O Falar Paulistano
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A língua não é indivisível, ela pode ser considerada um conjunto de
dialetos. Não nos referimos aos inúmeros idiomas que existem e podem ser
encontrados em um mesmo país, o que iremos abordar é a variação
lingüística existente em um único idioma, no caso, o português falado no
Brasil, mais especificamente a língua portuguesa falada em diferentes bairros
da cidade de São Paulo, que ganhou inclusive uma denominação para
designar a linguagem típica do paulistano: o paulistanês, que consiste na
diversidade de vocabulários, gírias e entonações que existem na cidade de
São Paulo.
Primeiro é preciso entender que a cidade de São Paulo, a maior do
Brasil, recebeu e ainda recebe centenas de pessoas por dia, vindas de
diferentes regiões do Brasil e do mundo. A cidade já foi adotada por
imigrantes italianos, japoneses, chineses, sírios, portugueses, libaneses,
coreanos, espanhóis e recentemente por africanos e bolivianos, e também por
migrantes brasileiros, principalmente das regiões norte, nordeste e cidades do
interior paulista. Todos estes dados contribuíram na construção da
diversidade lingüística existente na cidade de São Paulo.
Alguns bairros ficaram conhecidos por abrigar grupos específicos de
imigrantes e migrantes, como os bairros italianos da Móoca e do Bixiga, o
japonês-chinês da Liberdade, o sírio-libanês da Luz, os coreanos do Brás e do
Bom Retiro, o português da Chácara Santo Antônio, o boliviano do Pari, o
africano do centro, principalmente nas regiões da Praça da República e
Avenida São João e o nordestino de São Miguel Paulista.
Um outro bairro que também possui uma linguagem própria, é o
Heliópolis, conhecido por abrigar a maior favela da cidade em relação ao
número de moradores, porém, diferente dos bairros ocupados por imigrantes
estrangeiros e seus descendentes, o que encontramos em bairros como o
Heliópolis e Capão Redondo, são dialetos identificados e discriminados por
estarem associados as pessoas de nível social abaixo da média brasileira . A
discriminação do dialeto das classes populares é geralmente baseada no
conceito de que essa classe por não dominar a norma padrão de prestígio e
usar seus próprios métodos para a realização da linguagem, “corrompem” a
língua com esses “erros” e muitas vezes são rotulados de “linguajar da
malandragem”.
A maneira como cada pessoa fala está associada ao ambiente em que
ela vive e/ou convive, a educação familiar, a cidade em que se nasce e/ou
vive, as escolas frequentadas, as pessoas com quem se relaciona, entre
tantos outros fatores, assim constatamos que a linguagem é formada pouco a
pouco e sofre alterações ao longo do tempo.
Para se determinar a variação lingüística pelo local em que se mora
(bairros) não existe uma análise simplificada. Geralmente as pessoas são
analisadas através de sotaque, gírias, nível socioeconômico e expressões que
utilizam ao se comunicarem e depois são inseridas em determinados grupos.
Faremos agora uma análise de alguns dados utilizados para determinar
a procedência do locutor:
- Sotaque e gírias
Ao analisarmos o sotaque de um imigrante ou um migrante, mesmo
que ele se comunique na língua portuguesa as diferenças fonéticas entre seu
idioma natal e o novo idioma adotado contribuem para a criação do sotaque.
Assim, podemos distinguir um nativo italiano ou um japonês pelos obstáculos
que eles encontram em pronunciar determinados fonemas. Usaremos como
exemplos o italiano nativo que sente dificuldade em pronunciar o som da
letra r dupla ou em início de palavra, pois não existe em italiano o som gutural
do r como pronunciado no Brasil, o r em “rua” neste caso seria pronunciado
pelo r no meio de palavra, como em “caroço”. Um obstáculo lingüístico para
os nipônicos é a inexistência na língua japonesa de sílabas constituídas por
três letras tendo o r no meio da sílaba, como na palavra creme, o cre será
falado de forma pausada e o r sempre será precedido pela letra u, ficando cu-
re-me, mas quando o r estiver sozinho como em carta o u virá depois do r,
assim carta será ca-ru-ta e as letra l e v que também não fazem parte do
alfabeto japonês são substituída pelas letras r e b, mas assim como os
italianos o r, independente de encontrar-se no início da palavra será sempre
pronunciado como um r de morador, pois a letra que corresponde ao r
português é o h, que na língua portuguesa não possui som, então a palavra
livro será pronunciada como ri-bu-ro.
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Já os chineses apesar de trocarem também o r pelo l, eles não
acrescentam a letra u, bermuda então, será pronunciada como belmuda.
Entre os nativos das regiões brasileiras, pode-se distinguir um falante
de outro através do sotaque e das diferentes expressões utilizadas para
denominar algo em comum. Exs.: mandioca no sudeste, aipim no sul e
macaxeira no nordeste, são termos empregados para descrever uma espécie
de raiz comestível; a pronúncia das letras s e r dos moradores do Rio de
Janeiro diferem da pronúncia dos paulistanos.
