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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
O FEMINISMO BLOGUEIRO NO BRASIL:
APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS TEÓRICOS EM QUATRO
BLOGS (2014-2016)
Gabriela Luiz Scapini1
Mayara Bacelar Rita2
Resumo: Debates feministas têm ganhado destaque com o desenvolvimento de sites e blogs na
internet. Nossa proposta de trabalho para o 11º Congresso Fazendo Gênero busca investigar as
afiliações teóricas construídas por blogs feministas brasileiros. Na busca por contemplar tais
perspectivas, selecionamos quatro blogs para análise neste trabalho: Coletivo Manas Chicas,
Transfeminismo, Blogueiras Negras, e Feminismo sem Demagogia. A partir desse recorte, coletamos
postagens dos respectivos blogs feitas entre 2014 e 2016, verificando as seguintes questões: o que
eles entendem como feminismo?; quais aproximações e distanciamentos teóricos os blogs apresentam
entre si? Assim, buscamos compreender as abordagens desses blogs, bem como verificar como se dá
a construção da luta feminista a partir da contribuição da militância virtual.
Palavras-chave: Blogs Feministas, Radical Feminismo, Feminismo Interseccional, Transfeminismo,
Feminismo Marxista
Introdução
Os blogs feministas vivenciam um momento de grande repercussão em espaços virtuais no
país, como as redes sociais. São diversos sites do gênero que circulam seus conteúdos na internet e
ampliam o espaço de discussão sobre as pautas feministas, com novas dinâmicas que se impõem para
a análise: por vezes, é por meio desses blogs que mulheres aproximam-se do feminismo e da luta
política a ele associada, o que dá um caráter pedagógico aos blogs no movimento feminista; os blogs
também se constituem em espaços para a construção da subjetividade dessas mulheres, se
apresentando como importantes instâncias de compartilhamento de experiências e discussão sobre
suas vivências; quando lidamos com o feminismo blogueiro, observamos proposições teóricas
distintas, levando a uma série de tensões dentro do próprio movimento feminista.
Em uma breve busca na web, contabilizamos mais de 50 blogs brasileiros autointitulados
feministas. Apesar de todos esses se identificarem como feministas, eles possuem visões distintas
1 Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com formação em
Ciências Sociais pela mesma universidade. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes)
2 Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com formação em
Comunicação Social - Jornalismo pela Pontificada Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
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sobre o feminismo, associando-se a diferentes correntes teóricas do movimento. A partir desta
constatação, optamos por acompanhar blogs identificados com quatro visões distintas de feminismo:
o radical feminismo, o transfeminismo (vinculado à causa LGBT, especialmente à questão
transsexual), o feminismo marxista e o feminismo interseccional (aqui colocado como uma
ramificação do feminismo negro). O principal objetivo do trabalho é debater como esses diferentes
blogs contribuem para a formação do movimento feminista brasileiro. Da mesma forma, vamos
verificar como eles se posicionam sobre temas centrais do feminismo: mundo do trabalho; corpo e
sexualidade; e violência.
Os critérios escolha dos blogs investigados foram o volume de postagens, sua periodicidade
e a repercussão desses blogs junto às leitoras, além da opção por blogs compostos por múltiplos
autores e autoras. Aplicando os critérios acima, foram selecionados quatro blogs para análise:
Coletivo Radical Feminista Manas Chichas (auto-declarado feminismo Radical), Transfeminismo
(auto-declarado LGBT/Transfeminismo), Blogueiras Negras (auto-declarado feminismo
Interseccional) e Feminismo Sem Demagogia (auto-declarado feminismo Marxista). O corpus da
análise é composto pelo conteúdo publicado nos blogs supracitados entre os anos entre 2014 e 2016.
Esse recorte temporal foi estabelecido por constatarmos que no período referido houve um
crescimento exponencial dos blogs feministas e de seu acesso por parte de meninas e mulheres. A
metodologia adotada neste trabalho é quali-quantitativa, associando elementos de análise de conteúdo
e da contabilização e categorização dos posts publicados. Desse modo buscamos abranger tanto o
volume de textos publicados quanto investigar o teor do conteúdo apresentado por esses blogs (Oro,
2001). Assim, buscamos associarmo-nos ao estudo da relação entre o movimento feminista, a internet
e o ciberativismo.
