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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO O FUNDEF EM ANÁPOLIS: OS CAMINHOS DE UMA INTERVENÇÃO EM 2003 Maria Regina de Bessa da Matta Orientador: Prof. Dr. Nelson Cardoso Amaral GOIÂNIA 2009

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

    FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    O FUNDEF EM ANPOLIS:

    OS CAMINHOS DE UMA INTERVENO EM 2003

    Maria Regina de Bessa da Matta

    Orientador: Prof. Dr. Nelson Cardoso Amaral

    GOINIA

    2009

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    MARIA REGINA DE BESSA DA MATTA

    O FUNDEF EM ANPOLIS:

    OS CAMINHOS DE UMA INTERVENO EM 2003

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Gois, para obteno do ttulo de Mestre em Educao, sob orientao do Prof. Dr. Nelson Cardoso Amaral.

    GOINIA

    2009

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    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    (GPT/BC/UFG)

    Matta, Maria Regina de Bessa da. M435f O Fundef em Anpolis [manuscrito]: os caminhos de uma

    interveno em 2003 / Maria Regina de Bessa da Matta. 2009. 136 f. : color., quads., figs. Orientador: Prof. Dr. Nelson Cardoso do Amaral. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois, Faculdade de Educao, 2009. Bibliografia: f. 121-127. Inclui lista de tabelas, quadros, abreviaturas, ilustraes e siglas. Anexos.

    1. FUNDEF Interveno Anpolis (GO) 2. Educao Financiamento I. Amaral, Nelson Cardoso do. II. Universidade Federal de Gois. Faculdade de Educao. III. Ttulo.

    CDU: 37.057(817.3)2003

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    MARIA REGINA DE BESSA DA MATTA

    O FUNDEF EM ANPOLIS:

    OS CAMINHOS DE UMA INTERVENO EM 2003

    Dissertao defendida no Curso de Mestrado em Educao da Faculdade de

    Educao da Universidade Federal de Gois, para obteno do grau de Mestre, aprovada em

    ________ de ________de ________, pela Banca Examinadora constituda pelos seguintes

    professores:

    ___________________________________________________________

    Prof. Dr. Nelson Cardoso Amaral - UFG Presidente da Banca

    ___________________________________________________________

    Prof. Dr. Joo Ferreira de Oliveira - UFG

    ___________________________________________________________

    Profa. Dra. Mariluce Bittar - UCDB

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    AGRADECIMENTOS

    Ao professor e orientador Nelson Cardoso Amaral pela confiana, dedicao e

    pacincia.

    Aos professores Dr. Joo Ferreira de Oliveira, Dra. Mariluce Bittar e Dra. Miriam

    Fbia Alves por suas leituras atentas, pelas inmeras e riqussimas contribuies a este

    trabalho. Aos professores da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Gois,

    minha gratido pela contribuio dada a minha formao humana e profissional.

    minhas amigas e companheiras Keila Matida e Profa Eliane Anderi, a primeira

    pela seriedade com que leu todos os meus manuscritos; a segunda por ajudar-me a

    compreender a educao no municpio de Anpolis com sua larga experincia e conhecimento

    sobre esse assunto.

    Ao meu grande companheiro de todos os momentos Jos Antonio. A meu pai e

    minha me, aos meus irmos e sobrinhos pelo apoio e compreenso em minhas constantes

    ausncias.

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    A escola a casa do povo, no no sentido vago de simples retrica, mas no sentido realssimo de reguladora social,

    destinada a oferecer a todas as crianas, e a cada criana, as oportunidades de conforto, de direo, de estudo, de

    sociabilidade e de preparo para a vida, que oferecem criana afortunada a casa e os recursos dos pais. Se a idia

    democrtica tem qualquer valor, havemos de perceber que o seu sentido profundo e generoso consiste em proporcionar a todos

    os homens que nascem no solo livre do Brasil iguais oportunidades de triunfo e de xito na vida.

    Ansio Teixeira

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    RESUMO

    MATTA, Maria Regina de Bessa da. O FUNDEF em Anpolis: Os caminhos de uma interveno em 2003. 2009. 131f. Dissertao (Programa de Ps-Graduao em Educao) - Faculdade de Educao, Universidade Federal de Gois, Goinia, 2009. Este trabalho integra a linha de pesquisa Estado e Polticas Educacionais do Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal de Gois e possui como objetivo analisar os caminhos de uma interveno ocorrida em Anpolis pela no aplicao dos recursos do FUNDEF. Analisa, dentre outros fatores, se o montante de recursos que colocado no Fundo pelo Municpio superior ou inferior ao recebido, a situao das escolas municipais, se houve valorizao do salrio docente e a atuao dos rgos de controle desse Fundo. Enquanto estudo de caso abrange a anlise de Processo do Ministrio Pblico de Gois, dos Relatrios da Comisso Especial de Investigao (CEI) e de Cassao da Cmara Municipal de Anpolis e do Processo da Assemblia Legislativa. Mesmo tendo como interesse maior o ano de 2003, o estudo apresenta informaes sobre o FUNDEF em Anpolis de 2001 a 2006. Na anlise desse perodo, o municpio ganha com o FUNDEF, por um lado devido quantidade de alunos da sua rede municipal, por outro, por receber mais recursos que envia a esse Fundo. Constatou-se ainda que houve um aumento de 21,86% no nmero de alunos na rede municipal de ensino em razo da implantao do FUNDEF no perodo de 1996 a 2006. Entretanto, as escolas particulares tiveram um aumento maior, 95,1%. Na implantao do FUNDEF, os salrios dos professores foram melhorados, porm, posteriormente, esses profissionais ficaram sem aumento salarial de 1998 a 2003. Em 2004, o aumento foi de apenas 6,4%. Na anlise da situao do ensino fundamental em Anpolis, no perodo compreendido entre 2001 a 2003, verificou-se uma completa falta de cuidado com esse nvel de ensino: carncia da estrutura fsica das escolas, ausncia de equipamentos em sala de aula e de material de consumo, atraso no pagamento de salrios de 196 professores em pr-labore e uma lista de 30 pessoas que no eram professores do ensino fundamental e mesmo assim recebiam salrios com recurso do FUNDEF. No que diz respeito fiscalizao desse recurso, verificou-se atraso na entrega dos balancetes tanto pela prefeitura Cmara Municipal, quanto pelo Tribunal de Contas dos Municpios a mesma. Alm disso, foi percebida a fragilidade do Conselho do FUNDEF e a morosidade da Cmara em aprovar a interveno, o que ocorreu aps uma mobilizao na cidade com passeata e abaixo-assinado pedindo a sada do prefeito. Entretanto, mesmo com a entrada do interventor e a sada do prefeito, os problemas na rea educacional continuaram acontecendo. H evidncias de que os motivos que levaram interveno do governador do Estado de Gois em Anpolis se relacionam s confluncias polticas que aconteceram no municpio em um determinado tempo. Palavras-chave: FUNDEF, Interveno, Anpolis, Financiamento.

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    ABSTRACT

    MATTA, Maria Regina de Bessa da. FUNDEF in Anpolis: The Paths to the Intervention in 2003. 2009. 131f. Dissertation (Post-graduate Program in Education) Education College, Federal University of Gois, Goinia, 2009.

    This project integrates the State and Educational Politics line of the Post-graduate Program in Education of the Education College, Federal University of Gois and has as an objective the analyses of the paths of an intervention occurred in Anpolis due to a lack of the FUNDEF resource usage. It analyses various factors, one of which describes the factor if the total amount of resources put into the Fund by the county is superior or inferior to the amount received; the county schools situation; if there was there a overpriced salary for the teachers and the part played by the control divisions of this Fund. As the case study covers the process analyses of the Goias Public Ministry, of the Special Investigation Committee Report (CEI) and of Disability of the County Hall of Anpolis and the process of the Legislative Assembly. Even having an the year 2003 as an interest, the study presents information about the FUNDEF in Anpolis from 2001 to 2006. In this periods analyses the county improves with the FUNDEF, from the other hand due to the quantity of students in the county network and also, for receiving more resources than it sends to this Fund, it was noted that there was a 21.86% raise in the number of students in the county teaching network due to the implantation of the FUNDEF between the period of 1996 to 2006. However, the private schools had a bigger growth, 95.1%. In the implantation of the FUNDEF the teachers salary was improved but, soon after, these professionals had no raise whatsoever form 1998 to 2003. In 2004 the raise was of only 6.4%. In the situation analyses of the basic teaching system in Anpolis, between the time period of 2001 to 2003, a complete lack of care was noticed in this level of teaching, poor physical structures of the schools, the lack of class room equipment and consumption material, salary payment delay of 196 teachers in pro-labor and a list of 30 people who were not teacher in the basic teaching systems who also received salaries with the resources of FUNDEF. The inspection of these resources, verified a delay in the delivery of balance sheets by the City Hall as well as the County hall, and also by the Court of Accounts. Furthermore, a fragility was noticed of the FUNDEF Counsel and slowness of an intervention approval by the Counsel, which came to pass after a city mobilization occurred in a walk, undersigned asking for the leaving of the mayor. However even with the coming of an auditor and the withdrawal of the mayor the problem in the educational area still occurred. There are evidences that the reasons leading to the State of Goias governors intervention is related to the political confluences that occurred in the county in a determined time.

