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O GENOCÍDIO DO POVO PRETO COMO REFLEXO DA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA SOCIABILIDADE DO CAPITAL NO BRASIL 1 Autor:Nando Comunista Ano:2017 "O estado é um produto do antagonismo inconciliável das classes". (LENIN, 2007). O Fórum Hip Hop Municipal - SP, sempre pautou como centro do debate, perante a sociedade, a luta contra três formas de manifestações da coisificação do outro: 1) o preconceito racial; 2) a discriminação racial; e 3) o racismo. Não tratamos o racismo de forma isolada dos outros conflitos sociais e formas opressora dessa sociedade, muito pelo contrário, assim como não partimos do indivíduo isolado, atomizado, entendemos que o ser social está inserido em múltiplas relações e que na sociedade capitalista este ser se constitui cada vez mais preso no seu próprio individualismo e no egoísmo típico dos valores consagrados do capital. Segundo Marx “[...] A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização e sepultamento, nas minas, da população nativa, o início da conquista e saque das Índias Orientais, a transformação da África num campo para a caça comercial aos [pretos], assinalaram a aurora da produção capitalista. Estes antecedentes idílicos constituem o principal impulso da acumulação primitiva(Marx: 1994). As entificações das relações raciais no Brasil atende a uma forma de expansão das capacidades produtivas e de acumulação primeira de Capital, desde a longa transição do regime feudal. Estas entificações foram originadas do processo de exploração da força de trabalho do povo africano na América. Logo as entificações do racismo são produto direto de um processo ontológico fundante do ser social, isto é, o trabalho. Visto como produto da práxis humana e da relação de exploração de trabalho e não de abstrações estranhadas por motivação de pigmentação da pele, imigração, posições racistas de academicistas (principalmente de esquerda), etnicidade, bem assim qualquer tentativa de explicação subjetivista as manifestações racistas se metabolizaram dentro de um cenário de barbárie e se perpetuam nas asas do irracionalismo. A escravidão moderna no continente africano e em toda a América esteve diretamente ligada com as necessidades de acumulação de capital. Só a partir desta leitura, podemos entender como o Brasil é parte deste processo global de extração e exploração, denominado por Marx (1994) de "acumulação primitiva do capital". Parafraseando o autor, podemos afirmar que a extração de ouro e prata na América, acompanhada pelo extermínio e escravização das populações indígenas, obrigadas a trabalhar nas minas, o princípio de conquista e pilhagem das Índias Orientais e a tomada da África como grande campo de caçada de seres humanos, cujos 1 Texto escrito por Wellington Lopes Goes (AK47 Poietike), Cientista Social, Rapper dos Fantasmas Vermelhos, graduado em Ciências Sociais pela Pontífice Universidade Católica (PUC-SP), integrante do Coletivo de Esquerda Força Ativa e do Fórum Hip Hop Municipal-SP. Djalma Lopes Góes, graduado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André, Rapper, Sociólogo, integrante do Coletivo de Esquerda Força Ativa e do Fórum Hip Hop Municipal-SP.

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O GENOCÍDIO DO POVO PRETO COMO REFLEXO DA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA

SOCIABILIDADE DO CAPITAL NO BRASIL1

Autor:Nando Comunista

Ano:2017

"O estado é um produto do antagonismo

inconciliável das classes". (LENIN,

2007).

O Fórum Hip Hop Municipal - SP, sempre pautou como centro do debate, perante a

sociedade, a luta contra três formas de manifestações da coisificação do

outro: 1) o preconceito racial; 2) a discriminação racial; e 3) o racismo.

Não tratamos o racismo de forma isolada dos outros conflitos sociais e

formas opressora dessa sociedade, muito pelo contrário, assim como

não partimos do indivíduo isolado, atomizado, entendemos que o ser

social está inserido em múltiplas relações e que na sociedade capitalista

este ser se constitui cada vez mais preso no seu próprio individualismo e no egoísmo típico dos

valores consagrados do capital.

Segundo Marx “[...] A descoberta de ouro e prata na América, a extirpação, escravização

e sepultamento, nas minas, da população nativa, o início da conquista e saque das Índias

Orientais, a transformação da África num campo para a caça comercial aos [pretos], assinalaram

a aurora da produção capitalista. Estes antecedentes idílicos constituem o principal impulso da

acumulação primitiva” (Marx: 1994).