Feminismos que permeiam os blogs analisados
O movimento feminista brasileiro passou por diversas transformações desde seu surgimento.
Uma constante, mesmo frente a cenários diversos, é a preocupação em informar sobre a situação da
mulher no país e no mundo por meio de mecanismos que abrangessem o maior número possível de
leitoras. Nos séculos XIX e XX, diversos jornais e revistas feministas estiveram em circulação, o que
exemplifica como essa luta política buscou mobilizar ferramentas para alcançar pessoas que
pudessem aderir à causa feminina (Pinto, 2003, p. 19).
O primeiro jornal brasileiro escrito por uma mulher com viés feminista de que se tem registro
foi publicado em 1873, de autoria de Senhorinha Motta Diniz. Já nesse período visões antagônicas
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sobre o movimento feminista circulavam no país: de um lado, femininas vinculadas à causa operária
e, de outro, as feministas associadas ao sufrágio eleitoral. Tal tensionamento pode ser encontrado em
panfletos e jornais que circulavam à época. (Pinto, 2003).
Nesse contexto havia dificuldades para a divulgação das ideias feministas, seja pelo alto custo
de impressões do material ou pela sua circulação restrita, chegando a poucos lugares e mulheres, em
especial às mais letradas. Na contemporaneidade é observada uma reinvenção do movimento, através
de novas dinâmicas surgidas principalmente nos anos 2000: o desenvolvimento do gênero enquanto
uma categoria de análise histórica (Scott, 1995), além das transformações do movimento feminista
mostram que ele se encontra ativo (Costa, 2013; Matos, 1996; Miguel; Biroli, 2014). O advento da
internet também permite que diversas mulheres escrevam e leiam sobre o feminismo na web,
possibilitando a criação de espaços de debate e o rompimento das barreiras de espaço-tempo. Espaços
como esses, de ativismo político em ambientes virtuais, constituem o que chamamos de
ciberativismo. Assim, traçamos um paralelo entre o ciberativismo e o feminismo blogueiro que tem
se expandido principalmente desde 2013 no país. Assim, essa nova manifestação do feminismo pode
ser entendida nos termos da cibercultura, considerando o ciberespaço e a Internet 2.0 como locais
privilegiados para o desenvolvimento das lutas políticas contemporâneas (Levy, 1999; Castells,
2013).
A existência de divergências nas bases teóricas do feminismo não é fato recente, podendo ser
percebidas desde a emergência do movimento, entre os séculos XIX e XX (Pinto, 2003) e, na
atualidade, as divergências persistem e são representadas pelas correntes teóricas distintas verificadas
no movimento feminista. Apresentamos a seguir um breve panorama histórico de cada uma das
correntes referenciadas pelos blogs em análise.
Sobre o radical feminismo, é importante frisar que há diversas posições dentro dessa corrente.
Considera-se aqui o radical feminismo com origem em meados dos anos 1970 que rompe com o
feminismo liberal. Firestone (1970) e Millet (1971) lançam mão da teoria do patriarcado: a base de
toda a opressão e desigualdade encontra-se nas relações patriarcais de dominação dos homens sobre
as mulheres. Autoras como Andrea Dowrkin (1974) e Catherine Mackinnon (1979) também
contribuem para essa vertente. As demandas do radical feminismo implicam uma nova ordem social
em que o patriarcado e toda a opressão que dele incorre sobre as mulheres tenha fim. O uso da
categoria “mulheres” é específico nessa visão: parte considerável das autoras não reconhece o uso da
categoria gênero. A mulher é aquela que nasce reconhecida biologicamente como mulher e é
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socializada como tal. Temas como heteronormatividade compulsória, estupro, probidade da
prostituição são recorrentes. (Miguel; Biroli, 2013; Tong, 2013).
Já o transfeminismo possui conexão com o desenvolvimento do movimento LGBT, em
especial com a causa trans (transexualidade e travestilidade). Esse movimento promove uma inter-
relação entre o movimento feminista e a incorporação das demandas de mulheres e homens
transsexuais ou travestis e baseia-se em pensar as experiências dos corpos e identidades para além do
binarismo de gênero. Uma das principais autoras é Judith Butler (1990): quando falamos na dicotomia
homens e mulheres, estamos nos fundamentando no sexismo ao reproduzir as estruturas de poder que
buscamos eliminar.3 O sistema binário de sexo não precisa corresponder ao de gênero, sexo/gênero
não são categorias necessárias nem automáticas. (Miguel; Biroli, 2013).
