O Garoto do Bosque by Jen Minkman

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Jen Minkman, O Garoto do Bosque, Romance, Sobrenatural.

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OGarotodoBosqueJenMinkman

TraduzidoporJulianaPellicerRuza

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“OGarotodoBosque”EscritoporJenMinkmanCopyright©2014JenMinkmanTodososdireitosreservadosDistribuídoporBabelcube,Inc.www.babelcube.comTraduzidoporJulianaPellicerRuzaEditadoporGabrielaRebelloDesigndacapa©2014JenMinkman&ClarissaYeo“BabelcubeBooks”e“Babelcube”sãomarcascomerciaisdaBabelcubeInc.

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ÍndiceAnalíticoPáginadoTítuloPáginadosDireitosAutoraisSumário1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.AgradecimentosSuaclassificaçãoesuasrecomendaçõesdiretasfarãoadiferençaProcurandooutrasótimasleituras?

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Sumário1.

2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.

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1.Umjogodeluzesiluminavaummarderostosemultidõesdecorposemmovimento.Oarnosalãodaescolaestavavibrantecomabatidacrescentedatrancemusicqueestouravanosalto-falantes.Àsonzehorasdanoite,atemperaturadentrodoprédioerasufocante,apesardejásertardeedasjanelasestaremabertas.

JuliaKandolf estava empé no canto da pista de dança, seus olhos examinando amultidãoquepulava comasbatidasdamúsica.Elanãoconseguia encontrar seus amigos.Aonde seráqueGabytinhaido?EondeestavaAxel?

-Oi,Julia.-Avozadespertou.Elasabiadequemera.Ocoraçãode Juliaacelerouquando,virando, seuolharparounogarotoà sua frente.Michael.

Seucaracterísticosorrisoatrevidoafezpiscartimidamenteparaele.-Estevestidoquevocêestáusandoémuitobonito-elecontinuouquandoelanãorespondeue

apenasoficouencarando,ligeiramenteboquiaberta.Eleanalisouamenina,vestidacomumafantasiamedievalquehaviaalugadoparaafesta.

Julia,nervosa,engoliuseco.-Suafantasiatambémémuitolegal-elafinalmenterespondeu,deixandoseuolharpercorrero

corpodele.EleestavaperfeitamentevestidocomumaroupasexydeNapoleão.-Querdançar?-Elecolocouocopodecervejaemumamesaeestendeuamãoparaeladeforma

cortês.- S-sim, claro! - ela gaguejou, seu estômago dando um salto. Juntos, eles caminharam pela

multidão. Pelo canto do olho, Julia finalmente avistou Gaby, do outro lado do salão, acenandoencorajadoramenteparaelaefazendoumsinaldepositivocomasmãos,antesdetirarsuadentaduraplásticadevampiroparadevoraralgumasbolachasdamesadeaperitivos.JuliadeuumarisadinhanervosaeseguiuMichael,queapuxavaparaapistadedança.

-Estranho,não?Nossoúltimoano finalmenteacabando. -Eleolhouparaelapensativamente. -Querodizer,nóspassamosumaverdadeiraeranestaescola.Crescemosaqui.Eagora,aquiestamosnós,celebrandonossaformatura.--Juliasentiuosbraçosdeleaoredordesuacinturaeamãoemsualombar,quandoeleapuxouparamaisperto.

- Hum, sim. - Um rubor alcançou a face dela. - Realmente é ótimo todos terem passado nasprovas,masagoranósvamostodosparauniversidadesdiferentes.Issoémeiotriste,sabe.Podeserquenuncamaisnosvejamosdenovo.

-Bem,nuncadiganunca-Michaelcomentoualegremente-,nãoseesqueçadaquelesencontrosmaravilhososqueelessempreorganizamaqui.

-Sim.Achoquevocêestácerto.-Juliaergueuosolhosparaele,mordendooslábios.-Eunãomeimportariadevervocêantesdisso,dequalquerforma.-Elasuspirouquaseinaudivelmente.

Ah,droga.Elatinhaditoissoemvozalta?Ouomaisaltoaqueseatreveu,afinal.Elaolhouparaeleinsegura,mostrando,emseurosto,umolhardesurpresa.

-Eu?-eleperguntou,agarrandomaisforteamãodela.-Porquê?Elaengoliuseco.Seucoraçãoestavamartelandocomolouco,apesardaconversaencorajadora

que teve comGaby e as três taças de vinho que ela havia colocado pra dentromais cedo naquelanoite.

- Eu, é... - ela começou, sua voz falhando. No salão mal iluminado, ela viu um sorriso seformando nos lábios deMichael.Aquele sorriso tão familiar, provocante,meio zombeteiro que adeixavatímidaemsuapresençanosúltimosdoisanos–quehaviaatémesmoaperseguidoemsonho.Elebaixouorostomaispróximoaodela.

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- Entendo o que você diz. Eu não quero tirar meus olhos de você esta noite, também - elemurmurou,suamãopercorrendoobraçodela,acariciandoapelesensíveldoseupescoço.

Juliaparouderespirarquandoelechegouaindamaispertoepressionouoslábioscontraosdela,sedutoramente.Seusbraçospuxaramotroncodelaemdireçãoaoseupeito.Eleseinclinoueabeijounovamente,dessavezdeumjeitomaisprofundo.

Elanãoconseguiaacreditarqueissofosseverdade.Eleaestavabeijando.Eleaestavabeijandodeverdade!Issonãoeraumdevaneio–Michaelatinhanosbraços.

Julia se fundiu a ele. Quando ele a soltou e perguntou se ela queria outra bebida, ela estavatrêmula de pura emoção. Ostentando um sorriso de júbilo, ela ficou parada no canto da pista dedança,examinandoamultidão,embuscadeGaby.Suamelhoramigaacenouparaeladooutroladodosalãoeestavaagoramostrandodoissinaisdepositivocomasmãos.OrostodeJuliaseabriuemumsorrisomaisboboainda.

Na hora em queMichael voltou, com uma cerveja em cadamão, seu pulso tinha diminuído aníveis aceitáveis novamente. Isso fez com que a mão dela estivesse firme o suficiente pararapidamentesalvarseunúmeronaagendadecontatos,quandoeleaentregouoBlackBerry.

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2.Aluzdosoleasfolhasverdes.

Essas foramas primeiras coisas que ela viu quando abriu os olhos e espiouo céu através daspálpebrassemicerradas.

Juliaficouparada,plenamenteconscientedetudoàsuavolta–osomdasfolhas,ogrossotroncodaárvorecontraascostasdela.Ocarvalhopareciafirme,confiáveleumbomapoio,aforçadevidacentenárianotroncoeracomoumaextensãodaenergiaquecorriaemsuaprópriamedulaespinhal.Elaerapartedealgomaior–umsonhoqueabrangiatodaaflorestaqueseespalhavaaoseuredor.

Devezemquandoelasentiaumagrandevontadedeviraquiparadescansar,ou“meditar”,comoamãedelacostumavafalaremtomdebrincadeira.JuliaadoravaseaventurarpelosbosquesvizinhosaopequenosubúrbiodeSalzburg,ondemorava.Aspessoasachamavamdemalucaporcontadisso,mas e daí? Este ponto sob o antigo carvalho era um verdadeiro amigo sempre que ela se sentiamiserável.

Este foi o lugar para onde ela veio quando seu avô faleceu.Aqui foi onde ela caiu no choroquandoseuspaisanunciaramodivórcioeseupaiavisouqueestavasemudandoparaInnsbruck.Masesteeratambémolugarparaondeelavinhaquandoqueriaescreverpoemasouletrasdemúsicas,oucantarbemaltosemserperturbada,ousonharacordadacomogarotoquehaviaroubadoseucoraçãodoisanosantesequenuncaodevolvera.

Juliaabriumaisosolhosedeixouescaparumsuspiropesado.Dessavezapacíficaatmosferadaflorestanãoerasuficienteparaacalmá-la.Elaestavaesperandoporalgo.

Elaparou,sentindoosbatimentosqueemanavamdotronco,entãoseergueuepegouabolsa.Seucoraçãocomeçouabatermais rápidoenquantoela remexianobolso frontalda suabolsa-carteiroparapegarseutelefone.

Nada.Nenhumamensagemnova.Com um suspiro torturado, ela se deixou cair novamente contra a árvore, sua mente se

demorandonogarotoqueelanãoconseguiatirardacabeça.OlindorostodeMichaelKolbe.Seusradiantesolhosverdes.Osorrisoprovocanteemseuslábios.Oslábiosdelenasuabocatrêmula.

Ela tomou fôlego quando o seu telefone abruptamente tocou em sua mão. “Gaby” apareceuiluminandoatela,otelefonetocandoumringtonede“FridayI’minLove”,doTheCure.Aflorestapareceudespertardeumsaltotambém,umpassarinhosaiuvoando,piandoindignado.

Julianãoconseguiapararderir,seguindoopassarinhoemseuvoocomoolhar.-Oi,Gaby-elaatendeuaotelefone,animada.-Oi!Ondevocêestá?-suamelhoramigaperguntou.-Euteligueiemcasa,massuamãedisse

quevocênãoestava.-Ah,estounafloresta.- Ah sim, dando uns amassos no Sr. Carvalho, não é? - Gaby a conhecia bem demais. Desde

quandoelasaprenderamaexpressãoabraçadoresdeárvoresnaaulade inglêsnoanoanterior,elavinhaprovocandoJuliaesua“doentiafascinaçãoporcarvalhos”–palavrasdeGaby,nãodela.

- Não é você que é a vidente. - Julia respondeu com um sorriso. - E não, nós ainda não nosabraçamos hoje. Eu prefiro esperar um abraço do Michael, se é que ele vai retornar as minhasmensagens.-Elaseencolheu,recuandoaotomamargodesuaprópriavoz.

Gabyrespiroudooutroladodalinha:-Porquevocênãovemàcidade?Vocênãovaiseanimarsentadaaíconversandocomárvores,

sentindo pena de si mesma porque o Idiota Kolbe não tem sido tão comunicativo quanto vocêesperavaquefosse.EutevejoemmeiahoranoMozartplatz,ok?

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-Meiahora!Estálouca?Euvouterquevoarparapegaropróximoônibus!-Vocêarrebentouemeducaçãofísicaesteano.-Gabydisseimplacável.-Vocêvaiconseguir.Ese

vocêchegaratempo,eutecomproduasSachertortedoTomaselli’s.Oscarboidratosvãoiluminaroseudia.

-Estácerto,estácerto.-Juliacedeu.-Eutevejodaquiapouco.-Eladesligouesevirouparaabraçaraárvoreatrásdesiporumsegundo.ApesardoquetinhaditoparaGaby,elanãopodiasairsemfazer isso.Eraoseu ritual. -Obrigadapor suaajuda -ela sussurrou,dandoumbeijo levenacascadocarvalho.

Seucabeloestavadançandonoventoquandosaiudalinhadasárvores,pendurandoaalçadesuabolsaemumombroecorrendoparaopontodeônibus.Asportasestavamquasefechando.

-GrüssGott-Juliasoluçousemfôlegoquandoforçouaportadoônibusparaabrirnovamente.Aoentrar,mostrouseucartãodeviagemaomotoristaesedirigiuaoassentonofundodoônibus–seu lugarhabitual.Assimqueo subúrbiodeBirkensiedlungdesapareceradevista, eladesenterrouseuMP3playerdabolsaparaouvirumpoucodeEnya.Talvezissoaajudariaarelaxar.

Depoisdealgunsminutosolhandopelajanela,Juliapercebeuquetinha,maisumavez,pegoseucelular,seudedãoacariciandotimidamenteoteclado.Claro,nãohaviamalnenhumemmandarumamensagemaMichael,maselajáhaviaenviadoumahádoisdias.Ehátrêsdias.Eháumasemana.

Ela era tão fracassada. Por que ela não podia ter esperado pacientemente?Talvez ele estivessefora da cidade e se esqueceu de levar o celular. Talvez ele o tenha desligado, ou talvez ele tenhaperdidoocarregador.Seeleumdiavoltassea ligarocelular, imediatamenteachariaqueelaeraaGarotaPerseguidoraObsessiva.

Ela franziu o cenho e guardou o celular novamente, encostando-se ao banco do ônibus. AobservaçãodeGabysobreoIdiotaKolbenãoadeixavadescansar.Claro,suamelhoramigaxingavatodomundoconstantemente.Elaprovavelmenteestavabrincando,masmesmoassim...ElatinhameioquedadoaentenderqueMichaelestavabrincandocomela.

PorqueelaaindaouviaGaby?Suaamiganãosabia.Equecoisafeia,Julia,nãoconfiarmaisnogarotoquehaviaroubadoseucoração:Michael,cujosbeijostinhamsabordepaixãoefogo.Michael,quetinhasussurradoaelaoquantoerabonitaquandoadeitouemsuacama.

Elafechouosolhosemordeuolábio,sentindoseurostoqueimar.Ok...Talvezelatenhadeixadoalgunsdetalhesde ladoquandoconversoucomGaby.Tudoaquiloeramuitoespecialparaelasairdivulgandoporaí.Muitoprecioso.

Enquantoisso,oônibusestavaviajandoaolongodorioSalzach,encostandonaparadadeônibuspróxima à ponte que levava à Cidade Velha. O rio estava lento: junho tinha sido um mêsexcepcionalmenteseconaÁustria.

Enquanto“TheMemoryofTrees”começavaaecoaremseusfonesdeouvido,Juliadesceudoônibus e cruzou o rio. Não levou muito e ela chegou ao Mozartplatz na hora em que haviacombinadocomGaby.Seuolharpercorreuapraça,maselanãoviuaamigaemlugaralgum.Porém,ela viu outro rosto familiar: seu primo Axel estava acabando de sair da livraria da esquinacarregandoumasacoladeplásticolotadadelivros.

-Ax!-elagritou,acenandoparachamarsuaatenção.-Oi,Julia!-Elecaminhouemdireçãoaela,seuscachosloirosdançandonabrisa.-Comovaia

vida?-Cheiadesurpresas,aparentemente.Oquevocêestáfazendoaqui?Nãoeraparavocêterviajado

paraLondresnanoitepassada?- Era. - Axel respondeu com uma cara amarrada, empurrando para cima os óculos que

escorregavampeloseunariz.-MasFlorianteveumcasogravedegastroenterite,entãonósadiamos

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aviagem.TioHelmut comprounossas passagens e levou a tiaVerenapara umbrevedescansonacidade.

-PobreFlorian.- E pobre demim também. Eu estava literalmente colocando aminhamala no compartimento

superiorquandoelecancelou.Aquelecanalha.-Sim,euapostoqueeleestavaesperandoumarecuperaçãomilagrosa.Nossoeternootimista-ela

rolouosolhos.-Rá.Euochamariadeingênuo.Juliariu.-Claro.Doqueochamaríamos–umotimistacomexperiênciadevida?-Nossa,Jules.Vocêquerqueeusaiagritando?-Axelsorriu.-Sarcasmomachuca,sabia?-Desculpe.PorquevocênãovaiaoO’Malley’shojeànoite?Podesermaisfácilconversarcom

vocêcomumabebidanamão.Axelsorriu.-Euatétecomprouma.Vejovocêàsdez?Naquelemomento,umavozsooudooutroladodapraça.- Jules!Oi! -UmaGabydesgrenhadacorria emdireçãoa eles, o cabelo tingidodepreto todo

enroladoeodelineadoraindamaisesfumadoqueonormal.ElaosalcançoueestendeuumaunhaesmaltadaderoxoaAxel.-Oi,EfeitoAxe!

-Oipravocê,GabyGloom-eledevolveu.-Estavachorandodenovo?Suamaquiagemestáportodooseurosto,sabia?

-Bah.Essapiadaestáficandovelha,masdessavezvocêestácerto.Eurealmenteestavachorando.Eucomiumhot-dogcomummolhopicantedecurryeestavaumpoucopicantedemaisparaomeugosto.

- Você foi comer? - Julia perguntou desanimada. - Pensei que você quisesse comer tortas noTomaselli’s!

-Ei,seuspaisnãotealimentamemcasa?-Axelinterveio.-Estoumenstruada-Gabyoencarou.-Ok,nãoestámaisaquiquemfalou.-Axeldecidiu,afastando-se.-Vejovocêhojeànoite!-disse

àJuliaantesdeirembora.- Esse seu primo é bem estranho - Gaby concluiu, encarando seu vulto em retirada -, mas

engraçado.-EladeuseumaiorsorrisoaJulia.-Desculpeoatraso.Eucomproduastortasparavocê,paracompensar.

-Obrigada!Vouadorar.Eumeioquemeesquecidealmoçar,naverdade.As duas garotas entraram noTomaselli’s e foram direto para umamesa perto da janela. Julia

pegouocelulareolhouparaatelapelaenésimaveznaqueledia.Aindanada.-Entãomediga:oqueaconteceudepoisdafestadeformatura?-Gabyperguntou,flagrandoJulia

dandoumaolhadaemseucelular.Eladeuumapalmadanamãodaamigasobreamesa.-Euquerosabertudo.

Juliamordeuolábio.Depoisdafestadeformatura,GabytinhaidoparaumaviagemaPariscomseus pais e a irmã, então a melhor amiga não estava atualizada sobre todos seus medos epreocupações.

Tudo havia começado no baile: o Baile deMáscaras de formatura que ela havia sofrido pormeses.Elahaviareservadoumtrajemedievalmaravilhosoemumalojadealuguelcomsemanasdeantecedênciaparaquepudessepassaruma impressão impecável aMichael comsua fantasia.Tinhasidoaoportunidadeperfeitaparaconseguirprenderfinalmenteoolhardele,apagandoseusdoisanos

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deinvisibilidadeanterior.Depoisdoverão,elesemudariaparaGrazparairparaafaculdadeeelanuncamaisoveria.Afestaseriaasuaúltimachance.

TinhasidoumalívioenormequandoMichaelaparecerasozinhonaquelanoite.Eascoisasqueaconteceramentreelestinhamficadonamentedeladesdeentão.

Gaby praticamente babava sobre o seu bolo enquanto Julia contava a ela sobre Michael aconvidandoparadançar.

-É, eu sei!Euvivocêsdois.Quandoelecomeçoua tebeijar, euacheiqueerahoradedeixarvocêsdoissozinhosebrincardevampiroemalgumoutrolugar.

-Obrigada.-Juliasorriufracamente,cutucandoseubolocomogarfodesobremesa.-Dequalquermaneira...Então,vocêsalvouoseunúmerodetelefonenoscontatosdele...-Gabya

incentivouacontinuar.-Oqueaconteceudepoisdisso?-Bom,nóspassamoso restodanoite juntos.Elemebeijouumaúltimavez sobas estrelasno

pátiodaescolaantesdeeupegaroônibusparacasa.Nodiaseguinte,elemeligouconvidandoparairjantareassistiraumfilmenacasadele.

JulialentamenteficouvermelhaquandoGabyaolhouinquisidoramente.-Hum.Ospaisdeleestavamemcasa?–sussurrouaamiga.Michaelvinhadeumafamíliarica.Seuspaisgastavammaistemponotrabalhodoqueemcasa.-Não-elamurmuroudevolta.Gabyficouemsilêncioporummomento.-Aha.-Elainclinouacabeçacomumsorriso,encarandoaamigacomexpectativa.Juliamordeuolábio,seurostoemchamas.-Foitãomaravilhosoquandoaconteceu.-Elasuspirou,olhandoparaassuasmãos.-Tãolindo.

Foicomoeusempreimaginei.Quandoelaolhouparaaamiga,aslágrimasestavamseformandoemseusolhos.-Entãoporquevocêestáchorando?-Gabyperguntou,emchoque.-Querida,oqueaconteceu?-Nada.-Juliafungoudesoladamente.-Éesseoponto.Nósnosdespedimosnamanhãseguintee

eledissequenosveríamosembreve.-Evocênãotevenenhumanotíciadeledepoisdisso?Juliafezquenão.-Bem,oquevocêfalouparaelenaquelanoite?-Só...Sóoqueeusentiaporele.Oqueeuvenhosentindoporelepelosúltimosdoisanos.De

como ele era especial para mim e como eu queria falar que estava apaixonada antes que ele semudasse.

-Eoqueeledissesobreisso?Juliaparouporumminuto,olhandoparaGabycomumadúvidacrescente.-Eledisse...Queelenuncatinhanotadoqueeugostavatantodele.Queeudeveriaterfaladopara

eleantes...Queeunãotinhamotivosparasertãotímidaeinsegura,porqueeueraumagarotalinda-elarepetiaaspalavrasdelepausadamente.

Ele a havia acariciado em todos os lugares, despindo-a vagarosamente à luz das velas do seuquarto. As mesmas velas tinham transformado os dois em sombras erráticas e imprevisíveis naparede.

Tinhasidoumsonho,eagoraelaestavaabruptamentesendodespertada.Michaelnãotinhaditoumaúnicapalavrasobreoquesentiaporela.Eleapenasdissequenunca

havianotadosuaadmiraçãosilenciosa.Elasentiuoestômagoembrulhar.-Elenãodissenadacoisasobreasua,hã,“dançaentreoslençóis”?–Gabyperguntouincrédula.-Eledissequeteveumaótimanoite–Juliasussurrou.

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-Bem,dã!–Gabyenfiouogarfonoboloferozmente,comoseestivesseenterrandoumaestacanocoraçãodealguém.–Nenhumasurpresaatéagora.Jesus,quecompletoidiota.Gaba-seaoouvirvocêprofessaramoreternoporele,marcaumencontrosecretoparapoderirparaacamacomvocêedepoisnuncamaisligadevolta.Sealgumdiaeucolocarasminhasmãosnele...

Julia gelou por dentro.Ela fechouos olhos, juntando asmãos sobre a sua boca para conter ochoro, as lágrimas rolando por suas bochechas. Ela sentiu os braços de Gaby em volta dela,consolando-a.

–Olhe,sintomuitoseeuestavasendodiretademais.–GabysecouaslágrimasdeJulia,-Eunãotenhoumfiltro.Maseuestouapenasdandoaminhaopiniãosincera,jáquesousuamelhoramiga.Seascoisasrealmenteaconteceramdaformacomovocêdescreveu,temoqueeleestejabrincandocomvocê.

Gabysentou-senodescansodebraçodacadeiradeJulia,abraçando-acomosdoisbraços.–Vocêqueriaqueelesoubessecomovocêsesentia.Seelenãopoderespeitarisso,éproblema

dele,nãoseu.Vocênãofeznadadeerrado.–SeuscabelospretosaoladodoloiroplatinadodeJuliaeramafotografiadeumtristecenáriopretoebranco.

Umagarçoneteempurrandoumcarrinhodedocesvirounadireçãodelas.–Estátudobem?–perguntouela,umpoucoperplexa.-Claro–Gabyrespondeu–Nãoestamoschorandoporcausadosdoces.Elesestãomaravilhosos.

-Juliariu,apesardaslágrimas.–Argh–elaresmungou,esfregandoorosto–Soutrouxae ingênua.Euestava tãoapaixonada

peloMichael.Porqueeunãoviqueissoaconteceria?Gabydeudeombros.–Oamorécego.Éassimmesmo.- Talvez eu devesse ligar para ele. Perguntar por que ele nunca respondeuminhasmensagens.

Quemsabeeletenhaumbommotivo.-Sim.Apostoqueosdedõesdelecaíram.–GabyacenousolenementecomacabeçaeJuliariu.–

Mas,sério,ligueparaele.Quantomaiscedovocêsouberoqueestáacontecendo,melhor.Gaby falou sobre as curtas férias em Paris. Foi bom ouvir as histórias bobas e divertidas da

amiga,mas Julianãoconseguiaafastar totalmenteanuvemnegraquepairavasobrea suacabeça.QuandoelasdeixaramocaféeJuliatevequecaminhardevoltaparaopontodeônibussozinha,seussentimentosdeangústiavoltaramcomforçatotal.Pegandoocelulardabolsaeolhandoparaeleemdúvida,elaseencostounaparededopontodeônibus.NãoeramelhoradiaraligaçãoparaoMichaelmaisumdia?Elaodariaumachancederesponderàssuasmensagensdetexto.TalvezGabyestivesseerrada,nofinaldascontas.Seráqueelanãopoderiadaraeleobenefíciodadúvida,pormaisumtempo?

Um som familiar ao longe interrompeu os pensamentos de Julia. Seu coração parou por ummomento–elateriareconhecidooescapamentobarulhentodamotoHondadeMichaelemqualquerlugar.Semprequeeleencostavanopátiodaescolacomsuapreciosidade,elaestavaporpertoparaassisti-lotimidamentepeloscantos.Seuestômagoapertouquandoelaolhouparacima,rapidamenteescondendootelefone.

Ele se aproximou do ponto de ônibus, desligou omotor e estacionou amoto contra amesmaparedequeelaestavausandoparaseapoiar.Seucabelocastanhotinhaumbrilhodouradoàluzdosol.Michaelaindanãoatinhavisto,masquandoelafoihesitantementeemsuadireçãoparaqueeleavisse,seulindorostosefechouimpacientementeporuminstante,eolargosorrisoqueelemostrounosegundoseguinte,nemmesmochegouaosseusolhos.

-Julia!–eleexclamouumpoucoanimadodemais-GrüssGott.Voltandodacidade?

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-Sim,Gabymeconvidouparatomarumchácombolosnadoceria.–elaengoliusecoantesdecontinuar-Evocê,oquetemfeito?

-Ah, você sabe, por aí – ele respondeu semhesitar –Fiquei comaminha tia e omeu tio emHalleinporalgunsdias.Saíparadançarcommeusprimos.Nadadeespecial.–elebrincavacomaschaves,sorrateiramenteolhandoporsobreosombrosdela,paraobecoestreitoquelevavaàCidadeVelha.

Juliapiscouparaafastaraslágrimas,seuúltimolampejodeesperançadesapareceu.Tudopareciatãodiferentedamanhãemqueelessedespediram.Eracomoseelaestivesseconversandocomumestranho,comalguémqueelanão tinhanadaemcomum–oucomquemnão tinhacompartilhadonada.

– Por que você não me ligou de volta? – ela perguntou tranquila, mas determinada. Michaelsuspirou,colocandoumamãoquenteemseuombro,deformacondescendente.

–Olha,euacheiquevocêfosseficarfelizcomanossanoitejuntos.–elepareciagenuinamenteconfuso. – Quero dizer, você me disse o quanto me queria. O quanto você havia desejado ficarcomigoantesqueeumemudasseparaGaz.Eunãomeimportariadesaircomvocêdenovoalgumdia,maseutenhoestadoocupado.Perdialgumacoisa?

Eladeuumpassoparatrás.Aquiloeraaterrorizante,Michaelfezparecerquehaviafeitoumfavoraela.Eletinhasidogenerosoosuficientedeseencontrarcomelaporqueelaoadmiravaeeletinhasedivertido.Aquiloeratudo.Elenuncaatinhalevadoasério.Todosossonsdaruaseesvaneceram,deixando ela eMichael nomeio de uma silenciosa e árida planície onde ela não conseguiamaismentirparasimesmaoufingirqueotinhaentendidomal.

-Vocême disse que nos falaríamos em breve. – ela se encolheu quando ouviu o quanto tinhasoadomelancólicaepegajosa.–Issofoiháumasemana.

-Euestavaforadacidade–elerespondeusecamente–Sãoasfériasdeverão.PorqueeuficariaemSalzburgotempotodo?Vocênãovaialugarnenhumnesteverão?

Julia fechou os olhos, mordendo os lábios e tentando não chorar. Verão. Ela tentoudesesperadamente afastar as imagens dos dois – fantasias que ela tinha criado nos dias depois doencontrodeles.UmverãoemSalzburgcomMichael,quevisitariaobosquecomela,paraqueelaomostrasse os locais que considerava especiais. Noites cheias de beijos e abraços sob as estrelas.Docespalavrasqueelesussurrariaaoseuouvido.

-Não,vouficaraqui–eladissesuavemente.-Que pena – ele respondeu sem rodeios –Ah, bem, talvez eu encontre você em algum lugar

depois.Tenhoqueiragoraantesquealojademúsicafeche,ok?–eleseinclinouelhedeuumbeijosemsignificadonabochecha.

-Ok,agentesevê–elagaguejouàssuascostas.Elenemestavaescutandomais.UmdosamigosdeMichaelveiodobecoebatendoentusiasmadonascostasdele,oarrastouparaaCidadeVelhadeSalzburg.

Eentãoelese foi. Juliaencostou-sedenovocontraaparede, respirandoprofundamente.Claroque ela deveria estar aliviada de finalmente saber onde estava pisando, depois de uma semanaestressante,maselanãoestava.Francamente,elanãoconseguiasentirnada.Elaentrounoônibusdeformaautomática,ocupandoseuassentohabitualnofundo.

Arealidadeeradura.Elanãosignificavanadaparaele.Pordoisanosela tinhaficadoolhandocegamenteparaalguémquenãoaenxergava.

Destavez,arealidadeaatingiubemnofundo.Juliafechouosolhosetentouseguraraslágrimas,masareaçãoindiferentedeleàssuaspalavraseradolorosademaisparaesquecer.Aformacomoeleolhavaparaela,impaciente,enquantoela,ansiosa,falavacomele.Aformacomoeleolhavaparaela

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naescolatodosessesanos,atéqueelafosseapresafácildafesta.Quecretino.Quemelepensavaqueera?!

Nomomentoemqueoônibuschegouaofinaldalinha,atristezadeJuliatinhasetransformadoemraiva.Aoinvésdeirparacasa,elacorreuparadentrodobosqueefoidiretoparaseulugardemeditação, tentando superar a raivaqueaconsumiapordentro.Quandoela finalmente seafundoucontraovelhocarvalhonobosque,lágrimasquentescorriamporseurosto.

-Suaidiota.–elasoluçou.–Suavacaestúpida.Elaestavaprincipalmentecomraivadelamesmaagora.Comoelapôdetersidotãoingênua?Jáerahoradecomeçaraagir.Julialimpouaslágrimasdosolhos,resoluta.Horadedizeradeusa

tudooqueelahaviasonhadoparaosdois,poisela,obviamente,estavasonhandoemvão.Ossonhosnãosetornamrealidade.Avidanãoéumcontodefadas.

Erahoradecrescer.-Aíestávocê!–aSra.Gunther faloudacozinhaquandoJuliachegouemcasanaquelanoite.–

Vocêestáatrasada,mocinha.Eunãotinhaideiasevocêjantariaconosco.PenseiquetalvezvocêfossejantarnacasadaGaby.

- Desculpe, mamãe. - Julia foi para a cozinha para abraçá-la. – Eu deveria ter ligado, masaconteceutantacoisaeeumedistraí.Oquetemparacomer?

-Macarrão.–suamãebalançouacabeçacomdoçura.–Eeufizumpoucodesalada.-Saladadeatum–Annedissecomdesdém–Nãogostodeatum.-Vocêmudaseusgostosculináriostodasemana.–Juliarevirouosolhos.–Comoéqueamamãe

poderiaacompanharessasmudanças?-Annedeudeombros.–Euvoufazerumalista–elarespondeupretensiosamente,tentandoparecertãovenerávelquanto

possível do alto dos seus dez anos. Julia sorriu maliciosamente para a irmã e de repente Anneexplodiu em risadas. – Não olhe assim paramim! Eu só sou exigente com o que como. A vovósempredizisso.

-Nós vamos visitar a vovó neste final de semana, então talvez você devesseme dar essa listalogo.–amãearepreendeucomumarisada.–Paraeupoderdeixarapobresaberdequaiscomidaseladevemanterdistânciaquandoestivercozinhandoparanós.-elassesentaramàmesa.

Juliaamavaafamíliadaqualfaziaparte.Apesarde,àsvezes,sentirfaltadopai,eramuitomelhorparasuamãequeelemorasseemoutrolugar.Oclimatensoquehaviarondadoacasanosanosqueprecederamodivórciohaviamfinalmenteficadoparatrás.Asuamãehaviacomeçadoumavidanovaemelhor.

AavódeJuliamoravaemEichet,umvilarejopróximoaossubúrbiosdeBirkensiedlung.Suaavómaternaeracomoumasegundamãe.OavôdeJuliahaviafalecidoháalgunsanos,deixandoasuaesposasozinha.Quandoeleaindaeravivo, Juliavisitavaosavós todasas tardesdedomingoparatocarparaeles.Elaadoravaoantigopianodeles.Emcasa,elatinhaapenasumtecladoparapraticar.

Ela usava seuYamaha para compormúsicas em seu quarto, incluindo amúsica que ela haviacompostoparaoexamefinaldeeducaçãomusical,esecretamente,elaa tinhaescritopensandoemMichael.Elenuncaficavalongedosseuspensamentosquandoelaestavacompondo.Todasasvezesque ela acrescentava uma novamelodia, ela se imaginava tocando em frente a uma audiência deestudantesnograndeauditóriodaescola.Emsuasfantasias,umMichaelarrebatadosempreestavanaprimeirafila,contemplando-a,admirado.

Narealidade,elenuncahaviaestadoali.Juliamastigouumpoucodesaladadeatum,tentandoafastasalembrançadorostobonitoedos

olhosverdesdeMichael.Elatinhaqueparardepensarnele.Elenãoerabonitodejeitonenhum.Eleeraumidiota,umcanalhaqueusavagarotasinocentescomoaumlençodescartáveleelatinhasidocegadenãoreconhecerquemelerealmenteera.

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-Julia!–avozdesuamãeatiroudeseudiscursointerior.–Você...Vocêestáchorando,querida?Assustada, ela olhou para cima, limpando algumas lágrimas que rolavam por seu rosto.Anne

olhouboquiabertaparaeladooutroladodamesa.Sorrindofracamente,Juliaesfregouasbochechasmaisumavez.

–Desculpe.Éque...Euestoumesentindoumpoucoperdida.Aescolaacabou, todomundoestáindoembora,minhavidanuncamaisvaiseramesma...Pareceserofimdetudo.–elamentiu.

-Bem,Gabynãovaialugaralgum,vai?–aSra.Gunthercolocouamãoamorosamentenobraçodafilha.–Elavaiestaraquicomvocê.EAxeleFlorian?ElesvãoparaaUniversidadedeSalzburgtambém.Seusoutrosamigosaindavãoestarporperto,nãovão?

Juliasorriu.Suamãeeradocee,omaisimportante,elaestavacerta.Aspessoasquerealmenteseimportavamcomelaestariamaoseulado.Provavelmente,avidadelaficariabemmelhoragoraqueelanãoestariaapenaspensandoemMichael.Atéaquelemomento,elanemtinhaprestadoatençãoemnenhumdosoutrosgarotoslegaisdasuacidade.

Horadeseabrirparanovaspossibilidadeseparardeficarsentindopenadesimesma.Naquelanoite,quandoJuliasaiudoquartodepoisdevestirnovosjeanseumacamiseta,elaestava

totalmente preparadapara fazer suavidadar umaguinadade cento e oitenta graus.Erauma lindanoiteeelaiaaproveitaracompanhiadosseusamigosnoO’Malley’s,obarzinhofavoritodeles.

-Julia–Annechamoudoquartoaolado–Vocêlêumahistóriaparamim?–airmãtentousoarcomoumacriancinhadepropósito.Nosúltimostempos,Annediziaquejáeracrescidademaisparaquelessemparaela,mastambémdiziaqueJuliaeramuitoboaparalercontosdefadas.

- Estou indo! – com um sorriso, Julia entrou no quarto. Ela se sentou na beirada da cama,passando os dedos pelos cabelos deAnne. Sua irmãzinha estava chupando o dedo de brincadeira,agarrandoumbrinquedinhocomumbraçoepiscandooscíliosparaJuliaenquantoaempurravaolivrodehistóriassobreaflorestaencantada.

-OPríncipedasÁrvores–Juliadissecomentonação,abrindoolivronocapítuloquatro.Elanemmesmotinhaqueolhar,elajásabiadecor.SuaavósempreliahistóriasdaquelelivroequandoAnnenasceu,aavólhederaolivrodepresente:"Ésuavezdelercontosdefadasparaasuairmãzinha."–eladissera.

O livro de histórias era repleto de lendas austríacas, contos de fadas e tradições de temposantigos. Uma parte era, ainda, dedicada ao folclore anterior ao Cristianismo – páginas cheias dedescrições de criaturas das trevas que vinham dos Alpes e viviam nas florestas e montanhas. OKrampuseraoespíritoselvagemqueensinavaosrapazesasobreviveremporsimesmos.Sódepoisquea Igreja estabelecera suas regrasnaÁustria équeoKrampus foi considerado ummonstro domal,quelevavacriançasdesobedientesparaasuacasananoiteanterioraodiadeSãoNicolau.

Alémdisso,olivrotambémtraziacontosdefadasmodernos.Ocapítuloquatro,sobreoPríncipedaFloresta,sempreforaopreferidodeJuliaeAnnegostavadeledamesmaforma.Emsuamelhorvozdecontadoradehistórias,Juliarecontouafábuladojovempríncipequeseapaixonouporumafada que vivia na floresta. A fada, que também era princesa, se sentava no galho de sua árvorepreferidasemprequeprecisavadescansardetantovoar.Anneolhouporsobreoseuombroparaverasbelas ilustraçõesdolivro.QuandoJuliaalcançouofimdahistória,Anneengatinhouparaoseucoloejogouosbraçosaoredordesuairmãmaisvelha:

–Sabe,eunãotenhotantavontadeassimdecrescer–elaconfessouemvozbaixa.-Porquenão,querida?–Juliaacariciouocabelo loiroescurodeAnne.Sua irmãtambémiria

paraumanovaescoladepoisdoverão,elatinhaacabadoaeducaçãoinfantil.Anneencolheuosombrospequenos.–Vocêtambémégrandeagoraenãoparecetãofelizquantoeraantes.Algumasvezesécomose

vocênãoacreditassemaisemcontosdefadas.

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Juliamordeuolábio,controlando-separanãofazerumaobservaçãomordaz.QualanecessidadededizeraAnnequeoscontosdefadasnãosetornavamrealidade?Nãoeraprecisoincomodarumagarotinhacomasuaamargura.

–Você está certa, eunão estoume sentindomuito feliz agora.Eu tiveque enfrentar uns lobosmausultimamente.

-Ah,na floresta,vocêquerdizer?–Anneperguntou,meiobrincando,olhandoparaJuliacomseusgrandesolhosazuis.Julianãopôdedeixardesorrir.

–Não,naflorestanão.NasruasescurasdaSelvagemSalzburg.Anneriu.–Vocêtemcertezaquequersairhojeànoite,ainda?-Claro.AxeleGabyvãomedefenderseencontrarmosmaislobosoumonstrosKrampus.-MasAxelusaóculos.–Anneseopôs,comoseapéssimavisãodoprimoodesqualificassepara

opostodedefensorconfiável.-MasaGabynão.-Verdade.–Anneacenousolenemente.SemprequeamelhoramigadeJuliaapareciaemcasa,

AnnesesentiaumpoucointimidadaporGabyesuasroupaspretas.Aparentemente,serumagóticaafaziaumaboaprotetora,noconceitodesuairmã.

-Entãovouindo.–Juliaselevantou.–Vejovocêamanhãdemanhã.-Nãofiqueforaatétarde–Annedisse,repentinamentesoandomaternaldemaisparasuaidade.

Juliariu.–Nãovou.–eladesceuasescadascorrendo,quasetrombandocomamãe,quesaíadacozinha.-Vocêestácomachavedecasa?–aSra.Guntherperguntou–Euvoumedeitarmaiscedoesta

noite,entãovoutrancaraportaantesdevocêchegar.- Estou. E commeu cartão do ônibus, minha carteira, o celular, o spray de pimenta e omeu

melhorhumor.Juliadeuumbeijonatestadamãeesaiupelaportaassobiando.Aindacantarolando,elacaminhou

pelaruaeparaoBirkenstrasse,quelevavaaopontodeônibus.Oônibusaindanãoestavalá,entãoelasesentounobanco,sobaáreacoberta.

Ameialuailuminavaocéu,asárvoresdaflorestadooutroladodopontodeônibussussurravammisteriosamenteàbrisadoverão.Porapenasummomento, ela se lembroudocontode fadasquehaviaacabadodelerparaAnne.Quasedemodoinaudívelelamurmurou:

-Oi,meupríncipe.Comovaivocê?Nãoseriafantásticovoarporaícomasasdefada,olhandoparaaTerradoladodecima?Elase

sentaria sobre a copadeumaárvore e assistiria omundoacontecer, esperandoatéqueo caos e aloucura da humanidade passassem e a era dos espíritos da natureza começasse na Terra. Elaterminaria amando um lindo emisterioso eremita quemoraria emuma casa nomeio da floresta,escrevendopoemassobreasárvores,asfloreseseuamorporelatodososdias.

Nos anos passados, ela tinha observadoMichael por horas a fio durante as tediosas aulas dematemática e física que ela tinha que assistir. Ela tinha tirado o melhor proveito dessas aulasassistindoMichael,quesesentavaduasfileirasnafrentedela,paraoladoesquerdo.Algumasvezes,ele desenhava no caderno enquanto o Sr. Brunner se esforçava para explicar outra equação desegundograu,eelasempreseperguntouoqueéqueeleestavadesenhando.Umdia,Michaeltinhaacidentalmentedeixadoocadernoemsuacarteiraeelaespiouparaveroqueelehaviadesenhado.Asúltimaspáginasestavamcheiasdedesenhosdeárvoresefloreseaquiloatinhadeixadofeliz.

Talvezelatenhadadomuitaimportânciaparaaquilo.Àdistância,elapodiaveràsluzesdoônibusseaproximando.Juliapegouseucartãodeviagens

dentrodabolsaparamostraraomotorista.Quandoelaestavaembarcando,otelefoneemseubolso

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tocou.-Oi,Axel!–elarespondeu–Eaí?-Jáchegou?-Não,acabeideentrarnoônibus.Vouestarláemunsvinteminutos.-Euchegoemmeiahora.Floriantambémvai,eledissequeestásesentindomelhor.-Ótimo!Vejovocêsdoisdaquiapouco.JuliadesligouefuçoudentrodabolsaparaprocuraroseuMP3.Oônibusfoiseenchendoaos

poucos.Acadaparadamaisadolescentesentravam,todoselesvestidosparaanoitadanacidade.Elasorriu–eraumaboa ideiasairdesuacrisee ficarcomosamigosnobarzinhoanoite toda.Maiscedooumaistarde,elainevitavelmenteesbarrariaemMichaelnovamente,maspelomenoselanãooencontrariasozinha.

-Ok,quemquercerveja?–Tamaraperguntou,deslizandodoseubanco.AirmãdeGabybuscariaapróximarodada.ElabateunoassentodecouroecutucouJulia.–Vocêpodesentarnomeubanco,vocêmereceumlugar.

FloriaeAxelolharamcuriososparaJulia.EleshaviamacabadodeentrarehaviamperdidotodaaconversaentreJulia,GabyeTamarasobreoterrívelencontrodeJuliaeMichaelnaquelatarde.

-Eumereçoumacerveja-pediuFlorian–Depoisdesobreviveraestaterrívelgastroenteritequemefezcomerdecanudinhoasemanainteira,eutomariaalgobemgostoso.

-É,parecequevocêestátotalmentepreparadoparabeber.-Axelsorriu.–Sónãovávomitaremcimademim,ok?

Gabyse juntouàsuairmãparaajudarcomasbebidaseFloriansesentounobancoaoladodeJulia.

–Entãooqueaconteceu?Porquevocêestámerecendoumbanco?-Ah,ésóbobagem.Homens.-Querfalarsobreisso?–disseAxel–Quehomempartiuoseucoração?-MichaelKolbe-Juliamurmurou,nãosesentindomuitoacessível.-Kolbe?Aquelesuperidiota?–Florianexclamou.-Ei,vocêpodefalarmaisbaixo?–Juliaocalou,inquieta–Metadedaspessoasnestebarcelebra

cadapassodele.EmumavozsuaveelacontoumaisumavezaversãoresumidadoseuencontrocomMichaelpara

osgarotos,seusrostosultrajadosquandoelaterminou.-Elesóatacaasinocentes–Floriandisse,comdesprezo.- Nossa, valeu! – apesar das palavras sem tato de Florian, Julia não pôde deixar de abrir um

sorriso.Elenãoeradiplomático,mas,narealidade,tambémestavacerto.- Talvez devêssemos colocar a foto do Michael em um alvo – sugeriu Axel – Para que

pudéssemosjogardardosnasuacaraestúpidaanoiteinteira.-Que ideia esplêndida para um jogo - Florian concordou –Nós vamos chamá-lo de "Mate o

Kolbe".Vaiquepega.PodemoscomeçarumatradiçãoaquinoO’Malley’s.GabyeTamaravoltaramcomumabandejacheiadebebidas,propondoumbrindeaocomeçodas

fériasdeverão.–Umbrindeàesperançadequetodasaspessoasquenosmagoaramnopassadomorram.-Gaby

desejou,vingativamente,lançandoumsorrisomalvadoparaJulia.Juliasorriudevolta,batendoocopocontraodeGaby.Comoesperado,foibomtersaídodecasa.

Elasesentiamaisfortenacompanhiadeseusamigos.Alémdisso,elaestavamaisdoquefelizdenãoterencontradocomMichaelquandoelessaíramdobaràsonze.

-Vamossairpara fazercomprasembreve–Gabydisse, abraçandoJuliaao sedespedir.–OuficarjuntasnoJardimMirabellodiatodoparaverosgarotos.Voutirarvocêdessa.Euprometo.

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- Obrigada. – Julia abraçou a amiga de volta. Era o começo de uma nova vida cheia deoportunidadeseelafariadetudoparaquefosselinda.

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3.-Voucorrendoparaacasadavovó!–Juliagritoudocorredor,enquantocolocavaseus tênisdecorrida.–Euvejovocêsduaslá,ok?

- Eu vou esperar na porta de entrada, com umamedalha de ouro e um coral cantando o hinonacional - a Sra.Gunther brincou com a filha, esticando o pescoço através da porta da cozinha –Divirta-se.

Julia passeou pela estrada que levava à floresta, acelerando assim que ficou sob a copa dasárvores.Eraumabelamanhãde sábadoea florestaestavacalmaepacífica.Tudooqueelapodiaouvireramossonscostumeirosdanaturezaeasbatidasfirmesdeseucoração.Eraporissoqueelagostavade correr ali: no silêncio, as suaspreocupações sempredesapareciam.Para ela, era comomeditação.

Juliadeixouatrilhaprincipalecorreuforadapistaporalgunsmomentosparaquepudessepararaopédeseucarvalho.Suarespiraçãodiminuiuquandoseencostounotroncodaárvore,abrindoagarrafa de água que estava dentro de sua pequena mochila. Algumas roupas limpas estavamguardadaspertodesuagarrafaparaqueelapudessesetrocar,nacasadesuaavó,depoisdacorrida.Eporúltimo,masnãomenosimportante,estavaseuúltimoboletim.Asuaavóaindanãotinhavistosuasnotasfinais.

Todasassuasnotaseramboas,masJuliaestavamaisfelizcomosresultadosfinaisemEducaçãoMusical.Elahaviaficadocomanotamaisaltadoanoparaaquelaeletiva,pelamúsicaqueelahaviacomposto.SeaomenosMichaelsoubessequeelahaviaescritoparaele...Eleprovavelmentechorariadetantorir.

Suavemente, ela cantarolou amelodia para simesma, sentindo-se incrivelmente só por algunssegundos,enquantodescansavaacabeçacontraacascarachadadotroncodaárvore.Acimadesuacabeça,asfolhasbalançavamcomoventoquerepentinamentecomeçouasoprar,comoseaflorestaestivessecantandodevoltaparaela.Emalgumlugardistante,umpássaropiava.

Depoisdealgunsminutospensativa,Juliadecidiuqueodescansohaviaacabado.Elaficoudepéeesticou as pernas, guardando a garrafa de água. Os músculos das suas pernas estavam quentes etensos após o alongamento. Correndo levemente, ela cortou caminho por entre as árvores paracontinuar ao longo da estrada de terra, que atravessava o bosque, alcançando o fim da florestapróximoaEichet,depoisdequinzeminutos.Aestradaprincipalquelevavaaovilarejoestavadeserta.Juliaficounomeio,seustênisbatendonoasfaltocomoumpacíficomantra.Nocalordamanhãdefimde junho,elapodia sentiro suorescorrerpor suapele,ovigorcorrendopeloseucorpo.Eraexatamentedissoqueelaprecisava.Corrersemprearevitalizavaquandogastavamuitaenergianaspreocupaçõesdodia-a-diae,ultimamente,aspessoasestavamsugandodemaisassuasenergias.

Michael dizendo a ela:Nos vemos embreve.Avoz de seu pai e as palavras:Eu venhovisitarvocês,meninas,semprequepuder.Aspessoasprometendocoisasaela,tudodabocaparafora.

Sua melhor amiga, Gaby, era um bálsamo, nesse sentido. Sempre honesta, não fazia rodeios.QuandoJuliaeGabyseconheceram,nocolégio,Gabyjátinhaohábitodevestirroupasestranhas,carregandoumabolsapreta,decoradacomfigurasdoPlaceboeNirvana,comomochila,apesardasrepreensõesdosprofessores.

-Nãomeimportodesentarpertodevocê.–GabydeclarouàumatímidaJulianoprimeirodiadeaula.ElaarremessouamochilaesfarrapadaparabaixodoassentoaoladodeJulia.–Vocêéaúnicapessoadeverdadeporaqui.

-Como...Comoéquevocêsabe?–Juliaperguntou,umpoucosurpresa.

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- Seus olhosme dizem que você não émuito fã de pessoas. Então, você não se preocupa emmentirparaelastambém.Vocênãoéumafraude.

Julia imediatamentesesentiuprotegidapelocomportamentorebeldeeextravagantedeGabynaclasse.Maistarde,GabyadisseraquesesentiasegurapertodeJuliaporqueelaexalavamuitapazetranquilidade.OspaisdeGabyerampessoas falanteseextrovertidas,quenão tinhammuito tempoparaficarcomassuasfilhas.Tamaratinhaseadaptado,fazendoopapeldaboafilhamaisvelha,quenuncaforaumfardoparaospais,eGabyhaviafirmadoopéedecididosevestircomoasestrelasdorockqueelaadoravaeseuspaisdetestavam.Apesardisse,TamaraeGabysedavammuitobem.

Juliavirouaruadesuaavóeaviuesperandoporelanojardimemfrenteàcasa.-Maisrápido,Julia–gritouela–Ocháestáesfriando!Suamãe e sua irmã tinham vindo de bicicleta e estavam na sala, com chá e fatias de bolo de

gengibre.Juliabeijouaavónabochechaquandoentrou,tirandoostênisnocorredor.-Sóvoumerefrescar–eladisse,ofegante,subindoasescadasdedoisemdoisdegraus.Aáguadochuveiroesquentourapidamente,elaapenaslevoudezminutosparaselavarevoltar

paraoandardebaixoparatomarseucháecomerbolo.-Planosparaoverão?–aavóperguntou,curiosa–Vocêtemtrêsmesesdefolga,afinal.Juliadeudeombros.–Nãosei.Arrumarumemprego,euacho.SuamãenãotinhadinheiroparalevarAnneeelaanenhumlugarespecial.Juliatinhaconsiderado

passar as férias em Salzburg, mas agora que o verão havia chegado, os três meses pela frentepareciamintermináveis.Asaulasnafaculdadeteriaminícioapenasnocomeçodeoutubro,deixando-a com tempo suficiente para conseguir um trabalho de verão para guardar algum dinheiro, masfrancamente,elanãoestavamuitoanimadacomaideia.Noanopassado,pegarencomendasemumafábricaderoupascheiademofoatinhadeixadocompletamentemalucadepoisdeduassemanas.

-AxelmedissequeestavaplanejandoumaviagemaLondres–disseaavó–Elenãofoisemanapassada?

Juliabalançouacabeça.–Florianficoudoente,entãoelesadiaram.-Porquevocênãosejuntaaeles?Issotalvezpossateanimar.Juliaolhouparaasprópriasmãos,sentindo-sedescoberta.Suaavópareciaterumsextosentido

paraessascoisas.Seelapareciateralgumtipodeproblema,aavósempresabiadeimediato.–Estou bem, obrigada – ela respondeu, semquerer preocuparAnne e amãe.Ela rapidamente

procuroupeloboletimdentrodabolsa.–Aqui,vejasóasminhasnotas.A avó riu. Julia não podia deixar de sorrir também. Isso era uma besteira. Ela parecia querer

provarqueasuavidaeraótimapelassuasmédiasnoboletim.-JuliateveanotamaisaltaemEducaçãoMusical–Annecantarolou,sorrindocomorgulhopara

airmã–Elatocouumamúsicadesuaprópriaautoria.-Porquevocênãotocaparaasuaavómaistarde?–sugeriuamãe.Ótimo.Elatemiaisso:terquetocarafamosamúsicaquealembravadaquelapessoaemparticular

queelaqueriaesquecer.–Sim,eutoco.Deixe-metomarocháprimeiro–elaresmungou.QuandoJuliacorreuparaoquintal,depoisdeterminaroseucháeasuarelutanteperformance

musical,asuaavóaseguiu,alcançando-anocaminhoaolongodosrododendros.-MinhadoceJulia,oqueestáacontecendocomvocê?–elaperguntougentilmente.Juliasuspirouprofundamente.–Nãoénada,deverdade.Eusó...Tenhoqueesqueceralgumascoisasqueeudeveriaterdeixado

praláhámuitotempo–elaseafundounobancoentredoisgrandesarbustos.

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-Então,qualonomedele?–avelhasenhoraperguntou,depoisdealgunssegundosemsilêncio.-Michael–Juliasussurrou,suavozpresanagarganta.-Vocêescreveuaquelamúsicaparaele?-Vovó,vocêrealmenteéumavidente–Juliaexclamou,ofendida.Suaavólhedeuumsorrisotorto,quasemalicioso,eentãopareceusérianovamente.–Eleainspiroueissoélindo.Issosemprevaiserseu.Oamorquevocêsentiuporelenãoestá

perdido.Vocêaprenderáadá-loaoutrapessoa,assimquevocêdeixaramemóriadeleparatrás.-Daraoutrapessoa?Nãoseiseconsigo.Tudopareceutãointensoquemedeixouseca.Mesmo

queagoraeusaibaqueelenãomereceomeuamor.Juliaficouemsilêncio,seusolhosfixosnaboladevidroverdeescurapresaemumahaste,perto

do arbusto de rododendros.Novidro convexoda esfera, ela parecia umalien, uma estranha, umaversão distorcida de si mesma, olhando de um distante mundo pintado de verde. Que bom seriadesaparecerdentrodeumabolhadesonhoscomoaquela.

Elafechouosolhoselutoucontranovaslágrimas.Aquiloeraridículo,eladeveriaseanimar.Aavóhaviaditocoisastãodocesesábiasaela.Aindaassim,elanãopôdeevitarochoroquandoaavótambémsesentounobancoecolocouumbraçoaoredordosseusombros.

–Vocêtemquesepermitirolutopelascoisasqueperdeu,garotinha.Mas,porfavor,lembre-sedecelebrarascoisasquevocêaindatem.

A avó estava certa, ela ainda tinha todos os poemas que havia escrito em seu diário enquantoestava sob o seu carvalho, sonhando com Michael. Ela ainda tinha a sua música, a assombrosamelodiaqueelahaviatocadoduranteacerimôniadeformatura,diantedeumaplateiaencantada.SuamãehaviaficadoemocionadaquandolevouumbuquêdefloresparaJulianopalco,logodepoisdaapresentação.Esseserammomentosqueelamanteriaemseucoraçãoporumlongotempo.

Naquelatarde,amúsicadeJuliaencheuoscômodosdaconfortávelcasaemEichet,pelaprimeiravez.Nasuamente,elasempreachamavademúsicadeMichael,masnãomais.Elahaviamudadodeideia:erahorademandaremboratodosossonhosqueelativerasobreosdoiseabrirespaçoparacoisasnovas.

-Venha,Jules,vaisermaravilhoso–avozinhadeGabysooudooutroladodalinha.Ofinaldesemanahaviaacabado.Juliaestavaocupadabuscandoanúnciosdeempregonojornal

local. Ela pensou que ter um emprego de verão seria uma boa ideia, ela poderia guardar algumdinheiroparaviajardefériascomaGaby.Atéagora,porém,elaestavasesentindomeioentediadacomapáginadeclassificados: todososempregosanunciadosnoSalzburgerFenstereramruins,omelhorqueelahavia selecionadonaquelediahavia sidoumaagênciademodelosprocurandoporgarotas loiras que usassem 36. Com um gemido de frustração, Julia riscou o anúncio com omarcadorvermelho.

-Então,quantoéo ingresso?–elaperguntou, tentandoparecermaisanimadadoquesesentia.GabyestavarepentinamenteconvencidadequeelasprecisavamirverumabandacoverdosSiouxsieandtheBansheesquetocarianoShamrocknaquelanoite.

-Nada,suaboba–Gabybradouaotelefone–Éumabandacover.Eelesestãofazendoumshownasegunda-feiraànoite.Precisodizermaisalgumacoisa?Quememseujuízoperfeitopagariaporisso?

Juliariu.- Está bem. Pergunta idiota, eu acho.Mas, eu pensei que você quisesse sair para jantar como

pessoalhojeànoite.-Aindaquero.Podemosfazerasduascoisas.Abandanãovaicomeçarantesdasdez.Então,você

nãopodedizernão.-Estoucomeçandoaentenderisso.AxeleFloriantambémvão?

Page 22: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Ah,euvouconvencê-losasejuntaremanósquandoeuosvirhojeàtarde.EleshaviamcombinadodeseencontrarnacasadeFlorian.Elemoravaemumamansãoaolongo

dorioSalzacheseuterraçoeraquasetãograndequantoseuespaçosoquartonosegundoandar.Noverão,aturmadeamigosdelesficavaláfora,noterraço,ouvindodiscosantigos,bebendocervejaefumandoumbaseadodevez emquando.Florian semprepunhaumaescada apoiadana fachadadacasaparaqueaspessoaspudessemsubirsemterqueatravessaracasae incomodarseuspais.Estamanhã, Julia havia comprado latas de cerveja e garrafas de refrigerante para queFlorian pudesseprepararalgumasbebidasparaeles.

-Tudobem,Gaby,podecontarcomigo.Vejovocêmaistarde!Enquantoelacolocavaocelularnabolsa,seuolharrecaiusobreumpequenoanúnciodalivraria

docentrodacidade.Höllriglestavaprocurandoporassistentesdevendas.Aquilopareceualgoqueela poderia gostar, quem sabe ela poderia até mesmo receber um desconto de funcionário paracomprar livros. Ela era uma leitora voraz, assim como Axel. Ele provavelmente dançaria defelicidadeseelaarrumasseumempregoalievendesselivrosparaeleaumpreçomaisbaixo.

QuandoJuliasaiudeseuquarto,Anneestavadeitadanosofádocorredor,lendoofamiliarlivrodehistórias.Obviamente,airmãestavasetornandoaterceiraleitoravorazdafamília.

-Vocênãoquerirláparafora?–elaperguntouaAnne,quelogosesentou.–Vocêpodelerlánoquintaltambém,nãopode?

- Ah, eu vou lá fora em um minuto. Vou me encontrar com Sabine para irmos ao bosque.Queremosconstruirumacasanaárvore.

Juliaergueuasobrancelha,duvidando.-Hmmm,Sabine temalgum irmãohabilidosooucoisaparecida?–anovaamigaevizinhade

Anne tinha apenas nove anos. Certamente as duas garotinhas não podiam construir uma casa naárvoresemalgumaajuda.

Annedeuumarisadinha.-Não.Naverdade,eleémeiodesastrado.Mas,eleéfofo!Devoapresentá-loavocê?-Não,nãoprecisa,suacasamenteira.–Juliavirou-seedesceuasescadascorrendo.Fofoounão,

no momento, ela não estava precisando de garotos em sua vida, apesar de Gaby insistir que elaprecisavasedistrair.

Dezminutosdepois,elaestavanoônibus,comseuiPodligado,LoreenaMcKennitttocandoumasuaveharpaduranteaviagemparaacidade.Loreenaeraoseuantídotocontraopunkaltoaqueseriasubmetidamais tardenaquelanoite.Narealidade,elanuncahaviaouvidonadadeSiouxsieand theBansheesantes,massea impressãoqueosgrandespôsteresqueGaby tinhadabandapassavamseconfirmassem,elatinhaquasecertezadequeseustímpanosteriamumadolorosaexperiêncianaquelanoite.

Depoisde trintaminutosdeviagem, Julia saiudoônibus e caminhouumpequeno trechoaté acasadeFlo.OtempoestavaadoráveleocastelobrancodeSalzburgnamontanha,comvistaparaacidade,brilhavaàluzdosol.Elaolhouparaafortalezasaudosamente.Talvezelapegasseocaminhomais longo colina acima novamente um dia desses e compraria uma generosa fatia de bolo nalanchonetedo castelo.Fazia tempoque elanão fazia isso.Aúltimavezhavia sidoquandoGabyaacompanhara,eaamigahaviasofridodedoresmuscularesnaspanturrilhasporváriosdiasdepoisdaaventura,aquelafracote.

Juliamanteveumritmoaceleradoelogochegouàvelhacasaverde-claroemImbergstrassequepertenciaàfamíliadeFlorian.Aescadaestavaesperandoporela,encostadanafachadadacasa.ElapodiaouvirBobDylancantandonosvelhosalto-falantesnoterraçodosegundoandar.Algunsanosatrás,Floriandescobriraosanossessentaepassouasaquearacoleçãointeiradevinisdosseuspais.

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- Paz, cara –Axel a cumprimentou quando a cabeça de Julia apareceu acima do corrimão doterraço.Elefezumsinaldepazcomdoisdedosdamãoesorriuparaela,seusolhosparcialmenteescondidosporumpardeóculosverdesemformatodeestrela.

-Dêumachanceaela–Juliagritoudevolta,caminhandoparaaáreadeestar,ondeAxel,FlorianeTamara estavamesparramadosnogrande sofá, bebendo e cantando junto comamúsica “IWantYou”deDylan.–OndeestáaGaby?

- Ela está pegando alguns folhetos no bar onde aquela banda cover vai tocar esta noite –respondeuTamara–Senósosentregarmos,cadaumterádireitoaumabebidagrátis.

- Essa banda está me parecendo desesperada por atenção. – Julia riu e colocou a sacola degarrafaspertodeFlorian.–Olhasóoqueeutrouxe.AgoravocêpodemefazerumRadler.

-Seráumahonra,senhoritaJulia–Floriandisse,comumsorrisoinsinuante.Axel se levantou para colocar o próximo disco na mesa giratória e deixou a voz frágil e

sobrenaturaldeMarcBolan inundaro terraço.Juliasuspirousatisfeita,encostando-senosofáparaolharocéuazulbrilhantesemnenhumanuvemàvista.Atardeestavaumparaíso.

- Oi, oi, oi! – Gaby gritou quando apareceu, repentinamente, no topo da escada, acenandoentusiasmadacomamãocheiadepanfletosdoShamrock.–Olhasóoqueeuconsegui.CanecasdeGuinnessgrátis, para todos, estanoite.– ela se afundouno sofá ao ladode Julia,dandoum largosorrisoparaaamiga.–Comofoiseufinaldesemana,meubem?

-Foi legal.VisiteiaminhaavóemEichetontem.–elaolhouparaospanfletosqueGabyhaviaespalhadosobreamesa.–Estou felizqueoshowénoShamrock–elaacrescentouemvozbaixa.MichaeljogavadardoscomosamigosnoO’Malley’s,ooutrobarirlandêsdacidade,todasegunda-feiraànoite.

Gabyconcordoucomacabeça,umsorrisosimpáticonoslábios.–Então,quandoéquevocêsfinalmentevãoparaLondres?–elasedirigiuaosgarotosenquanto

colocavacervejaparasi.-Naverdade,nãotenhoamínimaideia.–Floriandeudeombros.–Nóstemosquefazertodasas

reservas novamente.Acho que vai ficarmais caro desta vez.Os bilhetes que nós tínhamos foramreservadoscommesesdeantecedência.

