O Glicério por suas crianças

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Publicação retrata o trabalho de educadores do Criança Fala, Comunidade escuta, do Criacidade, no bairro do Glicério, na zona central da capital paulistana.

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Page 1: O Glicério por suas crianças

Luís

Breno

Samira

Pedro

Tiff any

Kelvin

Maycon

Emilly

Thalia

Thiago

Eloiza

Gustavo

Graça

Alessandro

Gabriela

Nicolle

João Pedro

Matheus

Stéfane

apoio

realização

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Às crianças do Glicério, que nos receberam de coração e braços abertos...

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Às crianças do Glicério por encantar a alma das ruas com a sua presença alegre e por participarem das oficinas do projeto nos ensinando sobre o Glicério;

Às famílias da Rua Sinimbu e da Rua do Glicério por todo carinho;

À comunidade do Glicério por receber de braços abertos o Projeto Criança Fala;

À Igreja da Paz que abriu suas portas para realizarmos as oficinas lúdicas de escuta com as crianças para construção do mapa afetivo;

Ao Rodrigo de Moura por conduzir com leveza as oficinas de construção do mapa afetivo com as crianças e a elaboração da publicação do mapa afetivo;

À equipe Criança Fala: Estefânia, Beto, Cris, Simpla, Aeros Contabilidade, Sérgio Mello por acreditarem neste sonho e fazerem ele se tornar real!

À Juliana Rosa pelas lindezas de fotos!

À São Paulo Carinhosa pela atuação integrada e intersetorial das secretarias municipais no território do Glicério;

Ao Red Bull Amaphiko pelo apoio de mentoria com Ricardo Mello.

Ao Instituto C&A, ao Aldeias Infantis SOS Brasil e ao UNICEF por viabilizarem a impressão desta publicação.

À Fundação Bernard Van Leer por acreditar no projeto e viabilizá-lo com todo seu apoio ao projeto;

Nayana BrettasFundadora da CriaCidade e coordenadora do

Projeto Criança Fala na Comunidade – Escuta Glicério

Abraços apertados de agradecimento

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É com o objetivo de fazer da cidade o palco protagonizado também por

outros atores além dos adultos – as crianças – que o Projeto Criança Fala na

Comunidade vem escutando as crianças, para incluir seus olhares e suas vozes

nas transformações dos espaços públicos e privados.

É preciso estar presente na cidade para senti-la, é preciso vivê-la para

estabelecer vínculos afetivos, para que se possa criar uma relação de

pertencimento, de apropriação, de identidade com o espaço.

Esta publicação dos mapas afetivos do Glicério faz parte do Projeto Criança

Fala na Comunidade – Escuta Glicério, e tem como objetivo mostrar locais

afetivamente importantes para as crianças moradoras da Baixada do Glicério.

Convidamos todos a sentir o Glicério pelos olhares e pelas vozes das crianças!

Embarquem com a gente neste caminhar afetivo pelo Glicério!

De quem é

esse bichinho? Eu vou levar ele com

todo carinho

por que é do seu f lho! - Graça

Nos meus trajetos pela cidade, percorridos nos diferentes meios de locomoção

– a pé, de ônibus, de trem, de metrô, de carro –, meus olhos buscam ver o

encantamento, a alegria, o brincar das crianças; meus ouvidos buscam ouvir

seus risos, suas vozes e conversas; meu corpo busca o encontro inesperado

com o corpo de uma criança que vem correndo, e me tromba ou me abraça;

busco sentir os sonhos, os olhares, as vozes das crianças pela cidade. Mas

o que vejo é uma cidade silenciada de vozes de crianças e esvaziada de

sua presença. O intervalo entre o verde-amarelo-vermelho do semáforo é o

tempo que as crianças têm para ver e sentir a cidade até que tudo volte a se

movimentar, e elas voltem a ver uma “cidade passante”.

Mesmo não sendo convidadas a pensar e a criar a cidade, as crianças tentam

(re)criá-la à sua maneira, por meio do brincar. No brincar com a cidade,

convidam a si mesmas a participar, atribuindo outras formas e funções aos

espaços, objetos e equipamentos da cidade. Um banco transforma-se em um

barco; o poste de iluminação, em um divertido brinquedo de escalada; a água

da fonte, em caneta que desenha no chão transformado em papel. Assim, as

crianças vãonos mostrando outras cidades possíveis, por meio de inúmeras

possibilidades de (re)construí-la e (re)inventá-la.