O feminismo negro trouxe importantes avanços para o movimento feminista, realçando as
dificuldades do feminismo da primeira e segunda onda em relação às demandas das mulheres negras,
que identificaram a ausência de suas particularidades no debate. Enquanto as feministas brancas e de
classe média/alta reivindicavam a inserção da mulher dentro do mercado de trabalho, por exemplo,
as mulheres negras lembravam que as negras e pobres já trabalhavam e suas demandas deveriam ser
inseridas no feminismo. (Davis, 2011). O desenvolvimento o chamado feminismo interseccional
surge unindo o movimento negro e o movimento feminista nos Estados Unidos, especialmente nos
anos 1960 e 1970. As feministas interseccionais apontavam para a opressão de classe, racial e sexual.
Importantes contribuições no período foram dadas por teóricas e militantes como Audre Lorde
(1984), Bell Hooks (1981), Angela Davis (1981), Kimberlé Crenshaw (2012). (Jabardo, 2012; Biroli;
Miguel, 2013).
Por último, elencamos a contribuição do feminismo marxista que tem sua origem desde as
autoras socialistas como as bolcheviques Clara Zekin (1920) e Alexandra Kollontai (1927), entre os
séculos XIX e XX. De forma geral, o marxismo apontava para a opressão de mulheres como um
resultado da opressão de classes, ou seja, quando a opressão de classes fosse substituída pelo
socialismo a opressão das mulheres teria o seu fim. Porém, diversas mulheres vivenciavam
dificuldades no movimento operário, onde elas eram oprimidas por seus companheiros de luta.
Feministas marxistas observaram que a luta de classes era insuficiente para resolver a opressão
3 Embora a autora trabalhe com a concepção de que gênero e sexo sempre foram apreendidos como sendo a
mesma coisa.
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relacionada às mulheres. No Brasil, o trabalho de Heleieth Saffoti (1969) contribuiu para pensar a
condição da mulher a partir de um viés marxista no contexto brasileiro (Pinto, 2003).
Analisando os blogs: principais características
Após a identificação dos quatro blogs aqui analisados, foi coletado material empírico do
período correspondente (2014-2016). Em um primeiro momento investigamos o “Quem sou eu?” de
cada um dos blogs, ou seja, as apresentações voluntárias feitas por cada um nas páginas da internet.
Em seguida iniciamos as análises a partir dos tópicos temáticos (a) violência; (b) mundo do trabalho
e (c) corpo e sexualidade. Por último, destacamos as aproximações e distanciamentos teóricos entre
esses blogs, pensando sobre a contribuição deles para a construção do movimento feminista no país.
“Quem sou eu?”: conhecendo os blogs a partir de suas próprias perspectivas
O primeiro blog analisado foi o Coletivo Radical Feminista Manas Chicas, formado em 2013.
Comparativamente é o blog com menor volume de postagens entre os quatro analisados neste
trabalho: são nove publicações que abortam os eixos do corpo e sexualidade, violência e mundo do
trabalho entre 2014 e 2016. As escritoras são todas mulheres e vinculadas ao radical feminismo,
militam para além do blog e formam um coletivo localizado na cidade de São Paulo. Compactuam
com o lema “o pessoal é político”, tentando romper com a dicotomia público/privado. Afirmam
buscar o combate em diversas esferas de exploração da mulher: “A tarefa, portanto, reside numa nova
forma de analisar a condição das mulheres, desfazendo os mitos de que (a) não somos um
agrupamento definido, (b) enfrentamos “problemas” apenas “pessoais” e (c) tais “problemas” podem
ser resolvidos sem organização ou ação coletivas” (Coletivo Radical Manas Chicas, 2013).
O blog Transfeminismo tem início em meados de 2014. Nasceu como uma crítica à cultura
Pop. Posteriormente as autoras partiram para inclusão de temas sobre transfeminismo, de forma
direta. Apresentam debates sobre “justiça social, questões trans, feminismo
intersecional, transfeminismo, corpo-positividade e cissexismo” (Transfeminismo, 2016). A questão
do corpo é marcante para essas militantes: lutam pelo reconhecimento da identidade de gênero,
apreendida tanto no sentido político como no subjetivo. Destacando a pluralidade e multiplicidades
de identidades, rompem com o binarismo homens/mulheres.