-Ah,vamos lá.–Axelarqueouumasobrancelha.–ARyanairéquasedegraça.Ei,porqueasgarotasnãonosacompanhamnaviagemtambém?

GabyolhoudeTamaraparaJulia,acenandovagarosamente.–Sim,porquenão,nãoémesmo?–elarepetiu-Nóstemostodootempodomundo.Enãovai

nosquebrar,senósarranjarmosumvoobarato.-Nósestávamosplanejandoficaremumalberguedajuventude–Floriandisse–Elesnãosãotão

caros.-Bom,euachoqueessaéumaexcelenteideia!–Juliaexclamou–Euiaarrumarumaentrevista

deempregonalivrariaparaconseguiralgumagranaextra.Sedercerto,vouterdinheiroparairparaLondresnomeiodeagosto.

Todossorriram.- Então, está combinado – decidiu Tamara – Eu proponho um brinde aos nossos planos de

viagem!QuandoFlorianselevantouparavirarodisco,elevoltoucomumsaquinhopequenodemaconha.–Éhoraderelaxar–eleanunciou.-Oque...Vocêvaiaorodíziodecomidachinesachapado?–Tamaraexclamouemchoque–Só

pravocêsaber,eunãovouficarnomesmolugarquevocêsevocêagircomoumidiota.- Ele age como um idiota o tempo todo -Axel comentou, esquivando-se do soco que Florian

dirigiuaele.

Page 24: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Axel entrou e pegou os folhetos e guias turísticos de Londres que ainda estavam namesa deFlorian.Logo,todomundoestavaabsorvidopelasinformações,fazendoplanosparaumaviagemdequatrodiasàcapitalinglesa.

-ÉmuitolegaltodosnósirmosaLondres–JuliamurmurouparaGaby–Eeupossofocarnotrabalhonassemanasqueantecederemaviagem.Seeuconseguiroemprego,éclaro.

Gabycolocouosbraçosaoredordelaemumabraçodoce.-Vocêvaiconseguir.Foifeitoparavocê,sualeitoracompulsiva.Alémdisso,vaitemanterlonge

dasruasevocênãovaimaiscorreroriscodetropeçaremcertaspessoas.Julia concordou.Elahavia se sentidovaziaquandopassoupelaCidadeVelhanaqueledia,uma

certafaltadesentidoquenãopodiaserpreenchida.Eracomoseestivesseandandopelasruasdeumacidadedesconhecidacomoumborrão,mantendoasmesmasaparências,massentindo-sevaziaefriapordentro.ElanãomaispoderiateresperançasdeseencontrarcomMichael.Gabyestavacerta:eladeveriaseesconderporumtempo.Eondeencontraresconderijomelhorquealivraria,suaValhalapessoal?

Naquela noite, todos caminharam juntos pelas ruas estreitas e pelos becos de Salzburg atéRudolfskai, ao longo do rio. A porta para o Shamrock estava escancarada, uma multidão deroqueirosreunidadoladodefora,segurandosuascervejasefumandocigarros.

-Porquevocênãomedáospanfletos?-AxeldisseaGaby–Euvoubuscarbebidasparatodos.-Ei,obrigada–respondeuGaby–Achoquevouseragóticaegoístaefumarumcigarrosópara

mim.Axelriuetentoudarumtapinhaamigávelemsuacabeça,maselaseesquivouparaoladocom

agilidade.Elesdecidiramesperardoladodefora.Abandaestavaclaramentepassandoosom.Vezououtra,

osalto-falantescuspiamalgumfeedbackacústicoquandoalgumdosmembrosdabandaaumentavamuitoofadernomixer.

Julia examinou amultidão e sentiu seu coraçãoparar debater quandoviudois dos amigosdeMichaelsaindopelaportadafrente.

Tamaraacutucou.-Vocêestábem?Parecequevocêviuumfantasma.GabyseguiuoolhardeJuliaerevirouosolhos.- Mas, que sorte. Ah, bem, sabemos que aqueles dois vieram aqui sem ele. Michael está

provavelmentejogandodardoscompletamentesozinhonoO’Malley’s.Eleéaúltimapessoaqueeuesperariaqueaparecesseemumshowcomoeste.

Juliasoltouumsuspirotrêmulo.Gabypossivelmenteestavacerta,maselanãoconseguiarelaxar.Quando Axel apareceu com uma bandeja de cervejas anunciando que a banda estava prestes acomeçar, todos se arrastaram para dentro do bar. O salão estava cheio e escuro, o que era umabenção.MesmoseMichaeltivessedecididovir,elenãoseriacapazdevê-ladenenhumamaneira.

Quandoosholofotesseacenderameinundaramopalcocombrilhantesluzescoloridas,amúsicaaltaimediatamenteexplodiupelosalto-falantes.Juliaseencolheu,elaestavapróximaàcaixadesomdoladoesquerdo.

-Caramba!–Gabygritounoseuouvidodireito–ElesestãotocandoCitiesinDust!Euamoessamúsica.

Enquanto isso, Florian estava encarando o palco com os olhos vidrados. Julia olhou para obaixistaqueeleestavaclaramenteanalisando.Ocarausavaumaregatapretaeummoicanopintadodepretoeroxo.

-Caramba!–elerepetiuaspalavrasdeGaby–Oqueéaquilo?Achoqueestouapaixonado.

Page 25: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Juliariu.AqueleeraoFlorian,elediziaoquepensava.Elacambaleouumpoucoparalongedoalto-falante.Mesmo a música sendo tocada no último volume, não era tão ruim. Na verdade, elaestava até gostando. Ela tinha pretendido apenas animar Gaby ao acompanhá-la, mas a banda eramelhorqueoesperado.

-Issoémuitolegal–eladisseaGabyquandooutramúsicacomeçouemumvolumemaisbaixo.GabysorriuparaJulia,seusolhospintadosdepretocheiosdeeuforia.-É,vocêacha?-Sim,demais.Obrigadapormetrazer.Depoisdeumsetdeseismúsicas,abandaanunciouo intervalo.As luzesseacenderameAxel

cutucouFlorian.-Vocêvem?Nóstemosquepegaralgumasbebidasnobar.-Claro–Florianconcordou,antesde repentinamentecongelar.–Não,espere–eleassobiou–

Aquelebaixistafofoestávindodiretamenteaténós.Juliasevirouparaverogarotoalto,demoicano,descendodopalcoeindoemdireçãoaeles.-Estoumorrendodesede–lamentouAxel.-Nãosepreocupe,euseifazerrespiraçãoboca-a-boca.Espereumpouco.Obaixistapareciacortarcaminhoentreamultidão,omardepessoassedividindoenquantoele

passava,comosepudessemperceberqueeleeraumhomemcomumamissão.Osseusolhosnuncadeixaram os de Florian, que estava começando a parecer um tomate sofrendo de parada cardíaca.Juliapodiaquaseouvi-loengolirquandoolindomúsicoparoubememfrenteaele.

-Ei–obaixistadisseemumavozsuave,masresoluta–Vocêvemsempreaqui?Florianpiscou.Eleestavasempalavras.Axelvisivelmenteseencolheuaoouviracantadabarata,

masveioaoauxíliodeFlorianaopegá-loemseuombroeresponderporele.-Sim,elevem.Naverdade,apostoqueelevaiestaraquitodasemanaapartirdeagora.-Bomsaber–obaixistasorriupreguiçosamenteparaFlorian.-Você...Vocêgostariadebeberalgumacoisa?–Florianconseguiudizerfinalmente.-Claro,eutomariaumacerveja.–opunkacenou,estendendoamão.-Porfalarnisso,meunome

éMoritz.FlorianapertouamãodeMoritz.-Florian.Então,hã,voupegarumacervejaparavocê–gaguejou.-Agoravocêcorre–disseAxel, indignadoquandoambossaíramemdireçãoaobar,deixando

Moritzcomas trêsgarotas. Julia riu,olhandoparaaTamaraeGabycomoquemdissesse:“Oquediabosestáacontecendo?”

-Muitolegalabandadevocês.–Gabycomeçouaconversa.–Vocêsvãotocarmaisvezesaqui?-Esperoquesim.Vamosvero resultadodesteshow.Sevocêsquiseremqueagentevolte,por

favorzinho,digamaodonodobar,paraqueelenoschamenovamente.-Deondevocêssão?–Juliaperguntoucuriosa.Moritzfalavaumalemãopadrão,semnenhum

sotaqueaustríaco,maselapercebiaumacertadiferençaemsuavoz.-Ah,meupaiéinglês.EuviviemLondres,masquandoeutinhadezanos,nósnosmudamospara

Cologneporumtempoeagoramoramosaqui.-Londres?–Tamaraperguntou–Engraçado,vamosfazerumaviagemparalánomêsquevem.

Talvezvocêpossanosdaralgumasdicas.Florian e Axel logo estavam de volta, o primeiro equilibrando duas cervejas e um copo de

refrigeranteemumabandeja.JuliaergueuassobrancelhasparaAxel.–Eleporacasoexpulsouaspessoasdafila?Vocêsforammuitorápidos.-ParecequeFlorianpodefurarfilasmuitobemquandosurgeanecessidade.

Page 26: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Enquanto isso, Moritz estava conversando animadamente sobre os melhores albergues dajuventudeno centro deLondres comos demais.Nahora emqueMoritz tevequevoltar ao palco,Florianjátinhaconseguidooseunúmerodetelefone.

-Nãopossoacreditarque issoestá acontecendocomigo!–ele seentusiasmou, lançandooutroolharardenteàscostasmusculosasdeMoritz,enquantoeledesaparecianomeiodaplateia.–Euovi,elemeviu,nósnosencaramosepronto!

-Nãoémelhorvocêirdevagar?–Juliatentouacalmá-lo.–Vocênemoconheceainda.-Aindanão,maseuvouconhecer.Nadavaimeimpedirdecomprarcréditosparaospróximos

cemanos,amanhãcedinho.Inesperadamente,Juliasentiuumapontadadeinveja.PorqueeratudotãosimplesparaFlorian?

Por que ele tinha a sorte grande de conhecer um cara lindo, gostoso, assim tão facilmente, e quegenuinamentepareciagostardele?

Orestodoshowpassoucomoumborrão.Osespectadoressejuntaram,doladodefora,depoisqueamúsicaacaboueJuliafoiatéMoritz,FlorianeGaby,quefumavamforadobar.

-Vouparacasa–elaanunciou–Estouexausta.-Tudobem.–Gabydeuumtapinhadelevenascostasdela.–Vocêsedivertiu,pelomenos?-Sim,euadoreiamúsica!EeunãoestoudizendoissosóporqueMoritzestáperto.–elasorriu

paraanovapaqueradeFlorian.Elesorriudevolta.-PorquevocênãopegameuMP3emprestado?–Gabypuxouoaparelhodeseubolsocanguru.–

Assimvocêpodeouviralgumasdasmúsicasnavoltaparacasa.Mas,vouquereroseuemprestadotambém.

-Temcertezaquevocênãovaichorardesaudadesdeseusrocksemúsicasgóticassinistras?–Axelperguntou,comumsorrisobrincalhão.

Gabybalançouacabeça.-Não.EugostodeEnya.Alémdisso,eunãoqueroestragarmeudelineadordenovo,nemparecer

umlixo.-Bem,desdequevocênãocheirealixo.-Caleaboca!–GabyempurrouAxel.Juliasedespediudetodoseentrounopróximoônibusdisponívelquepassoupelobar.Quando

elaentrou,asprimeirasgotasdechuvadeumatempestadedeverãocomeçaramabaterno tetodoônibus.

Achuvanãoparounaterçaenaquarta.LongaschuvasdeverãoatingiramacidadedeSalzburg,masnãoadiantaramnadaparaaliviarocalor.Depoisdachuva,asaltastemperaturasestavamaindamais opressivas. Tufos de nuvens se penduravam entre os picos dos montes, como uma neblinamisteriosadeoutromundo.

Julia ficou no jardim, sentindo o cheiro no ar. Ela queria correr no bosque,mas ainda estavamuitocalor.Narealidade,elaprefeririacorrernachuva.Talvezeladevesseesperarporisso.

-Você está olhando para as nuvens? –Anne perguntou, aparecendo perto dela como livro dehistóriasdebaixodobraço.

-Não,estouchamando-as.Euquerocorrernachuva.Annesesentounobancosobotoldo.-EutrabalheinanossacasanaárvorecomSabine.Veja,éassimquequeremosquefique.–ela

apontouumafiguradopalácionaárvorequepertenciaàsfadasdolivro.-Uau!Éumprojetoambicioso.Temcertezaquevaiconseguir?-Espereatéver,irmãzona.Vocêvaisesurpreender.Thorstendissequevemnosajudartambém.

Sabe,oirmãodeSabine.-Ah,aquelegarotodequemvocêparecegostarmuito.

Page 27: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Annebufou.-Eunãogostodele.Euacheiqueeletalvezfizesseseutipo.Naquelemomento,Axelsaiudedentrodacasa.Elehaviachegadocomasuavelhascooterpara

almoçarcomelasepegaralgunslivrosemprestado.-Estouindo.Ei,Jules,vocêaindavaiteraquelaentrevistadeempregoemHöllrigl?-Vouláamanhãàtarde.Ligueiparaelesontem,masogerentenãovaiestarláatéamanhã.-Bom,meavisedosbenefíciosparafuncionários,ok?Euvoupassarepegá-losenquantovocê

estivernocaixa.Umleitorvorazestásemprecomfome.-Umatêniatambém–Annecompletoudistraidamente,suacabeçanolivrodehistórias.Axelsegurouumarisada.- Não é que você é uma Wikipedia? – ele sorriu orgulhoso para ela. – Venha aqui, sua

vermezinha,querqueeuleiaumahistóriaparavocê?–elesesentounobancopróximoaAnne.Enquanto Anne ouvia "O Príncipe das Árvores", mais uma vez, Julia entrou para colocar sua

roupa de corrida e pegar o iPod de Gaby. Quando ela voltou, estava chovendo como ela haviadesejado.Nuvensescurasdetempestadeestavamsejuntandonocéu.

Axelfezumacaretaquandocolocouocapaceteedeupartidaemsuascooter.-Esperandopelomelhor–eledisse,olhandoparaocéu.-Istoéomelhor!–Juliaacenouparaeleantesdesaircorrendo,colocandoosfonesdeouvido

antesdedesacelerarnofinaldarua.Elacorreuemdireçãoàfloresta,emumritmocalmo.Asárvores,levadaspelovento,assobiavameregavamsuacabeçacompingosd’água.Aindanão

estava chovendo forte, mas o som da água caindo e batendo nas copas das árvores causava umagradávelarrepioemseucorpo.Elafezocaminhoemdireçãoaoseucarvalhoespecialesesentoupor umminuto contra ele, alongando as panturrilhas e olhando para os galhos se balançando emdireçãoaocéu,buscandoaluzefugindodagravidadedaTerrasemprepresente.Odosseldosgalhosdaárvoreaimpediamdesemolhar.

JuliadesligouaNinaHagendoMP3emprestadoefechouosolhos,descansandoacabeçacontraocarvalho.Vezououtra,elaouviaobarulhodostrovõesàdistância.Muitosuave,muitoaolonge.

Quandoachuvacomeçouacairmaisforte,Juliaficoudepéecorreudevoltaparaa trilhadafloresta,nadireçãodeEichet.Elaqueria fazerumavisita surpresaàavóe tomarumchácomela.Depoisdevinteminutos,elachegounolimitedaflorestaecorreupelaruadeasfaltoemumritmoconstante. Neste meio tempo, a chuva tinha ensopado todas as suas roupas, mas isso não aincomodava.Atemperaturaexternaaindaeraagradável.

Juliacorreuparaaportadafrentedacasadaavóe tocouacampainhacomodedomolhadoeescorregadio.OsomdeALittleNightMusic,deMozart,ecoavapelacasa.Juliafoiparafrentedacasa,sobotoldo,paraseabrigardachuvaetorcerocabelomolhado.

-Olá?–elachamoupelajaneladacozinha,queestavaentreaberta.–Vovó?Estáemcasa?Nada.Elaolhoupelovidrocaneladodaportadafrente,vendooscontornosdeumportaguarda-

chuvavazionocorredor.Aparentemente,suaavótambémtinhaseaventuradonachuva.Talvezelassedesencontraram.

Desapontada,Juliasevirouecaminhouparaojardimdafrente.Nofinaldarua,elaviuSabinecaminhando em sua direção, ao lado de umgaroto alto, com cerca de vinte anos, carregando umguarda-chuvavermelho.Juliaacenouparaeleseesperouqueaalcançassem.

-OiJulia–disseSabine,animadamente–Vocênãotrouxeumguarda-chuva?Juliariu.-Duranteacorrida?Nãoéumaboaideia.SeusolhossedesviaramparaorapazaoladodeSabine,queaestavaobservandocomumleve

sorriso.Elelhechamouaatençãoeestendeuamão.

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-ThorstenEbner–eleseapresentou–SouirmãodeSabine.-Muitoprazer.SouJuliaKandolf,irmãdeAnne.–elasorriudevolta.Ogarototinhaolhosazuis

amigáveiseumsorrisoatraente.Seucabelopretocacheadoapareciasobocapuzdoseucasacodechuva.

-Uau,vocêéumagarotabematléticaparasairemumaguaceirocomoeste–elecomentou.-Ah,nãoétãoruim–Juliarespondeueumraioazuldividiuocéueotrovãorugiubemacimade

suas cabeças.Nomomento seguinte, asnuvenspareciamexplodir, a chuva caia comoumacortinaimpenetrávelsobreasuacabeçaencharcada.

-Oque...–elafulminouasnuvenscomoolhar.ThorstendesatouarireJuliacomeçouafalar,imitandoumtomdecensura.–Sabe, issoé tudoculpasua.Vocênão tinhaque terusadoapalavraaguaceiro.Foiissoqueestragoutudo.

-Ah,émesmo?Vocêestámeculpando?Nãoéamelhorformadefazeramizade.Sabedeumacoisa, eu vou voltar feliz pelo meu caminho sem usar as palavras “luz do sol”. – ele sorriumaliciosamente.

- Thor, podemos ir para o ponto de ônibus, por favor? – Sabine pediu melancolicamente,agarrando amangada blusa do irmão comospunhosbrancos de tanto apertar. –Tenhomedodetempestades.

-Claroquesim–Thordisse,comumsorrisotranquilizador.EleolhoudevoltaparaJulia.–Eunãoachoqueaquelasegundapalavraajudouemnada.Vocênosacompanhasoboguarda-chuva?

Juliabalançouacabeça.-Voucorrerdevolta.Vouficarbem,sobasárvoresdafloresta.Falocomvocêsdepois!-Temcerteza?–Thorstenpareciaconfuso.-Sim,absoluta!Nãosepreocupe.–elarapidamentesevirouecorreunadireçãodobosque,suas

meiasfazendobarulhosporestaremmolhadasdentrodosseustênis.Elapassoupelopontodeônibus,hesitouporummomento,entãocontinuoupelaestrada.Elapreferiacaminhar.Claroquenãohaviatrazidoocartãodoônibuseelanãoestavacomvontadedepedirdinheiroemprestadoaumgarotoqueelahaviaconhecidoháumminuto,semfalaremsentaraoseuladotodamolhadaeenlameada.Ummeiosorrisosefezemseurostoquandoentrounovamentenafloresta.Anneestavacertadessavez:Thorstenerarealmentefofo.Elaqueriacausarumaboaimpressão.Ofatodeeleserovizinhorealmenteaanimou.

Sob as árvores estava quente, escuro e úmido.As folhas assobiavam com o vento enquanto achuvaaindacaía,relâmpagosiluminavamaflorestadevezemquando.OssapatosdeJuliadeixavamprofundaspegadasnosololamacento,queafizeraescorregarequaseperderoequilíbrioduasvezes.

Juliaparou,ofegante.Apoiando-secontraumagrossacastanheira,elabalbuciouumpalavrãoeesfregouotornozelo.Droga,elaquaseotorceradevidoàlamaescorregadia.Queideiaestúpidasairparacorrernessetempoterrível.Eladeveriaterpegooônibus.Aessahora,elajáestariaemcasa,nosofá, com roupas secas, tomando um chocolate quente em sua caneca favorita.Ao invés disso, láestavaela:ensopada,meiotrêmulaecomumpoucodemedodatrovoada.Naopressivaescuridãodatempestade,asárvorespareciamrodeá-lacomoumexércitohostil,suassombraselevando-sesobreela.Defato,aflorestapareciacomoseestivesseprestesaexpelirumKrampusmalvadoaqualquermomento. Aquela seria uma boa hora para encontrar uma criatura mítica da floresta com umavarinhamágicaparatransportá-laparacasa,masinfelizmente,issonãoiriaacontecer.

Juliabateunosbolsosdesuascalçasdecorrida,procurandopeloiPoddeGaby.Amúsicatalvezespantasse os seus pensamentos obscuros. Ela ligou o aparelho e vagarosamente correu nasemiescuridão, quando os primeiros tons soturnos de “A Forest”, do The Cure, encheram seusouvidos.Nãoeraamúsicamaisanimadaquesepoderiaimaginar,masofatodequeeraaprimeira

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músicaa tocarnomodoaleatório eramuitomaisdoqueumacoincidênciapara ela simplesmentepulá-la.

Juliasecouospingosdechuvadassuasbochechasemarchouobstinadamenteadiante.Oritmodamúsicaaimpulsionoueafezcorrermaisrápido,seucoraçãobatendoviolentamenteemseupeito,expulsandoummedoindeterminado.

O cantor zumbia em seus ouvidos: “Estou perdido na floresta, sozinho, estou correndo emdireçãoaonada,denovo,denovo,denovo.”Assuasmãosseapertarameseusolhosseestreitaramcontraachuvaquecaíadocéu.Apenasmaisalgunsminutoseelaestariaemcasa.

E então, algo chamou a sua atenção. Ela congelou. À luz de brilhantes relâmpagos queincendiavam a floresta como um fogo frio, ela viu que havia alguém deitado no chão.Amanchanegradeumapessoaàbeiradocaminho.Umamotoaoseulado,bemnomeiodatrilhadafloresta.

Juliaestagnou,comarespiraçãoentrecortada.Comdedostrêmuloseescorregadios,elatateouoaparelho para desligar a música. Ela havia chegado ao seu carvalho favorito, o local de repenteparecendosinistronaescuridão.Suagargantasecouquandoelaolhouparaafigurainconscientenatrilhadafloresta.Passoapasso,elasearrastouatéàfrente.Seusolhosseguiramatrilhaqueospneusdamotocicletatinhamfeitonosololamacento.OcoraçãodeJuliaparoudebaterquandoelachegouaindamaispertoereconheceuamotoHonda.

Não,aquilonãopoderiaestaracontecendo.Elaseapressounosúltimosmetrosqueaseparavamdogarotonochão.Juliacaiudejoelhosaoladodocorposemvida,seuestômagoseenchendodemedoquandoelapercebeuqueoladodireitodorostodeleestavacobertodesangue.Talvezeletenhabatidoacabeçaemumapedrapontiaguda.Alesãoemsuacabeçapareciamuito,muitograve.

-Michael?–elasussurrousuavemente,colocandoamãotrêmulaemsuatesta.-Vocêconseguemeouvir?

Ele ficou imóvel, seus lábios quase azuis, na luz macabra da tempestade de trovões quebrilhavam,vezououtra.Elepareciatãosemvida...Tãovulnerável.Porapenasummomento,elaseesqueceucompletamentedaformahorrívelcomqueeleahaviatratado.Elahaviadesejadoquetodasortedecoisasterríveisacontecessemcomele,masnãoaquilo.

-Michael.–elachorou,suavozfalhando.–Porfavor,porfavor,acorde.Seu coração parou de bater quando ele repentinamente inspirou fundo. Ela pegou a sua mão.

Vagarosamente, ele abriuosolhosverdes comoas folhasda floresta sob asquais ele estava, suaspupilasdilatadasenegrascomoa traiçoeiraescuridãoqueohavia feitoescorregarecairnaqueletempofeio.

-Julia–elesussurrouemumavozsuave,masclara.Elaengoliuseco.Porqueelepareciatãodiferente?Elepronunciouoseunomecomtantaemoção

queelapoderiaquaseacreditarqueeleaestavavendopelaprimeiravez.Elapiscou,incrédula.- Vou pedir ajuda – ela conseguiu gaguejar antes que os seus olhos se fechassem novamente,

fazendo-odarumlevesorriso.Vinteminutosdepois,umaambulância,comluzesazuispiscando,girounoterrenoacidentadodo

bosque.Juliaassistiu,comoseestivesseemumtranse,osparamédicoscolocaremMichaelnamaca.-Você pode nos dizer como fazemos para encontrar a família dele? – um dos paramédicos a

perguntou.-Hã,sim–Juliagaguejou,puxandootelefonenovamenteparaencontraronúmerodetelefoneda

casadafamíliaKolbe.–Porque?Eleaindaestáinconsciente?Oparamédicobalançouacabeça.-Não,elepodefalar.–eleolhouparaaambulânciacomumacaretadepreocupação.–Mas,ele

pareceterperdidoamemória.

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4.-Issoéi-na-cre-di-tá-vel-Gabydisse,absolutamentechocada.ElahaviaouvidotodaahistóriadeJulia sobre o acidente deMichael sem interrupção. – E você, entre todas as pessoas, encontrá-lo!Querodizer,quãobizarroéisso?

ElasestavamsentadasnoquartodeJulia,comascortinasfechadaseumamúsicanewagetocandoaofundo.Aindaestavachovendoláfora.

- Ele estavamaismorto do que vivo – Juliamurmurou, encarando o pôster deOSenhor dosAnéisnaparede,semsequerenxergá-lo.–Aquela lesãonacabeçadele...Tivepesadeloscomelaanoitepassada.

-Vocêachaqueelevaiserecuperarcompletamente?Vocêdissequeeleteveamnésia?-Foioqueoparamédicodisse.–Juliadeudeombros.Elaestavatentandosoardespreocupada,

masnarealidade,odiagnósticodoparamédicohaviadeixadosuamentegirandodesdeodiaanterior.OpessoaldohospitalsótinhaconseguidoentraremcontatocomospaisdeMichaelporqueelatinhasido obcecada pelo filho deles. Hosnestamente falando, ela não tinha o telefone de mais nenhumoutrocolegadeclassenaagenda.Michaeltinhaperdidoamemóriaeelenãoconseguianemmesmolembrarotelefonedecasaouquemeramseuspais,muitomenososeusobrenome.

Entãoporqueéqueeleaindalembravaonomedela?-Julia–elehaviasussurradoemumavozfraca.Seráqueelatinhasidomaisimportanteparaele

doqueelehaviadeixadoparecerantes?Oseuolhartinhasidodealegriaereconhecimento.Seráqueeleatinhareconhecido,sendoquenemsabiamaisquemelemesmoera?

-Sabe,eutenhoumpoucodevergonhadeterditoaqueledianobarque,pormim,elepoderiacairmorto.–Gabyadmitiu,brincandocomosanéisemsuamãodireita.–Vocêselembra?

Juliafezquesimcomacabeça.- Sim, ele quase caiu morto, mesmo. Aquele paramédico disse que ele era um filho da mãe

sortudoporsobreviveraumacidentecomoaquele.Apancadanacabeçafoidevastadora,porissoaamnésiaetudoomais.

-Bom,euficofeliz.Eunãofaleisérioquandodisseaquilo,claro.-Não,claroquenão!Ah,bem,tudooquesabemoséqueoMichaelvaiesquecerdeseusmaus

caminhosparasempre,entãoelepoderácomeçarumanovavida–Juliadisseanimada,maselasabiaque estava pedindo demais. Havia muitas perguntas sem respostas sobre a situação, que aincomodavam.

-Vocêsqueremalmoçar,garotas?–amãedeJuliagritoudaescada.–Estoufazendopanquecas.-Estamosindo–Juliagritoudevolta.-Ótimo.–Gabydeuumtapinhaemsuabarriga.–Estoumorrendodefome.Nãotomeinemcafé

damanhãainda.-Vouterquesairdepoisdoalmoço–Juliaanunciouenquantodesciamasescadas.–Voufazer

umaentrevistadeempregonalivraria.-Oh,quelegal!Mantenha-meinformada.Elas invadiramacozinhaesentaram-seàmesa.Anneestavaolhandopela janelacomumacara

ruim.-Olhaquetempofeio–lamentouela–Dessejeitonósnãovamosterminaraquelacasanaárvore

nunca.-Peraí,umpoucodechuvanãovaiassustarvocê,vai?–Gabyprovocouagarotinha.-PorquevocênãorecrutaoThorstenprafazer todoo trabalhosujo?–Juliaacrescentoucom

umapiscadinha.

Page 31: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Anneolhoudelado.-Vocêoencontrououtrodia,nãoé?ASabinemecontou.- Sim, encontrei. – Julia enfiou umpedaço grande de panqueca dentro da boca.A irmãzinha a

estavaassistindocomoumfalcão,eelanãoconseguiuevitarcorarumpouco.Annegritou:–Eusabia–dissetriunfante–Eusabiaquevocêiagostardele!GabyfulminouJuliadooutroladodamesa.–Ei!Porqueeunãosouaprimeiraasaberdisso?–elaquestionou–Quemdiaboséessetalde

Thorsten?-Éoirmãodaminhamelhoramiga–Annerespondeu,maisrápidaqueJulia.–Afamíliadeles

acaboudemudarparacá.Eeleémuitofofo.–elaolhoudeladoparaairmã.–EletambémfaloudaJuliaparaaSabine.

Juliaficouaindamaisvermelha.-Hã,ah–elagaguejou,afobadademaisparaparecerindiferente.–Émesmo?AnnedeuumsorrisolargoquecompetiacomosorrisodoGatoqueRi,detantoentusiasmo.–Sim,émesmo.–elafezquesimcomacabeça,gabando-se.GabychutouascanelasdeJuliadebaixodamesa.-Nãomeescondanada,garota.Euqueromaisinformações,imediatamente.-Sim,suaAltezaGabriella,vocêasterá.Depois do almoço, Julia e Gaby estavam caminhando para o ponto de ônibus sem conversar,

quandoJuliatentouquebrarosilêncio.–Algoestámeincomodando–elamurmurou,cautelosamente.-Desembucha–Gabydisse.-QuandoeuencontreioMichael,eleabriuosolhosedisseomeunome,masforaisso,elenãose

lembravademaisnada.Nãoéestranhoeleaindalembraromeunome?Querodizer,eletemamnésia.Gabymordeuolábio.-Porfavor,Jules,nãocomeça.Eleareconheceuantesdevoltaraficarinconsciente.Edaí?Isso

nãosignificanada.-Mas...–Juliamurmurou.-Olha,euseioquevocêquer,ok?Vocêqueracreditarqueeletemsentimentosmaisintensospor

vocêdoqueeleestavademonstrandoantesdoacidente.Mas,sério,vocênãoquerpassarporisso.Eletirouasuavirgindadeenemseimportouemligarparavocêdepoisdisso,esóporisso,eledeveriaestarna sua listanegrapara sempre.OMichaelnão temereceevocênãomerece ter seucoraçãodespedaçadoporeledenovo.

Ligeiramentesemfôlegodepoisdeseudiscurso,GabypegouamãodeJulia.-Olha,apenasesqueça-o–elaimplorou.Juliasuspirou.-Ok.Tudobem.Vocêestácerta.Eusóacheiissoestranho.- Estranho,mas é a verdade. E agora, próximo tópico: Thorsten.Quem é ele?Como ele é?E

quandovocêvaivê-lonovamente?Julianãopodiadeixarderir.-EleéirmãodaSabineeelesmoramdooutroladodarua.Eletemcabelospretoseolhosazuis.

Agoraquantoaquandovouvê-lonovamente,eunãofaçoideia.Eusóconverseicomeleporalgunsminutos.

-Então,façaofavordefazeressesminutosviraremhorasdapróximavez.–Gabypiscou.Juliaolhouparacima.-Ah,oônibusestáchegando!Vamoscorrer.

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Asduasgarotascomeçaramacorrerparapegaroônibusparaacidade.Ofeganteserindo,elasembarcaramecaminharamatéofundodoônibus.

-PossopegarmeuMP3devolta?–Juliapediu,assimqueelassentaram.Estupidamente, ela não teve mais vontade de ouvir as músicas de Gaby desde o acidente de

Michael. As músicas no aparelho de sua amiga a lembravam daquele estranho momento em queencontrou o corpo quase semvida do garoto no bosque.Ela não conseguia esquecer.Gaby podiaargumentaroquantoquisesse,masospoucossegundosemqueMichaelhaviaolhadoparaela,comaqueleolharincomum,masintensoemseusolhosverdes,estavamgrudadosemsuamemória.

-TevejonoO’Malley’sànoite–Gabydissequandoselevantouparatrocardeônibus.–Querosaberdasuaentrevista!Boasorte,querida.

Julia acenoupara ela quandoo ônibus partiu novamente.Eles iam se encontrar noO’Malley’snaquelanoite.FlorianhaviaprometidolevarMoritztambém.Otomjubilosoestavaevidentenavozdele:eleestavanasnuvensporcausadoseunovoamor.Juliasorriulevementequandoelapensounanoite no Shamrock. Ela estava feliz por Flo. Provavelmente, não demoraria muito para que elesugerisse levar o novo namorado para a viagem a Londres também.Moritz havia passado a suainfânciainteiranacapitalinglesaafinal,entãoeleseriaoguiaturísticoperfeito.

Julia foi tirada de seus pensamentos quando o telefone dela vibrou brevemente em seu bolso.Provavelmentealgumaoutramensagemdealguémdaturma.

Ela pegou o telefone, mas parou de respirar quando ela viu a notificação na tela: “1 novamensagem.Michael.”

Aspalavraspularamemsuadireção,fazendoseucoraçãoaceleraraumritmoperigoso.GraçasaDeus,Gabynãoestavaaliparatestemunharsuareação:elaprovavelmenteteriadadooutrosermãosobreelaterqueesquecê-lo.

Comdedostrêmulos,elaclicounoíconedamensagem:“Ei,Julia:)passadaquidps?bjsMick”Julia ficou pasma com o “bjs” no final da mensagem. Provavelmente não significava nada.

Nadinha.Elesóqueriaagradecê-laportê-losalvodeumamorteprematuranomeiodobosque.Nadaparasealarmar.Talvezasuamãequisessedaraelaumacestadefrutas,ouseupaiquisesseconhecê-ladepoisdoterrívelacidente.

Com um suspiro frustrado, ela levantou os olhos da tela, pensando em uma resposta razoávelparaamensagem,quandopercebeuqueoônibushaviachegadoemseuponto.Asportasjáestavamquasesefechandonovamente.

-Espere!–elagritouparaafrentedoônibus,prendendoabolsadelanoombro.–Precisodesceraqui!–elaviuacaretairritadadomotoristanoespelhoretrovisorquandobloqueouosensorcomopé,fazendoasportasseabriremnovamente.

Corada,elasaiuesesentounopontodeônibus.“vcvaiestaremcasaàs3?”Ela digitou depois de pensar muito, sem colocar o seu nome ou “bjs” de propósito. Melhor

parecerdistanteporenquanto.Ela estava quase se levantando quando seu celular tocou em sua mão. Ah, Senhor, ele estava

ligandoparaela.Juliaengoliuseco.Avibraçãodoaparelhopareciazumbirportodoseucorpo.Vezapósvez,elezumbiaemsuamãocomoumexamedeabelhasraivosas.

Agarotaqueestavasentadapertodelaolhouparaolado,confusa.-Vocênãovaiatender?–elaperguntou.-Não.Achoqueaindanãoestoupreparadaparaisso.Agarotariu.-Deixacairnocorreiodevoz.Talvezeledeixeumrecado.

Page 33: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Juliaabafouumarisadanervosa.-Boaideia.Ela se levantou apressadamente. Se não andasse logo, estaria atrasada para sua entrevista de

emprego,tudoporficarremoendoamensagemdeMichaeleseuconvite.Murmurandoumpalavrão,ela cruzou para o outro lado da ponte que levava àCidadeVelha. Por que, por que ela não tinhaseguidooconselhodeGaby?Eladeveriaterignoradooconvite.Porqueeratãodifícilabandonaraobsessãoporele?Eleatinhatratadocomolixo.Elanãotinharespeitoporsimesma?

Aindamentalmentesepunindo,cortoucaminhoporbecosestreitosparachegaràpraçaprincipal,cruzando-aemaltavelocidadeparachegaremfrenteàlivrariaàsduashoras.Doladodefora,Juliaviu um homem de bigode enchendo uma estante de livros com títulos em promoção. Elamomentaneamentesecurvouparapegarfôlego,entãosedirigiuaele.

-Comlicença.–elalimpouagarganta.–Estouaquiparaoemprego.OsenhorHaiderestámeesperandoàsduashoras.

Ohomemsevirou.-JuliaKandolf?–eleperguntou,estendendoamãoalegrementeparaela.–SouMartinHaider,o

gerente.Vamosaomeuescritório.Juliaentrounalivrariaeseguiuseupossívelfuturochefeparaumescritórionosegundoandar.

Ela havia trazido o currículo, o qual o senhor Haider olhou enquanto ela tomava um gole doirrecusável“cafédeentrevistadeemprego”.Vezououtra,eleperguntavaalgumacoisaparaela.Elagostoudele:eletinhasensodehumorenãoperguntavaasmesmascoisasdesempre,àsquaiselajáestavaacostumada.

-Qualoseuautorfavorito?–elequeriasaber,entregandoumasegundaxícaradecaféqueelanãoseatreveuarecusar.

Juliasorriu.-StefanZweig.Eleconseguetransformarumapequenapartedavidaemalgograndioso.Elefaz

vocêpensarduasvezessobrecoisascomuns.Martin acenou entusiasmadamente, colocando a sua assinatura no formulário que estava

preenchendo,comoseasuarespostativessefechadoonegócio.Eleestendeuamãonovamente.-Bem-vindaàequipe!Vocêpodecomeçardepoisdeamanhã?-Claro!–elasorriuparaele.–Muitoobrigada.-Denada.Ficofelizpor tê-laconosco.Umdenossoscolegaspassaráasorientaçõesavocê.–

Martindeslizouoformuláriopelamesa.–Vocêpodepreenchercomosseusdadoseassinaraqui,porfavor?

AssimqueJuliadeixoualivraria,elapegouotelefoneparamandarumamensagemaGabysobreabem-sucedidaentrevistadeemprego.

“1novamensagem.Correiodevoz.”O display a avisou, impassível. Com dedos nervosamente trêmulos, fechou a notificação e

começouadigitarumamensagemparaaamiga.Depoisdeenviá-la,respiroufundoeligouparaocorreiodevoz.

-Oi,Julia.–avozprofundaesexydeMichaelsederreteuemseusouvidos.–Claroqueeuvouestaremcasaàstrês.Venhaetomeumchácomigo!Tevejomaistarde.

Ótimajogada.Juliaficouvermelhacomoumpimentão.Emmenosdevinteminutos,elaestariatomandochácomasuaobsessãodocolegiale ignorandotodososavisosdeGaby.Michaelmuitoprovavelmenteestariasozinhoemcasa,porqueseuspaistrabalhavamodiatodo.

Relutantemente,ela saiudapraça,perguntando-se,emdesespero,onde foiqueascoisasderamerrado.ElaestavapraticamenteprontaparapartirparaoutraquandosetornouasalvadoradeMichael

Page 34: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

nafloresta.Porqueelaestavatãoimpressionadacomofatodequeelehaviamurmuradooseunomequandooencontrou?Edaí?

Quando Julia tocou a campainha da grande casa em Giselakai, às cinco para as três, toda acoragem a abandonou. Ela não tinha a mínima ideia do que estava fazendo ali. Apenas para sereducada,elaescutariaMichaelexpressarsuagratidãoesairiadaliomaisrápidopossível.

-GrüssGott–elagaguejousurpresaquandoumamulhercinquentonaabriuaporta.Elatinhaosmesmos olhos verdes de Michael. Julia pensou tê-la reconhecido da cerimônia de formatura naescola.–O...OMichaelestáemcasa?

- Ele está esperando por você. – a mulher estendeu a mão. – Eu gostaria de agradecê-lapessoalmente,Julia.Semvocê,ascoisaspoderiamteracabadodeumjeitobemdiferente.

-Nãohádeque.Ela não conseguiu evitar um tom de desapontamento aparecer em sua voz. Então aquela era a

razãopelaqualMichaela tinhaconvidado.Suamãegostariadeagradecê-la,apenas isso.JulianãoficarianacompanhiaapenasdeMichaeleeleprovavelmentenãoestavacontandoqueelaficassepormuitotempo.

-Porquevocênãovaivê-loláemcima?–amãedeMichaelconvidoucomumgesto.–Eleestánoquartodele.Eeleestábemmelhor.Aamnésiapassou.

Juliapiscouparaela.-Ele...Elerecuperouamemória?Entãoporqueéqueelequeriavê-la?Eleselembravadetodasascoisas,inclusiveapartesobre

elasertotalmenteinsignificanteparaele.Amulhersorriuradiante.-Sim!Nãoémaravilhoso?Milagrosoatéparaosmédicos.AfelicidadequeirradiavadorostodelainfelizmentenãoeraosuficienteparafazerJuliasesentir

igualmente animada. Ela se arrastou escada acima até o segundo andar, o coração martelandonervosamente.

Naúltimavezqueelahaviasubidoaquelasescadas,amãodeletinhaacariciadoosseuslábios,abocadelefazendoumatrilhaquentepeloseupescoço.Rindoeembriagadadeamor,elatropeçounodegraumaisaltoeeleasegurouemseusbraçosfortes.Seusolhosficaramembaçados.

Ela apenas percebeu que estava chorando quando se olhou no comprido espelho da parede aoladodoquartodeMichael.Elafungou,frustrada,procurandoemsuabolsaporumlençoparasecaras lágrimas.Claro, ela não deveria se importar com o queMichael pensava sobre ela,mas a suaindiferençaàopiniãodelenãosignificavaqueeladeveriaentrarchorando.Elaeramuitoorgulhosaparaisso.

Quando,enfim,abriuaportadoquarto,elaseesforçouparamanterumaexpressãoimpassível.-Oi–disseelasuavemente.Michaelestavasentadonabeiradadesuacamacomumabandagemaoredordesuacabeça.Ele

ergueu os olhos para ela e seu coração parou de bater por um instante.Mais uma vez, ela teve asensaçãodequeeleestavaaolhandodeumjeitonovo.Comoseelerealmenteavisse.

-Julia–respondeu,demodoigualmentesuave.Eledisseoseunomecomumaalegriaóbviaemsuavoz,eelanãoconseguiuevitaresboçarumsorrisonoslábios.Eleselevantouedeuumpassoemsuadireção,seusolhosnuncadeixandoosdela.–Émuitobomvervocê.

Ela rapidamente desviou o olhar, olhando para os seus pés no carpete, totalmente confusa.Nochão,sobacamadele,elaviuumexemplardeChessNoveldeStefanZweig.Próximoaele,estavaacaixadoálbumWatermark,daEnya.Sóentãoelapercebeuqueasuamúsicafavoritaestavatocando.Era como se estivesse entrando em seu próprio quarto, como seMichael pudesse ler suamente equisessefazê-lasesentiremcasa.

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Derepente,lembrou-sedeterassistido,comaavó,aumprogramadeTVsobreexperiênciasdequase-morte. Eram entrevistas com pessoas que tinham tido um encontro com a morte, mas quevoltaramàvidae,daquelemomentoemdiante,eramcapazesdesentireverascoisasqueaspessoasnormaisnãopodiam.SeráqueeraalgoassimqueestavaacontecendocomMichael?

-Ébomestaraqui-elarespondeu,comumtomquasedepergunta.Eramesmo?Michaelcolocouamãoemseuombro.Quandoergueuosolhosdevoltaparaele,elaviualgoem

seuolharquenãoconseguiaidentificardireito,umaespéciedemelancoliaestavaescondidaemseuolhar;umtipoqueJulianuncatinhavistoantes.

-Issodeveserdifícilparavocê-elefalouemvozbaixa,apontandoàsuavolta.-Vocênãotemboaslembrançasdestequarto.-seuslábiosformaramumsorrisoamargo.-Oudemim.

Elasentiuumapunhaladaemseucoração.Porqueeleachavanecessário trazerà tonaa formacomo as coisas tinham acontecido entre eles? Se ele lamentava a forma como a tratara, poderiasimplesmentepedirdesculpas.

-Porquevocêmeconvidou?-eladeixouescapar,olhandoparaelecomcuriosidade.O olhar deMichael se acendeu suavemente, um sorriso se espalhando por seu rosto. Não um

sorrisoprovocador,nemumsorrisozombeteiro:eraosorrisomaisgenuínoqueelahaviavistoemseurosto.Elepareciaencantado,arrebatadocomoumacriançavendoanevepelaprimeiravez.

-Porqueeuqueriavervocê–eledisse,chegandomaispertoepegandoamãodela.–Euestavadormindo,vocêmedespertounovamente.

Juliafechouosolhosdesanimada.Claroqueeleeragratoaelaporresgatá-lodosonoeterno.Eratudogratidão.Eleprovavelmenteeraorgulhosodemaisparapedirverdadeirasdesculpas.Talvezelaestivesseansiosademaisporacreditarqueelepudessetermudado.

-Tenhoqueir.–elacuidadosamentetirousuamãodoalcancedele.-Já?Vocêacaboudechegar.Eladeudeombrosenãorespondeu.Michaelsuspirouaudivelmente.-Fiquesómaisumpouco–eledisse,comvozrouca.Sério, qual era o problema dele? Ele parecia tão diferente do seu jeito normal. Cheio de um

desejoqueelanãohaviaouvidoemsuavozantes, aindaqueela tenhadesejadoouvir aquilo comtodoseucoração.

-Estouindo.–elasemantevedeterminada,apesardeseuspedidos.–Obrigada.Eleaolhou,mudoporummomento.–Peloquê?–eleperguntou,parecendoconfuso.Juliacorou.-Peloseuagradecimento.–elamordeuolábio.Elebalançouacabeça.–Vocêestámeagradecendoporeuterteagradecido?–eledisse,umevidentetomdeprovocação

emsuavoz.-Hã,sim.–elariudesimesma,dandodeombrosnovamente.Elesegurouumarisada,umbrilhodivertidoemseusolhos.Juliasentiuseusjoelhoscederem,sua

determinaçãosederretendocomoumpicolénoSaara.Elatinhaquefugirdelenaqueleinstante.Gabyamataria se soubessedaquilo.Ela se afastouemdireçãoàporta, repetindo internamenteomantra“listanegra,listanegra”.

-Vocênãoquerumchá?–Michaelapontouparaachaleiraeduasxícarasnamesinhaaoladodesuacama.

- Eu realmente tenho que ir – Julia respondeu, afastando-se mais alguns passos. – Axel estáesperandopormim...

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Sua voz ficou presa em sua garganta quandoMichael eliminou a distância entre eles em doisgrandespassosecolocouasduasmãosemseusombros,seuolharpenetrandoodela.Juliaparouderespirarquandoeleseinclinouemdireçãoaelaeabeijousuavementenatesta,seucorpotãopertoqueelatevevontadedeseencostar.

-Tevejoembreve–prometeuele.Oquefoiaquilo?Seusmembros ficaram frios.Michaeldisseraexatamenteasmesmaspalavrasque tinhaditona

manhãseguinteemquehaviamdormidojuntos.Amanhãseguintenaqualelenãohaviaseimportadoemligardevoltaparaela.

Segurandoochoro,Juliaoafastou.Elanãoqueriaqueelevissesuaslágrimas.Comoeleousavainvadiravidadelanovamente,depoisdeabandoná-lademodotãoinsensívelalgunsdiasatrás?

-Adeus.–elaengasgou,antesdesairportaaforaedescerasescadascorrendo.Semolharparatrás, ela abriuaportada frentee correuporGiselakai.Michael teriaonobre trabalhodeexplicarpara suamãeporqueela estava fugindo.Aquela era aúltimavezqueela colocariaospésnaquelelugar.EramuitoperigosoficarpertodeMichaelporqueeleaindatinhaacessoaoseucoração.

Quandoseacomodounobancodopontodeônibus,Julianotouqueduasnovasmensagenshaviachegadoemseutelefone.Elaabriuasduas:

‘parabénspelotrabalhonalivraria,garota!!bjsGaby’‘nãoqueriatemachucar.desculpe.bjmick.’Ela olhou para a segundamensagem com os olhos avermelhados, olhando a hora em que ele

havia enviado amensagem.Tinha sido logodepois de sair correndopela porta.Então ele pareciamesmoseimportarcomosseussentimentos.Masporqueagora?

Juliasuspirou resolutamente,colocandoocelularde lado.SeaomenoselapudessecolocardeladoossentimentosquetinhaporMichaeldamesmaformaresoluta,asuavidaseriabemmaisfácil.

Naquelanoite,Juliaentrounobarusandoumnovovestidodeverão.Omautempododiaanteriortinhaidoembora.EraumaabafadanoitedeverãoetodaajuventudedeSalzburg,queaindaestavanacidade,pareciaterseencontradonoO’Malley’s.Juliapodiaquasesesentirdespreocupada,nãofossepelofatodequeavisitaaMichaelaindaaestavaincomodando.

-Ei, pessoal! – ela chamou entusiasmadamente, caminhandopara amesa ondeAxel, Florian eMoritzestavamsentados.–Asgarotasaindanãochegaram?

-Forambuscaralgumasbebidasparaagente.–Axelsorriu.Juliaergueuumasobrancelha.-Entendi.Cavalheirismojáera.Florianrevirouosolhos.-Axelestáapenasbrincando.TameGabyaindanãochegaram.Vamospegaralgumasbebidas?–

elecutucouomoicanoroxodeMoritz.Florianeseunovonamoradoforamemdireçãoaobardemãosdadasesorrindomelosamenteumparaooutro.

-Então, comovocêestá?–Axelperguntou seriamentequandoelapegouobancoao seu lado.JuliatinhaconversadocomelepeloFacebookdepoisdoacidenteecontouaoprimotudosobreasuaoperaçãoderesgatenobosque,maselesaindanãohaviamconversadosobrecomoasituaçãoahaviaafetado.

-Estoubem.–eladeudeombros.–Oqueeupossodizer?Mundopequeno.- Mundo estranho – Axel complementou, com uma careta. – Quero dizer, você, de todas as

pessoas,viraosocorrodele.Alémdisso,Kolbeestáagindodeumjeitomuitoestranho.Naverdade,nãopoderiasermaisestranho.

Juliaolhouatentamenteparaele.

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-Oque...Oquevocêquerdizer?–elagaguejou,seguindooolhardeAxelemdireçãoaobar.Elasentiu seu estômago revirar quando viu uma cabeça conhecida, com cabelos castanho-claros. –Oque?Eleestáaqui?!

-Comovocêpodever–Axel respondeu secamente. –Ecomoeudisse, ele está agindomuitoestranho.Muitobonzinho.

Julia travousuamandíbula,olhandoconsternadaparaMichael.Ok, issoeraabsurdo.PorqueéqueMichaelsimplesmentenãosumiadasuavidaparasempre?Oqueéqueeleestavafazendoalitãocedo depois de um acidente quase fatal? Ontem mesmo, ele estava sangrando em seu colo. Eledeveria ircomcalma, ficaremcasae irparaacama logodepoisdeVilaSésamo.Ela tevequeseconterparanãoiratéeleedaralgunsbonsconselhosmédicosnãosolicitados.

-Quandoeuchegueiaquimeiahoraatrás, eleestava jogandodardoscomdoisamigos–Axelcontinuou,aparentementeignorandooturbilhãonointeriordela.–Eledisseoi,entãomeperguntousepodiacomprarumabebidaparamimeseeuqueriamejuntaraeles.Sério,eumesentiemTheTwilightZone.EufiqueiconversandocomelesatéunscincominutosatrásquandoFlorianeMoritzfinalmentechegaram.

-Ah.Acheiqueeleficavaapenascomoscaraslegais.Axelsorriu.-É,euconcordo.Querodizer,eumeamodojeitoquesou,maseupossoverqueler,consertar

computadoreseconstruir aeroplanospodenãoserconsiderado legalporSuaAltezaKolbe...–eleapontouumdedoaMichael.–Atéagora,pelomenos.

-Bem,comoeletepareceu?–Juliaperguntouemumsussurro.–Eletedissealgumacoisa?Axelfezumacaretaparaabolachadechopequeeleestavapicotandoemsuasmãos.–Sim,claro,nósconversamos.Sabe,issopodeparecerestranho,maseutiveanítidasensaçãode

queeleestavadiferente.–eleolhouparaaprima.–Vocêachaqueapancadanacabeçafezalgumacoisacomele?

Juliaprendeuarespiração.EntãoAxeltambémhavianotado?Michaelrealmenteestavaagindodemodoestranho.Oqueéqueaquilotudosignificava?

Naquelemomento,Florian eMoritz voltarampara amesa, e para aumentar o seu espanto, viuMichaelvindoatrásdeles,fazendocontatovisualcomela.

Eentãoeleestavanamesadeles.-Ei,você–eledisse,encostandoosbraçosnamadeiradamesadobar,seusdedosencostando

nosseus.–Eaí?ElaorouaDeusparaqueelenãomencionasseasuavisitanaquelatarde,porqueissosignificava

queelateriamuitooqueexplicaraosgarotos,semmencionaraGabyseelaficassesabendodaquilo.-Estoubem–elarespondeu,evitandooseuolhar.Elatinhamedodeficarvermelhaseolhasse

nos olhos dele por muito tempo. Michael estava realmente muito bonito naquela noite. Ele tinhaaquelecaracterísticosorrisoirresistívelnoslábioseseusolhospareciamgentiseamigáveis.QuandoJuliafinalmenteousoulevantaroolhar,elepegouemsuamão.

-Vocêquerjogardardoscomigo?–eleperguntou.Juliasentiuapeledesuamãoesquentarsobosdedosdele.–Eunãoseijogardardos.–elachiou.Elesorriu.-Entãoeuvouteensinar.Elabalançouacabeçacomfervor.-Não,euestoufalandosério.Eunãopossojogar.Eusouumdesastre.Vocêpoderiaseropróprio

PhilTaylore,mesmoassim,nãoconseguiriameensinar.

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-Eupossoafirmarisso.–Axelconcordou.–AúltimavezqueeujogueidardoscomaJulia,umdosdardosdelaacabounomeusapatoenãonoalvo.

-Jáquevocêjáescapouporpoucodamorteessasemana,eunãoarriscaria.–Florianadicionoucomumapiscadela.

- É, falando nisso, como está a sua cabeça? – Axel perguntou com curiosidade. – Você estáautorizadoasairnovamente?Omédicoestádeacordocomisso?

Michaelfezquesim.-Sim.Aferidaestáquasecurada.Lánohospital,disseramquefoiummilagre.Éporissoqueeles

mederamaltaessamanhã.Nosilêncioqueseseguiu,ogrupotodoolhouboquiabertoparaele,semacreditar.Axellimpoua

garganta,comoseestivesseprestesafalarmaisalgumacoisa,quandoMichaelseviroueavançouemdireçãoaoalvo.

–Vou voltar aomeu jogo – ele disse, parecendo repentinamente apressado.Ele olhou de ladoparaJulia.–Vocêtemcertezadequenãoquermeacompanhar?

Elabalançouacabeça.Axel,FlorianeMoritzoassistiramiremdireçãoaooutro ladodobar,aindacomosqueixoscaídos.

-Quasecurado?–Juliarepetiu.–Issoéimpossível.Euseicomoestava.-Oquemedeixamaisperplexodoqueaferidanacabeçapraticamentecurada,éoseujeitinhode

bommoço–disseFlorian,atordoado–Imagineaminhasurpresaquandoeleapareceudomeuladono bar e puxou um assunto, do nada! Ele ainda me parabenizou pelo novo namorado! Kolbe, oentusiastadosgays!

-Ah.Elerealmenteodeiaosgaystantoassim?Floriannuncahavia lheditonada.Ela estavacomeçandoadescobrir todo tipodecoisas sobre

Michaelenãoestavagostandonemumpouco.Então,novamente,eleparecia terumnovolado,derepente.

-Bom,elenuncameameaçououmeassedioudescaradamente.–Floriandeudeombros.–Elesimplesmentedavaunsolharesdesdenhososdepoisquehaviaficadoóbvioqueeuestavajogandonooutrotime.Vocêsabe,comseujeitonormalmentecondescendente.

-Peloqueeuvi,elepareceserumcaralegal–Moritzcontestou–Elenãomepareceumapessoanemumpoucoarrogante.

- Eu sei! É disso que eu estou falando – Florian exclamou – Ele está diferente. Elemudou. –pensativamente,ele tomouumgoledesuacervejaepegouumpunhadodeamendoinssalgadosnatigelaquehaviamtrazido.

-Oquevocêachaqueaconteceucomele?–Axelperguntou,pensativo.-Quemsabe?–Juliamurmurou–Eleteveumaexperiênciadequase-morte.Issodevetercausado

algonele.OsolhosdeFlorianseabriramemrepentinasurpresa.-Jules,éisso.–elebateunamesacomopunhocheiodeamendoim.–Elechegouàsportasdo

céu.-A-hã.Vocêacha?–Axelbufou.-Sim.EeleseencontroucomSãoPedroououtrapessoa.Eessesantodissequeelesópoderia

continuarsuavidanaterraseeleamelhorasse.Axelsorriu.-Claro,Flo.Deveser isso!Elefoichantageadoporumapóstolo.Deus,eunãopossoacreditar

queeunãopenseinisso.Juliariu,mastentoupararquandoviuoolharofendidonorostodeFlorian.Elanãodeveriarir

deleporsuateoria.Naverdade,elateriapensadoemalgomaisoumenosnamesmalinha;Axelsó

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fezaquiloparecerengraçado.-Hámuitashistóriasdepessoasquevoltaramdosmortos.–Moritzapoiouonamorado.–Eles

dizemqueviramparentesmortos,oualgumtipodeluzbrilhante,pacífica.OquequerquesejaqueesseMichaelencontrou,devetê-lomudado.

TodomundoestavaponderandosuaspalavrasquandoaportadobarseabriueGabyeTamaraentraramcorrendo.

- Queridos! –Gaby gritou, desfilando em direção a eles com Tamara em seu rastro. –Vocêscomeçaramabebersemnós?Quevergonha.

Axelselevantoudoseubanco.-Deixe-me provar que o cavalheirismo nãomorreu – ele disse, piscando para Julia. –O que

vocêsduasgostariamdebeber?–eleperguntouàsduasgarotas.EnquantoAxelsaíaparabuscarbebidas,GabyesuairmãseapertaramentreFlorianeJulia.-Nãoacreditonessecalor!–Gabybufou.Elaestavavestindoumtoplistradodepretoecinzae

umenormepentagramaroxopenduradoemumacorrenteaoredordoseupescoçoparacombinar.–Primeiro cai uma chuva suficiente para fazer Noé trazer a arca novamente e agora é como se aÁustriativessesidorealojadaparaostrópicos,dodiaparaanoite.

-Fique feliz -Floriandisse–Vocêestá trabalhandonaescoladeequitaçãonesseverão,certo?Nadadiz"essetrabalhodetemporadaéumadroga"melhordoqueterquetrabalharaoarlivrecomchuvasodiainteiro.

-Eugostodosol,éclaro.Masnãotantoassim.-Masentão,comovaivocê?–TamarasevoltouparaMoritz.–Maisalgumshowestasemana?OsolhosdeMoritzcomeçaramabrilhar.-Naverdade,euestavamesmoquerendocontaratodosvocês.Nossabandafoiconvidadapara

tocaremumclubeemCamdenTowndaquiaummês.-QueficaemLondres–Florianexplicou.-Maravilha!–GabyeTamaraexclamaramaomesmotempo.-Épor issoqueeupenseiquepoderia serumaboa ideia irparaLondresnamesmasemana–

Floriancontinuou,avaliandoasreaçõesdeles.–Assim,podemosverMoritzeabandatocarem,quetal?

-Claroquesim–Juliadisseentusiasmada,olhandoparaosrostosdeseusamigos.–Eletemqueterseusmaioresapoiadorescomele.Eemretribuiçãoànossapresença,elepodesernossoguiaemLondres.

-Estaremoslá.–Gabyacenou.–Nemprecisafalar.Moritzpareciagenuinamentefelizcomumlargosorrisoemseurosto,quepareciaumacriança,

apesardomoicanoedospiercings.Axel voltou trazendo duas bebidas, apertando-se entre Gaby e Tamara enquanto colocava as

cervejassobreamesa.-Aquiestá,garotas.-Quantoestamostedevendo?–Gabyperguntou,procurandoporsuacarteiradentrodabolsa.-Umbeijosincero,querida.Oquemais?–Axelpiscoulascivamente.-Pareceumbomnegócioparamim.–GabyseaproximouebeijouorostodeAxel.–Porsinal,

nós temos que te contar os novos planos para Londres. – ela tagarelava sem parar. –Moritz estáprestesafazerhistórianaInglaterra.Ouçaisso.

ConformeGaby,FlorianeTamaraatualizavamAxel sobreosdetalhesdosaltoparaa famadeMoritznomêsseguinte,Juliaobservavaseuprimosobreabordadoseucopodecerveja.Elapoderiaestarenganada,mastinhaquasecertezadequeeletinhaficadoligeiramentevermelhoquandoGabyobeijarahápouco.Oesboçodeumsorrisocruzouseurosto.Elanuncahaviapensadonaquilo.

Page 40: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

- Como é que é? – Gaby repentinamente bradou olhando em direção ao alvo, seu olhosarregalados.–Meusolhosestãomeenganando?ÉoMichael?Elenãodeveriaestarnohospital?

Julia gemeu internamente. De novo não. Ela estava farta das histórias sobre a maravilhosarecuperaçãodeMichael.Alémdisso,elanãoqueriaestarsujeitaaoolharinquisidordeGabyquandoAxel eFlorian contassemque ele ahavia convidadopara jogardardos.Se ela começasse a corar,Gabyacabariacomela.

- Vou para o banheiro – ela anunciou abruptamente, caminhando por entre a multidão doO’Malley’ssemolharparatrás.Elaolhavasempreemfrente,paraseassegurarquenãocruzariaoolharcomumcertoalguémquandopassassepelaáreadosjogos.

QuandoJuliasaiudobanheiro,Gabyestavaesperandoporelanaporta.–Desculpe ter falado nele – ela se desculpou, parecendo sentida. –Axelme disse que você já

conversoucomMichaeleoquantoeleadeixounervosa.-Bem,nervosa...–eladeudeombros.-Enãoédesesurpreender.Querodizer,sério,oqueeleestáfazendoaqui?Elenãodeveriaestar

na cama comalgum remédio na veia?Parece que nada aconteceu comele.Boa jogada, por sinal,recusaroconviteparajogardardos.Aquelecretino.

-Sim,penseique fossemelhor evitá-lo.– Julia sentiu seu rostoesquentar.NãoporqueGabyatinhaelogiado,masporqueelaestavamentindodescaradamente.ElanãoqueriaevitarMichael.Elaqueriasaberoqueestavaacontecendocomele,oqueohaviamudado,masaomesmotempo,suavozinteriorconcordavaplenamentecomGaby.

Fazendoumacareta,elaseguiuGabyese juntouaogrupo.QuandoMichaeldeixouobarcomseusamigos,cercadedezminutosdepois,eleaolhouporsobreosombrosechamousuaatenção,sorrindo-lhecalorosamente.Juliamordeuolábioedesviouoolhar,semsorrirdevolta.

-Muitobem.–Gabymurmuroupróximoaela.–Ignore-o.Elefezomesmocomvocê.-EntãovamosaoShamrockdapróximavez?–Juliaperguntou.Assim,elapoderiapelomenos

evitardeseencontrarcomMichaelcomtodososseusamigosporperto.Florianacenouvigorosamente.-Boaideia.Estoutefalando,esselugarébomparanossasvidasamorosas.Apostoquevocêvai

conheceralguémparaseroseucavaleirolátambém,donzelaJules.Gabyacutucou.- Talvez você devesse convidar Thorsten para ir conosco – ela sugeriu, erguendo as

sobrancelhas.-QueméThorsten?–orestodogrupoperguntouemuníssono.Juliarevirouosolhos.-Deus,obrigada–elaresmungou.Gabydeuumlargosorrisoaela.-Denada.Éhorademudarosares,querida.Namanhãseguinte,Juliaacordoucomosomdeumamúsicaqueinvadiaasfinasparedesdoseu

quarto.Aparentemente,AnneestavaassistindooseuDVDdoSenhordosAnéispelamilionésimavezenoúltimovolume.