    Key-words: FUNDEF, Intervention, Anpolis, Financing.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    BOXE

    Boxe 1- Decreto de interveno estadual em Anpolis ...................................................... 109

    FIGURAS

    Figura 1- Demonstrativo dos gastos com a educao em Anpolis em 2002 ..................... 111

    QUADROS

    Quadro 1 - Alquotas da vinculao de recursos para educao no Brasil de 1934 a 1996 ... 32

    Quadro 2 - Caractersticas gerais do municpio de Anpolis ................................................ 50

    Quadro 3 Prefeitos eleitos do municpio de Anpolis de 1986 a 2008 .............................. 53

    Quadro 4 - Os acrdos do TCM relativos aos balancetes de Anpolis FUNDEF (2001a

    2003) ................................................................................................................................. 101

    Quadro 5 - Divergncias de informaes entre o disquete e o balancete fsico .................. 103

    Quadro 6 - ndices da educao aplicados em Anpolis .................................................... 112

    TABELAS

    Tabela 1 Valor per capta aluno/ano FUNDEF de 1997 a 2006 ......................................... 40

    Tabela 2 - Crescimento populacional de Anpolis em 1980 a 2008 ..................................... 52

    Tabela 3 - Eleies para prefeito de Anpolis em 2000: total e percentual ......................... 54

    Tabela 4 - Composio da Cmara de Vereadores de Anpolis durante o mandato de Ernani

    de Paula ................................................................................................................................. 55

    Tabela 5 - Evoluo das receitas de impostos municipais de 1998 a 2007 ......................... 58

    Tabela 6 - Transferncias da Unio ao municpio de Anpolis de 1998 a 2007 .................. 59

    Tabela 7 - Transferncias do Estado para o municpio de Anpolis de 1998 a 2007 .......... 60

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    Tabela 8 - Valores totais de impostos e transferncias para o municpio de Anpolis de 1998 a

    2007 ...................................................................................................................................... 62

    Tabela 9 - Recursos vinculados constitucionalmente a serem aplicados em educao no

    municpio de Anpolis de 1998 a 2007 ................................................................................. 63

    Tabela 10 - Recursos que o municpio de Anpolis deveria aplicar em educao de 2001

    2003 ...................................................................................................................................... 64

    Tabela 11 - Valores que Anpolis recebeu e repassou, de 2001 a 2007, ao FUNDEF ......... 65

    Tabela 12 Recursos que o municpio de Anpolis deveria aplicar obrigatoriamente em

    educao de 2001 a 2003 ...................................................................................................... 65

    Tabela 13 - Evoluo da matrcula no Ensino Fundamental (1 a 8 sries) no municpio de

    Anpolis por dependncia administrativa de 1999 a 2006 .................................................... 71

    Tabela 14 - Evoluo da matrcula no Ensino Fundamental (1 a 4 sries) no municpio de

    Anpolis por dependncia administrativa de 1999 a 2006 .................................................... 72

    Tabela 15 - Recursos do FUNDEF para pagamento de professores no ensino fundamental no

    municpio de Anpolis de 2001 a 2005 ................................................................................ 80

    Tabela 16 - Salrio dos professores do municpio de Anpolis de 1998 a 2009 do cargo P1

    ............................................................................................................................................... 81

    Tabela 17- Salrio dos professores do municpio de Anpolis de 1998 a 2009 dos cargos P2

    ............................................................................................................................................... 82

    Tabela 18 - Salrio dos professores do municpio de Anpolis de 1998 a 2009 dos cargos P3 e

    P4 .......................................................................................................................................... 82

    Tabela 19 - Salrio dos professores do municpio de Anpolis de 1998 a 2009 dos cargos PE,

    P5 e AE ................................................................................................................................. 83

    GRFICOS

    Grfico 1 - Valor total dos impostos municipais de 1998 a 2007 ......................................... 58

    Grfico 2 - Valores totais que foram transferidos pela Unio ao municpio de Anpolis, de

    1998 a 2007 ........................................................................................................................... 60

    Grfico 3 - Valores totais que foram transferidos do estado para o municpio de Anpolis de

    1998 a 2007 ........................................................................................................................... 61

    Grfico 4 - Total geral de impostos e transferncias para o municpio de Anpolis de 1998 a

    2007 ....................................................................................................................................... 62

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    Grfico 5 - Evoluo do atendimento do ensino fundamental na rede municipal, no Brasil, em

    percentual .............................................................................................................................. 70

    Grfico 6 - Ilustrao da queda de alunos de 1 a 8 sries da rede estadual, elevao na rede

    municipal e no ensino Particular de 1999 a 2006 ................................................................. 71

    Grfico 7 - Ilustrao da queda de alunos de 1 a 4 sries da rede estadual e elevao na rede

    municipal e no ensino particular de 1999 a 2006 .................................................................. 73

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ADCT Ato das Disposies Constitucionais e Transitrias

    AGM Associao Goiana dos Municpios

    AIA Associao Industrial de Anpolis

    AL/GO Assemblia Legislativa do Estado de Gois

    ANPAE Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao

    ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    CACs Conselhos de Acompanhamento e Controle Social

    CEI Comisso Especial de Investigao

    CF Constituio Federal

    CIRETRAN Circunscrio Regional de Trnsito

    CLT Consolidao das Leis Trabalhistas

    CME Conselho Municipal de Educao

    CMA Cmara Municipal de Anpolis CNE Conselho Nacional de Educao

    DAIA Distrito Agroindustrial de Anpolis

    EC Emenda Constitucional

    FAIANA Feira Agroindustrial de Anpolis

    FE Faculdade de Educao

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    FPM Fundo de Participao dos Municpios

    FUNDEB Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de

    Valorizao dos Profissionais da Educao

    FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

    Valorizao do Magistrio

    ICMS Imposto de Circulao de Mercadorias e Servios

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

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    IPI-exp Imposto sobre Produtos Industrializados Exportados

    IPTU Imposto Predial e Territorial Urbana

    IPVA Imposto sobre Veculos Automotores

    IRRF Imposto de Renda Retido na Fonte

    ISSA Instituto de Seguridade Social de Anpolis

    ISS Imposto sobre Prestao de Servio

    ITBI Imposto sobre Transmisso de Bens Imveis

    ITR Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    LDO Lei das Diretrizes Oramentrias

    LOMA Lei Orgnica do Municpio de Anpolis

    LOA Lei Oramentria Anual

    MDE Manuteno e Desenvolvimento do Ensino

    MEC Ministrio da Educao

    MP/GO Ministrio Pblico do Estado de Gois

    PDT Partido Democrtico Trabalhista

    PFL Partido da Frente Liberal

    PIB Produto Interno Bruto

    PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro

    PL Partido Liberal

    PME Plano Municipal de Educao

    PNE Plano Nacional de Educao

    PP Partido Progressista

    PPB Partido Progressista Brasileiro

    PPA Plano Plurianual

    PPS Partido Popular Socialista

    PRP Partido Republicano Progressista

    PSC Partido Social Cristo

    PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

    PT Partido dos Trabalhadores

    PTB Partido Trabalhista Brasileiro

    SEE Secretaria Estadual de Educao

    SEPLAN Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento do Estado de Gois

    SMEA Sistema Municipal de Ensino de Anpolis

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    SEMED Secretaria Municipal de Educao

    SEMECT Secretaria Municipal Educao Cincia e Tecnologia

    SEMUC Secretaria Municipal de Cultura

    SINPMA Sindicato dos Professores Municipais de Anpolis

    TCs Tribunais de Contas

    TCU Tribunal de Contas da Unio

    TCM Tribunal de Contas dos Municpios

    UNDIME Unio dos Dirigentes Municipais de Educao

    UEG Universidade Estadual de Gois

    USP Universidade de So Paulo

    UFG Universidade Federal de Gois

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    SUMRIO

    LISTA DE ILUSTRAES ................................................................................................... 7

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................... 10

    INTRODUO .................................................................................................................... 15

    CAPTULO I

    ASPECTOS DO FINANCIAMENTO DA EDUCAO: DESCENTRALIZAO,

    VINCULAO E SUBVINCULAO FUNDEF ......................................................... 21

    1.1 A descentralizao das polticas de financiamento da Educao .................................... 21

    1.2 A vinculao e a subvinculao de recursos para a educao ...................................... 27

    1.3 O Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do

    Magistrio (FUNDEF) .......................................................................................................... 36

    CAPTULO II

    ANPOLIS: CARACTERSTICAS GERAIS, RECURSOS CONSTITUCIONAIS PARA A

    EDUCAO E O EFEITO FUNDEF ................................................................................ 48

    2.1 O surgimento de Anpolis ............................................................................................... 48

    2.2 O municpio de Anpolis: caractersticas gerais e estrutura poltica no perodo de 2001 a

    2003 ....................................................................................................................................... 50

    2.3 Os recursos constitucionais para a educao em Anpolis ............................................ 55

    2.4 O FUNDEF em Anpolis ............................................................................................... 64

    2.5 O FUNDEF e a municipalizao em Anpolis............................................................ 66

    2.6 As condies do ensino fundamental, no municpio de Anpolis, no perodo de 2001 a

    2003 ........................................................................................................................................ 73

    2.7 O FUNDEF e o salrio dos professores do ensino fundamental em Anpolis ............. 79

    2.8 Questionamentos sobre os recursos do FUNDEF no perodo de 2001 a 200 ............... 85

    2.9 O conselho do FUNDEF em Anpolis ........................................................................... 88

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    CAPTULO III

    A INTERVENO NO MUNICPIO DE ANPOLIS, A EDUCAO COMO META: O FUNDEF, O MDE E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO ARGUMENTOS ................................................................................................................................................ 93 3.1 Os aspectos jurdicos da interveno ............................................................................ 93

    3.2 Os antecedentes da interveno em Anpolis e a ao dos organismos fiscalizadores .. 97

    3.3 A interveno em Anpolis .......................................................................................... 105

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 116

    REFERNCIAS ................................................................................................................ 121

    ANEXO A - Fotos das escolas municipais em Anpolis ................................................... 129

    ANEXO B - Foto da passeata pedindo a interveno ...................................................... 134

  • 15

    INTRODUO

    Este estudo se originou de algumas indagaes que foram surgindo durante a

    realizao de um curso de especializao em Docncia do Ensino Superior na Universidade

    Estadual de Gois (UEG) concludo em 2006, e, principalmente, na elaborao do artigo

    PNE, Fundef e as aes governamentais no Municpio de Anpolis.

    Nessa oportunidade foi possvel verificar que difcil ter acesso s informaes

    completas sobre os recursos financeiros aplicados em educao devido burocracia dos

    rgos pblicos que detm tais informaes, como: Cmara Municipal, Secretaria de

    Educao Cincia e Tecnologia (SEMECT) e Tribunal de Contas dos Municpios (TCM).

    Esses rgos exigem o envio de ofcios para terem certeza do destino das informaes e isso

    ocorre, em especial, com os documentos vinculados ao Fundo de Manuteno e

    Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (FUNDEF), que

    possui o Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACs) para acompanhamento da

    aplicao desses recursos. Todavia, isso no deveria acontecer, pois o 3 do Art. 31 da

    CF/88 estabelece que: As contas dos Municpios ficaro, durante sessenta dias, anualmente,

    disposio de qualquer contribuinte, para exame e apreciao, o qual poder questionar-lhes

    a legitimidade, nos termos da lei. Assim, mesmo havendo dificuldade em ter acesso

    documentao, preciso insistncia, pois esse acesso, como foi visto, est garantido

    legalmente.