Já o blog Blogueiras Negras surgiu em 2012, especificamente no dia 08 de março, Dia
Internacional da Mulher. São mais de 200 mulheres que atuam nesse blog, composto por diversas
militantes feministas e negras que buscam um espaço de fala sobre a questão da mulher negra e
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também se constituem como coletivo para além do blog. São vinculadas ao combate da opressão de
gênero e raça. O blog é um espaço aberto para diversos temas que afetam as mulheres negras, que
apresentam seus relatos próprios sobre situações de abusos; buscam no empoderamento estético uma
arma contra a opressão. A resistência da mulher negra é marca característica no blog: E eu, negra,
não sou uma mulher? (Bogueiras Negras, 2016).
Já o blog Feminismo sem Demagogia iniciou atividades em meados de 2012. As blogueiras
apresentam uma visão estruturalista, remetendo à necessidade de combater a desigualdade de renda,
de gênero e racial. Operam denúncias fortes ao capitalismo como o sistema hegemônico e gerador de
opressões, ao mesmo tempo em que apontam para a necessidade da “revolução ser feminista”. “Só
os trabalhadores, homens e mulheres, atuando em conjunto num movimento revolucionário poderão
destruir a sociedade de classes e com ela a opressão sobre as mulheres de forma definitiva”.
(Feminismo Sem Demagogia, 2012).
A violência como tópico do ativismo blogueiro
A abordagem sobre a violência contra a mulher ganha diferentes contornos nas abordagens
adotadas por cada um dos blogs analisados. No caso do Coletivo Manas Chicas, de viés feminista
radical, a violência é diretamente ligada à ordem patriarcal que reproduz as desigualdades entre
mulheres e homens. O patriarcado é o foco de denúncia das blogueiras, estando presente nas
diferentes esferas da vida das mulheres – inclusive nos relacionamentos heteronormativos, ou na
atuação do Estado ao regrar o corpo feminino. As políticas públicas são vistas como ações pontuais
e ineficientes para erradicar as desigualdades sexuais: denunciam a implementação de um “vagão
rosa” por metrô na cidade de São Paulo (o projeto de Lei 175/2013) por refletir essa ineficácia do
combate as desigualdades, não chegando a “raiz”. (ColetivoManas Chicas, 2013)
No blog Transfeminismo, o tema de violência a pessoas trans foi recorrente nas postagens,
estando vinculado com o cotidiano das autoras e autores do blog. O Estado também é alvo de críticas
por parte das transfeministas, já que muitas vezes barra ou dificulta o acesso aos direitos das pessoas
trans, como uso do nome social. Abordam a grande dificuldade de obtenção da cirurgia de
redesignação sexual, tema onde é denunciada a patologização da identidade de gênero enquanto
forma de violência. (Transfeminismo, 2014; 2016). Tais processos são geradores de violência física
ou simbólica que afetam as pessoas trans. É criado também um ambiente para discutir sobre formas
de enfrentar essa violência, atentando para as experiências cotidianas das e dos autores do blog.
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No Blogueiras Negras, as autoras apresentam a questão do racismo e machismo como fatores
agravantes da violência contra às mulheres negras. As autoras veem a violência contra as mulheres
como um produto da história, relacionada à condição de gênero, classe, raça/etnia. Apontam que entre
2002 e 2010 houve aumento de 48% nas mortes de mulheres negras em relação às mulheres brancas,
especialmente na região nordeste brasileira, segundo o Mapa da Violência de 2012 (Blogueiras
Negras, 2015). As blogueiras buscam o combate sistemático à violência física e simbólica contra a
mulher, especialmente as negras e pobres. Ressaltam que a violência praticada contra a mulher negra
ocorre desde o período escravocrata e se replica na atualidade mascarada pela dita democracia racial
brasileira.
