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O grande Mistério da Encarnação sublime portento do amor do Pai aos homens, realizado nas entranhas puríssimas da Virgem, que, pelo arrulho infinito do Espírito Santo, rompeu em Maternidade divina, dando-nos o mesmo Filho de Deus feito Homem, para que aderindo-nos ao mistério da sua vida, morte e ressurreição, perpetuado no seio da Santa Mãe Igreja, sejamos levados ao convite infinito daquele que se é a Felicidade eterna em Trindade de Pessoas, único fim para o qual fomos criados MÃE TRINIDAD DE LA SANTA MADRE IGLESIA SÁNCHEZ MORENO Fundadora de A Obra da Igreja

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O grande Mistérioda Encarnação

sublime portentodo amor do Pai aos homens,

realizado nas entranhas puríssimasda Virgem,

que, pelo arrulho infinitodo Espírito Santo,

rompeu em Maternidade divina,dando-nos o mesmo Filho de Deus

feito Homem,para que aderindo-nos ao mistérioda sua vida, morte e ressurreição,

perpetuado no seioda Santa Mãe Igreja,

sejamos levados ao convite infinitodaquele que se é a Felicidade eterna

em Trindade de Pessoas,único fim para o qual fomos criados

MÃE TRINIDAD DE LA SANTA MADRE IGLESIASÁNCHEZ MORENO

Fundadora de A Obra da Igreja

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17-1-1960

O GRANDE MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO

A humanidade de Cristo é a esposa do Ver-bo, a complacência e recreio das três divinasPessoas; criação nova, na qual e pela qual, omesmo Deus altíssimo, fazendo-se Homem eperdoando a culpa que o homem cometeracontra a infinita Santidade, pode manifestar-nosos mistérios recônditos do seu adorável ser, emcanção de amor.

Cristo meu!, que matizes quase infinitos pu-seste na tua humanidade, fazendo-te a maravi-lha que cantas, por tua voz humana, as infini-tas perfeições e incomparáveis arcanos domisterioso ser de Deus.

Alma de Cristo, na que o mesmo Deus,olhando para o seu Verbo, plasmou, como novacriação, por cima de todo o criado e ao finito,todas as infinitas perfeições e matizes que, emseu simplicíssimo ser, Ele se é… Que participa-ção e transformação a tua em cada uma dasperfeições infinitas que, em infinitude de mati-zes, rompem, por infinitude de perfeições,numa só e simples perfeição…!

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Imprimatur: Joaquín Iniesta Calvo-ZataráinVigário GeralMadrid, 15-8-2004

2ª EDIÇÃO

Separata de livros inéditos da Mãe Trinidad de la SantaMadre Iglesia Sánchez Moreno e dos livros publicados:

«LA IGLESIA Y SU MISTERIO»«FRUTOS DE ORACIÓN»«VIVENCIAS DEL ALMA»

© 2004 EDITORIAL ECO DE LA IGLESIA1ª Ediçao espanhola: fevereiro 2000

LA OBRA DE LA IGLESIA (A Obra da Igreja)MADRID - 28006 ROMA - 00149C/. Velázquez, 88 Via Vigna due Torri, 90Tel. 91.435.41.45 Tel. 06.551.46.44

E-mail: [email protected]

www.clerus.org Santa Sé: Congregação para o Clero(Librería - Espiritualidad)

ISBN: 978-84-86724-60-3Depósito legal: M. 48.250-2007

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Jamais nenhuma criatura, até então, vibrarae ressoara numa vibração quase infinita a infi-nitude excelsa do Incriado.

Que concerto de perfeições…! Toda a cria-ção contida em Cristo; todas as perfeições cria-das, recompiladas no Verbo Encarnado; e todasas infinitudes do ser do Deus incriado, plasma-das participativamente na alma do que tinhaque ser o Verbo da Vida…

Ó maravilha de luz indizível…! É a Luz in-criada que, investindo amorosamente peloEspírito Santo na humanidade de Cristo, engala-nou-a e a fez tão formosa, tão formosa!, que omesmo Verbo infinito, não podendo conter-semais, diante do impetuoso fogo do Espírito Santoque o empurrava e do Pai Amor que o enviava,une-se hipostaticamente àquela criatura que, qualharpa finíssima, ao unir-se ao Verbo da Vida, re-percutindo nela esta união íntima e profunda en-tre Deus e a sua criatura, tão intimamente fun-diram-se, que, na pulsação infinitamente amorosadesse encontro divino, estremecendo-a noEspírito Santo, o Verbo do Pai lhe fez dar a suamesma Voz de divindade por todos os âmbitosdo céu e até os últimos confins da terra.

E assim manifestou-se, pela natureza huma-na de Cristo, aquele Concerto eterno de finu-ras indizíveis que, em silêncio, o Verbo estácantando num estouro de ser-se infinito e num

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Que concerto de harmonias é a humanida-de do meu Cristo!, lira finíssima onde o mes-mo Verbo da Vida toca a sua harmonia paramanifestar-se em palavra aos homens.

Ó finura indizível de Cristo…! Ó Canto-Amordo meu Esposo…! Ó concerto harmônico daalma do Verbo…!, eu quero pôr-me hoje, atraí-da pelo odor dos teus perfumes, a escutar, emoração íntima e amorosa, as tuas vibrações pro-fundas diante do teu contato hipostático com oVerbo, e teu contato amoroso com o Pai de fe-cundidade infinita e com o Espírito Santo, noqual Tu, ó Verbo Encarnado, abrasavas-te eabrasas, num delírio de amor, nas impetuosaschamas do seu ser Pessoa-Amor na Trindade.

Cristo meu, vamos, dá-me o Olhar com queTu olhavas, e a tua mesma Palavra, e o fogodo Amor em que te abrasas, para dizer eu algo,ó meu Deus Encarnado!, do que, como alma-Igreja, descubro na tua alma santíssima.

