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    David Shenk

    O GNIO EM TODOS NS

    Por que tudo que voc ouviu falar sobre gentica, talento e qi esterrado

    Traduo:

    Fabiano Morais

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    Para meus pais

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    Em comparao com o que deveramos ser, estamos apenas semidesperNossa lenha est mida, nosso fogo, abafado. Utilizamos apenas uma pequfrao de nossos recursos fsicos e mentais Generalizando, o ser humvive muito aqum de seu potencial.

    WILLIAM JA

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    Sumrio

    A ARGUMENTAO

    Introduo: O Garoto

    PARTE IO mito do dom

    1. Genes 2.0 Como os genes realmentefuncionam

    Ao contrrio do que sempre nos ensinaram, os genes no determinam sozinhos trafsicos ou de personalidade. Na verdade, eles interagem com o meio ambiente dentro deprocesso dinmico e contnuo que gera e constantemente refina o indivduo.

    2.Ainteligncia um processo, no algo em si mesmo

    A inteligncia no uma aptido inata, embutida no momento da concepo ou dentro

    tero, e sim um conjunto de habilidades em desenvolvimento, conduzido pela interaentre os genes e o ambiente. Ningum nasce com uma quantidade predeterminadainteligncia. A inteligncia (e o quociente de inteligncia qI) pode ser aprimoraAlguns adultos no chegam nem perto de alcanar seu verdadeiro potencial intelectual.

    3. O fim do conceito de dom (e a verdadeira fonte do talento)

    Como a inteligncia, os talentos no so dons inatos, e sim resultado de um acmulo leninvisvel de habilidades que se desenvolvem desde o momento da concepo. Tonascem com diferenas, e alguns com vantagens exclusivas para determinadas tare

    Contudo, ningum geneticamente destinado grandeza e poucos so biologicamincapazes de alcan-la.

    4. Semelhanas e diferenas entre gmeos

    Gmeos idnticos normalmente possuem semelhanas impressionantes, mas por motque vo muito alm de seus perfis genticos. Eles tambm podem ter diferensurpreendentes (e muitas vezes ignoradas). Gmeos so produtos fascinantes da interaentre os genes e o ambiente. Isso, no entanto, vem passando despercebido, uma vez questudos sobre hereditariedade tm sido gravemente mal-interpretados. Na verdade

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    estudos sobre gmeos no revelam nenhuma porcentagem de influncia gentica direno nos dizem absolutamente nada sobre potencial individual.

    5.Prodgios e talentos tardios

    Crianas prodgio e adultos insuperveis muitas vezes no so a mesma pesCompreender o que faz habilidades extraordinrias surgirem nas diferentes fases da vidalgum nos oferece um valioso insight em relao verdadeira natureza do talento.

    6.Homens brancos sabem enterrar? Etnia, genes, cultura e sucesso

    Aglomeraes de talentos esportivos em determinados grupos tnicos e geogrficos gesuspeitas de vantagens genticas ocultas. As verdadeiras vantagens so muito mais sutisbem menos ocultas.

    PARTE IICultivando a grandeza

    7. Como ser um gnio (ou pelo menos genial)

    O velho paradigma nature/nurture a dicotomia que contrape o que da naturezaalgum (nature), ou seja, inato, ao que assimilado atravs da criao (nurture), istadquirido sugere que o controle sobre nossas vidas est dividido entre genes (inatonossas prprias decises (adquiridas). Na verdade, temos muito mais controle sobrenossos genes e muito menos controle sobre o meio em que vivemos do imaginamos.

    8. Como arruinar (ou inspirar) uma crianaA criao oferecida pelos pais faz diferena. Ns podemos fazer muito para incentnossos filhos a se tornarem bem-sucedidos, mas precisamos estar atentos a alguns eimportantes que devem ser evitados.

    9. Como favorecer uma cultura de excelncia

    No podemos deixar a tarefa de favorecer a grandeza nas mos apenas dos genes e dos pestimular conquistas individuais tambm dever da sociedade. Cada cultura deveesforar para promover valores que tragam tona o melhor das pessoas.

    10. Genes 2.1 Como aprimorar os seus genes

    H muito tempo acreditamos que nosso estilo de vida no pode mudar nossa heragentica. S que, na verdade, isso possvel

    Eplogo: Campo Ted Williams

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    A EVIDNCIA

    Fontes e notas, esclarecimentos e informaes adicionais

    BibliografiaAgradecimentos

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    A ARGUMENTAO

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    T

    Introduo

    O Garoto

    ed Williams, a lenda do beisebol, era insupervel, considerado por muitos o rebatemais talentoso de sua gerao. Lembro-me de assistir a um de seus home runs

    arquibancadas do Shibe Park, escreveu John Updike na revista The New Yorker em 1960bola passou por cima do defensor da primeira base e subiu meticulosamente em linha retainda estava subindo quando passou pelo alambrado. A trajetria dela parecia qualitativamente diferente da de qualquer rebatida de qualquer outro jogador.

    No imaginrio popular, Williams era quase um deus entre os homens, um super-humadotado de uma srie de atributos fsicos inatos, entre eles uma coordenao olho-m

    espetacular, uma graciosidade muscular primorosa e instintos extraordinrios. simplesmente tinha um dom natural, falou o defensor da segunda base Bobby Doerr, cnome est no Hall da Fama do Beisebol. Ele estava muito alm de todos da sua geraDizia-se que, entre outras caractersticas, Williams tinha uma viso de raio laser, o quepermitia detectar o giro da bola quando ela saa das mos do arremessador e calcular cpreciso por onde ela passaria sobre a base. Nenhum homem vivo enxerga to bem uma bquanto Ted Williams, comentou certa vez Ty Cobb.

    Mas toda essa histria de fazedor de milagres inato no passava, nas palavras do prWilliams, de conversa fiada. Ele insistia que suas grandes faanhas eram apenas result

    do seu grau de dedicao ao jogo. A nica coisa capaz de fazer essa habilidade toda vir t treino, treino e mais treino, explicava ele. Se eu enxergava as coisas to bem assim,por ser extremamente obstinado era uma questo de (super) disciplina, no de superviso

    Mas ser que isso possvel? Ser que um homem totalmente comum poderia mesmtornar um fenmeno apenas treinando? Todos reconhecemos as virtudes da prtica eesforo, mas, c entre ns, ser que existe dedicao capaz de transformar os movimedesengonados de um perna de pau na tacada majestosa de um Tiger Woods ou no salto desafia a gravidade de um Michael Jordan? Ser que um crebro comum poderia se expandsuficiente para trazer tona a infinita curiosidade e a imaginao de um Einstein ou de

    Matisse? Ser verdade que se pode chegar grandeza a partir de recursos dirios e gecomuns?O senso comum diz que no, que algumas pessoas simplesmente nascem com determina

    dons, enquanto outras nascem sem eles; que o talento individual e a alta inteligncia so jrelativamente raras, espalhadas pelo pool gentico humano; que o melhor que podemos fazlocalizar e lapidar essas joias e aceitar as limitaes inerentes ao restante de ns.

    Mas algum se esqueceu de contar a Ted Williams que o talento se manifesta sozinquando criana, ele no estava interessado em ficar observando passivamente suas habilidanaturais desabrocharem como uma flor luz do sol. Tudo que queria precisava era smelhor rebatedor da histria do beisebol, de modo que perseguiu esse objetivo com

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    ferocidade adequada. A vida dele era rebater bolas de beisebol, recordou um amigoinfncia. Ele estava sempre com aquele taco na mos E, quando enfiava uma coisacabea, tinha que faz-la ou descobrir por que no conseguia.

    No antigo campo de North Park, em San Diego, a dois quarteires do modesto lar deinfncia, seus amigos se lembram de Williams rebatendo bolas de beisebol a cada horacada dia, durante anos a fio. Eles o descrevem acertando bolas at o couro delas literalmse desfazer, girando tacos lascados por horas e horas, com bolhas nos dedos e san

    gotejando dos punhos. Um garoto de origem humilde, sem moedas sobrando no bolso, usava o dinheiro do prprio lanche para contratar colegas de escola para lanar bolasbeisebol, a fim de que pudesse continuar treinando. Desde os seis ou sete anos de idade,brandia seu taco no campo do bairro dia e noite, at a prefeitura apagar as luzes da cidaento, voltava para casa a p e fazia o mesmo em frente ao espelho, com um jornal enrolaat a hora de dormir. No dia seguinte, repetia todo o processo. Seus amigos dizem que ele escola s para jogar no time de l. quando a temporada de beisebol terminava e os ougarotos partiam para o basquete ou para o futebol americano, Williams se mantinha fiebeisebol. Enquanto outros meninos comeavam a sair com garotas, Williams continu

    treinando tacadas no campo de North Park. Para aperfeioar a viso, ele andava pela tapando primeiro um olho e depois o outro. Chegava inclusive a evitar ir ao cinema, pois touvido dizer que era ruim para a vista. Eu no queria que nada me impedisse de srebatedor que eu sonhava ser, recordou Williams mais tarde. Pensando agora midedicao era praticamente obsessiva.

    Em outras palavras, ele se esforou de forma radical e obstinada, muito alm do habitSegundo Wos Caldwell, seu tcnico dos tempos de colgio, ele s tinha uma coisa na cabe sempre foi atrs dela.

    A grandeza no era algo em si mesmopara Ted Williams; ela era umprocesso.

    Isso no mudou depois que ele entrou para o beisebol profissional. Durante a primtemporada de Williams nos San Diego Padres, time da segunda diviso, o tcnico FrShellenback notou que seu novo recruta era sempre o primeiro a chegar para o treino da mae o ltimo a sair noite. E havia algo ainda mais curioso: depois de cada jogo, Williams peas bolas usadas na partida para o tcnico.

    O que voc faz com todas essas bolas?, Shellenback finalmente perguntou a Williamsdia. Vende para os meninos do bairro?

    No, senhor, respondeu Williams. que eu treino mais um pouco depois do jantar.Como conhecia a rigidez de um dia inteiro de treinamento, Shellenback achou aq

    resposta difcil de engolir. Ele ficou ao mesmo tempo desconfiado e curioso, e, conforecordaria posteriormente: [Certa noite,] peguei meu carro depois do jantar e fui at o bade Williams. Tinha um parque perto da casa dele e, dito e feito, l estava O Garoto em pesmandando aquelas duas bolas de beisebol surradas para todo canto. Ted estava perto de upedra que servia como base [do rebatedor], enquanto um garoto lanava as bolas para Outra meia dzia de meninos jogava as bolas de volta. Eu tinha acabado de dar aquelas bpara ele e a costura delas j estava rasgando.

    Mesmo entre os profissionais, a paixo de Williams era to fora do comum que muvezes era desagradvel de acompanhar de perto. Ele debatia a cincia de se rebaterem bde beisebol ad nauseam com colegas de time e adversrios, escreveram os bigrafos

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    Prime e Bill Nowlin. Ia atrs dos grandes rebatedores, como Hornsby, Cobb e outrotorrava a pacincia deles, perguntando sobre suas tcnicas.