A abordagem sobre violência contra a mulher no blog Feminismo Sem Demagogia aparece
relacionada à manutenção da ordem capitalista na sociedade e suas formas de organização e de
exploração entre as classes. O Estado burguês é considerado pelas autoras uma das fontes principais
da opressão e exploração das mulheres se encontram na massa trabalhadora. A capacidade
reprodutiva das mulheres é colocada como central para a substituição da força de trabalho (perpetuada
pela cultura do estupro) por isso argumentam que as mulheres são violentadas para a manutenção das
relações capitalistas. (Kollontal, 2016). O blog destaca a violência acometida pelo Estado (polícia) e
as diversas instituições burguesas que oprimem as mulheres, especialmente as negras e trans. Assim
trabalham com os temas de combate a homofobia e ao racismo. Problematizam o empoderamento
feminino para que ele não se restrinja às camadas mais ricas: ele deve chegar às mulheres pobres.
Abordagens sobre corpo e sexualidade
As blogueiras do Coletivo Radical Feminista Manas Chicas apontam a exploração do corpo
e sexualidade da mulher como centrais na ordem patriarcal. Para elas, o corpo das mulheres é
extremamente regrado através de diversos mecanismos: a criminalização do aborto, a
heterossexualidade e a maternidade compulsória são relacionadas como formas de “controlar” e
“subordinar” o corpo feminino. No blog, o “mito” da maternidade reflete a ordem patriarcal e serve
para mantê-la. Defendem a legalização do aborto e do ensino feminista para promover o combate às
opressões. As blogueiras condenam a sociedade patriarcal e suas medidas paliativas para inclusão de
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pessoas “LGB” (aqui elas não usam a sigla LGBT)4. Buscam por uma emancipação rela das mulheres
quanto a sexualidade. (Coletivo Radical Manas Chicas, 2014).
A questão do corpo e da sexualidade é crucial no blog Transfeminismo. Sua centralidade se
dá no contexto da construção da identidade de pessoas trans, que passa pela questão do corpo. O
reconhecimento social de uma pessoa trans é recorrente nas postagens, onde é apontada a dificuldade
do Estado e da sociedade em aceitarem a existência do corpo de uma pessoa trans. Assim, é constante
a abordagem sobre a dificuldade da obtenção do nome social de pessoas trans, bem como as recusas
para o processo de redesignação sexual, que requer laudo médico que indique “transtorno de gênero”
à pessoa que deseje realizar a cirurgia. O próprio termo “transexualidade” é oriundo de uma noção de
patologia psiquiátrica, levando as autoras a reivindicarem a despatologização da transsexualidade.
Também são problematizadas as divergências que se fazem entre travestis e transsexuais e a
necessidade de que as duas concepções não sejam generalizadas, pois muitas travestis consideram-se
como um terceiro gênero, não se identificando, necessariamente, como mulheres. “Vocês NUNCA
saberão se uma pessoa é trans ou travestis apenas pelos estereótipos construídos pelos pré-conceitos.
Não tem nada a ver com aparências, cirurgias, feminilidade… NÃO É NADA DISSO”.
(Transfeminismo, 2016).
Nas Bloguerias Negras, o debate sobre corpo será realizado com a particularidade de uma
abordagem estética da mulher negra. Tal questão é apresentada a partir de relatos de casos de
preconceito enfrentados por mulheres negras sobre suas aparências. O blog debate os elementos que
envolvem a questão do corpo como um artifício para luta contra o racismo e machismo na sociedade.
Assim, temas como cabelo afro são colocados como formas de empoderamento e combate ao racismo.
O blog é o único entre os quatro analisados que publica conteúdo sobre o cuidado com o corpo,
cabelo, etc., tratando a questão como ação prática contra uma estética normativa racista. Espero que
você, preta, encontre no seu reflexo no espelho, uma linda declaração de amor. (MAIAJAN, 2016).
Além disso, falam reiteradamente da hiperssexualização do corpo negro e suas consequências na vida
de mulheres negras. Também apontam para as discriminações que as negras lésbicas, assim como as
trans, passam no cotidiano.
No Feminismo Sem Demagogia, a questão do corpo e sexualidade foi abordada com foco na
manutenção de ideias dominantes que condicionam padrões de beleza excludentes para as mulheres
4 As blogueiras acrescentam o T à sigla ao falar das mortes do segmento populacional LGBT. Nesse ponto,
mostram um reconhecimento frente as particularidades da população trans.
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pobres, negras e trans,lidas socialmente como “fora de um padrão aceitável de feminilidade e beleza”.
