O Garoto do Bosque by Jen Minkman
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Transcript of O Garoto do Bosque by Jen Minkman
OGarotodoBosqueJenMinkman
TraduzidoporJulianaPellicerRuza
“OGarotodoBosque”EscritoporJenMinkmanCopyright©2014JenMinkmanTodososdireitosreservadosDistribuídoporBabelcube,Inc.www.babelcube.comTraduzidoporJulianaPellicerRuzaEditadoporGabrielaRebelloDesigndacapa©2014JenMinkman&ClarissaYeo“BabelcubeBooks”e“Babelcube”sãomarcascomerciaisdaBabelcubeInc.
ÍndiceAnalíticoPáginadoTítuloPáginadosDireitosAutoraisSumário1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.AgradecimentosSuaclassificaçãoesuasrecomendaçõesdiretasfarãoadiferençaProcurandooutrasótimasleituras?
Sumário1.
2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.
1.Umjogodeluzesiluminavaummarderostosemultidõesdecorposemmovimento.Oarnosalãodaescolaestavavibrantecomabatidacrescentedatrancemusicqueestouravanosalto-falantes.Àsonzehorasdanoite,atemperaturadentrodoprédioerasufocante,apesardejásertardeedasjanelasestaremabertas.
JuliaKandolf estava empé no canto da pista de dança, seus olhos examinando amultidãoquepulava comasbatidasdamúsica.Elanãoconseguia encontrar seus amigos.Aonde seráqueGabytinhaido?EondeestavaAxel?
-Oi,Julia.-Avozadespertou.Elasabiadequemera.Ocoraçãode Juliaacelerouquando,virando, seuolharparounogarotoà sua frente.Michael.
Seucaracterísticosorrisoatrevidoafezpiscartimidamenteparaele.-Estevestidoquevocêestáusandoémuitobonito-elecontinuouquandoelanãorespondeue
apenasoficouencarando,ligeiramenteboquiaberta.Eleanalisouamenina,vestidacomumafantasiamedievalquehaviaalugadoparaafesta.
Julia,nervosa,engoliuseco.-Suafantasiatambémémuitolegal-elafinalmenterespondeu,deixandoseuolharpercorrero
corpodele.EleestavaperfeitamentevestidocomumaroupasexydeNapoleão.-Querdançar?-Elecolocouocopodecervejaemumamesaeestendeuamãoparaeladeforma
cortês.- S-sim, claro! - ela gaguejou, seu estômago dando um salto. Juntos, eles caminharam pela
multidão. Pelo canto do olho, Julia finalmente avistou Gaby, do outro lado do salão, acenandoencorajadoramenteparaelaefazendoumsinaldepositivocomasmãos,antesdetirarsuadentaduraplásticadevampiroparadevoraralgumasbolachasdamesadeaperitivos.JuliadeuumarisadinhanervosaeseguiuMichael,queapuxavaparaapistadedança.
-Estranho,não?Nossoúltimoano finalmenteacabando. -Eleolhouparaelapensativamente. -Querodizer,nóspassamosumaverdadeiraeranestaescola.Crescemosaqui.Eagora,aquiestamosnós,celebrandonossaformatura.--Juliasentiuosbraçosdeleaoredordesuacinturaeamãoemsualombar,quandoeleapuxouparamaisperto.
- Hum, sim. - Um rubor alcançou a face dela. - Realmente é ótimo todos terem passado nasprovas,masagoranósvamostodosparauniversidadesdiferentes.Issoémeiotriste,sabe.Podeserquenuncamaisnosvejamosdenovo.
-Bem,nuncadiganunca-Michaelcomentoualegremente-,nãoseesqueçadaquelesencontrosmaravilhososqueelessempreorganizamaqui.
-Sim.Achoquevocêestácerto.-Juliaergueuosolhosparaele,mordendooslábios.-Eunãomeimportariadevervocêantesdisso,dequalquerforma.-Elasuspirouquaseinaudivelmente.
Ah,droga.Elatinhaditoissoemvozalta?Ouomaisaltoaqueseatreveu,afinal.Elaolhouparaeleinsegura,mostrando,emseurosto,umolhardesurpresa.
-Eu?-eleperguntou,agarrandomaisforteamãodela.-Porquê?Elaengoliuseco.Seucoraçãoestavamartelandocomolouco,apesardaconversaencorajadora
que teve comGaby e as três taças de vinho que ela havia colocado pra dentromais cedo naquelanoite.
- Eu, é... - ela começou, sua voz falhando. No salão mal iluminado, ela viu um sorriso seformando nos lábios deMichael.Aquele sorriso tão familiar, provocante,meio zombeteiro que adeixavatímidaemsuapresençanosúltimosdoisanos–quehaviaatémesmoaperseguidoemsonho.Elebaixouorostomaispróximoaodela.
- Entendo o que você diz. Eu não quero tirar meus olhos de você esta noite, também - elemurmurou,suamãopercorrendoobraçodela,acariciandoapelesensíveldoseupescoço.
Juliaparouderespirarquandoelechegouaindamaispertoepressionouoslábioscontraosdela,sedutoramente.Seusbraçospuxaramotroncodelaemdireçãoaoseupeito.Eleseinclinoueabeijounovamente,dessavezdeumjeitomaisprofundo.
Elanãoconseguiaacreditarqueissofosseverdade.Eleaestavabeijando.Eleaestavabeijandodeverdade!Issonãoeraumdevaneio–Michaelatinhanosbraços.
Julia se fundiu a ele. Quando ele a soltou e perguntou se ela queria outra bebida, ela estavatrêmula de pura emoção. Ostentando um sorriso de júbilo, ela ficou parada no canto da pista dedança,examinandoamultidão,embuscadeGaby.Suamelhoramigaacenouparaeladooutroladodosalãoeestavaagoramostrandodoissinaisdepositivocomasmãos.OrostodeJuliaseabriuemumsorrisomaisboboainda.
Na hora em queMichael voltou, com uma cerveja em cadamão, seu pulso tinha diminuído aníveis aceitáveis novamente. Isso fez com que a mão dela estivesse firme o suficiente pararapidamentesalvarseunúmeronaagendadecontatos,quandoeleaentregouoBlackBerry.
2.Aluzdosoleasfolhasverdes.
Essas foramas primeiras coisas que ela viu quando abriu os olhos e espiouo céu através daspálpebrassemicerradas.
Juliaficouparada,plenamenteconscientedetudoàsuavolta–osomdasfolhas,ogrossotroncodaárvorecontraascostasdela.Ocarvalhopareciafirme,confiáveleumbomapoio,aforçadevidacentenárianotroncoeracomoumaextensãodaenergiaquecorriaemsuaprópriamedulaespinhal.Elaerapartedealgomaior–umsonhoqueabrangiatodaaflorestaqueseespalhavaaoseuredor.
Devezemquandoelasentiaumagrandevontadedeviraquiparadescansar,ou“meditar”,comoamãedelacostumavafalaremtomdebrincadeira.JuliaadoravaseaventurarpelosbosquesvizinhosaopequenosubúrbiodeSalzburg,ondemorava.Aspessoasachamavamdemalucaporcontadisso,mas e daí? Este ponto sob o antigo carvalho era um verdadeiro amigo sempre que ela se sentiamiserável.
Este foi o lugar para onde ela veio quando seu avô faleceu.Aqui foi onde ela caiu no choroquandoseuspaisanunciaramodivórcioeseupaiavisouqueestavasemudandoparaInnsbruck.Masesteeratambémolugarparaondeelavinhaquandoqueriaescreverpoemasouletrasdemúsicas,oucantarbemaltosemserperturbada,ousonharacordadacomogarotoquehaviaroubadoseucoraçãodoisanosantesequenuncaodevolvera.
Juliaabriumaisosolhosedeixouescaparumsuspiropesado.Dessavezapacíficaatmosferadaflorestanãoerasuficienteparaacalmá-la.Elaestavaesperandoporalgo.
Elaparou,sentindoosbatimentosqueemanavamdotronco,entãoseergueuepegouabolsa.Seucoraçãocomeçouabatermais rápidoenquantoela remexianobolso frontalda suabolsa-carteiroparapegarseutelefone.
Nada.Nenhumamensagemnova.Com um suspiro torturado, ela se deixou cair novamente contra a árvore, sua mente se
demorandonogarotoqueelanãoconseguiatirardacabeça.OlindorostodeMichaelKolbe.Seusradiantesolhosverdes.Osorrisoprovocanteemseuslábios.Oslábiosdelenasuabocatrêmula.
Ela tomou fôlego quando o seu telefone abruptamente tocou em sua mão. “Gaby” apareceuiluminandoatela,otelefonetocandoumringtonede“FridayI’minLove”,doTheCure.Aflorestapareceudespertardeumsaltotambém,umpassarinhosaiuvoando,piandoindignado.
Julianãoconseguiapararderir,seguindoopassarinhoemseuvoocomoolhar.-Oi,Gaby-elaatendeuaotelefone,animada.-Oi!Ondevocêestá?-suamelhoramigaperguntou.-Euteligueiemcasa,massuamãedisse
quevocênãoestava.-Ah,estounafloresta.- Ah sim, dando uns amassos no Sr. Carvalho, não é? - Gaby a conhecia bem demais. Desde
quandoelasaprenderamaexpressãoabraçadoresdeárvoresnaaulade inglêsnoanoanterior,elavinhaprovocandoJuliaesua“doentiafascinaçãoporcarvalhos”–palavrasdeGaby,nãodela.
- Não é você que é a vidente. - Julia respondeu com um sorriso. - E não, nós ainda não nosabraçamos hoje. Eu prefiro esperar um abraço do Michael, se é que ele vai retornar as minhasmensagens.-Elaseencolheu,recuandoaotomamargodesuaprópriavoz.
Gabyrespiroudooutroladodalinha:-Porquevocênãovemàcidade?Vocênãovaiseanimarsentadaaíconversandocomárvores,
sentindo pena de si mesma porque o Idiota Kolbe não tem sido tão comunicativo quanto vocêesperavaquefosse.EutevejoemmeiahoranoMozartplatz,ok?
-Meiahora!Estálouca?Euvouterquevoarparapegaropróximoônibus!-Vocêarrebentouemeducaçãofísicaesteano.-Gabydisseimplacável.-Vocêvaiconseguir.Ese
vocêchegaratempo,eutecomproduasSachertortedoTomaselli’s.Oscarboidratosvãoiluminaroseudia.
-Estácerto,estácerto.-Juliacedeu.-Eutevejodaquiapouco.-Eladesligouesevirouparaabraçaraárvoreatrásdesiporumsegundo.ApesardoquetinhaditoparaGaby,elanãopodiasairsemfazer isso.Eraoseu ritual. -Obrigadapor suaajuda -ela sussurrou,dandoumbeijo levenacascadocarvalho.
Seucabeloestavadançandonoventoquandosaiudalinhadasárvores,pendurandoaalçadesuabolsaemumombroecorrendoparaopontodeônibus.Asportasestavamquasefechando.
-GrüssGott-Juliasoluçousemfôlegoquandoforçouaportadoônibusparaabrirnovamente.Aoentrar,mostrouseucartãodeviagemaomotoristaesedirigiuaoassentonofundodoônibus–seu lugarhabitual.Assimqueo subúrbiodeBirkensiedlungdesapareceradevista, eladesenterrouseuMP3playerdabolsaparaouvirumpoucodeEnya.Talvezissoaajudariaarelaxar.
Depoisdealgunsminutosolhandopelajanela,Juliapercebeuquetinha,maisumavez,pegoseucelular,seudedãoacariciandotimidamenteoteclado.Claro,nãohaviamalnenhumemmandarumamensagemaMichael,maselajáhaviaenviadoumahádoisdias.Ehátrêsdias.Eháumasemana.
Ela era tão fracassada. Por que ela não podia ter esperado pacientemente?Talvez ele estivessefora da cidade e se esqueceu de levar o celular. Talvez ele o tenha desligado, ou talvez ele tenhaperdidoocarregador.Seeleumdiavoltassea ligarocelular, imediatamenteachariaqueelaeraaGarotaPerseguidoraObsessiva.
Ela franziu o cenho e guardou o celular novamente, encostando-se ao banco do ônibus. AobservaçãodeGabysobreoIdiotaKolbenãoadeixavadescansar.Claro,suamelhoramigaxingavatodomundoconstantemente.Elaprovavelmenteestavabrincando,masmesmoassim...ElatinhameioquedadoaentenderqueMichaelestavabrincandocomela.
PorqueelaaindaouviaGaby?Suaamiganãosabia.Equecoisafeia,Julia,nãoconfiarmaisnogarotoquehaviaroubadoseucoração:Michael,cujosbeijostinhamsabordepaixãoefogo.Michael,quetinhasussurradoaelaoquantoerabonitaquandoadeitouemsuacama.
Elafechouosolhosemordeuolábio,sentindoseurostoqueimar.Ok...Talvezelatenhadeixadoalgunsdetalhesde ladoquandoconversoucomGaby.Tudoaquiloeramuitoespecialparaelasairdivulgandoporaí.Muitoprecioso.
Enquantoisso,oônibusestavaviajandoaolongodorioSalzach,encostandonaparadadeônibuspróxima à ponte que levava à Cidade Velha. O rio estava lento: junho tinha sido um mêsexcepcionalmenteseconaÁustria.
Enquanto“TheMemoryofTrees”começavaaecoaremseusfonesdeouvido,Juliadesceudoônibus e cruzou o rio. Não levou muito e ela chegou ao Mozartplatz na hora em que haviacombinadocomGaby.Seuolharpercorreuapraça,maselanãoviuaamigaemlugaralgum.Porém,ela viu outro rosto familiar: seu primo Axel estava acabando de sair da livraria da esquinacarregandoumasacoladeplásticolotadadelivros.
-Ax!-elagritou,acenandoparachamarsuaatenção.-Oi,Julia!-Elecaminhouemdireçãoaela,seuscachosloirosdançandonabrisa.-Comovaia
vida?-Cheiadesurpresas,aparentemente.Oquevocêestáfazendoaqui?Nãoeraparavocêterviajado
paraLondresnanoitepassada?- Era. - Axel respondeu com uma cara amarrada, empurrando para cima os óculos que
escorregavampeloseunariz.-MasFlorianteveumcasogravedegastroenterite,entãonósadiamos
aviagem.TioHelmut comprounossas passagens e levou a tiaVerenapara umbrevedescansonacidade.
-PobreFlorian.- E pobre demim também. Eu estava literalmente colocando aminhamala no compartimento
superiorquandoelecancelou.Aquelecanalha.-Sim,euapostoqueeleestavaesperandoumarecuperaçãomilagrosa.Nossoeternootimista-ela
rolouosolhos.-Rá.Euochamariadeingênuo.Juliariu.-Claro.Doqueochamaríamos–umotimistacomexperiênciadevida?-Nossa,Jules.Vocêquerqueeusaiagritando?-Axelsorriu.-Sarcasmomachuca,sabia?-Desculpe.PorquevocênãovaiaoO’Malley’shojeànoite?Podesermaisfácilconversarcom
vocêcomumabebidanamão.Axelsorriu.-Euatétecomprouma.Vejovocêàsdez?Naquelemomento,umavozsooudooutroladodapraça.- Jules!Oi! -UmaGabydesgrenhadacorria emdireçãoa eles, o cabelo tingidodepreto todo
enroladoeodelineadoraindamaisesfumadoqueonormal.ElaosalcançoueestendeuumaunhaesmaltadaderoxoaAxel.-Oi,EfeitoAxe!
-Oipravocê,GabyGloom-eledevolveu.-Estavachorandodenovo?Suamaquiagemestáportodooseurosto,sabia?
-Bah.Essapiadaestáficandovelha,masdessavezvocêestácerto.Eurealmenteestavachorando.Eucomiumhot-dogcomummolhopicantedecurryeestavaumpoucopicantedemaisparaomeugosto.
- Você foi comer? - Julia perguntou desanimada. - Pensei que você quisesse comer tortas noTomaselli’s!
-Ei,seuspaisnãotealimentamemcasa?-Axelinterveio.-Estoumenstruada-Gabyoencarou.-Ok,nãoestámaisaquiquemfalou.-Axeldecidiu,afastando-se.-Vejovocêhojeànoite!-disse
àJuliaantesdeirembora.- Esse seu primo é bem estranho - Gaby concluiu, encarando seu vulto em retirada -, mas
engraçado.-EladeuseumaiorsorrisoaJulia.-Desculpeoatraso.Eucomproduastortasparavocê,paracompensar.
-Obrigada!Vouadorar.Eumeioquemeesquecidealmoçar,naverdade.As duas garotas entraram noTomaselli’s e foram direto para umamesa perto da janela. Julia
pegouocelulareolhouparaatelapelaenésimaveznaqueledia.Aindanada.-Entãomediga:oqueaconteceudepoisdafestadeformatura?-Gabyperguntou,flagrandoJulia
dandoumaolhadaemseucelular.Eladeuumapalmadanamãodaamigasobreamesa.-Euquerosabertudo.
Juliamordeuolábio.Depoisdafestadeformatura,GabytinhaidoparaumaviagemaPariscomseus pais e a irmã, então a melhor amiga não estava atualizada sobre todos seus medos epreocupações.
Tudo havia começado no baile: o Baile deMáscaras de formatura que ela havia sofrido pormeses.Elahaviareservadoumtrajemedievalmaravilhosoemumalojadealuguelcomsemanasdeantecedênciaparaquepudessepassaruma impressão impecável aMichael comsua fantasia.Tinhasidoaoportunidadeperfeitaparaconseguirprenderfinalmenteoolhardele,apagandoseusdoisanos
deinvisibilidadeanterior.Depoisdoverão,elesemudariaparaGrazparairparaafaculdadeeelanuncamaisoveria.Afestaseriaasuaúltimachance.
TinhasidoumalívioenormequandoMichaelaparecerasozinhonaquelanoite.Eascoisasqueaconteceramentreelestinhamficadonamentedeladesdeentão.
Gaby praticamente babava sobre o seu bolo enquanto Julia contava a ela sobre Michael aconvidandoparadançar.
-É, eu sei!Euvivocêsdois.Quandoelecomeçoua tebeijar, euacheiqueerahoradedeixarvocêsdoissozinhosebrincardevampiroemalgumoutrolugar.
-Obrigada.-Juliasorriufracamente,cutucandoseubolocomogarfodesobremesa.-Dequalquermaneira...Então,vocêsalvouoseunúmerodetelefonenoscontatosdele...-Gabya
incentivouacontinuar.-Oqueaconteceudepoisdisso?-Bom,nóspassamoso restodanoite juntos.Elemebeijouumaúltimavez sobas estrelasno
pátiodaescolaantesdeeupegaroônibusparacasa.Nodiaseguinte,elemeligouconvidandoparairjantareassistiraumfilmenacasadele.
JulialentamenteficouvermelhaquandoGabyaolhouinquisidoramente.-Hum.Ospaisdeleestavamemcasa?–sussurrouaamiga.Michaelvinhadeumafamíliarica.Seuspaisgastavammaistemponotrabalhodoqueemcasa.-Não-elamurmuroudevolta.Gabyficouemsilêncioporummomento.-Aha.-Elainclinouacabeçacomumsorriso,encarandoaamigacomexpectativa.Juliamordeuolábio,seurostoemchamas.-Foitãomaravilhosoquandoaconteceu.-Elasuspirou,olhandoparaassuasmãos.-Tãolindo.
Foicomoeusempreimaginei.Quandoelaolhouparaaamiga,aslágrimasestavamseformandoemseusolhos.-Entãoporquevocêestáchorando?-Gabyperguntou,emchoque.-Querida,oqueaconteceu?-Nada.-Juliafungoudesoladamente.-Éesseoponto.Nósnosdespedimosnamanhãseguintee
eledissequenosveríamosembreve.-Evocênãotevenenhumanotíciadeledepoisdisso?Juliafezquenão.-Bem,oquevocêfalouparaelenaquelanoite?-Só...Sóoqueeusentiaporele.Oqueeuvenhosentindoporelepelosúltimosdoisanos.De
como ele era especial para mim e como eu queria falar que estava apaixonada antes que ele semudasse.
-Eoqueeledissesobreisso?Juliaparouporumminuto,olhandoparaGabycomumadúvidacrescente.-Eledisse...Queelenuncatinhanotadoqueeugostavatantodele.Queeudeveriaterfaladopara
eleantes...Queeunãotinhamotivosparasertãotímidaeinsegura,porqueeueraumagarotalinda-elarepetiaaspalavrasdelepausadamente.
Ele a havia acariciado em todos os lugares, despindo-a vagarosamente à luz das velas do seuquarto. As mesmas velas tinham transformado os dois em sombras erráticas e imprevisíveis naparede.
Tinhasidoumsonho,eagoraelaestavaabruptamentesendodespertada.Michaelnãotinhaditoumaúnicapalavrasobreoquesentiaporela.Eleapenasdissequenunca
havianotadosuaadmiraçãosilenciosa.Elasentiuoestômagoembrulhar.-Elenãodissenadacoisasobreasua,hã,“dançaentreoslençóis”?–Gabyperguntouincrédula.-Eledissequeteveumaótimanoite–Juliasussurrou.
-Bem,dã!–Gabyenfiouogarfonoboloferozmente,comoseestivesseenterrandoumaestacanocoraçãodealguém.–Nenhumasurpresaatéagora.Jesus,quecompletoidiota.Gaba-seaoouvirvocêprofessaramoreternoporele,marcaumencontrosecretoparapoderirparaacamacomvocêedepoisnuncamaisligadevolta.Sealgumdiaeucolocarasminhasmãosnele...
Julia gelou por dentro.Ela fechouos olhos, juntando asmãos sobre a sua boca para conter ochoro, as lágrimas rolando por suas bochechas. Ela sentiu os braços de Gaby em volta dela,consolando-a.
–Olhe,sintomuitoseeuestavasendodiretademais.–GabysecouaslágrimasdeJulia,-Eunãotenhoumfiltro.Maseuestouapenasdandoaminhaopiniãosincera,jáquesousuamelhoramiga.Seascoisasrealmenteaconteceramdaformacomovocêdescreveu,temoqueeleestejabrincandocomvocê.
Gabysentou-senodescansodebraçodacadeiradeJulia,abraçando-acomosdoisbraços.–Vocêqueriaqueelesoubessecomovocêsesentia.Seelenãopoderespeitarisso,éproblema
dele,nãoseu.Vocênãofeznadadeerrado.–SeuscabelospretosaoladodoloiroplatinadodeJuliaeramafotografiadeumtristecenáriopretoebranco.
Umagarçoneteempurrandoumcarrinhodedocesvirounadireçãodelas.–Estátudobem?–perguntouela,umpoucoperplexa.-Claro–Gabyrespondeu–Nãoestamoschorandoporcausadosdoces.Elesestãomaravilhosos.
-Juliariu,apesardaslágrimas.–Argh–elaresmungou,esfregandoorosto–Soutrouxae ingênua.Euestava tãoapaixonada
peloMichael.Porqueeunãoviqueissoaconteceria?Gabydeudeombros.–Oamorécego.Éassimmesmo.- Talvez eu devesse ligar para ele. Perguntar por que ele nunca respondeuminhasmensagens.
Quemsabeeletenhaumbommotivo.-Sim.Apostoqueosdedõesdelecaíram.–GabyacenousolenementecomacabeçaeJuliariu.–
Mas,sério,ligueparaele.Quantomaiscedovocêsouberoqueestáacontecendo,melhor.Gaby falou sobre as curtas férias em Paris. Foi bom ouvir as histórias bobas e divertidas da
amiga,mas Julianãoconseguiaafastar totalmenteanuvemnegraquepairavasobrea suacabeça.QuandoelasdeixaramocaféeJuliatevequecaminhardevoltaparaopontodeônibussozinha,seussentimentosdeangústiavoltaramcomforçatotal.Pegandoocelulardabolsaeolhandoparaeleemdúvida,elaseencostounaparededopontodeônibus.NãoeramelhoradiaraligaçãoparaoMichaelmaisumdia?Elaodariaumachancederesponderàssuasmensagensdetexto.TalvezGabyestivesseerrada,nofinaldascontas.Seráqueelanãopoderiadaraeleobenefíciodadúvida,pormaisumtempo?
Um som familiar ao longe interrompeu os pensamentos de Julia. Seu coração parou por ummomento–elateriareconhecidooescapamentobarulhentodamotoHondadeMichaelemqualquerlugar.Semprequeeleencostavanopátiodaescolacomsuapreciosidade,elaestavaporpertoparaassisti-lotimidamentepeloscantos.Seuestômagoapertouquandoelaolhouparacima,rapidamenteescondendootelefone.
Ele se aproximou do ponto de ônibus, desligou omotor e estacionou amoto contra amesmaparedequeelaestavausandoparaseapoiar.Seucabelocastanhotinhaumbrilhodouradoàluzdosol.Michaelaindanãoatinhavisto,masquandoelafoihesitantementeemsuadireçãoparaqueeleavisse,seulindorostosefechouimpacientementeporuminstante,eolargosorrisoqueelemostrounosegundoseguinte,nemmesmochegouaosseusolhos.
-Julia!–eleexclamouumpoucoanimadodemais-GrüssGott.Voltandodacidade?
-Sim,Gabymeconvidouparatomarumchácombolosnadoceria.–elaengoliusecoantesdecontinuar-Evocê,oquetemfeito?
-Ah, você sabe, por aí – ele respondeu semhesitar –Fiquei comaminha tia e omeu tio emHalleinporalgunsdias.Saíparadançarcommeusprimos.Nadadeespecial.–elebrincavacomaschaves,sorrateiramenteolhandoporsobreosombrosdela,paraobecoestreitoquelevavaàCidadeVelha.
Juliapiscouparaafastaraslágrimas,seuúltimolampejodeesperançadesapareceu.Tudopareciatãodiferentedamanhãemqueelessedespediram.Eracomoseelaestivesseconversandocomumestranho,comalguémqueelanão tinhanadaemcomum–oucomquemnão tinhacompartilhadonada.
– Por que você não me ligou de volta? – ela perguntou tranquila, mas determinada. Michaelsuspirou,colocandoumamãoquenteemseuombro,deformacondescendente.
–Olha,euacheiquevocêfosseficarfelizcomanossanoitejuntos.–elepareciagenuinamenteconfuso. – Quero dizer, você me disse o quanto me queria. O quanto você havia desejado ficarcomigoantesqueeumemudasseparaGaz.Eunãomeimportariadesaircomvocêdenovoalgumdia,maseutenhoestadoocupado.Perdialgumacoisa?
Eladeuumpassoparatrás.Aquiloeraaterrorizante,Michaelfezparecerquehaviafeitoumfavoraela.Eletinhasidogenerosoosuficientedeseencontrarcomelaporqueelaoadmiravaeeletinhasedivertido.Aquiloeratudo.Elenuncaatinhalevadoasério.Todosossonsdaruaseesvaneceram,deixando ela eMichael nomeio de uma silenciosa e árida planície onde ela não conseguiamaismentirparasimesmaoufingirqueotinhaentendidomal.
-Vocême disse que nos falaríamos em breve. – ela se encolheu quando ouviu o quanto tinhasoadomelancólicaepegajosa.–Issofoiháumasemana.
-Euestavaforadacidade–elerespondeusecamente–Sãoasfériasdeverão.PorqueeuficariaemSalzburgotempotodo?Vocênãovaialugarnenhumnesteverão?
Julia fechou os olhos, mordendo os lábios e tentando não chorar. Verão. Ela tentoudesesperadamente afastar as imagens dos dois – fantasias que ela tinha criado nos dias depois doencontrodeles.UmverãoemSalzburgcomMichael,quevisitariaobosquecomela,paraqueelaomostrasse os locais que considerava especiais. Noites cheias de beijos e abraços sob as estrelas.Docespalavrasqueelesussurrariaaoseuouvido.
-Não,vouficaraqui–eladissesuavemente.-Que pena – ele respondeu sem rodeios –Ah, bem, talvez eu encontre você em algum lugar
depois.Tenhoqueiragoraantesquealojademúsicafeche,ok?–eleseinclinouelhedeuumbeijosemsignificadonabochecha.
-Ok,agentesevê–elagaguejouàssuascostas.Elenemestavaescutandomais.UmdosamigosdeMichaelveiodobecoebatendoentusiasmadonascostasdele,oarrastouparaaCidadeVelhadeSalzburg.
Eentãoelese foi. Juliaencostou-sedenovocontraaparede, respirandoprofundamente.Claroque ela deveria estar aliviada de finalmente saber onde estava pisando, depois de uma semanaestressante,maselanãoestava.Francamente,elanãoconseguiasentirnada.Elaentrounoônibusdeformaautomática,ocupandoseuassentohabitualnofundo.
Arealidadeeradura.Elanãosignificavanadaparaele.Pordoisanosela tinhaficadoolhandocegamenteparaalguémquenãoaenxergava.
Destavez,arealidadeaatingiubemnofundo.Juliafechouosolhosetentouseguraraslágrimas,masareaçãoindiferentedeleàssuaspalavraseradolorosademaisparaesquecer.Aformacomoeleolhavaparaela,impaciente,enquantoela,ansiosa,falavacomele.Aformacomoeleolhavaparaela
naescolatodosessesanos,atéqueelafosseapresafácildafesta.Quecretino.Quemelepensavaqueera?!
Nomomentoemqueoônibuschegouaofinaldalinha,atristezadeJuliatinhasetransformadoemraiva.Aoinvésdeirparacasa,elacorreuparadentrodobosqueefoidiretoparaseulugardemeditação, tentando superar a raivaqueaconsumiapordentro.Quandoela finalmente seafundoucontraovelhocarvalhonobosque,lágrimasquentescorriamporseurosto.
-Suaidiota.–elasoluçou.–Suavacaestúpida.Elaestavaprincipalmentecomraivadelamesmaagora.Comoelapôdetersidotãoingênua?Jáerahoradecomeçaraagir.Julialimpouaslágrimasdosolhos,resoluta.Horadedizeradeusa
tudooqueelahaviasonhadoparaosdois,poisela,obviamente,estavasonhandoemvão.Ossonhosnãosetornamrealidade.Avidanãoéumcontodefadas.
Erahoradecrescer.-Aíestávocê!–aSra.Gunther faloudacozinhaquandoJuliachegouemcasanaquelanoite.–
Vocêestáatrasada,mocinha.Eunãotinhaideiasevocêjantariaconosco.PenseiquetalvezvocêfossejantarnacasadaGaby.
- Desculpe, mamãe. - Julia foi para a cozinha para abraçá-la. – Eu deveria ter ligado, masaconteceutantacoisaeeumedistraí.Oquetemparacomer?
-Macarrão.–suamãebalançouacabeçacomdoçura.–Eeufizumpoucodesalada.-Saladadeatum–Annedissecomdesdém–Nãogostodeatum.-Vocêmudaseusgostosculináriostodasemana.–Juliarevirouosolhos.–Comoéqueamamãe
poderiaacompanharessasmudanças?-Annedeudeombros.–Euvoufazerumalista–elarespondeupretensiosamente,tentandoparecertãovenerávelquanto
possível do alto dos seus dez anos. Julia sorriu maliciosamente para a irmã e de repente Anneexplodiu em risadas. – Não olhe assim paramim! Eu só sou exigente com o que como. A vovósempredizisso.
-Nós vamos visitar a vovó neste final de semana, então talvez você devesseme dar essa listalogo.–amãearepreendeucomumarisada.–Paraeupoderdeixarapobresaberdequaiscomidaseladevemanterdistânciaquandoestivercozinhandoparanós.-elassesentaramàmesa.
Juliaamavaafamíliadaqualfaziaparte.Apesarde,àsvezes,sentirfaltadopai,eramuitomelhorparasuamãequeelemorasseemoutrolugar.Oclimatensoquehaviarondadoacasanosanosqueprecederamodivórciohaviamfinalmenteficadoparatrás.Asuamãehaviacomeçadoumavidanovaemelhor.
AavódeJuliamoravaemEichet,umvilarejopróximoaossubúrbiosdeBirkensiedlung.Suaavómaternaeracomoumasegundamãe.OavôdeJuliahaviafalecidoháalgunsanos,deixandoasuaesposasozinha.Quandoeleaindaeravivo, Juliavisitavaosavós todasas tardesdedomingoparatocarparaeles.Elaadoravaoantigopianodeles.Emcasa,elatinhaapenasumtecladoparapraticar.
Ela usava seuYamaha para compormúsicas em seu quarto, incluindo amúsica que ela haviacompostoparaoexamefinaldeeducaçãomusical,esecretamente,elaa tinhaescritopensandoemMichael.Elenuncaficavalongedosseuspensamentosquandoelaestavacompondo.Todasasvezesque ela acrescentava uma novamelodia, ela se imaginava tocando em frente a uma audiência deestudantesnograndeauditóriodaescola.Emsuasfantasias,umMichaelarrebatadosempreestavanaprimeirafila,contemplando-a,admirado.
Narealidade,elenuncahaviaestadoali.Juliamastigouumpoucodesaladadeatum,tentandoafastasalembrançadorostobonitoedos
olhosverdesdeMichael.Elatinhaqueparardepensarnele.Elenãoerabonitodejeitonenhum.Eleeraumidiota,umcanalhaqueusavagarotasinocentescomoaumlençodescartáveleelatinhasidocegadenãoreconhecerquemelerealmenteera.
-Julia!–avozdesuamãeatiroudeseudiscursointerior.–Você...Vocêestáchorando,querida?Assustada, ela olhou para cima, limpando algumas lágrimas que rolavam por seu rosto.Anne
olhouboquiabertaparaeladooutroladodamesa.Sorrindofracamente,Juliaesfregouasbochechasmaisumavez.
–Desculpe.Éque...Euestoumesentindoumpoucoperdida.Aescolaacabou, todomundoestáindoembora,minhavidanuncamaisvaiseramesma...Pareceserofimdetudo.–elamentiu.
-Bem,Gabynãovaialugaralgum,vai?–aSra.Gunthercolocouamãoamorosamentenobraçodafilha.–Elavaiestaraquicomvocê.EAxeleFlorian?ElesvãoparaaUniversidadedeSalzburgtambém.Seusoutrosamigosaindavãoestarporperto,nãovão?
Juliasorriu.Suamãeeradocee,omaisimportante,elaestavacerta.Aspessoasquerealmenteseimportavamcomelaestariamaoseulado.Provavelmente,avidadelaficariabemmelhoragoraqueelanãoestariaapenaspensandoemMichael.Atéaquelemomento,elanemtinhaprestadoatençãoemnenhumdosoutrosgarotoslegaisdasuacidade.
Horadeseabrirparanovaspossibilidadeseparardeficarsentindopenadesimesma.Naquelanoite,quandoJuliasaiudoquartodepoisdevestirnovosjeanseumacamiseta,elaestava
totalmente preparadapara fazer suavidadar umaguinadade cento e oitenta graus.Erauma lindanoiteeelaiaaproveitaracompanhiadosseusamigosnoO’Malley’s,obarzinhofavoritodeles.
-Julia–Annechamoudoquartoaolado–Vocêlêumahistóriaparamim?–airmãtentousoarcomoumacriancinhadepropósito.Nosúltimostempos,Annediziaquejáeracrescidademaisparaquelessemparaela,mastambémdiziaqueJuliaeramuitoboaparalercontosdefadas.
- Estou indo! – com um sorriso, Julia entrou no quarto. Ela se sentou na beirada da cama,passando os dedos pelos cabelos deAnne. Sua irmãzinha estava chupando o dedo de brincadeira,agarrandoumbrinquedinhocomumbraçoepiscandooscíliosparaJuliaenquantoaempurravaolivrodehistóriassobreaflorestaencantada.
-OPríncipedasÁrvores–Juliadissecomentonação,abrindoolivronocapítuloquatro.Elanemmesmotinhaqueolhar,elajásabiadecor.SuaavósempreliahistóriasdaquelelivroequandoAnnenasceu,aavólhederaolivrodepresente:"Ésuavezdelercontosdefadasparaasuairmãzinha."–eladissera.
O livro de histórias era repleto de lendas austríacas, contos de fadas e tradições de temposantigos. Uma parte era, ainda, dedicada ao folclore anterior ao Cristianismo – páginas cheias dedescrições de criaturas das trevas que vinham dos Alpes e viviam nas florestas e montanhas. OKrampuseraoespíritoselvagemqueensinavaosrapazesasobreviveremporsimesmos.Sódepoisquea Igreja estabelecera suas regrasnaÁustria équeoKrampus foi considerado ummonstro domal,quelevavacriançasdesobedientesparaasuacasananoiteanterioraodiadeSãoNicolau.
Alémdisso,olivrotambémtraziacontosdefadasmodernos.Ocapítuloquatro,sobreoPríncipedaFloresta,sempreforaopreferidodeJuliaeAnnegostavadeledamesmaforma.Emsuamelhorvozdecontadoradehistórias,Juliarecontouafábuladojovempríncipequeseapaixonouporumafada que vivia na floresta. A fada, que também era princesa, se sentava no galho de sua árvorepreferidasemprequeprecisavadescansardetantovoar.Anneolhouporsobreoseuombroparaverasbelas ilustraçõesdolivro.QuandoJuliaalcançouofimdahistória,Anneengatinhouparaoseucoloejogouosbraçosaoredordesuairmãmaisvelha:
–Sabe,eunãotenhotantavontadeassimdecrescer–elaconfessouemvozbaixa.-Porquenão,querida?–Juliaacariciouocabelo loiroescurodeAnne.Sua irmãtambémiria
paraumanovaescoladepoisdoverão,elatinhaacabadoaeducaçãoinfantil.Anneencolheuosombrospequenos.–Vocêtambémégrandeagoraenãoparecetãofelizquantoeraantes.Algumasvezesécomose
vocênãoacreditassemaisemcontosdefadas.
Juliamordeuolábio,controlando-separanãofazerumaobservaçãomordaz.QualanecessidadededizeraAnnequeoscontosdefadasnãosetornavamrealidade?Nãoeraprecisoincomodarumagarotinhacomasuaamargura.
–Você está certa, eunão estoume sentindomuito feliz agora.Eu tiveque enfrentar uns lobosmausultimamente.
-Ah,na floresta,vocêquerdizer?–Anneperguntou,meiobrincando,olhandoparaJuliacomseusgrandesolhosazuis.Julianãopôdedeixardesorrir.
–Não,naflorestanão.NasruasescurasdaSelvagemSalzburg.Anneriu.–Vocêtemcertezaquequersairhojeànoite,ainda?-Claro.AxeleGabyvãomedefenderseencontrarmosmaislobosoumonstrosKrampus.-MasAxelusaóculos.–Anneseopôs,comoseapéssimavisãodoprimoodesqualificassepara
opostodedefensorconfiável.-MasaGabynão.-Verdade.–Anneacenousolenemente.SemprequeamelhoramigadeJuliaapareciaemcasa,
AnnesesentiaumpoucointimidadaporGabyesuasroupaspretas.Aparentemente,serumagóticaafaziaumaboaprotetora,noconceitodesuairmã.
-Entãovouindo.–Juliaselevantou.–Vejovocêamanhãdemanhã.-Nãofiqueforaatétarde–Annedisse,repentinamentesoandomaternaldemaisparasuaidade.
Juliariu.–Nãovou.–eladesceuasescadascorrendo,quasetrombandocomamãe,quesaíadacozinha.-Vocêestácomachavedecasa?–aSra.Guntherperguntou–Euvoumedeitarmaiscedoesta
noite,entãovoutrancaraportaantesdevocêchegar.- Estou. E commeu cartão do ônibus, minha carteira, o celular, o spray de pimenta e omeu
melhorhumor.Juliadeuumbeijonatestadamãeesaiupelaportaassobiando.Aindacantarolando,elacaminhou
pelaruaeparaoBirkenstrasse,quelevavaaopontodeônibus.Oônibusaindanãoestavalá,entãoelasesentounobanco,sobaáreacoberta.
Ameialuailuminavaocéu,asárvoresdaflorestadooutroladodopontodeônibussussurravammisteriosamenteàbrisadoverão.Porapenasummomento, ela se lembroudocontode fadasquehaviaacabadodelerparaAnne.Quasedemodoinaudívelelamurmurou:
-Oi,meupríncipe.Comovaivocê?Nãoseriafantásticovoarporaícomasasdefada,olhandoparaaTerradoladodecima?Elase
sentaria sobre a copadeumaárvore e assistiria omundoacontecer, esperandoatéqueo caos e aloucura da humanidade passassem e a era dos espíritos da natureza começasse na Terra. Elaterminaria amando um lindo emisterioso eremita quemoraria emuma casa nomeio da floresta,escrevendopoemassobreasárvores,asfloreseseuamorporelatodososdias.
Nos anos passados, ela tinha observadoMichael por horas a fio durante as tediosas aulas dematemática e física que ela tinha que assistir. Ela tinha tirado o melhor proveito dessas aulasassistindoMichael,quesesentavaduasfileirasnafrentedela,paraoladoesquerdo.Algumasvezes,ele desenhava no caderno enquanto o Sr. Brunner se esforçava para explicar outra equação desegundograu,eelasempreseperguntouoqueéqueeleestavadesenhando.Umdia,Michaeltinhaacidentalmentedeixadoocadernoemsuacarteiraeelaespiouparaveroqueelehaviadesenhado.Asúltimaspáginasestavamcheiasdedesenhosdeárvoresefloreseaquiloatinhadeixadofeliz.
Talvezelatenhadadomuitaimportânciaparaaquilo.Àdistância,elapodiaveràsluzesdoônibusseaproximando.Juliapegouseucartãodeviagens
dentrodabolsaparamostraraomotorista.Quandoelaestavaembarcando,otelefoneemseubolso
tocou.-Oi,Axel!–elarespondeu–Eaí?-Jáchegou?-Não,acabeideentrarnoônibus.Vouestarláemunsvinteminutos.-Euchegoemmeiahora.Floriantambémvai,eledissequeestásesentindomelhor.-Ótimo!Vejovocêsdoisdaquiapouco.JuliadesligouefuçoudentrodabolsaparaprocuraroseuMP3.Oônibusfoiseenchendoaos
poucos.Acadaparadamaisadolescentesentravam,todoselesvestidosparaanoitadanacidade.Elasorriu–eraumaboa ideiasairdesuacrisee ficarcomosamigosnobarzinhoanoite toda.Maiscedooumaistarde,elainevitavelmenteesbarrariaemMichaelnovamente,maspelomenoselanãooencontrariasozinha.
-Ok,quemquercerveja?–Tamaraperguntou,deslizandodoseubanco.AirmãdeGabybuscariaapróximarodada.ElabateunoassentodecouroecutucouJulia.–Vocêpodesentarnomeubanco,vocêmereceumlugar.
FloriaeAxelolharamcuriososparaJulia.EleshaviamacabadodeentrarehaviamperdidotodaaconversaentreJulia,GabyeTamarasobreoterrívelencontrodeJuliaeMichaelnaquelatarde.
-Eumereçoumacerveja-pediuFlorian–Depoisdesobreviveraestaterrívelgastroenteritequemefezcomerdecanudinhoasemanainteira,eutomariaalgobemgostoso.
-É,parecequevocêestátotalmentepreparadoparabeber.-Axelsorriu.–Sónãovávomitaremcimademim,ok?
Gabyse juntouàsuairmãparaajudarcomasbebidaseFloriansesentounobancoaoladodeJulia.
–Entãooqueaconteceu?Porquevocêestámerecendoumbanco?-Ah,ésóbobagem.Homens.-Querfalarsobreisso?–disseAxel–Quehomempartiuoseucoração?-MichaelKolbe-Juliamurmurou,nãosesentindomuitoacessível.-Kolbe?Aquelesuperidiota?–Florianexclamou.-Ei,vocêpodefalarmaisbaixo?–Juliaocalou,inquieta–Metadedaspessoasnestebarcelebra
cadapassodele.EmumavozsuaveelacontoumaisumavezaversãoresumidadoseuencontrocomMichaelpara
osgarotos,seusrostosultrajadosquandoelaterminou.-Elesóatacaasinocentes–Floriandisse,comdesprezo.- Nossa, valeu! – apesar das palavras sem tato de Florian, Julia não pôde deixar de abrir um
sorriso.Elenãoeradiplomático,mas,narealidade,tambémestavacerto.- Talvez devêssemos colocar a foto do Michael em um alvo – sugeriu Axel – Para que
pudéssemosjogardardosnasuacaraestúpidaanoiteinteira.-Que ideia esplêndida para um jogo - Florian concordou –Nós vamos chamá-lo de "Mate o
Kolbe".Vaiquepega.PodemoscomeçarumatradiçãoaquinoO’Malley’s.GabyeTamaravoltaramcomumabandejacheiadebebidas,propondoumbrindeaocomeçodas
fériasdeverão.–Umbrindeàesperançadequetodasaspessoasquenosmagoaramnopassadomorram.-Gaby
desejou,vingativamente,lançandoumsorrisomalvadoparaJulia.Juliasorriudevolta,batendoocopocontraodeGaby.Comoesperado,foibomtersaídodecasa.
Elasesentiamaisfortenacompanhiadeseusamigos.Alémdisso,elaestavamaisdoquefelizdenãoterencontradocomMichaelquandoelessaíramdobaràsonze.
-Vamossairpara fazercomprasembreve–Gabydisse, abraçandoJuliaao sedespedir.–OuficarjuntasnoJardimMirabellodiatodoparaverosgarotos.Voutirarvocêdessa.Euprometo.
- Obrigada. – Julia abraçou a amiga de volta. Era o começo de uma nova vida cheia deoportunidadeseelafariadetudoparaquefosselinda.
3.-Voucorrendoparaacasadavovó!–Juliagritoudocorredor,enquantocolocavaseus tênisdecorrida.–Euvejovocêsduaslá,ok?
- Eu vou esperar na porta de entrada, com umamedalha de ouro e um coral cantando o hinonacional - a Sra.Gunther brincou com a filha, esticando o pescoço através da porta da cozinha –Divirta-se.
Julia passeou pela estrada que levava à floresta, acelerando assim que ficou sob a copa dasárvores.Eraumabelamanhãde sábadoea florestaestavacalmaepacífica.Tudooqueelapodiaouvireramossonscostumeirosdanaturezaeasbatidasfirmesdeseucoração.Eraporissoqueelagostavade correr ali: no silêncio, as suaspreocupações sempredesapareciam.Para ela, era comomeditação.
Juliadeixouatrilhaprincipalecorreuforadapistaporalgunsmomentosparaquepudessepararaopédeseucarvalho.Suarespiraçãodiminuiuquandoseencostounotroncodaárvore,abrindoagarrafa de água que estava dentro de sua pequena mochila. Algumas roupas limpas estavamguardadaspertodesuagarrafaparaqueelapudessesetrocar,nacasadesuaavó,depoisdacorrida.Eporúltimo,masnãomenosimportante,estavaseuúltimoboletim.Asuaavóaindanãotinhavistosuasnotasfinais.
Todasassuasnotaseramboas,masJuliaestavamaisfelizcomosresultadosfinaisemEducaçãoMusical.Elahaviaficadocomanotamaisaltadoanoparaaquelaeletiva,pelamúsicaqueelahaviacomposto.SeaomenosMichaelsoubessequeelahaviaescritoparaele...Eleprovavelmentechorariadetantorir.
Suavemente, ela cantarolou amelodia para simesma, sentindo-se incrivelmente só por algunssegundos,enquantodescansavaacabeçacontraacascarachadadotroncodaárvore.Acimadesuacabeça,asfolhasbalançavamcomoventoquerepentinamentecomeçouasoprar,comoseaflorestaestivessecantandodevoltaparaela.Emalgumlugardistante,umpássaropiava.
Depoisdealgunsminutospensativa,Juliadecidiuqueodescansohaviaacabado.Elaficoudepéeesticou as pernas, guardando a garrafa de água. Os músculos das suas pernas estavam quentes etensos após o alongamento. Correndo levemente, ela cortou caminho por entre as árvores paracontinuar ao longo da estrada de terra, que atravessava o bosque, alcançando o fim da florestapróximoaEichet,depoisdequinzeminutos.Aestradaprincipalquelevavaaovilarejoestavadeserta.Juliaficounomeio,seustênisbatendonoasfaltocomoumpacíficomantra.Nocalordamanhãdefimde junho,elapodia sentiro suorescorrerpor suapele,ovigorcorrendopeloseucorpo.Eraexatamentedissoqueelaprecisava.Corrersemprearevitalizavaquandogastavamuitaenergianaspreocupaçõesdodia-a-diae,ultimamente,aspessoasestavamsugandodemaisassuasenergias.
Michael dizendo a ela:Nos vemos embreve.Avoz de seu pai e as palavras:Eu venhovisitarvocês,meninas,semprequepuder.Aspessoasprometendocoisasaela,tudodabocaparafora.
Sua melhor amiga, Gaby, era um bálsamo, nesse sentido. Sempre honesta, não fazia rodeios.QuandoJuliaeGabyseconheceram,nocolégio,Gabyjátinhaohábitodevestirroupasestranhas,carregandoumabolsapreta,decoradacomfigurasdoPlaceboeNirvana,comomochila,apesardasrepreensõesdosprofessores.
-Nãomeimportodesentarpertodevocê.–GabydeclarouàumatímidaJulianoprimeirodiadeaula.ElaarremessouamochilaesfarrapadaparabaixodoassentoaoladodeJulia.–Vocêéaúnicapessoadeverdadeporaqui.
-Como...Comoéquevocêsabe?–Juliaperguntou,umpoucosurpresa.
- Seus olhosme dizem que você não émuito fã de pessoas. Então, você não se preocupa emmentirparaelastambém.Vocênãoéumafraude.
Julia imediatamentesesentiuprotegidapelocomportamentorebeldeeextravagantedeGabynaclasse.Maistarde,GabyadisseraquesesentiasegurapertodeJuliaporqueelaexalavamuitapazetranquilidade.OspaisdeGabyerampessoas falanteseextrovertidas,quenão tinhammuito tempoparaficarcomassuasfilhas.Tamaratinhaseadaptado,fazendoopapeldaboafilhamaisvelha,quenuncaforaumfardoparaospais,eGabyhaviafirmadoopéedecididosevestircomoasestrelasdorockqueelaadoravaeseuspaisdetestavam.Apesardisse,TamaraeGabysedavammuitobem.
Juliavirouaruadesuaavóeaviuesperandoporelanojardimemfrenteàcasa.-Maisrápido,Julia–gritouela–Ocháestáesfriando!Suamãe e sua irmã tinham vindo de bicicleta e estavam na sala, com chá e fatias de bolo de
gengibre.Juliabeijouaavónabochechaquandoentrou,tirandoostênisnocorredor.-Sóvoumerefrescar–eladisse,ofegante,subindoasescadasdedoisemdoisdegraus.Aáguadochuveiroesquentourapidamente,elaapenaslevoudezminutosparaselavarevoltar
paraoandardebaixoparatomarseucháecomerbolo.-Planosparaoverão?–aavóperguntou,curiosa–Vocêtemtrêsmesesdefolga,afinal.Juliadeudeombros.–Nãosei.Arrumarumemprego,euacho.SuamãenãotinhadinheiroparalevarAnneeelaanenhumlugarespecial.Juliatinhaconsiderado
passar as férias em Salzburg, mas agora que o verão havia chegado, os três meses pela frentepareciamintermináveis.Asaulasnafaculdadeteriaminícioapenasnocomeçodeoutubro,deixando-a com tempo suficiente para conseguir um trabalho de verão para guardar algum dinheiro, masfrancamente,elanãoestavamuitoanimadacomaideia.Noanopassado,pegarencomendasemumafábricaderoupascheiademofoatinhadeixadocompletamentemalucadepoisdeduassemanas.
-AxelmedissequeestavaplanejandoumaviagemaLondres–disseaavó–Elenãofoisemanapassada?
Juliabalançouacabeça.–Florianficoudoente,entãoelesadiaram.-Porquevocênãosejuntaaeles?Issotalvezpossateanimar.Juliaolhouparaasprópriasmãos,sentindo-sedescoberta.Suaavópareciaterumsextosentido
paraessascoisas.Seelapareciateralgumtipodeproblema,aavósempresabiadeimediato.–Estou bem, obrigada – ela respondeu, semquerer preocuparAnne e amãe.Ela rapidamente
procuroupeloboletimdentrodabolsa.–Aqui,vejasóasminhasnotas.A avó riu. Julia não podia deixar de sorrir também. Isso era uma besteira. Ela parecia querer
provarqueasuavidaeraótimapelassuasmédiasnoboletim.-JuliateveanotamaisaltaemEducaçãoMusical–Annecantarolou,sorrindocomorgulhopara
airmã–Elatocouumamúsicadesuaprópriaautoria.-Porquevocênãotocaparaasuaavómaistarde?–sugeriuamãe.Ótimo.Elatemiaisso:terquetocarafamosamúsicaquealembravadaquelapessoaemparticular
queelaqueriaesquecer.–Sim,eutoco.Deixe-metomarocháprimeiro–elaresmungou.QuandoJuliacorreuparaoquintal,depoisdeterminaroseucháeasuarelutanteperformance
musical,asuaavóaseguiu,alcançando-anocaminhoaolongodosrododendros.-MinhadoceJulia,oqueestáacontecendocomvocê?–elaperguntougentilmente.Juliasuspirouprofundamente.–Nãoénada,deverdade.Eusó...Tenhoqueesqueceralgumascoisasqueeudeveriaterdeixado
praláhámuitotempo–elaseafundounobancoentredoisgrandesarbustos.
-Então,qualonomedele?–avelhasenhoraperguntou,depoisdealgunssegundosemsilêncio.-Michael–Juliasussurrou,suavozpresanagarganta.-Vocêescreveuaquelamúsicaparaele?-Vovó,vocêrealmenteéumavidente–Juliaexclamou,ofendida.Suaavólhedeuumsorrisotorto,quasemalicioso,eentãopareceusérianovamente.–Eleainspiroueissoélindo.Issosemprevaiserseu.Oamorquevocêsentiuporelenãoestá
perdido.Vocêaprenderáadá-loaoutrapessoa,assimquevocêdeixaramemóriadeleparatrás.-Daraoutrapessoa?Nãoseiseconsigo.Tudopareceutãointensoquemedeixouseca.Mesmo
queagoraeusaibaqueelenãomereceomeuamor.Juliaficouemsilêncio,seusolhosfixosnaboladevidroverdeescurapresaemumahaste,perto
do arbusto de rododendros.Novidro convexoda esfera, ela parecia umalien, uma estranha, umaversão distorcida de si mesma, olhando de um distante mundo pintado de verde. Que bom seriadesaparecerdentrodeumabolhadesonhoscomoaquela.
Elafechouosolhoselutoucontranovaslágrimas.Aquiloeraridículo,eladeveriaseanimar.Aavóhaviaditocoisastãodocesesábiasaela.Aindaassim,elanãopôdeevitarochoroquandoaavótambémsesentounobancoecolocouumbraçoaoredordosseusombros.
–Vocêtemquesepermitirolutopelascoisasqueperdeu,garotinha.Mas,porfavor,lembre-sedecelebrarascoisasquevocêaindatem.
A avó estava certa, ela ainda tinha todos os poemas que havia escrito em seu diário enquantoestava sob o seu carvalho, sonhando com Michael. Ela ainda tinha a sua música, a assombrosamelodiaqueelahaviatocadoduranteacerimôniadeformatura,diantedeumaplateiaencantada.SuamãehaviaficadoemocionadaquandolevouumbuquêdefloresparaJulianopalco,logodepoisdaapresentação.Esseserammomentosqueelamanteriaemseucoraçãoporumlongotempo.
Naquelatarde,amúsicadeJuliaencheuoscômodosdaconfortávelcasaemEichet,pelaprimeiravez.Nasuamente,elasempreachamavademúsicadeMichael,masnãomais.Elahaviamudadodeideia:erahorademandaremboratodosossonhosqueelativerasobreosdoiseabrirespaçoparacoisasnovas.
-Venha,Jules,vaisermaravilhoso–avozinhadeGabysooudooutroladodalinha.Ofinaldesemanahaviaacabado.Juliaestavaocupadabuscandoanúnciosdeempregonojornal
local. Ela pensou que ter um emprego de verão seria uma boa ideia, ela poderia guardar algumdinheiroparaviajardefériascomaGaby.Atéagora,porém,elaestavasesentindomeioentediadacomapáginadeclassificados: todososempregosanunciadosnoSalzburgerFenstereramruins,omelhorqueelahavia selecionadonaquelediahavia sidoumaagênciademodelosprocurandoporgarotas loiras que usassem 36. Com um gemido de frustração, Julia riscou o anúncio com omarcadorvermelho.
-Então,quantoéo ingresso?–elaperguntou, tentandoparecermaisanimadadoquesesentia.GabyestavarepentinamenteconvencidadequeelasprecisavamirverumabandacoverdosSiouxsieandtheBansheesquetocarianoShamrocknaquelanoite.
-Nada,suaboba–Gabybradouaotelefone–Éumabandacover.Eelesestãofazendoumshownasegunda-feiraànoite.Precisodizermaisalgumacoisa?Quememseujuízoperfeitopagariaporisso?
Juliariu.- Está bem. Pergunta idiota, eu acho.Mas, eu pensei que você quisesse sair para jantar como
pessoalhojeànoite.-Aindaquero.Podemosfazerasduascoisas.Abandanãovaicomeçarantesdasdez.Então,você
nãopodedizernão.-Estoucomeçandoaentenderisso.AxeleFloriantambémvão?
-Ah,euvouconvencê-losasejuntaremanósquandoeuosvirhojeàtarde.EleshaviamcombinadodeseencontrarnacasadeFlorian.Elemoravaemumamansãoaolongo
dorioSalzacheseuterraçoeraquasetãograndequantoseuespaçosoquartonosegundoandar.Noverão,aturmadeamigosdelesficavaláfora,noterraço,ouvindodiscosantigos,bebendocervejaefumandoumbaseadodevez emquando.Florian semprepunhaumaescada apoiadana fachadadacasaparaqueaspessoaspudessemsubirsemterqueatravessaracasae incomodarseuspais.Estamanhã, Julia havia comprado latas de cerveja e garrafas de refrigerante para queFlorian pudesseprepararalgumasbebidasparaeles.
-Tudobem,Gaby,podecontarcomigo.Vejovocêmaistarde!Enquantoelacolocavaocelularnabolsa,seuolharrecaiusobreumpequenoanúnciodalivraria
docentrodacidade.Höllriglestavaprocurandoporassistentesdevendas.Aquilopareceualgoqueela poderia gostar, quem sabe ela poderia até mesmo receber um desconto de funcionário paracomprar livros. Ela era uma leitora voraz, assim como Axel. Ele provavelmente dançaria defelicidadeseelaarrumasseumempregoalievendesselivrosparaeleaumpreçomaisbaixo.
QuandoJuliasaiudeseuquarto,Anneestavadeitadanosofádocorredor,lendoofamiliarlivrodehistórias.Obviamente,airmãestavasetornandoaterceiraleitoravorazdafamília.
-Vocênãoquerirláparafora?–elaperguntouaAnne,quelogosesentou.–Vocêpodelerlánoquintaltambém,nãopode?
- Ah, eu vou lá fora em um minuto. Vou me encontrar com Sabine para irmos ao bosque.Queremosconstruirumacasanaárvore.
Juliaergueuasobrancelha,duvidando.-Hmmm,Sabine temalgum irmãohabilidosooucoisaparecida?–anovaamigaevizinhade
Anne tinha apenas nove anos. Certamente as duas garotinhas não podiam construir uma casa naárvoresemalgumaajuda.
Annedeuumarisadinha.-Não.Naverdade,eleémeiodesastrado.Mas,eleéfofo!Devoapresentá-loavocê?-Não,nãoprecisa,suacasamenteira.–Juliavirou-seedesceuasescadascorrendo.Fofoounão,
no momento, ela não estava precisando de garotos em sua vida, apesar de Gaby insistir que elaprecisavasedistrair.
Dezminutosdepois,elaestavanoônibus,comseuiPodligado,LoreenaMcKennitttocandoumasuaveharpaduranteaviagemparaacidade.Loreenaeraoseuantídotocontraopunkaltoaqueseriasubmetidamais tardenaquelanoite.Narealidade,elanuncahaviaouvidonadadeSiouxsieand theBansheesantes,massea impressãoqueosgrandespôsteresqueGaby tinhadabandapassavamseconfirmassem,elatinhaquasecertezadequeseustímpanosteriamumadolorosaexperiêncianaquelanoite.
Depoisde trintaminutosdeviagem, Julia saiudoônibus e caminhouumpequeno trechoaté acasadeFlo.OtempoestavaadoráveleocastelobrancodeSalzburgnamontanha,comvistaparaacidade,brilhavaàluzdosol.Elaolhouparaafortalezasaudosamente.Talvezelapegasseocaminhomais longo colina acima novamente um dia desses e compraria uma generosa fatia de bolo nalanchonetedo castelo.Fazia tempoque elanão fazia isso.Aúltimavezhavia sidoquandoGabyaacompanhara,eaamigahaviasofridodedoresmuscularesnaspanturrilhasporváriosdiasdepoisdaaventura,aquelafracote.
Juliamanteveumritmoaceleradoelogochegouàvelhacasaverde-claroemImbergstrassequepertenciaàfamíliadeFlorian.Aescadaestavaesperandoporela,encostadanafachadadacasa.ElapodiaouvirBobDylancantandonosvelhosalto-falantesnoterraçodosegundoandar.Algunsanosatrás,Floriandescobriraosanossessentaepassouasaquearacoleçãointeiradevinisdosseuspais.
- Paz, cara –Axel a cumprimentou quando a cabeça de Julia apareceu acima do corrimão doterraço.Elefezumsinaldepazcomdoisdedosdamãoesorriuparaela,seusolhosparcialmenteescondidosporumpardeóculosverdesemformatodeestrela.
-Dêumachanceaela–Juliagritoudevolta,caminhandoparaaáreadeestar,ondeAxel,FlorianeTamara estavamesparramadosnogrande sofá, bebendo e cantando junto comamúsica “IWantYou”deDylan.–OndeestáaGaby?
- Ela está pegando alguns folhetos no bar onde aquela banda cover vai tocar esta noite –respondeuTamara–Senósosentregarmos,cadaumterádireitoaumabebidagrátis.
- Essa banda está me parecendo desesperada por atenção. – Julia riu e colocou a sacola degarrafaspertodeFlorian.–Olhasóoqueeutrouxe.AgoravocêpodemefazerumRadler.
-Seráumahonra,senhoritaJulia–Floriandisse,comumsorrisoinsinuante.Axel se levantou para colocar o próximo disco na mesa giratória e deixou a voz frágil e
sobrenaturaldeMarcBolan inundaro terraço.Juliasuspirousatisfeita,encostando-senosofáparaolharocéuazulbrilhantesemnenhumanuvemàvista.Atardeestavaumparaíso.
- Oi, oi, oi! – Gaby gritou quando apareceu, repentinamente, no topo da escada, acenandoentusiasmadacomamãocheiadepanfletosdoShamrock.–Olhasóoqueeuconsegui.CanecasdeGuinnessgrátis, para todos, estanoite.– ela se afundouno sofá ao ladode Julia,dandoum largosorrisoparaaamiga.–Comofoiseufinaldesemana,meubem?
-Foi legal.VisiteiaminhaavóemEichetontem.–elaolhouparaospanfletosqueGabyhaviaespalhadosobreamesa.–Estou felizqueoshowénoShamrock–elaacrescentouemvozbaixa.MichaeljogavadardoscomosamigosnoO’Malley’s,ooutrobarirlandêsdacidade,todasegunda-feiraànoite.
Gabyconcordoucomacabeça,umsorrisosimpáticonoslábios.–Então,quandoéquevocêsfinalmentevãoparaLondres?–elasedirigiuaosgarotosenquanto
colocavacervejaparasi.-Naverdade,nãotenhoamínimaideia.–Floriandeudeombros.–Nóstemosquefazertodasas
reservas novamente.Acho que vai ficarmais caro desta vez.Os bilhetes que nós tínhamos foramreservadoscommesesdeantecedência.