As entificações das relações raciais no Brasil atende a uma forma de expansão das

capacidades produtivas e de acumulação primeira de Capital, desde a longa transição do regime

feudal. Estas entificações foram originadas do processo de exploração da força de trabalho do

povo africano na América. Logo as entificações do racismo são produto direto de um processo

ontológico fundante do ser social, isto é, o trabalho. Visto como produto da práxis humana e da

relação de exploração de trabalho e não de abstrações estranhadas – por motivação de

pigmentação da pele, imigração, posições racistas de academicistas (principalmente de

esquerda), etnicidade, bem assim qualquer tentativa de explicação subjetivista – as

manifestações racistas se metabolizaram dentro de um cenário de barbárie e se perpetuam nas

asas do irracionalismo.

A escravidão moderna no continente africano e em toda a América esteve diretamente

ligada com as necessidades de acumulação de capital. Só a partir desta leitura, podemos

entender como o Brasil é parte deste processo global de extração e exploração, denominado por

Marx (1994) de "acumulação primitiva do capital". Parafraseando o autor, podemos afirmar

que a extração de ouro e prata na América, acompanhada pelo extermínio e escravização das

populações indígenas, obrigadas a trabalhar nas minas, o princípio de conquista e pilhagem das

Índias Orientais e a tomada da África como grande campo de caçada de seres humanos, cujos

1 Texto escrito por Wellington Lopes Goes (AK47 Poietike), Cientista Social, Rapper dos Fantasmas Vermelhos,

graduado em Ciências Sociais pela Pontífice Universidade Católica (PUC-SP), integrante do Coletivo de

Esquerda Força Ativa e do Fórum Hip Hop Municipal-SP.

Djalma Lopes Góes, graduado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André, Rapper, Sociólogo, integrante

do Coletivo de Esquerda Força Ativa e do Fórum Hip Hop Municipal-SP.

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objetivos foram o lucro, são eventos que marcam os albores da era da produção capitalista. Mas

ao tentarmos compreender a nossa realidade, enquanto população preta requer um esforço onde

a chave está na formação social do Brasil.

Fora do campo das teses consagradas que fizeram análises do Brasil com o referencial

“eurocêntrico”, reducionista ou até mesmo mecanicista, tendo como espelho a luta de classes

na Europa, parte de uma suposta esquerda e de sua própria intelectualidade não conseguiram

compreender a dinâmica das lutas de classes no Brasil, tendo como foco a industrialização,

fazendo uma leitura separada da escravização do povo africano na América e sem relacionar

com o capitalismo impulsionado na Europa por meio da colonização.

A formação social do Brasil não se dá de forma pacífica,

harmônica ou com ausência de conflitos. Muito pelo contrário, os mais

de três séculos de escravismo e colonização não são outra coisa senão:

uma necessidade do capital que se configurava a partir dos domínios de

outros territórios e da revolução industrial. Ao mesmo tempo em que

fez parte deste processo global, o Brasil de forma particular, após servir de local para

exploração, escravização, também vai se organizando internamente para o capitalismo. Temos

que entender como foi estes dois movimentos que se unem em determinado momento. Desta

forma, a via de constituição do capitalismo no Brasil é a colonial; o país sempre foi dominado

pela metrópole e, ao ser o último país a acabar com a escravidão, instala o capitalismo de forma

dependente.

Antes de abolir a escravidão, as elites brasileiras já esboçavam um projeto posterior, a

burguesia não era unitária quanto ao teor do projeto; ela própria lutava entre si, mas havia um

ponto comum: os pretos à margem do sistema produtivo de diferentes formas. Dentro desta

perspectiva, a política pensada pelas elites tinha uma preocupação: o que fazer com esta imensa

população afro, que agora é "liberta"? Para responder a esta preocupação, o Brasil projetou três

tipos de políticas: de controle social, de branqueamento e de genocídio.

A política de controle social passava por uma instância jurídica que focava leis de

restrições de liberdade a esta população, leis que restringiam a circulação dos pretos na rua,

proibição de manifestações culturais de matriz africana como a capoeira, cultos religiosos;

enfim, marginalização do que não fosse cópia europeia. Não foi por acaso que veio a Lei da

Vadiagem.

Já a política de branqueamento visava à entrada de europeus no Brasil, primeiro usados

como mão-de-obra e, depois, com o objetivo de miscigenar com os africanos para que a

população fosse embranquecendo de forma gradual, até não existir mais pretos. Esta ideia foi

bastante presente.