    Ted tambm estudava lanadores com o mesmo rigor. [Depois de um tempo,]lanadores costumam descobrir os pontos fracos [dos rebatedores], disse Cedric Durst, ogou com Williams nos Padres. Mas com Williams era diferente em vez de os lanado

    descobrirem os seus pontos fracos, Ted descobria os deles. Na primeira vez que Ted [Tony] Freitas lanar, ns estvamos sentados lado a lado na arquibancada, e ele disse: 'E

    cara no vai lanar uma bola rpida para eu rebater. Ele vai desperdiar a bola rpida e teme forar a rebater a bola curva. Vai me deixar com uma tacada a menos e depois lanbola curva para mim.' E foi exatamente isso o que aconteceu.

    Processo. Aps uma dcada de dedicao incansvel no campo do bairro e de quatro aimpressionantes na segunda diviso, Williams entrou para a liga principal, em 1939, comorebatedor extraordinrio, e simplesmente no parou de melhorar. Em 1941, durante terceira temporada com o Boston Red Sox, tornou-se o nico jogador da liga principal dagerao e o ltimo do sculo XX a ter uma mdia de rebatidas acima de .400 no decode uma temporada inteira.

    No ano seguinte, 1942, Ted Williams se alistou na Marinha como aviador. Terevelaram que sua viso era excelente, mas nada alm dos padres humanos normaisalcance.

    Uma coisa louca aconteceu com os violinistas do mundo no sculo XX: eles ficaram melhomais rapidamente do que seus colegas de sculos anteriores.

    Ns sabemos disso porque existem marcos que sobreviveram ao tempo, como o alucina

    Concerto para violino n1de Paganini e o ltimo movimento daPartita n2para violino em r menor de Bach catorze minutos de msica praticamente impossveis parinstrumento. As duas peas eram consideradas quase inexequveis no sculo XVIII, mas agso tocadas de forma rotineira e satisfatoriamente por um grande nmero de alunos de viol

    Como isso aconteceu? E como corredores e nadadores ficaram to mais rpidoogadores de xadrez e tnis, to mais habilidosos? Se os humanos fossem drosfilas, com

    nova gerao surgindo a cada onze dias, poderamos atribuir isso gentica e a uma evoluacelerada. Contudo, no assim que genes e evoluo funcionam.

    Existe uma explicao, e ela simples e satisfatria; porm, suas implicaes so radipara a vida familiar e para a sociedade. a seguinte: algumas pessoas esto treinando cmais afinco e de forma mais inteligente do que antes. Hoje em dia, ns somos melhnas coisas que fazemos porque aprendemos como nos tornarmosmelhores nelas.

    O talento no algo em si mesmo, e sim umprocesso.Isso no se parece nem um pouco com o que costumvamos pensar sobre talento. A ju

    por expresses como ele deve ter um dom, boa gentica, talento natural[corredor/atirador/orador/pintor] nato, nossa cultura v o talento como um recurso genraro, algo que voc tem ou no tem. Testes de qI e de outras competncias sistematizessa ideia, e escolas desenvolvem seus currculos baseadas nela. Ela constantemcorroborada por jornalistas e at mesmo por vrios cientistas. Esse paradigma do d

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    gentico se tornou parte essencial da nossa compreenso da natureza humana. Ele comcom o que aprendemos sobre DNA e evoluo:Nossos genes so o modelo de quem ns soGenes diferentes nos tornam indivduos diferentes com habilidades diferentes. Se no fassim, como o mundo teria indivduos to variados quanto Michael Jordan, Bill Clinton, OOsbourne e voc?

    No entanto, todo o conceito do dom gentico , na verdade, um grande equvoctragicamente mantido em voga por dcadas a fio por uma srie de mal-entendidos e metf

    enganosas. Nos ltimos anos, tivemos o surgimento de uma montanha de evidncientficas que sugerem, de forma incontestvel, um paradigma totalmente diferente: o existe no uma escassez de talento, e sim uma fartura de talento latente. De acordo com concepo, o talento e a inteligncia humana no se encontram em nveis constantembaixos, como os combustveis fsseis, mas sim em nveis potencialmente abundantes, comenergia elica. O problema no est nos nossos recursos genticos inadequados, mas na noincapacidade, at o momento, de utilizar o que j possumos.

    Isso no quer dizer que no tenhamos diferenas genticas importantes entre ns, geram vantagens e desvantagens. claro que temos, e essas diferenas trazem consequn

    profundas. Porm, a cincia contempornea sugere que poucas pessoas conhecem verdadeiros limites, e que a grande maioria delas no chega nem perto de utilizar o quecientistas chamam de potencial irrealizado. Ela tambm apresenta uma viso profundamotimista da raa humana: No temos como saber quanto potencial gentico irrealizexiste, escreve Stephen Ceci, psiclogo do desenvolvimento da Universidade Cornell. faz com que seja logicamente impossvel insistir (como alguns de ns fazem) na existnciuma subclasse gentica. A maior parte dos que possuem um desempenho abaixo da mmuito provavelmente no prisioneira de seu prprio DNA; essas pessoas tm sido apeincapazes de alcanar seu verdadeiro potencial.

    Esse novo paradigma no se limita a proclamar uma simples mudana do inato (natpara o adquirido (nurture). Em vez disso, ele revela como na verdade essa dicotomia falida e exige uma reavaliao a respeito de como nos tornamos ns mesmos. Este lcomea, portanto, com uma nova e surpreendente explicao de como funcionam os geseguida por uma anlise detalhada das recm-descobertas matrias-primas do talento einteligncia. quando juntamos tudo isso, o que surge uma nova imagem de um processodesenvolvimento fascinante, que podemos influenciar embora nunca controlar por comp

    como indivduos, como famlias e como uma sociedade que incentiva o talento. Embora essencialmente auspicioso, esse novo paradigma tambm gera novas e inquietantes quesde ordem moral, com as quais todos ns teremos que lidar.

    Seria um disparate afirmar que qualquer um pode literalmente fazer ou ser qualquer coe esse tampouco o objetivo deste livro. Porm, a cincia contempornea nos diz quigualmente absurdo pensar que a mediocridade inata maioria das pessoas, ou que podemos saber quais so nossos verdadeiros limites antes de empregarmos nossa vasta gde recursos e investirmos grande quantidade de tempo nisso. Nossas habilidades no egravadas de forma indelvel em nossos genes. Elas so flexveis e moldveis, mesmo idades mais avanadas. Com humildade, esperana e determinao extraordinria, qualqcriana dos oito aos oitenta anos pode aspirar grandeza.

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    PARTE I

    O mito do dom

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    O

    1 Genes 2.0

    Como os genes realmente funcionam

    Ao contrrio do que sempre nos ensinaram, os genes no determinam sozinhos traos fsicos ou depersonalidade. Na verdade, eles interagem com o meio ambiente dentro de um processo dinmico econtnuo que gera e constantemente refina o indivduo.

    sol comea a nascer sobre uma antiga cidade ribeirinha e, atravs da janelaquinquagsimo andar do hospital universitrio, ouve-se o choro de um beb rec

    nascido, anunciando sua chegada ao mundo. Os pais de primeira viagem, que j acumunoites de sono perdidas, seguram a filhinha com firmeza e ficam apenas olhando para rosto, em parte no acreditando que aquilo est acontecendo de verdade, e em p

    imaginando, assombrados, o que vir pela frente. Com o passar do tempo, como ser aparncia? Como vai ser sua personalidade? Quais sero seus pontos fortes e seus pofracos? Ela vai mudar o mundo ou simplesmente ganhar o mnimo para sobreviver? Ser vai ser uma grande corredora, uma pintora revolucionria, deixar seus amigos encantacantar para milhes de pessoas? Ser que ela vai ter talento para alguma coisa?

    Somente os anos diro. Por ora, seus pais no precisam saber o resultado final preciapenas saber que tipo de diferena podem fazer no processo. Quanto da personalidade e habilidades de sua filha recm-nascida predeterminado? Que parte ainda est paradefinida? Que ingredientes eles podem acrescentar, e quais tticas devem evitar?

    E assim comea a nebulosa mistura de esperana, expectativa e apreenso

    TONYSOPRANO: E pensar que eu sou a causa disso tudo.DRA. MELFI: Em que sentido?TONYSOPRANO: Est no sangue dele, essa merda de vida desgraada. Esses genes podque eu tenho infectaram a alma do meu filho. Essa a minha herana para ele.

    Os genes podem ser assustadores se voc no os entender direito. Em 1994, o psiclRichard Herrnstein e o cientista poltico Charles Murray alertaram em seu best-seller The

    Curveque vivemos em um mundo cada vez mais estratificado, no qual uma elite cognitivaqueles com os melhores genes est cada vez mais isolada da subclasse cognitiva/gentSegregao gentica foi o nome que eles deram a esse processo. A mensagem dos autorbastante clara:

    A ironia que, por mais que os Estados Unidos promovam a igualdade de condies [ambientais] de vida papessoas, as diferenas remanescentes em termos de inteligncia so cada vez mais determinadas pelas difergenticas No fim das contas, o sucesso ou o fracasso na economia americana, e tudo o que isso acarreta, estvez mais relacionado aos tipos de genes que as pessoas herdam.

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    Essa uma afirmao grave e alarmante e, ainda bem, bastante equivocada. Os autbasicamente interpretaram mal uma srie de estudos, convencendo-se de que cerca de 60%inteligncia de uma pessoa vm diretamente de seus genes. S que no assim que os gefuncionam. No h fator gentico que possa ser estudado sem levarmos em contambiente, explica Michael Meaney, da Universidade McGill, um dos maiores especialido mundo em gentica e desenvolvimento. E no h fator ambiental que funcindependentemente do genoma. [Uma caracterstica] s pode surgir da interao entre gen

    ambiente.Por mais que Herrnstein e Murray seguissem uma orientao ideolgica especfica,

    tambm parecem ter sido genuinamente atrapalhados em sua anlise por um equvoco comno tocante ao funcionamento dos genes. Sempre nos foi ensinado que herdamos caracterstcomplexas, como a inteligncia, diretamente do DNA dos nossos pais, da mesma maneira herdamos caractersticas simples, como a cor dos olhos. Essa crena reforada de foincessante pela mdia. Por exemplo, recentemente, o jornal USA Today explicohereditariedade da seguinte maneira:

    Pense na sua constituio gentica como se ela fosse a mo de cartas que voc recebe no momento da concepcada concepo em uma determinada famlia, as cartas so reembaralhadas e uma nova mo distribuda. Em papor isso que o pequeno Bobby dorme feito um anjinho noite, bem-comportado e parece adorar matemenquanto seu irmo Billy est sempre com clicas, nunca obedece e j o lder de uma gangue no jardim de infnc

    A gentica manda.A gentica direciona.A gentica determina. Por mais de um sculo, foi a explicao amplamente aceita sobre como nos tornamos ns mesmos. Em seu cleexperimento com ervilhas durante as dcadas de 1850 e 1860, Gregor Mendel demonstrou caractersticas bsicas, como o formato da semente e a cor das flores, eram indubitavelmpassadas de gerao a gerao por meio de fatores hereditrios (a expresso de Mendel ade o termo gene ser introduzido) dominantes e recessivos. Oito anos e 28 mil plantas dep

    Mendel havia provado a existncia dos genes aparentemente provando, tambm, que sozinhos determinavam a essncia de quem somos. Essa era a interpretao inequvoca geneticistas do incio do sculo XX.

