O futebol ontem, hoje e amanhã
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O futebol ontem, hoje e amanhã: Uma análise histórica, filosófica e sociológica do esporte no Brasil
Resumo
Este projeto descreve uma análise sobre o futebol e sua trajetória no Brasil, desde sua chegada até a sua expansão e popularização. O objetivo é compreender as mudanças durante o desenvolvimento da modalidade no país, analisando os momentos históricos, desde a modernidade até a contemporaneidade e perceber o que foi mais decisivo para transformá-lo em espetáculo midiático, num fenômeno da indústria cultural. O trabalho apresenta uma concepção de literaturas específicas sob a ótica de sociólogos e filósofos, com ideologias que podem ser encontrados e relacionados com o tema abordado. No campo metodológico fizeram-se diversas pesquisas em livros, revistas e a plataforma da internet, além de um aprofundamento dos conteúdos abordados e discutidos em sala de aula. Constatou-se que a modalidade esportiva tratada sofreu várias transformações ao longo dos anos e que essas mudanças fizeram com que o futebol se tornasse um verdadeiro instrumento ideológico.
Palavras Chaves: Futebol. Modernidade. Indústria Cultural. Classes Sociais.
Neste artigo apresenta-se uma discussão a partir do futebol, o esporte mais
difundido no Brasil, levando em consideração a relação de classes e a sua prática, na
introdução e difusão pelo país, observando ainda a transição dos princípios da
modalidade, desde a sua chegada até os dias atuais, onde o futebol é visto como um
verdadeiro mercado, tanto de jogadores quanto de clubes. O projeto tem por finalidade
observar a influência do futebol em seu primeiro momento, como um esporte moderno e
tradicional, utilizado para descontração e mais tarde símbolo de lutas que foram
travadas dentro e fora do campo; e na sua contemporaneidade, como futebol arte
transformado em espetáculo esportivo. Além disso, pretende também perceber o que foi
mais determinante para a sua transformação num produto midiático, adaptado pela
indústria do entretenimento, que inverteu os valores sociais e culturais, presentes na
essência do esporte, num produto meramente mercantil onde clubes viraram empresas e
uniformes outdoors ambulantes.
Trata-se de um trabalho exploratório, circunscrito no campo da sociologia desse
esporte tão popular no Brasil. O tema “O futebol ontem, hoje e amanhã” é desenvolvido
nesse artigo sob a luz das transformações da modernidade e da contemporaneidade. Para
tanto, nos serviremos de autores como Karl Marx e suas ideologias, além Marshall
Berman, Herbert Marcuse para fazermos reflexões sobre a sociedade industrial
moderna. O referencial teórico adotado, portanto, se baseará em algumas teorias dos
autores supracitados.
Como procedimento metodológico, foi feita uma revisão dos conteúdos
trabalhados em classe e um aprofundamento da literatura sociológica especializada, em
livros e revistas, além de pesquisas a temas referentes através da plataforma da internet.
O texto está dividido da seguinte forma: Breve história do futebol brasileiro;
Principais características do esporte na sua introdução e difusão; Identidades Culturais e
as Lutas Sociais; O futebol e indústria cultural na modernidade; O futebol na
contemporaneidade: mudanças e perspectivas; e considerações finais, com reflexão
sobre o tema.
O futebol não é simplesmente mais um esporte. Dentre tantos outros, esse tem
um diferencial, tanto na forma de disputa quanto na sua popularidade no mundo inteiro.
Colocar pessoas num campo para correr atrás de uma bola e chutá-la até acertar a meta
do adversário parece uma coisa simples, às vezes, visto com desdenho por alguns
críticos antipatizantes da modalidade. Porém, o futebol abre um leque de discussões
quando analisado e estudado por uma ótica social, filosófica e cultural, fundamentado
por grandes pensadores e seus ideários.