Ó criação da natureza humana do meu Cris-to…! Toda a Trindade, em seu ser-se imutável,está como num delírio de amor infinito, pres-surosa e alegre, enchendo de jóias e engala-nando, embelezando e enriquecendo aquelacriatura que, saindo das suas mãos, tinha queser a lira finíssima pela qual o mesmo Verboda Vida daria seu som de divindade a todos osanjos e a todos os homens.

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ticipação única, delirante de amor, na vibraçãoinfinita do Verbo do Pai, perdes-te nas eternascorrentes do seio do Deus altíssimo.

Que êxtase de amor, ó Cristo meu, o da tuaalma no instante mesmo de ser criada, que par-ticipando quase infinitamente de Deus, em sa-turação perfeita e anegação total, vê que, pelasua transformação no ser-se de Deus, participacomo coisa própria pelos seus esponsais eter-nos com o Verbo incriado em cada um dos seusatributos e perfeições…!

Que matrimônio espiritual com o mesmoDeus santíssimo…! Matrimônio perfeito, noqual os mútuos bens tornam-se e retornam-secomo presente infinito de eternas bodas.

Que gozo para a alma de Cristo que, vi-vendo do gozoso contento de Deus, vibrandoao uníssono com as três divinas Pessoas na ale-gria infinita da sua eterna felicidade, participade uma maneira eminente de todos e cada umdos atributos e perfeições do infinito Ser…!

Ó alma de Cristo, que contemplavas face aface a infinitude infinita da fecundidade do Serdivino…! Que gozo eterno o teu ao ver-te a es-posa do Verbo, e, como tal, tendo em plenitu-de e saturação, como coisa tua própria, os te-souros inesgotáveis do teu eterno Consorte…!

Com que alegria, no mesmo instante de sercriada, ouvirias do Verbo aquelas palavras que,

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silêncio inalterável de ser essencialmente sim-plicíssimo e silencioso.

Cristo meu, que silêncio em tua alma, e emque silêncio meu ser tem que escutar-te paracaptar as tuas divinas vibrações…!

—Em silêncio…! «Eis que Eu a vou seduzir,levando-a à solidão, onde lhe falarei ao cora-ção»1. À solidão do meu ser, da minha intimi-dade, da minha participação; à minha solidão,onde, sozinha comigo, ao perceber o som domeu concerto, vibre com meu mesmo vibrar,participando de minha eterna harmonia.

Ó natureza humana de Jesus…! Tão íntimae estreitamente uniu-se a ti o Verbo da Vida, etu a Ele, numa adaptação como infinita, quesuas mais imperceptíveis vibrações repercutemem ti; sendo teu viver e não podendo ser ou-tro que do mesmo Deus altíssimo, já que comDeus te uniste hipostaticamente na pessoa doVerbo.

E, perdendo-te no ser-se do Ser, entraste portua contemplação, no mesmo instante da tuaunião hipostática, no silêncio harmonioso domesmo ser-se de Deus. E ali, abismando-te nasua suavidade virgínea, engolfada e saturadanas correntes eternas e na fecundidade sim-plicíssima de sua vida, tu, gozando numa par-

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1 Os 2, 16.

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participando da mesma Justiça que se derra-mava sobre ti amorosamente.

E criada para ser a esposa única do Verbo,ao ver-te transformada em todos os atributosdo Deus incriado, saltavas de gozo no EspíritoSanto com a participação do ser-se eterno; ven-do-te finura de sua mesma finura e gozando daalteza do Deus intocável, saturando-te no si-lêncio, na alegria, na bondade… E nesse dizer-se do Verbo em ti, tu te sentias palavra fecun-da, que cantavas e expressavas o dizer-seeterno do Verbo em teu ser.

Alma de Cristo, esposa da segunda Pessoada adorável Trindade, desde o primeiro instan-te do teu ser contemplavas a vida divina! Nãohá véus para a alma do Verbo Encarnado! Nãohá véus para que Tu, Esposo meu, contemplesas excelências infinitas da tua mesma Pessoa!Não há véus para a humanidade de Cristo, pelaqual e mediante seus esponsais hipostáticos,rasgar-se-ia o véu do Seio do Pai para que to-dos os homens, passada a prova, pudéssemosentrar nesse seio adorável que tu, pela tuaunião hipostática, nos abririas! Não há véuspara a esposa do Verbo Encarnado, porque, noOlhar infinito do fecundo Pai, desde o primei-ro instante do seu ser, intuía, saturava-se, apro-fundava-se e penetrava nos arcanos misteriososdo ser de Deus!

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gravando-se em ti, realizavam o que diziam numdizer-se eterno, como doação de Esposo empresente de bodas, palavras que para ti tinhamsabor de vida eterna: «Todos meus bens sãoteus, e os teus, que Eu te dei, são meus»2!

E qual não seria a tua satisfação ao ver queeste dizer, por ser o dizer do Verbo, era parti-cipação do mesmo ser-se de Deus que, em seupronunciar-se, dava-se a ti, já que o dizer deDeus é realizar…!

E naquele mesmo instante, arrebatada no ím-peto amoroso das correntes eternas, te afun-daste com as divinas pupilas, no mesmo olharda tua Pessoa, na contemplação do ser divino,que, como presente dos teus esponsais, o Verboinfinito dava-te em posse: seu mesmo ser-seeterno, que, em infinitude de atributos e per-feições, rompe em infinitudes de matizes quesão uma só perfeição. E abismada e gozosa, de-lirante de amor, corrias, abrasada nas impetuo-sas chamas do Espírito Santo, pelos mais re-cônditos e misteriosos arcanos do glorioso serdivino.

Que êxtase de amor o teu!, que, como cria-tura, e apesar de ser criatura, passeavas satu-rando-te como senhora de tuas possessões, sen-do rainha de anjos e de homens… E ali te viasque tu eras amor do mesmo Amor, por justiça,

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2 Cf. Jo 17, 10.