    Essa noo ainda perdura entre ns. A gentica prepara o terreno, afirma o USA Todayambiente tem um impacto na vida de todos ns, claro, mas os genes so mais importaneles estipulam o piso e o teto das capacidades em potencial de um indivduo.De ondeirmo tirou aquela voz maravilhosa para cantar? Como voc ficou to alto? Por que eu sei danar? Por que ela tem tanta facilidade com nmeros?

    a gentica, ns dizemos.

    isso que os autores de The Bell Curvetambm achavam. Nenhum deles se deu contque, no decorrer das ltimas duas dcadas, as ideias de Mendel foram totalmente atualizadde tal forma que hoje em dia um grande nmero de cientistas sugere que deveramos voltestaca zero e construir toda uma nova interpretao da gentica.

    Essa nova vanguarda um grupo disperso de geneticistas, neurocientistas, psiclocognitivos, entre outros, alguns dos quais se autodenominam tericos de sistemasdesenvolvimento. Eu os chamo de interacionistas, por conta da sua nfase na interadinmica entre genes e meio ambiente. Nem todos os pontos de vista dos interacionistasplenamente aceitos, e eles reconhecem de bom grado sua prpria luta contnua para articul

    totalidade das implicaes de suas descobertas. No entanto, parece j estar bem claro

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    essas implicaes so muito abrangentes e capazes de mudar paradigmas.Para entendermos o interacionismo, precisamos tentar esquecer tudo que julgamos sa

    sobre hereditariedade. A noo popular de que o gene um mero agente causal no procedafirmam as geneticistas Eva Jablonka e Marion Lamb. O gene no pode ser visto como unidade autnoma como um trecho particular de DNA que sempre produzir o mesefeito. Mesmo que um pedao de DNA produza qualquer coisa, o que, onde e quando eproduz podem depender de outras sequncias de DNA e do ambiente.

    Embora Mendel no pudesse detectar isso em suas ervilhas hbridas calibradas perfeios genes no so como atores robs que repetem sempre os mesmos dilogos da mesmssforma. Na verdade, eles interagem com o meio que os cerca e podem dizer coisas diferedependendo de quais sejam seus interlocutores.

    Isso faz cair por terra a antiga metfora de que genes so como modelos com compleinstrues predefinidas para cor dos olhos, tamanho do polegar, facilidade para matemtsensibilidade musical etc. Agora, podemos bolar uma metfora mais precisa. Em vezmodelos completos, os genes todos os 22 mil1 so mais como botes e controlesvolume. Imagine um imenso painel de controle dentro de cada clula do seu corpo.

    Muitos desses botes e controles podem ser aumentados, diminudos, ligados ou desligaa qualquer momento por qualquer outro gene ou pelo menor estmulo ambiental. Eregulagem acontece constantemente. Ela comea no momento em que a pessoa concebino para at seu ltimo suspiro. Em vez de nos fornecer instrues predeterminadas socomo um trao deve se manifestar, esse processo de interao gene-ambiente gera uma rotadesenvolvimento especfica para cada indivduo.

    Os novos interacionistas chamam esse processo, de forma abreviada, de GA. Eletornou essencial para a compreenso da gentica como um todo. A identificao do fator Gsignifica que agora percebemos que os genes exercem uma grande influncia na forma

    todas as nossas caractersticas, desde a cor dos olhos at a inteligncia, porm, raramditam de forma precisa quais sero elas. Desde o momento da concepo, os genes reagconstantemente a uma vasta gama de estmulos internos e externos, e interagem com eEsses estmulos vo desde nutrio at hormnios, estmulos sensoriais, atividade fsiintelectual e outros genes. O resultado uma mquina humana nica, feita sob encomendacordo com as circunstncias individuais de cada pessoa. Os genes so importantes, ediferenas genticas resultaro em caractersticas diferentes, mas, em ltima anlise, cadade ns um sistema dinmico, um produto do desenvolvimento.

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    Esse novo modelo dinmico de GA (genes multiplicados pelo ambiente) muito diferedo antigo modelo esttico de G+A (genes mais ambiente). De acordo com o velho paradigos genes chegavam antes e preparavam o terreno. Eles nos distribuam nossa primeira mocartas, e somente depois ns podamos acrescentar a elas influncias ambientais.

    O novo modelo comea com a interao. No existe nenhuma base gentica que assentada antes que o meio ambiente entre em cena; pelo contrrio, os genes se manifesestritamente de acordo com o ambiente que os cerca. Tudo que somos, desde o priminstante de concepo, resultado desse processo. Ns no herdamos caracterstdiretamente dos nossos genes. Em vez disso, desenvolvemos caractersticas por meiodinmico processo de interao gene-ambiente. No mundo do modelo GA, as diferengenticas ainda tm extrema importncia. Mas, sozinhas, no determinam quem somos.

    Na verdade, voc nem mesmo herdou seus olhos azuis ou seus cabelos castanhos dos gedos seus pais. No diretamente.

    A princpio, por termos sido to completamente doutrinados pela gentica mendeliana, pode parecer loucura. Mas a realidade, no fim das contas, muito mais complicada

    mesmo para ps de ervilha. Muitos cientistas j conhecem h anos essa verdade muito mcomplexa, mas vm encontrando problemas para explic-la ao pblico geral. Ela , afinacontas, muito mais difcil de explicar do que o simples determinismo gentico.

    Para entendermos os genes mais plenamente, primeiro temos que recuar um passo e explicque eles de fato fazem.

    Os genes controlam a produo de protenas.

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    Cada uma de nossas clulas possui um filamento duplo completo de DNA, que, por sua contm milhares de genes especficos. Cada gene inicia o processo de transforaminocidos em protenas. Protenas so molculas grandes, especializadas, que ajudacriar clulas, transportar elementos vitais e produzir as reaes qumicas necessrias. Exisvrios tipos de protenas, e elas fornecem a matria-prima de tudo, desde fibras musculareso colgeno dos globos oculares e as hemoglobinas. Cada um de ns a soma de noprotenas.

    Os genes contm as instrues para a formao dessas protenas e controlam o processconstruo delas (Diagrama A).

    Diagrama A

    Masos genes no so os nicos elementos a influenciar a construo das protenas.verdade, as prprias instrues genticas so influenciadas por outras informaes. Os geso constantemente ativados e desativados por estmulos ambientais, nutrio, hormnimpulsos nervosos e outros genes (Diagrama B).

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    Diagrama B

    Isso explica por que cada clula cerebral, capilar e cardaca do seu corpo pode conter to seu DNA e ainda assim executar funes bastante especficas. E tambm explica comotantinho de diversidade gentica pode fazer muita diferena: seres humanos so diferentes dos outros no s por conta de nossas relativamente poucas diferenas genticas, mas tambporque cada instante de nossas vidas influencia de forma ativa a prpria expresso de nocaractersticas genticas.

    O bilogo Patrick Bateson, da Universidade de Cambridge, sugere que se imagine o modGA como o processo de assar um bolo. Cem cozinheiros podem comear com praticamenmesma receita, mas, no fim das contas, produziro bolos muito diferentes. Embora a pequ

    discrepncia entre os ingredientes garanta que as diferenas iro existir, ela no determquais sero elas. As verdadeiras diferenas resultantes surgem durante o processo. desenvolvimento um processo qumico, afirma Bateson, e o produto final no podesimplesmente reduzido aos seus ingredientes.

    Da mesma forma, a simples presena de um gene no produz automaticamente um tipouma quantidade especfica de protenas. Em primeiro lugar, cada gene precisa ser ativadligado, ou expressado para que se inicie a construo proteica.

    Alm disso, os geneticistas descobriram recentemente que alguns genes ainda sabemos quantos so versteis. Em alguns casos, o mesmo gene pode produzir prote

    diferentes, dependendo de como e onde ele ativado.Tudo isso significa que a maioria dos genes no capaz de produzir diretamente, sozincaractersticas especficas. Eles so participantes ativos no processo de desenvolvimenflexveis por natureza. Qualquer tentativa de descrev-los como manuais de instruo passminimiza, na verdade, a beleza e o poder da arquitetura gentica.

    Ento por que eu tenho olhos castanhos como minha me e sou ruivo como meu pai?Na prtica, existem vrias caractersticas fsicas elementares, como cor dos olhos,

    cabelos e da pele, nas quais o processo quase mendeliano, fazendo com que determinagenes gerem na maioria das vezes resultados previsveis. Porm, as aparncias enganam;

    simples resultado semelhante ao de Mendel no significa que no tenha havido interao g

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    ambiente. Mesmo na questo da cor dos olhos, afirma Patrick Bateson, a ideia de qugene relevante a [nica] causa est equivocada, por conta de todos os demais ingrediegenticos e ambientais envolvidos. De fato, Victor McKusick, o geneticista da UniversidJohns Hopkins amplamente considerado o pai da gentica mdica, nos recorda que, em algcasos, dois pais de olhos azuis podem gerar uma criana de olhos castanhos. Gerecessivos no explicam um acontecimento como esse; a interao gene-ambiente, sim.

    Quando lidamos com caractersticas mais complexas, como coordenao mot

    personalidade e inteligncia verbal, inevitvel que a interao gene-ambiente afaste amais o processo dos simples padres mendelianos.

    E quanto s mutaes que afetam um s gene e que causam, de forma previsvel, doecomo o mal de Huntington?

    Doenas relacionadas a um s gene existem e so responsveis por cerca de 5% dos mrelativos sade que afetam pases desenvolvidos. Porm, importante no deixarmos essas doenas deem a impresso errada quanto ao funcionamento de genes saudveis. Umdesconectado pode fazer um carro enguiar, explica Patrick Bateson. Mas isso no signique o fio sozinho seja responsvel por coloc-lo em movimento. Da mesma forma, o fato

    um defeito gentico causar uma srie de problemas no significa que a verso saudvemesmo gene seja responsvel, sozinha, por um funcionamento normal.Ajudar o pblico a entender a interao gene-ambiente uma tarefa especialmente r

    pois de uma complexidade monstruosa. Jamais soar to imediatamente compreensvel nossos ouvidos quanto a antiga (e enganosa) noo que tnhamos dos genes. Dito issointeracionistas tm muita sorte por ter Patrick Bateson como aliado. Ex-secretrio de biolda Royal Society de Londres e um dos melhores divulgadores das teorias de hereditarieddo mundo, Bateson tambm carrega uma poderosa mensagem simblica em seu sobrenoFoi o clebre primo de seu av, William Bateson, que, um sculo atrs, cunhou o te

    gentica e ajudou a popularizar a noo inicial, mais simples, de que os genes serpacotes de informaes que gerariam diretamente caractersticas individuais. Hoje, geraes depois, Bateson est ajudando de forma significativa a atualizar esse conceito papblico geral.

