O FOGÃO A GÁS COMO SÍMBOLO DE AVANÇO …
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1 Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
O FOGÃO A GÁS COMO SÍMBOLO DE AVANÇO TECNOLÓGICO NA
URBANIZAÇÃO DE SÃO PAULO (1914-1946)
Lucia Helena Soares de Lima*
Introdução
Na cozinha paulistana, a evolução do fogão de artesanato a equipamento tecnológico, está
vinculada á trajetória percorrida pelo próprio espaço da cozinha – um puxado construído na
área externa da casa, identificado como herança indígena, até sua transformação em um
asseado cômodo interno.
Até o início de 1900, os fogões a lenha faziam parte da estrutura dessa cozinha/puxado. Eram
produzidos a partir de pedra, barro ou alvenaria e abastecidos com lenha cortada, facilmente
obtida nos arredores da cidade. A cozinha era escura e tinha uma aparência suja, enegrecida
pela fuligem, com piso de barro batido, muitas vezes lamacento. Abrigava os trabalhos
pesados e sanguinolentos, desde a matança de animais, até o beneficiamento dos víveres
consumidos pela família como: a moagem do milho para o preparo do fubá; da mandioca para
obtenção de farinha; a cocção do caldo de cana até a transformação em melaço ou açúcar
mascavo; o processamento do sal etc. Isto é, nela era realizada toda limpeza, produção, e
estocagem dos alimentos.
Com o desenvolvimento da cultura cafeeira, e o crescimento econômico da província, a
cidade de São Paulo se transformou na metrópole do café. Favorecida com a fixação de
migrantes europeus e de outros estados, e de famílias abastadas de fazendeiros do interior que
movimentavam a economia com seus gastos, contribuindo para o esplendor e a prosperidade
da cidade, e atraindo investidores e produtores estrangeiros. Desde o início de 1911 os fogões
a gás da Société Anonyme du Gaz já eram veiculados em propagandas de revistas femininas
que circulavam em São Paulo, sem muito sucesso. Sua consolidação, como objeto de desejo
da dona de casa e centro de atenção deste modelo emergente de cozinha, está relacionada com
* Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência, PUC-SP. Doutoranda em História da Ciência,
bolsista CAPES. Orientanda da Profa. Dra. Marcia Helena Mendes Ferraz.
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a adoção do novo conceito de higiene alimentar, imposto por políticas públicas da época, e a
implantação de códigos sanitários municipais.
Este artigo, relacionado à nossa tese de doutorado, pretende traçar algumas considerações
sobre a introdução do fogão a gás na cozinha paulistana, através da análise de literatura,
baseada nos livros: Alimentação e Progresso de Dante Costa, Alimentação, vida material e
privacidade de Jaime Rodrigues, Cozinha Modelo de João Luiz Maximo da Silva, Cozinha
etc. de Carlos Lemos, Mal da Fome e não da Raça de Eronildes da Silva Lima, e Morada
paulista de Luís Saia, além de propagandas de fogão veiculadas nas revistas femininas da
época: Revista Feminina, Fon-fon e A Cigarra.
Pudemos observar que, após sucessivos movimentos e campanhas de políticas públicas de
Educação e Higiene Alimentar que combateram, entre 1914 a 1946, o que consideravam maus
hábitos alimentares e falta de higiene dos habitantes, o fogão a gás foi apresentado como
solução imediata para os problemas alimentares e urbanos da população, o que resultou na
reconfiguração da cozinha no espaço doméstico. Esta adoção foi aproveitada pela indústria
europeia, que buscava a criação de novos mercados de consumo, alavancando a venda de
fogão a gás, e do combustível na cidade de São Paulo. A expansão do consumo verificada no
decorrer desse período, favorecida pela publicidade, também concorre para o abandono de
antigas formas de cozinhar e a perda de muitas das práticas alimentares tradicionais paulistas.