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Deu-te também o seu mesmo ser-se eternopara que tu o possuas; e no seu mesmo ser-se,recebeste como presente o mesmo ser de Deuspor participação.

E se por acaso era pouco, como presente debodas, deu-te o Deus altíssimo que os homenssejam, em ti e por ti, «deuses e filhos todos doAltíssimo»3.

Dia da Encarnação…! Dia de presentes, defestas, de bodas eternas entre o Criador e acriatura…

O Criador presenteia à sua criatura tão infi-nitamente, que esta, delirante de amor, rom-pendo pela sua mesma Pessoa num Cântico in-finito, canta o Cântico novo, o Cântico magno,num jubiloso grito de participação; e, nesteCanto, diz ao Pai o glorioso, o infinito, o fe-cundo e o Pai que se é.

Natureza humana de Cristo, perdida, abis-mada, presenteada e adornada de jóias por todaa complacência do Deus altíssimo que amoro-samente entorna-se sobre ti, o que pensarias aover-te assim enaltecida? Que júbilo-amor tras-passar-te-ia nas letificantes chamas do EspíritoSanto…! Como, diante da impotência do teu li-mitado ser, em participação do ser-se infinito,porias tua boca na boca do Verbo, para rebentar

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O olhar de Cristo, perdido no Olhar do Pai,contemplava em seu olhar o Ser infinito do seuser-se glorioso. Que transportes de amor ao sa-borear, nesse só olhar eterno do Pai fecundo,as riquezas intermináveis e insuspeitadas das ex-celências do ser divino…! Como, abismada nacontemplação excelsa de Deus, romperias num:Santo! eterno, e como, nesse olhar, perder-te-iasnum êxtase ininterrupto de amor e saturação su-prema no seio da Trindade…!

Como poderão meus lábios humanos ex-pressar o teu êxtase eterno diante da contem-plação de Deus? Como poderei expressar comas minhas rudes palavras os arcanos misterio-sos e as profundezas insondáveis nas quais oteu limpo e penetrante olhar se aprofundava?Como poderei eu dizer, no meu dizer limitadoe finito, ó humanidade de Cristo, o teu dizer,como fruto da tua contemplação, em tua mes-ma Pessoa?

Diz-te Tu, ó Verbo da Vida, em meu ser devirgem enamorada, para que eu possa dizer algodo gozo quase infinito que saturava tua alma!

O mesmo Pai, que não tem nenhuma com-placência fora do seu Verbo, presenteou-te emposse eterna e em doação total, no dia das tuasbodas, o seu mesmo Olhar, com o qual tu, comocoisa tua, podes contemplar sem véus a suamesma formosura infinita.

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3 Sal 82, 6.

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Cristo meu…! Ponte única por onde os ho-mens vão a Deus e por onde Deus se dá aoshomens…! […]4

Já tem Deus, sim, já tem Deus um Homemque, sendo Homem, é Deus…!

Já tem Deus um Homem que, sendo Deus,é Homem…!

Já tem o Céu um Homem que é o Verbo daVida…!

Já tem a terra, num Homem, o Verbo doPai…! […]

Ó, o momento da Encarnação…! Vejo oHomem sendo Deus e Deus sendo Homem…!E não o posso explicar…!

Vejo a diferença total das duas naturezas…!E a união das duas naturezas numa só Pessoa…![…]; Deus sendo Deus, separado com uma dis-tância infinita da natureza humana de Cristo…E que pela sua união hipostática, íntima, Cristoé Deus…! E não o posso explicar! […]

Senhor, anonadada e ultrapassada a minhacapacidade, diante da tua infinitude e o que mefica sem compreender, abrasada com o EspíritoSanto por ter penetrado com o olhar do Pai, e

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infinitamente num Cântico de amor e de lou-vor ao Ser divino…! Sim, como, abraçada e uni-da hipostaticamente ao Verbo infinito, servin-do-te da tua Pessoa, rebentarias, cantando deamor, numa explosão gloriosa; desabafariastoda tua exigência de cantar a Deus, e descan-sarias ao ver que, em tua mesma Pessoa, lhecantavas infinitamente, lhe cantavas o Cânticonovo, o Cântico magno que somente Deuspode cantar-se…!

Cristo meu, cantas ao Pai em tua Pessoa aCanção infinita de ser-se glorioso que só Elepode cantar-se em seu Verbo!

Que abraço o da humanidade de Cristo como Verbo da Vida…! Que colóquios de amor emesponsais eternos, abrasada nas impetuosaschamas do Espírito Santo que a envolviam, asaturavam e uniam ao Verbo, seu Esposo…!

Como delirante de alegria, aderida a todos osmovimentos do Verbo, não terias mais viver queo seu viver, e por exigência da tua união comEle, não podias fazer outra coisa que a que Elefazia…! E, como fruto da tua contemplação como Pai e da tua canção com o Verbo, abrasadanas impetuosas chamas do Espírito Santo, tu re-bentavas no Verbo, cantando ao Pai, e o Verborebentava através de ti cantando aos homens. Enão só Tu, Cristo meu, cantas sendo Homem aDeus como o mesmo Deus, senão que cantasinfinitamente, como Deus, aos homens.

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4 Com este sinal indica-se a supressão de pedaços maisou menos amplos que não se julga oportuno publicarna vida da autora.

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és meu Verbo e és meu Deus…! Dá-te Tu amim, em teu ser-te Deus-Homem, para que eupossa dizer-te em tua Palavra e amar-te em tuaPessoa.

O Pai, o Verbo e o Espírito Santo estão der-ramando-se complacentemente sobre a huma-nidade de Cristo num beijo infinito, que estãodepositando nela pelo mesmo Espírito Santo.

Que terrível é o mistério da união de Deuscom o homem no seio de Maria…!

