que, quandocomeçaram essa forma de meditação, tinham quefazer bastante esforço, mas, à medida queganhavam prática, conseguiam manter um“estado acomodado” de concentração alerta comum esforço mínimo. Isso também descreve o queum monge vivencia durante uma sessão demeditação, na qual algum esforço é necessáriopara atingir o primeiro estado de concentraçãoalerta, mas depois há uma acomodação nesseestado, de modo que ele precisa de menos esforçomental para manter o mesmo foco de atenção.Essa descoberta também correspondia ao quehavíamos observado nos participantes do retiro

quando lhes aplicamos o teste da intermitência daatenção: com a prática da meditação, suaatividade mental se tornou mais tranquila, masnão menos efetiva, de modo que elesconseguiram notar o primeiro estímulo com umesforço de atenção mínimo, reservando maisrecursos para perceberem o segundo estímulo.

Mas como sabíamos que os praticantesexperientes, que tinham uma ativação muitobaixa nos circuitos da atenção, não estavamdeixando sua mente divagar, pensando, porexemplo, em sair logo daquele aparelhobarulhento e pegar algo para comer? Sabíamosque isso não estava acontecendo porque, durantesua meditação de concentração, tocamos, emintervalos de seis a 10 segundos, diferentes sonsem seus fones de ouvido. Eram sons de três tipos:neutros, como um som ambiente gravado numrestaurante agitado; agradáveis, como osbalbucios de um bebê; e perturbadores, como os

gritos de uma mulher. Qualquer pessoa seriadistraída por esses sons, mas não foi o queaconteceu. Ao ouvirem os sons, os iniciantesrealmente tiveram uma redução de atividade nasregiões de atenção ao perderem o foco no pontoprojetado na tela. Os praticantes intermediáriostambém tiveram alguma redução de atividade.Os iniciantes também tiveram maior atividadenas regiões cerebrais associadas a pensamentosnão relacionados, a divagações e aoprocessamento emocional – neste caso,provavelmente por terem cado irritados com adistração. Os praticantes experientes não tiveramesse aumento de atividade nas regiõesrelacionadas com a distração. Eles mantiveram aconcentração. Também tiveram menor ativaçãona amígdala, em resposta aos sons emotivos, doque os controles. Outra vez, a ativação estevecorrelacionada com as horas de prática – maishoras levavam a uma ativação menor. Essa

descoberta corrobora a ideia de que níveisavançados de concentração podem conter areatividade emocional, sobretudo quando essareatividade é capaz de perturbar a concentração.

Nesse estudo, publicado em 2007, apresentamosindícios convincentes de que os sistemas deatenção do cérebro podem ser treinados. Comoqualquer outro exercício – levantamento de peso,ciclismo ou o aprendizado de uma segunda língua–, o treinamento mental provoca uma mudançaduradoura: nesse caso, a capacidade de manter aconcentração extremamente aguçada com umaativação cada vez menor do circuito cerebral daatenção.

BONDADE AMOROSA NUM TUBO DERESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Eu queria saber mais sobre os efeitosduradouros da meditação compassiva e dameditação da bondade amorosa. E Matthieu,mais uma vez, foi muito útil no processo detransformar isso em realidade. Ele me ajudou arecrutar 16 praticantes de meditação experientese eu procurei pessoas que pudessem estarinteressadas em aprender a meditaçãocompassiva. Mathieu explicou essa forma demeditação aos nossos voluntários: “Durante asessão de treinamento, vocês irão pensar emalguém de quem gostem, como seus pais, umirmão ou a pessoa amada, e deixar que a menteseja invadida por um sentimento de amoraltruísta – desejando o bem-estar – ou decompaixão – desejando que a pessoa pare desofrer. Após algum treinamento, vocês irão geraresse sentimento em relação a todos os seres, sem

pensar especi camente em ninguém. Quandoestiverem dentro do aparelho, tentarão entrarnesse estado até que uma sensação de bondadeamorosa e de compaixão incondicional permeietoda a sua mente, sem nenhuma outraconsideração nem pensamento discursivo.”Usamos a mesma abordagem básica empregadano estudo da meditação atenta, pedindo aosmonges e aos iniciantes que alternassem estadosde descanso com estados meditativos enquantoestivessem no tubo de ressonância magnética.

A tradição budista ensina que, com a prática dameditação compassiva, os sentimentos de empatiasurgem com mais facilidade, menos esforço egeralmente acompanhados de um desejo de agirem benefício do próximo. É claro que não iríamoslevar os voluntários ao local de nenhum acidentea m de observar seu comportamento, mas aatividade cerebral que medimos sugeriu que oque a tradição dizia era verdade.

Assim como no estudo da atenção, tocamossons enquanto os voluntários estavam no túneldo aparelho de ressonância magnética: sonsneutros (o restaurante), agradáveis (o bebê) ouperturbadores (a mulher gritando). Em todos osmonges, a intensidade da ativação em respostaaos gritos da mulher foi mais forte durante ameditação compassiva que no estado de repouso,e mais forte que a resposta dos que tinham apenasse iniciado na prática. Esse fato foi constatado naforma de picos de atividade na ínsula, que éessencial para ativar as respostas corporaisassociadas ao sentimento que temos ao ver outrapessoa sofrendo, tendo, portanto, importantefunção na empatia. A atividade nessa regiãotambém aumentou (ainda que não tanto quantoem resposta ao som da mulher gritando) quandoos voluntários ouviram os sons do bebê – denovo, o aumento também foi maior nospraticantes experientes que nos iniciantes e

igualmente mais intenso no estado meditativoque no de repouso –, o que corrobora a ideiabudista tradicional de que a meditaçãocompassiva aumenta a sensação de bondadeamorosa em resposta à alegria dos outros. Defato, numa sessão especí ca de meditação após aqual os monges e os demais voluntáriosa rmaram que haviam sido particularmente bem-sucedidos em cultivar sentimentos excepcionaisde compaixão, a atividade nas regiões ligadas àempatia atingiu seus maiores níveis.

Os monges também tiveram maior ativação queos praticantes novatos num circuito relacionadocom a interpretação dos estados emocionais ementais de outras pessoas, que inclui o córtexpré-frontal medial, a junção temporoparietal, osulco temporal posterior superior e o córtexcingulado posterior. Também observamos maioratividade no lado direito, em comparação com oesquerdo, em várias dessas regiões, sobretudo na

junção temporoparietal e no sulco temporalposterior superior, um padrão associado aoaltruísmo, conforme relatado pelos participantes.A maior ativação desse circuito nos praticantesexperientes, em comparação com os novatos,sugere que os primeiros podem estar maispreparados para detectar o sofrimento de outraspessoas.

O padrão de atividade cerebral observadoquando as pessoas não estavam meditando foiigualmente interessante. Como já comentei, essetipo de teste indica quaisquer mudançasduradouras causadas no cérebro pela meditação,mudanças que persistem em segundo planomesmo quando a pessoa não está meditando.Medições do eletroencefalograma mostraram queas oscilações gama no córtex pré-frontal erammuito mais pronunciadas no cérebro dosexperientes que no dos novatos, com um notávelaumento de ativação nas regiões associadas à

preocupação com os outros. Ao que parece, ameditação compassiva reprograma o cérebro,fazendo com que esteja sempre preparado pararesponder ao sofrimento alheio. A resposta difere,dependendo das circunstâncias, mas a meditaçãocompassiva parece modi car o cérebro,estimulando as oscilações gama e aumentando aativação num circuito importante para a empatia,de modo que sempre existe alguma resposta. Écomo termos uma equipe de emergência deplantão: ela está sempre pronta para agir quandoconvocada. Assim funciona um cérebro no qualfoi cultivada a capacidade de sentir compaixão.

COMPAIXÃO A JATO

Depois de ter determinado que a meditação, alongo prazo, pode gerar mudanças no cérebro demodo a promover maior compaixão, eu queriaestudar se uma curta experiência com meditaçãopoderia surtir efeito semelhante.

Assim, em 2007 recrutamos 41 voluntários paraum estudo que lhes ensinaria uma técnica paramelhorar o bem-estar. Nós os separamosaleatoriamente em dois grupos: um praticaria ameditação e outro aprenderia uma técnicachamada reavaliação cognitiva. Derivada daterapia cognitiva, ela consiste em escolhermosuma crença que está tendo efeitos nocivos e nosperguntarmos se ela é realmente verdadeira. Porexemplo: uma pessoa que está sofrendo dedepressão e acredita que não tem habilidadesnem talentos aprenderá a adotar a noção de quede fato possui algumas habilidades incríveis, masque muitas pessoas não têm bom desempenho

em certas circunstâncias. Aprenderá a dizer a simesma que o problema talvez não esteja nela,mas que é apenas uma consequência da situação.Além disso, ela será encorajada a não evitarsituações semelhantes àquela na qual a sensaçãosurgiu pela primeira vez, de modo que possaenfrentá-la e então ter a chance de se sentir bem.Na terapia, isso é feito identi cando-se os errosde pensamento que geram esse tipo de crença. Oterapeuta e o paciente procuram questionar esseserros juntos e fazer com que o paciente deixe deevitar a situação problemática. Isso ajuda apessoa a diferenciar as causas internas dasexternas. Assim, foi demonstrado que areavaliação cognitiva, por ajudar o paciente aatribuir seus problemas a causas externas, e nãointernas, consegue melhoras em casos dedepressão. Embora a técnica possa parecer umtanto simplista, a reavaliação cognitiva é um dostratamentos psicológicos mais validados para a

depressão e os transtornos de ansiedade.O grupo da meditação aprendeu uma forma de

meditação compassiva: sua ideia básica évisualizar e contemplar diferentes grupos deindivíduos, a começar por uma pessoa queridanum momento de sofrimento. Tendo essaimagem bem clara na mente, devemos nosconcentrar no desejo de que aquela dordesapareça, repetindo silenciosamente uma frasedo tipo “Que você se livre do sofrimento; quevivencie alegria e tranquilidade”, o que ajuda aconcentração na tarefa. Também tentamos notarquaisquer sensações viscerais que surjam duranteessa contemplação, particularmente asrelacionadas com o coração – batimentoscardíacos mais lentos, ou talvez mais fortes, ousensações de calor na área do tórax. Por m,tentamos sentir a compaixão emocionalmente, enão apenas pensar nela de forma cognitiva.Depois de fazermos essa prática dirigida a uma

pessoa amada, expandimos pouco a pouco nossociclo de compaixão, abarcando a nós mesmos,depois um desconhecido com quem cruzamos narua, em seguida um vizinho ou uma pessoa quetrabalhe no mesmo prédio que nós, mas de cujavida não sabemos quase nada, depois uma pessoaque nos deixa irritados e, nalmente, toda ahumanidade. Usando um programa instrutivoon-line, o grupo praticou a meditação compassivadurante 30 minutos por dia ao longo de duassemanas.

Os participantes do grupo da reavaliaçãocognitiva também começaram visualizando osofrimento de uma pessoa querida, mas foraminstruídos a “repensá-lo”. Essa é uma técnica naqual a pessoa adota diferentes crenças referentesàs causas de seu comportamento ou de suascircunstâncias de vida. Ela percebe que osofrimento talvez não seja tão extremo quantooutras formas de dor e que tudo poderá acabar

bem, ou então se concentra no fato de queexistem enormes diferenças na magnitude e nagravidade dos infortúnios. Os participantes dessegrupo aprenderam ainda a não atribuir aocorrência de situações negativas a qualidadesestáveis existentes neles mesmos. Em vez disso,devem pensar que o sofrimento pode ocorrercomo resultado de circunstâncias externas. Porexemplo: a razão de uma pessoa não conseguirencontrar um parceiro com quem ter uma relaçãoestável talvez não seja uma característica inerentea ela, e sim o fato de seu trabalho a impedir desair e conhecer novas pessoas – e essa segundapossibilidade é algo que ela pode controlar emodi car. O grupo da reavaliação cognitivatambém recebeu instruções on-line e praticoudurante 30 minutos por dia ao longo de duassemanas.

Como de costume, antes do início dotreinamento zemos exames cerebrais de todos os

participantes. Submetemos cada voluntário aoexame de ressonância, com a projeção deimagens que representavam o sofrimentohumano, como a de uma criança que tiveraqueimaduras graves ou a de uma família quesofrera um grave acidente de carro.Concentramos nossas observações na amígdala,que sabidamente está envolvida na sensação desofrimento, pois sua atividade está associada aele. De forma talvez anti-intuitiva, previmos queapós o treinamento com a compaixão essa regiãonão caria mais tão ativa em resposta às imagensde sofrimento. A sensação de sofrimentointerfere no desejo de ajudar – a marcacaracterística da compaixão –, pois nos faz sentirdor, prejudicando nossa capacidade de amenizaro sofrimento alheio. Além disso, previmos que ocórtex pré-frontal teria ativação maior, pois, porser a sede das funções cognitivas de alta ordem,essa região comporta, em seus intricados circuitos,

a representação neuronal dos objetivos dotreinamento compassivo: aliviar a dor dos outros.

No m de duas semanas de treinamento,registramos mais uma vez, com a ressonânciamagnética funcional, a atividade cerebral dosvoluntários à medida que eles observavamimagens de sofrimento. Os que haviam treinado ameditação compassiva experimentarammudanças drásticas em sua função cerebral,particularmente na amígdala, que apresentoumenor ativação em resposta às imagens desofrimento, em comparação com a atividaderegistrada antes do treinamento. Será que esseseria um efeito da familiaridade com as imagens,algo semelhante à “fadiga da compaixão” que aspessoas sentem quando expostas a uma tragédiahumana após outra? O grupo de controle nosdizia que não: nas pessoas que haviam praticado areavaliação cognitiva, a atividade da amígdala emresposta às imagens de sofrimento se manteve tão

alta quanto antes do treinamento.Essa menor ativação da amígdala após o

treinamento em compaixão também teve efeitosno mundo real. Depois das duas semanas detreinamento, pedimos a cada voluntário queparticipasse de um jogo no qual era preciso tomardecisões econômicas. O objetivo era medir ocomportamento altruísta. Para ganhar até 30dólares, eles foram convidados a jogar on-linecom adversários que estavam em diferentesedifícios do campus. Na verdade, não haviaadversários humanos – eles estavam jogandocontra um computador. Quando todos osparticipantes estavam prontos, explicamos que ojogo tinha três jogadores: um ditador, uma vítima(que vamos chamar de Jo) e o participante.Todos, menos Jo, ganham 30 dólares no início dojogo. O ditador dá a Jo certa quantia de seudinheiro. Se ele lhe der muito pouco, porexemplo, 5 dólares, o participante poderá gastar

parte de seu dinheiro – por exemplo, 10 dólares –a m de tornar a transação mais justa. A quantiaque o participante decidir dar a Jo também seráretirada do ditador e dada a Jo, que, nesteexemplo, ganharia 20 dólares, além dos 5 iniciais.Assim, o participante caria com seus 30 dólaresiniciais menos 10.

O cientista então saía da sala, dando aoparticipante completa privacidade para decidir oque fazer. Dessa forma, estávamos nosassegurando de que a decisão do participante nãose deveria à pressão implícita que ele poderiasentir diante do cientista. Só examinamos osdados dos 75% de participantes que acreditaramque todo aquele esquema era real.

Poderíamos esperar que uma pessoa que nãoestivesse sofrendo muito – o que é demonstradopela baixa atividade na amígdala – em resposta ao“sofrimento” de outra pessoa (ainda que,convenhamos, o sofrimento de Jo não fosse tão

intenso assim) não se sentiria movida a aliviá-lo.Porém o que ocorreu foi o oposto: osparticipantes que passaram pelo treinamento demeditação compassiva, e que haviam apresentadouma redução de atividade na amígdala emresposta às imagens do sofrimento, tiveram umapropensão muito maior a dar parte de seudinheiro a Jo. Em média, entregaram 38% maisdinheiro que os participantes que tinham passadopelo treinamento de reavaliação cognitiva.