    Outras indagaes emergiram da participao em encontros, seminrios, palestras,

    disciplinas cursadas na ps-graduao e participao em grupos de estudos. Podemos destacar

    o IV Encontro da Associao Nacional de Polticas e Administrao da Educao da Regio

    Centro-Oeste (ANPAE) em 2005 e a 30 reunio da Associao Nacional de Ps-Graduao e

    Pesquisa em Educao (ANPEd) em 2007. Nesta Lisete Regina Gomes Arelaro (USP), Jos

    Marcelino Pinto (USP- Ribeiro Preto) e Jorge Abraho de Castro (IPEA) fizeram um balano

    do FUNDEF no Brasil. As discusses promovidas no grupo de pesquisa "Qualidade da

    Educao da Faculdade de Educao (UFG), cujo projeto se intitula A qualidade na

    educao bsica municipal - o sistema e as escolas municipais, permitiram maior

    aprofundamento sobre a constituio e a organizao do ensino fundamental em Anpolis, o

    que me aproximou mais ainda do meu objeto1.

    1 Alm disso, sou formada em Cincias Contbeis pela Universidade Salgado de Oliveira, possuo especializao em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Estadual de Gois. Minha educao bsica se concretizou

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    Como resultado desse percurso, objetiva-se estudar o FUNDEF em Anpolis e os

    caminhos de uma interveno do governo estadual nesse municpio em 2003, que teve

    fundamento no fato do prefeito poca, Ernani Jos de Paula, ser acusado de no aplicar

    corretamente os recursos vinculados ao Fundo.

    O FUNDEF foi criado pela Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e seus recursos

    financeiros se destinavam exclusivamente ao ensino fundamental pblico2. Dessa forma o

    Fundo foi criado com uma finalidade especfica, dirigida para um nvel educacional bsico,

    exatamente como preconizado por organismos multilaterais como o Banco Mundial3.

    Os recursos do FUNDEF constituem uma subvinculao dos recursos do Art. 212

    da Constituio Federal: A Unio, aplicar, anualmente, nunca menos de dezoito, e os

    Estados, o Distrito Federal e os Municpios vinte e cinco por cento, no mnimo, da receita

    resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferncias, na manuteno e

    desenvolvimento do ensino. (BRASIL, CF, 1988). Ao Fundo estariam vinculados 15% dos

    recursos educacionais dos estados e municpios.

    Apesar desse Fundo ser criado em 1996 e parecer ter surgido nessa poca, estudos

    indicam que a idia dos fundos no nova, que o FUNDEF pode ter tido origem em Ansio

    Teixeira (AMARAL, 2001, p. 277). Alm de vir como uma novidade, o FUNDEF trouxe

    uma novidade na sua Lei: os mecanismos para punir os governantes que no aplicassem os

    seus recursos no ensino fundamental, e, no municpio de Anpolis, em 2003, esse mecanismo

    de punio foi aplicado, a interveno.

    No entanto, autores como Davies (2001a)(2004), Farenzena (2006) e Arelaro

    (2007) j haviam informado que ainda no se conhecia caso de interveno que tenha sido

    motivado pela no aplicao de recursos vinculados educao.

    A interveno, um mecanismo de punio, contido na lei do FUNDEF e na CF/88

    no seu Art.34, uma medida extrema de punio aos governantes e foi aplicada em Anpolis.

    O municpio no se destaca somente por esse fato, mas tambm pela sua importncia poltica

    e econmica no contexto do Estado de Gois. Ele o terceiro maior em populao, alm de

    na rede pblica de ensino e este estudo, de certa forma, me fez entender as dificuldades presenciadas enquanto aluna dessa escola. Resido em Anpolis e acompanhei todo o processo de interveno no Municpio. 2 O FUNDEF terminou em 31 de dezembro de 2006 e foi substitudo pelo Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao (FUNDEB), aprovado pela Lei 11.494/07, em 11 de junho de 2007. Esse novo Fundo engloba toda a educao bsica. 3 Segundo Farenzena (2006, p. 248), a prioridade do ensino fundamental no foi uma novidade dos anos de 1990. No Plano Decenal de Educao para Todos foi detalhada, no mbito do planejamento, uma orientao j contida na Constituio Federal de 1988, nas proposies da LDB que tramitava no Congresso Nacional e em compromissos internacionais firmados pelo governo brasileiro. Entendendo que o objetivo da priorizao do ensino fundamental pelos organismos internacionais era para possvel melhora na economia dos pases em desenvolvimento.

  • 17

    possuir o segundo maior PIB que, em 2006, foi de R$ 3.772.369,65, o segundo em

    arrecadao, sedia um Distrito Agroindustrial que abriga um grande plo farmacutico e

    vrias indstrias, uma Plataforma Logstica Multimodal e um Porto Seco e ainda

    entroncamento para diversas regies do pas (O POPULAR, 2009, p. 4).

    Com relao aos aspectos polticos, Polonial (2007, p. 177) afirma que [...] a

    evoluo poltica em Anpolis foi marcada pela personalizao do poder e, tambm, por

    inmeras crises poltico-administrativas. Segundo esse autor, das 53 administraes 28 delas

    foram com prefeitos eleitos e, mesmo sendo maioria por eleio, o municpio teve quatro

    momentos crticos em relao a seus prefeitos: dois foram cassados por questes polticas

    (Adalberto Pereira da Silva, em 1930 e Jos Batista Jnior, em 1973), um renunciou (Scrates

    Mardocheu Diniz, em 1953), e um foi cassado pelo legislativo municipal (Ernani Jos de

    Paula, em 2003). (POLONIAL, 2007, p. 177).

    O administrador Ernani Jos de Paula, citado por Polonial, foi um nome novo

    na poltica anapolina em 2000. Empresrio, dono de uma enorme propriedade em Silvnia,

    era considerado uma grande promessa para a cidade. Mesmo no sendo de tradio poltica e

    ser um empresrio, ele ingressou na vida pblica contra quatro adversrios de tradio

    poltica, sendo um deles, inclusive, o prefeito Adhemar Santillo, que concorreu reeleio, e

    os deputados estaduais Jos Lopes e Rubens Otoni (PT), ambos com longa trajetria poltica

    na cidade. (FERREIRA, 2004, p. 17).

    Segundo o mesmo autor, o Empresrio Ernani de Paula tem seu nome

    conhecido, ao contrrio dos demais concorrentes, no pela poltica, mas pelo seu trabalho que

    desenvolve na Fazenda Barreiro, no municpio vizinho de Silvnia. (FERREIRA 2004, p.

    17). Ernani venceu as eleies com 50.204 votos, 36,74% dos votos vlidos, porm seu

    mandato foi interrompido devido interveno do governador do Estado em Anpolis.

    Os recursos do FUNDEF eram distribudos no interior de cada estado pelo

    nmero de alunos dos municpios que o compem. Caso o valor aluno/ano desse estado no

    alcanasse o valor oficial divulgado, a Unio complementaria a diferena. Segundo a lei, esse

    Fundo teria que ter um Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACs) para

    acompanhamento da aplicao desses recursos. O controle ficaria a cargo dos rgos

    responsveis pelos sistemas de ensino, assim como os Tribunais de Contas da Unio, dos

    Estados e Municpios, que criariam mecanismos adequados fiscalizao do cumprimento

    pleno do disposto no Art. 212 da Constituio Federal e desta Lei. (BRASIL, Lei 9.424/96,

    Art. 11). Os rgos que no cumprissem a esse dispositivo estariam sujeitos interveno: a

    Unio intervm nos estados e no Distrito Federal e os estados nos municpios.

  • 18

    No encontramos estudos, a no ser o Lambana de Dilmar Ferreira, que discutem

    o processo de interveno do estado no municpio devido a no aplicao dos recursos do

    FUNDEF. O Lambana, no caso, expe o processo de interveno em Anpolis

    fundamentado no apenas em recortes de jornais do prprio autor, mas tambm de sua

    atuao nesse processo.

    No decorrer da reviso bibliogrfica evidenciou-se uma grande quantidade de

    estudos sobre o FUNDEF em diversas regies do Brasil, muitos deles enfocando a atuao

    dos rgos que acompanham e fiscalizam esse recurso, no entanto, em nenhum deles foi

    abordado a aplicao do ato punitivo, no caso, a interveno em um municpio pela no

    aplicao dos recursos do FUNDEF.

    Nesse sentido, este estudo procura contribuir para o entendimento de como

    ocorreu esse processo em Anpolis. Qual foi a motivao legal que levou a interveno?

    Como foi a atuao dos principais agentes do processo de interveno: o Tribunal de Contas

    do Municpio (TCM/GO), a Cmara Municipal de Anpolis, o Conselho do FUNDEF e o

    Ministrio Pblico?

    Outras questes se apresentam no decorrer deste estudo: Anpolis ganha ou perde

    com o FUNDEF? A valorizao docente, uma das propostas desse fundo, ocorreu em

    Anpolis? Como eram percebidos os balancetes do FUNDEF pela Cmara Municipal de

    Anpolis anteriormente interveno no mandato de Ernani? Como ocorria a fiscalizao dos

    recursos do FUNDEF em Anpolis?

    Foi realizada, portanto, uma investigao emprica que aborda uma interveno

    em um municpio que no aplicou corretamente os recursos do FUNDEF, podendo ser

    classificada como um estudo de caso. Segundo Ldke & Andr, um estudo de caso seja ele

    simples e especfico [...] sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente

    definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas ao mesmo tempo

    distinto, pois tem um interesse prprio, singular. (LDKE; ANDR, 1986, p. 17).

    De acordo com as autoras, a preocupao central ao desenvolver esse tipo de

    pesquisa a compreenso de uma instncia singular. Isso significa que o objeto estudado

    tratado como nico, uma representao singular da realidade que multidimensional e

    historicamente situada. (LDKE; ANDR, 1986, p. 21).

    Foi preciso muita cautela para efetuar tal recorte devido ao fato de que os que

    escrevem sobre essa histria tambm serem, s vezes, sujeitos da situao. Na poca da

    interveno, o professor e socilogo Juscelino Polonial era presidente do Conselho Municipal

    de Educao e depoente nos processos que envolviam a averiguao dos fatos do gestor

  • 19

    Ernani de Paula e autor de vrios livros, o ltimo deles intitulado Introduo histria

    poltica de Anpolis foi publicado em 2007.