A racionalização do trabalho doméstico e a transformação do espaço da cozinha
Nossas pesquisas apontam para os Estados Unidos como o país onde surgiram as primeiras
preocupações com a racionalização do trabalho doméstico, a partir do problema gerado com a
libertação dos escravos, na segunda metade do séc. XIX. A organização do espaço e das
atividades domésticas tornou-se tema de debate das mulheres americanas, impulsionado pelas
publicações de Catharine Esther Beecher. Para Beecher, o trabalho doméstico não deveria ser
tratado como um problema isolado, mas parte da questão que envolvia a condição da mulher
como um todo. O movimento feminista que liderava, objetivava conseguir a racionalização do
serviço doméstico, considerando a responsabilidade e o comprometimento da dona-de-casa
com os afazeres do lar como base da desigualdade sexual, social e política das mulheres,
contrariando os princípios das instituições democráticas. Beecher também estava preocupada
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com o espaço: as distâncias entre os postos de trabalho de uma casa, especialmente da
cozinha, a quantidade de movimentos empreendidos, e o consequente desperdício de tempo,
tendo chegado a desenhar alguns modelos de como deveria ser esta cozinha. Dessa forma, o
planejamento e a organização do processo de trabalho doméstico na América do Norte, foram
empreendidos por engenheiros, a partir de 1869, antes do aparecimento das primeiras
máquinas. (GIEDION, 1948: 519-527).
A Europa também contribuiu com uma cozinha de referência inspirando a concepção do
modelo de cozinha paulista ideal, a partir de 1930. Lá, o processo de racionalização do espaço
doméstico teve origem no movimento arquitetônico, a partir de 1927. O ponto de partida é
atribuído à cozinha em forma de “L” com foco na funcionalidade, construída para a casa
experimental Das Haus em Horn, em 1923, durante a exposição no Bauhaus, em Weimar, que
reuniu trabalhos de professores e alunos inspirados no tema denominado habitação mínima.
Em 1926, a equipe do arquiteto Ernst May idealizou a Cozinha de Frankfurt, constituída de
um espaço reduzido, munido com equipamentos padronizados que estavam integrados a uma
superfície continua de trabalho. Após o fim da primeira guerra mundial, predominou a
preocupação com o desenvolvimento de um novo tipo de habitação, em que a racionalização
do trabalho estava a serviço dessa nova forma de morar. Portanto, nem a gestão cientifica,
nem a indústria foi agente da transformação europeia, mas o próprio arquiteto motivado pela
questão do espaço urbano. (GIEDION, 1948: 528-529; SILVA, 2007: 197).
No Brasil, em 1918, um artigo da Revista Feminina (figura 1) já chamava a atenção para a
existência de uma cozinha moderna, modelar para atender com eficácia, e à altura das
exigências, as famílias abastadas, pois, não se dirigia às famílias de hábitos excessivamente
frugais, como alertava no início do texto. Essa era uma cozinha onde tudo deveria ser
rigorosamente asseado, esfregado e polido, organizada com um lugar apropriado para
acomodar cada coisa; com dois fogões: um comum (de ferro e a carvão), econômico, e outro
elétrico ou a gás; ao lado do fogão, a utilização de uma mesa auxiliar coberta de zinco ou
oleado branco; a instalação de uma pia ampla de ferro esmaltado; a utilização de água quente
na torneira; iluminação perfeita com luz elétrica; e uma banqueta para o descanso da
cozinheira. O texto é claro quanto à valorização da economia de espaço, e da poupança de
tempo observados no discurso de Beecher. Na página seguinte, o artigo ainda traçava algumas
considerações sobre a arte culinária, disponibilizando algumas orientações sobre a cozinha
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francesa.
Apesar dos anúncios frequentes, a cozinha da casa paulista ainda teve que percorrer um longo
caminho até se libertar de seu modelo tradicional, para assimilar as transformações impostas
pela modernidade científica e tecnológica.
Figura 1 – “A Cozinha Moderna”. Revista Feminina, n. 55, dezembro 1918, s.n.p. Acervo do Arquivo do Estado
de São Paulo, São Paulo.