As blogueiras relacionam a frase de Karl Marx “As ideias da classe dominante são, em todas as
épocas, as ideias dominantes” com a opressão estética que a classe dominante impõe às mulheres. A
sexualidade também é lida na perspectiva de opressão da classe dominante e das relações capitalistas
que permeiam a vida. As mulheres são lidas socialmente como vulgares, seus corpos e sexualidade
são vendidas no mercado de trabalho. Assim como a “vadia”, a “mulher vulgar” é um mito que a
sociedade inventou como castigo por ela fugir dos padrões.
Mulheres e Trabalho: como os blogs percebem essa relação
O blog Coletivo Radical Manas Chicas apresentou três posts sobre o tema do trabalho. Neles,
as autoras contestam a reforma da previdência social que busca nivelar o tempo de aposentadoria
entre homens e mulheres; elas destacam a dupla e tripla jornada de trabalho nas quais as mulheres
são submetidas, invisibilizadas, conferindo-lhes sérias desvantagens. (Coletivo Radical
ManasChicas, 2013). A temática de trabalho também aparece mobilizada como fator de exploração
na sociedade patriarcal, por meio da sexualidade e capacidade reprodutiva da mulher. A
heteronormatividade compulsória compõe essa faceta exploratória do corpo e sexualidade da mulher
(biológica e socialmente). As blogueiras usam a expressão sexo feminino e não debatem o conceito
de gênero.
No blog Transfeminismo, localizamos 10 postagens sobre o mundo do trabalho. As escritoras
apontam as dificuldades de mulheres e homens transsexuais em conseguirem empregos e como isso
torna-se problemático. As blogueiras reivindicam cotas para que pessoas trans sejam inseridas no
mercado de trabalho e tenham maiores chances de sobrevivência, assim como cotas para facilitar a
entrada desse público nas universidades. É destacada a importância de projetos como a Lei 297/2015
que busca descontar os impostos de empresas no Rio de Janeiros mediante a contratação de pessoas
trans (Transfeminismo, 2015). As blogueiras e blogueiros mostram como na vida cotidiana as pessoas
trans sofrem adversidades e que identidade de gênero não é uma “opção” ou “escolha”, mas que tais
diferenças afetam diretamente suas vidas - cerca de 90% das pessoas trans encontram-se fora do
mercado formal de convencional no país. (BEATRIZ, 2015).
As Blogueiras Negras apresentaram uma série de 16 postagens que debatem o tema de
trabalho da mulher negra e a condição de precariedade – a opressão cotidiana de racismo, pobreza e
sexismo que elas sofrem. O corpo feminino negro é apresentado na sua complexidade: a mulher negra
e gorda que tem dificuldade de obter um emprego; a mulher negra que é discriminada pelo seu cabelo
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no ambiente de trabalho; a mulher trans negra que não consegue adquirir um emprego. As blogueiras
negras buscam também suprir espaços de ausência e invisibilidade da mulher negra através do próprio
blog: são apresentadas mulheres negras de destaque no país e mundo, do passado e da atualidade. “O
racismo apaga, a gente reescreve” (Blogueiras Negras, 2016).
No blog Feminismo sem Demagogia a questão do trabalho se mostra determinante, sendo
trabalhado em nove postagens, de modo inter-relacionado com outras abordagens feitas nesta
pesquisa: a violência, o corpo e sexualidade das mulheres. As autoras do blog destacam a relação de
opressão entre as classes como um motor do capitalismo e um propulsor das desigualdades sociais
que afetam os indivíduos e, em especial, as mulheres. Em seus textos, afirmam almejar romper com
essas relações, buscando combater o machismo e o racismo. Há, por exemplo, o debate sobre a licença
maternidade, em que as blogueiras apontam não ser essa mais do que a obrigação das empresas e
colocam que a dificuldade de algumas em cumprir essas recomendações visam apenas aos seus lucros.
Salientam também a questão da (baixa) qualidade de empregos destinados às mulheres, em especial
às negras.