Como amam as três divinas Pessoas a natu-reza humana de Cristo…! O Pai está derra-mando-se impetuosamente sobre ela na cor-rente divina do seu Olhar eterno. O Verbo,Imagem perfeita do Pai, Expressão máxima dadivina Sabedoria, incrustou-se nela numa uniãohipostática indizível, fazendo-a esposa amada eúnica de seu ser-se Palavra. E o Espírito Santo,saindo pressuroso e ditoso da complacência doPai amorosa e paternal que se entorna sobreela, e do Verbo esposado com ela, lança-seenamorado e cativado pela formosura do seurosto, beijando-a no infinito Beijo de uniãotrinitária, e abrasando-a em suas impetuosaschamas.

Ó humanidade de Cristo, que és a humani-dade do Verbo Encarnado…! Como te vejo me-tida na vida da Trindade…! És o reflexo per-

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por minha participação com o Verbo, como ex-pressão deste mesmo olhar, na grande realida-de de meu Cristo, te adoro!

O Verbo está cantando no Céu a sua Cançãoinfinita, que Ele, como Verbo, canta eterna-mente. Já o Verbo Encarnado, estouro expres-sivo do ser de Deus, está cantando a Cançãoinfinita aos homens…!

Que gozo, que alegria e que contentamen-to, ver que Cristo canta a Canção infinita quesó Deus pode cantar-se, e canta-a a Deus e aoshomens…!

Ó mistério terrível da Encarnação…! Ó mis-tério de complacência de Deus para com o ho-mem…! Ó mistério de amor do Criador pelacriatura…! Ó, mistério de presente infinito comque o mesmo Deus altíssimo presenteia ao ho-mem por Cristo, desde Maria, a sua mesma di-vindade…!

Cristo meu, que terrível és…! Como tevejo…! Eu te adoro, porque és o Incriado portua Pessoa divina, criado na tua natureza hu-mana…! Deus-Homem…! Homem-Deus…!Mistério da Encarnação…! […]

Jesus, filigrana do Amor infinito… Ó, Verbomeu Encarnado!, dá-me tua Palavra para eu li-sonjear-te adequadamente. Tu és meu Cristo e

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beijo de ternura infinita com que beijas o Pai,o Filho e te beijas a Ti mesmo em teu seio, emteu ser-te Amor fecundo e glorioso…!

Alma de Cristo, como tu, ao ver-te assim mi-mada e querida, escolhida e festejada no coloda adorável Trindade, anonadada, saltarias degozo, de amor, de agradecimento, de conten-tamento, diante do Deus infinito que tão amo-rosamente derramava-se sobre ti…!

Como tu, que contemplavas com o Pai, eparticipavas e te engolfavas nas correntes infi-nitas do seu ser-se eterno, prorromperias numgrito de transformação cantando as excelênciasincompreensíveis e incognoscíveis para nós,mas conhecidas por ti num gozo eterno…!

E, como tu, abrasada nas impetuosas cha-mas do Espírito Santo, correrias do seio do Paiao seio do Verbo, beijando com a sua mesmaBoca o peito do Altíssimo…!

E, feita uma coisa com o Verbo, que é tuaPessoa, metida no seio do Pai, ali dentro in-tuirias segredos surpreendentes e incompreen-síveis da sua paternidade, que nem os mesmosanjos nem nenhum homem poderão nunca che-gar a intuir, pela sua capacidade de distânciaquase infinita da tua… E ali, intuindo com oOlhar do Pai, aprofundar-te-ias nos arcanos si-lenciosos do seu ser-se silêncio; e, letificante

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feito do mesmo Deus altíssimo, espelho imacu-lado onde se olham e recreiam as três divinasPessoas.

Cristo meu, vejo-te metido na Família Divina,porque, apesar de ver-te a uma distância infi-nita da Divindade em tua natureza humana, portua Pessoa és Deus.

Espírito Santo, abrasa, abrasa a alma do Ver-bo da Vida… Espírito Santo, mas olha que écriatura, e se a abrasas no impetuoso fogo comque a amas, a reduzirias ao nada. Mas não!, por-que seu Esposo, o Verbo da Vida, sustenta-apara que Tu possas descarregar sobre ela o ím-peto infinito do teu amor.

Espírito Santo, mas olha que é pequena, ese te sente vir em tua corrente infinita e eter-na para arremessar-te sobre ela, ao contemplar-te, tremerá diante da majestade soberana do teuser glorioso. Mas não!, porque é o mesmo Paiamoroso com suas entranhas paternais quemlhe dá seu Olhar para que te contemple, e aampara sob a sombra das suas asas; fazendo-aforte com a sua mesma fortaleza quem é o «Reidos reis e Senhor dos senhores»5.

Espírito Santo, mas se Tu és Amor amorosoe em teus mesmos joelhos a embalas, acari-ciando-a, festejando-a e beijando-a, no mesmo

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5 Ap 19, 16.

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excedendo infinitamente o Deus incriado ao teuser criado, rompias numa adoração eterna ano-nadado de amor; e adoravas tudo aquilo que,por ser-se Deus o Ser infinito, ficava para ti semabranger.

A adoração é o êxtase do amor. Quando oamor encheu seu limite e já não pode mais,adora. Ao ser Deus infinito e exceder a capa-cidade do amante, este, desfalecido de amor,anonadado e desabado pela plenitude do seuser diante do Infinito, cai adorante e adora oque lhe resta, transcendendo.

E a alma de Cristo, do meu Esposo, do meuJesus, metida e engolfada, alegre e contente, per-dida e abismada, letificante de amor diante doDeus incriado, contempla, expressa e ama se-gundo a sua capacidade quase infinita, e adorao que lhe resta por conhecer, expressar e amar.

Assim que a vida de Cristo sobre a terra foium conhecer, receber, responder, expressar eamar a Deus, e um adorá-lo no que o conhe-cia e no que lhe restava por conhecer.