“Vamos na coxinha a gente pergunta a receita!”. (Maria)

Nayana BrettasFundadora da CriaCidade e do Projeto

Criança Fala

Coordenadora do Projeto Criança Fala

Olhares e Vozes das Crianças Sobre e na Cidade

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com o estabelecido, dando voz aos não-falantes através da experiência, da oportunidade

e do direito a experimentar e transformar a cidade. Estas novas práticas de ocupação dos

espaços urbanos pelos praticantes do Criança Fala estão operando a inversão de um registro

simbólico há tempos consolidado: este, de que a cidade é malvada e perversa, para outro,

onde a cidade pode ser também amiga, acolhedora, educadora. Ações que operam sobre o

espaço cotidiano como uma fabulosa máquina de desestabilização e negam qualquer coisa

que possa parecer com uma estruturação sólida dos lugares e das conexões entre eles. São

ações criadoras de possibilidades: não apenas por subverter os usos esperados de um espaço

regulado, - a rua proibida para as crianças - como de possibilitar que o espaço resultante

das estratégias hegemônicas seja cindido para dar origem a diferentes lugares a partir da

demarcação socioespacial da diferença e das ressignificações que esses contra-usos realizam.

Sim! Os infantes errantes estão criando mecanismos de reversão das tendências herdadas do

modo de produção precedente, produzindo novos objetos geográficos, colaborando para a

liberação das pessoas, superando a sua dominação, como professou Milton Santos. Passinhos

errantes que estabelecem uma inquietante familiaridade com a cidade, tecendo e enunciando

novos territórios. Passinhos que nos ensinam sobre o cuidado com a nossa casa comum.

Lembremos que já em 1935 o poeta Mario de Andrade havia proposto que os meninos

e meninas fossem os parâmetros para a organização dos espaços urbanos. Nosso poeta-

administrador publico que colocava a criança no coração da reconfiguração urbana, onde

espaço urbano seria um laboratório experimental da humanização da brasilidade a partir das

crianças. Sim! O Criança Fala tira as infâncias e seus territórios da invisibilidade e os colocam

no centro de nossas atenções, nos desafiando a repensar o sistema de garantia de direitos

de forma integral e generosa. Sigamos juntos cortejando a cidade que renasce educadora,

recuperando sua essência de ser pátio-escola, lugar onde foi fundada.

Que assim seja!

A criança diz: ao contrário, as cem existem.

Ao contrário, o Glicério existe! É o que nos dizem suas 100 crianças.

Lá vão os infantes do Criança Fala nos ensinando a ampliar nosso olhar

sobre elas e através delas, sobre São Paulo. Sim! A infância está de volta às

ruas, tornando-as mais belas. Meninos e meninas num trança-trança para cima e

para baixo pelas ruas, a elas devolvidos, ficando mais felizes, como há tempos

desejou Paulo Freire, contrariando os avisos de perigo. Dessa forma, este

projeto aponta para um futuro diferente e melhor, rompendo com o normal,

A CRIANÇA É FEITA DE CEMLoRIs MALAguzzI

A CRIANÇA É FEITA DE CEM.A CRIANÇA TEM CEM Mãos CEM pENsAMENTos

CEM MoDos DE pENsAR DE jogAR E FALAR.CEM sEMpRE CEM MoDos DE EsCuTAR DE MARAvILhAR E DE AMAR.

CEM ALEgRIAs pARA CANTAR E CoMpREENDER.CEM MuNDos pARA DEsCobRIR

CEM MuNDos pARA INvENTAR

CEM MuNDos pARA soNhAR.A CRIANÇA TEM CEM LINguAgENs (E DEpoIs CEM CEMCEM) MAs RoubARAM-LhE NovENTA E NovE.