O seu surgimento é incerto, leituras afirmam que existem resquícios de sua
prática ou, pelo menos, de algo parecido na China e na Itália, muito antes da Inglaterra,
país marcadamente conhecido como precursor do esporte no século XIX. Claro que os
termos “esporte” e “futebol” foram criados tempos depois destes indícios, o que existia
era algo parecido, um jogo com bola, que mais tarde viria a ser chamado de futebol.
Enfim, o esporte na sua modernidade, foi realmente engendrado na Inglaterra, onde foi
adotado um sistema de regras, tabelas e clubes, que eram formados basicamente por
operários das mais diversas fábricas espalhados pelo país. O surgimento dessa
modalidade esportiva pode ser considerada como uma atividade moderna de acordo
com o pensamento de Berman (1986):
Ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo que sabemos, tudo o que somos. (p.15)
Essa prática expandiu-se pelo mundo inteiro e tem um pouco de tudo isso que
foi proposto por Berman na sua visão do que é modernidade. Perpassado de forma
superficial sobre o surgimento do futebol, podemos analisar e perceber que os princípios
da modalidade do país inglês chegavam ao Brasil trazido por Charles Miller ainda no
final do mesmo século. O país da república velha, recém-proclamada, começava a dar
seus primeiros chutes e, como na Inglaterra, funcionários e donos de fábricas faziam
equipes para disputar partidas amistosas e descontraídas.
O primórdio da modalidade no Brasil incluía apenas pessoas elitistas e brancas,
no entanto, na década de 20, após lutas travadas, os negros foram aceitos no esporte,
transformando o mundo da bola em uma cultura, mistura de conhecimentos e quebra de
preconceitos, crenças, fazendo com que pessoas de díspares lugares se sentissem iguais.
Cultura esta reforçada de acordo com Santos (2004):
Cultura diz respeito à humanidade como um todo: ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos [...]. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas (p. 8-9).
Podemos fazer uma pequena inferência aqui e notar que o futebol representou
em seu primórdio no Brasil uma verdadeira luta de classes. Introduzido pela classe
burguesa inglesa que morava em São Paulo e no Rio de Janeiro, o futebol durante,
praticamente, toda República Velha, foi considerado um esporte para a elite, para os
brancos. Assim como nas lutas de classes trabalhadoras, apresentadas e argumentadas
por Karl Marx, o futebol também foi símbolo de confronto. Para Barbosa, Quintaneiro e
Oliveira (2003): A história das sociedades cuja estrutura produtiva baseia-se na apropriação privada dos meios de produção pode ser descrita como a história das lutas de classes. Essa expressão, antes de significar uma situação de confronto explícito - que de fato pode ocorrer em certas circunstâncias históricas - expressa a existência de contradições numa estrutura classista, o antagonismo de interesses que caracteriza necessariamente uma relação entre classes, devido ao caráter dialético da realidade. (p.43)
Diversas lutas foram travadas por clubes que tinham operários e negros em suas
equipes, a exemplo do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro e Santa Cruz, em Recife, que
por essa razão chegaram a ser expulsos de ligas. Com isso, o conflito entre a burguesia e
os operários, motivou a profissionalização do esporte no inicio dos anos 30. Enquanto
os clubes de elite se organizavam para disputar campeonatos, os operários e negros que
trabalhavam em diversas fábricas espalhadas no território brasileiro também se
organizavam, mas com um detalhe, esses clubes por serem pobres não faziam registro
de partidas e as fontes documentais, praticamente, negam a sua existência.
Com a expansão, popularização e profissionalização do esporte, a elite afastou-
se do futebol e os clubes passaram a ser administrados por negociantes, que apresavam
uma visão capitalista e sustentavam o ideário marxista das relações de classes. Onde as
classes sociais, para Marx, surgem a partir da divisão social do trabalho. Em razão dela,
a sociedade se divide em possuidores e não detentores dos meios de produção, pois, a
população muitas vezes acaba aceitando e sendo administrada por aqueles que detêm o
dinheiro, sem pensar no ideário conjunto.
No futebol isso acontece, pois, o jogador que lutou para conseguir diminuir as
desigualdades sociais, está cada vez se perdendo nesse quesito, sendo passivo muitas
aos seus empresários, que pensam cada vez mais no lucro do que na construção e
identidade social.