E como fruto desta vida, posto face a facediante de Deus e face a face diante dos homens,expressava no céu, como Homem, Deus; ecomo fruto da sua contemplação em amor glo-rioso, como conseqüência imediata desse co-nhecimento, expressão e amor, dirigido para

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de amor, correrias do seio do Pai ao seio datua mesma Pessoa, cantando, por participação,em transformação gloriosa do ser divino.

Ó, Cristo meu!, qual seria o teu abaixamen-to diante da missão para a qual Deus te esco-lhia para ser o Apregoador do Amor eterno…?

Jesus, meu Verbo Encarnado, hoje amo-temais porque conheço-te mais, e diante do meuconhecimento e amor, o que me fica por co-nhecer, adoro-o.

Jesus, capacidade infinita na tua Pessoa divi-na e capacidade limitada na tua natureza hu-mana, como ao ver-te participando, em tua na-tureza humana, da vida da Trindade dessamaneira tão eminente e tão cheia de dons, a tuacapacidade finita de Homem, amando, conhe-cendo e expressando a mesma vida da Trindade,romperia num êxtase diante do Deus incriado,por exigência da sua mesma contemplação glo-riosa, em adoração profunda da tua natureza hu-mana, diante da tua natureza divina…!

A tua natureza humana, pequenina, cairiaanonadada sob o peso terrível do conheci-mento e amor de Deus, adorando como frutoda sua contemplação amorosa e rompendonum: Santo! eterno.

Por exigência de ser tu criatura diante doIncriado, e estando repleto em tua capacidadecriada, saturado e apertado do Deus altíssimo,

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tempos; sendo a Igreja a que continua o cân-tico de Cristo a Deus e às almas.

Obrigada, Senhor, por ter-me ensinado hojeo mistério da Encarnação desde o seio deMaria, e assim ter conhecido as grandezas deCristo e as grandezas da maternidade de Maria,tão desconhecidas!

Obrigada, Mãe, por ter-me aconchegado noteu colo e sustentado com tua maternidade paraque não morresse ao contemplar o grande mis-tério da Encarnação!

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os homens, rompia em expressão para eles;doando-se em entrega com todos ao Pai em res-posta de adoração gloriosa e reparadora, quen’Ele era infinita por ser sua Pessoa a segundada adorável Trindade.

Já está Jesus, pela união hipostática das duasnaturezas, sendo-se o Verbo da Vida Encarnado,cantando a Deus, e, fazendo o mesmo que fazno céu, cantando aos homens: «Tudo o queouvi de meu Pai vos dei a conhecer»6. Porquenão é que Jesus cantasse uma canção a Deuse outra aos homens, não; mas que Ele, comoPessoa, por sua boca diz a Deus infinitamenteo mesmo que aos homens, pois por não terJesus mais pessoa que a do Verbo, que é oCantor infinito no céu e na terra, o mesmoCanto e a mesma Expressão que Ele se é aoPai, repercutindo em sua humanidade, o é paraos homens.

O Verbo, Palavra infinita do Pai, pega a suanatureza humana como repercussão para seguircantando a Deus no Homem e cantar para ohomem, como Deus, a sua vida eterna. Cançãoque Ele deixou depositada no seio da Igreja,por Maria, para prolongar a sua missão de di-zer-nos sua vida durante todos os séculos; can-ção que a Igreja, unida a Cristo, na sua Liturgia,voltada para o Pai, canta-lhe durante todos os

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6 Jo 15, 15.

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SE EU LOGRASSE…

Se eu lograsse dizer,em meu expressar lastimoso,isto que sinto em minha profundeza,quando me afundo nos meus Céus…!,

naquele gozo inefávelque, na Encarnação do Verbo, Deus mostrou-me ao adentrar-me na profundeza do seu encerramento…!

Se eu lograsse, do meu modo, o decifrar com conceitos isso que vivo em minha entranha,quando se acerca o Eterno, quando me mete na forja dos seus coeternos mistérios…!

Se dissesse, em minha missãode dizer o que em mim tenho, dizer o dizer de Deusque eu encerro no meu interior…!

Se lograsse de algum modo, ainda que o fizesse morrendo, romper a profundeza profunda do viver do meu segredo…!

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Como dizer o indizível em meu angustioso lamento…?

Mas, se não posso dizê-lo, menos posso não expô-lo!, já que a força de Deus, introduzida em meu peito,

impulsiona-me para que expresse o que tenho, como posso, ainda que me mate o martírio por profanar meu segredo.

Que triste é morrer penando, ainda que me envolvam os Céus!

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MELODIAS DOCES…

Melodias doces, claustrais mistérios, vozes do Deus vivo em tênue concerto…

Melodias docesque impregnam o peito, que ferem sua profundezacom o toque quedode seu cativeiro…

Melodias doces, algo que é eterno se sente na alma quando logra esta sumir-se em silêncio.

Melodias doces, toques do Imenso, falas de amor puro em chamas de fogo…

Melodias doces…, como será issode querer dizê-lo sem poder fazê-lo?

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Do livro «Frutos de oración»(«Frutos de oração »)

564. Experimento com o mistério de Cristocomo com o da eternidade, que, quanto maisa conheço, menos a posso expressar pela sim-plicidade perfeitíssima, subsistente e divina dasua realidade. (24-10-74)

565. Quem vive do Espírito Santo é levado àMaria, e Ela lhe mostra em seu seio o segredoda Encarnação, onde o Pai diz ao homem suavida, por seu Filho, na virgindade maternal daSenhora. (22-12-74)

566. Quando Deus quis dizer-me o seu gozo in-finito, o Verbo se fez carne e, através de Maria,soletrou-o para mim em minha Igreja santa comcoração de Pai e amor de Espírito Santo. (25-9-63)

567. Que grande é que Deus, que por sua ca-pacidade infinita não pode ser mais que Deus,faça-se homem…! E que grande é que o Ho-mem passe a ser Deus! Mistério incompreensí-vel de amor infinito! (7-3-67)

568. A Encarnação é o romance de amor deDeus ao homem que se escreveu nas puríssi-mas entranhas de Maria. (12-9-63)

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Melodias docesque envolve o mistério, que a alma percebe dentro de seu seio…

Melodias doces, que, sem ser concertos, são beijo de Deusem unção de céu…

Melodias docesem martírio lento, em chagas sangrentas, em cautério imenso…

Melodias docesenvolve o mistério, e por isso fico sumida em silêncio.