A EsCoLA E A CuLTuRA LhE sEpARARAM A CAbEÇA Do CoRpo.DIzEM-LhE: DE pENsAR sEM As Mãos,DE FAzER sEM A CAbEÇA, DE EsCuTAR E Não FALAR

DE CoMpREENDER sEM ALEgRIAs, DE AMAR E DE MARAvILhAR-sE só NA pásCoA E No NATAL.DIzEM-LhE: DE DEsCobRIR o MuNDo quE já ExIsTE, E DE CEM RoubARAM-LhE NovENTA E NovE.DIzEM-LhE: quE o jogo E o TRAbALho, A REALIDADE E A FANTAsIA, A CIêNCIA E A IMAgINAÇão

o CÉu E A TERRA, A RAzão E o soNho

são CoIsAs quE Não EsTão juNTAs.DIzEM-LhE ENFIM:

quE o CEM Não ExIsTE.

Beatriz GoulartArquiteta-urbanista-pesquisadora-educadora-ativista

Com quantas crianças se faz uma Cidade Educadora?

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que desencadeia uma roda de conversa, ou um mutirão para pintar as

paredes de uma escola? Ações como essas, desenvolvidas pelo Criança

Fala, resgatam o brilho na alma. Fazem reviver o entusiasmo das pessoas.

Restauram os fôlegos perdidos. Recuperam a curiosidade e a vontade de

criar. E há maior urgência no mundo do que resgatar nas pessoas a percepção

profunda e poética de que são capazes de criar a realidade com que sonham?

Recordar nossa capacidade de recriar as cidades e aprender escutando o

outro é acordar nossa sensibilidade. Que o Criança Fala siga acordando os

sentidos das pessoas e da nossa cidade – eis um ato de extrema importância.

Como diria Manoel de Barros, “a importância de uma coisa não se mede

com fita métrica, nem com balanças, nem barômetros”, pois “a importância

de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em

nós”. Encantemo-nos.

Paulo Freire dizia que somos incompletos. Que nos perceber incompletos

é importante para seguirmos em formação permanente, a vida inteira, de

horizontes abertos para aprendermos com os outros e com o mundo. Esticando

a incompletude que Paulo Freire ressaltava nas pessoas, dá para dizer que as

cidades também são incompletas. O asfalto das ruas e as paredes nas casas não

estão fechados a novos olhares, escutas e invenções. A cidade é incompleta

por estar sempre em mutação, e aberta à recriação permanente. E o Criança

Fala é um projeto que convida a todos, tanto adultos quanto crianças, a se

perceber incompletos, para ouvir mais, para preencher e recriar, com poesia e

encantamento, as lacunas da cidade em que vivem.

Para que serve o encantamento? Qual é o impacto de um cortejo em que as

crianças saem pelas ruas cantando e distribuindo poesias? Qual é a mudança

André Gravatáeducador, co-autor do livro Volta ao mundo em 13 escolas, co-fundador do movimento entusiasmo e poeta

Sobre acordar sentidos e sonhos

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Afinal, como se constrói uma cidade? Com prédios altos e casinhas... Com ruas

para passar gente e passar coisas... Com árvores frondosas entre rios e pontes...

São de concreto as cidades? São de asfalto? De tijolos, água ou ladrilhos? As

cidades são feitas de tudo isso, mas antes disso tudo, são feitas de pessoas e

dos vínculos que estabelecem entre si. A cidade nasce da necessidade de um

ser humano estar junto com outro ser humano. Nasce para o encontro. Jamais

esquecerei a lição de uma professora que muito me ensinou: a cidade nasce

para o encontro dos diversos. Para que exista a troca daquilo que nos sobra por

aquilo que nos falta, ou para multiplicar aquilo que temos em comum.

Dentro do espaço da cidade existem vínculos entre pessoas e o espaço, e delas

com outras pessoas. Esse conjunto de elos e trocas forma uma grande rede, que

molda a cidade. É por conta dessa rede de relações que o espaço se transforma,

ganha significado e passa a ser lugar. Aquele simples banco de praça passa

a ser o local onde dois amigos queridos se viram pela última vez. A vendinha

onde a pessoa comprava doce na infância é ponto de referência ao passar

pela rua onde morava. A esquina onde esbarrou com o amor da vida. A rua da

escola em que conheceu os amigos da vida... São marcas de um mapa pessoal

e secreto de uma cidade invisível aos olhos. Cada pessoa tem uma cidade única

dentro de si. A minha São Paulo, cidade onde nasci e cresci, não é a mesma de

nenhum outro paulistano. Talvez sejam as memórias criadas na infância as mais

Rodrigo de MouraArquiteto Urbanista e Coordenador do

Mapeamento Afetivo

REDES AFETIVAS

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Page 8: O Glicério por suas crianças