    Os genes armazenam informaes que codificam as sequncias de aminocidos protenas, explica Bateson. Isso tudo. Essas informaes no codificam partes do sistnervoso e certamente no codificam padres de comportamento especficos.

    O que ele quer dizer que os genes esto muitos passos atrs do processo de formaocaractersticas individuais. Quando uma pessoa assassinada com uma pistola SmithWesson, ningum acusa de assassinato o operador do alto-forno que transformou o minrioferro em ferro fundido que, em seguida, foi transformado em ao e, posteriormente,vrios moldes, antes de assumir a forma de uma pistola. Da mesma forma, nenhum gdetm a autoria explcita de uma viso boa ou ruim, de pernas longas ou curtas, ou de upersonalidade afvel ou difcil. Em vez disso, os genes desempenham um papel crudurante o processo. A informao deles traduzida por outros agentes dentro da clulinfluenciada por uma ampla gama de outros sinais que vm de fora dela. So ento formacertos tipos de protenas, que se tornam outras clulas e tecidos e, por fim, nos tornam qusomos. O nmero de passos que separam um gene de uma caracterstica dependecomplexidade desta. Quanto mais complexa ela for, mais distante qualquer gene estar

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    fornecer instrues diretas. Esse processo continua ao longo de toda a vida de um indivduoA altura pode fornecer uma tima compreenso da dinmica gene-ambiente. A maioria

    ns acredita que a altura mais ou menos determinada diretamente pela gentica. A realidano entanto, muito mais interessante. Um dos mais impressionantes primeiros indciosnovo conceito de desenvolvimento como um processo dinmico surgiu em 1957, quaWilliam Walter Greulich, um pesquisador da Escola de Medicina da Universidade Stanford, mediu a altura de crianas japonesas criadas na Califrnia e comparou o resultad

    de crianas japonesas criadas no Japo durante o mesmo perodo. As crianas criadasCalifrnia, que haviam recebido alimentao e cuidados mdicos significativamente melhocresceram uma mdia impressionante de treze centmetros a mais. Mesmo pool gentoutro ambiente estatura radicalmente diversa. Greulich no percebeu na poca, mas esum exemplo perfeito de como os genes realmente funcionam: eles no impem nenhforma ou constituio fsica predeterminada, mas sim interagem vigorosamente com o muexterno para produzir um resultado improvisado e exclusivo.

    No fim das contas, uma grande variedade de elementos ambientais pode afetamanifestao gentica da altura: um simples caso de diarreia ou sarampo, por exemplo

    uma carncia de qualquer um de dezenas de nutrientes. Nas culturas ocidentais do sculo Xns costumamos partir do princpio de que h uma tendncia evolucionria naturalestaturas cada vez maiores a cada gerao, mas, na verdade, a altura humana osdrasticamente com o passar do tempo, reagindo de forma especfica a mudanas de diclima e condies de sade. E o mais surpreendente de tudo que especialistas na determinaram que, em termos biolgicos, pouqussimos grupos tnicos so de fato destinaa serem mais altos ou mais baixos do que outros. Embora essa regra possua algumas excede modo geral, resume Burkhard Bilger, da revista The New Yorker , no h nada impea um povo de ser to alto quanto outro Mexicanos deveriam ser altos e esbeltos.

    entanto, to comum eles serem atrofiados por m alimentao e doenas que passamachar que eles so baixos de nascena.Baixo de nascena.Inteligente de nascena.Msico nato. Jogador de basquete nato. E

    so suposies tentadoras, que todos ns j fizemos em algum momento. Porm, quaolhamos por trs da cortina gentica, elas muitas vezes se mostram equivocadas.

    Outro exemplo impressionante da dinmica interativa gene-ambiente surgiu, coincidncia, apenas um ano depois do estudo sobre a estatura entre os japoneses de GreulNo inverno de 1958, Rod Cooper e John Zubek, dois jovens psiclogos pesquisadoresUniversidade de Manitoba, desenvolveram o que acharam que seria um experimento clsdo binmio inato/adquirido sobre inteligncia de ratos. Eles comearam com filhotes recnascidos de dois grupos genticos diferentes: ratos bons de labirinto, que haviam se saconsistentemente bem em labirintos por vrias geraes, e ratos ruins de labirinto, haviam se sado consistentemente mal nos mesmos labirintos, cometendo uma mdia 4maior de erros.

    Ento, eles criaram cada um desses dois grupos genticos em trs condies de vbastante diferentes.

    Ambiente enriquecido:com paredes pintadas de cores vivas e fortes e vrios brinqueestimulantes: rampas, espelhos, balanos, escorregadores, sinos etc.

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    Ambiente normal: com paredes comuns e uma pequena quantidade de exercciobrinquedos para estimular os sentidos.Ambiente limitado:basicamente um barraco para ratos, sem nada alm de uma tigelcomida e outra de gua, sem nenhum brinquedo ou qualquer coisa que estimulasse corpos e mentes.

    Em termos gerais, parecia fcil prever o resultado: cada tipo de rato ficaria um pouco m

    inteligente quando criado no ambiente enriquecido e um pouco mais burro quando criadoambiente limitado. Eles esperavam que o experimento resultasse em um graproximadamente assim:

    Grfico 1

    Em vez disso, o resultado foi o seguinte:

    Grfico 2

    Os dados finais foram chocantes. Em circunstncias normais, os ratos bons de labirintsaram consistentemente melhor do que os ratos ruins de labirinto. Porm, nos dois ambie

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    extremos, os dois grupos tiveram praticamente o mesmo desempenho. No ambiente limitatanto os ratos bons quanto os ruins cometeram quase exatamente o mesmo nmero de e(ponto A no grfico 2). Em outras palavras, quando criados em um ambiente limitado, toos ratos pareceram igualmente burros. Suas diferenas genticas sumiram.

    O mesmo aconteceu no ambiente enriquecido. Nele, ratos bons de labirinto tambcometeram praticamente o mesmo nmero de erros do que os ruins (ponto B no grfico 2diferena foi considerada insignificante em termos estatsticos). Quando criados em

    ambiente instigante e cheio de estmulos, todos os ratos pareceram igualmente inteligenTambm aqui suas diferenas genticas sumiram.

    Na poca, Cooper e Zubek no souberam muito bem como interpretar isso. O fato era essas diferenas genticas originais nunca tinham sido puramente genticas. Na verdelas haviam sido resultado do desenvolvimento GA de cada grupo dentro de seu ambieoriginal. Quando esse desenvolvimento aconteceu em ambientes diferentes, cada grproduziu resultados bastante distintos. Porm, no caso tanto do ambiente enriquecido qudo ambiente limitado, os grupos genticos diferentes acabaram se revelando muito msemelhantes do que pareciam anteriormente.

    Nas dcadas seguintes, o estudo de Cooper-Zubek ressurgiu como um exemplo clssicointerao gene-ambiente, nas palavras do especialista em gentica do desenvolvimGerald McClearn, da Universidade Estadual da Pensilvnia. E vrios outros cienticoncordam com ele.

    Nesse mesmo perodo, surgiram centenas de exemplos que nos foraram aos poucorepensar totalmente como funcionam os genes. Mal acreditando nos prprios olhos,bilogos constataram que:

    a temperatura ao redor dos ovos de tartaruga ou crocodilo determina o gnero dos filho

    gafanhotos jovens, de pele amarela, ficam permanentemente negros para se camuflaquando expostos a ambientes enegrecidos (carbonizados) durante uma certa idade; lagostas que vivem em ambientes populosos desenvolvem muito mais muscula

    (adequada para a migrao) do que lagostas que vivem em espaos menos habitados.

    Nessas e em muitas outras circunstncias, o ambiente A parecia produzir um tipocriatura, ao passo que o ambiente B produzia outr0 completamente diferente. Esse nvemodificao era simplesmente incompreensvel sob o antigo modelo G+A, no qual os gedeterminavam de forma direta caractersticas individuais. Os fatos novos exigiam toda

    nova explicao para o funcionamento dos genes.Em 1972, o bilogo de Harvard Richard Lewontin forneceu um esclarecimento decique ajudou seus colegas a entender o modelo GA. O antigo paradigma, baseado na dicotoinato/adquirido, apresentava uma sequncia de mo nica, aditiva, como a seguinte:

    Os genes do incio produo de protenas, que coordenam o funcionamento de clulas, que, com alginformaes do mundo externo, geram caractersticas individuais.

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    O novo modelo GA era um processo muito mais dinmico, em que cada informaoqualquer nvel influenciava todas as demais:

    Genes, protenas e estmulos ambientais (entre eles, comportamentos e emoes humanas) interagem de forma consuns com os outros, e esse processo interativo influencia a produo de protenas, que ento coordenam as fune

    clulas, que, por sua vez, geram caractersticas individuais.

    Observe as setas de influncia apontando nas duas direes na segunda sequncia. bilogos se deram conta de que, se voc modificar ou os genes, ou o meio ambientcomportamento resultante pode mudar drasticamente, explica Massimo Pigliucci, ecologevolucionrio da Universidade Municipal de Nova York. O truque, ento, no est em divas causas entre o que inato e o que adquirido, mas sim em [avaliar a] maneira comogenes e o ambiente interagem dialeticamente para gerar o aspecto e o comportamento deorganismo.

    Portanto, a grande ironia do nosso esforo incessante para distinguir o que inato do qadquirido que, na verdade, precisamos fazer exatamente o contrrio: tentar compreencom exatido como o que inato e o que adquirido interagem. Saber exatamente quais geso acionados, alm de quando, com que frequncia e em que ordem, far toda a diferenafuno de cada clula e nas caractersticas do organismo.

    Em cada caso, explica Patrick Bateson, um determinado animal comea sua vida cocapacidade de se desenvolver de uma srie de maneiras diferentes. Como um jukeboindivduo tem o potencial de tocar toda uma gama de canes que podero ser a trilha sonde seu desenvolvimento. Porm, no decorrer de sua vida, ele toca apenas uma delas. Ecano em especial selecionada pelo [ambiente] em que o indivduo criado.

    Desde o primeiro instante da concepo, portanto, nosso temperamento, nossa intelige nossos talentos esto sujeitos a um processo de desenvolvimento. Sozinhos, os genes no tornam inteligentes, burros, atrevidos, educados, deprimidos, alegres, talentosos ou surpara msica, atlticos, desastrados, eruditos ou desinteressados. Essas caractersticas nasde uma interao complexa dentro de um sistema dinmico. Todos os dias, de todas as formpossveis, voc ajuda a determinar quais genes sero ativados. Sua vida interage com genes.

    No fim das contas, o modelo dinmico GA desempenha um papel essencial em tudo seu humor, sua personalidade, sua sade, seu estilo de vida, sua vida social e profissional.

    determina como pensamos, o que comemos, com quem nos casamos, como dormimosconceito sedutor que contrapunha o que inato ao que adquirido soava bem um sculo atmas no faz sentido nos dias de hoje, uma vez que no existem efeitos verdadeiramdistintos. A gentica e o ambiente so to inseparveis e inextricveis quanto as letras de upalavra ou as peas de um carro. No podemos aceitar ou sequer entender o novo mundotalento e da inteligncia sem antes integrar essa ideia ao nosso vocabulrio e ao nosso mde pensar.