Melodias docesem passo de Eterno…

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573. No mistério da Encarnação estão recom-pilados todos os mistérios da vida de Cristo,porque encerra em si a doação de Deus ao ho-mem e a inserção do homem em Deus; sendomanifestada e consumada essa doação me-diante a vida, morte e ressurreição de Cristo,segundo a vontade do Pai, sob o impulso e oamor do Espírito Santo. (12-1-67)

25. O Verbo, para encarnar-se, toma uma hu-manidade inimaginavelmente perfeita e, ao uni-la à sua pessoa divina, faz possível que este ho-mem seja Deus; e como as três divinas Pessoas,ainda que distintas, são inseparáveis, o Verbo,ao unir-se com a humanidade, dá-nos o Pai eo Espírito Santo. E assim como no Filho unimo-nos com o Pai e o Espírito Santo, no Homemtoda a humanidade une-se com Deus, forman-do assim o Cristo Total, Cabeça e membros, naunião estreitíssima do Espírito Santo; sendo tudoisso realizado nas entranhas de Maria. (4-12-64)

26. No momento da Encarnação foi quandorealizou-se a grande doação de Deus ao ho-mem, ao fazer-se Deus Homem e o Homem,Deus. Também, misteriosamente, celebrou-se aprimeira Missa, realizando-se a inserção da hu-manidade em Cristo, a união de Cristo com asua Igreja e, portanto, a fundação, em germe,dela. Neste mesmo momento da Encarnação epor este grande mistério, a Família Divina co-

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569. Dia da Encarnação…! Dia eminentemen-te sacerdotal, de ação de graças e de entregaanonadada, porque Deus fez o inimaginável eincompreensível para a mente humana poramor a si mesmo e aos homens. Mistério deternura indizível e de esplendor infinito, de sim-plicidade arrepiante e de majestade soberana!,diante do qual cabe só adorar tremendo deamor e respeito. Dia da Encarnação: Deus éHomem e o Homem é Deus! (4-4-75)

570. O Verbo Encarnado abrange, na realida-de das suas duas naturezas, a eternidade e otempo, a Divindade e a humanidade, a criatu-ra e o Criador, numa união tão perfeita que,sendo Ele em si o Céu e a terra, não tem maispessoa que a divina. (15-10-74)

571. Cristo é tão sumamente maravilhoso, queEle mesmo é a Unção e o Ungido; a Unção en-quanto Deus, e o Ungido enquanto homem, ten-do realizado tudo em si pela plenitude exube-rante e transcendente da Encarnação. (15-10-74)

572. Jesus é a perfeição consumada do Planode Deus, anunciado a Abraão, pai de todas asnações, e proclamado pelos santos Profetas doAntigo Testamento, na manifestação do Amor in-finito pelo homem e na resposta do mesmo Amorinfinito, feito homem, para Deus. (15-10-74)

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14-2-1976

CALA, ALMA, E ADORA

Deus pede que cale tudo no meu interior,porque, em seu mistério, quer-me abismar.Lá, no meu recôndito, tudo está em silêncio, por isso percebo seu amor em beijar;

e perco-me para tudo quanto me envolve,sabendo, em seu gozo, seu modo de atuar.Cala, alma querida!, oculta o segredodo Sancta Sanctorum em teu palpitar.

Não rompa o silêncio minh’alma adorante, não apague suas vozes de infinito falar, deixe que, em meu seio,

Deus ponha seu acentodo modo sagrado que Ele se quer dar diante dos mistérios do Verbo Encarnadosendo Deus e homem rompendo em cantar.

Silêncio é a minha vida, quando pormim passa

em toque infinito de eterna Divindade;para que o expresse do modo que possacom tênues acentos de brisa sagradaem meu palpitar.Seu passo é calado, repleto de dons,qual murmúrio suave em tênue roçar.

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meçou a conversar com o homem, e recebeuem Cristo a resposta infinita de reparação que,desde toda a eternidade, do homem esperava.(4-12-64)

574. A Encarnação é o ato amoroso de Deus,cheio de compaixão e misericórdia infinita, der-ramando-se sobre o homem no seio da Virgemcom vontade redentora. (27-3-62)

575. Obrigada, Senhor, porque te fizeste Ho-mem e, por isso, és capaz de sofrer, morrer,ressuscitar e, inclusive, permanecer durante to-dos os tempos na Eucaristia, prolongando todoo mistério da doação do teu amor na Igreja pormeio do sacerdócio. (4-4-75)

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E entra no teu interior onde o Infinito,por ser eu seu Eco, quis se mostrara meu ser ferido de tantos amorescomo abriu na minha profundeza a Divindade.

Cala, alma, e adora, Deus passa beijando…!

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29-10-1959

JESUS

Que riqueza encerra em si a realidade trans-cendente de Cristo…! Ele é o Sumo e EternoSacerdote por ter em si toda a realidade infini-ta e toda a realidade criada. Ele é a união deDeus com o homem, porque, n’Ele, Deus se dáa nós na comunicação infinita da sua intimida-de familiar; e porque, n’Ele, todos os homensentramos a tomar parte na mesma vida deDeus.

«No princípio era a Palavra, e a Palavra estavajunto de Deus, e a Palavra era Deus. Nela esta-va a vida, e a vida era a luz dos homens»1.

Mistério transcendente o da Encarnação peloqual Deus é Homem e o Homem é Deus…! «Ea Palavra se fez carne e habitou entre nós»2.

Jesus é em si a perfeição infinita e criada,na união hipostática da sua natureza divina coma sua natureza humana, e por isso sofre e gozacomo ninguém em seu caminhar pela terra.

