O futuro precário do estado nação - 3

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[email protected] 7/01/2018 1 O futuro precário do estado-nação (3) (partes 1 e 2, aqui e aqui ) As destruições da II Guerra, com particular incidência na Alemanha e na URSS, obrigaram a um enorme esforço de reconstrução e de reconstituição das economias que irmanaram ambos os blocos numa intervenção muito profunda do gasto público, no âmbito do que se veio a chamar políticas keynesianas para aumentar o PIB. Tudo parecia correr bem, os trabalhadores pensavam mais no consumo do que na revolução, o desemprego era marginal, os EUA eram o grande padrinho do sistema de Bretton Woods e um grande beneficiário da descolonização que remetera as antigas potências colonizadoras para um quadro regional. Até que… o modelo implodiu por razões internas e externas, como se verá na continuação deste texto. C - Os trinta gloriosos anos do capitalismo 13 - A reformulação do pensamento político e o esplendor keynesiano 14 - A reconstrução das infraestruturas e o início da integração europeia 15- Instituições supra-nacionais configuram a globalização 16 A descolonização e o declínio das nações colonizadoras 17 - A aceitação pelos trabalhadores da ordem capitalista xxxxxxxxxx +++++ xxxxxxxxxx

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O futuro precário do estado-nação (3)

(partes 1 e 2, aqui e aqui)

As destruições da II Guerra, com particular

incidência na Alemanha e na URSS, obrigaram a

um enorme esforço de reconstrução e de

reconstituição das economias que irmanaram

ambos os blocos numa intervenção muito

profunda do gasto público, no âmbito do que se

veio a chamar políticas keynesianas para

aumentar o PIB.

Tudo parecia correr bem, os trabalhadores

pensavam mais no consumo do que na

revolução, o desemprego era marginal, os EUA

eram o grande padrinho do sistema de Bretton

Woods e um grande beneficiário da

descolonização que remetera as antigas

potências colonizadoras para um quadro

regional.

Até que… o modelo implodiu por razões internas

e externas, como se verá na continuação deste

texto.

C - Os trinta gloriosos anos do capitalismo

13 - A reformulação do pensamento político e o esplendor keynesiano

14 - A reconstrução das infraestruturas e o início da integração europeia

15- Instituições supra-nacionais configuram a globalização

16 – A descolonização e o declínio das nações colonizadoras

17 - A aceitação pelos trabalhadores da ordem capitalista

xxxxxxxxxx +++++ xxxxxxxxxx

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C - Os trinta gloriosos anos do capitalismo

Todos os ciclos de negócios têm uma fase ascendente, que se manifesta

em termos de criação de riqueza, de mais emprego e optimismo; e que

dura enquanto um conjunto de novas tecnologias, outros modelos de

negócio e outros figurinos políticos se desenvolvem. A esse período,

sucede um outro, em que surge o esgotamento da conjugação daqueles

factores, até aí geradores de optimismo, bem dos seus efeitos benéficos.

Nesse período de declínio surgem ou vão-se afirmando outros fatores

tecnológicos, financeiros e políticos que tenderão a estabelecer um novo

paradigma de acumulação de capital, através de uma outra conjugação, o

que relançará a economia para uma nova fase ascendente.

Assim se construíram as ondas de Kondratiev, mesmo para além da sua

morte e que temos vindo a utilizar para caraterizar o capitalismo, desde

que se afirmou como estrutura económica dominante no planeta. Não se

deve inferir do atrás referido que o capitalismo é o destino final da

Humanidade; como qualquer outro modo de produção, apresenta uma

duração que vai muito para além do tempo de uma geração, para grande

e justa impaciência de quantos, sentindo os seus nefastos efeitos, se não

contentam com as suas modificações conjunturais ou superficiais, mesmo

quando favoráveis à multidão. Por exemplo, a esmagadora maioria de

uma população não desdenhará um aumento salarial; porém, só um idiota

irá retirar daí qualquer alteração estrutural do capitalismo.