    Precisamos substituir o binmio inato/adquirido pela expresso desenvolvimedinmico.

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    Como Tiger Woods conseguiu se tornar a tacada mais certeira e o adversrio mais temda histria do golfe? Desenvolvimento dinmico. Como Leonardo da Vinci se transformouum artista, engenheiro, inventor, anatomista e botnico sem precedentes? Desenvolvimedinmico. Como Richard Feynman evoluiu de uma criana com um QI mediano para um pensadores mais importantes do sculo XX? Desenvolvimento dinmico.

    O desenvolvimento dinmico o novo paradigma para o talento, o estilo e a qualidadevida. Ele mostra como os genes influenciam tudo, mas determinam estritamente muito po

    Obriga-nos a repensar tudo a respeito de ns mesmos, de onde viemos e para onde podemoPromete que, embora jamais venhamos a ter controle total sobre nossa vida, temos o podecausar um grande impacto nela. O desenvolvimento dinmico o motivo pelo qual a biolohumana um jukebox com vrias canes em potencial no uma srie de instruembutidas para certo tipo de vida, mas a capacidade embutida de termos inmeras vpossveis. Ningum est geneticamente fadado mediocridade.

    O desenvolvimento dinmico foi, e continua sendo, uma das grandes ideias do sculo Assim que os pais de primeira viagem no hospital universitrio compreenderem simplicaes para sua filhinha recm-nascida, ele afetar a maneira como eles vivem, co

    criam seu beb e at a maneira como votam.

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    L

    2 A inteligncia um processo, no algo em si mesm

    A inteligncia no uma aptido inata, embutida no momento da concepo ou dentro do tero, e simum conjunto de habilidades em desenvolvimento, conduzido pela interao entre os genes e oambiente. Ningum nasce com uma quantidade predeterminada de inteligncia. A inteligncia (e oquociente de inteligncia QI) pode ser aprimorada. Alguns adultos no chegam nem perto de alcanarseu verdadeiro potencial intelectual.

    [Alguns] afirmam que a quantidade de inteligncia de um indivduo fixa e no pode ser aumentada. ndever protestar e reagir contra esse terrvel pessimismo.

    ALFREDBInventor do primeiro teste de QI, 1

    ondres o pesadelo de qualquer taxista: uma selva de pedra absurda mente grandintrincada erguida de forma catica ao longo de cerca de 1.500 anos. No se trata de

    cidade planejada com esmero, como Manhattan ou Barcelona, mas de uma colcha de retairregular de antigas estradas romanas, vikings, saxs, normandas, dinamarquesas e ingletodas sobrepostas e embaralhadas. Em um raio de dez quilmetros a partir da Charing CStation, algo em torno de 25 mil ruas se interligam e se bifurcam em todos os ngpossveis, desembocando em parques, monumentos, lojas e propriedades privadas. Para sedevidamente licenciados, os taxistas de Londres precisam aprender todos esses meandro

    malha rodoviria da cidade um conhecimento enciclopdico que chamado no ramo, corgulho, de A Sabedoria.

    A boa notcia que, uma vez aprendida, A Sabedoria fica literalmente incrustadacrebro do taxista. Essa foi a descoberta da neurologista inglesa Eleanor Maguire em 19quando ela e seus colegas fizeram tomografias por ressonncia magntica em taxilondrinos e as compararam com tomografias cerebrais de outros indivduos. Comparadono taxistas, motoristas de txi experientes possuam um hipocampo posterior que a pdo crebro especializada em memria espacial altamente dilatado. De forma isolada, descoberta no provava nada: teoricamente, pessoas que nascem com um hipocampo poste

    maior podem ter melhores habilidades espaciais inatas e, portanto, ter mais chances dtornarem taxistas. O que tornou o estudo de Maguire to impressionante que ela erelacionou diretamente o tamanho do hipocampo posterior experincia de cada motoriquanto mais longa a carreira do taxista, maior o hipocampo posterior. Isso sugeria de foveemente que exercer atividades de cunho espacial estava mudando ativamente o crebro taxistas. Esses dados, concluiu Maguire em tom dramtico, sugerem que as mudanamassa cinzenta do hipocampo so adquiridas.

    Alm disso, sua concluso condizia perfeitamente com o que outros pesquisadores havdescoberto em estudos recentes sobre violinistas, leitores em braile, pessoas que fa

    meditao e vtimas de derrame em recuperao: que partes especficas do crebro se adap

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    e se organizam em reao a uma experincia especfica. O crtex possui uma capacidextraordinria para se remodelar aps uma mudana ambiental, relatou o psiquiatraUniversidade de Harvard Leon Eisenberg em um artigo abrangente sobre o tema.

    Trata-se da nossa famosa plasticidade: a capacidade inerente a qualquer crebro humde se tornar, com o tempo, o que exigimos dele. A plasticidade no significa que todos nascemos exatamente com o mesmo potencial. claro que no nascemos. Porm, ela garque nenhuma habilidade imutvel. E, dessa forma, a plasticidade torna quase imposs

    determinarmos as verdadeiras limitaes intelectuais de qualquer indivduo de qualquer id

    At onde sua inteligncia pode chegar? Do que voc capaz intelectualmente? Durante mudcadas, psiclogos acharam ter um instrumento confivel para responder a essa perguntEscala de Inteligncia Stanford-Binet, tambm conhecida como teste de QI. Essa combinade testes, que avalia habilidades lingusticas e de memria, aptides visual-espaccoordenao motora e capacidade perceptiva, segundo seu inventor, Lewis Terman, era ca

    de revelar os dotes intelectuais de uma pessoa sua inteligncia inata.

    Mtodos psicolgicos de medio da inteligncia [vm] fornecendo provas conclusivas de que diferenas inatas quaos dotes intelectuais so um fenmeno universal.

    LEWISTERMAN, Genetic Studies of Genius, 1

    Terman, um renomado psiclogo pesquisador da Universidade de Stanford, fazia parteum movimento bem-estabelecido, que afirmava com convico que a inteligncia era

    habilidade inata, herdada por meio dos genes, fixada desde o nascimento e que se mantiestvel por toda a vida. Revelar a inteligncia de cada um, acreditavam os integrantesmovimento, ajudaria os indivduos a encontrar seus devidos lugares na sociedade, permitique ela funcionasse de modo mais eficiente. Seu fundador foi Francis Galton, primo e code Charles Darwin na Inglaterra de meados do sculo XIX. Depois da publicao do livorigem das espcies, de Darwin, em 1859, Galton buscou imediatamente definir mais a fua seleo natural, argumentando que as diferenas encontradas no intelecto humano eestritamente uma questo de hereditariedade biolgica o que ele chamava de transmishereditria de atributos fsicos.

    Galton no possua o mesmo temperamento cientfico cauteloso de seu primo Darsendo um defensor aguerrido do que seu instinto lhe dizia ser verdade. Em 1869, publHereditary Genius, no qual argumentava que pessoas inteligentes e bem-sucedidas esimplesmente dotadas de uma biologia superior. Em 1874, ele introduziu a dicotonature/nurture, separando pela primeira vez o que era inato do que era adquirido (coartifcio retrico para defender o primeiro). Em 1883, inventou a eugenia, seu plano maximizar a criao de humanos biologicamente superiores e minimizar a criao de humabiologicamente inferiores. Tudo isso foi feito a servio de sua convico de que a selenatural era impulsionada unicamente pela hereditariedade biolgica e que o ambiente apenas um observador passivo. Na verdade, foi Galton e no Darwin quem assentou

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    bases conceituais para o determinismo gentico.Algumas dcadas depois, no entanto, os seguidores de Galton depararam com um probl

    srio: eles no conseguiam localizar com exatido a inteligncia natural, congnita, defendiam. Na realidade, nem mesmo conseguiam chegar a um acordo quanto a sua definiSer que a inteligncia era a capacidade de raciocnio lgico? Ou de visualizao espacial?abstrao matemtica? De coordenao fsica? Para ser franco, lamentou o psiclogestatstico britnico Charles Spearman, [o termo] 'inteligncia' se tornou um mero rudo, u

    palavra com tantos sentidos que, no fim das contas, no possui sentido algum.Em 1904, Spearman apresentou sua soluo para o problema: deve haver uma

    inteligncia geral (designada pela abreviatura g), teorizou ele, uma essncia centralizadaptides intelectuais. E, embora ela no pudesse e ainda no possa ser medida de fodireta, Spearman argumentou que g poderia ser detectada estatisticamente, atravs de ucorrelao de estimativas diferentes. Usando a seguinte frmula matemtica simples:

    ele estabeleceu uma correlao entre notas escolares, avaliaes subjetivas de professoravaliaes de colegas de classe baseadas no senso comum. Essa correlao, defenSpearman, provava a existncia de uma habilidade cognitiva central, congnita. g ,circunstncias normais, determinada de forma inata, declarou Spearman. Um indivduo pode ser treinado para possu-la em um nvel mais alto da mesma forma que no podetreinado para ser mais alto.

    Em 1916, Lewis Terman, da Universidade de Stanford, desenvolveu um equivalente em termos prticos, com sua Escala de Inteligncia Stanford-Binet (adaptada de uma veanterior do psiclogo francs Alfred Binet), e afirmou que ela era a ferramenta ideal pdeterminar a inteligncia inata de uma pessoa. Embora alguns no tenham se deixado ilpela alegao de Terman,1a maioria recebeu o conceito de QI com entusiasmo. O ExrcitoEstados Unidos logo adotou uma verso do teste em seu alistamento, seguido pelas escoTodo o frescor e as classificaes bem-ordenadas do conceito de QI combinavperfeitamente com a sede dos americanos por mais eficincia nos mbitos social, acadmiempresarial.

    Infelizmente, essa mesma crena na meritocracia escondia um racismo profundo, em supostas provas da superioridade biolgica de protestantes brancos eram usadas para manegros, judeus, catlicos e outros grupos fora dos altos escales das empresas, universidades e do governo. No comeo da dcada de 1920, o Teste de Inteligncia Nacio(um precursor do SAT2) foi desenvolvido por Edward Lee Thorndike, um defensor fervorda eugenia, decidido a convencer os reitores das universidades como seria intcontraproducente oferecer educao superior s massas. O mundo estar em melhores mdeclarou Thorndike, se suas riquezas estiverem aos cuidados dos que demonstram uinteligncia superior a 95% ou 99% da populao. Curiosamente, poucos anos depoi

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    criador do SAT, o psiclogo de Princeton Carl Brigham, repudiou sua prpria criaescrevendo que todos os testes de inteligncia eram baseados em uma das falcias mretumbantes da histria da cincia, ou seja, que esses testes mediam a inteligncia inata pusimples, sem levar em conta nenhum tipo de instruo ou escolaridade.