-Ah,vamos lá.–Axelarqueouumasobrancelha.–ARyanairéquasedegraça.Ei,porqueasgarotasnãonosacompanhamnaviagemtambém?
GabyolhoudeTamaraparaJulia,acenandovagarosamente.–Sim,porquenão,nãoémesmo?–elarepetiu-Nóstemostodootempodomundo.Enãovai
nosquebrar,senósarranjarmosumvoobarato.-Nósestávamosplanejandoficaremumalberguedajuventude–Floriandisse–Elesnãosãotão
caros.-Bom,euachoqueessaéumaexcelenteideia!–Juliaexclamou–Euiaarrumarumaentrevista
deempregonalivrariaparaconseguiralgumagranaextra.Sedercerto,vouterdinheiroparairparaLondresnomeiodeagosto.
Todossorriram.- Então, está combinado – decidiu Tamara – Eu proponho um brinde aos nossos planos de
viagem!QuandoFlorianselevantouparavirarodisco,elevoltoucomumsaquinhopequenodemaconha.–Éhoraderelaxar–eleanunciou.-Oque...Vocêvaiaorodíziodecomidachinesachapado?–Tamaraexclamouemchoque–Só
pravocêsaber,eunãovouficarnomesmolugarquevocêsevocêagircomoumidiota.- Ele age como um idiota o tempo todo -Axel comentou, esquivando-se do soco que Florian
dirigiuaele.
Axel entrou e pegou os folhetos e guias turísticos de Londres que ainda estavam namesa deFlorian.Logo,todomundoestavaabsorvidopelasinformações,fazendoplanosparaumaviagemdequatrodiasàcapitalinglesa.
-ÉmuitolegaltodosnósirmosaLondres–JuliamurmurouparaGaby–Eeupossofocarnotrabalhonassemanasqueantecederemaviagem.Seeuconseguiroemprego,éclaro.
Gabycolocouosbraçosaoredordelaemumabraçodoce.-Vocêvaiconseguir.Foifeitoparavocê,sualeitoracompulsiva.Alémdisso,vaitemanterlonge
dasruasevocênãovaimaiscorreroriscodetropeçaremcertaspessoas.Julia concordou.Elahavia se sentidovaziaquandopassoupelaCidadeVelhanaqueledia,uma
certafaltadesentidoquenãopodiaserpreenchida.Eracomoseestivesseandandopelasruasdeumacidadedesconhecidacomoumborrão,mantendoasmesmasaparências,massentindo-sevaziaefriapordentro.ElanãomaispoderiateresperançasdeseencontrarcomMichael.Gabyestavacerta:eladeveriaseesconderporumtempo.Eondeencontraresconderijomelhorquealivraria,suaValhalapessoal?
Naquela noite, todos caminharam juntos pelas ruas estreitas e pelos becos de Salzburg atéRudolfskai, ao longo do rio. A porta para o Shamrock estava escancarada, uma multidão deroqueirosreunidadoladodefora,segurandosuascervejasefumandocigarros.
-Porquevocênãomedáospanfletos?-AxeldisseaGaby–Euvoubuscarbebidasparatodos.-Ei,obrigada–respondeuGaby–Achoquevouseragóticaegoístaefumarumcigarrosópara
mim.Axelriuetentoudarumtapinhaamigávelemsuacabeça,maselaseesquivouparaoladocom
agilidade.Elesdecidiramesperardoladodefora.Abandaestavaclaramentepassandoosom.Vezououtra,
osalto-falantescuspiamalgumfeedbackacústicoquandoalgumdosmembrosdabandaaumentavamuitoofadernomixer.
Julia examinou amultidão e sentiu seu coraçãoparar debater quandoviudois dos amigosdeMichaelsaindopelaportadafrente.
Tamaraacutucou.-Vocêestábem?Parecequevocêviuumfantasma.GabyseguiuoolhardeJuliaerevirouosolhos.- Mas, que sorte. Ah, bem, sabemos que aqueles dois vieram aqui sem ele. Michael está
provavelmentejogandodardoscompletamentesozinhonoO’Malley’s.Eleéaúltimapessoaqueeuesperariaqueaparecesseemumshowcomoeste.
Juliasoltouumsuspirotrêmulo.Gabypossivelmenteestavacerta,maselanãoconseguiarelaxar.Quando Axel apareceu com uma bandeja de cervejas anunciando que a banda estava prestes acomeçar, todos se arrastaram para dentro do bar. O salão estava cheio e escuro, o que era umabenção.MesmoseMichaeltivessedecididovir,elenãoseriacapazdevê-ladenenhumamaneira.
Quandoosholofotesseacenderameinundaramopalcocombrilhantesluzescoloridas,amúsicaaltaimediatamenteexplodiupelosalto-falantes.Juliaseencolheu,elaestavapróximaàcaixadesomdoladoesquerdo.
-Caramba!–Gabygritounoseuouvidodireito–ElesestãotocandoCitiesinDust!Euamoessamúsica.
Enquanto isso, Florian estava encarando o palco com os olhos vidrados. Julia olhou para obaixistaqueeleestavaclaramenteanalisando.Ocarausavaumaregatapretaeummoicanopintadodepretoeroxo.
-Caramba!–elerepetiuaspalavrasdeGaby–Oqueéaquilo?Achoqueestouapaixonado.
Juliariu.AqueleeraoFlorian,elediziaoquepensava.Elacambaleouumpoucoparalongedoalto-falante.Mesmo a música sendo tocada no último volume, não era tão ruim. Na verdade, elaestava até gostando. Ela tinha pretendido apenas animar Gaby ao acompanhá-la, mas a banda eramelhorqueoesperado.
-Issoémuitolegal–eladisseaGabyquandooutramúsicacomeçouemumvolumemaisbaixo.GabysorriuparaJulia,seusolhospintadosdepretocheiosdeeuforia.-É,vocêacha?-Sim,demais.Obrigadapormetrazer.Depoisdeumsetdeseismúsicas,abandaanunciouo intervalo.As luzesseacenderameAxel
cutucouFlorian.-Vocêvem?Nóstemosquepegaralgumasbebidasnobar.-Claro–Florianconcordou,antesde repentinamentecongelar.–Não,espere–eleassobiou–
Aquelebaixistafofoestávindodiretamenteaténós.Juliasevirouparaverogarotoalto,demoicano,descendodopalcoeindoemdireçãoaeles.-Estoumorrendodesede–lamentouAxel.-Nãosepreocupe,euseifazerrespiraçãoboca-a-boca.Espereumpouco.Obaixistapareciacortarcaminhoentreamultidão,omardepessoassedividindoenquantoele
passava,comosepudessemperceberqueeleeraumhomemcomumamissão.Osseusolhosnuncadeixaram os de Florian, que estava começando a parecer um tomate sofrendo de parada cardíaca.Juliapodiaquaseouvi-loengolirquandoolindomúsicoparoubememfrenteaele.
-Ei–obaixistadisseemumavozsuave,masresoluta–Vocêvemsempreaqui?Florianpiscou.Eleestavasempalavras.Axelvisivelmenteseencolheuaoouviracantadabarata,
masveioaoauxíliodeFlorianaopegá-loemseuombroeresponderporele.-Sim,elevem.Naverdade,apostoqueelevaiestaraquitodasemanaapartirdeagora.-Bomsaber–obaixistasorriupreguiçosamenteparaFlorian.-Você...Vocêgostariadebeberalgumacoisa?–Florianconseguiudizerfinalmente.-Claro,eutomariaumacerveja.–opunkacenou,estendendoamão.-Porfalarnisso,meunome
éMoritz.FlorianapertouamãodeMoritz.-Florian.Então,hã,voupegarumacervejaparavocê–gaguejou.-Agoravocêcorre–disseAxel, indignadoquandoambossaíramemdireçãoaobar,deixando
Moritzcomas trêsgarotas. Julia riu,olhandoparaaTamaraeGabycomoquemdissesse:“Oquediabosestáacontecendo?”
-Muitolegalabandadevocês.–Gabycomeçouaconversa.–Vocêsvãotocarmaisvezesaqui?-Esperoquesim.Vamosvero resultadodesteshow.Sevocêsquiseremqueagentevolte,por
favorzinho,digamaodonodobar,paraqueelenoschamenovamente.-Deondevocêssão?–Juliaperguntoucuriosa.Moritzfalavaumalemãopadrão,semnenhum
sotaqueaustríaco,maselapercebiaumacertadiferençaemsuavoz.-Ah,meupaiéinglês.EuviviemLondres,masquandoeutinhadezanos,nósnosmudamospara
Cologneporumtempoeagoramoramosaqui.-Londres?–Tamaraperguntou–Engraçado,vamosfazerumaviagemparalánomêsquevem.
Talvezvocêpossanosdaralgumasdicas.Florian e Axel logo estavam de volta, o primeiro equilibrando duas cervejas e um copo de
refrigeranteemumabandeja.JuliaergueuassobrancelhasparaAxel.–Eleporacasoexpulsouaspessoasdafila?Vocêsforammuitorápidos.-ParecequeFlorianpodefurarfilasmuitobemquandosurgeanecessidade.
Enquanto isso, Moritz estava conversando animadamente sobre os melhores albergues dajuventudeno centro deLondres comos demais.Nahora emqueMoritz tevequevoltar ao palco,Florianjátinhaconseguidooseunúmerodetelefone.
-Nãopossoacreditarque issoestá acontecendocomigo!–ele seentusiasmou, lançandooutroolharardenteàscostasmusculosasdeMoritz,enquantoeledesaparecianomeiodaplateia.–Euovi,elemeviu,nósnosencaramosepronto!
-Nãoémelhorvocêirdevagar?–Juliatentouacalmá-lo.–Vocênemoconheceainda.-Aindanão,maseuvouconhecer.Nadavaimeimpedirdecomprarcréditosparaospróximos
cemanos,amanhãcedinho.Inesperadamente,Juliasentiuumapontadadeinveja.PorqueeratudotãosimplesparaFlorian?
Por que ele tinha a sorte grande de conhecer um cara lindo, gostoso, assim tão facilmente, e quegenuinamentepareciagostardele?
Orestodoshowpassoucomoumborrão.Osespectadoressejuntaram,doladodefora,depoisqueamúsicaacaboueJuliafoiatéMoritz,FlorianeGaby,quefumavamforadobar.
-Vouparacasa–elaanunciou–Estouexausta.-Tudobem.–Gabydeuumtapinhadelevenascostasdela.–Vocêsedivertiu,pelomenos?-Sim,euadoreiamúsica!EeunãoestoudizendoissosóporqueMoritzestáperto.–elasorriu
paraanovapaqueradeFlorian.Elesorriudevolta.-PorquevocênãopegameuMP3emprestado?–Gabypuxouoaparelhodeseubolsocanguru.–
Assimvocêpodeouviralgumasdasmúsicasnavoltaparacasa.Mas,vouquereroseuemprestadotambém.
-Temcertezaquevocênãovaichorardesaudadesdeseusrocksemúsicasgóticassinistras?–Axelperguntou,comumsorrisobrincalhão.
Gabybalançouacabeça.-Não.EugostodeEnya.Alémdisso,eunãoqueroestragarmeudelineadordenovo,nemparecer
umlixo.-Bem,desdequevocênãocheirealixo.-Caleaboca!–GabyempurrouAxel.Juliasedespediudetodoseentrounopróximoônibusdisponívelquepassoupelobar.Quando
elaentrou,asprimeirasgotasdechuvadeumatempestadedeverãocomeçaramabaterno tetodoônibus.
Achuvanãoparounaterçaenaquarta.LongaschuvasdeverãoatingiramacidadedeSalzburg,masnãoadiantaramnadaparaaliviarocalor.Depoisdachuva,asaltastemperaturasestavamaindamais opressivas. Tufos de nuvens se penduravam entre os picos dos montes, como uma neblinamisteriosadeoutromundo.
Julia ficou no jardim, sentindo o cheiro no ar. Ela queria correr no bosque,mas ainda estavamuitocalor.Narealidade,elaprefeririacorrernachuva.Talvezeladevesseesperarporisso.
-Você está olhando para as nuvens? –Anne perguntou, aparecendo perto dela como livro dehistóriasdebaixodobraço.
-Não,estouchamando-as.Euquerocorrernachuva.Annesesentounobancosobotoldo.-EutrabalheinanossacasanaárvorecomSabine.Veja,éassimquequeremosquefique.–ela
apontouumafiguradopalácionaárvorequepertenciaàsfadasdolivro.-Uau!Éumprojetoambicioso.Temcertezaquevaiconseguir?-Espereatéver,irmãzona.Vocêvaisesurpreender.Thorstendissequevemnosajudartambém.
Sabe,oirmãodeSabine.-Ah,aquelegarotodequemvocêparecegostarmuito.
Annebufou.-Eunãogostodele.Euacheiqueeletalvezfizesseseutipo.Naquelemomento,Axelsaiudedentrodacasa.Elehaviachegadocomasuavelhascooterpara
almoçarcomelasepegaralgunslivrosemprestado.-Estouindo.Ei,Jules,vocêaindavaiteraquelaentrevistadeempregoemHöllrigl?-Vouláamanhãàtarde.Ligueiparaelesontem,masogerentenãovaiestarláatéamanhã.-Bom,meavisedosbenefíciosparafuncionários,ok?Euvoupassarepegá-losenquantovocê
estivernocaixa.Umleitorvorazestásemprecomfome.-Umatêniatambém–Annecompletoudistraidamente,suacabeçanolivrodehistórias.Axelsegurouumarisada.- Não é que você é uma Wikipedia? – ele sorriu orgulhoso para ela. – Venha aqui, sua
vermezinha,querqueeuleiaumahistóriaparavocê?–elesesentounobancopróximoaAnne.Enquanto Anne ouvia "O Príncipe das Árvores", mais uma vez, Julia entrou para colocar sua
roupa de corrida e pegar o iPod de Gaby. Quando ela voltou, estava chovendo como ela haviadesejado.Nuvensescurasdetempestadeestavamsejuntandonocéu.
Axelfezumacaretaquandocolocouocapaceteedeupartidaemsuascooter.-Esperandopelomelhor–eledisse,olhandoparaocéu.-Istoéomelhor!–Juliaacenouparaeleantesdesaircorrendo,colocandoosfonesdeouvido
antesdedesacelerarnofinaldarua.Elacorreuemdireçãoàfloresta,emumritmocalmo.Asárvores,levadaspelovento,assobiavameregavamsuacabeçacompingosd’água.Aindanão
estava chovendo forte, mas o som da água caindo e batendo nas copas das árvores causava umagradávelarrepioemseucorpo.Elafezocaminhoemdireçãoaoseucarvalhoespecialesesentoupor umminuto contra ele, alongando as panturrilhas e olhando para os galhos se balançando emdireçãoaocéu,buscandoaluzefugindodagravidadedaTerrasemprepresente.Odosseldosgalhosdaárvoreaimpediamdesemolhar.
JuliadesligouaNinaHagendoMP3emprestadoefechouosolhos,descansandoacabeçacontraocarvalho.Vezououtra,elaouviaobarulhodostrovõesàdistância.Muitosuave,muitoaolonge.
Quandoachuvacomeçouacairmaisforte,Juliaficoudepéecorreudevoltaparaa trilhadafloresta,nadireçãodeEichet.Elaqueria fazerumavisita surpresaàavóe tomarumchácomela.Depoisdevinteminutos,elachegounolimitedaflorestaecorreupelaruadeasfaltoemumritmoconstante. Neste meio tempo, a chuva tinha ensopado todas as suas roupas, mas isso não aincomodava.Atemperaturaexternaaindaeraagradável.
Juliacorreuparaaportadafrentedacasadaavóe tocouacampainhacomodedomolhadoeescorregadio.OsomdeALittleNightMusic,deMozart,ecoavapelacasa.Juliafoiparafrentedacasa,sobotoldo,paraseabrigardachuvaetorcerocabelomolhado.
-Olá?–elachamoupelajaneladacozinha,queestavaentreaberta.–Vovó?Estáemcasa?Nada.Elaolhoupelovidrocaneladodaportadafrente,vendooscontornosdeumportaguarda-
chuvavazionocorredor.Aparentemente,suaavótambémtinhaseaventuradonachuva.Talvezelassedesencontraram.
Desapontada,Juliasevirouecaminhouparaojardimdafrente.Nofinaldarua,elaviuSabinecaminhando em sua direção, ao lado de umgaroto alto, com cerca de vinte anos, carregando umguarda-chuvavermelho.Juliaacenouparaeleseesperouqueaalcançassem.
-OiJulia–disseSabine,animadamente–Vocênãotrouxeumguarda-chuva?Juliariu.-Duranteacorrida?Nãoéumaboaideia.SeusolhossedesviaramparaorapazaoladodeSabine,queaestavaobservandocomumleve
sorriso.Elelhechamouaatençãoeestendeuamão.
-ThorstenEbner–eleseapresentou–SouirmãodeSabine.-Muitoprazer.SouJuliaKandolf,irmãdeAnne.–elasorriudevolta.Ogarototinhaolhosazuis
amigáveiseumsorrisoatraente.Seucabelopretocacheadoapareciasobocapuzdoseucasacodechuva.
-Uau,vocêéumagarotabematléticaparasairemumaguaceirocomoeste–elecomentou.-Ah,nãoétãoruim–Juliarespondeueumraioazuldividiuocéueotrovãorugiubemacimade
suas cabeças.Nomomento seguinte, asnuvenspareciamexplodir, a chuva caia comoumacortinaimpenetrávelsobreasuacabeçaencharcada.
-Oque...–elafulminouasnuvenscomoolhar.ThorstendesatouarireJuliacomeçouafalar,imitandoumtomdecensura.–Sabe, issoé tudoculpasua.Vocênão tinhaque terusadoapalavraaguaceiro.Foiissoqueestragoutudo.
-Ah,émesmo?Vocêestámeculpando?Nãoéamelhorformadefazeramizade.Sabedeumacoisa, eu vou voltar feliz pelo meu caminho sem usar as palavras “luz do sol”. – ele sorriumaliciosamente.
- Thor, podemos ir para o ponto de ônibus, por favor? – Sabine pediu melancolicamente,agarrando amangada blusa do irmão comospunhosbrancos de tanto apertar. –Tenhomedodetempestades.
-Claroquesim–Thordisse,comumsorrisotranquilizador.EleolhoudevoltaparaJulia.–Eunãoachoqueaquelasegundapalavraajudouemnada.Vocênosacompanhasoboguarda-chuva?
Juliabalançouacabeça.-Voucorrerdevolta.Vouficarbem,sobasárvoresdafloresta.Falocomvocêsdepois!-Temcerteza?–Thorstenpareciaconfuso.-Sim,absoluta!Nãosepreocupe.–elarapidamentesevirouecorreunadireçãodobosque,suas
meiasfazendobarulhosporestaremmolhadasdentrodosseustênis.Elapassoupelopontodeônibus,hesitouporummomento,entãocontinuoupelaestrada.Elapreferiacaminhar.Claroquenãohaviatrazidoocartãodoônibuseelanãoestavacomvontadedepedirdinheiroemprestadoaumgarotoqueelahaviaconhecidoháumminuto,semfalaremsentaraoseuladotodamolhadaeenlameada.Ummeiosorrisosefezemseurostoquandoentrounovamentenafloresta.Anneestavacertadessavez:Thorstenerarealmentefofo.Elaqueriacausarumaboaimpressão.Ofatodeeleserovizinhorealmenteaanimou.
Sob as árvores estava quente, escuro e úmido.As folhas assobiavam com o vento enquanto achuvaaindacaía,relâmpagosiluminavamaflorestadevezemquando.OssapatosdeJuliadeixavamprofundaspegadasnosololamacento,queafizeraescorregarequaseperderoequilíbrioduasvezes.
Juliaparou,ofegante.Apoiando-secontraumagrossacastanheira,elabalbuciouumpalavrãoeesfregouotornozelo.Droga,elaquaseotorceradevidoàlamaescorregadia.Queideiaestúpidasairparacorrernessetempoterrível.Eladeveriaterpegooônibus.Aessahora,elajáestariaemcasa,nosofá, com roupas secas, tomando um chocolate quente em sua caneca favorita.Ao invés disso, láestavaela:ensopada,meiotrêmulaecomumpoucodemedodatrovoada.Naopressivaescuridãodatempestade,asárvorespareciamrodeá-lacomoumexércitohostil,suassombraselevando-sesobreela.Defato,aflorestapareciacomoseestivesseprestesaexpelirumKrampusmalvadoaqualquermomento. Aquela seria uma boa hora para encontrar uma criatura mítica da floresta com umavarinhamágicaparatransportá-laparacasa,masinfelizmente,issonãoiriaacontecer.
Juliabateunosbolsosdesuascalçasdecorrida,procurandopeloiPoddeGaby.Amúsicatalvezespantasse os seus pensamentos obscuros. Ela ligou o aparelho e vagarosamente correu nasemiescuridão, quando os primeiros tons soturnos de “A Forest”, do The Cure, encheram seusouvidos.Nãoeraamúsicamaisanimadaquesepoderiaimaginar,masofatodequeeraaprimeira
músicaa tocarnomodoaleatório eramuitomaisdoqueumacoincidênciapara ela simplesmentepulá-la.
Juliasecouospingosdechuvadassuasbochechasemarchouobstinadamenteadiante.Oritmodamúsicaaimpulsionoueafezcorrermaisrápido,seucoraçãobatendoviolentamenteemseupeito,expulsandoummedoindeterminado.
O cantor zumbia em seus ouvidos: “Estou perdido na floresta, sozinho, estou correndo emdireçãoaonada,denovo,denovo,denovo.”Assuasmãosseapertarameseusolhosseestreitaramcontraachuvaquecaíadocéu.Apenasmaisalgunsminutoseelaestariaemcasa.
E então, algo chamou a sua atenção. Ela congelou. À luz de brilhantes relâmpagos queincendiavam a floresta como um fogo frio, ela viu que havia alguém deitado no chão.Amanchanegradeumapessoaàbeiradocaminho.Umamotoaoseulado,bemnomeiodatrilhadafloresta.
Juliaestagnou,comarespiraçãoentrecortada.Comdedostrêmuloseescorregadios,elatateouoaparelho para desligar a música. Ela havia chegado ao seu carvalho favorito, o local de repenteparecendosinistronaescuridão.Suagargantasecouquandoelaolhouparaafigurainconscientenatrilhadafloresta.Passoapasso,elasearrastouatéàfrente.Seusolhosseguiramatrilhaqueospneusdamotocicletatinhamfeitonosololamacento.OcoraçãodeJuliaparoudebaterquandoelachegouaindamaispertoereconheceuamotoHonda.
Não,aquilonãopoderiaestaracontecendo.Elaseapressounosúltimosmetrosqueaseparavamdogarotonochão.Juliacaiudejoelhosaoladodocorposemvida,seuestômagoseenchendodemedoquandoelapercebeuqueoladodireitodorostodeleestavacobertodesangue.Talvezeletenhabatidoacabeçaemumapedrapontiaguda.Alesãoemsuacabeçapareciamuito,muitograve.
-Michael?–elasussurrousuavemente,colocandoamãotrêmulaemsuatesta.-Vocêconseguemeouvir?
Ele ficou imóvel, seus lábios quase azuis, na luz macabra da tempestade de trovões quebrilhavam,vezououtra.Elepareciatãosemvida...Tãovulnerável.Porapenasummomento,elaseesqueceucompletamentedaformahorrívelcomqueeleahaviatratado.Elahaviadesejadoquetodasortedecoisasterríveisacontecessemcomele,masnãoaquilo.
-Michael.–elachorou,suavozfalhando.–Porfavor,porfavor,acorde.Seu coração parou de bater quando ele repentinamente inspirou fundo. Ela pegou a sua mão.
Vagarosamente, ele abriuosolhosverdes comoas folhasda floresta sob asquais ele estava, suaspupilasdilatadasenegrascomoa traiçoeiraescuridãoqueohavia feitoescorregarecairnaqueletempofeio.
-Julia–elesussurrouemumavozsuave,masclara.Elaengoliuseco.Porqueelepareciatãodiferente?Elepronunciouoseunomecomtantaemoção
queelapoderiaquaseacreditarqueeleaestavavendopelaprimeiravez.Elapiscou,incrédula.- Vou pedir ajuda – ela conseguiu gaguejar antes que os seus olhos se fechassem novamente,
fazendo-odarumlevesorriso.Vinteminutosdepois,umaambulância,comluzesazuispiscando,girounoterrenoacidentadodo
bosque.Juliaassistiu,comoseestivesseemumtranse,osparamédicoscolocaremMichaelnamaca.-Você pode nos dizer como fazemos para encontrar a família dele? – um dos paramédicos a
perguntou.-Hã,sim–Juliagaguejou,puxandootelefonenovamenteparaencontraronúmerodetelefoneda
casadafamíliaKolbe.–Porque?Eleaindaestáinconsciente?Oparamédicobalançouacabeça.-Não,elepodefalar.–eleolhouparaaambulânciacomumacaretadepreocupação.–Mas,ele
pareceterperdidoamemória.
4.-Issoéi-na-cre-di-tá-vel-Gabydisse,absolutamentechocada.ElahaviaouvidotodaahistóriadeJulia sobre o acidente deMichael sem interrupção. – E você, entre todas as pessoas, encontrá-lo!Querodizer,quãobizarroéisso?
ElasestavamsentadasnoquartodeJulia,comascortinasfechadaseumamúsicanewagetocandoaofundo.Aindaestavachovendoláfora.
- Ele estavamaismorto do que vivo – Juliamurmurou, encarando o pôster deOSenhor dosAnéisnaparede,semsequerenxergá-lo.–Aquela lesãonacabeçadele...Tivepesadeloscomelaanoitepassada.
-Vocêachaqueelevaiserecuperarcompletamente?Vocêdissequeeleteveamnésia?-Foioqueoparamédicodisse.–Juliadeudeombros.Elaestavatentandosoardespreocupada,
masnarealidade,odiagnósticodoparamédicohaviadeixadosuamentegirandodesdeodiaanterior.OpessoaldohospitalsótinhaconseguidoentraremcontatocomospaisdeMichaelporqueelatinhasido obcecada pelo filho deles. Hosnestamente falando, ela não tinha o telefone de mais nenhumoutrocolegadeclassenaagenda.Michaeltinhaperdidoamemóriaeelenãoconseguianemmesmolembrarotelefonedecasaouquemeramseuspais,muitomenososeusobrenome.
Entãoporqueéqueeleaindalembravaonomedela?-Julia–elehaviasussurradoemumavozfraca.Seráqueelatinhasidomaisimportanteparaele
doqueelehaviadeixadoparecerantes?Oseuolhartinhasidodealegriaereconhecimento.Seráqueeleatinhareconhecido,sendoquenemsabiamaisquemelemesmoera?
-Sabe,eutenhoumpoucodevergonhadeterditoaqueledianobarque,pormim,elepoderiacairmorto.–Gabyadmitiu,brincandocomosanéisemsuamãodireita.–Vocêselembra?
Juliafezquesimcomacabeça.- Sim, ele quase caiu morto, mesmo. Aquele paramédico disse que ele era um filho da mãe
sortudoporsobreviveraumacidentecomoaquele.Apancadanacabeçafoidevastadora,porissoaamnésiaetudoomais.
-Bom,euficofeliz.Eunãofaleisérioquandodisseaquilo,claro.-Não,claroquenão!Ah,bem,tudooquesabemoséqueoMichaelvaiesquecerdeseusmaus
caminhosparasempre,entãoelepoderácomeçarumanovavida–Juliadisseanimada,maselasabiaque estava pedindo demais. Havia muitas perguntas sem respostas sobre a situação, que aincomodavam.
-Vocêsqueremalmoçar,garotas?–amãedeJuliagritoudaescada.–Estoufazendopanquecas.-Estamosindo–Juliagritoudevolta.-Ótimo.–Gabydeuumtapinhaemsuabarriga.–Estoumorrendodefome.Nãotomeinemcafé
damanhãainda.-Vouterquesairdepoisdoalmoço–Juliaanunciouenquantodesciamasescadas.–Voufazer
umaentrevistadeempregonalivraria.-Oh,quelegal!Mantenha-meinformada.Elas invadiramacozinhaesentaram-seàmesa.Anneestavaolhandopela janelacomumacara
ruim.-Olhaquetempofeio–lamentouela–Dessejeitonósnãovamosterminaraquelacasanaárvore
nunca.-Peraí,umpoucodechuvanãovaiassustarvocê,vai?–Gabyprovocouagarotinha.-PorquevocênãorecrutaoThorstenprafazer todoo trabalhosujo?–Juliaacrescentoucom
umapiscadinha.
Anneolhoudelado.-Vocêoencontrououtrodia,nãoé?ASabinemecontou.- Sim, encontrei. – Julia enfiou umpedaço grande de panqueca dentro da boca.A irmãzinha a
estavaassistindocomoumfalcão,eelanãoconseguiuevitarcorarumpouco.Annegritou:–Eusabia–dissetriunfante–Eusabiaquevocêiagostardele!GabyfulminouJuliadooutroladodamesa.–Ei!Porqueeunãosouaprimeiraasaberdisso?–elaquestionou–Quemdiaboséessetalde
Thorsten?-Éoirmãodaminhamelhoramiga–Annerespondeu,maisrápidaqueJulia.–Afamíliadeles
acaboudemudarparacá.Eeleémuitofofo.–elaolhoudeladoparaairmã.–EletambémfaloudaJuliaparaaSabine.
Juliaficouaindamaisvermelha.-Hã,ah–elagaguejou,afobadademaisparaparecerindiferente.–Émesmo?AnnedeuumsorrisolargoquecompetiacomosorrisodoGatoqueRi,detantoentusiasmo.–Sim,émesmo.–elafezquesimcomacabeça,gabando-se.GabychutouascanelasdeJuliadebaixodamesa.-Nãomeescondanada,garota.Euqueromaisinformações,imediatamente.-Sim,suaAltezaGabriella,vocêasterá.Depois do almoço, Julia e Gaby estavam caminhando para o ponto de ônibus sem conversar,
quandoJuliatentouquebrarosilêncio.–Algoestámeincomodando–elamurmurou,cautelosamente.-Desembucha–Gabydisse.-QuandoeuencontreioMichael,eleabriuosolhosedisseomeunome,masforaisso,elenãose
lembravademaisnada.Nãoéestranhoeleaindalembraromeunome?Querodizer,eletemamnésia.Gabymordeuolábio.-Porfavor,Jules,nãocomeça.Eleareconheceuantesdevoltaraficarinconsciente.Edaí?Isso
nãosignificanada.-Mas...–Juliamurmurou.-Olha,euseioquevocêquer,ok?Vocêqueracreditarqueeletemsentimentosmaisintensospor
vocêdoqueeleestavademonstrandoantesdoacidente.Mas,sério,vocênãoquerpassarporisso.Eletirouasuavirgindadeenemseimportouemligarparavocêdepoisdisso,esóporisso,eledeveriaestarna sua listanegrapara sempre.OMichaelnão temereceevocênãomerece ter seucoraçãodespedaçadoporeledenovo.
Ligeiramentesemfôlegodepoisdeseudiscurso,GabypegouamãodeJulia.-Olha,apenasesqueça-o–elaimplorou.Juliasuspirou.-Ok.Tudobem.Vocêestácerta.Eusóacheiissoestranho.- Estranho,mas é a verdade. E agora, próximo tópico: Thorsten.Quem é ele?Como ele é?E
quandovocêvaivê-lonovamente?Julianãopodiadeixarderir.-EleéirmãodaSabineeelesmoramdooutroladodarua.Eletemcabelospretoseolhosazuis.
Agoraquantoaquandovouvê-lonovamente,eunãofaçoideia.Eusóconverseicomeleporalgunsminutos.
-Então,façaofavordefazeressesminutosviraremhorasdapróximavez.–Gabypiscou.Juliaolhouparacima.-Ah,oônibusestáchegando!Vamoscorrer.
Asduasgarotascomeçaramacorrerparapegaroônibusparaacidade.Ofeganteserindo,elasembarcaramecaminharamatéofundodoônibus.
-PossopegarmeuMP3devolta?–Juliapediu,assimqueelassentaram.Estupidamente, ela não teve mais vontade de ouvir as músicas de Gaby desde o acidente de
Michael. As músicas no aparelho de sua amiga a lembravam daquele estranho momento em queencontrou o corpo quase semvida do garoto no bosque.Ela não conseguia esquecer.Gaby podiaargumentaroquantoquisesse,masospoucossegundosemqueMichaelhaviaolhadoparaela,comaqueleolharincomum,masintensoemseusolhosverdes,estavamgrudadosemsuamemória.
-TevejonoO’Malley’sànoite–Gabydissequandoselevantouparatrocardeônibus.–Querosaberdasuaentrevista!Boasorte,querida.
Julia acenoupara ela quandoo ônibus partiu novamente.Eles iam se encontrar noO’Malley’snaquelanoite.FlorianhaviaprometidolevarMoritztambém.Otomjubilosoestavaevidentenavozdele:eleestavanasnuvensporcausadoseunovoamor.Juliasorriulevementequandoelapensounanoite no Shamrock. Ela estava feliz por Flo. Provavelmente, não demoraria muito para que elesugerisse levar o novo namorado para a viagem a Londres também.Moritz havia passado a suainfânciainteiranacapitalinglesaafinal,entãoeleseriaoguiaturísticoperfeito.
Julia foi tirada de seus pensamentos quando o telefone dela vibrou brevemente em seu bolso.Provavelmentealgumaoutramensagemdealguémdaturma.
Ela pegou o telefone, mas parou de respirar quando ela viu a notificação na tela: “1 novamensagem.Michael.”
Aspalavraspularamemsuadireção,fazendoseucoraçãoaceleraraumritmoperigoso.GraçasaDeus,Gabynãoestavaaliparatestemunharsuareação:elaprovavelmenteteriadadooutrosermãosobreelaterqueesquecê-lo.
Comdedostrêmulos,elaclicounoíconedamensagem:“Ei,Julia:)passadaquidps?bjsMick”Julia ficou pasma com o “bjs” no final da mensagem. Provavelmente não significava nada.
Nadinha.Elesóqueriaagradecê-laportê-losalvodeumamorteprematuranomeiodobosque.Nadaparasealarmar.Talvezasuamãequisessedaraelaumacestadefrutas,ouseupaiquisesseconhecê-ladepoisdoterrívelacidente.
Com um suspiro frustrado, ela levantou os olhos da tela, pensando em uma resposta razoávelparaamensagem,quandopercebeuqueoônibushaviachegadoemseuponto.Asportasjáestavamquasesefechandonovamente.
-Espere!–elagritouparaafrentedoônibus,prendendoabolsadelanoombro.–Precisodesceraqui!–elaviuacaretairritadadomotoristanoespelhoretrovisorquandobloqueouosensorcomopé,fazendoasportasseabriremnovamente.
Corada,elasaiuesesentounopontodeônibus.“vcvaiestaremcasaàs3?”Ela digitou depois de pensar muito, sem colocar o seu nome ou “bjs” de propósito. Melhor
parecerdistanteporenquanto.Ela estava quase se levantando quando seu celular tocou em sua mão. Ah, Senhor, ele estava
ligandoparaela.Juliaengoliuseco.Avibraçãodoaparelhopareciazumbirportodoseucorpo.Vezapósvez,elezumbiaemsuamãocomoumexamedeabelhasraivosas.
Agarotaqueestavasentadapertodelaolhouparaolado,confusa.-Vocênãovaiatender?–elaperguntou.-Não.Achoqueaindanãoestoupreparadaparaisso.Agarotariu.-Deixacairnocorreiodevoz.Talvezeledeixeumrecado.
Juliaabafouumarisadanervosa.-Boaideia.Ela se levantou apressadamente. Se não andasse logo, estaria atrasada para sua entrevista de
emprego,tudoporficarremoendoamensagemdeMichaeleseuconvite.Murmurandoumpalavrão,ela cruzou para o outro lado da ponte que levava àCidadeVelha. Por que, por que ela não tinhaseguidooconselhodeGaby?Eladeveriaterignoradooconvite.Porqueeratãodifícilabandonaraobsessãoporele?Eleatinhatratadocomolixo.Elanãotinharespeitoporsimesma?
Aindamentalmentesepunindo,cortoucaminhoporbecosestreitosparachegaràpraçaprincipal,cruzando-aemaltavelocidadeparachegaremfrenteàlivrariaàsduashoras.Doladodefora,Juliaviu um homem de bigode enchendo uma estante de livros com títulos em promoção. Elamomentaneamentesecurvouparapegarfôlego,entãosedirigiuaele.
-Comlicença.–elalimpouagarganta.–Estouaquiparaoemprego.OsenhorHaiderestámeesperandoàsduashoras.
Ohomemsevirou.-JuliaKandolf?–eleperguntou,estendendoamãoalegrementeparaela.–SouMartinHaider,o
gerente.Vamosaomeuescritório.Juliaentrounalivrariaeseguiuseupossívelfuturochefeparaumescritórionosegundoandar.
Ela havia trazido o currículo, o qual o senhor Haider olhou enquanto ela tomava um gole doirrecusável“cafédeentrevistadeemprego”.Vezououtra,eleperguntavaalgumacoisaparaela.Elagostoudele:eletinhasensodehumorenãoperguntavaasmesmascoisasdesempre,àsquaiselajáestavaacostumada.
-Qualoseuautorfavorito?–elequeriasaber,entregandoumasegundaxícaradecaféqueelanãoseatreveuarecusar.
Juliasorriu.-StefanZweig.Eleconseguetransformarumapequenapartedavidaemalgograndioso.Elefaz
vocêpensarduasvezessobrecoisascomuns.Martin acenou entusiasmadamente, colocando a sua assinatura no formulário que estava
preenchendo,comoseasuarespostativessefechadoonegócio.Eleestendeuamãonovamente.-Bem-vindaàequipe!Vocêpodecomeçardepoisdeamanhã?-Claro!–elasorriuparaele.–Muitoobrigada.-Denada.Ficofelizpor tê-laconosco.Umdenossoscolegaspassaráasorientaçõesavocê.–
Martindeslizouoformuláriopelamesa.–Vocêpodepreenchercomosseusdadoseassinaraqui,porfavor?
AssimqueJuliadeixoualivraria,elapegouotelefoneparamandarumamensagemaGabysobreabem-sucedidaentrevistadeemprego.
“1novamensagem.Correiodevoz.”O display a avisou, impassível. Com dedos nervosamente trêmulos, fechou a notificação e
começouadigitarumamensagemparaaamiga.Depoisdeenviá-la,respiroufundoeligouparaocorreiodevoz.
-Oi,Julia.–avozprofundaesexydeMichaelsederreteuemseusouvidos.–Claroqueeuvouestaremcasaàstrês.Venhaetomeumchácomigo!Tevejomaistarde.
Ótimajogada.Juliaficouvermelhacomoumpimentão.Emmenosdevinteminutos,elaestariatomandochácomasuaobsessãodocolegiale ignorandotodososavisosdeGaby.Michaelmuitoprovavelmenteestariasozinhoemcasa,porqueseuspaistrabalhavamodiatodo.
Relutantemente,ela saiudapraça,perguntando-se,emdesespero,onde foiqueascoisasderamerrado.ElaestavapraticamenteprontaparapartirparaoutraquandosetornouasalvadoradeMichael
nafloresta.Porqueelaestavatãoimpressionadacomofatodequeelehaviamurmuradooseunomequandooencontrou?Edaí?
Quando Julia tocou a campainha da grande casa em Giselakai, às cinco para as três, toda acoragem a abandonou. Ela não tinha a mínima ideia do que estava fazendo ali. Apenas para sereducada,elaescutariaMichaelexpressarsuagratidãoesairiadaliomaisrápidopossível.
-GrüssGott–elagaguejousurpresaquandoumamulhercinquentonaabriuaporta.Elatinhaosmesmos olhos verdes de Michael. Julia pensou tê-la reconhecido da cerimônia de formatura naescola.–O...OMichaelestáemcasa?
- Ele está esperando por você. – a mulher estendeu a mão. – Eu gostaria de agradecê-lapessoalmente,Julia.Semvocê,ascoisaspoderiamteracabadodeumjeitobemdiferente.
-Nãohádeque.Ela não conseguiu evitar um tom de desapontamento aparecer em sua voz. Então aquela era a
razãopelaqualMichaela tinhaconvidado.Suamãegostariadeagradecê-la,apenas isso.JulianãoficarianacompanhiaapenasdeMichaeleeleprovavelmentenãoestavacontandoqueelaficassepormuitotempo.
-Porquevocênãovaivê-loláemcima?–amãedeMichaelconvidoucomumgesto.–Eleestánoquartodele.Eeleestábemmelhor.Aamnésiapassou.
Juliapiscouparaela.-Ele...Elerecuperouamemória?Entãoporqueéqueelequeriavê-la?Eleselembravadetodasascoisas,inclusiveapartesobre
elasertotalmenteinsignificanteparaele.Amulhersorriuradiante.-Sim!Nãoémaravilhoso?Milagrosoatéparaosmédicos.AfelicidadequeirradiavadorostodelainfelizmentenãoeraosuficienteparafazerJuliasesentir
igualmente animada. Ela se arrastou escada acima até o segundo andar, o coração martelandonervosamente.
Naúltimavezqueelahaviasubidoaquelasescadas,amãodeletinhaacariciadoosseuslábios,abocadelefazendoumatrilhaquentepeloseupescoço.Rindoeembriagadadeamor,elatropeçounodegraumaisaltoeeleasegurouemseusbraçosfortes.Seusolhosficaramembaçados.
Ela apenas percebeu que estava chorando quando se olhou no comprido espelho da parede aoladodoquartodeMichael.Elafungou,frustrada,procurandoemsuabolsaporumlençoparasecaras lágrimas.Claro, ela não deveria se importar com o queMichael pensava sobre ela,mas a suaindiferençaàopiniãodelenãosignificavaqueeladeveriaentrarchorando.Elaeramuitoorgulhosaparaisso.
Quando,enfim,abriuaportadoquarto,elaseesforçouparamanterumaexpressãoimpassível.-Oi–disseelasuavemente.Michaelestavasentadonabeiradadesuacamacomumabandagemaoredordesuacabeça.Ele
ergueu os olhos para ela e seu coração parou de bater por um instante.Mais uma vez, ela teve asensaçãodequeeleestavaaolhandodeumjeitonovo.Comoseelerealmenteavisse.
-Julia–respondeu,demodoigualmentesuave.Eledisseoseunomecomumaalegriaóbviaemsuavoz,eelanãoconseguiuevitaresboçarumsorrisonoslábios.Eleselevantouedeuumpassoemsuadireção,seusolhosnuncadeixandoosdela.–Émuitobomvervocê.
Ela rapidamente desviou o olhar, olhando para os seus pés no carpete, totalmente confusa.Nochão,sobacamadele,elaviuumexemplardeChessNoveldeStefanZweig.Próximoaele,estavaacaixadoálbumWatermark,daEnya.Sóentãoelapercebeuqueasuamúsicafavoritaestavatocando.Era como se estivesse entrando em seu próprio quarto, como seMichael pudesse ler suamente equisessefazê-lasesentiremcasa.
Derepente,lembrou-sedeterassistido,comaavó,aumprogramadeTVsobreexperiênciasdequase-morte. Eram entrevistas com pessoas que tinham tido um encontro com a morte, mas quevoltaramàvidae,daquelemomentoemdiante,eramcapazesdesentireverascoisasqueaspessoasnormaisnãopodiam.SeráqueeraalgoassimqueestavaacontecendocomMichael?
-Ébomestaraqui-elarespondeu,comumtomquasedepergunta.Eramesmo?Michaelcolocouamãoemseuombro.Quandoergueuosolhosdevoltaparaele,elaviualgoem
seuolharquenãoconseguiaidentificardireito,umaespéciedemelancoliaestavaescondidaemseuolhar;umtipoqueJulianuncatinhavistoantes.
-Issodeveserdifícilparavocê-elefalouemvozbaixa,apontandoàsuavolta.-Vocênãotemboaslembrançasdestequarto.-seuslábiosformaramumsorrisoamargo.-Oudemim.
Elasentiuumapunhaladaemseucoração.Porqueeleachavanecessário trazerà tonaa formacomo as coisas tinham acontecido entre eles? Se ele lamentava a forma como a tratara, poderiasimplesmentepedirdesculpas.
-Porquevocêmeconvidou?-eladeixouescapar,olhandoparaelecomcuriosidade.O olhar deMichael se acendeu suavemente, um sorriso se espalhando por seu rosto. Não um
sorrisoprovocador,nemumsorrisozombeteiro:eraosorrisomaisgenuínoqueelahaviavistoemseurosto.Elepareciaencantado,arrebatadocomoumacriançavendoanevepelaprimeiravez.
-Porqueeuqueriavervocê–eledisse,chegandomaispertoepegandoamãodela.–Euestavadormindo,vocêmedespertounovamente.
Juliafechouosolhosdesanimada.Claroqueeleeragratoaelaporresgatá-lodosonoeterno.Eratudogratidão.Eleprovavelmenteeraorgulhosodemaisparapedirverdadeirasdesculpas.Talvezelaestivesseansiosademaisporacreditarqueelepudessetermudado.
-Tenhoqueir.–elacuidadosamentetirousuamãodoalcancedele.-Já?Vocêacaboudechegar.Eladeudeombrosenãorespondeu.Michaelsuspirouaudivelmente.-Fiquesómaisumpouco–eledisse,comvozrouca.Sério, qual era o problema dele? Ele parecia tão diferente do seu jeito normal. Cheio de um
desejoqueelanãohaviaouvidoemsuavozantes, aindaqueela tenhadesejadoouvir aquilo comtodoseucoração.
-Estouindo.–elasemantevedeterminada,apesardeseuspedidos.–Obrigada.Eleaolhou,mudoporummomento.–Peloquê?–eleperguntou,parecendoconfuso.Juliacorou.-Peloseuagradecimento.–elamordeuolábio.Elebalançouacabeça.–Vocêestámeagradecendoporeuterteagradecido?–eledisse,umevidentetomdeprovocação
emsuavoz.-Hã,sim.–elariudesimesma,dandodeombrosnovamente.Elesegurouumarisada,umbrilhodivertidoemseusolhos.Juliasentiuseusjoelhoscederem,sua
determinaçãosederretendocomoumpicolénoSaara.Elatinhaquefugirdelenaqueleinstante.Gabyamataria se soubessedaquilo.Ela se afastouemdireçãoàporta, repetindo internamenteomantra“listanegra,listanegra”.
-Vocênãoquerumchá?–Michaelapontouparaachaleiraeduasxícarasnamesinhaaoladodesuacama.
- Eu realmente tenho que ir – Julia respondeu, afastando-se mais alguns passos. – Axel estáesperandopormim...
Sua voz ficou presa em sua garganta quandoMichael eliminou a distância entre eles em doisgrandespassosecolocouasduasmãosemseusombros,seuolharpenetrandoodela.Juliaparouderespirarquandoeleseinclinouemdireçãoaelaeabeijousuavementenatesta,seucorpotãopertoqueelatevevontadedeseencostar.
-Tevejoembreve–prometeuele.Oquefoiaquilo?Seusmembros ficaram frios.Michaeldisseraexatamenteasmesmaspalavrasque tinhaditona
manhãseguinteemquehaviamdormidojuntos.Amanhãseguintenaqualelenãohaviaseimportadoemligardevoltaparaela.
Segurandoochoro,Juliaoafastou.Elanãoqueriaqueelevissesuaslágrimas.Comoeleousavainvadiravidadelanovamente,depoisdeabandoná-lademodotãoinsensívelalgunsdiasatrás?
-Adeus.–elaengasgou,antesdesairportaaforaedescerasescadascorrendo.Semolharparatrás, ela abriuaportada frentee correuporGiselakai.Michael teriaonobre trabalhodeexplicarpara suamãeporqueela estava fugindo.Aquela era aúltimavezqueela colocariaospésnaquelelugar.EramuitoperigosoficarpertodeMichaelporqueeleaindatinhaacessoaoseucoração.
Quandoseacomodounobancodopontodeônibus,Julianotouqueduasnovasmensagenshaviachegadoemseutelefone.Elaabriuasduas:
‘parabénspelotrabalhonalivraria,garota!!bjsGaby’‘nãoqueriatemachucar.desculpe.bjmick.’Ela olhou para a segundamensagem com os olhos avermelhados, olhando a hora em que ele
havia enviado amensagem.Tinha sido logodepois de sair correndopela porta.Então ele pareciamesmoseimportarcomosseussentimentos.Masporqueagora?
Juliasuspirou resolutamente,colocandoocelularde lado.SeaomenoselapudessecolocardeladoossentimentosquetinhaporMichaeldamesmaformaresoluta,asuavidaseriabemmaisfácil.
Naquelanoite,Juliaentrounobarusandoumnovovestidodeverão.Omautempododiaanteriortinhaidoembora.EraumaabafadanoitedeverãoetodaajuventudedeSalzburg,queaindaestavanacidade,pareciaterseencontradonoO’Malley’s.Juliapodiaquasesesentirdespreocupada,nãofossepelofatodequeavisitaaMichaelaindaaestavaincomodando.
-Ei, pessoal! – ela chamou entusiasmadamente, caminhandopara amesa ondeAxel, Florian eMoritzestavamsentados.–Asgarotasaindanãochegaram?
-Forambuscaralgumasbebidasparaagente.–Axelsorriu.Juliaergueuumasobrancelha.-Entendi.Cavalheirismojáera.Florianrevirouosolhos.-Axelestáapenasbrincando.TameGabyaindanãochegaram.Vamospegaralgumasbebidas?–
elecutucouomoicanoroxodeMoritz.Florianeseunovonamoradoforamemdireçãoaobardemãosdadasesorrindomelosamenteumparaooutro.
-Então, comovocêestá?–Axelperguntou seriamentequandoelapegouobancoao seu lado.JuliatinhaconversadocomelepeloFacebookdepoisdoacidenteecontouaoprimotudosobreasuaoperaçãoderesgatenobosque,maselesaindanãohaviamconversadosobrecomoasituaçãoahaviaafetado.
-Estoubem.–eladeudeombros.–Oqueeupossodizer?Mundopequeno.- Mundo estranho – Axel complementou, com uma careta. – Quero dizer, você, de todas as
pessoas,viraosocorrodele.Alémdisso,Kolbeestáagindodeumjeitomuitoestranho.Naverdade,nãopoderiasermaisestranho.
Juliaolhouatentamenteparaele.
-Oque...Oquevocêquerdizer?–elagaguejou,seguindooolhardeAxelemdireçãoaobar.Elasentiu seu estômago revirar quando viu uma cabeça conhecida, com cabelos castanho-claros. –Oque?Eleestáaqui?!
-Comovocêpodever–Axel respondeu secamente. –Ecomoeudisse, ele está agindomuitoestranho.Muitobonzinho.
Julia travousuamandíbula,olhandoconsternadaparaMichael.Ok, issoeraabsurdo.PorqueéqueMichaelsimplesmentenãosumiadasuavidaparasempre?Oqueéqueeleestavafazendoalitãocedo depois de um acidente quase fatal? Ontem mesmo, ele estava sangrando em seu colo. Eledeveria ircomcalma, ficaremcasae irparaacama logodepoisdeVilaSésamo.Ela tevequeseconterparanãoiratéeleedaralgunsbonsconselhosmédicosnãosolicitados.
-Quandoeuchegueiaquimeiahoraatrás, eleestava jogandodardoscomdoisamigos–Axelcontinuou,aparentementeignorandooturbilhãonointeriordela.–Eledisseoi,entãomeperguntousepodiacomprarumabebidaparamimeseeuqueriamejuntaraeles.Sério,eumesentiemTheTwilightZone.EufiqueiconversandocomelesatéunscincominutosatrásquandoFlorianeMoritzfinalmentechegaram.
-Ah.Acheiqueeleficavaapenascomoscaraslegais.Axelsorriu.-É,euconcordo.Querodizer,eumeamodojeitoquesou,maseupossoverqueler,consertar
computadoreseconstruir aeroplanospodenãoserconsiderado legalporSuaAltezaKolbe...–eleapontouumdedoaMichael.–Atéagora,pelomenos.
-Bem,comoeletepareceu?–Juliaperguntouemumsussurro.–Eletedissealgumacoisa?Axelfezumacaretaparaabolachadechopequeeleestavapicotandoemsuasmãos.–Sim,claro,nósconversamos.Sabe,issopodeparecerestranho,maseutiveanítidasensaçãode
queeleestavadiferente.–eleolhouparaaprima.–Vocêachaqueapancadanacabeçafezalgumacoisacomele?
Juliaprendeuarespiração.EntãoAxeltambémhavianotado?Michaelrealmenteestavaagindodemodoestranho.Oqueéqueaquilotudosignificava?
Naquelemomento,Florian eMoritz voltarampara amesa, e para aumentar o seu espanto, viuMichaelvindoatrásdeles,fazendocontatovisualcomela.
Eentãoeleestavanamesadeles.-Ei,você–eledisse,encostandoosbraçosnamadeiradamesadobar,seusdedosencostando
nosseus.–Eaí?ElaorouaDeusparaqueelenãomencionasseasuavisitanaquelatarde,porqueissosignificava
queelateriamuitooqueexplicaraosgarotos,semmencionaraGabyseelaficassesabendodaquilo.-Estoubem–elarespondeu,evitandooseuolhar.Elatinhamedodeficarvermelhaseolhasse
nos olhos dele por muito tempo. Michael estava realmente muito bonito naquela noite. Ele tinhaaquelecaracterísticosorrisoirresistívelnoslábioseseusolhospareciamgentiseamigáveis.QuandoJuliafinalmenteousoulevantaroolhar,elepegouemsuamão.
-Vocêquerjogardardoscomigo?–eleperguntou.Juliasentiuapeledesuamãoesquentarsobosdedosdele.–Eunãoseijogardardos.–elachiou.Elesorriu.-Entãoeuvouteensinar.Elabalançouacabeçacomfervor.-Não,euestoufalandosério.Eunãopossojogar.Eusouumdesastre.Vocêpoderiaseropróprio
PhilTaylore,mesmoassim,nãoconseguiriameensinar.
-Eupossoafirmarisso.–Axelconcordou.–AúltimavezqueeujogueidardoscomaJulia,umdosdardosdelaacabounomeusapatoenãonoalvo.
-Jáquevocêjáescapouporpoucodamorteessasemana,eunãoarriscaria.–Florianadicionoucomumapiscadela.
- É, falando nisso, como está a sua cabeça? – Axel perguntou com curiosidade. – Você estáautorizadoasairnovamente?Omédicoestádeacordocomisso?
Michaelfezquesim.-Sim.Aferidaestáquasecurada.Lánohospital,disseramquefoiummilagre.Éporissoqueeles
mederamaltaessamanhã.Nosilêncioqueseseguiu,ogrupotodoolhouboquiabertoparaele,semacreditar.Axellimpoua
garganta,comoseestivesseprestesafalarmaisalgumacoisa,quandoMichaelseviroueavançouemdireçãoaoalvo.
–Vou voltar aomeu jogo – ele disse, parecendo repentinamente apressado.Ele olhou de ladoparaJulia.–Vocêtemcertezadequenãoquermeacompanhar?
Elabalançouacabeça.Axel,FlorianeMoritzoassistiramiremdireçãoaooutro ladodobar,aindacomosqueixoscaídos.
-Quasecurado?–Juliarepetiu.–Issoéimpossível.Euseicomoestava.-Oquemedeixamaisperplexodoqueaferidanacabeçapraticamentecurada,éoseujeitinhode
bommoço–disseFlorian,atordoado–Imagineaminhasurpresaquandoeleapareceudomeuladono bar e puxou um assunto, do nada! Ele ainda me parabenizou pelo novo namorado! Kolbe, oentusiastadosgays!
-Ah.Elerealmenteodeiaosgaystantoassim?Floriannuncahavia lheditonada.Ela estavacomeçandoadescobrir todo tipodecoisas sobre
Michaelenãoestavagostandonemumpouco.Então,novamente,eleparecia terumnovolado,derepente.
-Bom,elenuncameameaçououmeassedioudescaradamente.–Floriandeudeombros.–Elesimplesmentedavaunsolharesdesdenhososdepoisquehaviaficadoóbvioqueeuestavajogandonooutrotime.Vocêsabe,comseujeitonormalmentecondescendente.
-Peloqueeuvi,elepareceserumcaralegal–Moritzcontestou–Elenãomepareceumapessoanemumpoucoarrogante.
- Eu sei! É disso que eu estou falando – Florian exclamou – Ele está diferente. Elemudou. –pensativamente,ele tomouumgoledesuacervejaepegouumpunhadodeamendoinssalgadosnatigelaquehaviamtrazido.
-Oquevocêachaqueaconteceucomele?–Axelperguntou,pensativo.-Quemsabe?–Juliamurmurou–Eleteveumaexperiênciadequase-morte.Issodevetercausado
algonele.OsolhosdeFlorianseabriramemrepentinasurpresa.-Jules,éisso.–elebateunamesacomopunhocheiodeamendoim.–Elechegouàsportasdo
céu.-A-hã.Vocêacha?–Axelbufou.-Sim.EeleseencontroucomSãoPedroououtrapessoa.Eessesantodissequeelesópoderia
continuarsuavidanaterraseeleamelhorasse.Axelsorriu.-Claro,Flo.Deveser isso!Elefoichantageadoporumapóstolo.Deus,eunãopossoacreditar
queeunãopenseinisso.Juliariu,mastentoupararquandoviuoolharofendidonorostodeFlorian.Elanãodeveriarir
deleporsuateoria.Naverdade,elateriapensadoemalgomaisoumenosnamesmalinha;Axelsó
fezaquiloparecerengraçado.-Hámuitashistóriasdepessoasquevoltaramdosmortos.–Moritzapoiouonamorado.–Eles
dizemqueviramparentesmortos,oualgumtipodeluzbrilhante,pacífica.OquequerquesejaqueesseMichaelencontrou,devetê-lomudado.
TodomundoestavaponderandosuaspalavrasquandoaportadobarseabriueGabyeTamaraentraramcorrendo.
- Queridos! –Gaby gritou, desfilando em direção a eles com Tamara em seu rastro. –Vocêscomeçaramabebersemnós?Quevergonha.
Axelselevantoudoseubanco.-Deixe-me provar que o cavalheirismo nãomorreu – ele disse, piscando para Julia. –O que
vocêsduasgostariamdebeber?–eleperguntouàsduasgarotas.EnquantoAxelsaíaparabuscarbebidas,GabyesuairmãseapertaramentreFlorianeJulia.-Nãoacreditonessecalor!–Gabybufou.Elaestavavestindoumtoplistradodepretoecinzae
umenormepentagramaroxopenduradoemumacorrenteaoredordoseupescoçoparacombinar.–Primeiro cai uma chuva suficiente para fazer Noé trazer a arca novamente e agora é como se aÁustriativessesidorealojadaparaostrópicos,dodiaparaanoite.
-Fique feliz -Floriandisse–Vocêestá trabalhandonaescoladeequitaçãonesseverão,certo?Nadadiz"essetrabalhodetemporadaéumadroga"melhordoqueterquetrabalharaoarlivrecomchuvasodiainteiro.
-Eugostodosol,éclaro.Masnãotantoassim.-Masentão,comovaivocê?–TamarasevoltouparaMoritz.–Maisalgumshowestasemana?OsolhosdeMoritzcomeçaramabrilhar.-Naverdade,euestavamesmoquerendocontaratodosvocês.Nossabandafoiconvidadapara
tocaremumclubeemCamdenTowndaquiaummês.-QueficaemLondres–Florianexplicou.-Maravilha!–GabyeTamaraexclamaramaomesmotempo.-Épor issoqueeupenseiquepoderia serumaboa ideia irparaLondresnamesmasemana–
Floriancontinuou,avaliandoasreaçõesdeles.–Assim,podemosverMoritzeabandatocarem,quetal?
-Claroquesim–Juliadisseentusiasmada,olhandoparaosrostosdeseusamigos.–Eletemqueterseusmaioresapoiadorescomele.Eemretribuiçãoànossapresença,elepodesernossoguiaemLondres.
-Estaremoslá.–Gabyacenou.–Nemprecisafalar.Moritzpareciagenuinamentefelizcomumlargosorrisoemseurosto,quepareciaumacriança,
apesardomoicanoedospiercings.Axel voltou trazendo duas bebidas, apertando-se entre Gaby e Tamara enquanto colocava as
cervejassobreamesa.-Aquiestá,garotas.-Quantoestamostedevendo?–Gabyperguntou,procurandoporsuacarteiradentrodabolsa.-Umbeijosincero,querida.Oquemais?–Axelpiscoulascivamente.-Pareceumbomnegócioparamim.–GabyseaproximouebeijouorostodeAxel.–Porsinal,
nós temos que te contar os novos planos para Londres. – ela tagarelava sem parar. –Moritz estáprestesafazerhistórianaInglaterra.Ouçaisso.
ConformeGaby,FlorianeTamaraatualizavamAxel sobreosdetalhesdosaltoparaa famadeMoritznomêsseguinte,Juliaobservavaseuprimosobreabordadoseucopodecerveja.Elapoderiaestarenganada,mastinhaquasecertezadequeeletinhaficadoligeiramentevermelhoquandoGabyobeijarahápouco.Oesboçodeumsorrisocruzouseurosto.Elanuncahaviapensadonaquilo.
- Como é que é? – Gaby repentinamente bradou olhando em direção ao alvo, seu olhosarregalados.–Meusolhosestãomeenganando?ÉoMichael?Elenãodeveriaestarnohospital?
Julia gemeu internamente. De novo não. Ela estava farta das histórias sobre a maravilhosarecuperaçãodeMichael.Alémdisso,elanãoqueriaestarsujeitaaoolharinquisidordeGabyquandoAxel eFlorian contassemque ele ahavia convidadopara jogardardos.Se ela começasse a corar,Gabyacabariacomela.
- Vou para o banheiro – ela anunciou abruptamente, caminhando por entre a multidão doO’Malley’ssemolharparatrás.Elaolhavasempreemfrente,paraseassegurarquenãocruzariaoolharcomumcertoalguémquandopassassepelaáreadosjogos.
QuandoJuliasaiudobanheiro,Gabyestavaesperandoporelanaporta.–Desculpe ter falado nele – ela se desculpou, parecendo sentida. –Axelme disse que você já
conversoucomMichaeleoquantoeleadeixounervosa.-Bem,nervosa...–eladeudeombros.-Enãoédesesurpreender.Querodizer,sério,oqueeleestáfazendoaqui?Elenãodeveriaestar
na cama comalgum remédio na veia?Parece que nada aconteceu comele.Boa jogada, por sinal,recusaroconviteparajogardardos.Aquelecretino.
-Sim,penseique fossemelhor evitá-lo.– Julia sentiu seu rostoesquentar.NãoporqueGabyatinhaelogiado,masporqueelaestavamentindodescaradamente.ElanãoqueriaevitarMichael.Elaqueriasaberoqueestavaacontecendocomele,oqueohaviamudado,masaomesmotempo,suavozinteriorconcordavaplenamentecomGaby.
Fazendoumacareta,elaseguiuGabyese juntouaogrupo.QuandoMichaeldeixouobarcomseusamigos,cercadedezminutosdepois,eleaolhouporsobreosombrosechamousuaatenção,sorrindo-lhecalorosamente.Juliamordeuolábioedesviouoolhar,semsorrirdevolta.