É um facto que as teses tradicionais, históricas, de abordagem crítica do

capitalismo menosprezaram as suas evidentes capacidades de

aproveitamento de oportunidades e adaptação às inovações tecnológicas,

a sua habilidade quanto à gestão social, política e dos negócios, de

expansão para um mercado global, de criação de crédito e estabilidade

monetária. Menosprezaram também o facto de os níveis de acumulação

de capital terem permitido a afetação de meios financeiros e tecnológicos

à criação e manutenção de meios repressivos dos corpos e das mentes;

numa primeira linha, através de um consumismo, tornado lúdico e

compulsivo e, numa segunda linha, mediante um genocídio silencioso de

povos e camadas sociais ou do método ancestral da guerra. Como diz

Zygmunt Bauman “ o Holocausto nasceu e foi executado na nossa

moderna sociedade racional, num estádio elevado da nossa civilização,

em cima do patamar cultural humano e, por essa razão, é um problema

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da nossa sociedade, da nossa civilização e da nossa cultura”1; tal como o

aprisionamento do povo palestiniano pela entidade israelita, aceite sem

vergonha pela “comunidade internacional”.

Pouco antes da I Guerra, as divisões entre as potências e a força dos

movimentos de trabalhadores admitiam um próximo desmoronamento do

capitalismo, concepção que se acentuou com a Revolução Russa de

1917. Esse desmoronamento global não aconteceu mas a teoria

dominante manteve-se prevendo um colapso de curto prazo, fruto de uma

crise inultrapassável do capitalismo.

Evgueny Varga, figura destacada do poder na URSS, apercebeu-se das

capacidades de adaptação do capitalismo em 1946 mas, foi obrigado a

reconhecer que as economias capitalistas só conheceriam o colapso;

Varga terá pensado a execução de Kondratiev, uns anos antes, por ter

concluído – e acertadamente – que a escolástica era uma mera

construção ideológica se a realidade a desmentia. A realidade estaria …

errada; Stalin e os trotskistas ocidentais estavam de acordo sobre a

eminente derrocada do capitalismo a ocidente, como consequência de

uma próxima estagnação que, afinal só surgiria, muito mais tarde, nos

anos setenta e que então trouxe a implantação do paradigma neoliberal e

não a revolução ou mesmo, um placebo chamado “socialismo”.

O segundo pós-guerra constitui o início da fase ascendente da quarta

onda de Kondratiev que irá atingir o ponto de inflexão nos primeiros anos

da década de 70. É um período de grandes inovações, como os

transístores, o cálculo automático, os materiais sintéticos, a televisão, a

pílula, o consumo em massa, a automatização, a exploração espacial, a

energia nuclear e uma nova corrida aos armamentos. Trata-se de um

período de crescimento dos aparelhos de estado, do alargamento da sua

ação e também da criação de grupos de estados-nação com vários graus

de articulação e integração.

Adiante abordaremos vários elementos estruturantes de âmbito

geopolítico e social e que marcam a cena política e económica do pós-

guerra.

13 - A reformulação do pensamento político e o esplendor keynesiano

1 “Modernity and the Holocaust”, citação em Colapso, de Carlos Taibo

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O rolo compressor do exército soviético sobre os nazis, na fase final da

guerra, impulsionou o apoio aos partidos socialistas e comunistas de

então, por parte dos povos e, durante alguns anos, atraiu mesmo a

intelectualidade; ainda que a destruição do fascismo tenha estacado a

norte dos Pirinéus, poupando os regimes de Franco e Salazar.

Essa dinâmica popular de simpatia para com o modelo soviético começou

a decair quando se foram divulgando as práticas repressivas de Stalin.