Elabocejou,pegandoocelularemcimadocriado-mudoparaolharashoras:oitoemeia.Cedodemaisparaseracordadaemumdiadeférias.Suairmãzinhaestavaarriscandoaprópriavida.

Ainda lentade sono, Julia se levantoue searrastoupara foraparabaternaportadoquartodeAnne.

-Ei!–elagritou–Seráqueoshobbitspodemcantarumpoucomaisbaixo?Algumaspessoasestãotentandodormir,sabe?

Page 41: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Ela ouviu Anne caminhando ruidosamente pelo quarto. A porta se abriu, mostrando a suairmãzinhacomosorrisomaisadorávelpossível.

-Querassistircomigo?–elapediu,seusolhosbrilhando.–Eupegueileiteecookiesparanósláembaixo.

Juliasegurouosorriso.-Porquenão?Estouacordadamesmo.–elaqueriaparecermalhumorada,maspercebeuquenão

conseguiria. Era ela quem acordava antes de qualquer um esperando pela irmã lá em baixo comcookieseleite,paraassistiremdesenhos,quandoopaidelasaindaestavaemcasa.OfatodequeAnnequeriafazeramesmacoisa,afezseemocionarumpouco.

JuliasesentounacamaeassistiuAnnecolocarumcopodeleiteparaela.Elaaceitouoleiteeumpratodecookies,escorregandoparaaesquerdaparaqueAnnepudessesesentaraoseulado.

SuairmãtinhapausadooDVD.Legolasestavacongeladonatela,apertandoosolhosparaolharparaohorizonteefazerumadesuasobservaçõesóbviasdecapitãodoselfos.

-Jules–Annemurmurou,próximoaela,mastigandoumcookie.–Vocêachaqueopríncipedasárvorestambémpodetercabelosloirosecompridos?

OsolhosdeJuliasevoltaramdolindoLegolasnaTVparaosolhosquestionadoresdeAnne.- Claro. É um conto de fadas e você o imagina como quiser. Se o seu príncipe tem cabelo

compridoeloiro,ahistóriaseadapta.–elacutucouAnne.–Essaéagraçadesonhar.-Nãoémelhorquandoumsonhosetornarealidade?–Anneperguntoutimidamente.Juliaficouemsilêncio,mordendoolábio.Elanãosabiaoquedizer.-Algumasvezes,eusonhoqueopapaivoltaamorarcomagente–Annecontinuou,aindamais

baixo,pegandoabainhadeseupijama.Juliaengoliuseco.-Querida,émelhorseelenãovoltar.–elaacariciouocabeloloiroescurodairmã.–Amamãe

estámuitomaisfelizsemele.Elesbrigavamotempointeiro.-Amamãeestábravacomele–Anne sussurrou–Porqueelenuncavemnosver.Euouviela

conversandocomavovó.JuliapuxouAnneparaumabraço.-Araivadelavaipassarumdia.Elavaientenderquenósnãoprecisamosmaisdele.Elaestános

criandoenósaamamosmuito.UmesboçodesorrisocruzouorostodeAnne.-Issofoioqueavovótambémdisse.Juliariu.-Avovónãoéumamulhermuitoesperta?AnnesesentoueolhoupensativaparaoelfonaTV.-Aindaassim,euachoqueoscontosdefadaspodemvirarrealidade.Vocêachaqueopríncipe

poderiaterolhosazuistambém?Juliafranziuatestadiantedaexpressãosonhadoradairmã.Derepente,ficouclaroparaela.Seria

possívelqueasuairmãzinhaestavasecretamenteapaixonadaporThorsten,onovovizinholindo,eporseusolhosazuisbrilhantes?

- Sim, definitivamente ele pode. – ela entrou na brincadeira. – Longos cabelos loiros e olhosazuis.Éoseucontodefadasevocêtemosdireitosdeilustração.–elapiscou.

Anneconcordousatisfeita.-O príncipe nunca vai revelar o seu verdadeiro nome– ela declarou, de forma pedante –Ele

permanecerá ummistério para os adultos ao redor dele, porque eles não podem vê-lo como elerealmenteé.

Juliasorriu.

Page 42: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Talvezvocêdevesseescreverumlivro–elasugeriu.Percebendoqueelaestavalevandoaideiaasério,continuou.–Sério,vocêdeveriamesmo.Vocêtemtalento.Vocêtemumaformamaravilhosadeseexpressar,Anne.

Elaabraçouairmãdenovo,bemapertado,atéqueAnnecomeçasseagritareespernear.Quandoamãedelasacordou,umahoradepoisedesceuparaprepararocafédamanhãparaelas,Juliaestavabemmaisanimadacomohámuitotemponãosesentia.

-Voucorreratéavovó–elaanunciounamesadocafédamanhã,enfiandoumenormepedaçodeomeletenaboca.–Querqueeulevealgoparaela?

-Não,nãoprecisa.Voupassarláestanoitetambém–respondeuaSra.Gunther–Voutrabalharnoturnodatarde,entãoeuvouvisitá-ladepoisecozinharparaela.EsperoquevocêpossafazerojantarparavocêeparaAnne.

AmãedeJuliatrabalhavacomogerentedelojaemumsupermercadoemEichet.-Claro,voupensaremalgo.–JuliadeuumapiscadelaconspiratóriaparaAnne,quesignificava

“pizzaesorvete!”.Airmãlhedevolveuumsorrisolargoebobo.-PossoirbrincarcomaSabineestatarde,mamãe?–Anneperguntou.-Claro.Naverdade,vocêvai terque ficarnacasadaSabine.Alguém temque tomarcontade

vocênãoé?Eujácombineicomamãedela.Depoisdocafédamanhã,Juliapegouseucaminho.Eraumdiagostosoeensolarado,masfortes

ventosestavamsoprandonafloresta.Depoisdedezminutos,elaestavatremendocomabrisafriaedecidiufazerumintervalo,seenrolandopertodoseucarvalhoesecandoosuorquelheescorriapelasobrancelha. Não era apenas o frio que a estava fazendo estremecer: algo parecia diferente nafloresta. As folhas sobre a sua cabeça sussurravam sem parar,masmesmo assim havia um certosilêncionaflorestaqueelanãoconseguiaexplicar.Eraquasecomoseaflorestaestivessesegurandoarespiração,esperandoporalgo.

Julia encostou sua cabeça no enorme tronco da árvore, ouvindo o sangue correndo por suasorelhas.

-Oi,Sr.Carvalho–eladissebaixinho,colocandoasuamãonasraízessobseuspés.Nadaaconteceu.Oestranhosilêncioestavaagorapor todaaparte, jáqueasfolhasdasárvores

haviamparadodefarfalhar.Ocarvalhonãoarespondeu.Julianãopôdedeixarderevirarosolhosparasimesma.Porqueelaestavasendotãoridícula?

Elanãotinhadecididodizeradeusaoscontosdefadascomosquaistinhaserodeadoparaafastararealidade?Ealiestavaela,pensandoquepodiasecomunicarcomumaárvore.Estavaclaroqueelaestavamaluca.

Comumacaretaemseurosto,Juliaselevantounovamente.Obosquenãoestavatrazendoapazqueesperava.Naquelamanhã,aenergiahaviasedissipado.

Saiucorrendo,aindasesentindoconfusa.Atéagora,elatinhasempreconseguidodesacelerareparardepensarnosproblemasnaquelelugar,masnaquelediatinhasidodiferente.Obosquepareciamudadooutalvezeraelaqueestavadiferente.Elanãosabia.

Semfôlego,elachegounacasadaavó.Avelhasenhoraestavano jardimdafrente,podandoasebeeassobiandoumacanção.Acenouparaaavó,quecaminhouatéencontrá-lanoportão.

-Vocêestámancando.–elapercebeu.–Estásemprática?-Não. – Julia bufou indignada. –Nada de errado comminha resistência. Eu só...Me esforcei

demais.Euestavatentandoeliminarumpoucodostress.–elaseafundounobancodoladodeforaetirouabolsadascostas.

-Entãovocêconseguiuse livrardosseus fantasmas?–aavócolocouospodõesde ladoe foiparadentrobuscaralgoparabeber,deixandoJuliapensarnarespostaàsuaperguntaporumminuto.

Page 43: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Umfantasmavoltou–elaadmitiu,quandoaavósesentouaoseuladocomdoiscoposdeágua,queelabebeucomvoracidade.

-Aquelegaroto–aavóafirmou.Julianãorespondeu.-Suamãemedissequevocêsalvouumcolegadeclassenobosque–aavócontinuou–Eleéo

Michael?-Simenão–Juliaexclamousempensar.Aavóolhouparaelacuriosa.–Sim,eraMichaelKolbe

naflorestae,não,elenãoémaisoMichael.Quantomaiseladizia,maiselasentiaqueeraverdade.- O que você acha disso? – a avó perguntou com calma. Se ela estava surpresa, não estava

transparecendo.Juliasuspirouprofundamente.-Nãopossoexplicar,maspossosentir.Eusei.Eleestámudadoporcausadaqueleacidente.Mas

aindaassim,euseiqueeudeveriatomarcuidado.Gabyestánomeupéotempotodo.Elaachaqueeudevoficarlongedelee,francamente,eunãopossodiscordardela.

-Deixeacontecer–aavódissesuavemente–Fiquelongedele,masdeixe-oviratévocê,seelerealmentequiser.Comoelesdizemhojeemdia?Suavizinhança,suasregras.

Juliabufou.-Vovó,pare.Eunemseiquaissãoasregras.Acredite,euquerosertodaforteeindependente,mas

poressegarotoeusoucapazdetorcertantoasregrasapontodelasficaremparecendoumpretzel.Eissoestámeirritando.Eunãoqueromaisqueelecauseesseefeitoemmim.

-Elesópodecausaresseefeitoemvocêsevocêquiser–avelhasenhoradisse,imperturbável.Julia estava quase apertando os dentes, frustrada, porque a avó estava certa. Ela queria. Ela aindaqueria.

-Então...Voutomarumbanho–eladissequebrandoosilêncio.Elaselevantouesearrastouparacima.

Conformeaáguaquentecaíaemsuacabeça,Juliapensavanaspalavrasdaavó.Claroqueaavóestavacerta, ela tinhaquedeixarascoisasacontecereme seguiro seucoração.OsensocomumadiziaquedeveriaficarlongedeMichael,masseucoraçãoganhavadalógicaedarazão.Algoestavaacontecendocomeleeelaqueriadescobriroqueera.

Depoisquevoltouparaoandardebaixo,Juliatocoualgumascançõesnopianoenquantoaavólimpavaacozinha.Depois,asduaspegaramospodõeseatacaramosarbustosnoquintal.Àsduasemponto,elasforamaosupermercado.Juliaestavaencarregadadatarefadelevarocarrinho"develha"pelacalçada,eraassimqueasuaavótinhaapelidadooantigocarrinhoestampadoqueelausavaparafazercompras.

-Aquehorassuamãechega?–aavóperguntou.-Nãosei.Eladissequedepoisdotrabalho.-Euvouperguntaraela.Avelhasenhoracaminhouatéofundodaloja,ondeumaportavermelhadavaacessoàáreade

armazenamentoeaoescritório.Julia parou perto de umas caixas de tangerina, examinando a seleção de frutas e vegetais em

busca demangas frescas.Distraidamente, ela pegou três tangerinas da caixa à sua frente, olhandoparaelasindecisa.Elanãoqueriatangerinas,maspareciaqueasmangastinhamacabado.

Umalevetosseadespertoudeseuspensamentos.-Possoajudá-lacomalgumacoisa?–perguntouumavozfamiliar.JuliaolhoudiretamenteparaosolhosazuisdeThorsten.Eleestavaempéao seu lado,emum

uniformedosupermercado,umsorrisoanimadoenfeitandooseurosto.

Page 44: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Hã,oi–elamurmurou–Eunãofaziaideiaquevocêtrabalhavaaqui.-Desdeontem.Sabinemedissequeasuamãetrabalhavaaqui,entãoeupenseiquepoderiadar

certo.-Bem,deucerto.–Juliariu.–Estágostando?-Élegal!Osolhosdelepararamnastrêstangerinasqueelaaindaestavasegurando.– Eu estava observando você há algum tempo. Estava esperando você começar a fazer

malabarismocomelas.ElesorriudivertidamenteeJuliacomeçouarir.-Ah,evocêqueriameajudarcomisso?–elaperguntou, fingindoperplexidade–Talvezvocê

devessedeixaresseempregoesejuntaraocirco.Thorstenpareceudesapontado.-Porfavor,nãomeprovoquepelomeunarizvermelhoemeuspésmoles.Machuca,sabia?Eu

esperavamaisdevocê.-Não,vocênãomeentendeu.Nãoestouteprovocando!Ébomsaberseuspontosfortes,nãoé?- É verdade, é verdade. – seu olhar recaiu no carrinho de compras. – Bonito carrinho – ele

continuoucomumapiscadinha.–Vocêsempretrazissoaosupermercado?-Estouaquicomaminhaavó,ok?–Juliaretorquiudefensivamente,olhandobravaparaele.-Eusei.–eledevolveuummeiosorriso.–Euvivocêsduasentrando.Julia mordeu o lábio, repentinamente se perguntando por quanto tempo Thorsten a estivera

observando.Elesevirouparapegaralgumaspimentasesmagadasdeumcaixotedevegetais,parandoporummomento.

-Então,vocêtemplanosparaofinaldesemana?–eleperguntou,rearranjandoospepinos,semmotivo aparente. Ele não olhou para ela e Julia percebeu que ele parecia um pouco nervoso. Seuestômagodeuumareviravoltaeelasevirouparaguardarastangerinaseescondersuasbochechasvermelhasdevista.

-Sim,voutrabalhar.Começonalivrariaamanhã.Ébemlegal.Enquanto isso, ela estava pensando na sugestão de Gaby. Ela poderia convidar Thorsten para

acompanhá-laaoShamrockamanhãànoite,comcerteza.Eleseadaptariamuitobememseucírculodeamigos,maselasesentiaumpoucoculpadaporconvidá-loapenasparaesquecerMichael.Eleeramuito legal para aquilo. Por outro lado, que mal faria apresentá-lo a novas pessoas? Ele tinhaacabadodesemudar,afinaldecontas.

-Você já fezamigosdanossa idadeaquiemSalzburg?–elaperguntou,seajeitando.Thorstenbalançou a cabeça, olhandopara ela comexpectativa. -Bem, se você estiver a fim, vocêpodevircomigoaobarShamrockamanhãànoiteeconhecerosmeusamigos.Sairumpouco.

-Claroqueeuestouafim–elerespondeuentusiasmadamente–OndeéoShamrock?EnquantoJuliadiziaaelequalônibuspegarparachegaraobar,elaviu,pelocantodosolhos,sua

avódirigindo-seaeles.Elateveocuidadodenãointerromperaconversa.-Ok,eutevejoamanhãentão–Thorstendisse,depoisdesalvaroseunúmeronoscontatosdele.- Sim, até amanhã! Bom trabalho! – Julia acenou enquanto ele saía para encher algumas

prateleirasnocorredordoscereais.-Quemeraaquele?–aperguntainevitávelecuriosadaavó.-Thorsten.EleéoirmãodeSabine,sabe?AnovamelhoramigadaAnne.Aavóconcordoupensativamente.-Entendo.–elaolhouemdireçãoaocorredordoscereais.–Eele?Elevaiseroseunovomelhor

amigo?Juliaficouvermelho.

Page 45: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-MeuDeus,vovó,nãosei.Sóqueroentender...NãoconsigoesqueceroMichael...Nãoachoqueeuestouprontapara...Eleélegal.

Nossa,quantacoerência!Elasuspirou,frustrada.-Bom,elecertamentegostadevocê–aavódissecausalmente,caminhandoparaocaixacomseu

carrinhodecompras.-Hã?Porquevocêdizisso?Éoseusextosentidodenovo?-Ora,porfavor,nãoéprecisopoderespsíquicosparaverisso.Osolhosdeledizemtudo.Julianãorespondeu.Osolhosdele?ElahaviapensadoqueosolhosdeMichaelhaviamlhedito

algotambém,masissonãoahaviaajudadoemnada.-Queseja.-Porqueomauhumor?Ésóumaobservação.Ignoresequiser.Juliacomeçouarir.-Desculpe,vovó.Esqueça.Juliaeaavópassaramorestodatardecuidandodojardim,tomandocháejogandocartas.-Émelhoreuirparacasa–Juliamurmurouquandoaavócolocouumcoringapelaterceiravez

emumjogodeMau.Avelhasenhorapiscou.-Ha!Eutepuspracorrer.Julia fez biquinho, fingindo desapontamento, então se levantou e foi ao banheiro colocar as

roupasdecorrida.Elaabraçouaavónocorredor.-Tevejonodomingo.Estaremosaquiparaochá.A brisa balançava seu cabelo enquanto corria em um ritmo calmo.Na floresta, os galhos das

árvoresbalançavamdeumladoparaooutrocomoasondasselvagensdomar.Juliarespiravafundo.O sentimento familiar de serenidade tinha retornado ao bosque, como se a atmosfera estranha eopressivadamanhã tivesse sidoafastadapara forapeloventoque soprava.Elapodia sentir.Asuamenteestavavaziaquandoelasaiudatrilhadaflorestaecortoupelomeiodomatoparachegaraocarvalho.Talvezelapudesserelaxarno"seu"lugardestavez.

Julia fez uma careta, porém, quando deu a volta em um grupo de árvores e viu uma figurasolitária sentada com as costas apoiadas no tronco. Mancando suavemente, ela levou um susto,sentindoumfamiliarboloseformandoemseuestômago.Elareconheciaaquelapessoa.

Oquediaboseleestavafazendoali?Vagarosamente, ela se aproximou do carvalho.Michael não parecia notá-la, ele estava sentado

imóvelcomosolhosfechados,descansandoasmãosnosjoelhos.Aospoucos, aquelecaraaestavadeixando louca.DesdequehaviadecididoevitarMichael, ela

viviatropeçandoneleemcadaesquina.Claroquenãoerarazoávelculpá-loporsuainquietação,masa incomodava encontrá-lo ali. Não fazia sentido.Aquele era o seu lugar demeditação e ele nãodeveriaestarali.

Bemquandoelaestavaprestesaseviraresilenciosamentevoltarparaafloresta,Michaelabriuosolhos.

-Julia–disseele,virandoacabeçaeolhandodiretamenteparaela,comosetivessesentidoqueelaestavaali.

-Oi–elarespondeurapidamente,umlevetremoremseucorpo.Comoelesabia?Elesorriueoventomexeuasfolhasdaárvoreondeeleestavaseapoiando.Julia caminhou contrariada em sua direção. Ela não podia simplesmente sair agora. Afinal de

contas,eleahaviacumprimentadoeducadamente.-Oquevocêestáfazendoaqui?–elaperguntou,umpoucomordaz.Michaelselevantou,passandoamãopeloscabelos.

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-Pensando–elerespondeubaixinho,depoisolhouemvolta.–Foiaquiqueaconteceu.Juliaolhouseurostosério,repentinamentesesentindoenvergonhadaporterodiadotantoasua

presença ali. Ele tinha todo o direito de visitar o local onde quase havia encontrado amorte. Eraobviamenteapenasumacoincidênciaporaqueletambémseroseulugarespecial.

-Vocênãotempéssimaslembrançasassociadasàfloresta?–elaperguntoucomcuidado.Michaelsorriulargamenteebalançouacabeça.-Eumesintoemcasaaqui–respondeuele–Maisdoque...Emcasa.Michaelpensouemsuamansãolindaecaraeemseuspaisricos,porémausentesamaiorpartedo

tempo.Umrepentinosentimentodepenaatomou.-Sintomuito–elamurmurou.Eledeudeombros.-Eunão.Esteéumbelolugarparasesentiremcasa.–elepegouamãodelacomoseissofossea

coisamaisnormaldomundo.–Evocêvemmuitoaqui–elecontinuou,mostrandoalegrianoolhar.-Venho.–Juliaencarouassuasmãosnasdele.Comoelesabiadaquilo?Elanãohaviacontadoa

Michaelmuitacoisasobresimesmanashorasquehaviapassadoasóscomele.Elesestiverammaisocupadosdandounsamassosdoqueconversando.

Julia sentiu-se corar quando ergueu os olhos e notou a proximidade dos dois.Ele estavamaispertodoqueelapensava.Asuamãoestavaficandoquentenadele.

-Eu...Eumesintoempazaqui–elagaguejoutimidamente,dandoumpassoparatrásesoltandoamãodele.–Euvenhoaquiparaclarearaminhamente.

-Masapostoquevocêvemaquiparaseinspirartambém.Juliaconcordouemsilêncio.-Escreverpoemas,essascoisas-elafinalmentemurmurou.-Compor?Elaconcordounovamente.-Você tocapiano, certo?– ele calmamente colocouasduasmãosnosbolsosda calça jeans. –

Vocêdeveriairláemcasadenovo.Aquelepianoenormeestásóacumulandopoeiranasala.Minhamãenuncatemtempoparatocar.

Juliaolhouparaelesurpresa.-Eu?TocaremumSteinway?–elagaguejouperplexa.Michaelchegoumaisperto.Juliasentiuocarvalhocontraassuascostas.Elaapoiouacabeçae

ergueuosolhosparaele.Vagarosamente,umsorrisotortoapareceuemseurosto.-Sim–elerespondeucalmamente–Você.TocandoaqueleSteinway.Eleestavapertodemaisparaelasesentirconfortável.Porqueseucoraçãotraiçoeiroaindabatia

fortequandoeleestavaassimtãoperto?Elasabiamuitobemquetipodepessoaeleera...Outinhasido,pelomenos.

-Eunãosei.–elaseprotegeu.–Voupensarnoassunto.- Você deveria. O convite está de pé. Aquele piano vai se sentir solitário até que você decida

agraciá-locomumrecital.Juliaengoliuseco.-Então,euprecisoirandando...–elaapontouvagamenteemdireçãoàestrada,andandonaponta

dospéscomoseMichaelafosseparar.–Tenhoquecozinhar.-Qualocardápio?-Pizza.–eladeudeombros.–Aliás,euseifazercomidasapropriadas.Mas,estoucompreguiça

hojeporquetenhoquecuidardaminhairmã.Ah,elaqueriadarumsocoemsimesmaporaquilo:pedirdesculpasporcomerfastfood!Oque

eletemavercomisso?Porqueelaseimportava?

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-Ei,cuidadocomaspalavras.Pizzaécomidaapropriada.Nãodeixeositalianosteouvirem.Meuavômaternoéitaliano.Euamopizza.

-Amy’sKitchennãoénecessariamenteitaliano–Juliacontestou.-Não,mas comcerteza é saborosa. – ele lançouumolhar divertido a ela. –Éminhapizzaria

favorita,naverdade.Ah,meuDeus.ElaestavamuitopertodeconvidarMichaelparajantar,eerabemóbvioqueele

estavapretendendoisso,dandoindiretasenormes.- Sim, aminha também.Nãovejo a hora. – ela cuidadosamente deu alguns passos para trás. –

Então,é,eutevejoporaí.-Esperoquesim–disseele.Julia rapidamente saiu, antes que pudesse começar a corar novamente, ou – oh, que horror –

mudar de ideia em um momento de insanidade e convidá-lo para jantar. Em uma velocidadealucinante,elacorreupelomeiodafloresta,comoseodiaboaestivesseperseguindo.

Quando ela chegou em casa toda suada e sem fôlego, chamouGaby para assistir a um filmedepoisqueAnnefossedormir.Elaprecisavadeumapoio.Fazendoumacareta,enfiouduaspizzasdecogumelonoforno.

AnneestavasentadanacozinhalendoumgibidoPatoDonald.-Está acontecendo alguma coisa? – ela perguntou, observando a forma irritada comque Julia

bateuaportadoforno.-Não.-Vouconsiderarissocomoumsim.Julianãoconseguiuevitarumarisada.-Não é nada em particular,Annie. Estou só nervosa porque amanhã é omeu primeiro dia de

trabalho.ElascomeramsuaspizzasetomaramsorveteenquantoassistiamaToyStory.Quandoanoiteceu,

AnnefoiparaacamaeGabyapareceunaportadeentradacomtrêssacosenormesdepipocaeumDVD.

- Quantos filmes nós vamos ver esta noite? – Julia olhou para a intimidadora quantidade decomidaqueaamigahaviatrazido.-Ouvocêconvidoumaisgente?

GabybalançouacaixinhadoDVDnafrentedela.-Vaiserumsessãoetanto,Jules.Essefilmedurahoras,ealémdisso,Axelmedissequetemos

que ficar concentradas e provavelmente vamos precisar pausar de vez em quando para filosofarsobreele.

-Oh-oh.Axelteemprestouumfilmeparageeks.Gabyconcordouentusiasmada.- Sim, Florian eMoritz estavam falando sobre o nome da banda deMoritz na noite passada,

certo?-“Esperandoochute?”-Exatamente.EentãoAxeldissequeMoritzeosamigosdeledevemterassistidoaquelefilme"A

Origem" porque essa expressão foi usada no filme. Então, eleme ligou hoje para falar que tinhagravadoofilmeparamim,porqueeutinhaficadotodacuriosa.

Derepente,JuliaselembroudapequenachamaquehavianotadoentreGabyeseuprimo.-Bem,Axestádeparabénsporintroduzi-laaomundogeek.-Oque?Eu?Semchance.Euadoromeujeitodark,alternativo.Julia analisou a expressãoperturbadadeGaby.Será que ela deveria perguntar o que amelhor

amigaachavadeAxel?Aquilotalvezfossemuitodireto.ElanãoqueriaarruinarascoisasentreAxel

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eGaby,antesqueelastivessemachancedeflorescerem.Talvezelativessequedarumjeitodefazeraamigaseabrir,confessandoelaprópriaseussentimentos.

-EuchameioThorstenparasairhoje–eladisse,lançandoumsorrisosensual.Gabygritou.-Mentira!Verdade?Sério?Quandovocêsvãosair?-Bem,amanhã.ElevaicomagenteaoShamrock.-Muito bem, diva! –Gabydeuum tapa noombrode Julia. –Estoumuito orgulhosa de você!

Quandovocêoconvidou?-Ah,euoencontreinosupermercadoemEichet.Eletrabalhaláagora.-Bom, bom.Suponhoque agora você vai sair para fazer compras para suamãe toda semana,

estoucerta?Juliasorriu.Thorsteneraumcarafofoeeleiriasedarbemcomosamigosdela.Aqueleerao

caminhocertoaseguir.ElaconvenientementeseesquecerademencionarseunadacasualencontrocomMichaelnafloresta.

-NodomingonósvamoscompraraspassagensparaLondres.–Gabysejogounosofá.–VamosnosassegurarquepoderemosverMoritztocar.Elevaiviajaralgunsdiasantesdenós.Flodisseparanosencontrarmostodosnacasadele,paraimprimiroscartõesdeembarque.

-Estoumuitoanimada!Quandonósvamos?-Terceirasemanadeagosto.–Gabyapontouparaosavisosdedireitosautoraisqueapareciamna

televisão.–Axelémuitoesperto,nãoé?ElecopiouatéoavisocontracópiasdeDVDs.-Sim,meuprimoénossoEinstenparticular.–Juliasorriu.NãofariamalnenhumaAxelseelao

elogiasseumpouco.–Issosemfalarqueéumamigodedicado.EledeveterfeitodetudoparagravaresseDVDtãorápidoparaquevocêpudesseternodiaseguinte.

-Sim.Eleéomáximo.–Gabyacenou,alcançandoagarrafaderefrigeranteemcimadamesa.–Querbeber?

Juliariu.NãoimportaoquantoGabyerafalante,elanãotinhaconseguidoesconderoleveruboremseurosto.

-Bem,pelomenosfaçaumsanduícheparalevar!–amãedeJuliagritoudacozinhanamanhãseguinte, enquanto sua filha estava correndo pela casa, empânico, tentando sair a tempo para seuprimeirodiadetrabalho.–Vocêprecisadeumcafédamanhã,nãoé?

-Nãotenhotempo!Tinhaquetersaídohácincominutos.–Juliarapidamentecolocouumcasacoenquantotentavaamarrarostênis.

Decidida,amãedeJuliapegouumdossanduíchesdeAnneecolocouemumzip-loc.-Ei–Anneexclamou,parecendoofendida.–Meusanduíchedemanteigadeamendoim!-Euvoufazeroutroparavocê–prometeuaSra.Gunther–Agorafiquequieta.-Obrigada,mãe. – Juliapegouo cafédamanhãparaviagem.–Desculpe,Anne!Vejovocês à

noite!Comocoraçãobatendoansioso,elacorreuparaopontodeônibus.Porqueelatinhadesligadoo

despertadorjustohoje?Elasópodiaesperarqueotrânsitoestivessetranquilonamanhãdesábado,senão o ônibus definitivamente se atrasaria. Ela não queria causar uma má impressão chegandoatrasadaparatrabalharnoprimeirodia.Muitamancada,diriaGaby.

Umavezqueestavanoônibus,elaseacalmou.Nadadetrânsitoetodosossinaisestavamverdes.Juliaseencostounoassentoecolocouosfonesdeouvidoenquantomastigavaosanduíche.Depoisdevinteminutos,elasaiueapressadamentecruzouapontequelevavaàCidadeVelha,parandoemfrenteàlojaexatamenteàsoitoemeia.Martinestavadestrancandoaportaquandoelaapareceu.

-Olá,Sr.Haider–Juliachamou.Martinsevirou.

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-Ora,mas se não é a Julia!Feliz em te ver.A loja só abre às nove,mas eu queria fazer umarápidaapresentaçãoavocêepedirparapreenchermaisdoisformulários.Afinaldecontas,precisosaberparaondetransferirseugenerososalário.–elepiscou.

Juliariu.Elaestavacomeçandoagostardoseunovochefe.-Vamosesperarqueseja.VouparaLondresemagosto.-Vocêvai?Ótimaescolha.Éumacidademagnífica.Comoestáseuinglês?Razoável?Conversando amigavelmente, eles caminharam até a parte de trás da loja, onde subiram as

escadasatéoescritórioondeJuliahaviafeitoaentrevistadeemprego.Depoisdepreencherosseusdadosbancários,Martinaacompanhouàsaladedescansonofinaldocorredor.

-Aquificaacozinhaondetodososmembrosdaequipecomementreumaeduasdatarde,quandoalojafechaparaoalmoço.Porfalarnisso,hojenósfechamosàscinco.Horáriodesábado.

Outrolancedeescadasacimalevavaaoestoqueeaosbanheiros.OchefedeJuliaentrounasalaparapegarumacamisetapreta,comamarcadaloja,queelacolocouporcimadablusinhaqueestavausando. Assim que voltaram para o andar de baixo, Martin mostrou as categorias de livros queestavam no primeiro e no segundo andar deHöllrigl, e Julia sentiu que já estavamais oumenosprontaparacomeçar.

-Porquevocênãopegaumcafé?–elesugeriu–Alojaabreemalgunsminutos,evoupedirparaumdenossoscolegasapresentá-laaorestodaequipeeexplicaravocêcomofuncionaocaixaparaquevocêpossaoperá-loàtarde.Tudobem?

-Parecelegal.–Julianãoconseguiaparardesorrircomoumaidiotaenquantoolhavaemvoltatodososlivrosdaloja.Aqueleeraumsonhorealizado:elaestavaemseumomento“bibliotecadeABelaeaFera”.Martinhaviaditoqueela tinhadireitoaumbomdescontoemtodasascomprasdaloja.Axel ia pular de alegria quando ela contasse a novidadepara ele.Assobiando animadamente,subiuasescadasnovamenteparapegarumpoucodechá.Quandovoltou,Höllriglestavaabertaeelaencontrououtragarotacomacamisetadalojaquesubiaasescadas.

-Oi–agarotadisse,estendendoamão.–Vocêdeveseragarotanova.Juliaapertouamãodagarota.-Julia.Agarotanova–eladisseformalmente.-Donna–agarotarespondeu–Agarotaantiga.Ambascomeçaramarir.-Estouindoparaocaixa–Juliadisse–Precisodealgumasliçõesantesdeserjogadaaoslobos.

Falocomvocêdepois?-Claro!–Donnasorriuparaelaecontinuousubindoasescadas.Juliacantarolavaalegrementeconsigomesmaenquantosedirigiaparaafrentedaloja.Elatinha

muitasortedeterencontradoaqueleemprego!Otrabalhopareciasimplesosuficiente,ochefeeraumcaralegal,seuscolegaseramamigáveiseopagamentonãoeranadaruim,semcontarodescontoqueMartinahaviaprometido.Oquemaiselapoderiaquerer?

-Ah,aíestávocê.–Martinapareceudetrásdeumapilhade livrosmaisvendidos.–Porfavor,venhacomigo.

Juliaoseguiuparaocaixa,olhandoparaadireitaeparaaesquerda,paraseusoutroscolegas.-Kolbe!–seunovíssimochefeexclamouemdireçãoàentrada.–Venhameajudar,porfavor!Julia ficouparalisada.Elaestava ficandosurdaouMartin tinhaacabadodedizer...Seucoração

batiaabsurdamenterápidoquandoseusolhosfitaramaportadafrente.- Ele vai te ajudar no caixa. – a voz deMartin parecia vir de muito longe. Ele a deixou ali,

plantadanomesmolugar.Juliatentousairdesuaparalisiaetropeçoumaisalgunspassosemdireçãoaobalcão.Perdeuo

fôlego quando viu umapessoamuito familiar caminhando em sua direção.Ela engoliu seco.Mas

Page 50: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

certamentenãopodiaser.AhDeus,não.Não,não,não.Issonãoestavaacontecendo.E então, ela não conseguia olhar para nenhum outro lugar senão diretamente para dois olhos

verdescomoafloresta.

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5.-Oqueéquevocêestáfazendoaqui?–Juliaolhouparaelealarmada.

-Eutrabalhoaqui–elerespondeuinabalável,ummeiosorrisoaparecendoemseuslábios.-Desdequando?Simplesmente não era possível que ela, em sua infalível perseguição, tivesse deixado passar

aquilo:Michaeltrabalhandonamesmalivrariaemqueelahaviasidoentrevistadadoisdiasatrás.-Desdeasemanapassada.Seujeitopresunçosorapidamentetransformousuaperplexidadeinicialemumafúriaenorme.-Porque?–elaperguntouirritada.Eleergueuumasobrancelha.-Paraganharumdinheiroextra?–eledisseaquilocomosefosseacoisamaisóbvia.-Masporqueaqui?Michaelcomeçouarir.-Porquevocêestámefazendoesseinterrogatório?-Vocêporacasoestámeseguindo?–elaresmungou,ocoraçãotraiçoeiramentepulandoemseu

peitoporummomento,enquantoconsideravaaquelapossibilidade.-Bem,desculpeportedesapontar,maseuachoqueéocontrário.Primeirovocêaparecenobar

onde eu sempre vou comosmeus amigos, depois decide correr perto do local onde eu sofri umacidentequasefataleagoravocêvemtrabalharnomesmolugarondeeutrabalhoháumasemana.Oquevocêachadissotudo?

Bolas,eleestavacerto.Juliaresistiuàvontadedebateropécomoumagarotinha.-Emseussonhos,seucanalhaarrogante–elamurmurou–Todomundodizqueeudeveriaficar

longedevocê.Nosilêncioqueseseguiu,elapodiaouvirseucoraçãobatendoemsuagarganta.-Possoimaginar–Michaeldissetãobaixoqueelanãotinhacertezaqueelehaviaditoaquiloaté

verseuolhar.Eraumolhardevergonha.-Olha,eusintomuito.Nãoquisparecertãomá.–OrostodeJuliaesquentoudevergonha.–Não

queeunãopossatrabalharcomvocê.Nãovaiserumproblema.Michaelaindaaolhava,suabocatinhaumlevesorriso.-Sintomuitoqueeleatenhamachucadodessaforma.Maisumavez,eleestavafalandotãobaixoqueelanãotinhacertezasetinhaouvidodireito.Julia

piscou,confusa.Sobrequemeleestavafalando?Sobreelemesmo?-Ok,porquenãofaçooqueoSr.Haidermepediu?–Michaelabruptamentevoltouparaojeito

profissional.Aparentemente, ele tinhavistoo chefe.Ele foi emdireção ao caixa e acenouparaque Julia se

juntasseaele.–Falandonisso,vocêpodechamá-lodeMartin.Nãofiquetímidaporisso,eleinsiste.Eledizque

sesenteumavôseochamamosdesenhor.Comosjoelhostrêmulos,JuliaficouaoladodeMichaeleouviusuasexplicaçõessobrepassaras

compras dos clientes, digitar os códigos dos livros com preço normal ou preço com desconto ecompletarasvendas.

SeuolharestavanorostodeMichaelenãonosbotõessobasmãosdele.Elepareciatãorelaxadoecalmo.Tãolindo.Elasimplesmentenãoconseguiaesqueceraqueleúltimobeijoqueelehaviadadonelanaquelamanhã,nodiaseguinte.Elaqueriasaberseelerealmentetinhamudado.Elaqueriapodersenti-lopertonovamente.Elaqueria...

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Ah, ela tinha que parar de fazer aquilo consigomesma!Ele nunca nemmesmohavia dito quesentia muito. Na verdade, ele estava agindo como se nada tivesse acontecido. E aqui estava ela,sonhando acordada em arrastá-lo para trás da primeira pilha de livros para dar uns amassos nelelongedavistadetodos,enquantoelatinhaqueestarprestandoatenção.Seuspensamentoslascivosatransformariam em uma desastrada, incompetente, bem no primeiro dia de trabalho. Ela venderialivrosnovoscomnoventaporcentodedescontoporacidente,eMartinamandariaemboranahora.

-Vocêachaquevaificartudobem?–Michaelinterrompeusuaconversainterior,olhandodeladoparaela.

-Sim,euvoudarconta.Rapidamente,elafoipara longe,determinadaapedirajudaparaDonnamais tarde,paranãose

dar gloriosamente mal. Ela não olhou para trás de propósito, subindo as escadas correndo paradesempacotaraentregadodiacomoMartinhaviapedido.

“Gaby...3chancesparaadivinharquemtrabalhaaquitbm.:$”–elaenviouamensagemdetextoparaGabyassimqueentrounoestoque.Elanãoconseguiaevitar,elatinhaquedividircomalguém.

“Thorsten??”–otelefonetocouumminutodepois.“não...Kolbe”“oidiotatáteseguindo?!”–Gabyperguntouemumamensagem.“nãotemcomo.eletavaaquiantes.issonãoébomp/minhaimg...”“peraí.jáfaloc/vc.bj”Comumsuspiroprofundo,Juliadeixouotelefonedeladoetentouseconcentraremsuatarefa.

Depoisdedezminutos,Donnaentroucomumgarotoeumagarotaquecomcertezaeramirmãos.ElaosapresentouaJulia.

Quandoelasesentouparatomarumcafénorefeitório,lápelasonzehorascomMarcoeSilke,osgêmeos,Michaelnãoestavaemnenhumlugar,felizmente.

-Vocêsjáficaramnocaixa?–elaperguntou.Marcofezquesim.-Sim,ébemsimples.OMichaelnãoteexplicoudemanhã?Juliadeudeombros.-Sim,maseunãoestavaprestandoatenção.Desculpe.Silkecomeçouarir.-Eleéumabeladistração,nãoé?-Porquevocêdizisso?–Juliacorou.-Ah,porfavor,vocêachaqueeunãovivocêoadmirando,garota.Ogarotoéomáximo.–ela

deuumtapinhanamãodeJulia.-Masnãosurta.Estounamorando,oMichaelétodoseu.-Pfff.Tábom.–Juliabufousarcasticamente.SilkeeMarcoolharamparaelacuriosos,fazendo-aresmungarconsigomesma.Porqueelanão

ficavadebocafechada,paravariar?-Saímos algumasvezes– ela explicoucomsarcasmo–Eentão eledecidiu ser frio e ignorar

meus telefonemas e, desde então, eu fico tropeçando nele, quando tudo o que eu mais quero éesqueceressecanalha.Fimdepapo.

-Ah,umdaquelescaras.–Silkeinclinouacabeça,surpresa.–Eununcairiaimaginarqueeleeradessetipo.

Seuirmãogêmeoconcordoucomacabeça.–Sim,estouconfuso.Elepareceserumcaramuitolegal.Juliabufoucomdesdém.-Bem,porquevocênãooconvidaparasair?Talveztenhamaissortedoqueeu.Marcoriu.

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- Sem chance. Primeiro, eu não gosto de garotos e segundo, ele ainda gosta de você. Ele teencara,sabe?

Juliaengoliuseco,seurostoficandovermelho.Bemnaqueleinstante,aportadasaladedescansoseabriueMichaelentrounasalajuntocomDonna.Todosficaramemsilêncio.

-Horadeumabebida.–Michaelolhouparaostrêsehesitou.–Hã...Estouinterrompendoalgumacoisa?–elepareciaverdadeiramenteinseguro.

-Não,claroquenão.–Silke seapressouemdizer.–Estávamossó fofocandosobreoMartin,entãoparamosdefalarporquepensamosquefosseele.

ElapiscouparaJulia,queintencionalmenteignorouMichaelepegououtrocookiedopote.Elarepentinamentetevevontadedefugirdali.

-Vouaobanheiro.–elaseergueuabruptamente.–Vocêmeajudacomocaixamaistarde?–elamurmurouparaSilke,antesdesaircorrendodasalaesubirasescadascorrendoparaossanitários.

Comumlongoesofridosuspiro, Juliabateuaportaesesentounovasosanitário,correndoamãopeloscabelos,frustrada.Ok,entãoMarcotambémtinhareparadonafascinaçãodeMichaelporela.Elanãopodiamaisnegarointeressedele.Masporqueissohaviasemanifestadodepoisqueelao salvara na floresta?Ela aindanão entendia.Talvez ele sentisse que tinhaque fazer a coisa certaentreeles.Seriaporissoqueelequeriaquefossemamigos?

Sintomuito que ele a tenhamagoado tanto.As palavras que ele havia ditomais cedo naquelamanhã surgiram em suamente. Ela provavelmente tinha entendido errado, ou talvez a pancada nacabeçadeletenhafeitomaisdanosdoqueaspessoasimaginavam.Quemfalavadesimesmodaquelejeito?Eleestavasofrendodedesassociação?

Umacoisaeracerta:ficartrancadanobanheironãoresolveriaseuturbilhãointerior.Juliadeixouobanheiro e correupara o andar de baixo.Ela ficou feliz emver queSilke já tinhavoltadoparaassumirocaixa.Destavez,elaprestariamaisatençãoduranteaexplicação.

Ascoisasnãoestavamtãoruins,eladisseasimesma.Tudooqueelatinhaquefazereraacabarodia.Amanhãalojaestariafechadaeanoite,elapoderiaavaliarodiadehojecomGabyeorestodosseusamigos.Elairiaconseguir.

Quandoo intervalodoalmoçochegou, Julia seasseguroudeestar conversandoanimadamentecomDonnaeSilke,quandoMichaelchegou.Marcooseguiu,ambossentadosemumamesapróximaàmáquinadecafé,ondeMartinsejuntouaelespoucosminutosdepois.

-Planosparahojeànoite?–SilkeperguntouaJulia.-Sim,vamosaoShamrock.Euemeusamigosdocolégio,querodizer.Ah,emeunovovizinho.

Euoconvideiparasairontem.-Issoaí,mulherforteeindependente.Eleégostoso?-Ésim.–Julianãoconseguiuevitarosorrisobobo.SilkeeDonnacomeçaramaassobiarerir.

Os outros três na mesa ao lado olharam e Julia sentiu o olhar de Michael em sua direção. Elaesperavaqueelenãotivesseouvidoomotivodetantaanimação.Apesarque,claro,elanãodeveriarealmente se importar seMichael sabia ou não da existência de Thorsten, o vizinho gostoso. Naverdade,seriabomseelepercebessequeelahaviaseguidoemfrente.

-Voumantê-lasinformadas.–elacortouaconversa,deixandoqueDonnaeSilkefizessemseusprópriosplanosparaofinaldesemana.

-Sevocêquiser,porfavor,venhaparanossochurrascodeaniversárionodomingo–Silkedisse–Marco e eu vamos fazer dezoito anos amanhã,mas nossos pais não estarão lá para nos dar osparabéns pela maioridade, eles ainda estão de férias. Então, para compensar suas péssimashabilidadescomopais,elesdisseramquenóspoderíamosdarumagrandefestanojardim.Nóstemoscarnesuficienteparaalimentarumorfanato,entãonãohesiteemlevaralgumamigo.Thorsten,porexemplo.–elacutucouJuliaconspiratoriamente.

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Juliasorriu.-Obrigadapeloconvite.EunãotenhoideiaseThorstenvaimeacompanhar,maseudevolevar

algumdosmeusoutrosamigos,sevocêestiverdeacordo.-Claro.Desdequenãosejamvegetarianos.Quantomaiscarnívoros,melhor!SilkeeJuliatrocaramtelefonesedepoisdoalmoço,Juliadesceuparaasúltimaspoucashorasde

trabalhododia.Cercadequatrohorasda tarde,Martinapediupara levaralgunspedidosedesencaixotá-losno

estoque.Sentindo-segrataporpoderdeixarocaixaporunsinstantes,Juliasubiuasescadasparaoterceiropisosegurandoumacaixagrandedelivros.Assimquechegou,colocouacaixanochãoparaabriraporta.Parasuasurpresa,aluzjáestavaacesa,eseucoraçãoacelerouquandoelaviuMichaelempénocanto,pegandoalgumasenciclopédiasnaprateleiradecima.

-Ah,oi–elamurmurou–Tenhoquecolocaralguns livrosnaprateleira.–elaapontouparaacaixa.

-EeutenhoumclienteláembaixoquenuncaouviufalardaWikipedia.–Michaelamostrouospesadosvolumes.

Juliasorriu.-Ah,bem,melhorparaoMartin.Senãoelenuncavaiselivrardessascoisas.Elesorriudevolta.-QuemsabeelenãocolocaalgumasemnossascestasdeNatal?- Já estou esperando por isso.Na verdade, eu acho bem chique ter uma enciclopédia em casa.

Parecetãonostálgico,sabe?Reminiscênciasdainfânciadaminhamãe,quandoainternetsóerausadapelaCIAenãopormerosmortaiscomonós.

-Sério?AinternetfoidesenvolvidapelaCIA?-Hã,nãoseimesmo.Axelsabemuitosobreesse tipodecoisa.Vocêdeveriaperguntaraele.–

Juliatossiutímida,repentinamenteseperguntandooporquêdeterpuxadoassuntocomele.Eporqueelaescolheuumtemadoqualnãosabianada?

-Euvou.–elepassouporelasemdesviaroolhareentãoolhoufixamenteparaaporta.Elapodiaverahesitaçãodele.

-Entãoquetaltocarograndepianodaminhamãealgumdiadepoisdessefinaldesemana?–osseusolhosfitaramosdela.

Juliadesviouoolhareolhoufirmeparaochão.-Nãoseiainda.Eutrabalhoquasetodososdias,entãoprovavelmentenãovoutertempo.-Apenasconsidereaoferta–eledissebaixo–Vouvoltarláparabaixo.Ela só ousou erguer os olhos quando ele saiu. Com um suspiro profundo de frustração, ela

arrastouacaixacheiade livrosparaaprateleiraondeeles ficariamecomeçouadesembrulhá-los.Quandoelajáestavaquaseacabando,DonnaapareceucommaistrêspacotesqueMartinqueriaquefossemdesembrulhadoseguardados.Quandoterminaram,faltavaumminutoparaascinco.

- Liberdade! – Donna gritou em uma voz potente, erguendo um braço em uma imitação deCoraçãoValente.–VejovocênafestadeaniversáriodaSilkeamanhã?

-Achoquesim.–Juliaacenou.–Boanoite!Ela entrou na cozinha para pegar a bolsa no armário. Todomundo já tinha ido e quando ela

chegouaoandardebaixo,Martineraoúnicoqueestavaali.-MarcoeSilkejáforam?–Juliaperguntou,secretamentequerendosaberoutracoisa.-Sim,Donnaevocêforamasúltimasdosmoicanos.- Ok. – Ela tentou não se sentir vazia porMichael ter saído sem se despedir. – Vejo você na

segunda.Bomfinaldesemana!Noônibus,indoparacasa,elaligouparaGabyparaconvidá-laparajantaremsuacasa.

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-Precisodesabafarevocêpodeserminhaouvinte.Odiainteiropisandoemovos.Meusnervosestãoemfrangalhos.OquefoiqueeufizparamerecertrabalharnamesmalojaqueoSr.Cafajeste?

-Eu estarei lá – prometeuGaby –Ainda estou enchendo a cara de doces noTomaselli’s comTamaraeAxel.Quehorasvocêsvãojantar?

-Dependedaminhamãe.Venhaquandoestiverpronta.Juliadesligoueolhoupelajanela.Quandoelaestavaprestesaguardarotelefone,eleapitouduas

vezes,indicandoduasnovasmensagensdetexto.‘voutveressanoite?;)bjmick’‘qhrvmsnosencontrarhj?até+,thorsten’Ela deu uma risadinha nervosa. Nossa, então de repente era super popular. Ela olhou para a

carinhapiscandonamensagemdeMichaelcomasbochechasqueimando.Queinferno!Eleaestavaprovocando com o fato de que ela parecia estar seguindo-o por toda parte. Ele provavelmentepresumiuqueelaaparecerianoO’Malley’snaquelanoite,porqueelanormalmenteialáaossábados.

-Não,vocênãovaimeveressanoite,seumegalomaníacoiludido–elamurmurou–Nãoestareilá,enãovoutecontarondeeuvouestar.

ElaenviouumamensagemdetextoparaThorstendizendoqueelepoderiaseencontrarcomelaeGabynacasadelaantesdeiremaoShamrock.Dessaforma,elespoderiampegaroônibusjuntosemBirkensiedlung.

‘blz,tevejolá:)’–elarecebeu,algunsminutosdepois.SóquandoelasaiudoônibuspercebeuqueoconviteaThorstenfoimeioinoportuno,pelofato

deelaquerersentareconversarcomGabysobrecomolidarcomMichaelcomocolegadetrabalho.Insistiremfalarsobreocaraqueahaviabrutalmentedespachadoeaindatinha,dealgummodo,

algumpoderem relaçãoaelacertamentedaria aThorstena impressãodequeelenemdeveria seatreveratomaralgumaatitude.Elanãotinhacertezaqualmensagemelaqueriatransmitir.Seráqueela estava secretamente desejando que ele desse em cima dela, ou ela estava só procurando umadistração?

Comumacareta,elaabriuaportadafrente.Ocheirodebatatafritainvadiaocorredor,fazendo-asalivar.Elaolhouparadentrodacozinha.

-Oi,mãe!VocêseimportaseGabyeThorstenvieremjantaraquiantesdesairmos?- Pormim, tudo bem.Mas você vai ter que ir de bicicleta para o supermercado e pegarmais

algumas sobremesas. Se ninguémme avisa que tenho que cozinhar para os amigos no jantar, nãotenhocomoprever.

Juliasorriu.-Podedeixar.-Ah,elembre-sedepassarnaSabinenavolta.Anneaindaestánacasadavizinhaeeuqueroque

elavenhajantaremcasa.Julia pegou uma nota de dez euros na bolsa da mãe e saiu para pegar a bicicleta no galpão.

Assobiando animadamente, ela se dirigiu a Eichet na brisa lânguida da noite de verão.Depois defazerascompras,Juliadecidiupegarocaminhodaflorestadevoltaparacasa.

Assacolaspenduradasnoguidãofarfalhavamdevidoaossolavancosnaestrada.Juliadiminuiuavelocidade.Na luzalaranjadadocrepúsculo,queatravessavaascopasdasárvores, elaavistou seulugar.Ocarvalhoestavaali,silenciosoaopôr-do-sol.Eladesceudabicicletaeaencostounaárvore.

-Oi,senhorCarvalho–Juliasussurrou.Ela pressionou a sua bochecha contra sua casca, abraçando o tronco da árvore com os dois

braços.Dealgumaformaelaaindasentiaquealgohaviamudadonaquelelugar,equandoelaolhoupara cima, viu folhas amarelas nos galhos.Aquilo eramuito incomumpara aquela época do ano.Seráqueasuaárvoreestavadoente?Issoexplicariaporqueelasesentiatãodiferenteemrelaçãoa

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esselugarultimamente.Talvezalgorealmentetivessemudado.Afinal,asárvorestinhamquemorrerumdia.

Ela suspirou devagar, afastando-se da árvore e pegando a bicicleta para voltar para casa.Repentinamente,elaestava inexplicavelmentebravacomomundopor ficarmudando, semqueelativessecomofazê-loparar.

- Anne? Sabine? – Enquanto ela passava a bicicleta pelo portão do jardim dos vizinhos, Juliaolhouemvolta.–Vocêsestãoaí,meninas?

OpaideSabinesaiu.-GrüssGott.Vocêveiobuscarasuairmã?Elasaindaestãonobosque,euacho.Elasfalaramque

estãoconstruindoumacasanaárvore?Juliafezquesim.-Elasnãoestãoficandomeioobcecadascomisso?Équasehoradojantar.-Bem,Sabineestácomrelógio,mastalvezelasperderamanoçãodotempo.-Acabeidevirdebicicletadafloresta,naverdade,maseunãoasviemnenhumlugar.Ondefica

essacasanaárvore?-Nãotenhoamínimaideia.Elasdisseramquesótenhopermissãodeiratéláeolhardepoisque

estiverpronta.–explicouopaideSabine.Naquelemomento,Juliaouviurisadasaolonge.AnneeSabineapareceramdescendodebicicleta

aruaquedavaparaacasadela.-Vocênãoestáumpoucoatrasada?–elavirou-separaairmãquandoAnneentrounojardim.–A

mamãeestáesperandoporvocê.Annepareciachateada.-Desculpe.Eupenseiqueconseguiriachegarantesdojantar.-Ah,bem,vocêestáaquiagora.Vamoscorrer.GabyeThorstenvãojantarconoscotambém.OsolhosdeAnneseiluminaramquandoelamencionouonomedeThorsten.Juliasegurouuma

risada. Então ela estava certa sobre a paixonite da irmã pelo irmão de Sabine. É por isso que elaqueriadarolhos azuis aopríncipedahistória.Sorrindo, ela colocou amãonosombrosdeAnne,levando-aparasentar-seàmesadejantar.

-Olá!–Gabygritou,entrandonacasacincominutosdepoisdeJuliaeAnnechegarem.–Soueu!-Percebi!–Juliagritoudevolta,rapidamenteselevantandodamesaelevandoGabyparaasala

deestarpróximaàcozinha.–Vamosconversarumminuto–elasussurrou.-Hã,porque?Nãovamoscomer?-Vamos.SóquerodizerqueeutambémconvideiThorstenparajantar.-Uau,issoaí,garota!Estouorgulhosadevocêporsertãoprafrente!-Sim,obrigada.OúnicoproblemaéquenãovamospoderfalarsobreoMichaelpertodele.- Tem razão. – Gaby largou a bolsa dela sobre o sofá e inclinou a cabeça para Julia

inquisidoramente. – Então, o que está acontecendo, Jules?Algo a está incomodando, eu sei. VocêaindagostadoMichael?Vocêpodefalarparaa titiaGaby,ok? -ElacolocouamãonoombrodeJulia.

Juliabalançouacabeça.-Não‘ainda’.Estoumeapaixonandodenovo.–suavozestava tãobaixaqueGabytevequese

inclinarparaouvir.-Oquevocêquerdizer?- Bem, eu entendo agora que eu nunca realmente o conheci na escola. Eu nunca o vi como

realmenteera.Euinventeiminhaprópriahistórianaqualeleeraumcaramaravilhoso,queiluminavatudoporondepassava.Masagora...Eleestátãodiferente.

Gabyaolhoupensativa.

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-Vocêachaqueelequerumasegundachanceporquevocêosalvounobosque?-Talvez.-Masissosignificaqueelemudoudeverdade?Ouelesóestásesentindoculpado?-Nãotenhoamínimaideia.-Vocêquerdarumasegundachanceaele?Juliafezumacareta,olhandoparaochão.-Ok,euseiqueissoéestupidez.Gabyfranziuoslábiosedeudeombros.-Nãoachoquevocêestejasendoestúpida.Euentendo,ésério.Desculpeterfeitoumatempestade

quando você disse que oMichael aindamexia com você. Tudo o que eu quero é que você tenhacuidado,masoqueestá te impedindo?SaiamaisalgumasvezescomoThorsten,vejaseelenãoéumaescolhamelhore,enquantoisso,passeumtempocomoMichaelnotrabalho,paraconhecê-lodeverdade.Depoisdetudooquevocêmecontou,euaindaachoqueeleéumbabaca,mas,ei,éasuavida.Nãovoumemeter.

Juliaexpirou.-ObrigadaGaby.Éumgrandealívio,naverdade.Euestavacommedodetocarnesseassuntode

novoporquevocêficouhistéricadaoutravez.-Euentendo.–Gabysorriumaliciosamente.–Eupossoserbemintimidadora.Naquelemomento,acampainhatocoueGabyempurrouJuliadebrincadeira.-Achoqueéasuasegundaopçãoqueacaboudechegar.Juliariuecaminhouatéaportadafrente.Quandoelaaabriu,olhoudiretamenteparaosolhos

azuisebrilhantesdeThorsten.Elaengoliuseco.Cara,eleeragostoso.Elaeradoidasenãoprestasseumpoucomaisdeatençãonele.Eleeramaravilhoso,interessado,disponíveleeravizinho.SehaviaumDeus,Eleagoraestavabatendoacabeçanaparedefrustradocomsuafaltadevontade.

-Ei,bomtever.–elaocumprimentouumpouconervosa.–Gabyjáestáaqui,éaminhamelhoramiga.

Gaby apareceu no corredor e se apresentou.Os três entraramna cozinha e logo conversavamsobreaescola,asfériaseseuscursosnafaculdade.

-VouestudarSociologianaUniversidadedeSalzburg–Thorstendisse–EufizoprimeiroanoemGraz,maspeditransferênciaefelizmentedeutudocerto.

Julia congelou por alguns segundos quando ouviu o nome da cidade para onde Michael semudariadepoisdoverão.Erabomdemaispraserverdade:MichaelestavasemudandodeSalzburg,mas Thorsten havia vindo para cá para tomar o lugar dele. Parecia quase a troca de guarda dopalácio.

-Sociologiapareceinteressante–Gabymurmurouenquantomastigavaumabatata.–Eupenseiemfazeressecursotambém.Masdecidiporpsicologianofimdascontas.

-AssimcomoAxel–Annedisse,distraidamente.Elatinhaacabadodecomereestavacolorindoodesenhodeumunicórnio,concentrada,comapontadalínguaumpoucoparafora.

JuliaolhoudeladoparaGabyeflagrouaamigaficandoumpoucovermelha.-Sim,nósnãoconseguimosnoslargar.–Gabycolocouumamãosobreocoração,fingindouma

paixonite.Elatomouumgoleenormederefrigerantemuitorápidoequaseseengasgou.–Falandonisso,quehorasnósvamos?

Juliariu.-Oitoemeia?–elasugeriu,chacoalhandoacabeçaquaseimperceptivelmente.Comoéqueela

pôde ter deixado passar despercebido o que estava acontecendo entre seu primo e a sua melhoramiga?Derepente,eradolorosamenteclaro.ElateriatempodeinterrogarGabymaistarde.

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Depois do jantar, Julia e Gaby foram para o andar de cima para trocar de roupa e fazer amaquiagem, enquantoAnne sequestrouThorsten eo levoupara a salade estarpara assistirRobinHoodcomela.

-Elesestãobuscandomaisinspiraçãoparaacasadaárvore–Juliaexplicou,emfrenteàcômoda.–ThorstenestáajudandoSabineeAnneaconstruíremumanafloresta.

-Sério?Uau, ele é tãomaravilhosoquemereceuma capa comumT enormebordado.Querodizer,olhaoquantoeleestásendoodoceirmãomaisvelhocomAnne.–Gabypiscouparaela.

-Sim, sim.Maspare com isso, ok?Vocêpareceumcomercial deThorsten.Não soucega.Eupossoverqueocaradacasaaoladoéumpartidão.

-Bem,sevocênãoficarcomele,eutalvezpossachegareagarrarocaranoseulugar.- Não, não, você não vai fazer isso. Você... – Julia parou no meio da frase. Gaby estava

obviamenteinteressadaemAxel,masclaroqueelanãodeveriaimplicarcomaquilo.Gabypiscouparaela,comoumcervopegoemumaarmadilha.-Eu...Oque?Juliadeixouorímeldelado.-Nada.Esquece.Aamigacolocouasmãosaoladodocorpoevirouacabeçadelado.-Nã-nã,nãotãorápido.Oqueéquevocêiadizer?-SóqueThorstennãofazoseutipo–Juliamurmurou–Euespero.-Rá!Vocêachaquetodoesserímelestáobstruindoaminhavisão, irmã?Mesmoummorcego

cegopodeverqueeleémaravilhoso–Gabyzombou,desfilandoemdireçãoaoespelhodecorpointeironocanto.

Juliadeixouescaparumsuspiro.ElateriaqueesperaratéqueGabytrouxesseoassuntodeAxelàtonaporsimesma.

Naquelanoite,Juliafalousobreonovoempregocomosamigos.ElarapidamentepulouaparteondeMichaelsetornaraseucolegadetrabalhoeaoinvésdisso,destacouasvantagensdotrabalhoeseuscolegaslegais.

- Eu fui convidada para a festa de aniversário de uma das garotas, na verdade. – ela sorriu. –Todosestãosendolegaiseamigáveis.

-Seaomenostivéssemosessemesmoambientenaescoladeequitação–Gabymurmurou–EueTamara estamos prontas paramatar aqueles cabeças-de-vento sem sal, que não param de falar decavalos,pôneisetudooquetemavercomisso.

Axelcomeçouarir.-Bem,vocêsnãoficamfalandosobrecavalos?-Hã,não.-Masvocêsgostamdessascoisasequestres,não?Gabydeixouescaparumlongosuspiro.-Temdiferença,EfeitoAxe, uma clara distinção entre eles e eu.Você pode gostar de andar a

cavalo como uma atividade externa, porque isso é legal, ou você pode viver dentro de um sonhocolorido e doce onde cavalos são seus melhores amigos, que você pode se comunicartelepaticamente,evocêaindatempôsteresdoMeuPequenoPôneinoseuquartoesecretamentesonhacomumcavaleiroemumcavalobrancogalopandoemsuavida.

Floriandeuumacotoveladanascostasdoamigo.–Esqueceocavalobranco,cara.–eleriu.-Elaachaidiota.Nosilêncioqueseseguiu,tantoGabyquantoAxelficaramroxoscomobeterrabas.-Quemqueroutrabebida?–Tamaracantarolou,esforçando-separadissiparatensãopalpável.

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-Ah,euquero–Thorstenrespondeu,alegrementealheioàmancadadeFlorian.Eleselevantoudesuacadeira.–Espere,vouteajudar.Vocêvaiquerermaisuma?–eleperguntouaJulia.