    Outro sujeito e tambm escritor da situao mencionada foi o jornalista e vereador

    Dilmar Ferreira que, na poca, fazia parte da bancada da oposio. Ele tambm fez parte da

    Comisso Especial de Inqurito (CEI) como relator que averiguou os fatos que incriminaram

    o prefeito Ernani de Paula, alm de ser proprietrio do jornal O Anpolis e autor do livro

    Lambana, que conta a histria da interveno e foi publicado em 2004.

    No entanto, apesar do envolvimento desses sujeitos com os fatos, os seus relatos

    apresentam uma riqueza de detalhes que s pode ser percebida por quem realmente esteve

    presente na situao. Esses detalhes foram apreendidos depois de confrontados com alguns

    documentos oficiais, dentre eles os Processos da Assemblia Legislativa (AL/GO), n

    29908508, e do Ministrio Pblico (MP/GO), n 200301774573, as atas das reunies da

    Cmara do Conselho do FUNDEF e os documentos elaborados pelo TCM no julgamento das

    contas da prefeitura, alm de matrias veiculadas pelos jornais O Popular, Opo On-line e

    Dirio da Manh.

    O primeiro captulo deste estudo detalha a descentralizao, as vinculaes

    oramentrias e sua histria nas Constituies Brasileiras, procura entender o FUNDEF,

    fundo proposto para resolver o problema do ensino Fundamental e valorizar o professor. O

    segundo captulo apresenta as caractersticas de Anpolis: populao, poltica e situao

    econmica, juntamente com o detalhamento do volume de suas receitas totais decorrentes de

    impostos, receitas prprias e transferncias constitucionais do estado e da Unio, alm de

    buscar compreender o quanto esse municpio deveria aplicar em educao segundo consta no

    Art. 212 da CF/88 (BRASIL, 1988). Aborda tambm o FUNDEF em Anpolis, com base nas

    seguintes questes: esse municpio ganha ou perde com o FUNDEF? possvel entender o

    contexto desse Fundo em relao municipalizao? Esse Fundo realmente valorizou o

    magistrio? Como foi o desenvolvimento do nvel de ensino financiado por esse recurso nesse

    municpio, no caso o ensino fundamental, no perodo de 2001 a 2003? Como se desenvolveu

    o trabalho do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF nesse perodo?

    E, por fim, o terceiro captulo procura explicitar o que uma interveno, os

    aspectos jurdicos que a envolve, apresentando como ocorreu a interveno em Anpolis e os

    fatos que levaram a ela. Indagaes importantes que ajudaram nesse entendimento foram:

    havia indcios de irregularidades no FUNDEF nas atas das reunies da Cmara? Como estava

    sendo abordada a municipalizao no municpio? A educao em si, as contas do FUNDEF,

    estavam em ordem, estavam sendo fiscalizadas regularmente como manda a Lei? Este

  • 20

    captulo analisa ainda o histrico da aplicao do ndice obrigatrio da educao em Anpolis

    e seu sentido no processo de interveno.

    Finalmente, so apresentadas as concluses deste estudo.

  • 21

    CAPTULO I ASPECTOS DO FINANCIAMENTO DA EDUCAO: DESCENTRALIZAO, VINCULAO E SUBVINCULAO - FUNDEF

    O presente captulo aborda os aspectos do financiamento da educao trazendo

    um entendimento sobre o que seja descentralizar e o seu reflexo nas Constituies Brasileiras

    com base no histrico das vinculaes e tambm subvinculaes, neste caso, do Fundo de

    Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio

    (FUNDEF).

    1.1 A descentralizao das polticas de financiamento da educao

    Para que se entenda a descentralizao necessrio que se compreenda o que seja

    Estado Federal, pois descentralizao uma caracterstica dos Estados Federais. Para Tavares,

    o Estado denominado federal apresenta-se como o conjunto de entidades autnomas que

    aderem a um vnculo indissolvel, integrando-o. Dessa integrao emerge uma entidade

    diversa das entidades componentes, e que incorpora a federao. (TAVARES, 2007, p. 955).

    Ainda de acordo com esse autor:

    O Estado federal tanto pode advir de um antigo Estado unitrio, que se descentraliza, como da reunio de antigos Estados independentes ou soberanos, para a formao de um nico Estado, agora federal. No primeiro caso, tem-se o denominado federalismo por desagregao, enquanto o ltimo se caracteriza como o federalismo por agregao. (TAVARES, 2007, p. 955).

    O autor exemplifica que foram formados por agregao os Estados Unidos, a

    Alemanha e a Sua. O caso tpico de federalismo por desagregao o brasileiro. Para esse

    autor, no federalismo, portanto h uma descentralizao do poder, que no fica represado na

    rbita federal, sendo compartilhado pelos diversos integrantes do Estado. (TAVARES, 2007,

    p. 955). Tavares acrescenta tambm que:

    Todos os componentes do Estado federal (sejam estados, distritos, regies, provncias, cantes ou municpios) encontram-se no mesmo patamar hierrquico, ou seja, no h hierarquia entre diversas entidades, ainda que alguma seja federal e outras estaduais ou municipais. (TAVARES, 2007, p. 955).

  • 22

    O Estado Federal, possuindo como atributo principal a autonomia e a

    descentralizao administrativa, apresenta como corriqueira as expresses descentralizar as

    polticas pblicas e descentralizar os recursos. Essas expresses aparecem geralmente em

    propostas suscitadas no meio poltico para gesto do pblico, pois trazem a idia de

    velocidade na resoluo de problemas dirios e especficos de uma regio em um determinado

    tempo histrico. Discutir essas questes supe compreender o que descentralizar e qual o

    interesse em us-la, entendendo tambm as controvrsias que recaem sob esse conceito.

    Todavia este estudo no tem o propsito de esgotar a discusso acerca desse termo, mas

    procura perceber seu sentido, para assim esboar o que vem sendo desenvolvido com as

    polticas de Fundo para o financiamento da educao. Por isso seu significado no dicionrio

    de polticas:

    [...] tirar do centro; em se tratando de organizao poltica, tirar do poder central. Tem se entendido, freqentemente, a descentralizao, como sendo a mera distribuio de atribuies dentro do aparelhamento do Estado, de maneira tal que se transfiram competncias de rgos mais altos para rgos inferiores da administrao. A prevalecer esse entendimento, a descentralizao ser somente de duas espcies: poltica e administrativa. A descentralizao poltica diz respeito a funes de governo exercida em esferas inferiores da estrutura estatal provncias e municpios -, mediante competncias e poderes prprios. No Estado federal, a autonomia poltica se manifesta pela auto-organizao constitucional e governamental dos Estados-membros. Essa descentralizao, no entanto, ser maior ou menor, dependendo da maneira como se distriburem as competncias que, se ficarem em maior nmero na rbita federal, tornaro o poder centralizado. A descentralizao administrativa, que ocorre no Estado federal e pode ocorrer no Estado unitrio, consiste em os governos regionais ou locais terem atribuies prprias para a gesto de servios. (SOUZA; GARCIA; CARVALHO, 1998, p. 211; grifos do autor).

    A distribuio de competncias para as outras esferas administrativas do poder

    pblico seria, portanto, uma particularidade dos estados federais, ocorrida em quase todos os

    pases da Amrica Latina, inclusive o Brasil. Buscando seu entendimento nesse mbito,

    Casassus afirma que em uma associao conceitual de carter histrico:

    Esta considera que a idia de centro neste caso o Estado est associada com a noo de unidade, e a idia de descentro (se permitido um abuso de linguagem), est associada com a noo de diversidade. Assim, um processo de descentralizao constituiria uma relao de tenso entre duas orientaes divergentes, uma das quais tenderia a uma maior unidade e a outra a uma maior heterogeneidade. O resultado traduzir-se-ia num reordenamento das relaes sociais. (CASASSUS, 1995, p. 68).

  • 23

    O autor citado aponta ainda que esses processos de reordenamento das relaes

    sociais que acontece quando se descentraliza so praticados por intermdio de trs

    modalidades: regionalizao, nuclearizao e municipalizao. Segundo o autor a

    regionalizao educacional est presente em onze pases da Amrica Latina inclusive o Brasil,

    so eles: Argentina, Brasil, Colmbia, Costa Rica, Chile e Equador, Nicargua, Mxico,

    Panam, Peru e Venezuela. (CASASSUS, 1995, p. 85). Esse autor acrescenta que na

    regionalizao:

    Mesmo quando ela adota modalidades diferentes, segundo seus objetivos se refiram a formas de governo e administrao interior, ou gesto educativa, ou elaborao de programas, contedos e metodologias, todas estas experincias tem em comum a tentativa de superar os desequilbrios quanto igualdade de oportunidade de ingresso educao mediante uma redistribuio horizontal do servio educativo e de assegurar uma maior persistncia do processo. (CASASSUS, 1995, p. 85).

    Nesse sentido o autor afirma que persistem diferentes interpretaes acerca da

    regionalizao e cita que vem na regionalizao um processo de busca de identidade

    cultural para elaborao de contedos e prticas pedaggicas. (CASASSUS, 1995, p.85).

    A nuclearizao para Casassus (1995, p. 85-86) possui como ponto central a

    participao e promulga: a) uma nova forma organizativa que concebe a escola como uma

    funo de responsabilidade comunitria; b) uma nova forma de articulao por meio de redes

    interconexas; e c) [...] a aplicao de um micro planejamento participativo.

    E, por fim, a municipalizao, que praticada por Brasil, Chile e Colmbia. No

    entanto, no Brasil, com o advento da democracia como forma de governo, a municipalizao

    se manteve como modalidade, mas persegue objetivos de democratizao, como indica a

    Constituio aprovada em 1989(sic). (CASASSUS, 1995, p. 85).

    Todavia, muitas vezes, a descompactao de decises da esfera central soa como

    apenas uma desconcentrao de funes, Casassus (1995, p.84) adverte que praticamente

    todos os processos de descentralizao educativa na Amrica Latina foram processos de

    desconcentrao aos que se acrescentaram, como j foi mencionado, processos de

    centralizao. (CASASSUS, 1995, p. 84). Essa alternncia no ocorre apenas no mbito

    educacional, mas tambm em outras reas sociais. Lobo interpreta que isso ocorre devido o

    fato de

    a descentralizao envolver necessariamente alteraes nos ncleos de poder, que levam a uma maior distribuio do poder decisrio at ento centralizado em poucas mos. Esta a razo por que fica mais cmodo e tranqilo para o governo assentado

  • 24

    em bases centralistas privilegiar a desconcentrao e rotul-la de descentralizao. (LOBO, 1990, p. 6).