Devido ao clima tropical, o modelo de morar brasileiro sofreu forte influência indígena,
sobretudo, quanto à localização da cozinha no quintal, a ausência de fogo para aquecimento
no interior da casa, e a varanda como o lugar de comer. De acordo com o Lemos (1978), na
habitação brasileira, a extroversão da cozinha* é uma constante arquitetônica que vem se
perpetuando, no interior do país. A cozinha paulista também seguiu neste mesmo padrão:
A respeito das cozinhas propriamente ditas, o nosso estudo necessariamente
tem que reportar-se ao tejupar e à aldeia indígenas. Ali é que
verdadeiramente nasceu a cozinha paulista. Na verdade, a cozinha europeia
* Cozinha separada, no quintal. Cozinha no alpendre posterior. Cozinha em puxado” (LEMOS, Carlos 1978: 67).
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nunca chegou a ser transplantada integralmente para a nossa casa de
morada como já vimos (LEMOS, 1978: 69-70)
Essa cozinha permanece identificada como “suja”, sendo o termo empregado frequentemente,
inclusive, pelos próprios arquitetos em seus projetos para aprovação prévia de plantas na
Seção de Engenharia Sanitária do Departamento de Saúde, onde Lemos trabalhou por dezoito
anos. Durante gerações, essa cozinha “suja” permaneceu como tradição na capital paulista,
sendo possível encontrá-la, até o período estudado por Lemos, em moradias populares na
periferia da cidade (LEMOS, 1978: 151).
A taipa de pilão, considerado um processo aristocrático de construção, estava tão arraigada à
cultura regional paulista, que sua presença foi observada até nas edificações urbanas do final
do século XIX, dificultando a atuação de mestres de obras europeus recém-chegados e a
difusão do uso de tijolos. Embora degradado pela desorganização do trabalho profissional, a
taipa de pilão resistiu até a “completa substituição dos processos tradicionais” (SAIA,
1995:220). Lemos completa afirmando que “o paulista isolado satistez-se com pouco e o
pouco que sabia conservou-o por gerações e gerações” (LEMOS, 1978: 65).
A herança moura de segregação das mulheres se manteve no Estado, e era na reclusão das
dependências internas da casa que elas organizavam a subsistência da família. Também era na
varanda que a família fazia suas refeições e se concentrava a maior parte do tempo no
exercício contínuo de perpetuação das tradições. Da casa humilde, na maioria das vezes
urbana, este sistema estrutural foi transplantado para a roça onde se mantém atual em seu
binômio varanda-cozinha: local de estar e comer (LEMOS,1978: 59-60).
O fogão a gás como símbolo de progresso
A evolução do fogão nacional é descrita por Lemos (1978: 71-73), desde aquele de três pedras
no chão legado pelo índio, até seu desenvolvimento para o fogão de alvenaria em barro e
pedra, ou barro e taipa ou tijolos, da altura da mesa. Em São Paulo, no início do século XIX,
já era possível encontrar o fogão de alvenaria elaborado com tijolos quadrados - apropriados
para esse fim - com um forno lateral ou não, encostado à parede, e alimentado com lenha. Foi
este tipo de fogão que resistiu ao tempo, perdendo espaço, sobretudo, nas habitações urbanas,
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para os modelos importados de fogões a carvão. Assim, com a urbanização, e a concentração
maior de casas na cidade, o fogão a lenha tendeu a ser substituído por fogões compactos de
ferro fundido a carvão de pedra ou mineral, que não chegou a se popularizar em São Paulo,
sendo introduzido apenas nos lares mais abastados e da elite cafeeira (figura 2).
Outro fator importante para a resistência desse tipo de fogão, em São Paulo, foi a utilização
do jirau-fumeiro para a conservação dos alimentos. No jirau indígena se preparava o moquém,
ou seja, secava-se a carne dependurada em um cesto, sobre o fogo, expondo-a a fumaça até
ficar dura.