-Sim,claro!Queroumacervejapequenadetrigo–elarespondeurapidamente.AssimqueThorsteneTamaraestavamlongeosuficienteparanãoouvir,Floriancomeçouarire

cutucarJuliamaliciosamente.-Bem,JúlioCesar,euachoquetemosumcandidatoàaltura.Seuvizinhoéfofoeestátotalmente

afimdevocê.Muitobem!-Muitobemoquê?Euaindanãofiznada.-Bem,vocêochamouparasair,nãochamou?- Sim, é verdade. – Julia passou um braço ao redor de Gaby. – Gabyme disse para tomar a

iniciativa.Elatemumbomolhoparacandidatos.Jantamosnaminhacasaantesdevirparacá.Axel, Florian e Moritz jogavam conversa fora, enquanto Julia sentia os ombros de Gaby

relaxaremumpouco.ElanãoconseguiaacreditaremcomoFlorianeraumfofoqueiroatrapalhadoàsvezes.SeráqueAxel tinhaadmitidoaFlorianoque sentiaporGabyouseumelhoramigoapenastinhadadoumpalpitecerteiro?Dequalquermaneira,elaesperavaqueascoisasnãofossemporáguaabaixoagora.

Felizmente,todospensarammelhorenãomencionarammaisnadasobreGabyeAxelpelorestodanoite.Axelconversavacomosgarotos,enquantoGabyestavamaisoumenosescondidaatrásdesuairmãedeJulia.Foisóquandoobarestavaprestesafechareelesestavamtodosselevantandopara irparacasaqueAxelseaproximoudeGabynovamente.Elecaminhouatéelaecolocouumamãoemseuombro.

-Possotedarumacaronaparacasa?–eleperguntou,comummeiosorriso.OsolhosdeGabysearregalaram.-Eu,é...Vimdeônibus,então...-Euvimdemoto.-Mas...EuprometiparaTamaraqueiríamosparacasajuntas.-Naverdade,euaindanãovouparacasa.–Tamaraapareceuaoseu lado.–Acabeidemandar

umamensagemparaAnnaeGretchenenósvamosàquelabaladanovajuntas.Faztempoqueeunãoasvejo.

GabyolhouparaTamaradeumaformaqueclaramentedemonstravaseudesejodeestrangulá-la.-Ah.Certo.Ok.–elasevirouparaencararAxelnovamenteemordeuolábio,nervosa.–Bem,

entãotudobem.Axelnãodissenada.Apenassorriulargamenteecorreuparabuscarasuamoto.Juliahaviaescutadotodaaconversacomumsorrisomalicioso.-Então...–eladeixouescapar.–VejovocêamanhãnafestadeSilke?Gabyfezquesim,seurostoaindaperturbado.-Sim,estareinasuacasaàscinco.Eentão,vocêvaiparacasacomThorsten?AgorafoiavezdeJuliasesentirperturbada.-Achoquesim.Pegamosomesmoônibus.Naqueleexatomomento,Axelchegoueestacionouasuamotonomeio-fiopróximoaobar.Ele

olhouparaGabycomexpectativa.-Estápronta?-Prontíssima.Julia assistiu Gaby subir na garupa da moto de Axel, seus braços estranhamente ao redor da

cinturadele,comoseela tivessemedodequeelequebrasse.Ela sedespediudosoutrose saiuemdireçãoaopontodeônibus,comThorstenaoseulado.

-Eumedivertimuitoestanoite–eledisse–Foimuitolegaldasuapartemeconvidar.

Page 60: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Imagine.Euseiqueédifícilfazeramizadesnomeiodoverão.Masvocêterámuitosamigosemoutubro,quandoafaculdadecomeçar.

- Ah, não sei. Eu duvido que vou conhecer pessoas tão legais assim – seu vizinho respondeusuavemente.

Juliaencarouseustênis.-É,obrigada.–elanãotinhacertezaseeleestavafalandosobreelaousobreaturma,eelanão

perguntaria.Elessesentaramumaoladodooutronoônibus,dividindoosfonesdoMP3playerdeJulia.Vez

ououtra,Juliaapontavaalgumapaisagempela janelaouThorstenperguntavaalgosobreamúsicaemseuaparelho,masforaisso,ficaramemsilêncio.Elescontinuaramassimenquantocaminhavamdopontodeônibusparaaruadeles.

Osilêncioentreeles tinha ficadomuitopesadoquandochegaramemfrenteaoportãodeJulia.Thorsten passou a mão quente em seu braço e ela engoliu seco quando ele se aproximou, seinclinandoemsuadireção.

-Vocêficariachateadaseeuabeijasseagora?–elesussurrou.Juliaergueuosolhostimidamente.-N-não,claroquenão.Chateadanão.Apenas...Nãoachoquevocêdeveriafazerisso.Nãoseria

justo.Eleaolhoucomsinceridade.-Vocênãogostademimassim?Elacorou.-Gosto.Masalgoaconteceu recentementeentre eueumcaraporquemeu fui apaixonadapor

muitotempoeeuaindanãoconseguiesquecer.Naverdade,euaindanãooesqueci.Nãotemnadaavercomvocê.

Thorstensorriugentilmente,acariciandosuabochecha.-Ok.Devidamenteanotado.Euentendo.Tomeseutempo.Eupossoserapenasumbomamigo,

ok?Juliasorriu.-Obrigada–eladissetimidamente–Edesculpepordartantossinaiserrados.-Semproblemas. – ele deuumbeijo em suabochecha. –Enquantovocêosder, há esperança,

certo?Ele seviroueatravessoua rua,enquantoJuliadeixavaescaparumsuspiro.Quandoaportade

Thorstensefechou,elaabriuoportãoeentrou.Quenoite.

Page 61: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

6.-Euqueroosdetalhes sórdidos -Gabyexigiuquandopisounoquintalna tardededomingo, seusolhosbrilhandocomexcitação.Juliahaviaacabadodevoltardeumavisitaàcasadaavó,eestavaenroladanobancoemfrenteàsuacasa,absortaemummangádaSailorMoon.

Eladeixouolivrodelado,sempressa,enquantoGabysesentavaaoseulado.-Vocêquer,né?Bem,eutambém.Você.Meupróprioprimo.Noitepassada.Desembucha.Amelhoramigaabruptamentesecalou,encarandoumapedrapróximaaoseupédireito,comose

fosseoobjetomaisfascinantedetodaSalzburg.-Oquevocêquerdizer?–elareplicou–Nãoháoquedizer.Elesómedeixouemcasademoto.

Querodizer,elemoranomesmobairro.Ah,vamos.Vocênãoachaquetemalgoentrenós,nãoé?–elaergueuosolhoscomcautela,quasesuplicante.

-Hmmm.-EvocêeThorsten?Julialimpouagarganta.-Oquevocêquerdizer?Nãohánadaadizer.Eleapenasmedeixouemcasa,quandovoltamosa

pédopontodeônibus.Querodizer,elemoranamesmaruaqueeu.Gabygemeu,frustrada.-Ah,porfavor,nãoajaassim.-Nãoajacomo?-Comosenadativesseacontecido!Nãomedigaqueelenemmesmotentou.–Gabycomeçoua

sorrirdescaradamente,quandoJulianãopôdeevitarcorar.–Rá!Eusabia!Entãoconte.-Elemeperguntouse...Seeuiaficarchateadaseelemebeijasse.Eeuacabeiconfessandoaele

queaindanãoesquecioMichaelequenãoseriacerto.-Ok.Vocêfoicorajosa.Mas,tambéméumapena.–Gabysuspirou.-Bem,nãoécomosetudoestivessearruinadoentrenós,oualgodotipo.Eledissequesedivertiu

muito.–JuliaaindaselembravadoolhardeThorsten:nãoderrotado,mascheiodepaciênciaeumaesperançasilenciosa.

- Parece que ainda há uma esperança – Gaby concluiu – Então, que horas Silke está nosaguardando?

Julia teveque se segurarparanãomencionarAxelnovamente, elaapenasafastariaaamigaaofazeraquilo.

-Apartirdasseis.Vamospegaroônibusdasvinteparaasseis?QuandoJuliaeGabychegaramaoportãodagrandecasadecampodeSilkeeMarco,olocaltodo

jácheiravaachurrasco. Juliaempurrouoportãoque levavaaovastogramado,entrandohesitante.Ela não conhecia nenhum dos convidados que estavam sentados no gramado e ficou feliz ao verDonnaao ladodaportado jardim, tomandouma latinhadecerveja.Gaby seguiu Julia eolhouaoredormaravilhada.

-Uau,elestemumjardimtãolindo!AmãedeSilkedeveserumajardineiraetanto,paramantê-losemmato,assim.

Neste momento, Silke os avistou no caminho. Ela estava segurando uma vasilha de salada debatataemumamãoeapertouasmãodeJuliacomaoutra.

-Ei,quebomquevocêsvieram!Porquenãomeseguematéopátio,voutemostraramesadoscomesebebes.–elaolhouparaGabycuriosamente.–Oi,eusouaSilke.EvocênãoéThorsten.

Gabycomeçouarir.-Não,desculpe.Juliahaviaprometidotrazê-loaoinvésdemim?

Page 62: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Conversando, elas andaram pelo caminho de cascalhos até o pátio, onde a festa estava a todovapor.Umamultidãoestavaaoredordachurrasqueira.SilkepegouopresentequeJuliahavialevadoeocolocouemumamesajuntocomosoutros.

Julianotouqueasportasdopátioseabriamparaumagrandesaladeestarcomumlindopianobranco,enorme,nocanto.

-Vocêtoca?–elaperguntouaSilke,apontandooinstrumento.-Não.Marcoeomeupai,sim.Sevocêquisertocaralgo,porfavor,nãoseacanhe.-Ah,legal!Nãoprecisafalarduasvezes.ClaroqueelapoderiateridoatéàcasadeMichaelparatocaropianodeleaqualquermomento,

masissoseriaumapéssimaideia.Alémdisso,tocaralgumasmúsicasparaumgrupodepessoasqueelamalconheciaecomasquaisnãoseimportavatanto,era,decididamente,umobstáculoamenos.

Juliaentrou,sentou-seaopianoecomeçouatocarumadascançõesdeEnya.-Maravilhoso–Gabymurmurou,caminhandonapontadospésportrásdela.Elasempreficava

maravilhadacomasperformancesdeJuliaaopiano,jáqueelamesmanãotocaramaisdoquetrêsnotasemseugravador,antesdetê-lojogadopelajanela.

AmúsicadeJuliaaopianoflutuavaparaforaelogoatraiumaispessoasparaopátio.Quandoelatocou as últimas notas deWatermark,Donna começou a aplaudir fervorosamente, eMarco sorriuparaJulia,encorajadoramente.

-Váemfrente,toqueoutra–eledisse–Vocêémuitoboa.Juliahesitouporumsegundo,entãocomeçouatocaramúsicaquehaviaescritoparaMichael.Ela

não olhou para a plateia, mas o silêncio que invadiu o pátio dizia que ela havia cativado seusouvintes.

Elaseperdeuemsuamúsica.Elahaviaderramadotodoseucoraçãoaoescrevê-la,expressandoalgoquenuncaconseguiriafazerporpalavras.

Derepente,elaouviuGabyarfaratrásdesi.Distraidamente,Juliaergueuoolharparaexaminaramultidão em busca da razão da preocupação de sua amiga. Seu coração parou quando ela olhoudiretamente para dentro de dois familiares olhos verdes, suasmãos quase se atrapalhando com asteclasaochegarnorefrãodamúsica.Oqueeleestavafazendoali?

Ah,sim.EraoaniversáriodeMarcotambémeeletinhaprovavelmenteconvidadoMichael.Elanemmesmohaviapensadonaquilo.Juliarapidamenteolhoudevoltaaoteclado,tentandocontinuarseurecitalimperturbavelmente,maselaestavaplenamenteconscientedequeseusolhosestavamnela.Na realidade, ela queria que ele a olhasse. Ela queria que ele absorvesse cada nota que ela estavatocando. E repentinamente, ela se percebeu desejando que ele de alguma forma ouvisse que essamúsicahaviasidoparaele.

ApenasquandoamúsicahaviaacabadoéqueJuliaarriscouerguerosolhos.Umapunhaladadedesapontamento a atingiu,Michael havia desaparecido da plateia ao redor do piano, que aplaudiaanimadamente.

-Obrigada–Juliadissetimidamente,selevantando.Gabyagarrousuamãoeaarrastouparafora,antesmesmoqueosaplausosacabassem.-Vocêviuaquilo?–elasussurrourapidamente,comoseestivesseprestesacontaràJuliaqueum

rinocerontehaviacaídodentrodeumafonte.-Euvioquê?-Michael.Aformacomoeleolhavaparavocê.Juliapiscou,confusa.-Oquevocêquerdizer?Elepareciaatormentado,talvez?Elenemseimportouemouvirtodaa

música.Gabybalançouacabeça.

Page 63: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Nãoachoqueelepoderia.Ele...Jules,eleestavateencarandotãointensamente.Tãoconcentradonoquevocêestavatocando.Eentão...Olha,euseiqueissopareceridículo,maseujuro,elecomeçouachorar.Eleestavachorando,eéporissoqueelesaiu.Elefoitocadobemnoíntimo.

Juliaficouboquiabertaenãodissenadaàamigaporumsegundo.-Nãoestava.-Estava.–Gabyabriuumalatadecervejaedeualgunsgolesgenerosos.Juliapegouumalatade

cervejaparaela,distraidamentegirando-aemsuasmãos.-Nãopossoacreditarqueestoudizendoisso,maseuachoquevocêdevedaroutrachanceaele–

Gabycontinuou–Orostodele,aformacomoeleolhava.Haviamuitaemoção.Só...Eunãosei.Juliamordeuolábio.-Então,ondeeleestáagora?-Nãotenhoideia.Elevaivoltar.Vocêquerfalarcomele?-Não sei. – Julia engoliumetade da sua lata de cerveja antes de olhar ansiosamente ao redor.

SilkeeDonnaestavamcaminhandoemdireçãoaelas.-Vocêestavaótima!–DonnaexclamouaJulia.–Quemescreveuaquelamúsica?-Fuieu.-Mentira!Sério?Vocêdeveriagravá-laumdia.EuacomprarianoiTunesnahora.Silkeconcordavaveementementecomacabeça.-Voutefazerpresençaconstantenasminhasfestas.Aplateiaamouseupequenoespetáculo.Asquatrogarotassesentaramnascadeirasdeplásticoaoredordafonte.Michaelnãoestavaem

partealguma.-Quepingenteéessequevocêestáusando?–Gabyperguntoucuriosa,apontandoparapequena

bolinha de plástico colorida que estava pendurada numa corrente ao redor do pescoço deSilke. –Temcontasdentrodessabola?

- Não. São sementes de sorveira secas. A sorveira é a minha árvore de proteção celta. Todomundo temumaárvoredeproteçãoassociadaaoseudiadeaniversário,deacordocomosistemaanualdruidadetrezemeses.

-Temumamais.–Donnaobservousecamente.Silkeriu.- Eles usam um calendário lunar, por isso treze meses. É por isso que a astrologia deles é

diferentetambém.OinteressedeJuliafoidespertado.-Queárvoreéaminha?Meuaniversárioénocomeçodemarço.- O freixo. A árvore feiticeira. Você é uma sonhadora criativa com uma tendência a fugir do

mundoreal.Evocêsecomunicacomanatureza.Gabyriu.-EssesdruidasconhecemmesmoaJulia.Eeu?Começodeabril?- A amieira. A pioneira. Você não se importa com a opinião das outras pessoas e segue seu

própriocaminho,mesmocercadademuitosamigos.-Issoémuitolouco–Gabymurmurou–Eassustador.Eurealmentesouassim.Vocêtemalgum

livroquepossameemprestar?Vocêmefezvirarfãdosdruidas.JuliaselembravadodiadoaniversáriodeMichael.-Qualéaárvorede trêsde julho?–eladisparousempensar.Gabyadeuumacotoveladanas

costelas.-Ah,estaémuitoboa–Silkerespondeucomumsorriso–Narealidadeéaárvoreapartirda

qualosdruidascomeçaramaserchamadosassim:ocarvalho.

Page 64: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Repentinamente,JuliateveumflashbackdeMichaeldeitadosobaárvorenobosque,suacabeçasobreumapoçadesangue.Oseuolharquandoacordoueareconheceu.Aquiloafezarrepiar.Elanãoconseguiadizerporqueaquiloeraestranho,masera.Erabizarro.

-Não consigo enxergar qual a relação entre o carvalho e os druidas –Donna disse comumacareta.

-Onomeceltaparacarvalhoéduir.Éapalavradeondeonomedelesderiva.Etantoéassim,queapalavra tambémquerdizerporta,umavezqueelesacreditavamqueocarvalhoeraaportaentreesta e a outra realidade. Os druidas meditavam sob o carvalho para se comunicar com seressobrenaturais–Silke falava,claramentegostandodoque fazia.–Ocarvalhoéumsímboloparaalongevidadeerepresentaopoderdorelâmpago.

JuliaencarouSilke,surpresa.- Relâmpago? – mais uma vez ela não conseguia parar de pensar na tempestade que estava

acontecendoquandoelaencontrouMichael.- Sim. Carvalhos são geralmente atingidos por relâmpagos. O carvalho liga os poderes

vivificantes do raio e os poderes nutritivos da terra, abrindo umvórtice temporário ou umportalparaooutromundo,nodiadoSolstíciodeVerão.

- Ei, o jantar está servido, alta sacerdotisa! –Marco sorriu quando se aproximou do pequenogrupo,empurrandoa irmãdeformabrincalhona.–Eupossoverondeessaconversavaidar.Vocêquereupeguesuacapacomcapuzesuaequipe?

Silkedeuumtapanoombrodele.-Vocênãoentende.Julia tambémnãoentendia,maselasentiacomoseestivesseprestesadescobriralgo.Todasas

coisasqueSilkemencionava,emrelaçãoaohoróscopodeMichael,nãopoderiamsercoincidência.Assimque ela chegasse em casa, ligaria o computador e procuraria noGoogle por alguma coisasobreosistemadecrençasceltaseosditospoderesdocarvalho.

Umanovafornadadehambúrgueresepãesfoicolocadonamesa.-Vocêpodemefazerumcommuitocatchup?–JuliapediuaGaby–Euprecisorealmenteusaro

banheiro.Jávolto.Ela correu para dentro, passando pelo piano emarchando até o corredor, onde ela felizmente

encontrouaportadobanheiroemuminstante.Depoisqueacaboudeusá-lo,elapegouocelulareescreveuparasimesmaumanotasobreoqueSilkehaviadito,antesqueelaesquecessedosdetalhesimportantes.Maistardeseriaahoradecaçarmaisinformações.

Perdida em pensamentos, Julia caminhou até a cozinha para lavar as mãos, mas paroubruscamentequandoviuMichaelsentadonamesadacozinha.Eleestavadecostasparaela,massevirouquandoeladeuumpassoparatrás.

-Oi–eledissebaixo.Juliaficouparadaquandoeleselevantouecaminhouparapertodela.-Oi–elarespondeu,quandoselembroudecomousarnovamentesuavoz.Eleparecianormalerelaxado.Certamente,estecaraqueestavasempretãoconfortávelconsigo

mesmo,nãopoderiaterchoradocomsuamúsica.Gabydeviaestarvendocoisas.-Vocêtocoulindamente–eledissenaqueleinstante,comoseestivesselendoamentedele.–Que

músicaeraaquela?-Eraminha.Eleconcordou,umsorrisoseespalhandoporseulindorosto.-Euouvi.Repentinamente,algodentrodelaseabriu.Eleestavafazendodenovo:falandocomelacomose

ele a conhecesse há anos. Usando aquele tom confiante que sugeria que eles tinham uma históriainteirajuntos.Maselesnãotinham.Eeraculpadele.

Page 65: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Euescreviparavocê.Vocêtambémpodeouvirisso?–eladisse,zombandocruelmente–Apostoquevocêestáseperguntandocomoeporquê.Comoeupudesertãotediosamenteestúpidaapontodeescreverumamúsicaparavocêeporqueeumeapaixoneiporumcaracomovocêquedespedaçameucoração,pisoteiaospedacinhoseesquecedemimnaprimeiraoportunidade?

Umsilênciopairounacozinha.OrostodeMichaelhaviaficadopálido.-Julia–elemurmurou,ochoqueevidenteemseusolhos.Elabalançouacabeça,suasmãostremendo.-Parecomisso–eladisseríspida–Paredemeconfundirdessejeito.Paredemedartodaessa

atençãoquevocênãoachavaqueeumereciaantes.Porquevocêestáfazendoisso?Porquê?Sua respiração parou quando ele deumais um passo à frente, pegando-a em seus braços sem

dizernada.Seucorpoeraquenteeseusbraçosaoseuredoreramprotetoreseestranhamente, todasuaraivasedissipou.Seucoraçãodesaceleroumesmocomaproximidadedosdois.Eleexalavaumacalma que ela nunca havia sentido nele antes. Na verdade, ela nunca havia sentido esse tipo deinfluênciadeninguémantes.

Eraassimqueelasempretinhaimaginadocomoseriaestarnosbraçosdele,maselanuncahaviasentidoaquilo.Elahaviasentidoaemoçãodapaixãoentreelesalgumassemanasatrás.Masagora,elasesentiacuidadaemseusbraços.

-Nãosejaidiota–eladisparou,apesardoquesentia.–Medeixeir,Michael.Istoéconstrangedor.Suasbochechascoraram.Osbraçosdeleescorregaramsoltando-aeeledeuumpassoparatrás,

umolhartristeemseurosto.-Nãopossodeixá-lair–eledissebaixo–Porfavor,nãomepeçaisso.Antes que Julia pudesse responder sua declaração confusa, ele se virou e foi em direção ao

jardim.Timidamente, elaolhavaparaa sua figuraquediminuíanohorizonte.Oque, emnomedeDeus,estavaacontecendocomele.Aliás,oqueestavaacontecendocomela?Aformacomoelahaviarastejado para os braços dele, como seMichael a tivesse confortado daquela formamuitas vezesanteseentão,seusúbitoestalo,dizendo-oparaseafastar.Juliapodialiteralmentesedarumsoco.Elaestava se tornando a rainha dos sinais confusos: primeiro ao lidar com Thorsten e agora comMichael. E a cobertura do grande bolo do constrangimento era que ela deixou escapar que haviaescritoaquelamúsicaparaele.Ótimo!Excelente!

Comumsuspiroirritadoelasevirouecaminhouparafora,ondeGabyestavaesperandoporelacomumenormepontodeinterrogaçãoemseuolhar.

- Onde é que você se meteu, mulher? Eu estava quase chamando a polícia. Aqui está: seuhambúrguerfrio.–elaempurrouopratonadireçãodeJulia.

-É, eu sei.Desculpe.EuencontreioMichaelnacozinha.Nósmeioquebrigamosedepois eletentoumebeijarefazeraspazes,oualgoassim.

-Porquevocêsestavambrigando?-Nadaemparticular.Nãoquero falarsobre isso.–Juliaolhouparaooutro ladodogramado,

ondeMarcoeMichaelestavamconversandocomumoutrocaraqueelanãoconhecia.–Eufuifalarqueeuescreviaquelamúsicapraele–elamurmurou,apesardetudo.

Gabyolhouparaelapensativa.-Sabedeumacoisa?Paramim,pareciaqueelejásabiadisso.Sabe,porcausadojeitoqueele

ficouenquantovocêtocava.Talvezsejaporissoqueeleestavachorando,porqueelefoitocadopelaformacomovocêgostavadele...Ouaindagosta.Nãosei.

Juliabalançouacabeça.-Nãofazsentido.Elenãotinhacomosaberdisso.Vocêéaúnicapessoaquesabiaqueeuescrevi

aquelamúsicaparaele.Gabyalançouumolharbravo.

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-Fazsentidosim.AlgomuitoestranhoestáacontecendocomMichael.Eupossosentir.Esim,eusei que você já tentoume dizer isso alguns dias atrás e eu não quis ouvir,mas eu não conseguiaacreditar.Desculpe.

-Semproblema.Euentendo.- E por falar nisso, você notou que o horóscopo celta do Michael tem vários elementos

relacionadosaoacidentedele?–Gabycontinuou,sussurrando–Sabe,orelâmpago,ocarvalho...-Notei, e estava pensando empesquisarmais sobre isso esta noite.Apesar de não saber se eu

deveria,depoisdetodaaquelacenanacozinha.-Claroquevocêdeveria.Vocêestácuriosa,admita.Querqueeuteajude?-Sim,quero.–Juliasorriuparaaamiga.–Obrigada.Depoisdojantar,elasdeixaramafestaparairàcasadeFlorian.Julianãoqueriagastarnenhum

minutoalémdonecessáriopertodeMichael.Eelateriaqueevitá-lonotrabalhoamanhã,também.-Voupagartudoadiantado–disseTamara.Todosestavamreunidosemvoltadocomputadorde

Florianparapreencherosdetalhesparaaspassagensaéreas.Comumlargosorriso,elamostrouocartãodecrédito.–Porfavor,mereembolsemassimquepossível.

-Que tipodequartovamos reservaremLondres?–Florianperguntou–Seráque reservamosaquelesquartoscomoitocamas?

-Vocênãopodeestarfalandosério–Gabydissefingindodesdém–Enósvamosterqueouvirvocêroncandoanoiteinteira?

-É,ouentãovocêconversandoemseussonhosmelosos–Tamaracantarolou–Ah,sim,Moritz,assim,nãopare...

AsgarotascomeçaramarireFlorianergueuoqueixodesafiadoramente.-Ótimo,façamcomoquiserem.Vocêsseacomodem.EueoAxelvamosficarjuntos.-OndeMoritzeabandavãoficar?–Axelquissaber.-Ah,emalgumlugarmaisluxuoso.Definitivamenteforadonossopobreorçamento.Florian se levantou e abriu as portas duplas que davam para o terraço no telhado, enquanto

Tamarafinalizavaasreservasdeleseimprimiaoscartõesdeembarque.-Vocêsvãoficarparatomaralgumacoisa?–eleperguntou.-Claro–Axelrespondeu.EleselevantouelançouumrápidoolharparaGaby,comquemainda

não tinha faladodiretamente, desde que ela e Julia chegaram. –Posso pegar algo para você,Srta.Melancólica?

Gabyergueuoolhar,despertando.-Ah,sim...Eugostariadeumacerveja,porfavor.Obrigada.Julia riu.Osimples fatodeGabynão ter ficadomal-humoradacomousodaqueleapelidopor

Axeleraprovasuficientedequealgoestavaacontecendoentreaquelesdois.-Porquevocênãopegaumaparamimtambém,jáquevaiatélá?–elagritouparaoprimo.Enquantoisso,Gabyhaviaseinstaladonocomputador.ElaabriuoGoogleedigitou"carvalhos

druidas" na barra de pesquisa. Quando Julia sentou no descanso de braço e olhou por cima dosombrosdela,suaamigahaviaacabadodeclicaremumlinkchamado“ÁrvoreMágica”.

-Uau–Gabyexalou–Vocêestávendo?Oscarvalhospodemviveratédoismilanosdeidade!Eelesrealmenteatraemraios,dealgumaforma.Olheaqui:omitológicoHomemVerdeinglêséumdeusdaflorestacomumrostoformadoporfolhasdecarvalho.–elaapontouàimagemnatela.

-Venhamaquifora,suasnerds–Axeldisseenquantocaminhavaatéelascomasbebidas.–Essahistóriadeficaremfrenteaocomputadorvaiacabarcomasvistasdevocês.

-Issoéformidável,vindodevocê.–Gabydisparou,levantando-seepegandoocopodecervejaqueAxelaentregara.–Vocêpraticamentemoranocomputador.

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ElafoificandocadavezmaisvermelhaquandoAxelpassouumbraçoaoredordeseucorpoerespondeu:

-Aindaassim,nãoémotivoparaseguirmeumauexemplo.Venha,vamosláparafora.Euvoutirarvocêdepertodesseaparelhodomaletesalvar.

JuliaviuoolhardeGabyenãopodedeixardesorrirporseurostocorado.Eladespertouquandoseucelularvibrouemseubolso.Umolharnatelamostrouque,pelomenos,nãoeraMichael.Eraasuamãe.

-Oi,mãe.Tudobem?-Oiquerida.Quehorasvocêvaivoltarparacasa?-Umasnove,euacho.Porque?–asuamãepareciaumpoucoansiosa.-Ah,nãoénada.SeupaiacaboudeligareAnneestavanoquartocomigoquandocomeçamosa

discutirnotelefone.Elasaiu.Euachoqueelafoiparaobosqueporqueabicicletadelasumiu.-Euvouchegaraídaquiapouco.Nãosepreocupe.–Juliadesligou,suspirando.Annenãolidava

comconflitosmuitobem,eeraaindapiorquandoaconteciaentresuamãeeopaiausente.Elaestavachateada,semdúvida,entãoelahaviacorridoparaaflorestaparaespairecer.Aesserespeito,Anneeraparecidacomela.Suamãeestavaprovavelmentesesentindoculpadanaquelemomento.

-Voudarumasaidinha–elaanunciouaosamigosno terraço.–Vou terque irajudaraminhamãe.

-Querqueeuvácomvocê?–Gabyperguntou.-Sim!–aatençãodeJuliafoiatraídapelositequeGabyhaviadescoberto.Elaqueriaexplorá-lo

quandoestivesseemcasa.–Vocêvaidormirlá?-Boaideia!Jáfazumtempodesdeaúltimanoitedopijama.Naluzdosolquelentamenteseafundavanohorizonte,Juliacaminhouatéabeiradadoterraçoe

olhouparaorioSalzachláembaixo,quepassavapelacasa.Atrásdesi,elaouviuTamaraeFlorianrindo alto eAxel animadamente contando alguma de suas piadas. Ela tentou imaginarMichael nomeio do seu círculo de amigos e depois o substituiu por Thorsten. Claro, era um exercício semsentido.ElasabiamuitobemqueThorstenseencaixariaperfeitamenteali.Eaindaassim,dealgumaforma,elanãoconseguiaseconvencerafazeressaescolha.

Gabysejuntouaelanoparapeito.-Vamos?–elaperguntou.-Sim,vamos.Euquerochegaremcasaantesdeescurecer.-Tamaraacaboudeseoferecerparanosdeixarládecarro,parapodermospassarantesnaminha

casaeeupegaralgumasroupasparapoder ir trabalharnaescoladeequitaçãoamanhã.Vocêsabe,calçasquenãovoumeimportardeficaremsujasdecocôdecavalo.

- Pobrezinha. Ah, bem, eu imagino o que deva ser pior: cocô de cavalo ou Michael. – Juliarevirouosolhos.–Falandonele,vamosveroquemaisconseguimosencontrarsobreosceltaseseushoróscoposdeárvoresestanoite.

Gabiriu.-Muitoprovavelmentevamosdescobrirquetodasaspessoascomcarvalhosemseushoróscopos

sãoidiotasarrogantes.Quinzeminutosdepois,TamaraencostouemfrenteàcasadeJulia.QuandoJuliasaiudocarro,

elaviuamãeempénoportão,olhandoparaaruaemambasasdireções.OrostodaSra.Guntherseiluminouquandoviusuafilhamaisvelha.-Oi,querida.Fiqueifelizquevocêchegoucedoemcasa.Anneaindanãovoltoueelanãoestána

casadeSabinetambém.OtomgraveepreocupadonavozdesuamãenãopassoudespercebidoporJulia.Elatrocouum

olharcomGaby.

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-Nósvamosprocurá-lanafloresta–aamigadisse,decidida–Vamos,vamosdebicicleta.Elascaminharamparaogalpãoepegaramasduasbicicletasestacionadasali.Julianãoconseguia

tiraracaretadeseurostoenquantodirigiaparaoslimitesdafloresta.-EuvouterumaconversasériacomaAnne–eladisse,severamente–Elanãopodefazerisso.

Ela não pode simplesmente sair de casa e ficar fora por horas e deixar a minha mãe doente depreocupação. Minha mãe já se sente uma péssima mãe, porque não consegue fazer o meu paiaparecerporaquicommaisfrequência.Elanãoprecisademaisessa.

Quando elas chegaram ao limite da floresta, as garotas desceram das bicicletas. Juliahesitantementeolhouparaocaminhodafloresta,quecorriaentreasárvores.Nãodemorariamuitopara que o bosque estivesse totalmente escuro. Será que a Anne realmente se aventuraria por alicompletamentesozinha?Elanãoconseguiaimaginaraquilo;suairmãeramuitomedrosa.

-Seráquedevemosgritarporela?–Gabysugeriu,parecendoumpoucoperdida.Juliaconcordou.-Anne!–elagritoucomtodasassuasforças.–Ondevocêestá?-Anne!–Gabygritouemoutradireção.–Venhaparacasa!Paraograndealíviode Julia,não levoumaisdoqueumminutoparaqueumapequena figura

humanadirigindoumabicicletaaparecesseemumacurvadaestrada.ElacutucouGaby.-Láestáela.Assim que Anne parou em frente a elas, Julia passou os braços ao redor da sua irmãzinha.

Repentinamente,elanãoconseguiuficarmaisbrava.TudooqueelasentiufoiumaimensagratidãoporAnneestarlá.

-Oqueaconteceu?–elaperguntougentilmente,acariciandoocabelomaciodeAnne.-Elesestavambrigandodenovo–Annerespondeubaixinho–Eunãoqueriaouviraquilo.-Amamãeestátriste.Vocênãodeviaterficadoforatantotempo.-Eusei.Desculpe.Eunãosabiaoquefazer.-Bem,estamosfelizesquevocêestáaqui–Gabydissedocemente,colocandoumamãosobreo

ombrodagarotinha.Elasvoltaramasubiremsuasbicicletas.-Então,paraondevocêfoi?–Juliaperguntoucuriosa.Annepermaneceuquietaporuminstante.-Nãovoufalar–elarespondeuresoluta,dirigindoparalongedeGabyeJulia.Juliaolhoupara as costasdeAnne, piscandoespantada.Aquela erauma reação estranha.Anne

poderiaterditoapenasum“poraí”,sequisessetersoadovaga,maselanãodisse.Talvezelativesseumlugarespecialnaflorestaquenãoqueriaqueninguémsoubesse,assimcomoela.

Julia suspirou. Seu próprio lugar especial havia perdido muito de seu brilho: o acidente deMichaelhaviaacontecidopróximoaocarvalho,ealémdisso,suaárvoredeabraçarvinhaparecendomoribunda.Estavaprovavelmentedoente,ou talvez,haviasido fortementeatingidaporumraionatempestade, como no mito druida. Seus pensamentos voltaram para as histórias de Silke e ainformaçãoqueGabyhaviaencontradoonline.Erahoradefazerumaspesquisasquandochegassememcasa.

SuamãepuxouAnnepara dentro, comummisto de alívio, indignação emimos.Gaby e Juliapegaramsalgadinhoserefrigerantedoarmárioedesapareceramparaoandardecima,paracolocarocolchãoextranoquartodeJuliaeligarolaptop.

-AsdetetivesdoGoogleestãoprontas–Gabydeclarou,clicandoduasvezessobreo íconedoFirefox.

Nãodemoroumuitoparaqueelaencontrassenovamenteositequehaviamvistomaiscedo.Elascontinuaramaler,cativadaspelasmuitashistóriasqueowebsite trazia.Haviainformaçãosobreos

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velhos carvalhos nomundo, o significado do carvalho nas diferentes culturas, além de um longoparágrafosobreosdruidasesuastécnicasdemeditação.OsolhosdeJuliasearregalaramquandoelachegouaumainformaçãofamiliar.

-Ei,veja,issoéoqueaSilkenoscontou.–elaapontouparaatelaeleuemvozalta.–Ocarvalhoconectaofogocósmicodoraiocomospoderesdaterra.Alémdisso,opoderdestaárvoreabreumportalparaospoderessobrenaturaisnodiadoSolstíciodeVerão.

-Solstício–Gabymurmurou,rolandoparabaixo.–Queéem...Deixe-meprocurar.Ah,aquiestá.Juliaficouboquiabertadiantedatela.Elanãoconseguiadizerumapalavra.Incrédula,elaencarou

atabeladosferiadosceltasnatela.Osolstíciodeverãoeranodia21dejunho.OdiadoacidentedeMichael.

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7.-Équasecomoseeletivessetrazidoalgodevoltacomele,quandorecobrouaconsciência.–Juliaestavasentadanacama,mastigandoalgumasbatatas.

-Algo?–Gabydisparou.Julia ficou paralisada. Ela pareceria lunática, mas ela simplesmente tinha que tirar aquilo da

cabeça.-Sim.Algodeoutromundo.Umestranho tipode energia.Parece quehá algum tipode força

sobrenaturalotransformandopordentro.Talvezsejaporissoqueelesobreviveuaoacidente.Gabyolhouparaela,pensativa.-Então toda aquela saga celta sobreo carvalho e a forçado relâmpagopoderia realmente ser

verdade?-Nãofaçoamínimaideia.–Juliaencarouateladeseulaptop,agoradesligado.–Euseiqueos

druidaseramtidosemaltacontaemtemposantigos,entãoelesnãopodemtersidototalmenteloucos.Masissocertamentepareceumaloucura,euadmito.

-LoucuracomLmaiúsculo.–Gabyconcordou.–AlgoestranhoestáacontecendocomMichael,entretanto.Atéeupossoverisso.

Juliarespiroufundo.-Omaisestúpidoéqueeuqueroqueelemenote,enquantoaomesmotempoeunãosuportoo

fatodequeeleestáfalandotãodocementecomigo,fingindoquesomosamiguinhos,comosenadativesseacontecido.Querodizer,quenadafazsentido.Elenemmesmosedesculpou.

Elaserecordoudaestranhaconversanalivraria.OquefoiqueMichaelhaviaditoaela?"Sintomuitoqueeleatenhamachucadodestaforma."Eleestavafalandodeseuantigosercafajeste?Elanãoconseguiaentende-lo.

Naquelanoite,Juliasonhoucomalivraria.Michaelficavaaparecendoondequerqueelafosse,apesarde todasassuas tentativasdeevitá-lo,eThorstenestava lá também,querendocomprarumavelha enciclopédia a qualquer custo. Quando o despertador a acordou, ela sentia tudo, menosdescanso.Eracomoseelajátivessetrabalhadoanoiteinteira.

Aindameiosonolenta,elasearrastouparaobanheiroparaumbanhorápidoecaminhoudevoltaparaoquartoparaacordarGaby.

AportaparaoquartodeAnneestavaentreabertaequandoelaolhouparadentro,JuliaviuAnnesentadaemsuaescrivaninha,escrevendoalgoemseudiário.Elaempurrouaportaparaentraredarumrápidoabraçoemsuairmã.

AcabeçadeAnneseergueueelarapidamentefechouoseudiário.-Vocênãosabebater?–eladisse,asperamente.-Comoéqueé?–Juliaolhouboquiabertaparaairmã.–Porqueaformalidade,tãoderepente?

Seráqueeudevomarcarumareuniãodapróximavez?Annepuxouodiárioemsuadireçãoeoapertouaopeitocomoseelecontivesseumapilhade

notasdecemeuros.-Desculpe–elamurmurou–Vocêmeassustou.Euestavadistraídaescrevendo.-Ah,issoémuitobom!Vocêvaiescreverumahistória?Annedeudeombros.-Talvez.Masvocêsóestáautorizadaalerquandoestiverpronta.Juliariu.-Sim,sim,euseicomoé.Igualàsuacasanaárvore,nãoé?Vocêestátestandominhapaciência,

garotinha.

Page 71: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

Annetinhaumolharestranho.-Sim,exatamentedesse jeito.Desculpe.–elaabriuagavetade suaescrivaninhaeempurrouo

diárioparadentro.–Vamostomarcafédamanhã?-Hmm.–Juliamurmurou.Anneestavasecomportandodeumjeitoesquisitoháalgumtempo,ou

talvez ela estivesse apenas tendo dificuldades para se adaptar. Sua irmãzinha estava crescendodepressaecomeçandoadesenvolverumafortepersonalidade.Elaprovavelmenteficariaaindamaisteimosaquandochegasseàpuberdade.

GabyestavaacordadaquandoJuliaentrounoquarto.-Ei–eladisse–Vocêdormiudireito?Ficourolandopraláepracáanoiteinteira.-Sim,dormibem.Massonheibastante.-VocêdisseonomedoMichaelalgumasvezes.-Oh.–Juliafezumacareta.–Sim,devoterfalado,mesmo.Elemeperseguetantoquenãome

deixaempaznememsonho.Gabycomeçouarir.-Evocêachaissoruim?–elapiscouexageradamente.-Claroqueeuachoissoruim!Euquerosaberoqueestáacontecendocomeleantesqueeupossa

mealegrarcomofatodequeeleestámevisitandoemsonho.Quandoelasdescerameforamparaacozinha,amãedeJuliahaviaacabadodecolocarumprato

comtorradaseumagrandevasilhadeovosmexidosnamesa.-Mãe,vocêédemais.–Juliaagradeceu.–Estamosfamintas.Gaby e Julia começaram a devorar seu café-da-manhã. Anne estava empoleirada na ponta do

bancodacozinhalendoumexemplarantigodeHarryPotterenquantocomiaumabanana.-Amamãevaimelevaraocinemadepoisdecafé-da-manhã–elaanuncioualegremente–Elavai

trabalharnoturnodatarde.Julia lançouumolharquestionadoràmãe,que tinhacaradequemqueria fazeraspazes.Anne

talvezaindaestivessechateadapelabrigadeontem.Talvezelaestivesseescrevendosobreissoemseudiário.

Depoisdo cafédamanhã, asduasgarotas caminharamatéopontodeônibus.Elas tomaramomesmoônibusnaprimeirapartedaviagem,masdepoisdealgumasparadas,Gabytevequemudar,parachegaràescoladeequitação.

-Mantenha-meinformadasobreodesenvolvimentonotrabalho,ok?–elasorriumaliciosamente.–QuerosabercomooMichaelvaisecomportarcomvocêhoje.

Juliarevirouosolhos.-Podedeixar.Divirta-setirandoestrumedosestábulos.SeuestômagocomeçouarevirardeumjeitoestranhoquandooônibusseaproximoudaCidade

Velha.Juliadesceuecaminhouhesitanteparaalivraria.NaentradadaHöllrigl,Donna,SilkeeMarcojáestavamesperandoalojaabrir.Nenhumsinalde

Michael e Julia suspirou aliviada. Ela secretamente esperava que ele não aparecesse naquele dia.Talvezestivessedoente,outalvezeletivessedecididopedirdemissão.

-Olá–Juliacumprimentouoscolegas–OMartinaindanãoabriualoja?Silkebalançouacabeça.- Ele acabou de ligar para oMarco para nos avisar que se atrasará. E bem, ninguém vai sair

quebrandoasportasparaentrarecomprarlivrosnasegunda-feirademanhã,dequalquerforma.Depoisdedezminutos,MartineMichaelviraramaesquina.Juliagemeuinternamente.Entãoele

vinhasimtrabalharhoje.-Desculpe–Martindisse,ofegante–Nãoestoudandoumexemplomuitobom.Porém,ébomver

quepelomenosvocêstodoschegaramnahora,comodeveriam.

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MarcotossiualtoeapontouumquaseimperceptíveldedoaMichael.-Exceto alguns. –Martin acrescentou sorrindo.Ele destrancou a porta e eles entraram, umde

cadavez.NãodemoroumuitoparaMartin dar uma tarefamatinal a cadaum. Julia foi designadapara o

estoque, com uma lista de títulos que seu chefe queria que ela colocasse em promoção naquelasemana.Eraumatarefaqueelapodiafazersozinha,oqueadeixavaagradecida.Pareciaqueelateriaumamanhãtranquila.

Cantarolando uma melodia feliz, Julia andou pelos corredores verificando as prateleiras embusca dos títulos que Martin queria que ela selecionasse. A lista continha algumas coletâneas depoemas que eram para serem vendidas com cinquenta por cento de desconto, o que era uma boanotícia para ela: ela colocaria alguns de lado para que pudesse comprá-los antes que os clientesnormaisdaHöllrigltivessemachancedepegar.

Juliaestavaocupadaclassificandoumapilhaderomancesquandoouviuumalevebatidanaporta.Quandoelaseabriu,Michaelestavaempénasoleira,sorrindoparaela.

-Martinquersabersevocêprecisadealgumaajuda–eledisse.Elarapidamentebalançouacabeça.-Não,estoubem–elarespondeusecamente.Imperturbável,eleentrounoestoque.-Bem,estámeiotranquiloláembaixonomomento.Porquenãoteajudoumpouco?Seeuleros

títulosdalista,vocêpodeprocurá-losepegá-losdaprateleira.Vaiserbemmaisrápido.Suprimindo um grunhido, Julia ficou de pé. Manhã tranquila? Que nada! Agora ela ficaria

constantemente preocupada com o fato de ele estar no mesmo ambiente, esperando que ele nãopuxasseoassuntodoencontroestranhonafesta.Elesdeveriamterchamadoaquelediadesegunda-feiradataxaçãomental.

Michaelsesentounobanquinhopertodaporta,pegandoalistadochão,nocaminho.-HermanHesse,TheSongofLife–eledisseemvozalta.JuliarapidamentesedirigiuàseçãodaletraHeprocuroupelotítuloqueMichaelahaviadado.

Ele leu vários outros e ela os procurou damesma forma, sem trocar uma só palavra com ele oumesmoolharemsuadireção.

Quando ela se virou porque ele ficou em silêncio por alguns instantes, ela viu que ele haviacolocadoalistadeladoeestavaolhandoapilhadelivrosqueelahaviaseparadoparasi.

-Estessãomeus.–eladisparouinvoluntariamente,comoseeleestivessetentandoroubá-losdela.MichaelKolbelendopoemasparasedivertir?Dejeitonenhum.

-RainerMariaRilke–eledisse,olhandofascinadoparaolivroemsuasmãos.–Nãooconheço.–eleaentregouacoletâneadepoemas.–Ei,porquevocênãopegaessespoemasparalerparamim?Apostoquevocêéboanisso.

Juliaergueuumasobrancelha.-Penseiquevocêtivessevindoatéaquiparameajudarparaquetrabalhássemosmaisrápido.Eledeuumsorrisotortoeseucoraçãoperdeuocompasso.-Ah,vamos.Vivaumpouco.Umpequenointervalonãofarámal.Ela bufou nervosa e se sentou no chão ao lado do banco em que Michael estava sentado.

FolheandoaspáginaselaescolheuumpoemaaleatórioeacaboulendoovigésimoquintoSonetoaOrfeu.

Masati,queeuconhecia,atiqueroagoraComoaumaflordequenemseionome,Lembrarmaisumavezpratemostraraosoutros,Roubada,belaamigadoinvencívelgrito.

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Elaleucomumavozquesumiaacadaestrofe.Julia sentiu o calor subir às suas bochechas.De alguma forma, aquele poema parecia que era

sobreeles.Elaohaviaamadocomoumaflorsemnome,porqueelanãotinhaideiadequemelehaviasido.Elaestavaprocurandolembrardasuaimagem,seapegaraumamemóriadeumcararomânticoemisteriosoquenemmesmoera real.Eclaro, elehaviaquase sido roubadomuitocedo, alémdadescriçãoda“belaamigadoinvencívelgrito”pareciaseadequarperfeitamenteaele.Queironiadodestinoahaviafeitoleraquelepoemaparaele,dentretodosossonetosnomalditolivro?

Eentão,elecolocouumamãoemseuombro.Elaergueuosolhos,comoumcervopresoemumaarmadilha,suafacequeimandoquandoosolhosdeleencararamosdela,avaliandoseuspensamentos.

-Sobreoqueéestepoema?–eledisseemumavozobscura.Ah,não.Michaelestavaentendendo tudo.Elepodiasentirqueessepoemaa lembravadele.Ele

deviasaberqueaestavadeixandonervosaequeelanãotinhamaiscertezaseconseguiriaresistiraosseusencantos.

-Eu...Eunãosei–elagaguejou–NãosouespecialistaemRilke.Elebalançouacabeça.-Querodizer,oqueessepoemasignificaparavocê–elemurmurou.Juliaengoliusecoquandoelefoiemsuadireçãoeaenergianolocalsetransformou.Ficarali

seriamuitoperigoso;elatinhaquesairimediatamente.-Eu, é, não tenho certeza – Julia disse, fechando o livro abruptamente. –Hã,me desculpe, eu

precisobeberalgo.Minhagargantaestáseca.Ela se levantou apressadamente, atirando-se porta afora sem esperar resposta. Com o coração

martelando,elacruzoucorrendoatéa saladedescanso.OspassosdeMichaelecoavamatrásdela.Ofegante,elafechouaportaeencostounobalcãodacozinhanocantodireito,asmãostrêmulas.

Masentão,aportaseabriunovamente.JuliafoiparalongedeMichael,queestavaindoemsuadireção.

-Váembora–eladisseentredentes.Ele parou em frente a ela, seus olhos pedindo algo para o qual ela não tinha resposta. Sem

palavras,eleergueuumamãoegentilmenteacariciouoseubraço.-Estoufalandosério–Juliadissecomavozrouca–Medeixeempaz.Ele chegou ainda mais perto se inclinando em sua direção, seu corpo a empurrando para o

balcão.Sua respiração se acelerouquandoMichaelusou suaoutramãopara acariciar suas costas,descansandoosdedoslogoacimadocóccix.

-Nãoposso–elerespondeuparecendodesesperado.Eleahaviaditoamesmacoisanafestaontem,eaindaeraalgoestúpidoeinexplicável.-Porquenão?Michaelrespiroufundo,encarando-aaalgunscentímetrosdedistância.-Porqueestouapaixonadoporvocê–eledissefirme,masemvozbaixa.Aquiloeraloucura.Elerealmentepensavaqueelacairianamesmaarmadilhaduasvezes?Julia

balançouacabeça,inexpressiva.- Eu... Eu não acredito em você – ela sussurrou de modo quase inaudível, as lágrimas se

acumulandoemseusolhos.Ela tinhaquedizeraquiloaele,porqueela tinhaqueseproteger,masqueriamuitoacreditarnele.

Michaelpegouseurostocomasduasmãos,limpandoumalágrimasolitáriaquecorriaporsuabochecha.

-Desculpe–elemurmurou.Eentãoabeijou.Muito,muitosuavemente,elebeijouseuslábios.Eraumcarinhotãoinseguro

que mal poderia ser considerado um beijo, mas o corpo de Julia implorava pela diferença: ela

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respondiaaoseutoquecomoagasolinarespondeàchama.Asuamenteestavatentandosersensata,masoseucorpo,definitivamentenão.Umruboriluminousuafacequandoelaavidamenteobeijoudevolta.Quandoelaoouviugemersuavemente,ficouaindamaisanimada.

Tudopareciaperfeito.Aquele simeraobeijoqueela sempre imaginounosdiasemquehaviafantasiadocomMichael.Elacolocouosbraçosaoredordocorpodeleeopuxouparamaisperto.Senti-lotãopertoeramuitobom.Quandoeleaapertoueretribuiuseusbeijosardentescomamesmapaixão,Julianãoteveescolhaanãoseracreditarqueeleestavafalandoaverdade.

Pormais confuso que estivesse, ele estava realmente apaixonado por ela.Aquilo era real. Elapodiasentirpelasbatidasdeseucoração,aformacomosuasmãosquentesegentisaacariciavam,atensãoentreosdois.Elanuncahaviasesentidoassimantes,nemmesmoduranteaquelanoitenacasadele.

ArespiraçãodeMichaelestavaentrecortadaquandoelefinalmenteseafastou.Eletocousuafaceesorriu.

-Tenhoalgoparavocê–eledissecomavozbaixa,puxandoumpapeldobradodobolsodasuacalça.

Juliaopegou,olhando-osementender.-Oqueéisso?-Euescreviparavocê.Ontemànoite.–Michaeltimidamenteolhouparaochão.–Éumpoema.-Paramim?– Juliao encarouboquiaberta.Emqualuniversoparaleloumcara comoMichael

escreveriaumpoemaparaela?Aquilosópodiaserumsonho.ElanãohaviaacordadoeGabylogoabaterianacaracomotravesseiro,paratirá-ladoPaísdasMaravilhas.

-Esperoquevocêmedêahonradelê-lo.Eununcaescrevinadaparecidoantes.O tremor inseguroemsuavoz fezocoraçãode Juliaderreter.Seaquilonão fosseumsonho,

então,definitivamenteeraumsonhorealizado.-Claroquevouler–eladisseapressadamente.–Sóestou...Sempalavras.Honestamente,eunão

seioquedizer.Pelosanjosdocéu,eleahaviabeijado,pedidodesculpaseescritoumpoemaparaela.Nãohavia

palavrasquepudessemdescreveraquilo.A conversa particular deles foi interrompida porMartin que chamava porMichael do vão da

escada.-Kolbe!Vocêpodedesceraqui!Háclientesqueprecisamdesuaajuda.Michaeldeuumpassoparatráseabriuaporta.-Jáestouindo!–eledissedevolta,enquantosorriamaliciosamenteparaela.Juliasorriudevolta,encorajando-o.-Vai–eladisse–Vaifazerseutrabalho.Eobrigada.Conversamosmaistarde.A porta se fechou. Com os dedos trêmulos, ela desdobrou a folha, resistindo à vontade de

começar a ler imediatamente. Primeiro, foi até a chaleira elétrica, para fazer um chá para si.Enquantoseusaquinhodecháverdeestavamergulhadoemumacanecadeáguaquente,elaolhoudeladoparaopoemasobreamesa,seuspensamentosvoltandoparaobeijo.

Julia gentilmente apertou os lábios e repentinamente desejou que Michael não tivesse sidochamadoláparabaixo.Elanãoteriaseimportadodebeijá-lomaisumpouco.Mesmonãotendoideiado que havia provocado a sua mudança de personalidade, uma coisa era absolutamente certa: ossentimentosdeleeramverdadeiros.Elanãotinhamaisdúvidas.

Quandoocháficoupronto,Juliasentou-seàmesadacozinhaedeuumpequenogolenabebidaantesdepegarafolhaparaleropoemaqueMichaelahaviaescrito.

NofundoQuasetimidamente

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EmumavozsuaveefinaEutechamoVocêpodemeouvir?EutocoodouradoalvorecerNociclodavidaEusouoanjoqueteacompanhaMinhacriança,minhaestrelaMinhaluz,meuamorVocêmefazverVocêpodemeouvir?Aslágrimasseacumulavamemseusolhos.Elehaviaescritoumpoemamaravilhoso.Eleafazia

sentir como se tivesse estado com ela pelas incontáveis horas que passava na floresta, lendo suamente enquanto ela sonhava e cantava e escrevia seus próprios poemas. Suas palavras eram tãoprofundasemísticas.Elatinhaquecontarparaamelhoramiga.Imediatamente.

QuandoSilkeinvadiuasala,Juliarapidamenteguardouopoema.-Ei,oquevocêestáfazendo?Jáestáfazendoumintervalo?-acolegaperguntou,surpresa.-Hã, sim. Eu estavamorrendo de sede, sabe? – Julia ergueu a caneca, explicativamente. –De

qualquerforma,jáestoudesaída.Tenhoumascoisasparaterminar.-Desculpe!Nãoqueriaexpulsarvocêdaqui–Silkefalou,enquantoJuliavoltavaparaoestoque.

Alémdeterminarasuatarefa,elaaindatinhaquepegarabolsanasala,porqueseucelularestavalá.Gabytinhaqueouvirasnovidades.

"PRECISOfalarc/vc.Mmebjouemeescreveuumpoema!!Vctemumtempohjànoite?bj"Demorouapenasumminutoparaarespostachegar."Q???TemosqconversarAGORA!Tevejodpsdotrabalho."Juliaguardouocelular,seucoraçãomartelandonopeito.Elanãoconseguiaafastarosentimento

de antecipação que percorria seu corpo.Apenasmais duas horas até o almoço. Será queMichaelfalariacomelae,sesim,oqueelefalaria?Oqueelafalaria?

-Ei,suaeremita!–Donnaenfiouacabeçaparadentrodasalaaomeio-diaemeia.–Vocêvem?Éhoradointervalo.

Julia se virou com dificuldade. Seus joelhos estavam doloridos de tanto se arrastar pelo chãoprocurandoporumlivronaseçãoR.

-Sim,jávou–elarespondeu,apesardenãoestarcommuitafome.Seuestômagoestavamuitoansiosoparaaquilo.

Caminhando lentamenteatrásdeDonna,elaentrouna saladedescanso,apertandosuamarmitacontraocorpo.Ládentro,Marco,MichaeleMartinhaviamocupadoamesapertodacafeteira.Silkeestavacolocandoumpoucodesuconobalcãoesevirouquandoasgarotasentraram.

-Oquevocêsmedizemdefazermosumamesaparanós?–elariu.–Euachoqueocontatoentrehomensemulheresnãoéencorajadonestalivraria.–elaapontouparaamesadoshomens.

Juliamordeuo lábio.SeSilke soubesseoquantoas coisashaviam ficado íntimasentre algunsfuncionárioshápouquíssimotempo...

-Talvezvocêestejatirandoasconclusõeserradas.–elacomentou–Particularmente,euacreditoqueapenasaspessoascomnomequecomececomMéquepodemsentarnaquelamesa.

Donnacomeçouarir.- Garota, você deve ter pirado lá dentro daquela sala de estoque, escolhendo livros a manhã

inteira.Vocêestáclassificandoaspessoasporletras,peloamordeDeus!Rindoeconversando,asgarotassesentaramnaoutramesa.JuliaolhouderelanceparaMichael,

queaseguiucomoolhar.Elalhedeuummeiosorrisohesitante,queofezsorrirlargamentedevolta.

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Forçando-seapararderircomoumaboba,elalogosesentouparacomerseurocamboledequeijo.Seuapetitehaviavoltadoderepente.DonnaeSilkeestavamconversandosemparareelacomentavaalgo,vezououtra.

QuandoJuliaselevantouparapegarmaisumcopodesuco,Michaelfoiatéageladeiraeparouaoseulado.

-Quermeacompanharláfora?–elemurmurou,mostrandoummaçodecigarros.Juliaolhounervosamenteparaele.- Hã, sim, claro. – ela gaguejou. Ela não era verdadeiramente uma fumante, mas faria uma

exceçãoparaterachancedetê-losóparaelaporalgunsminutos.Ela colocou o copo na pia e seguiu Michael porta afora, ignorando Donna e Silke, que a

encaravam inquiridoramente.Comos joelhos trêmulos, eladesceu as escadas e foi emdireção aofundo da loja. Michael abriu a porta que dava para a pequena área que era usada para carga edescarga.

Juliahesitouquandoeleaofereceuomaço.-Naverdade,eunãofumo.–elaestavaenvergonhadadeconfessar.–Eufumeiaqueledianasua

casa,maseunãoestava,bem...–elaparou,procurandoaspalavras.–Eunãoestavasendoeumesma–elafinalmentefalou.

Agoraquehaviaditoaquiloemvozalta,elapercebiaqueeraverdade.Elahaviafingidoseroutrapessoanaquelanoite,apenasparaatenderàsexpectativasdele.

Michaelguardouoscigarrosnobolsodacamisa.-Parasersincero,eutambémnãoestoumaismuitoafimdefumar.–eledeudeombros.–Desde

oacidente.–elepassouumbraçoaoredordela.–Sóqueriafalarcomvocê.Juliadescansouocorpocontraodele,fechandoosolhosecurtindoomomento.-Euadoreiopoema–elamurmurou–Muitoobrigada.Eleergueuoqueixodelaeexaminouseurosto.-Vocêgostoumesmo?Vocêestá...Sendovocêmesmaagora?Juliacorou.Parandoparapensar,a formacomohavia tentadodesesperadamenteagraadá-lono

passadoerahorrível.-Sim,eugostei–elasussurrou.Elesorriudocementeparaela.-Ficofelizemouvirisso–murmurou,abaixandoacabeçaparabeijá-lacarinhosamente.Julia passou os braços ao redor de seu pescoço e retribuiu o beijo, seu coração batendo

furiosamenteenquantoasmãosdelepasseavampeloseucorpo,antesdepararememsuacinturaeapuxaremparamaisperto.Quandoeleatocava,eracomoseocorpodelaestivesseempazeàmercêdeumatempestade,tudoaomesmotempo.Eleaacalmavaeaconfortava,maseletambémadeixavaeufórica.Elaestavaprestesaimplorarpormaisbeijosquandoelesesoltoudeseuabraçoedeuumpassoparatrás.

-Achoquetemosquevoltarláparacima–eledisse,ligeiramentesemfôlego.-Umapena–Juliarebateu.Michaelpegouemsuamão.-Amanhãeuvouapenastrabalhardemanhã–eledisse,comumaesperançaevidenteemsuavoz.

–Evocê?Talvezagentepossasairàtarde.Iraoparqueoualgumaoutracoisa.Otempoestábom.Juliarepassouseuhoráriomentalmente.-Voupedir aoMartinparamudaraminha folgadequintaparaamanhã– respondeu, sorrindo

paraele.Elapodiajurarqueseucoraçãoexplodiriadealegriaeamor.Eleahaviachamadoparasair!Edaquelavez,elerealmentequeriairaalgumlugarenãoapenasficaremseuquarto,paraveratéquepontoascoisasiriamcomela.

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Michaelsorriualegremente.-Esperoqueeledigasim–eledisse,comumbrilhoverdadeironoolhar,dandoaimpressãode

queeraaprimeiravezqueaestavaconvidandoparasair.O fato de que ele a havia dispensado depois daquele primeiro encontro parecia umamemória

distante,mas não completamente apagada damente de Julia: uma pequena pontada de insegurançaatravessouoseucoração.Elaaindanãoentendiaaquelamudançasúbitadecomportamento,masnãoeraumaideiamuitoboatrazeràtonaoassuntonaquelemomento.Elaperguntariaaeledepoisquetivessempassadomaistempojuntos.Ouelanemperguntaria.Eratambémperfeitamentepossívelqueele nem houvesse notado sua própriamudança de caráter depois de ter batido a cabeça e naquelecaso,ela teriaque ficardeboca fechadapara sempre.Ela teriaque seocupardeconheceronovoMichaelenãosepreocuparcomoantigo.

Quandoorelógiobateucincohoras,Juliadeixoualivrariaanimada.Tudohaviaacontecidodaformaqueelatinhadesejado:Martinconcordaracomatardedefolganodiaseguinte,eainda,haviaconseguidocompraroslivrosdepoemascomdescontos.Seuchefeahaviadadosessentaporcentodedesconto, ao invésde cinquenta.Agora, elapoderia lermaispoemasparaMichaelquandoelesfossemaoparquejuntos.Elanãoestavamaiscomvergonhadaquilo.

DonnaestavaesperandonopontodeônibuselaçouumolharalegreparaJuliaquandoacolegasesentouaoseulado.

-Então,horadeesclarecerascoisas.OndevocêeoMichaelforamnahoradoalmoço?-Láfora.Fumar.-Claro.Nãoacredito.Maseuapostoqueascoisasdevemterficadobemquentesentrevocês.–

Donnalhedeuumacotovelada.Juliariunervosa.-Estábem,vocêestácerta.Estárolandoalgoentrenós.Denovo.-Parecebom.ÉporissoquevocêimplorouaoMartinparatrocarsuafolga?-É.Vamosaoparqueamanhã.–elasorriuanimada.–Euaindanãoconsigoacreditar.Donnarevirouosolhos.-Vaihavermaterialcensurado,nãovai?Romancenotrabalho.Mammamia!Nãomefaçadesviar

oolharcadavezqueeuentrarnoestoqueevocêsestiveremfumando.-Vamosmanteracensuralivre,euprometo.Naquelemomento,oônibusdeJuliachegouaoponto.ElaacenouparaDonnaantesdeembarcar.

Como seuMP3 estava sem bateria, se distraiu lendo o poema deMichael várias e várias vezes eacaboupordecorá-lopoucoantesdechegaremBirkensiedlung.

Avizinhançaestavacalmae tranquila,muitodiferentedoburburinhodacidadedepoisdemaisumdiadetrabalho.OspássarosestavamcantandonasárvoresquecontornavamaruapelaqualJuliacaminhavaparachegaremcasa.

Quandoelachegouemsuarua,Juliadesacelerouopasso,umamúsicadeviolãoestavavindodoquintaldafamíliaEbner.Curiosa,elaenfiouacabeçapelacercavivaquecircundavaogramadodelese viu Thorsten sentado ali. Ele estava tocando uma lindamelodia em um violão clássico. Julia oouviu,prendendoarespiraçãoesearrependeuporterchegadotãopertoquandoeleergueuacabeça,parandodetocarimediatamente.