    Alm dessa franca discriminao racial, a mais verdadeira e duradoura tragdia instaurpelo teste de QI e por outros similares foi a mensagem que eles transmitiram a todo e qualqindivduo inclusive aos estudantes que se saam bem neles. Essa mensagem er

    inteligncia um dom, e no uma conquista sua. O teste de QI de Terman se aproveitounosso medo primitivo de que a maioria de ns nasce com algum tipo de trava interna, limita a profundidade e a rapidez do nosso raciocnio. Isso extraordinrio, se pensarmos no fundo, o teste de QI era apenas uma ferramenta de classificao populacional.

    Grfico 3

    O teste de QI classifica o desempenho acadmico dentro de cada faixa etria. O resultado ponderado de modo100 sempre represente o centro exato da curva populacional, indicando que precisamente metade das pessoas na etria em questo teve uma pontuao melhor do que essa, enquanto a outra metade teve uma pontuao piorresultado de 115 indica que algo em torno de 16% dos testados ultrapassaram essa pontuao. Um resultado dindica que algo em torno de 98% ultrapassaram essa pontuao, e assim por diante.

    Os resultados de um teste de QI na verdade no revelam quanto voc domina de foobjetiva o seu contedo. Eles apenas indicam quanto voc domina em relao aos demLevando-se em conta que ele simplesmente classificava indivduos em uma populao, mtriste ainda olhar para trs e ver que Lewis Terman e seus colegas chegaram a recomendar indivduos identificados como retardados por seu teste fossem afastados da sociedade, equalquer pessoa que pontuasse abaixo de 100 fosse automaticamente desqualificada pqualquer cargo de prestgio. Desconsiderar prontamente a capacidade de qualquer um pontuasse abaixo de 100 era confundir valor relativo com valor absoluto. Era o mesmo dizer que, de qualquer grupo de cem laranjas, cinquenta nunca sero muito saborosas.

    Contudo, o teste de QI foi muito bem-sucedido em um aspecto: ele padronizouavaliaes acadmicas e, portanto, se tornou uma maneira bastante til de se comparadesempenho estudantil entre escolas, estados e at mesmo naes. Qualquer diretor de esc

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    governador etc. certamente gostaria de saber se os seus alunos esto acima ou abaixo da mnacional. Alm disso, esses testes avaliaram o desempenho de forma abrangente o bastapara que fosse possvel prever de forma geral como os avaliados se sairicomparativamente, no futuro.

    Porm, avaliar o desempenho de um indivduo no tem absolutamente nada a ver cprecisar sua capacidade individual. Prever como a maioria das crianas vai se sair uma coafirmar o que qualquer criana em especialpode fazer outra totalmente difere

    Estabilidade, ressalta Michael Howe, da Universidade de Exeter, no signiimutabilidade. E, de fato, resultados de testes de QI so perfeitamente alterveis se upessoa receber o incentivo correto. Os resultados em testes de QI, explica Stephen CeciUniversidade Cornell, podem ser modificados de forma bastante drstica por mudanasambiente familiar (Clarke, 1976; Svendsen, 1982), no ambiente profissional (Kohn, 1981)contexto histrico (Flynn, 1987), na maneira como os filhos so criados (Baumrind, 19Dornbusch, 1987) e, acima de tudo, por mudanas no nvel de escolaridade.

    Em 1932, os psiclogos Mandel Sherman e Cora B. Key descobriram que resultadostestes de QI eram inversamente proporcionais ao grau de isolamento de uma determin

    comunidade: quanto maior o isolamento cultural, menores as pontuaes. No remmunicpio de Colvin, estado da Virgnia, por exemplo, onde a maioria dos adultos analfabeta e o acesso a jornais, rdio e escolas era extremamente limitado, crianas de anos de idade tinham pontuaes semelhantes mdia nacional de QI. Porm, medida essas crianas ficavam mais velhas, seus resultados iam ficando gradativamente mais baiafastando-se cada vez mais da mdia nacional devido a um ensino deficiente e acultura(O mesmo fenmeno foi observado entre crianas que viviam em barcaas na Inglaterravolta do mesmo perodo e em outros bolses isolados culturalmente). A concluso inevitdo estudo foi que as crianas se desenvolvem somente at onde o meio em que vivem e

    que elas se desenvolvam.As crianas se desenvolvem somente at onde o meio em que vivem exige que eladesenvolvam. Em 1981, o psiclogo James Flynn, ento baseado na Nova Zelndia, descoquanto essa afirmao era verdadeira. Ao comparar resultados brutos de testes de QI ao lode quase um sculo, Flynn detectou que as pontuaes no paravam de aumentar: em quede poucos anos, a nova leva de testados parecia ser mais inteligente do que a anterior. Criande doze anos da dcada de 1980 se saram melhor do que crianas da mesma idade na dcde 1970, que, por sua vez, j haviam se sado melhor do que as da dcada de 1960, e assim diante. Essa tendncia no se limitava a certas regies ou culturas, e as diferenas no enada insignificantes. Em mdia, os testados ultrapassavam seus antecessores em trs pontcada dez anos uma diferena espantosa de 18 pontos a cada duas geraes.

    De to radicais, essas diferenas eram at difceis de compreender. Utilizando uma mde 100 pontos, referente ao final do sculo XX, a pontuao equivalente no ano de 1900estimada em cerca de 60 pontos o que levava concluso simplesmente absurda, conforeconheceu Flynn, de que a maioria dos nossos ancestrais era retardada. O efeito Flycomo ele ficou conhecido, causou surpresa em todo o mundo da pesquisa cognitiva. Era bque a raa humana no tinha evoludo a ponto de se tornar uma espcie to mais inteligem menos de cem anos. Havia algo mais acontecendo.

    Para Flynn, o indcio fundamental veio com a sua descoberta de que o aumento no

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    uniforme em todas as reas, e sim concentrado em determinados subtestes. Criancontemporneas no se saam nem um pouco melhor do que seus antepassados no tocanconhecimentos gerais e matemtica. Porm, na rea do raciocnio abstrato, relatou Flynavano era imenso e desconcertante. Quanto mais para trs ele olhava, menos os testapareciam habituados resoluo de problemas hipotticos e intuitivos. E por que isso? Porum sculo atrs, em um mundo bem menos complexo, as pessoas eram muito pofamiliarizadas com o que hoje em dia consideramos conceitos abstratos bsicos.

    inteligncia dos] nossos antepassados em 1900 era ancorada na realidade cotidiana, expFlynn. Nossa diferena em relao a eles que sabemos trabalhar com abstraes, colgica e com o hipottico De 1950 para c, ns nos tornamos mais hbeis para irmos ade regras que aprendemos anteriormente e para resolvermos problemas de imediato.

    Alguns exemplos de conceitos abstratos que simplesmente no existiam nas mentes nossos ancestrais do sculo XIX so a teoria da seleo natural (formulada em 1864) econceitos de grupo de controle (1875) e amostra aleatria (1877). Um sculo atrs, o mtcientfico em si era estranho maioria dos americanos. A questo que o pblico geral havia sido condicionado a pensar de maneira abstrata.

    Em outras palavras, o catalisador do drstico aumento no QI da populao no foi nenhmutao gentica misteriosa ou algum suplemento nutricional milagroso, mas sim o que Fldescreveu como a transio [cultural] de um pensamento operacional pr-cientfico poutro ps-cientfico. Ao longo do sculo XX, princpios bsicos da cincia se infiltrapouco a pouco no imaginrio coletivo, transformando o mundo em que vivemos. Etransio, de acordo com Flynn, representa, nada mais, nada menos, do que a libertaomente humana.

    A viso de mundo cientfica, com seu vocabulrio, taxonomias e distanciamento do lgico e do hipottico em relaos referentes concretos, passou a permear as mentes dos indivduos da era ps-industrial. Isso abriu caminho p

    educao de nvel superior em massa e o surgimento de um quadro intelectual sem o qual nossa civilizao como hoje seria inconcebvel.

    Talvez a mais impressionante das observaes de Flynn seja a seguinte: 98% das pessque fazem testes de QI atualmente alcanam uma pontuao mais alta do que a mdia indivduos testados em 1900. As implicaes dessa descoberta so extraordinrias. significa que, em apenas um sculo, os avanos em nosso discurso social e nas nossas escaumentaram drasticamente a inteligncia mensurvel de quase todas as pessoas.

    Isso enterra, de uma vez por todas, a ideia de que a inteligncia imutvel. Agora sabemque, embora o patamar intelectual relativo da maioria das pessoas tenda a permanece

    mesmo com o passar dos anos:

    No a biologia que estabelece o patamar de um indivduo (vrios estudos provam fatores sociais, educacionais e econmicos contribuem para isso), para incioconversa.

    Nenhum indivduo est preso ao seu patamar original.Qualquer ser humano (e at mesmo toda uma sociedade) pode se tornar mais inteligent

    essa for uma exigncia do meio.

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    No entanto, nada disso conseguiu dissuadir os defensores da inteligncia inata, continuam insistindo que a estabilidade do QI prova da existncia de uma lei naturbiolgica para as mentes humanas: os poucos superdotados alcanam a grandeza, enquantoque esto presos outra ponta do espectro fazem o papel de peso morto, de indesejveissociedade moderna. Nossa capacidade de aprimorar o desempenho acadmico de estudaque esto abaixo da mdia em termos de inteligncia extremamente restrita, escreCharles Murray em um artigo de opinio publicado no Wall Street Journal em 2007.

    questo de limitao Podemos ter esperanas de aumentar [as notas de uma criana cum QI pouco abaixo de 100]. Porm, ampliar seu vocabulrio ou reforar o ensinogramtica no vai lhe abrir novos horizontes. Alunos desse tipo s conseguem acompantextos escritos at certo nvel de complexidade. [Eles] no so inteligentes o bastante.

    Nem mesmo as melhores escolas, dentro das melhores circunstncias, conseguem supos limites de desempenho estabelecidos por limites intelectuais, afirma Murray sem rodei

    Contudo, uma avalanche de estudos em andamento pinta um quadro radicalmente opostointeligncia um quadro bem mais flexvel e esperanoso.

    Em meados da dcada de 1980, Betty Hart e Todd Risley, psiclogos do Kansas, perceberque havia algo de muito errado com o programa assistencial americano Head Start, destinadcrianas de famlias pobres. Ele consegue manter algumas crianas de baixa renda foralimite da pobreza e, consequentemente, longe do crime. No entanto, para um programa intervm em uma idade to jovem e razoavelmente bem-administrado e financiadrecebendo 7 bilhes de dlares anuais , ele no ajuda muito a aprimorar o sucesso escolarcrianas atendidas. Estudos revelam que os impactos positivos ficam apenas entre ligeir

    moderados para crianas de trs e quatro anos nas reas de alfabetizao e vocabulrio, seque no h impacto algum nas habilidades matemticas.