1 Jo 1, 1.4. 2 Jo 1, 14.

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mais viu a Deus; o Filho unigênito, que está noseio do Pai, este o deu a conhecer»5.

«Ninguém conhece o Filho senão o Pai, eninguém conhece o Pai senão o Filho e aque-le a quem o Filho o quiser revelar»6.

«Porque em Cristo se acham escondidos to-dos os tesouros da sabedoria e do conheci-mento e n’Ele habita corporalmente toda a ple-nitude da divindade»7.

Que momento eterno de gozo, de alegria,de amor, de abaixamento, de agradecimento…,ao ver-se Ele o escolhido, o ungido, o predes-tinado, o Filho amado do Pai…!

Toda a sua alma gozando, abrasada no ím-peto da corrente divina, contemplando com oPai seu ser eterno, cantando com sua mesmaPessoa, com o Verbo, e abrasando-se com omesmo fogo do Espírito Santo; participando daDivindade numa transformação como nenhumacriatura; participando da Trindade de Pessoas eda Unidade de Ser, em cada um dos seus ma-tizes e perfeições, num grau quase infinito…!

Alma de Cristo, que contente…!, que gozo-sa…!, que alegre…! Toda tu és um júbilo deamor, gozando do contento infinito do Deusaltíssimo. Alma de Jesus, esposa do Verbo infi-

5 Jo 1, 18. 6 Mt 11, 27. 7 Col 2, 3. 9.

A sua missão é dar-nos a conhecer o gozoeterno que está na vida do Pai, do EspíritoSanto e d’Ele mesmo. «“Beba quem crê emmim”. Conforme diz a Escritura: “do seu inte-rior correrão rios de água viva”. Ele disse issofalando do Espírito que haviam de receber osque acreditassem n’Ele»3.

E sofre e se queixa porque, não somentenão conhecem o Pai, mas também porque nemsequer conhecem Ele, que se fez homem paraque melhor o conhecêssemos; e com a almadilacerada pela dor e a incompreensão dos ho-mens, diz: «Nem te conhecem a Ti, Pai, nemJesus Cristo teu enviado»4.

Jesus foi feito pelo Espírito Santo para tra-zer-nos a vida divina e abrasar-nos no seu mes-mo fogo. E depois de vinte séculos estamos oscristãos de hoje, como os de ontem, sem rece-ber o Pai como Ele deseja!

Entremos agora no primeiro instante de serconcebido Cristo.

Nesse mesmo instante a alma de Jesus con-templa face a face a divindade. «Ninguém ja-

3 Jo 7, 37-39a. 4 Cf. Jn 16, 3.

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Corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez portodas»8.

Terrível dor a de Jesus no mesmo instanteda Encarnação, no qual contempla face a facea divindade e sabe o que é a santidade deDeus…!

Estava todo gozoso na contemplação doDeus glorioso, do Deus altíssimo, e seu ser nu-blou-se tão profundamente como profundo é oconhecimento que tem de Deus, aprofundan-do-se numa profunda tristeza. O conhecimen-to da excelência de Deus foi a condição da suaimolação, porque para maior luz, maior dor, aoser Ele o encarregado de dar-nos essa mesmaLuz e não ser recebido.

E ao cair sobre Ele a carga inumerável detodos os pecados de todos os tempos, volta-seao Pai e, em função do seu Sacerdócio, res-ponde em nome de toda a humanidade dianteda santidade infinita de Deus. «Ele é a vítimade expiação pelos nossos pecados. E não so-mente pelos nossos, mas também pelos de todoo mundo»9.

Pelo que, por um lado, Ele vive uma pleni-tude de vida e felicidade na comunicação ínti-ma e carinhosa das divinas Pessoas. Contempla

8 Hb 10, 5-7.10. 9 1 Jo 2, 2.

nito…, o descanso de Deus ao olhar para o ho-mem…!

Já o Pai pode olhar para a terra através doseu Verbo feito Homem!

O que seria para Jesus, o Santo, ver que Eleera o Verbo Encarnado? Que júbilo na alma deCristo…! Parece que não tem tempo mais quepara gozar! Está como louco de amor divino!

E nesse mesmo instante da Encarnação, caisobre sua alma de Redentor a carga inumerá-vel de todos os pecados dos homens.

Nesse mesmo momento, e precisamente pelaluz da visão de Deus, compreende e penetraaté o mais profundo a malícia terrível, espan-tosa e arrepiante do pecado. E vê que esse mes-mo Deus Santo é ofendido por suas criaturas,que se rebelaram contra Aquele que se É e semanifesta como vontade de santidade contra opecado.

«Por isso, ao entrar no mundo, Cristo afir-ma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, masformaste-me um corpo. Não foram do teu agra-do holocaustos nem sacrifícios pelo pecado.Por isso Eu disse: Eis que Eu venho. No livroestá escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus,para fazer a tua vontade”… É graças a esta von-tade que somos santificados pela oferenda do

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Pelo que a alma de Cristo é toda abertura eresposta diante de Deus, que, na mesma me-dida em que o recebe, responde-lhe.

Nesse mesmo instante da sua recepção dian-te de Deus, repleto com a participação doInfinito, volta-se para nós, continuando a suamissão na terra –ao ser a Palavra do Pai– de co-municar-nos todo o tesouro do nosso Pai Deus.

E no mesmo instante em que se volta paranós, recebe o «não» arrepiante da humanidade,que novamente n’Ele diz «não» a Deus:

«E a Luz brilha nas trevas, mas as trevas nãoa acolheram. Ela estava no mundo, e o mundofoi feito por meio dela, mas o mundo não a re-conheceu. Ela veio para o que era seu, mas osseus não a acolheram»11.