Apesar disso, os próprios partidos então socialistas, eram forçados a

apresentar ideias sociais avançadas, numa dinâmica progressista que

obrigou os conservadores a adaptarem-se aos novos tempos. Os

trabalhistas ingleses, que chegaram ao poder isolados em 1945, criaram

um serviço nacional de saúde e um estado de bem-estar social universal

e por toda a vida, para além de terem iniciado a descolonização; na maior

parte dos casos, com a concordância dos conservadores,

tradicionalmente pouco dados a grandes envolvimentos do Estado e,

ainda convencidos do caráter de grande potência do país… promoveram

o armamento nuclear.

De modo diferente dos pragmáticos ingleses, a França mostrou, com as

guerras coloniais na Indochina e na Argélia, dificuldades em se adaptar

aos novos tempos. Ainda que com o predomínio da direita no poder,

instituiu-se uma segurança social2, estendeu-se o direito de voto às

mulheres, enquanto se procedia à nacionalização dos grandes bancos,

das companhias de seguros, das companhias elétricas e das indústrias de

ferro e carvão, sem que a posse da bomba atómica tivesse ficado

esquecida.

Na Europa Ocidental vivem-se os tempos de aplicação das políticas

keynesianas com forte investimento público, grande intervenção dos

governos e incremento do consumo. No Leste europeu, os procedimentos

eram idênticos, com uma muito mais elevada intervenção do Estado, na

decisão e na execução, um reduzido papel da iniciativa privada e uma

grande preocupação investidora, em detrimento do consumo.

2 Neste campo, em França, cabe sublinhar o papel de Ambroise Croizat que incluiu

todos os riscos sociais dos trabalhadores numa só instituição, a criação de um sistema

de segurança social que abrange ativos e não ativos, com financiamento das

empresas, do nascimento até à morte e com uma gestão confiada aos próprios

beneficiários. Um dos aspetos mais avançados socialmente era a atribuição de um

salário equivalente a 225 h mensais a uma mãe que ficasse a tomar conta de dois

filhos, como reconhecimento de um trabalho efetivo, desligado da órbita do capital

(conf “Acabar com as Lutas Defensivas” de Bernard Friot (Le Monde Diplomatique,

nov/2017)

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14 - A reconstrução das infraestruturas e o início da integração europeia

Os EUA, com os seus poderes económico e militar não só intactos mas,

também reforçados após o final da guerra, face a uma Europa Ocidental

fragilizada, financiam parte da reconstrução daquela através do Plano

Marshall e do investimento de empresas americanas. Estas, viram na

Europa uma oportunidade para a efetivação de grandes ganhos de capital

a partir da reconstrução das infraestruturas e da reativação dos circuitos

de comércio e de capitais; e, a partir daí, visavam também estancar ou

reduzir o interesse pelo modelo soviético.

Por outro lado, estando fresca a memória do crash bancário de 1929,

efetuou-se um forte controlo sobre a capacidade do sistema bancário para

a concessão de crédito, com as reservas bancárias obrigatórias a

corresponder a 20/25% do total do crédito concedido; por comparação,

refira-se que o BCE atualmente apenas exige 1% de reservas de caixa,

uma vez que sendo o dinheiro, em geral, um produto de registos

contabilísticos informáticos, no âmbito das operações de crédito, não sai

do sistema bancário, ficando de fora, com valores comparativamente

diminutos, as notas e as moedas. Daí resulta parte importante do poder

actual do sistema financeiro, do seu domínio sobre as economias

nacionais, empresas, famílias e Estados, através da dívida, delegando

nas classes políticas a transferência dos efeitos da insanidade do

capitalismo e do sistema financeiro, para as populações.

Voltando ao pós-guerra, as taxas de juro reais eram então, baixas ou

mesmo negativas, facilitavam os devedores, mormente os Estados, que

encontravam assim formas de se financiarem sem onerar as sociedades

com cargas fiscais elevadas; ao mesmo tempo que permitiam a erosão da

dívida pública. Hoje, não é assim; os Estados endividam-se em paralelo

com uma tributação fiscal elevadíssima, num contexto de baixa inflação.