Considerações finais
A análise aqui empreendida mostra que a temática que apresenta maiores pontos de contato
entre os blogs é a violência contra a mulher, que perpassa o conteúdo produzido em todos eles,
indicando ser uma prioridade da militância que se estabelece na blogosfera brasileira independente
da afiliação teórica proposta. Apesar dessa aproximação, os blogs partilham de visões distintas sobre
as “causas” que geram a violência: as feministas radicais vinculam-na ao patriarcado; já as feministas
marxistas relacionam à ordem capitalista. As blogueiras negras, assim com as transfeministas
percebem uma série de fatores: entre eles o sexismo que permeia a sociedade, o capitalismo que gera
desigualdades e opressões oriundas da discriminação à mulher negra e à mulher transexual.
O tema do corpo e sexualidade, embora apareça numericamente mais vezes no material
analisado, indica menos convergência no posicionamento dos diferentes blogs. Tal tensão é
exemplificada pelas diferentes abordagens de blogs como o Coletivo Radical Manas Chicas,
identificado com o Radical Feminismo, que refuta o uso do termo gênero e muitas vezes não inclui
as mulheres transsexuais em seu conteúdo, e o blog Transfeminismo que, em posição diametralmente
oposta, sai em defesa do corpo e da identidade de gênero de pessoas trans. Nas Blogueiras Negras o
tema do corpo e sexualidade é recorrente, sendo o mais abordado dentre os três verificados. Enquanto
isso, no blog Feminismo Sem Demagogia é o menos abordado dos três, onde a questão do corpo é
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vinculada aos padrões de beleza e sexualidade que servem para manter a ordem capitalista e as
desigualdades. Tanto no Blog do Coletivo Manas Chicas quanto no Blog Transfeminismo o tema do
trabalho aparece em menor escala quando comparados às outras duas temáticas. Em termos
proporcionais, o blog Feminismo Sem Demagogia é o que dá maior espaço ao tema do Trabalho, a
partir de uma perspectiva marxista em que o trabalho aparece como central na manutenção da ordem
capitalista, sendo apoiado pela ideologia burguesa que afeta as mulheres, especialmente as pobres.
Considerando os pontos acima citados, entendemos que a contribuição dos blogs analisados
ao movimento feminista brasileiro tem caráter ambíguo. Por um lado, apresenta ampla diversidade
de abordagens e de conteúdo, o que facilita o acesso das mulheres aos feminismos e ao debate sobre
seus direitos e emancipação. Por outro, a segmentação teórica encontrada nesses blogs indica haver
a inibição de um diálogo profícuo entre eles, gerando fissuras no movimento feminista que impedem
a união em torno de pautas comuns. Percebemos também haver coerência entre as afiliações teóricas
propostas nos blogs e as posições por eles sustentadas. Nossa contribuição tem caráter preliminar e
busca somar à compreensão de um fenômeno recente como o ciberativismo. Salientamos que nossa
ideia não é apontar se a recorrência de temas nos blogs converge com a abordagem de determinada
corrente teórica. Isso seria adotar uma postura determinista sobre o que é cada vertente, postura que
refutamos. Assim, buscamos elucidar quais conteúdos feministas estão na internet e como interagem
com o movimento mais amplo. Frente à renovação de conteúdos vista na internet, acreditamos que
esse objetivo nunca será plenamente atingido, mas ser possível elucidar os caminhos trilhados pelos
novos modos de ativismo.
Referências bibliográficas
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03.maio.2017
CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de
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COLETIVO RADICAL MANAS CHICAS, 2016. Disponível em
<https://manaschicas.wordpress.com/> Acessado em 05.maio.2017
COSTA, Ana Alice Alcantara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção
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The blogger feminism in Brazil: theoretical approximations and distancing in four blogs
(2014-2016)
Abstract: Feminist debates have gained prominence with the development of websites and blogs on
the internet. Our work proposal for the 11th Congresso Fazendo Gênero seeks to investigate the
theoretical affiliations built by Brazilian feminist blogs. In the search to contemplate such
perspectives, we selected four blogs for analysis in this work: Coletivo Manas Chicas,
Transfeminismo, Blogueiras Negras, and Feminismo sem Demagogia. From this clipping, we
collected posts from the respective blogs made between 2014 and 2016, checking the following
questions: what do they understand as feminism?; What approximations and theoretical distances do
blogs have among themselves? Thus, we seek to understand the approaches of these blogs, as well as
verify how the construction of the feminist struggle takes place based on the contribution of virtual
militancy. Keywords: Feminism; gender; Virtual militancy; Blogs; Cyberactivism