-Desculpeinterrompê-lo–eladisse,culpada.Thorstensorriu.-Vocênãoestáinterrompendo.Sónãoestouacostumadocomplateia.–eledeudeombros.-Vouembora,ok?–Juliamurmurou,maselebalançouacabeça.-Não,nãoestáok.Eunãoseriabobo.Venha,senteaomeulado.Talvezvocêpossacantaralgo.

Euaindanãotenhonenhumaletraparaacompanharaminhamúsica.-elegesticulouparaqueelase

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sentasse.Juliaabriuoportãohesitante.Elahaviaentendidodireito?Thorstentinhamesmoescritoaquela

melodia? Aquilo era incrível. Ultimamente, ela vivia tropeçando em caras lindos e criativos quepareciamgostardela.

-Eunormalmentenãoescrevoletrasparaasminhasmúsicas,parasersincera.–Juliaadmitiuaosesentar.–Eunormalmentesótocomúsicasinstrumentaisnopiano.

Entretanto,quandoThorstenrecomeçouatocarsuamúsica,elasentiuainspiraçãoborbulhar.OpoemadeMichaelaindaestavaemsuamente,esempensar,elacomeçouacantá-lo,incorporandoaspalavrasnamelodiadeThorsten.Tudooqueela sentiaporMichael se afinavanamúsica e soavamaravilhoso,combinandocomodelicadodedilhardeThorsten.

Juliaoolhoufurtivamente,surpresa.Elanuncatinhapensadoquefazermúsicacomalguémseriatão simples. Quando ela cantou a última estrofe e a música acabou, olhou para ele. Thorsten aencaravaatentamente.

-Issoficourealmentelindo–eledisse,comavozentrecortada.Elecolocouoviolãodeladoeseinclinouparaela.–Vocêérealmentelinda–elemurmurousuavemente.

Porummomento,osdoisficaramparados.OcoraçãodeJuliaveioatéabocaquandoamãodeThorstentocouseupescoçoeeleseaproximouaindamais.Algoemseuestômagoseremexeu.Elasabiaoqueeleestavaprestesafazer,masnãopodiasemover,nãopodiafalarnãoparaele.

Ouseráqueelanãoqueriafalarnão?Elanãotevetempodepensarsobreaquilo.OslábiosquentesdeThorstenatingiramosseus.Julia

involuntariamente fechou os olhos e sentiu o calor irradiar da pele dele para a sua.O hálito delesopravasuavementeporentreseus lábiosentreabertoseseusdedosestavamenroladosnoscabelosdela,acariciandosuanuca.Eleabeijoudenovo,suavementeedepoisdeumjeitomaisapaixonado,deixando o gosto dele em sua boca. E então, ele vagarosamente a soltou e olhou dentro dos seusolhos,aalgunscentímetrosdeseurosto.

-Nãopuderesistir–elesussurrou–Vocêestavacantandotãolindamenteepareciatãoinocenteedoce.Vocêestavaangelical.

Julia devolveu o olhar, seu rosto queimando de vergonha. Ela tinha parecido inocente e doceporque tinhacantadoaspalavrasdeMichael.Porqueestavaapaixonadaporele.Eaindaassim,elahaviadeixadoThorstenabeijar,semfazerqualquerobjeção.Elanãohaviafeitonadaparaimpedi-lo.Oquediaboselaestavapensando?

Osilêncioestavaficandoincômodo.Elatinhaquedizeralgoaele.- Eu...Nãome importo – ela gaguejou, vacilando. –Não, não é verdade. Eume importo sim.

Querodizer...Umsorrisodivertidopuxouocantodoslábiosdele.-Como?Oquevocêquerdizer?Elamordeuolábio.-Eudeviaterimpedidovocê.-Sim,ok.Achoquevocêfalhou.–Thorstenriumaliciosamente.Juliacorouaindamais,eengoliuseco.-Eutebeijeidevolta?–elasussurrouquaseinaudivelmente.OsolhosazuisdeThorstenaencararameno silêncioque se seguiu, elapodiaouviro sangue

correndoemsuasveiasesentirasmãosdeleaindasegurandoassuas.-Paramim,pareceuquesim–elerespondeuemumavozbaixaeséria.-Desculpe.–elagaguejou.–Eunãodeveria.Eunãoqueriaqueissotivesseacontecido.-Vocêaindaestáapaixonadaporele?–Thorstenperguntou,transparecendodoremsuavoz.Juliaolhouincomodadaparaassuasmãossegurandoasdele.

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-Vousaircomeleamanhã.Desculpe.Euhonestamentenãoseioqueestáhavendocomigo.Bem,estoudandoossinaiserrados.Eeunãodeveriaestarfazendoisso.Eu...

ElaparoudefalarquandoThorstentocousuabochechacomumamão.-Estátudobem.Euapegueimeiodesprevenida,acho.Apenasmedeixeserseuamigo,ok?–ele

beijouasuatestaeselevantou.–Divirta-seamanhã.Thorstenpegouoseuviolãoeentrouemcasaapressado.Juliasexingoumentalmente.Elaestava

sendoumavaca!Eraóbvioqueelaohaviamagoado,mesmoeledizendoqueaindaqueriaserseuamigo.Agora que ela estava saindode novo comoMichael, talvez fossemelhor evitá-lo por umtempo.Mascomoelafariaaquilo,seelemoravadooutroladodarua?

Sentindo-se farta, ela se levantou e se arrastou para fora do jardim. Claro, Gaby chegaria aqualquer minuto para ouvir tudo sobreMichael. Ela não tinha certeza sobre como incluiria esseepisódionoresumodoseudiacheiodenovidades,mesmoGabytendorecomendadoqueelasaíssecomosdoiscarasparadecidirdequalelagostavamais.

- Cheguei – ela disse, quando entrou em casa. Nenhuma resposta. A sua mãe ainda estavatrabalhando,eAnneprovavelmenteestarianacasadaavóoucomSabine.Juliafoiparaoandardecimaparatirarocolchãodeseuquartoeescreveremseudiário.

Depoisdecolocarocolchãodevoltanoarmáriodocorredor,elasentou-seemsuaescrivaninha,abriuagavetaepegouoálbumdefotosqueelausavacomoálbumderecortes, livrodepoemasediário.ElaqueriagrudaropoemadeMichaelali.AcançãoqueelahaviaescritocomThorstenestavatocandoemsuamente.

O olhar de Julia desviou-se para fora e parou na casa do outro lado da rua. Thorsten estavasaindo do galpão com uma pilha de pranchas de madeira nos braços, que ele colocou em umcarrinho puxado por sua bicicleta, conforme as instruções de Sabine. Ela sorriu. Então ele estavaajudandoasgarotascomoprojetodeconstruçãonobosquenovamente.Talvezeladevessepediraelemaioresinformaçõessobreacasanaárvore,paraqueelapudesseteralgumaideiasobrequandoAnneaconcluiria.

EnquantoSabineestavaocupadaprendendootraileremsuabicicleta,Thorstenergueuosolhosparaajaneladeseuquarto.Eracomoseeletivessesentidooseuolharsobreele.Eleacenoucomumsorrisoamigável.Juliaacenouvagamentedevolta.Seusolhosazuisclarosnãoareprovavameaindaassimelasesentiamal.

Pelocantodoolho,elapôdeverGabyvirandoaesquina.Rapidamente,elasaiudajanelaedesceuapressada,paraquepudessearrastaraamigaparadentrodecasaantesqueelaengatasseumalongaconversacomThorsten.Enquantoelacaminhavaemdireçãoàportadafrente,ouviuGabygritandoalgoparaThorsten,queaindaestavaajudandosuairmãzinha.ElaabriuaportadeumavezeagarrouobraçodeGaby.

-Ei,Gaby.Entraaqui.Gabyriu.-Morrendodevontadedecontarasnovidades,nãoé?–elaentroueabraçouaamiga.–Vamos

paraacozinha,Afrodite,paravocênosfazerumchá,abrirumpacotedecookiesemecontartudodeAaZqueaconteceuhoje.

Vermelha,Juliacontouparaamelhoramigatudooquehaviaacontecidonalivraria.Depois,eladeclamouopoemadeMichaeldecabeça.

-Que lindo. –Gaby suspirou. –Então você temumencontro amanhã.Nossa Jules, parece umsonho.

-É,parecemesmo.Algumasvezesparecequeestousonhando.Tudoaindaparecemuitosurreal.–elaencarouacanecaemsuasmãos,limpandoagargantaantesdecontinuar.–Ah,eeutambémcanteiumamúsicahoje.ComoThorsten.

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Gabyergueuumasobrancelha.-Porquê?Éaniversáriodealguém?Juliatossiunervosamente.-Não,eleestavatocandoumamúsicanoviolãoquandoeupasseipelacasadeleejáqueestava

compondoamúsica,perguntouseeuqueriamejuntaraeleeajudarcomaletra.Enofinal,eleficoutãotocadopelaminhaperformancequemebeijou.

Suaamigaarregalouosolhos.-Comoéqueé?Sério?Eoquevocêfez?-Euachoqueeuretribuíobeijo.–Juliagaguejoucomorostocorado.–Eunãoqueria,mastodo

ogestofoitão...Tãogenuíno.UmsorrisodividiuorostodeGabyenquantoelapegavamaisumcookiedechocolatedoprato.-Nossa!EuestavacertaemchamarvocêdeAfrodite!Sério,Jules,beijardoiscarasnomesmo

dia?-Olha,nãoestoupensandoemfazerdissoumhábito.VousaircomMichaelamanhãeeu falei

issoparaoThorstentambém.Eunãoqueroqueelefiquecomaimpressãoerrada.Naquelemomentoelasouvirambarulhodechavesnaportadafrente.-Olá!–amãedeJuliaanunciousuachegada.–Estouemcasa.–elacolocouacabeçaparadentro

dacozinha.-Servus,Gaby.Vocêvaificarparajantar?Gabybalançouacabeça.-Não,eu...VousairparajantarcomAxelestanoite.Elemeperguntouseeuqueriaconhecero

novorestaurantemexicanodacidadeeelenãoconheceninguémquegostedecomidaapimentada,jalapeñoeessascoisas...Entãoelemeconvidou...Eeunão tinhanadamelhorpara fazer, entãoeupensei,edaí,sabe?Ealémdisso,eles temumatalpromoçãode inauguraçãoquevocêganhaduasentradaspelopreçodeuma,entãoéporissoqueelequismechamar,também.

- Certo. – a Sra. Gunther concordou lentamente com a cabeça, parecendo ligeiramentedesnorteada. Ela desapareceu no corredor, deixando as duas garotas para trás em um silêncioconstrangedor.

Gabyencarouamesa,umruboremsuasbochechas,atéqueJuliacomeçouarir.- Bem, obrigada pela claríssima explicação. O que você vai fazer em seguida, ler o cardápio

completo?Gabyficouaindamaisvermelha.-Ah,porfavor.Vocêmeentende,nãoé?Eunãoqueriatepassaraimpressãoerrada.-Ah.Queimpressãoerradaseriaessa?-Bem,vocêpensarqueéumencontro,oualgumacoisaassim–Gabymurmurou.-Não,porquevocêsaircomAxelseriaumacoisamuitoidiota.-Não!Nãoéissoqueeuquisdizer.Maseleéseuprimo,sabe.Eumbomamigo.–Gabypegou

outrocookiedopratoecomeçouacomercomoseasuavidadependessedaquilo.Juliariu.-Nãováestragarseuapetite.Afinal,vocêaindatemumcardápiointeiroparaexperimentar.Gabyaolhouameaçadoramente.-Paredemeassediar!Eusóestou...-Nervosa?Tensa?Feliz?Animada?-Deixapralá.Eununcamaistecontonada.Elasseentreolharamporummomentoeentão,explodiramemrisadas.Nahoraemqueamãede

Juliavoltouparaacozinha,aatmosferaestavabemmais leve.Gaby tinhaatémesmoprometidoaJuliaquemandariaumamensagemnodiaseguinteeacontariacomohaviasidoojantarmexicano.

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Depoisdochá,JulialevouGabyatéaporta.-VocêpodepedirparaAnnevirparacasa?–suamãegritouparaelas.–Elaprovavelmenteainda

estácomosvizinhosdooutroladodarua.-Achoquenão–Juliadissedevolta.–AcreditoqueSabineeAnneestãoocupadasnobosque

novamente. Antes da Gaby chegar, eu vi Thorsten juntando umas pilhas enormes demadeira quecolocariamoTheHomeDepotnochinelo.

-Bem,vádescobrir.Vamosjantardaquiaalgunsminutos.Thorstendevesaberondeasgarotasestão.

Arrastandoospés,Juliaatravessouaruaparafazeroqueamãehaviapedido.AgoraelateriaquefalarcomoThorstendenovo.Ignorá-lohaviasetornadoumatarefaimpossível.

Para seu alívio, ela viu Sabine descendo de sua bicicleta e desenganchando o carrinho agoravazionojardim.

-Oi,Sabine–eladisse–AAnneestácomvocê?Agarotabalançouacabeça.-Acabeidedeixaralgumasmadeirasnolugarondeestamosconstruindoanossacasanaárvore,

maselajánãoestavamaislá.Elanãofoiparacasa?-Não.– Julia fezumacareta,desanimada.Eramuito legalqueAnnegostassedanaturezaede

ficarsozinha,maserairresponsabilidadesumirdaquelaforma.Elaestavaprovavelmentetentandoseinspirarparaescreverolivro,masaquilocertamentedeixariaamãenervosanovamente.

Juliapegouocelular.Annedeveriaestarcomocelulartambém,entãoerabomtentarligarparaela.Depoisdetrêstoques,otelefonecaiunacaixapostal,masnãodemorouparaAnneligardevolta.

-Olá.–avozinhadeAnneecooupeloalto-falante.–Estouindoparacasaagora.-Ondeasenhoritaestá?-Ah, nenhum lugar especial. Eu estava fazendo alguns rascunhos paraminhas histórias. Logo

estareiaí.Depoisdedezminutos,Anneapareceudebicicletanojardim.Juliaestavaesperandoporelana

porta.-Quebomquevocêestavacomseutelefone–eladisseseveramente–Vocênãodevefazermais

isso!Ficarforatantotempo,semdizeraninguémondevocêestava.Annedeudeombros.-Eunãoprecisofalaraninguémaondeeuvou.-Oqueéquevocêquerdizercomisso?-Nadanão–suairmãmurmurou.AnneempurrouJuliaparaoladoeatravessouocorredoracelerada.Julialançouumolharbravo

aela.Elanãoconseguiaacreditarnoquetinhaouvido.Claro,SabineeAnnequeriammanteracasaemsegredoeapenasmostraràsfamíliasquandoestivessetotalmenteconcluída,masaquilonãofaziasentido.DeagoraemdianteelasecertificariadequeAnneadissesseexatamenteondeestavaindo,ousuasviagensaobosquechegariamaofim.

Amãedelasestavacheiade trabalhoenão ficavamaisdeolhoemAnne, sua irmãzinhapodiafazerpraticamentetudooquequisesse.Quandoelaerapequena,elanãopodianemsonharemfazercoisascomoaquelas.Claro,opaiaindaestavaláparadividirasresponsabilidades.Emgeral,ofilhomaisnovodafamíliaéconhecidoporpoderfazermaisqueosoutros,masaindaassim.Aquilonãopareciacertoparaela.

Comumsuspiropesado,Juliafoiparaacozinhaprepararojantar.Eraasuaveznaquelanoite.

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8.Namanhãseguinte,Juliachegouàlivrariacedodemais,masMichaelhaviaconseguidosuperá-la:elejáestavaesperandonaporta.

-Bomdia!–elaergueuumamãocautelosamente,cumprimentando-o.Seráqueeleesperavaqueelaobeijasse,ouaindaeramuitocedo?Seráqueelafariapapeldeboba,sefizesseaquilo?–Nossa,vocêchegoucedohoje.

Michaeldeudeombros.-Sim,euacordeicedoenãoconseguivoltaradormirmais.Euestavainquieto.–elesorriupara

ela.–Vocêficounaminhamenteotempointeiro.-Ah.–Juliasorriudevoltatimidamente.–Vocêtambémficounaminhacabeça.Anoiteinteira.Perdidaemseuspensamentos,elahaviaconseguidoqueimarduaspanelasdearrozatéqueasua

mãeaexpulsoudacozinha.Osorrisodelesealargou.-Sério?Juliaconcordou.-Sim.Então,vocêdecidiuoquequerfazerestatarde?Michaelbalançouacabeça.-Não, ainda não. Só decidi o que eu quero fazer agora. – ele passou um braço ao redor dos

ombros dela e a puxou paramais perto – Isto. – ele acrescentou, piscando os seus olhos verde ebeijandooslábiosdela.

Julia fechou os olhos e passou os braços ao redor da cintura dele, beijando-o como se nãohouvesseamanhã.Quemseimportavaseoscolegasospegassemseagarrando?Elahaviaesperadopelotoquedeledesdeatardedodiaanterior.

- Podemos ir para a floresta depois do trabalho? – elamurmurou contra os lábios dele entrebeijos.–Eugostariadisso.

Michaeldeuumpassoparatrás.-Poderíamos–elerespondeu.Juliavirouacabeçadelado.Elenãopareciatãoanimado.Eleviusuaconfusãoesuspirou.-Sabe,euestavaafimdecurtiracidadeeoparquecomvocê.Euquero...Deixaroacidentede

lado.Ficarlongedobosqueporumtempo.-Claro!–Juliaconcordou,compreensiva.–Entãovamosaoparque.Vamosfazerumpiquenique?-Parecelegal.Vamosprepararacestanaminhacasa.Enquantoeufaçoossanduíches,vocêpode

aproveitarparatocaropiano,porquevocêhaviaprometidoquefariaissoalgumdia.-Euvou.Eeuescreviumamúsicaontemusandooseupoemacomoletra.TalvezeladevessecontaraMichaelsobreThorsteneasessãodeimprovisododiaanteriorno

gramadodojardimdele.Dealgumaforma,pareciaacoisacertaasefazer.Masdenovo,eramelhordeixarobeijoinesperadoforadasuaconfissão.Aquiloseriaexcessivamentehonesto.

-Ogarotodooutroladodaruaestavatocandoviolãonojardimemeconvidouamejuntaraeleecontribuircomaletra.Entãoeuuseiseupoema.Quemsabe,possoconseguirtocá-lanopiano.

Michaelsorriuparaela.-Issoseriamaravilhoso.Estoufelizquevocêtenhagostadotantoassim.NaquelemomentoMartinapareceucomalgunspôsteresenroladosembaixodobraço.- Uau! Posso chamá-los de madrugadores? – ele os cumprimentou. – Vocês podemme dar a

honradeajudaracolocaressespôsteresdepromoçãonavitrine?

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Nãodemoroumuitoparaqueorestodaequipechegasseàloja.Donnaseesgueirouescadaacima,onde Julia estava precariamente se equilibrando, tentando afixar um banner no parapeito sobre obalcãodocaixa.

-Oi,Julia.–elachamou.–Então,quaissãoosplanosparaatarde?-Caifora.–Juliachiou.–Seeuolharparabaixo,vaimedarvertigem.ElaouviuarisadaaltadeDonna.-AindabemqueoMichaelnãotemmedodealtura.Eleestáolhandovocêfazerissoaíemcima

háumtempão.Mordidade curiosidade, Julia arriscouolhar para baixopara ver o queDonna estavadizendo.

Michael estava próximo ao caixa contemplando as pernas dela, parecendo arrebatado quando elapiscouebalançouacabeçaincrédula.AbocadeDonnasecontorceuquandoelaolhoudeladoparaMichael.

-Porquevocêsnãomedeixamempaz?–Juliagritouindignada,segurandoodegraudecimadaescadaemumapertomortal.Apesardesuaspalavras,elalançouumolhardivertidoaMichael.

Elapassariaatardetodacomaquelegarotolindoemaravilhoso,queestavaapaixonadoporelaequenãoconseguiatirarosolhosdela.Repentinamenteelapercebeuoquantoerasortuda.Suaspernaspareciamdeborrachaquandoelealançouumsorrisocativante.

Para sua felicidade, Martin a mandou ao estoque para buscar alguns livros. A oportunidadeperfeitaparamandarumamensagemaGabysobreosplanosparaaquelediaeverificarseaamigahaviaenviadoalgumamensagemsobreoencontrodanoitepassadacomAxel.

Elahavia.‘ojantarfoilegal!Axel=fofo:$.Jules,oqvcachaqelepensademim?’Juliaengoliuseco,balançandoacabeçaincrédula.‘vcsabeoqAxelachadevc;)ñpergunteporperguntar.Mickeeuvamosp/oparqueevamos

fazerumpiqueniquenacasadele.Tonervosa.bjs.’Claro,ninguémmaisestarianacasadeMichaelàtarde,masdealgumaforma,Juliaestavacerta

dequenãoseriaumrepetecodaquelaoutravezemqueelahaviaestadonacasavaziadeMichael.Elaaindanãoconseguiaentenderabizarramudançadepersonalidade,masaquilohaviamudadooseumundocompletamente.

Comoéqueelapodiaterseapaixonadoporeleantes?Talveznãotivessesidoamor.Talvezelaainda o admirasse e admirasse a confiança que ele exalava no colégio. Ele tinha sido tão lindo,desejável e completamente fora do seu alcance, mas agora tudo estava mudado. Ele estava seesforçandoparaconhecê-lamelhor.

EladespertouquandoSilkeentrounoestoque.-Horadeconfessar–disse,semrodeios.–OqueestáacontecendoentrevocêeoMichael?Não

achequeeunãopercebitodososolharesentrevocês.Juliasesentiucoraredeudeombrostimidamente.-Elemechamouparasair,eeudissesim.-Bem,issonãoteincomoda?–Silkecruzouosbraços.–Querodizer,nãofoilegalaformaque

eleadispensouantes.Silkenãopodiaestarmaiscerta,mascomoéqueelapoderiaexplicararazãodascoisasestarem

diferentes,senemelaentendiaoqueestavaacontecendo.-Ele...Elemudou–elaarriscou.–Querodizer,deverdade.Eleestátotalmentediferente.Silkeconcordouconscientemente.- Sim, eu te entendo. Quando ele caminhou para dentro da loja no primeiro dia, ele era um

exibido.Eaindaassim,elenãomeenganou.Euachavaque,lánofundo,eleerauminseguro.Mas,elenãoestámaisusandoamáscaradafalsaautoconfiança,seéquevocêmeentende.

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-Quemsabe?Talvezamáscaratenhacaídodepoisdoacidente.–Juliasorriu.-Sim.Vocêpodeestarcerta.Vocêpesquisousobrepessoasquepassampormudançasdecaráter

porcausadetraumasnacabeça?Ela não havia, mas na realidade, não parecia improvável. Silke tinha lhe dado a explicação

perfeitaparaamudançadecomportamentodeMichael.Filosofarsobreosceltas,solstíciodeverãoeraioseramaisoestilodela,masumacontusãocausarmudançadecomportamentoeramuitomaislógico.

-Omédicodeleprovavelmenteoalertouquantoaosefeitosdecurtoprazo.–Juliaseesquivoudapergunta.–Vouperguntarpraele,qualquerdia.Eentão,querqueeuaajudecomisso?–elaapontouparapilhadelivrosaospésdeSilke.

O resto damanhã transcorreu semmais novidades. Julia ficou no estoque eMichael ficou nocaixa.Quandoalojafechouparaoalmoço,JuliaeMichaelsaíramparaHöllrigl,ecaminharamparaacasadeMichaelemGiselakai.

-Otempoestáótimo–eledisse,olhandoemvoltacomumenormesorrisonorosto.–Perfeitoparavadiarnoparque.

-Bem,podemosfazeralgumexercícioleve.–Juliapropôs.–Vocênãotemraquetesdepingue-ponguenasuacasa?

-Achoquesim.Vocêrealmentegostadeesportes,não?-Sempremedáenergia.-Engraçado.Éissoqueeusempreacheiumcharmeemvocê.Vocêpodeserquietaeintrovertida

quando está escrevendo ou compondo,mas aomesmo tempo, você pode ser tão cheia de energiaquandopraticaesporte.

Juliasesentiuiluminarcomoumalâmpada.MichaelfalavadelacomoseelafosseapessoamaisfascinantedaTerra.Elacaminhouparamaispertodeleepegousuamão.Foisódepoisquecruzaramaponteparaaruadelequeelaseperguntoucomoéqueelesabiatantosobreela.Seráqueelehaviaprestadomaisatençãonelanaescoladoqueelaimaginava?

-Háalgoquevocênãogostedejeitonenhumcomorecheiodesanduíche?–Michaelperguntou,assimqueelesentraram,arrastando-aparaacozinha.Quandoeleabriuageladeira,JuliaobservouaquantidadedecomidasdiferentesqueafamíliaKolbeestocava.Suapequenafamíliaerabemsimplesepobre,comparadaaesta.Seráqueelasesentiriaconfortávelaoleva-loacasadelaeoapresentaràsuamãe?

Elapegou,distraída,umabacatedafruteirasobreamesadacozinha.-Nãosouexigentecomaalimentação.Eugostodetodosostiposdecomida–elamurmurou.Umsorrisoseespalhoupelorostodele.- Inclusive isso? – ele apontou para o abacate. –Que tal rolinhos commassa de trigo, alface,

frangoeabacate?Elaconcordoulevementecomacabeça.QuandoMichaelfoiatéelaecolocouosbraçosaoseu

redor,Juliadescansouacabeçanosombrosdeleesuspirouprofundamente.-Apenastereiquemeacostumarcomascoisasnoseumundo–elasussurrou.–Desculpeporser

tãoesquisita.Elebeijousuatesta.-Vocênãoestásendoesquisita.Eeutambémtenhoquemeacostumarcomestasituação.Juliaolhouconfusaparaele.-Você?-Sim.Aestarapaixonado,querodizer.Orostodelaficourosadealegria.Elefezparecerquenunca tinhaseapaixonadoantes.Epelo

queelasabia,eraverdade.Elesempreestavasaindocomalgumagarotanaescola,masnuncahavia

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ficado firme com nenhuma delas por muito tempo. Aquilo parecia ser mais sério para ele e elaqueria,dofundodocoração,abriraportadesuavidaparaqueeleentrasse,mesmoestandoinsegurasobrealgumascoisas.

-Vocêgostariadeiràminhacasaamanhã?–eladisparou.–Depoisdotrabalho?Elesorriucarinhosamenteemsuadireção.-Claroquesim.Euestousecretamentedesejandoquevocêfaçapizza.-PizzadaAmy’sKitchen?-Sim,porfavor.VocêsabecomomesintosobreAmyesuaspizzas.Osdoiscomeçaramarir.Juliaexpirou,sentindo-semaisrelaxada.-Vamoscomeçarafazeressessanduíches,nãoé?- Não, não é. Eu vou fazer. Você prometeu que tocaria o piano. – Michael enxotou Julia da

cozinha,apesardosseusprotestos,acompanhando-aatéoSteinwaynocantodaenormesaladeestar.Eleabriuatampadotecladoepuxouobanquinhoparaela.–Aquiestá.Divirta-se.

Sorrindo timidamente, Julia se sentou, soltando a respiração de uma só vez enquantoMichaelvoltavaparaacozinha.Pelomenoselenãohaviaficadoporali.Assimelateriaamentelivreparadescobrir como tocar amúsica deThorstennopiano.Cantarolando amelodia para simesma, elatentoualgumasescalasnotecladoantesdeescolherumtomadequadoparaasuavoz.

QuandoMichael voltou para a sala de estar depois de dez minutos, carregando uma cesta depiqueniquecheiadecomidaebebida,elaestavacantandoamelodiadeThorstencomoseupoema,naverdade,doMichael.Eleparoupertodopianoeacontemplou,completamentehipnotizado.

Quandoamúsicaacabou,Juliaolhouparacima,tímida.-Estoufelizquevocêaindaestejaaqui–eladisse,encabulada.Michaelaolhou,confuso.-Porqueeunãoestariaaqui?-Vocêfugiuenquantoeutocava,nafestadosgêmeos.Elepareciaenvergonhado.-Desculpe,euestava...–elevacilouenosilêncioquecresceuentreeles,Juliaselembroudequão

intensamenteeleahaviaencaradoenquantoelaestava tocandosuaprópriamúsica.OquantoGabyhavia frisado que ele estava com lágrimas nos olhos.E de repente, ela não se importava nemumpouco comomotivo que havia feitoMichaelmudar tanto. Se era graças ao raio, ao trauma ou apoderes sobrenaturais, ele era uma pessoa por quem ela poderia muito bem se apaixonar. Ela selevantoudobancoeimpulsivamenteotomounosbraços.

-Nãoimporta.–elasuspirou.–Eufiqueifelizquevocêestavaláparaouvirocomeço.-Claroqueeuestavaouvindo–elerespondeubaixinho–Eraamúsicaquevocêescreveu.Parao

exame.Elaolhouboquiabertaparaele.Entãoeletinhaidoaoauditóriodaescoladuranteoseuexamede

educaçãomusical. Seus nervos desgastados provavelmente a haviam impedido de vê-lo na plateia.Um sentimento aconchegante a invadiu quando ela ergueu os olhos para ele. Ela sempre havia sesentidoinvisível,masagorapareciaqueeleahavianotado,nofinaldascontas.

-Então,vamos?–elasugeriu,inclinandoacabeçaemdireçãoàcestadepiquenique.Michaelcolocouumbraçoaoredordela.-Vamos.Elesescolheramumlugarsobumagrandecastanheiraepassaramatardetodadeitadosnagrama,

conversando,sebeijando,seabraçandoelendopoemasdasnovascoletâneasdeJulia.Michaeltinhapegadoasraquetesdebadminton,masestavaventandodemaisparajogar.Michaelfoioprimeiroajogaratoalha.

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-Issoémuitomaisdifícildoqueparece!–elebufou,depoisdejogarporcincominutoscomoventosoprandocontraele.–Eupenseiqueessejogoerafácil.Sabe,porcausadapetecasertãoleve.

-Porissoéquevocênãoprecisavaterbatidonelacomtantaforça.–Juliariu.–Pobrezinho.–elalimpouosuordesuatesta,inclinando-secontraacastanheira,seguidaporMichael.Abrisatocavaasfolhassobreassuascabeças.

-Sabe,acenadoseuacidentenobosquesemprefoimuitoespecialparamim.–elatomouamãodele. –Aquele carvalhopróximoao local ondevocê caiu com suamoto...Ele costumava sermeurefúgio.Eumeabrigavasobosgalhosdaquelaárvore.Nãodachuva,masdavida.Eraminhaárvoredeabraçar.

Michaelapertouamãodela.-Porqueestá falandonopassado?–eleperguntou.–Você se sentediferente sobre esse lugar

agora?Juliadeudeombrosdiscretamente.-Achoqueaminhaárvoreestádoente.Asfolhasparecemumpoucoamareladas.Alémdisso,eu

não tenho vontade de sair correndo para o bosque toda vez que eume sinto triste. Eu só... – elamordeuo lábioepausouporumsegundo.–Euqueroviverumavidadeverdade, enãomaismeperderemtodotipodefantasia.

Michaelaolhoudeladoe,porapenasummomento,elepareciamelancólico.-Asfantasiaspodemserumapartedarealidade–elecontestou.–Elasfazemavidamaisbonita,

nãofazem?Juliabalançouacabeça.-Claroquepode.Masnãoéissoqueeuquisdizer.-Oqueéquevocêquerdizer,então?-Bem,porexemplo,euolheiparavocêdeumjeitobemdiferente,porestarmeescondendoatrás

dasminhasfantasias.Michaelnãodissenada,oolharcuriosoemseusolhosaimploravaparacontinuar.Elarespiroufundo.-Vocêsabeoqueéisso?Pordoisanos,euacrediteiqueestavaapaixonadaporvocê.Naminha

mente,euoescaleicomoopersonagemprincipalemumtipodecontodefadasmágico.Maserasóisso:nãoeraporvocêqueeuestavaapaixonada.Vocêeraapenasumpersonagemnaminhapeçadeteatro.

Enquantoaspalavras saíamde suaboca, ela tremia.Ela estava realmente contando tudoaquiloparaele?Eracorajosaosuficientepararevelarsuasemoçõesdaquelamaneira?Parecia.Fazertodaaquelaexposiçãodeveriaassustá-la,masnão.Naverdade,pareciaacoisacertaafazer.

-Eunãotinhaideiadequemvocêera–elaconcluiutimidamente.–EquandoeupercebiquevocênãoeraoPríncipeEncantadoqueeuimaginavaquevocêfosse,euculpeivocêporisso.

Michaelcorou,envergonhado.-Desculpe–elemurmurou.–Euseiqueele...Eu...Devetersidodolorosoparavocê.Elachegoumaisperto,suasmãosescorregandoparaopeitodele.-Estátudobem–elamurmurou.Naquelemomento,osúltimosresquíciosderaivaeinsegurança

desapareceram.Elanãooculpavamais.–Essasituação todaénovaparamim.Paraser totalmentehonesta,euestouapaixonadaporvocêpelaprimeiravez.Vocêtornaissomuitofácil.Vocêsetornoumaisgentil,maisamigável.Porcausadoacidente.Ou,eunãosei...

Ela vacilou.As íris dele estavammais verde do que antes, umolhar cheio de entusiasmopelavida,algoqueelanuncatinhavistoemtodosaquelesanos.E,repentinamente,elaestavacertadequenãoestavaconversandocomMichael.Elaestavasentadaaliconversandocomoutrapessoa.Nãoeraele.

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Masaquilonão fazia sentido.Porque ela estava tendopensamentos tão estranhos?Era ruimosuficiente que ela haviameio que atribuído sua atual personalidade agradável a um acidente comconsequências quase fatais. Se ela compartilhasse aquela ideiamaluca, ele provavelmente pensariaqueelahaviaficadolouca.

Michaelinterrompeuseuspensamentos,puxando-aparaumabraço,beijando-asuavemente.-Vocênãofazideiadoquantosuaspalavrassignificamparamim–elesussurroucontraoslábios

dela.Elaobeijoudevolta,confusa.-Sério?-elamurmurou.Eleconcordoucomacabeça.-Vocêmedespertou,Julia.–elefechouosolhos.–Dosonoquechamamosdemorte.Aformacomoeledescreveufezparecercomoseelaotivessesalvadodeumamorteprematura:

elaohaviaacordadoparaqueelepudessesermaiselemesmo.QueméquepoderiateradivinhadoqueMichaelpudessesertãopoéticosobreavida?

-Ondevocêquermeencontraramanhã?–eleperguntou,enquantocaminhavamparaasaídadoparque,antesdahorado jantar.Julianão trabalhavaasquartas,masMichaelestariaocupadoodiainteiro.

-Vocêpodeestarnaminhacasaàsseis?–Juliaperguntou.–Vocêpodepegaroônibusascincoedescernoúltimoponto,vocêmeligaeeupossomeencontrarcomvocêlá.

-Parecebomparamim.Eunãoseiocaminhoparaasuacasaainda,então...–Michaelaabraçoupelaúltimavez,sussurrandoemseuouvido-Euvousentirsuafaltaestanoite.

-Eutambém.Divirta-senacasadosseustios.–Michaeliriajantarcomelesecomospais.ElehaviaconvidadoJuliaparasejuntaraeles,maselaaindanãoestavapreparadaparaconhecerasuafamília,entãoelahaviarecusado.

AssimqueelaconseguiamaisverMichael,Juliasesentounopontodeônibus,doladoopostoaoparque.Oônibuschegariaembreve.SeucelularmostravaumachamadanãoatendidadeGaby,entãoelaligoudevolta,masachamadacaiunacaixapostal.Umsorrisofelizseespalhoupeloseurostoquandoeladesligou eolhoupara a telade seu celular: seunovopapeldeparede erauma fotodeMichael.Eladeveriairparaacasadaavómaistarde,paracontartudooquehaviaacontecidoemsuavidadesdeaúltimavezemquehaviamconversado.

Quandoentrounoônibus,seutelefonerecebeuumamensagem.‘vocêpodeirbuscaraAnneemeichet?Saioàs9!’–suamãe.Bem, aquela era uma bela coincidência. Ela poderia conversar com a avó mais cedo do que

pensava. Ela esquentaria algumas sobras quando chegasse em casa e pegaria o ônibus ao vilarejopróximoparabuscar a irmãe contar à avó sobreonovonamorado.Assimque Julia terminoudeenviararespostaparaasuamãe,Gabyretornouachamada.

-OiJules.–elacantarolou.–Axelnosconvidouparairacasadeleassistirumfilme.Vocêestálivre?

Juliariu.-VocêtemcertezaqueAxelquisconvidarnósduas?–elaprovocou.-Claro!–Gabyretorquiucomdesdém.–Vocêhonestamenteachaqueeuestoupedindoparavocê

irjuntoporquetenhomedodeirsozinha?-Nememsonho.-Ha-ha,muitoengraçado.Então,vocêvem?-Quefilmevamosassistir?-Umdaquelesbemassustadores,eledisse.Vocêsabe,algumremakedefilmedeterrorasiático.

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-Ah sim, faz sentido. Ele está provavelmente esperando que você segure amão dele.Ou quecorraparaosbraçosdelequandoestivercommedo.

JuliadesembarcoudoônibusepacientementeouviuGabyretrucarosseuscomentários.-Aquehoraseleestánosesperando?–elainterrompeuantesqueaamigarecomeçasseafalar,

indignada.-Oitoemeia.-Ok,euvou.Amanhãeunãotrabalho,mesmo.-Legal!–Gabypareciainconfundivelmentealiviada.–Eutevejolá!Juliadesligoucomumsorrisolargo.Elavirouaesquinaparaasuaruaeseuestômagoroncou

quandosentiuocheirodesalsichasassadasnoar.Alguémnaruahaviaacendidoachurrasqueira.Otrilhodafumaçaquesubiaparaocéupareciaestarvindodoquintaldovizinho.

-Eigarotadacasaaolado.–umavozfamiliarachamou.Thorstenapareceunoportão,acenandoparaelacomumpregadornamão.–Estácomfome?

Juliaconcordou,hesitante.-Umpouco.–elaadmitiu.-Bem, você gostaria de nos acompanhar no jantar?Sabine foi para a piscina comomeu pai,

entãoestamossóeueaminhamãe.Seucoraçãoparoudebaterporuminstante.Eladeveriadizernão,afinalelahaviaprometidoasi

mesma ficar longe de Thorsten. Por outro lado, que mal havia em se juntar a ele por algunsmomentos?Amãedeleestariaalicomocompanhia.Alémdisso,aquelaseriaaoportunidadeperfeitaparacontaraelesobreatarderomânticacomMichael,paraqueficasseclaroparaeleasuaposição.Erabesteirairparacasaesquentarcomidanomicro-ondasquandoelapodiacomercomidafrescaepassarumtempoagradávelcomosvizinhos.

-Euadoraria–elarespondeu–Esperaaí.Euvousóguardaraminhabolsaejávolto.Julia foi para dentro e caminhou até o seu quarto para colocar a bolsa em sua escrivaninha e

rapidamentepentear os cabelos.Ela se olhouno espelho.Uau, ela pareciamuito apaixonada.Seusolhosbrilhavameasbochechasestavamiluminadas.

No dia seguinte, suamãe conheceriaMichael.Ela teria que ser cuidadosa. Seria umamá ideiamencionar que ela já havia saído com ele e uma ideia pior ainda revelar que já haviam dormidojuntos. Suamãe ainda tinha a ilusão de que a filha havia ficado na casa de Florian naquela noite,porquetinhamidoaumafesta.

JuliasedirigiuaocorredoreviuqueaportadoquartodeAnneestavaaberta.Suairmãzinhanãohaviafechadoajaneladireito.Oventohaviafeitoalgunsdeseusdesenhoscaíremdaescrivaninha.Elesestavamcaídos,bagunçandotodooquarto.Juliarapidamenteentrouparapegá-losecolocá-lodevoltanamesa.

Osdesenhoseramincríveis.Annehaviafeitodoisdesenhosdasárvoresdaflorestaeumretratodeumgarotocomoscabelosloirosecompridos,comoLegolas,eolhosazuiscomoThorsten.Anneestavaenvolvidaemseucontodefadas,aquiloestavabemclaro.Juliasesegurouparanãoolharosoutroscadernosqueestavamsobreaescrivaninha.ElacolocouosdesenhossobreacadeiradeAnne,fechouajanelaesaiudoquarto.

Quando ela chegou no jardimda famíliaEbner, amãe deThorsten estava sentada na varanda,tomandoumataçadevinho.

-EntãovocêéairmãdeAnne–eladisse,agradavelmente.–Prazeremconhecê-la.JuliapegououtracadeiraeaceitouumalatadeCocaqueaSra.Ebneraentregou.-Obrigadapeloconvite.-Claro!Éótimofinalmentepoderconhecê-lapessoalmente!Thorstenmefaloumuitosobrevocê.

Vocênãoéagarotaquegostadecorrerenquantochovetorrencialmente?

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Juliariu.-Bem,possoverquecauseiumaboaimpressãoemvocê.Thorstenentrounavarandacomumpratodesalsichas,pegandoasúltimaspalavrasdela.-Eudisseàminhamãequeteadmiromuito.–eleriudeumjeitobrincalhão.Juliacorou.-Disse,é?Thorstenaencarou.-É–elesimplesmenterespondeu,sério.Rapidamente,eladesviouoolhar,quaseengasgandocomoenormegoledeCoca-Colaquehavia

dado.Porqueeleaindaconseguiadeixá-lanervosa?Talveznãohouvessesidoumaboaideia,nofimdascontas.

-Enfim,estoumorrendodefome.–elaanunciounosilêncioquehaviapairado.–Eunãoseiporque.Quero dizer, eu estava fazendo umpiquenique comMichael a tarde toda no parque, então eudeveriaestarsatisfeita.

Thorstensorriu.-Vocêsedivertiu?–eleperguntou,serenamente.Juliafezumacareta.Mesmoelenãoaparentandociúmes,eraóbvioquesuaobservaçãoohavia

atingido.-Sim,nosdivertimos–elarespondeu–Elevemjantaraquiemcasaamanhãànoite.Enquanto saboreava a comida, Julia contoumais um pouco sobre a tarde no parque e o novo

empregonalivraria.ElasesentiaverdadeiramenteconfortávelpertodeThorstenesuamãe.Quandoselevantouporvoltadesetehoras,parabuscarAnne,elaestavaquasearrependidadeterquesair.

-Mais uma vez, obrigada porme convidar – ela disse, quando Thorsten a acompanhou até oportão.–Adoreiconhecersuamãe.

Eleolhouparaelaeinesperadamentepegousuamão.- Foi bom ver você tão radiante e feliz – ele disse seriamente – Esse tal Michael é um cara

sortudo.Antesqueela tivesse tempode reagir, ele se inclinouebeijou suabochecha,depois seviroue

caminhoudevoltaparaamesa.Nocaminhoparaopontodeônibus,Juliasentiuumadorzinhadecabeçaseinstalando.Poderia

ser por ter ficado debaixo do sol o dia inteiro, mas também poderia ser por tudo o que haviaacontecidohoje.Nahoraemqueela tocouacampainhadacasadasuaavó,adoraindanãohaviapassado.Haviaapenaspiorado.

-Minha doce garota, parece que você passou pelomoedor. – a avó exclamou, quando abriu aporta.–Vocêprecisadealgoparaessadordecabeça?

Claro,aavóvidentesabiaexatamenteoquehaviadeerradonomomentoemquepôsosolhosnela.

-Umparacetamolseriabom.–Juliagemeu.–Oualgumaoutracoisaparaeumelhorar.Aindavousairhojeànoite.

Aavóaolhou,incrédula.-Temcerteza?Seeufossevocê,dormiriacedoestanoite.Anneapareceunocorredor,segurandoumpicolémeiomordido.-Estamosindoagora?Euaindaqueroiraobosquequandonósvoltarmos.-Não,vocêvaificaremcasaatéamamãevoltar–Juliadissefirmemente.-Mas...–airmãcomeçou.-Semmas.Vocêpodeiramanhã.Aquelasárvoresnãovãoalugaralgum.

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Annealançouumolharraivosoesaiubatendoospés,indignada.Juliasuspirou,encostando-senaavóquandoavelhasenhoracolocouumamãoemseuombro.

-Nãoceda,Julia.Anneestáchegandonapuberdadeetemumgêniobemforte.–aavófezumacareta.–Possosentirquetemalgoaincomodando.

- Sim, esta também é a minha impressão. Ela está fugindo de coisas que a desagradamultimamente,fugindoparaaflorestasozinha,escrevendomuitoemseudiário.Euachoqueelaestásentindocadavezmaisfaltadopapai.

Aavóconcordou.-Talvezdevêssemosconversarsobreisso.Porquevocênãovemjantaraquiamanhã?Fareisuas

panquecasfavoritas.Juliamordeuolábio.-Nãoposso.É...Michaelvaijantarláemcasaamanhã.-Émesmo?–aavóaolhoucuriosa.-Sim.Eleestátrabalhandonalivrariatambém.Elemedisse...Bem,eleestáapaixonadopormim.-Quebomparavocê,minhaquerida!–aavólhedeuumsorrisoiluminado.–Entãonãofoitão

complicadoquantovocêhaviapensado,nofimdascontas.Narealidade,eracomplicado,maselanãotinhaenergiaeotemponecessárioparaexplicartudo

paraaavó.Juliaesfregouatestacomumaexpressãodolorosaemseurosto.Aavóabriuaprimeiragavetadoarmáriodocorredorepegouumacarteladeparacetamol.

-Fiqueaqui,voupegarumpoucodeágua.AavóentrounacozinhaelogoretornoucomcopoeAnneemseuencalço.-Vocêvaisairestanoite?–Annequissaber.Juliafezumsomevasivo.- Só vou à casa doAxel por algumas horas.Mas, acho que vou ficar em casa se essa dor de

cabeçanãopassar.-Hmm–Annemurmurou,parecendodescontentepelo fatodequea irmãnão sairia. Julia fez

uma careta. Ela estaria planejando escapar para o bosque sem ninguém por perto para prestaratenção?Talvezfossemelhorqueelaficasseemcasa,elanãodeixariaAnnesesafar.

-DevopediraoIgnazparalevarvocêsparacasa?–aavóperguntou.–Vaisermaisrápidoqueoônibus.

-Sim,porfavor.–Juliasuspirou.Ovizinhodaavónormalmenteasajudavafazendoasvezesdetáxi,eelanãopodiaesperarparachegaremcasaesedeitar.

Umpoucomaistarde,JuliaestavaafundadanoassentotraseirodoVolvoantigodeIgnaz.Anneestavanobancodopassageiro,conversandoanimadamentecomovizinhodaavó.Seumauhumorparecia ter desaparecido. Ela não havia mencionado o bosque novamente, mas Julia estavadeterminadaanãoperderAnnedevista.Alémdisso,elanãoqueriamaissair,oparacetamolaindanãotinhamelhoradoador.

-Ei,olhe,Sabineestáfazendoumchurrasco.–Anneexclamou,animada,quandoIgnazasdeixounaportadecasa.–Vamosláfalarumoi?

-Váemfrente–Juliadisse–Euestavaláantesdeirtebuscar.Porquevocênãovaieperguntaseelestêmalgumassalsichasparavocê,enquantoeuligoparaaGabyparacancelaropasseio?

EnquantoAnneseenfiavanoquintaldosvizinhos,Juliasearrastouparadentrodecasa.-Ei,Gaby–eladissequandoaamigaatendeuaotelefone.–Estoumorrendodedordecabeça.

Nãovouconseguirirhojeànoite.Houveumapausadooutroladodalinha.-Mas...–Gabycomeçou,suavozsoandoumpoucofalha.–Jáestouacaminho!-Bem,ótimo.DigaoiparaoAxelpormim.Tenhocertezaquevocêsvãosedivertir.

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-Mas ele convidounósduas.Por favor, nãomedeixanamão.Talvez elenãoqueiraver só amim.

Juliariu.-Nãosejaidiota.Porqueelenãoiaquererversóvocê?Eletechamouparajantar,peloamorde

Deus.Sóvocê.-Verumfilmeéalgocompletamentediferente.–Gabyinsistiu.-Ah, tenhadó!Nãoposso lidarcomissoagora.Minhacabeçaestáexplodindoevocênãoestá

ajudando.Vocêébemcrescidinhaetenhocertezaquevaisobreviverestanoitesemmim.Gabyengoliuruidosamente.-Bem,entãook.Falocomvocêdepois.-Meliga.–Juliadesligouecaiunacama.Talvezadordecabeçafosseumabênçãodisfarçada:

aquilodariaaAxelaoportunidadedeterGabysóparaele.Elasópodiadesejarqueeleusassebemaquelaexcelenteoportunidade.Seasuamelhoramigaeseuprimofossemficartãonervososumcomooutropormaistempo,elaficariacompletamentelouca.

Julia se arrastou para fora da cama e olhou pela janela. Anne estava sentada no quintal dosvizinhoscomendoumcachorroquente.Bom,elaestavasendocuidada.Amãedelasestariaemcasaemmenosdemeiahora, entãoelapoderiadormirnamesmahoraqueAnne.Odia,pormaisquetivessesidomaravilhoso,atinhadeixadoesgotada.

Assimquecomeçouacochilar,avozdairmãadespertoudeseusono.-Ei,vocêentrounomeuquarto?Juliasesentounacama,piscandoparaAnne,queseguravaumapilhadepapelemumamão.Asua

irmãzinhapareciachateada.-Oh.Sim.Euentrei.Eupegueialgunsdesenhosseusdochão.Oventoderruboudasuamesa.Por

quê?Annemordeuolábioedeudeombros.-Nada.Eusóacheiquevocêtinhaolhadoescondido.-Porqueeufariaisso?Annenãorespondeuapergunta.Aoinvésdisso,elaapertouosdesenhosemseupeito.-Vocênãopodevê-los–eladisse,nervosa–Elessãosecretos.Aspalavrasdesuairmãaatingirammaisdoqueelagostariadeadmitir.Talvezosmomentosde

dividir histórias e contos de fadas com Anne, sobre a floresta tão próxima a casa delas, haviamacabadoeeramcoisasdopassado.Annequeriaguardarsuashistóriasparasiagora.

-Bem,eunãovinadaavassalador–elarespondeu,sorrindofracamente.–Guarde-osmelhornofuturo.

Naquelemomento,Juliaouviuaportadafrentesefechando,láembaixo.-Cheguei!–amãedelasgritou.-Vouládizerumoi–Annedisse,saindodoquarto,aindaapertandoseusdesenhos.Juliadecidiu

vestiropijamaedeitarnacama.Elaestavaarrebentada.Nahoraemqueamãeentrouparadizeroi,elaestavaquasepegandonosononovamente.

-Oimãe–elarespondeusonolenta–OMichaelvemjantaraquiamanhã.ASra.Guntherinclinouacabeça.-MichaelKolbe?Aquelegarotodobosque?-Sim,elemesmo.Eletrabalhacomigo.-Ah. – suamãe a olhava com expectativa, um sorriso brotando em seus lábios. Lentamente o

rostodeJuliacorou.-Nós...Nóssaímoshoje.–elagaguejou.–Fomosaoparque.Efoilegal.Eentãoeupenseique

serialegalconvidá-loparajantar.

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-Sevocêforcozinhar.–Amãepiscou.–Quetalumapizza?VouvisitaratiaVerenaduranteodia,entãonãovoutertempodeprepararnada,masvocênãotrabalhaamanhã,nãoé?

Juliasorriu.-Deixeporminhaconta.- Bem, por que você não faz seu sono de beleza agora?Você tem um diamuito agitado pela

frente.–suamãeabeijounatestaecaminhouparaforadoquarto,cantarolandoumamelodiafeliz.Comumlevesorrisoaindanoslábios,Juliaapagouoabajurecaiunosonoemalgunssegundos.

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9.Elaestavacaminhandonafloresta.Asárvoresaoseuredoreramgigantes,agigantando-sesobreela,eapenasporummomento,Juliasentiuquehaviaencolhido.Emalgumlugaraolonge,umamúsicaecoavapelobosque.

- Você o viu? – as árvores sussurravam para ela, suas vozes antigas parecendo as folhasbalançandocomabrisa.

-Quem?–elaperguntousemabriraboca.-Ogarotodobosque–asárvoresresponderam.-Quem?Michael?-Seucoraçãodesejavaestarcomvocê.A música ficou mais alta. Um gemido escapou da garganta de Julia quando ela lentamente

despertouepercebeuqueseutelefoneestavatocando.Tateandoaoredorcomseusolhosembaçados,elaencontrousuabolsasobacamaefuçoudentro

delaparaencontrarocelulareatendê-lo.-Oi,Flo.–elamurmurou.–Obrigadapormeacordar.-Oh,medesculpe!–Florianguinchou.–Acheiquevocêjáestariaacordada.Jásãoonzehoras,

sabia?-Sério?–Juliasesentoudireitonacama,esfregandoosolhosparaespantarosono.–Jesus,eu

dormiamanhãinteira.Eeufuidormirasnoveontem!Queestranho.- Bem, aposto que você está bem descansada então. Você quer me acompanhar esta tarde, no

ensaiodabandadoMoritz?VouseraYokodele,pelaprimeiravez.-Pareceótimo!Aquehorasvocêsvão?-Umasquatro.-Ah,hã,não.Nãovaidarpramim,deverdade.Michaelvemjantaraquiestanoite.Floriancomeçouarir.-Ah,sim!Axelmedisse.Vocêsaiucomeleontem,nãoé?-Sim,efoimaravilhoso.-Estoumuitofelizporvocê–Floriandisse,carinhosamente–Aparentemente,aquelapancadana

cabeçafezmaravilhasàshabilidadessociaisdele.- É, fez mesmo. E não me pergunte o motivo, porque eu não estou fazendo mais perguntas,

também.Estoutãofeliz,quenãoligomais.-Bem,aproveiteorestantedoseudia,Julius.Euvouligarparaopessoal.Axeldeveircomigo.

VocêsabeseGabyeTamaraestãotrabalhandohoje?-Nãotenhoamínimaideia.Vamoscombinardejuntartodomundoalgumanoitedestasemana,

ok?DigaoiaoMoritzpormim.Julia desligou. As imagens do sonho ainda estavam rodando em sua mente. As árvores

conversandocomela,dizendo-aqueMichaeladesejava...Seriapossívelqueosespíritosdaflorestarealmentesoubessemoqueelesentiaporela?Seráqueessahaviasidoaformaqueencontraramparaavisá-la?Elanãopodiadeixardepensarqueosonhotinhasidoumaviso.Haviasidotãoreal,mesmocontendotantoselementosestranhos.

Naquelemomento,suamãeabriuaportadoquarto.-Ei, dorminhoca!Finalmentevoltouparaomundodosvivos?Temalgunspães frescos lá em

baixo,sevocêquiser.-Ótimo,mãe.Obrigada!

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-Denada.Tenhoque ir agora,maseuestareidevoltaàscinco.AnnevaibrincarcomSabine,entãoacasaétodasua.Porquevocênãoaproveitaepõeamesacomnossatoalhadeveludoealgunscandelabros,querida?

- Você é tão engraçada, ha-ha. – Julia resmungou, mas ainda se levantou para dar um rápidoabraçonamãe.–Voupegarlevehoje.Divirta-senatiaVerena.

Depoisquesuamãefoiembora,Juliarevirouoguarda-roupa,atéencontrarumvestidolevedeverão e chinelos.Aindade pijama, ela foi até o banheiro e tomouumbanho.Anne estava em seuquarto,escutandoatrilhasonoradeoSenhordosAnéisnoúltimovolume.Elaestavaprovavelmenteescrevendooudesenhando,novamente.

AssimqueJuliasaiudoboxcomatoalhaenroladaemseucorpo,elaouviuotelefonedeAnnetocarnoquartoaolado.Suairmãdesligouamúsicaeatendeuaotelefoneaossussurros.Estranho.

-Eraamamãequeestavaligando?–elaperguntou,quandoencontrouAnnenocorredor.-Não,eraumadasminhascolegasdeclasse.Elaperguntouseeuqueriairnadarcomela.-PenseiquevocêtinhacombinadodeirbrincarcomaSabinehoje.Anneencarouochão.-Aindanãoseisevounadar.-Ah,bem,vocênãotemqueescolher,tem?VocêpodeirnadarcomaSabineeaoutragarota.-Eunãosei.–Annerepetiu,parecendovencida.Juliaimpulsivamentepassouobraçoaoredordosombrosmagrosdairmã.-Oqueestáacontecendo,Annie?Vocêestátriste?Annedeudeombros.-Simenão.Novamenteevasiva.Juliasuspirou.- Sabe, por que não tomamos café damanhã juntas? Talvez você queira conversar sobre isso

comendoumpratãoderocamboles.Ok?-Tudobem.Emsilêncio,elasdesceramasescadas.SóquandoJuliacolocoudoispratosdecomidanamesada

cozinhaAnneabriuabocanovamente.-Queméessegarotoquevemjantarhojeànoite?–elaperguntoucalmamente.-Michael?Éumcolega.Anneaolhouatenta.-Vocêestáapaixonadaporele?Juliacorou.-Vocêmepegou.–elabrincou.–Sim,eugostomuitodele.- Como você sabe que está apaixonada por alguém? Ou quando alguém está apaixonado por

você?–Annecontinuou.Juliapensouemsuaresposta.-Quandovocêestáapaixonadaporalguém,vocêpensanessapessoaodia inteiro.Vocêdeseja

passar cada minuto do dia com ele ou ela. E quando alguém está apaixonado por você,frequentementetentaficarpertodevocêtantoquantopossível.Edizcoisaslegaisebonitinhasparavocê,éclaro–elarespondeucomumsorriso.

Suairmãmordeuolábio.-Estaéarazãopelaqualeugostodeirtantoàflorestaultimamente.–elamurmuroubaixinho.-Vocêestáapaixonada?-Quandoeuvouparaobosque...Paraaquelelugarsobreoqualnãoquerotecontar...OPríncipe

daFlorestaestálátambém.Juliasorriuindulgentemente.

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-Vocêquerdizer,opríncipequeestá teajudandoaconstruiracasanaárvore?–QuesortedeThorsten!Avizinhaerradaestavaapaixonadaporele.

Annenegoucomacabeça.-Euoajudo,elenãomeajuda.Enãoébemumacasanaárvore,massimumaentradaparao

paláciodele.-Ah,comoumportal?–Juliafezumacareta.Estahistóriaestavaficandocadavezmaisesquisita,

Anneaparentementeestavausandoelementosdeseucontodefadasparafalarsobreavidareal.Repentinamente,tudoaquilopareceuerrado.Nãopareciamaisumfazdecontainocente.Avovó

estavacerta.AlgosérioestavaacontecendoparaAnne teressanecessidadedefugirparadentrodecontosdefadasdaquelamaneira.

Annebalançouacabeçamaisumavez.-Não,nãoumportal.Umtúnel.Maseunãopossotecontarondeé.–suavozficoumaisbaixa.–

Ninguémpodesaberondeé.Ambas ficaram em silêncio por um momento, um arrepio percorrendo a espinha de Julia

enquanto ela encarava a irmã. Havia algo profundamente errado com o olhar de Anne e ela nãopareciaestargostandodomistériodesuahistória.Anneestavaprofundamenteamedrontada.EaquiloatingiuJuliacomoumsoconoestômago.

- Por que não? – Julia continua, cuidadosamente. Ela não queria que Anne se esquivassenovamente, e por isso ela deveria ir com calma e não disparar todas as perguntas que estavampassandoporsuacabeçadeumavez.

- Porque... É ummistério.Assim como o príncipe permanece ummistério para os adultos nomundoreal.Elesnãooenxergamcomoelerealmenteé.

-Evocêvê?Annecorou.- Sim, mas ele me disse que eu não deveria falar sobre ele. Ou sobre o lugar onde ele está

construindoascoisas.Eleficariafurioso.OestômagodeJuliarevirou.Elanãotinhaideiadoqueestavaacontecendo,mastodososnervos

deseucorpoestavamdizendoaelaquealgoestavaseriamenteerradocomAnne.Eraquasecomoseela não pudessemais separar a realidade da ficção. Como ela deveria lidar com aquilo? Ela nãopodiafazeraquilosozinha.Eramelhorligarparaamãeimediatamente.

Elaafastouacadeiraeselevantou.-Anne,eugostariamuitodediscutirissocomamamãe.Vocêparecemuitoassustadaeeuquero

teajudar,maseunãoseicomo.Porquevocênãoesperaaquienquantoeuligoparaela?Juliacorreuparaforadacozinhaesubiuasescadasdepressa,parapegarocelulareligarpara

suamãe.Felizmente,amãeatendeunosegundotoque.-Oi,querida.Oquefoi?-Mãe.–ouviravozdamãerepentinamentefezosolhosdelaseencheremdelágrimas.–Algo

estranhoestáacontecendocomaAnne.-Oquevocêquerdizer?–amãegritou,alarmada.–Elaestádoente?-Não,nãoéisso.Pelomenos,euachoquenão.Ésóqueelaestácontandoummontedehistórias

absurdassobreoqueelatemfeitonaflorestaultimamente.VocêsabequeelaestáconstruindoumacasanaárvorecomSabine,nãosabe?Equeelanãoquerianoscontarondeestãoconstruindo?Eutambémseique ela está escrevendoumcontode fadas.É aversãodeladoPríncipedaFloresta, eagoraelaestámedizendoqueopríncipedisseparaelaficardebocacaladasobreolocaldacasanaárvore.ElaestásofrendocomumapaixoniteporThorsteneprovavelmenteoescalouparaopapelde

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príncipeeheróiemsuamente,masissoestámeassustandodeverdade.Émuitobizarro,nãoseioquepensar.

-Bem,seráqueelanãoinventouumahistóriaparavocê?Vocêscontamhistóriasumaparaoutraotempointeiro,não?

-Não,mãe.–Juliaengoliuseco.–Elaestácommedo.Tipo,muitoassustada.Eupudevernosolhos dela. Ela disse que algo terrível aconteceria se ela falasse sobre o assunto. Ela disse que opríncipeficariaraivosocomelaseelacontasse.

Suamãeficoucaladadooutroladodalinha.- Eu conheço as viagens de fantasia deAnne,mas você está certa: isso não faz sentido. – ela

admitiuafinal.–Seeunãoaconhecessebem,eudiriaqueelausoualgumadrogaquecausoualgumtipodepsicose.

Juliariunervosamente.-Achoqueelaénovademaisparaisso.-Bem,éapenasumpalpite.–amãeparouporalgunssegundos.–Quãobemvocêconheceesse

Thorsten?-Nãomuitobem,maseleparecelegal.-Vocêsabeseelefumamaconha?AbocadeJuliaficouseca.Elanãofaziaideia,maseracompletamenteimprovável.Fechandoos

olhos,elatentouimaginarThorstensegurandoumbaseadoenquantotocavaguitarraemalgumlugardesertodafloresta,assistindoasduasgarotastrabalharem.

-VocêestáquerendodizerqueThorstenofereceuumbaseadoparaaminhairmãzinhaenquantoelesestavamconstruindoatalcabananafloresta?–elaperguntou,suacabeçagirando.

-Sóestoupensandoemvozalta–aSra.Guntherrespondeu.–Talvezelenãotenhaideiadequetipodeefeitoessacoisa tenhaemcérebros jovens.Equemsabe,elepode teratémesmoditoparaAnneeSabineparamanterolocalemsegredoporenquanto.SeAnneestiversendodrogada,essaspalavraspodemtersetornadoumaameaçanamentedela.

Com as pernas bambas, Julia tropeçou para trás, desabando sobre a poltrona no canto de seuquarto.

-Nãopossoacreditar.Nãopossoconceberalgocomoisso.Oqueraioseleestavapensando?–sua mãe estava certa, era isso que deveria estar acontecendo. Thorsten tinha involuntariamenteassustadosua irmãaodizerqueacasanaárvoredeviaserumsegredoeeledeveatémesmotê-ladeixado dar uma tragada em seu cigarro enquanto eles estavam trabalhando no bosque. Eleprovavelmente não havia tido a intenção de causar dano,mas infelizmente, ele havia prejudicadoAnne,dealgumaforma.