Moura (1988) em sua obra de envergadura, “A sociologia do negro brasileiro”, tematiza

e expõe com desenvoltura e propriedade o processo de branqueamento adotado pelo Senhores

de Engenho e a Coroa Brasileira, nos mostra o quanto esse projeto de nação foi eficiente para

as elites desde escravismo tardio 1850 até 1900:

[...] Podemos reparar pelos dados acima, que há uma relação entre o processo

de decomposição do sistema escravista e o ritmo de entrada de imigrantes

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europeus [...]. À medida que segmentos escravos, por várias razões, eram

afastados do sistema de produção, entrava, em contrapartida, uma população

branca livre para substituí-los. Não por acaso, logo em seguida, foi criada a

Lei da Vadiagem para agir como elemento de repressão e controle social

contra essa grande franja marginalizada de negros e não-brancos em geral.

(MOURA, 1988, p 85).

Com esta problematização, partindo da colonização e da constituição do modo de

produção capitalista no Brasil, podemos explicar os ataques, as leis de repressão, extermínio e

de controle social da população preta, como uma necessidade das elites conservadoras

brasileiras de cunho agrarista. O entendimento deste momento histórico

é a chave no qual ajuda a perceber toda a situação de opressão que vive

a população preta, especificamente do pós-abolição aos dias de hoje.

Isto posto, em linhas gerais, é possível verificar como se deu a

entificação do racismo, como uma ideologia que justifica a dominação,

a superexploração e a violência do estado direcionado a população

preta, mas não entendemos o racismo como uma ideia ou simplesmente ideologia: ele surge das

relações de dominação praticadas pelo Estado e as suas leis, portanto, das relações de poder.

A política de genocídio era e é, sistemática, é comum ver a repressão do aparato militar

sobre esta população preta. O genocídio não se resumia apenas a situações de violência física,

soma-se a ele o grande número de mortalidade infantil, violência no parto, mortalidade materna,

morte por falta de comida e por doenças devido ao modo de vida em que esta população preta,

principalmente dos bairros periféricos estão imersas. Todas estas políticas foram deliberadas e

executadas pelo Estado, amparadas por justificativas teóricas pseudocientíficas, financiadas

pelo Estado elitista, como as defendidas por Nina Rodrigues (1939).

Se buscarmos na História, foram poucos os períodos de liberdade democrática no Brasil.

A vigilância e a criminalização dos movimentos sociais sempre se fizeram presente e várias

organizações que lutaram contra o racismo foram perseguidas. Esta ação da burguesia

autocrática, em parceria com o Estado, foi utilizada com o objetivo de manter a dominação de

classes, fazendo com que a classe trabalhadora ficasse no imobilismo não questionando esta

relação de opressão com a radicalidade necessária.

A burguesia no Brasil sempre agiu de forma terrorista, autocrática, autoritária, temendo

a organização popular, e antecipando-se a estes movimentos se utilizando de muita repressão,

desde a República Velha até ao nosso período chamado democrático. República Velha, Nova,

Estado Novo, Ditadura de Vargas, Ditadura Militar de 64 e Democracia, não importa a época,

o povo preto foi sempre oprimido e esmagado pelo Estado Terrorista e seu poder repressivo,

pois o racismo estrutural e institucionalizado funciona muito bem quando sustentado pelos

instrumentos da classe dominante, principalmente, as forças policiais, culminando em uma

ideologia que estabelece padrões, onde o que é bom, bonito e belo é associado ao mais próximo

do branco; logo, tudo de ruim, feio e perigoso é associado os pretos e aos não-brancos.

Todavia, a burguesia autocrática sempre tratou os pretos como potencialmente

perigosos, uma vez que a presença destes esteve ligada aos movimentos de resistência, seja no

Império, como nas fases seguintes da História do Brasil. Lutavam por condições melhores de

vida e pelos direitos básicos que garantissem minimamente a satisfação das necessidades. A

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burguesia autocrática é incapaz de fazer qualquer tipo de concessão, mesmo no âmbito das

políticas sociais, basta verificarmos a discussão sobre as ações afirmativas e observar o discurso

da burguesia contra essas ações.

A premissa de que todos são iguais é falsa quando olhamos para a realidade e vemos

que o mundo em que vivemos é o mundo onde o capital impõe as suas regras e o “Estado

Branco/Bandeirantes” vira apenas o executor desta política para a burguesia. Tudo isso mostra

como o racismo "cordial" age no Brasil. O racismo continua sendo uma ideologia dominante

nessa sociedade, que inferioriza o preto por ação do Estado - primeiro violador dos direitos

humanos - com suas políticas sociais voltadas para o privilégio da

burguesia.