Começa o futebol a tomar outros rumos. Nas mãos de cartolas, empresários da
bola. Os jogadores começam a ganhar salários em troca de partidas. Além dos
vencimentos, os jogadores começam a ganhar prestígio perante a sociedade. Isso mais
tarde transformou o futebol num esporte que mexia com brio das pessoas que se
amontoavam para ver os jogos e as grandes disputas.
Durante o Estado Novo o desporto, assim como toda sociedade brasileira, passou
por profundas transformações, principalmente, na constituição de suas regras,
instituição e passagem do amadorismo para o profissionalismo, onde de fato o futebol
se tornou popular. Esse complexo processo de incorporação do futebol na sociedade
brasileira é compreendido como fenômeno social utilizado pelo Estado Novo para
esparzir valores ligados a um determinado caráter nacional.
O futebol foi, portanto, primordial na construção da identidade dos cidadãos e
dos diversos grupos sociais no país. De acordo com o pensamento do filosofo Stuart
Hall, existe três concepções de identidade (que é um conjunto vivo de relações sociais e
patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunhão de
determinados valores entre os membros de uma sociedade), são elas: sujeito do
Iluminismo, sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno.
O sujeito do Iluminismo baseava numa concepção da pessoa humana como um
indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de
consciência e de ação, cujo "centro" consistia na identidade de uma pessoa. Essa era
uma vertente muito individualista.
A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo
moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-
suficiente, mas era formado na relação com "outras pessoas importantes para ele", que
mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos, ou seja, a sua cultura.
Já no terceiro pensamento de identidade, Hall utiliza o termo: identidade pós
moderna, onde se encaixa o futebol. Esta analogia é caracterizada por o sujeito não ter
mais uma identificação fixa ou como diz Hall (1987, p.13) a identidade se tornou uma
“celebração móvel”, pois, o sujeito vai de acordo com o que lhe convir, e não mais pelo
amor. Exemplos claros são as constantes trocas de clubes que os jogadores fazem, onde
na sua apresentação oficial o jogador muitas vezes declara seu amor ao clube que vai
jogar, e quando é na outra semana, ele se transfere e também acaba proferindo amor ao
seu mais novo clube.
A mesma coisa acontece com o torcedor, um dia ele se identifica com
determinado jogador ou clube, e quando o seu time começa perder ou o jogador não
rende mais o esperado o torcedor acaba meio que deixando de lado esse fanatismo e
passa a glorificar outros clubes e outros ídolos da bola que estão no auge.
Na pós-modernidade, a identidade cultural tornou-se uma mola rotativa, onde o
sujeito não mais escolhe pela identificação, conceitos e ideais, mas sim, pelo simples
fato de que a maioria das pessoas idolatram e consomem o que está mais em ascensão.
A difusão do esporte, assim como as do ideário marxista, faz parte do
pensamento de milhões de pessoas mundo afora. Marx e outros teóricos seguidores de
sua ideologia, baseado no materialismo histórico e nos estudos sobre a economia,
acreditava que as práticas físicas eram utilizadas para desviar a atenção, que era a
tomada de poder proveniente do conflito entre a classe burguesa e a classe operária.
Assim, podemos notar que o esporte, além de atividade lúdica, foi utilizado como
instrumento ideológico e como elemento de manipulação de pessoas em vários
momentos da nossa história.
A sociedade passa por uma transição que direciona e só faz aumentar o desejo de
consumir o que o modo capitalista impõe. O futebol é exemplo claro da influência dessa
onda que contagia toda humanidade. Hoje é praticado por pessoas de diferentes raças e
níveis sociais. O futebol é considerado como a grande “paixão nacional” e no Brasil
verifica-se uma maior identificação das pessoas com tal esporte. Estima-se que 140
milhões de brasileiros são mobilizados pelo futebol, demonstrando a importância social
deste esporte que contém forte caráter de envolvimento coletivo. Esse encantamento
pelo espetáculo futebolístico é tamanho que leva as pessoas a adaptar a vida cotidiana
ao cronograma esportivo. Os domingos, por exemplo, transformaram-se em “dia de
futebol”, já que seus adeptos estão acostumados com a transmissão de partidas neste
dia.