-Vocêquerqueeuváparacasa?–amãedelaperguntou.-Não,eunãoachoqueissosejanecessário.AnneprovavelmentevaiparaapiscinacomSabine

agora,entãoelavaificarbem.MasfiquetranquilaqueeuvouconversarcomThorstenhoje.Eleestáencrencado.

Julia finalizou a chamada e saiu ruidosamente do quarto, com uma expressão sombria. Nãoimportava o quanto o vizinho fosse doce e legal, ele havia conseguido irritá-la de verdade. Eledeveriaterficadolongedesuairmãzinha.

-Anne?–elacolocouacabeçaparadentrodaportadacozinha.–VoudebicicletaparaEichetfazercompras.Vocêvaiparaosvizinhos?

AnneselevantouepassouosdoisbraçosaoredordacinturadeJulia.-Oqueamamãedisse?–elasussurrou.-Eladissequenãoéparavocêficarassustada.Opríncipenãopodetecausarmal–Juliadisse

suavemente,decidindomanterabrincadeiraporenquanto.–Edapróximavezquevocêoencontrare

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acharqueeleestáteassustando,vocêdevedizeraelequevocênãoquermaisvê-lo.-Ok.–AnneapertouabochechanoombrodeJulia.–Euvoufazerisso.Algunsminutosdepois, Juliaempurravaa suabicicletapara foradoquintaledeixavaAnnena

casadosvizinhos,dooutroladodarua.SabineeamãeestavamemcasaereceberamAnnecomosrostossorridentes,eJuliateveacertezaqueairmãsedivertirianaqueledia.

Enquantoisso,Thorsteniasedarbemmal,noquedependessedela.Juliaestavadeterminadaemfalarcomele,eseaquilosignificassequeela teriaqueperturbarapazdosupermercadolocal,elanão se deixaria abater. E daí se ele estivesse trabalhando e não tivesse tempo para ela?Ela estavaqueimando de raiva e a sua viagem frenética de bicicleta para Eichet não havia colaborado paradiminuí-la.Quandoelafinalmenteencostouabicicletanomuroecorreuparadentrodaloja,quasederrubou um carrinho que bloqueava parcialmente a entrada. Com o rosto corado de raiva, elaabordouaprimeiraassistentequeencontrouparaperguntarondeThorstenestava.

-Oh,eleacaboudeirparaofundopegaralgonobarracão–agarotarespondeu.-Obrigada.–Juliasaiupelaportaquedavaparaobarracão.Felizmente,elasabiaocaminhoao

redordosupermercado,porqueamãedelatambémtrabalhavaali.NãodemoroumuitoparaqueelaavistasseThorsten.Semperdê-lodevista,elaseaproximoudeleeparoubememsuafrente,comosbraçoscruzados.

-Precisofalarcomvocê–eladissefriamente.Elealançouumolharconfuso.-Hã,claro–eledisse,colocandonochãoacaixaqueestavacarregando.–Oqueaconteceu?-VocêprecisaparardefalarcoisasestranhasparaAnne.–Juliaexplodiu.–Vocênãopodedizer

quevocêvaificarbravocomelaseelarevelarolocalondevocêsestãoconstruindoaquelacasanaárvore.Elaestámuitoassustada,ok?Eeueaminhamãenãoficaríamossurpresasdesaberquevocêestá fumando um baseado no bosque enquanto trabalha na tal construção. Anne está contando ashistóriasmaismalucassobreisso.

OsolhosdeThorstensearregalaram,umolhardeprofundaincompreensãoemseurosto.-Desculpe,masdoqueraiosvocêestáfalando?-EstoufalandodeAnne.-Sim,euentendiisso.Eunãoentendioresto.Paraserhonesto,euestouachandoquequemestá

parecendomalucaévocê.JuliapegoufôlegoeexaminouThorsten.Elepareciagenuinamenteperplexo.Eleprovavelmente

nãopoderiaimaginarqueteriatamanhoimpactoemAnneesuaimaginaçãofértil.-Ok,possoverqueminhashistóriasparecemdesconexas,masoqueeuquerodizeréqueminha

irmãtemumcarinhomuitoespecialporvocêeoquevocêdizparaelaainfluenciamaisdoquevocêpossaimaginar.

Thorstensoltouumsuspiro,balançandoacabeça.-Olhe, eu achoquevocê está brigando comapessoa errada.Eunão ajudeiAnne eSabineno

bosque. Bem, eu fiz alguns desenhos para elas, para que elas tivessem as plantas, e eu ajudei atransportarmadeira,masfoisóisso.Comoéqueeupoderiaajudarasgarotastodososdias?Estoutrabalhando,não?Tenhofeitoturnosquatrovezesporsemana.

No silêncio que se seguiu, Julia deu alguns passos hesitantes para trás conforme absorvia,lentamente,aspalavrasdeThorsten.

Elenãohaviaajudadoasgarotas.Elenemmesmohaviasejuntadoaelasnasidasàfloresta.EntãodeondeéqueAnnehaviatiradoaquelahistóriamalucadela?

-TemcertezadequenuncausoudrogasnapresençadeAnne?–elapressionou,maspodiaouvirsuavozfalhar.

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-Ok,éoseguinte.–Thorstenrebateu.–Quetipodepessoavocêachaqueeusou,hein?Eunãousodrogas,emesmoqueeuusasse,comcertezanuncameocorreria fumarmaconhana frentedaminhairmãzinhaedamelhoramigadela!Oqueéquetedáodireitodechegaraquiemeacusardetodotipodecoisashorríveis?

-Desculpe.– Julia sussurrou, como rostocoradodevergonha.Thorstenestavaabsolutamentecerto. Ela havia se preparado para acusá-lo como um maconheiro irresponsável, para ter umaexplicaçãopara ahistória esquisitadeAnne. Julia secouas lágrimasquebrotaramemseusolhos,soltando a respiração, trêmula. Agora que ela havia descoberto que Thorsten não era o idiotadrogadoqueelaohaviaacusadodeser,elaestavasemideia,excetoopensamentodequeAnneestavaperdendoacabeça.Seráqueasuairmãzinhaestavaficandolouca?

-Ei,nãochore.–Thorstenpareciaalarmado.Elecolocouamãoemseuombro.–Desculpetergritadocomvocê,eunãoquistechatear.Masentão,doqueexatamenteAnneestácommedo?

-Eu...Eunãosei.–Juliagaguejou,confusa.–Eunãoconsigoentender.Thorstenapuxouparaperto,seubraçoaoredordesuacintura.-AchoquevocêdeveriairparacasaeconversarcomAnnedenovo–eledisse,sério.–Crianças

dessaidadepodemterumaimaginaçãomuitofértil.Talvez,fértildemais.Sevocêachaquealgoestárealmenteerradocomela,euapostoqueasuamãepoderiapediraopiniãodeumespecialista.

-Euvou–Juliarespondeutimidamente–Eusintomuitomesmo.-Desculpas aceitas – ele disse suavemente –Você só está preocupada comAnne, então vamos

esquecerqueissoaconteceu.–elebeijousuatestaeasoltou.–Porquevocênãopassaláemcasaeperguntaparaaminhamãeseelasabeoqueelastemfeitonaflorestaessesdias?Eladevesaber.Ei,eusaioàstrêshoje,entãoeuvouatélá,versevocêestámelhorestatarde,ok?

Juliaconcordou.-Obrigada.Vougostarmuito.Aindasesentindoenganada,elaseviuparadaaoladodesuabicicleta,desorientada,apóssairdo

supermercado.Quando finalmente semoveu, Julia foi atéacasade suaavó,nopilotoautomático.Suaavóestavanojardimemfrenteacasa,regandoasplantas.Elaacenouquandoviuanetaaparecernaestrada.

-Quebomquevocêveiomevisitarhoje,antesqueMichaeltometodaasuaatençãoestanoite–eladisse,comumsorrisodeorelhaaorelha,masseurostoficousérioquandoelaolhouJuliamaisdeperto.–Qualoproblema?Vocêparecepreocupada.

Quando a avó veio em sua direção e a puxou para um abraço, Julia desabou a chorar. Semperguntar mais nada, a avó a levou para dentro até a cozinha, onde ela silenciosa e calmamentecolocouumaxícaradecháparacadaumadelas.ElaempurrouopotedebiscoitossobreamesaeJuliapegouumdechocolate,comendo,semprestaratençãoaosabor.Todoseucorpopareciafracoeelatomouumpoucodocháparasesentiraquecidaediminuirsuatontura.

-Vovó.–elacomeçou,comavozfraca.–VocênãodissequeachavaquealgoestavaacontecendocomAnneaqueledia?

Avelhasenhoraolhouparaela,examinando-a.-Eutiveumacertasensaçãodequealgoestavaerrado,sim.Aconteceualgumacoisa?Julia fezque simecalmamentecontouparaaavóoqueAnneahaviacontadonaquelamanhã.

Comoelapareciarealmenteacreditarnocontodefadasqueelamesmahaviainventado.Oquantoelaestavaassustada.

-Ah,meuDeus.–aavópareciachocada.–Vocêestácertaemsepreocuparcomisso.SeiqueAnnegostadecontosdefadas,assimcomovocê,masnãofazsentidoqueelafujaparadentrodeumahistóriadaqualelaestejacommedo.

-Seráqueelainventouessecontodefadasparaseprotegerdealgoqueelaestácommedo?

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Aavóficouemsilêncioporummomento.–Vocêdissequeelamencionouqueelanãoestavaautorizadaafalarsobreisso.Eladissequeera

umsegredo?-Sim.–Juliaprendeuarespiração.- Issome lembra do comportamento estranho de uma amiga que eu tinha quando eu era uma

garotinha.–aavóencarouaxícaradecháemsuasmãos.–Elacostumavagostarde inventar todotipo de histórias fantásticas,mas eu sempre achei que ela erameio ansiosa e reservada.Algumasvezes,elamencionavaumsegredoqueelanãopodiacontaraninguém.Depoisdecertotempo,nósdescobrimosqueopaibatianelacomfrequência.Elepodeterfeitooutrascoisascomelatambém.Eusempreacheiqueelanutriaumagrandetristeza.

UmarrepiopercorreuacolunadeJulia.-VocêachaqueAnneestásendoabusadaporalguémpróximoaela?Alguémqueconhecemos?-Eunãosei.Éumapossibilidade.-Masquem?Quempoderiaser?Freneticamente,elapercorreuumalistamentaldaspessoascomquemAnnelidavadiariamente:

pessoasnavizinhança,naescola,nasaulasdemúsica...Aavócolocouumamãoemseubraço.-Seeufossevocê,discutiriaesseassuntocomasuamãeestatardeeenvolveriaaAnnetambém.

ElapoderiafalarcomomédicooutalvezcomalguémnoConselhodaCriança.Nãohánecessidadedesuspeitardetodasaspessoasquevenhamàmente.Afinal,vocênãoquerfazerfalsasacusações.Certamente,nãoemumcasocomoeste.

AconfrontaçãocomThorstenvoltouemsuamentecomoumflasheJuliafezumacareta.Suaavóestavacerta,elanãoqueriairporaquelecaminhonovamente.

-Vouparacasa.–eladecidiu.–Eeuvouligarparaamamãeparapedirqueelavolteparacasamaiscedo,paraconversarmoscomAnnejuntas.

-Boasorte–aavódisse–Euligoparavocêsduasestanoite.Mergulhadaempensamentos,Juliafoicomabicicletaparacasa.Osolestavabrilhandoeasaves

estavamcantando,maseracomoseumasombrainquietapairassesobreela.PensarsobreavisitadeMichaelnaquelanoitenãoajudavaemnada,elaestavapreocupadademaiscomAnne.Elanuncahaviaficadotãoassustadaemtodaasuavida.

Depoisdecolocarabicicletadevoltanoabrigo,Juliaatravessouaruaparavisitarosvizinhos.Thorstenhavia sugeridoumaconversacomamãedele,entãoaquiloeraoqueela fariaprimeiro.Possivelmente,aSra.EbnerterianotadoalgopeculiarnocomportamentodeAnnetambém.

Sabineeamãeestavamsentadasnogramadobrincandocomumjogodecartas.Juliacongelou,opânicobrotandoemseupeito.Ondeestavaasuairmã?

-Ei,Julia-Sabineacumprimentou.–Anneacaboudeir.Eladissequeiaveraavó.-Avovó?–Juliasentiuosanguedesaparecerdeseurosto.Sefosseverdade,ela teriacruzado

comAnnenocaminhodevoltadeEichet...Anãoserqueasuairmãtivessedecididoirdebicicletapelobosque.

- Vejo vocês depois. – ela murmurou, correndo de volta para casa para pegar a bicicletanovamente.A toda velocidade, Julia correu para o bosque, ficando sem fôlego ao chegar à trilhaprincipal da floresta. Deste ponto em diante, ela teria que ir mais devagar, em razão da estradaesburacada,mas ela tentavausar aquilo em seu favor, olhando febrilmente para todos os lados naesperançadeencontrarAnneemalgumlugar.

Quandoaestradaacaboueasárvores ficarammaisescassas, Juliaparoueencaroucegamentecéuazul,olhandoporentreascastanheirasnofimdatrilha.Elasesentiaenjoada,omedoinjetandoumadosedeadrenalinaemsuasveias.Atensãoqueatravessavaseucorpoenfraqueciaseusmúsculos.

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Anne não estava em lugar algum. Ela não acreditava nem por um segundo que sua irmãzinhahaviadecididovisitaraavóhoje.Eladesejavavoltaràflorestadesdeanoiteanterior,entãoelahaviaescapadosorrateiramente,desaparecendonomeiodobosque.

Julia tateouosdoisbolsosda calçaprocurandopor seucelular, atéque se lembroudequeeleestava em casa. Nada de ligar para Anne ou para sua avó. Desesperada, ela se virou lentamente,olhandoparatodasasdireções.Elaparouabicicletacontraumaárvoreeemumúltimoesforçoparaencontrar Anne sem ajuda, Julia começou a correr ao longo do limite da floresta. Talvez eladescobrisseAnne vagando em algum lugar se ela fosse para o norte, onde a floresta ficavamaisescuraemaisdensa.

- Isso é loucura. – ela murmurou para si mesma, depois de andar por cinco minutos semencontrar qualquer sinal de sua irmã. Não fazia sentido gastar uma tarde frustrada andando emcírculoscomoumaidiota.

Assim que decidiu se virar e voltar para sua bicicleta, Julia viu alguém caminhando entre asárvores,paraonorte.Afiguraestavaaindamuito longe,maseradefinitivamentealgumandarilhocaminhandopelobosque.ElepoderiatervistoAnneemalgumlugar.Juliafechouosolhosetentouacalmarasuarespiração.Elateriaqueesperaraquieperguntarparaapessoa,quandoelaemergissedafloresta.Quandootalandarilhoseaproximou,elaviuqueeraumgarotonãomuitomaisvelhoqueela.

Seucoraçãoparouquandoeleseaproximouaindamais.Aluzdosolatingiuseucabelolongoeloiro.Dois olhos azuis brilhantes encararam os dela. Ele emergiu das árvores e Julia começou atremer.

ElaestavaencarandoafaceangelicaldeLegolascomosolhosazuisdeThorsten.Ele era o Príncipe da Floresta. O garoto que Anne havia desenhado em seus cadernos, os

desenhosqueJulianãodeveriatervisto.

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10.-GrüssGott.–ogarotoacumprimentoueducadamente.

Juliaengoliu.-Olá.–suavozsoavaestridente,masogarotonãopareceunotar.Elepassouporelaecontinuou

caminhando,desviando-separaadireita,parachegaratéaestradaquelevavaaEichet.Juliahesitouporumsegundo,entãocomeçouasegui-loacertadistância,osuorescorrendopelaspalmasdesuasmãos.Elaesperavaqueelenãoolhasseparatrás.

Anne havia encontrado aquele garoto na floresta. Aquele mesmo garoto. Ela tinha certeza. EaquelaeraachancequeelatinhadedescobrirondeeleviviaedizeraelequedeixasseAnneempaz.EseeletivessedadodrogasparaAnne?Eseeletivesseatémesmoabusadodela?Juliatentouafastaras lágrimas. Com um nó em seu estômago, ela seguiu o garoto até que ele entrou em uma casaisoladaemumdosbairrosmaisricosdeEichet,àumapequenadistânciadasdemaiscasasdaquelaruatranquila.

Juliaparouindecisa,atrásdeumaárvoregrossapróximaàcasadogaroto,seusolhosfixosnaportadeentrada.Comoassim?Elatinhacertezadequeaquelegarotohaviafeitoalgoerradoouelaestavaprestesaabordaroutrapessoainocentecomummontedeacusaçõessinistrasefazerpapeldeidiotapelasegundaveznodia?

Fazendoumacareta,Juliasuspirouesevirou,depoisdememorizaronomedaruaeonúmerodacasa. Ela começou a correr de volta para o lugar onde havia deixado a sua bicicleta. Talvez elaestivesse fazendo uma tempestade em copo d’água. Talvez Anne já estivesse de volta quando elachegasseemcasa.Esenão,elaligariaemseucelularediriaparavirimediatamenteparacasa.Elaligariaparaamãetambém.Tudoficariabem.

QuandoJuliavirouparasuarua,aSra.Ebnersaiudesuacasaeatravessouaruaparainterrompê-la.

-Julia–eladisse,comorostopreocupado.–Oqueestáacontecendo?VocêencontrouaAnne?-Não,nãoencontrei.–Juliacolocouabicicletacontraacerca.–Vouligarparaelaagora.Epara

minhamãetambém.-Desculpeportê-ladeixadosairsozinha.Eumesintotãomalagora.Eunãopenseiquehaveria

problemaemdeixarAnneirparaacasadaavó,masentãoSabinemedisse...–avozdelasumiu.-Oque?–Juliaesperouansiosaarespostadavizinha.-SabinedizqueAnnetemocostumedeirsozinhaparaobosqueultimamente.Eelanãotemideia

doqueAnneestáfazendolá.Algumasvezessuairmãrecebiamensagensdetextoeiaemboralogoemseguida,semdizeraSabinedequemera,masmencionavaqueiatrabalharemsuahistória.

-Ah,meuDeus.–Juliaseinclinousobreacerca,suaspernastremendo.–Eelasódisseissoparavocêagora?

-Sim,porqueAnneviviadizendoqueeraumsegredo.Sabinenãoqueriatrairaconfiançadela.–orostodaSra.Ebnerestavapálido.–Euachoquevocêdeverialigarparaapolícia.Háalgoestranhonessahistóriatoda,sevocêquersaber.

-Voufazeralguns telefonemas.–Juliafoiparadentroecorreuescadaacimaparapegaroseucelularechecarsehavianovasmensagens.Nenhumamensagemdetextoouchamadasperdidas.ElaligouparaAnneealigaçãochamouváriasvezesantesdecairnacaixapostal.

-Anne,vocêtemquevoltarparacasaimediatamente–eladisse,séria–Eporfavor,meliguedevoltaquandoreceberestamensagem.–eladesligoueligouparaaavó.

-Alô.-Vovó,éaJulia.AAnneestácomvocê?

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-Não,elanãoestá.Julia,oqueestáacontecendo?Vocêconversoucomela?Juliarespiroufundo.-Não,eunãotivechance.Elanãoestavaaquiquandoeuvoltei.Vouligarparaamamãeagora,

ok?–suavozfalhou.-Façaisso.Meconteoqueaconteceu,querida.-Podedeixar,vovó.Juliadesligoueligouparaocelulardesuamãe.Nenhumaresposta.Elanãoqueriasimplesmente

deixarumrecado,entãoela ligouparao telefonefixo.Felizmente,o tioHelmutatendeudepoisdedoistoques.

-Olá.ÉaJulia.AmamãeaindaestácomvocêeatiaVerena?-Sim,elasestãotomandocafénavaranda.Vocêquerqueeuachame?-Porfavor.Enquanto Julia esperava por sua mãe, ela se levantou e caminhou até o quarto da irmã.

Atropeladamente,elaabriuosarmáriosegavetasparaprocurarosdesenhoseodiáriodeAnne.Elapossivelmenteencontrariaalgumapistaali.

-Oi,querida.VocêfaloucomoThorsten?–amãedisse,interrompendosuabusca.-Falei,maselenãosabedenada.Mãe...Annesumiu.ElamentiuparaosEbnersobreirvisitara

vovó e saiu para a floresta sozinha. Eu acho... – Julia respirou fundo, o choro escapando de suagarganta.

-Espere!–amãegritou.–Oqueaconteceu?Porquevocêestátãochateada?Commuita dificuldade, Julia contou para amãe o queThorsten e a avó haviam dito e o cara

misteriosoqueelahaviaencontradoenquantoprocuravaporAnnenobosque.-Ok.Estouindoparacasaagoramesmo–aSra.Guntherdisse,suavoztrêmula.–Masprimeiro

euvouligarparaapolícia.Elesdevemchegaraímaisrápidodoqueeu,masvocêpodeseadiantareconversarcomeles.Diga-lhesexatamenteamesmahistóriaquevocêmecontou.Euestareiaíomaisrápidoquepuder.

Juliadesligou.Naqueleperíodo,elaconseguiuencontrarumagrandepilhadedesenhosqueAnnehavia feito. Ela olhou, sem enxergar, aos outros retratos que ela havia feito do garoto loiro dobosque.Haviamaistrêsalémdodesenhoqueelajáhaviavistoeasemelhançaerachocante.Elatinhaqueentregá-losaospoliciais,comoprova.

AgavetadaescrivaninhadeAnnecontinhaodiáriodela.Eleestava trancadocomumcadeadofrágil,quenãopareciadifícildeabrir. Juliapegouodiárioeo levouparabaixo,parapegarumapequenachavedefendanacaixadeferramentas.Depoisdetrêstentativas,elaconseguiuarrombá-lo.

Juliasesentoupesadamentenamesadacozinha,comolivroemsuafrente.Quandoelaabriuodiário,acaligrafiainfantildeAnneaencaravanaspáginas.Julialimpouuma

lágrima solitária, apertando os punhos. A polícia tinha que encontrar sua irmã, e talvez eladescobririaalgumaspistasnessediárioquepudessemajudá-losnatarefa.Rapidamente,elafolheouaspáginasatéquealgonamargemchamousuaatenção.Eraumalinhainteiradecorações,ligadosporuma linha elegante, quepareciaum ramo.Os corações estavampintadosdeverde comcanetahidrográfica.OcoraçãodeJuliaacelerouquandoelacomeçoualerapáginadecoradadodiário.

“EueSabinecomeçamosnossotrabalhonacasadaárvore,equandoelafoiparacasa,eufiqueiparatrás,paracaminharumpoucomaisparadentrodafloresta.Ealgoaconteceuali.Eracomoumsonho!Haviaumlindogarotoali,sentadoemumtroncodeárvore.Elecomeçouaconversarcomigoemedisseque tambémmeachavabonita!Eledissequeeupareciaumaprincesa.Maseunãopossocontaraninguémqueeuoviali.Euachoqueelepode seroPríncipedaFloresta!Seráqueeleéreal?”

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“Entãohoje,eupergunteiseeleeraopríncipedobosqueeeledissequeeuhaviaacertado.Nãopossoacreditar!Eledizqueoportalparaopaláciodeleestáemalgumlugarnaflorestaequeéporisso que eu nãoposso contar a ninguém sobre ele ou sobre os nossos encontros.Ele está tentandoesconderaentradaparaaTerraEncantadaparaqueninguémmaispossaachar.Antesdeeuvoltarpara casa, ele dançou comigo e até me beijou, assim como nos livros de história. Estou tãoapaixonada!!!”

“Elemedeualgunscogumeloshoje.Eledissequeseeuoscomesse,eupoderiaverasfadasquemoravamdooutroladodoportal,poralgunssegundos.Foimuitoestranho.Primeiroeuvitodosostiposdecoisas lindasemaravilhosas,masdepois euquis vomitar.Achoqueéporqueeu tinhaquevoltarparaomundodoshumanos.”

“Eu sentei no colo dele, com os braços dele ao redor domeu corpo e eu comi outro daquelescogumelosencantados.Pareciaqueeuestava flutuando.Eledissequeelemefariaaprincesadele,quando voltasse para seu palácio. Todos os dias ele diz que sou linda!! Ele é meu príncipeencantado.”

“Eleestavabravocomigo.Eumostreiumdesenhoqueeu fizdorostodele,maseleorasgou.Eentão ele gritou comigo, dizendo que eu não podia nunca contar a ninguém sobre ele ou sobre aentradanoreinodele,porquealgoterrívelaconteceriaseeufizesseisso.EuestavaplanejandocontarparaaJuliasobreele,masagoraeuestouassustada.Porqueeleestavatãobravo?Elenãoestámaisapaixonadopormim?”

O estômago de Julia revirou quando ela empurrou o diário namesa e se recostou na cadeira.Aquilo eramuito pervertido e errado de todas asmaneiras, e ela não conseguia parar de tremer.Então eramesmo aquele garoto loiro que ela encontrou no bosque.Aquele pedófilo doente haviatocadoAnne.Eleahaviaseguradoemseusbraços,abeijado,dadocogumelosparaelacomer.Elehaviamentidoparaelaparaquepudessesetornaropríncipedocontodefadasdela.Eela,Julia,tinhainocentementecontadoaAnnenaquelamesmamanhãqueopríncipenãoapodiamachucarnemaforçaravê-lo,seelanãoquisesse.

Erepentinamente,elaselembroudotelefonemaqueAnnehaviarecebidoenquantoelaestavanobanho.Talveznãohaviasidoumadesuascolegas,afinal.Talvezhaviasidoaquelegaroto,dizendoaelaparairseencontrarcomelenafloresta.EntãoeraporissoqueAnnetinhaparecidotãoansiosaeinsegura.

Julia despertou quando a campainha tocou. Lutando contra as lágrimas, ela se levantou paradeixar os policiais entrarem.Ela tinha que ser coerente em seu interrogatório.O diário podia serusadocomoprovatambém,entãohaviasidoumaboacoisaencontrá-lo.

Masnãoeraapolícia.Quandoelaabriuaporta,Thorstenestavaparadoali.-O-oi.–elagaguejou.–Vocênãoiatrabalharatéàstrês?Eleentrounacasa.-Eusaíumpoucomaiscedo.Estavapreocupadocomvocê.–elealançouumolharquestionador.

–Ecomrazão.Vocêestáhorrível.VocêjáfaloucomaAnne?Ouvironomedairmãerademais.Juliacaiunochoro.-Não.–elalamentou.–Annesumiu.Desapareceu.Eeuestoucomtantomedoqueessetalgaroto

atenhamachucado,-Esperaaí.Quegaroto?-Ogarotodobosque.–Juliasussurrou.–Ogarotoqueeladesenhou.Ogarotodequemelafala

nodiário.–elafoiemdireçãoàcozinha,comaspernasbambas,emostrouaThorstenodiárioeosdesenhos,contandoahistóriasobreterencontradoessegarotomisterioso,parecidocomoLegolas,nafloresta,osdesenhosqueAnnehaviafeitoeashistóriasassustadorasqueelahaviacontado.

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-Apolíciaestáacaminhoeeutenhocertezadequevãoapreenderogarotoparainterrogatório.–Thorsten a assegurou, com o rosto sombrio. – Ele pensará duas vezes antes de incomodar Annenovamente.Eunãoachoqueeleirámachucá-la,elenãoousaria.Elesabequeelafezdesenhosdele,afinal.

-Espero que você esteja certo – Julia respondeu, abatida.Ela pegou o celular: ainda nenhumamensagem.–Mas,Thorsten,eseelanãovoltar?Oqueeuvoufazer?

-Vamosdarumtempo.–Thorstenpassouobraçoaoredordela,balançando-aparafrenteeparatrás,gentilmente,quandoelacomeçouachorarnovamente.–Seacalme.

Algunsminutosmais tarde,aportadafrenteabriueaSra.Guntherentroucomtrêspoliciaisaseguindo.Elaolhouparaafilhamaisvelhaansiosa.

-Anneaindaestádesaparecida?Juliaolhouparaamãe.Erahoradecontarasoutrascoisasqueelahaviadescoberto,maselanem

sabia por onde começar. Por sorte,Thorsten tomou a iniciativa emostrou à polícia o diário e osdesenhos,contandoaeles tudoqueJulia lhehaviacontado.Ele tambémdeuoendereçodogarotomisteriosodosdesenhos.

- Vamos até lá verificar. – o detetive que comandava a equipe prometeu. – Acho que vouprovidenciarummandadodebusca imediatamente.Seeleestivermantendoaquelagarotinhapresadentrodacasaouemalgumlugarpróximo,nósaencontraremos.

-Podemosir?–Juliaperguntoutimidamente.Odetetivebalançouacabeça.-Vocênãovaiquerer,acredite.Nãovaiseralgobomdever.Voltoassimquepuder.ApolíciafoiemboraeaSra.GuntherdesabounobancodacozinhaaoladodeJuliaeThorsten.-Eudeveriaterdadomaisatençãoaela.–elamurmurouvagamente.–Eudeveriaterficadomais

emcasa.Eunãodeviaterpermitidoqueelaperambulassetantoporaí,sozinha.OcoraçãodeJuliasedespedaçouquandoelaviuamãeseculpando.Reconhecidamente,elahavia

pensadoasmesmascoisas,algunsdiasantes,masnãoeraculpadesuamãeoqueestavaacontecendo.Alémdisso,oqueelapoderiaterfeitodiferente,dequalquermaneira?Elaeraumamãesolteira,comduasfilhas.

-Não faça isso,mãe.–ela sussurrou,puxando-aparamaisperto.–Nãoseja tãoduraconsigomesma.Comoéquenóspoderíamossaberoqueestavaacontecendonaquelafloresta?

-Desculpe–amãerespondeu,umchorodesesperadoemsuavoz.Thorstenselevantou.-VouperguntarparaaSabineoqueelasabe,maisumavez–eledisse,determinado–Talvezas

perguntascertasvãofazê-laselembrardealgomais.MinhamãedissequeelasabiamaissobreospasseiosdeAnnenafloresta.

Juliaergueuosolhos.-Vocêvaivoltar?–derepente,elaprecisavadesesperadamentedoseuapoio.Eledavaaforçaque

elaprecisavaparaacreditaremumfinalfeliz.Eleconcordou.-Euvoltologo.–prometeu.ASra.Guntherficoudepéemumsaltoecomeçouaandarpelacozinha,doentiamenteesfregando

todasasbancadascomumaesponja.- Não posso simplesmente ficar sentada. – ela explicou, quando Julia a encarou. – Vou

enlouquecerseficarpensandodemais.Juliasorriufracamente,deixouacozinhaesesentounoúltimodegraudaescadaagarrandooseu

celular.AprimeiracoisaqueelafezfoiligarparaAxelparacontarsobreosacontecimentosdaqueledia.

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-Oque?–eleexclamou, incrédulo.–Euestarei aí assimquepossível.Estávamos indoparaoensaiodabandadoMoritz.Dequalquerforma,jáestamosdentrodoônibus.

-Nós?-Sim,eueGaby.Estaremosaíemuminstante,ok?Quandoacampainhatocou,Juliaeamãequase tropeçaramnocaminhoparaaportadafrente,

masnãoeraapolícia.Thorstenestavaali,aoladodeSabine.Agarotaansiosamenteolhavaparaelas.- Eu não sabia que ela estava fazendo coisas perigosas – a pequena vizinha disse com a voz

entrecortada-Elasemprepareciatãofelizquandovoltavadafloresta.Eeladissequeeunãopodiacontarosegredodelaparaninguém.

ASra.GunthercolocouumamãonacabeçadeSabine,consolando-a.-Nãohavianadaquevocêpudessefazer,querida.Porquenãonoscontaagora?Digatudooque

vocêsabesobreAnneeaondeelasempreia.-Bem,eladiziaque seeualgumdiaencontrassealgumaportana floresta,queeunãodeveria

atravessá-la,porqueissochateariaoPríncipedaFloresta.-Umaporta?–JuliapensounoportalsobreoqualAnnehaviaescritoemseudiário.-Sim, foi o que ela disse.Eu achei estranho.Vocêvêportas emcasas, e não existemcasasna

floresta.Eupenseiqueelaestivesseapenasmecontandoalgumapartedahistóriadela.Eusabiaqueelaestavaescrevendoedesenhandocoisasparaisso.

- Seria possível haver alguma cabana abandonada em algum lugar da floresta? – Thorstensugeriu.

-Nãofaçoideia–Juliarespondeu–Nuncaencontreinadadotipo,mastambém,eusempresigoastrilhasquandovoucorrerouandardebicicleta.

- Talvez devêssemos ir procurar por ela. – Sabine olhou os adultos ao seu redor, seus lábiostremendo.

Thorstenconcordou.-Nósvamos,massemvocê.Nãoquerosaberdeperdermaisnenhumagarotinhanaquelafloresta

hoje.Sabineinsistiucomoirmão,massemsucesso.Elaoseguiuemburradaportaafora.NãodemoroumuitoparaqueAxeleGabyaparecessemnaportadafrente.Gabycorreuparaa

amigaeaabraçouforte,enquantoJuliasemdizernadaenterrouorostonocabeloescurodeGaby.-Ah,meuDeus,Gaby,essediainteiropareceumpesadelo.–elafungou,quaseinaudível.Axelabraçouatia,eelestodosficaramemsilêncioporalgunssegundos.EntãoJuliaseafastou,

levandoGabyeAxelparaacozinhaparamostrarosdesenhoseodiário.Enquantoisso,amãefezcháparatodos.

-Aquelemalditodoente!–Axeldisparou,jogandoodiárionamesaaoacabardeler.–Sabedeuma coisa? Eu espero que a polícia o prenda pelos próximos trinta anos. Pessoas desse tipo nãodeveriam poder sair de lá nuncamais. – ele ficou em silêncio, o rosto branco como papel.Gabygentilmente pegou a suamão e deu uns tapinhas encorajadores, o que fezAxel se jogar em seusbraçoscomumsorrisofracoemsuadireção.

Juliaobservouseusdoisamigosdooutroladodamesaesentiuumesboçodeumsorrisocruzarseurosto.PareciaqueofilmedanoiteanteriorhaviasidobomparaGabyeAxel.

Quandoacampainhatocounovamente,eraoDetetiveSpitzer,quehaviavisitadoacasadogarotoemEichet,seguidoporThorsten.Osenhorentrounacozinha,orostosério.

-Eentão?–aSra.Guntherergueuoolhar,aflita.-NãoencontramosAnne.–elepegouumacadeiraesesentoupesadamente.–Fizemosumabusca

pela casa, mas não pudemos encontrar nada suspeito, ou nada de mais, de qualquer forma.Encontramos, sim, alguns cogumelos mágicos no quarto do garoto. O nome dele é Andreas

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Mittelmayer. Nós o levamos em custódia para interrogatório na delegacia. Eu os mantereiinformadoseligareimaistarde.–OpolicialtomouumpoucodocháqueJuliaohaviaentregadoeentãocontinuouemvozbaixa.–Istoposto,achamosoutros itensnacasaquelevantaramsuspeitas.Diferentes tipos de clorofórmio... Mas, a Sra. Mittelmayer é veterinária, então ela precisa denarcóticosparaseutrabalhoalgumasvezes.Alémdisso,nãosepodeusarclorofórmioparadrogaralguémsemsaber.Estaéumalendaurbana.

QuandoodetetiveSpitzersaiu,oscincoficaramsentadosnamesadacozinha,catatônicos.AnnenãoestavanacasadeAndreas.Então,ondeéqueelaestava?Seriapossívelqueelaaindaestivessevagandopelafloresta?

-Vamosprocurarporela.–Thorstenexplodiu.–PorAnne,ouporaquelaportamisteriosaqueelaestavafalando...Qualquercoisa.Temosquetomarumaatitude.

-VouligarparaavovóeparaatiaVerena.–amãedeJuliaanunciou.ElapegouamãodeJulianocaminho.–Nãofiqueforamuitotempo,ok?Eporfavor,leveoseutelefonecomvocê.

Julia concordou. Ela e Thorsten pegaram suas bicicletas, enquanto Gaby e Axel pegaramemprestadoadaSra.Guntherparairemjuntos.GabysesentounagarupaeseguroufirmeemAxel,queestavapedalando.

JuliaparoudepedalarporuminstantequandoselembroudeseuencontrocomMichael.Eleiriaatéasuacasanaquelanoite.Nãoseriamelhorcancelarojantardeles?Aindaassim,elaqueriavê-lo.Elaqueriaqueeleaconsolasse,damesmaformaqueThorstenhaviafeitomaiscedonaqueledia.Epeloqueelasabia,elesencontrariamAnnenaflorestaagora,eessepesadeloestariaacabadoantesmesmodeeleaparecer.

Quandoeleschegaramà floresta, seguirama trilhaprincipalporuminstante,atéqueThorstendesceudesuabicicleta.

- Vamos deixar as bicicletas aqui e ir andando. – ele apontou para uma área escura cheia deárvoresquebloqueavamavisãodeles.–Sabinemedisseondepodemosveracasanaárvorequeelasestavam construindo, podemos usar aquele local como ponto de encontro e cada um vai em umadireçãofazerabusca.

-Boaideia.–Axelconcordou.–OlocalqueAnneusavaparaseencontrarcomaquelesinistronãodevesermuitolongedelá.

Ummomentomaistardeelesencontraramacabanaeseespalharam.Thorstenfoiparaadireçãooeste,JuliaparaonorteeGabyeAxelparaoleste.Elesvinhamdosul,ondeestavamtodasastrilhasdeciclistasebicicletas,entãonãoprecisavamolharali.Todosestavamcomrelógiooucarregandoumcelular,paraquepudessemficaratentosàhora.Osquatrotinhamconcordadoemcaminharpormeiahoraeentãovoltar,paraquepudessemestardevoltaàcasanaárvoreemumahora.

Juliafoiaprimeiraavoltarparaopontodeencontro,depoisdeirparaonorte,semencontrarnada.Ela havia andado a umcerto ritmo e havia corrido na últimaparte do trajeto, então ela nãoestavasurpresapornãoterninguémaliainda.Secandoosuordesuasobrancelha,elasesentouemumtocodeárvoreeverificouocelular.Talvezhouvessenotíciasdosoutrosmembrosdaequipedebusca.

Elatinhaduasnovasmensagens.AprimeiraeradeMichael.“estareiaíàs4:30,omartinvaimeliberarmaiscedo:)Tevejomaistarde!!bj”AsegundaeradeGaby.“Jules, achei umgrampode cabelo que parece umdaAnne.Marquei o lugar e estou voltando

agora.Temqueligarprapolícia!”O estômago de Julia revirou. EntãoAnne tinhamesmo se aventurado para dentro da floresta.

GraçasaDeus,GabyeAxelhaviamencontradoalgo.Pelomenosapolíciateriaumaideiamelhordeondeprocurarairmãagora.

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“querido Michael, está acontecendo muita coisa aqui e nada boa... minha irmãzinha estádesaparecida,provavelmentefoisequestrada.Porfavor,venhaparacáoquantoantes.Voutepegarnopontodeônibus.Bj.Julia.”

Elaenviouarespostarapidamentedevolta,antesdeligarparaGaby.Aamigaatendeunoprimeirotoque.-OiJules.–elaofegou.–Estaremosaídaquicincominutos.Essegrampo...Éumdaquelescor-

de-rosadaHelloKitty.OAxeltemcertezadequeédoconjuntoqueeledeuparaeladeNatal.- Bom saber que vocês encontraram alguma coisa que leve a ela. – Julia disse, séria. – Estou

esperandovocês.Quando ela desligou, viuThorsten se aproximando.Ele estavabalançando a cabeça, indicando

quenãohaviaencontradonada.-GabyeAxelencontraramalgo–elagritouparaele.Eleacelerouopassoesesentouaoseuladonotocodeárvore.-Mesmo?Oqueelesacharam?-Umgrampodecabelo,deumconjuntinhoqueAnneusamuito.Eusónãolembroseelaestava

usandogramposestamanhã.- Bem, nós devemos ligar para o detetive.Quem sabe aquele talAndreas pode ter confessado

algo.NãodemoroumuitoparaqueGabyeAxelvoltassemparaacabana.Axelentregouogrampode

cabeloparaJulia,semfalarnada.Elaoreconheceuimediatamente.-Sim,édela.Oh,Deus.- Nós desenhamos um mapa de como caminhamos para chegar àquele lugar – Gaby disse,

mostrandoalgumasindicaçõesrabiscadasnoversodeumrecibodeloja.-Vamosparacasa.–Juliaselevantou.–Temosqueavisarapolícia.Osquatrovoltaramdebicicletaomaisrápidoqueconseguiram.ASra.Guntherestavanojardim,

conversandocomaSra.Ebnerquandoeles chegaram.Seu rosto ficoubranco comopapel quandoJuliaamostrouogrampodecabelo.

-Oh,não.–elasussurrou,emchoque.–Oque...Ondevocêsoencontraram?-Nomeiodafloresta–Axelrespondeu–MasnãovimosnenhumsinaldaAnne.Amãe de Julia caiu no choro, parecendo completamente esgotada. Toda sua energia havia se

acabado.-Vocêdevelevá-laparadentro.–ASra.EbnersugeriuàJuliaeAxel.–Suaavóestánasala,ao

ladodotelefone,paraocasodeapolícialigarnovamente.GabyeThorstenseguiramosoutrosparadentro.-Oi,vovó.–Axelcumprimentouasenhora,desanimado.–Porquevocênãoesticaaspernase

deixaJuliavigiarotelefone?Elaprecisaligarparaadelegacia.AsmãosdeJuliatremiamenquantoeladigitavaosnúmeros.-Olá,euestouligandoparafalarsobreAnneKandolf,a...Agarotadesaparecida.–elagaguejou.

–PossofalarcomoDetetiveSpitzer,porfavor?Quandofoicolocadanaespera,seucelularapitou.EraumamensagemdetextodeMichael.-Ah,droga,elejáestánopontodeônibus.–elamurmurou,mostrandoamensagemaGaby.–

Você poderia, por favor, ir buscá-lo? Ele não sabe direito onde eu moro, e eu prometi que iaencontrarcomelelá.

-Considereissofeito.–amelhoramigasorriufracamenteedeixouasala.Naquele momento, a música do outro lado da linha foi interrompida e o detetive atendeu ao

telefone.

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-Spitzer.–avozdeleecoou.- Detetive? Aqui é Julia Kandolf. Eu acabei de ir até o bosque com meus amigos e nós

encontramos um grampo de cabelo que pertence a Anne. Nós achamos que ela o perdeu quandoencontrouAndreasMittelmayer.Eusónão lembroseelaestavausandoeleessamanhã.Épossívelqueelatenhaperdidoháalgunsdias,também.

OdetetiveSpitzersuspirou.-Eu estavamesmoprestes a ligar para você e suamãe.As coisas não parecemboas.Andreas

Mittelmayer não nos disse nada. Ele afirma categoricamente que nunca viu Anne na vida. Nãopudemos encontrar um traço sequer da presença deAnne em sua casa.Ninguémna vizinhança selembradeverosdoisjuntos.OtelefonedeAndreasnãotemodelanoscontatos,nemtemnenhumachamadaoumensagemdetextofeitasouenviadasaocelulardeAnne,então,nãoháprovanenhumadequeeletenhaentradoemcontatocomelaportelefone.E,claro,ocelulardesuairmãnãoestáemnenhumlugar,então,nãopodemosusá-locomoprova.

Juliaengoliuseco.-Então,oquevocêestádizendo?- Estou dizendo que não temos o direito demantê-lo em custódia. Eu não possomanter uma

pessoa presa apenas por conta do diário de uma criança e alguns desenhos. – o detetive Spitzerabaixouavoz.–Olhe,euvoumantê-loaquihojeànoite.Oficialmente,eusópossoenviarpoliciaisparabuscarumacriançadesaparecidadepoisdevinteequatrohoras,porqueamaioriadasvezesascriançasquesaemdecasavoltamantesdesseperíodoenossaajudanãoémaisnecessária.Eunãoposso fazer nada por vocês no momento, mas isso será diferente amanhã à tarde. Infelizmente,AndreasMittelmayerserásoltonaprimeirahoradamanhã.

-Vocênãopode estar falando sério! – Julia exclamou.–Elepodemachucá-la antesquevocêspossamencontrá-la!–TodosnasalaencaravamJulia,osrostosemchoque.

-Euentendoasuapreocupação.Infelizmente,eunãopossomudaralei.Naverdade,eujáestouflexibilizandoasregrasaomantê-lotrancadoatédemanhã.Eunormalmentenemconsiderariafazerisso,mascomodizrespeitoaumagarotinha,estoufazendoomeumelhorparaajudá-las.Evouserfrancocomvocê,eunãoconfionaquelegaroto,nemporumsegundo,maseunãopossobasearasminhasdecisõesemumsentimento.Eutenhoquemeapoiarnalei.

- Bem, você poderia pelo menos mandar algum de seus policiais para averiguar a casa deAndreas,quandoeleforlibertado?–Juliapropôs,desesperada.

-Nãoposso.Semprovas,nãotemosmotivosparamantê-losobvigilância.Mas,vocêestálivreparaficardeolhoneleporsuaconta.Eunãoaimpedirei.

Juliamurmurouumobrigadaaodetetive,queprometeu ligarna tardedodiaseguinte,antesdelentamentecolocarotelefonenogancho.

Thorstencaminhouatéelaecolocouamãoemseuombro.-Então,oqueeledisse?Juliaestoicamentecontouatodosoqueodetetivehaviadito.Suamãeeaavóficaramaindamais

pálidasdoquejáestavam.Axelapertouospunhos.-Inacreditável.Bem,ninguémvaimeimpedirdepatrulharacasadaqueledoentepedófilodiae

noite.–eleresmungou.-Contecomigo–Thorstendisse–Nãopossoacreditarqueelesvãosoltá-lo.-Elessãoobrigadosaisso.–aSra.Gunthermurmurou,categoricamente.–Vocêéinocenteaté

queseproveocontrário.Apolícianãopodesimplesmentesairporaí,prendendoqualquerumquesejaacusadodeumcrime.–elapiscou,forçouacadeiraparatrásemarchouparadentrodacozinha.

Juliasevirouparaaavó.

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-Elajáligouparaopapai?Aavóbalançouacabeça.-Aindanão.Elaqueriaesperarpeloretornodapolícia.Eupossoligarparaelesevocêquiser.Naqueleinstante,aportaseabriueGabyentroucomMichael.-Oqueaconteceu?–elaperguntou,preocupada,olhandoparaasfacespálidasnasala.MichaelimediatamentecorreuparaJuliaeaabraçoucarinhosamente.-Eusintomuito,muitomesmo.–elemurmurou.–AGabymecontoutudo.- A polícia não vai ir atrás dela até amanhã. – Julia chorou, não mais podendo segurar as

lágrimas,agoraqueMichaelestavaaliparaconsolá-la.–Elesnãoconseguiramtirarnadadaquelecara.Eeleestarálivreamanhãdemanhã.

OsolhosdeGabysearregalaram.-Elesvãoesperaratéamanhã?Comoassim?MaselessabemqueAnnenãofugiudecasa.- Não, eles não sabem – Axel respondeu – Ela saiu de casa porque quis. Ela inventou uma

desculpaparairatéafloresta.Ninguémaforçou.Detestoterqueadmitir,masestamosferrados.-Não,nãoestamos–Thorstendisse,acaloradamente–Nóspodemosvoltarparaafloresta.Nós

podemosprocurarporAnne.Michaelergueuoolhar,encarandoThorsten.-Vocêachaqueelaaindaestálá?- Bem, onde mais ela poderia estar? Quando a polícia procurou na casa de Andreas, não

conseguiramencontrarnada.-Entãoporquenósnãoavimosandandoporaliquandoprocuramosnafloresta,maiscedo?–

Gabydevolveu.Thorstenficouemsilêncio.-Elapoderiaestar...Caídaemalgumlugar–eledisse, finalmente,umolhar incômodoemseu

rosto.Juliaestremeceu.-Oquevocêquerdizer?-Nãopensenopior.Elepodetê-lasedadoeaescondidoemalgumlugar.-Atrásdeumaporta.–Gabymurmuroupensativa.–Algumlugaratrásdatalportaquenósainda

nãoencontramos,otalportalsobreoqualelaescreveu.Michaellevantou-se,resolutoeolhouparaAxeleGaby.-Vocêspodemmelevaratéolocalondeencontraramoprendedordecabelo?Seelarealmente

estiverporali,nósaencontraremos.Todosolharamsurpresosparaele.Elepareciadeterminado,tantoquenempareciaconsiderara

possibilidadedenãoserembemsucedidos.Juliafezumacaretaparaele,confusa,masnãocomentounada.Eramaravilhosoque ele se oferecessepara ajudar imediatamente, agoraque a polícia haviaprovadosermeioinútilatéodiaseguinte.

Quandoela se levantou,notouoquanto seucorpo inteiroestava fraco,depoisde suaconversadesanimadoracomodetetiveSpitzer.Michaelpegousuamão,apertando-aencorajadoramente.

-Euvouteajudar.–elesussurrou.–Annevaivoltar.Dezminutos depois, um grupo de sete pessoas havia se organizado para entrar novamente na

floresta.AmãedeJulia,amãedeThorsteneMichaelagorafaziampartedaequipedebuscatambém.AavódeJuliaficariaemcasaparaesperarAnneali,paraocasodeelafinalmenteaparecer.

-Vamos–Axeldisse,liderandoogrupocomGabyaoseulado.Juliaosseguiu,acompanhadadamãe.Atrásdela,elapodiaouvirThorsteneMichaelconversando.

-Quedireçãovocêstomaramquandoforamprocurarporelamaiscedo?–Michaelquissaber.

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-AxeleGabyforamparaoleste–Thorstenrespondeu–Eelesforambemlongeparadentrodafloresta.EaJuliadissequeeleschegaramatéumapartesemnenhumatrilha.

-Certo–Michaelinterrompeu.–Aspessoasnormalmentenãovãoatélá.Julia aguçouosouvidos.Quanto tempoMichael realmentehaviapassadonaquela floresta?Ele

parecia conhecer cadapedacinhodela.Elanãoconseguiadeixardepensarnapessoaqueele tinhasido antes, na escola e durante as aulas, e não se lembrava daquela simpatia pela natureza. Entãocomoéqueelesabiatodasaquelascoisas?Algonãoseencaixava.

Elavirouacabeçaparaolharparaele.MichaelaindaconversavacomThorsten,masdealgummodo havia percebido seu olhar. Ele olhou de volta para ela, sorrindo encorajadoramente. Seusorriso doce e verdadeiro a fortaleceu, e por apenas ummomento, Julia pôde esquecer todas asperguntas girando em suamente.Michael estava ali, ao seu lado, para cuidar e ajudar. Ele estavaapaixonadoporela.Oquepoderiaestarerradonaquilo?Elaestavasepreocupandodemais.

Ela olhou para frente outra vez. Sua mãe colocou uma mão em suas costas, esfregando seuombro.

-Elepareceumcaralegal–eladissecomumpequenosorriso.–Desculpenãopoderestarmaisfelizporvocênestemomento.

Juliamordeuolábio.-Oh,mãe.–elasegurouobraçodamãeedecidiunãodizermaisnada.Depoisdequarentaminutosdecaminhada,eleschegaramaolugarondeogrampodecabelofoi

encontrado.GabyeAxelolharamemvolta,indecisos.-Então...Esteéo lugar.–Axelafirmou, lançandoumolharquestionadoraMichael.Eleéque

haviapedidoparaserlevadoatéláafinal.Michael concordou. Ele deu alguns passos lentos para frente, acariciando o braço de Julia ao

passar.Seuspassosforamparaaesquerda,paralongedogrupo,eeleparouaoladodeumjovemcarvalho.Eentão,elefechouosolhos.

Ninguémdissenadaquandoeleseagachou,colocandoasmãosnosolo,aoredordaárvore.UmarrepiopercorreuocorpodeJulia,quandoelapercebeuoqueeleestavafazendo.Aquilolembravaaformacomoelanormalmentesesentavasobocarvalhodela.Comoseelaestivesse,dealgummodo,seconectandocomasraízessubterrâneas.Comoseelapudessesentiroqueaárvoreestavasentindo.Michael estava fazendo exatamente a mesma coisa naquele momento, era evidente. Ele estavaconversandocomafloresta.

Abruptamente,Michaelficoudepé.-Aqui–eledissesuavemente,adentrandoaflorestasemhesitar,comorestodogrupoatrásdele.Juliaoalcançou.-Comovocêsabe...–elagaguejou.–Vocêsabese...-Elaaindaestáviva–eledisse,deslizandosuamãonadela,comohaviafeitomilharesdevezes

antes.–Nãosepreocupe.Apesar de suas palavras, Julia não conseguia afastar sua ansiedade crescente conforme eles

caminhavam,entrandomaisemaisnafloresta.QuandoMichaelfinalmenteparou,elesestavamemumapequenaclareirapróximaaalgunspinheiroseosalicercesdeumacabanavelhaemruínas.

-Olhaaquilo.–Thorstenexclamousurpreso.–Entãorealmentehaviaumacasaaquiantes.–eleolhouemvolta.–Masnenhumsinaldeporta.

-Elaestábemperto–Michaeldissesuavemente,erguendooolharaocéueinclinandoacabeça,comoseestivesseouvindoatentamentealgo.–elaestádebaixodaterra.

AmãedeJuliaprendeuarespiração.-Oque?Masvocêdissequeelaaindaestavaviva!Eleconcordou.

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-Sim.Elanãoestámorta.-Umburacoouumavala.–Gabymurmuroudistraidamente,cutucandoAxel.–Vocêestávendo

sinaisdeescavaçãoemalgumlugar?Axel,Gaby,ThorsteneaSra.Ebnercomeçaramaandaraoredordasruínasdacasa,procurando

por pistas ou traços de escavação. Julia não saiu do lado de suamãe.A Sra.Gunther parecia emchoque,aslágrimasescorrendoporseurosto,apesardasgarantiasdeMichael.

Elaassistiuorestodogrupoandando.Michaelnãohaviasejuntadoaeles;eleestavainclinadocontra um dos pinheiros e parecia a milhas de distância. Julia o encarou e repentinamente elapercebeuoquantoeleestavadiferentedorestodelesnaquelemomento.Elea lembravaumvidentequeelahaviavistoumaveznatelevisão,umhomemquetinhaohábitodeajudarapolíciaaencontraras pessoas desaparecidas. Por queMichael tinha tanta certeza de que eles encontrariamAnne ali?Tinhaque teralgumacoisaavercomoacidenteeapancadanacabeçaqueelehavia sofrido.Eledeviaterganhadoalgumtipodesextosentido.

Enquantoelaoassistia,eleseafastavadaárvore,seuspassoscambaleantes,comosefossealgumtipodesonâmbulo.Michaelsedirigiuaumaáreadoladoesquerdodospinheiros:umpedaçodesolocobertocomarbustosespinhentos.Juliaoseguiucomoolhar,seucoraçãoparandodebaterquandoseupébateunaterraenãofezosomqueelaesperava.Pareciavazio,comoseumacavidadeestivesseescondidasobosarbustos.

OsoutrostambémhaviamacompanhadooqueMichaelestavafazendo,AxeleThorstencorrendoatéele.

-Quesomfoiaquele?–Axelgritou,agachando-separaolharmaisdeperto.-Aquinãoéterrafirme.–Thorstenmurmurou.–Hámadeiraaquiembaixo.Oupelomenoséo

queparece.Elecavouemmeioaosarbustos,xingandoquandoosespinhosperfuraramsuasmãos.Umdos

galhosficoupresonamangadeseucasacoequandoeledeuumpassoparatrás,conseguiuarrancaroarbustointeiro,comraizetudo,rasgandoaterra.

-Mentira!–Gabyexclamou.–Essesarbustossãofalsos.Elesforamcolocadosaquiporalguémrecentemente.

-Aterraemvoltadelesestápisada.–Axelconcordou.JuliacorreuatéolocalondeMichaelhaviafeitosuadescoberta,suamãeeaSra.Ebneratrásdela.

Enquanto isso,osgarotos seocuparamemarrancarosoutrosarbustosespinhentos.Nãodemoroumuitoatéelesdesenterraremumtipodeescotilhafeitadepranchasdemadeiraescuras.

Umsilêncio tomoucontadeles, Julia fixandoseusolhosnaescotilhaenquanto lutavacontraaslágrimas.Andreastinhafeitoaquiloparaescondersuairmã?ComoAnnepoderiaserenterradasobessastábuaseaindaestarviva?

-Temosqueerguê-la–Axeldissetenso,olhandoaoredor.–Podemosusarumgalhoresistentecomoalavanca,nãoacham?

Juliaolhouemvoltaeavistouumgalhofinoefirme,sobumdospinheiros.Elaoarrastouparaaescotilha. Gaby trouxe outro galho com um formato parecido e, juntas, elas o moveram sob asextremidades da escotilha.Michael e Axel usaram seu peso para se apoiar nos galhos e forçar atampaparacima,enquantoThorstententavaerguê-lamais,passandoasduasmãossobaspranchas,assimquesurgiuumpequenovão.

Quandoaescuraescotilhademadeirafinalmentefoiaberta,todaaterrasobreelacaiucomumfarfalhar,osúltimosgalhoscomespinhoscaindoparaolado.

AmandíbuladeJuliadespencouquandoelacolocouosolhosemumlanceíngremedeescadasescondidassobaescotilha.Osdegrausdepedralevavamaumaestreitaportasubterrânea.

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11.-Entãohaviamesmoumaportanomeiodafloresta.–Gabymurmurou,distraidamente.Elahaviaidoemdireçãoàmelhoramigaparacolocarumbraçoaoredordosseusombros.

Axeldeuumpassohesitanteemdireçãoàsescadas,olhandooferrolhonaentrada.-Vocêachaqueaquelaportapodeseraberta?–eleseperguntouemvozalta.-Espera–Thorstendisse–Nãodevemosligarparaapolícia?Nóspodemosatrapalharasprova,

searrombarmosaportaeentrarmospornossaconta.Vocêssabem...Impressõesdigitaisoualgodotipo.

Todospareciamesperarosdemais.-Deixe-me– aSra.Gunther falou, finalmente.Aparentemente calma, ela enrolou a echarpede

seda ao redor damãodireita e caminhou até amaçaneta enferrujada,mordendoo lábio quando aportaseabriuparafora,comumrangidoameaçador.

Juliadesceucorrendoasescadas,deumasóvez.-Anne?–elagritou,entrandonoquartoescuroportrásdaportadoporão,seguindosuamãe.Ela

nãopodiavernada.Atrásdela,Axelsearrastouescadaabaixo,segurandoumapequenalanternaqueelesemprecarregavaemseumolhodechaves.

-Ah,meuDeus.–aSra.Guntherengasgou.NaluzfracadalanternadeAxel,elesviramAnnedeitadanochão.Elanãodavasinaisdevida.

Suasmãos epés estavamamarrados comumacorda. Julia sufocouumgrito e, dormente,deuumpassoparaoladoquandoGabyeAxelcorreramparafrenteparacortarascordascomocanivetedeGaby.

Eentão,elasentiuumamãogentilemseuombro.-Tudovaificarbem.–Michaelsussurrouemseuouvido.–Elasóestáinconsciente.Umchorosubiuemsuagarganta.JuliaseviroueapertouorostonopeitodeMichael.Elebeijou

suasbochechase a segurou forteatéqueelaparassede tremer.Quandoelaolhouparacima, seusolhospousaramemThorstenesuamãe,aindanotopodaescada,ansiosamenteapertandoamãoumdooutro.

-Elaestábem.–elaconseguiudizer.–Aindaestáviva.Naquelemeio tempo,Axelhavia levantadosuapriminha,alinhando-aemseusbraçosenquanto

subiaasescadas.OrostodeAnnepareciamortalmentebranco,massuarespiraçãoestavaregular.-Vocêestavacerto.Elafoisedada–eledisseaThorsten–Essesononãoénormal.-Quantotempovocêachaqueelaficouaquidessejeito?–Gabyperguntou,umcertopânicoem

suavoz.–Clorofórmionãoconseguedeixaraspessoasapagadasportantotempo,consegue?-Consegue,seforusadoemgrandequantidade–Thorstendisse–Masumadosagemaltapoderia

fazerAnne entrar em coma. Temos que ligar para uma ambulância imediatamente. – ele pegou ocelulareligouparao112.

Julia estava imensamente grata pela sensatez e iniciativa deThorsten.Os outros, inclusive ela,pareciam muito chocados para fazer alguma coisa. Seu olhar parou em Michael, ainda paradopróximoaelanasescadas.Elanãofaziaideiadecomoéqueelehaviaconseguidoencontrarasuairmã,mas seria eternamente devedora a ele, por causa daquilo.Comum suspiro profundo, ela seaproximouepassouosbraçosaoredordeleoutravez.

-Obrigada.–elasussurrou.–Vocêsalvouavidadela.-Elesestãoacaminho–Thorstendisse,enquantoguardavaotelefone.–Vamosterquecarregá-

laatéolimitedafloresta.-Semproblemas.Axeleeupodemosnosrevezarparacarregá-la.–Michaelofereceu.

Page 113: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Euacarregonoprimeirotrecho.–Axelconcordou.ASra.GuntheralcançouMichaelquandoogrupocomeçouairemdireçãoaolimitedafloresta.-Comovocêsabia?–elaperguntoubaixo,suavozaterrorizada,seusolhoscheiosdeespanto.Julia aguçou os ouvidos, suamãe estava perguntando aMichael amesma coisa que ela estava

morrendodevontadedesaber.Michaelbalançouacabeça,ficandoemsilêncioumbomtempo.-Instinto.–elefinalmenterespondeu.–Eu...Eunãopossoexplicar.Desculpe.Juliaapertousuamão.-Tudobem.Mesmo.Sóestamosmuitofelizes.Quando eles se aproximaramdos limites da floresta, as luzes azuis da ambulância podiam ser

vistas por entre as árvores. Dois paramédicos ergueram Anne dos braços de Michael ecuidadosamente a colocaram em uma maca dentro da ambulância, prendendo a garotinha a ummonitor.

AmãedeJuliasevirouefalouparaafilhamaisvelha:-Voucomeles.Vocêpodevoltarcomelesedaranotíciaàvovó?Assimqueeusouberdemais

algumacoisa,euligoparavocê.Um grupo taciturno assistia no ponto de ônibus enquanto a ambulância ia embora. Apesar de

todosestaremfelizesqueAnnehaviasidoencontrada,nãoeranemumpoucocertoqueelaestavaforadeperigo.Thorstenestavacertosobreasedaçãocomclorofórmio.

- Estaremos em casa – a Sra. Ebner disse quando todos voltaram para sua rua. – Se houvernovidadesdohospital,porfavor,nosavisem.

Juliaabraçouosdoisvizinhos.-Obrigadaportodaasuaajuda.–elamurmurouquandoabraçouThorsten.–Vocêfoiumótimo

amigohoje.Desculpeporeuterdesconfiadodevocêantes.Elesorriu.-Tudobem,semproblemas.–eleasoltouemurmurou-Falandonisso,Michaeléumcaramuito

legal.Éumsaco,maseunãoconsigoodiá-lo.Elasorriudevolta.-Émuitogentilvocêdizerisso.-Ah,bem,estesoueu.–elepiscou.–Docecomomel,esempreelogiandomeusadversários.Eu

sónãofaçoideiadecomoeleconseguiuencontrarAnnetãofacilmente.-É,nemeu.–Juliamurmurou.ElaencarouThorstenenquantoeleentravaemcasa,antesdese

virar,mergulhadaempensamentos.Seusamigosjátinhamidoparaasalaequandoelaentrou,viuAxeleaavóabraçadosnosofá,aavóchorandoaliviada.

- Graças a Deus, ela está viva – ela disse, com a voz trêmula. Julia se sentou para abraçar asenhoratambém.

Assimque todoshaviam tomado chá e comidobiscoitos, na cozinha,Gabydeuum tapinhanoombrodeJulia.