Concluímos, portanto, que a meditaçãocompassiva gera um trio de mudanças. Emprimeiro lugar, reduz o sofrimento pessoal, o quese correlaciona com a menor ativação daamígdala. Em segundo, aumenta a ativação emregiões do cérebro associadas a umcomportamento dirigido a um objetivo, o que estáligado a uma ativação maior do córtex pré-frontaldorsolateral. Por último, aumenta a conectividadeentre o córtex pré-frontal, a ínsula (onde ocorre a

representação do corpo) e o núcleo acumbente(onde são processados a motivação e osentimento de grati cação). Em vez de caremdeprimidas com o sofrimento, as pessoastreinadas na meditação compassiva desenvolvemforte disposição para aliviar o sofrimento alheio edesejar que os outros sejam felizes.

Vamos recapitular o que nossos estudos compraticantes de meditação experientesdemonstraram e também relembrar os efeitos deum curso de meditação relativamente curto:

• A redução do estresse por meio da meditação

da consciência plena aumenta a ativação pré-frontal esquerda. Essa é a marca característicade um estilo de recuperação rápida nadimensão Resiliência, associada a maiorresiliência após uma situação estressante.

• Um período mais intenso de meditação da

consciência plena melhora a atenção seletiva ereduz a intermitência da atenção, fazendocom que as pessoas se movam em direção aolado concentrado da dimensão Atenção. Emambos os casos, a meditação da consciênciaplena fortalece a regulação pré-frontal dasredes cerebrais envolvidas na atenção, emparte por fortalecer as conexões entre o córtexpré-frontal e outras regiões cerebraisrelacionadas com a atenção.

• A meditação compassiva pode empurrar umapessoa para o lado positivo da dimensãoAtitude, pois fortalece as conexões entre ocórtex pré-frontal e outras regiões cerebraisrelacionadas com a empatia.

• A meditação compassiva provavelmentepromove a Intuição Social.

• Embora pudéssemos esperar que a maioria dasformas de meditação promovesse aAutopercepção, aquela que nos torna mais

cientes das sensações corporais, descobrimosque nem a meditação da consciência plena dobudismo tibetano nem a meditação da iogaKundalini estão associadas a um melhordesempenho num teste que mede a percepçãodo participante sobre os próprios batimentoscardíacos.

• Por m, sabemos muito pouco sobre o impactoque a meditação pode ter sobre o estilo deSensibilidade ao Contexto. Não foi feitanenhuma pesquisa sistemática sobre o modocomo alguém modula suas respostasemocionais com base no contexto social.

No último capítulo, tratarei de técnicas

especí cas que podem ser usadas para mudar aposição em que você se encontra em cadadimensão do estilo emocional.

O

C A P Í T U L O 1 1

RECONEXÃO: EXERCÍCIOS

INSPIRADOS

NA NEUROLOGIA PARA MUDAR

SEU

ESTILO EMOCIONAL

que você leu até aqui sobre a

descoberta do estilo emocional, sua origemna infância e a descoberta dos padrões cerebraisque determinam sua posição em cada uma dasseis dimensões re ete minha jornada cientí ca,movida pela convicção de que as emoçõesmerecem lugar de destaque no estudo da mente,assim como os pensamentos. Embora essa não

fosse minha intenção original, descobri que cadapessoa é uma combinação das dimensõesResiliência, Atitude, Intuição Social,Autopercepção, Sensibilidade ao Contexto eAtenção, uma mescla única que descreve o modocomo percebemos o mundo e como reagimos aele, nos relacionamos com as pessoas eenfrentamos a corrida de obstáculos que é a vida.Minha carreira culminou nos estudos inspiradospelos experimentos com praticantes de meditaçãoexperientes que descrevi no capítulo anterior eque demonstraram que temos a capacidade deviver nossa vida e treinar nosso cérebro de modoa modi car a posição em que nos encontramosnas seis dimensões do estilo emocional. E é issoque vamos fazer agora.

Como mencionei no Capítulo 1, existem algunsestilos emocionais, alguns pontos em cada umadas seis dimensões, que simplesmente tornam avida mais difícil e dolorosa do que deveria ser. É

claro que não estou argumentando que todosdeveriam tentar se mover para o ponto médio decada dimensão. Já conheci muitas pessoasprodutivas, criativas e fascinantes que abraçaramsua visão sombria da vida, sua hipersensibilidadeao contexto, sua falta de resiliência e suaautopercepção aguçada – pessoas que jamaisconseguiriam nem mesmo se imaginar com umestilo emocional ligeiramente diferente. Mesmoque essa descrição se aplique a você – ainda quede forma aproximada –, mesmo que você queiramanter as qualidades pessimistas, neuróticas esensíveis que tanto o caracterizam, é possível quevocê queira modi car sua dimensão de Atençãoou algum outro aspecto do seu estilo emocional,se isso estiver prejudicando sua capacidade de serelacionar e atingir os seus objetivos.

Outra razão para modi car seu estilo emocionalé que alguns pontos em cada uma das seisdimensões são mais úteis em determinadas

situações que em outras. Você talvez considereque uma atitude negativa e pessimista o façatrabalhar de forma mais diligente (“Esse trabalhoestá horrível, por isso vou me dedicarcompletamente a ele e cancelar todos os meusoutros compromissos desta semana.”). Por outrolado, pode achar que uma atitude mais positivafuncione melhor em situações sociais (“Sei queposso brilhar nessa festa; vamos lá.”). Nesse caso,a capacidade de regular seu estilo em cada umadas dimensões segundo sua própria vontade lhepermitirá responder a cada situação da formamais eficaz.

Isso é possível – ao menos em parte. Podemosmodi car o nível de concentração da nossaAtenção. Podemos ajustar a rapidez ou a lentidãocom que nos recuperamos das adversidades.Podemos regular nossa Atitude, enxergandoalguns copos como meio cheios, outros comomeio vazios. Por m, podemos treinar nosso

cérebro para ser mais socialmente intuitivo,autoperceptivo e sensível ao contexto. É claro queexistem limites para essa mudança. Por nãosabermos do que a plasticidade do cérebro écapaz, não posso prometer que você conseguirápassar, por exemplo, de um extremo da dimensãopara o outro, transformando-se de Cassandra emPoliana, mas acredito que possa saltar váriospontos em qualquer uma das duas direções. Issoé importante, pois nenhum extremo do espectroé necessariamente melhor ou pior que seu oposto.Mais uma vez, tudo depende de quem você é, doque funciona na sua vida, dos seus valores e dascircunstâncias externas. Conheço uma enormequantidade de acadêmicos que acreditamfirmemente que o fato de estarmos contentes – determos, na terminologia do estilo emocional, umaatitude positiva – é sinônimo de sermosingênuos, tolos e desatentos.

Mesmo que você não chegue a abraçar o

extremo negativo da dimensão Atitude, precisater cuidado com o que deseja. Embora a maioriadas pessoas provavelmente pre ra avançar para olado positivo, fortalecendo sua capacidade desustentar o tipo de emoção que o caracteriza,uma atitude positiva demais pode serextremamente inadequada, causando problemas.Indivíduos que têm uma atitude extrema epersistentemente positiva muitas vezes se veemincapazes de adiar as coisas que lhes trazemsatisfação. Sentem di culdade de avaliar assituações de forma realista e seu otimismoexcessivo pode levá-los a tomar decisões poucosensatas (“Não tem problema se eu comer estepedaço de bolo. Só vou precisar passar maistempo na academia amanhã.” ou “Adorei este parde sapatos. Acho que vou comprá-lo, mesmo queultrapasse meu orçamento. Talvez eu consigatrabalhar umas horas extras neste mês.”). Comatitudes desse tipo, são incapazes de resistir às

tentações imediatas a m de atingir um objetivomais distante. Essencialmente pela mesma razão,eles podem ter di culdade em aprender com ospróprios erros: sua atitude positiva os leva a ver oerro e suas consequências como algo sem grandeimportância, e assim eles não absorvem suaslições (“Não consegui ser selecionada para aquelavaga para a qual fui entrevistada, aparentementepor não mostrar muito entusiasmo. Mas tenhocerteza de que o próximo entrevistador não vailigar para isso.”). Descobertas recentes sugeremque algumas pessoas com altos níveis de emoçõespositivas também tendem a adotarcomportamentos arriscados, como o consumoexcessivo de álcool e comida e o uso de drogas.Também são mais propensas a não levar a sériopossíveis ameaças, pois sua atitude despreocupadaas torna cegas diante do perigo. Por outro lado,uma atitude excessivamente negativa pode acabarcom a motivação e arruinar a vida social de uma

pessoa, além de sua carreira. Por pensar que nadade bom irá acontecer, ela corre o risco de desistirde sua vida amorosa e pro ssional antes mesmode tentar.

Da mesma forma, à primeira vista pode parecerque é sempre bom termos uma altaAutopercepção. A nal, quem não quercompreender por que está sentindo o que estásentindo e o que seu corpo está tentando lhedizer? Porém há incontáveis eventos que, emboraocorram dentro de nosso cérebro e corpo, nos sãocompletamente desconhecidos. Isso não énecessariamente ruim. Não queremos estarcientes de todas as operações mentais necessáriaspara produzir uma frase gramaticalmente correta.Se isso ocorresse, jamais conseguiríamos dizerqualquer coisa que fosse. Talvez não seja bomnem mesmo estarmos cientes de todos os sinaiscorporais associados às emoções. Se eles foremintensos, como picos de pressão arterial e de

frequência cardíaca, poderão nos arrebatar,interferindo em nossa capacidade de pensar e deenxergar com clareza. E certamente nãoqueremos estar cientes dos sinais cerebrais queregulam a respiração e a função cardíaca, pois atorrente de informações iria abafar todo o resto.Como exemplo de Autopercepção excessiva, citoas pessoas que detestam o contato da lã ou demateriais sintéticos com a pele, alegando queessas roupas lhes provocam a sensação de quetêm insetos rastejando pelo corpo. E você talvezconheça alguém que a rme ser completamenteincapaz de comer certo tipo de alimento porque odeixa inchado, enjoado ou grogue. Essahipersensibilidade, em vez de indicar umcomportamento neurótico destinado a chamar aatenção, pode ser efeito de uma Autopercepçãoextrema, uma grande capacidade de percebersensações na pele ou no trato digestivo. Anatureza teve boas razões para nos fazer

inconscientes de muito do que ocorre dentro denós.

Os indícios cientí cos da plasticidade dealgumas dimensões são mais fortes que os deoutras. Consequentemente, o mesmo ocorre comas evidências do efeito de certas formas detreinamento mental sobre a posição em que umapessoa se encontra nas dimensões. Sãonecessárias novas pesquisas para identi car aforma ideal de treinamento para cada pessoa.Porém estamos nos movendo na direção certa,rumo às intervenções comportamentaisinspiradas na neurologia, isto é, às formas detreinamento mental que, por afetarem os padrõesde atividade cerebral e os circuitos neuraisespecí cos que existem na base das seisdimensões do estilo emocional, podem modi caro estilo de cada pessoa.

Embora meu trabalho tenha se concentrado nasbases cerebrais do estilo emocional, mudar sua

posição em uma ou em todas as dimensões não éa única opção. Em vez de modi car seu estiloemocional para que ele se ajuste com maisperfeição à sua realidade, você pode mudar seumundo – seu ambiente imediato e o modo comovocê estrutura sua vida – para que ele, sim, sejamais adequado ao seu estilo emocional. Tomemoscomo exemplo o caso de Mike, o adolescenteautista que apresentei no Capítulo 7. Eleminimiza sua necessidade de interagir com osoutros, reduzindo, assim, a pressão que apresença de outras pessoas gera sobre suaamígdala hiper-reativa. Assim também umapessoa que não seja particularmente sensível aocontexto social e que, portanto, tenha di culdadepara se comportar de forma apropriada nasdiferentes situações do dia a dia poderá arrumarum emprego que lhe permita trabalhar em casa.Dessa forma, ela não teria que ajustar seucomportamento e a conduta sempre que o

entorno social se modi casse – como quando vaide casa para o trabalho –, algo que seuhipocampo não tem muita facilidade em fazer. Ealguém que se situe no extremo de recuperaçãolenta da dimensão Resiliência pode escolher umaocupação que raramente o obrigue a confrontarcrises, protegendo-se, portanto, dasconsequências de um córtex pré-frontalpreguiçoso. Estando consciente de seu estiloemocional, você poderá adotar uma vida que seajuste a ele.

Entretanto, esse ajuste nem sempre é possível,pois não necessariamente conseguiremos arrumaruma ocupação que nos permita trabalhar emcasa, muito menos fazer uma grande mudança decarreira. E, mesmo que consigamos mudar nossoentorno físico e social, os benefícios poderão serlimitados. O trabalho que supostamente iria noslivrar da necessidade de enfrentar crisesconstantes, ajustando-se, por conseguinte, à nossa

falta de Resiliência, não nos protegerá de crisespessoais das quais simplesmente não podemosfugir, seja a morte de uma pessoa amada, sejauma catástrofe natural, seja uma doença. Poroutro lado, o ato de mudarmos nosso estiloemocional, ajustando a máquina neural na qualele se baseia, promete gerar mudanças maisduradouras. Pensando nisso, apresentarei a seguirsugestões especí cas sobre como construir ummundo de trabalho e de relacionamentos quefortaleça seu estilo emocional e seja adequado àssuas fraquezas. No entanto, irei me concentrarespecialmente em modi car a posição em quevocê se encontra em cada uma das seisdimensões, afetando sua base neural. É adiferença entre ler livros impressos numa fontegrande e fazer uma cirurgia ocular a laser.

Você talvez queira voltar aos questionários quepreencheu no Capítulo 3, para se lembrar daposição em que se encontra em cada dimensão.

Esse será o ponto de partida. Daí em diante,existem maneiras de alterar seu estilo e demodi car seu ambiente para que se ajuste melhora ele.

ATITUDE

A decisão de tornar sua Atitude mais positivaou negativa não depende apenas de saber se suaposição atual lhe provoca uma depressão debaixo grau (ou pior) ou se ela irrita seus amigos ecolegas, que não suportam sua visãoexcessivamente otimista do mundo. Uma atitudepositiva demais, como já mencionei, tambémafeta sua capacidade de aprender com os erros ede adiar a grati cação imediata em favor de umarecompensa maior no futuro. De fato, aincapacidade de postergar a grati cação é amarca característica de uma atitudeextremamente positiva. O ato de modi car seuestilo na direção do lado negativo irá resolverambos os problemas. O oposto disso, ou seja, umaatitude excessivamente negativa, pode acabar comsua motivação e destruir sua capacidade de sentiralegria com seus relacionamentos, de forma queadotar uma atitude mais positiva poderá

melhorar a visão que você tem do mundo.A rmei no Capítulo 4 que uma atitude positiva

indica alta atividade no estriado ventral (maisespeci camente, no núcleo acumbente, situadono interior do estriado ventral, que processa asensação de grati cação), no pálido ventral(também interconectado com o estriado ventral eextremamente sensível ao prazer hedonista) e nocórtex pré-frontal, que, exercendo sua função deplanejamento, ajuda a sustentar a atividade nonúcleo acumbente. Uma atitude negativa indicabaixa atividade nessas regiões e conexões maisfracas entre elas. Tendo em vista a popularidadedos livros e dos sites que prometem segredos parater mais felicidade, suponho que a maioria daspessoas queira aumentar sua capacidade desustentar emoções positivas, em vez de deixar quea tristeza tome conta de sua vida. Isso signi caaumentar a atividade no estriado ventral ou nocórtex pré-frontal, ou em ambos, e melhorar a

força da conexão entre os dois.Uma das funções fundamentais do córtex pré-

frontal é o planejamento. Assim, você poderáfortalecê-lo da mesma forma como fortalece seubíceps: exercitando-o. Quando se vir numasituação na qual se sinta tentado por umarecompensa imediata mas souber que a escolhamais inteligente, segura ou saudável é esperar poruma grati cação futura de mais valor, pare e seconcentre na recompensa futura. Por exemplo: aoolhar para o bolo que preparou para o lanche, emvez de provar só um pedacinho de manhã,invoque a imagem mental do lanche. Veja-selevando o bolo para a mesa. Imagine a sensaçãode culpa por já estar comendo o segundo pedaço.Visualize sua cintura ou seu nível de colesterol.Agora, imagine-se se deliciando com o bolo juntoda família ou de amigos, sem culpa nenhuma, porsaber que não comeu demais. Se necessário,arrume uma distração que desvie sua atenção do

bolo às três da tarde. Essa estratégia fortalece afunção de planejamento do córtex pré-frontal,fazendo-o visualizar um resultado futuro maispositivo.