A televisão acabou transformando o espetáculo em setor financeiro e vendedor
de produtos, preocupados com a audiência e o lucro. O capital virou a mãe-mestre do
futebol. Para Freitag (2004, p.71), o produto cultural integra a lógica do mercado e das
relações de troca deixa de ser “cultura” para tornar-se troca, um exemplo disso é o
futebol, explorado como um espetáculo midiático.
O futebol mexe com os corações das pessoas oscilando sentimentos diversos que
variam de alegrias a decepções de acordo com o decorrer da partida. Cabe perfeitamente
designá-lo como “o circo dos tempos modernos”, pois nenhum outro desporto provoca
tantas emoções a tanta gente. A expressão “pão e circo” foi utilizada pela primeira vez
na Antiga Roma como uma estratégia dos Imperialistas que providenciavam que não
faltasse pão e circo para a satisfação do povo romano. Essa atitude nada mais era que
uma jogada de mestre utilizada para distrair a população para que esta se mantivesse
alienada com relação aos problemas sociais existentes. Algo bastante similar ocorre com
o futebol.
No Brasil observa-se uma forte presença dessa espetacularização do futebol,
sendo explorado pelos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, jornal, etc.) e
outras formas de entretenimento baseadas na cultura, visando o lucro. As mídias
exploram a reprodução excessiva deste tema, fazendo com que as pessoas se prendam a
ele, de modo que acabam dando maior importância a essa modalidade esportiva
esquecendo-se dos reais problemas sociais do país, como os de ordem política e
econômica. Partindo do pressuposto de que “na indústria cultural tudo se torna
mercadoria” o que antes era uma arte, tornou-se um meio de manipulação e aquisição de
vantagens.
Um grande exemplo dessa alienação das pessoas perante os problemas sociais
brasileiros acontece nos anos de realização de Copas do Mundo que coincide com o
momento político de maior importância do Brasil, as eleições presidenciais. Percebe-se
que até o final da copa ou até a eliminação da seleção brasileira desta competição os
meios de comunicação não falam sobre outro assunto a não ser esse.
Certamente o futebol é o esporte preferencial do povo brasileiro e a sua
capacidade de aglutinação de pessoas é inegável. Esse fato foi logo percebido por
políticos e grandes empresários. Aliado a isso, os veículos de comunicação de massa se
utilizam de habilidades para manipular os envolvidos nos eventos esportivos, não
apenas para vender, mas também, para criar um perfil de consumidor padrão. Marcuse
afirma que os meios de comunicação são garantidores do consenso, criando uma
sociedade sem oposição. Podemos usar o Flamengo, time da capital carioca, como um
exemplo. É muito fácil nos deparar com um flamenguista produzido pela mídia. Muitos,
assim se tornaram, devido o grande sucesso da equipe dos anos 80 sob o comando de
Zico, mas, sem sombra de dúvidas, o marketing “global” sobre os rubro-negros com
rótulo de maior torcida do mundo conseguiu milhares de adeptos proporcionando ao
time uma visibilidade mundial, mesmo anos depois.
Esses meios acabam esquecendo outros temas. Violência, fome, desemprego,
corrupção ou qualquer outra dificuldade presente na sociedade desaparecem como em
um passe de mágica. A mídia explora de modo exaustivo a imagem do futebol atuando
como uma ferramenta de manipulação e controle social. Em 1970, por exemplo, o Brasil
vivia um momento político bastante crítico, a ditadura militar do governo Médici.
Enquanto muita gente era perseguida, presa e torturada o restante da população esquecia
tudo de ruim que estava acontecendo no país, a única coisa que tinha importância era o
desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo que estava ocorrendo. Nesse
período, assim como no Estado Novo, o futebol e a seleção brasileira eram utilizados
como o “ópio do povo” e os jogos serviam como uma anestesia, para aliviar as tensões
de um povo reprimido pela ditadura que arrasava o país.