-TudobemseeuligarparaaTamara?ElafoijuntocomoFlorianparaveroensaiodabandadoMoritz,maselaestavamorrendodepreocupaçãoquandoeuconteioqueestavaacontecendo.Eunãoconverseicomeladesdequevimparacá.

-Sim,claro.Elespodemvirparacásequiserem.-Tudobemseeupedirpizzaparatodos?–Michaelperguntou–Nãoseidevocês,maseuestou

faminto.Eeunãoachoqueninguémaquiestejaafimdecozinharnomomento.-Ótimaideia.–Juliasorriuparaele.EnquantoGabyeMichaelestavamfazendoseustelefonemas,Juliafoiajudaraavóafazermais

chánacozinha.

Page 114: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Eleéumgarotoespecial,oseuMichael–aavódisseenquantolavavaalgumasxícarasnapia.–Essebrilhonoolharquandoeleolhaparaaspessoas,écomoseelevissemaisdoquenósvemos.

Juliasevirou,colocandoalgunssaquinhosdechánamesa.-Vocêachaqueele temomesmodomquevocê?Sabe,esse sexto sentidooua intuiçãomuito

boa?Aavóconcordou.-Parecequesim.Dequeoutraformaelepoderiaterfeitooquefezhoje?-Nãosei.Sorte?-Vamos,Julia.Vocênãoacreditanisso.-Não,nãomesmo.–Julialevantouachaleiradofogão.–Elesó...Sabeascoisas.Especialmente

sobremim.Otipodemúsicaqueeugosto.Oqueeugostodefazernomeutempolivre.Eleatésabeasmúsicasqueeuescrevi.Sabe,essascoisasqueeununcaconteiaele.

-Eissoteincomoda?- Não! Bem, às vezes, talvez. Quero dizer, eu quero saber como ele faz isso, mas aomesmo

tempo,eunãomeimporto.Eleestátãoapaixonadopormim.Oqueimportaseeletemumjeitodesaberascoisasquenãodeveria?

Aavóconcordoulentamentecomacabeça.-Bem,sevocêquerentendê-lo,porquenãoperguntaaele?Juliacorou.-Porqueeunãoqueroassustá-lo.Talvezeutenhamedodequeeleacordeumdiaesejacomoo

antigoMichaeloutravez...OMichaelquenuncateveolhosparamim.-Minhadocecriança,claroquenão.Issonãofazsentido.Porqueéqueissoaconteceria?-Nossa, eu não sei.O que é que fez ele perceber que estava apaixonado pormim, afinal? Eu

poderiasimplesmenteperguntarissoaele.-Bem,dequalquerforma,nãomachucaperguntaraeleaquiloquevocêquersaber.Seeufosse

você,tirariaissodocaminho,seestáteincomodando.Claroqueaavóestavatotalmentecerta.Namaiorpartedotempo,Juliatentavaesqueceroquão

estranhaeratodaaquelasituaçãocomMichael,masmaiscedooumaistarde,elateriaquevoltaramesmasperguntas.Perguntasàsquaiselanuncateriaaresposta,seficassecomabocafechada.

Quando o entregador da pizza chegou com a comida, Florian,Moritz e Tamara invadiram ocorredor,logoemseguida,puxandoJuliaparaumenormeabraçogrupal.

-Obrigadaporvirem–Juliadissebaixinho,emmeioaosamigos.–Aindaestamosesperandopornotíciasdohospital.

- Pedi algumas porções extras, se necessário. –Michael comentou, piscando para Florian, queergueuoolharparaanalisaraspizzas.

Moritzdeuumacotoveladanonamorado.-Vocêestátransbordandonessascalças,seuguloso.Vocêsópensaemcomida?Florianriu.-Desculpe.–elesedesculpoucomJulia.-Semproblemas.–eladeudeombros.–ComoMichaeldisse,temparatodos.Vamosparaasala.Tamarafoiaprimeiraaentrar,seuolharpousandoemGabysentadanosofádemãosdadascom

Axel. Ela abriu a boca para dizer algo, mas pensou melhor quando a irmã a lançou um olharameaçador.Sorrindodeorelhaaorelha,Tamaraseafundounosofá,aoladodonovocasalecolocouumpoucoderefrigeranteparasi.

Juliasesentounooutrosofá,seacomodandoaoladodeMichael,quandoeleaentregouumpratocomumagrandefatiadepizza.

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-Euseiquevocêestásemfome,masachoquevocêdevecomerumpouco–eledisse–Vocêvaisesentirmelhor.

Elaconcordou,semdizernada,mastigandoapizzadesalame,obediente.Quandoseutelefonederepente tocou, colocou o prato de lado e pegou o celular sobre amesa. Era suamãe. Suasmãostremiamdenervosoquandoelaatendeu.

-Oi,soueu.-Oi,querida!–aSra.Gunther respondeuanimada.–Anneestáacordada.Elaaindaestámuito

fraca, mas ela pode falar e o médico disse que ela está fora de perigo. Ela vai se recuperarcompletamente. O detetive Spitzer acabou de sair, gravou o depoimento dela. Ela vai podertestemunharcontraoAndreasMittelmayer.

- Sério? Isso é ótimo! – Julia exclamou, olhando para os amigos, aliviada. – Então eles vãomantê-lopreso?Vocêsvãovoltarparacasahoje?

-Não, aindaémuitocedo.OmédicoquerqueAnne fiqueemobservaçãoestanoite.Eupossodormiraoladodelanaenfermaria,entãotambémvoupassaranoiteaqui.

-Ótimo!Issoéótimo,vocêpodeficarpertodela.Vouparaohospitalamanhãbemcedinho.Vouligarparaotrabalhoeavisar.

-Vouesperarvocê,querida.Possofalarcomavovó,umminuto?Juliaentregouotelefoneparaaavócomumsorrisonorostoeentãocontouaosamigostudoo

queamãehaviaacabadodedizer.-Entãoelaestáacordada!–Axeldisse–Boanotícia.Issosignificaqueosequestradordelanão

poderámaismentirsobreisso.Tamarasearrepiou.-Nãoconsigonemimaginaroquepoderiateracontecidosevocêsnãoativessemencontradoa

tempo.–elaolhouhesitanteparaJulia.–Ele...Elafoi...Eleatocou,enquantoelaestavasedada?-Nãosei.–Juliatentounãoimaginarasituação.–Vousaberdetudoamanhãnohospital.Omais

importanteéqueagoraelaestáseguraeacordada.Quandochegarahorafalaremosnoassunto.-PodemosvisitarAnnenohospital?–perguntouFlorian.- Vocês podem, amanhã, mas eu não acho que ela vá ficar muito tempo lá. Eles só quiseram

mantê-laestanoiteparaobservação.JuliasoltouarespiraçãoantesdesesentarnovamenteaoladodeMichaelparacomerorestoda

pizza,seuapetitehaviafinalmentevoltado.Michaelpassouumbraçoaoredordeseusombros.-VocêdeveriairatéosvizinhosecontarasboasnotíciasaThorsteneamãedeletambém–ele

disse.Juliaconcordousesentindocorarlevemente.PorqueMichael,detodasaspessoas,tinhaqueter

tanta consideração com o garoto da casa da frente? Thorsten e Michael pareciam gostargenuinamenteumdooutro.Imaginaseelesficassemamigos?Aquiloseriaestranho.Paranãodizerproblemático.

Elapegouotelefonequeestavasobreamesa.-Voumandarumamensagemdetexto.–elamurmurou.–Nãoestouafimdesairagora.Depoisdojantar,aavóvoltouparaEichet.Nodiaseguinte,elasejuntariaaJuliaparaumavisita

nohospital,e,quemsabe,trariamAnneeaSra.Guntherdevoltaparacasanahoradoalmoço.Aavóhaviacombinadocomovizinhodelaparalevá-lasdecarro.

-Eaí,Gabyzinha?–Tamaradisseparaairmãenquantoestavamempilhandoospratosvazios.–Vamosparacasatambém?Eumalpossoesperarparapoderouvirosacontecimentosrecentesnasuavidaamorosa.

Gabycorouinstantaneamente.

Page 116: O Garoto do Bosque by Jen Minkman

-Nãosejaboba.Suairmãriu.-Ah,vamoslá.EufuiforçadaaouvirvocêtentandomencionarAxelsemlevantarsuspeitas,em

todasasconversasquetivemosessasemana.Bem,adivinhasó:agoravocêpodesersuspeitasobreAxel!Nãoémaravilhoso?

Axelapareceuportrásdelas.-Euouvidireito?Vocêficoufalandodemimparaasuairmã?–eleprovocouGaby.-Bem,sim–Gabyrespondeu,desajeitada,ficandoaindamaisvermelha.–Vocêachaqueissoé

idiota?-Não–eledisse,dandoumsorrisotímido.–Euachoqueémeiofofo.Gabyresmungou.-Eunãosoufofa,tá?–eladisse,desafiando-o,tentandofazercaradebrava.Axelapuxouparaseusbraços.-Não,claroquevocênãoé.Desculpe.–eentãoeleabeijou, impedindooquequerqueGaby

fossedizeremseguida.Elaficouemsilêncioeencostou-seaele.Julia só conseguia sorrir como uma boba diante da cena que se desenrolava diante dela. Sua

melhor amiga havia finalmente sucumbido ao verdadeiro amor – ela nunca havia visto Gaby tãocaidinhaporalguém.

-Vocêstodosprecisamdecarona?–Moritzperguntou,seurostohesitante.–Nãoseisevaicabertodomundo.

-ElavainocolodeAxel.–Tamaraapontouparaairmã.Moritzcomeçouarir.-Ok,entãoestáresolvido.–elesevirouparaJulia.–Ei,éumapenaeutervindoaquiemuma

circunstânciacomoessa,masobrigadapelahospitalidade.Um a um, seus amigos foram embora, até que Julia se viu parada no corredor, com apenas

Michaeldecompanhia.Derepente,elanãosabiaqueatitudetomar.Nãohaviasidopartedenenhumplanoficarsozinhacomeleemumacasavaziaànoite.Aúnicavezqueissohaviaacontecidoantestinhasidonacasadele,naquelaoutranoite.

Abruptamente,eladeuumpassoparalongedele.-Vocêgostariadeoutrabebida?–eladisparou.–Ouvocêestavaindoparacasa,também?Clássico. Ela havia soado como se estivesse desesperada para que ele fosse embora. Julia se

encolheu.Michaelaencarou.-Vocêestánervosa–eledeclarou–Vocêquerqueeuváembora?Aavóestavacerta:elerealmenteviamaisdoqueasoutraspessoas.-N-não,nãoexatamente.–elagaguejou.–Claroquevocênãoprecisair.Eledeuumpassoparapertodela,puxando-aparaseupeito.-Entãovocêquerqueeufique?–eleperguntousuavemente.Elamordeuolábio.-Nãoexatamente.–elasussurroumaisumavez.–Outalvez...Deus,eunãosei.Elesorriuebeijousuatesta.-Porquevocênãomedizoqueestápensando?–eledisse,sério.–Sejahonestacomigo.Por

favor,Julia.Meincomodaquevocêtenhamedodeservocêmesmapertodemim.-Nãoestoucommedo.–elaprotestou.–Sóestou...Nãoquero...Queascoisassejamcomona

primeiravezemqueficamossozinhos.–seurostocorouquandoelaseouviudizendoaquilo.UmolharmagoadopassoupelorostodeMichael.-Vocêachaqueeusóqueroficaraquiparatransarcomvocê?

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Juliaenrijeceu-se,dandodeombrosdesdenhosamente.-Não.Claroquenão.Mas...Bem.Épossível,nãoé?Eunãosei.Desculpe.Todososseuspensamentossemisturavameelaergueuoolharparaele,seusolhosqueimando

commais lágrimas.Droga.Aquela era aúltimacoisaqueelaprecisavaagora:outra enxurradadelágrimas.

Balançandoacabeçaincrédulo,Michaelaabraçouapertado.Emseusbraços,elanãoconseguiaevitarchorarmais.Aomesmotempo,elaseacalmavacomoabraçodele.

-Porfavor,nãosepreocupetanto.–elemurmuroubaixinhoemmeioaoscabelosdela.–Aúnicarazãopelaqualeuqueroficaraquiéporqueeunãoquerodeixá-lacompletamentesozinhadepoisdeumdiahorrível comoeste.Só isso.Vocêpode confiar emmim.– suasúltimaspalavraspareciamquasedesesperadas.Estavaclarooquantoelaohaviamagoado.

-Eusei–Juliarespondeu,séria.–Euconfio.Euconfioemvocê,seiquepossoconfiar.Équeétãoestranhoissotudo.

-Estranho.–elerepetiu.Seucoraçãoacelerou.- Sim.Você estar tão diferente, quero dizer.A forma como você olha paramim, tão diferente

depoisdoacidente.–finalmenteelahaviaditooqueaestavaincomodando.Elaestavacuriosaparaouvirarespostadele.

Michael concordou pensativo, encarando o horizonte, como se ele estivesse procurando aspalavrascertasadizer.

-Euteentendo–eledissefinalmente–Julia...Eunãosoumaisamesmapessoa.Elaopuxouparaasaladeestar,sentando-onosofáantesdeocuparumlugaraoseulado.-Então,porquenão?–elainsistiu.Elelimpouagarganta.-Quandoeuacordei,nafloresta,euvivocê.Tudoaomeuredorpareciamuitointenso.Eununca

havia experimentado omundo de ummodo tão apaixonado como agora. Cores, aromas, música.Tudoestádiferente,eupossofazermais,eupossovermais.Eusintomais.

Julia silenciosamente absorveu suas palavras. A história de Michael a lembrava de um filmeantigoqueelahaviavistoalgunsanosantes,comoJohnTravolta.Elehaviasidoatingidoporumraio ou um OVNI, ela não conseguia se lembrar com certeza, e isso o havia feito desenvolverhabilidadesespeciais.Poderiaseralgodotipo,oqueaconteceucomMichael?Seriaestaarazãopelaqualelehaviamudadotanto?

-Vocêrenasceu.–elasussurrou.-Algoassim.–elesegurouasmãosdela.–Euseiqueeu temachuqueiantes,maseunãovou

fazerissonovamente.Vocênãopodiaconfiarnele,maspodeconfiaremmim.Eleabeijou.Juliaseaninhouemseuabraço,sentiuocalordasmãosdeleemseucorpo,sentiuo

amorqueelesentiaporelapercorrerocorpodela.Pareciacompletamentenaturalprocurarabrigonele,comoseeletivessesidoorefúgiodelaporanos.Quandoeleaergueunosbraçoseacarregouparacima,emdireçãoaosquartos,entretanto,elasentiuumfrionabarriga.

Assimquechegaramaoandardecima,eleafastouabocadadela,olhandoparaosdoisladosnocorredor.

- Então, hã... Onde é o seu quarto? – ele perguntou com um sorriso inocente, parecendogenuinamente ingênuo, fazendo Julia explodir emuma risada.Ela sentiu a ansiedade deixar o seucorpo.

-Porquevocênãomecolocanochãoeeutemostro?–elasugeriucomumsorriso.Seuquartoestavaaberto.Michaelaseguiuhesitante,olhandoaoseuredor,maravilhado,comose

ele estivesse entrando em uma catedralmajestosa. Seus olhos passaram pelos pôsteres de parques

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naturaisecachoeirasnaparede,pelasluzinhascoloridasqueelahaviapenduradonaparedeenotetodo lado esquerdo, por suas prateleiras lotadas de livros e pelo tecladoo ladoda sua escrivaninhaantesdefinalmentepousaremnela.

-Sim,esteéoseuquarto–elesimplesmentedisse.Comumsorriso,elesesentounapoltronadoladodireito.–NãotemTV?

Juliariu.-Não.VocêachaqueessacadeiradeveriavircomumaTV?-Não,naverdade,não.Éumacadeiradeleitura,nãoacha?-AminhaTV,narealidade,estácomaAnne,noquartodela.Eununcaassistimuito.Eelaquer

assistirosDVDsdela,então...Julia caminhou até a sua estante para pegar o livro de histórias da avó, sobre o Príncipe da

Floresta. Infelizmente, tudo o que ele a fazia sentir, agora, era que seus sonhos haviam sedespedaçadoparasempre.Aquelelivrohaviacausadomuitosdanos.Semele,Annepoderianuncaterse apaixonado pelas histórias de reinos mágicos e portas secretas de Andreas Mittelmayer.Abruptamente, ela se sentiu doente de culpa. Ela deveria ter lido para Anne histórias doManualContraoAbusoInfantil,nãoaquelescontosdefadasinúteis.

-Oqueéisso?–Michaelperguntou,levantando-sedacadeiraecaminhandoatéela.Juliacolocouolivrodevoltacomumsuspiroprofundo.-Nada.Eleesfregouobraçodela.-EsseéocontodefadasqueaAnneestavaacreditando?Elacoroucomvergonha.-Repetidoparaelaváriaseváriasvezes,pelairmãmaisvelha,quedeveriaterpensadoduasvezes

antesdefazerisso–elarespondeu,amargamente.-Nãoseculpe.-Maseusouculpada.-Você está sendo injusta consigomesma. –Michael insistiu – Ela tem uma imaginação fértil,

assimcomovocê.Vocênãoteriacomosaberqueissoaconteceria.-Éverdade,maseudeveriatersonhandosozinha,aoinvésdeinfectaraminhairmãcomtodasas

minhasfantasias.Eleficouemsilêncioporummomento.-Vocêaindagostadesonhar?–eleperguntouaelacurioso.Juliasesentouemsuacama.-Sim,claroqueeugosto.Querodizer, euestou tentandoserumagarota responsáveleadulta,

maseufalhomiseravelmente.Umanoitedessas,euatésonheiqueaflorestaeramágica.Nosonho,asárvoresestavamconversandocomigo.Elasestavamprocurandoporvocê.

Michaelaencarou.-Estavam?Porquê?-Não faço ideia.Meucelular tocou emeacordou. – Juliaoobservou atentamente.De alguma

forma,elepareciachocadoporelasonharalgorelacionadoaele.Aquiloeratãoestranhoassim?-Vocêsonhacomigo?–elaquissaber.Elesesentouaoseulado.-Sim,muito.–eleadmitiu, suasbochechasumpouco rosadas.–Euescreviaquelepoemapor

causadeumsonhoqueeutivecomvocê.Ocoraçãode Juliaestavamartelandocontra suascostelasquandoela se inclinouparapegaro

poemadebaixodacama.

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-Olhe,euocoloqueiaqui–eladissebaixinho,suasmãossuandoquandoelaoabriu.Elanuncahaviamostradoaquelelivroparaninguém,nemmesmoparaGaby.Michaelopegou.Eleencarouoseupoema,admirandoclaramenteotrabalhomanualdela,tantoqueporummomento,elasesentiuumaverdadeiraprincesadafloresta,sentadaaoladodeseusúditoreal.

- É assim que eu queria que seus sonhos fossem. – ele gentilmentemurmurou. – Isso é lindo,Julia.Esperoquevocênuncaparedesonhar.

Elaseaninhouaele,tocadaporsuaspalavras.-Obrigada.Vocêémuitodocecomigo.–elafechouosolhosesegurouumbocejo.Eleabeijounabochecha.-Vocêquerirdormiragora?Julia ergueu o olhar para o relógio acima da porta. Nove emeia. Nada perto de sua hora de

dormir,maseraprovavelmenteumaboaideiadormirumpoucomais.-Sim,talvezeudeva–elarespondeu.-Vocêtemalgunscobertoresparamim?Voudormirnosofáláembaixo.- Não, não tenho. – Julia pegou amão dele. Só agora ela percebia o quanto não queria ficar

sozinha.–Vocêpodedormiraqui.–Michaelolhouparaacamadesolteiro,piscandonervosamente.-Comvocê?Bem,eunãosei...Eu,hã...-Temosumcolchãoextra.–ela interrompeuasdivagaçõesdele.–Podemoscolocá-lonomeu

quarto.-Ah.–elepassouamãopeloscabelos.–Ok.Euachoquepossofazer isso.–elea lançouum

olhararrependido,corandoumpouco.–Desculpe.Euprometiserumcavalheiro,maseuteriamuitadificuldadecomisso,sedormíssemosnamesmacama.

Juliacorou.-Teriaé?- Hã, sim. Óbvio. – ele deu de ombros e desviou o olhar. – Então, ok. Deixe-me pegar esse

colchãoextra.Ondevocêsoguardam?Juliamordeuolábioparaimpedirumarisadaalta.ElahaviaenvergonhadoMichaelenuncaem

ummilhãodeanoselateriapensadoqueaquiloseriapossível.-Noarmáriodocorredor–elarespondeu,levantandoparaajudá-loacarregarocolchãoatéo

quarto.Algunsminutosdepois, elesestavamcadaumemsuacama,noquartodela, iluminadosapenas

pelasluzinhasnocanto.Nafracapenumbra,Michaelaolhava,enroladoemsuacamaimprovisada.- Boa noite – ele disse, com um sorriso. – Você está segura comigo. Se você tiver algum

pesadelo,vocêpodemeacordar,ok?-Eufareiisso.–Juliapuxouoscobertoresatéoqueixo.–Vouficarbem,afinal.Euestoumais

calma.Graçasavocê.-Eumesintobemquandoestoucomvocê.–Michaelselevantouparadesligaraluzinhanocanto.Nãoestavamuitoescuroláfora,ainda.Napenumbradoanoitecer,Juliaoobservoucaminharaté

acamadeleesearrastarparadebaixodascobertas.-Meucoraçãodesejavaestarcomvocê.–elesussurrousuavemente.–Eagoraeuteencontrei.Julia suspirou, satisfeita, fechando os olhos. As palavras deMichael pareciam familiares. Ele

haviaditoaquiloparaelaantes?Elanãoconseguiaselembrar,masnãoeraimportante.Lentamente,elasesentiuembarcarparaumsonoprofundoesemsonhos.

Namanhãseguinte,aavódeJuliachegouàsnovehorasemponto.Ignaz,seuvizinho,buzinouváriasvezesparaalertarJuliadesuachegada.

- Esse idiota está tentando fazer a rua inteira ir conosco para o hospital? – Julia murmurou.Rapidamente, ela entregou uma caneca de café quente paraMichael e correu para a porta. –Não

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acabeidetomarcafédamanhãainda.–elagritouparaaavó,queestavasaindodocarro.–Porquevocêsnãoentramumminuto?

Ignaz e a avó seguiram Julia até a cozinha. Eles olharam inquisidoramente paraMichael, quecoroulevementesoboolharperscrutadordaavó.

-Bomdia.–elemurmurou.–Desculpe,estamosatrasados.Eunãoconseguiacordar.Juliabateunaportadoquartodehóspedesumastrêsvezes,maseudormidenovo.

A avó levantou uma sobrancelha e se segurou para não fazer um comentário. Julia tentou aomáximonãorir.PobreMichael.Eleestavatentandonãoenvergonhá-ladiantedaavó,queclaramentenãoestavaacreditandoemumapalavra.

-Umasquatrovezes.–elacompletou,acenandovigorosamente,antesdecutucaraavódelado,quandoelacomeçouasorrirmaliciosamente.

-Eunãomeimportariaemtomarumpoucodecafé,naverdade.–Ignazdisparou,olhandoparaacafeteiranabancadadacozinha.

Nofinal,elessaíramparaohospitalàsnoveedez,deixandoMichaelnopontodeônibus,antesdeviraremparaaestradaprincipalqueiaparaacidade.

Ignazasdeixounaentradaprincipal,virando-separaoestacionamento.Juliaentrounohospitaljuntocomaavó,ocheirodeantissépticoealvejanteaatingindofortemente.Elaodiavaaqueleodor,associando-ocomdoença,doremorte,amortedeseuavô.Elanãohaviavoltadoalidesdequeelehaviafalecido,eelaesperavaqueaquelafosseaúltimavez.

A Sra. Gunther estava esperando por eles na recepção. Os círculos negros ao redor dos seusolhosfaziamsuapelepareceraindamaispálidadoqueestava,masseusorrisoiluminavatodoseurosto.

-Estoutãofelizquevocêsestãoaqui–eladisse,animada.–Anneficouperguntandoporvocêsamanhãinteira.Eladormiubemànoite.

-Vocênão,estoucerta?–aavóesfregouasbochechaspálidasdafilha.–Vocêparecequebrada.- Eu não consegui dormir. – A Sra. Gunther balançou a cabeça como se estivesse tentando

espantarimagensdeumpesadelo.–EufiqueipensandosobreoquepoderiateracontecidoaAnne.EmcomoesseAndreasdevetertocadonela,deflorando-a.

-Elefoiumverme–Juliadissesecamente–Eleeralindíssimo,mastinhaumolharmorto.Eracomosealgumacoisadentrodeleestivessepodre.

Astrêscaminharamparaoselevadores.-Ontemànoite,enquantoAnnedormia,eufuiatéàdelegacia–amãedeJuliadisse,baixo.–Eu

queriaolhá-lonosolhos,ogarotoqueousoutocareraptarminhadocecriança.Mas,umavezqueeumeaproximeidaquelacela,eunãoconseguientrar.Eu tinhapermissão,masalgome impediu.Elenãomeviu,maseuconseguivê-louminstante.

-Porqueelefezisso?–aavóperguntou,tambémemvozbaixa.–Eledissealgumacoisasobreseusmotivos,naconfissão?

ASra.Gunthersuspirou.-OdetetiveSpitzermedissequeconversoucomamãedeAndreas.Elenãocresceuexatamente

emumafamíliaestávelantesdesemudaremparaSalzburg.Elaeracasadacomumhomemquenãosóbatianelaregularmente,mastambémabusavadesuafilha.Elasódescobriudepoisqueoabusohaviaparado,masfoiosuficienteparaqueelapedisseodivórcio.Éporissoqueelasemudouparacá.

-EninguémpensouemmandarAndreasparaumterapeuta,paraqueelepudesselidarcomessetraumatododainfância?–Juliaperguntou,espantada.

-Não, aparentemente não.Amãe dele enviou a filha para o serviço deCuidados Infantis, e ainscreveu para aconselhamento. Agora queAndreas está na cadeia, parece provável que o garoto

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tenhasidovítimadeabusotantoquantoairmã.-Issodeveexplicarsuanecessidadedeescaparparaummundodefantasiacheiodeportaispara

reinosencantados–aavódisse–Ouomotivodeeleterumaimagemtãodistorcidadarealidade.Eraestranho,mas repentinamente, Juliapodiaquasesentirpenadogarotoquehaviaabusadoe

enganadoasuairmã.Eledeveriaterescapadoparaummundodesonhoparaconseguirlidarcomasuavida,assimcomoelahaviafeitocomtantafrequência.Aúnicadiferençaéqueelanuncahaviaprejudicadoninguémaofazeraquilo.Muitoprovavelmente,elenemsabiasepararocertodoerrado.

-Eentão,elevaiprocurarajudaprofissionalagora?–elaperguntoutimidamente.–Ouelesvãoapenassentenciá-loaalgunsanosdeprisãosemqualqueracompanhamento?

-Olha,vocênãoprecisasepreocuparcomisso–amãerespondeu,comavozcalma.–Deixequeapolíciacuidedisso,querida.

No momento em que elas entraram no quarto de Anne, Julia se sentia sobrecarregada pelahistóriaqueamãetinhacontado.Oquartoeraindividualesuairmãpareciamuitofrágilevulnerávelna grande cama do hospital, Julia não conseguiu evitar sair correndo e a puxar para um abraçocaloroso.

-Estoutãofelizquevocêaindaestejaviva.–elasussurrou.Anne apertou o seu pequeno corpo contra o de Julia, um choro sufocado escapando de sua

garganta.Elasficaramagarradasumaàoutrasemdizernada,porummomentoquepareceudurarumaeternidade.

-Euestavaprotegida–Annedissefinalmente,emumsussurro.-Protegida?Porquem?–JuliaolhouparaAnneperplexa.Annesorriu.-Enquantoeuestavadormindo,eupodiaouvirvozes.Euachoqueelasestavamvindodafloresta.

Elasmediziamqueaajudaestavachegando.Elasdiziamquevocêiameencontrar.Éporissoqueeunãofiqueiassustada.

Juliaolhouporcimadoombro,masamãeeaavóaindaestavamconversando.ElasnãohaviamouvidoahistóriadeAnne.

-VocêouviuavozdeMichaeltambém?–elaperguntoucuriosa.Suairmãbalançouacabeça.-Bem,eunãoseicomoéavozdeleexatamente,masnãodevetersidoele.Eraumtipodiferente

devoz.Euachoquepertenciaaumapessoaqueviveunaflorestaporséculos.Alguémvelho,masavozdelepareciajovem.Eraacoisamaisestranha.

Juliafezumacareta.PareciaqueAnneaindaacreditavaemseucontodefadassobreoPríncipedaFlorestaeaquilotinhaqueacabar.Eraperigososeapegarafantasiasidiotaspormaisalgumtempo.

-OPríncipedaFlorestanãoexiste,ok?–eladisparou.–Ésóumfazdecontas,Anne.OsolhosdeAnneseencheramdelágrimas.Eentãoelasorriu,parecendovelha,sábiaeeterna.-Euseiqueaquelegarotonãoeraele.Euseidissoagora.Maseuestavaprotegidaporalgona

floresta,Jules.Eusentiamoraomeuredor.Julia decidiu deixar para lá. Anne parecia ter tido uma experiência de quasemorte, incluindo

todas as necessárias sensações de amor sem limites e vozes do além. A única coisa que estavafaltandoeraumaluznofimdotúnel.Mastalvezalgodebomresultassedetodaasituação,comoumaprovação paraAnne. Ela tinha quasemorrido naquele buraco horrível. No elevador, amãe haviacontadoaelassobrecomoosfortessedativosdeAndreasquasehaviammatadoAnne.GraçasaDeus,não havia sinais de abuso sexual!Graças a Julia,Andreas foi preso antes que tivesse a chance decometê-lo.

Era hora de começar a tentar tirar as coisas de sua cabeça. Com a sua mão carinhosamenteacariciandoatestadeAnne,Juliasussurrou:

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-Estoufelizquealguémaprotegeu,querida.Eagoravocêestáasalvoconosco.Aavósejuntouaelaaoladodacamadehospitalparadarànetamaisnovaumabraço.-Vocêvaipoderirparacasahoje?–elaperguntou.-Nofinalda tarde.–Anneconcordou.–Elesqueremmemanteraquipormaisalgumashoras

paravercomoeuestou,aquelemédicodisse.-Essaéumaexcelentenotícia.Enquanto Julia distraidamente ouvia a mãe, irmã e a avó conversarem, ela escreveu uma

mensagemdetextosobrecomoAnneestavaeenviouparatodososseusamigos,incluindoThorsten.Ele a havia ajudado e apoiado tanto, antesmesmo dos outros chegarem a sua casa; ela não teriaconseguidosemele.Michaelprovavelmente leriaamensagemduranteo intervaloparaocafé;eleestavatrabalhandonaquelamanhã.Elahaviapedidoparaeleavisarochefeoporquêdenãoteridotrabalhar. Martin teria que escalar Julia em algum dos seus dias de folga para que ela pudessecumprircomassuashorasdetrabalho.

“qbomsaberqelatábem!!Vejovcnoflomaistarde?Elenoschamouparaumareuniãozinhanoterraço!bjs”–Gabyrespondeudepoisdealgunsminutos.

“claro!Qhrs?”–elarespondeu.Não demoroumuito para que outrasmensagens começassem a chegar. Era hora de colocar o

papoemdiacomasuaamiga!GabyeAxeleramumcasaleelasaindanemtinhamtido tempodeconversarsobreaquilo.

Ela sorriu. Agora que Anne finalmente estava bem, o verão parecia mais feliz. Ela tinha umnamoradomaravilhoso,Gabytinhaseacertadocomseuprimo,ela tinhaumempregolegal,eelestodosiriamvisitaraInglaterranomêsquevem.

“ei,vctemqmecontartdsobreAxel.;)”–eladigitouparaGaby.“noitedopijama?Tdmudovaiestar láhj,escutandoaconversa,e tal...OuoMichael tomouo

meulugar?:P”Droga.AavósabiaqueMichaelhaviadormidoemsuacasa.Suamãenãoficarianemumpouco

felizsedescobrisse.Seaomenosaavóficassecalada.Nervosamente,elaolhouparaamãeeparaaavó.Eladesejavaquetivessehabilidadestelepáticasparaquepudesseimplorarparaaavónãocontarnadaparaamãe.

-VocêachaqueoIgnazpoderiamedeixarnalivrariamaistarde?–elaperguntou.–EuqueriaconversarcomoMichaelemedesculparcomoMartinsobreterdadoumbolonelehoje.

Aavósorriuparaelacarinhosamente.- Claro. Você deve estar morrendo de vontade de contar a ele como as coisas acabaram. Eu

imaginooqueeledevatercontadoaospaisquandochegouemcasaontemànoite.Devetersidoumahistóriaetanto,nãoacha?

Juliaolhousolenementeparaaavó.Talvezatelepatiarealmenteexistisse...Outalvez,aavóestavaapenassendosábiacomosempre,tentandoevitarcausarproblemasquandonãohaviaanecessidade.

-Obrigada.–elamurmurouhumildemente.Anne tinha que descansar novamente, então as visitantes foram conduzidas para fora por uma

enfermeira.Elas deixaramo hospital e encontraram Ignaz no estacionamento.Ele deixou Julia nocomeçodaCidadeVelha,eprometeuvoltaraohospitalmaistardeparalevarAnneparacasa,juntocomsuamãe.

Juliaassobiouumamelodiaalegreenquantoandavaemdireçãoàlivraria.Talvezfosseumaboaideiatrabalharporalgumashoras,antesdeirvisitarFlorian.Elasesentiaanimadaecheiadeenergia.Anneestariaemcasanaquelanoite,Gabydormirialáeelaspoderiamcolocaropapoemdia.

Tudo havia terminado bem, graças aMichael. Julia pensou de novo nas palavras de sua avó:Michaelviamaisdoqueasoutraspessoas.Seráqueelehaviacontadoaosseuspais?Ouseusoutros

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amigos?Elaachavaquenão.Eletinhamudado,eelaeraaúnicaquesabiaoquanto.Nãohaviaumaexplicaçãoreal,masnãoimportava.Ascoisaseramcomoeram.Eaformacomoascoisasestavamtornavaavidamaravilhosa.

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12.-Estou indo!–Juliagritounadireçãodacozinha.Elaestavanocorredor,pulandoemumpésó,tentandoamarrarossapatosdeumpéeequilibrandoumamochilanoombro.

-Atéamanhã!–Anneeamãegritaramdevolta.Juliateriaamadotomarcafédamanhãcomelas,maselahaviaperdidoahoraeagoratinhaque

corrercomoloucaparaconseguirchegaraotrabalhonahora.Doisminutosatráselahaviaentradonacozinhacorrendoepegoumabanana,perguntandoindignadaparaamãeporqueelanãoahaviadespertado.

-Porquevocêéquetemquecolocaroseuprópriodespertadorparatocar?–suamãerespondeucomumsorrisinho.–Vocêjátemdezoitoanos,sabe?Emoutraspalavras,éumaadultaresponsável.Vocêquerqueeuaacordeparairparaafaculdade,depoisqueoverãoacabarequeeuvejasuatarefatambém?

- Eu coloquei sim, omeu despertador para tocar. – Julia resmungou.O sarcasmo damãe eramuitoparaelaaquelahoradamanhã.

Os cadarços estavam amarrados. Ela correu pelo jardim e virou para a direita para chegar àestradaquelevavaparaopontodeônibus.Infelizmente,suascorridasnãoerammaiscomoantes.Elahavia gradualmente perdido a forma desde que as coisas entre ela eMichael haviam ficadomaissérias.O tempoera curto: ela agora trabalhavaquatrodiaspor semana, e emseu tempo livre, elapassava amaior parte do tempo comMichael.Alguns dias atrás,Gaby havia reclamado com ela,exigindoumretratodeJulia,“paraqueelaselembrassedaaparênciadaamiga”.Felizmente,elesiampara Londres em breve, então aquela seria a oportunidade perfeita para passar um tempo com aamiga. Naquele meio tempo, Michael havia comprado uma passagem para acompanhá-los. Eleshaviam concordado que os garotos ficariam todos em um quarto do albergue e que as garotasficariamemoutro.Tamaraeraagoraaúnicadogrupoquenãotinhaumparceiroehaviareclamadosobreaviagemtersetornadoumpasseiodecasaiscomapenasumasolteiratristejunto.

-Nãochora–Gabyhavia respondidocomumsorrisomalicioso.–Nósvamos tearrumaruminglêssexyenemvamosnosimportarsevocêquiserlevá-loparaonossoquarto.

Juliavirouaesquinaeviuoônibusacabandodefecharassuasportas.- Espere! – ela gritou, apesar de o motorista não ter condições de ouvi-la. Impulsionando os

braços,elacorreuaindamais.Inesperadamente,aportadoônibusseabriueacabeçadeThorstenapareceusorrindoparaela.-Compressa?–eleriu.–Eudisseaomotoristaparaesperarpelalindaloiraqueestavatentando

pararoônibuscomasprópriasmãos.Semfôlego,Juliasubiueacenouaomotorista,agradecida,seguindoThorstenparasesentarem

algumlugarnomeiodoônibus.-Paraondevocêestáindotãocedo?–elaperguntou–Vocênãotemquepegarooutroônibus

paraEichet?-Não,hojeeunãotrabalho.Éhoradetomarcontadealgumascoisasdauniversidade.Conseguir

osdocumentosnecessários,autenticar,vocêsabecomoé.Julia concordou.Thorsten começaria seu segundo ano naUniversidade deSalzburg depois do

verão,oquesignificavaumapreparaçãointensa.GraçasaDeus,asuamãeahaviaajudadocomasuainscrição,mesmoelasendosupostamenteumaadultaresponsávelagora.

- E onde você está indo comuma bolsa pesada dessas? –Thorsten perguntou, olhando para abolsalotadadeJulia.–Vocêsemprecarregaessepesotodoparaotrabalho?

Juliabalançouacabeça.

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- Essa é a minha mala para passar a noite. Vou dormir na casa do Michael hoje, depois dotrabalho.Sabecomoé.

Elacorouumpoucoquandodisseessaspalavras.Eraaprimeiravezqueelaiapassaranoitenacasadele,desdeoprimeiroencontro.Narealidade,elaestavaumpouconervosa.Claroqueeletinhaumacasaenorme,compelomenosquatroquartosdehóspedes,maseletambémtinhaumacamakingsizeemseupróprioquarto.

Thorstenpercebeuqueelahaviacorado.-Ah.Ok.–eleconcordou,pausandoporalgunssegundos.–Bem,vocêsestãojuntoshámaisde

ummês,certo?Passaranoiteláépartedessacoisatoda.–eleacutucoudeformabrincalhona,oqueafezcoraraindamais.Thorstenprovavelmenteestariaseperguntandoporqueaquiloeraumacoisatãoimportanteparaela,afinal,eleeradoisanosmaisvelhoehaviasidocalouronaUniversidadedeGraznoanoanterior.

-É,vocêacha?–elamurmurou.Elesorriu.-Não,sóestouteprovocando.Vocêtemqueesperarotempoquefornecessárioparaessetipode

coisa.Nãosesintaforçadaoualgodotipo.Juliaconcordou,ficandoemsilêncioquandoumgrupodecriançascommochilascoloridassubiu

no ônibus, a mãe delas as empurrando para dentro, como uma galinha. Parecia uma festa deaniversário.

Anne havia celebrado o aniversário dela alguns dias antes.O dia havia corrido razoavelmentebem,apesardeAnne ter ficadomaisquietae reservadadoqueonormal,pertodesuasamigas.Oacontecimento sinistro pelo qual tinha passado havia lhe causado um impacto indelével. A Sra.Guntherhaviadecididomarcaralgumassessõescomumpsiquiatrainfantilduasvezesporsemana,paraminimizarosriscosdeAnneficarcomalgumtraumaporquestõesnãoresolvidas,maistarde.

- Você ainda está feliz com ele? – Thorsten perguntou, de repente, semmais nemmenos. Eletentouparecerdespreocupado,masnãoconseguiu.

Juliasevirouparaovizinho,surpresa.-Bem,sim,euestou.Muitofeliz–eladeclarou–Euseiqueaspessoasaindanãoentendecomo

tudoseacertouentreagente,mas...ThorstenhaviaouvidodeseuprimoashistóriassobreMichael.Axelaindatinhaqueseacostumar

comaideiadeJuliaeMichaeljuntos.Algunsdiasantes,elestinhamtodossereunidonoquintaldeJulia, para comemorar o aniversário deAnne à noite, e Julia acidentalmente ouviu uma conversaentreThorsteneAxel.OvizinhotinhaperguntadoaoseuprimoalgumascoisasdasuahistóriacomMichael e, sem dúvidas, Axel havia relatado a Thorsten como o seu namorado a tinha friamentedispensadodaprimeiravez,antesderepentinamentemudardeideia.AxelnãoodiavaMichael,mastambémnãotinhaqualquertipodeempatiaporele.

-Se alguémmachuca aminha família, demoraum tempoparaque essapessoaganhe aminhaconfiançanovamente–elehaviaconfessadoaJuliaumavez.–Mas,olhe,jáqueeleafazfeliz,vocênãomeouviráreclamar.

Thorstensoltouumsuspiroinfeliz.-Eunãotenhoqueentender.–elemurmurou,baixinho.–Eupossoverojeitoqueeleolhapara

você, e é isso o que importa.O passado estámorto. E ele é um caramuito legal. – ele limpou agarganta.–Eutenhociúme.Ainda.

Juliatentounãoolharboquiabertaparaele.-Ah.Oolhardelasedesviouparaomundoláfora.AspalavrasdeThorstenadeixaramconfusa.Ela

nãopodiaentenderoporquêdeleaindagostardela,jáqueelaestavaclaramenteindisponível.Além

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disso,elepareciaosonhodouradodequalquergarotadefaculdade,elogoarrumariaumanamoradalá.Eaindaassim,elenãopareciacapazdeesquecê-la.Aquiloquaseafaziasesentirculpada,afinaldurantecertoperíodohavia realmente roladoalgumacoisaentreeles, e elahaviagostadodaquiloporumtempo,antesdeMichaelvoltaràcenamaisumavez.

Eladespertouquandoelecolocouamãoemseubraço.-Ei,você–eledisse,gentilmente–Eunãoquerotornarascoisasdifíceis.Ésóquevocêmexeu

comalgumacoisa emmimdeum jeitoque eununcahavia sentido antes.Épor issoque eu estoutendo tanta dificuldade em esquecer você. Ah, sim, e o fato de vocêmorar do outro lado da ruatambémnãotemajudadomuito.

Seu tom seco fez Julia sorrir, mas, ao mesmo tempo, suas palavras a surpreenderam. Erampalavrastãodoces,pareciamtãogenuínasesimples.Porapenasumsegundo,pensaremtodaasagade tentarchamaraatençãodeMichaelardiaumpouco:elehaviaprecisadodemaisdoquealgunsdiasparaperceberqueelahaviamexidocomele.Masnão,elanãodeveriapensarnaquilo.Elehaviase tornado uma pessoa completamente diferente depois do acidente no bosque, e ela já o haviaperdoadoporseucomportamentoterrívelhámuitotempo.

-Obrigada–eladisse,emumtomdevozligeiramenteentrecortado,sorrindocarinhosamenteaThorsten.–Emedesculpe.Euvoumemudaromaisrápidopossível.

Thorstencomeçouarir.-Ah,porfavor.Nãoseránecessário.–eleinclinouacabeça.–Ouvocêestavaplanejandoalugar

umquartonacidade,quandocomeçarafaculdade?Eladeudeombros.-Nãonecessariamente.Eumoroperto.Eeugostodemoraremcasa.Éaconchegante.Ebarato,

claro.-Bem,nãovejooutrasoluçãoanãosereumemudar,então–elerespondeu–Querodizer,eu

soupodrederico.Emeuspaissãoabsolutamentehorríveis,então...Juliarevirouosolhos.-Sarcasmomachuca.Vocêeminhamãedeveriamsejuntar.Elatambéméótimanisso.Thorstenergueuumasobrancelha.-Comoéquemejuntaràsuamãevaimeajudarameencontrarmenoscomvocê?-Verdade.–Juliacorou.–Nãoéumaideiamuitoboamesmo.-Ei,nãoéaquiquevocêtemquedescer?–eledissederepente,alarmado.Julia se levantou rapidamentequandopercebeuque ele estava certo.Oônibushaviaparadono

pontodela.-Ei,obrigada!Eunãoestavaprestandoatenção.Ela pendurou a mochila em um ombro e acenou para o Thorsten antes de descer e pegar o

caminho para a livraria. Seria umdia quente; o sol, impiedoso, já estava queimando e ainda nemeram nove horas damanhã. Julia podia sentir o suor se acumulando sob a alça da sua bolsa. Elaesperava que Martin colocasse a mesa da cozinha no pátio novamente, para que eles pudessemalmoçardoladodefora.Ládentro,naquelatemperatura,eraumcalorabsolutonosegundoandar.

-Servus.–elacumprimentouMarcoeSilkequeestavamesperandonosdegrausemfrenteàloja.–Alojaaindanãoabriu?

Silkebalançouacabeça.-Martinchegouháumminuto,maseleestálevandoMichaeldevoltaparaopontodeônibus.Ele

estásesentindomuitomal.-Comoassim?Está falandosério?–Julia imediatamentepegouocelulardentrodabolsapara

verseMichaeltinhaligadoparaela.Aindanão.Elamandouumamensagemdetextoimediatamente.“silkeacaboudemecontarquevctadoente?Vouteverassimqpossível,ok?bjs”

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-Ei, você está pálida –Marco disse, preocupado–Você quer sairmais cedohoje?Depois doalmoço?Eupossocobrirvocê,sequiser.

-Vocêfariaisso?Issoseriafantástico.–Julialançouaeleumolhargrato.Marcoeraumsalvadorda pátria: ela sairia depois do almoço e iria à casa do Michael para cuidar dele até que elemelhorasse.Seuspaisnãoestavamemcasaporquesuamãeestavadefériaseseupaiestavaemumadesuasviagensdenegócios.

QuandoMartinabriualojalogodepoisdasnove,MarcoperguntouseelepoderiapegaroturnodeJulia.Martinnãoseimportou.

-Tenhocertezadequeelevaiadorarasuavisita–eledisseaJulia–Eleestavasesentindomuitoenjoado.Devetercomidoalgoquefezmal.

Amanhãpareceusearrastar,agoraqueJuliaestavaesperandoansiosamentepelahoradoalmoço.Quandoalojafechou,aomeiodia,elamaisumavezagradeceuMarcodofundodocoração,antesdecorrerportaafora.Umaveznarua,eladecidiucaminharatéacasadeMichaelemGiselakai.Estavaainda mais quente, e uma viagem de ônibus seria desconfortável. Além disso, ela precisava seexercitar.Seelaescolhessebemocaminho,poderiacaminharnasombranamaiorpartedocaminho.Grades sicômoros e castanheiras se alinhavamdosdois ladosdocaminhoao ladodo rio, entãoaúnicaparteensolaradadacaminhadaseriasobreapontequeelatevequecruzarparachegaraooutroladodoSalzach.

Felizmente,umventosuaveestavasoprando.Juliapendurouabolsaemumombro,tirouocabelodo rostoeopuxouemumrabodecavalo.Tudoao seu redorpareciacalmo.Barquinhosestavamflutuando rio abaixo, mas não havia embarcações maiores. O nível da água estava extremamentebaixodevidoàestiagemdejulho.OtempotinhasidoquenteeensolaradoemtodaaEuropanaqueleverão,eaindanãohaviaacabado.JuliasorriuquandopensouemLondres:elespoderiampegarosônibusdedoisandaresparafazerotourpelacidade,fazercoisasdeturistaetirarfotosdetodososmonumentosantesdedescansarnoHydeParkànoite.

ElalevouvinteminutosparachegaràcasadeMichael.Quandoeleabriuaportadafrente,Juliaencarouseurostopálido.

-Ai,meuDeus.Vocêrealmenteestáhorrível–elaexclamou.-Semprebomouvirisso–Michaelrespondeu,comumsorrisofraco.–Porfavor,entre.-Vocêestácomintoxicaçãoalimentar?-Nãofaçoideia.–Michaelalevouparaasaladeestareseafundounosofácomumsuspiro.–Eu

nãoestoucomvontadedecomernada,issoéfato.Eusóquerotomarumpoucodearfresco.Juliasesentouaoseulado.-Entãovocêquersairumpouco?Elefezquesimcomacabeça.-Assimqueeumelhorarumpouco,queroiratéaflorestaatrásdasuacasa.Caminharumpouco

sobasárvores,nasombrafresca.-Parecebomparamim.–Juliacolocouumpoucodeáguaparaeles,dajarraqueestavasobrea

mesa.Elamesmanãoiaàflorestajáháalgumtempo.DesdeoraptodeAnne,elahaviatentadoevitarobosque.Semprequeelasentiavontadedecorrer,elaescolhiaocaminhopavimentadoparaEichet.Umpoucoantes,elahaviadecididousara trilhadaflorestaparaseexercitar,masasmemóriasdetudooquehaviaacontecidoalificavamvoltando:oacidentedeMichael,seucarvalhoficandodoenteeperdendoasfolhas,osencontrossecretosentreAnneeaquelecanalhadoAndreas.Elanuncahaviapensadoquechegariaaconsiderarobosqueumlugarescuroesinistro.TalvezfosseumaboaideiairatélácomoMichaeletentarreaverosensodesegurançaqueelasempreteve,emmeioàsárvoresantigas.

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Depoisdahoradochá,Michaelestavasesentindobemparasairdecasanovamente.Juntos,elesentraramnocarrodamãedeleedirigiramatéBirkensiedlung.

MichaelestacionouocarronomesmolugarqueaambulânciaquandoosparamédicoslevaramAnneparaohospital.JuliapegouamãodeMichaelerespiroufundo.Oarfrescoaestavafazendobem.Sobreassuascabeças,asfolhasnascopasdasárvoressussurravamnabrisasuave,ederepente,elaselembroudecomoeraestarnafloresta,antesqueoseventosobscurosdassemanasanterioresmudassemsuapercepçãosobreela.Aquelelugarpermaneciaomesmo.Eraelaquehaviamudadodedentro para fora. E era uma pena. Afinal,Michael a havia dito para continuar sonhando. Ele nãoprecisavaqueelamudasseouvirasseumamulhercrescida,responsávelepénochãoemumfuturopróximo.

- Venha, vamos lá – ele disse baixinho, caminhando pela trilha da floresta e seguindo para adireita,depoisdealgunsminutos.Eledeixouocaminhoealevoudiretamenteparaaclareiraondeseucarvalhoestavasilenciosamenteesperandoporeles:olugardoacidente.

Eles ficaram imóveis, encarando o carvalho.Mais folhas tinham se tornado amarelas desde aúltimavezemqueJulia tinhaestadoali.Quandoéqueosguardasflorestaisviriameocortariam?Eles geralmente cortavam as árvores enfraquecidas no outono, para manter o bosque saudável.Naqueleano,otrabalhoseriaagendadoparaquandoelaestivessenafloresta.

Juliaengoliuemseco.Opensamentodenãotermaisumsantuárioparabuscarrefúgiosempreque os tempos ficassem difíceis fazia sua garganta se apertar dolorosamente.Mas então,Michaelapertousuamão,comosepudessesentirsuatristeza,eelaolhoudeladocomumsorriso.Elateriasimumsantuário.Elapoderiaserefugiarnapresençadele.Eleestariaaoseuladoetudoficariabem.

Elesevirouesorriudevolta.Dealgumaforma,elesemprefaziaaquiloquandoelaoolhavadelado.NãoeramaisummotivodeespantoofatodeMichaelparecersentirquandoelaoobservava.Desdequeelecontarasuaexperiênciadevidaaoacordardepoisdoacidente,elapresumiuqueeleeraapenasmaissensíveldoqueamaioriadaspessoas.FoiporissoqueeleconseguiuencontrarAnne.Apolícia havia voltado diversas vezes à casa deAndreasMittelmayer, depois de prendê-lo. EmboraAndreas houvesse confessado os crimes, ainda permanecia inexplicável o fato de que Michaelsouberaondesuairmãhaviasidoescondida,masoDetetiveSpitzerpôsfimaosinterrogatóriosaoescreveralgonoboletimpolicialsobreperfiladores,médiunsepessoascomsextosentidoajudaremapolíciaalgumasvezes.

AvozdeMichaelatiroudeseutranse.-Vocêquersesentarporumtempo?–eleperguntou,apontandoparaaárvore.Juliaconcordou.

Eleprovavelmenteestavacansadodepoisdeandaratélá,entãoelasesentouaoseulado,suascostaspressionadascontraotroncofirmedaárvore,exatamentecomoasoutrasvezes.Michaelpegousuamãoeumprofundosentimentodepazseespalhoupeloseucorpo.

-É tão lindoaqui.–elemurmurouaoseu lado.–Tãoquieto.Tãodiferentedacidade.Eaindaassim,euamoavidaurbana.Égrandeefantástica,cheiadepessoasevidaeamor.Tudosemove.

Suavozhaviaassumidoumtomquesugeriaqueelenãoestavarealmenteconversandocomela.Eleestavapensandoalto,eJuliaolhoudeladoparaveraexpressãoemseurosto.

-Vocêgostadeestarnacidade,certo?–elaperguntou.Eleconcordou,pensativamente.-Eusemprepossosentirvocêemmeioatodasaspessoasdentrodela–elerespondeu–Écomo

sevocêirradiasseseuamorpormim.Natardecalma,Juliapassouosbraçosaoredordacinturadeleeobeijounabochecha.-Issoémuitofofo–elasussurrou–Obrigado.Sentar sobasárvoreseaproveitara sombra fresca fezMichaelgradualmente se sentirmelhor.

Quandoelesfinalmentedeixaramafloresta,eramquaseseishoras.

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-Vamosfazerojantar–Michaeldisse,enquantoparavaemfrenteàcasa.-Edepoisdojantar,vamosverumfilme?–Juliasugeriu.- Vamos fazer isso. Por que você não escolhe um que você gosta? – Michael apontou as

prateleiras,quepreenchiamumaparedeinteiranasala.JulianuncahaviavistotantosDVDsjuntosemtodasuavida,nemmesmoemumalocadora.

-Vouolharemumminuto–eladisse–Eunãotenhoqueteajudarnacozinha?- Não tem, não. Por que você não toca algo no piano? Isso, com certeza, vai me inspirar na

cozinha.Elesedirigiuàcozinha,deixandoJuliaaoladodopianonasaladeestar.Elasesentouepassou

osdedossuavementesobreasteclas.Mesmoqueelaestivessedebomhumor,começouatocarumamelodiamelancólica,parasuaprópriasurpresa.Eraalgoquesimplesmentevinhadonadaepareciaqueelaestavadeixandoalgopreciosoparatrásenquantotocava,emboranãosoubesseoqueera.

Quandoelaestavaacabando,Michaelcaminhouatéela.Eleacariciouseuombro.-Issofoilindo–eledisse,maravilhado–Vocêcompôs?Juliasorriu.- Sim. Agoramesmo, na realidade. É como se alguém a sussurrasse paramim... Como se eu

tivesseroubadoestacançãodobosque.Elepensounaquilo.-Vocêpodeterroubado.Talvezvocêsejamaisabertaacertasinfluênciasqueoutraspessoas.Isso

tambémexplicariaporquevocêgostavadeescreverseuspoemasnafloresta.Elesesentouaoseuladonobanquinhodopiano,passandoumbraçoaoredordesuacintura.-Vocênãotemqueficardeolhoemsuaspanelas?–Juliariuquandoelecomeçouabeijá-lapor

todoorosto.–Nossojantarnãovaiqueimar?Elebalançouacabeça.-Alasanhaestánoforno,então,ficaráprontasozinha.–Eleabeijoumaisumavez,buscandoos

seuslábioscomaboca.Ocoraçãodelaacelerouquandoamãodeledeslizouparacimaeparabaixonassuascostas,fazendosuablusaseerguerumpouco.Semfôlego,elasedeixouerguerporele,quea levou até a coleção de DVDs. Eles finalmente decidiram assistir "A Lenda", um dos primeirosfilmesdoTomCruise.Juliahaviavistoofilmediversasvezes,masMichaelnão.

-Esse foioprimeiro filmeque eu comprei emDVD–ela contou, entusiasmada, equilibrandodois pratos de lasanha e subindo as escadas. Julia havia sugeridoque eles assistissemao filmenoquartodele,porqueelanãogostavamuitodasala:eramuitograndeparaogostodela.OquartodeMichaelerabemmaisaconchegante.

Michaelestavacarregandoasuamala.Elealargouaoladodacamaquandoelesentraram.-Nossa,mulher.–eleaprovocou.–Oqueéquetemnessabolsa?Tijolos?-Não.Livros,naverdade.–Juliasesentou,comaspernascruzadaseabriuamala.–Sãopara

você.Emprestados.Umaumelaos entregoua ele, queos aceitouquasequede forma reverente, passandoamão

pelaslombadasdoslivrosfavoritosdela.Zweig,Brecht,Kafka.-Sevocêgostardeles,euapostoquepoderácomprarparavocêlánalivraria,comdesconto.–

elaacrescentou,comumsorrisobrincalhão.Michaeldeixou-secairnacamaecolocouapilhadelivrosnocriadomudo.-VocêachaqueoMartinnosdarádescontosemdobro,secomprarmososlivrosemconjunto?–

elebeijousuabochechaquandoelasejuntouaeleemcimadacama.–Obrigado.Vouescolherumparaleramanhã.Agoravamoscomer.

Depoisderasparemospratosdelasanha,osdoisdeitaramnacamaviradosparaatelevisão,queestava no canto. Michael ligou o aparelho. Enquanto isso, o céu do lado de fora havia quase

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escurecidocompletamente,entãoelespuxaramascortinas.Estavaaconcheganteeseguronoquartodele. Julia seaconchegouemMichael e fechouosolhos,desfrutandoda intimidadeque sentiaporestarpertodele.Pareciatãodiferentedaprimeiravezemqueelaesteveemseuquarto,deitadaemsuacamaedandounsamassos.Aquelemomentopareciaterficadoséculosatrás.

Ela apenas percebeu que havia dormido durante o filme quando Michael a acordou tocandosuavementeemsuatestaebeijandoseuslábios.

-Ei,BelaAdormecida.–ele riu,quandoelaabriuosolhos.–Penseiquevocê tivesseditoqueesseeraseufilmefavorito!

Juliaergueuacabeçaeviuoscréditospassando.-Ah,quepena.Euperdiofinal.–elabocejou,entãosevirouparaeleeobeijoudevolta.Amão

delemassageava seupescoçoeombros, entãoescorregoupor suascostas atéo seucóccix.Ela seaproximouaindamais,deixandoocalordeleaacalmar.Arespiraçãodelesetornoupesadaquandoeleabeijoumaisprofundamenteeaabraçoumaisforte,semsoltá-la.Normalmente,quandoelessebeijavam,elesestavamemalgumlugarexternoounacasadela.Agora,elesestavamnacasadele,eelesestavamsozinhos.Nãohavianecessidadedeseafastarem.

Juliagemeu,protestando,quandoeleseafastou,finalmente,empurrando-aeolhandosérioparaela.

-Julia–eledissecomavozentrecortada.Semfôlego,elaoencarou.-Sim?-Devo...–osolhosdeleforamatéaportaedevoltaparaela.–Devoarrumarsuacamanoquarto

dehóspedes?Elalentamentesoltouarespiraçãoepegouemseurostocomamão.-Não–elarespondeufirme.Umaluzseacendeuemseuolhar,maseleaindaaolhavaatentamente.-Temcerteza?–elesussurroupertodabocadela.-Sim.Absoluta.–elacorou,mas suavoznãohesitou.Era issoqueelaqueria.Eraelequeela

queriaedeverdade.Eleapuxouparapertoeesfregouasuabochechanadela,eentãosussurrouemseuouvido.-Euteamo.Eraaprimeiravezqueelediziaaquelaspalavras.Ocorpo inteirodeJuliaestava inflamadode

amor,paixãoeemoção.-Eutambémteamo.–elasussurroudevolta.–Vocêmedeixasegura.Depoisdisso,elanãodissemaisnada.Nadamaiseranecessárioserditonaquelanoite.

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13.-Gentedocéu,olhaessavista!–Florianexclamouanimado,apontandodesuajanela.Láembaixo,oTâmisacortavaacidadecomoumafitaazulreluzente,oBigBeneoParlamentoladeandooriocomosefossemminiaturas.

-É,ótimo.–Tamarabrincou.ElasódescobriuquetinhamedodealturadepoisqueelesjáhaviamembarcadonoFerris,entãoelaestavasentadanobanco,nomeiodacápsula,segurandoapavoradaamãodeGaby.

-Érealmenteótimo.–Axelcantarolou.EleestavaempéaoladodeFlorian,filmandoavistacomsua câmera. –Ok, então eles cobram os olhos da cara para subir no London Eye,mas vale cadacentavo.

Juliaestavadoladoopostodabolha,ouvindoMichael,queapontavaaelatodotipodepaisagens.ElejáhaviaidodiversasvezesaLondres,entãoelesabiaondeencontraroslugaresmaisfamososalidecima.

-Sorriam,pombinhos.–Florianoschamou,naquele instante.Elesolharamde ladoeele tirouumafotodelescomseutelefone.

-Quetipodepássaros?–Juliagritoudevolta,comumsorrisoperdido.-Pombinhos,éclaro–Florianrespondeu,comumapiscadela–Háváriosdelesaqui,não?Michaellançouumolharácidoaele.-Ha,ha,muitoengraçado.–Nodiaanteriorelehaviasidomultadoporumpolicialporalimentar

ospombosnaTrafalgarSquare.–Comoéqueeuiasaberquenãopodemosalimentarospássaros?Eles não carregam um cartaz por aí dizendo “Nós, pombos, somos a maior peste de Londres”,carregam?

Juliapassouosbraçosaoredordele.-Bem,euacheiadorávelquevocêquisalimentarospombos.–elasorriu.–Vocêpareciatãofofo

comsuasmãoscheiasdemigalhasdepãoeaquelebandodepombosfamintosaoseuredor.Eleriu.-É,seaomenosapolíciaachasseomesmo.-Oque?Quevocêéfofo?–Axeldisparou.MichaeleJuliacaíramnarisada.EraoterceirodiadelesemLondreseelesestavamsedivertindo

bastante.Nanoiteanterior,elesforamaoshowdeMoritz.Naqueledia,elesestavamplanejandofazerumpiquenique emHydePark, à tarde.As garotas haviam ido aoTesconaquelamanhãpara fazercomprasedeixaramasaquisiçõesnoquartodelas.

- Só espero que os ratos não toquem em nada – Gaby havia dito, sarcasticamente, já que oalberguedajuventudenãoeraolocalmaislimpoqueelesconheciam.

-Jáchegamos?–Tamaraperguntouqueixosa,levantando-secomaspernasbambas,paraarriscarolharpelajanela.–Oh,quebom.Quase.Malpossoesperarparadescerdestacoisa.

Depois demais algunsminutos, o grupo todo saiudabolha e entrouna loja de souvenires dooutroladodoLondonEye.Gaby,JuliaeTamaracaminhavamnafrente,comosbraçosdados,eosgarotosasseguiam.Nocomeçodaviagem,eleshaviamsolenementejuradonãodeixaraviagemsetornardecasaise,atéaquelemomento,tudohaviacorridobem.JulianemhaviapassadomuitotempocomMichael,elepassavaamaiorpartedotempocomosgarotosedormiaemumquartodiferente.GabyeAxeltambémtinhamumcomportamentoexemplar.

AxelestavaconversandoanimadamentecomMichaelquandoelesentraramna loja.Elepareciafinalmente ter superado o fato de que Michael inicialmente havia tratado sua prima de formadesrespeitosa.Juliaolhouparaosdoissorrindo.Axeldeviaestarfelizporquedurantetodooverão,

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uma longa e jubilosa sequência de acontecimentos havia ocorrido, assim como ela havia um diaimaginado em seus sonhos.Contudo, no final do verão,Michael semudaria paraGraz.Ela temiaaquelemomento,elasentiriamuitoafaltadele.