O que vou sugerir a seguir pode parecer tãoinsano quanto dizer a um alcoólatra que passealgum tempo num bar, mas aí vai: procuresituações nas quais exista uma recompensaimediata e resista a elas. No começo, não exagere.Se quiser resistir ao canto da sereia das compras,vá a algum lugar sem o cartão de crédito ou o dedébito, levando apenas algum trocado. Entãopratique a resistência àquilo que a loja está lheoferecendo, o que será facilitado pelo fato de que,de qualquer forma, você não poderá fazer acompra impulsiva. Focando-se nos benefícios deusar o dinheiro que economizou para, porexemplo, pagar um curso para seu lho ou quitaruma prestação da casa, você fortalecerá suaresistência – exercitando o córtex pré-frontal e o

estriado ventral – para quando surgirempromessas de grati cação imediata maistentadoras. Pratique todos os dias durante cercade 15 minutos, visualizando a recompensa futura.Seguindo esse exemplo, depois de ter fortalecidosua capacidade de se concentrar na recompensapostergada, passe a levar o cartão de créditoquando for à loja. Não que com raiva de simesmo se cair em tentação de vez em quando –você até pode se fazer certos agrados. A ideia é:exercitando sua capacidade de planejar o futuro,você fortalece seu córtex pré-frontal e suaconexão com o estriado ventral. Mas não deixede se recompensar no futuro: depois de tereconomizado o que gastaria em uma compraimpulsiva e de ter usado esse dinheiro para umanecessidade real, sinta-se livre para comprar oitem desejado. Dessa forma, estará treinando océrebro para acreditar que o futuro imaginadochegará um dia.

Concentre-se em diferentes recompensas alongo prazo em dias diferentes – por exemplo,recompensas de saúde, econômicas e nosrelacionamentos. Pratique esse exercíciodiariamente durante uma semana e descubra seele fez alguma diferença. Embora não possaobservar o próprio cérebro para saber se asconexões entre o córtex pré-frontal e o estriadoventral foram fortalecidas, se perceber queconsegue reavaliar com mais facilidade osbenefícios relativos de uma grati cação imediata,em comparação com outra a longo prazo,rejeitando a primeira, é muito provável que seucérebro tenha se modi cado. E o resultado naldo exercício será uma capacidade maior desustentar emoções positivas.

Outro exercício para fortalecer as conexõesentre o córtex pré-frontal e o estriado ventral éuma técnica chamada terapia do bem-estar,1criada por Giovanni Fava, da Universidade de

Bolonha. Destinada a promover os componentesdo bem-estar – a autonomia, o domínio doambiente, as relações interpessoais positivas, ocrescimento pessoal, o propósito na vida e aautoaceitação –, a terapia do bem-estarcomprovadamente move as pessoas para o ladopositivo da dimensão Atitude, melhorando suasensação de bem-estar e permitindo quesustentem por mais tempo as emoções positivas.Embora não tenham sido feitos exames cerebraisantes e depois da terapia, tendo em vista tudo oque sabemos sobre os circuitos cerebraisrelacionados com esses componentes, é muitoprovável que a terapia do bem-estar fortaleça ocórtex pré-frontal e suas conexões com o estriadoventral.

Faça estes três exercícios todos os dias, duranteuma semana:

1. Escreva uma característica positiva que

observa em si mesmo e uma de alguém comquem interage constantemente. Repita oprocesso três vezes por dia. O ideal é quevocê escreva uma característica diferente acada vez, mas, se tudo o que conseguir pensarsobre seu colega de escritório é que ele é“prestativo”, tudo bem.

2. Expresse gratidão regularmente. Presteatenção nos momentos em que diz“obrigado”. Fite os olhos da pessoa a quemestá agradecendo e tente experimentar umasensação de gratidão genuína. Escreva umdiário e, ao nal do dia, anote os momentosespecí cos em que sentiu uma conexãogenuína, ainda que breve, com outra pessoadurante o ato de expressar sua gratidão.

3. Elogie os outros com frequência. Mantenha-seatento às oportunidades de fazê-lo: umtrabalho bem-feito por um colega noescritório, um belo jardim cultivado por um

vizinho ou até o belo casaco de umdesconhecido. Fite os olhos da pessoa quevocê estiver elogiando. No seu diário, anoteos momentos especí cos em que sentiu umaconexão genuína com alguém que tenhaelogiado.

Depois de uma semana fazendo esse exercício,

passe algum tempo re etindo sobre as mudançasque observou no seu estilo de Atitude. É muitoprovável que descubra que suas emoçõespositivas estão durando um pouco mais e que seuotimismo aumentou. À semelhança do que ocorrecom o exercício físico, você provavelmenteprecisará manter uma rotina. Quando suaAtitude se tornar positiva ou negativa,dependendo do que for seu desejo, é importantesustentar um nível de exercício su ciente paramanter sua Atitude no ponto ideal para você.

Se, em vez de adotar uma Atitude mais positiva,

você quiser passar para o lado mais negativo dessadimensão, seu objetivo será reduzir a atividadeno núcleo acumbente ou no estriado ventral, ouem ambos, ou ainda enfraquecer as conexõesentre eles. Se estiver se sentindo otimista demais,tendo uma Atitude tão positiva que deixa de serrealista, deverá visualizar possíveis resultadosnegativos. Se estiver pensando em comprar umproduto caro, passe algum tempo re etindo sobreas possíveis consequências negativas dessaescolha. Por exemplo: se estiver tentado acomprar um carro novo e estiloso, mesmo que oatual funcione muito bem, escreva tudo o quepoderia dar errado com o carro novo ou diminuirseu encanto – o fato de sofrer uma enormedepreciação assim que deixar de ser zero-quilômetro, o cuidado que deverá ter quandodirigir ou estacionar para evitar o menorarranhão, as prestações mensais que o obrigarãoa cortar despesas com outras coisas que lhe dão

prazer.Se, em vez de praticar os exercícios que

mudarão as bases da sua dimensão Atitude, vocêprecisar apenas de uma solução rápida, poderámodi car o seu ambiente para se ajustar à suaposição neste espectro. Se estiver tentando passarao lado positivo, procure encher seu espaço detrabalho e sua casa de lembretes alegres, otimistase grati cantes de momentos felizes e de pessoasque deem sentido à sua vida, como fotos deamigos queridos ou de lugares que você associa auma forte sensação positiva. Mude as fotos comfrequência, uma vez por semana, para não seacostumar a elas. Você pode manter as pessoas eos lugares, basta escolher fotogra as diferentes.Se, em vez disso, quiser reduzir sua Atitudepositiva, poderá encher sua casa e seu espaço detrabalho de lembretes de ameaças ao seu bem-estar, como descrições de desastres naturais ounotícias sobre problemas ambientais e

econômicos.À semelhança do que fez Mike, que acomodou

seu ambiente para conseguir funcionar melhorapesar de seu autismo, você também podemodi car seu mundo para não se ver prejudicadopelo seu estilo de Atitude. O primeiro passo éencontrar pessoas que pensem como você – nãohá sensação mais desconfortável que a de serextremamente negativo em meio a um grupo deotimistas, ou a de ser Poliana em meio a pessoasque vivem apavoradas. Além disso, tendo emvista que as pessoas situadas no extremo negativoda dimensão Atitude costumam a rmar quesentem baixos níveis de energia, arrumar umaocupação não muito exigente e que não seestenda para além do horário normal de trabalhopode ser útil. Para alguém de atitude negativa, terque trabalhar com algo atrelado a prazos, comono mercado nanceiro ou no jornalismo, égarantia de infelicidade. Além disso, você talvez

se encontre numa ocupação que recompense oato de ver o pior em cada pessoa ou situação,como no ramo da segurança ou escrevendo poesiadepressiva.

AUTOPERCEPÇÃO

A ignorância nem sempre é uma bênção: o fatode ser cego e surdo diante do que seu corpo estátentando lhe dizer pode fazer com que você nãoperceba sinais de doenças, seja uma febre queindica uma infecção, seja um aperto no peito quepressagia um infarto. Um estilo autoignorantetambém tem consequência nos relacionamentos:se você não perceber que sua pressão estásubindo e que seu coração está acelerado pelofato de estar com raiva, não terá possibilidade deoptar por fazer uma caminhada que o acalmeantes de uma reunião importante, de umencontro com a professora de seu lho, doretorno para casa durante a hora do rush ou dequalquer outra coisa que, ao ser feita, possa serfortemente afetada por essa raiva. Por outro lado,uma Autopercepção extrema conduz àhipocondria e aos ataques de pânico, e também auma paralisia na sua vida emocional: se você se

vir constantemente cercado de mensagens sobreseu estado mental e corporal, a vida pode carmuito difícil.

No Capítulo 4 expliquei que pessoas com altosníveis de Autopercepção (emocional ou física)têm maior ativação na ínsula, ao passo queaquelas com pouca Autopercepção têm menorativação. Nos casos extremos, níveis ultraelevadosde atividade na ínsula parecem estar associados auma hiperpercepção de qualquer mudançaín ma na frequência cardíaca ou na respiração, oque ocorre às vezes na síndrome do pânico.Assim, para passar para o lado autoperceptivodessa dimensão, você precisará aumentar aativação da sua ínsula, e, para reduzir suaAutopercepção, terá que diminuir a atividade desua ínsula.

Graças às pesquisas sobre a síndrome dopânico, sabemos um pouco sobre como reduzir aatividade na ínsula, que nos torna excessivamente

autoperceptivos. O tratamento mais validado paraa síndrome do pânico é a terapia cognitivo-comportamental. Nela, os pacientes aprendem areenquadrar ou reavaliar o signi cado de seussinais corporais internos. Por exemplo: se sentiruma dor no peito ou outra sensação queinterprete como um sinal de perigo, diga a simesmo que existem muitas sensaçõesperfeitamente inócuas, e que essa provavelmenteé uma delas. Esse tipo de reavaliação cognitiva,por diminuir a atividade da ínsula, geralmentereduz consideravelmente os sintomas do pânico.

Em vez de reduzir sua Autopercepção dopróprio corpo, dos pensamentos e dossentimentos diminuindo a atividade da ínsula,você também pode reduzir a reatividade do restodo seu cérebro aos sinais enviados pela ínsula. Aideia básica é alterar sua relação com os própriospensamentos, emoções e sensações corporais, demodo a não car preso num ciclo vicioso

interminável, que o faça saltar à conclusão deque um aspecto do que está sentindo anunciadesgraça. O truque é evitar que sua mente queruminando pensamentos em resposta a essessinais internos. Assim, em vez de modi car aAutopercepção excessiva vinda da ínsula, a ideiaé reduzir a atividade da amígdala e do córtexorbitofrontal, que formam um circuito destinadoa dar valor emocional aos pensamentos e àssensações. Reduzindo a atividade desse circuito, océrebro pode começar a perceber ospensamentos, as sensações e as emoções de formamenos crítica e histérica, de modo que você nãose veja preso em sua tagarelice interna. Vocêainda será muito autoperceptivo, mas não deforma debilitante.

Uma das maneiras mais e cazes de reduzir aativação da amígdala e do córtex orbitofrontal épor meio da meditação da consciência plena.Nessa forma de treinamento mental, você

procurará observar os próprios pensamentos,sentimentos e sensações momento a momento ede maneira acrítica, vendo-os apenas como o quesão: pensamentos, sentimentos, sensações – nadaalém disso. Ao aprender a observar de formaacrítica, você irá romper a sequência deassociações que surge habitualmente após cadapensamento. Por exemplo: o pensamento “Droga,tenho que parar de me preocupar com o trabalho”se transforma em “Veja só que interessante, umpensamento sobre problemas no trabalho entrouna minha consciência”. O pensamento “Ai, meujoelho está me matando!” se transforma em “Ah,um sinal do meu joelho chegou ao meu cérebro”.Se essas observações começarem a se transformarem pensamentos críticos, como geralmente ocorre(“Eu devia ter terminado aquele projeto maiscedo, e não tão em cima do prazo nal!”), tentevoltar ao processo da simples observação.

O cultivo desses hábitos mentais geralmente

requer bastante prática. Ainda assim, nossapesquisa indica que mesmo um exercício simplesjá pode fazer diferença. Muitas pessoas relatambenefícios após meros 20 minutos de prática.

As melhores instruções para a prática dessatécnica vêm de um curso de redução do estressepor meio da meditação da consciência plena, aforma mais comum de meditação secularensinada em centros médicos na atualidade.

Se quiser tentar a meditação da consciênciaplena antes de frequentar um curso, podecomeçar por conta própria, fazendo exercícios derespiração:

1. Escolha o momento do dia em que você esteja

mais desperto e alerta. Sente-se no chão ounuma cadeira, mantendo a coluna reta e umapostura relaxada, porém ereta, de modo a nãoficar com sono.

2. Agora, concentre-se na respiração, nas

sensações que ela provoca em seu corpo.Observe como seu abdome se move a cadainspiração e expiração.

3. Concentre-se na ponta do seu nariz,observando as diferentes sensações a cadarespiração.

Quando notar que foi distraído por outros

pensamentos e sensações que possam ter surgido,simplesmente volte sua concentração mais umavez para a respiração.

Você pode praticar com os olhos abertos oufechados, o que for mais confortável. Recomendoque tente durante 5 ou 10 minutos de cada vez,de preferência duas vezes por dia. Assim que sesentir mais confortável, poderá aumentar aduração das sessões.

Quando sentir que já pegou a prática darespiração da consciência plena, deixe de usar arespiração como âncora de atenção e permita

que seu foco repouse em qualquer que seja oconteúdo dominante da sua mente consciente acada momento, seja um pensamento, seja umsentimento, seja uma sensação corporal. Cultive apercepção do que está acontecendo sem pensarno fato nem julgá-lo.

Você também pode experimentar uma técnicaque eu pratico, chamada “varredura corporal”:

1. Sente-se no chão ou numa cadeira, mantendo

a coluna reta e uma postura ereta e relaxada,para não ficar com sono.

2. Faça sua atenção perambularsistematicamente pelo corpo, de um lugar aoutro – dedos do pé, pé, tornozelo, perna,joelho. Note a sensação especí ca em cadalocal, como um formigamento, pressão outemperatura. Não pense nessas partes docorpo, apenas vivencie as sensações. Dessaforma, você cultivará a consciência corporal

no contexto da percepção acrítica.3. Se começar a se perder em meio a

pensamentos ou sentimentos, volte a atençãoà respiração, para reencontrar o foco.