    Oliveira (1999) considera a desconcentrao como um tipo de descentralizao,

    juntamente com a delegao, a devoluo e a privatizao. Tais caracterizaes se definem

    como:

    1- Desconcentrao, ou seja, a delegao de autoridade ou responsabilidade administrativa em nveis inferiores dentro do ministrio e agncias do governo central;

    2- Delegao, ou seja, a transferncia de responsabilidade administrativa por funes especificamente definidas a organizaes que esto fora da estrutura burocrtica regular e controladas indiretamente pelo governo central;

    3- Devoluo, ou seja, a criao ou o fortalecimento financeiro ou legal as unidades subnacionais do governo, cujas atividades esto substancialmente fora de controle direto do governo central;

    4- Privatizao, ou seja, a transferncia de atividades para a responsabilidade de organizaes voluntrias ou para empresas privadas. (RONDINELLI et al., 1986, p. 10 apud OLIVEIRA, 1999, p. 14).

    A descentralizao poder ainda ser apresentada em trs vertentes: Da

    administrao direta para indireta, entre nveis de governo e do Estado para a Sociedade

    civil. (LOBO, 1990, p. 7). O primeiro caso diz respeito ao surgimento de um grande nmero

    de empresas pblicas, sociedades de economia mista e autarquias, que promete resolver o

    problema da demora nas aes governamentais. O segundo se refere s relaes entre nveis

    de governo, os quais se desdobram em duas dimenses: financeira via redistribuio de

    receitas pblicas - e poltico-institucional atravs de novas disposies no aparelhamento da

    alada do governo. O terceiro define que as funes do setor pblico seriam executadas pelo

    setor privado, s ou em conjunto, incluindo tambm organizaes civis ou de classe

    comunitria.

    Sobre as trs vertentes da descentralizao, Farenzena (2006, p. 52) conclui que:

    No h dvidas que todas as vertentes esto presentes nas ltimas dcadas quando se trata de

    proposies para o setor educacional e de que cada vez que se ouve ou l o termo

    descentralizao, sempre preciso traduzi-lo. Neste estudo, a segunda vertente ser

    abordada, a qual se refere s relaes intergovernamentais, dependncia financeira dos

    estados e municpios em relao ao governo central.

    Depois de ter percorrido vrias definies de descentralizao a dvida que surge

    : descentralizar bom ou ruim para as outras esferas governamentais? Essa expectativa pode

    ser, de certa forma, abrandada com a posio de Casassus:

  • 25

    A descentralizao no um fim em si mesma: a descentralizao (ou centralizao) uma poltica para conseguir determinados fins. Por si, ela no boa nem m, no progressiva ou conservadora. uma poltica que pode ser boa ou m, progressista ou conservadora, segundo que a utilize e segundo contribua ou no a resolver os problemas que fazem pensar que esta medida pode resolver. Se no serve em determinado contexto, deve ento ser mudada. Este um tema pouco transparente, j que quando se toma a deciso de descentralizar, a dinmica da execuo da mesma tende a fazer dela um fim. (CASASSUS, 1995, p 97).

    Lobo acrescenta ainda que:

    [...] a descentralizao nada mais que um instrumento de ao governamental dentre outros. Por si s, utilizada de forma isolada, sem alterar outros aspectos do aparelho do Estado por exemplo, reformas de cunho fiscal, administrativo, econmico, financeiro pouco se pode esperar da descentralizao. E, o pior, corre-se o risco de pr a perder um processo extremamente importante para o pas. (LOBO, 1990, p. 7).

    Nesse sentido, a descentralizao no um fim em si mesma, ou seja, para a sua

    concretizao, ela precisaria ser amparada por reformas nas reas fiscais, econmicas e

    financeiras. Essas reformas teriam que vir acompanhadas de: [...] flexibilidade, gradualismo,

    transparncia no processo decisrio e criao de mecanismos de controle social. (LOBO,

    1990, p. 8). Tais requisitos proporcionariam uma descentralizao com caractersticas

    democratizantes ao estabelecer, entre outras coisas, acesso populao ao que ocorre no

    processo de descentralizao. Sobre a flexibilidade, a autora entende que, para os governos

    estaduais e municipais, [...] implicaria em levar em considerao as diferenas econmico-

    financeiras, polticas, tcnico-administrativas e sociais. (LOBO, 1990, p. 8). Reconhecendo

    essas diferenas, os estados e os municpios teriam condio de realizar as obrigaes

    advindas do processo de descentralizao.

    Segundo Lobo, a descentralizao tida como um tipo de municipalizao no

    caso de ela ocorrer para os municpios. De acordo com essa autora, em algumas discusses

    sobre municipalizao, a descentralizao apresenta nuances, como:

    Municipalizar, para alguns, significa uma articulao das foras do municpio como um todo para a prestao dos servios, ou seja prefeitura municipal e organizaes da sociedade civil como co-responsveis pela prestao dos servios. Para outros, municipalizar pode querer dizer prefeiturar, entendendo assim a exclusividade da administrao municipal no processo. (LOBO, 1990, p. 7-8).

    Essas diferentes abordagens, de certa forma, mostram as crticas apresentadas

    municipalizao feitas pelos chamados centralistas:

  • 26

    [...] que no reconhecem nos governos locais capacidade para gerir os programas. Partem tambm daqueles que acusam os prefeitos municipais de serem historicamente clientelistas, adeptos do fisiologismo partidrio e propensos corrupo. (LOBO, 1990, p. 7).

    Argumentos refutados pela autora ao lembrar que o clientelismo, o fisiologismo

    e a corrupo no serem peculiaridades exclusivas dos governos locais. Ao contrrio,

    freqentemente o governo federal est nas pginas dos jornais exatamente pelos mesmos

    motivos. (LOBO, 1990, p. 8).

    A expresso municipalizao do ensino, quando utilizada para o ensino

    fundamental, pode ser entendida de duas maneiras, a saber:

    Como a iniciativa, no mbito do poder Municipal, de expandir suas redes de ensino, ampliando o nvel de atendimento por parte desta esfera da ampliao pblica; como o processo de transferncia de rede de ensino de um nvel da Administrao Pblica para outro, geralmente do estadual, para o municpio. (OLIVEIRA, 2003, p. 3).

    Nesse contexto em que a descentralizao considerada como viabilizadora dos

    servios sociais no mbito educacional, ela analisada, conforme Hevia, a partir de trs

    campos ou domnios: gesto econmico-financeira, administrativa e pedaggica curricular.

    (HEVIA, 1991, p. 23 apud OLIVEIRA, 1999, p. 17). Para Flores:

    a) do ponto de vista da gesto econmico-financeiro se d desde a Constituio Federal de 1934, presente na Constituio Federal de 1946, na Emenda Constitucional de 1969 (no caso dos Municpios, atualmente pela Constituio Federal de 1988, reformulada pela Emenda Constitucional 14/96); b) do ponto de vista administrativo, a descentralizao se d desde o Ato adicional de 1834; c) do ponto de vista curricular, se d desde a lei 4024/61, ampliada pela lei 5692/71, mantida na Lei 9394/96. Do ponto de vista pedaggico sempre houve a descentralizao uma vez que imposies metodolgicas tm sido fadadas ao fracasso. (FLORES, 2007, p. 21).

    Complementando o que foi exposto sobre a descentralizao, no mbito da gesto

    econmico-financeira, um exemplo a ser citado a Emenda Constitucional 14/96, a qual deu

    origem ao FUNDEF. O FUNDEF foi uma poltica de descentralizao de recursos para o

    ensino fundamental. Apesar de esse Fundo ter estabelecido o aporte financeiro para o

    favorecimento de apenas um dos nveis da educao, Ramos opina positivamente sobre ele,

    afirmando que embora o aporte financeiro no seja o nico critrio para se aquilatar a

    exeqibilidade da poltica social, fcil reconhecer que sem ele ou com o volume cada vez

    menor de recursos - esta no ser viabilizada. (RAMOS, 2003, p.185).

  • 27

    Nesse sentido, as polticas pblicas constituem um caminho para a manuteno

    das reas sociais, como educao, sade, habitao etc. De acordo com Farenzena:

    No perodo de transio para a democracia o pleito pela descentralizao inseriu-se na luta maior pela democratizao da sociedade, quer dizer, pelo iderio de aumento da participao social, a inclua a assuno de maior autonomia e poder de deciso pelos estados e municpios [...], foram os impulsos democratizantes que deram forma s propostas das polticas sociais no final dos anos 80. (FARENZENA, 2006, p. 59 - 60).

    A autora, alerta sobre a via de mo dupla ocorrida com essas conquistas, pois

    no processo de descentralizao no Brasil os governos municipais foram assumindo maiores

    encargos na poltica social, inexistindo, contudo, um planejamento nacional, com o governo

    federal muitas vezes se opondo ao processo. (FARENZENA, 2006, p. 61).

    De acordo com o que foi apresentado, foi possvel assegurar que as polticas

    sociais so as mais afetadas pela descentralizao e que a deciso de desaglutinar obrigaes

    para com a sociedade do poder central s esferas municipais no necessariamente

    democratizar. Alm disso, essa polmica entre descentralizao e desconcentrao se torna

    evidente na discusso sobre o financiamento educacional principalmente nas polticas de

    fundo, que so recursos subvinculados enviados pela Unio aos municpios com fins

    especficos, num discurso de viabilizar o trabalho do prefeito municipal na soluo de seus

    problemas educacionais, o que, de certa forma, inviabiliza o discurso da autonomia dos entes

    federativos, trazendo tona a centralidade dessas polticas que so apenas impostas. No

    entanto essas vinculaes possuem suas histrias de idas e vindas nas Constituies

    Brasileiras o que entenderemos a seguir.