-Ei, cara,você estábem?– elade repenteouviuAxelgritandoatrásdela. Julia seviroueviuMichaelsentadoemumacadeiradedobrarpróximaàentrada.Florianestavaempéaoladodele,oabanandocomumjornaleoferecendoumagarrafadeágua.

Elarapidamentefoiatéele.-Você está se sentindomal por causa do calor? – ela perguntou, tocando em sua testa. Estava

gelada,apesardaaltatemperaturadodia.Michaelbalançouacabeça.-Sóestoumeiotonto.–elemurmurou.–Sóqueroficarsentadoaquiumpouco.-VocêachaquepodeserpelopasseionoFerris?–Tamaraseperguntou,emvozalta.-Possivelmente–Juliarespondeu,distraída.ElaseagachoueficouaoladodeMichaelatéqueos

outros tivessem pagado pelas compras no caixa. Seus acessos de tontura estavam começando apreocupá-la. Ele estava pálido igual quando precisou ir embora do trabalho uma semana antes,porquenãoestavasesentindobem.Oqueestavaacontecendocomele?

-VoulevaroMichaeldevoltaparaohotel–eladisse,decidida,assimqueeleshaviamdeixadoaloja.–VamosnosencontrarnoHydeParknofinalda tarde,nogramadopertodaestátuadoPeterPan.

-Temcerteza?–Gabyperguntou.–Vocênãoquerqueagenteteacompanhe?-Oque?EarruinaraúltimatardeemLondres?Nempensar.Namanhã seguinte, eles pegariamovoodevolta paraSalzburg e Julia sabia queGaby estava

morrendodevontadedeiraalgumaslojasgóticasnoSoho,queeleshaviamvistonodiaanterior.-Ok,comovocêquiser.–AxeldeuumtapinhanascostasdeMichael.–Vácomcalma,cara.Nos

vemosmaistarde.OsdedosdeJuliaapertaramamãodeMichaelquandoelescomeçaramavoltarparaaestaçãode

metrô.Ela esperava que houvesse algumônibus do lado de fora da estação: levarMichael para oalbergueemumtremsubterrâneo,quenteelotadonãopareciaamelhorcoisaagora.Aparentemente,ele estava pensando o mesmo, porque apontou para um táxi que esperava no ponto próximo àestação.

-Venha,vamosdetáxi–eledisse,cansado.-Vocêestálouco?–Juliaoencarou,boquiaberta.–Issovaificarumafortuna.Vocêsabequala

distânciadaquiatéoalbergue?Elesorriufracamenteaela.-Ah,bem.Vocênãoestáfelizquetemumnamoradoricoagora?Julia deu de ombros e não respondeu.Michael estava certo, ele poderia facilmente arcar com

aquelegasto.Elaapenasficavainsegurasemprequeeleesbanjavadinheirodaquelaforma.Elenãoestavatentandoseexibir,maselasimplesmenteestavaacostumadaaumestilodevidabemdiferente.

Elasoltouarespiraçãoquandoelesentraramnobancodetrásdotaxi.- Albergue Hyde Park, por favor – ela disse, com seumelhor sotaque britânico. Omotorista

acenou,ligouotaxímetroedeupartida.Depoisdemeiahoradecorridaparaohotel,Michaelpagouaomotorista uma quantia enorme de dinheiro,mas Julia estava verdadeiramente aliviada por eleschegaremtãorápido.Michaelaindaestavamuitopálido.Eleprovavelmentegostariadesedeitaremseuquarto.

-Vamossubir?–elasugeriu,enquantootáxidesapareciaaoviraraesquina.Elebalançouacabeça.-Queroiraoparque.Sentarsobasárvores.Vaimefazerbem.

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Foi aquilo que ele havia feito da última vez, também.Havia funcionado perfeitamente bem nasemanaanterior,entãoporquenão?

-Ok.Sóvourapidinholáemcimapegaralgumasbebidaseomeulivro–eladisse–Jávolto.Enquanto ela subia as escadas correndo – o albergue barato não tinha um elevador que

funcionasse,eclaro,seusquartostinhamquesernoquartoandar–elapensouemquallivropegar.ElaeMichaelestavamlendopoemasdesuacoletâneadeDaniilCharms,antesdeembarcaremalgunsdiasantes,entãoelalevariaaquele.

-Certo,vamos–eladisse,omaisanimadamentequepôde,quandosaiu.Michaelaindapareciabrancocomolençol,maseleprovavelmentenãosesentiriamelhorseelaficassemexendocomeleotempotodo.Eraumaideiamelhorlevá-loparatomarumsol,comoelemesmodizia,algumasvezes.Semprequeelacontavasuashistóriasparaeleenãoconseguiaparardefalaresorrir,eleachamavadeseusol,assimcomohaviafeitoemseupoema.Elasabiaqueerabrega,maselanãoseimportava– ela ainda estava muito apaixonada para considerar qualquer coisa relacionada a ela e Michaelpiegas.

Enquantoelesandavampelocaminhoquelevavaparaoparqueeparaogramadoondehaviamcombinadode se encontrar comosdemais, Julia assobiavaumamelodia alegre.Depoisdealgunsminutos,Michaelsedesvioudocaminho,puxando-aparaumagrandeenodosacastanheiranomeiodogramado.

-Vamosnossentaraqui?Nasombra?Osdoisescolheramumlocalnasombra.MichaelobservavaJuliacomumsorrisoenquantoela

procuravaemsuabolsapelaslatasderefrigeranteesacosdebatatafrita.- Você vai ler para mim? – ele perguntou ansioso quando ela pegou o livro de Charms em

seguida.Elafezquesim.-Esteéoplano!Porquevocênãosedeitacomosolhosfechadosecomumabebidaporperto?Obedientemente,elepegouumalataeencostou-seaotroncodacastanheira,seusolhosfechados.

Julia folheou o livro de novo. Ele havia pertencido ao seu avô, que sempre fora fascinado porliteraturarussaedeixouparaelaasuacoleçãodepoesiastraduzidasquandofaleceu.Elahavialidoaquele livro inúmerasvezes,maseraaprimeiravezqueelaoestavacompartilhandocomalguémqueelagostava.

Elaleubaixinhoalgunsdosseusfavoritos.“Umromance”,“PetroveKamarov”,“Umacanção”.Devezemquando,elaespiavaMichaelparaverificarseeleaindaestavaacordado.Todasasvezesque ela fazia isso, ela via um leve sorriso em seus lábios.Ele ainda estava sentado comos olhosfechados,masacorhaviaretornadoaoseurosto.

Depoisdepoucotempo,elavirouparaaúltimapáginaeleuoúltimopoemadolivro.UmhomemdeixousuacasaComumtacoeumsaco;ZarpouPelaestradaEnuncaolhouparatrás.ElecaminhousempreparafrenteElecaminhousempreemlinharetaNuncadormiu,Nuncabebeu,Nuncabebeu,dormiuoucomeu.Nocrepúsculo,eleentrounumaflorestaEscuracomoanoite

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EdesdeAquelavezEledesapareceuparasempre.MasseumdiavocêCruzarcomessehomem...EntãoporfavorNosaviseOmaisrápidopossível.Comumsuspiro,Juliafechouolivro.Masquandoelaergueuosolhos,eledespertou.Osorriso

haviadesaparecidodorostodeMichael.Eleaolhavacompesar,tãosolenemente,queelanãoresistiuefoisesentaremfrenteaele.

-Oqueestáacontecendo?–elamurmurou,acariciandoorostodele.Eleestendeuosbraçosparaela,eeladesapareceuemmeioaoabraçodele.-Eunãoqueroirembora–elerespondeu,quaseinaudivelmente.Elanãoentendeu.-Nãoqueriremboradeonde?DeLondres?Elebalançouacabeça,permanecendoemsilêncio.Juliamordeuolábioeencarouseusolhos.Ele

deveriaestarpensandoemGraztambémenofatodeelessesepararememalgumassemanas.Comumlevesuspiro,elacolocouacabeçanoombrodele.

-Tudovaificarbem.–elamurmurou,colocandoamãoemseupeito.–Euteamo.Aospoucos,elapodiasentirocorpodelerelaxarcontraoseu.-Eutambémteamo–eledisse–Nãoseiporqueestouchateado.Nãosepreocupecomigo.Nas horas que se seguiram,Michael gradativamente se recuperou da estranha fraqueza que o

haviaacometidonaquelamanhã.Nahoraemqueorestodogrupochegouaoparque,JuliaeMichaelestavamjogandobadmintonusandoumconjuntoderaquetesquehaviampegadoemprestadodeumafamíliaqueestavasentadaumpoucodistantedeles.

-Olha sóvocê!Comprouatémorrer?– Juliaperguntou,olhandoas sacolas lotadasqueGabyestavacarregando.

Suamelhoramigaacenou.- Eu praticamente saqueei a loja. E gastei todo meu dinheiro, por sinal. Não tenho nem uma

moedinhaparacomprarlanchesnovooamanhã.- Ela comprou uma blusa muito legal. – Axel completou, piscando para Julia. – Por que não

mostraaJulia?Gabycorou,puxandoumacamisetadedentrodeumadassacolascomumrisinhonervoso.Era

umablusinhacomcaveiras,alfineteseumafrase“Morrodeamorpelomeunamorado”.-Uau,queromântico!–Juliaelogiouacompradaamigacomumsorriso.- Aaaah, esquilos! - Tamara apontou um par de esquilos cinza, correndo pelos galhos da

castanheira.–Voudarcomidaparaeles!-Nãovai,não!–Michaeldisse.-Nãovou,não?Porquenão?Vousermultada,comovocê?-Não,masvocêvaiserassediadaporumbandodeesquilosdetestáveis.Elesestãoportodaparte.

Sevocêalimentarum,elesvãobuscartodososamigoseacabarcomasuacomida.Moritzriu,maliciosamente.- Roubada por roedores. – ele cantarolou. – Você acha que a polícia vai acreditar em nós se

formosdenunciarumacoisadessas?O grupo se sentou rindo e conversando, mas Axel olhou o horizonte e fazendo uma careta,

apontouumasnuvensescurasdetempestadeseacumulandoaoeste.

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-Gente,aquiloestáfeio.Achoquevamosserpegosporumatempestade.Florianagarrouemseubraçoeopuxouparabaixo.-Sentaaqui,senhorprofetadodesastre.Vamosficarbem.Vinteminutosdepois,quandoumrelâmpagorasgouocéuescuroeasprimeirasgotasdechuva

começaramacair,Axellançouumolharestoicoaoamigo.-Profetadodesastre,né?–eledissecalmamente.-Dáumtempo.–Florianrebateu.Elescorreramparadobrarastoalhasdopiqueniqueerecolher

a comida, quando a chuva começou a cair mais forte. Julia correu quando eles saíram da partegramadadoparqueprotegidaporárvores,efoiaprimeiraachegaraohotel.Erabomsaberqueelanãoestavacompletamenteforadeforma.

-PlanodepiqueniquenoHydePark: falhou. –Gabymurmurou, entrandono saguãodohotel,com rímel por todo o rosto emechas de cabelo preto pregadas no rosto. –Vamos nos sentar noloungeecomerali?

Oloungeeraasalacomumcomcomputadores,umbareumaenormetelaplanaparaoshóspedessedistraírem.Juliaeseusamigosseacomodaramnossofásfofosnocanto.Assimquetodoshaviamse trocado, eles desembalaram a comida e colocaram na mesa, para o jantar. Florian estavaconferindoaprevisãodotempoemseucelular.

-Ah,ótimo–eledisse,desanimado–EstásolecaloremSalzburg,gente.Eaquiestamosnós,curtindoobomclimainglês.

- Bem, talvez nós devêssemos fazer nosso piquenique externo, lá em casa, amanhã – Juliarespondeu–Entãopodemoscelebraroúltimodiadanossaviagemcomumpoucodesol.

-Pareceótimo–Moritzdisse–MeuvoochegaaSalzburgamanhãà tarde,entãoeupossomejuntaravocêsànoite.

Julia se recostou, mentalmente fazendo uma lista de coisas que ela teria que comprar nosupermercadodepoisquevoltasseparacasa.

-Melembredeiràlojaamanhã-eladisseaMichael,queaentregavaumsushi.Elesorriu.-Nãoseestresse.NãopenseemSalzburgainda.Estamosaqui,agora.-Vocêestácerto.–ela sorriudevolta, seaconchegandonele.Elehaviaditoquenãoqueria ir

embora. Ela queria estar no aqui e no agora também, curtindo sua última noite emLondres comMichaeletodososseusamigos.Quandoelavoltasseparacasa,teriaquecuidardemaiscoisasqueapenas compras... O período de orientação da Universidade de Salzburg logo começaria. Seria ocomeçodeumanovavidaparatodoseles.Michaelsemudariaparaoutracidade,voltandoparacasanofinaldosemestreapenas.Suasvidasmudariam,maselanãoqueriapensarnaquilo.Hojeeratudooqueimportava,oagora.

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14.Nodia seguinte, Julia havia ido diretamente para o trabalho para organizar o piquenique em suacasa.Elestiveramumvootranquilo,sematrasoseantesdesedespedirdetodosnoaeroporto,Juliarecebeuacontribuiçãodetodosparaacomida.

Perdidaempensamentos,eladesceudesuabicicletaeacarregouatéoportãoquandoumavozanimadarepentinamenteadespertou.

-Ora,ora...Paraquetudoisso?Julia ergueu o olhar das sacolas pesadas que ela estava descarregando no guidom, e olhou

diretamenteparaosolhosazuisdeThorsten.Ovizinholançavaumolharquestionadoràssacolasdecomprascheiasdepãesepetiscos.

- Ah, é para nosso piquenique pós-férias. – ela explicou. – Por que você não se junta a nós?Temoscomidasuficienteparaalimentaravizinhançatoda.

-Acreditoemvocê.–eleriu,abrindoumsorrisolargoquandoJuliatentoupegarastrêssacolassozinha.–Deixe-meteajudar.

ElaeThorstencarregaramtudoparaamesadoladodefora,ondeMichaelestavaseocupandodefazerumaenormebaciadesaladadefrutas.

-Ei,obrigadoporajudaraJulia,cara–eledisse,quandoviuThorstencarregandoduassacolas.–Minhanamoradateimosainsistiuquedariacontadascomprassozinha.

ElaqueriafazertudosozinhaporqueMichaelaindanãoestavasesentindobem,depoisdatonturaemLondresnodiaanterior.Elehaviaseoferecidoparaajudar,maselahaviarecusadoporquesabiaqueeleaindasesentiamal.Fazerumasaladadefrutaseraaatividademenoscansativadodiaentãoelahaviapedidoparaelefazeraquiloenadamais.

-Semproblemas–Thorstenrespondeu–Eucarregocaixasdeprodutosinsanamentepesadosnosupermercadotodososdias.AmãodeJuliaéumacheferealmentetirana.

-Euouvi.–aSra.Gunthercantaroloudocementeaochegaraojardim.–Voucortarseubônus,rapazinho.

QuandoJuliaesuamãehaviamacabadodecolocartodaacomidanamesa,Axel,GabyeTamarapararamemfrenteàcasa,nocarrodeTamara.

-Londres chamando! –Tamara gritou do bancodomotorista, antes de estacionar próximo aoportão. Ela saiu segurando um fardinho deGuinness que havia comprado na loja do aeroportonaquelamanhã.AxeleGabyaseguiram,carregandosacolascheiasdebatatinhassaborsalevinagre.

-Maiscomida?–Thorstengritou,fingindosurpresa.–Uau,vocêsdevemestarfelizesdeeuteraparecidoparaajudaracomertudoisso.

-Sempreficofelizdetervocêporperto–Juliadisse,comumsorrisocarinhoso.Thorstenolhoudelado,parecendoprestesacorar.

-Ei,devobuscarmeuviolão?–eledissederepente,saindoemdisparadaantesqueelapudessedizerquesim.

Julia piscou e se virou paraMichael que estava em pé alguns passos atrás dela, a encarandopensativamente. De repente, ela se sentiu idiota por dizer coisas daquele tipo para Thorsten. Elarealmentenãoqueriaqueaquilotivessesoadocomopaquera–elarealmentesesentiadaquelaforma–mas aquilo havia tido um efeito em seu vizinho queMichael não havia deixado escapar nem seestivesseaquilômetrosdedistância.Elaesperavaqueelenãoficassecomciúme,porquenãohavianadacomquesepreocupar.

Elahesitantementecaminhouemdireçãoaeleeseinclinouparabeijá-lonoslábios.-Euteamo.–elasussurroucontraosseuslábios.

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-Eutambémteamo.–elemurmuroudevolta,encarando-acomtantoamoreternuraqueelaseperguntousehaviaimaginadooolharciumentodeantes.

QuandoFlorianeMoritzcompletaramogrupo,aoaparecercomumaenormevasilhadesaladadebatata,Thorstentambémvoltou.Depoisdojantar,eletocoualgumasmúsicasconhecidasemseuviolão,paraquetodospudessemcantarjuntos.

-Ok,agoratoquealgorealmenteemocionanteparanós–Tamarapediudepoisqueeleshaviamacabadodecantarofinalde“HeyJude”aplenospulmões.

Thorsten baixou o olhar para o seu instrumento, afinando as cordas mais agudas, antes decomeçaratocaramúsicaqueelehaviaescrito.Eleergueuoolhar,procurandoporJulia.Elasentiuasbochechas ficaremvermelhas,balançandoacabeçaquase imperceptivelmente,masMichael jáahaviacutucadoeafeitolevantardeseucolo.

-Cante–elesimplesmentedisse,olhando-acomexpectativa.Seucoraçãomartelavaemsuagarganta,quandosesentouaoladodeThorsten.Droga,elaestava

aindamaisnervosadoquenodiaemqueela teveque tocarsuaprópriamúsicadiantede todososcolegasdeclassenacerimôniadeformatura.Porqueaquiloeratãodifícilparaela?Aqueleeraseuprópriogrupodeamigos.

SeusolhosforamdeMichaelaThorstenevoltaram,erepentinamenteficouclaroparaelaporqueaquiloeraextremamenteesquisito.Eraaprimeiravezqueelacantariaaquelamúsicacomosdoisjuntos. Era a melodia de Thorsten, mas era a letra de Michael. Era como se os dois mundosestivessemsechocando,semquenadapudessealterarafatalrotadecolisão.

-MeinRufistdünnundleicht–elacantouemumavozradianteesuave.–Meuchamado,quietoemisterioso.

O vento balançava as árvores ao redor da casa, enquanto sua voz ganhava força e pareciahipnotizaraplateia.Elacantavaesederramavacompletamentenamúsica.Quandoacançãoacabou,todosficaramsentados,encarando-aadmirados.

Thorstensevirouparaelaecolocouamãoemseubraço.-Obrigado–eledisseemvozbaixa–Issofoilindo.Ela ficouvermelha.Daúltimavez, ele a tinha agradecidodeum jeitodiferente.Elao encarou

comumaperguntaimplícitaemseuolhar.Seráquealgumdiavamospoderserapenasamigos?Seus olhos azuis pareciam enviar a ela uma resposta.Sempre vou olhar para você de um jeito

especial.Gabyquebrouosilêncioaocomeçaraaplaudir,orestantedogrupoaseguindoimediatamente.-Uau,issofoiincrível!–eladisse–Vocêsescreveramjuntos?Thorstendeudeombrostimidamente.- Mais ou menos. – Enquanto as pessoas lançavam perguntas a eles sobre sua música, Julia

rapidamenteselevantoueentrouemcasaparapegarumcopodeáguanacozinha.Quandoelasaiudaliparavoltarparafora,Gabyestavaesperandoporelanocorredor.

-Jules–eladisse–EunãoachoqueconvidaroThorstenfoiamelhorideiaquevocêtevehoje.Juliapiscouparaela.-Porquê?-Ah,porqueédolorosamenteóbvioqueeleaindaestáapaixonadoporvocê.Eporquevocêestá

amigáveldemaiscomele.EMichaelestáclaramentepercebendotudo.-Oh.–Juliaseencolheu.–Não.Vocêacha?Masessanãoeraaminhaintenção,Gaby.Vocêsabe,

nãoé?Gabydeudeombros,relutante.-Sim,eumeioqueentendo.Masadúvidaé:elesentendem?

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-Eu...Eunãosei–Juliadisse,arrasada.EntãoelanãohaviaimaginadooolhardeMichaelnofimdascontas.Aquelasituaçãotodaeraumsaco.Ela tinhaqueconversarcomelenaquelanoite.Gabyestavacerta:elaestavasendoridícula.–Vouexplicartudoaele.Prometo.

-Vamos jogarpôquer.–Floriananuncioua JuliaeGabyquandoelasvoltaramparaamesa.–Vocêsestãodentro,nãoestão,meninas?

-SóseeupuderficarnotimedoAxel.–Gabyexigiu.- Naturalmente, Senhora das Trevas. Ninguém ousaria manter vocês afastados – Florian

respondeudocilmente.AxeldeuumtapanacabeçadoamigoepuxouGabyparaseucolo.Eles jogaram por horas. Quando ficou tão escuro que eles não conseguiammais enxergar as

cartascomaluzdaslanternasexternas,elesdecidiramencerraranoiteelimpartudo.JuliarecrutouGaby e Tamara para levar todos os pratos sujos para a cozinha, enquanto ela recolhia todas asgarrafasvaziasemumasacolaplásticaparaguardarnogalpão.Suamãepoderialeva-lasedevolveraomercado.

Elaparouquandoouviuduaspessoasconversandoatrásdogalpão.EraMichaeleThorsten.Elesestavamconversandoemparticular?Nervosa, ela se esgueiroupara frentepara escutar oque elesestavamdizendo.ElanãoconseguiadistinguirmuitobemavozdeMichael,maselepareciaresoluto,enquantoThorstenpareciachateado.

-Nãoestoupedindoistosemmotivo.–elaouviuMichaeldizeraoseuvizinho.Thorstenexpirou,frustrado.-Desculpe,mas falando sério?Comoé quevocêpodemepedir uma coisa dessas... – sua voz

falhou.–Vocêsabeoqueeusintoporela.-Eéporissoqueeuestoupedindo.-Comoéque é?Olha, eu sei quevocênão temque levarmeus sentimentos emconsideração,

mas...-Esperoquetenhaficadoclaro.–Michaelointerrompeunomeiodafrase.Quandoeleseviroue

apareceu no canto, Julia tropeçou ao andar para trás e tentou sair sem ser notada, mas era tardedemais.Eletromboucomela.

-Ah,oi–eladissenervosa,olhandoemvoltaparaencontrarumadesculpaparaestarali.–Eu,hã,tinhaqueguardaressasgarrafasnogalpão,então...

Oolhardelefoidasacolacheiadegarrafasderefrigeranteparaoseurostoculpado.-VocêouviuminhaconversacomThorsten?–eleperguntou,calmamente.Elaficouvermelha.-Ok,sim.Maseunãotiveaintenção.-Tudobem.Eutinhaqueconversarcomeleparapedirumacoisaquetemavercomvocê.Sim,aquilohaviaficadoabsolutamenteclaro.MichaelhaviaditoparaThorstenemtermosnada

incertos,paraficarlongedela.Éporissoqueovizinhohaviasoadotãoatormentado.Michaelestavacomciúmee,francamente,eletinhatodososmotivosparaestar.

-Desculpe.–elasussurrou.–Eunãodeveria...Vocêsabe...-Nãoaestouculpandopornada.–elemurmurou.E então ele a beijou.Seus lábios suavemente exploravamosdela, suasmãospercorrendo suas

costas. Omundo ao redor deles parecia ter parado. O vento havia parado e a lua cheia havia seerguido.Sobreassuascabeças,asestrelasbrilhavamnocéuazulescurorajadoderaiosvermelhosdosolquehaviaseposto.Juliasentiuarespiraçãodeleemsuabochechaquandoele lentamenteseafastoudela.

-Euteamodetodoomeucoração–eledisse.-Eeuteamo.–Juliasorriu.–Porquevocêestátãosériohojeànoite?-Bem,sóestousério.Queroquevocêsaibaquecadapalavraqueeudisseéverdade.

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Elesandaramcalmamentedevoltaparaamesa,demãosdadas.Osamigosestavamtomandoumaúltimaxícaradecafé.ThorstennãoestavaemlugaralgumeJuliasabiaexatamenteomotivo.Talvezeladevesseiratéacasadelenodiaseguinte,apenasparaesclarecerascoisas.

-Vamosemboradaquiapouco–Tamaradisse–Algunsdenósprecisamtrabalharamanhã.Gabyfranziuatesta.-Porque,meuDeus,eutivequeassinarumcontratodedoismeses?EujáfuiparaLondres.Eu

nemprecisomaisdodinheiro.-Porquevocênãoguardaparaapróximafolga?–Axelsugeriu.–Podemosirparaalgumlugar

juntos.OrostodeGabyseiluminou.-Definitivamente!Ok.Euvoulimparaquelesmalditosestábulospormaisalgumassemanas.–ela

lançou um olhar apaixonado e esperançoso aAxel. Julia não conseguiu evitar olhar de lado paraMichaeldamesmaforma.Emresposta,eleseinclinoueabeijousuavemente.

Quando o café havia acabado, todos os convidados se foram.Michael foi o último a ir. Juliaacenouparaeledoportão,quandoelefoiembora,nocarrodesuamãe,buzinandoparaela.

Elaaindapodiasentiros lábiosdeleemsuaboca,enquantosubiaasescadas.Cantarolando,elaacendeu a luz do quarto e vagamente tocou algumas notas no teclado. A melodia que ela estavacantarolandoeraamúsicaquehaviacompostoantesdaviagemparaLondres,amúsicatristequeelahaviacriadoaopianodepoisdatardenafloresta.AcançãohaviasidoperfeitamentenomeadaAdeus,porqueelasentiacomoseestivessedeixandoalgoparatrásnaquelamelodia.

Julia se sentou e começou a tocar novamente, os sons saindo pela janela aberta e subindo emdireçãoaocéu,ondea luapálidabrilhava,edescendoatéo limiteda floresta,ondeelahaviaditoadeuspara tanta coisa naquele verão e aprendidonovas lições.Ela estavano começodeumnovocapítuloeerahoradevirarapágina.

Naquelemomento,suamãetossiubaixinho,empénobatentedaportadeseuquarto.-Quemúsicamaravilhosa,querida.–elaobservou.–Énova?Juliaolhouparaamãepensativamente,entãobalançouacabeça.-Não,eunãoacho.Pareceantiga.EuanomeeiAdeus.ASra.Guntheracenou.-Euachoqueeuentendooquequerdizer.Juliasorriu.-Boanoite,mãe.Ela se levantou, desligou o teclado e se preparou para deitar na cama. Enquanto fechava as

cortinasefechavaaportadoquarto,elaouviuamãecantandobaixinhoasuamúsicanocorredor.Com um suspiro satisfeito, ela escorregou para debaixo do edredom e leu seu álbum até que aspálpebrascomeçaramaficarpesadas.Nessahora,elaapagoualuzecaiunosono.

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15.Umavozaacordoudeseusonho.

Juliasesentounacama,desperta.Porumsegundo,elapensouqueAnneahaviachamado,masnãopoderiaser,poiselaestavaficandocomopaiemInnsbrucknaquelasemana.Elaprocuroupeloquarto,iluminadopelaluzfriadoluar.Elanãotinhafechadoascortinasantes?Ouhaviaesquecido?

Eentão,elaouviunovamente.Umavozclara,soandocomosinos,aparentementevindodonada.-Venhaparaafloresta.Umarrepiopercorreusuaespinha,maseraporcausadoventofriosoprandopelajanela,avoz

nãoaassustava.Elasoavaquenteeamigável.Juliaesfregouorosto.Suatestaestavamolhadadesuor.Nãoeranenhumasurpresaosarrepiosqueelasentiaportodoocorpo,comoventotocandosuapele.Elaselevantouecaminhouparaajanela,inclinando-separafora.Nãohavianinguémláembaixoqueapoderiaterchamado.

Sempensarmuito,elasevestiue foi, silenciosamente,paraoandardebaixo,semacordarsuamãe. Julia caminhoupara foradoquintal.O luarbanhava tudodeprateado,dandoaomundoumaatmosferadecontodefadas.Elaolhouparaaruaondeficavasuacasa,momentaneamentedandodeombros,entãocomeçouacaminharemdireçãoàfloresta.Quemsabe,talvezelativessesetornadotãosensívelàflorestaquantoMichael.Talvezosespíritosdaflorestaahaviamchamadoparadançar.

Juliasorriu.Bomsaberqueelanãohaviasetornadoumaadultachataeresponsávelainda.Quememseujuízonormalfariaumpasseionaflorestanomeiodanoite,porqueumavozmisteriosahaviachamado?Naverdade,aquiloatéeraempolgante–algoquepoderiateracontecidoemumdeseuslivrosdecontosdefadas.

Assimque chegou à trilha da floresta, seus pés automaticamente a levaram emdireção ao seuantigo local demeditação. Seu carvalho estava silenciosamente ereto emmeio às outras árvores,parcialmenteemmeioàssombras.Contudo,oluarclaramenteiluminavaumafigurafamiliar,empéaoladodocarvalho.Elepareciaestaresperandoporela.

-Michael?–elaperguntousurpresa.–Oquevocêestáfazendoaqui?Eledeuumpassoemdireçãoaelaesuavementebeijousuabochecha.-Euquerofalarcomvocê.-Hã...Aqui?–elaergueuumasobrancelha.Eleconcordousolenemente.-Sim,aqui.Foiaquiquetudocomeçou.–eleapegoupelamãoelentamenteandouparatrásaté

queelesestivessemdiretamentesobocarvalho,seusrostosiluminadospeloluarqueatravessavaafolhagem.Juliaprendeuarespiração.OsolhosdeMichaelnuncahaviamparecidotãovividamenteverdeseintensamentetristescomonaquelemomento.Todooseurostopareciadiferente,maselanãoconseguiaapontarexatamenteemquê.

-Vocêouviuaminhavoz?–eleperguntou.-Eravocê?–elapiscouparaele.–Comoéqueeupossoterouvidosuavoznaminhamente?-Porqueanossaconexãoémuitoprofunda–elerespondeu–Porqueeuvenhoescutandoasua

voznaminhamenteháváriosanos.Elabalançouacabeça,confusa.-Nãoestouentendendo,desculpe.Elebaixouoolhar,paraamãodeletocandootroncodaárvore.-Vocêcostumavaviraquiparadesenhar,escrever, lerousonhar.Esteeraoseu reino.Vocêse

sentiaseguraaqui.Eeumantinhavocêsegura.Eueraoanjoqueguardavavocê.

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UmaestranhasensaçãopercorreuJulia.Michaeliadizermaissobresuarepentinaatraçãoporela,depoisdoacidente.Masporqueéquenadadaquilofaziasentido?Oqueeletinhadito,exatamente...Elehaviaoferecidosegurançaaelasobaquelaárvore?

-Então...Hã...Vocêtambémcostumavaviraqui?–elaarriscou.Eleaencarou,aindamaisdesamparadodoqueantes.-Eucostumavaficaraqui.Osolhosdelasearregalaramcomespanto.Elahesitantementeergueuoolharparaosgalhosdo

carvalho.Ocarvalhodela.-Oquevocêquerdizer?–elasussurrou.-Euachoquevocêpoderiamechamardepríncipeda floresta–ele respondeubaixinho–Um

príncipedeverdade.Umcarvalho,umanciãocomumavidanaflorestademuitosséculos,vivendoemconexãocomtodasasoutrascriaturasdafloresta,enraizadoaosolo.

Abocadelaficouseca.-Umaárvore–eladisseemumúnicotom.-Umaárvore–eleconcordou.Aquilo era irreal.Era louco.Elanuncahaviaouvidoumahistóriamaisbizarra em suavida e,

mesmoassim,Juliasabiaqueelenãoestavamentindo.Elapodiasentirisso.-Oque...Como...–elagaguejoueentãoparou.Elanãosabiaoqueperguntar.Michaelgentilmenteacariciouoseurosto.-Vocêsempresentiuqueasárvorestêmcertaforçadevida.–elecontinuouseunotávelconto.–

Você sentia que elas podiam sentir.Que você as podia sentir. E você pode.As árvores são almas,almas muito quietas, pacíficas que se erguem do solo como ramos, crescem e se tornam galhosverdeseentãoficamaindamaiores.Avidadelaspareceeterna.Eaalmadeumaárvorenuncaestásozinha. Ela está sempre conectada com outras almas ao seu redor. E quando uma árvore viveumuitosséculosdevidaeseutempoestáquaseterminando,elacaiemumsonoprofundo.Eladorme,perdeoconhecimentodesimesma,misturando-secomaconsciênciadobosquemaisumavez,pararenascercomoumrebento.

Michaelseinclinoucontraocarvalho,correndoamãoporseucabelo.Suavozbaixou.-Masalgumasvezes,édiferente.Algumasvezesumaárvoreseconectacomumserhumanono

finaldasuavida.Umhumanoquesemprevisitaaárvore,porexemplo.Eestaconexãoadesperta,porassimdizer.Issosignificaqueaalmadaárvorenãovaisedissolvernaconsciênciadafloresta.Elasesoltaerenascecomohumano,normalmentecomoumacriançaououtromembrodafamíliadapessoaquea libertoudasuaexistênciacomoárvore.Éassimquenossasalmasevoluem,espécieaespécie.Algumasvezes,deumaárvoreparaumanimal,àsvezesparaumhumano.

-Evocê...Vocêteveumaconexãodessascomigo–Juliadisseemumavozhesitante,encarandoMichaelcomosolhosarregalados.ExcetopelofatodequenãoeraMichael.Edecertaforma,elasempresoube.

Ogarotoemsuafrenteconcordou.- Sim, eu tive. Mas meu elo com você foi diferente do que as outras árvores sempre me

ensinaram.Eunãoquerianascercomoseufilhoouseuneto.Euqueriaestarcomvocê...Comoumigual.–elesorriutimidamente.–Foiapenasquandoeuacabeidentrodestecorpoqueeupercebiqueeuestavaapaixonadoporvocê.Comoárvore,eunãotinhaconhecimentosuficientedoqueeuestavasentindo,mascomoumgarotoeutive.

-Estecorpo.–ela tocouoseuombroumpouco trêmula,entãoacabeça,abochecha.–Oquevocêfezcomele?VocêroubouocorpodoMichael?

Elebalançouacabeça.

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-Não,claroquenão.Eleveiorasgandoaflorestacomamotoearodaficoupresaemumaraizsaliente no canto da estrada. A estrada estava escorregadia por causa da chuva e a moto virou,derrubando-o. A cabeça dele atingiu uma pedra, e ele se foi. – ele colocou uma mão na dela,tranquilizando-a.–Elemorreucomoimpacto.Elenãosofreu.

Julianãoconseguiuevitarqueosolhosseenchessemdelágrimascomaspalavrasdele.-Euviaalmadeleflutuando,sereunindoàsuafonte.Eleparecia...Empaz.Foinaquelemomento

queeutomeiarepentinadecisãodesairdemeucorpovelhoparaestenovo.Nanoitedosolstíciodeverão, quando a força do relâmpago conecta os poderes do céu e da terra, de cima e de baixo, équandoissosetornapossível.

OsjoelhosdeJuliaficarambambos.Michaelasegurouenquantoelacaíasentada,encostadanocarvalho.

-Issoéimpossível.–elamurmurou.–Issonãopodeserreal.-Eaindaassim,vocêsabequeé–eledissecalmamente–Euachoquevocêsempresentiu,mas

nãoconseguiaexplicar.Elalançouaeleumolharsuspeito.-Hã...Vocêpodelerosmeuspensamentos?Elesorriu,parecendomarotoderepente.-Algumasvezes.Algunsrelances.-Entãovocêoescolheu...Depropósito?-Não,porqueeunãotivenadaavercomoacidentedele.Eunemsabiaquemeleeraatéqueeu

entreinocorpodeleemeu...Ou,naverdade,asmemóriasdelevoltaram.Éumaincrívelcoincidênciaeuteracabadodentrodocorpodogarotoporquemvocêeraapaixonada.Outalveznão,eunãoseiao certo se existem coincidências. Essa é uma palavra tipicamente humana. Na floresta, tudo estáconectadoetudoaconteceporumarazão.

AcabeçadeJuliagirava.AgoraelafinalmenteentendiaporqueelepareciasimplesmentesaberascoisasecomoelehaviasidocapazdeencontrarAnne.Comoelesabiadeseusgostosporlivroseseuamorpelamúsica,ecomoelehaviareconhecidoamúsicadela.Eleeraoseucarvalho.Umaalmaqueaapoiavaeaconsolavasemprequeascoisasestavamdifíceis.Eemtroca,elaohaviatocado,despertando-odosono,oferecendo-oachancedeumavidanovaediferente.

-Porquevocêestámedizendotudoissoagora?–elaperguntou,comavozembargada.–Porquevocênãomedisseantes?

Seusilêncioaassustou.Eleexpirou,entãodisse:-Porqueeuacheiquenãofosseprecisar.Ocoraçãodelaficougelado.-Masagoravocêprecisa?-Sim,agoraeupreciso.–eleolhouparaela,umalágrimasolitáriarolandoporseurosto.–Por

que,sabe,nãopossoficar.Elaolhouboquiabertaparaele,sementender.Narealidade,elanãoqueriacompreender.-Nãoéassimqueascoisasdevemacontecer.–elecontinuou,relutante.–Eunãomesintomais

confortávelnestecorpo.Euficodoentecommaisemaisfrequência.Aflorestaestámechamando,meforçandoamorrerdeformanatural.Voltarmais tarde,nascendodenovocomoumhumano.Éassimqueascoisassempreforam,eéassimquedevemseragora.

Lentamente,elaabsorveusuaspalavras.- Não. – Julia agarrou suamão, olhando para ele impotente, passando os braços ao redor do

corpodele,docorpoquenãoeradele.Seaomenoselapudessefazermais.Seaomenoselapudesseabraçaraalmadele,segurá-loatéqueelesseerguessemevoltassemaessemundobemmaistarde.–Vocênãopodefazerisso.Nãová.Porfavor,porfavor,nãomedeixe.

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-Eutenhoquefazerisso.–elemurmurouemmeioaoscabelosdela,umchorosufocadoemsuavoz.–Eutenhoqueir.Eagoravocêsabeoporquê.

Eleseafastoudeseuabraçoeaolhouemsilêncio.Então,elepegouorostodelacomasmãoseabeijou.Eleabeijousuavemente,seuslábiostocandoonarizdela,asbochechas,abocaeaspálpebras,quandoelaasfechouecomeçouachorar.

-Euteamomaisdoqueeuumdiaameialguémnestemundo.–elesussurrou.Elesficaramaliporumbomtempo,soboluar,seusolharesumnooutro,osdedosentrelaçados.

EJulianãopodiaacreditarqueaquelaseriaaúltimavez.Nãoerajusto.Eramuitocedo.Elasecouaslágrimasdosolhoscomumamãotrêmula.-Daquiaquantotempo?–elaqueriasaber.-Nãosei.Possosentirminhasforçasdiminuindo.–odedãodeleacariciavaasuaoutramão,que

descansavanadele.Maisumavez,elaapertouocorpojuntoaodele,chorandobaixinho.-Vocêtemumnome?–elaperguntou.–Euquerosaberseunomedeverdade.Elebalançouacabeça.-Nãoéumnomecomoodoshumanos.Seeuabrirsuamenteparaquevocêoouça,eunãoseise

vocêconseguiráentendê-lo,-Porfavor,tente.–elainsistiu.–Porfavor,euquerosaberporquemestouapaixonada.Elaficoudentrodoabraçodele,sentindo-opressionarsuatestanadela.Porapenasumsegundo,

era como se algo tivesse apertado o interior de seu crânio e então as portas da sua mente seescancararam.Elafechouosolhoseperdeuofôlego,quandoelaouviuumsomindescritivelmentelindo.Eraosussurrodoventobrincandonasárvores,umtinircomodepequenossinos,ogirodaTerra enquanto girava silenciosamente no espaço, o farfalhar das flores, brotando rapidamente,comoemumafilmagemacelerada.Eraaforçadavidapercorrendotudo,comprimidaemumaúnicasílaba.

Eleasoltoueergueuorostodela.-Esteéomeunome.–elemurmurou.–Masparavocê,eusemprevouserMichael.-Foiesplêndido.–elasussurroumaravilhada.–Vocêéesplêndido.Euteamomuito.Maisumavez,eleabeijou.Oespíritodocarvalhoquetinhaseapaixonadoporela,ogarotodo

bosquequetinhachegadoaelacomoMichael.Elaoapertouforte.Elanãoqueriadeixá-loir.Masentãoum tremorbalançouochãoda floresta. Juliaolhouemvolta, empânico.Oqueera

aquilo...Umterremoto?Oqueestavaacontecendo?Elagritoudemedoquandofoierguidanoarejogadaparatrás,asmãosdeMichaelsesoltando

das dela. Suas costas bateram no chão, as mãos segurando desesperadamente o carpete sob seusdedos.

Juliapiscouosolhosecongelou.Elanãoestavanafloresta.Elaestavasentadanochãodeseuquarto,vestindoumpijamaensopado

desuor.Láfora,osolestavabrilhando,masassuascortinasaindaestavamfechadas.Seuedredomhaviacaídodacamajuntocomela.

Entorpecida,elaesfregouorosto.Inacreditável.-Umsonho.–elamurmurouséria,apenasparaouvirsuaprópriavozeseassegurardequeagora

estavaacordada.–Foitudoumsonho.Juliaselevantoucomaspernasbambas.Nãohaviaacontecidonadadaquilo.Elanãohaviaidoaté

aflorestaeelanãohaviaconversadocomMichael,mastudopareceutersidotãorealqueelaaindaestava em um completo torpor. Ela andou pelo corredor aos tropeços, para usar o banheiro e serefrescar.Distraidamente,elasevestiucomumvestidodeverãoesapatilhasbaixas.

Ocelularmostravaahora:noveemeia.Bom.AquilosignificavaqueMichaelprovavelmentejáestariaacordado.Comumacareta,elapercorreualistadecontatoseligouparaonúmerodele.

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Aparentementeotelefoneestavadesligado,porquefoidiretoparaocorreiodevoz.Ah,bem,elaapenasapareceria,semavisar.Elenãoseimportaria.Eletrabalhariaapenasnoturnodatardenaqueledia,eelarealmenteprecisavavê-lonaquelemomento.Ela tinhaque tiraraquelesonhohorríveldesuacabeçaimediatamenteeabraçá-loecontarsobreosonhoestranhoquetivera.Aindaassim,aquilopareciaerrado.Aquelamanhãpareciaerrada.

-VouveroMichael!–elagritounadireçãodajanelaquandoviuamãesentadanoquintalcomumaxícaradecaféeumatorrada.

-Divirta-se.–amãerespondeudevolta.–Aquehorasvocêvolta?Seupaivemaquiestatarde,trazerAnne.

-Vouvoltarnahoradoalmoço.–Juliaprometeu,suavozfingindocertaanimação.Assobiandoestridentemente,eladeixouacasaerapidamentecaminhouparaopontodeônibus.Fingirestarmaisanimadadoqueelaverdadeiramenteestava,ajudariaaespantarassombrasdeseupesadeloantesdechegar à casa deMichael. Para se distrair de seus pensamentos obscuros, Julia pegou seuMP3 everificoualistademúsicas,paraescolhersuasfaixaspreferidasdeChopin.

Depoisdeumaviagemdevinteminutos,eladesceunaesquinadaruadeMichael.EnquantoJuliaguardava seuMP3, ela começou a caminhar mais rapidamente para chegar à casa omais rápidopossível. Um sentimento inexplicável demedo estava crescendo em seu estômago e ela queria selivrardaquiloimediatamente.

Eentão,oseucoraçãoparou.Asluzesazuisdeumaambulânciaestavampiscando,refletindonaentradadasuagrandeeluxuosamansão.Umgrupodepessoasestavaaglomeradonacalçada.

-Julia.–elasentiuumamãoemseuombro.Axelestavaaoseulado.-Oqueestáacontecendo?–elaperguntou,ansiosa.OrostodeAxelestavapálido.-Chegueihácincominutos.NósíamostrocaralgumasfotosdeLondres.Amãedele.–suavoz

falhou. –Ela estava na rua em frente a casa, chorando, segurando o celular. Ela ficava repetindo:“Outravez,não”.

Juliaengoliuseco.-Outraveznão,oque?-Jules...Elesefoi.–Axelsussurrou.–Elemorreu.Morreudormindo.Eracomosealguéma tivesseatingidonacabeçacomum tacopesado, sugando todaa luzeo

amordoseucorpoealma.Julianãoconseguiarespirar.Apróximacoisaqueelasabiaéqueestavanochãofriodacalçada,olhandoparaocéuazul.Apartedetrásdesuacabeçadoíaterrivelmente.Aspessoassejuntaramaoseuredorealguémseguravaasuamão.Comoelatinhaidopararali?

-OndeestáoAxel?–elaresmungou.Apessoasegurandosuamãoapertouseusdedos.- Estou bem aqui.Você desmaiou, ok?Apenas fique quieta, alguém vai buscar uma água para

você.Elaqueriaficardeitadaaliparasempre.Naverdade,elanuncamaisquerialevantar.Assimcomo

eletambémnuncamaisiaselevantar.Michaeltinhaidoembora,elehaviasidotiradodela.Apenasagoratudoseencaixavacompletamente.

-Comoéqueelepodeestarmorto?–elaguinchou,desanimada,virandoacabeçaparaolharparaseuprimo.

Axelaolhou,sentido.- Eu ouvi os paramédicos falarem para os pais dele que ele teve um dano cerebral. Eles

perguntaramaopaieàmãeseelehaviasofridomudançasestranhasdecomportamentoultimamente.Aparentemente,eleteveumahemorragiacerebral.

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Juliaestavasempalavras,seucérebrozumbindo,ospensamentosgirandoemsuamentesobreosonhodanoiteanterioreoqueaquilopoderiasignificar.Ela tinhaconversadocomeleeele tinhaditoqueprecisavaireoporquê.Seráqueaquilotudoeraverdade?Seráqueaquelaeraaformaqueelehaviaescolhidoparadizeraelaaverdade?

Elanuncamaisdescobriria,nãohaviamaiscomoperguntaraele.Elenuncamaisasegurariaemseusbraçoscomohavia feitodepoisdopiqueniquedodiaanterior, sobocéuestrelado.Elenuncamaisabeijarianoluardeseussonhos.

Umchororuidosoedesesperadocomeçouasurgiremseucorpo,escapandoporsuagarganta.Juliaconseguiusesentar,afastandoocopodeáguaquealguémseguravaemsuafrente.

-Por favor,me leveparacasa.–elapediuaAxel.Eleconcordoue rapidamenteaajudoua secolocarempé.Juliaolhouemvolta,seuolharpousandonospaisdeMichael,osrostossemcor.Elespareciamfracoseperdidos,paradosaoladodaambulânciaquecontinhaocorpodeseuúnicofilho.ElaergueuoolharparaAxeleeleaapoiouenquantoelacaminhavaatéeles.

-Eleestámorto–amãedeMichaeldisse,inexpressivamente,osolhosinjetados,cheiosdedor.ElaestendeuosbraçosepuxouJuliaparaumabraçoapertadoqueadeixousemar.OpaideMichaeltocouseuombro.Julianãopodiaolharparaamacadentrodaambulância,eraapenasumcorpo,umacascasemvida.Nadadoquesedespedir.Eleestavaemalgumoutrolugar,elatinhacertezadaquilo.

-Eleaamava–opaideMichaeladisse,baixinho,entregando-aafotoqueficavanacabeceiradeMichael,comamãotrêmula.Afotodosdoisabraçadossempreficavapertodacamadele.–Tome,vocêdeveficarcomisso.

Seuspaiscontinuaramconversandocomela,maselanãoabsorveunada.JuliaesperavaqueAxelestivesseprestandoatenção,porqueelanãoseriacapazde lembrar-sedoqueosenhoreasenhoraKolbe a disseram sobre o funeral, se ela queria tocar algo no piano durante a cerimônia, porqueMichaelsempreadoravavê-latocar.

-Euligoparavocêsmaistarde–elaconseguiudizer–Vouparacasaagora.Desculpe.Axel a levou para seu carro, estacionado no meio-fio. Silenciosamente, ele dirigiu para

Birkensiedlung,Juliasentadaaoladodelecomoumaestátua.-Apropósito,euligueiparaaGaby.–elefinalmentequebrouosilêncio.–Elavemparasuacasa

assimquepossível.-Obrigada.–elaolhoupara forada janela,semenxergarnada,apenasdespertandonovamente

quandoAxelentrouemsuarua.Elatinhatantacoisaparafazer.Todostinhamqueficarsabendo,elatinhaqueligarparaseusoutrosamigos,assimcomocontarparasuamãe,suaavóeAnne...

- Por que você não se senta do lado de fora? – Axel sugeriu quando ele a viu agarrando otelefone,desesperada,quandodesceudocarro.–Eutomocontadetudo.Conversocomasuamãe,façoasligações.

Comarespiraçãofalha,Juliasesentounacadeirade jardimemquesuamãehaviadescansadotomandoumaxícaradecafénaquelamesmamanhã.ElafechouosolhoseouviuAxelpassarporelapelocaminhodecascalhos.Pelajanelaabertadasaladeestar,elacaptavaosfragmentosdeconversasaotelefone,quenãoconseguiaacompanharporcompleto.

-Ei,oqueaconteceucomvocê?–umavozfamiliarafezabrirosolhos.ElapiscouparaorostoansiosodeThorsten.Quandoelesesentouaoladodasuacadeira,pegousuasmãosnasdele.–EuviAxeltrazendovocêparacasanocarrodele.Vocêestádoenteoualgoassim?

Juliabalançouacabeça.-Elemorreu–eladisse,suavozparecendomuitoaltaemseusprópriosouvidos.Quantomaisela

diziaaspalavras,maisverdadeiraselassetornavam.Seelaficasseparada,talvezelevoltasse.Talvezosilênciodesfizesseasuamorte.Maselasabiaqueelanãoconseguiriaficarquieta.Elaqueriafalarsobreele,dizeratodosporqueelehaviaroubadooseucoração.Dizeroseunome.

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-Michael.–elaacrescentou,quandoThorstenaolhousementender.-Michael?–suavozdisparou.–Como...Oquevocêestáfalando?Vocênãopodeestarfalando

sério.Elesofreuumacidenteou...-Não.–suagargantaestavaseca.–Disseramqueeleteveumdanocerebral.Elemorreunanoite

passada.Instantaneamente.Elenãosofreu.–aspalavrasdeMichaelemseusonho.Thorstenestavasempalavras.-Jesus.–elefinalmentegaguejou,afundandonagrama,comaspernascruzadas.–Comoisso...

Elesabia?Elesabiaqueestavaprestesamorrer?-Elenuncamencionounadaparamim.–Masaverdadeeraoutra.Elehaviamencionadoissoa

ela. Em Hyde Park, dois dias antes, ele a havia dito que não queria ir embora. Ele não queriadesaparecernaescuridãodafloresta,comoohomemnopoemadeDaniilCharm.

-Nãopossoacreditar–Thorstendisse,obviamentemexido.–Vocêsabe,elefaloucomigosobrevocêanoitepassadae...

Juliasuspirou.-Sim,eusei.–elainterrompeu.–Epeçodesculpas.Elesóestavacomciúme,porissoelequeria

quevocêficasselongedemim.Thorstenfezumacareta,balançandoacabeça.-Não,elenãoqueria.Julia piscou confusa,mentalmente repassando a conversa que havia ouvido escondida atrás do

galpãonanoiteanterior.-Nãoentendo.Entãooqueéqueeletedisse?Thorstenlimpouagarganta.-Elemepediu–elerespondeu,sério.–para...Tomarcontadevocêassimqueelesefosse.-Cuidardemim?–Juliaengoliuemseco.-Sim.Eeudisseaelequeeleeraumidiotacegopormepedir,entretantaspessoas,paracuidar

devocêcomoumirmãomaisvelho.Querodizer,ébemóbvioqueeugostodevocêcomomaisdoqueumairmãzinhaouavizinhadafrente.

Apenas agora as palavras que ela havia ouvido começavama fazer sentido.Michael nãohaviapedidoparaThorstenficar longedela,elehaviapedidoparaeleestarpróximoaelaquandoelesefosse.Maislágrimascomeçaramaseacumularemseusolhos.

-Eunãofaziaideia.–Thorstenmurmurouvagamente.–EupenseiqueeleestivessefalandodeirparaGraz.Mas ele... Ele devia estar falando disso. Ele sabia, assim como sempre sabia de váriascoisas.

Juliafechouosolhos.Emsuamente,elapodiaouviroventocantar,asflorescrescerem,aterragiraremtornodesi.Elenãopoderiaterido.Elanãopodialidarcomaquilo.

-Tenhoqueirparaafloresta–eladissederepente,levantando-seapressada.-Jules,nãová.Fiqueaqui.–Thorstententoupegarasmãosdela,maseladeuumpassoparatrás.-Euvou.DigaaAxelparaondeeufui.Euprecisoficarsozinhaporumtempo.-Tudobem,maseuvoucomvocê–Thorstenrespondeudeterminadamente.Oesboçodeumsorrisopassouporseurosto,apesardasituação.-Assimnãovouficarsozinha,vou?Elepassouumamãopelosseuscabelos.-Umapena.Nãovoudeixarvocêirsozinha.Nãoassim.Ela hesitou, então acenou. Ela andou ao galpão onde guardava a bicicleta, enquanto Thorsten

entrouparadizeraAxelondeelesestavamindo.Nãomuitodepois,elaestavaemseucaminhoparaafloresta, pedalando como louca,Thorsten sentado em sua garupa, comos braços ao redor de suacintura. Julia estava completamente sem fôlego quando chegou à trilha principal, mas ela não

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desacelerou,quase tropeçandoemsuasprópriaspernas,napressaparachegarao localondeelaeMichaelhaviamseencontradoemseusonho.

Elaparoude repentequandoviuocarvalho.O localpareciacomoantes,emseusonho,masarealidadeeradiferente.Seucarvalhohaviaperdidoquasetodasassuasfolhas.Suaforçavitalhaviapartido, o garoto do bosque havia levadoo brilho e a elegância daquele lugar sagrado, e ele nãoestavaemlugaralgum.Oqueéqueelahaviaencontradoali?

-Vocêquersesentar,talvez?–Thorstenaperguntou,ofegandodecansaço.Elaestavacorrendopelaflorestasemnemmesmoolharparatrás.

Juliasevirou,dandodeombros,desolada.-Eunãosei–eladisseemumavoztotalmentesememoção.Elecaminhouatéela.-Venha–eledisse,colocandoumbraçoaoredordeseusombroscaídos,confortando-a.–Você

nãopedalouecorreutodoocaminhoatéesselugar,parasimplesmenteiremboraagora.Annemedissequevocêtinhaumlugarespecialnafloresta,paraondevinhaàsvezes.Umlugardemeditaçãoparabuscarinspiração.Éesseolugar,nãoé?

-Sim.–elaacenoulentamente.–Foiumdia.Ele gentilmente a guiou para o lugar sombreado sob o carvalho. Julia se abaixou até o chão,

encostando-se contra o tronco. Thorsten se sentou ao seu lado, ainda segurando sua mão. Elarespiravanervosamente.

-Fiqueàvontade.–eleaencorajou,sorrindo.Juliavagarosamentesoltouamãodele,erguendoos joelhoseabraçandosuasprópriaspernas.

Elaolhavaemdireçãoaocéu.Bemacimadesuacabeça,pequenasnuvensbrancasflutuavamnocéuazul,alheiasaodramaque

estava acontecendo em sua vida naquelamanhã de sol. Silenciosas e indiferentes, elas navegavamparalonge,paralongedocarvalho,paralongedeSalzburgeemdireçãoaorestantedomundo.Aspoucasfolhasqueaindaficaramnosgalhosfarfalhavamsuavementenabrisaquedançavaporentreasárvores.

UmalágrimacorreuporseurostoquandoelapensounaquelatardeemqueelaeMichaeltinhamestadoali,quandoelesesentiumal.Elevinhaaquiparasefortalecer.Seosonhofoimesmoreal,elapodiaagoraentenderomotivo.Mascomopoderiaserverdade?Eletinhasimplesmentesofridoumdano cerebral devido ao acidente e os efeitos haviam finalmente o atingido. Aquela era a únicaexplicaçãorazoávelparasuasestranhasalteraçõesdecomportamentoesuamorterepentina.

-Vouficarperto.–Thorstenmurmurou,levantando-separadarmaisespaçoaela.Juliaoviuir,umsentimentodecarinhoemseucoração.Elenãoaabandonaria.Michaelohaviapedidoparatomarcontadelaeelefariaisso.

Seuspensamentosviajaramdevoltaao sonhodanoiteanterior.Michaelhaviaditoaelaoqueestava acontecendo e porque ele tinha que partir. Ele sempre insistia que ela deveria continuarsonhando,porqueeraumaparteimportantedequemelaera.Masseosonhofoirealounão,elenãootrariadevolta.

-Volteparamim.–elasussurrou,emumavozembargada.–Porfavor,volte.Medêumsinal.Aflorestaficouemsilêncio.Umafolhasecadocarvalhosesoltou,pousandoemseujoelho.Julia

olhoupara cimaeparoude tentar segurar as lágrimas.Elanãoconseguia fazer aquilo.Eramuitoparaela.

Naquele instante, o seu celular tocou em seu bolso. Ah, droga, provavelmente era Gabyperguntandoondeelaestava.Suamelhoramigatinhavindoatéasuacasaparaconsolá-laeelanemestavalá.Juliaesticouaspernasepegouocelulardobolsodacalçaparaleramensagem.

“1novamensagem.Michael.”

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Sempalavras,elaencarouodisplay.Como?Suamãotrêmulacolocouocelularnagrama.Juliaexpirouprofundamente,esfregouosolhose

olhoudeladoparaocelular,queaindapiscavacomamesmanotificação.Elanãohaviaimaginado.Erarealmentedele.

Tinhaquehaverumaexplicaçãoparaaquilo.Talvezeletivesseenviadoamensagemhorasantes,mas só foi recebida pelo telefone dela naquelemomento.As redes de telefonia nem sempre eramcompletamenteconfiáveis.Aindaassim,elahaviapedidoporumsinal,eaquiestava.

Seusdedosfraquejaramquandoelapegouotelefoneparaleramensagem.“doceJulia,euvousentirmuitoasuafalta.Eununcavouesquecervocê.Semprequevocêouvir

asárvoresfarfalharemcomomúsicatocandonafloresta,pareepenseemmim.Masnãoesperepormim.Estoulivreagoraevocêtemumacabeçacheiadesonhoseumalongavidacheiadeamoràsuafrente.Deixeosolbrilhar.Bjs,sempreseu,Michael.”

Ela leu a mensagem várias e várias vezes. Sabendo que não tinha tanto tempo, ele devia terenviado amensagemantes demorrer, quando sentiu que tinha chegado a horade ir.Amensagemdeveriaterficadopresaentresatélites,chegandoaoseucelularhorasdepoisdetersidoenviada.Masaquelasúltimaspalavras...Elehaviaditoasmesmaspalavrasemseusonhonanoiteanterior,queelesempreseriaoMichael.Ouelaestavaseapegandoaninharias?

Juliaguardouotelefoneeolhouemvoltaprocurando.Elasegurouarespiração.Porapenasummomento,pareciaqueeleestariaatrásdela,comoseaestivesseassistindootempotodo.Elesairiadetrásdasárvores,sorrindo,parapuxá-laparaumabraçocarinhoso.Elaaguçouosouvidos.Elanãoestavaouvindopassosseaproximando?Quemestavaali,naflorestadosseussonhos?

Um farfalhar suave encheu seus ouvidos. O sussurro do vento, as vozes das árvores, omovimento giratório da terra girando e girando sem parar na imensurável vastidão do espaço.Amúsicaemtudo.

Eentão,Thorstenemergiudasárvores,voltandoaelacomumsorrisodoceemseuslábios.Elecuidadosamenteaergueueabraçouseucorpopequeno,acariciandoseucabelo.Elasentiuocorpoquentedelecontraoseu.

- Venha – ele disse – Vou te levar para casa. Todos vão estar lá para te confortar. Não hánecessidadedeficarsozinha.

Juliacomeçouavoltarparaatrilhaprincipal,umpassodecadavez,apoiando-senele.Suamãoestavaseguranadele.Sobresuascabeças,ospássaroscantavam,fazendoa floresta inteiraparecervivacomamúsica.

-Eusei–elarespondeusuavemente,masdepropósito–Nãoestousozinha.

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Fiqueligadoparamais...QuersernotificadodenovoslançamentosporJenMinkman?Inscreva-seaqui:http://eepurl.com/x1X9PTambémdestaautora:

SérieDistópicaYoungAdult

RomanceParanormalYoungAdult/NewAdult

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AgradecimentosEscrevermeuprimeiro livro(ShadowofTime)envolveumuitapesquisa,porqueahistóriaeraemNavajoNation,um lugarqueeununcahaviavisitado. “OGarotodoBosque” foimuitomais fácilnesteaspecto,porqueeumoreinaÁustria.Euestiveláentre1998e1999fazendointercâmbio.Meualemãoerahorrível,eununcahaviamoradoforadacasadosmeuspaiseeunãotinhanenhumaideiadecomoopaísfuncionava.Emoutraspalavras,eumediverticomonunca!Eradivertidoconhecertodosos tiposde coisasdiferentes sobre aÁustria, comoo fatodequeas lojas austríacas semprefechavamparaoalmoço(quandovocêpensavaqueiriafazeralgumascomprasnessehorário)equeaspessoassempresecumprimentamdizendo“Deustecumprimenta”ou“Eusouseuservo”(Servus).Eurealmentegosteideincorporaresseselementosnahistóriaenquantoescreviaesselivro.

E agora é hora de agradecer muitas pessoas. Primeiro de tudo, minha irmãMarije por ler oprimeiro rascunho dessa história e chorar no final. Ela atéme chamou de cretina, seme lembrocorretamente (talvez você tambémme chamou disso, pela forma como as coisas terminaram). Euentendo que eu posso ter chateado algumas pessoas,mas eu realmente não poderia terminar essahistóriadenenhumaoutraforma.Eraassimquetinhaqueterminar.

Emsegundolugar,meueditorholandêsMarijeKokemeueditoramericanoAlexisArendt,porexaustivamentepercorreremosmanuscritoseminglêseholandês.Muitoobrigadapelotrabalhoduroededicação!

EutambémgostariadeagradeceraomeupaiporfazeratraduçãolivredopoemaEngelparaoinglês,Daniil Charms por escrever poemas tão excelentes (o poema usado no livro foi traduzidolivrementedooriginalrussopormimeparcialmenteadaptadodatraduçãodeMatveiYankelevich),ea famíliaEbneremBirkensiedlung,Salzburgporalugaremumquartoparamimentreosanosemqueestudeilá.EucostumavavivernamesmaruaqueJuliaeThorsten.

Por último, mas não menos importante, um muito obrigado para a tradutora Juliana PellicerRuza,quetraduziuparaoportuguêsaversãoquevocêacaboudeler!

Hámúsicas neste livro: se você quer ouvir asmúsicas que Julia e Thorsten escreveram, vocêpodevisitar:

http://youtu.be/-t3z17iqm1khttp://youtu.be/C7XipXNwdUshttp://youtu.be/EnqviSljxLYAtéapróxima!Abraços,JenMinkman.http://www.jenminkman.nl(emholandêseinglês)Twitter:@JenMinkmanFacebook:ttp://www.facebook.com/JenMinkmanYAParanormalE-mail:[email protected]

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Suaclassificaçãoesuasrecomendaçõesdiretasfarãoadiferença

Classificações e recomendações diretas são fundamentais para o sucesso de todo autor. Se vocêgostoudestelivro,deixeumaclassificação,mesmoquesomenteumalinhaouduas,efalesobreolivrocomseusamigos.Issoajudaráoautoratrazernovoslivrosparavocêepermitiráqueoutraspessoastambémapreciemolivro.

Seuapoioémuitoimportante!

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