Recomendo praticar a “varredura corporal” de 5

a 10 minutos, de preferência duas vezes por dia.Depois de algumas semanas, você possivelmenteperceberá que sua relação com os pensamentos,sentimentos e sensações mudou: agora conseguevivenciá-los com menos críticas, pânico ouobsessões. Conseguirá estar ciente deles sem carpreso no redemoinho que costumam gerar.Fortalecendo sua percepção acrítica, você evitaque os pensamentos e as sensações tomem contada sua mente.

Paradoxalmente, uma das estratégias maise cazes para aumentar a atividade da ínsula,tornando-se, assim, mais autoperceptivo, épraticar a meditação da consciência plena. Um

estudo feito em 2008 revelou que pessoas quehaviam praticado a meditação da consciênciaplena todos os dias2 durante cerca de oito anostinham uma ínsula maior que indivíduos domesmo sexo e idade que não meditavam. Como épossível que a mesma prática aumente e diminuaa Autopercepção?

A resposta está no que gera a Autopercepção eno que exatamente queremos dizer com essetermo. Se você se sente tão arrebatado pelassensações internas que tem di culdade em agirnormalmente, é provável que tenha níveisnormais de sinais internos, isto é, níveis normaisde atividade na ínsula, mas que reaja a eles comsensações ou pensamentos catastró cos. Nessasituação, a meditação da consciência plena irátransformar sua reatividade, baixando o volumedos sinais que chegam à amígdala e ao córtexorbitofrontal. Porém, se você tem di culdade emdiscriminar seus sinais corporais internos, a

meditação da consciência plena poderáampli cá-los, aumentando o volume dos sinaisemitidos pela ínsula. Em outras palavras, ameditação da consciência plena tem um efeitoregulador sobre a mente. Se você tiver umacarência de Autopercepção, ela poderá tornarsuas sensações internas mais salientes e vívidas.Se for hiperciente, sentindo e ouvindo seus sinaisinternos de forma extremamente vívida, ameditação poderá lhe trazer uma espécie deequilíbrio, fazendo com que você não sejaperturbado por esses ruídos internos. E esseequilíbrio acabará por reduzir a intensidade dospróprios sinais.À semelhança do que ocorre com todas as

outras dimensões do estilo emocional, asmudanças duradouras virão com a prática mentalque modifica os padrões de atividade cerebral. Noentanto, você também poderá ajustar seuambiente para estimular ou desestimular a

Autopercepção. Para aumentar suaAutopercepção, reduza o número de distrações eescolha ambientes calmos, que lhe permitirãoperceber seus sentimentos e sensações internascom mais facilidade. Esses são os “sinais” quevocê quer perceber; as coisas ao seu redor são oruído de fundo, as distrações. Reduzindo esseruído, seus sinais internos carão mais audíveis.Para diminuir sua Autopercepção, faça o oposto:arranje sua vida de modo a ter mais estímulosexternos nos quais se concentrar. Por exemplo:deixe o rádio ligado, mas não permita que ele setransforme num ruído de fundo. Realize muitastarefas ao mesmo tempo, checando o e-mailenquanto assiste à televisão, ou escutando músicaenquanto trabalha. Isso fará com que você tenhamenos recursos de atenção para dedicar àssensações internas, fazendo com que estas setornem menos perceptíveis.

ATENÇÃO

Um sinal claro de que você é concentradodemais é o fato de sua família ou seus colegasreclamarem de que você não escuta o que estãolhe dizendo enquanto trabalha. Outra pista: vocêse concentra de forma tão intensa num aspectode uma situação que deixa de enxergar o quadrogeral, como quando um estudante se concentratanto na fonte e na formatação de um trabalhoescrito que deixa de perceber que o conteúdo emsi é incoerente. Por outro lado, um estilodesconcentrado também tem seus problemas –problemas que boa parte da indústriafarmacêutica adora tentar resolver, em especial sevocê for um jovem em idade escolar. Você deixade perceber o que as pessoas estão lhe dizendo,pois está perdido em seu próprio mundo, temdi culdade em terminar uma tarefa antes de serdistraído por outra e, quando lê, percebe que, aochegar ao nal de uma tela ou página, já

esqueceu o que leu no início.O extremo concentrado da dimensão Atenção

resulta de uma ativação maior em certas regiõescerebrais, como o córtex pré-frontal e o córtexparietal, que constituem um circuito para aatenção seletiva. O córtex pré-frontal éindispensável para manter a atenção, e o córtexparietal atua como um leme para o cérebro,dirigindo a atenção para certos objetos epermitindo a concentração em alvos especí cos.Ao contrário, no extremo desconcentrado ocórtex pré-frontal apresenta baixa atividade e aatenção é movida pelos estímulos: o que querque ocorra ao seu redor, tal coisa irá atrair suaatenção. Você passa de um estímulo a outro semnenhum leme interno que guie sua atenção.Portanto, para melhorar o foco é precisoaumentar a atividade dos córtices pré-frontal eparietal.

Se você não gosta de ser concentrado demais,

seu objetivo deve ser reduzir a atividade no córtexpré-frontal. Isso abrirá sua mente a novosestímulos presentes no ambiente, como, porexemplo, seu lho parado à porta do seuescritório em casa, implorando para que você vábrincar com ele. Essa qualidade da atenção secaracteriza por altos níveis de sincronia de faseaos estímulos do ambiente, de modo que taisestímulos são sincronizados com as oscilaçõesneurais já presentes. O resultado é uma atençãomais receptiva.

Para melhorar a concentração, recomendo maisuma vez a meditação da consciência plena. Empesquisas recentes feitas no meu laboratório,descobrimos que os praticantes experientes, ao seconcentrarem num objeto, atingem níveis maisaltos de ativação nos córtices pré-frontal eparietal. Siga as instruções da seçãoAutopercepção para fazer os exercícios deconsciência plena da respiração e o rastreamento

corporal. Quando estiver confortável com essaspráticas, passe à meditação de atenção focada,também chamada concentração unidirecional:

1. Em um ambiente no qual não haja distrações,

sente-se com tranquilidade, com os olhosabertos. Encontre um objeto pequeno, comouma moeda ou um botão da sua camisa. Éimportante que o objeto de atenção sejavisual, e não a própria respiração ou imagemcorporal, ou outros objetos mentais.

2. Concentre toda a sua atenção nesse objeto.Fixe os olhos nele.

3. Se sua atenção perambular, traga-acalmamente de volta ao objeto.

Pratique essa técnica diariamente, de início por

10 minutos. Se você perceber que conseguemanter a concentração durante a maior parte dotempo, aumente o tempo de prática

aproximadamente 10 minutos por mês, atéchegar a uma hora.

Se você considerar que sua atenção éexcessivamente concentrada e quiser ampliá-lapara absorver melhor o mundo, a meditação demonitoramento aberto ou de presença abertapoderá empurrá-lo para essa direção dadimensão Atenção. Na meditação demonitoramento aberto, sua atenção não é xadaem nenhum objeto especí co. Em vez disso, vocêcultivará uma percepção da própria percepção.Recomendo começar com uma prática demeditação de atenção focada, como a centradana respiração, que lhe dará um nível básico deestabilidade de atenção, facilitando a meditaçãode monitoramento aberto. As instruções básicassão:

1. Em um ambiente tranquilo, sente-se numa

cadeira confortável, com as costas retas e ocorpo relaxado. Mantenha os olhos abertos oufechados, como achar mais confortável. Seestiverem abertos, mantenha o olhar baixo eos olhos ligeiramente desfocados.

2. Mantenha uma percepção clara e umaabertura para o ambiente que o cerca.Conserve a mente calma e relaxada, sem focá-la em nada especí co, embora ela deva estartotalmente presente, clara, vívida etransparente.

3. De forma suave, observe qualquer objeto queapareça no centro da sua consciência, masnão se xe nele. A ideia é observar o próprioprocesso de pensamento, dizendo a si mesmoalgo do tipo: “Ah, percebo que a primeiracoisa na qual estou pensando ao me sentarpara meditar é...”

4. Dê atenção plena ao objeto mais chamativoda sua consciência a cada momento,

concentrando-se nele de modo a excluir todoo resto, mas não pensando nele. Isto é, vocêestá simplesmente ciente do objeto,observando-o da forma mais desinteressadapossível, mas não o explora intelectual econscientemente. Pense no objeto de atençãocomo se fosse um quadro emoldurado expostoem um museu, ou um lme, algo que nãotenha grande relevância para você.

5. Gere um estado de abertura total, no qual suamente seja ampla como o céu, capaz dereceber e de absorver qualquer pensamento,sentimento ou sensação. Quando surgirempensamentos, apenas permita que passem pelasua mente sem deixar rastros. Ao perceberruídos, imagens, sabores ou outras sensações,deixe que quem como estão, sem se envolvercom eles nem os rejeitar. Diga a si mesmo queeles não conseguem afetar o equilíbrio serenoda sua mente.

6. Se notar que sua mente está passando paraoutro pensamento ou sentimento, permita queisso aconteça, deixando que esse novo objetoentre na sua consciência. Ao contrário dasformas de meditação dedicadas a fortalecer aatenção, você não deverá tentar afastar opensamento “invasor”. Em vez disso, consintaque sua mente se volte para ele. A diferençafundamental dessa técnica em relação àmeditação focada na respiração, que descrevianteriormente, é que na meditação demonitoramento aberto não temos um únicofoco para o qual a atenção deva ser redirigidacaso comece a divagar. Em vez disso, vocêdeve apenas estar ciente daquele que é ocentro da sua atenção a cada momento.

7. Volte sua mente para esse novo objeto deatenção, como fez com o primeiro.

8. Prossiga durante um tempo que varie entre 5e 10 minutos.

Muitos praticantes dessa forma de meditação

sentem adquirir uma espécie de percepçãopanorâmica, na qual estão conscientes tambémde seus pensamentos e sentimentos, além doambiente externo. Um estudo que zemos em2009 sugere a razão para isso.3 Usando oeletroencefalograma, descobrimos que, quando aspessoas praticam a meditação de monitoramentoaberto, ela modula suas ondas cerebrais de ummodo que as torna mais receptivas a estímulosexternos, isto é, elas apresentam sincronia de fase,uma marca característica da Atençãoconcentrada. Lembre-se da metáfora do lago nocapítulo anterior: se jogarmos uma pedra numlago calmo, veremos as ondulações com muitaclareza. Porém, se o lago for turbulento, teremosdi culdade em distinguir a ondulação geradapela pedra. Da mesma forma, se nossa menteestiver calma, seremos mais receptivos aos

estímulos que nos chegam, o que é expresso pelasincronia de fase das oscilações corticais a essesestímulos.

Para transformar a sua capacidade de atençãovocê precisará de alguma prática. Mas, como aatenção é um constituinte básico de tantas outrascoisas, acredito que o esforço valha a pena. Ecreio também que a maioria dos praticantes iráobservar benefícios após um curto período deprática.À semelhança do que ocorre nas outras

dimensões, você pode ajustar seu ambiente demodo a que ele se acomode ao seu estilo deatenção, minimizando a possibilidade de queinter ra em seus objetivos. Para aumentar seufoco, você precisa minimizar as distrações.Mantenha seu ambiente limpo, em especial o detrabalho, eliminando o maior número possível deestímulos externos. Ou seja, limite o ruído,sobretudo as conversas. Se puder fechar a porta,

não hesite em fazer isso. Procure executar umatarefa de cada vez. Se estiver postando algo emredes sociais, não faça nada além disso, nemmesmo escutar música. Quando usar umcomputador, mantenha apenas um programaaberto: um navegador ou um programa de e-mail,mas não ambos. Se estiver escrevendo ou usandouma planilha ou outro programa qualquer, fecheo navegador e o e-mail e desative quaisqueralertas de mensagens recebidas.

Se você for hiperconcentrado, tente criar umambiente que o ajude a alargar sua atenção.Deixe livros e revistas espalhados e ceda àtentação de apanhar um deles, mesmo quesupostamente devesse estar concentrado emalguma outra coisa. Se estiver trabalhando nocomputador, mantenha a porta do seu quarto ouescritório aberta, para poder ouvir o mundoexterior, e toque uma música de fundo. Se tiveruma janela, não a bloqueie com cortinas ou

persianas, e tente posicionar sua mesa de modoque lhe permita ver o que ocorre lá fora, ondeprovavelmente encontrará muitas distrações.Coloque fotos de pessoas queridas em seuescritório, para poder olhar para elas enquantotrabalha. Ajuste um alarme no seu celular oucomputador para que ele toque a cada 20 ou 30minutos, rompendo sua concentração eforçando-o a prestar atenção no mundo ao redor.

RESILIÊNCIA

À primeira vista, pode parecer estranho quealguém queira se recuperar das adversidades deforma mais lenta, mas certamente existem pessoasque se recuperam rápido demais. Para levar umavida emocional saudável, você precisa ser capazde sentir as próprias emoções e de responder aelas, o que é difícil se costuma avançar muitorápido, a ponto de ter apenas um contatosuper cial com seus sentimentos. Temos atendência de usar a duração de uma emoçãocomo um sinal de sua intensidade. Assim, acapacidade de seguir adiante após umaadversidade pode fazer com que você sinta queseu afeto é abafado, que não consegue vivenciaras emoções de forma tão intensa quanto gostaria.Para ter relações saudáveis, você precisa ser capazde sentir as emoções dos outros e de reagir a elas.Se for extremamente resiliente, os demais podempensar que você não tem sentimentos ou que cria

uma barreira emocional ao seu redor. Uma pessoade recuperação muito rápida pode ter dificuldadeem vivenciar a empatia ao observar a dor ou adesgraça dos outros. Parte da resposta de empatiaconsiste em sentir a dor alheia. De fato, pesquisasrecentes mostram que, quando sentimos empatia,o cérebro ativa muitos dos circuitos que sãoacionados quando sentimos dor, quer seja física,quer não.

Os benefícios de uma recuperação mais rápidasão mais fáceis de entender. Se as adversidadesafetam seu funcionamento normal durante longosperíodos, elas poderão impedi-lo de atingir seusobjetivos e di cultar seus relacionamentos. Casose veja atolado em seu próprio lamaçalemocional, é possível que negligencie a família, osamigos e o trabalho.

A marca característica de um estilo derecuperação lenta diante das adversidades é apresença de poucos sinais – ou de sinais fracos –

passando do córtex pré-frontal para a amígdala,como resultado de uma baixa atividade no córtexpré-frontal ou da presença de poucas conexões –ou de conexões disfuncionais – entre o córtexpré-frontal e a amígdala. Pacientes comdepressão que apresentam recuperação lenta –que cam devastados por qualquer frustração ourevés – têm uma conectividade muito baixa entreessas regiões.

A recuperação rápida diante das adversidadesresulta de uma forte ativação do córtex pré-frontal esquerdo em resposta aos problemas e deuma forte conectividade entre o córtex e aamígdala. Se sentir que precisa aumentar suaResiliência, você deverá aumentar a atividade docórtex pré-frontal (em especial no lado esquerdo)ou fortalecer as vias neuronais entre o córtex e aamígdala, ou ambos. Se sentir que possui umaResiliência que é tão grande a ponto de chegar aprejudicar sua resposta emocional natural em seus

relacionamentos, seu objetivo será reduzir aatividade do córtex pré-frontal e enfraquecer suasconexões com a amígdala.