-Muitobem.–Gabymurmuroupróximoaela.–Ignore-o.Elefezomesmocomvocê.-EntãovamosaoShamrockdapróximavez?–Juliaperguntou.Assim,elapoderiapelomenos
evitardeseencontrarcomMichaelcomtodososseusamigosporperto.Florianacenouvigorosamente.-Boaideia.Estoutefalando,esselugarébomparanossasvidasamorosas.Apostoquevocêvai
conheceralguémparaseroseucavaleirolátambém,donzelaJules.Gabyacutucou.- Talvez você devesse convidar Thorsten para ir conosco – ela sugeriu, erguendo as
sobrancelhas.-QueméThorsten?–orestodogrupoperguntouemuníssono.Juliarevirouosolhos.-Deus,obrigada–elaresmungou.Gabydeuumlargosorrisoaela.-Denada.Éhorademudarosares,querida.Namanhãseguinte,Juliaacordoucomosomdeumamúsicaqueinvadiaasfinasparedesdoseu
quarto.Aparentemente,AnneestavaassistindooseuDVDdoSenhordosAnéispelamilionésimavezenoúltimovolume.
Elabocejou,pegandoocelularemcimadocriado-mudoparaolharashoras:oitoemeia.Cedodemaisparaseracordadaemumdiadeférias.Suairmãzinhaestavaarriscandoaprópriavida.
Ainda lentade sono, Julia se levantoue searrastoupara foraparabaternaportadoquartodeAnne.
-Ei!–elagritou–Seráqueoshobbitspodemcantarumpoucomaisbaixo?Algumaspessoasestãotentandodormir,sabe?
Ela ouviu Anne caminhando ruidosamente pelo quarto. A porta se abriu, mostrando a suairmãzinhacomosorrisomaisadorávelpossível.
-Querassistircomigo?–elapediu,seusolhosbrilhando.–Eupegueileiteecookiesparanósláembaixo.
Juliasegurouosorriso.-Porquenão?Estouacordadamesmo.–elaqueriaparecermalhumorada,maspercebeuquenão
conseguiria. Era ela quem acordava antes de qualquer um esperando pela irmã lá em baixo comcookieseleite,paraassistiremdesenhos,quandoopaidelasaindaestavaemcasa.OfatodequeAnnequeriafazeramesmacoisa,afezseemocionarumpouco.
JuliasesentounacamaeassistiuAnnecolocarumcopodeleiteparaela.Elaaceitouoleiteeumpratodecookies,escorregandoparaaesquerdaparaqueAnnepudessesesentaraoseulado.
SuairmãtinhapausadooDVD.Legolasestavacongeladonatela,apertandoosolhosparaolharparaohorizonteefazerumadesuasobservaçõesóbviasdecapitãodoselfos.
-Jules–Annemurmurou,próximoaela,mastigandoumcookie.–Vocêachaqueopríncipedasárvorestambémpodetercabelosloirosecompridos?
OsolhosdeJuliasevoltaramdolindoLegolasnaTVparaosolhosquestionadoresdeAnne.- Claro. É um conto de fadas e você o imagina como quiser. Se o seu príncipe tem cabelo
compridoeloiro,ahistóriaseadapta.–elacutucouAnne.–Essaéagraçadesonhar.-Nãoémelhorquandoumsonhosetornarealidade?–Anneperguntoutimidamente.Juliaficouemsilêncio,mordendoolábio.Elanãosabiaoquedizer.-Algumasvezes,eusonhoqueopapaivoltaamorarcomagente–Annecontinuou,aindamais
baixo,pegandoabainhadeseupijama.Juliaengoliuseco.-Querida,émelhorseelenãovoltar.–elaacariciouocabeloloiroescurodairmã.–Amamãe
estámuitomaisfelizsemele.Elesbrigavamotempointeiro.-Amamãeestábravacomele–Anne sussurrou–Porqueelenuncavemnosver.Euouviela
conversandocomavovó.JuliapuxouAnneparaumabraço.-Araivadelavaipassarumdia.Elavaientenderquenósnãoprecisamosmaisdele.Elaestános
criandoenósaamamosmuito.UmesboçodesorrisocruzouorostodeAnne.-Issofoioqueavovótambémdisse.Juliariu.-Avovónãoéumamulhermuitoesperta?AnnesesentoueolhoupensativaparaoelfonaTV.-Aindaassim,euachoqueoscontosdefadaspodemvirarrealidade.Vocêachaqueopríncipe
poderiaterolhosazuistambém?Juliafranziuatestadiantedaexpressãosonhadoradairmã.Derepente,ficouclaroparaela.Seria
possívelqueasuairmãzinhaestavasecretamenteapaixonadaporThorsten,onovovizinholindo,eporseusolhosazuisbrilhantes?
- Sim, definitivamente ele pode. – ela entrou na brincadeira. – Longos cabelos loiros e olhosazuis.Éoseucontodefadasevocêtemosdireitosdeilustração.–elapiscou.
Anneconcordousatisfeita.-O príncipe nunca vai revelar o seu verdadeiro nome– ela declarou, de forma pedante –Ele
permanecerá ummistério para os adultos ao redor dele, porque eles não podem vê-lo como elerealmenteé.
Juliasorriu.
-Talvezvocêdevesseescreverumlivro–elasugeriu.Percebendoqueelaestavalevandoaideiaasério,continuou.–Sério,vocêdeveriamesmo.Vocêtemtalento.Vocêtemumaformamaravilhosadeseexpressar,Anne.
Elaabraçouairmãdenovo,bemapertado,atéqueAnnecomeçasseagritareespernear.Quandoamãedelasacordou,umahoradepoisedesceuparaprepararocafédamanhãparaelas,Juliaestavabemmaisanimadacomohámuitotemponãosesentia.
-Voucorreratéavovó–elaanunciounamesadocafédamanhã,enfiandoumenormepedaçodeomeletenaboca.–Querqueeulevealgoparaela?
-Não,nãoprecisa.Voupassarláestanoitetambém–respondeuaSra.Gunther–Voutrabalharnoturnodatarde,entãoeuvouvisitá-ladepoisecozinharparaela.EsperoquevocêpossafazerojantarparavocêeparaAnne.
AmãedeJuliatrabalhavacomogerentedelojaemumsupermercadoemEichet.-Claro,voupensaremalgo.–JuliadeuumapiscadelaconspiratóriaparaAnne,quesignificava
“pizzaesorvete!”.Airmãlhedevolveuumsorrisolargoebobo.-PossoirbrincarcomaSabineestatarde,mamãe?–Anneperguntou.-Claro.Naverdade,vocêvai terque ficarnacasadaSabine.Alguém temque tomarcontade
vocênãoé?Eujácombineicomamãedela.Depoisdocafédamanhã,Juliapegouseucaminho.Eraumdiagostosoeensolarado,masfortes
ventosestavamsoprandonafloresta.Depoisdedezminutos,elaestavatremendocomabrisafriaedecidiufazerumintervalo,seenrolandopertodoseucarvalhoesecandoosuorquelheescorriapelasobrancelha. Não era apenas o frio que a estava fazendo estremecer: algo parecia diferente nafloresta. As folhas sobre a sua cabeça sussurravam sem parar,masmesmo assim havia um certosilêncionaflorestaqueelanãoconseguiaexplicar.Eraquasecomoseaflorestaestivessesegurandoarespiração,esperandoporalgo.
Julia encostou sua cabeça no enorme tronco da árvore, ouvindo o sangue correndo por suasorelhas.
-Oi,Sr.Carvalho–eladissebaixinho,colocandoasuamãonasraízessobseuspés.Nadaaconteceu.Oestranhosilêncioestavaagorapor todaaparte, jáqueasfolhasdasárvores
haviamparadodefarfalhar.Ocarvalhonãoarespondeu.Julianãopôdedeixarderevirarosolhosparasimesma.Porqueelaestavasendotãoridícula?
Elanãotinhadecididodizeradeusaoscontosdefadascomosquaistinhaserodeadoparaafastararealidade?Ealiestavaela,pensandoquepodiasecomunicarcomumaárvore.Estavaclaroqueelaestavamaluca.
Comumacaretaemseurosto,Juliaselevantounovamente.Obosquenãoestavatrazendoapazqueesperava.Naquelamanhã,aenergiahaviasedissipado.
Saiucorrendo,aindasesentindoconfusa.Atéagora,elatinhasempreconseguidodesacelerareparardepensarnosproblemasnaquelelugar,masnaquelediatinhasidodiferente.Obosquepareciamudadooutalvezeraelaqueestavadiferente.Elanãosabia.
Semfôlego,elachegounacasadaavó.Avelhasenhoraestavano jardimdafrente,podandoasebeeassobiandoumacanção.Acenouparaaavó,quecaminhouatéencontrá-lanoportão.
-Vocêestámancando.–elapercebeu.–Estásemprática?-Não. – Julia bufou indignada. –Nada de errado comminha resistência. Eu só...Me esforcei
demais.Euestavatentandoeliminarumpoucodostress.–elaseafundounobancodoladodeforaetirouabolsadascostas.
-Entãovocêconseguiuse livrardosseus fantasmas?–aavócolocouospodõesde ladoe foiparadentrobuscaralgoparabeber,deixandoJuliapensarnarespostaàsuaperguntaporumminuto.
-Umfantasmavoltou–elaadmitiu,quandoaavósesentouaoseuladocomdoiscoposdeágua,queelabebeucomvoracidade.
-Aquelegaroto–aavóafirmou.Julianãorespondeu.-Suamãemedissequevocêsalvouumcolegadeclassenobosque–aavócontinuou–Eleéo
Michael?-Simenão–Juliaexclamousempensar.Aavóolhouparaelacuriosa.–Sim,eraMichaelKolbe
naflorestae,não,elenãoémaisoMichael.Quantomaiseladizia,maiselasentiaqueeraverdade.- O que você acha disso? – a avó perguntou com calma. Se ela estava surpresa, não estava
transparecendo.Juliasuspirouprofundamente.-Nãopossoexplicar,maspossosentir.Eusei.Eleestámudadoporcausadaqueleacidente.Mas
aindaassim,euseiqueeudeveriatomarcuidado.Gabyestánomeupéotempotodo.Elaachaqueeudevoficarlongedelee,francamente,eunãopossodiscordardela.
-Deixeacontecer–aavódissesuavemente–Fiquelongedele,masdeixe-oviratévocê,seelerealmentequiser.Comoelesdizemhojeemdia?Suavizinhança,suasregras.
Juliabufou.-Vovó,pare.Eunemseiquaissãoasregras.Acredite,euquerosertodaforteeindependente,mas
poressegarotoeusoucapazdetorcertantoasregrasapontodelasficaremparecendoumpretzel.Eissoestámeirritando.Eunãoqueromaisqueelecauseesseefeitoemmim.
-Elesópodecausaresseefeitoemvocêsevocêquiser–avelhasenhoradisse,imperturbável.Julia estava quase apertando os dentes, frustrada, porque a avó estava certa. Ela queria. Ela aindaqueria.
-Então...Voutomarumbanho–eladissequebrandoosilêncio.Elaselevantouesearrastouparacima.
Conformeaáguaquentecaíaemsuacabeça,Juliapensavanaspalavrasdaavó.Claroqueaavóestavacerta, ela tinhaquedeixarascoisasacontecereme seguiro seucoração.OsensocomumadiziaquedeveriaficarlongedeMichael,masseucoraçãoganhavadalógicaedarazão.Algoestavaacontecendocomeleeelaqueriadescobriroqueera.
Depoisquevoltouparaoandardebaixo,Juliatocoualgumascançõesnopianoenquantoaavólimpavaacozinha.Depois,asduaspegaramospodõeseatacaramosarbustosnoquintal.Àsduasemponto,elasforamaosupermercado.Juliaestavaencarregadadatarefadelevarocarrinho"develha"pelacalçada,eraassimqueasuaavótinhaapelidadooantigocarrinhoestampadoqueelausavaparafazercompras.
-Aquehorassuamãechega?–aavóperguntou.-Nãosei.Eladissequedepoisdotrabalho.-Euvouperguntaraela.Avelhasenhoracaminhouatéofundodaloja,ondeumaportavermelhadavaacessoàáreade
armazenamentoeaoescritório.Julia parou perto de umas caixas de tangerina, examinando a seleção de frutas e vegetais em
busca demangas frescas.Distraidamente, ela pegou três tangerinas da caixa à sua frente, olhandoparaelasindecisa.Elanãoqueriatangerinas,maspareciaqueasmangastinhamacabado.
Umalevetosseadespertoudeseuspensamentos.-Possoajudá-lacomalgumacoisa?–perguntouumavozfamiliar.JuliaolhoudiretamenteparaosolhosazuisdeThorsten.Eleestavaempéao seu lado,emum
uniformedosupermercado,umsorrisoanimadoenfeitandooseurosto.
-Hã,oi–elamurmurou–Eunãofaziaideiaquevocêtrabalhavaaqui.-Desdeontem.Sabinemedissequeasuamãetrabalhavaaqui,entãoeupenseiquepoderiadar
certo.-Bem,deucerto.–Juliariu.–Estágostando?-Élegal!Osolhosdelepararamnastrêstangerinasqueelaaindaestavasegurando.– Eu estava observando você há algum tempo. Estava esperando você começar a fazer
malabarismocomelas.ElesorriudivertidamenteeJuliacomeçouarir.-Ah,evocêqueriameajudarcomisso?–elaperguntou, fingindoperplexidade–Talvezvocê
devessedeixaresseempregoesejuntaraocirco.Thorstenpareceudesapontado.-Porfavor,nãomeprovoquepelomeunarizvermelhoemeuspésmoles.Machuca,sabia?Eu
esperavamaisdevocê.-Não,vocênãomeentendeu.Nãoestouteprovocando!Ébomsaberseuspontosfortes,nãoé?- É verdade, é verdade. – seu olhar recaiu no carrinho de compras. – Bonito carrinho – ele
continuoucomumapiscadinha.–Vocêsempretrazissoaosupermercado?-Estouaquicomaminhaavó,ok?–Juliaretorquiudefensivamente,olhandobravaparaele.-Eusei.–eledevolveuummeiosorriso.–Euvivocêsduasentrando.Julia mordeu o lábio, repentinamente se perguntando por quanto tempo Thorsten a estivera
observando.Elesevirouparapegaralgumaspimentasesmagadasdeumcaixotedevegetais,parandoporummomento.
-Então,vocêtemplanosparaofinaldesemana?–eleperguntou,rearranjandoospepinos,semmotivo aparente. Ele não olhou para ela e Julia percebeu que ele parecia um pouco nervoso. Seuestômagodeuumareviravoltaeelasevirouparaguardarastangerinaseescondersuasbochechasvermelhasdevista.
-Sim,voutrabalhar.Começonalivrariaamanhã.Ébemlegal.Enquanto isso, ela estava pensando na sugestão de Gaby. Ela poderia convidar Thorsten para
acompanhá-laaoShamrockamanhãànoite,comcerteza.Eleseadaptariamuitobememseucírculodeamigos,maselasesentiaumpoucoculpadaporconvidá-loapenasparaesquecerMichael.Eleeramuito legal para aquilo. Por outro lado, que mal faria apresentá-lo a novas pessoas? Ele tinhaacabadodesemudar,afinaldecontas.
-Você já fezamigosdanossa idadeaquiemSalzburg?–elaperguntou,seajeitando.Thorstenbalançou a cabeça, olhandopara ela comexpectativa. -Bem, se você estiver a fim, vocêpodevircomigoaobarShamrockamanhãànoiteeconhecerosmeusamigos.Sairumpouco.
-Claroqueeuestouafim–elerespondeuentusiasmadamente–OndeéoShamrock?EnquantoJuliadiziaaelequalônibuspegarparachegaraobar,elaviu,pelocantodosolhos,sua
avódirigindo-seaeles.Elateveocuidadodenãointerromperaconversa.-Ok,eutevejoamanhãentão–Thorstendisse,depoisdesalvaroseunúmeronoscontatosdele.- Sim, até amanhã! Bom trabalho! – Julia acenou enquanto ele saía para encher algumas
prateleirasnocorredordoscereais.-Quemeraaquele?–aperguntainevitávelecuriosadaavó.-Thorsten.EleéoirmãodeSabine,sabe?AnovamelhoramigadaAnne.Aavóconcordoupensativamente.-Entendo.–elaolhouemdireçãoaocorredordoscereais.–Eele?Elevaiseroseunovomelhor
amigo?Juliaficouvermelho.
-MeuDeus,vovó,nãosei.Sóqueroentender...NãoconsigoesqueceroMichael...Nãoachoqueeuestouprontapara...Eleélegal.
Nossa,quantacoerência!Elasuspirou,frustrada.-Bom,elecertamentegostadevocê–aavódissecausalmente,caminhandoparaocaixacomseu
carrinhodecompras.-Hã?Porquevocêdizisso?Éoseusextosentidodenovo?-Ora,porfavor,nãoéprecisopoderespsíquicosparaverisso.Osolhosdeledizemtudo.Julianãorespondeu.Osolhosdele?ElahaviapensadoqueosolhosdeMichaelhaviamlhedito
algotambém,masissonãoahaviaajudadoemnada.-Queseja.-Porqueomauhumor?Ésóumaobservação.Ignoresequiser.Juliacomeçouarir.-Desculpe,vovó.Esqueça.Juliaeaavópassaramorestodatardecuidandodojardim,tomandocháejogandocartas.-Émelhoreuirparacasa–Juliamurmurouquandoaavócolocouumcoringapelaterceiravez
emumjogodeMau.Avelhasenhorapiscou.-Ha!Eutepuspracorrer.Julia fez biquinho, fingindo desapontamento, então se levantou e foi ao banheiro colocar as
roupasdecorrida.Elaabraçouaavónocorredor.-Tevejonodomingo.Estaremosaquiparaochá.A brisa balançava seu cabelo enquanto corria em um ritmo calmo.Na floresta, os galhos das
árvoresbalançavamdeumladoparaooutrocomoasondasselvagensdomar.Juliarespiravafundo.O sentimento familiar de serenidade tinha retornado ao bosque, como se a atmosfera estranha eopressivadamanhã tivesse sidoafastadapara forapeloventoque soprava.Elapodia sentir.Asuamenteestavavaziaquandoelasaiudatrilhadaflorestaecortoupelomeiodomatoparachegaraocarvalho.Talvezelapudesserelaxarno"seu"lugardestavez.
Julia fez uma careta, porém, quando deu a volta em um grupo de árvores e viu uma figurasolitária sentada com as costas apoiadas no tronco. Mancando suavemente, ela levou um susto,sentindoumfamiliarboloseformandoemseuestômago.Elareconheciaaquelapessoa.
Oquediaboseleestavafazendoali?Vagarosamente, ela se aproximou do carvalho.Michael não parecia notá-la, ele estava sentado
imóvelcomosolhosfechados,descansandoasmãosnosjoelhos.Aospoucos, aquelecaraaestavadeixando louca.DesdequehaviadecididoevitarMichael, ela
viviatropeçandoneleemcadaesquina.Claroquenãoerarazoávelculpá-loporsuainquietação,masa incomodava encontrá-lo ali. Não fazia sentido.Aquele era o seu lugar demeditação e ele nãodeveriaestarali.
Bemquandoelaestavaprestesaseviraresilenciosamentevoltarparaafloresta,Michaelabriuosolhos.
-Julia–disseele,virandoacabeçaeolhandodiretamenteparaela,comosetivessesentidoqueelaestavaali.
-Oi–elarespondeurapidamente,umlevetremoremseucorpo.Comoelesabia?Elesorriueoventomexeuasfolhasdaárvoreondeeleestavaseapoiando.Julia caminhou contrariada em sua direção. Ela não podia simplesmente sair agora. Afinal de
contas,eleahaviacumprimentadoeducadamente.-Oquevocêestáfazendoaqui?–elaperguntou,umpoucomordaz.Michaelselevantou,passandoamãopeloscabelos.
-Pensando–elerespondeubaixinho,depoisolhouemvolta.–Foiaquiqueaconteceu.Juliaolhouseurostosério,repentinamentesesentindoenvergonhadaporterodiadotantoasua
presença ali. Ele tinha todo o direito de visitar o local onde quase havia encontrado amorte. Eraobviamenteapenasumacoincidênciaporaqueletambémseroseulugarespecial.
-Vocênãotempéssimaslembrançasassociadasàfloresta?–elaperguntoucomcuidado.Michaelsorriulargamenteebalançouacabeça.-Eumesintoemcasaaqui–respondeuele–Maisdoque...Emcasa.Michaelpensouemsuamansãolindaecaraeemseuspaisricos,porémausentesamaiorpartedo
tempo.Umrepentinosentimentodepenaatomou.-Sintomuito–elamurmurou.Eledeudeombros.-Eunão.Esteéumbelolugarparasesentiremcasa.–elepegouamãodelacomoseissofossea
coisamaisnormaldomundo.–Evocêvemmuitoaqui–elecontinuou,mostrandoalegrianoolhar.-Venho.–Juliaencarouassuasmãosnasdele.Comoelesabiadaquilo?Elanãohaviacontadoa
Michaelmuitacoisasobresimesmanashorasquehaviapassadoasóscomele.Elesestiverammaisocupadosdandounsamassosdoqueconversando.
Julia sentiu-se corar quando ergueu os olhos e notou a proximidade dos dois.Ele estavamaispertodoqueelapensava.Asuamãoestavaficandoquentenadele.
-Eu...Eumesintoempazaqui–elagaguejoutimidamente,dandoumpassoparatrásesoltandoamãodele.–Euvenhoaquiparaclarearaminhamente.
-Masapostoquevocêvemaquiparaseinspirartambém.Juliaconcordouemsilêncio.-Escreverpoemas,essascoisas-elafinalmentemurmurou.-Compor?Elaconcordounovamente.-Você tocapiano, certo?– ele calmamente colocouasduasmãosnosbolsosda calça jeans. –
Vocêdeveriairláemcasadenovo.Aquelepianoenormeestásóacumulandopoeiranasala.Minhamãenuncatemtempoparatocar.
Juliaolhouparaelesurpresa.-Eu?TocaremumSteinway?–elagaguejouperplexa.Michaelchegoumaisperto.Juliasentiuocarvalhocontraassuascostas.Elaapoiouacabeçae
ergueuosolhosparaele.Vagarosamente,umsorrisotortoapareceuemseurosto.-Sim–elerespondeucalmamente–Você.TocandoaqueleSteinway.Eleestavapertodemaisparaelasesentirconfortável.Porqueseucoraçãotraiçoeiroaindabatia
fortequandoeleestavaassimtãoperto?Elasabiamuitobemquetipodepessoaeleera...Outinhasido,pelomenos.
-Eunãosei.–elaseprotegeu.–Voupensarnoassunto.- Você deveria. O convite está de pé. Aquele piano vai se sentir solitário até que você decida
agraciá-locomumrecital.Juliaengoliuseco.-Então,euprecisoirandando...–elaapontouvagamenteemdireçãoàestrada,andandonaponta
dospéscomoseMichaelafosseparar.–Tenhoquecozinhar.-Qualocardápio?-Pizza.–eladeudeombros.–Aliás,euseifazercomidasapropriadas.Mas,estoucompreguiça
hojeporquetenhoquecuidardaminhairmã.Ah,elaqueriadarumsocoemsimesmaporaquilo:pedirdesculpasporcomerfastfood!Oque
eletemavercomisso?Porqueelaseimportava?
-Ei,cuidadocomaspalavras.Pizzaécomidaapropriada.Nãodeixeositalianosteouvirem.Meuavômaternoéitaliano.Euamopizza.
-Amy’sKitchennãoénecessariamenteitaliano–Juliacontestou.-Não,mas comcerteza é saborosa. – ele lançouumolhar divertido a ela. –Éminhapizzaria
favorita,naverdade.Ah,meuDeus.ElaestavamuitopertodeconvidarMichaelparajantar,eerabemóbvioqueele
estavapretendendoisso,dandoindiretasenormes.- Sim, aminha também.Nãovejo a hora. – ela cuidadosamente deu alguns passos para trás. –
Então,é,eutevejoporaí.-Esperoquesim–disseele.Julia rapidamente saiu, antes que pudesse começar a corar novamente, ou – oh, que horror –
mudar de ideia em um momento de insanidade e convidá-lo para jantar. Em uma velocidadealucinante,elacorreupelomeiodafloresta,comoseodiaboaestivesseperseguindo.
Quando ela chegou em casa toda suada e sem fôlego, chamouGaby para assistir a um filmedepoisqueAnnefossedormir.Elaprecisavadeumapoio.Fazendoumacareta,enfiouduaspizzasdecogumelonoforno.
AnneestavasentadanacozinhalendoumgibidoPatoDonald.-Está acontecendo alguma coisa? – ela perguntou, observando a forma irritada comque Julia
bateuaportadoforno.-Não.-Vouconsiderarissocomoumsim.Julianãoconseguiuevitarumarisada.-Não é nada em particular,Annie. Estou só nervosa porque amanhã é omeu primeiro dia de
trabalho.ElascomeramsuaspizzasetomaramsorveteenquantoassistiamaToyStory.Quandoanoiteceu,
AnnefoiparaacamaeGabyapareceunaportadeentradacomtrêssacosenormesdepipocaeumDVD.
- Quantos filmes nós vamos ver esta noite? – Julia olhou para a intimidadora quantidade decomidaqueaamigahaviatrazido.-Ouvocêconvidoumaisgente?
GabybalançouacaixinhadoDVDnafrentedela.-Vaiserumsessãoetanto,Jules.Essefilmedurahoras,ealémdisso,Axelmedissequetemos
que ficar concentradas e provavelmente vamos precisar pausar de vez em quando para filosofarsobreele.
-Oh-oh.Axelteemprestouumfilmeparageeks.Gabyconcordouentusiasmada.- Sim, Florian eMoritz estavam falando sobre o nome da banda deMoritz na noite passada,
certo?-“Esperandoochute?”-Exatamente.EentãoAxeldissequeMoritzeosamigosdeledevemterassistidoaquelefilme"A
Origem" porque essa expressão foi usada no filme. Então, eleme ligou hoje para falar que tinhagravadoofilmeparamim,porqueeutinhaficadotodacuriosa.
Derepente,JuliaselembroudapequenachamaquehavianotadoentreGabyeseuprimo.-Bem,Axestádeparabénsporintroduzi-laaomundogeek.-Oque?Eu?Semchance.Euadoromeujeitodark,alternativo.Julia analisou a expressãoperturbadadeGaby.Será que ela deveria perguntar o que amelhor
amigaachavadeAxel?Aquilotalvezfossemuitodireto.ElanãoqueriaarruinarascoisasentreAxel
eGaby,antesqueelastivessemachancedeflorescerem.Talvezelativessequedarumjeitodefazeraamigaseabrir,confessandoelaprópriaseussentimentos.
-EuchameioThorstenparasairhoje–eladisse,lançandoumsorrisosensual.Gabygritou.-Mentira!Verdade?Sério?Quandovocêsvãosair?-Bem,amanhã.ElevaicomagenteaoShamrock.-Muito bem, diva! –Gabydeuum tapa noombrode Julia. –Estoumuito orgulhosa de você!
Quandovocêoconvidou?-Ah,euoencontreinosupermercadoemEichet.Eletrabalhaláagora.-Bom, bom.Suponhoque agora você vai sair para fazer compras para suamãe toda semana,
estoucerta?Juliasorriu.Thorsteneraumcarafofoeeleiriasedarbemcomosamigosdela.Aqueleerao
caminhocertoaseguir.ElaconvenientementeseesquecerademencionarseunadacasualencontrocomMichaelnafloresta.
-NodomingonósvamoscompraraspassagensparaLondres.–Gabysejogounosofá.–VamosnosassegurarquepoderemosverMoritztocar.Elevaiviajaralgunsdiasantesdenós.Flodisseparanosencontrarmostodosnacasadele,paraimprimiroscartõesdeembarque.
-Estoumuitoanimada!Quandonósvamos?-Terceirasemanadeagosto.–Gabyapontouparaosavisosdedireitosautoraisqueapareciamna
televisão.–Axelémuitoesperto,nãoé?ElecopiouatéoavisocontracópiasdeDVDs.-Sim,meuprimoénossoEinstenparticular.–Juliasorriu.NãofariamalnenhumaAxelseelao
elogiasseumpouco.–Issosemfalarqueéumamigodedicado.EledeveterfeitodetudoparagravaresseDVDtãorápidoparaquevocêpudesseternodiaseguinte.
-Sim.Eleéomáximo.–Gabyacenou,alcançandoagarrafaderefrigeranteemcimadamesa.–Querbeber?
Juliariu.NãoimportaoquantoGabyerafalante,elanãotinhaconseguidoesconderoleveruboremseurosto.
-Bem,pelomenosfaçaumsanduícheparalevar!–amãedeJuliagritoudacozinhanamanhãseguinte, enquanto sua filha estava correndo pela casa, empânico, tentando sair a tempo para seuprimeirodiadetrabalho.–Vocêprecisadeumcafédamanhã,nãoé?
-Nãotenhotempo!Tinhaquetersaídohácincominutos.–Juliarapidamentecolocouumcasacoenquantotentavaamarrarostênis.
Decidida,amãedeJuliapegouumdossanduíchesdeAnneecolocouemumzip-loc.-Ei–Anneexclamou,parecendoofendida.–Meusanduíchedemanteigadeamendoim!-Euvoufazeroutroparavocê–prometeuaSra.Gunther–Agorafiquequieta.-Obrigada,mãe. – Juliapegouo cafédamanhãparaviagem.–Desculpe,Anne!Vejovocês à
noite!Comocoraçãobatendoansioso,elacorreuparaopontodeônibus.Porqueelatinhadesligadoo
despertadorjustohoje?Elasópodiaesperarqueotrânsitoestivessetranquilonamanhãdesábado,senão o ônibus definitivamente se atrasaria. Ela não queria causar uma má impressão chegandoatrasadaparatrabalharnoprimeirodia.Muitamancada,diriaGaby.
Umavezqueestavanoônibus,elaseacalmou.Nadadetrânsitoetodosossinaisestavamverdes.Juliaseencostounoassentoecolocouosfonesdeouvidoenquantomastigavaosanduíche.Depoisdevinteminutos,elasaiueapressadamentecruzouapontequelevavaàCidadeVelha,parandoemfrenteàlojaexatamenteàsoitoemeia.Martinestavadestrancandoaportaquandoelaapareceu.
-Olá,Sr.Haider–Juliachamou.Martinsevirou.
-Ora,mas se não é a Julia!Feliz em te ver.A loja só abre às nove,mas eu queria fazer umarápidaapresentaçãoavocêepedirparapreenchermaisdoisformulários.Afinaldecontas,precisosaberparaondetransferirseugenerososalário.–elepiscou.
Juliariu.Elaestavacomeçandoagostardoseunovochefe.-Vamosesperarqueseja.VouparaLondresemagosto.-Vocêvai?Ótimaescolha.Éumacidademagnífica.Comoestáseuinglês?Razoável?Conversando amigavelmente, eles caminharam até a parte de trás da loja, onde subiram as
escadasatéoescritórioondeJuliahaviafeitoaentrevistadeemprego.Depoisdepreencherosseusdadosbancários,Martinaacompanhouàsaladedescansonofinaldocorredor.
-Aquificaacozinhaondetodososmembrosdaequipecomementreumaeduasdatarde,quandoalojafechaparaoalmoço.Porfalarnisso,hojenósfechamosàscinco.Horáriodesábado.
Outrolancedeescadasacimalevavaaoestoqueeaosbanheiros.OchefedeJuliaentrounasalaparapegarumacamisetapreta,comamarcadaloja,queelacolocouporcimadablusinhaqueestavausando. Assim que voltaram para o andar de baixo, Martin mostrou as categorias de livros queestavam no primeiro e no segundo andar deHöllrigl, e Julia sentiu que já estavamais oumenosprontaparacomeçar.
-Porquevocênãopegaumcafé?–elesugeriu–Alojaabreemalgunsminutos,evoupedirparaumdenossoscolegasapresentá-laaorestodaequipeeexplicaravocêcomofuncionaocaixaparaquevocêpossaoperá-loàtarde.Tudobem?
-Parecelegal.–Julianãoconseguiaparardesorrircomoumaidiotaenquantoolhavaemvoltatodososlivrosdaloja.Aqueleeraumsonhorealizado:elaestavaemseumomento“bibliotecadeABelaeaFera”.Martinhaviaditoqueela tinhadireitoaumbomdescontoemtodasascomprasdaloja.Axel ia pular de alegria quando ela contasse a novidadepara ele.Assobiando animadamente,subiuasescadasnovamenteparapegarumpoucodechá.Quandovoltou,Höllriglestavaabertaeelaencontrououtragarotacomacamisetadalojaquesubiaasescadas.
-Oi–agarotadisse,estendendoamão.–Vocêdeveseragarotanova.Juliaapertouamãodagarota.-Julia.Agarotanova–eladisseformalmente.-Donna–agarotarespondeu–Agarotaantiga.Ambascomeçaramarir.-Estouindoparaocaixa–Juliadisse–Precisodealgumasliçõesantesdeserjogadaaoslobos.
Falocomvocêdepois?-Claro!–Donnasorriuparaelaecontinuousubindoasescadas.Juliacantarolavaalegrementeconsigomesmaenquantosedirigiaparaafrentedaloja.Elatinha
muitasortedeterencontradoaqueleemprego!Otrabalhopareciasimplesosuficiente,ochefeeraumcaralegal,seuscolegaseramamigáveiseopagamentonãoeranadaruim,semcontarodescontoqueMartinahaviaprometido.Oquemaiselapoderiaquerer?
-Ah,aíestávocê.–Martinapareceudetrásdeumapilhade livrosmaisvendidos.–Porfavor,venhacomigo.
Juliaoseguiuparaocaixa,olhandoparaadireitaeparaaesquerda,paraseusoutroscolegas.-Kolbe!–seunovíssimochefeexclamouemdireçãoàentrada.–Venhameajudar,porfavor!Julia ficouparalisada.Elaestava ficandosurdaouMartin tinhaacabadodedizer...Seucoração
batiaabsurdamenterápidoquandoseusolhosfitaramaportadafrente.- Ele vai te ajudar no caixa. – a voz deMartin parecia vir de muito longe. Ele a deixou ali,
plantadanomesmolugar.Juliatentousairdesuaparalisiaetropeçoumaisalgunspassosemdireçãoaobalcão.Perdeuo
fôlego quando viu umapessoamuito familiar caminhando em sua direção.Ela engoliu seco.Mas
certamentenãopodiaser.AhDeus,não.Não,não,não.Issonãoestavaacontecendo.E então, ela não conseguia olhar para nenhum outro lugar senão diretamente para dois olhos
verdescomoafloresta.
5.-Oqueéquevocêestáfazendoaqui?–Juliaolhouparaelealarmada.
-Eutrabalhoaqui–elerespondeuinabalável,ummeiosorrisoaparecendoemseuslábios.-Desdequando?Simplesmente não era possível que ela, em sua infalível perseguição, tivesse deixado passar
aquilo:Michaeltrabalhandonamesmalivrariaemqueelahaviasidoentrevistadadoisdiasatrás.-Desdeasemanapassada.Seujeitopresunçosorapidamentetransformousuaperplexidadeinicialemumafúriaenorme.-Porque?–elaperguntouirritada.Eleergueuumasobrancelha.-Paraganharumdinheiroextra?–eledisseaquilocomosefosseacoisamaisóbvia.-Masporqueaqui?Michaelcomeçouarir.-Porquevocêestámefazendoesseinterrogatório?-Vocêporacasoestámeseguindo?–elaresmungou,ocoraçãotraiçoeiramentepulandoemseu
peitoporummomento,enquantoconsideravaaquelapossibilidade.-Bem,desculpeportedesapontar,maseuachoqueéocontrário.Primeirovocêaparecenobar
onde eu sempre vou comosmeus amigos, depois decide correr perto do local onde eu sofri umacidentequasefataleagoravocêvemtrabalharnomesmolugarondeeutrabalhoháumasemana.Oquevocêachadissotudo?
Bolas,eleestavacerto.Juliaresistiuàvontadedebateropécomoumagarotinha.-Emseussonhos,seucanalhaarrogante–elamurmurou–Todomundodizqueeudeveriaficar
longedevocê.Nosilêncioqueseseguiu,elapodiaouvirseucoraçãobatendoemsuagarganta.-Possoimaginar–Michaeldissetãobaixoqueelanãotinhacertezaqueelehaviaditoaquiloaté
verseuolhar.Eraumolhardevergonha.-Olha,eusintomuito.Nãoquisparecertãomá.–OrostodeJuliaesquentoudevergonha.–Não
queeunãopossatrabalharcomvocê.Nãovaiserumproblema.Michaelaindaaolhava,suabocatinhaumlevesorriso.-Sintomuitoqueeleatenhamachucadodessaforma.Maisumavez,eleestavafalandotãobaixoqueelanãotinhacertezasetinhaouvidodireito.Julia
piscou,confusa.Sobrequemeleestavafalando?Sobreelemesmo?-Ok,porquenãofaçooqueoSr.Haidermepediu?–Michaelabruptamentevoltouparaojeito
profissional.Aparentemente, ele tinhavistoo chefe.Ele foi emdireção ao caixa e acenouparaque Julia se
juntasseaele.–Falandonisso,vocêpodechamá-lodeMartin.Nãofiquetímidaporisso,eleinsiste.Eledizque
sesenteumavôseochamamosdesenhor.Comosjoelhostrêmulos,JuliaficouaoladodeMichaeleouviusuasexplicaçõessobrepassaras
compras dos clientes, digitar os códigos dos livros com preço normal ou preço com desconto ecompletarasvendas.
SeuolharestavanorostodeMichaelenãonosbotõessobasmãosdele.Elepareciatãorelaxadoecalmo.Tãolindo.Elasimplesmentenãoconseguiaesqueceraqueleúltimobeijoqueelehaviadadonelanaquelamanhã,nodiaseguinte.Elaqueriasaberseelerealmentetinhamudado.Elaqueriapodersenti-lopertonovamente.Elaqueria...
Ah, ela tinha que parar de fazer aquilo consigomesma!Ele nunca nemmesmohavia dito quesentia muito. Na verdade, ele estava agindo como se nada tivesse acontecido. E aqui estava ela,sonhando acordada em arrastá-lo para trás da primeira pilha de livros para dar uns amassos nelelongedavistadetodos,enquantoelatinhaqueestarprestandoatenção.Seuspensamentoslascivosatransformariam em uma desastrada, incompetente, bem no primeiro dia de trabalho. Ela venderialivrosnovoscomnoventaporcentodedescontoporacidente,eMartinamandariaemboranahora.
-Vocêachaquevaificartudobem?–Michaelinterrompeusuaconversainterior,olhandodeladoparaela.
-Sim,euvoudarconta.Rapidamente,elafoipara longe,determinadaapedirajudaparaDonnamais tarde,paranãose
dar gloriosamente mal. Ela não olhou para trás de propósito, subindo as escadas correndo paradesempacotaraentregadodiacomoMartinhaviapedido.
“Gaby...3chancesparaadivinharquemtrabalhaaquitbm.:$”–elaenviouamensagemdetextoparaGabyassimqueentrounoestoque.Elanãoconseguiaevitar,elatinhaquedividircomalguém.
“Thorsten??”–otelefonetocouumminutodepois.“não...Kolbe”“oidiotatáteseguindo?!”–Gabyperguntouemumamensagem.“nãotemcomo.eletavaaquiantes.issonãoébomp/minhaimg...”“peraí.jáfaloc/vc.bj”Comumsuspiroprofundo,Juliadeixouotelefonedeladoetentouseconcentraremsuatarefa.
Depoisdedezminutos,Donnaentroucomumgarotoeumagarotaquecomcertezaeramirmãos.ElaosapresentouaJulia.
Quandoelasesentouparatomarumcafénorefeitório,lápelasonzehorascomMarcoeSilke,osgêmeos,Michaelnãoestavaemnenhumlugar,felizmente.
-Vocêsjáficaramnocaixa?–elaperguntou.Marcofezquesim.-Sim,ébemsimples.OMichaelnãoteexplicoudemanhã?Juliadeudeombros.-Sim,maseunãoestavaprestandoatenção.Desculpe.Silkecomeçouarir.-Eleéumabeladistração,nãoé?-Porquevocêdizisso?–Juliacorou.-Ah,porfavor,vocêachaqueeunãovivocêoadmirando,garota.Ogarotoéomáximo.–ela
deuumtapinhanamãodeJulia.-Masnãosurta.Estounamorando,oMichaelétodoseu.-Pfff.Tábom.–Juliabufousarcasticamente.SilkeeMarcoolharamparaelacuriosos,fazendo-aresmungarconsigomesma.Porqueelanão
ficavadebocafechada,paravariar?-Saímos algumasvezes– ela explicoucomsarcasmo–Eentão eledecidiu ser frio e ignorar
meus telefonemas e, desde então, eu fico tropeçando nele, quando tudo o que eu mais quero éesqueceressecanalha.Fimdepapo.
-Ah,umdaquelescaras.–Silkeinclinouacabeça,surpresa.–Eununcairiaimaginarqueeleeradessetipo.
Seuirmãogêmeoconcordoucomacabeça.–Sim,estouconfuso.Elepareceserumcaramuitolegal.Juliabufoucomdesdém.-Bem,porquevocênãooconvidaparasair?Talveztenhamaissortedoqueeu.Marcoriu.
- Sem chance. Primeiro, eu não gosto de garotos e segundo, ele ainda gosta de você. Ele teencara,sabe?
Juliaengoliuseco,seurostoficandovermelho.Bemnaqueleinstante,aportadasaladedescansoseabriueMichaelentrounasalajuntocomDonna.Todosficaramemsilêncio.
-Horadeumabebida.–Michaelolhouparaostrêsehesitou.–Hã...Estouinterrompendoalgumacoisa?–elepareciaverdadeiramenteinseguro.
-Não,claroquenão.–Silke seapressouemdizer.–Estávamossó fofocandosobreoMartin,entãoparamosdefalarporquepensamosquefosseele.
ElapiscouparaJulia,queintencionalmenteignorouMichaelepegououtrocookiedopote.Elarepentinamentetevevontadedefugirdali.
-Vouaobanheiro.–elaseergueuabruptamente.–Vocêmeajudacomocaixamaistarde?–elamurmurouparaSilke,antesdesaircorrendodasalaesubirasescadascorrendoparaossanitários.
Comumlongoesofridosuspiro, Juliabateuaportaesesentounovasosanitário,correndoamãopeloscabelos,frustrada.Ok,entãoMarcotambémtinhareparadonafascinaçãodeMichaelporela.Elanãopodiamaisnegarointeressedele.Masporqueissohaviasemanifestadodepoisqueelao salvara na floresta?Ela aindanão entendia.Talvez ele sentisse que tinhaque fazer a coisa certaentreeles.Seriaporissoqueelequeriaquefossemamigos?
Sintomuito que ele a tenhamagoado tanto.As palavras que ele havia ditomais cedo naquelamanhã surgiram em suamente. Ela provavelmente tinha entendido errado, ou talvez a pancada nacabeçadeletenhafeitomaisdanosdoqueaspessoasimaginavam.Quemfalavadesimesmodaquelejeito?Eleestavasofrendodedesassociação?
Umacoisaeracerta:ficartrancadanobanheironãoresolveriaseuturbilhãointerior.Juliadeixouobanheiro e correupara o andar de baixo.Ela ficou feliz emver queSilke já tinhavoltadoparaassumirocaixa.Destavez,elaprestariamaisatençãoduranteaexplicação.
Ascoisasnãoestavamtãoruins,eladisseasimesma.Tudooqueelatinhaquefazereraacabarodia.Amanhãalojaestariafechadaeanoite,elapoderiaavaliarodiadehojecomGabyeorestodosseusamigos.Elairiaconseguir.
Quandoo intervalodoalmoçochegou, Julia seasseguroudeestar conversandoanimadamentecomDonnaeSilke,quandoMichaelchegou.Marcooseguiu,ambossentadosemumamesapróximaàmáquinadecafé,ondeMartinsejuntouaelespoucosminutosdepois.
-Planosparahojeànoite?–SilkeperguntouaJulia.-Sim,vamosaoShamrock.Euemeusamigosdocolégio,querodizer.Ah,emeunovovizinho.
Euoconvideiparasairontem.-Issoaí,mulherforteeindependente.Eleégostoso?-Ésim.–Julianãoconseguiuevitarosorrisobobo.SilkeeDonnacomeçaramaassobiarerir.
Os outros três na mesa ao lado olharam e Julia sentiu o olhar de Michael em sua direção. Elaesperavaqueelenãotivesseouvidoomotivodetantaanimação.Apesarque,claro,elanãodeveriarealmente se importar seMichael sabia ou não da existência de Thorsten, o vizinho gostoso. Naverdade,seriabomseelepercebessequeelahaviaseguidoemfrente.
-Voumantê-lasinformadas.–elacortouaconversa,deixandoqueDonnaeSilkefizessemseusprópriosplanosparaofinaldesemana.
-Sevocêquiser,porfavor,venhaparanossochurrascodeaniversárionodomingo–Silkedisse–Marco e eu vamos fazer dezoito anos amanhã,mas nossos pais não estarão lá para nos dar osparabéns pela maioridade, eles ainda estão de férias. Então, para compensar suas péssimashabilidadescomopais,elesdisseramquenóspoderíamosdarumagrandefestanojardim.Nóstemoscarnesuficienteparaalimentarumorfanato,entãonãohesiteemlevaralgumamigo.Thorsten,porexemplo.–elacutucouJuliaconspiratoriamente.
Juliasorriu.-Obrigadapeloconvite.EunãotenhoideiaseThorstenvaimeacompanhar,maseudevolevar
algumdosmeusoutrosamigos,sevocêestiverdeacordo.-Claro.Desdequenãosejamvegetarianos.Quantomaiscarnívoros,melhor!SilkeeJuliatrocaramtelefonesedepoisdoalmoço,Juliadesceuparaasúltimaspoucashorasde
trabalhododia.Cercadequatrohorasda tarde,Martinapediupara levaralgunspedidosedesencaixotá-losno
estoque.Sentindo-segrataporpoderdeixarocaixaporunsinstantes,Juliasubiuasescadasparaoterceiropisosegurandoumacaixagrandedelivros.Assimquechegou,colocouacaixanochãoparaabriraporta.Parasuasurpresa,aluzjáestavaacesa,eseucoraçãoacelerouquandoelaviuMichaelempénocanto,pegandoalgumasenciclopédiasnaprateleiradecima.
-Ah,oi–elamurmurou–Tenhoquecolocaralguns livrosnaprateleira.–elaapontouparaacaixa.
-EeutenhoumclienteláembaixoquenuncaouviufalardaWikipedia.–Michaelamostrouospesadosvolumes.
Juliasorriu.-Ah,bem,melhorparaoMartin.Senãoelenuncavaiselivrardessascoisas.Elesorriudevolta.-QuemsabeelenãocolocaalgumasemnossascestasdeNatal?- Já estou esperando por isso.Na verdade, eu acho bem chique ter uma enciclopédia em casa.
Parecetãonostálgico,sabe?Reminiscênciasdainfânciadaminhamãe,quandoainternetsóerausadapelaCIAenãopormerosmortaiscomonós.
-Sério?AinternetfoidesenvolvidapelaCIA?-Hã,nãoseimesmo.Axelsabemuitosobreesse tipodecoisa.Vocêdeveriaperguntaraele.–
Juliatossiutímida,repentinamenteseperguntandooporquêdeterpuxadoassuntocomele.Eporqueelaescolheuumtemadoqualnãosabianada?
-Euvou.–elepassouporelasemdesviaroolhareentãoolhoufixamenteparaaporta.Elapodiaverahesitaçãodele.
-Entãoquetaltocarograndepianodaminhamãealgumdiadepoisdessefinaldesemana?–osseusolhosfitaramosdela.
Juliadesviouoolhareolhoufirmeparaochão.-Nãoseiainda.Eutrabalhoquasetodososdias,entãoprovavelmentenãovoutertempo.-Apenasconsidereaoferta–eledissebaixo–Vouvoltarláparabaixo.Ela só ousou erguer os olhos quando ele saiu. Com um suspiro profundo de frustração, ela
arrastouacaixacheiade livrosparaaprateleiraondeeles ficariamecomeçouadesembrulhá-los.Quandoelajáestavaquaseacabando,DonnaapareceucommaistrêspacotesqueMartinqueriaquefossemdesembrulhadoseguardados.Quandoterminaram,faltavaumminutoparaascinco.
- Liberdade! – Donna gritou em uma voz potente, erguendo um braço em uma imitação deCoraçãoValente.–VejovocênafestadeaniversáriodaSilkeamanhã?
-Achoquesim.–Juliaacenou.–Boanoite!Ela entrou na cozinha para pegar a bolsa no armário. Todomundo já tinha ido e quando ela
chegouaoandardebaixo,Martineraoúnicoqueestavaali.-MarcoeSilkejáforam?–Juliaperguntou,secretamentequerendosaberoutracoisa.-Sim,Donnaevocêforamasúltimasdosmoicanos.- Ok. – Ela tentou não se sentir vazia porMichael ter saído sem se despedir. – Vejo você na
segunda.Bomfinaldesemana!Noônibus,indoparacasa,elaligouparaGabyparaconvidá-laparajantaremsuacasa.
-Precisodesabafarevocêpodeserminhaouvinte.Odiainteiropisandoemovos.Meusnervosestãoemfrangalhos.OquefoiqueeufizparamerecertrabalharnamesmalojaqueoSr.Cafajeste?
-Eu estarei lá – prometeuGaby –Ainda estou enchendo a cara de doces noTomaselli’s comTamaraeAxel.Quehorasvocêsvãojantar?
-Dependedaminhamãe.Venhaquandoestiverpronta.Juliadesligoueolhoupelajanela.Quandoelaestavaprestesaguardarotelefone,eleapitouduas
vezes,indicandoduasnovasmensagensdetexto.‘voutveressanoite?;)bjmick’‘qhrvmsnosencontrarhj?até+,thorsten’Ela deu uma risadinha nervosa. Nossa, então de repente era super popular. Ela olhou para a
carinhapiscandonamensagemdeMichaelcomasbochechasqueimando.Queinferno!Eleaestavaprovocando com o fato de que ela parecia estar seguindo-o por toda parte. Ele provavelmentepresumiuqueelaaparecerianoO’Malley’snaquelanoite,porqueelanormalmenteialáaossábados.
-Não,vocênãovaimeveressanoite,seumegalomaníacoiludido–elamurmurou–Nãoestareilá,enãovoutecontarondeeuvouestar.
ElaenviouumamensagemdetextoparaThorstendizendoqueelepoderiaseencontrarcomelaeGabynacasadelaantesdeiremaoShamrock.Dessaforma,elespoderiampegaroônibusjuntosemBirkensiedlung.
‘blz,tevejolá:)’–elarecebeu,algunsminutosdepois.SóquandoelasaiudoônibuspercebeuqueoconviteaThorstenfoimeioinoportuno,pelofato
deelaquerersentareconversarcomGabysobrecomolidarcomMichaelcomocolegadetrabalho.Insistiremfalarsobreocaraqueahaviabrutalmentedespachadoeaindatinha,dealgummodo,
algumpoderem relaçãoaelacertamentedaria aThorstena impressãodequeelenemdeveria seatreveratomaralgumaatitude.Elanãotinhacertezaqualmensagemelaqueriatransmitir.Seráqueela estava secretamente desejando que ele desse em cima dela, ou ela estava só procurando umadistração?
Comumacareta,elaabriuaportadafrente.Ocheirodebatatafritainvadiaocorredor,fazendo-asalivar.Elaolhouparadentrodacozinha.
-Oi,mãe!VocêseimportaseGabyeThorstenvieremjantaraquiantesdesairmos?- Pormim, tudo bem.Mas você vai ter que ir de bicicleta para o supermercado e pegarmais
algumas sobremesas. Se ninguémme avisa que tenho que cozinhar para os amigos no jantar, nãotenhocomoprever.
Juliasorriu.-Podedeixar.-Ah,elembre-sedepassarnaSabinenavolta.Anneaindaestánacasadavizinhaeeuqueroque
elavenhajantaremcasa.Julia pegou uma nota de dez euros na bolsa da mãe e saiu para pegar a bicicleta no galpão.
Assobiando animadamente, ela se dirigiu a Eichet na brisa lânguida da noite de verão.Depois defazerascompras,Juliadecidiupegarocaminhodaflorestadevoltaparacasa.
Assacolaspenduradasnoguidãofarfalhavamdevidoaossolavancosnaestrada.Juliadiminuiuavelocidade.Na luzalaranjadadocrepúsculo,queatravessavaascopasdasárvores, elaavistou seulugar.Ocarvalhoestavaali,silenciosoaopôr-do-sol.Eladesceudabicicletaeaencostounaárvore.
-Oi,senhorCarvalho–Juliasussurrou.Ela pressionou a sua bochecha contra sua casca, abraçando o tronco da árvore com os dois
braços.Dealgumaformaelaaindasentiaquealgohaviamudadonaquelelugar,equandoelaolhoupara cima, viu folhas amarelas nos galhos.Aquilo eramuito incomumpara aquela época do ano.Seráqueasuaárvoreestavadoente?Issoexplicariaporqueelasesentiatãodiferenteemrelaçãoa
esselugarultimamente.Talvezalgorealmentetivessemudado.Afinal,asárvorestinhamquemorrerumdia.
Ela suspirou devagar, afastando-se da árvore e pegando a bicicleta para voltar para casa.Repentinamente,elaestava inexplicavelmentebravacomomundopor ficarmudando, semqueelativessecomofazê-loparar.
- Anne? Sabine? – Enquanto ela passava a bicicleta pelo portão do jardim dos vizinhos, Juliaolhouemvolta.–Vocêsestãoaí,meninas?
OpaideSabinesaiu.-GrüssGott.Vocêveiobuscarasuairmã?Elasaindaestãonobosque,euacho.Elasfalaramque
estãoconstruindoumacasanaárvore?Juliafezquesim.-Elasnãoestãoficandomeioobcecadascomisso?Équasehoradojantar.-Bem,Sabineestácomrelógio,mastalvezelasperderamanoçãodotempo.-Acabeidevirdebicicletadafloresta,naverdade,maseunãoasviemnenhumlugar.Ondefica
essacasanaárvore?-Nãotenhoamínimaideia.Elasdisseramquesótenhopermissãodeiratéláeolhardepoisque
estiverpronta.–explicouopaideSabine.Naquelemomento,Juliaouviurisadasaolonge.AnneeSabineapareceramdescendodebicicleta
aruaquedavaparaacasadela.-Vocênãoestáumpoucoatrasada?–elavirou-separaairmãquandoAnneentrounojardim.–A
mamãeestáesperandoporvocê.Annepareciachateada.-Desculpe.Eupenseiqueconseguiriachegarantesdojantar.-Ah,bem,vocêestáaquiagora.Vamoscorrer.GabyeThorstenvãojantarconoscotambém.OsolhosdeAnneseiluminaramquandoelamencionouonomedeThorsten.Juliasegurouuma
risada. Então ela estava certa sobre a paixonite da irmã pelo irmão de Sabine. É por isso que elaqueriadarolhos azuis aopríncipedahistória.Sorrindo, ela colocou amãonosombrosdeAnne,levando-aparasentar-seàmesadejantar.
-Olá!–Gabygritou,entrandonacasacincominutosdepoisdeJuliaeAnnechegarem.–Soueu!-Percebi!–Juliagritoudevolta,rapidamenteselevantandodamesaelevandoGabyparaasala
deestarpróximaàcozinha.–Vamosconversarumminuto–elasussurrou.-Hã,porque?Nãovamoscomer?-Vamos.SóquerodizerqueeutambémconvideiThorstenparajantar.-Uau,issoaí,garota!Estouorgulhosadevocêporsertãoprafrente!-Sim,obrigada.OúnicoproblemaéquenãovamospoderfalarsobreoMichaelpertodele.- Tem razão. – Gaby largou a bolsa dela sobre o sofá e inclinou a cabeça para Julia
inquisidoramente. – Então, o que está acontecendo, Jules?Algo a está incomodando, eu sei. VocêaindagostadoMichael?Vocêpodefalarparaa titiaGaby,ok? -ElacolocouamãonoombrodeJulia.
Juliabalançouacabeça.-Não‘ainda’.Estoumeapaixonandodenovo.–suavozestava tãobaixaqueGabytevequese
inclinarparaouvir.-Oquevocêquerdizer?- Bem, eu entendo agora que eu nunca realmente o conheci na escola. Eu nunca o vi como
realmenteera.Euinventeiminhaprópriahistórianaqualeleeraumcaramaravilhoso,queiluminavatudoporondepassava.Masagora...Eleestátãodiferente.
Gabyaolhoupensativa.
-Vocêachaqueelequerumasegundachanceporquevocêosalvounobosque?-Talvez.-Masissosignificaqueelemudoudeverdade?Ouelesóestásesentindoculpado?-Nãotenhoamínimaideia.-Vocêquerdarumasegundachanceaele?Juliafezumacareta,olhandoparaochão.-Ok,euseiqueissoéestupidez.Gabyfranziuoslábiosedeudeombros.-Nãoachoquevocêestejasendoestúpida.Euentendo,ésério.Desculpeterfeitoumatempestade
quando você disse que oMichael aindamexia com você. Tudo o que eu quero é que você tenhacuidado,masoqueestá te impedindo?SaiamaisalgumasvezescomoThorsten,vejaseelenãoéumaescolhamelhore,enquantoisso,passeumtempocomoMichaelnotrabalho,paraconhecê-lodeverdade.Depoisdetudooquevocêmecontou,euaindaachoqueeleéumbabaca,mas,ei,éasuavida.Nãovoumemeter.
Juliaexpirou.-ObrigadaGaby.Éumgrandealívio,naverdade.Euestavacommedodetocarnesseassuntode
novoporquevocêficouhistéricadaoutravez.-Euentendo.–Gabysorriumaliciosamente.–Eupossoserbemintimidadora.Naquelemomento,acampainhatocoueGabyempurrouJuliadebrincadeira.-Achoqueéasuasegundaopçãoqueacaboudechegar.Juliariuecaminhouatéaportadafrente.Quandoelaaabriu,olhoudiretamenteparaosolhos
azuisebrilhantesdeThorsten.Elaengoliuseco.Cara,eleeragostoso.Elaeradoidasenãoprestasseumpoucomaisdeatençãonele.Eleeramaravilhoso,interessado,disponíveleeravizinho.SehaviaumDeus,Eleagoraestavabatendoacabeçanaparedefrustradocomsuafaltadevontade.
-Ei,bomtever.–elaocumprimentouumpouconervosa.–Gabyjáestáaqui,éaminhamelhoramiga.
Gaby apareceu no corredor e se apresentou.Os três entraramna cozinha e logo conversavamsobreaescola,asfériaseseuscursosnafaculdade.
-VouestudarSociologianaUniversidadedeSalzburg–Thorstendisse–EufizoprimeiroanoemGraz,maspeditransferênciaefelizmentedeutudocerto.
Julia congelou por alguns segundos quando ouviu o nome da cidade para onde Michael semudariadepoisdoverão.Erabomdemaispraserverdade:MichaelestavasemudandodeSalzburg,mas Thorsten havia vindo para cá para tomar o lugar dele. Parecia quase a troca de guarda dopalácio.
-Sociologiapareceinteressante–Gabymurmurouenquantomastigavaumabatata.–Eupenseiemfazeressecursotambém.Masdecidiporpsicologianofimdascontas.
-AssimcomoAxel–Annedisse,distraidamente.Elatinhaacabadodecomereestavacolorindoodesenhodeumunicórnio,concentrada,comapontadalínguaumpoucoparafora.
JuliaolhoudeladoparaGabyeflagrouaamigaficandoumpoucovermelha.-Sim,nósnãoconseguimosnoslargar.–Gabycolocouumamãosobreocoração,fingindouma
paixonite.Elatomouumgoleenormederefrigerantemuitorápidoequaseseengasgou.–Falandonisso,quehorasnósvamos?
Juliariu.-Oitoemeia?–elasugeriu,chacoalhandoacabeçaquaseimperceptivelmente.Comoéqueela
pôde ter deixado passar despercebido o que estava acontecendo entre seu primo e a sua melhoramiga?Derepente,eradolorosamenteclaro.ElateriatempodeinterrogarGabymaistarde.
Depois do jantar, Julia e Gaby foram para o andar de cima para trocar de roupa e fazer amaquiagem, enquantoAnne sequestrouThorsten eo levoupara a salade estarpara assistirRobinHoodcomela.
-Elesestãobuscandomaisinspiraçãoparaacasadaárvore–Juliaexplicou,emfrenteàcômoda.–ThorstenestáajudandoSabineeAnneaconstruíremumanafloresta.
-Sério?Uau, ele é tãomaravilhosoquemereceuma capa comumT enormebordado.Querodizer,olhaoquantoeleestásendoodoceirmãomaisvelhocomAnne.–Gabypiscouparaela.
-Sim, sim.Maspare com isso, ok?Vocêpareceumcomercial deThorsten.Não soucega.Eupossoverqueocaradacasaaoladoéumpartidão.
-Bem,sevocênãoficarcomele,eutalvezpossachegareagarrarocaranoseulugar.- Não, não, você não vai fazer isso. Você... – Julia parou no meio da frase. Gaby estava
obviamenteinteressadaemAxel,masclaroqueelanãodeveriaimplicarcomaquilo.Gabypiscouparaela,comoumcervopegoemumaarmadilha.-Eu...Oque?Juliadeixouorímeldelado.-Nada.Esquece.Aamigacolocouasmãosaoladodocorpoevirouacabeçadelado.-Nã-nã,nãotãorápido.Oqueéquevocêiadizer?-SóqueThorstennãofazoseutipo–Juliamurmurou–Euespero.-Rá!Vocêachaquetodoesserímelestáobstruindoaminhavisão, irmã?Mesmoummorcego
cegopodeverqueeleémaravilhoso–Gabyzombou,desfilandoemdireçãoaoespelhodecorpointeironocanto.
Juliadeixouescaparumsuspiro.ElateriaqueesperaratéqueGabytrouxesseoassuntodeAxelàtonaporsimesma.
Naquelanoite,Juliafalousobreonovoempregocomosamigos.ElarapidamentepulouaparteondeMichaelsetornaraseucolegadetrabalhoeaoinvésdisso,destacouasvantagensdotrabalhoeseuscolegaslegais.
- Eu fui convidada para a festa de aniversário de uma das garotas, na verdade. – ela sorriu. –Todosestãosendolegaiseamigáveis.
-Seaomenostivéssemosessemesmoambientenaescoladeequitação–Gabymurmurou–EueTamara estamos prontas paramatar aqueles cabeças-de-vento sem sal, que não param de falar decavalos,pôneisetudooquetemavercomisso.
Axelcomeçouarir.-Bem,vocêsnãoficamfalandosobrecavalos?-Hã,não.-Masvocêsgostamdessascoisasequestres,não?Gabydeixouescaparumlongosuspiro.-Temdiferença,EfeitoAxe, uma clara distinção entre eles e eu.Você pode gostar de andar a
cavalo como uma atividade externa, porque isso é legal, ou você pode viver dentro de um sonhocolorido e doce onde cavalos são seus melhores amigos, que você pode se comunicartelepaticamente,evocêaindatempôsteresdoMeuPequenoPôneinoseuquartoesecretamentesonhacomumcavaleiroemumcavalobrancogalopandoemsuavida.
Floriandeuumacotoveladanascostasdoamigo.–Esqueceocavalobranco,cara.–eleriu.-Elaachaidiota.Nosilêncioqueseseguiu,tantoGabyquantoAxelficaramroxoscomobeterrabas.-Quemqueroutrabebida?–Tamaracantarolou,esforçando-separadissiparatensãopalpável.
-Ah,euquero–Thorstenrespondeu,alegrementealheioàmancadadeFlorian.Eleselevantoudesuacadeira.–Espere,vouteajudar.Vocêvaiquerermaisuma?–eleperguntouaJulia.