Na sequência do Plano Marshall, criava-se, no Leste, o Comecon (janeiro

de 1949) entre a URSS e os países que haviam adoptado o seu modelo

estatizante e de partido único, um conjunto desconectado do sistema

capitalista de mercado, ocidental; e em acerba competição estratégica

com este último.

Essa competição, num contexto de Guerra Fria e de grandes clivagens

políticas no eixo esquerda-direita, seria o ponto de partida para a criação

de uma sequência de actos de integração económica e política na Europa

Ocidental. Referimo-nos ao Conselho da Europa (maio 1949), à

declaração de Schuman (maio de 1950) e mais estruturadamente, com a

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criação da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), da

Comunidade Económica Europeia (1957); neste último caso, a preceder

uma longa série de decisões e tratados, sempre na forja, visando a

constituição de um super-estado (a União Europeia) que se mostra, hoje,

crescente em dimensão, profundidade e em totalitarismo; e cujas

instituições se coadunam aliás, em perfeitamente com as oligarquias

nacionais, em competição no reacionarismo. Afastado o perigo de

confrontação e competição com um adversário a Leste, depois de 1991, a

UE vem acentuando o seu pendor economicista e oligárquico, a favor das

multinacionais e do sistema financeiro, ao mesmo tempo que acompanha

os EUA nas aventuras guerreiras na área do Mediterrâneo.

O forte sentimento nacionalista de de Gaulle colocou a Grã-Bretanha –

tomada como sob forte influência dos EUA - fora do processo de

integração europeia, retirou as tropas francesas da cadeia de comando da

NATO e avançou para um arsenal nuclear. No mesmo sentido, de Gaulle

almejava uma suserania da França no espaço europeu ocidental

beneficiando da então debilidade da Alemanha Ocidental; mais tarde essa

suserania evoluiu para uma paridade (o eixo franco-alemão) o qual se

transformou em supremacia alemã, com a pujança da sua economia e a

reunificação.

Também no plano militar se estruturam à época, coligações antagónicas

que separam a Europa em duas partes, com escassos países neutros de

permeio. A NATO3 (1949) configura-se como expressão da suserania

americana que perdura até hoje, de defesa face a uma propagandeada

ameaça soviética e hoje, russa; insere-se na supervisão militar que os

EUA entendem estender a todos os quadrantes do planeta, com um

assumido direito de bombardear, invadir, bloquear, manipular e financiar

regimes, grupos militares ou meramente terroristas. No contexto da

Guerra Fria, em resposta à criação da NATO surgiu, dominado pela

URSS, em 1955, o Pacto de Varsóvia, entretanto extinto na sequência do

desmoronamento do Bloco de Leste. No campo militar, como em muitos

outros, entre os dois blocos de regimes em oposição na Guerra Fria,

3 O derrube do Muro de Berlim e o desmembramento do bloco de Leste e da URSS

conduziram à desaparição do Pacto de Varsóvia mas não a da NATO. Os EUA

precisam de manter um pé na Europa, como monitores, agitando uma ameaça russa

para garantirem a venda de armas; e, na prática, diretamente, através da NATO ou

outras siglas militaristas onde participa, vem intervindo em áreas geográficas que não

envolvem, nem sequer confinam com países membros ou ainda, de onde não partem

ameaças para aqueles.

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vigorava o mimetismo; até mesmo na forma oligárquica como as

populações eram (e são) afastadas das decisões sobre as suas vidas.