Para cultivar maior Resiliência e se recuperarmais rapidamente das adversidades, recomendo ameditação da consciência plena. Por gerarequilíbrio emocional, essa técnica o ajudará a serecuperar, mas não tão rápido, à semelhança doque faz com a Atenção, tornando-o concentrado,mas não hiperconcentrado. A meditação daconsciência plena enfraquece a cadeia deassociações que nos faz pensar obsessivamentenuma adversidade, quando, então, camosempacados nela. Por exemplo: a perda de umemprego pode fazer com que seus pensamentospassem de “desemprego” a “perda do plano desaúde”, “perda da casa” e “falta de força paraseguir em frente”. A meditação da consciênciaplena fortalece as conexões entre o córtex pré-frontal e a amígdala, promovendo um equilíbrio

que o ajudará a evitar esse tipo de círculo vicioso.Se seus pensamentos começarem a saltar de umacatástrofe para a seguinte, você terá os recursosmentais necessários para fazer uma pausa,observar a facilidade com que a mente entra nesseciclo, notar que esse é um processo mentalinteressante e resistir, sem ser jogado no abismo.Recomendo que comece com uma forma simplesde meditação da consciência plena, como afocada na respiração, descrita anteriormente.

Se a prática da meditação da consciência plenanão aumentar tanto quanto você gostaria avelocidade da sua recuperação, o treinamento emreavaliação cognitiva poderá ajudar. Essa técnica,que é uma forma de terapia cognitiva, ensina aspessoas a repensar as adversidades, de forma quepassam a acreditar que elas não são tão extremasnem duradouras quanto poderiam ser. Porexemplo: se você cometeu um erro no trabalho ese deixou invadir por pensamentos a itivos, talvez

comece a pensar que não é muito inteligente, queprovavelmente cometerá o mesmo tipo de errooutras vezes e que isso irá acabar com a suacarreira. São esses enganos de pensamento que areavaliação cognitiva tenta corrigir. Em vez deconsiderar que o erro representa seu trabalhocomo um todo, você é treinado a perceber queele foi uma anomalia e que poderia ter sidocometido por qualquer um. Em lugar de pensarque o erro re ete uma qualidade consistente efundamental sua, você passa a considerar apossibilidade de havê-lo cometido porque teveum dia ruim, ou porque não dormiu o su cientena noite anterior, ou porque todos somos falíveis.Ao questionar a precisão dos seus pensamentos, areavaliação cognitiva pode ajudá-lo areenquadrar as causas do seu comportamento e,portanto, da sua a ição. Esse tipo de treinamentocognitivo envolve diretamente o córtex pré-frontal, resultando numa maior inibição pré-

frontal da amígdala – o padrão característico daResiliência.

Se, por outro lado, você decidir passar para olado de recuperação lenta da dimensãoResiliência, talvez para fortalecer sua capacidadede sentir empatia, precisará enfraquecer asconexões entre o córtex pré-frontal e a amígdala.Existem muito poucas pesquisas sobre como fazerisso, mas uma estratégia consiste em seconcentrar intensamente em qualquer emoçãonegativa ou dor que esteja sentindo comoresultado de uma adversidade. Isso pode ajudar asustentar essa emoção, ao menos por algumtempo, aumentando, assim, a ativação daamígdala. Você também poderá se concentrar nador de alguém que esteja sofrendo e descrevê-lapor escrito, como por exemplo: “Tudo dá erradona vida de Aaron. Sua ex-namorada o persegue,ele corre o risco de perder o emprego porque aempresa em que trabalha está fazendo cortes de

pessoal e o proprietário do apartamento em queele mora o está ameaçando de despejo por causados constantes atrasos no pagamento do aluguel.Ele mal consegue se levantar da cama de manhã etem crises de choro frequentes.” Utilize essasdescrições para se concentrar nos aspectosespecí cos da dor ou do sofrimento que vocêpoderia sentir em resposta ao sofrimento alheio.Esse exercício provavelmente resultará numaativação mais sustentada do córtex cinguladoanterior, da ínsula e da amígdala, o circuitorelacionado com a dor e o sofrimento.

Você também pode praticar uma forma demeditação do budismo tibetano chamada tonglen,que signi ca “tomar e receber”. Nessa técnica,destinada a cultivar a compaixão, temos devisualizar outra pessoa que esteja sofrendo,absorver sua dor e transformá-la em compaixão.Ela é muito e caz no cultivo da empatia. Paracomeçar, pratique esse exercício durante 5 ou 10

minutos, quatro ou cinco vezes por semana:

1. Visualize, da forma mais vívida que conseguir,alguém que esteja passando por umsofrimento. Pode ser um amigo ou parentedoente, um colega com problemas notrabalho, um vizinho em meio a uma criseconjugal... Quanto mais próxima for a pessoa,mais forte e clara será a visualização. Se vocêtiver a sorte de não conhecer ninguém queesteja sofrendo, tente visualizar umdesconhecido, como um catador de lixo, umacriança faminta, uma pessoa com câncer.

2. A cada inspiração, imagine que estáabsorvendo o sofrimento dessa pessoa. Sinta-ovisceralmente: ao inspirar, imagine a dorpassando por suas narinas, atravessando onariz e chegando aos pulmões. Se for difícilimaginar o ato de absorver sicamente osofrimento, imagine que a pessoa está se

livrando dele a cada inspiração sua. Quandoinspirar, invoque uma imagem de dor ea ição saindo do corpo da pessoa, como aneblina que se dissipa sob o sol forte.

3. A cada expiração, imagine que essesofrimento é transformado em compaixão.Direcione esse sentimento piedoso para apessoa: quando expirar, imagine a respiração

uindo na direção dela, como um presente deempatia e amor que irá envolvê-la e invadi-la,acalmando sua dor.

Existem maneiras de ajustar o ambiente para

fazê-lo se acomodar ao seu estilo de Resiliência.Para acelerar sua recuperação, tente, se possível,abandonar a situação na qual ocorreu o problemae vá para um ambiente com menos cargaemocional. Por exemplo: se você acabou de teruma briga com seu cônjuge, deixe a zona decombate e saia para caminhar na rua, ou ao

menos vá para outro cômodo da casa. Se o quevocê deseja é tornar sua recuperação mais lenta econseguir sentir o sofrimento por mais tempo e deforma mais intensa, tente fazer o oposto:permaneça na situação associada à adversidadeou encha seu ambiente de lembretes que o façamrecordar o problema.

INTUIÇÃO SOCIAL

Poderíamos pensar que todas as pessoas queremmodi car seu estilo de Intuição Social para setornarem o mais socialmente intuitivas possível.A nal, pesquisas sobre inteligência emocional esocial a rmam que uma habilidade maior nessaárea conduz a um êxito maior no amor, notrabalho e na vida em geral. Porém é possível queum foco excessivo nos sinais e eventos sociaisacabe por interferir nas atividades cotidianas. Porexemplo: se você não conseguir interagir comseus colegas de trabalho sem captar as mensagensveladas transmitidas por eles, talvez tenhadi culdade em agir da melhor forma possível eprefira ser um pouco mais distraído.

O cérebro de uma pessoa que se situa noextremo desnorteado da dimensão IntuiçãoSocial se caracteriza por baixa atividade no girofusiforme e alta atividade na amígdala. Noextremo oposto, uma pessoa socialmente intuitiva

tem altos níveis de ativação do giro fusiforme eatividade na amígdala que varia de baixa amoderada, o que lhe dá a capacidade de captarsinais sociais extremamente sutis. Para melhorar aIntuição Social, temos que aumentar a atividadeno giro fusiforme e reduzir a atividade naamígdala. Por outro lado, para reduzir ahiperintuição é preciso reduzir a atividade dogiro fusiforme e aumentar a da amígdala.

Para aumentar a atividade do giro fusiforme,assim melhorando, consequentemente, a IntuiçãoSocial, o primeiro passo é prestar atenção. Paradetectar as pistas sociais, sobretudo as mais sutis,precisamos nos concentrar no que estáacontecendo ao nosso redor: o tom de voz, alinguagem corporal, a expressão facial. Trata-se,essencialmente, de uma questão de prática:

1. Comece a praticar com estranhos. Quando

estiver em público, escolha um casal ou um

pequeno grupo de amigos e observe-osdiscretamente. Preste atenção sobretudo naface, que transmite muitas informações.Lembre-se de olhar para o rosto das pessoasquando as observar e, em especial, quandointeragir com elas.

2. Aproxime-se o su ciente para ouvir aconversa (desde que consiga fazê-lo de formadiscreta; recomendo tentar essa prática numespaço com muitas pessoas, como uma festa,uma loja apinhada de gente ou o saguão deum cinema). Observe se o tom de voz daspessoas corresponde à sua linguagem corporale expressão facial.

3. Se não corresponder, você provavelmenteentendeu algo errado. Tome nota do fato eaplique essa lição às próximas pessoas queobservar.

4. Quando achar que já consegue discernir oque as pessoas estão sentindo, tente o mesmo

com amigos ou colegas. Você também pode cultivar a Intuição Social

por meio da meditação da consciência plena,descrita anteriormente. Nesse caso, utilize ossinais sociais como objetos da sua consciênciaplena.

Agora, pratique prestar atenção nos olhos daspessoas, que transmitem os sinais maisverdadeiros de seu estado emocional. Por seremtão breves, muitas vezes as expressões faciaispassam despercebidas, de modo que deixamos denotar importantes sinais sociais. Embora apesquisa sobre a e cácia desse treinamento paramelhorar a capacidade de captar sinais sociaisainda seja recente, é provável que qualquertreinamento para detectar esses sinais aumente aativação da área fusiforme e do sulco temporal,uma região situada nos lobos temporais quecostuma ser ativada em resposta aos estímulos

sociais. Como esse treinamento o torna mais aptoa interpretar a linguagem da face e dos olhos,provavelmente o fará se concentrar nessas áreascom mais frequência, nem que seja porque ossinais passarão a ser mais signi cativos einteressantes.

A voz, a postura e a linguagem corporaltambém transmitem sinais sociais e emocionais.Existem exercícios especí cos para aumentar suasensibilidade a esses outros canais decomunicação:

1. Para aumentar sua sensibilidade aos sinais

vocais das emoções, vá a um lugar público – ometrô, uma lanchonete agitada, uma lojarepleta de pessoas ou o terminal de umaeroporto –, feche os olhos e preste atençãonas vozes ao seu redor. Concentre-se em vozesespecí cas, mas não dê atenção ao que elasdizem, e sim ao seu tom.

2. Descreva para si mesmo o que esse tom de voztransmite – serenidade, alegria, antecipação,ansiedade, estresse, etc. Teste sua própriacapacidade, abrindo os olhos e observando oque vier a seguir. Um encontro que terminacom uma das pessoas indo embora bufandoprovavelmente foi caracterizado por emoçõesnegativas.

3. Agora, faça o mesmo com a postura e alinguagem corporal. Quando observar umaconversa, note a orientação do corpo daspessoas, o modo como se sentam ou cam empé, os gestos que fazem.

4. Escolha um canal – tom de voz, linguagemcorporal – para ser o foco de sua atençãodurante um dia inteiro. Quando estiver numtransporte público, no trabalho ou cercado deparentes, amigos ou colegas, procureoportunidades para se afastar um pouco dasituação, mesmo que por apenas um minuto,

de modo a se tornar um observador, e nãoum participante. Pratique os passos 1 e 2, ou opasso 3, dependendo do canal no qual vocêesteja se concentrando.

5. No dia seguinte, escolha outro canal e repita oexercício.

Acho que você cará surpreso ao ver quanto

esse exercício simples pode aumentarrapidamente sua sensibilidade aos sinais sociais.

Se você se sente extremamente afetado pelossinais que as outras pessoas transmitem a pontode querer se mover na direção do extremodesnorteado do espectro da Intuição Social, teráque dar um descanso ao seu giro fusiforme. Eviteencarar os outros. Use seu treinamento deatenção para afastar seu foco da linguagemcorporal e do tom de voz das pessoas. Exercitandomenos sua área fusiforme, você diminuirá aatividade de base dessa região e se tornará menos

consciente da linguagem dos sinais sociais.Existem algumas maneiras de alterar o ambiente

de modo a ajustá-lo ao seu grau de IntuiçãoSocial. Se você estiver no lado desnorteado dadimensão e car satisfeito com isso, programe-separa passar pouco tempo com outras pessoas,sobretudo com as desconhecidas. Isso irá limitaras situações nas quais você interpretaerroneamente os sinais sociais ou sente dúvidaquanto ao seu signi cado. Um emprego que lhepermita trabalhar em casa pode ter o mesmoefeito. Se, por outro lado, você tiver uma altaIntuição Social e for distraído com facilidadepelos sinais sociais, limite suas interações amomentos especí cos do dia, durante os quaiselas não poderão afetá-lo de forma intensa. Aointeragir com os demais em momentosprogramados do dia, durante intervalos erefeições, você conseguirá limitar esse tipo dedistração. Se for estudante, procure estudar

sozinho, e não numa biblioteca, num café ou emoutro espaço público, restringindo, assim, asintromissões sociais.

SENSIBILIDADE AO CONTEXTO

A incapacidade de discernir corretamente ocontexto social pode levar a respostas emocionaisque são adequadas em um contexto, mas não emoutros. É razoável sentirmos uma ansiedadeextrema em situações perigosas, mas não emsituações seguras. Se não consegue diferenciá-las,corre o risco de sofrer de transtorno do estressepós-traumático. No outro extremo, que é menoscomum, uma pessoa excessivamente antenadatalvez perca a noção de seu eu verdadeiro: podeperceber que altera seu comportamento para seadaptar a cada contexto. Nesse caso, talvez sejadesejável tornar-se um pouco mais desligada.Pessoas extremamente antenadas com o contextotendem a ter fortes conexões entre o hipocampo eáreas do córtex pré-frontal que controlam asfunções executivas e registram as memórias delongo prazo no neocórtex. Os desligados tendema possuir conexões mais fracas.

Existem poucas pesquisas sobre como fortalecerou enfraquecer essas conexões. As melhores pistasvêm de estudos sobre o transtorno do estressepós-traumático, particularmente a chamadaterapia de exposição, que consiste numaexposição progressivamente mais direta a sinaisespecí cos associados a um trauma, porém numcontexto seguro. Por exemplo: se uma mulher foiassaltada numa rua escura e ca aterrorizadasempre que sai de casa, o terapeuta talvez lheensine, em primeiro lugar, um exercício derespiração que ela poderá usar para se mantercalma diante de sinais que geram ansiedade. Aseguir, pedirá à paciente que imagine a rua emque foi assaltada. Quando ela conseguir fazer isso,o terapeuta talvez a leve até o bairro, e depois atéa própria rua, sempre acompanhada de maisalguém que ela conheça e em plena luz do dia.Presumindo que o local seja seguro durante o dia,essa terapia ajudará a vítima a distinguir entre o

contexto do dia e o da noite. A terapia deexposição tem o objetivo essencial de ajudar ospacientes a processar implicitamente a segurançado contexto atual em contraste com o perigo docontexto traumático.

Com base no êxito da terapia de exposição,podemos supor que uma estratégia geral paramelhorar a Sensibilidade ao Contexto é noshabituarmos gradualmente aos sinais que nosdeixam ansiosos ou irritados:

1. Para relaxar com mais facilidade, comece com

uma técnica de respiração simples dahataioga. Com os olhos fechados, presteatenção na respiração, exatamente como sefaz na meditação da consciência plena:contando a duração de cada inspiração eexpiração.

2. Depois de ter contado durante váriasrespirações, aumente a duração de seu ciclo

respiratório, para que dure um segundo amais. Continue a aumentar a duraçãoenquanto se sentir confortável e entãomantenha essas respirações prolongadas porcinco minutos.

3. Observe se a inspiração e a expiração têm amesma duração. Se uma delas for mais longa,tente prolongar a outra, para que durem omesmo tempo. Prossiga por cinco minutos eentão abra os olhos.