mostrar os espaços em que vivemos. Por mais que se pareçam com a realidade,

nem de longe a representam de maneira fiel. Oscar Niemeyer já dizia: “O mais

importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto

que devemos modificar. As construções, por mais belas que sejam, são apenas

suporte para a vida, os amores e os sonhos.” Acredito que todos deveriam

desenhar o espaço em que vivem. Pois quem desenha procura entender muito

intimamente o objeto a ser reproduzido, e assim

o entende melhor. Mas deveriam começar desenhando os espaços

que lhes são mais caros e os lugares que os marcam profundamente,

e conhecer os caminhos que ligam esses lugares. Também seria importante

compartilhar esses mapas, para que um conhecesse a visão do outro.

Talvez desse modo, em vez de um grande coletivo de cidades individuais,

conseguíssemos ter a visão de uma grande cidade coletiva.

Nas páginas seguintes convidamos você a conhecer um pouco do que crianças

moradoras do Glicério têm a dizer sobre seu bairro. São muitas versões de uma

mesma história, que se somam e dançam juntas para formar uma só imagem.

significativas no processo de construção da cidade individual. Os territórios

do sonhar e do brincar são o espaço em que a pessoa pinta o que há de mais

simbólico em toda a vida. Não só a cidade do passado de nossas lembranças,

mas a cidade do presente que remonta brincadeiras, cheiros, cores e sabores.

Uma imagem não consegue transmitir toda a experiência de um lugar, mas

pode dizer muito a respeito de quem a produziu. Vivemos em tempos em que a

produção e a distribuição de imagens é fácil e abundante. Do espaço é possível

ver a terra, é possível ver lugares do mundo todo sem sair do conforto do lar.

Os mapas deixaram de ser tesouros secretamente guardados para se tornarem

ferramentas indispensáveis do dia a dia. Mas o que essas imagens nos dizem? O

que esses mapas nos dizem? Talvez seja possível ver o encontro entre a Avenida

Paulista e a Rua da Consolação como duas linhas que se cruzam e se encontram

num emaranhado de viadutos. Mas esse cruzamento de linhas não nos fala dos

amigos que ali se encontraram, dos amores que se criaram e se despediram, do

ônibus que passa ali quando as pessoas vão para o trabalho todas as manhãs...

Mapas técnicos têm uma função clara, mas não deveriam ser a única maneira de

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...logo ali nas imediações da Praça da Sé, mais

abaixo, existe um lugar chamado Glicério.

Espaço marginal em essência: às margens do Rio

Tamanduateí, às margens do centro financeiro, às

margens de uma sociedade que olha para o alto.

Ali se misturam cheiros, gostos, sons e cores de

todo canto, numa explosão de vitalidade. As ruas

parecem pulsar a todo momento. Em toda parte

as marcas dos tempos constroem percursos que

nos guiam pela diversidade que toma o lugar.

Terra de gente de todo tipo. Há grande riqueza

em cada história contada. Em cada tesouro trazido

de lugares distantes. Das saudades e dos amores.

Cada esquina nos revela uma nova surpresa.

Assim, faço um convite: percorrer os caminhos

que fazem deste espaço um lugar guiado pelos

seus moradores mais ilustres e curiosos: suas

crianças! Preparado? Então... vamos lá!

Não tão distante...

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Page 10: O Glicério por suas crianças

É no brincar que a criança constrói sua visão do mundo.

Por meio dos jogos e das histórias, criam mundos, criam

sonhos e desejos. Uma cidade lúdica é também mais

inclusiva. Permite novas expressões e impressões.