15 - Instituições supra-nacionais configuram a globalização

Bretton Woods foi o cenário onde se estabeleceu em 1944 a nova ordem

monetária e financeira global, com o domínio total dos EUA e do dólar. Foi

então, criado o FMI, destinado ao apoio a países com problemas de deficit

externo, de crescimento económico, visando o aumento do emprego e a

redução da pobreza (!). Depois do fim da convertibilidade do dólar em

ouro (1971) e o ocaso do keynesianismo, adoptou os preceitos neoliberais

impondo medidas draconianas aos países em dificuldades e que

resultam, invariavelmente, em programas de austeridade sobre a

população e privatizações em troca dos financiamentos concedidos, com

taxas elevadas. Em Portugal, a intervenção do FMI sucedeu em 1977,

1983/85 e, recentemente (2011/14), no âmbito do programa de

reajustamento estrutural, com o FMI em parceria com o BCE e a

Comissão Europeia. Outra instituição saída de Bretton Woods foi o Banco

Mundial, vocacionado para financiar projetos de apoio ao

desenvolvimento.

Ainda em Bretton Woods foi desenhado um modelo estável de

relacionamento entre as moedas nacionais, com a fixação de uma

paridade para o dólar, em $ 35 por onça de ouro, servindo a moeda

americana de referencial, evitando-se assim flutuações com impactos

nocivos no comércio internacional; esse papel central do dólar, não

ofereceu grande contestação, numa época em que os EUA detinham 80%

das reservas mundiais de ouro, uma capacidade produtiva não destruída

pela guerra e uma enorme supremacia no comércio global. O sistema

funcionou enquanto a economia americana teve grande domínio também

nas relações económicas internacionais; quando o dólar começou a

decair, em paralelo com uma intensa procura de ouro ou de outras

moedas, como o marco alemão ou o yen japonês, países com fortes

excedentes comerciais, os EUA acabaram com a convertibilidade, em

1971.

Em 1947 foi criado o GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, com

o objetivo da liberalização do comércio mundial, restrito antes da guerra,

então sob forte protecionismo no seio de cada um dos impérios potências

coloniais, bem como entre os estados-nação, na sua generalidade.

Entendia-se que o comércio livre, isento de barreiras, era fonte de

eficiência económica, que alimentava a democracia e o bem-estar social;

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e, nessa lógica, além do comércio de mercadorias foi-se incluindo os

serviços, os investimentos e as patentes, num processo que foi permitindo

o domínio das multinacionais e o alargamento da sua presença pelo

mundo processo esse que culminou em 1995 com a criação da OMC -

Organização Mundial de Comércio, onde estão presentes a grande

maioria dos países, predominando, entre as ausências, numerosos países

árabes ou muçulmanos que se reservam na situação de observadores.

Cabe ainda referir várias das muitas instituições de caráter global ou

regional que federam ou substituem os estados-membros e que mostram

ser cada vez maior o número e a extensão dos problemas que não podem

ou devem ficar cingidos à lógica autárcica do estado-nação e das suas

domésticas oligarquias. Entre as globais, podem referir-se a UNESCO -

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura,

a OMS - Organização Mundial da Saúde, a OCDE - Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Económico, a OIT - Organização

Internacional do Trabalho, a FAO – Organização para a Agricultura e a

Alimentação, a AIEA – Agência Internacional de Energia Atómica, a

CNUCED/UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento…

Porém, as agressões ao ambiente e as alterações climáticas, embora

pouco discutidas durante os 30 gloriosos anos de crescimento do famoso

PIB, têm hoje uma importância incontornável e tardam em ter órgãos

globais de gestão, tudo ficando dependente de conferências episódicas e

temporárias, no final das quais, os principais estados-nação responsáveis

pelos problemas existentes, agem como entendem, sem serem objeto de

sanções ou boicotes, como acontece sempre que estão em jogo clivagens

geopolíticas ou ao interesses comerciais das grandes potências.

As instituições internacionais de caráter regional são muitas, sendo

incontornável referir a União Europeia como caso único de

aprofundamento de integração política e económica, com múltiplos órgãos

decisórios que se colocam acima dos estados-membros. Referimos ainda,

nas Américas, o NAFTA e o Mercosul, na Ásia, a ASEAN, a APEC e a

Liga Árabe ou, em África, a SADC e a CEDEAO/ECOWAS. São ainda de

referir as instituições não estatais com uma abrangência global para

temas específicos, como a Cruz Vermelha ou a Amnistia Internacional.