    Hart e Risley notaram que o problema no estava tanto na mecnica do programa, e simtimingdele. O Head Start estava chegando s crianas pobres tarde demais. Por algum motelas estavam ficando intelectualmente travadas bem antes de entrarem para o programantes mesmo de completarem trs e quatro anos de idade. Hart e Risley se lanaramdescobrir como e por qu. Eles queriam saber o que estava atravancando o desenvolvimdessas crianas to cedo. Ser que elas estariam sendo prejudicadas por genes inferiores,um ambiente inadequado, ou por algum outro fator?

    Eles desenvolveram uma nova (e exaustiva) metodologia: durante mais de trs acoletaram amostras do nmero real de palavras faladas para crianas pequenas de 42 famde trs nveis socioeconmicos diferentes: (1) lares dependentes de assistncia social; (2) lde famlias de baixa renda; e (3) lares de profissionais liberais. Ento, computaram os dado

    As diferenas foram chocantes. Crianas nascidas em lares de profissionais liberais eexpostas a uma mdia de 1.500 palavras faladas a mais por hora do que crianas de ldependentes de assistncia social. Em um ano, isso significa uma diferena de quase milhes de palavras, o que, em quatro anos de vida, gera uma disparidade de 32 milhepalavras. Os pesquisadores tambm descobriram uma diferena significativa no tom e

    complexidade das palavras usadas.

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    Enquanto analisavam os nmeros, eles detectaram uma correlao direta entrintensidade dessas primeiras experincias verbais e o posterior nvel de desempenho crianas. Ficamos pasmos com as discrepncias que os dados revelaram, escreveram HaRisley em seu livroMeaningful Differences. Os aspectos mais impressionantes [so] o gde diferena entre famlias e crianas especficas e a quantidade e importncia da experinacumulada pela criana antes dos trs anos de idade.

    Como era de esperar, a comunidade psicolgica reagiu com um misto de interesse e gra

    cautela. Em 1995, uma fora-tarefa da Associao Psicolgica Americana (APA, na sigla ingls) escreveu que essas correlaes podem ser intermediadas por fatores genticos, ascomo por (ou no lugar de) fatores ambientais. Notem a expresso no lugar de. Em 19pesquisadores de ponta ainda podiam imaginar que crianas com melhores condies de vsimplesmente herdavam genes mais inteligentes de pais mais inteligentes, e que palafaladas pudessem ser apenas um efeito gentico, e no a causa de nada.

    Hoje, sabemos que no assim. Sabemos que fatores genticos no agem no lugar fatores ambientais, mas que interagem com eles: GA. Diferenas genticas existem, clPorm, essas diferenas no so camisas de fora que nos prendem no mesmo lugar; elas

    cordas de bungee jump esperando para serem esticadas ao mximo. Quando gatiambientais positivos, como o hbito de falar com os filhos, so descobertos, a reao adequno se armar contra a possvel irrelevncia deles, e sim aceitar sua influncia em nogenes e em nossa vida.

    Atualmente, sabemos que alguns desses gatilhos so:Conversar com as crianas desde cedo e com frequncia. Esse gatilho foi descob

    pelo estudo incontestvel de Hart e Risley e reforado pelo Abecedarian Project (ProAbecedrio), da Universidade da Carolina do Norte, cujo objetivo era fornecer ambiente enriquecido para crianas desde o nascimento e cujos participa

    apresentaram um avano significativo em comparao a um grupo de controle. Ler para as crianas desde cedo e com frequncia. Em 2003, um estudo de mnacional revelou a influncia positiva de se ler para as crianas desde cindependentemente do nvel de instruo dos pais. Em 2006, um estudo semelhchegou mesma concluso quanto leitura, descartando, dessa vez, qualquer influnde raa, grupo tnico, classe social, gnero, ordem de nascimento, educao prvia, nde instruo materna, habilidade verbal materna e afeto materno.

    Criao e incentivo.Hart e Risley tambm descobriram que, nos primeiros quatro aaps o nascimento, crianas de famlias de profissionais liberais recebem 560 mil mincentivos do que censuras; j no caso de crianas de famlias de baixa renda, so ape100 mil incentivos a mais. Crianas de famlias dependentes de assistncia sorecebem 125 mil mais censuras do que incentivos.

    Criar grandes expectativas.Conforme descobriram Sherman e Key em 1932, crianse desenvolvem somente at onde o meio em que vivem exigeque elas se desenvolvam

    Aceitar fracassos. Tcnicos, diretores-executivos, professores, pais e psiclogos, toreconhecem atualmente a importncia de levar suas cobranas ao limite e alFracassos, no entanto, devem ser vistos como oportunidades de aprendizado, e no cosinais de uma limitao intrnseca e permanente.

    Incentivar uma mentalidade de crescimento. Carol Dweck, psicloga

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    dentro de qualquer escala acadmica convencional. E, ainda assim, quando os bem-instrufuncionrios de colarinho-branco da fbrica ocasionalmente tinham que empacotar um pedeles no conseguiam chegar nem perto da habilidade de um empacotador experiente debaixo em preencher caixas.

    Bem longe dali, na cidade de Kisumu, no Qunia, o psiclogo de Yale Robert Sternbdeparou-se exatamente com o mesmo fenmeno em 2001, quando estudava a inteligncicrianas em idade escolar que falavam luo. Primeiro ele avaliou o conhecimento que

    crianas tinham das ervas medicinais da regio, ento as avaliou dentro do currculo ocideda escola. Para surpresa de Sternberg, ele descobriu uma correlao significativamnegativa. Quanto melhor a criana se saa dentro da sabedoria indgena implcita, obserele, pior era o seu desempenho no teste de vocabulrio usado na escola, e vice-versa.

    Por que isso? E qual teste representava a verdadeira inteligncia?Na verdade, o mais provvel que nenhum desses estudos seja muito surpreendente par

    leitores. Todos ns estamos bastante familiarizados com a ideia de que existe uma sabeddas ruas e uma sabedoria das escolas. No entanto, os empacotadores de Baltimore ecrianas de Kisumu apresentaram um desafio e tanto para pesquisadores adeptos

    definies tradicionais de inteligncia. medida que Robert Sternberg observava o nmeroestudos como o seu aumentar documentando as habilidades intelectuais incomuns, e s veno verificveis, de crianas esquims dos Yup'ik, dos caadores !Kung San do desertoKalahari, dos meninos de rua brasileiros, dos apostadores em cavalos americanos e clientes de supermercados da Califrnia , ele percebeu que a falta de correlao entrhabilidades dessas pessoas e seus resultados em testes de QI exigia nada menos do que unova definio de inteligncia.

    Ele tambm detectou outro problema, que corroborou essa concluso: a distino cada mais tnue entre testes de inteligncia e testes de aptido como o SAT II. Quanto m

    Sternberg comparava os dois modelos, mais difcil se tornava encontrar diferenas reais eeles. Ambos avaliavam aptides, concluiu Sternberg habilidades desenvolvidas por indivduo.

    Tudo isso finalmente levou Sternberg uma das principais autoridades no estudointelecto humano a derrubar a muralha que impedia o pblico geral de compreendeverdade sobre a inteligncia.

    A inteligncia, declarou ele solenemente em 2005, representa uma srie competncias em desenvolvimento.

    Em outras palavras, a inteligncia no imutvel. A inteligncia no uma caractersgeral. A inteligncia no algo em si mesmo. Ela um processo dinmico, difuso e constaEssa descoberta se encaixa perfeitamente no trabalho anterior de Mihly Csikszentmihlseus colegas, que concluram que pessoas com alto desempenho acadmico necessariamente nascem mais 'inteligentes' do que as outras; elas apenas se esforam madesenvolvem uma maior disciplina.

    Ns podemos at nos convencer de que medir a inteligncia de uma pessoa como medcomprimento de uma mesa. Mas, na verdade, fazer isso se parece mais com pesar uma criade cinco anos de idade. O resultado s vale para o mesmo dia. Qual vai ser a medida noseguinte? Em grande parte, isso depende da criana e de todos ns.

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    E

    3 O fim do conceito de dom (e a verdadeira fontedo talento)

    Como a inteligncia, os talentos no so dons inatos, e sim resultado de um acmulo lento e invisvel dehabilidades que se desenvolvem desde o momento da concepo. Todos nascem com diferenas, ealguns com vantagens exclusivas para determinadas tarefas. Contudo, ningum geneticamentedestinado grandeza e poucos so biologicamente incapazes de alcan-la.

    m 1980, o jovem psiclogo sueco Anders Ericsson se viu trabalhando com o graWilliam Chase, um dos pioneiros da psicologia cognitiva. Na Universidade Carne

    Mellon, em Pittsburgh, Chase ajudava a explorar as implicaes do agrupamento, a tcnicamemorizao utilizada por todos os seres humanos para converter uma srie de detadispersos em uma nica e exclusiva memria. Nmeros de telefone, por exemplo, no armazenados em nossos crebros como dez dgitos separados, mas em dois grupos de fmemorizao: 5136-7387. Lembrar-se de oito itens aleatrios na ordem certa quimpossvel; lembrar-se de quatro fcil. O mesmo conceito se aplica a recordar palavmsica, posies em um jogo de xadrez e qualquer outro conjunto de smbolos. Granmentes no se lembram de mais dados brutos do que as outras pessoas; em vez disso, reconhecem padres com mais rapidez e formam agrupamentos com maior eficincia.

    O agrupamento havia representado um grande avano em nossa compreenso de commente funciona. Agora, Ericsson e Chase estavam interessados em aprender ainda mais soas graves limitaes da memria de curto prazo e como contorn-los. Enquanto a capacid

    da nossa memria de longo prazo parece ilimitada, novas lembranas so de uma fragilidquase pattica: o adulto saudvel mdio consegue justapor com segurana apenas trsquatro novos itens aleatrios. Uma limitao dessa ordem, observaram Ericsson e Chrestringe gravemente a capacidade humana de processar informaes e solucioproblemas.

    Mas e quanto s supostas excees a essa regra o punhado de clebres especialistasuso da memria (mnemonistas) que so capazes de recordar quantidades prodigiosasinformaes novas e aleatrias? Ericsson e Chase queriam saber se as pessoas de desempenotvel nesse sentido possuam um talento inato para a memorizao ou se tinham, de algu

    forma, desenvolvido suas habilidades extraordinrias. No intuito de responderem a pergunta, eles embarcaram em um experimento incomum e ambicioso.Tentaram criar um mnemonista do zero.Ser que a memria de curto prazo de uma pessoa poderia ser treinada, como

    malabarista, para lidar com uma quantidade muito maior de informaes? Havia apenas maneira de descobrir. Ericsson e Chase recrutaram um estudante universitrio mediano pum experimento pico. Testes revelaram que o estudante conhecido pelas suas iniciais, S

    possua uma inteligncia e uma memria de curto prazo normais. Em termosmemorizao, ele era exatamente como eu ou voc. Ento, eles comearam o treinamento

    trabalho era extenuante. Em sesses de uma hora cada, trs a cinco vezes por semana

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    O que ele fez foi o seguinte:Por acaso, S.F. corria em competies de atletismo. No comeo, aps tentar em

    simplesmente se lembrar do mximo possvel de nmeros aleatrios, ele percebeu que, quavisualizava uma srie desconexa de trs ou quatro dgitos como um s tempo de corrida exemplo, convertendo os nmeros 5-2-3-4 em cinco minutos e 23,4 segundos , os nmlhe vinham mente com bastante facilidade.