Nossos percursos pelo Glicério começam por meio de

jogos e brincadeiras e, logo após, uma história. Através

do livro “Filhotes de Bolso”, de Margaret Wild e Stephen

Michael King, começamos um jogo pelo bairro. Na

história, seu Totó sai para passear com seus dois filhotes,

Bife e Bufe, um em cada um de seus bolsos. Porém,

durante um passeio, Bife cai do bolso e se perde. Nossos

bolsos aqui são bambolês nos quais as crianças devem

permanecer em duplas, para que não se percam durante

o passeio. Assim, nessa brincadeira, caminhamos pelo

território em que nossos guias nos apresentavam o que,

em sua visão, há de mais importante no Glicério. Por meio

desse jogo foi possível observar um pouco da relação das

crianças com seu espaço e com a comunidade.

PASSEIO BRINCANTE

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Page 11: O Glicério por suas crianças

Existe dentro de cada um de nós uma cidade única e pessoal, um modo

singular de perceber as coisas que ocorrem ao nosso redor. Os caminhos

que fazemos, nossos pontos de referência e orientação... Cada um desses

pontos carrega significados que o tornam importante. A pequena porta, o

muro verde ou o gradil extenso ganham uma nova dimensão. Mesmo que

alguns marcos sejam comuns aos habitantes de um lugar, há uma cidade

que é só nossa. Quase secreta. Invisível. Assim, perguntamos às crianças do

Glicério qual era essa cidade, em sua visão.

Por meio de uma oficina lúdica de desenho, convidamos nossos pequenos

guias a mostrar o que há de mais importante no trajeto desde suas casas,

na Rua do Glicério e na Rua Sinimbu, até a Igreja da Paz, onde a oficina

ocorreu. Os resultados dessa proposta são surpreendentes, e podem

ser vistos nos mapas a seguir e na fala de seus autores. Conseguimos

enxergar um pouco deste bairro tão singular encravado no centro de São

Paulo: surgiram labirintos, ruas cheias de vida, casas em cima do viaduto

e todos aqueles espaços onde crianças brincam. São os espaços onde

estão felizes. Espaços que guardam boas memórias. Surgem nesses traços

pequenos fragmentos de emoções e sentimentos que, assim como marcam

o papel, marcam de algum modo a alma de quem os desenha. Caminhos

individuais, mas que se encontram em um mesmo Glicério.

Caminhos Pessoais

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Page 12: O Glicério por suas crianças

Aqui minha casa vai para a ofcina de carro, vem cca, vem o o posto de gasolina, vem viaduto,posto colocando a corda no carro. Carros passando, depois vem a igreja. Antes da igreja vem a

creche quintal da criança e, depois duque de caxias

NICOLLE, 7 anos

Tio, minha casa é aqui e a igreja da paz é só ir andando... JOÃO PEDRO, 8 anos

Tem prédio, negócio abandonado. Do lado

abandonado tem “Salgadeira” – pizzaria nova horizonte que vende salgado. Tem a

pensão que moro, a mecânica negócio de batata frita, vira,

na esquina um bar

JOÃO VITOR, 10 anos

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STÉFANE, 7 anos

Page 13: O Glicério por suas crianças

BRYAN, 7 anos

Rua, carro, nuvem, geladeira, casa, casa com janela bem grande. GUSTAVO, 5 anos

Eu moro aqui ó, onde está escrito Rua Sinibúúú.

Minha casa é branca, mas vou pintar de rosa

THALIA, 6 anos

Minha casa, minha rua, postes caindo fo, viaduto e chega a igreja.

MIKAEL, 6 anos

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Page 14: O Glicério por suas crianças

Casa, tem escola, bagulho de luta,

vem a igreja

MAYCON, 11 anos

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Sai da pensão caminho para cá e chego na Lucia, na vendinha. Sai da Lucia desce, desce, vai para

vilinha. Tem rua lá, desce, desce e tem o cca. Aí tem o bar da coxinha. A gente sobe e tem o posto. E aí to lembrando do

resto...ai tem o viaduto. Aí tem o negócio com grade que tem botão para abrir e fechar. Atravessa a rua e chegou na Igreja da Paz

TIFFANY, 9 anos

GABRIEL, 6 anos

Page 15: O Glicério por suas crianças

A cidade está repleta de marcas. Em seus trajetos, cada pessoa deixa no caminho um

pedacinho de si mesma. As emoções e os pensamentos dos indivíduos

são a matéria que constitui a natureza dos espaços. São emoções e pensamentos que se

encontram, formando símbolos comuns de uma dialética do caminhar. Como se encontrar

nesse mar de cidades, tão íntimo? Mantendo a proposta brincante da oficina anterior,

convidamos novamente as crianças do Glicério a caminhar pelas ruas, mas desta vez em

silêncio. O jogo era conseguir comunicar-se, ver e sentir a cidade sem o uso de palavras.