Em termos políticos, foi criada em 1945 a ONU como forum de diálogo e

concertação entre as nações… representadas pelas classes políticas

nacionais e, para mais, com a constituição de um diretório, com direito de

veto, constituído por EUA, URSS, França, Grã-Bretanha e China (o

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regime de Taipé) e que se mantém até hoje, com a República Popular da

China a substituir a ilha de Taiwan ou Formosa e a Rússia a herdar o

lugar da extinta URSS, todas potências nucleares.

16 – A descolonização e o declínio das nações colonizadoras

Para além da crispação latente nas fronteiras dos dois blocos que

dividiam a Europa, uma outra ameaça provinha da descolonização que se

desenhava e que tornaria os países europeus, no seu conjunto, potências

regionais ao abrigo da sombra protetora dos EUA uns, da URSS, outros,

com muito poucas neutralidades.

As neutralidades face ao antagonismo Leste-Oeste viriam a crescer,

sobretudo nos novos estados-nação, erigidos nas antigas colónias e,

durante algum tempo, na sequência da Conferência de Bandung tiveram

algum protagonismo, sob o impulso de Nehru, Tito e Chu-En-Lai. Porém,

para muitos dos novos países, sobretudo em África, uma coisa era a

independência política, criar hino e bandeira e outra, bem mais complexa,

era criar coerência económica e autonomia, tendo como substrato

material estruturas vocacionadas para o abastecimento dos países

ocidentais em matérias-primas, minerais e produtos agrícolas de

plantação, numa situação de dependência quanto a mercado e preços; e,

tudo isso, em paralelo com a vida tradicional de populações inseridas em

agricultura tradicional de subsistência, ignoradas pelo antigo colonizador e

desprezadas pelas novas elites.

Aí, sucediam-se golpes de estado com o apoio de grupos de militares ou

eram as próprias hierarquias militares, que assumiam diretamente a

predação em conluio com as multinacionais ou interesses ancorados nas

antigas metrópoles europeias, para que se mantivesse a exploração

colonial, depois da independência, sob outra bandeira; e há mesmo casos

de intervenção de mercenários. Noutras situações, dirigentes corruptos -

Mobutu, Houphouet-Boigny, Idi Amin, Mugabe, Bokassa, Nguema, J. E.

dos Santos… - montavam regimes repressivos e predatórios,

personalizados. Nos poucos casos em que houve a chegada ao poder de

grupos com intenções louváveis, estes esbarravam com a falta de capitais

e tecnologia e ainda com as manobras de multinacionais que exploravam

divergências étnicas ou tribais conducentes ao seu derrube. A

continuidade das fronteiras coloniais na sua total artificialidade, a

existência de estruturas tribais separadas por essas fronteiras minavam

possíveis solidariedades e, pelo contrário, impunham conflitos e guerras,

o mais grave deles no Ruanda.

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Noutros casos, as partilhas coloniais haviam dividido territórios com

estruturas estatais antigas, redesenhando-as ou impondo novas

entidades, gerando ou exacerbando antagonismos étnicos e religiosos,

como se verificou após o desmantelamento do Império Otomano, com a

invenção de novas entidades como o Líbano, a Jordânia ou a entidade

sionista; neste caso, sob a forma de ocupação territorial por estranhos à

região, com a expulsão dos seus ancestrais habitantes. O mesmo se

observou na separação entre hindus e muçulmanos na Índia, geradora de

um artificial Paquistão como pretenso unificador de bengalis, pashtuns,

baluches e outros, na base da crença religiosa. Bem mais recentemente,

afirmou-se o drama sudanês, numa primeira fase e sul-sudanês, na

atualidade. No Golfo Pérsico, os Ocidentais têm sustentado a

“democracia” gerida por reis e dignitários medievais que garantem o

policiamento dos poços de petróleo, à custa da ausência de quaisquer

liberdades cívicas. Finalmente, depois do desmoronar em Dien Bien Phu

da dominação francesa no Vietnam, foram os EUA que tentaram colocar

os vietnamitas nos eixos do neocolonialismo … através da aspersão com

napalm e com o agente laranja.