-Sim,claro!Queroumacervejapequenadetrigo–elarespondeurapidamente.AssimqueThorsteneTamaraestavamlongeosuficienteparanãoouvir,Floriancomeçouarire
cutucarJuliamaliciosamente.-Bem,JúlioCesar,euachoquetemosumcandidatoàaltura.Seuvizinhoéfofoeestátotalmente
afimdevocê.Muitobem!-Muitobemoquê?Euaindanãofiznada.-Bem,vocêochamouparasair,nãochamou?- Sim, é verdade. – Julia passou um braço ao redor de Gaby. – Gabyme disse para tomar a
iniciativa.Elatemumbomolhoparacandidatos.Jantamosnaminhacasaantesdevirparacá.Axel, Florian e Moritz jogavam conversa fora, enquanto Julia sentia os ombros de Gaby
relaxaremumpouco.ElanãoconseguiaacreditaremcomoFlorianeraumfofoqueiroatrapalhadoàsvezes.SeráqueAxel tinhaadmitidoaFlorianoque sentiaporGabyouseumelhoramigoapenastinhadadoumpalpitecerteiro?Dequalquermaneira,elaesperavaqueascoisasnãofossemporáguaabaixoagora.
Felizmente,todospensarammelhorenãomencionarammaisnadasobreGabyeAxelpelorestodanoite.Axelconversavacomosgarotos,enquantoGabyestavamaisoumenosescondidaatrásdesuairmãedeJulia.Foisóquandoobarestavaprestesafechareelesestavamtodosselevantandopara irparacasaqueAxelseaproximoudeGabynovamente.Elecaminhouatéelaecolocouumamãoemseuombro.
-Possotedarumacaronaparacasa?–eleperguntou,comummeiosorriso.OsolhosdeGabysearregalaram.-Eu,é...Vimdeônibus,então...-Euvimdemoto.-Mas...EuprometiparaTamaraqueiríamosparacasajuntas.-Naverdade,euaindanãovouparacasa.–Tamaraapareceuaoseu lado.–Acabeidemandar
umamensagemparaAnnaeGretchenenósvamosàquelabaladanovajuntas.Faztempoqueeunãoasvejo.
GabyolhouparaTamaradeumaformaqueclaramentedemonstravaseudesejodeestrangulá-la.-Ah.Certo.Ok.–elasevirouparaencararAxelnovamenteemordeuolábio,nervosa.–Bem,
entãotudobem.Axelnãodissenada.Apenassorriulargamenteecorreuparabuscarasuamoto.Juliahaviaescutadotodaaconversacomumsorrisomalicioso.-Então...–eladeixouescapar.–VejovocêamanhãnafestadeSilke?Gabyfezquesim,seurostoaindaperturbado.-Sim,estareinasuacasaàscinco.Eentão,vocêvaiparacasacomThorsten?AgorafoiavezdeJuliasesentirperturbada.-Achoquesim.Pegamosomesmoônibus.Naqueleexatomomento,Axelchegoueestacionouasuamotonomeio-fiopróximoaobar.Ele
olhouparaGabycomexpectativa.-Estápronta?-Prontíssima.Julia assistiu Gaby subir na garupa da moto de Axel, seus braços estranhamente ao redor da
cinturadele,comoseela tivessemedodequeelequebrasse.Ela sedespediudosoutrose saiuemdireçãoaopontodeônibus,comThorstenaoseulado.
-Eumedivertimuitoestanoite–eledisse–Foimuitolegaldasuapartemeconvidar.
-Imagine.Euseiqueédifícilfazeramizadesnomeiodoverão.Masvocêterámuitosamigosemoutubro,quandoafaculdadecomeçar.
- Ah, não sei. Eu duvido que vou conhecer pessoas tão legais assim – seu vizinho respondeusuavemente.
Juliaencarouseustênis.-É,obrigada.–elanãotinhacertezaseeleestavafalandosobreelaousobreaturma,eelanão
perguntaria.Elessesentaramumaoladodooutronoônibus,dividindoosfonesdoMP3playerdeJulia.Vez
ououtra,Juliaapontavaalgumapaisagempela janelaouThorstenperguntavaalgosobreamúsicaemseuaparelho,masforaisso,ficaramemsilêncio.Elescontinuaramassimenquantocaminhavamdopontodeônibusparaaruadeles.
Osilêncioentreeles tinha ficadomuitopesadoquandochegaramemfrenteaoportãodeJulia.Thorsten passou a mão quente em seu braço e ela engoliu seco quando ele se aproximou, seinclinandoemsuadireção.
-Vocêficariachateadaseeuabeijasseagora?–elesussurrou.Juliaergueuosolhostimidamente.-N-não,claroquenão.Chateadanão.Apenas...Nãoachoquevocêdeveriafazerisso.Nãoseria
justo.Eleaolhoucomsinceridade.-Vocênãogostademimassim?Elacorou.-Gosto.Masalgoaconteceu recentementeentre eueumcaraporquemeu fui apaixonadapor
muitotempoeeuaindanãoconseguiesquecer.Naverdade,euaindanãooesqueci.Nãotemnadaavercomvocê.
Thorstensorriugentilmente,acariciandosuabochecha.-Ok.Devidamenteanotado.Euentendo.Tomeseutempo.Eupossoserapenasumbomamigo,
ok?Juliasorriu.-Obrigada–eladissetimidamente–Edesculpepordartantossinaiserrados.-Semproblemas. – ele deuumbeijo em suabochecha. –Enquantovocêosder, há esperança,
certo?Ele seviroueatravessoua rua,enquantoJuliadeixavaescaparumsuspiro.Quandoaportade
Thorstensefechou,elaabriuoportãoeentrou.Quenoite.
6.-Euqueroosdetalhes sórdidos -Gabyexigiuquandopisounoquintalna tardededomingo, seusolhosbrilhandocomexcitação.Juliahaviaacabadodevoltardeumavisitaàcasadaavó,eestavaenroladanobancoemfrenteàsuacasa,absortaemummangádaSailorMoon.
Eladeixouolivrodelado,sempressa,enquantoGabysesentavaaoseulado.-Vocêquer,né?Bem,eutambém.Você.Meupróprioprimo.Noitepassada.Desembucha.Amelhoramigaabruptamentesecalou,encarandoumapedrapróximaaoseupédireito,comose
fosseoobjetomaisfascinantedetodaSalzburg.-Oquevocêquerdizer?–elareplicou–Nãoháoquedizer.Elesómedeixouemcasademoto.
Querodizer,elemoranomesmobairro.Ah,vamos.Vocênãoachaquetemalgoentrenós,nãoé?–elaergueuosolhoscomcautela,quasesuplicante.
-Hmmm.-EvocêeThorsten?Julialimpouagarganta.-Oquevocêquerdizer?Nãohánadaadizer.Eleapenasmedeixouemcasa,quandovoltamosa
pédopontodeônibus.Querodizer,elemoranamesmaruaqueeu.Gabygemeu,frustrada.-Ah,porfavor,nãoajaassim.-Nãoajacomo?-Comosenadativesseacontecido!Nãomedigaqueelenemmesmotentou.–Gabycomeçoua
sorrirdescaradamente,quandoJulianãopôdeevitarcorar.–Rá!Eusabia!Entãoconte.-Elemeperguntouse...Seeuiaficarchateadaseelemebeijasse.Eeuacabeiconfessandoaele
queaindanãoesquecioMichaelequenãoseriacerto.-Ok.Vocêfoicorajosa.Mas,tambéméumapena.–Gabysuspirou.-Bem,nãoécomosetudoestivessearruinadoentrenós,oualgodotipo.Eledissequesedivertiu
muito.–JuliaaindaselembravadoolhardeThorsten:nãoderrotado,mascheiodepaciênciaeumaesperançasilenciosa.
- Parece que ainda há uma esperança – Gaby concluiu – Então, que horas Silke está nosaguardando?
Julia teveque se segurarparanãomencionarAxelnovamente, elaapenasafastariaaamigaaofazeraquilo.
-Apartirdasseis.Vamospegaroônibusdasvinteparaasseis?QuandoJuliaeGabychegaramaoportãodagrandecasadecampodeSilkeeMarco,olocaltodo
jácheiravaachurrasco. Juliaempurrouoportãoque levavaaovastogramado,entrandohesitante.Ela não conhecia nenhum dos convidados que estavam sentados no gramado e ficou feliz ao verDonnaao ladodaportado jardim, tomandouma latinhadecerveja.Gaby seguiu Julia eolhouaoredormaravilhada.
-Uau,elestemumjardimtãolindo!AmãedeSilkedeveserumajardineiraetanto,paramantê-losemmato,assim.
Neste momento, Silke os avistou no caminho. Ela estava segurando uma vasilha de salada debatataemumamãoeapertouasmãodeJuliacomaoutra.
-Ei,quebomquevocêsvieram!Porquenãomeseguematéopátio,voutemostraramesadoscomesebebes.–elaolhouparaGabycuriosamente.–Oi,eusouaSilke.EvocênãoéThorsten.
Gabycomeçouarir.-Não,desculpe.Juliahaviaprometidotrazê-loaoinvésdemim?
Conversando, elas andaram pelo caminho de cascalhos até o pátio, onde a festa estava a todovapor.Umamultidãoestavaaoredordachurrasqueira.SilkepegouopresentequeJuliahavialevadoeocolocouemumamesajuntocomosoutros.
Julianotouqueasportasdopátioseabriamparaumagrandesaladeestarcomumlindopianobranco,enorme,nocanto.
-Vocêtoca?–elaperguntouaSilke,apontandooinstrumento.-Não.Marcoeomeupai,sim.Sevocêquisertocaralgo,porfavor,nãoseacanhe.-Ah,legal!Nãoprecisafalarduasvezes.ClaroqueelapoderiateridoatéàcasadeMichaelparatocaropianodeleaqualquermomento,
masissoseriaumapéssimaideia.Alémdisso,tocaralgumasmúsicasparaumgrupodepessoasqueelamalconheciaecomasquaisnãoseimportavatanto,era,decididamente,umobstáculoamenos.
Juliaentrou,sentou-seaopianoecomeçouatocarumadascançõesdeEnya.-Maravilhoso–Gabymurmurou,caminhandonapontadospésportrásdela.Elasempreficava
maravilhadacomasperformancesdeJuliaaopiano,jáqueelamesmanãotocaramaisdoquetrêsnotasemseugravador,antesdetê-lojogadopelajanela.
AmúsicadeJuliaaopianoflutuavaparaforaelogoatraiumaispessoasparaopátio.Quandoelatocou as últimas notas deWatermark,Donna começou a aplaudir fervorosamente, eMarco sorriuparaJulia,encorajadoramente.
-Váemfrente,toqueoutra–eledisse–Vocêémuitoboa.Juliahesitouporumsegundo,entãocomeçouatocaramúsicaquehaviaescritoparaMichael.Ela
não olhou para a plateia, mas o silêncio que invadiu o pátio dizia que ela havia cativado seusouvintes.
Elaseperdeuemsuamúsica.Elahaviaderramadotodoseucoraçãoaoescrevê-la,expressandoalgoquenuncaconseguiriafazerporpalavras.
Derepente,elaouviuGabyarfaratrásdesi.Distraidamente,Juliaergueuoolharparaexaminaramultidão em busca da razão da preocupação de sua amiga. Seu coração parou quando ela olhoudiretamente para dentro de dois familiares olhos verdes, suasmãos quase se atrapalhando com asteclasaochegarnorefrãodamúsica.Oqueeleestavafazendoali?
Ah,sim.EraoaniversáriodeMarcotambémeeletinhaprovavelmenteconvidadoMichael.Elanemmesmohaviapensadonaquilo.Juliarapidamenteolhoudevoltaaoteclado,tentandocontinuarseurecitalimperturbavelmente,maselaestavaplenamenteconscientedequeseusolhosestavamnela.Na realidade, ela queria que ele a olhasse. Ela queria que ele absorvesse cada nota que ela estavatocando. E repentinamente, ela se percebeu desejando que ele de alguma forma ouvisse que essamúsicahaviasidoparaele.
ApenasquandoamúsicahaviaacabadoéqueJuliaarriscouerguerosolhos.Umapunhaladadedesapontamento a atingiu,Michael havia desaparecido da plateia ao redor do piano, que aplaudiaanimadamente.
-Obrigada–Juliadissetimidamente,selevantando.Gabyagarrousuamãoeaarrastouparafora,antesmesmoqueosaplausosacabassem.-Vocêviuaquilo?–elasussurrourapidamente,comoseestivesseprestesacontaràJuliaqueum
rinocerontehaviacaídodentrodeumafonte.-Euvioquê?-Michael.Aformacomoeleolhavaparavocê.Juliapiscou,confusa.-Oquevocêquerdizer?Elepareciaatormentado,talvez?Elenemseimportouemouvirtodaa
música.Gabybalançouacabeça.
-Nãoachoqueelepoderia.Ele...Jules,eleestavateencarandotãointensamente.Tãoconcentradonoquevocêestavatocando.Eentão...Olha,euseiqueissopareceridículo,maseujuro,elecomeçouachorar.Eleestavachorando,eéporissoqueelesaiu.Elefoitocadobemnoíntimo.
Juliaficouboquiabertaenãodissenadaàamigaporumsegundo.-Nãoestava.-Estava.–Gabyabriuumalatadecervejaedeualgunsgolesgenerosos.Juliapegouumalatade
cervejaparaela,distraidamentegirando-aemsuasmãos.-Nãopossoacreditarqueestoudizendoisso,maseuachoquevocêdevedaroutrachanceaele–
Gabycontinuou–Orostodele,aformacomoeleolhava.Haviamuitaemoção.Só...Eunãosei.Juliamordeuolábio.-Então,ondeeleestáagora?-Nãotenhoideia.Elevaivoltar.Vocêquerfalarcomele?-Não sei. – Julia engoliumetade da sua lata de cerveja antes de olhar ansiosamente ao redor.
SilkeeDonnaestavamcaminhandoemdireçãoaelas.-Vocêestavaótima!–DonnaexclamouaJulia.–Quemescreveuaquelamúsica?-Fuieu.-Mentira!Sério?Vocêdeveriagravá-laumdia.EuacomprarianoiTunesnahora.Silkeconcordavaveementementecomacabeça.-Voutefazerpresençaconstantenasminhasfestas.Aplateiaamouseupequenoespetáculo.Asquatrogarotassesentaramnascadeirasdeplásticoaoredordafonte.Michaelnãoestavaem
partealguma.-Quepingenteéessequevocêestáusando?–Gabyperguntoucuriosa,apontandoparapequena
bolinha de plástico colorida que estava pendurada numa corrente ao redor do pescoço deSilke. –Temcontasdentrodessabola?
- Não. São sementes de sorveira secas. A sorveira é a minha árvore de proteção celta. Todomundo temumaárvoredeproteçãoassociadaaoseudiadeaniversário,deacordocomosistemaanualdruidadetrezemeses.
-Temumamais.–Donnaobservousecamente.Silkeriu.- Eles usam um calendário lunar, por isso treze meses. É por isso que a astrologia deles é
diferentetambém.OinteressedeJuliafoidespertado.-Queárvoreéaminha?Meuaniversárioénocomeçodemarço.- O freixo. A árvore feiticeira. Você é uma sonhadora criativa com uma tendência a fugir do
mundoreal.Evocêsecomunicacomanatureza.Gabyriu.-EssesdruidasconhecemmesmoaJulia.Eeu?Começodeabril?- A amieira. A pioneira. Você não se importa com a opinião das outras pessoas e segue seu
própriocaminho,mesmocercadademuitosamigos.-Issoémuitolouco–Gabymurmurou–Eassustador.Eurealmentesouassim.Vocêtemalgum
livroquepossameemprestar?Vocêmefezvirarfãdosdruidas.JuliaselembravadodiadoaniversáriodeMichael.-Qualéaárvorede trêsde julho?–eladisparousempensar.Gabyadeuumacotoveladanas
costelas.-Ah,estaémuitoboa–Silkerespondeucomumsorriso–Narealidadeéaárvoreapartirda
qualosdruidascomeçaramaserchamadosassim:ocarvalho.
Repentinamente,JuliateveumflashbackdeMichaeldeitadosobaárvorenobosque,suacabeçasobreumapoçadesangue.Oseuolharquandoacordoueareconheceu.Aquiloafezarrepiar.Elanãoconseguiadizerporqueaquiloeraestranho,masera.Erabizarro.
-Não consigo enxergar qual a relação entre o carvalho e os druidas –Donna disse comumacareta.
-Onomeceltaparacarvalhoéduir.Éapalavradeondeonomedelesderiva.Etantoéassim,queapalavra tambémquerdizerporta,umavezqueelesacreditavamqueocarvalhoeraaportaentreesta e a outra realidade. Os druidas meditavam sob o carvalho para se comunicar com seressobrenaturais–Silke falava,claramentegostandodoque fazia.–Ocarvalhoéumsímboloparaalongevidadeerepresentaopoderdorelâmpago.
JuliaencarouSilke,surpresa.- Relâmpago? – mais uma vez ela não conseguia parar de pensar na tempestade que estava
acontecendoquandoelaencontrouMichael.- Sim. Carvalhos são geralmente atingidos por relâmpagos. O carvalho liga os poderes
vivificantes do raio e os poderes nutritivos da terra, abrindo umvórtice temporário ou umportalparaooutromundo,nodiadoSolstíciodeVerão.
- Ei, o jantar está servido, alta sacerdotisa! –Marco sorriu quando se aproximou do pequenogrupo,empurrandoa irmãdeformabrincalhona.–Eupossoverondeessaconversavaidar.Vocêquereupeguesuacapacomcapuzesuaequipe?
Silkedeuumtapanoombrodele.-Vocênãoentende.Julia tambémnãoentendia,maselasentiacomoseestivesseprestesadescobriralgo.Todasas
coisasqueSilkemencionava,emrelaçãoaohoróscopodeMichael,nãopoderiamsercoincidência.Assimque ela chegasse em casa, ligaria o computador e procuraria noGoogle por alguma coisasobreosistemadecrençasceltaseosditospoderesdocarvalho.
Umanovafornadadehambúrgueresepãesfoicolocadonamesa.-Vocêpodemefazerumcommuitocatchup?–JuliapediuaGaby–Euprecisorealmenteusaro
banheiro.Jávolto.Ela correu para dentro, passando pelo piano emarchando até o corredor, onde ela felizmente
encontrouaportadobanheiroemuminstante.Depoisqueacaboudeusá-lo,elapegouocelulareescreveuparasimesmaumanotasobreoqueSilkehaviadito,antesqueelaesquecessedosdetalhesimportantes.Maistardeseriaahoradecaçarmaisinformações.
Perdida em pensamentos, Julia caminhou até a cozinha para lavar as mãos, mas paroubruscamentequandoviuMichaelsentadonamesadacozinha.Eleestavadecostasparaela,massevirouquandoeladeuumpassoparatrás.
-Oi–eledissebaixo.Juliaficouparadaquandoeleselevantouecaminhouparapertodela.-Oi–elarespondeu,quandoselembroudecomousarnovamentesuavoz.Eleparecianormalerelaxado.Certamente,estecaraqueestavasempretãoconfortávelconsigo
mesmo,nãopoderiaterchoradocomsuamúsica.Gabydeviaestarvendocoisas.-Vocêtocoulindamente–eledissenaqueleinstante,comoseestivesselendoamentedele.–Que
músicaeraaquela?-Eraminha.Eleconcordou,umsorrisoseespalhandoporseulindorosto.-Euouvi.Repentinamente,algodentrodelaseabriu.Eleestavafazendodenovo:falandocomelacomose
ele a conhecesse há anos. Usando aquele tom confiante que sugeria que eles tinham uma históriainteirajuntos.Maselesnãotinham.Eeraculpadele.
-Euescreviparavocê.Vocêtambémpodeouvirisso?–eladisse,zombandocruelmente–Apostoquevocêestáseperguntandocomoeporquê.Comoeupudesertãotediosamenteestúpidaapontodeescreverumamúsicaparavocêeporqueeumeapaixoneiporumcaracomovocêquedespedaçameucoração,pisoteiaospedacinhoseesquecedemimnaprimeiraoportunidade?
Umsilênciopairounacozinha.OrostodeMichaelhaviaficadopálido.-Julia–elemurmurou,ochoqueevidenteemseusolhos.Elabalançouacabeça,suasmãostremendo.-Parecomisso–eladisseríspida–Paredemeconfundirdessejeito.Paredemedartodaessa
atençãoquevocênãoachavaqueeumereciaantes.Porquevocêestáfazendoisso?Porquê?Sua respiração parou quando ele deumais um passo à frente, pegando-a em seus braços sem
dizernada.Seucorpoeraquenteeseusbraçosaoseuredoreramprotetoreseestranhamente, todasuaraivasedissipou.Seucoraçãodesaceleroumesmocomaproximidadedosdois.Eleexalavaumacalma que ela nunca havia sentido nele antes. Na verdade, ela nunca havia sentido esse tipo deinfluênciadeninguémantes.
Eraassimqueelasempretinhaimaginadocomoseriaestarnosbraçosdele,maselanuncahaviasentidoaquilo.Elahaviasentidoaemoçãodapaixãoentreelesalgumassemanasatrás.Masagora,elasesentiacuidadaemseusbraços.
-Nãosejaidiota–eladisparou,apesardoquesentia.–Medeixeir,Michael.Istoéconstrangedor.Suasbochechascoraram.Osbraçosdeleescorregaramsoltando-aeeledeuumpassoparatrás,
umolhartristeemseurosto.-Nãopossodeixá-lair–eledissebaixo–Porfavor,nãomepeçaisso.Antes que Julia pudesse responder sua declaração confusa, ele se virou e foi em direção ao
jardim.Timidamente, elaolhavaparaa sua figuraquediminuíanohorizonte.Oque, emnomedeDeus,estavaacontecendocomele.Aliás,oqueestavaacontecendocomela?Aformacomoelahaviarastejado para os braços dele, como seMichael a tivesse confortado daquela formamuitas vezesanteseentão,seusúbitoestalo,dizendo-oparaseafastar.Juliapodialiteralmentesedarumsoco.Elaestava se tornando a rainha dos sinais confusos: primeiro ao lidar com Thorsten e agora comMichael. E a cobertura do grande bolo do constrangimento era que ela deixou escapar que haviaescritoaquelamúsicaparaele.Ótimo!Excelente!
Comumsuspiroirritadoelasevirouecaminhouparafora,ondeGabyestavaesperandoporelacomumenormepontodeinterrogaçãoemseuolhar.
- Onde é que você se meteu, mulher? Eu estava quase chamando a polícia. Aqui está: seuhambúrguerfrio.–elaempurrouopratonadireçãodeJulia.
-É, eu sei.Desculpe.EuencontreioMichaelnacozinha.Nósmeioquebrigamosedepois eletentoumebeijarefazeraspazes,oualgoassim.
-Porquevocêsestavambrigando?-Nadaemparticular.Nãoquero falarsobre isso.–Juliaolhouparaooutro ladodogramado,
ondeMarcoeMichaelestavamconversandocomumoutrocaraqueelanãoconhecia.–Eufuifalarqueeuescreviaquelamúsicapraele–elamurmurou,apesardetudo.
Gabyolhouparaelapensativa.-Sabedeumacoisa?Paramim,pareciaqueelejásabiadisso.Sabe,porcausadojeitoqueele
ficouenquantovocêtocava.Talvezsejaporissoqueeleestavachorando,porqueelefoitocadopelaformacomovocêgostavadele...Ouaindagosta.Nãosei.
Juliabalançouacabeça.-Nãofazsentido.Elenãotinhacomosaberdisso.Vocêéaúnicapessoaquesabiaqueeuescrevi
aquelamúsicaparaele.Gabyalançouumolharbravo.
-Fazsentidosim.AlgomuitoestranhoestáacontecendocomMichael.Eupossosentir.Esim,eusei que você já tentoume dizer isso alguns dias atrás e eu não quis ouvir,mas eu não conseguiaacreditar.Desculpe.
-Semproblema.Euentendo.- E por falar nisso, você notou que o horóscopo celta do Michael tem vários elementos
relacionadosaoacidentedele?–Gabycontinuou,sussurrando–Sabe,orelâmpago,ocarvalho...-Notei, e estava pensando empesquisarmais sobre isso esta noite.Apesar de não saber se eu
deveria,depoisdetodaaquelacenanacozinha.-Claroquevocêdeveria.Vocêestácuriosa,admita.Querqueeuteajude?-Sim,quero.–Juliasorriuparaaamiga.–Obrigada.Depoisdojantar,elasdeixaramafestaparairàcasadeFlorian.Julianãoqueriagastarnenhum
minutoalémdonecessáriopertodeMichael.Eelateriaqueevitá-lonotrabalhoamanhã,também.-Voupagartudoadiantado–disseTamara.Todosestavamreunidosemvoltadocomputadorde
Florianparapreencherosdetalhesparaaspassagensaéreas.Comumlargosorriso,elamostrouocartãodecrédito.–Porfavor,mereembolsemassimquepossível.
-Que tipodequartovamos reservaremLondres?–Florianperguntou–Seráque reservamosaquelesquartoscomoitocamas?
-Vocênãopodeestarfalandosério–Gabydissefingindodesdém–Enósvamosterqueouvirvocêroncandoanoiteinteira?
-É,ouentãovocêconversandoemseussonhosmelosos–Tamaracantarolou–Ah,sim,Moritz,assim,nãopare...
AsgarotascomeçaramarireFlorianergueuoqueixodesafiadoramente.-Ótimo,façamcomoquiserem.Vocêsseacomodem.EueoAxelvamosficarjuntos.-OndeMoritzeabandavãoficar?–Axelquissaber.-Ah,emalgumlugarmaisluxuoso.Definitivamenteforadonossopobreorçamento.Florian se levantou e abriu as portas duplas que davam para o terraço no telhado, enquanto
Tamarafinalizavaasreservasdeleseimprimiaoscartõesdeembarque.-Vocêsvãoficarparatomaralgumacoisa?–eleperguntou.-Claro–Axelrespondeu.EleselevantouelançouumrápidoolharparaGaby,comquemainda
não tinha faladodiretamente, desde que ela e Julia chegaram. –Posso pegar algo para você,Srta.Melancólica?
Gabyergueuoolhar,despertando.-Ah,sim...Eugostariadeumacerveja,porfavor.Obrigada.Julia riu.Osimples fatodeGabynão ter ficadomal-humoradacomousodaqueleapelidopor
Axeleraprovasuficientedequealgoestavaacontecendoentreaquelesdois.-Porquevocênãopegaumaparamimtambém,jáquevaiatélá?–elagritouparaoprimo.Enquantoisso,Gabyhaviaseinstaladonocomputador.ElaabriuoGoogleedigitou"carvalhos
druidas" na barra de pesquisa. Quando Julia sentou no descanso de braço e olhou por cima dosombrosdela,suaamigahaviaacabadodeclicaremumlinkchamado“ÁrvoreMágica”.
-Uau–Gabyexalou–Vocêestávendo?Oscarvalhospodemviveratédoismilanosdeidade!Eelesrealmenteatraemraios,dealgumaforma.Olheaqui:omitológicoHomemVerdeinglêséumdeusdaflorestacomumrostoformadoporfolhasdecarvalho.–elaapontouàimagemnatela.
-Venhamaquifora,suasnerds–Axeldisseenquantocaminhavaatéelascomasbebidas.–Essahistóriadeficaremfrenteaocomputadorvaiacabarcomasvistasdevocês.
-Issoéformidável,vindodevocê.–Gabydisparou,levantando-seepegandoocopodecervejaqueAxelaentregara.–Vocêpraticamentemoranocomputador.
ElafoificandocadavezmaisvermelhaquandoAxelpassouumbraçoaoredordeseucorpoerespondeu:
-Aindaassim,nãoémotivoparaseguirmeumauexemplo.Venha,vamosláparafora.Euvoutirarvocêdepertodesseaparelhodomaletesalvar.
JuliaviuoolhardeGabyenãopodedeixardesorrirporseurostocorado.Eladespertouquandoseucelularvibrouemseubolso.Umolharnatelamostrouque,pelomenos,nãoeraMichael.Eraasuamãe.
-Oi,mãe.Tudobem?-Oiquerida.Quehorasvocêvaivoltarparacasa?-Umasnove,euacho.Porque?–asuamãepareciaumpoucoansiosa.-Ah,nãoénada.SeupaiacaboudeligareAnneestavanoquartocomigoquandocomeçamosa
discutirnotelefone.Elasaiu.Euachoqueelafoiparaobosqueporqueabicicletadelasumiu.-Euvouchegaraídaquiapouco.Nãosepreocupe.–Juliadesligou,suspirando.Annenãolidava
comconflitosmuitobem,eeraaindapiorquandoaconteciaentresuamãeeopaiausente.Elaestavachateada,semdúvida,entãoelahaviacorridoparaaflorestaparaespairecer.Aesserespeito,Anneeraparecidacomela.Suamãeestavaprovavelmentesesentindoculpadanaquelemomento.
-Voudarumasaidinha–elaanunciouaosamigosno terraço.–Vou terque irajudaraminhamãe.
-Querqueeuvácomvocê?–Gabyperguntou.-Sim!–aatençãodeJuliafoiatraídapelositequeGabyhaviadescoberto.Elaqueriaexplorá-lo
quandoestivesseemcasa.–Vocêvaidormirlá?-Boaideia!Jáfazumtempodesdeaúltimanoitedopijama.Naluzdosolquelentamenteseafundavanohorizonte,Juliacaminhouatéabeiradadoterraçoe
olhouparaorioSalzachláembaixo,quepassavapelacasa.Atrásdesi,elaouviuTamaraeFlorianrindo alto eAxel animadamente contando alguma de suas piadas. Ela tentou imaginarMichael nomeio do seu círculo de amigos e depois o substituiu por Thorsten. Claro, era um exercício semsentido.ElasabiamuitobemqueThorstenseencaixariaperfeitamenteali.Eaindaassim,dealgumaforma,elanãoconseguiaseconvencerafazeressaescolha.
Gabysejuntouaelanoparapeito.-Vamos?–elaperguntou.-Sim,vamos.Euquerochegaremcasaantesdeescurecer.-Tamaraacaboudeseoferecerparanosdeixarládecarro,parapodermospassarantesnaminha
casaeeupegaralgumasroupasparapoder ir trabalharnaescoladeequitaçãoamanhã.Vocêsabe,calçasquenãovoumeimportardeficaremsujasdecocôdecavalo.
- Pobrezinha. Ah, bem, eu imagino o que deva ser pior: cocô de cavalo ou Michael. – Juliarevirouosolhos.–Falandonele,vamosveroquemaisconseguimosencontrarsobreosceltaseseushoróscoposdeárvoresestanoite.
Gabiriu.-Muitoprovavelmentevamosdescobrirquetodasaspessoascomcarvalhosemseushoróscopos
sãoidiotasarrogantes.Quinzeminutosdepois,TamaraencostouemfrenteàcasadeJulia.QuandoJuliasaiudocarro,
elaviuamãeempénoportão,olhandoparaaruaemambasasdireções.OrostodaSra.Guntherseiluminouquandoviusuafilhamaisvelha.-Oi,querida.Fiqueifelizquevocêchegoucedoemcasa.Anneaindanãovoltoueelanãoestána
casadeSabinetambém.OtomgraveepreocupadonavozdesuamãenãopassoudespercebidoporJulia.Elatrocouum
olharcomGaby.
-Nósvamosprocurá-lanafloresta–aamigadisse,decidida–Vamos,vamosdebicicleta.Elascaminharamparaogalpãoepegaramasduasbicicletasestacionadasali.Julianãoconseguia
tiraracaretadeseurostoenquantodirigiaparaoslimitesdafloresta.-EuvouterumaconversasériacomaAnne–eladisse,severamente–Elanãopodefazerisso.
Ela não pode simplesmente sair de casa e ficar fora por horas e deixar a minha mãe doente depreocupação. Minha mãe já se sente uma péssima mãe, porque não consegue fazer o meu paiaparecerporaquicommaisfrequência.Elanãoprecisademaisessa.
Quando elas chegaram ao limite da floresta, as garotas desceram das bicicletas. Juliahesitantementeolhouparaocaminhodafloresta,quecorriaentreasárvores.Nãodemorariamuitopara que o bosque estivesse totalmente escuro. Será que a Anne realmente se aventuraria por alicompletamentesozinha?Elanãoconseguiaimaginaraquilo;suairmãeramuitomedrosa.
-Seráquedevemosgritarporela?–Gabysugeriu,parecendoumpoucoperdida.Juliaconcordou.-Anne!–elagritoucomtodasassuasforças.–Ondevocêestá?-Anne!–Gabygritouemoutradireção.–Venhaparacasa!Paraograndealíviode Julia,não levoumaisdoqueumminutoparaqueumapequena figura
humanadirigindoumabicicletaaparecesseemumacurvadaestrada.ElacutucouGaby.-Láestáela.Assim que Anne parou em frente a elas, Julia passou os braços ao redor da sua irmãzinha.
Repentinamente,elanãoconseguiuficarmaisbrava.TudooqueelasentiufoiumaimensagratidãoporAnneestarlá.
-Oqueaconteceu?–elaperguntougentilmente,acariciandoocabelomaciodeAnne.-Elesestavambrigandodenovo–Annerespondeubaixinho–Eunãoqueriaouviraquilo.-Amamãeestátriste.Vocênãodeviaterficadoforatantotempo.-Eusei.Desculpe.Eunãosabiaoquefazer.-Bem,estamosfelizesquevocêestáaqui–Gabydissedocemente,colocandoumamãosobreo
ombrodagarotinha.Elasvoltaramasubiremsuasbicicletas.-Então,paraondevocêfoi?–Juliaperguntoucuriosa.Annepermaneceuquietaporuminstante.-Nãovoufalar–elarespondeuresoluta,dirigindoparalongedeGabyeJulia.Juliaolhoupara as costasdeAnne, piscandoespantada.Aquela erauma reação estranha.Anne
poderiaterditoapenasum“poraí”,sequisessetersoadovaga,maselanãodisse.Talvezelativesseumlugarespecialnaflorestaquenãoqueriaqueninguémsoubesse,assimcomoela.
Julia suspirou. Seu próprio lugar especial havia perdido muito de seu brilho: o acidente deMichaelhaviaacontecidopróximoaocarvalho,ealémdisso,suaárvoredeabraçarvinhaparecendomoribunda.Estavaprovavelmentedoente,ou talvez,haviasido fortementeatingidaporumraionatempestade, como no mito druida. Seus pensamentos voltaram para as histórias de Silke e ainformaçãoqueGabyhaviaencontradoonline.Erahoradefazerumaspesquisasquandochegassememcasa.
SuamãepuxouAnnepara dentro, comummisto de alívio, indignação emimos.Gaby e Juliapegaramsalgadinhoserefrigerantedoarmárioedesapareceramparaoandardecima,paracolocarocolchãoextranoquartodeJuliaeligarolaptop.
-AsdetetivesdoGoogleestãoprontas–Gabydeclarou,clicandoduasvezessobreo íconedoFirefox.
Nãodemoroumuitoparaqueelaencontrassenovamenteositequehaviamvistomaiscedo.Elascontinuaramaler,cativadaspelasmuitashistóriasqueowebsite trazia.Haviainformaçãosobreos
velhos carvalhos nomundo, o significado do carvalho nas diferentes culturas, além de um longoparágrafosobreosdruidasesuastécnicasdemeditação.OsolhosdeJuliasearregalaramquandoelachegouaumainformaçãofamiliar.
-Ei,veja,issoéoqueaSilkenoscontou.–elaapontouparaatelaeleuemvozalta.–Ocarvalhoconectaofogocósmicodoraiocomospoderesdaterra.Alémdisso,opoderdestaárvoreabreumportalparaospoderessobrenaturaisnodiadoSolstíciodeVerão.
-Solstício–Gabymurmurou,rolandoparabaixo.–Queéem...Deixe-meprocurar.Ah,aquiestá.Juliaficouboquiabertadiantedatela.Elanãoconseguiadizerumapalavra.Incrédula,elaencarou
atabeladosferiadosceltasnatela.Osolstíciodeverãoeranodia21dejunho.OdiadoacidentedeMichael.
7.-Équasecomoseeletivessetrazidoalgodevoltacomele,quandorecobrouaconsciência.–Juliaestavasentadanacama,mastigandoalgumasbatatas.
-Algo?–Gabydisparou.Julia ficou paralisada. Ela pareceria lunática, mas ela simplesmente tinha que tirar aquilo da
cabeça.-Sim.Algodeoutromundo.Umestranho tipode energia.Parece quehá algum tipode força
sobrenaturalotransformandopordentro.Talvezsejaporissoqueelesobreviveuaoacidente.Gabyolhouparaela,pensativa.-Então toda aquela saga celta sobreo carvalho e a forçado relâmpagopoderia realmente ser
verdade?-Nãofaçoamínimaideia.–Juliaencarouateladeseulaptop,agoradesligado.–Euseiqueos
druidaseramtidosemaltacontaemtemposantigos,entãoelesnãopodemtersidototalmenteloucos.Masissocertamentepareceumaloucura,euadmito.
-LoucuracomLmaiúsculo.–Gabyconcordou.–AlgoestranhoestáacontecendocomMichael,entretanto.Atéeupossoverisso.
Juliarespiroufundo.-Omaisestúpidoéqueeuqueroqueelemenote,enquantoaomesmotempoeunãosuportoo
fatodequeeleestáfalandotãodocementecomigo,fingindoquesomosamiguinhos,comosenadativesseacontecido.Querodizer,quenadafazsentido.Elenemmesmosedesculpou.
Elaserecordoudaestranhaconversanalivraria.OquefoiqueMichaelhaviaditoaela?"Sintomuitoqueeleatenhamachucadodestaforma."Eleestavafalandodeseuantigosercafajeste?Elanãoconseguiaentende-lo.
Naquelanoite,Juliasonhoucomalivraria.Michaelficavaaparecendoondequerqueelafosse,apesarde todasassuas tentativasdeevitá-lo,eThorstenestava lá também,querendocomprarumavelha enciclopédia a qualquer custo. Quando o despertador a acordou, ela sentia tudo, menosdescanso.Eracomoseelajátivessetrabalhadoanoiteinteira.
Aindameiosonolenta,elasearrastouparaobanheiroparaumbanhorápidoecaminhoudevoltaparaoquartoparaacordarGaby.
AportaparaoquartodeAnneestavaentreabertaequandoelaolhouparadentro,JuliaviuAnnesentadaemsuaescrivaninha,escrevendoalgoemseudiário.Elaempurrouaportaparaentraredarumrápidoabraçoemsuairmã.
AcabeçadeAnneseergueueelarapidamentefechouoseudiário.-Vocênãosabebater?–eladisse,asperamente.-Comoéqueé?–Juliaolhouboquiabertaparaairmã.–Porqueaformalidade,tãoderepente?
Seráqueeudevomarcarumareuniãodapróximavez?Annepuxouodiárioemsuadireçãoeoapertouaopeitocomoseelecontivesseumapilhade
notasdecemeuros.-Desculpe–elamurmurou–Vocêmeassustou.Euestavadistraídaescrevendo.-Ah,issoémuitobom!Vocêvaiescreverumahistória?Annedeudeombros.-Talvez.Masvocêsóestáautorizadaalerquandoestiverpronta.Juliariu.-Sim,sim,euseicomoé.Igualàsuacasanaárvore,nãoé?Vocêestátestandominhapaciência,
garotinha.
Annetinhaumolharestranho.-Sim,exatamentedesse jeito.Desculpe.–elaabriuagavetade suaescrivaninhaeempurrouo
diárioparadentro.–Vamostomarcafédamanhã?-Hmm.–Juliamurmurou.Anneestavasecomportandodeumjeitoesquisitoháalgumtempo,ou
talvez ela estivesse apenas tendo dificuldades para se adaptar. Sua irmãzinha estava crescendodepressaecomeçandoadesenvolverumafortepersonalidade.Elaprovavelmenteficariaaindamaisteimosaquandochegasseàpuberdade.
GabyestavaacordadaquandoJuliaentrounoquarto.-Ei–eladisse–Vocêdormiudireito?Ficourolandopraláepracáanoiteinteira.-Sim,dormibem.Massonheibastante.-VocêdisseonomedoMichaelalgumasvezes.-Oh.–Juliafezumacareta.–Sim,devoterfalado,mesmo.Elemeperseguetantoquenãome
deixaempaznememsonho.Gabycomeçouarir.-Evocêachaissoruim?–elapiscouexageradamente.-Claroqueeuachoissoruim!Euquerosaberoqueestáacontecendocomeleantesqueeupossa
mealegrarcomofatodequeeleestámevisitandoemsonho.Quandoelasdescerameforamparaacozinha,amãedeJuliahaviaacabadodecolocarumprato
comtorradaseumagrandevasilhadeovosmexidosnamesa.-Mãe,vocêédemais.–Juliaagradeceu.–Estamosfamintas.Gaby e Julia começaram a devorar seu café-da-manhã. Anne estava empoleirada na ponta do
bancodacozinhalendoumexemplarantigodeHarryPotterenquantocomiaumabanana.-Amamãevaimelevaraocinemadepoisdecafé-da-manhã–elaanuncioualegremente–Elavai
trabalharnoturnodatarde.Julia lançouumolharquestionadoràmãe,que tinhacaradequemqueria fazeraspazes.Anne
talvezaindaestivessechateadapelabrigadeontem.Talvezelaestivesseescrevendosobreissoemseudiário.
Depoisdo cafédamanhã, asduasgarotas caminharamatéopontodeônibus.Elas tomaramomesmoônibusnaprimeirapartedaviagem,masdepoisdealgumasparadas,Gabytevequemudar,parachegaràescoladeequitação.
-Mantenha-meinformadasobreodesenvolvimentonotrabalho,ok?–elasorriumaliciosamente.–QuerosabercomooMichaelvaisecomportarcomvocêhoje.
Juliarevirouosolhos.-Podedeixar.Divirta-setirandoestrumedosestábulos.SeuestômagocomeçouarevirardeumjeitoestranhoquandooônibusseaproximoudaCidade
Velha.Juliadesceuecaminhouhesitanteparaalivraria.NaentradadaHöllrigl,Donna,SilkeeMarcojáestavamesperandoalojaabrir.Nenhumsinalde
Michael e Julia suspirou aliviada. Ela secretamente esperava que ele não aparecesse naquele dia.Talvezestivessedoente,outalvezeletivessedecididopedirdemissão.
-Olá–Juliacumprimentouoscolegas–OMartinaindanãoabriualoja?Silkebalançouacabeça.- Ele acabou de ligar para oMarco para nos avisar que se atrasará. E bem, ninguém vai sair
quebrandoasportasparaentrarecomprarlivrosnasegunda-feirademanhã,dequalquerforma.Depoisdedezminutos,MartineMichaelviraramaesquina.Juliagemeuinternamente.Entãoele
vinhasimtrabalharhoje.-Desculpe–Martindisse,ofegante–Nãoestoudandoumexemplomuitobom.Porém,ébomver
quepelomenosvocêstodoschegaramnahora,comodeveriam.
MarcotossiualtoeapontouumquaseimperceptíveldedoaMichael.-Exceto alguns. –Martin acrescentou sorrindo.Ele destrancou a porta e eles entraram, umde
cadavez.NãodemoroumuitoparaMartin dar uma tarefamatinal a cadaum. Julia foi designadapara o
estoque, com uma lista de títulos que seu chefe queria que ela colocasse em promoção naquelasemana.Eraumatarefaqueelapodiafazersozinha,oqueadeixavaagradecida.Pareciaqueelateriaumamanhãtranquila.
Cantarolando uma melodia feliz, Julia andou pelos corredores verificando as prateleiras embusca dos títulos que Martin queria que ela selecionasse. A lista continha algumas coletâneas depoemas que eram para serem vendidas com cinquenta por cento de desconto, o que era uma boanotícia para ela: ela colocaria alguns de lado para que pudesse comprá-los antes que os clientesnormaisdaHöllrigltivessemachancedepegar.
Juliaestavaocupadaclassificandoumapilhaderomancesquandoouviuumalevebatidanaporta.Quandoelaseabriu,Michaelestavaempénasoleira,sorrindoparaela.
-Martinquersabersevocêprecisadealgumaajuda–eledisse.Elarapidamentebalançouacabeça.-Não,estoubem–elarespondeusecamente.Imperturbável,eleentrounoestoque.-Bem,estámeiotranquiloláembaixonomomento.Porquenãoteajudoumpouco?Seeuleros
títulosdalista,vocêpodeprocurá-losepegá-losdaprateleira.Vaiserbemmaisrápido.Suprimindo um grunhido, Julia ficou de pé. Manhã tranquila? Que nada! Agora ela ficaria
constantemente preocupada com o fato de ele estar no mesmo ambiente, esperando que ele nãopuxasseoassuntodoencontroestranhonafesta.Elesdeveriamterchamadoaquelediadesegunda-feiradataxaçãomental.
Michaelsesentounobanquinhopertodaporta,pegandoalistadochão,nocaminho.-HermanHesse,TheSongofLife–eledisseemvozalta.JuliarapidamentesedirigiuàseçãodaletraHeprocuroupelotítuloqueMichaelahaviadado.
Ele leu vários outros e ela os procurou damesma forma, sem trocar uma só palavra com ele oumesmoolharemsuadireção.
Quando ela se virou porque ele ficou em silêncio por alguns instantes, ela viu que ele haviacolocadoalistadeladoeestavaolhandoapilhadelivrosqueelahaviaseparadoparasi.
-Estessãomeus.–eladisparouinvoluntariamente,comoseeleestivessetentandoroubá-losdela.MichaelKolbelendopoemasparasedivertir?Dejeitonenhum.
-RainerMariaRilke–eledisse,olhandofascinadoparaolivroemsuasmãos.–Nãooconheço.–eleaentregouacoletâneadepoemas.–Ei,porquevocênãopegaessespoemasparalerparamim?Apostoquevocêéboanisso.
Juliaergueuumasobrancelha.-Penseiquevocêtivessevindoatéaquiparameajudarparaquetrabalhássemosmaisrápido.Eledeuumsorrisotortoeseucoraçãoperdeuocompasso.-Ah,vamos.Vivaumpouco.Umpequenointervalonãofarámal.Ela bufou nervosa e se sentou no chão ao lado do banco em que Michael estava sentado.
FolheandoaspáginaselaescolheuumpoemaaleatórioeacaboulendoovigésimoquintoSonetoaOrfeu.
Masati,queeuconhecia,atiqueroagoraComoaumaflordequenemseionome,Lembrarmaisumavezpratemostraraosoutros,Roubada,belaamigadoinvencívelgrito.
Elaleucomumavozquesumiaacadaestrofe.Julia sentiu o calor subir às suas bochechas.De alguma forma, aquele poema parecia que era
sobreeles.Elaohaviaamadocomoumaflorsemnome,porqueelanãotinhaideiadequemelehaviasido.Elaestavaprocurandolembrardasuaimagem,seapegaraumamemóriadeumcararomânticoemisteriosoquenemmesmoera real.Eclaro, elehaviaquase sido roubadomuitocedo, alémdadescriçãoda“belaamigadoinvencívelgrito”pareciaseadequarperfeitamenteaele.Queironiadodestinoahaviafeitoleraquelepoemaparaele,dentretodosossonetosnomalditolivro?
Eentão,elecolocouumamãoemseuombro.Elaergueuosolhos,comoumcervopresoemumaarmadilha,suafacequeimandoquandoosolhosdeleencararamosdela,avaliandoseuspensamentos.
-Sobreoqueéestepoema?–eledisseemumavozobscura.Ah,não.Michaelestavaentendendo tudo.Elepodiasentirqueessepoemaa lembravadele.Ele
deviasaberqueaestavadeixandonervosaequeelanãotinhamaiscertezaseconseguiriaresistiraosseusencantos.
-Eu...Eunãosei–elagaguejou–NãosouespecialistaemRilke.Elebalançouacabeça.-Querodizer,oqueessepoemasignificaparavocê–elemurmurou.Juliaengoliusecoquandoelefoiemsuadireçãoeaenergianolocalsetransformou.Ficarali
seriamuitoperigoso;elatinhaquesairimediatamente.-Eu, é, não tenho certeza – Julia disse, fechando o livro abruptamente. –Hã,me desculpe, eu
precisobeberalgo.Minhagargantaestáseca.Ela se levantou apressadamente, atirando-se porta afora sem esperar resposta. Com o coração
martelando,elacruzoucorrendoatéa saladedescanso.OspassosdeMichaelecoavamatrásdela.Ofegante,elafechouaportaeencostounobalcãodacozinhanocantodireito,asmãostrêmulas.
Masentão,aportaseabriunovamente.JuliafoiparalongedeMichael,queestavaindoemsuadireção.
-Váembora–eladisseentredentes.Ele parou em frente a ela, seus olhos pedindo algo para o qual ela não tinha resposta. Sem
palavras,eleergueuumamãoegentilmenteacariciouoseubraço.-Estoufalandosério–Juliadissecomavozrouca–Medeixeempaz.Ele chegou ainda mais perto se inclinando em sua direção, seu corpo a empurrando para o
balcão.Sua respiração se acelerouquandoMichaelusou suaoutramãopara acariciar suas costas,descansandoosdedoslogoacimadocóccix.
-Nãoposso–elerespondeuparecendodesesperado.Eleahaviaditoamesmacoisanafestaontem,eaindaeraalgoestúpidoeinexplicável.-Porquenão?Michaelrespiroufundo,encarando-aaalgunscentímetrosdedistância.-Porqueestouapaixonadoporvocê–eledissefirme,masemvozbaixa.Aquiloeraloucura.Elerealmentepensavaqueelacairianamesmaarmadilhaduasvezes?Julia
balançouacabeça,inexpressiva.- Eu... Eu não acredito em você – ela sussurrou de modo quase inaudível, as lágrimas se
acumulandoemseusolhos.Ela tinhaquedizeraquiloaele,porqueela tinhaqueseproteger,masqueriamuitoacreditarnele.
Michaelpegouseurostocomasduasmãos,limpandoumalágrimasolitáriaquecorriaporsuabochecha.
-Desculpe–elemurmurou.Eentãoabeijou.Muito,muitosuavemente,elebeijouseuslábios.Eraumcarinhotãoinseguro
que mal poderia ser considerado um beijo, mas o corpo de Julia implorava pela diferença: ela
respondiaaoseutoquecomoagasolinarespondeàchama.Asuamenteestavatentandosersensata,masoseucorpo,definitivamentenão.Umruboriluminousuafacequandoelaavidamenteobeijoudevolta.Quandoelaoouviugemersuavemente,ficouaindamaisanimada.
Tudopareciaperfeito.Aquele simeraobeijoqueela sempre imaginounosdiasemquehaviafantasiadocomMichael.Elacolocouosbraçosaoredordocorpodeleeopuxouparamaisperto.Senti-lotãopertoeramuitobom.Quandoeleaapertoueretribuiuseusbeijosardentescomamesmapaixão,Julianãoteveescolhaanãoseracreditarqueeleestavafalandoaverdade.
Pormais confuso que estivesse, ele estava realmente apaixonado por ela.Aquilo era real. Elapodiasentirpelasbatidasdeseucoração,aformacomosuasmãosquentesegentisaacariciavam,atensãoentreosdois.Elanuncahaviasesentidoassimantes,nemmesmoduranteaquelanoitenacasadele.
ArespiraçãodeMichaelestavaentrecortadaquandoelefinalmenteseafastou.Eletocousuafaceesorriu.
-Tenhoalgoparavocê–eledissecomavozbaixa,puxandoumpapeldobradodobolsodasuacalça.
Juliaopegou,olhando-osementender.-Oqueéisso?-Euescreviparavocê.Ontemànoite.–Michaeltimidamenteolhouparaochão.–Éumpoema.-Paramim?– Juliao encarouboquiaberta.Emqualuniversoparaleloumcara comoMichael
escreveriaumpoemaparaela?Aquilosópodiaserumsonho.ElanãohaviaacordadoeGabylogoabaterianacaracomotravesseiro,paratirá-ladoPaísdasMaravilhas.
-Esperoquevocêmedêahonradelê-lo.Eununcaescrevinadaparecidoantes.O tremor inseguroemsuavoz fezocoraçãode Juliaderreter.Seaquilonão fosseumsonho,
então,definitivamenteeraumsonhorealizado.-Claroquevouler–eladisseapressadamente.–Sóestou...Sempalavras.Honestamente,eunão
seioquedizer.Pelosanjosdocéu,eleahaviabeijado,pedidodesculpaseescritoumpoemaparaela.Nãohavia
palavrasquepudessemdescreveraquilo.A conversa particular deles foi interrompida porMartin que chamava porMichael do vão da
escada.-Kolbe!Vocêpodedesceraqui!Háclientesqueprecisamdesuaajuda.Michaeldeuumpassoparatráseabriuaporta.-Jáestouindo!–eledissedevolta,enquantosorriamaliciosamenteparaela.Juliasorriudevolta,encorajando-o.-Vai–eladisse–Vaifazerseutrabalho.Eobrigada.Conversamosmaistarde.A porta se fechou. Com os dedos trêmulos, ela desdobrou a folha, resistindo à vontade de
começar a ler imediatamente. Primeiro, foi até a chaleira elétrica, para fazer um chá para si.Enquantoseusaquinhodecháverdeestavamergulhadoemumacanecadeáguaquente,elaolhoudeladoparaopoemasobreamesa,seuspensamentosvoltandoparaobeijo.
Julia gentilmente apertou os lábios e repentinamente desejou que Michael não tivesse sidochamadoláparabaixo.Elanãoteriaseimportadodebeijá-lomaisumpouco.Mesmonãotendoideiado que havia provocado a sua mudança de personalidade, uma coisa era absolutamente certa: ossentimentosdeleeramverdadeiros.Elanãotinhamaisdúvidas.
Quandoocháficoupronto,Juliasentou-seàmesadacozinhaedeuumpequenogolenabebidaantesdepegarafolhaparaleropoemaqueMichaelahaviaescrito.
NofundoQuasetimidamente
EmumavozsuaveefinaEutechamoVocêpodemeouvir?EutocoodouradoalvorecerNociclodavidaEusouoanjoqueteacompanhaMinhacriança,minhaestrelaMinhaluz,meuamorVocêmefazverVocêpodemeouvir?Aslágrimasseacumulavamemseusolhos.Elehaviaescritoumpoemamaravilhoso.Eleafazia
sentir como se tivesse estado com ela pelas incontáveis horas que passava na floresta, lendo suamente enquanto ela sonhava e cantava e escrevia seus próprios poemas. Suas palavras eram tãoprofundasemísticas.Elatinhaquecontarparaamelhoramiga.Imediatamente.
QuandoSilkeinvadiuasala,Juliarapidamenteguardouopoema.-Ei,oquevocêestáfazendo?Jáestáfazendoumintervalo?-acolegaperguntou,surpresa.-Hã, sim. Eu estavamorrendo de sede, sabe? – Julia ergueu a caneca, explicativamente. –De
qualquerforma,jáestoudesaída.Tenhoumascoisasparaterminar.-Desculpe!Nãoqueriaexpulsarvocêdaqui–Silkefalou,enquantoJuliavoltavaparaoestoque.
Alémdeterminarasuatarefa,elaaindatinhaquepegarabolsanasala,porqueseucelularestavalá.Gabytinhaqueouvirasnovidades.
"PRECISOfalarc/vc.Mmebjouemeescreveuumpoema!!Vctemumtempohjànoite?bj"Demorouapenasumminutoparaarespostachegar."Q???TemosqconversarAGORA!Tevejodpsdotrabalho."Juliaguardouocelular,seucoraçãomartelandonopeito.Elanãoconseguiaafastarosentimento
de antecipação que percorria seu corpo.Apenasmais duas horas até o almoço. Será queMichaelfalariacomelae,sesim,oqueelefalaria?Oqueelafalaria?
-Ei,suaeremita!–Donnaenfiouacabeçaparadentrodasalaaomeio-diaemeia.–Vocêvem?Éhoradointervalo.
Julia se virou com dificuldade. Seus joelhos estavam doloridos de tanto se arrastar pelo chãoprocurandoporumlivronaseçãoR.
-Sim,jávou–elarespondeu,apesardenãoestarcommuitafome.Seuestômagoestavamuitoansiosoparaaquilo.
Caminhando lentamenteatrásdeDonna,elaentrouna saladedescanso,apertandosuamarmitacontraocorpo.Ládentro,Marco,MichaeleMartinhaviamocupadoamesapertodacafeteira.Silkeestavacolocandoumpoucodesuconobalcãoesevirouquandoasgarotasentraram.
-Oquevocêsmedizemdefazermosumamesaparanós?–elariu.–Euachoqueocontatoentrehomensemulheresnãoéencorajadonestalivraria.–elaapontouparaamesadoshomens.
Juliamordeuo lábio.SeSilke soubesseoquantoas coisashaviam ficado íntimasentre algunsfuncionárioshápouquíssimotempo...
-Talvezvocêestejatirandoasconclusõeserradas.–elacomentou–Particularmente,euacreditoqueapenasaspessoascomnomequecomececomMéquepodemsentarnaquelamesa.
Donnacomeçouarir.- Garota, você deve ter pirado lá dentro daquela sala de estoque, escolhendo livros a manhã
inteira.Vocêestáclassificandoaspessoasporletras,peloamordeDeus!Rindoeconversando,asgarotassesentaramnaoutramesa.JuliaolhouderelanceparaMichael,
queaseguiucomoolhar.Elalhedeuummeiosorrisohesitante,queofezsorrirlargamentedevolta.
Forçando-seapararderircomoumaboba,elalogosesentouparacomerseurocamboledequeijo.Seuapetitehaviavoltadoderepente.DonnaeSilkeestavamconversandosemparareelacomentavaalgo,vezououtra.
QuandoJuliaselevantouparapegarmaisumcopodesuco,Michaelfoiatéageladeiraeparouaoseulado.
-Quermeacompanharláfora?–elemurmurou,mostrandoummaçodecigarros.Juliaolhounervosamenteparaele.- Hã, sim, claro. – ela gaguejou. Ela não era verdadeiramente uma fumante, mas faria uma
exceçãoparaterachancedetê-losóparaelaporalgunsminutos.Ela colocou o copo na pia e seguiu Michael porta afora, ignorando Donna e Silke, que a
encaravam inquiridoramente.Comos joelhos trêmulos, eladesceu as escadas e foi emdireção aofundo da loja. Michael abriu a porta que dava para a pequena área que era usada para carga edescarga.
Juliahesitouquandoeleaofereceuomaço.-Naverdade,eunãofumo.–elaestavaenvergonhadadeconfessar.–Eufumeiaqueledianasua
casa,maseunãoestava,bem...–elaparou,procurandoaspalavras.–Eunãoestavasendoeumesma–elafinalmentefalou.
Agoraquehaviaditoaquiloemvozalta,elapercebiaqueeraverdade.Elahaviafingidoseroutrapessoanaquelanoite,apenasparaatenderàsexpectativasdele.
Michaelguardouoscigarrosnobolsodacamisa.-Parasersincero,eutambémnãoestoumaismuitoafimdefumar.–eledeudeombros.–Desde
oacidente.–elepassouumbraçoaoredordela.–Sóqueriafalarcomvocê.Juliadescansouocorpocontraodele,fechandoosolhosecurtindoomomento.-Euadoreiopoema–elamurmurou–Muitoobrigada.Eleergueuoqueixodelaeexaminouseurosto.-Vocêgostoumesmo?Vocêestá...Sendovocêmesmaagora?Juliacorou.Parandoparapensar,a formacomohavia tentadodesesperadamenteagraadá-lono
passadoerahorrível.-Sim,eugostei–elasussurrou.Elesorriudocementeparaela.-Ficofelizemouvirisso–murmurou,abaixandoacabeçaparabeijá-lacarinhosamente.Julia passou os braços ao redor de seu pescoço e retribuiu o beijo, seu coração batendo
furiosamenteenquantoasmãosdelepasseavampeloseucorpo,antesdepararememsuacinturaeapuxaremparamaisperto.Quandoeleatocava,eracomoseocorpodelaestivesseempazeàmercêdeumatempestade,tudoaomesmotempo.Eleaacalmavaeaconfortava,maseletambémadeixavaeufórica.Elaestavaprestesaimplorarpormaisbeijosquandoelesesoltoudeseuabraçoedeuumpassoparatrás.
-Achoquetemosquevoltarláparacima–eledisse,ligeiramentesemfôlego.-Umapena–Juliarebateu.Michaelpegouemsuamão.-Amanhãeuvouapenastrabalhardemanhã–eledisse,comumaesperançaevidenteemsuavoz.
–Evocê?Talvezagentepossasairàtarde.Iraoparqueoualgumaoutracoisa.Otempoestábom.Juliarepassouseuhoráriomentalmente.-Voupedir aoMartinparamudaraminha folgadequintaparaamanhã– respondeu, sorrindo
paraele.Elapodiajurarqueseucoraçãoexplodiriadealegriaeamor.Eleahaviachamadoparasair!Edaquelavez,elerealmentequeriairaalgumlugarenãoapenasficaremseuquarto,paraveratéquepontoascoisasiriamcomela.
Michaelsorriualegremente.-Esperoqueeledigasim–eledisse,comumbrilhoverdadeironoolhar,dandoaimpressãode
queeraaprimeiravezqueaestavaconvidandoparasair.O fato de que ele a havia dispensado depois daquele primeiro encontro parecia umamemória
distante,mas não completamente apagada damente de Julia: uma pequena pontada de insegurançaatravessouoseucoração.Elaaindanãoentendiaaquelamudançasúbitadecomportamento,masnãoeraumaideiamuitoboatrazeràtonaoassuntonaquelemomento.Elaperguntariaaeledepoisquetivessempassadomaistempojuntos.Ouelanemperguntaria.Eratambémperfeitamentepossívelqueele nem houvesse notado sua própriamudança de caráter depois de ter batido a cabeça e naquelecaso,ela teriaque ficardeboca fechadapara sempre.Ela teriaque seocupardeconheceronovoMichaelenãosepreocuparcomoantigo.
Quandoorelógiobateucincohoras,Juliadeixoualivrariaanimada.Tudohaviaacontecidodaformaqueelatinhadesejado:Martinconcordaracomatardedefolganodiaseguinte,eainda,haviaconseguidocompraroslivrosdepoemascomdescontos.Seuchefeahaviadadosessentaporcentodedesconto, ao invésde cinquenta.Agora, elapoderia lermaispoemasparaMichaelquandoelesfossemaoparquejuntos.Elanãoestavamaiscomvergonhadaquilo.
DonnaestavaesperandonopontodeônibuselaçouumolharalegreparaJuliaquandoacolegasesentouaoseulado.
-Então,horadeesclarecerascoisas.OndevocêeoMichaelforamnahoradoalmoço?-Láfora.Fumar.-Claro.Nãoacredito.Maseuapostoqueascoisasdevemterficadobemquentesentrevocês.–
Donnalhedeuumacotovelada.Juliariunervosa.-Estábem,vocêestácerta.Estárolandoalgoentrenós.Denovo.-Parecebom.ÉporissoquevocêimplorouaoMartinparatrocarsuafolga?-É.Vamosaoparqueamanhã.–elasorriuanimada.–Euaindanãoconsigoacreditar.Donnarevirouosolhos.-Vaihavermaterialcensurado,nãovai?Romancenotrabalho.Mammamia!Nãomefaçadesviar
oolharcadavezqueeuentrarnoestoqueevocêsestiveremfumando.-Vamosmanteracensuralivre,euprometo.Naquelemomento,oônibusdeJuliachegouaoponto.ElaacenouparaDonnaantesdeembarcar.
Como seuMP3 estava sem bateria, se distraiu lendo o poema deMichael várias e várias vezes eacaboupordecorá-lopoucoantesdechegaremBirkensiedlung.
Avizinhançaestavacalmae tranquila,muitodiferentedoburburinhodacidadedepoisdemaisumdiadetrabalho.OspássarosestavamcantandonasárvoresquecontornavamaruapelaqualJuliacaminhavaparachegaremcasa.
Quandoelachegouemsuarua,Juliadesacelerouopasso,umamúsicadeviolãoestavavindodoquintaldafamíliaEbner.Curiosa,elaenfiouacabeçapelacercavivaquecircundavaogramadodelese viu Thorsten sentado ali. Ele estava tocando uma lindamelodia em um violão clássico. Julia oouviu,prendendoarespiraçãoesearrependeuporterchegadotãopertoquandoeleergueuacabeça,parandodetocarimediatamente.