Alguns levaram o jogo a sério, outros brincaram à sua própria maneira. Depois disso,

conversamos um pouco a respeito do que é um mapa, e para que serve. Por meio de uma

experiência lúdica de observação da cidade e da representação em desenhos, nosso

convite se estendeu para traçar um mapa com aquilo que julgavam importante em seu

bairro, que tanto poderia ser o viaduto que divide a Baixada em duas como a deliciosa

coxinha do Seu Valdomiro. Podemos dizer que não é o mapa em si o que mais diz sobre a

visão coletiva das crianças, mas sim todo o ato de construí-lo. A experiência de descobrir

a tinta e suas transformações foi mais intensa que qualquer outra coisa. No entanto, foi

possível reconhecer elementos comuns durante o desenrolar da atividade – elementos

marcantes: como a escola e o viaduto, o grande edifício na Rua Sinimbu ou as pensões

onde moram as crianças. Talvez as impressões coletivas ainda sejam um pouco dispersas,

mas o sentimento de pertencimento está presente em cada marca.

Impressões Coletivas

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Page 16: O Glicério por suas crianças

Nessas andanças por terras desconhecidas é necessário deixar-se perder. Abrir-se para

novas experiências. Assim, pedimos a nossos guias que nos mostrassem o que queriam

do seu bairro, o que havia ali de bom ou o que poderia existir de legal. Só é possível

perguntar a respeito daquilo que pensamos existir: para o novo – novo mesmo – é

importante estarmos abertos ao inesperado. Em cada caderno levado para casa e trazido

de volta reconhecemos os espaços do brincar, do conhecer, do conviver. Esses espaços

carregam o que há de mais belo para as crianças. Um modo de conhecer o mundo.

Pouco se fala da casa, é apenas mais um elemento dentro do universo pessoal, tão

presente quanto os espaços lúdicos. Os elos humanos, e os locais onde se desenvolvem

enquanto convívio, destacam-se no espaço individual e introspectivo. Nos desenhos

apresentados a seguir é possível mergulhar nesses mundos. São histórias contadas em

poucos gestos, sensíveis e de extrema riqueza.

Outras Formas de Expressão

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Eloiza, 7 anos

Emilly, 8 anos

Page 17: O Glicério por suas crianças

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Kelvin, 9 anosThalia, 6 anos

Page 18: O Glicério por suas crianças

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Tiffany, 9 anos

Page 19: O Glicério por suas crianças

Depois de percorrer histórias, ouvir caminhos e enxergar cada fala, conseguimos

identificar alguns elementos comuns. São os marcos que se destacam na

paisagem do Glicério. O que temos de mais significativo ali. Assim, através de

um único desenho, procura-se sintetizar os elementos simbólicos do território

que as crianças apresentaram até então. Temos os espaços de brincar bem fortes,

como o DUQUE (escola), o CCA, a VILINHA (Rua Lins), o BRINQUEDÃO

implantado durante ações do projeto. Também temos aqueles lugares que

contam histórias, como o BOXE e a COXINHA do Seu Valdomiro. Tem

a SÃO PAULO que é caminho até a BAIXADA. Árvores, casas, prédios,

pensões. Há a grande torre do PRÉDIO que é cercada por espinhos e guarda

mistérios para nossos guias. Não podemos esquecer da IGREJA DA PAZ

e seu grande espaço para correr. Por último, mas não menos importante, o

VIADUTO do Glicério, que divide o bairro em dois. O Glicério de lá, onde o

centro pulsa vibrante, e o Glicério de cá, que esconde sua beleza discreta atrás

de suas esquinas e brincadeiras de criança. Separados e unidos, poderíamos

assim dizer. Mais que uma fronteira, um grande portal que marca a entrada

daqui. Entrada de uma realidade sem igual. O mapa tenta trazer até os

personagens caninos tão queridos pelas crianças. É um convite para perder-se

pelos caminhos do Glicério, mas encontrar-se em suas sensações.