Dois cancros políticos e humanitários sobreviveram no período em

apreço, sob formas degeneradas de estados-nação; o apartheid sul-

africano que haveria de durar até 1994 e a demência genocida israelita,

de fachada religiosa, que perdura. No primeiro caso, a maioria da

população não “branca” era confinada em bantustões, como reservas de

mão-de-obra, carinhosamente designados por homelands; ou remetida

para os subúrbios, para as townships onde se amontoavam trabalhadores

sem direitos, nem condições decentes de habitabilidade, a quem o regime

concedia, magnânimo, diariamente, o acesso precário às áreas dos

senhores, como gastarbeiters na sua própria terra. Tratava-se de um

regime cuja estrutura social e de captura do trabalho era estudada e

montada metodicamente, na base de um cientismo racista e laico.

Na entidade sionista, devido à exiguidade do território, há uma acrescida

e constante ocupação do espaço que continua, no entanto, a ser

partilhado, em camadas sobrepostas ou células que se pretendem

estanques. Uma, mais rica, de senhores e outra, em constante

reconfiguração, com controlos militares em cada esquina, constituída

pelos habitantes de sempre, espoliados, humilhados, segregados, perante

o passivo incómodo da “comunidade internacional”, por mais etéreo que

seja este conceito. A ideologia deste regime racista não inclui tanto a

expulsão dos palestinianos, como a sua submissão como fornecedores

precários de trabalho barato; sagrado desígnio estatal que preenche os

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fanáticos religiosos é uma esperança vã, ameaçada por uma demografia

desfavorável4. A continuidade da entidade sionista estará assegurada

enquanto aos EUA5 e ao Ocidente em geral, for necessária a existência

de um quartel para controlo das terras do petróleo; só assim se entende

que aos sionistas seja permitida a posse de armas atómicas e dos

mísseis Jericó, com um alcance de 11500 Km (que podem atingir o…

Rio de Janeiro…).

De modo mais lato, a proliferação de condomínios fechados, bem

equipados, protegidos e guardados (na África do Sul de hoje, como nos

meios ricos de outros países), faz parte da lógica de segmentação social

em que o resto da população vive em townships, sejam os subúrbios das

cidades europeias ou a grande parte das enormes conurbações africanas

(Lagos, Nairobi…).

17 - A aceitação pelos trabalhadores da ordem capitalista

As inovações técnicas, a reconstrução do pós-guerra, a vulgarização da

produção em massa, o aumento do emprego, o afluxo de gente do campo

para as cidades, as emigrações dos europeus do Sul para Norte, o

grande aumento da produtividade, são factores que criaram uma grande

massa de gente e de rendimentos, geradores de consumo acelerado. É

um período de grande intervenção do Estado, também na análise da

conjuntura e do planeamento, exigentes da elaboração de detalhadas

estatísticas.

4 Em Portugal, a pequena e isolada comunidade judaica de Belmonte tem sido objeto

de assédio junto de jovens para que vão viver para os territórios ocupados pelos

sionistas. Para agradar aos sionistas e… atrair investimento estrangeiro, nos meios

governamentais da paróquia lusa pretende-se atribuir passaporte português a

sefarditas de origem lusitana emigrados para a Grã-Bretanha quando da sua expulsão

há cerca de 500 anos; o que não é extensível aos descendentes de mouros expulsos

na mesma ocasião… Dentro da imbecilidade que é apanágio da classe política

portuguesa, aguarda-se que sejam atribuídos – num 10 de junho, dia da “raça” -

passaportes póstumos a David Ricardo e Benedito Spinoza, que tiveram ancestrais

próximos membros de comunidades judaicas de origem portuguesa.