-Desculpeinterrompê-lo–eladisse,culpada.Thorstensorriu.-Vocênãoestáinterrompendo.Sónãoestouacostumadocomplateia.–eledeudeombros.-Vouembora,ok?–Juliamurmurou,maselebalançouacabeça.-Não,nãoestáok.Eunãoseriabobo.Venha,senteaomeulado.Talvezvocêpossacantaralgo.
Euaindanãotenhonenhumaletraparaacompanharaminhamúsica.-elegesticulouparaqueelase
sentasse.Juliaabriuoportãohesitante.Elahaviaentendidodireito?Thorstentinhamesmoescritoaquela
melodia? Aquilo era incrível. Ultimamente, ela vivia tropeçando em caras lindos e criativos quepareciamgostardela.
-Eunormalmentenãoescrevoletrasparaasminhasmúsicas,parasersincera.–Juliaadmitiuaosesentar.–Eunormalmentesótocomúsicasinstrumentaisnopiano.
Entretanto,quandoThorstenrecomeçouatocarsuamúsica,elasentiuainspiraçãoborbulhar.OpoemadeMichaelaindaestavaemsuamente,esempensar,elacomeçouacantá-lo,incorporandoaspalavrasnamelodiadeThorsten.Tudooqueela sentiaporMichael se afinavanamúsica e soavamaravilhoso,combinandocomodelicadodedilhardeThorsten.
Juliaoolhoufurtivamente,surpresa.Elanuncatinhapensadoquefazermúsicacomalguémseriatão simples. Quando ela cantou a última estrofe e a música acabou, olhou para ele. Thorsten aencaravaatentamente.
-Issoficourealmentelindo–eledisse,comavozentrecortada.Elecolocouoviolãodeladoeseinclinouparaela.–Vocêérealmentelinda–elemurmurousuavemente.
Porummomento,osdoisficaramparados.OcoraçãodeJuliaveioatéabocaquandoamãodeThorstentocouseupescoçoeeleseaproximouaindamais.Algoemseuestômagoseremexeu.Elasabiaoqueeleestavaprestesafazer,masnãopodiasemover,nãopodiafalarnãoparaele.
Ouseráqueelanãoqueriafalarnão?Elanãotevetempodepensarsobreaquilo.OslábiosquentesdeThorstenatingiramosseus.Julia
involuntariamente fechou os olhos e sentiu o calor irradiar da pele dele para a sua.O hálito delesopravasuavementeporentreseus lábiosentreabertoseseusdedosestavamenroladosnoscabelosdela,acariciandosuanuca.Eleabeijoudenovo,suavementeedepoisdeumjeitomaisapaixonado,deixando o gosto dele em sua boca. E então, ele vagarosamente a soltou e olhou dentro dos seusolhos,aalgunscentímetrosdeseurosto.
-Nãopuderesistir–elesussurrou–Vocêestavacantandotãolindamenteepareciatãoinocenteedoce.Vocêestavaangelical.
Julia devolveu o olhar, seu rosto queimando de vergonha. Ela tinha parecido inocente e doceporque tinhacantadoaspalavrasdeMichael.Porqueestavaapaixonadaporele.Eaindaassim,elahaviadeixadoThorstenabeijar,semfazerqualquerobjeção.Elanãohaviafeitonadaparaimpedi-lo.Oquediaboselaestavapensando?
Osilêncioestavaficandoincômodo.Elatinhaquedizeralgoaele.- Eu...Nãome importo – ela gaguejou, vacilando. –Não, não é verdade. Eume importo sim.
Querodizer...Umsorrisodivertidopuxouocantodoslábiosdele.-Como?Oquevocêquerdizer?Elamordeuolábio.-Eudeviaterimpedidovocê.-Sim,ok.Achoquevocêfalhou.–Thorstenriumaliciosamente.Juliacorouaindamais,eengoliuseco.-Eutebeijeidevolta?–elasussurrouquaseinaudivelmente.OsolhosazuisdeThorstenaencararameno silêncioque se seguiu, elapodiaouviro sangue
correndoemsuasveiasesentirasmãosdeleaindasegurandoassuas.-Paramim,pareceuquesim–elerespondeuemumavozbaixaeséria.-Desculpe.–elagaguejou.–Eunãodeveria.Eunãoqueriaqueissotivesseacontecido.-Vocêaindaestáapaixonadaporele?–Thorstenperguntou,transparecendodoremsuavoz.Juliaolhouincomodadaparaassuasmãossegurandoasdele.
-Vousaircomeleamanhã.Desculpe.Euhonestamentenãoseioqueestáhavendocomigo.Bem,estoudandoossinaiserrados.Eeunãodeveriaestarfazendoisso.Eu...
ElaparoudefalarquandoThorstentocousuabochechacomumamão.-Estátudobem.Euapegueimeiodesprevenida,acho.Apenasmedeixeserseuamigo,ok?–ele
beijouasuatestaeselevantou.–Divirta-seamanhã.Thorstenpegouoseuviolãoeentrouemcasaapressado.Juliasexingoumentalmente.Elaestava
sendoumavaca!Eraóbvioqueelaohaviamagoado,mesmoeledizendoqueaindaqueriaserseuamigo.Agora que ela estava saindode novo comoMichael, talvez fossemelhor evitá-lo por umtempo.Mascomoelafariaaquilo,seelemoravadooutroladodarua?
Sentindo-se farta, ela se levantou e se arrastou para fora do jardim. Claro, Gaby chegaria aqualquer minuto para ouvir tudo sobreMichael. Ela não tinha certeza sobre como incluiria esseepisódionoresumodoseudiacheiodenovidades,mesmoGabytendorecomendadoqueelasaíssecomosdoiscarasparadecidirdequalelagostavamais.
- Cheguei – ela disse, quando entrou em casa. Nenhuma resposta. A sua mãe ainda estavatrabalhando,eAnneprovavelmenteestarianacasadaavóoucomSabine.Juliafoiparaoandardecimaparatirarocolchãodeseuquartoeescreveremseudiário.
Depoisdecolocarocolchãodevoltanoarmáriodocorredor,elasentou-seemsuaescrivaninha,abriuagavetaepegouoálbumdefotosqueelausavacomoálbumderecortes, livrodepoemasediário.ElaqueriagrudaropoemadeMichaelali.AcançãoqueelahaviaescritocomThorstenestavatocandoemsuamente.
O olhar de Julia desviou-se para fora e parou na casa do outro lado da rua. Thorsten estavasaindo do galpão com uma pilha de pranchas de madeira nos braços, que ele colocou em umcarrinho puxado por sua bicicleta, conforme as instruções de Sabine. Ela sorriu. Então ele estavaajudandoasgarotascomoprojetodeconstruçãonobosquenovamente.Talvezeladevessepediraelemaioresinformaçõessobreacasanaárvore,paraqueelapudesseteralgumaideiasobrequandoAnneaconcluiria.
EnquantoSabineestavaocupadaprendendootraileremsuabicicleta,Thorstenergueuosolhosparaajaneladeseuquarto.Eracomoseeletivessesentidooseuolharsobreele.Eleacenoucomumsorrisoamigável.Juliaacenouvagamentedevolta.Seusolhosazuisclarosnãoareprovavameaindaassimelasesentiamal.
Pelocantodoolho,elapôdeverGabyvirandoaesquina.Rapidamente,elasaiudajanelaedesceuapressada,paraquepudessearrastaraamigaparadentrodecasaantesqueelaengatasseumalongaconversacomThorsten.Enquantoelacaminhavaemdireçãoàportadafrente,ouviuGabygritandoalgoparaThorsten,queaindaestavaajudandosuairmãzinha.ElaabriuaportadeumavezeagarrouobraçodeGaby.
-Ei,Gaby.Entraaqui.Gabyriu.-Morrendodevontadedecontarasnovidades,nãoé?–elaentroueabraçouaamiga.–Vamos
paraacozinha,Afrodite,paravocênosfazerumchá,abrirumpacotedecookiesemecontartudodeAaZqueaconteceuhoje.
Vermelha,Juliacontouparaamelhoramigatudooquehaviaacontecidonalivraria.Depois,eladeclamouopoemadeMichaeldecabeça.
-Que lindo. –Gaby suspirou. –Então você temumencontro amanhã.Nossa Jules, parece umsonho.
-É,parecemesmo.Algumasvezesparecequeestousonhando.Tudoaindaparecemuitosurreal.–elaencarouacanecaemsuasmãos,limpandoagargantaantesdecontinuar.–Ah,eeutambémcanteiumamúsicahoje.ComoThorsten.
Gabyergueuumasobrancelha.-Porquê?Éaniversáriodealguém?Juliatossiunervosamente.-Não,eleestavatocandoumamúsicanoviolãoquandoeupasseipelacasadeleejáqueestava
compondoamúsica,perguntouseeuqueriamejuntaraeleeajudarcomaletra.Enofinal,eleficoutãotocadopelaminhaperformancequemebeijou.
Suaamigaarregalouosolhos.-Comoéqueé?Sério?Eoquevocêfez?-Euachoqueeuretribuíobeijo.–Juliagaguejoucomorostocorado.–Eunãoqueria,mastodo
ogestofoitão...Tãogenuíno.UmsorrisodividiuorostodeGabyenquantoelapegavamaisumcookiedechocolatedoprato.-Nossa!EuestavacertaemchamarvocêdeAfrodite!Sério,Jules,beijardoiscarasnomesmo
dia?-Olha,nãoestoupensandoemfazerdissoumhábito.VousaircomMichaelamanhãeeu falei
issoparaoThorstentambém.Eunãoqueroqueelefiquecomaimpressãoerrada.Naquelemomentoelasouvirambarulhodechavesnaportadafrente.-Olá!–amãedeJuliaanunciousuachegada.–Estouemcasa.–elacolocouacabeçaparadentro
dacozinha.-Servus,Gaby.Vocêvaificarparajantar?Gabybalançouacabeça.-Não,eu...VousairparajantarcomAxelestanoite.Elemeperguntouseeuqueriaconhecero
novorestaurantemexicanodacidadeeelenãoconheceninguémquegostedecomidaapimentada,jalapeñoeessascoisas...Entãoelemeconvidou...Eeunão tinhanadamelhorpara fazer, entãoeupensei,edaí,sabe?Ealémdisso,eles temumatalpromoçãode inauguraçãoquevocêganhaduasentradaspelopreçodeuma,entãoéporissoqueelequismechamar,também.
- Certo. – a Sra. Gunther concordou lentamente com a cabeça, parecendo ligeiramentedesnorteada. Ela desapareceu no corredor, deixando as duas garotas para trás em um silêncioconstrangedor.
Gabyencarouamesa,umruboremsuasbochechas,atéqueJuliacomeçouarir.- Bem, obrigada pela claríssima explicação. O que você vai fazer em seguida, ler o cardápio
completo?Gabyficouaindamaisvermelha.-Ah,porfavor.Vocêmeentende,nãoé?Eunãoqueriatepassaraimpressãoerrada.-Ah.Queimpressãoerradaseriaessa?-Bem,vocêpensarqueéumencontro,oualgumacoisaassim–Gabymurmurou.-Não,porquevocêsaircomAxelseriaumacoisamuitoidiota.-Não!Nãoéissoqueeuquisdizer.Maseleéseuprimo,sabe.Eumbomamigo.–Gabypegou
outrocookiedopratoecomeçouacomercomoseasuavidadependessedaquilo.Juliariu.-Nãováestragarseuapetite.Afinal,vocêaindatemumcardápiointeiroparaexperimentar.Gabyaolhouameaçadoramente.-Paredemeassediar!Eusóestou...-Nervosa?Tensa?Feliz?Animada?-Deixapralá.Eununcamaistecontonada.Elasseentreolharamporummomentoeentão,explodiramemrisadas.Nahoraemqueamãede
Juliavoltouparaacozinha,aatmosferaestavabemmais leve.Gaby tinhaatémesmoprometidoaJuliaquemandariaumamensagemnodiaseguinteeacontariacomohaviasidoojantarmexicano.
Depoisdochá,JulialevouGabyatéaporta.-VocêpodepedirparaAnnevirparacasa?–suamãegritouparaelas.–Elaprovavelmenteainda
estácomosvizinhosdooutroladodarua.-Achoquenão–Juliadissedevolta.–AcreditoqueSabineeAnneestãoocupadasnobosque
novamente. Antes da Gaby chegar, eu vi Thorsten juntando umas pilhas enormes demadeira quecolocariamoTheHomeDepotnochinelo.
-Bem,vádescobrir.Vamosjantardaquiaalgunsminutos.Thorstendevesaberondeasgarotasestão.
Arrastandoospés,Juliaatravessouaruaparafazeroqueamãehaviapedido.AgoraelateriaquefalarcomoThorstendenovo.Ignorá-lohaviasetornadoumatarefaimpossível.
Para seu alívio, ela viu Sabine descendo de sua bicicleta e desenganchando o carrinho agoravazionojardim.
-Oi,Sabine–eladisse–AAnneestácomvocê?Agarotabalançouacabeça.-Acabeidedeixaralgumasmadeirasnolugarondeestamosconstruindoanossacasanaárvore,
maselajánãoestavamaislá.Elanãofoiparacasa?-Não.– Julia fezumacareta,desanimada.Eramuito legalqueAnnegostassedanaturezaede
ficarsozinha,maserairresponsabilidadesumirdaquelaforma.Elaestavaprovavelmentetentandoseinspirarparaescreverolivro,masaquilocertamentedeixariaamãenervosanovamente.
Juliapegouocelular.Annedeveriaestarcomocelulartambém,entãoerabomtentarligarparaela.Depoisdetrêstoques,otelefonecaiunacaixapostal,masnãodemorouparaAnneligardevolta.
-Olá.–avozinhadeAnneecooupeloalto-falante.–Estouindoparacasaagora.-Ondeasenhoritaestá?-Ah, nenhum lugar especial. Eu estava fazendo alguns rascunhos paraminhas histórias. Logo
estareiaí.Depoisdedezminutos,Anneapareceudebicicletanojardim.Juliaestavaesperandoporelana
porta.-Quebomquevocêestavacomseutelefone–eladisseseveramente–Vocênãodevefazermais
isso!Ficarforatantotempo,semdizeraninguémondevocêestava.Annedeudeombros.-Eunãoprecisofalaraninguémaondeeuvou.-Oqueéquevocêquerdizercomisso?-Nadanão–suairmãmurmurou.AnneempurrouJuliaparaoladoeatravessouocorredoracelerada.Julialançouumolharbravo
aela.Elanãoconseguiaacreditarnoquetinhaouvido.Claro,SabineeAnnequeriammanteracasaemsegredoeapenasmostraràsfamíliasquandoestivessetotalmenteconcluída,masaquilonãofaziasentido.DeagoraemdianteelasecertificariadequeAnneadissesseexatamenteondeestavaindo,ousuasviagensaobosquechegariamaofim.
Amãedelasestavacheiade trabalhoenão ficavamaisdeolhoemAnne, sua irmãzinhapodiafazerpraticamentetudooquequisesse.Quandoelaerapequena,elanãopodianemsonharemfazercoisascomoaquelas.Claro,opaiaindaestavaláparadividirasresponsabilidades.Emgeral,ofilhomaisnovodafamíliaéconhecidoporpoderfazermaisqueosoutros,masaindaassim.Aquilonãopareciacertoparaela.
Comumsuspiropesado,Juliafoiparaacozinhaprepararojantar.Eraasuaveznaquelanoite.
8.Namanhãseguinte,Juliachegouàlivrariacedodemais,masMichaelhaviaconseguidosuperá-la:elejáestavaesperandonaporta.
-Bomdia!–elaergueuumamãocautelosamente,cumprimentando-o.Seráqueeleesperavaqueelaobeijasse,ouaindaeramuitocedo?Seráqueelafariapapeldeboba,sefizesseaquilo?–Nossa,vocêchegoucedohoje.
Michaeldeudeombros.-Sim,euacordeicedoenãoconseguivoltaradormirmais.Euestavainquieto.–elesorriupara
ela.–Vocêficounaminhamenteotempointeiro.-Ah.–Juliasorriudevoltatimidamente.–Vocêtambémficounaminhacabeça.Anoiteinteira.Perdidaemseuspensamentos,elahaviaconseguidoqueimarduaspanelasdearrozatéqueasua
mãeaexpulsoudacozinha.Osorrisodelesealargou.-Sério?Juliaconcordou.-Sim.Então,vocêdecidiuoquequerfazerestatarde?Michaelbalançouacabeça.-Não, ainda não. Só decidi o que eu quero fazer agora. – ele passou um braço ao redor dos
ombros dela e a puxou paramais perto – Isto. – ele acrescentou, piscando os seus olhos verde ebeijandooslábiosdela.
Julia fechou os olhos e passou os braços ao redor da cintura dele, beijando-o como se nãohouvesseamanhã.Quemseimportavaseoscolegasospegassemseagarrando?Elahaviaesperadopelotoquedeledesdeatardedodiaanterior.
- Podemos ir para a floresta depois do trabalho? – elamurmurou contra os lábios dele entrebeijos.–Eugostariadisso.
Michaeldeuumpassoparatrás.-Poderíamos–elerespondeu.Juliavirouacabeçadelado.Elenãopareciatãoanimado.Eleviusuaconfusãoesuspirou.-Sabe,euestavaafimdecurtiracidadeeoparquecomvocê.Euquero...Deixaroacidentede
lado.Ficarlongedobosqueporumtempo.-Claro!–Juliaconcordou,compreensiva.–Entãovamosaoparque.Vamosfazerumpiquenique?-Parecelegal.Vamosprepararacestanaminhacasa.Enquantoeufaçoossanduíches,vocêpode
aproveitarparatocaropiano,porquevocêhaviaprometidoquefariaissoalgumdia.-Euvou.Eeuescreviumamúsicaontemusandooseupoemacomoletra.TalvezeladevessecontaraMichaelsobreThorsteneasessãodeimprovisododiaanteriorno
gramadodojardimdele.Dealgumaforma,pareciaacoisacertaasefazer.Masdenovo,eramelhordeixarobeijoinesperadoforadasuaconfissão.Aquiloseriaexcessivamentehonesto.
-Ogarotodooutroladodaruaestavatocandoviolãonojardimemeconvidouamejuntaraeleecontribuircomaletra.Entãoeuuseiseupoema.Quemsabe,possoconseguirtocá-lanopiano.
Michaelsorriuparaela.-Issoseriamaravilhoso.Estoufelizquevocêtenhagostadotantoassim.NaquelemomentoMartinapareceucomalgunspôsteresenroladosembaixodobraço.- Uau! Posso chamá-los de madrugadores? – ele os cumprimentou. – Vocês podemme dar a
honradeajudaracolocaressespôsteresdepromoçãonavitrine?
Nãodemoroumuitoparaqueorestodaequipechegasseàloja.Donnaseesgueirouescadaacima,onde Julia estava precariamente se equilibrando, tentando afixar um banner no parapeito sobre obalcãodocaixa.
-Oi,Julia.–elachamou.–Então,quaissãoosplanosparaatarde?-Caifora.–Juliachiou.–Seeuolharparabaixo,vaimedarvertigem.ElaouviuarisadaaltadeDonna.-AindabemqueoMichaelnãotemmedodealtura.Eleestáolhandovocêfazerissoaíemcima
háumtempão.Mordidade curiosidade, Julia arriscouolhar para baixopara ver o queDonna estavadizendo.
Michael estava próximo ao caixa contemplando as pernas dela, parecendo arrebatado quando elapiscouebalançouacabeçaincrédula.AbocadeDonnasecontorceuquandoelaolhoudeladoparaMichael.
-Porquevocêsnãomedeixamempaz?–Juliagritouindignada,segurandoodegraudecimadaescadaemumapertomortal.Apesardesuaspalavras,elalançouumolhardivertidoaMichael.
Elapassariaatardetodacomaquelegarotolindoemaravilhoso,queestavaapaixonadoporelaequenãoconseguiatirarosolhosdela.Repentinamenteelapercebeuoquantoerasortuda.Suaspernaspareciamdeborrachaquandoelealançouumsorrisocativante.
Para sua felicidade, Martin a mandou ao estoque para buscar alguns livros. A oportunidadeperfeitaparamandarumamensagemaGabysobreosplanosparaaquelediaeverificarseaamigahaviaenviadoalgumamensagemsobreoencontrodanoitepassadacomAxel.
Elahavia.‘ojantarfoilegal!Axel=fofo:$.Jules,oqvcachaqelepensademim?’Juliaengoliuseco,balançandoacabeçaincrédula.‘vcsabeoqAxelachadevc;)ñpergunteporperguntar.Mickeeuvamosp/oparqueevamos
fazerumpiqueniquenacasadele.Tonervosa.bjs.’Claro,ninguémmaisestarianacasadeMichaelàtarde,masdealgumaforma,Juliaestavacerta
dequenãoseriaumrepetecodaquelaoutravezemqueelahaviaestadonacasavaziadeMichael.Elaaindanãoconseguiaentenderabizarramudançadepersonalidade,masaquilohaviamudadooseumundocompletamente.
Comoéqueelapodiaterseapaixonadoporeleantes?Talveznãotivessesidoamor.Talvezelaainda o admirasse e admirasse a confiança que ele exalava no colégio. Ele tinha sido tão lindo,desejável e completamente fora do seu alcance, mas agora tudo estava mudado. Ele estava seesforçandoparaconhecê-lamelhor.
EladespertouquandoSilkeentrounoestoque.-Horadeconfessar–disse,semrodeios.–OqueestáacontecendoentrevocêeoMichael?Não
achequeeunãopercebitodososolharesentrevocês.Juliasesentiucoraredeudeombrostimidamente.-Elemechamouparasair,eeudissesim.-Bem,issonãoteincomoda?–Silkecruzouosbraços.–Querodizer,nãofoilegalaformaque
eleadispensouantes.Silkenãopodiaestarmaiscerta,mascomoéqueelapoderiaexplicararazãodascoisasestarem
diferentes,senemelaentendiaoqueestavaacontecendo.-Ele...Elemudou–elaarriscou.–Querodizer,deverdade.Eleestátotalmentediferente.Silkeconcordouconscientemente.- Sim, eu te entendo. Quando ele caminhou para dentro da loja no primeiro dia, ele era um
exibido.Eaindaassim,elenãomeenganou.Euachavaque,lánofundo,eleerauminseguro.Mas,elenãoestámaisusandoamáscaradafalsaautoconfiança,seéquevocêmeentende.
-Quemsabe?Talvezamáscaratenhacaídodepoisdoacidente.–Juliasorriu.-Sim.Vocêpodeestarcerta.Vocêpesquisousobrepessoasquepassampormudançasdecaráter
porcausadetraumasnacabeça?Ela não havia, mas na realidade, não parecia improvável. Silke tinha lhe dado a explicação
perfeitaparaamudançadecomportamentodeMichael.Filosofarsobreosceltas,solstíciodeverãoeraioseramaisoestilodela,masumacontusãocausarmudançadecomportamentoeramuitomaislógico.
-Omédicodeleprovavelmenteoalertouquantoaosefeitosdecurtoprazo.–Juliaseesquivoudapergunta.–Vouperguntarpraele,qualquerdia.Eentão,querqueeuaajudecomisso?–elaapontouparapilhadelivrosaospésdeSilke.
O resto damanhã transcorreu semmais novidades. Julia ficou no estoque eMichael ficou nocaixa.Quandoalojafechouparaoalmoço,JuliaeMichaelsaíramparaHöllrigl,ecaminharamparaacasadeMichaelemGiselakai.
-Otempoestáótimo–eledisse,olhandoemvoltacomumenormesorrisonorosto.–Perfeitoparavadiarnoparque.
-Bem,podemosfazeralgumexercícioleve.–Juliapropôs.–Vocênãotemraquetesdepingue-ponguenasuacasa?
-Achoquesim.Vocêrealmentegostadeesportes,não?-Sempremedáenergia.-Engraçado.Éissoqueeusempreacheiumcharmeemvocê.Vocêpodeserquietaeintrovertida
quando está escrevendo ou compondo,mas aomesmo tempo, você pode ser tão cheia de energiaquandopraticaesporte.
Juliasesentiuiluminarcomoumalâmpada.MichaelfalavadelacomoseelafosseapessoamaisfascinantedaTerra.Elacaminhouparamaispertodeleepegousuamão.Foisódepoisquecruzaramaponteparaaruadelequeelaseperguntoucomoéqueelesabiatantosobreela.Seráqueelehaviaprestadomaisatençãonelanaescoladoqueelaimaginava?
-Háalgoquevocênãogostedejeitonenhumcomorecheiodesanduíche?–Michaelperguntou,assimqueelesentraram,arrastando-aparaacozinha.Quandoeleabriuageladeira,JuliaobservouaquantidadedecomidasdiferentesqueafamíliaKolbeestocava.Suapequenafamíliaerabemsimplesepobre,comparadaaesta.Seráqueelasesentiriaconfortávelaoleva-loacasadelaeoapresentaràsuamãe?
Elapegou,distraída,umabacatedafruteirasobreamesadacozinha.-Nãosouexigentecomaalimentação.Eugostodetodosostiposdecomida–elamurmurou.Umsorrisoseespalhoupelorostodele.- Inclusive isso? – ele apontou para o abacate. –Que tal rolinhos commassa de trigo, alface,
frangoeabacate?Elaconcordoulevementecomacabeça.QuandoMichaelfoiatéelaecolocouosbraçosaoseu
redor,Juliadescansouacabeçanosombrosdeleesuspirouprofundamente.-Apenastereiquemeacostumarcomascoisasnoseumundo–elasussurrou.–Desculpeporser
tãoesquisita.Elebeijousuatesta.-Vocênãoestásendoesquisita.Eeutambémtenhoquemeacostumarcomestasituação.Juliaolhouconfusaparaele.-Você?-Sim.Aestarapaixonado,querodizer.Orostodelaficourosadealegria.Elefezparecerquenunca tinhaseapaixonadoantes.Epelo
queelasabia,eraverdade.Elesempreestavasaindocomalgumagarotanaescola,masnuncahavia
ficado firme com nenhuma delas por muito tempo. Aquilo parecia ser mais sério para ele e elaqueria,dofundodocoração,abriraportadesuavidaparaqueeleentrasse,mesmoestandoinsegurasobrealgumascoisas.
-Vocêgostariadeiràminhacasaamanhã?–eladisparou.–Depoisdotrabalho?Elesorriucarinhosamenteemsuadireção.-Claroquesim.Euestousecretamentedesejandoquevocêfaçapizza.-PizzadaAmy’sKitchen?-Sim,porfavor.VocêsabecomomesintosobreAmyesuaspizzas.Osdoiscomeçaramarir.Juliaexpirou,sentindo-semaisrelaxada.-Vamoscomeçarafazeressessanduíches,nãoé?- Não, não é. Eu vou fazer. Você prometeu que tocaria o piano. – Michael enxotou Julia da
cozinha,apesardosseusprotestos,acompanhando-aatéoSteinwaynocantodaenormesaladeestar.Eleabriuatampadotecladoepuxouobanquinhoparaela.–Aquiestá.Divirta-se.
Sorrindo timidamente, Julia se sentou, soltando a respiração de uma só vez enquantoMichaelvoltavaparaacozinha.Pelomenoselenãohaviaficadoporali.Assimelateriaamentelivreparadescobrir como tocar amúsica deThorstennopiano.Cantarolando amelodia para simesma, elatentoualgumasescalasnotecladoantesdeescolherumtomadequadoparaasuavoz.
QuandoMichael voltou para a sala de estar depois de dez minutos, carregando uma cesta depiqueniquecheiadecomidaebebida,elaestavacantandoamelodiadeThorstencomoseupoema,naverdade,doMichael.Eleparoupertodopianoeacontemplou,completamentehipnotizado.
Quandoamúsicaacabou,Juliaolhouparacima,tímida.-Estoufelizquevocêaindaestejaaqui–eladisse,encabulada.Michaelaolhou,confuso.-Porqueeunãoestariaaqui?-Vocêfugiuenquantoeutocava,nafestadosgêmeos.Elepareciaenvergonhado.-Desculpe,euestava...–elevacilouenosilêncioquecresceuentreeles,Juliaselembroudequão
intensamenteeleahaviaencaradoenquantoelaestava tocandosuaprópriamúsica.OquantoGabyhavia frisado que ele estava com lágrimas nos olhos.E de repente, ela não se importava nemumpouco comomotivo que havia feitoMichaelmudar tanto. Se era graças ao raio, ao trauma ou apoderes sobrenaturais, ele era uma pessoa por quem ela poderia muito bem se apaixonar. Ela selevantoudobancoeimpulsivamenteotomounosbraços.
-Nãoimporta.–elasuspirou.–Eufiqueifelizquevocêestavaláparaouvirocomeço.-Claroqueeuestavaouvindo–elerespondeubaixinho–Eraamúsicaquevocêescreveu.Parao
exame.Elaolhouboquiabertaparaele.Entãoeletinhaidoaoauditóriodaescoladuranteoseuexamede
educaçãomusical. Seus nervos desgastados provavelmente a haviam impedido de vê-lo na plateia.Um sentimento aconchegante a invadiu quando ela ergueu os olhos para ele. Ela sempre havia sesentidoinvisível,masagorapareciaqueeleahavianotado,nofinaldascontas.
-Então,vamos?–elasugeriu,inclinandoacabeçaemdireçãoàcestadepiquenique.Michaelcolocouumbraçoaoredordela.-Vamos.Elesescolheramumlugarsobumagrandecastanheiraepassaramatardetodadeitadosnagrama,
conversando,sebeijando,seabraçandoelendopoemasdasnovascoletâneasdeJulia.Michaeltinhapegadoasraquetesdebadminton,masestavaventandodemaisparajogar.Michaelfoioprimeiroajogaratoalha.
-Issoémuitomaisdifícildoqueparece!–elebufou,depoisdejogarporcincominutoscomoventosoprandocontraele.–Eupenseiqueessejogoerafácil.Sabe,porcausadapetecasertãoleve.
-Porissoéquevocênãoprecisavaterbatidonelacomtantaforça.–Juliariu.–Pobrezinho.–elalimpouosuordesuatesta,inclinando-secontraacastanheira,seguidaporMichael.Abrisatocavaasfolhassobreassuascabeças.
-Sabe,acenadoseuacidentenobosquesemprefoimuitoespecialparamim.–elatomouamãodele. –Aquele carvalhopróximoao local ondevocê caiu com suamoto...Ele costumava sermeurefúgio.Eumeabrigavasobosgalhosdaquelaárvore.Nãodachuva,masdavida.Eraminhaárvoredeabraçar.
Michaelapertouamãodela.-Porqueestá falandonopassado?–eleperguntou.–Você se sentediferente sobre esse lugar
agora?Juliadeudeombrosdiscretamente.-Achoqueaminhaárvoreestádoente.Asfolhasparecemumpoucoamareladas.Alémdisso,eu
não tenho vontade de sair correndo para o bosque toda vez que eume sinto triste. Eu só... – elamordeuo lábioepausouporumsegundo.–Euqueroviverumavidadeverdade, enãomaismeperderemtodotipodefantasia.
Michaelaolhoudeladoe,porapenasummomento,elepareciamelancólico.-Asfantasiaspodemserumapartedarealidade–elecontestou.–Elasfazemavidamaisbonita,
nãofazem?Juliabalançouacabeça.-Claroquepode.Masnãoéissoqueeuquisdizer.-Oqueéquevocêquerdizer,então?-Bem,porexemplo,euolheiparavocêdeumjeitobemdiferente,porestarmeescondendoatrás
dasminhasfantasias.Michaelnãodissenada,oolharcuriosoemseusolhosaimploravaparacontinuar.Elarespiroufundo.-Vocêsabeoqueéisso?Pordoisanos,euacrediteiqueestavaapaixonadaporvocê.Naminha
mente,euoescaleicomoopersonagemprincipalemumtipodecontodefadasmágico.Maserasóisso:nãoeraporvocêqueeuestavaapaixonada.Vocêeraapenasumpersonagemnaminhapeçadeteatro.
Enquantoaspalavras saíamde suaboca, ela tremia.Ela estava realmente contando tudoaquiloparaele?Eracorajosaosuficientepararevelarsuasemoçõesdaquelamaneira?Parecia.Fazertodaaquelaexposiçãodeveriaassustá-la,masnão.Naverdade,pareciaacoisacertaafazer.
-Eunãotinhaideiadequemvocêera–elaconcluiutimidamente.–EquandoeupercebiquevocênãoeraoPríncipeEncantadoqueeuimaginavaquevocêfosse,euculpeivocêporisso.
Michaelcorou,envergonhado.-Desculpe–elemurmurou.–Euseiqueele...Eu...Devetersidodolorosoparavocê.Elachegoumaisperto,suasmãosescorregandoparaopeitodele.-Estátudobem–elamurmurou.Naquelemomento,osúltimosresquíciosderaivaeinsegurança
desapareceram.Elanãooculpavamais.–Essasituação todaénovaparamim.Paraser totalmentehonesta,euestouapaixonadaporvocêpelaprimeiravez.Vocêtornaissomuitofácil.Vocêsetornoumaisgentil,maisamigável.Porcausadoacidente.Ou,eunãosei...
Ela vacilou.As íris dele estavammais verde do que antes, umolhar cheio de entusiasmopelavida,algoqueelanuncatinhavistoemtodosaquelesanos.E,repentinamente,elaestavacertadequenãoestavaconversandocomMichael.Elaestavasentadaaliconversandocomoutrapessoa.Nãoeraele.
Masaquilonão fazia sentido.Porque ela estava tendopensamentos tão estranhos?Era ruimosuficiente que ela haviameio que atribuído sua atual personalidade agradável a um acidente comconsequências quase fatais. Se ela compartilhasse aquela ideiamaluca, ele provavelmente pensariaqueelahaviaficadolouca.
Michaelinterrompeuseuspensamentos,puxando-aparaumabraço,beijando-asuavemente.-Vocênãofazideiadoquantosuaspalavrassignificamparamim–elesussurroucontraoslábios
dela.Elaobeijoudevolta,confusa.-Sério?-elamurmurou.Eleconcordoucomacabeça.-Vocêmedespertou,Julia.–elefechouosolhos.–Dosonoquechamamosdemorte.Aformacomoeledescreveufezparecercomoseelaotivessesalvadodeumamorteprematura:
elaohaviaacordadoparaqueelepudessesermaiselemesmo.QueméquepoderiateradivinhadoqueMichaelpudessesertãopoéticosobreavida?
-Ondevocêquermeencontraramanhã?–eleperguntou,enquantocaminhavamparaasaídadoparque,antesdahorado jantar.Julianão trabalhavaasquartas,masMichaelestariaocupadoodiainteiro.
-Vocêpodeestarnaminhacasaàsseis?–Juliaperguntou.–Vocêpodepegaroônibusascincoedescernoúltimoponto,vocêmeligaeeupossomeencontrarcomvocêlá.
-Parecebomparamim.Eunãoseiocaminhoparaasuacasaainda,então...–Michaelaabraçoupelaúltimavez,sussurrandoemseuouvido-Euvousentirsuafaltaestanoite.
-Eutambém.Divirta-senacasadosseustios.–Michaeliriajantarcomelesecomospais.ElehaviaconvidadoJuliaparasejuntaraeles,maselaaindanãoestavapreparadaparaconhecerasuafamília,entãoelahaviarecusado.
AssimqueelaconseguiamaisverMichael,Juliasesentounopontodeônibus,doladoopostoaoparque.Oônibuschegariaembreve.SeucelularmostravaumachamadanãoatendidadeGaby,entãoelaligoudevolta,masachamadacaiunacaixapostal.Umsorrisofelizseespalhoupeloseurostoquandoeladesligou eolhoupara a telade seu celular: seunovopapeldeparede erauma fotodeMichael.Eladeveriairparaacasadaavómaistarde,paracontartudooquehaviaacontecidoemsuavidadesdeaúltimavezemquehaviamconversado.
Quandoentrounoônibus,seutelefonerecebeuumamensagem.‘vocêpodeirbuscaraAnneemeichet?Saioàs9!’–suamãe.Bem, aquela era uma bela coincidência. Ela poderia conversar com a avó mais cedo do que
pensava. Ela esquentaria algumas sobras quando chegasse em casa e pegaria o ônibus ao vilarejopróximoparabuscar a irmãe contar à avó sobreonovonamorado.Assimque Julia terminoudeenviararespostaparaasuamãe,Gabyretornouachamada.
-OiJules.–elacantarolou.–Axelnosconvidouparairacasadeleassistirumfilme.Vocêestálivre?
Juliariu.-VocêtemcertezaqueAxelquisconvidarnósduas?–elaprovocou.-Claro!–Gabyretorquiucomdesdém.–Vocêhonestamenteachaqueeuestoupedindoparavocê
irjuntoporquetenhomedodeirsozinha?-Nememsonho.-Ha-ha,muitoengraçado.Então,vocêvem?-Quefilmevamosassistir?-Umdaquelesbemassustadores,eledisse.Vocêsabe,algumremakedefilmedeterrorasiático.
-Ah sim, faz sentido. Ele está provavelmente esperando que você segure amão dele.Ou quecorraparaosbraçosdelequandoestivercommedo.
JuliadesembarcoudoônibusepacientementeouviuGabyretrucarosseuscomentários.-Aquehoraseleestánosesperando?–elainterrompeuantesqueaamigarecomeçasseafalar,
indignada.-Oitoemeia.-Ok,euvou.Amanhãeunãotrabalho,mesmo.-Legal!–Gabypareciainconfundivelmentealiviada.–Eutevejolá!Juliadesligoucomumsorrisolargo.Elavirouaesquinaparaasuaruaeseuestômagoroncou
quandosentiuocheirodesalsichasassadasnoar.Alguémnaruahaviaacendidoachurrasqueira.Otrilhodafumaçaquesubiaparaocéupareciaestarvindodoquintaldovizinho.
-Eigarotadacasaaolado.–umavozfamiliarachamou.Thorstenapareceunoportão,acenandoparaelacomumpregadornamão.–Estácomfome?
Juliaconcordou,hesitante.-Umpouco.–elaadmitiu.-Bem, você gostaria de nos acompanhar no jantar?Sabine foi para a piscina comomeu pai,
entãoestamossóeueaminhamãe.Seucoraçãoparoudebaterporuminstante.Eladeveriadizernão,afinalelahaviaprometidoasi
mesma ficar longe de Thorsten. Por outro lado, que mal havia em se juntar a ele por algunsmomentos?Amãedeleestariaalicomocompanhia.Alémdisso,aquelaseriaaoportunidadeperfeitaparacontaraelesobreatarderomânticacomMichael,paraqueficasseclaroparaeleasuaposição.Erabesteirairparacasaesquentarcomidanomicro-ondasquandoelapodiacomercomidafrescaepassarumtempoagradávelcomosvizinhos.
-Euadoraria–elarespondeu–Esperaaí.Euvousóguardaraminhabolsaejávolto.Julia foi para dentro e caminhou até o seu quarto para colocar a bolsa em sua escrivaninha e
rapidamentepentear os cabelos.Ela se olhouno espelho.Uau, ela pareciamuito apaixonada.Seusolhosbrilhavameasbochechasestavamiluminadas.
No dia seguinte, suamãe conheceriaMichael.Ela teria que ser cuidadosa. Seria umamá ideiamencionar que ela já havia saído com ele e uma ideia pior ainda revelar que já haviam dormidojuntos. Suamãe ainda tinha a ilusão de que a filha havia ficado na casa de Florian naquela noite,porquetinhamidoaumafesta.
JuliasedirigiuaocorredoreviuqueaportadoquartodeAnneestavaaberta.Suairmãzinhanãohaviafechadoajaneladireito.Oventohaviafeitoalgunsdeseusdesenhoscaíremdaescrivaninha.Elesestavamcaídos,bagunçandotodooquarto.Juliarapidamenteentrouparapegá-losecolocá-lodevoltanamesa.
Osdesenhoseramincríveis.Annehaviafeitodoisdesenhosdasárvoresdaflorestaeumretratodeumgarotocomoscabelosloirosecompridos,comoLegolas,eolhosazuiscomoThorsten.Anneestavaenvolvidaemseucontodefadas,aquiloestavabemclaro.Juliasesegurouparanãoolharosoutroscadernosqueestavamsobreaescrivaninha.ElacolocouosdesenhossobreacadeiradeAnne,fechouajanelaesaiudoquarto.
Quando ela chegou no jardimda famíliaEbner, amãe deThorsten estava sentada na varanda,tomandoumataçadevinho.
-EntãovocêéairmãdeAnne–eladisse,agradavelmente.–Prazeremconhecê-la.JuliapegououtracadeiraeaceitouumalatadeCocaqueaSra.Ebneraentregou.-Obrigadapeloconvite.-Claro!Éótimofinalmentepoderconhecê-lapessoalmente!Thorstenmefaloumuitosobrevocê.
Vocênãoéagarotaquegostadecorrerenquantochovetorrencialmente?
Juliariu.-Bem,possoverquecauseiumaboaimpressãoemvocê.Thorstenentrounavarandacomumpratodesalsichas,pegandoasúltimaspalavrasdela.-Eudisseàminhamãequeteadmiromuito.–eleriudeumjeitobrincalhão.Juliacorou.-Disse,é?Thorstenaencarou.-É–elesimplesmenterespondeu,sério.Rapidamente,eladesviouoolhar,quaseengasgandocomoenormegoledeCoca-Colaquehavia
dado.Porqueeleaindaconseguiadeixá-lanervosa?Talveznãohouvessesidoumaboaideia,nofimdascontas.
-Enfim,estoumorrendodefome.–elaanunciounosilêncioquehaviapairado.–Eunãoseiporque.Quero dizer, eu estava fazendo umpiquenique comMichael a tarde toda no parque, então eudeveriaestarsatisfeita.
Thorstensorriu.-Vocêsedivertiu?–eleperguntou,serenamente.Juliafezumacareta.Mesmoelenãoaparentandociúmes,eraóbvioquesuaobservaçãoohavia
atingido.-Sim,nosdivertimos–elarespondeu–Elevemjantaraquiemcasaamanhãànoite.Enquanto saboreava a comida, Julia contoumais um pouco sobre a tarde no parque e o novo
empregonalivraria.ElasesentiaverdadeiramenteconfortávelpertodeThorstenesuamãe.Quandoselevantouporvoltadesetehoras,parabuscarAnne,elaestavaquasearrependidadeterquesair.
-Mais uma vez, obrigada porme convidar – ela disse, quando Thorsten a acompanhou até oportão.–Adoreiconhecersuamãe.
Eleolhouparaelaeinesperadamentepegousuamão.- Foi bom ver você tão radiante e feliz – ele disse seriamente – Esse tal Michael é um cara
sortudo.Antesqueela tivesse tempode reagir, ele se inclinouebeijou suabochecha,depois seviroue
caminhoudevoltaparaamesa.Nocaminhoparaopontodeônibus,Juliasentiuumadorzinhadecabeçaseinstalando.Poderia
ser por ter ficado debaixo do sol o dia inteiro, mas também poderia ser por tudo o que haviaacontecidohoje.Nahoraemqueela tocouacampainhadacasadasuaavó,adoraindanãohaviapassado.Haviaapenaspiorado.
-Minha doce garota, parece que você passou pelomoedor. – a avó exclamou, quando abriu aporta.–Vocêprecisadealgoparaessadordecabeça?
Claro,aavóvidentesabiaexatamenteoquehaviadeerradonomomentoemquepôsosolhosnela.
-Umparacetamolseriabom.–Juliagemeu.–Oualgumaoutracoisaparaeumelhorar.Aindavousairhojeànoite.
Aavóaolhou,incrédula.-Temcerteza?Seeufossevocê,dormiriacedoestanoite.Anneapareceunocorredor,segurandoumpicolémeiomordido.-Estamosindoagora?Euaindaqueroiraobosquequandonósvoltarmos.-Não,vocêvaificaremcasaatéamamãevoltar–Juliadissefirmemente.-Mas...–airmãcomeçou.-Semmas.Vocêpodeiramanhã.Aquelasárvoresnãovãoalugaralgum.
Annealançouumolharraivosoesaiubatendoospés,indignada.Juliasuspirou,encostando-senaavóquandoavelhasenhoracolocouumamãoemseuombro.
-Nãoceda,Julia.Anneestáchegandonapuberdadeetemumgêniobemforte.–aavófezumacareta.–Possosentirquetemalgoaincomodando.
- Sim, esta também é a minha impressão. Ela está fugindo de coisas que a desagradamultimamente,fugindoparaaflorestasozinha,escrevendomuitoemseudiário.Euachoqueelaestásentindocadavezmaisfaltadopapai.
Aavóconcordou.-Talvezdevêssemosconversarsobreisso.Porquevocênãovemjantaraquiamanhã?Fareisuas
panquecasfavoritas.Juliamordeuolábio.-Nãoposso.É...Michaelvaijantarláemcasaamanhã.-Émesmo?–aavóaolhoucuriosa.-Sim.Eleestátrabalhandonalivrariatambém.Elemedisse...Bem,eleestáapaixonadopormim.-Quebomparavocê,minhaquerida!–aavólhedeuumsorrisoiluminado.–Entãonãofoitão
complicadoquantovocêhaviapensado,nofimdascontas.Narealidade,eracomplicado,maselanãotinhaenergiaeotemponecessárioparaexplicartudo
paraaavó.Juliaesfregouatestacomumaexpressãodolorosaemseurosto.Aavóabriuaprimeiragavetadoarmáriodocorredorepegouumacarteladeparacetamol.
-Fiqueaqui,voupegarumpoucodeágua.AavóentrounacozinhaelogoretornoucomcopoeAnneemseuencalço.-Vocêvaisairestanoite?–Annequissaber.Juliafezumsomevasivo.- Só vou à casa doAxel por algumas horas.Mas, acho que vou ficar em casa se essa dor de
cabeçanãopassar.-Hmm–Annemurmurou,parecendodescontentepelo fatodequea irmãnão sairia. Julia fez
uma careta. Ela estaria planejando escapar para o bosque sem ninguém por perto para prestaratenção?Talvezfossemelhorqueelaficasseemcasa,elanãodeixariaAnnesesafar.
-DevopediraoIgnazparalevarvocêsparacasa?–aavóperguntou.–Vaisermaisrápidoqueoônibus.
-Sim,porfavor.–Juliasuspirou.Ovizinhodaavónormalmenteasajudavafazendoasvezesdetáxi,eelanãopodiaesperarparachegaremcasaesedeitar.
Umpoucomaistarde,JuliaestavaafundadanoassentotraseirodoVolvoantigodeIgnaz.Anneestavanobancodopassageiro,conversandoanimadamentecomovizinhodaavó.Seumauhumorparecia ter desaparecido. Ela não havia mencionado o bosque novamente, mas Julia estavadeterminadaanãoperderAnnedevista.Alémdisso,elanãoqueriamaissair,oparacetamolaindanãotinhamelhoradoador.
-Ei,olhe,Sabineestáfazendoumchurrasco.–Anneexclamou,animada,quandoIgnazasdeixounaportadecasa.–Vamosláfalarumoi?
-Váemfrente–Juliadisse–Euestavaláantesdeirtebuscar.Porquevocênãovaieperguntaseelestêmalgumassalsichasparavocê,enquantoeuligoparaaGabyparacancelaropasseio?
EnquantoAnneseenfiavanoquintaldosvizinhos,Juliasearrastouparadentrodecasa.-Ei,Gaby–eladissequandoaamigaatendeuaotelefone.–Estoumorrendodedordecabeça.
Nãovouconseguirirhojeànoite.Houveumapausadooutroladodalinha.-Mas...–Gabycomeçou,suavozsoandoumpoucofalha.–Jáestouacaminho!-Bem,ótimo.DigaoiparaoAxelpormim.Tenhocertezaquevocêsvãosedivertir.
-Mas ele convidounósduas.Por favor, nãomedeixanamão.Talvez elenãoqueiraver só amim.
Juliariu.-Nãosejaidiota.Porqueelenãoiaquererversóvocê?Eletechamouparajantar,peloamorde
Deus.Sóvocê.-Verumfilmeéalgocompletamentediferente.–Gabyinsistiu.-Ah, tenhadó!Nãoposso lidarcomissoagora.Minhacabeçaestáexplodindoevocênãoestá
ajudando.Vocêébemcrescidinhaetenhocertezaquevaisobreviverestanoitesemmim.Gabyengoliuruidosamente.-Bem,entãook.Falocomvocêdepois.-Meliga.–Juliadesligouecaiunacama.Talvezadordecabeçafosseumabênçãodisfarçada:
aquilodariaaAxelaoportunidadedeterGabysóparaele.Elasópodiadesejarqueeleusassebemaquelaexcelenteoportunidade.Seasuamelhoramigaeseuprimofossemficartãonervososumcomooutropormaistempo,elaficariacompletamentelouca.
Julia se arrastou para fora da cama e olhou pela janela. Anne estava sentada no quintal dosvizinhoscomendoumcachorroquente.Bom,elaestavasendocuidada.Amãedelasestariaemcasaemmenosdemeiahora, entãoelapoderiadormirnamesmahoraqueAnne.Odia,pormaisquetivessesidomaravilhoso,atinhadeixadoesgotada.
Assimquecomeçouacochilar,avozdairmãadespertoudeseusono.-Ei,vocêentrounomeuquarto?Juliasesentounacama,piscandoparaAnne,queseguravaumapilhadepapelemumamão.Asua
irmãzinhapareciachateada.-Oh.Sim.Euentrei.Eupegueialgunsdesenhosseusdochão.Oventoderruboudasuamesa.Por
quê?Annemordeuolábioedeudeombros.-Nada.Eusóacheiquevocêtinhaolhadoescondido.-Porqueeufariaisso?Annenãorespondeuapergunta.Aoinvésdisso,elaapertouosdesenhosemseupeito.-Vocênãopodevê-los–eladisse,nervosa–Elessãosecretos.Aspalavrasdesuairmãaatingirammaisdoqueelagostariadeadmitir.Talvezosmomentosde
dividir histórias e contos de fadas com Anne, sobre a floresta tão próxima a casa delas, haviamacabadoeeramcoisasdopassado.Annequeriaguardarsuashistóriasparasiagora.
-Bem,eunãovinadaavassalador–elarespondeu,sorrindofracamente.–Guarde-osmelhornofuturo.
Naquelemomento,Juliaouviuaportadafrentesefechando,láembaixo.-Cheguei!–amãedelasgritou.-Vouládizerumoi–Annedisse,saindodoquarto,aindaapertandoseusdesenhos.Juliadecidiu
vestiropijamaedeitarnacama.Elaestavaarrebentada.Nahoraemqueamãeentrouparadizeroi,elaestavaquasepegandonosononovamente.
-Oimãe–elarespondeusonolenta–OMichaelvemjantaraquiamanhã.ASra.Guntherinclinouacabeça.-MichaelKolbe?Aquelegarotodobosque?-Sim,elemesmo.Eletrabalhacomigo.-Ah. – suamãe a olhava com expectativa, um sorriso brotando em seus lábios. Lentamente o
rostodeJuliacorou.-Nós...Nóssaímoshoje.–elagaguejou.–Fomosaoparque.Efoilegal.Eentãoeupenseique
serialegalconvidá-loparajantar.
-Sevocêforcozinhar.–Amãepiscou.–Quetalumapizza?VouvisitaratiaVerenaduranteodia,entãonãovoutertempodeprepararnada,masvocênãotrabalhaamanhã,nãoé?
Juliasorriu.-Deixeporminhaconta.- Bem, por que você não faz seu sono de beleza agora?Você tem um diamuito agitado pela
frente.–suamãeabeijounatestaecaminhouparaforadoquarto,cantarolandoumamelodiafeliz.Comumlevesorrisoaindanoslábios,Juliaapagouoabajurecaiunosonoemalgunssegundos.
9.Elaestavacaminhandonafloresta.Asárvoresaoseuredoreramgigantes,agigantando-sesobreela,eapenasporummomento,Juliasentiuquehaviaencolhido.Emalgumlugaraolonge,umamúsicaecoavapelobosque.
- Você o viu? – as árvores sussurravam para ela, suas vozes antigas parecendo as folhasbalançandocomabrisa.
-Quem?–elaperguntousemabriraboca.-Ogarotodobosque–asárvoresresponderam.-Quem?Michael?-Seucoraçãodesejavaestarcomvocê.A música ficou mais alta. Um gemido escapou da garganta de Julia quando ela lentamente
despertouepercebeuqueseutelefoneestavatocando.Tateandoaoredorcomseusolhosembaçados,elaencontrousuabolsasobacamaefuçoudentro
delaparaencontrarocelulareatendê-lo.-Oi,Flo.–elamurmurou.–Obrigadapormeacordar.-Oh,medesculpe!–Florianguinchou.–Acheiquevocêjáestariaacordada.Jásãoonzehoras,
sabia?-Sério?–Juliasesentoudireitonacama,esfregandoosolhosparaespantarosono.–Jesus,eu
dormiamanhãinteira.Eeufuidormirasnoveontem!Queestranho.- Bem, aposto que você está bem descansada então. Você quer me acompanhar esta tarde, no
ensaiodabandadoMoritz?VouseraYokodele,pelaprimeiravez.-Pareceótimo!Aquehorasvocêsvão?-Umasquatro.-Ah,hã,não.Nãovaidarpramim,deverdade.Michaelvemjantaraquiestanoite.Floriancomeçouarir.-Ah,sim!Axelmedisse.Vocêsaiucomeleontem,nãoé?-Sim,efoimaravilhoso.-Estoumuitofelizporvocê–Floriandisse,carinhosamente–Aparentemente,aquelapancadana
cabeçafezmaravilhasàshabilidadessociaisdele.- É, fez mesmo. E não me pergunte o motivo, porque eu não estou fazendo mais perguntas,
também.Estoutãofeliz,quenãoligomais.-Bem,aproveiteorestantedoseudia,Julius.Euvouligarparaopessoal.Axeldeveircomigo.
VocêsabeseGabyeTamaraestãotrabalhandohoje?-Nãotenhoamínimaideia.Vamoscombinardejuntartodomundoalgumanoitedestasemana,
ok?DigaoiaoMoritzpormim.Julia desligou. As imagens do sonho ainda estavam rodando em sua mente. As árvores
conversandocomela,dizendo-aqueMichaeladesejava...Seriapossívelqueosespíritosdaflorestarealmentesoubessemoqueelesentiaporela?Seráqueessahaviasidoaformaqueencontraramparaavisá-la?Elanãopodiadeixardepensarqueosonhotinhasidoumaviso.Haviasidotãoreal,mesmocontendotantoselementosestranhos.
Naquelemomento,suamãeabriuaportadoquarto.-Ei, dorminhoca!Finalmentevoltouparaomundodosvivos?Temalgunspães frescos lá em
baixo,sevocêquiser.-Ótimo,mãe.Obrigada!
-Denada.Tenhoque ir agora,maseuestareidevoltaàscinco.AnnevaibrincarcomSabine,entãoacasaétodasua.Porquevocênãoaproveitaepõeamesacomnossatoalhadeveludoealgunscandelabros,querida?
- Você é tão engraçada, ha-ha. – Julia resmungou, mas ainda se levantou para dar um rápidoabraçonamãe.–Voupegarlevehoje.Divirta-senatiaVerena.
Depoisquesuamãefoiembora,Juliarevirouoguarda-roupa,atéencontrarumvestidolevedeverão e chinelos.Aindade pijama, ela foi até o banheiro e tomouumbanho.Anne estava em seuquarto,escutandoatrilhasonoradeoSenhordosAnéisnoúltimovolume.Elaestavaprovavelmenteescrevendooudesenhando,novamente.
AssimqueJuliasaiudoboxcomatoalhaenroladaemseucorpo,elaouviuotelefonedeAnnetocarnoquartoaolado.Suairmãdesligouamúsicaeatendeuaotelefoneaossussurros.Estranho.
-Eraamamãequeestavaligando?–elaperguntou,quandoencontrouAnnenocorredor.-Não,eraumadasminhascolegasdeclasse.Elaperguntouseeuqueriairnadarcomela.-PenseiquevocêtinhacombinadodeirbrincarcomaSabinehoje.Anneencarouochão.-Aindanãoseisevounadar.-Ah,bem,vocênãotemqueescolher,tem?VocêpodeirnadarcomaSabineeaoutragarota.-Eunãosei.–Annerepetiu,parecendovencida.Juliaimpulsivamentepassouobraçoaoredordosombrosmagrosdairmã.-Oqueestáacontecendo,Annie?Vocêestátriste?Annedeudeombros.-Simenão.Novamenteevasiva.Juliasuspirou.- Sabe, por que não tomamos café damanhã juntas? Talvez você queira conversar sobre isso
comendoumpratãoderocamboles.Ok?-Tudobem.Emsilêncio,elasdesceramasescadas.SóquandoJuliacolocoudoispratosdecomidanamesada
cozinhaAnneabriuabocanovamente.-Queméessegarotoquevemjantarhojeànoite?–elaperguntoucalmamente.-Michael?Éumcolega.Anneaolhouatenta.-Vocêestáapaixonadaporele?Juliacorou.-Vocêmepegou.–elabrincou.–Sim,eugostomuitodele.- Como você sabe que está apaixonada por alguém? Ou quando alguém está apaixonado por
você?–Annecontinuou.Juliapensouemsuaresposta.-Quandovocêestáapaixonadaporalguém,vocêpensanessapessoaodia inteiro.Vocêdeseja
passar cada minuto do dia com ele ou ela. E quando alguém está apaixonado por você,frequentementetentaficarpertodevocêtantoquantopossível.Edizcoisaslegaisebonitinhasparavocê,éclaro–elarespondeucomumsorriso.
Suairmãmordeuolábio.-Estaéarazãopelaqualeugostodeirtantoàflorestaultimamente.–elamurmuroubaixinho.-Vocêestáapaixonada?-Quandoeuvouparaobosque...Paraaquelelugarsobreoqualnãoquerotecontar...OPríncipe
daFlorestaestálátambém.Juliasorriuindulgentemente.
-Vocêquerdizer,opríncipequeestá teajudandoaconstruiracasanaárvore?–QuesortedeThorsten!Avizinhaerradaestavaapaixonadaporele.
Annenegoucomacabeça.-Euoajudo,elenãomeajuda.Enãoébemumacasanaárvore,massimumaentradaparao
paláciodele.-Ah,comoumportal?–Juliafezumacareta.Estahistóriaestavaficandocadavezmaisesquisita,
Anneaparentementeestavausandoelementosdeseucontodefadasparafalarsobreavidareal.Repentinamente,tudoaquilopareceuerrado.Nãopareciamaisumfazdecontainocente.Avovó
estavacerta.AlgosérioestavaacontecendoparaAnne teressanecessidadedefugirparadentrodecontosdefadasdaquelamaneira.
Annebalançouacabeçamaisumavez.-Não,nãoumportal.Umtúnel.Maseunãopossotecontarondeé.–suavozficoumaisbaixa.–
Ninguémpodesaberondeé.Ambas ficaram em silêncio por um momento, um arrepio percorrendo a espinha de Julia
enquanto ela encarava a irmã. Havia algo profundamente errado com o olhar de Anne e ela nãopareciaestargostandodomistériodesuahistória.Anneestavaprofundamenteamedrontada.EaquiloatingiuJuliacomoumsoconoestômago.
- Por que não? – Julia continua, cuidadosamente. Ela não queria que Anne se esquivassenovamente, e por isso ela deveria ir com calma e não disparar todas as perguntas que estavampassandoporsuacabeçadeumavez.
- Porque... É ummistério.Assim como o príncipe permanece ummistério para os adultos nomundoreal.Elesnãooenxergamcomoelerealmenteé.
-Evocêvê?Annecorou.- Sim, mas ele me disse que eu não deveria falar sobre ele. Ou sobre o lugar onde ele está
construindoascoisas.Eleficariafurioso.OestômagodeJuliarevirou.Elanãotinhaideiadoqueestavaacontecendo,mastodososnervos
deseucorpoestavamdizendoaelaquealgoestavaseriamenteerradocomAnne.Eraquasecomoseela não pudessemais separar a realidade da ficção. Como ela deveria lidar com aquilo? Ela nãopodiafazeraquilosozinha.Eramelhorligarparaamãeimediatamente.
Elaafastouacadeiraeselevantou.-Anne,eugostariamuitodediscutirissocomamamãe.Vocêparecemuitoassustadaeeuquero
teajudar,maseunãoseicomo.Porquevocênãoesperaaquienquantoeuligoparaela?Juliacorreuparaforadacozinhaesubiuasescadasdepressa,parapegarocelulareligarpara
suamãe.Felizmente,amãeatendeunosegundotoque.-Oi,querida.Oquefoi?-Mãe.–ouviravozdamãerepentinamentefezosolhosdelaseencheremdelágrimas.–Algo
estranhoestáacontecendocomaAnne.-Oquevocêquerdizer?–amãegritou,alarmada.–Elaestádoente?-Não,nãoéisso.Pelomenos,euachoquenão.Ésóqueelaestácontandoummontedehistórias
absurdassobreoqueelatemfeitonaflorestaultimamente.VocêsabequeelaestáconstruindoumacasanaárvorecomSabine,nãosabe?Equeelanãoquerianoscontarondeestãoconstruindo?Eutambémseique ela está escrevendoumcontode fadas.É aversãodeladoPríncipedaFloresta, eagoraelaestámedizendoqueopríncipedisseparaelaficardebocacaladasobreolocaldacasanaárvore.ElaestásofrendocomumapaixoniteporThorsteneprovavelmenteoescalouparaopapelde
príncipeeheróiemsuamente,masissoestámeassustandodeverdade.Émuitobizarro,nãoseioquepensar.
-Bem,seráqueelanãoinventouumahistóriaparavocê?Vocêscontamhistóriasumaparaoutraotempointeiro,não?
-Não,mãe.–Juliaengoliuseco.–Elaestácommedo.Tipo,muitoassustada.Eupudevernosolhos dela. Ela disse que algo terrível aconteceria se ela falasse sobre o assunto. Ela disse que opríncipeficariaraivosocomelaseelacontasse.
Suamãeficoucaladadooutroladodalinha.- Eu conheço as viagens de fantasia deAnne,mas você está certa: isso não faz sentido. – ela
admitiuafinal.–Seeunãoaconhecessebem,eudiriaqueelausoualgumadrogaquecausoualgumtipodepsicose.
Juliariunervosamente.-Achoqueelaénovademaisparaisso.-Bem,éapenasumpalpite.–amãeparouporalgunssegundos.–Quãobemvocêconheceesse
Thorsten?-Nãomuitobem,maseleparecelegal.-Vocêsabeseelefumamaconha?AbocadeJuliaficouseca.Elanãofaziaideia,maseracompletamenteimprovável.Fechandoos
olhos,elatentouimaginarThorstensegurandoumbaseadoenquantotocavaguitarraemalgumlugardesertodafloresta,assistindoasduasgarotastrabalharem.
-VocêestáquerendodizerqueThorstenofereceuumbaseadoparaaminhairmãzinhaenquantoelesestavamconstruindoatalcabananafloresta?–elaperguntou,suacabeçagirando.
-Sóestoupensandoemvozalta–aSra.Guntherrespondeu.–Talvezelenãotenhaideiadequetipodeefeitoessacoisa tenhaemcérebros jovens.Equemsabe,elepode teratémesmoditoparaAnneeSabineparamanterolocalemsegredoporenquanto.SeAnneestiversendodrogada,essaspalavraspodemtersetornadoumaameaçanamentedela.
Com as pernas bambas, Julia tropeçou para trás, desabando sobre a poltrona no canto de seuquarto.
-Nãopossoacreditar.Nãopossoconceberalgocomoisso.Oqueraioseleestavapensando?–sua mãe estava certa, era isso que deveria estar acontecendo. Thorsten tinha involuntariamenteassustadosua irmãaodizerqueacasanaárvoredeviaserumsegredoeeledeveatémesmotê-ladeixado dar uma tragada em seu cigarro enquanto eles estavam trabalhando no bosque. Eleprovavelmente não havia tido a intenção de causar dano,mas infelizmente, ele havia prejudicadoAnne,dealgumaforma.