    1.2 A vinculao e a subvinculao dos recursos para a educao

    A vinculao de recursos direcionados educao para Ramos, apoiando-se em

    Monlevade (1997), teve origem com a chegada dos jesutas ao Brasil a mando da Coroa

    Portuguesa que financiou o ensino, utilizando-se de duas fontes:

    A primeira fonte a que se refere o autor diz respeito ao dote inicial, garantido pelo Estado portugus e destinado a instalao do colgio, inicialmente na ento Bahia de Todos os Santos, e depois nas outras capitanias, incluindo-se a as salas de aula, a igreja e o alojamento para os religiosos e alunos internos. A segunda fonte viria da explorao das terras e dos animais, tambm doados por Portugal, e que

  • 28

    possibilitaria aos padres a sua sobrevivncia e s escolas sua multiplicao. (RAMOS, 2003, p. 229).

    Com a expanso das escolas no Brasil ocorre tambm a expanso dos domnios

    financeiros dos jesutas que, a partir da, comearam a ameaar o poderio de Portugal em sua

    colnia, j que a economia portuguesa estava abalada devido escassez do ouro e ao baixo

    preo do acar. Isso motivou Portugal a expulsar os jesutas por mediao de seu primeiro-

    ministro Marqus de Pombal. Pombal substituiu o modelo jesutico por outro, financiado por

    Portugal . a partir da que

    surge a cobrana do subsdio literrio, arrecadado por meio das Cmaras Municipais para custear as escolas, servindo particularmente ao pagamento dos professores, recrutados entre aqueles que soubessem mais e quisessem lecionar e indicados por algum vereador que solicitava ao rei a autorizao para seu apadrinhado ministrar aulas, na sacristia de uma igreja ou em um cmodo da prpria casa. (MONLEVADE 1997, p. 24 apud Ramos, 2003).

    Esse subsdio Literrio cobrado para manter as escolas incide sobre as atividades

    econmicas ligadas aos aougues, alambiques de cachaa e fbricas de vinho, financiando o

    novo sistema de aulas rgias, implementado pelo Marqus de Pombal, e que a partir de 1810

    passa a sofrer as conseqncias da lenta e gradual presso demogrfica. (RAMOS, 2003, p.

    231).

    Alm de ser um imposto de difcil cobrana, o subsdio literrio era insuficiente

    para manter as escolas em funcionamento. Posterior a esse acontecimento, a Constituinte de

    1823 traz tona a discusso da questo educacional, resultando, com isso, no fato de que a

    educao bsica ficou absolutamente relegada iniciativa privada at o ato Adicional de

    1834. (CHIZOTTI , 2001, p. 50). Devido ao centralismo dessa primeira constituio, reaes

    foram provocadas, como expe Sucupira: A apertada centralizao de nossa primeira

    Constituio de 1824 produziu a reao poltica do Ato Adicional de 1834 e a garantia da

    instruo primria gratuita que ela dava aos brasileiros tornou-se dever das provncias.

    (SUCUPIRA, 2001, p. 59). Ramos complementa afirmando que Por isso, a soluo, mais

    uma vez, passa pela descentralizao das responsabilidades: um Ato Adicional

    Constituio, em 1834, em um de seus dispositivos, atribui s Provncias, o encargo de criar e

    custear as escolas pblicas. (RAMOS, 2003, p. 232).

    A descentralizao do ensino tambm vem consagrada, segundo Romanelli, na

    primeira Constituio Republicana:

  • 29

    A Constituio da Repblica de 1891, que instituiu o sistema Federativo de governo, consagrou tambm a descentralizao do ensino, ou melhor, a dualidade de sistemas, j que, pelo seu artigo 35, itens 3 e 4, ela reservou Unio o direito de criar instituies de ensino superior e secundrio nos Estados e prover a instruo secundria no Distrito Federal, o que, conseqentemente, delegava aos Estados competncia para prover e legislar sobre a educao primria. A prtica, porm, acabou gerando o seguinte sistema: Unio cabia criar e controlar a instruo superior em toda a nao, bem como criar e controlar o ensino secundrio acadmico e a instruo em todos os nveis do Distrito Federal, e aos Estados cabia criar e controlar o ensino primrio e o ensino profissional, que, na poca, compreendia principalmente escolas normais (de nvel mdio) para moas e escolas tcnicas para rapazes. (ROMANELLI, 2001, p. 41).

    Aps essa diviso para com o ensino, estabelecida na Constituio de 1891, um

    novo movimento de recentralizao ocorreu de 1930 a 1945:

    [...] vrios movimentos e dissenses na dcada de 1920, a quebra do caf em 1921, e de maneira mais aguda em 1929, o constante estado de stio, o crescimento, embora tmido, da camada mdia, as exigncias da industrializao nascente e o esgotamento da poltica do caf com leite levaram a um impasse culminando com a tomada do poder por Getlio Vargas em 1930. Iniciou-se, com isso, o perodo de rescentralizao poltica, marcando o fim do modelo econmico agro-exportador e partindo para o da substituio de importaes. Esse perodo de centralizao vai de 1930 a 1945, aumentando consideravelmente a dependncia dos Estados e Municpios. (OLIVEIRA, 1999, p. 20 - 21).

    No entanto, mesmo sendo um perodo de centralizao, na Constituio de 1934

    foi instituda a vinculao para manuteno e desenvolvimento do ensino:

    A Unio e os Municpios aplicaro nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Districto Federal nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos, na manuteno e no desenvolvimento dos sistemas educativos (sic). A seguir, no pargrafo nico desse mesmo artigo, fica tambm determinado que para a realizao do ensino nas Zonas rurais, a Unio reservar, no mnimo, vinte por cento das quotas destinadas educao no respectivo oramento annual (sic) (Brasil. Constituies do Brasil, 1994, p. 668-669). Assim, alm da vinculao, ficava determinada tambm uma subvinculao de recursos para o ensino rural. (BRASIL. CONSTITUIES DO BRASIL, 1934, p. 668-669 apud RAMOS 2003, p. 233- 234).

    Depois do Golpe de Estado em 1937, por Getlio Vargas, e durante o Estado

    Novo acontece a desvinculao dos recursos para a educao. Segundo Oliveira (1995, p.

    125), na Constituio de 1937 foi suprimida, sendo reintroduzida em 1941, como

    conseqncia da Conferncia Interestadual de Educao, que prope

    a criao do Fundo Nacional do Ensino Primrio e o Convnio Nacional de Ensino Primrio. O primeiro foi institudo pelo Decreto-Lei n 4958, de 14.11.1942, com a criao de seus recursos realizada pelo Decreto-Lei n 6.785 de 11.08.1944, cuja

  • 30

    fonte era um adicional de 5% sobre as taxas do imposto de consumo sobre bebidas (art. 4, 2 do Decreto-Lei n 739, de 24.09.1938) e o segundo assinado em 16.11.1942 foi ratificado pelo Decreto-Lei n 5.293, de 1.3.1943. (OLIVEIRA 1995, p. 125).

    Esse convnio significava um compromisso dos Estados signatrios de aplicarem

    em educao, no ano de 1944, 15% da receita de impostos e os municpios, 10%; tanto uns

    quanto outros aumentariam suas alquotas em 1% ao ano, at atingir-se a marca de 20% e

    15% respectivamente, no ano de 1949. (OLIVEIRA, 1995, p. 125).

    Essa reintroduo da vinculao oramentria ocorre mediante Decretos leis, e,

    com a promulgao da Constituio de 1946, ela volta a ter fora constitucional com

    os mnimos percentuais oramentrios para esse setor, fixando-os em 10% para a Unio e 20% para os Estados e Municpios, da renda resultante de impostos. Estabeleceu que cabe Unio o controle do sistema federal de ensino e dos Territrios e suplementarmente s regies que necessitassem, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal a organizao de seus sistemas de ensino. (OLIVEIRA, 1999, p. 22).

    Essa Constituio estabeleceu ainda que deveria ser elaborada uma Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB). Esse projeto da LDB teve longa tramitao,

    sendo aprovado apenas em 1961, sob o nmero 4.024. Essa lei criou os Conselhos Federais e

    Estaduais de Educao, mas manteve um carter autoritrio ao legislar que esses Conselhos

    deveriam ser regidos por membros nomeados pelos respectivos governos. Os percentuais para

    a educao tambm foram alterados, dos 10% para Unio e 20% para os estados e municpios,

    estabelecidos pela Constituio de 1946, o percentual passou a ser regido da seguinte forma:

    a Unio aplicar pelo menos 12%, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios 20%. Os Fundos Nacionais do Ensino Primrio, do Ensino Mdio e do Ensino Superior foram constitudos, em parcelas iguais, com nove dcimos dos recursos federais destinados educao (Art. 92, 1), muito embora o nmero de alunos atendidos, nos diferentes nveis, no fosse igual e s o ensino primrio fosse obrigatrio e gratuito. (OLIVEIRA, 1999, p. 24).

    Com o golpe militar de 1964 e a Constituio promulgada por esse regime, toda

    vinculao oramentria foi suprimida, s ocorrendo novamente alguma vinculao

    oramentria em 1969, limitada aos municpios por conta da Emenda Constitucional n 1

    de 1969 retomou-a para os municpios. Na Lei n 5.692/71 (artigo 59), a vinculao para os

  • 31

    municpios mantida, com alquota de 20% da receita tributria e aplicao vinculada ao

    ensino de 1 grau. (OLIVEIRA, 1995, p. 125). Segundo Oliveira (1995, p. 125):

    A Emenda Constitucional n 1, de 1969. Em seu art. 15, 3, alnea f , afirma a autonomia municipal e a forma como ser assegurada, prevendo os casos em que poder ocorrer a interveno nos municpios. Em sua alnea f prev que esta poder ocorrer se no tiver havido aplicao, no ensino primrio, em cada ano, de vinte por cento, pelo menos, da receita tributria municipal. (OLIVEIRA 1995, p. 125). .

    Conforme foi colocado, a Emenda Constitucional n 1 trouxe a autonomia

    municipal no seu teor, no entanto, de forma restrita, j que trouxe tambm uma punio - a

    interveno - pela no aplicao dos recursos no ensino primrio.

    Todavia, com fortes questionamentos em torno do retorno dessa vinculao

    restrita aos municpios, foi aprovada, passados 14 anos, a Emenda Calmon no ano de 1983,

    que alterou os mnimos oramentrios para a educao, ficando a Unio obrigada a aplicar

    pelo menos 13%; os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, 25% da receita de impostos

    e transferncias. Essa emenda foi regulamentada apenas em 1985, e aplicada em 1986. Ano

    em que foi criada a Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao (UNDIME),

    entidade em que a maioria de seus membros era a favor da municipalizao. No contexto

    desses movimentos, ocorre novamente a democratizao do pas, com a lenta reabertura

    democrtica em meados da dcada de 1980. Essa redemocratizao teve como consequncia a

    conquista dos opositores ao regime militar em 1982, a vitria indireta de Tancredo Neves em

    1985 e o expressivo triunfo dos que eram contra ao regime militar em 1986. Todos esses fatos

    conduziram convocao da Constituinte em 1987, que seria elaborada e passaria a vigorar

    em 1988 (OLIVEIRA, 1999, p. 26-27).