O jirau-fumeiro foi o grande conservador de alimentos no Brasil antigo e
hoje é a “geladeira do pobre”. Conserva tudo. No jirau, situado em cima
dos fogões são mantidas as rapaduras embrulhadas em palha de milho, o sal
precioso, o milho pipoca, e o comum também, somente assim livres do
caruncho, o toucinho em mantas salgadas, a linguiça de lombo de porco e
outro mantimentos perecíveis em condições normais, longe da fumaça
(LEMOS, 1978: 74).
Muito da cozinha típica paulista original está relacionada com a manutenção deste tipo de
fogão e seu fumeiro.
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Figura 2 – Revista A Cigarra, setembro 1914, p. 4, n.274.137. Acervo digitalizado do Arquivo do Estado de São
Paulo, São Paulo.
Entre 1911 e 1913, os fogões a gás apareceram anunciados na revista Fon-fon (figuras 3, 4 e
5) apelando para suas qualidades como símbolo de progresso, contrapondo-se ao atraso
inerente ao carvão.
Meneses (2000: 109) identifica a palavra “progresso” do texto (figura 5) tanto como um
conceito evolutivo, sujeito a substituições quanto como a atualização de um modelo tomado
naquele momento como paradigma universal de um progresso descontextualizado, ou seja,
inesgotável. Refere-se ainda à indústria do gás como sendo a primeira organização científica
da cozinha, e através da qual o espaço urbano pela infraestrutura de rede, vai gerir o espaço
privado. Ainda de acordo com Meneses (2000: 107) a Société Anonyme du Gaz, de origem
belga que operava no Rio de Janeiro era congênere da The San Paulo Gas Company de São
Paulo tendo passado a partir de 1912 para o controle acionário do Grupo Light.
Com a urbanização e o crescimento desordenado da cidade, a iluminação pública, a base de
lampiões foi se tornando cada vez mais insatisfatória. A iluminação do centro da cidade era
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feita por lampiões de azeite de peixe, desde 1840. A obtenção de gás, a partir da queima do
carvão mineral teve início no séc. XVIII, e desde o começo do séc. XIX o gás já iluminava as
ruas de Londres (SOUZA, 1994: 70). Apesar dos esforços da empresa encarregada pela
iluminação municipal, um melhor desempenho estava relacionado com a descoberta científica
de um novo agente produtor de luz, uma vez que a cidade exigia um número cada vez maior
de lampiões, para iluminar precariamente as ruas mais centrais. Desta forma, a concessão da
iluminação pública ficou a cargo da San Paulo Gas Company Ltd., empresa constituída em
Londres em 1869, que construiu na cidade, em 1872, o primeiro gasômetro com capacidade
de armazenar dois mil metros cúbicos de gás. Com o crescimento, a empresa passou a
fornecer também iluminação e combustível para fins domésticos. Até essa época, na
iluminação das residências, era utilizado tanto o azeite de mamona quanto o de baleia,
enquanto as moradias mais pobres utilizavam velas de sebo.
Neste contexto, é importante destacar a substituição da livre concorrência pelo controle
observado nos monopólios obtidos com a formação de grandes grupos internacionais
(constituição de Sociedade Anônima) para exportação de capital com a exploração de novas
fontes de energia, consequência da revolução científica (no âmbito da tecnologia) como é o
caso da The San Paulo Gas Company (SILVA, 2008: 36).
Em 1899, surgiu a The São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltd. também de capital
inglês, sediada em Toronto que em 1900 absorveu a primitiva Companhia de Água e Luz do
Estado de São Paulo passando a se chamar The São Paulo Tramway, Light and Power Co. Ltd
(SOUZA, 1994: 73). A Light teve um papel fundamental na introdução do fogão a gás e dos
novos hábitos racionais e higiênicos dos paulistanos. Entre 1873 e 1893, a população da
cidade subiu de 30 mil para 120.775 habitantes. Silva (2008: 97) observa que a passagem de
sociedade rural para uma nova sociedade urbana, se deu através da mão de obra estrangeira, o
que justifica porque as primeiras construções nobres da cidade foram os hotéis. Porém, o
crescimento desordenado da cidade reclamava melhoramentos e higiene. As preocupações
com a cozinha e o trabalho doméstico, em São Paulo, foram introduzidas com o apoio da
medicina sanitária reforçada pela oferta de gás e eletricidade para uso doméstico, através do
grupo Light (SILVA, 2007: 200).