-Vocêquerqueeuváparacasa?–amãedelaperguntou.-Não,eunãoachoqueissosejanecessário.AnneprovavelmentevaiparaapiscinacomSabine
agora,entãoelavaificarbem.MasfiquetranquilaqueeuvouconversarcomThorstenhoje.Eleestáencrencado.
Julia finalizou a chamada e saiu ruidosamente do quarto, com uma expressão sombria. Nãoimportava o quanto o vizinho fosse doce e legal, ele havia conseguido irritá-la de verdade. Eledeveriaterficadolongedesuairmãzinha.
-Anne?–elacolocouacabeçaparadentrodaportadacozinha.–VoudebicicletaparaEichetfazercompras.Vocêvaiparaosvizinhos?
AnneselevantouepassouosdoisbraçosaoredordacinturadeJulia.-Oqueamamãedisse?–elasussurrou.-Eladissequenãoéparavocêficarassustada.Opríncipenãopodetecausarmal–Juliadisse
suavemente,decidindomanterabrincadeiraporenquanto.–Edapróximavezquevocêoencontrare
acharqueeleestáteassustando,vocêdevedizeraelequevocênãoquermaisvê-lo.-Ok.–AnneapertouabochechanoombrodeJulia.–Euvoufazerisso.Algunsminutosdepois, Juliaempurravaa suabicicletapara foradoquintaledeixavaAnnena
casadosvizinhos,dooutroladodarua.SabineeamãeestavamemcasaereceberamAnnecomosrostossorridentes,eJuliateveacertezaqueairmãsedivertirianaqueledia.
Enquantoisso,Thorsteniasedarbemmal,noquedependessedela.Juliaestavadeterminadaemfalarcomele,eseaquilosignificassequeela teriaqueperturbarapazdosupermercadolocal,elanão se deixaria abater. E daí se ele estivesse trabalhando e não tivesse tempo para ela?Ela estavaqueimando de raiva e a sua viagem frenética de bicicleta para Eichet não havia colaborado paradiminuí-la.Quandoelafinalmenteencostouabicicletanomuroecorreuparadentrodaloja,quasederrubou um carrinho que bloqueava parcialmente a entrada. Com o rosto corado de raiva, elaabordouaprimeiraassistentequeencontrouparaperguntarondeThorstenestava.
-Oh,eleacaboudeirparaofundopegaralgonobarracão–agarotarespondeu.-Obrigada.–Juliasaiupelaportaquedavaparaobarracão.Felizmente,elasabiaocaminhoao
redordosupermercado,porqueamãedelatambémtrabalhavaali.NãodemoroumuitoparaqueelaavistasseThorsten.Semperdê-lodevista,elaseaproximoudeleeparoubememsuafrente,comosbraçoscruzados.
-Precisofalarcomvocê–eladissefriamente.Elealançouumolharconfuso.-Hã,claro–eledisse,colocandonochãoacaixaqueestavacarregando.–Oqueaconteceu?-VocêprecisaparardefalarcoisasestranhasparaAnne.–Juliaexplodiu.–Vocênãopodedizer
quevocêvaificarbravocomelaseelarevelarolocalondevocêsestãoconstruindoaquelacasanaárvore.Elaestámuitoassustada,ok?Eeueaminhamãenãoficaríamossurpresasdesaberquevocêestá fumando um baseado no bosque enquanto trabalha na tal construção. Anne está contando ashistóriasmaismalucassobreisso.
OsolhosdeThorstensearregalaram,umolhardeprofundaincompreensãoemseurosto.-Desculpe,masdoqueraiosvocêestáfalando?-EstoufalandodeAnne.-Sim,euentendiisso.Eunãoentendioresto.Paraserhonesto,euestouachandoquequemestá
parecendomalucaévocê.JuliapegoufôlegoeexaminouThorsten.Elepareciagenuinamenteperplexo.Eleprovavelmente
nãopoderiaimaginarqueteriatamanhoimpactoemAnneesuaimaginaçãofértil.-Ok,possoverqueminhashistóriasparecemdesconexas,masoqueeuquerodizeréqueminha
irmãtemumcarinhomuitoespecialporvocêeoquevocêdizparaelaainfluenciamaisdoquevocêpossaimaginar.
Thorstensoltouumsuspiro,balançandoacabeça.-Olhe, eu achoquevocê está brigando comapessoa errada.Eunão ajudeiAnne eSabineno
bosque. Bem, eu fiz alguns desenhos para elas, para que elas tivessem as plantas, e eu ajudei atransportarmadeira,masfoisóisso.Comoéqueeupoderiaajudarasgarotastodososdias?Estoutrabalhando,não?Tenhofeitoturnosquatrovezesporsemana.
No silêncio que se seguiu, Julia deu alguns passos hesitantes para trás conforme absorvia,lentamente,aspalavrasdeThorsten.
Elenãohaviaajudadoasgarotas.Elenemmesmohaviasejuntadoaelasnasidasàfloresta.EntãodeondeéqueAnnehaviatiradoaquelahistóriamalucadela?
-TemcertezadequenuncausoudrogasnapresençadeAnne?–elapressionou,maspodiaouvirsuavozfalhar.
-Ok,éoseguinte.–Thorstenrebateu.–Quetipodepessoavocêachaqueeusou,hein?Eunãousodrogas,emesmoqueeuusasse,comcertezanuncameocorreria fumarmaconhana frentedaminhairmãzinhaedamelhoramigadela!Oqueéquetedáodireitodechegaraquiemeacusardetodotipodecoisashorríveis?
-Desculpe.– Julia sussurrou, como rostocoradodevergonha.Thorstenestavaabsolutamentecerto. Ela havia se preparado para acusá-lo como um maconheiro irresponsável, para ter umaexplicaçãopara ahistória esquisitadeAnne. Julia secouas lágrimasquebrotaramemseusolhos,soltando a respiração, trêmula. Agora que ela havia descoberto que Thorsten não era o idiotadrogadoqueelaohaviaacusadodeser,elaestavasemideia,excetoopensamentodequeAnneestavaperdendoacabeça.Seráqueasuairmãzinhaestavaficandolouca?
-Ei,nãochore.–Thorstenpareciaalarmado.Elecolocouamãoemseuombro.–Desculpetergritadocomvocê,eunãoquistechatear.Masentão,doqueexatamenteAnneestácommedo?
-Eu...Eunãosei.–Juliagaguejou,confusa.–Eunãoconsigoentender.Thorstenapuxouparaperto,seubraçoaoredordesuacintura.-AchoquevocêdeveriairparacasaeconversarcomAnnedenovo–eledisse,sério.–Crianças
dessaidadepodemterumaimaginaçãomuitofértil.Talvez,fértildemais.Sevocêachaquealgoestárealmenteerradocomela,euapostoqueasuamãepoderiapediraopiniãodeumespecialista.
-Euvou–Juliarespondeutimidamente–Eusintomuitomesmo.-Desculpas aceitas – ele disse suavemente –Você só está preocupada comAnne, então vamos
esquecerqueissoaconteceu.–elebeijousuatestaeasoltou.–Porquevocênãopassaláemcasaeperguntaparaaminhamãeseelasabeoqueelastemfeitonaflorestaessesdias?Eladevesaber.Ei,eusaioàstrêshoje,entãoeuvouatélá,versevocêestámelhorestatarde,ok?
Juliaconcordou.-Obrigada.Vougostarmuito.Aindasesentindoenganada,elaseviuparadaaoladodesuabicicleta,desorientada,apóssairdo
supermercado.Quando finalmente semoveu, Julia foi atéacasade suaavó,nopilotoautomático.Suaavóestavanojardimemfrenteacasa,regandoasplantas.Elaacenouquandoviuanetaaparecernaestrada.
-Quebomquevocêveiomevisitarhoje,antesqueMichaeltometodaasuaatençãoestanoite–eladisse,comumsorrisodeorelhaaorelha,masseurostoficousérioquandoelaolhouJuliamaisdeperto.–Qualoproblema?Vocêparecepreocupada.
Quando a avó veio em sua direção e a puxou para um abraço, Julia desabou a chorar. Semperguntar mais nada, a avó a levou para dentro até a cozinha, onde ela silenciosa e calmamentecolocouumaxícaradecháparacadaumadelas.ElaempurrouopotedebiscoitossobreamesaeJuliapegouumdechocolate,comendo,semprestaratençãoaosabor.Todoseucorpopareciafracoeelatomouumpoucodocháparasesentiraquecidaediminuirsuatontura.
-Vovó.–elacomeçou,comavozfraca.–VocênãodissequeachavaquealgoestavaacontecendocomAnneaqueledia?
Avelhasenhoraolhouparaela,examinando-a.-Eutiveumacertasensaçãodequealgoestavaerrado,sim.Aconteceualgumacoisa?Julia fezque simecalmamentecontouparaaavóoqueAnneahaviacontadonaquelamanhã.
Comoelapareciarealmenteacreditarnocontodefadasqueelamesmahaviainventado.Oquantoelaestavaassustada.
-Ah,meuDeus.–aavópareciachocada.–Vocêestácertaemsepreocuparcomisso.SeiqueAnnegostadecontosdefadas,assimcomovocê,masnãofazsentidoqueelafujaparadentrodeumahistóriadaqualelaestejacommedo.
-Seráqueelainventouessecontodefadasparaseprotegerdealgoqueelaestácommedo?
Aavóficouemsilêncioporummomento.–Vocêdissequeelamencionouqueelanãoestavaautorizadaafalarsobreisso.Eladissequeera
umsegredo?-Sim.–Juliaprendeuarespiração.- Issome lembra do comportamento estranho de uma amiga que eu tinha quando eu era uma
garotinha.–aavóencarouaxícaradecháemsuasmãos.–Elacostumavagostarde inventar todotipo de histórias fantásticas,mas eu sempre achei que ela erameio ansiosa e reservada.Algumasvezes,elamencionavaumsegredoqueelanãopodiacontaraninguém.Depoisdecertotempo,nósdescobrimosqueopaibatianelacomfrequência.Elepodeterfeitooutrascoisascomelatambém.Eusempreacheiqueelanutriaumagrandetristeza.
UmarrepiopercorreuacolunadeJulia.-VocêachaqueAnneestásendoabusadaporalguémpróximoaela?Alguémqueconhecemos?-Eunãosei.Éumapossibilidade.-Masquem?Quempoderiaser?Freneticamente,elapercorreuumalistamentaldaspessoascomquemAnnelidavadiariamente:
pessoasnavizinhança,naescola,nasaulasdemúsica...Aavócolocouumamãoemseubraço.-Seeufossevocê,discutiriaesseassuntocomasuamãeestatardeeenvolveriaaAnnetambém.
ElapoderiafalarcomomédicooutalvezcomalguémnoConselhodaCriança.Nãohánecessidadedesuspeitardetodasaspessoasquevenhamàmente.Afinal,vocênãoquerfazerfalsasacusações.Certamente,nãoemumcasocomoeste.
AconfrontaçãocomThorstenvoltouemsuamentecomoumflasheJuliafezumacareta.Suaavóestavacerta,elanãoqueriairporaquelecaminhonovamente.
-Vouparacasa.–eladecidiu.–Eeuvouligarparaamamãeparapedirqueelavolteparacasamaiscedo,paraconversarmoscomAnnejuntas.
-Boasorte–aavódisse–Euligoparavocêsduasestanoite.Mergulhadaempensamentos,Juliafoicomabicicletaparacasa.Osolestavabrilhandoeasaves
estavamcantando,maseracomoseumasombrainquietapairassesobreela.PensarsobreavisitadeMichaelnaquelanoitenãoajudavaemnada,elaestavapreocupadademaiscomAnne.Elanuncahaviaficadotãoassustadaemtodaasuavida.
Depoisdecolocarabicicletadevoltanoabrigo,Juliaatravessouaruaparavisitarosvizinhos.Thorstenhavia sugeridoumaconversacomamãedele,entãoaquiloeraoqueela fariaprimeiro.Possivelmente,aSra.EbnerterianotadoalgopeculiarnocomportamentodeAnnetambém.
Sabineeamãeestavamsentadasnogramadobrincandocomumjogodecartas.Juliacongelou,opânicobrotandoemseupeito.Ondeestavaasuairmã?
-Ei,Julia-Sabineacumprimentou.–Anneacaboudeir.Eladissequeiaveraavó.-Avovó?–Juliasentiuosanguedesaparecerdeseurosto.Sefosseverdade,ela teriacruzado
comAnnenocaminhodevoltadeEichet...Anãoserqueasuairmãtivessedecididoirdebicicletapelobosque.
- Vejo vocês depois. – ela murmurou, correndo de volta para casa para pegar a bicicletanovamente.A toda velocidade, Julia correu para o bosque, ficando sem fôlego ao chegar à trilhaprincipal da floresta. Deste ponto em diante, ela teria que ir mais devagar, em razão da estradaesburacada,mas ela tentavausar aquilo em seu favor, olhando febrilmente para todos os lados naesperançadeencontrarAnneemalgumlugar.
Quandoaestradaacaboueasárvores ficarammaisescassas, Juliaparoueencaroucegamentecéuazul,olhandoporentreascastanheirasnofimdatrilha.Elasesentiaenjoada,omedoinjetandoumadosedeadrenalinaemsuasveias.Atensãoqueatravessavaseucorpoenfraqueciaseusmúsculos.
Anne não estava em lugar algum. Ela não acreditava nem por um segundo que sua irmãzinhahaviadecididovisitaraavóhoje.Eladesejavavoltaràflorestadesdeanoiteanterior,entãoelahaviaescapadosorrateiramente,desaparecendonomeiodobosque.
Julia tateouosdoisbolsosda calçaprocurandopor seucelular, atéque se lembroudequeeleestava em casa. Nada de ligar para Anne ou para sua avó. Desesperada, ela se virou lentamente,olhandoparatodasasdireções.Elaparouabicicletacontraumaárvoreeemumúltimoesforçoparaencontrar Anne sem ajuda, Julia começou a correr ao longo do limite da floresta. Talvez eladescobrisseAnne vagando em algum lugar se ela fosse para o norte, onde a floresta ficavamaisescuraemaisdensa.
- Isso é loucura. – ela murmurou para si mesma, depois de andar por cinco minutos semencontrar qualquer sinal de sua irmã. Não fazia sentido gastar uma tarde frustrada andando emcírculoscomoumaidiota.
Assim que decidiu se virar e voltar para sua bicicleta, Julia viu alguém caminhando entre asárvores,paraonorte.Afiguraestavaaindamuito longe,maseradefinitivamentealgumandarilhocaminhandopelobosque.ElepoderiatervistoAnneemalgumlugar.Juliafechouosolhosetentouacalmarasuarespiração.Elateriaqueesperaraquieperguntarparaapessoa,quandoelaemergissedafloresta.Quandootalandarilhoseaproximou,elaviuqueeraumgarotonãomuitomaisvelhoqueela.
Seucoraçãoparouquandoeleseaproximouaindamais.Aluzdosolatingiuseucabelolongoeloiro.Dois olhos azuis brilhantes encararam os dela. Ele emergiu das árvores e Julia começou atremer.
ElaestavaencarandoafaceangelicaldeLegolascomosolhosazuisdeThorsten.Ele era o Príncipe da Floresta. O garoto que Anne havia desenhado em seus cadernos, os
desenhosqueJulianãodeveriatervisto.
10.-GrüssGott.–ogarotoacumprimentoueducadamente.
Juliaengoliu.-Olá.–suavozsoavaestridente,masogarotonãopareceunotar.Elepassouporelaecontinuou
caminhando,desviando-separaadireita,parachegaratéaestradaquelevavaaEichet.Juliahesitouporumsegundo,entãocomeçouasegui-loacertadistância,osuorescorrendopelaspalmasdesuasmãos.Elaesperavaqueelenãoolhasseparatrás.
Anne havia encontrado aquele garoto na floresta. Aquele mesmo garoto. Ela tinha certeza. EaquelaeraachancequeelatinhadedescobrirondeeleviviaedizeraelequedeixasseAnneempaz.EseeletivessedadodrogasparaAnne?Eseeletivesseatémesmoabusadodela?Juliatentouafastaras lágrimas. Com um nó em seu estômago, ela seguiu o garoto até que ele entrou em uma casaisoladaemumdosbairrosmaisricosdeEichet,àumapequenadistânciadasdemaiscasasdaquelaruatranquila.
Juliaparouindecisa,atrásdeumaárvoregrossapróximaàcasadogaroto,seusolhosfixosnaportadeentrada.Comoassim?Elatinhacertezadequeaquelegarotohaviafeitoalgoerradoouelaestavaprestesaabordaroutrapessoainocentecomummontedeacusaçõessinistrasefazerpapeldeidiotapelasegundaveznodia?
Fazendoumacareta,Juliasuspirouesevirou,depoisdememorizaronomedaruaeonúmerodacasa. Ela começou a correr de volta para o lugar onde havia deixado a sua bicicleta. Talvez elaestivesse fazendo uma tempestade em copo d’água. Talvez Anne já estivesse de volta quando elachegasseemcasa.Esenão,elaligariaemseucelularediriaparavirimediatamenteparacasa.Elaligariaparaamãetambém.Tudoficariabem.
QuandoJuliavirouparasuarua,aSra.Ebnersaiudesuacasaeatravessouaruaparainterrompê-la.
-Julia–eladisse,comorostopreocupado.–Oqueestáacontecendo?VocêencontrouaAnne?-Não,nãoencontrei.–Juliacolocouabicicletacontraacerca.–Vouligarparaelaagora.Epara
minhamãetambém.-Desculpeportê-ladeixadosairsozinha.Eumesintotãomalagora.Eunãopenseiquehaveria
problemaemdeixarAnneirparaacasadaavó,masentãoSabinemedisse...–avozdelasumiu.-Oque?–Juliaesperouansiosaarespostadavizinha.-SabinedizqueAnnetemocostumedeirsozinhaparaobosqueultimamente.Eelanãotemideia
doqueAnneestáfazendolá.Algumasvezessuairmãrecebiamensagensdetextoeiaemboralogoemseguida,semdizeraSabinedequemera,masmencionavaqueiatrabalharemsuahistória.
-Ah,meuDeus.–Juliaseinclinousobreacerca,suaspernastremendo.–Eelasódisseissoparavocêagora?
-Sim,porqueAnneviviadizendoqueeraumsegredo.Sabinenãoqueriatrairaconfiançadela.–orostodaSra.Ebnerestavapálido.–Euachoquevocêdeverialigarparaapolícia.Háalgoestranhonessahistóriatoda,sevocêquersaber.
-Voufazeralguns telefonemas.–Juliafoiparadentroecorreuescadaacimaparapegaroseucelularechecarsehavianovasmensagens.Nenhumamensagemdetextoouchamadasperdidas.ElaligouparaAnneealigaçãochamouváriasvezesantesdecairnacaixapostal.
-Anne,vocêtemquevoltarparacasaimediatamente–eladisse,séria–Eporfavor,meliguedevoltaquandoreceberestamensagem.–eladesligoueligouparaaavó.
-Alô.-Vovó,éaJulia.AAnneestácomvocê?
-Não,elanãoestá.Julia,oqueestáacontecendo?Vocêconversoucomela?Juliarespiroufundo.-Não,eunãotivechance.Elanãoestavaaquiquandoeuvoltei.Vouligarparaamamãeagora,
ok?–suavozfalhou.-Façaisso.Meconteoqueaconteceu,querida.-Podedeixar,vovó.Juliadesligoueligouparaocelulardesuamãe.Nenhumaresposta.Elanãoqueriasimplesmente
deixarumrecado,entãoela ligouparao telefonefixo.Felizmente,o tioHelmutatendeudepoisdedoistoques.
-Olá.ÉaJulia.AmamãeaindaestácomvocêeatiaVerena?-Sim,elasestãotomandocafénavaranda.Vocêquerqueeuachame?-Porfavor.Enquanto Julia esperava por sua mãe, ela se levantou e caminhou até o quarto da irmã.
Atropeladamente,elaabriuosarmáriosegavetasparaprocurarosdesenhoseodiáriodeAnne.Elapossivelmenteencontrariaalgumapistaali.
-Oi,querida.VocêfaloucomoThorsten?–amãedisse,interrompendosuabusca.-Falei,maselenãosabedenada.Mãe...Annesumiu.ElamentiuparaosEbnersobreirvisitara
vovó e saiu para a floresta sozinha. Eu acho... – Julia respirou fundo, o choro escapando de suagarganta.
-Espere!–amãegritou.–Oqueaconteceu?Porquevocêestátãochateada?Commuita dificuldade, Julia contou para amãe o queThorsten e a avó haviam dito e o cara
misteriosoqueelahaviaencontradoenquantoprocuravaporAnnenobosque.-Ok.Estouindoparacasaagoramesmo–aSra.Guntherdisse,suavoztrêmula.–Masprimeiro
euvouligarparaapolícia.Elesdevemchegaraímaisrápidodoqueeu,masvocêpodeseadiantareconversarcomeles.Diga-lhesexatamenteamesmahistóriaquevocêmecontou.Euestareiaíomaisrápidoquepuder.
Juliadesligou.Naqueleperíodo,elaconseguiuencontrarumagrandepilhadedesenhosqueAnnehavia feito. Ela olhou, sem enxergar, aos outros retratos que ela havia feito do garoto loiro dobosque.Haviamaistrêsalémdodesenhoqueelajáhaviavistoeasemelhançaerachocante.Elatinhaqueentregá-losaospoliciais,comoprova.
AgavetadaescrivaninhadeAnnecontinhaodiáriodela.Eleestava trancadocomumcadeadofrágil,quenãopareciadifícildeabrir. Juliapegouodiárioeo levouparabaixo,parapegarumapequenachavedefendanacaixadeferramentas.Depoisdetrêstentativas,elaconseguiuarrombá-lo.
Juliasesentoupesadamentenamesadacozinha,comolivroemsuafrente.Quandoelaabriuodiário,acaligrafiainfantildeAnneaencaravanaspáginas.Julialimpouuma
lágrima solitária, apertando os punhos. A polícia tinha que encontrar sua irmã, e talvez eladescobririaalgumaspistasnessediárioquepudessemajudá-losnatarefa.Rapidamente,elafolheouaspáginasatéquealgonamargemchamousuaatenção.Eraumalinhainteiradecorações,ligadosporuma linha elegante, quepareciaum ramo.Os corações estavampintadosdeverde comcanetahidrográfica.OcoraçãodeJuliaacelerouquandoelacomeçoualerapáginadecoradadodiário.
“EueSabinecomeçamosnossotrabalhonacasadaárvore,equandoelafoiparacasa,eufiqueiparatrás,paracaminharumpoucomaisparadentrodafloresta.Ealgoaconteceuali.Eracomoumsonho!Haviaumlindogarotoali,sentadoemumtroncodeárvore.Elecomeçouaconversarcomigoemedisseque tambémmeachavabonita!Eledissequeeupareciaumaprincesa.Maseunãopossocontaraninguémqueeuoviali.Euachoqueelepode seroPríncipedaFloresta!Seráqueeleéreal?”
“Entãohoje,eupergunteiseeleeraopríncipedobosqueeeledissequeeuhaviaacertado.Nãopossoacreditar!Eledizqueoportalparaopaláciodeleestáemalgumlugarnaflorestaequeéporisso que eu nãoposso contar a ninguém sobre ele ou sobre os nossos encontros.Ele está tentandoesconderaentradaparaaTerraEncantadaparaqueninguémmaispossaachar.Antesdeeuvoltarpara casa, ele dançou comigo e até me beijou, assim como nos livros de história. Estou tãoapaixonada!!!”
“Elemedeualgunscogumeloshoje.Eledissequeseeuoscomesse,eupoderiaverasfadasquemoravamdooutroladodoportal,poralgunssegundos.Foimuitoestranho.Primeiroeuvitodosostiposdecoisas lindasemaravilhosas,masdepois euquis vomitar.Achoqueéporqueeu tinhaquevoltarparaomundodoshumanos.”
“Eu sentei no colo dele, com os braços dele ao redor domeu corpo e eu comi outro daquelescogumelosencantados.Pareciaqueeuestava flutuando.Eledissequeelemefariaaprincesadele,quando voltasse para seu palácio. Todos os dias ele diz que sou linda!! Ele é meu príncipeencantado.”
“Eleestavabravocomigo.Eumostreiumdesenhoqueeu fizdorostodele,maseleorasgou.Eentão ele gritou comigo, dizendo que eu não podia nunca contar a ninguém sobre ele ou sobre aentradanoreinodele,porquealgoterrívelaconteceriaseeufizesseisso.EuestavaplanejandocontarparaaJuliasobreele,masagoraeuestouassustada.Porqueeleestavatãobravo?Elenãoestámaisapaixonadopormim?”
O estômago de Julia revirou quando ela empurrou o diário namesa e se recostou na cadeira.Aquilo eramuito pervertido e errado de todas asmaneiras, e ela não conseguia parar de tremer.Então eramesmo aquele garoto loiro que ela encontrou no bosque.Aquele pedófilo doente haviatocadoAnne.Eleahaviaseguradoemseusbraços,abeijado,dadocogumelosparaelacomer.Elehaviamentidoparaelaparaquepudessesetornaropríncipedocontodefadasdela.Eela,Julia,tinhainocentementecontadoaAnnenaquelamesmamanhãqueopríncipenãoapodiamachucarnemaforçaravê-lo,seelanãoquisesse.
Erepentinamente,elaselembroudotelefonemaqueAnnehaviarecebidoenquantoelaestavanobanho.Talveznãohaviasidoumadesuascolegas,afinal.Talvezhaviasidoaquelegaroto,dizendoaelaparairseencontrarcomelenafloresta.EntãoeraporissoqueAnnetinhaparecidotãoansiosaeinsegura.
Julia despertou quando a campainha tocou. Lutando contra as lágrimas, ela se levantou paradeixar os policiais entrarem.Ela tinha que ser coerente em seu interrogatório.O diário podia serusadocomoprovatambém,entãohaviasidoumaboacoisaencontrá-lo.
Masnãoeraapolícia.Quandoelaabriuaporta,Thorstenestavaparadoali.-O-oi.–elagaguejou.–Vocênãoiatrabalharatéàstrês?Eleentrounacasa.-Eusaíumpoucomaiscedo.Estavapreocupadocomvocê.–elealançouumolharquestionador.
–Ecomrazão.Vocêestáhorrível.VocêjáfaloucomaAnne?Ouvironomedairmãerademais.Juliacaiunochoro.-Não.–elalamentou.–Annesumiu.Desapareceu.Eeuestoucomtantomedoqueessetalgaroto
atenhamachucado,-Esperaaí.Quegaroto?-Ogarotodobosque.–Juliasussurrou.–Ogarotoqueeladesenhou.Ogarotodequemelafala
nodiário.–elafoiemdireçãoàcozinha,comaspernasbambas,emostrouaThorstenodiárioeosdesenhos,contandoahistóriasobreterencontradoessegarotomisterioso,parecidocomoLegolas,nafloresta,osdesenhosqueAnnehaviafeitoeashistóriasassustadorasqueelahaviacontado.
-Apolíciaestáacaminhoeeutenhocertezadequevãoapreenderogarotoparainterrogatório.–Thorsten a assegurou, com o rosto sombrio. – Ele pensará duas vezes antes de incomodar Annenovamente.Eunãoachoqueeleirámachucá-la,elenãoousaria.Elesabequeelafezdesenhosdele,afinal.
-Espero que você esteja certo – Julia respondeu, abatida.Ela pegou o celular: ainda nenhumamensagem.–Mas,Thorsten,eseelanãovoltar?Oqueeuvoufazer?
-Vamosdarumtempo.–Thorstenpassouobraçoaoredordela,balançando-aparafrenteeparatrás,gentilmente,quandoelacomeçouachorarnovamente.–Seacalme.
Algunsminutosmais tarde,aportadafrenteabriueaSra.Guntherentroucomtrêspoliciaisaseguindo.Elaolhouparaafilhamaisvelhaansiosa.
-Anneaindaestádesaparecida?Juliaolhouparaamãe.Erahoradecontarasoutrascoisasqueelahaviadescoberto,maselanem
sabia por onde começar. Por sorte,Thorsten tomou a iniciativa emostrou à polícia o diário e osdesenhos,contandoaeles tudoqueJulia lhehaviacontado.Ele tambémdeuoendereçodogarotomisteriosodosdesenhos.
- Vamos até lá verificar. – o detetive que comandava a equipe prometeu. – Acho que vouprovidenciarummandadodebusca imediatamente.Seeleestivermantendoaquelagarotinhapresadentrodacasaouemalgumlugarpróximo,nósaencontraremos.
-Podemosir?–Juliaperguntoutimidamente.Odetetivebalançouacabeça.-Vocênãovaiquerer,acredite.Nãovaiseralgobomdever.Voltoassimquepuder.ApolíciafoiemboraeaSra.GuntherdesabounobancodacozinhaaoladodeJuliaeThorsten.-Eudeveriaterdadomaisatençãoaela.–elamurmurouvagamente.–Eudeveriaterficadomais
emcasa.Eunãodeviaterpermitidoqueelaperambulassetantoporaí,sozinha.OcoraçãodeJuliasedespedaçouquandoelaviuamãeseculpando.Reconhecidamente,elahavia
pensadoasmesmascoisas,algunsdiasantes,masnãoeraculpadesuamãeoqueestavaacontecendo.Alémdisso,oqueelapoderiaterfeitodiferente,dequalquermaneira?Elaeraumamãesolteira,comduasfilhas.
-Não faça isso,mãe.–ela sussurrou,puxando-aparamaisperto.–Nãoseja tãoduraconsigomesma.Comoéquenóspoderíamossaberoqueestavaacontecendonaquelafloresta?
-Desculpe–amãerespondeu,umchorodesesperadoemsuavoz.Thorstenselevantou.-VouperguntarparaaSabineoqueelasabe,maisumavez–eledisse,determinado–Talvezas
perguntascertasvãofazê-laselembrardealgomais.MinhamãedissequeelasabiamaissobreospasseiosdeAnnenafloresta.
Juliaergueuosolhos.-Vocêvaivoltar?–derepente,elaprecisavadesesperadamentedoseuapoio.Eledavaaforçaque
elaprecisavaparaacreditaremumfinalfeliz.Eleconcordou.-Euvoltologo.–prometeu.ASra.Guntherficoudepéemumsaltoecomeçouaandarpelacozinha,doentiamenteesfregando
todasasbancadascomumaesponja.- Não posso simplesmente ficar sentada. – ela explicou, quando Julia a encarou. – Vou
enlouquecerseficarpensandodemais.Juliasorriufracamente,deixouacozinhaesesentounoúltimodegraudaescadaagarrandooseu
celular.AprimeiracoisaqueelafezfoiligarparaAxelparacontarsobreosacontecimentosdaqueledia.
-Oque?–eleexclamou, incrédulo.–Euestarei aí assimquepossível.Estávamos indoparaoensaiodabandadoMoritz.Dequalquerforma,jáestamosdentrodoônibus.
-Nós?-Sim,eueGaby.Estaremosaíemuminstante,ok?Quandoacampainhatocou,Juliaeamãequase tropeçaramnocaminhoparaaportadafrente,
masnãoeraapolícia.Thorstenestavaali,aoladodeSabine.Agarotaansiosamenteolhavaparaelas.- Eu não sabia que ela estava fazendo coisas perigosas – a pequena vizinha disse com a voz
entrecortada-Elasemprepareciatãofelizquandovoltavadafloresta.Eeladissequeeunãopodiacontarosegredodelaparaninguém.
ASra.GunthercolocouumamãonacabeçadeSabine,consolando-a.-Nãohavianadaquevocêpudessefazer,querida.Porquenãonoscontaagora?Digatudooque
vocêsabesobreAnneeaondeelasempreia.-Bem,eladiziaque seeualgumdiaencontrassealgumaportana floresta,queeunãodeveria
atravessá-la,porqueissochateariaoPríncipedaFloresta.-Umaporta?–JuliapensounoportalsobreoqualAnnehaviaescritoemseudiário.-Sim, foi o que ela disse.Eu achei estranho.Vocêvêportas emcasas, e não existemcasasna
floresta.Eupenseiqueelaestivesseapenasmecontandoalgumapartedahistóriadela.Eusabiaqueelaestavaescrevendoedesenhandocoisasparaisso.
- Seria possível haver alguma cabana abandonada em algum lugar da floresta? – Thorstensugeriu.
-Nãofaçoideia–Juliarespondeu–Nuncaencontreinadadotipo,mastambém,eusempresigoastrilhasquandovoucorrerouandardebicicleta.
- Talvez devêssemos ir procurar por ela. – Sabine olhou os adultos ao seu redor, seus lábiostremendo.
Thorstenconcordou.-Nósvamos,massemvocê.Nãoquerosaberdeperdermaisnenhumagarotinhanaquelafloresta
hoje.Sabineinsistiucomoirmão,massemsucesso.Elaoseguiuemburradaportaafora.NãodemoroumuitoparaqueAxeleGabyaparecessemnaportadafrente.Gabycorreuparaa
amigaeaabraçouforte,enquantoJuliasemdizernadaenterrouorostonocabeloescurodeGaby.-Ah,meuDeus,Gaby,essediainteiropareceumpesadelo.–elafungou,quaseinaudível.Axelabraçouatia,eelestodosficaramemsilêncioporalgunssegundos.EntãoJuliaseafastou,
levandoGabyeAxelparaacozinhaparamostrarosdesenhoseodiário.Enquantoisso,amãefezcháparatodos.
-Aquelemalditodoente!–Axeldisparou,jogandoodiárionamesaaoacabardeler.–Sabedeuma coisa? Eu espero que a polícia o prenda pelos próximos trinta anos. Pessoas desse tipo nãodeveriam poder sair de lá nuncamais. – ele ficou em silêncio, o rosto branco como papel.Gabygentilmente pegou a suamão e deu uns tapinhas encorajadores, o que fezAxel se jogar em seusbraçoscomumsorrisofracoemsuadireção.
Juliaobservouseusdoisamigosdooutroladodamesaesentiuumesboçodeumsorrisocruzarseurosto.PareciaqueofilmedanoiteanteriorhaviasidobomparaGabyeAxel.
Quandoacampainhatocounovamente,eraoDetetiveSpitzer,quehaviavisitadoacasadogarotoemEichet,seguidoporThorsten.Osenhorentrounacozinha,orostosério.
-Eentão?–aSra.Guntherergueuoolhar,aflita.-NãoencontramosAnne.–elepegouumacadeiraesesentoupesadamente.–Fizemosumabusca
pela casa, mas não pudemos encontrar nada suspeito, ou nada de mais, de qualquer forma.Encontramos, sim, alguns cogumelos mágicos no quarto do garoto. O nome dele é Andreas
Mittelmayer. Nós o levamos em custódia para interrogatório na delegacia. Eu os mantereiinformadoseligareimaistarde.–OpolicialtomouumpoucodocháqueJuliaohaviaentregadoeentãocontinuouemvozbaixa.–Istoposto,achamosoutros itensnacasaquelevantaramsuspeitas.Diferentes tipos de clorofórmio... Mas, a Sra. Mittelmayer é veterinária, então ela precisa denarcóticosparaseutrabalhoalgumasvezes.Alémdisso,nãosepodeusarclorofórmioparadrogaralguémsemsaber.Estaéumalendaurbana.
QuandoodetetiveSpitzersaiu,oscincoficaramsentadosnamesadacozinha,catatônicos.AnnenãoestavanacasadeAndreas.Então,ondeéqueelaestava?Seriapossívelqueelaaindaestivessevagandopelafloresta?
-Vamosprocurarporela.–Thorstenexplodiu.–PorAnne,ouporaquelaportamisteriosaqueelaestavafalando...Qualquercoisa.Temosquetomarumaatitude.
-VouligarparaavovóeparaatiaVerena.–amãedeJuliaanunciou.ElapegouamãodeJulianocaminho.–Nãofiqueforamuitotempo,ok?Eporfavor,leveoseutelefonecomvocê.
Julia concordou. Ela e Thorsten pegaram suas bicicletas, enquanto Gaby e Axel pegaramemprestadoadaSra.Guntherparairemjuntos.GabysesentounagarupaeseguroufirmeemAxel,queestavapedalando.
JuliaparoudepedalarporuminstantequandoselembroudeseuencontrocomMichael.Eleiriaatéasuacasanaquelanoite.Nãoseriamelhorcancelarojantardeles?Aindaassim,elaqueriavê-lo.Elaqueriaqueeleaconsolasse,damesmaformaqueThorstenhaviafeitomaiscedonaqueledia.Epeloqueelasabia,elesencontrariamAnnenaflorestaagora,eessepesadeloestariaacabadoantesmesmodeeleaparecer.
Quandoeleschegaramà floresta, seguirama trilhaprincipalporuminstante,atéqueThorstendesceudesuabicicleta.
- Vamos deixar as bicicletas aqui e ir andando. – ele apontou para uma área escura cheia deárvoresquebloqueavamavisãodeles.–Sabinemedisseondepodemosveracasanaárvorequeelasestavam construindo, podemos usar aquele local como ponto de encontro e cada um vai em umadireçãofazerabusca.
-Boaideia.–Axelconcordou.–OlocalqueAnneusavaparaseencontrarcomaquelesinistronãodevesermuitolongedelá.
Ummomentomaistardeelesencontraramacabanaeseespalharam.Thorstenfoiparaadireçãooeste,JuliaparaonorteeGabyeAxelparaoleste.Elesvinhamdosul,ondeestavamtodasastrilhasdeciclistasebicicletas,entãonãoprecisavamolharali.Todosestavamcomrelógiooucarregandoumcelular,paraquepudessemficaratentosàhora.Osquatrotinhamconcordadoemcaminharpormeiahoraeentãovoltar,paraquepudessemestardevoltaàcasanaárvoreemumahora.
Juliafoiaprimeiraavoltarparaopontodeencontro,depoisdeirparaonorte,semencontrarnada.Ela havia andado a umcerto ritmo e havia corrido na últimaparte do trajeto, então ela nãoestavasurpresapornãoterninguémaliainda.Secandoosuordesuasobrancelha,elasesentouemumtocodeárvoreeverificouocelular.Talvezhouvessenotíciasdosoutrosmembrosdaequipedebusca.
Elatinhaduasnovasmensagens.AprimeiraeradeMichael.“estareiaíàs4:30,omartinvaimeliberarmaiscedo:)Tevejomaistarde!!bj”AsegundaeradeGaby.“Jules, achei umgrampode cabelo que parece umdaAnne.Marquei o lugar e estou voltando
agora.Temqueligarprapolícia!”O estômago de Julia revirou. EntãoAnne tinhamesmo se aventurado para dentro da floresta.
GraçasaDeus,GabyeAxelhaviamencontradoalgo.Pelomenosapolíciateriaumaideiamelhordeondeprocurarairmãagora.
“querido Michael, está acontecendo muita coisa aqui e nada boa... minha irmãzinha estádesaparecida,provavelmentefoisequestrada.Porfavor,venhaparacáoquantoantes.Voutepegarnopontodeônibus.Bj.Julia.”
Elaenviouarespostarapidamentedevolta,antesdeligarparaGaby.Aamigaatendeunoprimeirotoque.-OiJules.–elaofegou.–Estaremosaídaquicincominutos.Essegrampo...Éumdaquelescor-
de-rosadaHelloKitty.OAxeltemcertezadequeédoconjuntoqueeledeuparaeladeNatal.- Bom saber que vocês encontraram alguma coisa que leve a ela. – Julia disse, séria. – Estou
esperandovocês.Quando ela desligou, viuThorsten se aproximando.Ele estavabalançando a cabeça, indicando
quenãohaviaencontradonada.-GabyeAxelencontraramalgo–elagritouparaele.Eleacelerouopassoesesentouaoseuladonotocodeárvore.-Mesmo?Oqueelesacharam?-Umgrampodecabelo,deumconjuntinhoqueAnneusamuito.Eusónãolembroseelaestava
usandogramposestamanhã.- Bem, nós devemos ligar para o detetive.Quem sabe aquele talAndreas pode ter confessado
algo.NãodemoroumuitoparaqueGabyeAxelvoltassemparaacabana.Axelentregouogrampode
cabeloparaJulia,semfalarnada.Elaoreconheceuimediatamente.-Sim,édela.Oh,Deus.- Nós desenhamos um mapa de como caminhamos para chegar àquele lugar – Gaby disse,
mostrandoalgumasindicaçõesrabiscadasnoversodeumrecibodeloja.-Vamosparacasa.–Juliaselevantou.–Temosqueavisarapolícia.Osquatrovoltaramdebicicletaomaisrápidoqueconseguiram.ASra.Guntherestavanojardim,
conversandocomaSra.Ebnerquandoeles chegaram.Seu rosto ficoubranco comopapel quandoJuliaamostrouogrampodecabelo.
-Oh,não.–elasussurrou,emchoque.–Oque...Ondevocêsoencontraram?-Nomeiodafloresta–Axelrespondeu–MasnãovimosnenhumsinaldaAnne.Amãe de Julia caiu no choro, parecendo completamente esgotada. Toda sua energia havia se
acabado.-Vocêdevelevá-laparadentro.–ASra.EbnersugeriuàJuliaeAxel.–Suaavóestánasala,ao
ladodotelefone,paraocasodeapolícialigarnovamente.GabyeThorstenseguiramosoutrosparadentro.-Oi,vovó.–Axelcumprimentouasenhora,desanimado.–Porquevocênãoesticaaspernase
deixaJuliavigiarotelefone?Elaprecisaligarparaadelegacia.AsmãosdeJuliatremiamenquantoeladigitavaosnúmeros.-Olá,euestouligandoparafalarsobreAnneKandolf,a...Agarotadesaparecida.–elagaguejou.
–PossofalarcomoDetetiveSpitzer,porfavor?Quandofoicolocadanaespera,seucelularapitou.EraumamensagemdetextodeMichael.-Ah,droga,elejáestánopontodeônibus.–elamurmurou,mostrandoamensagemaGaby.–
Você poderia, por favor, ir buscá-lo? Ele não sabe direito onde eu moro, e eu prometi que iaencontrarcomelelá.
-Considereissofeito.–amelhoramigasorriufracamenteedeixouasala.Naquele momento, a música do outro lado da linha foi interrompida e o detetive atendeu ao
telefone.
-Spitzer.–avozdeleecoou.- Detetive? Aqui é Julia Kandolf. Eu acabei de ir até o bosque com meus amigos e nós
encontramos um grampo de cabelo que pertence a Anne. Nós achamos que ela o perdeu quandoencontrouAndreasMittelmayer.Eusónão lembroseelaestavausandoeleessamanhã.Épossívelqueelatenhaperdidoháalgunsdias,também.
OdetetiveSpitzersuspirou.-Eu estavamesmoprestes a ligar para você e suamãe.As coisas não parecemboas.Andreas
Mittelmayer não nos disse nada. Ele afirma categoricamente que nunca viu Anne na vida. Nãopudemos encontrar um traço sequer da presença deAnne em sua casa.Ninguémna vizinhança selembradeverosdoisjuntos.OtelefonedeAndreasnãotemodelanoscontatos,nemtemnenhumachamadaoumensagemdetextofeitasouenviadasaocelulardeAnne,então,nãoháprovanenhumadequeeletenhaentradoemcontatocomelaportelefone.E,claro,ocelulardesuairmãnãoestáemnenhumlugar,então,nãopodemosusá-locomoprova.
Juliaengoliuseco.-Então,oquevocêestádizendo?- Estou dizendo que não temos o direito demantê-lo em custódia. Eu não possomanter uma
pessoa presa apenas por conta do diário de uma criança e alguns desenhos. – o detetive Spitzerabaixouavoz.–Olhe,euvoumantê-loaquihojeànoite.Oficialmente,eusópossoenviarpoliciaisparabuscarumacriançadesaparecidadepoisdevinteequatrohoras,porqueamaioriadasvezesascriançasquesaemdecasavoltamantesdesseperíodoenossaajudanãoémaisnecessária.Eunãoposso fazer nada por vocês no momento, mas isso será diferente amanhã à tarde. Infelizmente,AndreasMittelmayerserásoltonaprimeirahoradamanhã.
-Vocênãopode estar falando sério! – Julia exclamou.–Elepodemachucá-la antesquevocêspossamencontrá-la!–TodosnasalaencaravamJulia,osrostosemchoque.
-Euentendoasuapreocupação.Infelizmente,eunãopossomudaralei.Naverdade,eujáestouflexibilizandoasregrasaomantê-lotrancadoatédemanhã.Eunormalmentenemconsiderariafazerisso,mascomodizrespeitoaumagarotinha,estoufazendoomeumelhorparaajudá-las.Evouserfrancocomvocê,eunãoconfionaquelegaroto,nemporumsegundo,maseunãopossobasearasminhasdecisõesemumsentimento.Eutenhoquemeapoiarnalei.
- Bem, você poderia pelo menos mandar algum de seus policiais para averiguar a casa deAndreas,quandoeleforlibertado?–Juliapropôs,desesperada.
-Nãoposso.Semprovas,nãotemosmotivosparamantê-losobvigilância.Mas,vocêestálivreparaficardeolhoneleporsuaconta.Eunãoaimpedirei.
Juliamurmurouumobrigadaaodetetive,queprometeu ligarna tardedodiaseguinte,antesdelentamentecolocarotelefonenogancho.
Thorstencaminhouatéelaecolocouamãoemseuombro.-Então,oqueeledisse?Juliaestoicamentecontouatodosoqueodetetivehaviadito.Suamãeeaavóficaramaindamais
pálidasdoquejáestavam.Axelapertouospunhos.-Inacreditável.Bem,ninguémvaimeimpedirdepatrulharacasadaqueledoentepedófilodiae
noite.–eleresmungou.-Contecomigo–Thorstendisse–Nãopossoacreditarqueelesvãosoltá-lo.-Elessãoobrigadosaisso.–aSra.Gunthermurmurou,categoricamente.–Vocêéinocenteaté
queseproveocontrário.Apolícianãopodesimplesmentesairporaí,prendendoqualquerumquesejaacusadodeumcrime.–elapiscou,forçouacadeiraparatrásemarchouparadentrodacozinha.
Juliasevirouparaaavó.
-Elajáligouparaopapai?Aavóbalançouacabeça.-Aindanão.Elaqueriaesperarpeloretornodapolícia.Eupossoligarparaelesevocêquiser.Naqueleinstante,aportaseabriueGabyentroucomMichael.-Oqueaconteceu?–elaperguntou,preocupada,olhandoparaasfacespálidasnasala.MichaelimediatamentecorreuparaJuliaeaabraçoucarinhosamente.-Eusintomuito,muitomesmo.–elemurmurou.–AGabymecontoutudo.- A polícia não vai ir atrás dela até amanhã. – Julia chorou, não mais podendo segurar as
lágrimas,agoraqueMichaelestavaaliparaconsolá-la.–Elesnãoconseguiramtirarnadadaquelecara.Eeleestarálivreamanhãdemanhã.
OsolhosdeGabysearregalaram.-Elesvãoesperaratéamanhã?Comoassim?MaselessabemqueAnnenãofugiudecasa.- Não, eles não sabem – Axel respondeu – Ela saiu de casa porque quis. Ela inventou uma
desculpaparairatéafloresta.Ninguémaforçou.Detestoterqueadmitir,masestamosferrados.-Não,nãoestamos–Thorstendisse,acaloradamente–Nóspodemosvoltarparaafloresta.Nós
podemosprocurarporAnne.Michaelergueuoolhar,encarandoThorsten.-Vocêachaqueelaaindaestálá?- Bem, onde mais ela poderia estar? Quando a polícia procurou na casa de Andreas, não
conseguiramencontrarnada.-Entãoporquenósnãoavimosandandoporaliquandoprocuramosnafloresta,maiscedo?–
Gabydevolveu.Thorstenficouemsilêncio.-Elapoderiaestar...Caídaemalgumlugar–eledisse, finalmente,umolhar incômodoemseu
rosto.Juliaestremeceu.-Oquevocêquerdizer?-Nãopensenopior.Elepodetê-lasedadoeaescondidoemalgumlugar.-Atrásdeumaporta.–Gabymurmuroupensativa.–Algumlugaratrásdatalportaquenósainda
nãoencontramos,otalportalsobreoqualelaescreveu.Michaellevantou-se,resolutoeolhouparaAxeleGaby.-Vocêspodemmelevaratéolocalondeencontraramoprendedordecabelo?Seelarealmente
estiverporali,nósaencontraremos.Todosolharamsurpresosparaele.Elepareciadeterminado,tantoquenempareciaconsiderara
possibilidadedenãoserembemsucedidos.Juliafezumacaretaparaele,confusa,masnãocomentounada.Eramaravilhosoque ele se oferecessepara ajudar imediatamente, agoraque a polícia haviaprovadosermeioinútilatéodiaseguinte.
Quandoela se levantou,notouoquanto seucorpo inteiroestava fraco,depoisde suaconversadesanimadoracomodetetiveSpitzer.Michaelpegousuamão,apertando-aencorajadoramente.
-Euvouteajudar.–elesussurrou.–Annevaivoltar.Dezminutos depois, um grupo de sete pessoas havia se organizado para entrar novamente na
floresta.AmãedeJulia,amãedeThorsteneMichaelagorafaziampartedaequipedebuscatambém.AavódeJuliaficariaemcasaparaesperarAnneali,paraocasodeelafinalmenteaparecer.
-Vamos–Axeldisse,liderandoogrupocomGabyaoseulado.Juliaosseguiu,acompanhadadamãe.Atrásdela,elapodiaouvirThorsteneMichaelconversando.
-Quedireçãovocêstomaramquandoforamprocurarporelamaiscedo?–Michaelquissaber.
-AxeleGabyforamparaoleste–Thorstenrespondeu–Eelesforambemlongeparadentrodafloresta.EaJuliadissequeeleschegaramatéumapartesemnenhumatrilha.
-Certo–Michaelinterrompeu.–Aspessoasnormalmentenãovãoatélá.Julia aguçouosouvidos.Quanto tempoMichael realmentehaviapassadonaquela floresta?Ele
parecia conhecer cadapedacinhodela.Elanãoconseguiadeixardepensarnapessoaqueele tinhasido antes, na escola e durante as aulas, e não se lembrava daquela simpatia pela natureza. Entãocomoéqueelesabiatodasaquelascoisas?Algonãoseencaixava.
Elavirouacabeçaparaolharparaele.MichaelaindaconversavacomThorsten,masdealgummodo havia percebido seu olhar. Ele olhou de volta para ela, sorrindo encorajadoramente. Seusorriso doce e verdadeiro a fortaleceu, e por apenas ummomento, Julia pôde esquecer todas asperguntas girando em suamente.Michael estava ali, ao seu lado, para cuidar e ajudar. Ele estavaapaixonadoporela.Oquepoderiaestarerradonaquilo?Elaestavasepreocupandodemais.
Ela olhou para frente outra vez. Sua mãe colocou uma mão em suas costas, esfregando seuombro.
-Elepareceumcaralegal–eladissecomumpequenosorriso.–Desculpenãopoderestarmaisfelizporvocênestemomento.
Juliamordeuolábio.-Oh,mãe.–elasegurouobraçodamãeedecidiunãodizermaisnada.Depoisdequarentaminutosdecaminhada,eleschegaramaolugarondeogrampodecabelofoi
encontrado.GabyeAxelolharamemvolta,indecisos.-Então...Esteéo lugar.–Axelafirmou, lançandoumolharquestionadoraMichael.Eleéque
haviapedidoparaserlevadoatéláafinal.Michael concordou. Ele deu alguns passos lentos para frente, acariciando o braço de Julia ao
passar.Seuspassosforamparaaesquerda,paralongedogrupo,eeleparouaoladodeumjovemcarvalho.Eentão,elefechouosolhos.
Ninguémdissenadaquandoeleseagachou,colocandoasmãosnosolo,aoredordaárvore.UmarrepiopercorreuocorpodeJulia,quandoelapercebeuoqueeleestavafazendo.Aquilolembravaaformacomoelanormalmentesesentavasobocarvalhodela.Comoseelaestivesse,dealgummodo,seconectandocomasraízessubterrâneas.Comoseelapudessesentiroqueaárvoreestavasentindo.Michael estava fazendo exatamente a mesma coisa naquele momento, era evidente. Ele estavaconversandocomafloresta.
Abruptamente,Michaelficoudepé.-Aqui–eledissesuavemente,adentrandoaflorestasemhesitar,comorestodogrupoatrásdele.Juliaoalcançou.-Comovocêsabe...–elagaguejou.–Vocêsabese...-Elaaindaestáviva–eledisse,deslizandosuamãonadela,comohaviafeitomilharesdevezes
antes.–Nãosepreocupe.Apesar de suas palavras, Julia não conseguia afastar sua ansiedade crescente conforme eles
caminhavam,entrandomaisemaisnafloresta.QuandoMichaelfinalmenteparou,elesestavamemumapequenaclareirapróximaaalgunspinheiroseosalicercesdeumacabanavelhaemruínas.
-Olhaaquilo.–Thorstenexclamousurpreso.–Entãorealmentehaviaumacasaaquiantes.–eleolhouemvolta.–Masnenhumsinaldeporta.
-Elaestábemperto–Michaeldissesuavemente,erguendooolharaocéueinclinandoacabeça,comoseestivesseouvindoatentamentealgo.–elaestádebaixodaterra.
AmãedeJuliaprendeuarespiração.-Oque?Masvocêdissequeelaaindaestavaviva!Eleconcordou.
-Sim.Elanãoestámorta.-Umburacoouumavala.–Gabymurmuroudistraidamente,cutucandoAxel.–Vocêestávendo
sinaisdeescavaçãoemalgumlugar?Axel,Gaby,ThorsteneaSra.Ebnercomeçaramaandaraoredordasruínasdacasa,procurando
por pistas ou traços de escavação. Julia não saiu do lado de suamãe.A Sra.Gunther parecia emchoque,aslágrimasescorrendoporseurosto,apesardasgarantiasdeMichael.
Elaassistiuorestodogrupoandando.Michaelnãohaviasejuntadoaeles;eleestavainclinadocontra um dos pinheiros e parecia a milhas de distância. Julia o encarou e repentinamente elapercebeuoquantoeleestavadiferentedorestodelesnaquelemomento.Elea lembravaumvidentequeelahaviavistoumaveznatelevisão,umhomemquetinhaohábitodeajudarapolíciaaencontraras pessoas desaparecidas. Por queMichael tinha tanta certeza de que eles encontrariamAnne ali?Tinhaque teralgumacoisaavercomoacidenteeapancadanacabeçaqueelehavia sofrido.Eledeviaterganhadoalgumtipodesextosentido.
Enquantoelaoassistia,eleseafastavadaárvore,seuspassoscambaleantes,comosefossealgumtipodesonâmbulo.Michaelsedirigiuaumaáreadoladoesquerdodospinheiros:umpedaçodesolocobertocomarbustosespinhentos.Juliaoseguiucomoolhar,seucoraçãoparandodebaterquandoseupébateunaterraenãofezosomqueelaesperava.Pareciavazio,comoseumacavidadeestivesseescondidasobosarbustos.
OsoutrostambémhaviamacompanhadooqueMichaelestavafazendo,AxeleThorstencorrendoatéele.
-Quesomfoiaquele?–Axelgritou,agachando-separaolharmaisdeperto.-Aquinãoéterrafirme.–Thorstenmurmurou.–Hámadeiraaquiembaixo.Oupelomenoséo
queparece.Elecavouemmeioaosarbustos,xingandoquandoosespinhosperfuraramsuasmãos.Umdos
galhosficoupresonamangadeseucasacoequandoeledeuumpassoparatrás,conseguiuarrancaroarbustointeiro,comraizetudo,rasgandoaterra.
-Mentira!–Gabyexclamou.–Essesarbustossãofalsos.Elesforamcolocadosaquiporalguémrecentemente.
-Aterraemvoltadelesestápisada.–Axelconcordou.JuliacorreuatéolocalondeMichaelhaviafeitosuadescoberta,suamãeeaSra.Ebneratrásdela.
Enquanto isso,osgarotos seocuparamemarrancarosoutrosarbustosespinhentos.Nãodemoroumuitoatéelesdesenterraremumtipodeescotilhafeitadepranchasdemadeiraescuras.
Umsilêncio tomoucontadeles, Julia fixandoseusolhosnaescotilhaenquanto lutavacontraaslágrimas.Andreastinhafeitoaquiloparaescondersuairmã?ComoAnnepoderiaserenterradasobessastábuaseaindaestarviva?
-Temosqueerguê-la–Axeldissetenso,olhandoaoredor.–Podemosusarumgalhoresistentecomoalavanca,nãoacham?
Juliaolhouemvoltaeavistouumgalhofinoefirme,sobumdospinheiros.Elaoarrastouparaaescotilha. Gaby trouxe outro galho com um formato parecido e, juntas, elas o moveram sob asextremidades da escotilha.Michael e Axel usaram seu peso para se apoiar nos galhos e forçar atampaparacima,enquantoThorstententavaerguê-lamais,passandoasduasmãossobaspranchas,assimquesurgiuumpequenovão.
Quandoaescuraescotilhademadeirafinalmentefoiaberta,todaaterrasobreelacaiucomumfarfalhar,osúltimosgalhoscomespinhoscaindoparaolado.
AmandíbuladeJuliadespencouquandoelacolocouosolhosemumlanceíngremedeescadasescondidassobaescotilha.Osdegrausdepedralevavamaumaestreitaportasubterrânea.
11.-Entãohaviamesmoumaportanomeiodafloresta.–Gabymurmurou,distraidamente.Elahaviaidoemdireçãoàmelhoramigaparacolocarumbraçoaoredordosseusombros.
Axeldeuumpassohesitanteemdireçãoàsescadas,olhandooferrolhonaentrada.-Vocêachaqueaquelaportapodeseraberta?–eleseperguntouemvozalta.-Espera–Thorstendisse–Nãodevemosligarparaapolícia?Nóspodemosatrapalharasprova,
searrombarmosaportaeentrarmospornossaconta.Vocêssabem...Impressõesdigitaisoualgodotipo.
Todospareciamesperarosdemais.-Deixe-me– aSra.Gunther falou, finalmente.Aparentemente calma, ela enrolou a echarpede
seda ao redor damãodireita e caminhou até amaçaneta enferrujada,mordendoo lábio quando aportaseabriuparafora,comumrangidoameaçador.
Juliadesceucorrendoasescadas,deumasóvez.-Anne?–elagritou,entrandonoquartoescuroportrásdaportadoporão,seguindosuamãe.Ela
nãopodiavernada.Atrásdela,Axelsearrastouescadaabaixo,segurandoumapequenalanternaqueelesemprecarregavaemseumolhodechaves.
-Ah,meuDeus.–aSra.Guntherengasgou.NaluzfracadalanternadeAxel,elesviramAnnedeitadanochão.Elanãodavasinaisdevida.
Suasmãos epés estavamamarrados comumacorda. Julia sufocouumgrito e, dormente,deuumpassoparaoladoquandoGabyeAxelcorreramparafrenteparacortarascordascomocanivetedeGaby.
Eentão,elasentiuumamãogentilemseuombro.-Tudovaificarbem.–Michaelsussurrouemseuouvido.–Elasóestáinconsciente.Umchorosubiuemsuagarganta.JuliaseviroueapertouorostonopeitodeMichael.Elebeijou
suasbochechase a segurou forteatéqueelaparassede tremer.Quandoelaolhouparacima, seusolhospousaramemThorstenesuamãe,aindanotopodaescada,ansiosamenteapertandoamãoumdooutro.
-Elaestábem.–elaconseguiudizer.–Aindaestáviva.Naquelemeio tempo,Axelhavia levantadosuapriminha,alinhando-aemseusbraçosenquanto
subiaasescadas.OrostodeAnnepareciamortalmentebranco,massuarespiraçãoestavaregular.-Vocêestavacerto.Elafoisedada–eledisseaThorsten–Essesononãoénormal.-Quantotempovocêachaqueelaficouaquidessejeito?–Gabyperguntou,umcertopânicoem
suavoz.–Clorofórmionãoconseguedeixaraspessoasapagadasportantotempo,consegue?-Consegue,seforusadoemgrandequantidade–Thorstendisse–Masumadosagemaltapoderia
fazerAnne entrar em coma. Temos que ligar para uma ambulância imediatamente. – ele pegou ocelulareligouparao112.
Julia estava imensamente grata pela sensatez e iniciativa deThorsten.Os outros, inclusive ela,pareciam muito chocados para fazer alguma coisa. Seu olhar parou em Michael, ainda paradopróximoaelanasescadas.Elanãofaziaideiadecomoéqueelehaviaconseguidoencontrarasuairmã,mas seria eternamente devedora a ele, por causa daquilo.Comum suspiro profundo, ela seaproximouepassouosbraçosaoredordeleoutravez.
-Obrigada.–elasussurrou.–Vocêsalvouavidadela.-Elesestãoacaminho–Thorstendisse,enquantoguardavaotelefone.–Vamosterquecarregá-
laatéolimitedafloresta.-Semproblemas.Axeleeupodemosnosrevezarparacarregá-la.–Michaelofereceu.
-Euacarregonoprimeirotrecho.–Axelconcordou.ASra.GuntheralcançouMichaelquandoogrupocomeçouairemdireçãoaolimitedafloresta.-Comovocêsabia?–elaperguntoubaixo,suavozaterrorizada,seusolhoscheiosdeespanto.Julia aguçou os ouvidos, suamãe estava perguntando aMichael amesma coisa que ela estava
morrendodevontadedesaber.Michaelbalançouacabeça,ficandoemsilêncioumbomtempo.-Instinto.–elefinalmenterespondeu.–Eu...Eunãopossoexplicar.Desculpe.Juliaapertousuamão.-Tudobem.Mesmo.Sóestamosmuitofelizes.Quando eles se aproximaramdos limites da floresta, as luzes azuis da ambulância podiam ser
vistas por entre as árvores. Dois paramédicos ergueram Anne dos braços de Michael ecuidadosamente a colocaram em uma maca dentro da ambulância, prendendo a garotinha a ummonitor.
AmãedeJuliasevirouefalouparaafilhamaisvelha:-Voucomeles.Vocêpodevoltarcomelesedaranotíciaàvovó?Assimqueeusouberdemais
algumacoisa,euligoparavocê.Um grupo taciturno assistia no ponto de ônibus enquanto a ambulância ia embora. Apesar de
todosestaremfelizesqueAnnehaviasidoencontrada,nãoeranemumpoucocertoqueelaestavaforadeperigo.Thorstenestavacertosobreasedaçãocomclorofórmio.
- Estaremos em casa – a Sra. Ebner disse quando todos voltaram para sua rua. – Se houvernovidadesdohospital,porfavor,nosavisem.
Juliaabraçouosdoisvizinhos.-Obrigadaportodaasuaajuda.–elamurmurouquandoabraçouThorsten.–Vocêfoiumótimo
amigohoje.Desculpeporeuterdesconfiadodevocêantes.Elesorriu.-Tudobem,semproblemas.–eleasoltouemurmurou-Falandonisso,Michaeléumcaramuito
legal.Éumsaco,maseunãoconsigoodiá-lo.Elasorriudevolta.-Émuitogentilvocêdizerisso.-Ah,bem,estesoueu.–elepiscou.–Docecomomel,esempreelogiandomeusadversários.Eu
sónãofaçoideiadecomoeleconseguiuencontrarAnnetãofacilmente.-É,nemeu.–Juliamurmurou.ElaencarouThorstenenquantoeleentravaemcasa,antesdese
virar,mergulhadaempensamentos.Seusamigosjátinhamidoparaasalaequandoelaentrou,viuAxeleaavóabraçadosnosofá,aavóchorandoaliviada.
- Graças a Deus, ela está viva – ela disse, com a voz trêmula. Julia se sentou para abraçar asenhoratambém.