Desse modo, o futebol, por intermédio dos meios de comunicação, serviu e
pode-se dizer que ainda serve de propaganda para vários governos. Outro ponto que
merece ser citado é a forte relação de mercado existente entre a mídia (principalmente a
televisão) e o futebol, esse é explorado como uma das maiores fontes de renda dos
meios de comunicação.
Esse vínculo comercial dentro da sociedade capitalista vigente é inegável e é
praticamente impossível desvincular o campo esportivo do econômico. Os direitos de
transmissão das partidas dos principais campeonatos são comercializados a altos preços,
e os espaços publicitários valem milhões. Isso representa cifras significativas tanto para
os meios de comunicação quanto para os clubes. Quanto a esse assunto, no Brasil, é
indiscutível o monopólio televisivo exercido pela Rede Globo em torno do futebol.
Portanto, para as pessoas assistirem aos jogos, obrigatoriamente elas têm que dar
audiência a essa emissora e serem bombardeadas com as propagandas de idéias e
produtos que a mesma decidiu divulgar.
É perceptível a existência de um mercado cheio de produtos da Indústria
Cultural no futebol. A publicidade e a propaganda são exploradas com bastante
intensidade pela mídia e os patrocinadores aproveitam-se do grande espetáculo
midiático em torno do futebol para promover e disseminar cada vez mais os seus
produtos no mercado. Vale salientar ainda a utilização da imagem dos jogadores que
muitas vezes atuam como garotos propaganda desses produtos, isso sem falar que estes
atletas são verdadeiras “mercadorias” vendidas em transações milionárias.
Essa espetacularização do futebol pela mídia esconde as reais pretensões dessa
com relação a esta modalidade esportiva, se fazendo somente para garantir obtenção de
lucro e para atuar como alienadora da sociedade. Ou seja, as mídias acabam deformando
esse espetáculo e o futebol passa a ser, essencialmente, financeiro, promotor de marcas
e alienador do meio social.
Não há dúvidas de que o futebol faz parte da “Indústria Cultural”, termo
utilizado pela primeira vez por Adorno e Horkheimer no texto Dialética do
Esclarecimento (1942). De acordo com Sodré (2001, p.22), “Indústria Cultural, é o
nome que vem recebendo a organização particular da transição da cultura burguesa
elitista para uma cultura burguesa de massa”.
Porém, não se pode afirmar que a televisão por utilizar de recursos publicitários
em cima do futebol, esteja desvalorizando a cultura – paixão, sentimento, vibração,
alegria, entrega de coração ao time ou seleção nacional, a força de formação do povo
brasileiro, e principalmente construção social. De acordo com Gramsci (1975):
Entretanto, a inserção da mídia na sociedade e seu “poder” ideológico no reforço a certos padrões culturais não devem ser tomados em um grau absoluto. As pessoas não são autômatos manipulados por uma única ideologia centralizadora (p. 1638).
Culturas no Brasil como o futebol sofrem uma intervenção grande das mídias e
seus anunciantes, ao mesmo tempo em que divulgam histórias do futebol, é bem
provável que muitos jornalistas esportivos e seus “patrões” não saibam sequer a origem
desse, muito menos seu poder de convencimento, como parar uma guerra. Para Sodré
(1986) a relação mídia e cultura é algo desumanizante, como a citação a seguir:
Essa é a cultura que os meios difundem, no Brasil, hoje: além de seu baixíssimo nível e de seu teor desumanizante, tende cada vez mais, a desnacionalização, ao esmagamento de nossa herança cultural. Nosso povo, destituído de quaisquer direitos, inclusive o que afeta a sua cultura, para não falar do impedimento à ampliação dela é ainda acusado pelo nível baixo (p.79).