No texto retirado de um site, foi utilizado expressões típicas para
caricaturar um ato de roubo em diferentes regiões:
Assaltante baiano
Ô meu rei... ( pausa )
Isso é um assalto... ( longa pausa )
Levanta os braços, mas não se avexe não...( outra pausa )
Se num quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado ...
Vai passando a grana, bem devagarinho ( pausa pra pausa )
Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado.
Não esquenta, meu irmãozinho, ( pausa )
Vou deixar teus documentos na encruzilhada .
Assaltante mineiro
Ô sô, prestenção
issé um assarto, uai.
Levantus braço e fica ketin quié mió procê.
Esse trem na minha mão tá chein de bala...
Mió passá logo os trocados que eu num tô bão hoje não.
Vai andando, uai!
Tá esperando o quê, sô?
Assaltante carioca
Aí, perdeu, mermão
Seguiiiinnte, bicho
Tu te fu. Isso é um assalto .
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Passa a grana e levanta os braços rapá .
Não fica de caô que eu te passo o cerol....
Vai andando e se olhar pra trás vira presunto.
Assaltante paulista
Pô, meu ...
Isso é um assalto, meu
Alevanta os braços, meu
Passa a grana logo, meu
Mais rápido, meu, que eu ainda preciso pegar a bilheteria aberta pra
comprar o ingresso do jogo do Corintian, meu.
Pô, se manda, meu.
Assaltante gaúcho
O gurí, ficas atento
Báh, isso é um assalto
Levanta os braços e te aquieta, tchê !
Não tentes nada e cuidado que esse facão corta que é uma barbaridade, tchê.
Passa as pilas prá cá ! E te manda guri, senão o quarenta e quatro fala.
As gírias também são empregadas para analisar grupos dentro da
sociedade, geralmente as gírias estão associadas a classes sociais, tribos e
profissões. Quando se trata do campo profissional a própria denominação
gíria não é bem vista por alguns profissionais, deste modo, advogados e
médicos, não fazem uso de “gírias”, eles possuem “termos”. Pelas gírias
empregadas é possível determinar até a classe social a que uma pessoa
pertence e assim inseri-la em determinado bairro.
No filme “O Invasor”, o personagen Giba, interpretado pelo ator
Alexandre Borges, é um engenheiro rico que reside em um bairro nobre da
cidade de São Paulo e em suas falas o ator reforça o r em tom vibrante, uma
característica da linguagem típica dos paulistanos, enquanto que o ator Paulo
Miklos que interpreta Anísio é um criminoso, morador da periferia de São
Paulo e tem como característica principal em suas falas, a utilização de
inúmeras gírias.
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A classificação da variação linguistica entre bairros está associada
também ao nível socioeconômico, existindo portanto os bairros da periferia, de
classe média e nobres, e o conceito de que seus respectivos correspondentes
lingüísticos são o vulgar, o padrão e o culto.
- O “Mooquês”
Um dos bairros mais utilizados como exemplo de variação lingüística é
o bairro da Móoca, conhecido por ser tipicamente italiano e possuir uma
lingüística própria, o mooquês (uma mistura de calabrês, napolitano e vêneto
com a presença do caipira) foi defendido em um projeto de preservação do
sotaque, criado pelo vereador Juscelino Gadelha (PSDB), que em 2009,
entrou com um pedido no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo (Conpresp).
O sotaque típico dos moradores da Móoca também foi tema de estudo
do lingüista Mauro Dunder, da USP, em "Linguagem, estereótipo e ideologia -
Mapeamento Semântico Lexical dos Falares da Mooca". Segundo ele, o
mooquês é uma variação melódica das frases do português, a tonacidade das
sílabas estão associadas mais ao idioma italiano do que ao português e
algumas expressões registradas em sua pesquisas como “belo” e “ma vá”
são usadas até hoje pelos moradores da Móoca.
Um clássico exemplo da representação do sotaque mooquês foi o
cantor e compositor Adoniram Barbosa. Ele retratava em suas composições a
fala e o cotidiano dos imigrantes italianos residentes em São Paulo.
Tiro ao Álvaro
De tanto levar frechada do teu olhar
Meu peito até parece sabe o quê?
Táubua de tiro ao álvaro
Não tem mais onde furar
Não tem mais
De tanto levar frechada do teu olhar
Meu peito até parece sabe o quê?
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Táubua de tiro ao álvaro
Não tem mais onde furar
Teu olhar mata mais do que bala de carabina
Que veneno e estriquinina
Que peixeira de baiano
Teu olhar mata mais que atropelamento de automóver
Mata mais que bala de revórver
- O Dialeto Paulistano e o Paulistanês
A chegada de imigrantes europeus para trabalharem como mão de
obra nas fazendas do Brasil foi de grande influência na construção de um
novo dialeto. A contribuição foi maior por parte dos italianos, que fixaram-se
em sua maioria no estado de São Paulo, principalmente na capital. No início
do século XX, o italiano e seus dialetos eram tão falados quanto o português
na cidade. A fala dos imigrantes fundiu-se à dos locais (até então dialeto
caipira), dando origem ao dialeto paulistano. Bairros como os
da Mooca e Bixiga, tradicionais por terem recebido muitos imigrantes no
passado, preservam até hoje muito do sotaque típico de São Paulo.