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A atenção do Estado com os aspectos referentes à relação alimentação e moradia, já aparece
desde 1886, com a criação da Inspetoria Provincial de Higiene que foi reiterada pela
promulgação do Código Sanitário, a partir de 1894, que regulamentava o “laboratório”,
conforme relata Silva:
O Código Sanitário de 1894 ainda era essencialmente indicativo e deixou
várias questões sem regulamentação. Em relação às cozinhas, exigia uma
barra de impermeabilização de 1,50 m de altura a partir do piso e proibia a
comunicação direta entre os quartos. A cozinha, muitas vezes considerada
como o “laboratório” da casa (segundo a visão das propagandas de fogão a
gás) era vista pelas autoridades como um espaço primordial na organização e
limpeza da casa (SILVA: 2007: 204).
Nessa época, as questões relacionadas à alimentação e nutrição passaram a fazer parte das
propostas higienistas, Lima (2000) aponta o ano 1914 como o ponto de partida para a erupção
do movimento higienista que eclodiu em 1917. Para a autora:
Como bem assinala Ortiz (1986), pode-se situar o ano de 1914 como o
momento em que emergia um espírito nacionalista que procurava
desvencilhar-se das teorias raciais e ambientais características da Republica
Velha, evidenciando uma unicidade em torno de certo pensamento que
prevalecia junto aos intelectuais. Estavam em questão o mundo do trabalho, a
educação, a literatura, as artes e as ciências. A Grande Guerra punha em
relevo a necessidade de uma nova espécie de mobilização nacional em que
reformadores da saúde pública, da educação, das artes, das ciências em geral
se expressavam, insistindo em maiores esforços de cada setor. Assim, vários
exemplos de estudos parciais sobre a alimentação e nutrição podem ser
[Digite texto]
Figura 3. Propaganda de fogão a gás: Revista Fon-fon
n. 49, dezembro de 1911
Figura 4. Propaganda de fogão a gás: Revista Fon-fon
n. 28, dezembro 1913
Figura 5. Propaganda de fogão a gás: Revista Fon-fon n.
24 ,junho 1913
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dados, a partir da eclosão do movimento higienista , que teve no ano de 1917
o seu marco inicial [...] (LIMA, 2000: 50-51).
Os intelectuais engajados nesse mesmo processo de síntese, rupturas e continuidades
prescindiam de uma justificação histórica, externa na delimitação do problema social - a fome
- rejeitando os estudos científicos anteriores e o estigma do atraso científico brasileiro.
Liderados por Josué de Castro elegeram, então, a fome e a subalimentação como objeto de
investigação da ciência da nutrição/educação alimentar, abordando a emergência do método
geográfico e suas conexões entre o biológico, o fisiológico, e o social, cujos resultados
justificaram o problema social brasileiro: o mal era da fome como expressão da privação, e
não um problema da raça, contrapondo-se ao fantasma da eugenia (LIMA, 2000: 53-60).