É a partir deste campo que o racismo ganha força na sociedade,

primeiramente impedindo a reprodução e realização da vida. Da base

produtiva se espalha para as demais relações sociais, uma vez que o

campo de trabalho se reduz, por outro lado, o Estado nega os direitos

básicos para a realização da vida, os métodos de barragens são estendidos na vida social,

sobretudo, por uma educação e acesso aos bens materiais negados.

Perceba que a sociedade vai fechando o cerco, as oportunidades inexistentes, esta

realidade forja os jovens que irão vender drogas para sobreviver, que irão de alguma forma

transgredir as leis, o próprio conceito de “criminoso” é uma produção social que tem a

juventude preta como alvo, soma-se a isso uma política rigorosa de controle social que vai se

refletir no extermínio de uma parte da juventude preta promovida pela polícia. Os efeitos do

racismo, na sua vertente genocida, acabam sendo bem perverso: explora mais o trabalhador

preto, nega direitos, cria métodos de barragens, promove o extermínio pela força policial,

encarcera e controla a juventude preta.

Tendo como foco sempre a repressão, a burguesia autocrática no comando do Estado

pratica o genocídio contra os pretos, estes morrem violentamente pela ação da polícia - um dos

braços armados do Estado. Morrem por falta de comida, por falta de atendimento nos serviços

de saúde, morrem por doenças que poderiam ser evitadas, etc.

Na contemporaneidade, os povos que trabalharam cerca de quatrocentos anos, sem

remuneração, estão recebendo como reconhecimento da sociedade classista brasileira, uma

premiação sepulcra, ou seja, processo de execução denominado GENOCÍDIO. Vemos o

entendimento de genocídio expresso por Abdias do Nascimento (1978):

[...] GENOCÍDIO - geno-cídio. O uso de medidas deliberadas e sistemáticas

(como morte, injúria corporal e mental, impossíveis condições de vida,

prevenção de nascimentos), calculadas para a exterminação de um grupo

racial, político ou cultural, ou para destruir a língua, a religião ou a cultura de

um grupo. Webster's Third New lnternational Dictionary of the English

Language, Massachussetts,1967. (NASCIMENTO, 1978, p. 8).

A política de GENOCÍDIO como recompensa, resultante direta do regime escravista e

do processo de Eugenia, fundado na exploração de trabalho realizado na forma da mais-valia

absoluta, se traduziu nos tentáculos da sociedade, pelo seu principal veículo de dominação da

burguesia, isto é, o Estado. Por meio da negação de acessibilidade dos povos preto aos serviços

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públicos e por ação deliberada, mesmo antes da formação clássica do Estado Brasileiro.

Exterminar e executar africanos, provenientes do processo de escravização, passando pela

racialização dos postos de trabalho e superexploração de trabalho é uma práxis cultural do setor

das elites conservadoras (famílias milionárias) da nossa sociedade. Para ilustrar o que se afirma

como prática de genocídio, podemos recorrer a Celso Furtado e veremos o que ele teceu acerca

da questão. Furtado ressalta essa prática genocida da sociedade brasileira frente aos

trabalhadores africanos da época, num texto que trata do problema da mão-de-obra:

[...] O primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indica que nesse ano

existiam no Brasil aproximadamente 1,5 milhão de escravos. Tendo em conta

que o número de escravos, no começo do século, era de algo mais de um

milhão, e que nos primeiros cinquenta anos do século XIX se importou muito

provavelmente mais de meio milhão deduz-se que a taxa de mortalidade era

superior à natalidade. É interessante a evolução diversa que teve o estoque de

escravos nos dois principais países escravistas no continente: os EUA e o

Brasil. Ambos os países começaram o século XIX com um estoque

aproximadamente um milhão de escravos. As importações brasileiras, no

correr do século, fora cerca de três vezes maiores do que as norte-americanas.

Sem embargo ao iniciar-se a Guerra de Secessão, os EUA., tinham uma força

de trabalho escrava de cerca de quatro milhões e o Brasil à mesma época algo

de 1,5 milhão. (FURTADO, 2005, p. 105).

Por outro lado, na sociabilidade negada aos estratos da classe trabalhadora, sobretudo o

povo preto, o genocídio, é cotidianamente afirmado pela política voraz de eliminação de pretas

e pretos. Podemos utilizar as formas pacificadoras utilizadas nos morros no estado do Rio de

Janeiro, as chamadas, Unidade de Polícia Pacificadora (UPP’s) e as ações policiais na cidade

de São Paulo, relembrando o número de assassinatos contra a população preta. Para reforçar o

que estamos falando, em termos de oficialidade, citaremos alguns dados dos índices de

mortalidade dos últimos dez anos, o Mapa da Violência.