Mapa Afetivo36 37

Page 20: O Glicério por suas crianças

Um mapa é um tipo de resumo de todos os elementos simbólicos de um território. Nele

é possível identificar os elementos mais marcantes que podem guiar quem é de fora. Une

o que é essencial a ser reconhecido nuns poucos traços. Aquelas coisas

que ficam na memória e orientam o viajante. Coisas que marcam o coração

da gente, para quando voltarmos sabermos que estamos ali.

O mapeamento do Glicério por suas crianças não serve apenas para que os novos

viajantes dessa terra multicor possam transitar por suas ruas e calçadas sem se perder,

serve também como um convite a conhecer uma casa. Sim, conhecer o lugar onde

alguém mora. Onde estabelece laços, vive histórias, aprende, brinca e sonha. Serve para

que seus autores aprendam a olhar de forma diferente para aquilo que é cotidiano.

Nos mapas destacamos elementos que ficam. Mas, o que fica, se nada é para sempre?

Talvez existam muitas respostas para essa questão. Tantas que nem todos os livros do

mundo seriam capazes de respondê-la. Talvez o que devamos nos perguntar é:

o que isso deixa na gente? Quando saímos de nossas casas e

percorremos um novo caminho: o que fica? O que deixamos?

No Glicério ficam os espaços transformados em lugar em cada ato de brincar. Ficam os

sorrisos conquistados. Os abraços apertados. As cores das ruas. Fica o conhecimento dos

vizinhos. As histórias que serão contadas aos descendentes. Ficam os sonhos. Esses são

os mais importantes. Fazendo minhas as palavras de Oscar Niemeyer, mais uma vez:

A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem.

Aquilo que Fica

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Page 21: O Glicério por suas crianças

Nayana BrettasSociólogaFundadora da Criacidade Coodenadora do Projeto Criança Fala

Beto SilvaPedagogo e Psicopedagogo Educador do Criança Fala

Rodrigo de MouraArquiteto e Urbanista

Coodenador do Mapeamento Afetivo

Estefânia NazárioPedagoga

Educadora do Criança Fala

Juliana RosaArquiteta e Urbanista Fotógrafa

Cristiane LimaPsicólogaArticuladora Comunitáriado Criança fala

Equipe Criança Fala

40

Seguimos todos juntos de mãos dadas fazendo acontecer lindezas e

sonhos reais!

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Page 22: O Glicério por suas crianças

O GLICÉRIO POR SUAS CRIANÇAS

Organização e coordenação: Rodrigo de Moura

Coordenação Projeto Criança Fala: Nayana Brettas

Textos: Rodrigo de Moura, Nayana Brettas; Bia Goulart; André Gravatá;

Fotografia: Juliana Rosa

Ilustração da capa: Emilly, 8 anos - participante do Projeto Criança Fala

Revisão: Juliana Saul; Cristina Antunes - B&C Textos.

Projeto Gráfico: Rodrigo de Moura

Equipe Criança Fala: Beto Silva; Cristiane Lima; Estefânia Nazário; Juliana Rosa; Nayana Brettas; Rodrigo de Moura

G559g O Glicério por suas crianças / Rodrigo de Moura ... [et al.] ; organização e coordenação: Rodrigo de Moura ; fotografia: Juliana Rosa. - São Paulo : Criacidade, 2015.

40 p. : il., fots. color. ; 20 cm.

1. Cartografia. 2. Criança. 3. Ecologia Humana. 4. Educação infantil. 5. Urbanismo. I. Moura, Rodrigo de. II. Criacidade. III. André Gravatá. IV. Goulart, Bia. V. Brettas, Nayana. VI. Título.

CDU: 316.334.56-053.2

Page 23: O Glicério por suas crianças

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Breno

Samira

Pedro

Tiff any

Kelvin

Maycon

Emilly

Thalia

Thiago

Eloiza

Gustavo

Graça

Alessandro

Gabriela

Nicolle

João Pedro

Matheus

Stéfane

apoio

realização