Quando se sentir confortável com esse exercício

respiratório, passe para o treinamento docontexto. Vou usar o exemplo de um chefe quelhe causa tanta ansiedade que você começa a suarsó de pensar nele, e essa ansiedade se re ete emsua vida familiar. O mesmo princípio devefuncionar com qualquer outra fonte de ansiedadeou medo:

1. Faça uma lista dos sinais e comportamentosespecí cos do seu chefe que o incomodam.Ele talvez goste de passar perto da sua mesadurante o dia. Talvez que reparando se vocêsai mais cedo. Pode ser que ele desaprove osrelatórios ou outros informes que você lheentrega. Tente ser o mais especí co, vívido edetalhado possível.

2. A seguir, num contexto seguro, como em suacasa durante o m de semana, invoque, deforma calma e gradual, imagens mentaisassociadas ao seu chefe. Imagine exatamente oaspecto de seu chefe observando você ao naldo dia. Visualize seu rosto enquanto ele lê oseu trabalho.

3. Simultaneamente, faça o exercício derespiração. Prossiga até se sentir confortável erelaxado, apesar de imaginar a cara irritada deseu chefe e o hábito que ele tem de passarperto da sua mesa. Pratique esse exercício por

15 minutos. Você provavelmente sentirá algum benefício

após praticar essa técnica durante quatro sessões.Melhorando sua capacidade de distinguir entre ocontexto do trabalho e o de casa, esse exercíciodeverá ajudá-lo a distinguir também outroscontextos e, assim, a ter respostas emocionais maisapropriadas para cada um deles. Embora nãoexistam estudos que comparem a atividadecerebral antes e após o treinamento, o fato de aterapia de exposição ajudar pacientes comtranstorno do estresse pós-traumático sugere queela funciona por fortalecer as conexões entre ohipocampo, o córtex pré-frontal e outras áreas doneocórtex.

Não foram feitas pesquisas explicitamentefocadas em fazer com que as pessoas passem parao lado desligado da Sensibilidade ao Contextonem claramente dirigidas ao estudo das maneiras

de enfraquecer as conexões do hipocampo com ocórtex pré-frontal e o neocórtex. Porém, se vocêsentir que poderia se bene ciar do fato de ser umpouco mais desligado, deixando de adaptar seucomportamento a cada contexto de uma maneiraexcessivamente forçada, recomendo os exercíciosque cultivam a Autopercepção. Ao se tornar maisconsciente dos seus pensamentos, sentimentos esensações corporais, você conseguirá regularmelhor suas respostas emocionais, de modo queelas não mais serão tão afetadas pelo contextoexterno.

Você também pode ajustar o ambiente para queele se acomode à sua Sensibilidade ao Contexto.Se você não é muito antenado, minimize onúmero de contextos diferentes que frequenta.Vá a reuniões nas quais haja vários conhecidos,em vez de a lugares cheios de desconhecidos.Procure viajar e visitar novos lugares nacompanhia de pessoas próximas. Assim, embora o

ambiente físico seja novo, o ambiente social seráfamiliar e confortável. Se, por outro lado, vocêsentir que está tão antenado que se senteimpelido a ajustar seu comportamento a cadapequena mudança do contexto, a ponto deparecer ngido, tente limitar a gama de contextosem que transita, para minimizar as mudançasdesencadeadas por novas situações. Dessamaneira, você se lembrará de seus hábitosmentais essenciais que se mantêm constantesindependentemente do contexto.

MUDE SEU CÉREBRO TRANSFORMANDO SUAMENTE

Todos os exercícios deste capítulo trabalham amente para modi car o cérebro. As técnicasapresentadas, sejam elas inspiradas em tradiçõescontemplativas milenares, seja em terapiaspsiquiátricas atuais, têm a capacidade de alteraros sistemas neurais que existem na base das seisdimensões do estilo emocional. A decisão demodi car seu estilo em qualquer dessasdimensões deve se basear na introspecçãocuidadosa, que lhe permita saber se seu per lemocional o impede de ser quem você quer ser ede levar a vida que deseja. Para isso,naturalmente você precisará compreender a simesmo, o que não é fácil quando estamostentando discernir a maneira como respondemosàs di culdades emocionais. Espero que osquestionários do Capítulo 3 tenham ajudado.Espero também que você tenha percebido que a

pessoa que você é hoje não precisa ser a mesmaque será amanhã e que cada um de nós podecriar seu estilo emocional. As emoções nosajudam a apreciar os outros e o mundo que noscerca. Elas dão sentido à vida, tornando-agrati cante. Desejo que você oresça em seubem-estar e ajude outras pessoas a fazer o mesmo.

AGRADECIMENTOS

Não passa um dia sem que eu me sintaprofundamente grato pelo grupo extraordináriode pessoas com o qual tive o privilégio detrabalhar no meu laboratório e nos projetos emque atuei com outros pesquisadores. Este livro é oresultado de 35 anos de pesquisa. Durante minhapós-graduação em Harvard, três dos meusmentores, Gary Schwartz, Jerome Kagan e DavidMcClelland, tiveram um papel fundamental aome ensinar a psicologia do modo como eracompreendida naqueles dias, inspirando-me afazer o que faço hoje. Por isso devo muito a eles.O que aprendi naquela época estabeleceu as basessólidas do meu trabalho mais recente, mas boaparte do que faço hoje como cientista – tanto os

métodos que uso quanto os conceitos que meguiam – simplesmente não estava disponívelquando eu era estudante. Meu trabalho é de fatoo produto de um exército dedicado de jovensestudantes de pós-graduação, pós-doutorandos ecientistas aos quais sou agradecido. Uma listaexaustiva de antigos alunos, pós-doutorandos ecolaboradores que trabalharam comigo ocupariamuitas páginas.

Na psicologia, existe também um efeito deprimazia das informações recentes, no qual asmais novas são privilegiadas, embora não sejamas mais importantes. Correndo o risco de cometeressa falácia, irei citar alguns dos membrosindispensáveis do meu laboratório, líderes dosprincipais projetos de pesquisa que descrevi nestaspáginas. Os estudos sobre praticantes demeditação experientes descritos nos Capítulos 9 e10 jamais teriam sido feitos sem Antoine Lutz. Elefoi o último estudante de pós-graduação de

Francisco Varela, um grande neurobiólogo e umdos fundadores da neurofenomenologia, além deter sido um dos primeiros defensores daneurociência contemplativa, embora a disciplinaainda não tivesse esse nome nos tempos deFrancisco. Antoine tem trabalhado no meulaboratório desde 2002 e é o principal pro ssionalda minha equipe dedicado ao trabalho com ospraticantes de meditação experientes.

Nossas pesquisas sobre as bases neurais dameditação, a regulação das emoções, os estilosemocionais e a psicopatologia têm sido realizadaspor um grupo incrivelmente talentoso deestudantes de pós-graduação e jovens cientistascom os quais tive a sorte de trabalhar ao longodos anos. São eles: Melissa Rosenkranz, HelenWeng, Heleen Slagter, Kim Dalton, BrendonNacewicz, Andy Tomarken, Daren Jackson,Carien van Reekum, Tom Johnstone, HeatherUrry, Chris Larson, Jack Nitshcke, Tim Salomons,

Je Maxwell, Alex Shackman, Aaron Heller,Drew Fox, Stacey Schaefer, Regina Lapate,Brianna Schuyler, Jamie Hanson, Sharee Light,Jessica Kirkland, Allison Jahn e uma nova leva deestudantes, entre eles David Perlman, DanielLevenson, Joe Wielgosz e Jenny Liu. Nossosestudos dos resultados de pesquisa voltados àaplicação prática realizados no novo Centro deInvestigação de Mentes Saudáveis forampossibilitados por duas excelentes cientistas, LisaFlook e Emma Seppela.

Além desses jovens cientistas, tive a bênção detrabalhar com colaboradores extraordinários,tanto aqui em Madison como no restante domundo. Uma das minhas mais importantesparcerias foi com Paul Ekman, um dos grandespsicólogos das emoções. Paul se interessou pormim e pela minha carreira quando eu tinhaacabado de concluir a pós-graduação, econtinuamos a interagir desde então. A série de

estudos que zemos na década de 1990 ajudou alançar as bases da neurociência afetiva.

Aqui na Universidade de Wisconsin, minhaparceria mais duradoura tem sido com meuexcelente amigo e colega Ned Kalin, psiquiatratalentoso e cientista bastante criativo. Aprendimuito com ele. Carol Ry é a diretora doInstituto do Envelhecimento, com quem trabalheiem estudos sobre o envelhecimento e o bem-estar. Ela tem sido uma defensora eloquente daimportância de aproximarmos a biologia domundo cultural e psicossocial. Bill Busse, doDepartamento de Medicina, é um dos maioresespecialistas mundiais em asma. Jamais teríamoscomeçado a estudar a asma sem seuenvolvimento direto. Marilyn Essex, doDepartamento de Psiquiatria, tem sido uma ótimacolaboradora em nossos estudos sobre aadolescência. Ela reuniu um incrível conjunto dedados a partir de uma coorte que acompanha

desde o nascimento e teve a gentileza de permitirque trouxéssemos essas pessoas ao nossolaboratório quando chegaram à adolescência,para submetê-las a exames de ressonânciamagnética. Atualmente, estamos começando aver os frutos dessa parceria. Hill Goldsmith é umpsicólogo do desenvolvimento que estuda otemperamento infantil. Ele tem sido umimportante colaborador em muitos dos nossosestudos sobre o desenvolvimento neurológico.Marsha Seltzer é a diretora do Centro Waisman,onde ca nosso Laboratório de Imagens Cerebraise o Centro de Investigação de Mentes Saudáveis.O Waisman é um grande centro de pesquisainterdisciplinar que reúne professores de 26departamentos diferentes e promove estudossobre o desenvolvimento. Marsha é uma grandelíder e também uma amiga pessoal muitopróxima. É realmente uma honra e uma alegriaentrar no Centro Waisman todos os dias.

Além de todos os cientistas que tiveram umpapel tão importante na minha carreira, existempro ssionais da área administrativa igualmenteextraordinários no meu laboratório. Façomenção honrosa à incrível dedicação e lealdadede Isa Dolskian, que tem trabalhado comigodurante quase toda a minha carreira emWisconsin. Ela é um ser humano extraordinário,uma trabalhadora muito dedicada e uma pessoaem quem con o profundamente. Isa tornou meutrabalho e minha vida incomparavelmente maisfáceis. Minha assistente administrativa, SusanJensen, vem trabalhando comigo há quase 10anos e é também uma pessoa incrível, que realizaseu trabalho com graça e dedicação. Em 2009abrimos o Centro de Investigação de MentesSaudáveis, no qual realizamos nosso novotrabalho em neurociência contemplativa. Bonnie

orne, Mel Charbonneau e nossa nova diretoraexecutiva, Barb Mathison, são pessoas incríveis

que ajudaram a dar forma a esse sonho,tornando-o realidade. O Conselho Estratégico,presidido por nosso principal doador, Ulco Visser,e que inclui Steve Arnold e Jim Walsh, tem nosdado conselhos fundamentais, muito necessáriosnesta etapa inicial. Nosso Conselho Acadêmico –formado por upden Jinpa (o tradutor de SuaSantidade o Dalai-Lama), David Meyer, daUniversidade de Michigan, e John Dunne, daUniversidade Emory – tem nos dado opiniõesextremamente úteis e nos ajudou a evitar algunserros vergonhosos. John, que é um extraordinárioestudioso do budismo, tem sido um colaboradorfundamental em muitos dos nossos projetos demeditação e traz uma perspectiva dos estudosacadêmicos em neurociência contemplativa que,hoje em dia, vejo não só como um luxo, mastambém como uma verdadeira necessidade paranosso trabalho.

Algumas tradições contemplativas possuem o

conceito de sangha, que denota uma“comunidade” de pessoas com pensamento esentimentos semelhantes. Tive a bênção detrabalhar com um sangha extenso, sobretudograças ao incrível trabalho do Instituto Mente eVida, uma organização sem ns lucrativos daqual sou membro do Conselho de Diretores ecuja missão é promover um diálogo entre aciência ocidental e as tradições contemplativas,particularmente o budismo. Meu trabalho comessa organização foi parte da razão para o contatofrequente que tenho com dois amigos próximos,Dan Goleman e Jon Kabat-Zinn. ConheciMatthieu Ricard por intermédio do InstitutoMente e Vida, e ele se tornou um amigoextremamente próximo, sendo também umprofessor para mim. Adam Engle, o fundador epresidente do Conselho do Instituto Mente eVida, é um amigo próximo há décadas edesempenhou um papel muito importante no

desenvolvimento da neurociência contemplativa.Como descrevo neste livro, minha prática

pessoal de meditação tem sido uma parteimportante da minha vida há mais de 35 anos.Muitas pessoas ajudaram a alimentar esse ladoem mim, a começar por meu primeiro instrutor,Goenka, em 1974. Desde então, tive muitosoutros professores in uentes, como JosephGoldstein, Jack Korn eld, Sharon Salzberg,Mingyur Rinpoche e Sua Santidade o Dalai-Lama.O supremo sacerdote teve uma in uênciamonumental na minha vida, algo que eu jamaisteria imaginado. Meu primeiro encontro com elefoi em 1992, e tive a honra e o privilégio de vê-loem várias ocasiões desde então, todos os anos.Ele me inspira de muitas maneiras e me ajudou aconcentrar boa parte do meu trabalho atual nasqualidades saudáveis da mente.

Minha pesquisa não teria sido possível sem oapoio generoso de muitas agências. A

Universidade de Wisconsin em Madison temfuncionado como um lar para o meu trabalhodesde que me mudei para cá, em 1985. Minhafamília e eu passamos a amar a cidade. OsInstitutos Nacionais de Saúde têm me dado apoiocontínuo há mais de 30 anos. Boa parte desseapoio vem do Instituto Nacional de SaúdeMental. Mais recentemente, também recebi apoiodo Centro Nacional de Medicina Complementare Alternativa, do Instituto Nacional doEnvelhecimento e do Instituto Nacional de SaúdeInfantil e Desenvolvimento Humano, conhecidohoje como o Instituto Nacional Eunice KennedyShriver para a Saúde da Criança e oDesenvolvimento Humano. Além dessasinstituições, muitas outras fundações privadas meapoiaram ao longo dos anos, entre elas aFundação John D. e Catherine T. MacArthur e oInstituto Fetzer.

Este livro vem sendo produzido há muito

tempo. O primeiro grande estímulo que recebi foidado por minha agente Linda Loewenthal. Elarealmente acreditou em mim e se manteve a meulado o tempo todo, sobretudo quando eu estavatão compenetrado em minhas pesquisas que aideia de escrever um livro parecia intimidante.Linda me ajudou a perceber que uma coautoraseria uma boa maneira de prosseguir, e assim tivea sorte e a honra de entrar em contato comSharon Begley. Linda ajudou a facilitar essaparceria, e sou muito grato a ela por isso e pormuito mais. Caroline Sutton, da Hudson StreetPress, me deu sugestões editoriais extremamenteimportantes, fazendo perguntas perspicazes ediretas que me ajudaram a tornar o texto maisclaro em muitos pontos.

Finalmente, quero agradecer à minha queridafamília. Tenho uma esposa maravilhosa, que levauma vida inspiradora e é um exemplo decompaixão em ação. Ela me ensinou muito e

continua a ensinar a cada dia. Meus lhos,Amelie e Seth, também me acompanharam emmuitas partes dessa jornada e me ensinaramcoisas incríveis. Sou profundamente grato por seuamor e apoio. Finalmente, minha mãe, que temsido uma maravilhosa defensora do meu trabalho.Obrigado, mãe, por tudo o que você fez parapermitir que eu seja quem sou hoje.

Se este livro ajudar você a se tornar um poucomais ciente do seu estilo emocional, ele terácumprido seu propósito. Dessa consciência podesurgir a intenção de se transformar, se é o quevocê deseja. Que você, leitor, se bene cie dequaisquer novas percepções que possa obter comeste livro e floresça em seu bem-estar.