A transformação de clubes, tradicionais ou não, em empresas revelam um novo
cenário da modalidade no Brasil. Estamos vivendo a era do futebol S/A (Sociedade
Anônima), onde empresários e políticos invadem essa área esportiva para financiar e
comercializar jogadores. O futebol arte brasileiro, marcadamente reconhecido no
cenário mundial, vem sendo modificado pelas estruturas econômicas que assolam os
clubes. Podemos exemplificar a equipe paulista Grêmio Prudente, clube que
recentemente mudou de nome e de cidade, de uniforme e de escudo, isso em prol de
melhores condições financeiras. Esse troca-troca de cidades faz o esporte tradicional
virar um comércio. Essa é uma realidade contemporânea de diversos times brasileiros. E
conforme Marx apud Oliveira (1997): “É exatamente essa forma acabada - a forma dinheiro - do mundo das mercadorias que objetivamente vela, invés de revelar, o caráter social dos trabalhos privados e, portanto as relações sociais entre os produtores privados.” (pag. 158)
Outro fato muito visível e presente no cotidiano das agremiações esportivas é a
comercialização de seu uniforme, transformando-o num verdadeiro outdoor ambulante.
Os ternos estão sendo ridicularizados com propagandas excessivas que tomam
praticamente todo o espaço que é vendido de acordo com a localização. Por exemplo,
mangas, parte frontal superior e inferior da camisa, shorts e até meias, expõem a
logomarca ou nome dos seus patrocinadores. A camisa do centenário do Sport Club
Corinthians Paulista é um modelo de como o futebol tem sofrido influências da mídia e
de como ele tem se tornado um verdadeiro mercado capitalista.
Existe ainda outra realidade em se tratando da relação da seleção brasileira com
clubes que cedem seus jogadores para sua composição. Alguns por considerar o jogador
uma mera mercadoria de uso comercial, dificultam a cessão deste quando convocado.
Atualmente, além de atuar dentro das quatro linhas, o profissional tem a missão de
alavancar recursos financeiros para o clube transformando-se em garoto propaganda.
Muitos jogadores da seleção brasileira atuaram nesse sentido fazendo propaganda para a
marca Nike, uma das patrocinadoras da seleção. Outro exemplo foi à estréia de
Ronaldinho Gaúcho no flamengo, que foi adiada devido o interesse econômico da
empresa fornecedora de material esportivo e os patrocinadores.
O futebol do modo que é apresentado e explorado pela indústria cultural, deixa
de ser uma “paixão nacional” tornando-se mais compatível com uma “ilusão nacional”.
Enquanto arte e espetáculo verdadeiro, o futebol é totalmente distorcido pela mídia,
perdendo assim a sua essência. Essa modalidade esportiva pode ser traduzida como um
pão sem nutrientes, que somente engorda aos detentores do poder e, como um circo que
acresce pouco ou quase nada de útil para a formação do pensamento crítico da massa.
No decorrer da sua existência o futebol de campo já teve varias funções sociais,
como o exemplo de luta de classes já supracitado. Mas, no futebol atual o atleta e os
clubes, acabaram virando produtos, artigos a serem consumidos, para manter o sistema
capitalista circulando e tendo que a todo instante agradar os que o rodeiam, e tendo
muitas vezes que ir de encontro aos seus ideais, ou seja, ao seu “eu”.
O futebol tornou-se uma promessa iluminista de um mundo melhor, da
felicidade ao alcance de todos, mas, a realidade não é bem essa, pois, nem toda criança
que vai adentrar no mundo da bola vai ser um craque e ganhar milhões de dinheiro,
muitos até acabam conquistando essa independência financeira, mas, se perdem na
ilusão de que são felizes, auto- realizados e que as desigualdades das quais são meras
vítimas sanou.
Em virtude disso, observa-se que esse esporte ainda passará por transições, onde
a tradição e as identidades culturais sofrerão cada vez mais ataques da mídia capitalista,
isso porque ele está sendo tratado como um verdadeiro comércio que envolve clubes,
jogadores e empresários. Existem indicadores que as mudanças continuarão, resta saber
até quando o futebol brasileiro sobreviverá a essas pressões do mundo contemporâneo.
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