Os imigrantes árabes (sírios e libaneses), espanhóis e portugueses,
também tiveram grande importância no desenvolvimento do falar paulistano.
O Paulistanês é o termo popular utilizado para designar o atual sotaque
dos paulistanos e suas expressões próprias, surgidas da diversidade de
idiomas, gírias e dialetos falados na cidade de São Paulo. São palavras
típicas e servem como base para diferenciar o falante da capital paulista do
falante do interior do estado de São Paulo.
A tabela a seguir mostra alguma dessas expressões e seus significados
ou comparações:
Paulistânes SignificadoMeu Forma de se dirigir a alguém próximo.Mano Amigo, colegaMina Moça, garota, etcDe ponta cabeça O mesmo que de cabeça para baixo
Ôrra meu! Caramba, puxa vida
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Tipo assim Por exemploBalada Programa noturno em bares, danceterias, etc.Ponto Parada de ônibusRachá o bico Rir muitoUé Equivalente ao uai, falado pelos mineiros.Farol SemáforoFacul Abreviatura de faculdadeTrampo Trabalho ou empresa em que se trabalhaBora VamosZica Bagunça, confusãoNumtointendenu Não estou entendendoNum é? Embora expressado como pergunta, é na verdade
uma afirmação
Outro exemplo do paulistanês foi sua utilização na música “As Minas de
Sampa”, da cantora e compositora Rita Lee, para descrever o estilo próprio
das moças paulistanas.
As Mina de Sampa
As mina de Sampa são branquelas que só elas,
pudera!
Praia de paulista é o Ibirapuera.
As mina de Sampa querem grana, um cara bacana,
de poder!
Um jeito americanês de sobreviver.
As mina de Sampa são modernas, eternas dondocas!
Mas pra sambar no pé tem que nascer carioca.
Tem mina de Sampa que é discreta, concreta,
uma lady!
Nas rêivi ela é véri, véri krêizi.
Eu gosto as pampa das mina de Sampa!
As mina de Sampa estão na moda, na roda, no rock,
no enfoque!
É do Paraguai a grife made in Nova Iorque.
As mina de Sampa dizem mortandeila, berinjeila,
apartameintu!
Sotaque do bixiga, nena, cem pur ceintu.
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As mina de Sampa conhecem a Bahia, por fotografia,
que natureza!
Toda menina baiana vive na maior moleza.
As mina de Sampa dão duro no trampo, no banco,
mãos ao alto!
Ou dá ou desce ou desocupa o asfalto.
Eu gosto às pampa das mina de Sampa!
- Rótulos e Preconceito
É importante ressaltar que apesar da coerência de análises e estudos
quanto a variação lingüística entre os bairros, e que neles existem de fato uma
predominância de um certo grupo étnico, religioso ou migratório, há também
um certo mito de que todo morador da Móoca tem sotaque italiano, assim
como todos os moradores de favela encaixam-se na expressão “linguajar da
malandragem” e todos os japoneses e seus descendentes moram na
Liberdade, não devemos generalizar o rótulo que estes bairros possuem em
relação à linguagem.
A tendência natural com o passar do tempo, são os descendentes dos
primeiros imigrantes e migrantes que aportam em São Paulo perderem o
sotaque típico, principalmente pela miscigenação entre raças e a
discriminação que sofrem por parte dos paulistanos. É comum para os
paulistanos simplificar e rotular as pessoas em classes distintas, pela
expressão oral ou pela aparência que possuem, assim qualquer nativo do
norte e nordeste é baiano, coreanos e chineses são japoneses, catarinenses
são gaúchos, goianos são mineiros, etc.
A denominação então, deixa de ser uma análise da variação lingüística
para tornar-se um preconceito linguístico.
Bibliografia:
Livros:
Sociolinguistica: Os níveis de fala, PRETI, Dino – São Paulo: EDUSP,
2003.
Revista:
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Veja São Paulo – artigo: PROJETO Vereador quer tombar sotaque da
Mooca, por Maria Paola de Salvo e Dirceu Alves Jr. - 07/10/2009
Sites:
http://dilsoncatarino.blogspot.com – Texto : Variação Linguistica
http://www.coisasinteressantes.com.br – Texto: Tipos de Assaltantes
http://revistalingua.uol.com.br – artigo: Linguagem, estereótipo e
ideologia - Mapeamento Semântico Lexical dos Falares da Mooca, por Mauro
Dunder
http://letras.terra.com.br/adoniran-barbosa/43970 - Tiro ao Alvaro
http://letras.terra.com.br/rita-lee/82880 - As minas de Sampa
http://www.jornalmercadopaulista.com.br/cultura_jan2006.htm - artigo:
O falar paulistano, por José Luiz Fiorin
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