Richard Davidson

Madison, Wisconsin, 26 de junho de 2011.

NOTAS

INTRODUÇÃO

1. R. J. Davidson, “A ective Style, Psychopathology, andResilience: Brain Mechanisms and Plasticity”, AmericanPsychologist 55 (2000): pp. 1.196-1.214; R. J. Davidson,“A ective Neuroscience and Psychophysiology: Toward aSynthesis”, Psychophysiology 40 (2003): pp. 655-665.

2. Ver

www.investigatinghealthyminds.org.

3. P. Ekman e R. J. Davidson (orgs.), e Nature ofEmotion: Fundamental Questions (Nova York: OxfordUniversity Press, 1994).

4. R. J. Davidson, “A ective Style and A ective Disorders:Perspectives from A ective Neuroscience”, Cognition andEmotion 12 (1998): pp. 307-330.

CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 3

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CAPÍTULO 4

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20. Lutz et al., “Mental Training Enhances AttentionalStability”.

21. Ibid.

CAPÍTULO 5

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2. L. ompson, J. Kemp, P. Wilson, R. Pritchett, H.Minnis, L. Toms-Whittle, C. Puckering, J. Law e C.Gillberg, “What Have Birth Cohort Studies Asked AboutGenetic, Pre- and Perinatal Exposures and Child andAdolescent Onset Mental Health Outcomes? A SystematicReview”, European Child and Adolescent Psychiatry 19(2010): pp. 1-15.

3. C. A. Van Hulle, K. S. Lemery e H. H. Goldsmith,“Wisconsin Twin Panel”, Twin Research 5 (2002): pp. 502-505.

4. K. L. Kopnisky, W. M. Cowan e S. E. Hyman, “Levels ofAnalysis in Psychiatric Research”, Development and

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5. J. Kagan, J. S. Reznick e J. Gibbons, “Inhibited andUninhibited Types of Children”, Child Development 60(1989): pp. 838-845.

6. C. E. Schwartz, C. I. Wright, L. M. Shin, J. Kagan e S. L.Rauch, “Inhibited and Uninhibited Infants ‘Grown Up’:Adult Amygdalar Response to Novelty”, Science 300(2003): pp. 1.952-1.953.

7. A. Caspi, J. McClay, T. E. Mo tt, J. Mill, J. Martin, I.W. Craig, A. Taylor e R. Poulton, “Role of Genotype in theCycle of Violence in Maltreated Children”, Science 297(2002): pp. 851-854.

8. A. Caspi, K. Sugden, T. E. Mo tt, A. Taylor, I. W.Craig, H. Harrington, J. McClay et al., “In uence of LifeStress on Depression: Moderation by a Polymorphism inthe 5-HTT Gene”, Science 301 (2003): pp. 386-389. Mas esteé um achado controverso e vários estudos foram incapazesde replicá-lo, inclusive grandes meta-análises. Para umarevisão sobre os dois lados do debate, veja: M. R. Munafo,C. Durrant, G. Lewis e J. Flint, “Gene X EnvironmentInteractions at the Serotonin Transporter Locus”, BiologicalPsychiatry 65 (2009): pp. 211-219; N. Risch, R. Herrell, T.

Lehner, K. Y. Liang, L. Eaves, J. Hoh, A. Griem, M. Kovacs,J. Ott e K. R. Merikangas, “Interaction Between theSerotonin Transporter Gene (5-HTTLPR), Stressful LifeEvents, and Risk of Depression: A Meta-Analysis”, JAMA301 (2009): pp. 2.462-2.471; A. Caspi, A. R. Hariri, A.Holmes, R. Uher e T. E. Moitt, “Genetic Sensitivity to theEnvironment: e Case of the Serotonin Transporter Geneand Its Implications for Studying Complex Diseases andTraits”, American Journal of Psychiatry 167 (2010): pp. 509-527.

9. M. J. Meaney, S. Bhatnagar, S. Larocque, C.McCormick, N. Shanks, S. Sharma, J. Smythe, V. Viau e P.M. Plotsky, “Individual Di erences in the Hypothalamic-Pituitary-Adrenal Stress Response and the HypothalamicCRF System”, Annals of the New York Academy of Sciences697 (1993): pp. 70-85.

10. T. Y. Zhang e M. J. Meaney, “Epigenetics and theEnvironmental Regulation of the Genome and ItsFunction”, Annual Review of Psychology 61 (2010): pp.439-466.

11. I. C. Weaver, N. Cervoni, F. A. Champagne, A. C.D’Alessio, S. Sharma, J. R. Seckl, S. Dymov, M. Szyf e M. J.Meaney, “Epigenetic Programming by Maternal Behavior”,

Nature Neuroscience 7 (2004): pp. 847-854.

12. P. O. McGowan, A. Sasaki, A. C. D’Alessio, S.Dymov, B. Labonte, M. Szyf, G. Turecki e M. J. Meaney,“Epigenetic Regulation of the Glucocorticoid Receptor inHuman Brain Associates with Childhood Abuse”, NatureNeuroscience 12 (2009): pp. 342-348.

13. M. F. Fraga, E. Ballestar, M. F. Paz, S. Ropero, F.Setien, M. L. Ballestar, D. Heine-Suner et al., “EpigeneticDiferences Arise During the Lifetime of MonozygoticTwins”, Proceedings of the National Academy of Sciences102 (2005): pp. 10.604-10.609.

14. R. J. Davidson e M. D. Rickman, “BehavioralInhibition and the Emotional Circuitry of the Brain:Stability and Plasticity During the Early Childhood Years”,e m Extreme Fear, Shyness, and Social Phobia: Origins,Biological Mechanisms, and Clinical Outcomes, L. A.Schmidt e J. Schulkin (orgs.) (Nova York: OxfordUniversity Press, 1999), pp. 67-87.

CAPÍTULO 6

1. M. M. Mesulam e J. Perry, “ e Diagnosis of Love-Sickness: Experimental Psychophysiology Without the

Polygraph”, Psychophysiology 9 (1972): pp. 546-551.

2. S. D. Pressman e S. Cohen, “Does Positive A ectIn uence Health?”, Psychological Bulletin 131 (2005): pp.925-971.

3. D. Kahneman, A. B. Krueger, D. A. Schkade, N.Schwarz e A. A. Stone, “A Survey Method forCharacterizing Daily Life Experience: e DayReconstruction Method”, Science 306 (2004): pp. 1.776-1.780.

4. A. Steptoe, J. Wardle e M. Marmot, “Positive Affect andHealth-Related Neuroendocrine, Cardiovascular, andIn ammatory Processes”, Proceedings of the NationalAcademy of Sciences 102 (2005): pp. 6.508-6.512.

5. S. Cohen, W. J. Doyle, R. B. Turner, C. M. Alper e D. P.Skoner, “Emotional Style and Susceptibility to theCommon Cold”, Psychosomatic Medicine 65 (2003): pp.652-657.

6. G. V. Ostir, K. S. Markides, S. A. Black e J. S. Goodwin,“Emotional Well-Being Predicts Subsequent FunctionalIndependence and Survival”, Journal of the AmericanGeriatrics Society 48 (2000): pp. 473-478.

7. G. V. Ostir, K. S. Markides, M. K. Peek e J. S. Goodwin,“ e Association Between Emotional Well-Being and theIncidence of Stroke in Older Adults”, PsychosomaticMedicine 63 (2001): pp. 210-215.

8. Y. Chida e A. Steptoe, “Positive Psychological Well-Being and Mortality: A Quantitative Review of ProspectiveObservational Studies”, Psychosomatic Medicine 70 (2008):pp. 741-756.

9. D. A. Havas, A. M. Glenberg, K. A. Gutowski, M. J.Lucarelli e R. J. Davidson, “Cosmetic Use of BotulinumToxin-A A ects Processing of Emotional Language”,Psychological Science 21 (2010): pp. 895-900.

10. L. Y. Liu, C. L. Coe, C. A. Swenson, E. A. Kelly, H.Kita e W. W. Busse, “School Examinations EnhanceAirway In ammation to Antigen Challenge”, AmericanJournal of Respiratory and Critical Care Medicine 165(2002): pp. 1.062-1.067.

11. M. A. Rosenkranz, W. W. Busse, T. Johnstone, C. A.Swenson, G. M. Crisa , M. M. Jackson, J. A. Bosch, J. F.Sheridan e R. J. Davidson, “Neural Circuitry Underlyingthe Interaction Between Emotion and Asthma SymptomExacerbation”, Proceedings of the National Academy of

Sciences 102 (2005): pp. 13.319-24.000

12. M. A. Rosenkranz e R. J. Davidson, “A ective NeuralCircuitry and Mind-Body In uences in Asthma”,NeuroImage 47 (2009): pp. 972-980.

13. D. H. Kang, R. J. Davidson, C. L. Coe, R. E. Wheeler,A. J. Tomarken e W. B. Ershler, “Frontal Brain Asymmetryand Immune Function”, Behavioral Neuroscience 105(1991): pp. 860-869.

14. R. J. Davidson, C. C. Coe, I. Dolski e B. Donzella,“Individual Di erences in Prefrontal ActivationAsymmetry Predict Natural Killer Cell Activity at Rest andin Response to Challenge”, Brain Behavior and Immunity13 (1999): pp. 93-108.

15. M. A. Rosenkranz, D. C. Jackson, K. M. Dalton, I.Dolski, C. D. Ryf, B. H. Singer, D. Muller, N. H. Kalin e R.J. Davidson, “A ective Style and In Vivo ImmuneResponse: Neurobehavioral Mechanisms”, Proceedings ofthe National Academy of Sciences 100 (2003): pp. 11.148-11.152.

16. K. M. Dalton, N. H. Kalin, T. M. Grist e R. J.Davidson, “Neural-Cardiac Coupling in reat-EvokedAnxiety”, Journal of Cognitive Neuroscience 17 (2005): pp.

969-980.

CAPÍTULO 7

1. P. E. Meehl, “Hedonic Capacity: Some Conjectures”,Bulletin of the Menninger Clinic 39 (1975): pp. 295-307.

2. Ekman et al., “The Duchenne Smile”.

3. R. T. Schultz, D. J. Grelotti, A. Klin, J. Kleinman, C.Van der Gaag, R. Marois e P. Skudlarski, “ e Role of theFusiform Face Area in Social Cognition: Implications forthe Pathobiology of Autism”, Philosophical Transactions ofthe Royal Society B: Biological Sciences 358 (2003): pp. 415-427.

4. Dalton et al., “Gaze Fixation”.

5. C. M. Freitag, W. Staal, S. M. Klauck, E. Duketis e R.Waltes, “Genetics of Autistic Disorders: Review andClinical Implications”, European Child and AdolescentPsychiatry 19 (2010): pp. 169-178.

6. Dalton et al., “Gaze Fixation”.

7. R. J. Davidson, D. Pizzagalli, J. B. Nitschke e K. M.Putnam, “Depression: Perspectives from A ectiveNeuroscience”, Annual Review of Psychology 53 (2002): pp.

545-574.

8. R. J. Davidson, C. E. Schafer e C. Saron, “E ects ofLateralized Presentations of Faces on Self-Reports ofEmotion and EEG Asymmetry in Depressed and Non-Depressed Subjects”, Psychophysiology 22 (1985): pp. 353-364.

9. Heller et al., “Reduced Capacity to Sustain PositiveEmotion”.

10. H. L. Urry, J. B. Nitschke, I. Dolski, D. C. Jackson, K.M. Dalton, C. J. Mueller, M. A. Rosenkranz, C. D. Ryf, B.H. Singer e R. J. Davidson, “Making a Life Worth Living:Neural Correlates of Well-Being”, Psychological Science 15(2004): pp. 367-372.

11. K. S. Dobson, S. D. Hollon, S. Dimidjian, K. B.Schmaling, R. J. Kohlenberg, R. J. Gallop, S. L. Rizvi, J. K.Gollan, D. L. Dunner e N. S. Jacobson, “Randomized Trialof Behavioral Activation, Cognitive erapy, andAntidepressant Medication in the Prevention of Relapseand Recurrence in Major Depression”, Journal ofConsulting and Clinical Psychology 76 (2008): pp. 468-477.

12. G. S. Dichter, J. N. Felder, C. Petty, J. Bizzell, M. Ernste M. J. Smoski, “ e E ects of Psychotherapy on Neural

Responses to Rewards in Major Depression”, BiologicalPsychiatry 66 (2009): pp. 886-897.

13. A. M. Kelly, D. S. Margulies e F. X. Castellanos,“Recent Advances in Structural and Functional BrainImaging Studies of Attention-De cit/HyperactivityDisorder”, Current Psychiatry Reports 9 (2007): pp. 401-407.

14. C. Dockstader, W. Gaetz, D. Cheyne, F. Wang, F. X.Castellanos e R. Tannock, “MEG Event-RelatedDesynchronization and Synchronization De cits DuringBasic Somatosensory Processing in Individuals withADHD”, Behavioral and Brain Functions 4 (2008): p. 8.

15. O. Tucha, L. Tucha, G. Kaumann, S. Konig, K. M.Lange, D. Stasik, Z. Streather, T. Engelschalk e K. W. Lange,“Training of Attention Functions in Children withAttention De cit Hyperactivity Disorder”, AttentionDeficit and Hyperactivity Disorders, May 20, 2011.

CAPÍTULO 8

1. A. Pascual-Leone e F. Torres, “Plasticity of theSensorimotor Cortex Representation of the Reading Fingerin Braille Readers”, Brain 116 (1993): pp. 39-52; A. Pascual-

Leone, A. Cammarota, E. M. Wassermann, J. P. Brasil-Neto, L. G. Cohen e M. Hallett, “Modulation of MotorCortical Outputs to the Reading Hand of Braille Readers”,Annals of Neurology 34 (1993): pp. 33-37.

2. N. Sadato, A. Pascual-Leone, J. Grafman, V. Ibanez, M.P. Deiber, G. Dold e M. Hallett, “Activation of the PrimaryVisual Cortex by Braille Reading in Blind Subjects”, Nature380 (1996): pp. 526-528.

3. L. R. Baxter Jr., J. M. Schwartz, K. S. Bergman, M. P.Szuba, B. H. Guze, J. C. Mazziotta, A. Alazraki et al.,“Caudate Glucose Metabolic Rate Changes with Both Drugand Behavior erapy for Obsessive-CompulsiveDisorder”, Archives of General Psychiatry 49 (1992): pp.681-689.

4. Sharon Begley, Treine a mente, mude o cérebro (Rio deJaneiro: Fontanar, 2008).

5. Ibid.

6. Ibid.

7. Citado em D. H. Lowenstein e J. M. Parent, “Brain,Heal Thyself”, Science 283 (1999): pp. 1.126-1.127.

8. Caroline Fraser, “ e Raid at Silver Spring”, e New

Yorker, 19 de abril de 1993.

9. T. P. Pons, P. E. Garraghty, A. K. Ommaya, J. H. Kaas,E. Taub e M. Mishkin, “Massive Cortical ReorganizationA er Sensory Dea erentation in Adult Macaques”, Science252 (1991): pp. 1.857-1.860.

10. M. M. Merzenich, R. J. Nelson, J. H. Kaas, M. P.Stryker, W. M. Jenkins, J. M. Zook, M. S. Cynader e A.Schoppmann, “Variability in Hand Surface Representationsin Areas 3b and 1 in Adult Owl and Squirrel Monkeys”,Journal of Comparative Neurology 258 (1987): pp. 281-296.

11. R. J. Nudo, G. W. Milliken, W. M. Jenkins e M. M.Merzenich, “Use-Dependent Alterations of MovementRepresentations in Primary Motor Cortex of Adult SquirrelMonkeys”, Journal of Neuroscience 16 (1996): pp. 785-807.