Assimque todoshaviam tomado chá e comidobiscoitos, na cozinha,Gabydeuum tapinhanoombrodeJulia.
-TudobemseeuligarparaaTamara?ElafoijuntocomoFlorianparaveroensaiodabandadoMoritz,maselaestavamorrendodepreocupaçãoquandoeuconteioqueestavaacontecendo.Eunãoconverseicomeladesdequevimparacá.
-Sim,claro.Elespodemvirparacásequiserem.-Tudobemseeupedirpizzaparatodos?–Michaelperguntou–Nãoseidevocês,maseuestou
faminto.Eeunãoachoqueninguémaquiestejaafimdecozinharnomomento.-Ótimaideia.–Juliasorriuparaele.EnquantoGabyeMichaelestavamfazendoseustelefonemas,Juliafoiajudaraavóafazermais
chánacozinha.
-Eleéumgarotoespecial,oseuMichael–aavódisseenquantolavavaalgumasxícarasnapia.–Essebrilhonoolharquandoeleolhaparaaspessoas,écomoseelevissemaisdoquenósvemos.
Juliasevirou,colocandoalgunssaquinhosdechánamesa.-Vocêachaqueele temomesmodomquevocê?Sabe,esse sexto sentidooua intuiçãomuito
boa?Aavóconcordou.-Parecequesim.Dequeoutraformaelepoderiaterfeitooquefezhoje?-Nãosei.Sorte?-Vamos,Julia.Vocênãoacreditanisso.-Não,nãomesmo.–Julialevantouachaleiradofogão.–Elesó...Sabeascoisas.Especialmente
sobremim.Otipodemúsicaqueeugosto.Oqueeugostodefazernomeutempolivre.Eleatésabeasmúsicasqueeuescrevi.Sabe,essascoisasqueeununcaconteiaele.
-Eissoteincomoda?- Não! Bem, às vezes, talvez. Quero dizer, eu quero saber como ele faz isso, mas aomesmo
tempo,eunãomeimporto.Eleestátãoapaixonadopormim.Oqueimportaseeletemumjeitodesaberascoisasquenãodeveria?
Aavóconcordoulentamentecomacabeça.-Bem,sevocêquerentendê-lo,porquenãoperguntaaele?Juliacorou.-Porqueeunãoqueroassustá-lo.Talvezeutenhamedodequeeleacordeumdiaesejacomoo
antigoMichaeloutravez...OMichaelquenuncateveolhosparamim.-Minhadocecriança,claroquenão.Issonãofazsentido.Porqueéqueissoaconteceria?-Nossa, eu não sei.O que é que fez ele perceber que estava apaixonado pormim, afinal? Eu
poderiasimplesmenteperguntarissoaele.-Bem,dequalquerforma,nãomachucaperguntaraeleaquiloquevocêquersaber.Seeufosse
você,tirariaissodocaminho,seestáteincomodando.Claroqueaavóestavatotalmentecerta.Namaiorpartedotempo,Juliatentavaesqueceroquão
estranhaeratodaaquelasituaçãocomMichael,masmaiscedooumaistarde,elateriaquevoltaramesmasperguntas.Perguntasàsquaiselanuncateriaaresposta,seficassecomabocafechada.
Quando o entregador da pizza chegou com a comida, Florian,Moritz e Tamara invadiram ocorredor,logoemseguida,puxandoJuliaparaumenormeabraçogrupal.
-Obrigadaporvirem–Juliadissebaixinho,emmeioaosamigos.–Aindaestamosesperandopornotíciasdohospital.
- Pedi algumas porções extras, se necessário. –Michael comentou, piscando para Florian, queergueuoolharparaanalisaraspizzas.
Moritzdeuumacotoveladanonamorado.-Vocêestátransbordandonessascalças,seuguloso.Vocêsópensaemcomida?Florianriu.-Desculpe.–elesedesculpoucomJulia.-Semproblemas.–eladeudeombros.–ComoMichaeldisse,temparatodos.Vamosparaasala.Tamarafoiaprimeiraaentrar,seuolharpousandoemGabysentadanosofádemãosdadascom
Axel. Ela abriu a boca para dizer algo, mas pensou melhor quando a irmã a lançou um olharameaçador.Sorrindodeorelhaaorelha,Tamaraseafundounosofá,aoladodonovocasalecolocouumpoucoderefrigeranteparasi.
Juliasesentounooutrosofá,seacomodandoaoladodeMichael,quandoeleaentregouumpratocomumagrandefatiadepizza.
-Euseiquevocêestásemfome,masachoquevocêdevecomerumpouco–eledisse–Vocêvaisesentirmelhor.
Elaconcordou,semdizernada,mastigandoapizzadesalame,obediente.Quandoseutelefonederepente tocou, colocou o prato de lado e pegou o celular sobre amesa. Era suamãe. Suasmãostremiamdenervosoquandoelaatendeu.
-Oi,soueu.-Oi,querida!–aSra.Gunther respondeuanimada.–Anneestáacordada.Elaaindaestámuito
fraca, mas ela pode falar e o médico disse que ela está fora de perigo. Ela vai se recuperarcompletamente. O detetive Spitzer acabou de sair, gravou o depoimento dela. Ela vai podertestemunharcontraoAndreasMittelmayer.
- Sério? Isso é ótimo! – Julia exclamou, olhando para os amigos, aliviada. – Então eles vãomantê-lopreso?Vocêsvãovoltarparacasahoje?
-Não, aindaémuitocedo.OmédicoquerqueAnne fiqueemobservaçãoestanoite.Eupossodormiraoladodelanaenfermaria,entãotambémvoupassaranoiteaqui.
-Ótimo!Issoéótimo,vocêpodeficarpertodela.Vouparaohospitalamanhãbemcedinho.Vouligarparaotrabalhoeavisar.
-Vouesperarvocê,querida.Possofalarcomavovó,umminuto?Juliaentregouotelefoneparaaavócomumsorrisonorostoeentãocontouaosamigostudoo
queamãehaviaacabadodedizer.-Entãoelaestáacordada!–Axeldisse–Boanotícia.Issosignificaqueosequestradordelanão
poderámaismentirsobreisso.Tamarasearrepiou.-Nãoconsigonemimaginaroquepoderiateracontecidosevocêsnãoativessemencontradoa
tempo.–elaolhouhesitanteparaJulia.–Ele...Elafoi...Eleatocou,enquantoelaestavasedada?-Nãosei.–Juliatentounãoimaginarasituação.–Vousaberdetudoamanhãnohospital.Omais
importanteéqueagoraelaestáseguraeacordada.Quandochegarahorafalaremosnoassunto.-PodemosvisitarAnnenohospital?–perguntouFlorian.- Vocês podem, amanhã, mas eu não acho que ela vá ficar muito tempo lá. Eles só quiseram
mantê-laestanoiteparaobservação.JuliasoltouarespiraçãoantesdesesentarnovamenteaoladodeMichaelparacomerorestoda
pizza,seuapetitehaviafinalmentevoltado.Michaelpassouumbraçoaoredordeseusombros.-VocêdeveriairatéosvizinhosecontarasboasnotíciasaThorsteneamãedeletambém–ele
disse.Juliaconcordousesentindocorarlevemente.PorqueMichael,detodasaspessoas,tinhaqueter
tanta consideração com o garoto da casa da frente? Thorsten e Michael pareciam gostargenuinamenteumdooutro.Imaginaseelesficassemamigos?Aquiloseriaestranho.Paranãodizerproblemático.
Elapegouotelefonequeestavasobreamesa.-Voumandarumamensagemdetexto.–elamurmurou.–Nãoestouafimdesairagora.Depoisdojantar,aavóvoltouparaEichet.Nodiaseguinte,elasejuntariaaJuliaparaumavisita
nohospital,e,quemsabe,trariamAnneeaSra.Guntherdevoltaparacasanahoradoalmoço.Aavóhaviacombinadocomovizinhodelaparalevá-lasdecarro.
-Eaí,Gabyzinha?–Tamaradisseparaairmãenquantoestavamempilhandoospratosvazios.–Vamosparacasatambém?Eumalpossoesperarparapoderouvirosacontecimentosrecentesnasuavidaamorosa.
Gabycorouinstantaneamente.
-Nãosejaboba.Suairmãriu.-Ah,vamoslá.EufuiforçadaaouvirvocêtentandomencionarAxelsemlevantarsuspeitas,em
todasasconversasquetivemosessasemana.Bem,adivinhasó:agoravocêpodesersuspeitasobreAxel!Nãoémaravilhoso?
Axelapareceuportrásdelas.-Euouvidireito?Vocêficoufalandodemimparaasuairmã?–eleprovocouGaby.-Bem,sim–Gabyrespondeu,desajeitada,ficandoaindamaisvermelha.–Vocêachaqueissoé
idiota?-Não–eledisse,dandoumsorrisotímido.–Euachoqueémeiofofo.Gabyresmungou.-Eunãosoufofa,tá?–eladisse,desafiando-o,tentandofazercaradebrava.Axelapuxouparaseusbraços.-Não,claroquevocênãoé.Desculpe.–eentãoeleabeijou, impedindooquequerqueGaby
fossedizeremseguida.Elaficouemsilêncioeencostou-seaele.Julia só conseguia sorrir como uma boba diante da cena que se desenrolava diante dela. Sua
melhor amiga havia finalmente sucumbido ao verdadeiro amor – ela nunca havia visto Gaby tãocaidinhaporalguém.
-Vocêstodosprecisamdecarona?–Moritzperguntou,seurostohesitante.–Nãoseisevaicabertodomundo.
-ElavainocolodeAxel.–Tamaraapontouparaairmã.Moritzcomeçouarir.-Ok,entãoestáresolvido.–elesevirouparaJulia.–Ei,éumapenaeutervindoaquiemuma
circunstânciacomoessa,masobrigadapelahospitalidade.Um a um, seus amigos foram embora, até que Julia se viu parada no corredor, com apenas
Michaeldecompanhia.Derepente,elanãosabiaqueatitudetomar.Nãohaviasidopartedenenhumplanoficarsozinhacomeleemumacasavaziaànoite.Aúnicavezqueissohaviaacontecidoantestinhasidonacasadele,naquelaoutranoite.
Abruptamente,eladeuumpassoparalongedele.-Vocêgostariadeoutrabebida?–eladisparou.–Ouvocêestavaindoparacasa,também?Clássico. Ela havia soado como se estivesse desesperada para que ele fosse embora. Julia se
encolheu.Michaelaencarou.-Vocêestánervosa–eledeclarou–Vocêquerqueeuváembora?Aavóestavacerta:elerealmenteviamaisdoqueasoutraspessoas.-N-não,nãoexatamente.–elagaguejou.–Claroquevocênãoprecisair.Eledeuumpassoparapertodela,puxando-aparaseupeito.-Entãovocêquerqueeufique?–eleperguntousuavemente.Elamordeuolábio.-Nãoexatamente.–elasussurroumaisumavez.–Outalvez...Deus,eunãosei.Elesorriuebeijousuatesta.-Porquevocênãomedizoqueestápensando?–eledisse,sério.–Sejahonestacomigo.Por
favor,Julia.Meincomodaquevocêtenhamedodeservocêmesmapertodemim.-Nãoestoucommedo.–elaprotestou.–Sóestou...Nãoquero...Queascoisassejamcomona
primeiravezemqueficamossozinhos.–seurostocorouquandoelaseouviudizendoaquilo.UmolharmagoadopassoupelorostodeMichael.-Vocêachaqueeusóqueroficaraquiparatransarcomvocê?
Juliaenrijeceu-se,dandodeombrosdesdenhosamente.-Não.Claroquenão.Mas...Bem.Épossível,nãoé?Eunãosei.Desculpe.Todososseuspensamentossemisturavameelaergueuoolharparaele,seusolhosqueimando
commais lágrimas.Droga.Aquela era aúltimacoisaqueelaprecisavaagora:outra enxurradadelágrimas.
Balançandoacabeçaincrédulo,Michaelaabraçouapertado.Emseusbraços,elanãoconseguiaevitarchorarmais.Aomesmotempo,elaseacalmavacomoabraçodele.
-Porfavor,nãosepreocupetanto.–elemurmuroubaixinhoemmeioaoscabelosdela.–Aúnicarazãopelaqualeuqueroficaraquiéporqueeunãoquerodeixá-lacompletamentesozinhadepoisdeumdiahorrível comoeste.Só isso.Vocêpode confiar emmim.– suasúltimaspalavraspareciamquasedesesperadas.Estavaclarooquantoelaohaviamagoado.
-Eusei–Juliarespondeu,séria.–Euconfio.Euconfioemvocê,seiquepossoconfiar.Équeétãoestranhoissotudo.
-Estranho.–elerepetiu.Seucoraçãoacelerou.- Sim.Você estar tão diferente, quero dizer.A forma como você olha paramim, tão diferente
depoisdoacidente.–finalmenteelahaviaditooqueaestavaincomodando.Elaestavacuriosaparaouvirarespostadele.
Michael concordou pensativo, encarando o horizonte, como se ele estivesse procurando aspalavrascertasadizer.
-Euteentendo–eledissefinalmente–Julia...Eunãosoumaisamesmapessoa.Elaopuxouparaasaladeestar,sentando-onosofáantesdeocuparumlugaraoseulado.-Então,porquenão?–elainsistiu.Elelimpouagarganta.-Quandoeuacordei,nafloresta,euvivocê.Tudoaomeuredorpareciamuitointenso.Eununca
havia experimentado omundo de ummodo tão apaixonado como agora. Cores, aromas, música.Tudoestádiferente,eupossofazermais,eupossovermais.Eusintomais.
Julia silenciosamente absorveu suas palavras. A história de Michael a lembrava de um filmeantigoqueelahaviavistoalgunsanosantes,comoJohnTravolta.Elehaviasidoatingidoporumraio ou um OVNI, ela não conseguia se lembrar com certeza, e isso o havia feito desenvolverhabilidadesespeciais.Poderiaseralgodotipo,oqueaconteceucomMichael?Seriaestaarazãopelaqualelehaviamudadotanto?
-Vocêrenasceu.–elasussurrou.-Algoassim.–elesegurouasmãosdela.–Euseiqueeu temachuqueiantes,maseunãovou
fazerissonovamente.Vocênãopodiaconfiarnele,maspodeconfiaremmim.Eleabeijou.Juliaseaninhouemseuabraço,sentiuocalordasmãosdeleemseucorpo,sentiuo
amorqueelesentiaporelapercorrerocorpodela.Pareciacompletamentenaturalprocurarabrigonele,comoseeletivessesidoorefúgiodelaporanos.Quandoeleaergueunosbraçoseacarregouparacima,emdireçãoaosquartos,entretanto,elasentiuumfrionabarriga.
Assimquechegaramaoandardecima,eleafastouabocadadela,olhandoparaosdoisladosnocorredor.
- Então, hã... Onde é o seu quarto? – ele perguntou com um sorriso inocente, parecendogenuinamente ingênuo, fazendo Julia explodir emuma risada.Ela sentiu a ansiedade deixar o seucorpo.
-Porquevocênãomecolocanochãoeeutemostro?–elasugeriucomumsorriso.Seuquartoestavaaberto.Michaelaseguiuhesitante,olhandoaoseuredor,maravilhado,comose
ele estivesse entrando em uma catedralmajestosa. Seus olhos passaram pelos pôsteres de parques
naturaisecachoeirasnaparede,pelasluzinhascoloridasqueelahaviapenduradonaparedeenotetodo lado esquerdo, por suas prateleiras lotadas de livros e pelo tecladoo ladoda sua escrivaninhaantesdefinalmentepousaremnela.
-Sim,esteéoseuquarto–elesimplesmentedisse.Comumsorriso,elesesentounapoltronadoladodireito.–NãotemTV?
Juliariu.-Não.VocêachaqueessacadeiradeveriavircomumaTV?-Não,naverdade,não.Éumacadeiradeleitura,nãoacha?-AminhaTV,narealidade,estácomaAnne,noquartodela.Eununcaassistimuito.Eelaquer
assistirosDVDsdela,então...Julia caminhou até a sua estante para pegar o livro de histórias da avó, sobre o Príncipe da
Floresta. Infelizmente, tudo o que ele a fazia sentir, agora, era que seus sonhos haviam sedespedaçadoparasempre.Aquelelivrohaviacausadomuitosdanos.Semele,Annepoderianuncaterse apaixonado pelas histórias de reinos mágicos e portas secretas de Andreas Mittelmayer.Abruptamente, ela se sentiu doente de culpa. Ela deveria ter lido para Anne histórias doManualContraoAbusoInfantil,nãoaquelescontosdefadasinúteis.
-Oqueéisso?–Michaelperguntou,levantando-sedacadeiraecaminhandoatéela.Juliacolocouolivrodevoltacomumsuspiroprofundo.-Nada.Eleesfregouobraçodela.-EsseéocontodefadasqueaAnneestavaacreditando?Elacoroucomvergonha.-Repetidoparaelaváriaseváriasvezes,pelairmãmaisvelha,quedeveriaterpensadoduasvezes
antesdefazerisso–elarespondeu,amargamente.-Nãoseculpe.-Maseusouculpada.-Você está sendo injusta consigomesma. –Michael insistiu – Ela tem uma imaginação fértil,
assimcomovocê.Vocênãoteriacomosaberqueissoaconteceria.-Éverdade,maseudeveriatersonhandosozinha,aoinvésdeinfectaraminhairmãcomtodasas
minhasfantasias.Eleficouemsilêncioporummomento.-Vocêaindagostadesonhar?–eleperguntouaelacurioso.Juliasesentouemsuacama.-Sim,claroqueeugosto.Querodizer, euestou tentandoserumagarota responsáveleadulta,
maseufalhomiseravelmente.Umanoitedessas,euatésonheiqueaflorestaeramágica.Nosonho,asárvoresestavamconversandocomigo.Elasestavamprocurandoporvocê.
Michaelaencarou.-Estavam?Porquê?-Não faço ideia.Meucelular tocou emeacordou. – Juliaoobservou atentamente.De alguma
forma,elepareciachocadoporelasonharalgorelacionadoaele.Aquiloeratãoestranhoassim?-Vocêsonhacomigo?–elaquissaber.Elesesentouaoseulado.-Sim,muito.–eleadmitiu, suasbochechasumpouco rosadas.–Euescreviaquelepoemapor
causadeumsonhoqueeutivecomvocê.Ocoraçãode Juliaestavamartelandocontra suascostelasquandoela se inclinouparapegaro
poemadebaixodacama.
-Olhe,euocoloqueiaqui–eladissebaixinho,suasmãossuandoquandoelaoabriu.Elanuncahaviamostradoaquelelivroparaninguém,nemmesmoparaGaby.Michaelopegou.Eleencarouoseupoema,admirandoclaramenteotrabalhomanualdela,tantoqueporummomento,elasesentiuumaverdadeiraprincesadafloresta,sentadaaoladodeseusúditoreal.
- É assim que eu queria que seus sonhos fossem. – ele gentilmentemurmurou. – Isso é lindo,Julia.Esperoquevocênuncaparedesonhar.
Elaseaninhouaele,tocadaporsuaspalavras.-Obrigada.Vocêémuitodocecomigo.–elafechouosolhosesegurouumbocejo.Eleabeijounabochecha.-Vocêquerirdormiragora?Julia ergueu o olhar para o relógio acima da porta. Nove emeia. Nada perto de sua hora de
dormir,maseraprovavelmenteumaboaideiadormirumpoucomais.-Sim,talvezeudeva–elarespondeu.-Vocêtemalgunscobertoresparamim?Voudormirnosofáláembaixo.- Não, não tenho. – Julia pegou amão dele. Só agora ela percebia o quanto não queria ficar
sozinha.–Vocêpodedormiraqui.–Michaelolhouparaacamadesolteiro,piscandonervosamente.-Comvocê?Bem,eunãosei...Eu,hã...-Temosumcolchãoextra.–ela interrompeuasdivagaçõesdele.–Podemoscolocá-lonomeu
quarto.-Ah.–elepassouamãopeloscabelos.–Ok.Euachoquepossofazer isso.–elea lançouum
olhararrependido,corandoumpouco.–Desculpe.Euprometiserumcavalheiro,maseuteriamuitadificuldadecomisso,sedormíssemosnamesmacama.
Juliacorou.-Teriaé?- Hã, sim. Óbvio. – ele deu de ombros e desviou o olhar. – Então, ok. Deixe-me pegar esse
colchãoextra.Ondevocêsoguardam?Juliamordeuolábioparaimpedirumarisadaalta.ElahaviaenvergonhadoMichaelenuncaem
ummilhãodeanoselateriapensadoqueaquiloseriapossível.-Noarmáriodocorredor–elarespondeu,levantandoparaajudá-loacarregarocolchãoatéo
quarto.Algunsminutosdepois, elesestavamcadaumemsuacama,noquartodela, iluminadosapenas
pelasluzinhasnocanto.Nafracapenumbra,Michaelaolhava,enroladoemsuacamaimprovisada.- Boa noite – ele disse, com um sorriso. – Você está segura comigo. Se você tiver algum
pesadelo,vocêpodemeacordar,ok?-Eufareiisso.–Juliapuxouoscobertoresatéoqueixo.–Vouficarbem,afinal.Euestoumais
calma.Graçasavocê.-Eumesintobemquandoestoucomvocê.–Michaelselevantouparadesligaraluzinhanocanto.Nãoestavamuitoescuroláfora,ainda.Napenumbradoanoitecer,Juliaoobservoucaminharaté
acamadeleesearrastarparadebaixodascobertas.-Meucoraçãodesejavaestarcomvocê.–elesussurrousuavemente.–Eagoraeuteencontrei.Julia suspirou, satisfeita, fechando os olhos. As palavras deMichael pareciam familiares. Ele
haviaditoaquiloparaelaantes?Elanãoconseguiaselembrar,masnãoeraimportante.Lentamente,elasesentiuembarcarparaumsonoprofundoesemsonhos.
Namanhãseguinte,aavódeJuliachegouàsnovehorasemponto.Ignaz,seuvizinho,buzinouváriasvezesparaalertarJuliadesuachegada.
- Esse idiota está tentando fazer a rua inteira ir conosco para o hospital? – Julia murmurou.Rapidamente, ela entregou uma caneca de café quente paraMichael e correu para a porta. –Não
acabeidetomarcafédamanhãainda.–elagritouparaaavó,queestavasaindodocarro.–Porquevocêsnãoentramumminuto?
Ignaz e a avó seguiram Julia até a cozinha. Eles olharam inquisidoramente paraMichael, quecoroulevementesoboolharperscrutadordaavó.
-Bomdia.–elemurmurou.–Desculpe,estamosatrasados.Eunãoconseguiacordar.Juliabateunaportadoquartodehóspedesumastrêsvezes,maseudormidenovo.
A avó levantou uma sobrancelha e se segurou para não fazer um comentário. Julia tentou aomáximonãorir.PobreMichael.Eleestavatentandonãoenvergonhá-ladiantedaavó,queclaramentenãoestavaacreditandoemumapalavra.
-Umasquatrovezes.–elacompletou,acenandovigorosamente,antesdecutucaraavódelado,quandoelacomeçouasorrirmaliciosamente.
-Eunãomeimportariaemtomarumpoucodecafé,naverdade.–Ignazdisparou,olhandoparaacafeteiranabancadadacozinha.
Nofinal,elessaíramparaohospitalàsnoveedez,deixandoMichaelnopontodeônibus,antesdeviraremparaaestradaprincipalqueiaparaacidade.
Ignazasdeixounaentradaprincipal,virando-separaoestacionamento.Juliaentrounohospitaljuntocomaavó,ocheirodeantissépticoealvejanteaatingindofortemente.Elaodiavaaqueleodor,associando-ocomdoença,doremorte,amortedeseuavô.Elanãohaviavoltadoalidesdequeelehaviafalecido,eelaesperavaqueaquelafosseaúltimavez.
A Sra. Gunther estava esperando por eles na recepção. Os círculos negros ao redor dos seusolhosfaziamsuapelepareceraindamaispálidadoqueestava,masseusorrisoiluminavatodoseurosto.
-Estoutãofelizquevocêsestãoaqui–eladisse,animada.–Anneficouperguntandoporvocêsamanhãinteira.Eladormiubemànoite.
-Vocênão,estoucerta?–aavóesfregouasbochechaspálidasdafilha.–Vocêparecequebrada.- Eu não consegui dormir. – A Sra. Gunther balançou a cabeça como se estivesse tentando
espantarimagensdeumpesadelo.–EufiqueipensandosobreoquepoderiateracontecidoaAnne.EmcomoesseAndreasdevetertocadonela,deflorando-a.
-Elefoiumverme–Juliadissesecamente–Eleeralindíssimo,mastinhaumolharmorto.Eracomosealgumacoisadentrodeleestivessepodre.
Astrêscaminharamparaoselevadores.-Ontemànoite,enquantoAnnedormia,eufuiatéàdelegacia–amãedeJuliadisse,baixo.–Eu
queriaolhá-lonosolhos,ogarotoqueousoutocareraptarminhadocecriança.Mas,umavezqueeumeaproximeidaquelacela,eunãoconseguientrar.Eu tinhapermissão,masalgome impediu.Elenãomeviu,maseuconseguivê-louminstante.
-Porqueelefezisso?–aavóperguntou,tambémemvozbaixa.–Eledissealgumacoisasobreseusmotivos,naconfissão?
ASra.Gunthersuspirou.-OdetetiveSpitzermedissequeconversoucomamãedeAndreas.Elenãocresceuexatamente
emumafamíliaestávelantesdesemudaremparaSalzburg.Elaeracasadacomumhomemquenãosóbatianelaregularmente,mastambémabusavadesuafilha.Elasódescobriudepoisqueoabusohaviaparado,masfoiosuficienteparaqueelapedisseodivórcio.Éporissoqueelasemudouparacá.
-EninguémpensouemmandarAndreasparaumterapeuta,paraqueelepudesselidarcomessetraumatododainfância?–Juliaperguntou,espantada.
-Não, aparentemente não.Amãe dele enviou a filha para o serviço deCuidados Infantis, e ainscreveu para aconselhamento. Agora queAndreas está na cadeia, parece provável que o garoto
tenhasidovítimadeabusotantoquantoairmã.-Issodeveexplicarsuanecessidadedeescaparparaummundodefantasiacheiodeportaispara
reinosencantados–aavódisse–Ouomotivodeeleterumaimagemtãodistorcidadarealidade.Eraestranho,mas repentinamente, Juliapodiaquasesentirpenadogarotoquehaviaabusadoe
enganadoasuairmã.Eledeveriaterescapadoparaummundodesonhoparaconseguirlidarcomasuavida,assimcomoelahaviafeitocomtantafrequência.Aúnicadiferençaéqueelanuncahaviaprejudicadoninguémaofazeraquilo.Muitoprovavelmente,elenemsabiasepararocertodoerrado.
-Eentão,elevaiprocurarajudaprofissionalagora?–elaperguntoutimidamente.–Ouelesvãoapenassentenciá-loaalgunsanosdeprisãosemqualqueracompanhamento?
-Olha,vocênãoprecisasepreocuparcomisso–amãerespondeu,comavozcalma.–Deixequeapolíciacuidedisso,querida.
No momento em que elas entraram no quarto de Anne, Julia se sentia sobrecarregada pelahistóriaqueamãetinhacontado.Oquartoeraindividualesuairmãpareciamuitofrágilevulnerávelna grande cama do hospital, Julia não conseguiu evitar sair correndo e a puxar para um abraçocaloroso.
-Estoutãofelizquevocêaindaestejaviva.–elasussurrou.Anne apertou o seu pequeno corpo contra o de Julia, um choro sufocado escapando de sua
garganta.Elasficaramagarradasumaàoutrasemdizernada,porummomentoquepareceudurarumaeternidade.
-Euestavaprotegida–Annedissefinalmente,emumsussurro.-Protegida?Porquem?–JuliaolhouparaAnneperplexa.Annesorriu.-Enquantoeuestavadormindo,eupodiaouvirvozes.Euachoqueelasestavamvindodafloresta.
Elasmediziamqueaajudaestavachegando.Elasdiziamquevocêiameencontrar.Éporissoqueeunãofiqueiassustada.
Juliaolhouporcimadoombro,masamãeeaavóaindaestavamconversando.ElasnãohaviamouvidoahistóriadeAnne.
-VocêouviuavozdeMichaeltambém?–elaperguntoucuriosa.Suairmãbalançouacabeça.-Bem,eunãoseicomoéavozdeleexatamente,masnãodevetersidoele.Eraumtipodiferente
devoz.Euachoquepertenciaaumapessoaqueviveunaflorestaporséculos.Alguémvelho,masavozdelepareciajovem.Eraacoisamaisestranha.
Juliafezumacareta.PareciaqueAnneaindaacreditavaemseucontodefadassobreoPríncipedaFlorestaeaquilotinhaqueacabar.Eraperigososeapegarafantasiasidiotaspormaisalgumtempo.
-OPríncipedaFlorestanãoexiste,ok?–eladisparou.–Ésóumfazdecontas,Anne.OsolhosdeAnneseencheramdelágrimas.Eentãoelasorriu,parecendovelha,sábiaeeterna.-Euseiqueaquelegarotonãoeraele.Euseidissoagora.Maseuestavaprotegidaporalgona
floresta,Jules.Eusentiamoraomeuredor.Julia decidiu deixar para lá. Anne parecia ter tido uma experiência de quasemorte, incluindo
todas as necessárias sensações de amor sem limites e vozes do além. A única coisa que estavafaltandoeraumaluznofimdotúnel.Mastalvezalgodebomresultassedetodaasituação,comoumaprovação paraAnne. Ela tinha quasemorrido naquele buraco horrível. No elevador, amãe haviacontadoaelassobrecomoosfortessedativosdeAndreasquasehaviammatadoAnne.GraçasaDeus,não havia sinais de abuso sexual!Graças a Julia,Andreas foi preso antes que tivesse a chance decometê-lo.
Era hora de começar a tentar tirar as coisas de sua cabeça. Com a sua mão carinhosamenteacariciandoatestadeAnne,Juliasussurrou:
-Estoufelizquealguémaprotegeu,querida.Eagoravocêestáasalvoconosco.Aavósejuntouaelaaoladodacamadehospitalparadarànetamaisnovaumabraço.-Vocêvaipoderirparacasahoje?–elaperguntou.-Nofinalda tarde.–Anneconcordou.–Elesqueremmemanteraquipormaisalgumashoras
paravercomoeuestou,aquelemédicodisse.-Essaéumaexcelentenotícia.Enquanto Julia distraidamente ouvia a mãe, irmã e a avó conversarem, ela escreveu uma
mensagemdetextosobrecomoAnneestavaeenviouparatodososseusamigos,incluindoThorsten.Ele a havia ajudado e apoiado tanto, antesmesmo dos outros chegarem a sua casa; ela não teriaconseguidosemele.Michaelprovavelmente leriaamensagemduranteo intervaloparaocafé;eleestavatrabalhandonaquelamanhã.Elahaviapedidoparaeleavisarochefeoporquêdenãoteridotrabalhar. Martin teria que escalar Julia em algum dos seus dias de folga para que ela pudessecumprircomassuashorasdetrabalho.
“qbomsaberqelatábem!!Vejovcnoflomaistarde?Elenoschamouparaumareuniãozinhanoterraço!bjs”–Gabyrespondeudepoisdealgunsminutos.
“claro!Qhrs?”–elarespondeu.Não demoroumuito para que outrasmensagens começassem a chegar. Era hora de colocar o
papoemdiacomasuaamiga!GabyeAxeleramumcasaleelasaindanemtinhamtido tempodeconversarsobreaquilo.
Ela sorriu. Agora que Anne finalmente estava bem, o verão parecia mais feliz. Ela tinha umnamoradomaravilhoso,Gabytinhaseacertadocomseuprimo,ela tinhaumempregolegal,eelestodosiriamvisitaraInglaterranomêsquevem.
“ei,vctemqmecontartdsobreAxel.;)”–eladigitouparaGaby.“noitedopijama?Tdmudovaiestar láhj,escutandoaconversa,e tal...OuoMichael tomouo
meulugar?:P”Droga.AavósabiaqueMichaelhaviadormidoemsuacasa.Suamãenãoficarianemumpouco
felizsedescobrisse.Seaomenosaavóficassecalada.Nervosamente,elaolhouparaamãeeparaaavó.Eladesejavaquetivessehabilidadestelepáticasparaquepudesseimplorarparaaavónãocontarnadaparaamãe.
-VocêachaqueoIgnazpoderiamedeixarnalivrariamaistarde?–elaperguntou.–EuqueriaconversarcomoMichaelemedesculparcomoMartinsobreterdadoumbolonelehoje.
Aavósorriuparaelacarinhosamente.- Claro. Você deve estar morrendo de vontade de contar a ele como as coisas acabaram. Eu
imaginooqueeledevatercontadoaospaisquandochegouemcasaontemànoite.Devetersidoumahistóriaetanto,nãoacha?
Juliaolhousolenementeparaaavó.Talvezatelepatiarealmenteexistisse...Outalvez,aavóestavaapenassendosábiacomosempre,tentandoevitarcausarproblemasquandonãohaviaanecessidade.
-Obrigada.–elamurmurouhumildemente.Anne tinha que descansar novamente, então as visitantes foram conduzidas para fora por uma
enfermeira.Elas deixaramo hospital e encontraram Ignaz no estacionamento.Ele deixou Julia nocomeçodaCidadeVelha,eprometeuvoltaraohospitalmaistardeparalevarAnneparacasa,juntocomsuamãe.
Juliaassobiouumamelodiaalegreenquantoandavaemdireçãoàlivraria.Talvezfosseumaboaideiatrabalharporalgumashoras,antesdeirvisitarFlorian.Elasesentiaanimadaecheiadeenergia.Anneestariaemcasanaquelanoite,Gabydormirialáeelaspoderiamcolocaropapoemdia.
Tudo havia terminado bem, graças aMichael. Julia pensou de novo nas palavras de sua avó:Michaelviamaisdoqueasoutraspessoas.Seráqueelehaviacontadoaosseuspais?Ouseusoutros
amigos?Elaachavaquenão.Eletinhamudado,eelaeraaúnicaquesabiaoquanto.Nãohaviaumaexplicaçãoreal,masnãoimportava.Ascoisaseramcomoeram.Eaformacomoascoisasestavamtornavaavidamaravilhosa.
12.-Estou indo!–Juliagritounadireçãodacozinha.Elaestavanocorredor,pulandoemumpésó,tentandoamarrarossapatosdeumpéeequilibrandoumamochilanoombro.
-Atéamanhã!–Anneeamãegritaramdevolta.Juliateriaamadotomarcafédamanhãcomelas,maselahaviaperdidoahoraeagoratinhaque
corrercomoloucaparaconseguirchegaraotrabalhonahora.Doisminutosatráselahaviaentradonacozinhacorrendoepegoumabanana,perguntandoindignadaparaamãeporqueelanãoahaviadespertado.
-Porquevocêéquetemquecolocaroseuprópriodespertadorparatocar?–suamãerespondeucomumsorrisinho.–Vocêjátemdezoitoanos,sabe?Emoutraspalavras,éumaadultaresponsável.Vocêquerqueeuaacordeparairparaafaculdade,depoisqueoverãoacabarequeeuvejasuatarefatambém?
- Eu coloquei sim, omeu despertador para tocar. – Julia resmungou.O sarcasmo damãe eramuitoparaelaaquelahoradamanhã.
Os cadarços estavam amarrados. Ela correu pelo jardim e virou para a direita para chegar àestradaquelevavaparaopontodeônibus.Infelizmente,suascorridasnãoerammaiscomoantes.Elahavia gradualmente perdido a forma desde que as coisas entre ela eMichael haviam ficadomaissérias.O tempoera curto: ela agora trabalhavaquatrodiaspor semana, e emseu tempo livre, elapassava amaior parte do tempo comMichael.Alguns dias atrás,Gaby havia reclamado com ela,exigindoumretratodeJulia,“paraqueelaselembrassedaaparênciadaamiga”.Felizmente,elesiampara Londres em breve, então aquela seria a oportunidade perfeita para passar um tempo com aamiga. Naquele meio tempo, Michael havia comprado uma passagem para acompanhá-los. Eleshaviam concordado que os garotos ficariam todos em um quarto do albergue e que as garotasficariamemoutro.Tamaraeraagoraaúnicadogrupoquenãotinhaumparceiroehaviareclamadosobreaviagemtersetornadoumpasseiodecasaiscomapenasumasolteiratristejunto.
-Nãochora–Gabyhavia respondidocomumsorrisomalicioso.–Nósvamos tearrumaruminglêssexyenemvamosnosimportarsevocêquiserlevá-loparaonossoquarto.
Juliavirouaesquinaeviuoônibusacabandodefecharassuasportas.- Espere! – ela gritou, apesar de o motorista não ter condições de ouvi-la. Impulsionando os
braços,elacorreuaindamais.Inesperadamente,aportadoônibusseabriueacabeçadeThorstenapareceusorrindoparaela.-Compressa?–eleriu.–Eudisseaomotoristaparaesperarpelalindaloiraqueestavatentando
pararoônibuscomasprópriasmãos.Semfôlego,Juliasubiueacenouaomotorista,agradecida,seguindoThorstenparasesentarem
algumlugarnomeiodoônibus.-Paraondevocêestáindotãocedo?–elaperguntou–Vocênãotemquepegarooutroônibus
paraEichet?-Não,hojeeunãotrabalho.Éhoradetomarcontadealgumascoisasdauniversidade.Conseguir
osdocumentosnecessários,autenticar,vocêsabecomoé.Julia concordou.Thorsten começaria seu segundo ano naUniversidade deSalzburg depois do
verão,oquesignificavaumapreparaçãointensa.GraçasaDeus,asuamãeahaviaajudadocomasuainscrição,mesmoelasendosupostamenteumaadultaresponsávelagora.
- E onde você está indo comuma bolsa pesada dessas? –Thorsten perguntou, olhando para abolsalotadadeJulia.–Vocêsemprecarregaessepesotodoparaotrabalho?
Juliabalançouacabeça.
- Essa é a minha mala para passar a noite. Vou dormir na casa do Michael hoje, depois dotrabalho.Sabecomoé.
Elacorouumpoucoquandodisseessaspalavras.Eraaprimeiravezqueelaiapassaranoitenacasadele,desdeoprimeiroencontro.Narealidade,elaestavaumpouconervosa.Claroqueeletinhaumacasaenorme,compelomenosquatroquartosdehóspedes,maseletambémtinhaumacamakingsizeemseupróprioquarto.
Thorstenpercebeuqueelahaviacorado.-Ah.Ok.–eleconcordou,pausandoporalgunssegundos.–Bem,vocêsestãojuntoshámaisde
ummês,certo?Passaranoiteláépartedessacoisatoda.–eleacutucoudeformabrincalhona,oqueafezcoraraindamais.Thorstenprovavelmenteestariaseperguntandoporqueaquiloeraumacoisatãoimportanteparaela,afinal,eleeradoisanosmaisvelhoehaviasidocalouronaUniversidadedeGraznoanoanterior.
-É,vocêacha?–elamurmurou.Elesorriu.-Não,sóestouteprovocando.Vocêtemqueesperarotempoquefornecessárioparaessetipode
coisa.Nãosesintaforçadaoualgodotipo.Juliaconcordou,ficandoemsilêncioquandoumgrupodecriançascommochilascoloridassubiu
no ônibus, a mãe delas as empurrando para dentro, como uma galinha. Parecia uma festa deaniversário.
Anne havia celebrado o aniversário dela alguns dias antes.O dia havia corrido razoavelmentebem,apesardeAnne ter ficadomaisquietae reservadadoqueonormal,pertodesuasamigas.Oacontecimento sinistro pelo qual tinha passado havia lhe causado um impacto indelével. A Sra.Guntherhaviadecididomarcaralgumassessõescomumpsiquiatrainfantilduasvezesporsemana,paraminimizarosriscosdeAnneficarcomalgumtraumaporquestõesnãoresolvidas,maistarde.
- Você ainda está feliz com ele? – Thorsten perguntou, de repente, semmais nemmenos. Eletentouparecerdespreocupado,masnãoconseguiu.
Juliasevirouparaovizinho,surpresa.-Bem,sim,euestou.Muitofeliz–eladeclarou–Euseiqueaspessoasaindanãoentendecomo
tudoseacertouentreagente,mas...ThorstenhaviaouvidodeseuprimoashistóriassobreMichael.Axelaindatinhaqueseacostumar
comaideiadeJuliaeMichaeljuntos.Algunsdiasantes,elestinhamtodossereunidonoquintaldeJulia, para comemorar o aniversário deAnne à noite, e Julia acidentalmente ouviu uma conversaentreThorsteneAxel.OvizinhotinhaperguntadoaoseuprimoalgumascoisasdasuahistóriacomMichael e, sem dúvidas, Axel havia relatado a Thorsten como o seu namorado a tinha friamentedispensadodaprimeiravez,antesderepentinamentemudardeideia.AxelnãoodiavaMichael,mastambémnãotinhaqualquertipodeempatiaporele.
-Se alguémmachuca aminha família, demoraum tempoparaque essapessoaganhe aminhaconfiançanovamente–elehaviaconfessadoaJuliaumavez.–Mas,olhe,jáqueeleafazfeliz,vocênãomeouviráreclamar.
Thorstensoltouumsuspiroinfeliz.-Eunãotenhoqueentender.–elemurmurou,baixinho.–Eupossoverojeitoqueeleolhapara
você, e é isso o que importa.O passado estámorto. E ele é um caramuito legal. – ele limpou agarganta.–Eutenhociúme.Ainda.
Juliatentounãoolharboquiabertaparaele.-Ah.Oolhardelasedesviouparaomundoláfora.AspalavrasdeThorstenadeixaramconfusa.Ela
nãopodiaentenderoporquêdeleaindagostardela,jáqueelaestavaclaramenteindisponível.Além
disso,elepareciaosonhodouradodequalquergarotadefaculdade,elogoarrumariaumanamoradalá.Eaindaassim,elenãopareciacapazdeesquecê-la.Aquiloquaseafaziasesentirculpada,afinaldurantecertoperíodohavia realmente roladoalgumacoisaentreeles, e elahaviagostadodaquiloporumtempo,antesdeMichaelvoltaràcenamaisumavez.
Eladespertouquandoelecolocouamãoemseubraço.-Ei,você–eledisse,gentilmente–Eunãoquerotornarascoisasdifíceis.Ésóquevocêmexeu
comalgumacoisa emmimdeum jeitoque eununcahavia sentido antes.Épor issoque eu estoutendo tanta dificuldade em esquecer você. Ah, sim, e o fato de vocêmorar do outro lado da ruatambémnãotemajudadomuito.
Seu tom seco fez Julia sorrir, mas, ao mesmo tempo, suas palavras a surpreenderam. Erampalavrastãodoces,pareciamtãogenuínasesimples.Porapenasumsegundo,pensaremtodaasagade tentarchamaraatençãodeMichaelardiaumpouco:elehaviaprecisadodemaisdoquealgunsdiasparaperceberqueelahaviamexidocomele.Masnão,elanãodeveriapensarnaquilo.Elehaviase tornado uma pessoa completamente diferente depois do acidente no bosque, e ela já o haviaperdoadoporseucomportamentoterrívelhámuitotempo.
-Obrigada–eladisse,emumtomdevozligeiramenteentrecortado,sorrindocarinhosamenteaThorsten.–Emedesculpe.Euvoumemudaromaisrápidopossível.
Thorstencomeçouarir.-Ah,porfavor.Nãoseránecessário.–eleinclinouacabeça.–Ouvocêestavaplanejandoalugar
umquartonacidade,quandocomeçarafaculdade?Eladeudeombros.-Nãonecessariamente.Eumoroperto.Eeugostodemoraremcasa.Éaconchegante.Ebarato,
claro.-Bem,nãovejooutrasoluçãoanãosereumemudar,então–elerespondeu–Querodizer,eu
soupodrederico.Emeuspaissãoabsolutamentehorríveis,então...Juliarevirouosolhos.-Sarcasmomachuca.Vocêeminhamãedeveriamsejuntar.Elatambéméótimanisso.Thorstenergueuumasobrancelha.-Comoéquemejuntaràsuamãevaimeajudarameencontrarmenoscomvocê?-Verdade.–Juliacorou.–Nãoéumaideiamuitoboamesmo.-Ei,nãoéaquiquevocêtemquedescer?–eledissederepente,alarmado.Julia se levantou rapidamentequandopercebeuque ele estava certo.Oônibushaviaparadono
pontodela.-Ei,obrigada!Eunãoestavaprestandoatenção.Ela pendurou a mochila em um ombro e acenou para o Thorsten antes de descer e pegar o
caminho para a livraria. Seria umdia quente; o sol, impiedoso, já estava queimando e ainda nemeram nove horas damanhã. Julia podia sentir o suor se acumulando sob a alça da sua bolsa. Elaesperava que Martin colocasse a mesa da cozinha no pátio novamente, para que eles pudessemalmoçardoladodefora.Ládentro,naquelatemperatura,eraumcalorabsolutonosegundoandar.
-Servus.–elacumprimentouMarcoeSilkequeestavamesperandonosdegrausemfrenteàloja.–Alojaaindanãoabriu?
Silkebalançouacabeça.-Martinchegouháumminuto,maseleestálevandoMichaeldevoltaparaopontodeônibus.Ele
estásesentindomuitomal.-Comoassim?Está falandosério?–Julia imediatamentepegouocelulardentrodabolsapara
verseMichaeltinhaligadoparaela.Aindanão.Elamandouumamensagemdetextoimediatamente.“silkeacaboudemecontarquevctadoente?Vouteverassimqpossível,ok?bjs”
-Ei, você está pálida –Marco disse, preocupado–Você quer sairmais cedohoje?Depois doalmoço?Eupossocobrirvocê,sequiser.
-Vocêfariaisso?Issoseriafantástico.–Julialançouaeleumolhargrato.Marcoeraumsalvadorda pátria: ela sairia depois do almoço e iria à casa do Michael para cuidar dele até que elemelhorasse.Seuspaisnãoestavamemcasaporquesuamãeestavadefériaseseupaiestavaemumadesuasviagensdenegócios.
QuandoMartinabriualojalogodepoisdasnove,MarcoperguntouseelepoderiapegaroturnodeJulia.Martinnãoseimportou.
-Tenhocertezadequeelevaiadorarasuavisita–eledisseaJulia–Eleestavasesentindomuitoenjoado.Devetercomidoalgoquefezmal.
Amanhãpareceusearrastar,agoraqueJuliaestavaesperandoansiosamentepelahoradoalmoço.Quandoalojafechou,aomeiodia,elamaisumavezagradeceuMarcodofundodocoração,antesdecorrerportaafora.Umaveznarua,eladecidiucaminharatéacasadeMichaelemGiselakai.Estavaainda mais quente, e uma viagem de ônibus seria desconfortável. Além disso, ela precisava seexercitar.Seelaescolhessebemocaminho,poderiacaminharnasombranamaiorpartedocaminho.Grades sicômoros e castanheiras se alinhavamdosdois ladosdocaminhoao ladodo rio, entãoaúnicaparteensolaradadacaminhadaseriasobreapontequeelatevequecruzarparachegaraooutroladodoSalzach.
Felizmente,umventosuaveestavasoprando.Juliapendurouabolsaemumombro,tirouocabelodo rostoeopuxouemumrabodecavalo.Tudoao seu redorpareciacalmo.Barquinhosestavamflutuando rio abaixo, mas não havia embarcações maiores. O nível da água estava extremamentebaixodevidoàestiagemdejulho.OtempotinhasidoquenteeensolaradoemtodaaEuropanaqueleverão,eaindanãohaviaacabado.JuliasorriuquandopensouemLondres:elespoderiampegarosônibusdedoisandaresparafazerotourpelacidade,fazercoisasdeturistaetirarfotosdetodososmonumentosantesdedescansarnoHydeParkànoite.
ElalevouvinteminutosparachegaràcasadeMichael.Quandoeleabriuaportadafrente,Juliaencarouseurostopálido.
-Ai,meuDeus.Vocêrealmenteestáhorrível–elaexclamou.-Semprebomouvirisso–Michaelrespondeu,comumsorrisofraco.–Porfavor,entre.-Vocêestácomintoxicaçãoalimentar?-Nãofaçoideia.–Michaelalevouparaasaladeestareseafundounosofácomumsuspiro.–Eu
nãoestoucomvontadedecomernada,issoéfato.Eusóquerotomarumpoucodearfresco.Juliasesentouaoseulado.-Entãovocêquersairumpouco?Elefezquesimcomacabeça.-Assimqueeumelhorarumpouco,queroiratéaflorestaatrásdasuacasa.Caminharumpouco
sobasárvores,nasombrafresca.-Parecebomparamim.–Juliacolocouumpoucodeáguaparaeles,dajarraqueestavasobrea
mesa.Elamesmanãoiaàflorestajáháalgumtempo.DesdeoraptodeAnne,elahaviatentadoevitarobosque.Semprequeelasentiavontadedecorrer,elaescolhiaocaminhopavimentadoparaEichet.Umpoucoantes,elahaviadecididousara trilhadaflorestaparaseexercitar,masasmemóriasdetudooquehaviaacontecidoalificavamvoltando:oacidentedeMichael,seucarvalhoficandodoenteeperdendoasfolhas,osencontrossecretosentreAnneeaquelecanalhadoAndreas.Elanuncahaviapensadoquechegariaaconsiderarobosqueumlugarescuroesinistro.TalvezfosseumaboaideiairatélácomoMichaeletentarreaverosensodesegurançaqueelasempreteve,emmeioàsárvoresantigas.
Depoisdahoradochá,Michaelestavasesentindobemparasairdecasanovamente.Juntos,elesentraramnocarrodamãedeleedirigiramatéBirkensiedlung.
MichaelestacionouocarronomesmolugarqueaambulânciaquandoosparamédicoslevaramAnneparaohospital.JuliapegouamãodeMichaelerespiroufundo.Oarfrescoaestavafazendobem.Sobreassuascabeças,asfolhasnascopasdasárvoressussurravamnabrisasuave,ederepente,elaselembroudecomoeraestarnafloresta,antesqueoseventosobscurosdassemanasanterioresmudassemsuapercepçãosobreela.Aquelelugarpermaneciaomesmo.Eraelaquehaviamudadodedentro para fora. E era uma pena. Afinal,Michael a havia dito para continuar sonhando. Ele nãoprecisavaqueelamudasseouvirasseumamulhercrescida,responsávelepénochãoemumfuturopróximo.
- Venha, vamos lá – ele disse baixinho, caminhando pela trilha da floresta e seguindo para adireita,depoisdealgunsminutos.Eledeixouocaminhoealevoudiretamenteparaaclareiraondeseucarvalhoestavasilenciosamenteesperandoporeles:olugardoacidente.
Eles ficaram imóveis, encarando o carvalho.Mais folhas tinham se tornado amarelas desde aúltimavezemqueJulia tinhaestadoali.Quandoéqueosguardasflorestaisviriameocortariam?Eles geralmente cortavam as árvores enfraquecidas no outono, para manter o bosque saudável.Naqueleano,otrabalhoseriaagendadoparaquandoelaestivessenafloresta.
Juliaengoliuemseco.Opensamentodenãotermaisumsantuárioparabuscarrefúgiosempreque os tempos ficassem difíceis fazia sua garganta se apertar dolorosamente.Mas então,Michaelapertousuamão,comosepudessesentirsuatristeza,eelaolhoudeladocomumsorriso.Elateriasimumsantuário.Elapoderiaserefugiarnapresençadele.Eleestariaaoseuladoetudoficariabem.
Elesevirouesorriudevolta.Dealgumaforma,elesemprefaziaaquiloquandoelaoolhavadelado.NãoeramaisummotivodeespantoofatodeMichaelparecersentirquandoelaoobservava.Desdequeelecontarasuaexperiênciadevidaaoacordardepoisdoacidente,elapresumiuqueeleeraapenasmaissensíveldoqueamaioriadaspessoas.FoiporissoqueeleconseguiuencontrarAnne.Apolícia havia voltado diversas vezes à casa deAndreasMittelmayer, depois de prendê-lo. EmboraAndreas houvesse confessado os crimes, ainda permanecia inexplicável o fato de que Michaelsouberaondesuairmãhaviasidoescondida,masoDetetiveSpitzerpôsfimaosinterrogatóriosaoescreveralgonoboletimpolicialsobreperfiladores,médiunsepessoascomsextosentidoajudaremapolíciaalgumasvezes.
AvozdeMichaelatiroudeseutranse.-Vocêquersesentarporumtempo?–eleperguntou,apontandoparaaárvore.Juliaconcordou.
Eleprovavelmenteestavacansadodepoisdeandaratélá,entãoelasesentouaoseulado,suascostaspressionadascontraotroncofirmedaárvore,exatamentecomoasoutrasvezes.Michaelpegousuamãoeumprofundosentimentodepazseespalhoupeloseucorpo.
-É tão lindoaqui.–elemurmurouaoseu lado.–Tãoquieto.Tãodiferentedacidade.Eaindaassim,euamoavidaurbana.Égrandeefantástica,cheiadepessoasevidaeamor.Tudosemove.
Suavozhaviaassumidoumtomquesugeriaqueelenãoestavarealmenteconversandocomela.Eleestavapensandoalto,eJuliaolhoudeladoparaveraexpressãoemseurosto.
-Vocêgostadeestarnacidade,certo?–elaperguntou.Eleconcordou,pensativamente.-Eusemprepossosentirvocêemmeioatodasaspessoasdentrodela–elerespondeu–Écomo
sevocêirradiasseseuamorpormim.Natardecalma,Juliapassouosbraçosaoredordacinturadeleeobeijounabochecha.-Issoémuitofofo–elasussurrou–Obrigado.Sentar sobasárvoreseaproveitara sombra fresca fezMichaelgradualmente se sentirmelhor.
Quandoelesfinalmentedeixaramafloresta,eramquaseseishoras.
-Vamosfazerojantar–Michaeldisse,enquantoparavaemfrenteàcasa.-Edepoisdojantar,vamosverumfilme?–Juliasugeriu.- Vamos fazer isso. Por que você não escolhe um que você gosta? – Michael apontou as
prateleiras,quepreenchiamumaparedeinteiranasala.JulianuncahaviavistotantosDVDsjuntosemtodasuavida,nemmesmoemumalocadora.
-Vouolharemumminuto–eladisse–Eunãotenhoqueteajudarnacozinha?- Não tem, não. Por que você não toca algo no piano? Isso, com certeza, vai me inspirar na
cozinha.Elesedirigiuàcozinha,deixandoJuliaaoladodopianonasaladeestar.Elasesentouepassou
osdedossuavementesobreasteclas.Mesmoqueelaestivessedebomhumor,começouatocarumamelodiamelancólica,parasuaprópriasurpresa.Eraalgoquesimplesmentevinhadonadaepareciaqueelaestavadeixandoalgopreciosoparatrásenquantotocava,emboranãosoubesseoqueera.
Quandoelaestavaacabando,Michaelcaminhouatéela.Eleacariciouseuombro.-Issofoilindo–eledisse,maravilhado–Vocêcompôs?Juliasorriu.- Sim. Agoramesmo, na realidade. É como se alguém a sussurrasse paramim... Como se eu
tivesseroubadoestacançãodobosque.Elepensounaquilo.-Vocêpodeterroubado.Talvezvocêsejamaisabertaacertasinfluênciasqueoutraspessoas.Isso
tambémexplicariaporquevocêgostavadeescreverseuspoemasnafloresta.Elesesentouaoseuladonobanquinhodopiano,passandoumbraçoaoredordesuacintura.-Vocênãotemqueficardeolhoemsuaspanelas?–Juliariuquandoelecomeçouabeijá-lapor
todoorosto.–Nossojantarnãovaiqueimar?Elebalançouacabeça.-Alasanhaestánoforno,então,ficaráprontasozinha.–Eleabeijoumaisumavez,buscandoos
seuslábioscomaboca.Ocoraçãodelaacelerouquandoamãodeledeslizouparacimaeparabaixonassuascostas,fazendosuablusaseerguerumpouco.Semfôlego,elasedeixouerguerporele,quea levou até a coleção de DVDs. Eles finalmente decidiram assistir "A Lenda", um dos primeirosfilmesdoTomCruise.Juliahaviavistoofilmediversasvezes,masMichaelnão.
-Esse foioprimeiro filmeque eu comprei emDVD–ela contou, entusiasmada, equilibrandodois pratos de lasanha e subindo as escadas. Julia havia sugeridoque eles assistissemao filmenoquartodele,porqueelanãogostavamuitodasala:eramuitograndeparaogostodela.OquartodeMichaelerabemmaisaconchegante.
Michaelestavacarregandoasuamala.Elealargouaoladodacamaquandoelesentraram.-Nossa,mulher.–eleaprovocou.–Oqueéquetemnessabolsa?Tijolos?-Não.Livros,naverdade.–Juliasesentou,comaspernascruzadaseabriuamala.–Sãopara
você.Emprestados.Umaumelaos entregoua ele, queos aceitouquasequede forma reverente, passandoamão
pelaslombadasdoslivrosfavoritosdela.Zweig,Brecht,Kafka.-Sevocêgostardeles,euapostoquepoderácomprarparavocêlánalivraria,comdesconto.–
elaacrescentou,comumsorrisobrincalhão.Michaeldeixou-secairnacamaecolocouapilhadelivrosnocriadomudo.-VocêachaqueoMartinnosdarádescontosemdobro,secomprarmososlivrosemconjunto?–
elebeijousuabochechaquandoelasejuntouaeleemcimadacama.–Obrigado.Vouescolherumparaleramanhã.Agoravamoscomer.
Depoisderasparemospratosdelasanha,osdoisdeitaramnacamaviradosparaatelevisão,queestava no canto. Michael ligou o aparelho. Enquanto isso, o céu do lado de fora havia quase
escurecidocompletamente,entãoelespuxaramascortinas.Estavaaconcheganteeseguronoquartodele. Julia seaconchegouemMichael e fechouosolhos,desfrutandoda intimidadeque sentiaporestarpertodele.Pareciatãodiferentedaprimeiravezemqueelaesteveemseuquarto,deitadaemsuacamaedandounsamassos.Aquelemomentopareciaterficadoséculosatrás.
Ela apenas percebeu que havia dormido durante o filme quando Michael a acordou tocandosuavementeemsuatestaebeijandoseuslábios.
-Ei,BelaAdormecida.–ele riu,quandoelaabriuosolhos.–Penseiquevocê tivesseditoqueesseeraseufilmefavorito!
Juliaergueuacabeçaeviuoscréditospassando.-Ah,quepena.Euperdiofinal.–elabocejou,entãosevirouparaeleeobeijoudevolta.Amão
delemassageava seupescoçoeombros, entãoescorregoupor suascostas atéo seucóccix.Ela seaproximouaindamais,deixandoocalordeleaacalmar.Arespiraçãodelesetornoupesadaquandoeleabeijoumaisprofundamenteeaabraçoumaisforte,semsoltá-la.Normalmente,quandoelessebeijavam,elesestavamemalgumlugarexternoounacasadela.Agora,elesestavamnacasadele,eelesestavamsozinhos.Nãohavianecessidadedeseafastarem.
Juliagemeu,protestando,quandoeleseafastou,finalmente,empurrando-aeolhandosérioparaela.
-Julia–eledissecomavozentrecortada.Semfôlego,elaoencarou.-Sim?-Devo...–osolhosdeleforamatéaportaedevoltaparaela.–Devoarrumarsuacamanoquarto
dehóspedes?Elalentamentesoltouarespiraçãoepegouemseurostocomamão.-Não–elarespondeufirme.Umaluzseacendeuemseuolhar,maseleaindaaolhavaatentamente.-Temcerteza?–elesussurroupertodabocadela.-Sim.Absoluta.–elacorou,mas suavoznãohesitou.Era issoqueelaqueria.Eraelequeela
queriaedeverdade.Eleapuxouparapertoeesfregouasuabochechanadela,eentãosussurrouemseuouvido.-Euteamo.Eraaprimeiravezqueelediziaaquelaspalavras.Ocorpo inteirodeJuliaestava inflamadode
amor,paixãoeemoção.-Eutambémteamo.–elasussurroudevolta.–Vocêmedeixasegura.Depoisdisso,elanãodissemaisnada.Nadamaiseranecessárioserditonaquelanoite.
13.-Gentedocéu,olhaessavista!–Florianexclamouanimado,apontandodesuajanela.Láembaixo,oTâmisacortavaacidadecomoumafitaazulreluzente,oBigBeneoParlamentoladeandooriocomosefossemminiaturas.
-É,ótimo.–Tamarabrincou.ElasódescobriuquetinhamedodealturadepoisqueelesjáhaviamembarcadonoFerris,entãoelaestavasentadanobanco,nomeiodacápsula,segurandoapavoradaamãodeGaby.
-Érealmenteótimo.–Axelcantarolou.EleestavaempéaoladodeFlorian,filmandoavistacomsua câmera. –Ok, então eles cobram os olhos da cara para subir no London Eye,mas vale cadacentavo.
Juliaestavadoladoopostodabolha,ouvindoMichael,queapontavaaelatodotipodepaisagens.ElejáhaviaidodiversasvezesaLondres,entãoelesabiaondeencontraroslugaresmaisfamososalidecima.
-Sorriam,pombinhos.–Florianoschamou,naquele instante.Elesolharamde ladoeele tirouumafotodelescomseutelefone.
-Quetipodepássaros?–Juliagritoudevolta,comumsorrisoperdido.-Pombinhos,éclaro–Florianrespondeu,comumapiscadela–Háváriosdelesaqui,não?Michaellançouumolharácidoaele.-Ha,ha,muitoengraçado.–Nodiaanteriorelehaviasidomultadoporumpolicialporalimentar
ospombosnaTrafalgarSquare.–Comoéqueeuiasaberquenãopodemosalimentarospássaros?Eles não carregam um cartaz por aí dizendo “Nós, pombos, somos a maior peste de Londres”,carregam?
Juliapassouosbraçosaoredordele.-Bem,euacheiadorávelquevocêquisalimentarospombos.–elasorriu.–Vocêpareciatãofofo
comsuasmãoscheiasdemigalhasdepãoeaquelebandodepombosfamintosaoseuredor.Eleriu.-É,seaomenosapolíciaachasseomesmo.-Oque?Quevocêéfofo?–Axeldisparou.MichaeleJuliacaíramnarisada.EraoterceirodiadelesemLondreseelesestavamsedivertindo
bastante.Nanoiteanterior,elesforamaoshowdeMoritz.Naqueledia,elesestavamplanejandofazerumpiquenique emHydePark, à tarde.As garotas haviam ido aoTesconaquelamanhãpara fazercomprasedeixaramasaquisiçõesnoquartodelas.
- Só espero que os ratos não toquem em nada – Gaby havia dito, sarcasticamente, já que oalberguedajuventudenãoeraolocalmaislimpoqueelesconheciam.
-Jáchegamos?–Tamaraperguntouqueixosa,levantando-secomaspernasbambas,paraarriscarolharpelajanela.–Oh,quebom.Quase.Malpossoesperarparadescerdestacoisa.
Depois demais algunsminutos, o grupo todo saiudabolha e entrouna loja de souvenires dooutroladodoLondonEye.Gaby,JuliaeTamaracaminhavamnafrente,comosbraçosdados,eosgarotosasseguiam.Nocomeçodaviagem,eleshaviamsolenementejuradonãodeixaraviagemsetornardecasaise,atéaquelemomento,tudohaviacorridobem.JulianemhaviapassadomuitotempocomMichael,elepassavaamaiorpartedotempocomosgarotosedormiaemumquartodiferente.GabyeAxeltambémtinhamumcomportamentoexemplar.