    No se trata de uma tcnica nova; atrelar pedaos desconexos de informao a mem

    antigas remonta aos palcios da memria gregos do sculo IV a.C. O truque consistecombinar a nova informao a algum sistema ou imagem que j exista na sua cabea. exemplo, uma professora pode transferir mentalmente o rosto e o nome de cada aluno npara um cmodo diferente da sua prpria casa: Lucas na sala de jantar; Oscar na despeMalcolm parado diante da pia da cozinha. A vantagem dessa tcnica, explicaram EricssoChase em seu relatrio, que ela alivia a carga sobre a memria de curto prazo, polembrana pode ser alcanada por meio de uma simples associao com um cdpreexistente na memria de longo prazo. S.F., como todo e qualquer mnemonimpressionante antes dele, no transformou seu limite de memria natural; em vez disso,

    simplesmente mudou a forma de criar novas memrias para tirar vantagem de um sistemmemorizao diferente e menos restritivo.Porm, como os pesquisadores puderam ter certeza de que S.F. realmente no ha

    alterado sua capacidade de memorizao de curto prazo? simples: entre as sesses nmeros, eles tambm o testaram para letras do alfabeto aleatrias: U Q B Y

    Sempre que faziam isso, o desempenho de sua memria voltava imediatamentenormal. Sem truques mnemnicos especiais e bastante prtica contextual, sua memriacurto prazo voltava a ser to comum quanto a de qualquer um de ns.

    Ericsson e Chase publicaram seus resultados na prestigiosa revista Science

    posteriormente eles seriam corroborados diversas vezes. A concluso a que chegaram foi:Esses dados sugerem que no possvel aumentar a capacidade da memria de curto prazo atravs da prextensiva. Em vez disso, qualquer aumento no grau de memorizao se d graas ao uso de associaes mnemcom a memria de longo prazo. Com o sistema mnemnico e a estrutura de recuperao de informaes adequno parece haver limites para o aprimoramento da capacidade de memorizao atravs da prtica.

    A lio foi dupla: quando o assunto capacidade de memorizao, no h coescaparmos da biologia humana bsica e tampouco h a necessidade disso. Para lembrarmos de grandes quantidades de novas informaes, precisamos apenas das estratcertas e da quantidade adequada de treinamento intensivo, ferramentas que, teoricame

    esto ao alcance de qualquer ser humano funcional.Assim comeou a incrvel odisseia de Anders Ericsson em busca de explicaes par

    talento. Ele logo suspeitou de que a importncia de sua descoberta ia muito alm de enigmentais como a geometria ou o xadrez. Nela, ele imaginou, havia implicaes relacionadcapacidade de tocar violoncelo, acertar um arremesso de basquete, pintar um quadro, prepsaqu, interpretar uma tomografia computadorizada a qualquer habilidade em que desempenho em tempo real dependa do conhecimento e da experincia de algum. Embno pudesse ter certeza na poca, Ericsson suspeitava ter acabado de descobrir a chave ocpara os domnios velados do talento e da genialidade.

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    Ele tinha razo.

    Testemunhar faanhas verdadeiramente extraordinrias algo misterioso, admirvel e intimidador por natureza. Que pensamentos assombrosos passam pela cabea de qualqpessoa quando ouve Midori tocando, aos dez anos de idade, a cadenzaSauret de Paganini tamanha graa e destreza? Alm da sensao de fascnio, h tambm uma comparainevitvel consigo mesmo o reconhecimento de que, se voc passasse o mesmo arco sobrmesmas cordas daquele exato violino, os guinchos estridentes que encheriam o recinto fartodos sarem correndo dali em desespero.

    Da mesma forma, quando observamos David Beckham dar um efeito de curva bola pfazer um gol, ou Michael Jordan sair voando em direo ao aro, ou Tiger Woods fazer ubolinha de golfe minscula viajar por trezentos metros e cair a centmetros do buraco, temsensao arrebatadora, mas ao mesmo tempo deprimente, de que no possvel que ecriaturas extraordinrias pertenam mesma espcie que eu ou voc.

    Podemos chamar isso de o abismo da grandeza aquela sensao de que h um infinito e permanente entre os supertalentosos e os meros mortais, como ns. Essa sensaprecisa desesperadamente de uma explicao consoladora: essas pessoas possuem algo quno tenho. Nasceram com algo que ficou faltando em mim. Elas tm um dom.

    Essa uma suposio arraigada em nossa cultura. Talento definido pelo Oxford EngDictionary como dote mental; habilidade inata, e remonta at a parbola sobre os talenno Evangelho segundo so Mateus. As palavras dom e dotado tm suas origens no scXVII. O termo gnio, conforme o usamos atualmente, remonta ao final do sculo XVIII.

    Os sculos mais recentes esto repletos de afirmaes que corroboram a ideia de tale

    inatos:

    Poetas e msicos o so de nascena, declarou o poeta Christian Friedrich Schubart,1785.

    O gnio musical um dom da Natureza inato, inexplicvel, insistiu o compositor PLichtenthal em 1826.

    No pergunte, jovem artista, 'o que a genialidade?', proclamou Jean-Jacques Roussem 1768. Ou voc a possui, e ento consegue senti-la em si mesmo, ou no, e jamsaber o que ela .

    No sculo XX, a suposta fonte de um dote natural de uma pessoa deixou de ser divina pse tornar gentica, porm, o conceito fundamental de dom basicamente o mesHabilidades excepcionais eram algo concedido a pessoas muito sortudas.

    notvel que Friedrich Nietzsche divergisse dessa opinio. Em seu livroHumdemasiado humano, publicado em 1878, ele descreve que a grandeza est mergulhada emprocesso do qual os grandes artistas so participantes incansveis.

    Artistas possuem um interesse especial em nossa crena em lampejos reveladores, mais conhecidos como inspira

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    [que emanam] dos cus como um raio de graa divina. Na verdade, a imaginao do bom artista ou pensador prode forma contnua, coisas boas, medocres e ruins, porm, seu juzo, treinado e afiado com esmero, rejeita, selecassocia Todos os grandes artistas e pensadores [so] grandes trabalhadores, infatigveis no s ao inventar,tambm ao descartar, burilar, transformar e ordenar.

    Como exemplo decisivo, Nietzsche cita os cadernos de rascunho de Beethoven, revelam o processo lento e doloroso do compositor de testar e experimentar fragmentomelodia como um qumico que despeja diversas misturas em uma srie de bqueres diferen

    Beethoven s vezes fazia sessenta ou setenta rascunhos de uma frase antes de se contecom a verso final. Fao muitas mudanas, descarto-as e volto a tentar, at ficar satisfeiafirmou o compositor a um amigo, certa vez. S ento passo a trabalhar a amplituddurao, o peso e a profundidade em minha cabea.

    Infelizmente, nem a argumentao sutil de Nietzsche nem a confisso sincera de Beethoforam bem-acolhidas pelo pblico em geral. Em vez disso, a ideia mais simples e msedutora do dom prevaleceu e, desde ento, tem sido, de forma inconsequente e precipitreforada por bilogos, psiclogos, educadores e pela mdia. Trs ingredientes bsicomantiveram em voga:

    1. O fenmeno sem explicao das crianas prodgio e savants: pequenos MozarMidoris que possuem habilidades espetaculares aparentemente vindas do nada.

    2. O mito dos genes enquanto modelos: uma explicao simples e tentadora sobre a origdo talento, que no foi refutada de forma significativa at hoje.

    3. A falta de alternativas convincentes: no h nenhuma prova abrangente na direcontrria por parte dos cientistas, e nenhum contra-argumento eficaz por parte escritores.

    Tudo isso fez com que o dom fosse a nica explicao aceitvel para as habilidaexcepcionais. Poucos psiclogos ou educadores resistiram tentao de us-lo cargumento resumido quando o assunto era talento.

    Anders Ericsson, no entanto, resistiu.Depois de seus experimentos com a memria, em 1980, o velho dogma do d

    simplesmente no parecia mais fazer sentido. Embora no fosse um geneticista e, na pno tivesse como saber como todo o mito dos genes como modelos era equivocado,desafiou as convenes e props um novo e radical conceito sobre o talento: ele no sercausa, mas sim o resultado, de algo. Em sua viso, o talento no criaria um processo, e seria o resultado final dele. Se isso fosse verdade, significaria que um alto desempenhovrias esferas fsicas e criativas est muito mais ao alcance dos seres humanos do que sugeconceito de dom.

    Ao longo das ltimas trs dcadas, Ericsson e seus colegas revigoraram o campo estudos de habilidades, em grande parte estagnado, para verificar essa ideia, examinandalto desempenho de todos os ngulos possveis: memria, cognio, prtica, persistnresposta muscular, relao professor/aprendiz, inovao, atitude, reao a fracassos, e aspor diante. Eles analisaram golfistas, enfermeiras, datilgrafos, ginastas, violinistas, jogadde xadrez, jogadores de basquete e programadores de informtica.

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    Tambm examinaram muitos dos eloquentes mitos histricos de talento e genialidadeixando para trs os clichs para tentarem retirar deles alguma lio realista. Acima de toas lendas sobre o dom estava, claro, a misteriosa genialidade do menino Wolfgang AmadMozart, supostamente um msico magistral aos trs anos de idade e um compositor brilhaos cinco. Dizia-se que seu talento espetacular para a msica havia surgido do nada, e prprio pai o promovia como o milagre que Deus permitiu que nascesse em Salzburg.

    A realidade sobre Mozart, no entanto, bem mais interessante e bem menos misteri

    Suas primeiras realizaes embora muito impressionantes, sem dvida , na verdade, fazbastante sentido se considerarmos sua criao extraordinria. E a genialidade inegvel quedesenvolveria posteriormente acaba servindo como uma excelente propaganda do poderprocesso.

    Mozart estava imerso em msica desde bem antes do seu nascimento, e sua infnciabastante diferente de qualquer outra. Seu pai, Leopold Mozart, foi um msico, compositprofessor austraco de grande ambio, que ganhou um amplo prestgio com a publicaoseu livro Versuch Einer Grendlichen Violinschule (Um tratado sobre os fundamentos da de tocar violino). Leopold passara algum tempo sonhando em ser ele mesmo um gra

    compositor. Porm, ao se tornar pai, comeou a mudar o foco de sua prpria carrinsatisfatria e direcion-lo aos filhos talvez, em parte, porque sua carreira j havia chegao auge: ele era Vizekapellmeister (vice-diretor musical); o posto principal no sdesocupado to cedo.

    Muito bem-posicionado, e desesperado para deixar algum tipo de marca duradouramsica, Leopold iniciou seu empreendimento musical familiar antes mesmo de Wolfgnascer, concentrando-se primeiro em sua filha Nannerl. Seu complexo mtodo de enderivava, em parte, do professor de msica italia