5

A posição das grandes potências tem sido comum na sustentação do sionismo em

terras palestinianas. A Grã-Bretanha favoreceu a instalação das primeiras levas de

judeus para a Palestina, no final da II Guerra; a França forneceu a tecnologia nuclear;

os EUA são os grandes financiadores de capitais privados e de armamento; e a

URSS, nos anos 80 encaminhou centenas de milhares de judeus soviéticos para

reforçar o povoamento da entidade sionista.

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Num renovado papel do Estado, exigia-se dele fórmulas de controlo

político do trabalho que não poderiam corresponder à sua militarização,

como praticada pelos fascistas; e, muito menos, permitir propensões

revolucionárias nos trabalhadores. A acumulação capitalista do pós-

guerra fez-se através da inovação tecnológica e na gestão, na

organização do trabalho, na produção em massa, com o desenvolvimento

de um mercado tendencialmente global, aberto e não maculado com

guerras como as havidas nas últimas décadas; fez-se também através

dos objetivos introduzidos nas expectativas dos trabalhadores, com o

acesso fácil a bens de consumo diversificados, bons salários e pouco

desemprego, garantias contra despedimento, segurança social, férias

pagas, saúde e educação públicas. Certamente alguns think tanks do

capitalismo (Mises, Hayek, Friedman), perante estes “capitais”

desperdiçados em medidas de caráter social, terão sorrido e grunhido…

“dentro em breve, cá vos apanharemos!”

Esse enquadramento converteu também os sindicatos a uma atuação

complacente e rotineira, sem pretensões revolucionárias, como aconteceu

também com os partidos incluídos no espectro da esquerda. Se isso fosse

conseguido – e foi, durante os 30 anos gloriosos – não havia que temer a

concorrência do modelo soviético, com todos aqueles ingredientes, mas

sem conseguir a produção em massa de bens de consumo, nem a

liberdade de expressão existente no Ocidente. A contestação a esse

modelo de acumulação – conhecido por modelo social europeu – surgiu

de movimentações de estudantes e trabalhadores em Itália e França, no

período 1967/68, alimentadas por um ensino burocratizado e conservador

como também pela massificação fordista do trabalho nas fábricas. A

procura de uma saída sistémica, ainda que minoritária, era alimentada

pela Revolução Cultural de Mao, pela intervenção militar dos EUA no

Vietnam, pelo romantismo do Che, enquanto os tradicionais partidos

comunistas se tornavam cordatos, conservadores, tal como a sua

concorrência eleitoral e não complacentes com a invasão soviética da

Checoslováquia (excepto o PCP).

A normalização, a uniformização, a pacificação social passaram também

pelos sistemas partidários nacionais e pelos modelos de representação. A

conjuntura favorável apontava para o conservadorismo e a aceitação de

fórmulas de alternância entre dois partidos, uma combinação de

rotativismo com bipartidarismo entre duas formações políticas pouco

diferenciadas mas que serviam para enquadrar as esperanças populares

ora num, ora noutro, nada se alterando de substancial.

[email protected] 7/01/2018 13

O pântano criado, marcava uma diferença face ao período entre as duas

guerras, com turbulência política entre múltiplas e instáveis formações

partidárias, com a presença de partidos e milícias fascistas e mesmo de

regimes fascistas em grande parte da Europa. De facto, a harmonização

conseguida evitou a guerra na Europa (mas não as atividades

guerrilheiras do IRA, das Brigate Rosse, da RAF ou da ETA); não evitou

nesse período mas, por instigação das potências europeias e da tutela

norte-americana promoveu, fora de portas, a guerra na Jugoslávia, cerca

de vinte anos depois.

(continua)

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