Para atender às aspirações científicas da nação, foram criadas diferentes instituições ligadas à
saúde, bem como foram realizados congressos sobre o tema, como por exemplo: em 1913, a
fundação da Faculdade de Medicina e Cirurgia; em 1918, a fundação do Instituto de Higiene;
em 1920, a criação de Centros de Saúde; em 1923, aconteceu no Rio de Janeiro o 1º
Congresso Brasileiro de Higiene Alimentar; em 1925 foi criada a Inspetoria de Educação
Sanitária e o Centro de Saúde de São Paulo, e incluído o curso de Educação Sanitária no
Instituto de Higiene; em 1931 aconteceu o 1º Congresso de Habitação. Esses fatos denotam
que, apesar da preocupação central do Poder Público está voltada para o controle das
epidemias, os problemas com a saúde foram transformados em uma questão social que
envolveu o processo de urbanização e reorganização da cidade. A busca e o desenvolvimento
de práticas sanitárias eficazes favoreceu o desenvolvimento da ciência dentro de um campo do
conhecimento marcado pela multidisciplinaridade. Nesse caso, a alimentação enraizada no
âmbito da Saúde Pública tornou-se profilaxia e terapêutica nas mãos dos nutricionistas
(RODRIGUES, 2011: 28).
Sobre o tema, Rodrigues (2011: 28) afirma que na década de 1920 definiram-se como
problemas de Saúde Pública dois lugares sociais da alimentação: a fábrica e a escola, que
acabaram por se tornar foco das políticas públicas empreendidas pelo Estado, com a aplicação
de inquéritos alimentares e a distribuição de cartazes e cartilhas educativas. Os inquéritos
representaram o principal método de pesquisa utilizado para a produção científica da época,
na área de alimentação. Quanto à abordagem educativa, desconhecemos estudos que tenham
analisado as transformações ocorridas na ementa alimentar do paulistano em decorrência
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dessas, e de outras iniciativas, como o curso de economia doméstica oferecido, a partir de
1929 pela Escola Profissional Feminina, em funcionamento desde 1910, como adaptação do
ensino do perfil do discurso higienista na escola.
Entre 1934 e 1945 predominou a Alimentação Racional que teve entre seus maiores
defensores Thalino Botelho que pregava o capital-alimento para a valorização do homem
como capital da nação, baseado em dois motivos: a produção de alimento como nossa maior
fonte de recursos e a ignorância como base do problema da má alimentação. Dante Costa
também empreendeu seus estudos sobre a alimentação racional tendo escrito, em 1937, seu
primeiro livro intitulado Bases da Alimentação Racional; em 1946, A Criança, As atividades
Agrícolas e a Alimentação; em 1947, Tratado de Nutrição, e, em 1951 foi laureado com o
prêmio nacional de alimentação com o livro Alimentação e Progresso – alguns aspectos
sociais da alimentação humana, em que aponta quatro fatores responsáveis pela má
alimentação do povo brasileiro: 1) A evolução histórica desfavorável; 2) A estrutura
econômica imperfeita; 3) A pobreza instalada; 4) A deseducação mantida. Como Botelho,
Costa defendeu a proliferação de restaurantes populares com refeições planejadas sob critérios
técnicos enquanto decretou o fim da gestão doméstica da alimentação e a morte desse
artesanato doméstico. Acredita que “[...] a resolução do problema alimentar brasileiro deverá
sair do laboratório” (1951:80).
Nas primeiras décadas do século XX, graças à oferta de mão de obra para o trabalho
doméstico, não ocorreu aqui um movimento pela racionalização do espaço ou das tarefas
domésticas, como nos casos americano e europeu, mas da preocupação com a saúde partindo
da questão básica de educação alimentar e de higiene sanitária colocando, assim, a medicina a
serviço da alimentação e das soluções sanitárias. Só a partir da década de 1930 é que os
empregos domésticos começaram a concorrer com as demandas de operários para as fábricas
que foram se instalando com o surto industrial, e abalando a vida da dona de casa. As
dificuldades decorrentes com o transporte coletivo deficitário, e as longas distâncias em
decorrência do mal traçado urbano conduziram a busca de novas soluções, assistindo a
emergência do movimento arquitetônico social, como Lemos registrou:
Nossas cidades grandes, então, passaram a conhecer o espantalho da
“degradante” habitação coletiva – tipo de moradia constituindo uma
solução malquerida para a burguesia, impossibilitada de morar como
realmente desejava. A diminuição do poder aquisitivo, os aumentos de
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população e a saturação das zonas centrais fizeram surgir os dois caminhos
a seguir: ou o indivíduo da classe media optava pelo pequeno chalet ou
bungalow, ou sobradinho geminado nos bairros afastados, longe do local do
trabalho, ou aceitava o apartamento bem situado, aceitava o prédio de
habitação coletiva, já velhíssimo na Europa culta e aqui visto com maus
olhos. Assim, nas zonas centrais das cidades boas ficaram, lado a lado, os
estabelecimentos comerciais, os escritórios, as repartições públicas, os
velhos casarões transformados em cortiços, em pensões ou em hotéis e a
última aquisição urbana brasileira, o prédio de apartamentos, inicialmente
planejado e construído sem critério normalizador, dado o caráter de
novidade (LEMOS, 1978: 154-155).