AxelestavaconversandoanimadamentecomMichaelquandoelesentraramna loja.Elepareciafinalmente ter superado o fato de que Michael inicialmente havia tratado sua prima de formadesrespeitosa.Juliaolhouparaosdoissorrindo.Axeldeviaestarfelizporquedurantetodooverão,
uma longa e jubilosa sequência de acontecimentos havia ocorrido, assim como ela havia um diaimaginado em seus sonhos.Contudo, no final do verão,Michael semudaria paraGraz.Ela temiaaquelemomento,elasentiriamuitoafaltadele.
-Ei, cara,você estábem?– elade repenteouviuAxelgritandoatrásdela. Julia seviroueviuMichaelsentadoemumacadeiradedobrarpróximaàentrada.Florianestavaempéaoladodele,oabanandocomumjornaleoferecendoumagarrafadeágua.
Elarapidamentefoiatéele.-Você está se sentindomal por causa do calor? – ela perguntou, tocando em sua testa. Estava
gelada,apesardaaltatemperaturadodia.Michaelbalançouacabeça.-Sóestoumeiotonto.–elemurmurou.–Sóqueroficarsentadoaquiumpouco.-VocêachaquepodeserpelopasseionoFerris?–Tamaraseperguntou,emvozalta.-Possivelmente–Juliarespondeu,distraída.ElaseagachoueficouaoladodeMichaelatéqueos
outros tivessem pagado pelas compras no caixa. Seus acessos de tontura estavam começando apreocupá-la. Ele estava pálido igual quando precisou ir embora do trabalho uma semana antes,porquenãoestavasesentindobem.Oqueestavaacontecendocomele?
-VoulevaroMichaeldevoltaparaohotel–eladisse,decidida,assimqueeleshaviamdeixadoaloja.–VamosnosencontrarnoHydeParknofinalda tarde,nogramadopertodaestátuadoPeterPan.
-Temcerteza?–Gabyperguntou.–Vocênãoquerqueagenteteacompanhe?-Oque?EarruinaraúltimatardeemLondres?Nempensar.Namanhã seguinte, eles pegariamovoodevolta paraSalzburg e Julia sabia queGaby estava
morrendodevontadedeiraalgumaslojasgóticasnoSoho,queeleshaviamvistonodiaanterior.-Ok,comovocêquiser.–AxeldeuumtapinhanascostasdeMichael.–Vácomcalma,cara.Nos
vemosmaistarde.OsdedosdeJuliaapertaramamãodeMichaelquandoelescomeçaramavoltarparaaestaçãode
metrô.Ela esperava que houvesse algumônibus do lado de fora da estação: levarMichael para oalbergueemumtremsubterrâneo,quenteelotadonãopareciaamelhorcoisaagora.Aparentemente,ele estava pensando o mesmo, porque apontou para um táxi que esperava no ponto próximo àestação.
-Venha,vamosdetáxi–eledisse,cansado.-Vocêestálouco?–Juliaoencarou,boquiaberta.–Issovaificarumafortuna.Vocêsabequala
distânciadaquiatéoalbergue?Elesorriufracamenteaela.-Ah,bem.Vocênãoestáfelizquetemumnamoradoricoagora?Julia deu de ombros e não respondeu.Michael estava certo, ele poderia facilmente arcar com
aquelegasto.Elaapenasficavainsegurasemprequeeleesbanjavadinheirodaquelaforma.Elenãoestavatentandoseexibir,maselasimplesmenteestavaacostumadaaumestilodevidabemdiferente.
Elasoltouarespiraçãoquandoelesentraramnobancodetrásdotaxi.- Albergue Hyde Park, por favor – ela disse, com seumelhor sotaque britânico. Omotorista
acenou,ligouotaxímetroedeupartida.Depoisdemeiahoradecorridaparaohotel,Michaelpagouaomotorista uma quantia enorme de dinheiro,mas Julia estava verdadeiramente aliviada por eleschegaremtãorápido.Michaelaindaestavamuitopálido.Eleprovavelmentegostariadesedeitaremseuquarto.
-Vamossubir?–elasugeriu,enquantootáxidesapareciaaoviraraesquina.Elebalançouacabeça.-Queroiraoparque.Sentarsobasárvores.Vaimefazerbem.
Foi aquilo que ele havia feito da última vez, também.Havia funcionado perfeitamente bem nasemanaanterior,entãoporquenão?
-Ok.Sóvourapidinholáemcimapegaralgumasbebidaseomeulivro–eladisse–Jávolto.Enquanto ela subia as escadas correndo – o albergue barato não tinha um elevador que
funcionasse,eclaro,seusquartostinhamquesernoquartoandar–elapensouemquallivropegar.ElaeMichaelestavamlendopoemasdesuacoletâneadeDaniilCharms,antesdeembarcaremalgunsdiasantes,entãoelalevariaaquele.
-Certo,vamos–eladisse,omaisanimadamentequepôde,quandosaiu.Michaelaindapareciabrancocomolençol,maseleprovavelmentenãosesentiriamelhorseelaficassemexendocomeleotempotodo.Eraumaideiamelhorlevá-loparatomarumsol,comoelemesmodizia,algumasvezes.Semprequeelacontavasuashistóriasparaeleenãoconseguiaparardefalaresorrir,eleachamavadeseusol,assimcomohaviafeitoemseupoema.Elasabiaqueerabrega,maselanãoseimportava– ela ainda estava muito apaixonada para considerar qualquer coisa relacionada a ela e Michaelpiegas.
Enquantoelesandavampelocaminhoquelevavaparaoparqueeparaogramadoondehaviamcombinadode se encontrar comosdemais, Julia assobiavaumamelodia alegre.Depoisdealgunsminutos,Michaelsedesvioudocaminho,puxando-aparaumagrandeenodosacastanheiranomeiodogramado.
-Vamosnossentaraqui?Nasombra?Osdoisescolheramumlocalnasombra.MichaelobservavaJuliacomumsorrisoenquantoela
procuravaemsuabolsapelaslatasderefrigeranteesacosdebatatafrita.- Você vai ler para mim? – ele perguntou ansioso quando ela pegou o livro de Charms em
seguida.Elafezquesim.-Esteéoplano!Porquevocênãosedeitacomosolhosfechadosecomumabebidaporperto?Obedientemente,elepegouumalataeencostou-seaotroncodacastanheira,seusolhosfechados.
Julia folheou o livro de novo. Ele havia pertencido ao seu avô, que sempre fora fascinado porliteraturarussaedeixouparaelaasuacoleçãodepoesiastraduzidasquandofaleceu.Elahavialidoaquele livro inúmerasvezes,maseraaprimeiravezqueelaoestavacompartilhandocomalguémqueelagostava.
Elaleubaixinhoalgunsdosseusfavoritos.“Umromance”,“PetroveKamarov”,“Umacanção”.Devezemquando,elaespiavaMichaelparaverificarseeleaindaestavaacordado.Todasasvezesque ela fazia isso, ela via um leve sorriso em seus lábios.Ele ainda estava sentado comos olhosfechados,masacorhaviaretornadoaoseurosto.
Depoisdepoucotempo,elavirouparaaúltimapáginaeleuoúltimopoemadolivro.UmhomemdeixousuacasaComumtacoeumsaco;ZarpouPelaestradaEnuncaolhouparatrás.ElecaminhousempreparafrenteElecaminhousempreemlinharetaNuncadormiu,Nuncabebeu,Nuncabebeu,dormiuoucomeu.Nocrepúsculo,eleentrounumaflorestaEscuracomoanoite
EdesdeAquelavezEledesapareceuparasempre.MasseumdiavocêCruzarcomessehomem...EntãoporfavorNosaviseOmaisrápidopossível.Comumsuspiro,Juliafechouolivro.Masquandoelaergueuosolhos,eledespertou.Osorriso
haviadesaparecidodorostodeMichael.Eleaolhavacompesar,tãosolenemente,queelanãoresistiuefoisesentaremfrenteaele.
-Oqueestáacontecendo?–elamurmurou,acariciandoorostodele.Eleestendeuosbraçosparaela,eeladesapareceuemmeioaoabraçodele.-Eunãoqueroirembora–elerespondeu,quaseinaudivelmente.Elanãoentendeu.-Nãoqueriremboradeonde?DeLondres?Elebalançouacabeça,permanecendoemsilêncio.Juliamordeuolábioeencarouseusolhos.Ele
deveriaestarpensandoemGraztambémenofatodeelessesepararememalgumassemanas.Comumlevesuspiro,elacolocouacabeçanoombrodele.
-Tudovaificarbem.–elamurmurou,colocandoamãoemseupeito.–Euteamo.Aospoucos,elapodiasentirocorpodelerelaxarcontraoseu.-Eutambémteamo–eledisse–Nãoseiporqueestouchateado.Nãosepreocupecomigo.Nas horas que se seguiram,Michael gradativamente se recuperou da estranha fraqueza que o
haviaacometidonaquelamanhã.Nahoraemqueorestodogrupochegouaoparque,JuliaeMichaelestavamjogandobadmintonusandoumconjuntoderaquetesquehaviampegadoemprestadodeumafamíliaqueestavasentadaumpoucodistantedeles.
-Olha sóvocê!Comprouatémorrer?– Juliaperguntou,olhandoas sacolas lotadasqueGabyestavacarregando.
Suamelhoramigaacenou.- Eu praticamente saqueei a loja. E gastei todo meu dinheiro, por sinal. Não tenho nem uma
moedinhaparacomprarlanchesnovooamanhã.- Ela comprou uma blusa muito legal. – Axel completou, piscando para Julia. – Por que não
mostraaJulia?Gabycorou,puxandoumacamisetadedentrodeumadassacolascomumrisinhonervoso.Era
umablusinhacomcaveiras,alfineteseumafrase“Morrodeamorpelomeunamorado”.-Uau,queromântico!–Juliaelogiouacompradaamigacomumsorriso.- Aaaah, esquilos! - Tamara apontou um par de esquilos cinza, correndo pelos galhos da
castanheira.–Voudarcomidaparaeles!-Nãovai,não!–Michaeldisse.-Nãovou,não?Porquenão?Vousermultada,comovocê?-Não,masvocêvaiserassediadaporumbandodeesquilosdetestáveis.Elesestãoportodaparte.
Sevocêalimentarum,elesvãobuscartodososamigoseacabarcomasuacomida.Moritzriu,maliciosamente.- Roubada por roedores. – ele cantarolou. – Você acha que a polícia vai acreditar em nós se
formosdenunciarumacoisadessas?O grupo se sentou rindo e conversando, mas Axel olhou o horizonte e fazendo uma careta,
apontouumasnuvensescurasdetempestadeseacumulandoaoeste.
-Gente,aquiloestáfeio.Achoquevamosserpegosporumatempestade.Florianagarrouemseubraçoeopuxouparabaixo.-Sentaaqui,senhorprofetadodesastre.Vamosficarbem.Vinteminutosdepois,quandoumrelâmpagorasgouocéuescuroeasprimeirasgotasdechuva
começaramacair,Axellançouumolharestoicoaoamigo.-Profetadodesastre,né?–eledissecalmamente.-Dáumtempo.–Florianrebateu.Elescorreramparadobrarastoalhasdopiqueniqueerecolher
a comida, quando a chuva começou a cair mais forte. Julia correu quando eles saíram da partegramadadoparqueprotegidaporárvores,efoiaprimeiraachegaraohotel.Erabomsaberqueelanãoestavacompletamenteforadeforma.
-PlanodepiqueniquenoHydePark: falhou. –Gabymurmurou, entrandono saguãodohotel,com rímel por todo o rosto emechas de cabelo preto pregadas no rosto. –Vamos nos sentar noloungeecomerali?
Oloungeeraasalacomumcomcomputadores,umbareumaenormetelaplanaparaoshóspedessedistraírem.Juliaeseusamigosseacomodaramnossofásfofosnocanto.Assimquetodoshaviamse trocado, eles desembalaram a comida e colocaram na mesa, para o jantar. Florian estavaconferindoaprevisãodotempoemseucelular.
-Ah,ótimo–eledisse,desanimado–EstásolecaloremSalzburg,gente.Eaquiestamosnós,curtindoobomclimainglês.
- Bem, talvez nós devêssemos fazer nosso piquenique externo, lá em casa, amanhã – Juliarespondeu–Entãopodemoscelebraroúltimodiadanossaviagemcomumpoucodesol.
-Pareceótimo–Moritzdisse–MeuvoochegaaSalzburgamanhãà tarde,entãoeupossomejuntaravocêsànoite.
Julia se recostou, mentalmente fazendo uma lista de coisas que ela teria que comprar nosupermercadodepoisquevoltasseparacasa.
-Melembredeiràlojaamanhã-eladisseaMichael,queaentregavaumsushi.Elesorriu.-Nãoseestresse.NãopenseemSalzburgainda.Estamosaqui,agora.-Vocêestácerto.–ela sorriudevolta, seaconchegandonele.Elehaviaditoquenãoqueria ir
embora. Ela queria estar no aqui e no agora também, curtindo sua última noite emLondres comMichaeletodososseusamigos.Quandoelavoltasseparacasa,teriaquecuidardemaiscoisasqueapenas compras... O período de orientação da Universidade de Salzburg logo começaria. Seria ocomeçodeumanovavidaparatodoseles.Michaelsemudariaparaoutracidade,voltandoparacasanofinaldosemestreapenas.Suasvidasmudariam,maselanãoqueriapensarnaquilo.Hojeeratudooqueimportava,oagora.
14.Nodia seguinte, Julia havia ido diretamente para o trabalho para organizar o piquenique em suacasa.Elestiveramumvootranquilo,sematrasoseantesdesedespedirdetodosnoaeroporto,Juliarecebeuacontribuiçãodetodosparaacomida.
Perdidaempensamentos,eladesceudesuabicicletaeacarregouatéoportãoquandoumavozanimadarepentinamenteadespertou.
-Ora,ora...Paraquetudoisso?Julia ergueu o olhar das sacolas pesadas que ela estava descarregando no guidom, e olhou
diretamenteparaosolhosazuisdeThorsten.Ovizinholançavaumolharquestionadoràssacolasdecomprascheiasdepãesepetiscos.
- Ah, é para nosso piquenique pós-férias. – ela explicou. – Por que você não se junta a nós?Temoscomidasuficienteparaalimentaravizinhançatoda.
-Acreditoemvocê.–eleriu,abrindoumsorrisolargoquandoJuliatentoupegarastrêssacolassozinha.–Deixe-meteajudar.
ElaeThorstencarregaramtudoparaamesadoladodefora,ondeMichaelestavaseocupandodefazerumaenormebaciadesaladadefrutas.
-Ei,obrigadoporajudaraJulia,cara–eledisse,quandoviuThorstencarregandoduassacolas.–Minhanamoradateimosainsistiuquedariacontadascomprassozinha.
ElaqueriafazertudosozinhaporqueMichaelaindanãoestavasesentindobem,depoisdatonturaemLondresnodiaanterior.Elehaviaseoferecidoparaajudar,maselahaviarecusadoporquesabiaqueeleaindasesentiamal.Fazerumasaladadefrutaseraaatividademenoscansativadodiaentãoelahaviapedidoparaelefazeraquiloenadamais.
-Semproblemas–Thorstenrespondeu–Eucarregocaixasdeprodutosinsanamentepesadosnosupermercadotodososdias.AmãodeJuliaéumacheferealmentetirana.
-Euouvi.–aSra.Gunthercantaroloudocementeaochegaraojardim.–Voucortarseubônus,rapazinho.
QuandoJuliaesuamãehaviamacabadodecolocartodaacomidanamesa,Axel,GabyeTamarapararamemfrenteàcasa,nocarrodeTamara.
-Londres chamando! –Tamara gritou do bancodomotorista, antes de estacionar próximo aoportão. Ela saiu segurando um fardinho deGuinness que havia comprado na loja do aeroportonaquelamanhã.AxeleGabyaseguiram,carregandosacolascheiasdebatatinhassaborsalevinagre.
-Maiscomida?–Thorstengritou,fingindosurpresa.–Uau,vocêsdevemestarfelizesdeeuteraparecidoparaajudaracomertudoisso.
-Sempreficofelizdetervocêporperto–Juliadisse,comumsorrisocarinhoso.Thorstenolhoudelado,parecendoprestesacorar.
-Ei,devobuscarmeuviolão?–eledissederepente,saindoemdisparadaantesqueelapudessedizerquesim.
Julia piscou e se virou paraMichael que estava em pé alguns passos atrás dela, a encarandopensativamente. De repente, ela se sentiu idiota por dizer coisas daquele tipo para Thorsten. Elarealmentenãoqueriaqueaquilotivessesoadocomopaquera–elarealmentesesentiadaquelaforma–mas aquilo havia tido um efeito em seu vizinho queMichael não havia deixado escapar nem seestivesseaquilômetrosdedistância.Elaesperavaqueelenãoficassecomciúme,porquenãohavianadacomquesepreocupar.
Elahesitantementecaminhouemdireçãoaeleeseinclinouparabeijá-lonoslábios.-Euteamo.–elasussurroucontraosseuslábios.
-Eutambémteamo.–elemurmuroudevolta,encarando-acomtantoamoreternuraqueelaseperguntousehaviaimaginadooolharciumentodeantes.
QuandoFlorianeMoritzcompletaramogrupo,aoaparecercomumaenormevasilhadesaladadebatata,Thorstentambémvoltou.Depoisdojantar,eletocoualgumasmúsicasconhecidasemseuviolão,paraquetodospudessemcantarjuntos.
-Ok,agoratoquealgorealmenteemocionanteparanós–Tamarapediudepoisqueeleshaviamacabadodecantarofinalde“HeyJude”aplenospulmões.
Thorsten baixou o olhar para o seu instrumento, afinando as cordas mais agudas, antes decomeçaratocaramúsicaqueelehaviaescrito.Eleergueuoolhar,procurandoporJulia.Elasentiuasbochechas ficaremvermelhas,balançandoacabeçaquase imperceptivelmente,masMichael jáahaviacutucadoeafeitolevantardeseucolo.
-Cante–elesimplesmentedisse,olhando-acomexpectativa.Seucoraçãomartelavaemsuagarganta,quandosesentouaoladodeThorsten.Droga,elaestava
aindamaisnervosadoquenodiaemqueela teveque tocarsuaprópriamúsicadiantede todososcolegasdeclassenacerimôniadeformatura.Porqueaquiloeratãodifícilparaela?Aqueleeraseuprópriogrupodeamigos.
SeusolhosforamdeMichaelaThorstenevoltaram,erepentinamenteficouclaroparaelaporqueaquiloeraextremamenteesquisito.Eraaprimeiravezqueelacantariaaquelamúsicacomosdoisjuntos. Era a melodia de Thorsten, mas era a letra de Michael. Era como se os dois mundosestivessemsechocando,semquenadapudessealterarafatalrotadecolisão.
-MeinRufistdünnundleicht–elacantouemumavozradianteesuave.–Meuchamado,quietoemisterioso.
O vento balançava as árvores ao redor da casa, enquanto sua voz ganhava força e pareciahipnotizaraplateia.Elacantavaesederramavacompletamentenamúsica.Quandoacançãoacabou,todosficaramsentados,encarando-aadmirados.
Thorstensevirouparaelaecolocouamãoemseubraço.-Obrigado–eledisseemvozbaixa–Issofoilindo.Ela ficouvermelha.Daúltimavez, ele a tinha agradecidodeum jeitodiferente.Elao encarou
comumaperguntaimplícitaemseuolhar.Seráquealgumdiavamospoderserapenasamigos?Seus olhos azuis pareciam enviar a ela uma resposta.Sempre vou olhar para você de um jeito
especial.Gabyquebrouosilêncioaocomeçaraaplaudir,orestantedogrupoaseguindoimediatamente.-Uau,issofoiincrível!–eladisse–Vocêsescreveramjuntos?Thorstendeudeombrostimidamente.- Mais ou menos. – Enquanto as pessoas lançavam perguntas a eles sobre sua música, Julia
rapidamenteselevantoueentrouemcasaparapegarumcopodeáguanacozinha.Quandoelasaiudaliparavoltarparafora,Gabyestavaesperandoporelanocorredor.
-Jules–eladisse–EunãoachoqueconvidaroThorstenfoiamelhorideiaquevocêtevehoje.Juliapiscouparaela.-Porquê?-Ah,porqueédolorosamenteóbvioqueeleaindaestáapaixonadoporvocê.Eporquevocêestá
amigáveldemaiscomele.EMichaelestáclaramentepercebendotudo.-Oh.–Juliaseencolheu.–Não.Vocêacha?Masessanãoeraaminhaintenção,Gaby.Vocêsabe,
nãoé?Gabydeudeombros,relutante.-Sim,eumeioqueentendo.Masadúvidaé:elesentendem?
-Eu...Eunãosei–Juliadisse,arrasada.EntãoelanãohaviaimaginadooolhardeMichaelnofimdascontas.Aquelasituaçãotodaeraumsaco.Ela tinhaqueconversarcomelenaquelanoite.Gabyestavacerta:elaestavasendoridícula.–Vouexplicartudoaele.Prometo.
-Vamos jogarpôquer.–Floriananuncioua JuliaeGabyquandoelasvoltaramparaamesa.–Vocêsestãodentro,nãoestão,meninas?
-SóseeupuderficarnotimedoAxel.–Gabyexigiu.- Naturalmente, Senhora das Trevas. Ninguém ousaria manter vocês afastados – Florian
respondeudocilmente.AxeldeuumtapanacabeçadoamigoepuxouGabyparaseucolo.Eles jogaram por horas. Quando ficou tão escuro que eles não conseguiammais enxergar as
cartascomaluzdaslanternasexternas,elesdecidiramencerraranoiteelimpartudo.JuliarecrutouGaby e Tamara para levar todos os pratos sujos para a cozinha, enquanto ela recolhia todas asgarrafasvaziasemumasacolaplásticaparaguardarnogalpão.Suamãepoderialeva-lasedevolveraomercado.
Elaparouquandoouviuduaspessoasconversandoatrásdogalpão.EraMichaeleThorsten.Elesestavamconversandoemparticular?Nervosa, ela se esgueiroupara frentepara escutar oque elesestavamdizendo.ElanãoconseguiadistinguirmuitobemavozdeMichael,maselepareciaresoluto,enquantoThorstenpareciachateado.
-Nãoestoupedindoistosemmotivo.–elaouviuMichaeldizeraoseuvizinho.Thorstenexpirou,frustrado.-Desculpe,mas falando sério?Comoé quevocêpodemepedir uma coisa dessas... – sua voz
falhou.–Vocêsabeoqueeusintoporela.-Eéporissoqueeuestoupedindo.-Comoéque é?Olha, eu sei quevocênão temque levarmeus sentimentos emconsideração,
mas...-Esperoquetenhaficadoclaro.–Michaelointerrompeunomeiodafrase.Quandoeleseviroue
apareceu no canto, Julia tropeçou ao andar para trás e tentou sair sem ser notada, mas era tardedemais.Eletromboucomela.
-Ah,oi–eladissenervosa,olhandoemvoltaparaencontrarumadesculpaparaestarali.–Eu,hã,tinhaqueguardaressasgarrafasnogalpão,então...
Oolhardelefoidasacolacheiadegarrafasderefrigeranteparaoseurostoculpado.-VocêouviuminhaconversacomThorsten?–eleperguntou,calmamente.Elaficouvermelha.-Ok,sim.Maseunãotiveaintenção.-Tudobem.Eutinhaqueconversarcomeleparapedirumacoisaquetemavercomvocê.Sim,aquilohaviaficadoabsolutamenteclaro.MichaelhaviaditoparaThorstenemtermosnada
incertos,paraficarlongedela.Éporissoqueovizinhohaviasoadotãoatormentado.Michaelestavacomciúmee,francamente,eletinhatodososmotivosparaestar.
-Desculpe.–elasussurrou.–Eunãodeveria...Vocêsabe...-Nãoaestouculpandopornada.–elemurmurou.E então ele a beijou.Seus lábios suavemente exploravamosdela, suasmãospercorrendo suas
costas. Omundo ao redor deles parecia ter parado. O vento havia parado e a lua cheia havia seerguido.Sobreassuascabeças,asestrelasbrilhavamnocéuazulescurorajadoderaiosvermelhosdosolquehaviaseposto.Juliasentiuarespiraçãodeleemsuabochechaquandoele lentamenteseafastoudela.
-Euteamodetodoomeucoração–eledisse.-Eeuteamo.–Juliasorriu.–Porquevocêestátãosériohojeànoite?-Bem,sóestousério.Queroquevocêsaibaquecadapalavraqueeudisseéverdade.
Elesandaramcalmamentedevoltaparaamesa,demãosdadas.Osamigosestavamtomandoumaúltimaxícaradecafé.ThorstennãoestavaemlugaralgumeJuliasabiaexatamenteomotivo.Talvezeladevesseiratéacasadelenodiaseguinte,apenasparaesclarecerascoisas.
-Vamosemboradaquiapouco–Tamaradisse–Algunsdenósprecisamtrabalharamanhã.Gabyfranziuatesta.-Porque,meuDeus,eutivequeassinarumcontratodedoismeses?EujáfuiparaLondres.Eu
nemprecisomaisdodinheiro.-Porquevocênãoguardaparaapróximafolga?–Axelsugeriu.–Podemosirparaalgumlugar
juntos.OrostodeGabyseiluminou.-Definitivamente!Ok.Euvoulimparaquelesmalditosestábulospormaisalgumassemanas.–ela
lançou um olhar apaixonado e esperançoso aAxel. Julia não conseguiu evitar olhar de lado paraMichaeldamesmaforma.Emresposta,eleseinclinoueabeijousuavemente.
Quando o café havia acabado, todos os convidados se foram.Michael foi o último a ir. Juliaacenouparaeledoportão,quandoelefoiembora,nocarrodesuamãe,buzinandoparaela.
Elaaindapodiasentiros lábiosdeleemsuaboca,enquantosubiaasescadas.Cantarolando,elaacendeu a luz do quarto e vagamente tocou algumas notas no teclado. A melodia que ela estavacantarolandoeraamúsicaquehaviacompostoantesdaviagemparaLondres,amúsicatristequeelahaviacriadoaopianodepoisdatardenafloresta.AcançãohaviasidoperfeitamentenomeadaAdeus,porqueelasentiacomoseestivessedeixandoalgoparatrásnaquelamelodia.
Julia se sentou e começou a tocar novamente, os sons saindo pela janela aberta e subindo emdireçãoaocéu,ondea luapálidabrilhava,edescendoatéo limiteda floresta,ondeelahaviaditoadeuspara tanta coisa naquele verão e aprendidonovas lições.Ela estavano começodeumnovocapítuloeerahoradevirarapágina.
Naquelemomento,suamãetossiubaixinho,empénobatentedaportadeseuquarto.-Quemúsicamaravilhosa,querida.–elaobservou.–Énova?Juliaolhouparaamãepensativamente,entãobalançouacabeça.-Não,eunãoacho.Pareceantiga.EuanomeeiAdeus.ASra.Guntheracenou.-Euachoqueeuentendooquequerdizer.Juliasorriu.-Boanoite,mãe.Ela se levantou, desligou o teclado e se preparou para deitar na cama. Enquanto fechava as
cortinasefechavaaportadoquarto,elaouviuamãecantandobaixinhoasuamúsicanocorredor.Com um suspiro satisfeito, ela escorregou para debaixo do edredom e leu seu álbum até que aspálpebrascomeçaramaficarpesadas.Nessahora,elaapagoualuzecaiunosono.
15.Umavozaacordoudeseusonho.
Juliasesentounacama,desperta.Porumsegundo,elapensouqueAnneahaviachamado,masnãopoderiaser,poiselaestavaficandocomopaiemInnsbrucknaquelasemana.Elaprocuroupeloquarto,iluminadopelaluzfriadoluar.Elanãotinhafechadoascortinasantes?Ouhaviaesquecido?
Eentão,elaouviunovamente.Umavozclara,soandocomosinos,aparentementevindodonada.-Venhaparaafloresta.Umarrepiopercorreusuaespinha,maseraporcausadoventofriosoprandopelajanela,avoz
nãoaassustava.Elasoavaquenteeamigável.Juliaesfregouorosto.Suatestaestavamolhadadesuor.Nãoeranenhumasurpresaosarrepiosqueelasentiaportodoocorpo,comoventotocandosuapele.Elaselevantouecaminhouparaajanela,inclinando-separafora.Nãohavianinguémláembaixoqueapoderiaterchamado.
Sempensarmuito,elasevestiue foi, silenciosamente,paraoandardebaixo,semacordarsuamãe. Julia caminhoupara foradoquintal.O luarbanhava tudodeprateado,dandoaomundoumaatmosferadecontodefadas.Elaolhouparaaruaondeficavasuacasa,momentaneamentedandodeombros,entãocomeçouacaminharemdireçãoàfloresta.Quemsabe,talvezelativessesetornadotãosensívelàflorestaquantoMichael.Talvezosespíritosdaflorestaahaviamchamadoparadançar.
Juliasorriu.Bomsaberqueelanãohaviasetornadoumaadultachataeresponsávelainda.Quememseujuízonormalfariaumpasseionaflorestanomeiodanoite,porqueumavozmisteriosahaviachamado?Naverdade,aquiloatéeraempolgante–algoquepoderiateracontecidoemumdeseuslivrosdecontosdefadas.
Assimque chegou à trilha da floresta, seus pés automaticamente a levaram emdireção ao seuantigo local demeditação. Seu carvalho estava silenciosamente ereto emmeio às outras árvores,parcialmenteemmeioàssombras.Contudo,oluarclaramenteiluminavaumafigurafamiliar,empéaoladodocarvalho.Elepareciaestaresperandoporela.
-Michael?–elaperguntousurpresa.–Oquevocêestáfazendoaqui?Eledeuumpassoemdireçãoaelaesuavementebeijousuabochecha.-Euquerofalarcomvocê.-Hã...Aqui?–elaergueuumasobrancelha.Eleconcordousolenemente.-Sim,aqui.Foiaquiquetudocomeçou.–eleapegoupelamãoelentamenteandouparatrásaté
queelesestivessemdiretamentesobocarvalho,seusrostosiluminadospeloluarqueatravessavaafolhagem.Juliaprendeuarespiração.OsolhosdeMichaelnuncahaviamparecidotãovividamenteverdeseintensamentetristescomonaquelemomento.Todooseurostopareciadiferente,maselanãoconseguiaapontarexatamenteemquê.
-Vocêouviuaminhavoz?–eleperguntou.-Eravocê?–elapiscouparaele.–Comoéqueeupossoterouvidosuavoznaminhamente?-Porqueanossaconexãoémuitoprofunda–elerespondeu–Porqueeuvenhoescutandoasua
voznaminhamenteháváriosanos.Elabalançouacabeça,confusa.-Nãoestouentendendo,desculpe.Elebaixouoolhar,paraamãodeletocandootroncodaárvore.-Vocêcostumavaviraquiparadesenhar,escrever, lerousonhar.Esteeraoseu reino.Vocêse
sentiaseguraaqui.Eeumantinhavocêsegura.Eueraoanjoqueguardavavocê.
UmaestranhasensaçãopercorreuJulia.Michaeliadizermaissobresuarepentinaatraçãoporela,depoisdoacidente.Masporqueéquenadadaquilofaziasentido?Oqueeletinhadito,exatamente...Elehaviaoferecidosegurançaaelasobaquelaárvore?
-Então...Hã...Vocêtambémcostumavaviraqui?–elaarriscou.Eleaencarou,aindamaisdesamparadodoqueantes.-Eucostumavaficaraqui.Osolhosdelasearregalaramcomespanto.Elahesitantementeergueuoolharparaosgalhosdo
carvalho.Ocarvalhodela.-Oquevocêquerdizer?–elasussurrou.-Euachoquevocêpoderiamechamardepríncipeda floresta–ele respondeubaixinho–Um
príncipedeverdade.Umcarvalho,umanciãocomumavidanaflorestademuitosséculos,vivendoemconexãocomtodasasoutrascriaturasdafloresta,enraizadoaosolo.
Abocadelaficouseca.-Umaárvore–eladisseemumúnicotom.-Umaárvore–eleconcordou.Aquilo era irreal.Era louco.Elanuncahaviaouvidoumahistóriamaisbizarra em suavida e,
mesmoassim,Juliasabiaqueelenãoestavamentindo.Elapodiasentirisso.-Oque...Como...–elagaguejoueentãoparou.Elanãosabiaoqueperguntar.Michaelgentilmenteacariciouoseurosto.-Vocêsempresentiuqueasárvorestêmcertaforçadevida.–elecontinuouseunotávelconto.–
Você sentia que elas podiam sentir.Que você as podia sentir. E você pode.As árvores são almas,almas muito quietas, pacíficas que se erguem do solo como ramos, crescem e se tornam galhosverdeseentãoficamaindamaiores.Avidadelaspareceeterna.Eaalmadeumaárvorenuncaestásozinha. Ela está sempre conectada com outras almas ao seu redor. E quando uma árvore viveumuitosséculosdevidaeseutempoestáquaseterminando,elacaiemumsonoprofundo.Eladorme,perdeoconhecimentodesimesma,misturando-secomaconsciênciadobosquemaisumavez,pararenascercomoumrebento.
Michaelseinclinoucontraocarvalho,correndoamãoporseucabelo.Suavozbaixou.-Masalgumasvezes,édiferente.Algumasvezesumaárvoreseconectacomumserhumanono
finaldasuavida.Umhumanoquesemprevisitaaárvore,porexemplo.Eestaconexãoadesperta,porassimdizer.Issosignificaqueaalmadaárvorenãovaisedissolvernaconsciênciadafloresta.Elasesoltaerenascecomohumano,normalmentecomoumacriançaououtromembrodafamíliadapessoaquea libertoudasuaexistênciacomoárvore.Éassimquenossasalmasevoluem,espécieaespécie.Algumasvezes,deumaárvoreparaumanimal,àsvezesparaumhumano.
-Evocê...Vocêteveumaconexãodessascomigo–Juliadisseemumavozhesitante,encarandoMichaelcomosolhosarregalados.ExcetopelofatodequenãoeraMichael.Edecertaforma,elasempresoube.
Ogarotoemsuafrenteconcordou.- Sim, eu tive. Mas meu elo com você foi diferente do que as outras árvores sempre me
ensinaram.Eunãoquerianascercomoseufilhoouseuneto.Euqueriaestarcomvocê...Comoumigual.–elesorriutimidamente.–Foiapenasquandoeuacabeidentrodestecorpoqueeupercebiqueeuestavaapaixonadoporvocê.Comoárvore,eunãotinhaconhecimentosuficientedoqueeuestavasentindo,mascomoumgarotoeutive.
-Estecorpo.–ela tocouoseuombroumpouco trêmula,entãoacabeça,abochecha.–Oquevocêfezcomele?VocêroubouocorpodoMichael?
Elebalançouacabeça.
-Não,claroquenão.Eleveiorasgandoaflorestacomamotoearodaficoupresaemumaraizsaliente no canto da estrada. A estrada estava escorregadia por causa da chuva e a moto virou,derrubando-o. A cabeça dele atingiu uma pedra, e ele se foi. – ele colocou uma mão na dela,tranquilizando-a.–Elemorreucomoimpacto.Elenãosofreu.
Julianãoconseguiuevitarqueosolhosseenchessemdelágrimascomaspalavrasdele.-Euviaalmadeleflutuando,sereunindoàsuafonte.Eleparecia...Empaz.Foinaquelemomento
queeutomeiarepentinadecisãodesairdemeucorpovelhoparaestenovo.Nanoitedosolstíciodeverão, quando a força do relâmpago conecta os poderes do céu e da terra, de cima e de baixo, équandoissosetornapossível.
OsjoelhosdeJuliaficarambambos.Michaelasegurouenquantoelacaíasentada,encostadanocarvalho.
-Issoéimpossível.–elamurmurou.–Issonãopodeserreal.-Eaindaassim,vocêsabequeé–eledissecalmamente–Euachoquevocêsempresentiu,mas
nãoconseguiaexplicar.Elalançouaeleumolharsuspeito.-Hã...Vocêpodelerosmeuspensamentos?Elesorriu,parecendomarotoderepente.-Algumasvezes.Algunsrelances.-Entãovocêoescolheu...Depropósito?-Não,porqueeunãotivenadaavercomoacidentedele.Eunemsabiaquemeleeraatéqueeu
entreinocorpodeleemeu...Ou,naverdade,asmemóriasdelevoltaram.Éumaincrívelcoincidênciaeuteracabadodentrodocorpodogarotoporquemvocêeraapaixonada.Outalveznão,eunãoseiao certo se existem coincidências. Essa é uma palavra tipicamente humana. Na floresta, tudo estáconectadoetudoaconteceporumarazão.
AcabeçadeJuliagirava.AgoraelafinalmenteentendiaporqueelepareciasimplesmentesaberascoisasecomoelehaviasidocapazdeencontrarAnne.Comoelesabiadeseusgostosporlivroseseuamorpelamúsica,ecomoelehaviareconhecidoamúsicadela.Eleeraoseucarvalho.Umaalmaqueaapoiavaeaconsolavasemprequeascoisasestavamdifíceis.Eemtroca,elaohaviatocado,despertando-odosono,oferecendo-oachancedeumavidanovaediferente.
-Porquevocêestámedizendotudoissoagora?–elaperguntou,comavozembargada.–Porquevocênãomedisseantes?
Seusilêncioaassustou.Eleexpirou,entãodisse:-Porqueeuacheiquenãofosseprecisar.Ocoraçãodelaficougelado.-Masagoravocêprecisa?-Sim,agoraeupreciso.–eleolhouparaela,umalágrimasolitáriarolandoporseurosto.–Por
que,sabe,nãopossoficar.Elaolhouboquiabertaparaele,sementender.Narealidade,elanãoqueriacompreender.-Nãoéassimqueascoisasdevemacontecer.–elecontinuou,relutante.–Eunãomesintomais
confortávelnestecorpo.Euficodoentecommaisemaisfrequência.Aflorestaestámechamando,meforçandoamorrerdeformanatural.Voltarmais tarde,nascendodenovocomoumhumano.Éassimqueascoisassempreforam,eéassimquedevemseragora.
Lentamente,elaabsorveusuaspalavras.- Não. – Julia agarrou suamão, olhando para ele impotente, passando os braços ao redor do
corpodele,docorpoquenãoeradele.Seaomenoselapudessefazermais.Seaomenoselapudesseabraçaraalmadele,segurá-loatéqueelesseerguessemevoltassemaessemundobemmaistarde.–Vocênãopodefazerisso.Nãová.Porfavor,porfavor,nãomedeixe.
-Eutenhoquefazerisso.–elemurmurouemmeioaoscabelosdela,umchorosufocadoemsuavoz.–Eutenhoqueir.Eagoravocêsabeoporquê.
Eleseafastoudeseuabraçoeaolhouemsilêncio.Então,elepegouorostodelacomasmãoseabeijou.Eleabeijousuavemente,seuslábiostocandoonarizdela,asbochechas,abocaeaspálpebras,quandoelaasfechouecomeçouachorar.
-Euteamomaisdoqueeuumdiaameialguémnestemundo.–elesussurrou.Elesficaramaliporumbomtempo,soboluar,seusolharesumnooutro,osdedosentrelaçados.
EJulianãopodiaacreditarqueaquelaseriaaúltimavez.Nãoerajusto.Eramuitocedo.Elasecouaslágrimasdosolhoscomumamãotrêmula.-Daquiaquantotempo?–elaqueriasaber.-Nãosei.Possosentirminhasforçasdiminuindo.–odedãodeleacariciavaasuaoutramão,que
descansavanadele.Maisumavez,elaapertouocorpojuntoaodele,chorandobaixinho.-Vocêtemumnome?–elaperguntou.–Euquerosaberseunomedeverdade.Elebalançouacabeça.-Nãoéumnomecomoodoshumanos.Seeuabrirsuamenteparaquevocêoouça,eunãoseise
vocêconseguiráentendê-lo,-Porfavor,tente.–elainsistiu.–Porfavor,euquerosaberporquemestouapaixonada.Elaficoudentrodoabraçodele,sentindo-opressionarsuatestanadela.Porapenasumsegundo,
era como se algo tivesse apertado o interior de seu crânio e então as portas da sua mente seescancararam.Elafechouosolhoseperdeuofôlego,quandoelaouviuumsomindescritivelmentelindo.Eraosussurrodoventobrincandonasárvores,umtinircomodepequenossinos,ogirodaTerra enquanto girava silenciosamente no espaço, o farfalhar das flores, brotando rapidamente,comoemumafilmagemacelerada.Eraaforçadavidapercorrendotudo,comprimidaemumaúnicasílaba.
Eleasoltoueergueuorostodela.-Esteéomeunome.–elemurmurou.–Masparavocê,eusemprevouserMichael.-Foiesplêndido.–elasussurroumaravilhada.–Vocêéesplêndido.Euteamomuito.Maisumavez,eleabeijou.Oespíritodocarvalhoquetinhaseapaixonadoporela,ogarotodo
bosquequetinhachegadoaelacomoMichael.Elaoapertouforte.Elanãoqueriadeixá-loir.Masentãoum tremorbalançouochãoda floresta. Juliaolhouemvolta, empânico.Oqueera
aquilo...Umterremoto?Oqueestavaacontecendo?Elagritoudemedoquandofoierguidanoarejogadaparatrás,asmãosdeMichaelsesoltando
das dela. Suas costas bateram no chão, as mãos segurando desesperadamente o carpete sob seusdedos.
Juliapiscouosolhosecongelou.Elanãoestavanafloresta.Elaestavasentadanochãodeseuquarto,vestindoumpijamaensopado
desuor.Láfora,osolestavabrilhando,masassuascortinasaindaestavamfechadas.Seuedredomhaviacaídodacamajuntocomela.
Entorpecida,elaesfregouorosto.Inacreditável.-Umsonho.–elamurmurouséria,apenasparaouvirsuaprópriavozeseassegurardequeagora
estavaacordada.–Foitudoumsonho.Juliaselevantoucomaspernasbambas.Nãohaviaacontecidonadadaquilo.Elanãohaviaidoaté
aflorestaeelanãohaviaconversadocomMichael,mastudopareceutersidotãorealqueelaaindaestava em um completo torpor. Ela andou pelo corredor aos tropeços, para usar o banheiro e serefrescar.Distraidamente,elasevestiucomumvestidodeverãoesapatilhasbaixas.
Ocelularmostravaahora:noveemeia.Bom.AquilosignificavaqueMichaelprovavelmentejáestariaacordado.Comumacareta,elapercorreualistadecontatoseligouparaonúmerodele.
Aparentementeotelefoneestavadesligado,porquefoidiretoparaocorreiodevoz.Ah,bem,elaapenasapareceria,semavisar.Elenãoseimportaria.Eletrabalhariaapenasnoturnodatardenaqueledia,eelarealmenteprecisavavê-lonaquelemomento.Ela tinhaque tiraraquelesonhohorríveldesuacabeçaimediatamenteeabraçá-loecontarsobreosonhoestranhoquetivera.Aindaassim,aquilopareciaerrado.Aquelamanhãpareciaerrada.
-VouveroMichael!–elagritounadireçãodajanelaquandoviuamãesentadanoquintalcomumaxícaradecaféeumatorrada.
-Divirta-se.–amãerespondeudevolta.–Aquehorasvocêvolta?Seupaivemaquiestatarde,trazerAnne.
-Vouvoltarnahoradoalmoço.–Juliaprometeu,suavozfingindocertaanimação.Assobiandoestridentemente,eladeixouacasaerapidamentecaminhouparaopontodeônibus.Fingirestarmaisanimadadoqueelaverdadeiramenteestava,ajudariaaespantarassombrasdeseupesadeloantesdechegar à casa deMichael. Para se distrair de seus pensamentos obscuros, Julia pegou seuMP3 everificoualistademúsicas,paraescolhersuasfaixaspreferidasdeChopin.
Depoisdeumaviagemdevinteminutos,eladesceunaesquinadaruadeMichael.EnquantoJuliaguardava seuMP3, ela começou a caminhar mais rapidamente para chegar à casa omais rápidopossível. Um sentimento inexplicável demedo estava crescendo em seu estômago e ela queria selivrardaquiloimediatamente.
Eentão,oseucoraçãoparou.Asluzesazuisdeumaambulânciaestavampiscando,refletindonaentradadasuagrandeeluxuosamansão.Umgrupodepessoasestavaaglomeradonacalçada.
-Julia.–elasentiuumamãoemseuombro.Axelestavaaoseulado.-Oqueestáacontecendo?–elaperguntou,ansiosa.OrostodeAxelestavapálido.-Chegueihácincominutos.NósíamostrocaralgumasfotosdeLondres.Amãedele.–suavoz
falhou. –Ela estava na rua em frente a casa, chorando, segurando o celular. Ela ficava repetindo:“Outravez,não”.
Juliaengoliuseco.-Outraveznão,oque?-Jules...Elesefoi.–Axelsussurrou.–Elemorreu.Morreudormindo.Eracomosealguéma tivesseatingidonacabeçacomum tacopesado, sugando todaa luzeo
amordoseucorpoealma.Julianãoconseguiarespirar.Apróximacoisaqueelasabiaéqueestavanochãofriodacalçada,olhandoparaocéuazul.Apartedetrásdesuacabeçadoíaterrivelmente.Aspessoassejuntaramaoseuredorealguémseguravaasuamão.Comoelatinhaidopararali?
-OndeestáoAxel?–elaresmungou.Apessoasegurandosuamãoapertouseusdedos.- Estou bem aqui.Você desmaiou, ok?Apenas fique quieta, alguém vai buscar uma água para
você.Elaqueriaficardeitadaaliparasempre.Naverdade,elanuncamaisquerialevantar.Assimcomo
eletambémnuncamaisiaselevantar.Michaeltinhaidoembora,elehaviasidotiradodela.Apenasagoratudoseencaixavacompletamente.
-Comoéqueelepodeestarmorto?–elaguinchou,desanimada,virandoacabeçaparaolharparaseuprimo.
Axelaolhou,sentido.- Eu ouvi os paramédicos falarem para os pais dele que ele teve um dano cerebral. Eles
perguntaramaopaieàmãeseelehaviasofridomudançasestranhasdecomportamentoultimamente.Aparentemente,eleteveumahemorragiacerebral.
Juliaestavasempalavras,seucérebrozumbindo,ospensamentosgirandoemsuamentesobreosonhodanoiteanterioreoqueaquilopoderiasignificar.Ela tinhaconversadocomeleeele tinhaditoqueprecisavaireoporquê.Seráqueaquilotudoeraverdade?Seráqueaquelaeraaformaqueelehaviaescolhidoparadizeraelaaverdade?
Elanuncamaisdescobriria,nãohaviamaiscomoperguntaraele.Elenuncamaisasegurariaemseusbraçoscomohavia feitodepoisdopiqueniquedodiaanterior, sobocéuestrelado.Elenuncamaisabeijarianoluardeseussonhos.
Umchororuidosoedesesperadocomeçouasurgiremseucorpo,escapandoporsuagarganta.Juliaconseguiusesentar,afastandoocopodeáguaquealguémseguravaemsuafrente.
-Por favor,me leveparacasa.–elapediuaAxel.Eleconcordoue rapidamenteaajudoua secolocarempé.Juliaolhouemvolta,seuolharpousandonospaisdeMichael,osrostossemcor.Elespareciamfracoseperdidos,paradosaoladodaambulânciaquecontinhaocorpodeseuúnicofilho.ElaergueuoolharparaAxeleeleaapoiouenquantoelacaminhavaatéeles.
-Eleestámorto–amãedeMichaeldisse,inexpressivamente,osolhosinjetados,cheiosdedor.ElaestendeuosbraçosepuxouJuliaparaumabraçoapertadoqueadeixousemar.OpaideMichaeltocouseuombro.Julianãopodiaolharparaamacadentrodaambulância,eraapenasumcorpo,umacascasemvida.Nadadoquesedespedir.Eleestavaemalgumoutrolugar,elatinhacertezadaquilo.
-Eleaamava–opaideMichaeladisse,baixinho,entregando-aafotoqueficavanacabeceiradeMichael,comamãotrêmula.Afotodosdoisabraçadossempreficavapertodacamadele.–Tome,vocêdeveficarcomisso.
Seuspaiscontinuaramconversandocomela,maselanãoabsorveunada.JuliaesperavaqueAxelestivesseprestandoatenção,porqueelanãoseriacapazde lembrar-sedoqueosenhoreasenhoraKolbe a disseram sobre o funeral, se ela queria tocar algo no piano durante a cerimônia, porqueMichaelsempreadoravavê-latocar.
-Euligoparavocêsmaistarde–elaconseguiudizer–Vouparacasaagora.Desculpe.Axel a levou para seu carro, estacionado no meio-fio. Silenciosamente, ele dirigiu para
Birkensiedlung,Juliasentadaaoladodelecomoumaestátua.-Apropósito,euligueiparaaGaby.–elefinalmentequebrouosilêncio.–Elavemparasuacasa
assimquepossível.-Obrigada.–elaolhoupara forada janela,semenxergarnada,apenasdespertandonovamente
quandoAxelentrouemsuarua.Elatinhatantacoisaparafazer.Todostinhamqueficarsabendo,elatinhaqueligarparaseusoutrosamigos,assimcomocontarparasuamãe,suaavóeAnne...
- Por que você não se senta do lado de fora? – Axel sugeriu quando ele a viu agarrando otelefone,desesperada,quandodesceudocarro.–Eutomocontadetudo.Conversocomasuamãe,façoasligações.
Comarespiraçãofalha,Juliasesentounacadeirade jardimemquesuamãehaviadescansadotomandoumaxícaradecafénaquelamesmamanhã.ElafechouosolhoseouviuAxelpassarporelapelocaminhodecascalhos.Pelajanelaabertadasaladeestar,elacaptavaosfragmentosdeconversasaotelefone,quenãoconseguiaacompanharporcompleto.
-Ei,oqueaconteceucomvocê?–umavozfamiliarafezabrirosolhos.ElapiscouparaorostoansiosodeThorsten.Quandoelesesentouaoladodasuacadeira,pegousuasmãosnasdele.–EuviAxeltrazendovocêparacasanocarrodele.Vocêestádoenteoualgoassim?
Juliabalançouacabeça.-Elemorreu–eladisse,suavozparecendomuitoaltaemseusprópriosouvidos.Quantomaisela
diziaaspalavras,maisverdadeiraselassetornavam.Seelaficasseparada,talvezelevoltasse.Talvezosilênciodesfizesseasuamorte.Maselasabiaqueelanãoconseguiriaficarquieta.Elaqueriafalarsobreele,dizeratodosporqueelehaviaroubadooseucoração.Dizeroseunome.
-Michael.–elaacrescentou,quandoThorstenaolhousementender.-Michael?–suavozdisparou.–Como...Oquevocêestáfalando?Vocênãopodeestarfalando
sério.Elesofreuumacidenteou...-Não.–suagargantaestavaseca.–Disseramqueeleteveumdanocerebral.Elemorreunanoite
passada.Instantaneamente.Elenãosofreu.–aspalavrasdeMichaelemseusonho.Thorstenestavasempalavras.-Jesus.–elefinalmentegaguejou,afundandonagrama,comaspernascruzadas.–Comoisso...
Elesabia?Elesabiaqueestavaprestesamorrer?-Elenuncamencionounadaparamim.–Masaverdadeeraoutra.Elehaviamencionadoissoa
ela. Em Hyde Park, dois dias antes, ele a havia dito que não queria ir embora. Ele não queriadesaparecernaescuridãodafloresta,comoohomemnopoemadeDaniilCharm.
-Nãopossoacreditar–Thorstendisse,obviamentemexido.–Vocêsabe,elefaloucomigosobrevocêanoitepassadae...
Juliasuspirou.-Sim,eusei.–elainterrompeu.–Epeçodesculpas.Elesóestavacomciúme,porissoelequeria
quevocêficasselongedemim.Thorstenfezumacareta,balançandoacabeça.-Não,elenãoqueria.Julia piscou confusa,mentalmente repassando a conversa que havia ouvido escondida atrás do
galpãonanoiteanterior.-Nãoentendo.Entãooqueéqueeletedisse?Thorstenlimpouagarganta.-Elemepediu–elerespondeu,sério.–para...Tomarcontadevocêassimqueelesefosse.-Cuidardemim?–Juliaengoliuemseco.-Sim.Eeudisseaelequeeleeraumidiotacegopormepedir,entretantaspessoas,paracuidar
devocêcomoumirmãomaisvelho.Querodizer,ébemóbvioqueeugostodevocêcomomaisdoqueumairmãzinhaouavizinhadafrente.
Apenas agora as palavras que ela havia ouvido começavama fazer sentido.Michael nãohaviapedidoparaThorstenficar longedela,elehaviapedidoparaeleestarpróximoaelaquandoelesefosse.Maislágrimascomeçaramaseacumularemseusolhos.
-Eunãofaziaideia.–Thorstenmurmurouvagamente.–EupenseiqueeleestivessefalandodeirparaGraz.Mas ele... Ele devia estar falando disso. Ele sabia, assim como sempre sabia de váriascoisas.
Juliafechouosolhos.Emsuamente,elapodiaouviroventocantar,asflorescrescerem,aterragiraremtornodesi.Elenãopoderiaterido.Elanãopodialidarcomaquilo.
-Tenhoqueirparaafloresta–eladissederepente,levantando-seapressada.-Jules,nãová.Fiqueaqui.–Thorstententoupegarasmãosdela,maseladeuumpassoparatrás.-Euvou.DigaaAxelparaondeeufui.Euprecisoficarsozinhaporumtempo.-Tudobem,maseuvoucomvocê–Thorstenrespondeudeterminadamente.Oesboçodeumsorrisopassouporseurosto,apesardasituação.-Assimnãovouficarsozinha,vou?Elepassouumamãopelosseuscabelos.-Umapena.Nãovoudeixarvocêirsozinha.Nãoassim.Ela hesitou, então acenou. Ela andou ao galpão onde guardava a bicicleta, enquanto Thorsten
entrouparadizeraAxelondeelesestavamindo.Nãomuitodepois,elaestavaemseucaminhoparaafloresta, pedalando como louca,Thorsten sentado em sua garupa, comos braços ao redor de suacintura. Julia estava completamente sem fôlego quando chegou à trilha principal, mas ela não
desacelerou,quase tropeçandoemsuasprópriaspernas,napressaparachegarao localondeelaeMichaelhaviamseencontradoemseusonho.
Elaparoude repentequandoviuocarvalho.O localpareciacomoantes,emseusonho,masarealidadeeradiferente.Seucarvalhohaviaperdidoquasetodasassuasfolhas.Suaforçavitalhaviapartido, o garoto do bosque havia levadoo brilho e a elegância daquele lugar sagrado, e ele nãoestavaemlugaralgum.Oqueéqueelahaviaencontradoali?
-Vocêquersesentar,talvez?–Thorstenaperguntou,ofegandodecansaço.Elaestavacorrendopelaflorestasemnemmesmoolharparatrás.
Juliasevirou,dandodeombros,desolada.-Eunãosei–eladisseemumavoztotalmentesememoção.Elecaminhouatéela.-Venha–eledisse,colocandoumbraçoaoredordeseusombroscaídos,confortando-a.–Você
nãopedalouecorreutodoocaminhoatéesselugar,parasimplesmenteiremboraagora.Annemedissequevocêtinhaumlugarespecialnafloresta,paraondevinhaàsvezes.Umlugardemeditaçãoparabuscarinspiração.Éesseolugar,nãoé?
-Sim.–elaacenoulentamente.–Foiumdia.Ele gentilmente a guiou para o lugar sombreado sob o carvalho. Julia se abaixou até o chão,
encostando-se contra o tronco. Thorsten se sentou ao seu lado, ainda segurando sua mão. Elarespiravanervosamente.
-Fiqueàvontade.–eleaencorajou,sorrindo.Juliavagarosamentesoltouamãodele,erguendoos joelhoseabraçandosuasprópriaspernas.
Elaolhavaemdireçãoaocéu.Bemacimadesuacabeça,pequenasnuvensbrancasflutuavamnocéuazul,alheiasaodramaque
estava acontecendo em sua vida naquelamanhã de sol. Silenciosas e indiferentes, elas navegavamparalonge,paralongedocarvalho,paralongedeSalzburgeemdireçãoaorestantedomundo.Aspoucasfolhasqueaindaficaramnosgalhosfarfalhavamsuavementenabrisaquedançavaporentreasárvores.
UmalágrimacorreuporseurostoquandoelapensounaquelatardeemqueelaeMichaeltinhamestadoali,quandoelesesentiumal.Elevinhaaquiparasefortalecer.Seosonhofoimesmoreal,elapodiaagoraentenderomotivo.Mascomopoderiaserverdade?Eletinhasimplesmentesofridoumdano cerebral devido ao acidente e os efeitos haviam finalmente o atingido. Aquela era a únicaexplicaçãorazoávelparasuasestranhasalteraçõesdecomportamentoesuamorterepentina.
-Vouficarperto.–Thorstenmurmurou,levantando-separadarmaisespaçoaela.Juliaoviuir,umsentimentodecarinhoemseucoração.Elenãoaabandonaria.Michaelohaviapedidoparatomarcontadelaeelefariaisso.
Seuspensamentosviajaramdevoltaao sonhodanoiteanterior.Michaelhaviaditoaelaoqueestava acontecendo e porque ele tinha que partir. Ele sempre insistia que ela deveria continuarsonhando,porqueeraumaparteimportantedequemelaera.Masseosonhofoirealounão,elenãootrariadevolta.
-Volteparamim.–elasussurrou,emumavozembargada.–Porfavor,volte.Medêumsinal.Aflorestaficouemsilêncio.Umafolhasecadocarvalhosesoltou,pousandoemseujoelho.Julia
olhoupara cimaeparoude tentar segurar as lágrimas.Elanãoconseguia fazer aquilo.Eramuitoparaela.
Naquele instante, o seu celular tocou em seu bolso. Ah, droga, provavelmente era Gabyperguntandoondeelaestava.Suamelhoramigatinhavindoatéasuacasaparaconsolá-laeelanemestavalá.Juliaesticouaspernasepegouocelulardobolsodacalçaparaleramensagem.
“1novamensagem.Michael.”
Sempalavras,elaencarouodisplay.Como?Suamãotrêmulacolocouocelularnagrama.Juliaexpirouprofundamente,esfregouosolhose
olhoudeladoparaocelular,queaindapiscavacomamesmanotificação.Elanãohaviaimaginado.Erarealmentedele.
Tinhaquehaverumaexplicaçãoparaaquilo.Talvezeletivesseenviadoamensagemhorasantes,mas só foi recebida pelo telefone dela naquelemomento.As redes de telefonia nem sempre eramcompletamenteconfiáveis.Aindaassim,elahaviapedidoporumsinal,eaquiestava.
Seusdedosfraquejaramquandoelapegouotelefoneparaleramensagem.“doceJulia,euvousentirmuitoasuafalta.Eununcavouesquecervocê.Semprequevocêouvir
asárvoresfarfalharemcomomúsicatocandonafloresta,pareepenseemmim.Masnãoesperepormim.Estoulivreagoraevocêtemumacabeçacheiadesonhoseumalongavidacheiadeamoràsuafrente.Deixeosolbrilhar.Bjs,sempreseu,Michael.”
Ela leu a mensagem várias e várias vezes. Sabendo que não tinha tanto tempo, ele devia terenviado amensagemantes demorrer, quando sentiu que tinha chegado a horade ir.Amensagemdeveriaterficadopresaentresatélites,chegandoaoseucelularhorasdepoisdetersidoenviada.Masaquelasúltimaspalavras...Elehaviaditoasmesmaspalavrasemseusonhonanoiteanterior,queelesempreseriaoMichael.Ouelaestavaseapegandoaninharias?
Juliaguardouotelefoneeolhouemvoltaprocurando.Elasegurouarespiração.Porapenasummomento,pareciaqueeleestariaatrásdela,comoseaestivesseassistindootempotodo.Elesairiadetrásdasárvores,sorrindo,parapuxá-laparaumabraçocarinhoso.Elaaguçouosouvidos.Elanãoestavaouvindopassosseaproximando?Quemestavaali,naflorestadosseussonhos?
Um farfalhar suave encheu seus ouvidos. O sussurro do vento, as vozes das árvores, omovimento giratório da terra girando e girando sem parar na imensurável vastidão do espaço.Amúsicaemtudo.
Eentão,Thorstenemergiudasárvores,voltandoaelacomumsorrisodoceemseuslábios.Elecuidadosamenteaergueueabraçouseucorpopequeno,acariciandoseucabelo.Elasentiuocorpoquentedelecontraoseu.
- Venha – ele disse – Vou te levar para casa. Todos vão estar lá para te confortar. Não hánecessidadedeficarsozinha.
Juliacomeçouavoltarparaatrilhaprincipal,umpassodecadavez,apoiando-senele.Suamãoestavaseguranadele.Sobresuascabeças,ospássaroscantavam,fazendoa floresta inteiraparecervivacomamúsica.
-Eusei–elarespondeusuavemente,masdepropósito–Nãoestousozinha.
Fiqueligadoparamais...QuersernotificadodenovoslançamentosporJenMinkman?Inscreva-seaqui:http://eepurl.com/x1X9PTambémdestaautora:
SérieDistópicaYoungAdult
RomanceParanormalYoungAdult/NewAdult
AgradecimentosEscrevermeuprimeiro livro(ShadowofTime)envolveumuitapesquisa,porqueahistóriaeraemNavajoNation,um lugarqueeununcahaviavisitado. “OGarotodoBosque” foimuitomais fácilnesteaspecto,porqueeumoreinaÁustria.Euestiveláentre1998e1999fazendointercâmbio.Meualemãoerahorrível,eununcahaviamoradoforadacasadosmeuspaiseeunãotinhanenhumaideiadecomoopaísfuncionava.Emoutraspalavras,eumediverticomonunca!Eradivertidoconhecertodosos tiposde coisasdiferentes sobre aÁustria, comoo fatodequeas lojas austríacas semprefechavamparaoalmoço(quandovocêpensavaqueiriafazeralgumascomprasnessehorário)equeaspessoassempresecumprimentamdizendo“Deustecumprimenta”ou“Eusouseuservo”(Servus).Eurealmentegosteideincorporaresseselementosnahistóriaenquantoescreviaesselivro.
E agora é hora de agradecer muitas pessoas. Primeiro de tudo, minha irmãMarije por ler oprimeiro rascunho dessa história e chorar no final. Ela atéme chamou de cretina, seme lembrocorretamente (talvez você tambémme chamou disso, pela forma como as coisas terminaram). Euentendo que eu posso ter chateado algumas pessoas,mas eu realmente não poderia terminar essahistóriadenenhumaoutraforma.Eraassimquetinhaqueterminar.
Emsegundolugar,meueditorholandêsMarijeKokemeueditoramericanoAlexisArendt,porexaustivamentepercorreremosmanuscritoseminglêseholandês.Muitoobrigadapelotrabalhoduroededicação!
EutambémgostariadeagradeceraomeupaiporfazeratraduçãolivredopoemaEngelparaoinglês,Daniil Charms por escrever poemas tão excelentes (o poema usado no livro foi traduzidolivrementedooriginalrussopormimeparcialmenteadaptadodatraduçãodeMatveiYankelevich),ea famíliaEbneremBirkensiedlung,Salzburgporalugaremumquartoparamimentreosanosemqueestudeilá.EucostumavavivernamesmaruaqueJuliaeThorsten.
Por último, mas não menos importante, um muito obrigado para a tradutora Juliana PellicerRuza,quetraduziuparaoportuguêsaversãoquevocêacaboudeler!
Hámúsicas neste livro: se você quer ouvir asmúsicas que Julia e Thorsten escreveram, vocêpodevisitar:
http://youtu.be/-t3z17iqm1khttp://youtu.be/C7XipXNwdUshttp://youtu.be/EnqviSljxLYAtéapróxima!Abraços,JenMinkman.http://www.jenminkman.nl(emholandêseinglês)Twitter:@JenMinkmanFacebook:ttp://www.facebook.com/JenMinkmanYAParanormalE-mail:[email protected]
Suaclassificaçãoesuasrecomendaçõesdiretasfarãoadiferença
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