    Ressalte-se que a presena de recursos atrelados legislao brasileira teve uma

    relao direta com o fato de o pas estar ou no sob regime ditatorial:

    ao analisar todo esse caminho da vinculao de impostos para a educao, ressalta-se que, justamente nos perodos de fechamento poltico, tal princpio foi suprimido no Brasil, depois de instalado em 1934. Ocorreu em 1937, com a ditadura do Estado Novo, finda em 29 de outubro de 1945, com a deposio do presidente Vargas, e, em 1967, em meio ditadura militar, que perdurou de 31 de maro de 1964 at a posse do presidente Jos Sarney, em 1985. (AMARAL, 2003, p. 143).

    Pode-se afirmar tambm que em pocas de vinculao financeira, verifica-se um maior

    controle social sobre os recursos aplicados em educao como assegura Oliveira quando

    afirma que: em tempos de vinculao, nossos governantes aprendem a prestar contas de

  • 32

    acordo com as normas, sem alterar substantivamente as aplicaes de recursos. (OLIVEIRA,

    1998 apud AMARAL, 2003, p. 143). O quadro 1 que segue apresenta um resumo das

    vinculaes de recursos financeiros destinados educao ao longo do tempo:

    Quadro 1 - Alquotas da vinculao de recursos para a educao no Brasil de 1934 a 1996

    Fonte: Ramos (2003, p. 239).

    A Constituio de 1988 estabeleceu ndices para o financiamento da educao de

    acordo com o Art. 212, em que: A Unio aplicar, anualmente, nunca menos de 18%, e os

    Estados, o Distrito Federal e aos Municpios, 25% por cento, no mnimo, da receita resultante

    de impostos, compreendida a proveniente de transferncias, na manuteno e

    desenvolvimento do ensino. (BRASIL, CF, 1988).

    4 Referem-se aos Decretos-Leis n4958/42, que criou o Fundo Nacional do Ensino Primrio, e n 5293/43, que ratificou o Convnio Nacional do Ensino Primrio. Observe-se que os porcentuais de 15% e 10% da receita de impostos, previstos para o ano de 1944, deveriam ser acrescidos em 1% ao ano at atingirem a marca de 20% e 15%, para Estados e municpios, respectivamente, at 1949. (RAMOS, 2003, p. 239).

    Anos Instrumento Legal Vincula Suprime Porcentuais sobre a receita (%)

    Unio Estados/DF Municpios

    1934 CF X 10 20 10

    1937 CF X Nenhuma Nenhuma Nenhuma

    1942/43 Decretos-Lei 4.958/424 X Nenhuma 15 10

    1946 CF X 10 20 20

    1961 LDB (Lei n 4024) X 12 20 20

    1967 CF X - - -

    1969 EC n1 X - - 20

    1971 LDB 5.692 X - - 20

    1983 EC. N 24(Lei Calmon) X 13 25 25

    1988 CF 88 X 18 25 25

    1996

    EC. N14 e Lei n

    9424/96 (FUNDEF)

    No altera a vinculao nem os porcentuais, mas subvincula

    recursos para o ensino fundamental

    18 25 25

  • 33

    Para Dourado, no perodo posterior Constituio, a reforma do Estado pautada

    em ideais neoliberais, juntamente com as polticas educacionais desenvolvidas para que a

    nao possa crescer e se desenvolver:

    fundamental ressaltar a busca da organicidade das polticas, sobretudo no mbito do governo federal e de alguns governos estaduais, na dcada de 1990, quando, em consonncia com a reforma do Estado e a busca de sua modernizao, se implementaram novos modelos de gesto, cujo norte poltico-ideolgico objetivava, segundo Oliveira (2000, p. 331), (...) introjetar na esfera pblica as noes de eficincia, produtividade e racionalidades inerentes lgica capitalista. No campo educacional, h que se destacar, ainda, o importante papel desempenhado pelos organismos multilaterais na formulao de polticas educacionais no perodo. (DOURADO, 2007, p. 926).

    Essas mudanas organizacionais de 1990 refletiram principalmente no ensino

    bsico, na formulao de suas polticas que vinham orientadas por organismos multilaterais,

    porm essa foi a Dcada da Educao em funo das discusses desenvolvidas na

    Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada em Jomtiem na Tailndia, no

    perodo compreendido entre 5 a 9 de maro de 19905. Dessa Conferncia, posies

    consensuais foram sintetizadas na Declarao Mundial de Educao para Todos e no Plano de

    Ao para atender as necessidades bsicas de aprendizagem. Tal declarao deveria constituir

    as bases para o Plano Decenal de Educao para Todos, destinado aos vrios pases afetados

    pela crise do desenvolvimento capitalista desde o ano de 1970, dentre eles o Brasil.

    (OLIVEIRA, 1999, p. 28). Essa reunio foi organizada e convocada por:

    Quatro agncias da ONU: Fundo das Naes Unidas para Infncia (UNICEF), Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO) e Banco Mundial. A Conferncia reuniu cerca de 1500 participantes, entre os quais delegados de 155 pases (autoridades ou especialistas), representantes de organismos internacionais e bilaterais e de organizaes no-governamentais. (FARENZENA, 2006, p. 250).

    5 De acordo com Romo, citado por Farenzena, cabe ressalvar, entretanto, que o Plano Decenal tem razes em mobilizaes realizadas no Brasil j desde 1988, as quais buscaram sensibilizar o governo federal a tomar iniciativas para que o pas participasse do Ano Internacional da Alfabetizao (1990). Foi no mbito da Comisso Nacional do Ano Internacional da Alfabetizao, instalada no final de 1998, que se definiu a necessidade de realizar uma Conferncia Nacional de Educao para Todos, concebida como a culminncia de um amplo processo de mobilizao e organizao da sociedade civil em torno das questes educacionais. Em 1990, foi instituda a Comisso do Programa Nacional de Alfabetizao e Cidadania, esbarrando, todavia, em significativas resistncias do MEC, pelo qual foi sendo protelada a realizao da Conferncia. A partir do Governo Itamar Franco, o Ministrio passou envolver-se efetivamente com a agenda da Educao para Todos. (ROMO, 1995 apud FARENZENA, 2006, p. 251).

  • 34

    Todavia as proposies discutidas nessas reunies, que deram origem ao Plano

    Decenal de Educao para Todos no governo de Itamar Franco, no foram acolhidas no

    governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o envio ao Congresso Nacional do

    Projeto de Emenda Constitucional - PEC 233-A/95. Conforme Farenzena, essa proposta que

    gerou a Emenda n. 14/96 Constituio de 1988, teve origem no Poder Executivo Federal,

    em 1995, e representou a imposio de inflexes a diretrizes, objetivos ou metas que vinham

    sendo construdos nos espaos do Plano Decenal e da LDB. (FARENZENA, 2006, p. 247).

    Essa emenda era tambm chamada de Emenda da Educao, propunha alteraes nos artigos

    34, 206, 207, 208, 211 e 60 das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT). Os pontos

    alterados abrangiam os seguintes itens:

    1- prevista a interveno nos Estados e Distrito Federal quando no forem aplicados os mnimos oramentrios em educao (Art. 34, e); alterao que d coerncia interna ao texto constitucional uma vez que s os municpios eram passveis dessa medida; 2- em relao ao dever do Estado para com a educao (Art. 208), foi alterada a redao do inciso I, assegurando acertadamente o ensino fundamental obrigatrio e gratuito a todos, independente da idade; foi dada nova redao ao inciso II, substituindo a progressiva extenso da obrigatoriedade por progressiva universalizao do ensino mdio gratuito, substituio esta que na prtica pode postergar o oferecimento desse nvel de ensino. 3- o Artigo 211 teve alterao em seus dois pargrafos: no 1 o Congresso alterou o projeto incluindo a obrigao da Unio que financiar as instituies de ensino pblico federal e que garantir padro mnimo de qualidade do ensino, mediante assistncia tcnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e aos Municpios, esses acrscimos explicitam a obrigao da Unio com os demais entes federados; no 2 deu maior abrangncia atuao prioritria dos Municpios, substituindo a expresso pr-escolar por educao infantil, mudana esta necessria por incluir a educao para os de zero a seis anos. 4- Art. 60 das Disposies Transitrias rezava que o poder pblico destinaria, por um prazo de dez anos, pelo menos 50% do oramento da educao para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental; a Emenda determinou tambm que a Unio deveria aplicar o equivalente a nunca menos que 30% de para esta destinao (6) e que os Estados, o Distrito Federal e os Municpios devem destinar 60% para essas atividades; prev ainda a criao no mbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio, conhecido como Fundo, Fundo ou FUNDEF, de natureza contbil. (OLIVEIRA, 1999, p. 29).

    O FUNDEF foi apresentado como uma medida nova para o financiamento do

    ensino fundamental e trouxe uma srie de novidades no interior de sua lei, porm estudos

    indicam que ele mesmo no uma novidade, ele pode ter tido origem nas idias de Ansio

    Teixeira. Segundo Amaral (2001, p. 277):

  • 35

    O professor Ansio Teixeira, em seu artigo Bases preliminares para o plano de educao referente ao Fundo Nacional de Ensino Primrio (1962) e no livro Educao um direito (1968), apresenta um modelo para o financiamento do ensino primrio vigente poca, e que, em seus aspectos metodolgicos, assemelha-se ao Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef), institudo pela Emenda Constitucional n 14 de 12 de setembro de 1996.

    Pelo que apontou Amaral, a discusso acerca desse Fundo no foi indita, mesmo

    que isso (ser indito) tenha sido evidenciado em sua implantao. Todavia, diferenas

    importantes foram apresentadas. Segundo esse autor, caso o FUNDEF se baseasse nas idias

    de Ansio Teixeira, em que o custo/aluno/ano era calculado a partir da definio do salrio

    do professor, poderia proporcionar um: [...] acrscimo nos recursos atualmente aplicados,

    ainda insuficiente, compatvel com a riqueza nacional, o que proporcionaria o oferecimento

    de um ensino fundamental obrigatrio de melhor qualidade e uma real valorizao do

    magistrio. (AMARAL, 2001, p. 288).