12. D. Bavelier, A. Tomann, C. Hutton, T. Mitchell, D.Corina, G. Liu e H. Neville, “Visual Attention to thePeriphery Is Enhanced in Congenitally Deaf Individuals”,Journal of Neuroscience 20 (2000): pp. 1-6.

13. Sadato et al., “Activation of the Primary VisualCortex”.

14. B. Röder, W. Teder-Sälejärvi, A. Sterr, F. Rösler, S. A.

Hillyard e H. J. Neville, “Improved Auditory SpatialTuning in Blind Humans”, Nature 400 (1999): pp. 162-166.

15. William James, Psychology: e Briefer Course(Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press,1985), p. 17.

16. A. Amedi, N. Raz, P. Pianka, R. Malach e E. Zohary,“Early ‘Visual’ Cortex Activation Correlates with SuperiorVerbal Memory Performance in the Blind”, NatureNeuroscience 6 (2003): pp. 758-766.

17. A. Amedi, A. Floel, S. Knecht, E. Zohary e L. G.Cohen, “Transcranial Magnetic Stimulation of the OccipitalPole Interferes with Verbal Processing in Blind Subjects”,Nature Neuroscience 7 (2004): pp. 1.266-1.270.

18. A. Pascual-Leone e R. Hamilton, “ e MetamodalOrganization of the Brain”, Progress in Brain Research 134(2001): pp. 427-445.

19. Begley, p. 121.

20. E. Taub, G. Uswatte, D. K. King, D. Morris, J. E.Crago e A. Chatterjee, “A Placebo-Controlled Trial ofConstraint-Induced Movement erapy for UpperExtremity After Stroke”, Stroke 37 (2006): p. 104.549.

21. Begley, pp. 124-125.

22. Elbert et al., “Increased Cortical Representation”.

23. Pascual-Leone et al., “ e Plastic Human BrainCortex”.

24. Nyanaponika era, e Heart of BuddhistMeditation: Satipatthna: A Handbook of Mental TrainingBased on the Buddha’s Way of Mindfulness (York Beach:Samuel Weiser, 1973), p. 30.

25. Jefrey M. Schwartz e Sharon Begley, e Mind andthe Brain: Neuroplasticity and the Power of Mental Force(Nova York: Regan Books, 2002).

26. Baxter et al., “Caudate Glucose Metabolic RateChanges”.

27. K. Goldapple, Z. Segal, C. Garson, M. Lau, P. Bieling,S. Kennedy e H. Mayberg, “Modulation of Cortical-LimbicPathways in Major Depression: Treatment-Speci c E ectsof Cognitive Behavior erapy”, Archives of GeneralPsychiatry 61 (2004): pp. 34-41.

CAPÍTULO 9

1. R. J. Davidson, D. J. Goleman e G. E. Schwartz,“Attentional and A ective Concomitants of Meditation: ACross-Sectional Study”, Journal of Abnormal Psychology 85(1976): pp. 235-238.

CAPÍTULO 10

1. Slagter et al., “Mental Training A ects Distribution ofLimited Brain Resources”; H. A. Slagter, A. Lutz, L. L.Greischar, S. Nieuwenhuis e R. J. Davidson, “ eta PhaseSynchrony and Conscious Target Perception: Impact ofIntensive Mental Training”, Journal of CognitiveNeuroscience 21 (2009): p. 153649; Lutz et al., “MentalTraining Enhances Attentional Stability”.

2. C. E. Kerr, S. R. Jones, Q. Wan, D. L. Pritchett, R. H.Wasserman, A. Wexler, J. J. Villanueva et al., “E ects ofMindfulness Meditation Training on Anticipatory AlphaModulation in Primary Somatosensory Cortex”, BrainResearch Bulletin 85 (2011): pp. 96-103.

3. A. Lutz, L. L. Greischar, N. B. Rawlings, M. Ricard e R.J. Davidson, “Long-Term Meditators Self-Induce High-Amplitude Synchrony During Mental Practice”,Proceedings of the National Academy of Sciences 101

(2004): pp. 16.369-16.373.

4. A. Lutz, J. A. Brefczynski-Lewis, T. Johnstone e R. J.Davidson, “Voluntary Regulation of the Neural Circuitry ofEmotion by Compassion Meditation: E ects of Expertise”,PLoS One 3 (2008): e1897.

5. J. A. Brefczynski-Lewis, A. Lutz, H. S. Schaefer, D. B.Levinson e R. J. Davidson, “Neural Correlates ofAttentional Expertise in Long-Term MeditationPractitioners”, Proceedings of the National Academy ofSciences 104 (2007): pp. 11.483-11.488.

CAPÍTULO 11

1. G. A. Fava e E. Tomba, “Increasing Psychological Well-Being and Resilience by Psychotherapeutic Methods”,Journal of Personality 77 (2009): pp. 1.903-1.934.

2. B. K. Holzel, U. Ott, T. Gard, H. Hempel, M.Weygandt, K. Morgen e D. Vaitl, “Investigation ofMindfulness Meditation Practitioners with Voxel-BasedMo rpho metry” , Social Cognitive and A ectiveNeuroscience 3 (2008): pp. 55-61.

3. Lutz et al., “Mental Training Enhances AttentionalStability”.

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Uma prova do céuDr. Eben Alexander III

Cético, defensor da lógica cientí ca eneurocirurgião há mais de 25 anos, o Dr. Eben

Alexander viu sua vida virar do avesso quandopassou por uma experiência que ele mesmoconsiderava impossível.

Vítima de uma meningite bacteriana grave,cou em coma por sete dias. Enquanto os

médicos tentavam controlar a doença, algoextraordinário aconteceu.

Eben embarcou numa jornada por um mundocompletamente estranho. Sem consciência daprópria identidade, foi mergulhando cada vezmais fundo nessa realidade difusa, ondeconheceu seres celestiais e fez descobertastransformadoras sobre a existência da vida após amorte e a profunda relação que todos nós temoscom Deus.

Quando os médicos já pensavam em suspenderseu tratamento, o inesperado aconteceu: seusolhos se abriram. Ele estava de volta. Mas nuncamais seria o mesmo.

Aquela experiência o levou a questionar tudo

em que acreditava até então. A nal, comoneurocirurgião, ele sabia que o que vivenciou nãopoderia ter sido uma mera fantasia produzida porseu cérebro, que estava praticamente destruído.

Analisando as evidências à luz dosconhecimentos cientí cos, o Dr. Eben decidiucompartilhar essa incrível história para mostrarque ciência e espiritualidade podem – e devem –andar juntas.

Narrado com o fascínio de um paciente quevisitou o outro lado e com a objetividade de ummédico que tenta comprovar a veracidade de suaexperiência, este é um livro emocionante sobre acura física e espiritual e a vida que se esconde nasdiversas dimensões do Universo.

Aumente o poder do seu cérebroJohn J. Medina

Se você quer melhorar sua qualidade de vida eseu desempenho no trabalho, nos estudos e deforma geral, a ciência recomenda: saiba um poucomais sobre o cérebro. Não é nada tãocomplicado. Esse livro e o divertido DVD que o

acompanha apresentam 12 regras simples sobre ofuncionamento da mente que vão ajudar você aaprimorar de forma signi cativa sua capacidadecognitiva.

Você sabia que os exercícios físicos bene ciam océrebro? Ou que o sono e o estresse têm umgrande efeito sobre ele? E que, ao contrário doque se diz, fazer várias coisas ao mesmo temponão dá certo? Já se descobriu também quepodemos melhorar a memória em qualquer idadee que há mesmo diferenças entre o cérebro dohomem e o da mulher.

Nesse livro, o biólogo molecular John Medinafornece sugestões de como usar essesconhecimentos no dia a dia com o máximo desimplicidade e e ciência. Aplicando o que elechama de as Regras do Cérebro, você descobriráo que evitar e o que fazer para se sair muito bemnos mais variados tipos de atividades.

Muitos dos nossos hábitos contrariam essas

regras. Dirigimos e falamos ao celular ao mesmotempo, criamos ambientes de trabalhoestressantes e adotamos métodos de aprendizadoimprodutivos. Com um estilo leve e bem-humorado, o Dr. Medina ilustra os 12 conceitoscom alguns dos casos mais fascinantes jáestudados pela neurociência.

Mantenha o seu cérebro vivoLawrence Katz e Manning Rubin

Esse livro apresenta a Neuróbica, umextraordinário programa de exercícios paramelhorar a capacidade cerebral baseado nasúltimas pesquisas da neurociência.

Diferente de jogos para a memória, quebra-

cabeças e palavras cruzadas, a Neuróbica usacombinações surpreendentes dos cinco sentidos ebaseia-se em atividades simples e divertidas quepodem ser realizadas a qualquer hora – aoacordar, a caminho do trabalho, no jantar com afamília e assim por diante.

A Neuróbica é um extraordinário programa deexercícios para o cérebro, baseado nas últimaspesquisas da neurociência. Não se trata deacrescentar novas atividades à sua rotina, mas defazer de forma diferente o que você realizadiariamente. Esses exercícios ajudam a estimular aprodução de nutrientes que desenvolvem ascélulas do cérebro, tornando-o mais jovem eforte, e podem ser realizados em qualquer lugar, aqualquer hora.

O resultado é uma mente mais sadia e capaz deenfrentar qualquer desa o, seja lembrar umnome, aprender um novo programa decomputador ou permanecer criativo no trabalho e

em todos os setores de sua vida.

Deixe seu cérebro em formaCorinne L. Gediman e Francis M. Crinella

Baseado nos resultados de avançadas pesquisas,esse livro apresenta uma série de exercíciosdestinados a promover ganhos signi cativos dememória e agilidade mental.

O método consiste na realização de 10 a 15

minutos de atividades diárias que, a cada semana,enfocam uma função cerebral específica.

Esse treinamento aumentará sua capacidade decriar memórias, cultivar a atenção, reter imagense signi cados, lembrar-se de nomes, fatos,números, datas e lugares, além de estimular oshemisférios direito e esquerdo do cérebro.

Enquanto realiza exercícios divertidos edesafiadores, você estará estimulando a memória,processando as informações com mais rapidez eprevenindo-se de problemas associados aoenvelhecimento.

Deixe seu cérebro em forma também permiteque você avalie seu progresso e apresenta dicas eum plano de ação para ajudá-lo a adotar umestilo de vida saudável.

Mitos da saúdeNancy L. Snyderman

A cada dia, uma nova pesquisa é divulgada naárea da saúde, mudando tudo o que sabíamos arespeito de determinado assunto. Diante detantas informações con itantes, é fácil nossentirmos completamente perdidos. Em quais

fontes podemos con ar? Que estilo de vidaadotar? Como devemos nos dirigir ao médico ede quais exames realmente necessitamos?

Além de termos dúvidas sobre esses temasamplos, somos bombardeados diariamente por e-mails alarmistas que transformam em vilões atéos alimentos e produtos mais básicos. Beber águagelada após as refeições causa câncer? Devemostomar oito copos de água por dia ou o exagero fazmal? Os ovos elevam mesmo o colesterol?Desodorantes antitranspirantes aumentam o riscode câncer de mama?

Foi pensando em sanar todas essas dúvidas quea Dra. Nancy L. Snyderman escreveu Mitos dasaúde, reunindo conselhos cienti camentecomprovados que nos ensinam a ter uma vidamais saudável e feliz. Médica e cientistaexperiente, ela coletou dados con áveis eatualizados para nos oferecer um guia completode prevenção de doenças e cuidados com a saúde

em geral.A Dra. Nancy aborda os principais mitos da

medicina em capítulos informativos, numalinguagem acessível, apresentando todos os fatosque precisamos conhecer para chegar a uma idadeavançada esbanjando vigor.

Essa é uma leitura indispensável para quemquer se manter bem informado sobre asnovidades na área médica e cuidar melhor de simesmo e da saúde da família.

O código da personalidadeTravis Bradberry

Você já se perguntou por que é introvertido outem di culdade em interagir com colegas detrabalho? Quer entender por que se dá tão bemcom algumas pessoas, mas vive se desentendendocom outras? Fica imaginando por que, mesmo

com toda a sua iniciativa, não consegue serpromovido?

Nesse livro, Travis Bradberry, especialista noestudo das características comportamentais,explica a in uência dos traços de personalidadesobre o que fazemos no cotidiano e garante: comonão é possível mudar seu per l, conhecer a simesmo e tirar proveito de suas qualidades é aúnica maneira de usá-lo a seu favor.

Bradberry constatou que as pessoas queconhecem seus pontos fortes e fracos têm maiorprobabilidade de aproveitar as oportunidades, serelacionar melhor com os outros, encontrarsatisfação no trabalho e atingir os resultadosdesejados.

Com base em um estudo realizado com 500 milpessoas no mundo inteiro, Bradberry criou ummodelo de fácil consulta aos 14 tipos depersonalidade, além de um teste na internet, paraque você descubra em que per l se encaixa.

Assim você terá informações valiosas sobre seustalentos e suas di culdades e os tipos de pessoascom que tem mais sinergia.

O código da personalidade vai ajudar você adecifrar seu marido ou sua mulher, seus amigos efamiliares, bem como seu chefe e os colegas detrabalho, e mostrará como lidar com eles deacordo com as características de cada um.

Fique de bem com seu cérebroSuzana Herculano-Houzel

Esse livro foi escrito para quem deseja alcançar obem-estar e torná-lo algo cada vez mais intenso efrequente em sua vida. Uma das mais renomadasneurocientistas brasileiras, Suzana Herculano-Houzel mostra o melhor caminho para a

conquista desse objetivo: car de bem com opróprio cérebro, isto é, cuidar para que elefuncione da melhor maneira possível − sempre.

Aqui você conhecerá uma série de descobertasrecentes da neurociência e saberá de que modoelas podem ajudar você a manter o cérebrosaudável. Com um texto claro e cativante, aautora apresenta uma abordagem prática desseassunto, com dicas que estimularão você aarregaçar as mangas e se dedicar a obter mais paze felicidade no dia a dia.

Um dos passos fundamentais é cultivarelementos importantes, como a sensação decontrole sobre a própria vida, a capacidade deexpressar desejos e opiniões, a interação social, osentimento de ter um propósito na vida e amanifestação da tristeza nas horas certas.

CONHEÇA OS CLÁSSICOS DA EDITORASEXTANTE

1.000 lugares para conhecer antes de morrer, dePatricia SchultzA História – A Bíblia contada como uma sóhistória do começo ao fim,de The Zondervan CorporationA última grande lição, de Mitch AlbomConversando com os espíritos e Espíritos entre nós,de James Van PraaghDesvendando os segredos da linguagem corporal ePor que os homens fazem sexo e as mulheres fazemamor?, de Allan e Barbara PeaseEnquanto o amor não vem, de Iyanla VanzantFaça o que tem de ser feito, de Bob NelsonFora de série – Outliers, de Malcolm GladwellJesus, o maior psicólogo que já existiu, de Mark

W. BakerMantenha o seu cérebro vivo, de Laurence Katz eManning RubinMil dias em Veneza, de Marlena de BlasiMuitas vidas, muitos mestres, de Brian WeissNão tenha medo de ser chefe, de Bruce TulganNunca desista de seus sonhos e Pais brilhantes,professores fascinantes,de Augusto CuryO monge e o executivo, de James C. HunterO Poder do Agora, de Eckhart TolleO que toda mulher inteligente deve saber, deSteven Carter e Julia SokolOs segredos da mente milionária, de T. Harv EkerPor que os homens amam as mulheres poderosas?,de Sherry ArgovSalomão, o homem mais rico que já existiu , deSteven K. Scott

Transformando suor em ouro, de Bernardinho

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