Após 1930, também surgiu a preocupação com a racionalidade do trabalho na cozinha,
estimulada pela publicação de uma série de artigos divulgados na revista do Idort (Instituto de
Organização Racional do Trabalho), inspirados em princípios da engenharia norte-americana.
Esse novo modo urbano de pensar exigiu a transformação radical do espaço doméstico,
especialmente da cozinha, ampliando o debate e a pesquisa sobre a racionalização e a
mecanização das tarefas domésticas. As propagandas de fogão a gás assumiram um papel
importante para as transformações ocorridas nesse período, oferecendo à dona de casa, além
da solução imediata para os problemas de higiene e alimentação sadia, a organização do
trabalho e a padronização da cozinha (SILVA, 2007: 200 - 214).
Conclusões:
Em São Paulo, ao mesmo tempo em que podemos verificar as contribuições da ciência com
suas novas conquistas tecnológicas, nos deparamos também com um discurso cientifico
prescrevendo novos modos de comer e morar, após as últimas descobertas sobre os alimentos.
Dentro deste recorte temporal, a apropriação da instrumentalização tanto no âmbito do saber:
como resultado de pesquisas e políticas educativas na área da saúde e higiene alimentar;
quanto no desenvolvimento industrial: através da conquista de novas tecnologias, resultaram
no desencadeamento do progresso tecnológico doméstico, observado a partir desse período.
Esta transformação radical gerou rupturas e descontinuidades do modelo colonial. Portanto,
observa-se a produção de novos conhecimentos que priorizaram a solução de problemas
ligados à técnica. Também ficou clara a compartimentalização do saber cada vez mais
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sistematizado e especializado no que se refere à saúde e higiene alimentar, dando origem,
inclusive, à faculdade de Nutrição de São Paulo, em 1946, que demarca esse estudo.
O contexto geral é marcado pela riqueza do café e a abolição dos escravos que desencadeou o
processo imigratório resultando na explosão demográfica, ocupação aleatória e urbanização
da cidade. A revolução industrial, em curso, transformou a paisagem em ritmo acelerado na
busca de modernização e progresso. Nos lares paulistanos, a tecnologia entrou pela porta de
uma cozinha reconfigurada, por indicação de autoridades sanitárias e arquitetos, para receber
a principal solução de todos os problemas – o fogão a gás. A nova tecnologia representava,
sobretudo, o escoamento, ou melhor, a dependência doméstica de uma das novas fontes de
energia de interesse comercial do Grupo Light.
O sentido de modernidade pautado exclusivamente na estética da cidade afrancesada, da
burguesia do café, do final do século XIX foi substituído pelo imaginário propagado pelos
anúncios comerciais que vincularam saúde e higiene à aquisição de novos instrumentos
domésticos e gêneros alimentícios industrializados que, depois da Segunda Guerra, seguiu o
modelo ideal de vida americano que ficou conhecido como “american way of life”. Com isso,
os grandes monopólios se apropriaram dos novos saberes organizados pela ciência e dos
equipamentos desenvolvidos pela tecnologia para conquistar o mercado paulistano e
implantar o capitalismo.
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08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
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Último acesso: 20/06/2013.