    Infelizmente, o que foi visto na Lei do FUNDEF que no houve medidas para

    melhorar a valorizao docente e a qualidade do ensino, mas, sim, aumentar o rigor na

    fiscalizao da aplicao dos recursos, levando a entender que os recursos existentes eram

    suficientes, havia a necessidade apenas de garantir as\aplicaes desses recursos, mesmo que

    fosse preciso uma medida extrema de interveno de um ente federativo a outro.

    Alm da instituio do FUNDEF, foram implementadas, no governo de Fernando

    Henrique Cardoso, diversas medidas educacionais sintetizadas por Freitas:

    Educao para Todos, Plano Decenal, Parmetros Curriculares Nacionais, diretrizes curriculares nacionais para a educao bsica, para a educao superior, para a educao infantil, educao de jovens e adultos, educao profissional e tecnolgica, avaliao do SAEB - Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica -, o Exame Nacional de Cursos (Provo), ENEM - Exame Nacional de Ensino Mdio - , descentralizao, FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento Fundamental e de Valorizao do Magistrio -, Lei da Autonomia Universitria, novos parmetros para as IES, so medidas que objetivam adequar o Brasil nova ordem, bases para a reforma educativa, que tem na avaliao a chave-mestra, que abre caminho para todas as polticas: de formao, de financiamento, de descentralizao e gesto de recursos. (FREITAS, 2002, p. 142).

    Essas vrias medidas tiveram cunho gerencial, em que a avaliao seria a base

    para o desenvolvimento educacional, em especfico o ensino fundamental, que deteve recurso

    especfico do FUNDEF, o qual provocou uma srie de mudanas na educao, dentre elas um

    nivelamento de recursos por matrcula dentro de cada estado:

  • 36

    A redistribuio do FUNDEF entre o governo estadual e os municpios promoveu um nivelamento de recursos por matrcula dentro de cada estado (porm no em termos nacionais), de modo que os governos com poucos recursos e muitas matrculas em termos proporcionais ganhassem dos governos com muitos recursos e poucas matrculas. (DAVIES, 2006, p. 575).

    Conforme o autor, esse Fundo induziu a um processo de municipalizao e se

    instalou, mudando a rotina de vrios municpios brasileiros, os quais, na esperana de obterem

    mais recursos, superlotaram suas escolas at mesmo fazendo campanhas para adquirir alunos.

    interessante assinalar que alm dessa mudana foi preciso, para a implantao do FUNDEF,

    que o municpio criasse o Plano de Cargos e Carreira e o Conselho Municipal de Educao

    (CME), o que, de certa forma, melhorou os salrios dos professores e promoveu um melhor

    acompanhamento da educao no municpio.

    Nesse sentido, o FUNDEF se configurou como um Fundo de caractersticas

    descentralizadoras de recursos financeiros, de induo municipalizao que, no entanto,

    necessita de uma outra leitura para o entendimento do que seja sua descentralizao.

    No prximo item, entenderemos melhor essa subvinculao, o FUNDEF, uma poltica

    de financiamento exclusivamente para o ensino fundamental.

    1.3 O Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do do Magistrio (FUNDEF)

    O FUNDEF, inserido na poltica de financiamento da educao pela Lei n 9.424

    de 24 de dezembro de 1996, definia recursos financeiros que se destinavam exclusivamente

    ao ensino fundamental pblico. Esses recursos deveriam ser aplicados nas despesas

    enquadradas como de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino, previstas no Art. 70 da

    Lei Federal n 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB/96). O FUNDEF,

    definido no final do ano de 1996, foi implantado nacionalmente em 1 de janeiro de 1998 e

    possua como prazo para seu trmino o dia 31 de dezembro de 2006.

    A CF/88 vincula 25%, no mnimo, das receitas resultantes dos impostos de

    estados e municpios Manuteno e Desenvolvimento do Ensino. A EC n. 14/96

    estabeleceu que 60% desses recursos, o que representa 15% da arrecadao de Estados e

    Municpios, ficariam reservados ao ensino fundamental e constituiriam o FUNDEF.

  • 37

    A Lei do FUNDEF previu a fixao de um valor per capita aluno/ano assegurado

    no mbito de cada estado, que seria calculado com base na previso da receita do FUNDEF

    dividida pelo nmero de alunos do ensino fundamental (regular, especial) das redes pblicas

    Estaduais e Municipais do ano anterior, nmero esse que seria divulgado pelo censo escolar

    realizado pelo MEC. O valor estipulado em 1998, pelo governo federal, foi de R$ 315,00 e, se

    o estado no alcanasse esse valor mnimo aluno/ano, a Unio completaria a diferena.

    Os recursos desse Fundo seriam distribudos no mbito de cada Estado e do

    Distrito Federal por repasses em contas especficas do FUNDEF. Esses repasses eram

    automticos, ou seja, transferidos com a mesma periodicidade em que eram creditados os

    valores das fontes Mes6 e seriam enviados aos estados e municpios. De acordo com a Lei

    n 9.424/96, eram compostos pelo: Fundo de Participao dos Estados (FPE); Fundo de

    Participao dos Municpios (FPM); Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios

    (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados Exportados (IPI-exp); Lei Complementar

    87/96 - Lei Kandir- compensao financeira prevista para as perdas provocadas pela

    desonerao do ICMS das exportaes. Tambm compunha esse Fundo os recursos da Unio

    quando o valor mnimo estipulado por aluno no fosse alcanado.

    O acompanhamento e o controle social desses recursos eram feitos pelos

    Conselhos de Acompanhamento e Controle social (CACs) dos recursos do FUNDEF.

    Conforme a Lei do FUNDEF, em seu Art. 4:

    O acompanhamento e o controle social sobre a repartio, a transferncia e a aplicao dos recursos do Fundo sero exercidos, junto aos respectivos Governos, no mbito da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, por Conselhos a serem institudos em cada esfera no prazo de cento e oitenta dias a contar da vigncia desta Lei. (BRASIL, LEI 9424 de 1996, Art.4).

    Os membros do Conselho no mbito federal eram constitudos por seis pessoas; no

    estadual, por sete; no Distrito Federal, por cinco; e, no municipal, no mnimo, por quatro

    pessoas. Tais membros foram representados pela Secretaria Municipal de Educao (um

    deles), pelos professores, diretores das escolas pblicas do ensino fundamental, pelos pais de

    alunos e servidores dessas escolas. Todos eles foram escolhidos pelo segmento que

    representam, tendo como tarefa: acompanhar, controlar, supervisionar e aprovar os recursos

    do municpio. O CACs no era o gestor ou administrador dos recursos do FUNDEF, cabia a

    ele apenas acompanhar a aplicao dos recursos, sem nenhum tipo de remunerao (BRASIL,

    LEI 9424/96).

    6 Fontes Mes: contas de origem do recurso.

  • 38

    Na Lei do FUNDEF tambm era especificado sanes pelo no cumprimento da

    aplicao de seus recursos, sendo a mais grave delas a interveno. Conforme essa Lei, os

    responsveis pelos sistemas de ensino - TCU, TCE e TCM teriam que criar mecanismos

    adequados fiscalizao. Conforme pode ser percebido na redao da Lei n 9.424/96, Art.

    11:

    Os rgos responsveis pelos sistemas de ensino, assim como os Tribunais de Contas da Unio, dos Estados e Municpios, criaro mecanismos adequados fiscalizao do cumprimento pleno do disposto no art. 212 da Constituio Federal e desta Lei, sujeitando-se os Estados e o Distrito Federal interveno da Unio, e os Municpios interveno dos respectivos Estados, nos termos do art. 34, inciso VII, alnea e, e do art.35, inciso III, da Constituio Federal. (BRASIL, LEI 9424, Art. 11).

    Com durao at 31 de dezembro de 2006, o FUNDEF promoveu mudanas

    importantes na configurao do ensino fundamental, pois proporcionou recurso especfico

    para o seu custeio. Com a posse de Luiz Incio Lula da Silva na presidncia da Repblica em

    2003, iniciou-se a discusso sobre a ampliao do FUNDEF com o propsito de que ele

    pudesse abranger toda a educao bsica7. importante salientar os seguintes pontos sobre o

    FUNDEF, apresentados no relatrio do Ministrio da Educao (MEC)8:

    O Fundo de mbito Estadual, o que significa afirmar que no se verifica inter-relacionamento e transferncia de recursos entre governos localizados em Estados diferentes. A redistribuio financeira ocorre entre o governo estadual e seus municpios, e entre os prprios municpios, localizados dentro de cada um dos 26 Estados, de forma independente (no Distrito Federal no se verifica movimentao de recursos, pela existncia de apenas um governo);

    Os valores devidos a cada governo (estadual ou municipal) obedecem proporcionalidade do nmero de alunos do ano anterior (dados do Censo Escolar), atendidos em cada rede de ensino, tomando-se o universo de alunos no mbito do respectivo Estado;

    Os recursos so creditados em contas especficas mantidas no Banco do Brasil;

    O valor creditado resulta do valor arrecadado, oscilando, portanto, em funo do comportamento das receitas (contribuio dos Estados e Municpios);

    A Complementao da Unio creditada em parcelas mensais, definidas por Estado, cujos valores so previamente publicados pelo Ministrio da Fazenda. (BRASIL/MEC, 2003, Port. 71).

    7 Dessa forma, o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e Valorizao dos Profissionais da Educao (FUNDEB) foi aprovado em 11 de junho de 2007, pelo Congresso Nacional, sob a Lei 11.494/07. Para Davies (2001, p.45), a proposta do FUNDEB um avano em relao ao FUNDEF porque abrange a Educao Bsica como um todo. 8Estudo sobre o valor per capita aluno/ano do FUNDEF, obtido no relatrio Final do Ministrio da Educao (MEC) - Grupo de Trabalho. Portarias n 71, de 27 de janeiro de 2003, e n 212, de 14 de fevereiro de 2003. Disponvel em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/relatrio2003.pdf. Acesso em: 15 de maio de 2009.

    http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/relatrio2003.pdf

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    A fixao de um valor per capita aluno/ano foi tambm assegurado aos governos

    estaduais e municipais pelo FUNDEF. Caso a relao entre a previso da re