Segundo dados do Instituto Sangari (2011), na década anterior o número de pessoas

pretas executadas na sociedade por motivo de arma de fogo vem crescendo a cada ano. Existe

um diferencial de evolução entre brancos e [pretos].

Em 2002, morriam proporcionalmente 58,8% mais [pretos] do que brancos. Se esse já

é um dado grave, em 2005, esse indicador sobe mais ainda: vai para 96,4%. E, em 2008, o

índice atinge 134,2%”.

Essa queda tendencial da taxa de homicídios dos brancos reflete um aumento da taxa de

homicídios da população preta, isto ocorreu em todos os estados da federação:

O número de vítimas brancas caiu de 18.852 para 14.308, o que representa uma

queda significativa, da ordem de 24,1%;

Entre os [pretos], o número de vítimas de homicídio aumentou de 26.915 para

30.193, o que equivale a um crescimento de 12,2%. Com isso, a brecha

preexistente cresceu, no quinquênio, 36,3%;

Em 2007, surge um novo patamar: morrem proporcionalmente 107,6% mais

[pretos] do que brancos, isto é, mais que o dobro! (Mapa da Violência 2010).

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Há que se mencionar que os dados do ano de 2102 do Mapa da Violência referente ao

quesito cor, registrou o número de 6.823 brancos vítimas de homicídios, enquanto a quantidade

de pretos vítimas de homicídio foi de 23.160, isto significa que mais de 300% de pretos em

relação aos brancos foram exterminados. Fica patente a política de Genocídio: encarceramento

em massa, racialização dos postos de trabalho, métodos de barragens e negação aos direitos

sociais básicos - saúde, educação, emprego e mobilidade urbana, imobilismo social e a

eliminação física praticada pelas Forças Policiais (Policia Civil, Polícia Militar, Polícia Federal,

Guardas Civis Municipais, Força Nacional de Segurança e Forças Armadas), estas ações do

Estado Brasileiro, continuidade da Eugenia, se consolida com Política de Genocídio, a marca

deliberada pela sociedade brasileira, reservados aos pretos em todos os

estados do País.

Trabalhamos para a superação do antagonismo entre as classes

e entre classe trabalhadora e racismo, uma vez que só o trabalhador

pode afirmar o gênero humano, por tanto a emancipação pressupõe,

antes de tudo, o rompimento da alienação e do estranhamento do ser para com o próprio ser,

sendo assim, o racismo se enquadra nas barreiras criadas pelo capital que limita qualquer tipo

de projeto unificado no sentido de trazer para o centro a afirmação da “humanidade sofredora”

(Marx: Manuscritos Econômico-Filosóficos). Neste sentido fica a tarefa - não só do Fórum Hip

Hop Municipal-SP e demais movimentos de contestação do Capital - de quem luta pela

emancipação humana o combate ao racismo, logo a luta contra o racismo deve ter como meta

teleológica a emancipação humana.

Existem setores populares dos movimentos que acreditam que esta democracia dos ricos

pode ser aperfeiçoada, podendo eliminar o racismo; assim como há outros setores que

perceberam que esta democracia é importante, porém insuficiente de resolver nossos

problemas. Portanto, vemos que a luta antirracista é fundamental, pois temos que pautar,

enquanto movimento social, a necessidade de ruptura com este modelo de sociedade,

construindo um projeto que dê conta das demandas do oprimido historicamente. A isto cabe a

tarefa de transformar radicalmente esta sociedade, se não seremos meros oprimidos,

controlados pela sociabilidade do capital, sem ação, sem crítica e sem a capacidade de dar um

basta a esta realidade.

Não podemos perder de mira que o conservadorismo é a base do pensamento elitista

brasileiro, pois objetiva-se manter privilégios por todos os meios, controlar e impedir qualquer

possibilidade de libertação do oprimido, “um projeto [preto] radical no Brasil é como uma

bomba atômica que vai derrubar todas as estruturas do país” (MOURA: 2014, p. 21).

Referências

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tardio. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil: O problema da mão-de-obra, Cia das

Letras, São Paulo, 2005.

LENIN. V. I. O Estado e a revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

MARX, K. O capital, vol.1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

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MOURA, C. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988.

________, C. Dialética Radical do Brasil Negro. 2 Ed. São Paulo: Fundação Maurício Grabois

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ASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro: processo

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RODRIGUES, N. As collectividades anormaes. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1939.

WAISELFISZ, Julio Jacobo Mapa da Violência 2010, 2011 e 2014:

Anatomia dos homicídios

no Brasil. Instituto Sangari, São Paulo.