Instante tremendo de dor e de tragédia para aPalavra infinita Encarnada que, num romance deamor, de sabedoria, de plenitude, dita e felicida-de, está dizendo-nos sua vida na manifestação deamor mais incompreensível, mais amorosa: aEncarnação, que faz com que Deus seja Homempara que, dizendo sua vida aos homens e incor-porando-os a si, faça-os Deus por participação!

No momento da Encarnação, Cristo, carre-gando com todos os pecados de todos os ho-

11 Jo 1, 5. 10-11.

com o Pai toda a sua infinita perfeição, ex-pressa-a, em união total e absoluta com sua in-finita Pessoa, e abrasa-se no amor saboreáveldo Espírito Santo. Que vida de júbilo, de ple-nitude, de posse, de comunicação dentro dasdivinas Pessoas!

E todo Ele é recepção da infinita doação deDeus ao homem. Toda a sua alma está abertaao ímpeto amoroso do Espírito Santo que, porEle e através d’Ele, quer comunicar-se, em fogoavassalador e em ímpeto saboroso, a todos oshomens.

Por outro lado, Ele é a Palavra infinita nasua Pessoa divina, que, ao unir-se com sua mes-ma humanidade, a fez tão palavra, que toda ahumanidade de Cristo já só palavra pode serpara expressar, num romance de amor, toda avida divina aos homens.

«Muitas vezes e de muitos modos falou Deusoutrora aos nossos pais, pelos profetas; nestesdias, que são os últimos, Ele nos falou por meiodo Filho, a quem Ele constituiu herdeiro de to-das as coisas e pelo qual também Ele criou ouniverso. Este é o esplendor da glória do Pai,a expressão do seu ser. Ele sustenta o univer-so com o poder de sua palavra. Tendo feito apurificação dos pecados, Ele sentou-se à direi-ta da Majestade Divina, nas alturas»10.

10 Hb 1, 1-3.

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diz: «Eles me abandonaram, a mim, fonte deágua viva, para cavar para si cisternas, cister-nas furadas!»12.

Jesus veio para dar-nos o segredo amorosoda nossa Família Divina, e encontra-se com adureza e incompreensão da imensa maioria doshomens que, olhando tudo de modo humano,não somente não conheceram Deus, mas quetampouco conhecem Jesus Cristo, seu enviado,sendo Ele, em cada instante da sua vida, víti-ma desse desconhecimento.

A missão de Cristo é dar-nos participar davida que o Pai, abrasado no Espírito Santo, co-municou-lhe, para que a depositasse no seio daIgreja e esta, com coração de Mãe, no-la des-se durante todos os tempos:

«Em nenhum outro há salvação, pois nãoexiste debaixo do céu outro nome dado aoshomens pelo qual possamos ser salvos»13. La-vando a mancha de nossos pecados com seumesmo sangue, fez o máximo que pôde fazerpor nós, seus irmãos. E ainda seguimos sem re-cebê-lo!: «Há tanto tempo estou convosco e tunão me conheces, Filipe?»14.

Que solidão, que incompreensão, que triste-za aquela da alma de Cristo, que quereria mos-trar-nos o Pai, que nos grita em toda sua vida,

12 Jr 2, 13. 13 At 4, 12. 14 Jo 14, 9.

mens, volta-se ao Pai e oferece-se como víti-ma de resposta amorosa por todos nós. Fican-do em postura sacerdotal e em função do exer-cício do seu Sacerdócio que o faz ser quemrecebe a vida divina; o que responde ao Amorinfinito; o que, na fartura da sua plenitude, vol-ta-se para saturar-nos todos de divindade; e oque, ao não ser recebido, se entrega ao Pai,em resposta de doação e sacrifício, para expiarem si, e assim purificar o homem, do «não»arrepiante que novamente repetiu à santidadeinfinita de Deus.

Já Deus tem na terra um Homem que, sen-do Homem, é Deus, e que lhe responde eter-na e infinitamente como Ele merece, em nomee em resposta de toda a criação! E já o ho-mem tem na terra Deus que, apesar de serDeus, é Homem, e que, ao fazer-se um deles,tem uma capacidade tão transcendente, que écapaz de recompilar em si todos os homens,e, voltando-se diante de Deus, reparar por to-dos eles como responsável de toda a huma-nidade

Jesus, como irmão maior que contemplavasempre a Alegria eterna, tinha uma nuvem tãogrande de tristeza, ao ver-se o Primogênito efiador de todos seus irmãos, que nem amavama Deus nem o buscavam, como Ele mesmo

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Os trinta e três anos do divino Mestre foramvividos, em cada instante da sua vida, na má-xima intensidade de amor e dor, do que a suaalma esteve cheia e repleta em todos os mo-mentos da sua existência.

Jesus vivia seu momento presente com tal in-tensidade, que, em cada momento da sua vida,estava padecendo na sua alma, passando e so-frendo tudo o que, durante trinta e três anos,passou por seu ser de homem.

Nós vivemos nosso momento presente que,com mais ou menos intensidade, passa paranão voltar mais. Mas não foi assim em Jesusque, como via tudo, cada momento da sua vidamortal foi, não somente o momento presentedos seus trinta e três anos, senão que, nessemomento ou instante da sua vida, estava vi-vendo também todos os momentos de todos oshomens e de todos os tempos.

Tiremos a criatura tempo e espaço: Cristovive conosco, e nós ficamos misteriosamenteunidos com Ele sem distâncias de tempo e lu-gar; vivendo com Ele em seu tempo –como Eleviveu então o nosso– o mistério transcendenteda sua vida, morte e ressurreição.

Tiremos da nossa mente o fantasma do tem-po, que para a realidade da alma de Cristo,compêndio apertado de toda a criação e abar-cador de toda ela, passa como a não ser; e pela

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com todos seus milagres, em todas suas obras,olhadas, palavras, ações: Deus…!, Santidade…!e entrega do Deus bom…!

Que seria para Cristo, depois de trinta e trêsanos da sua vida mortal, ver que seguíamos, amaior parte, sem receber Deus…! E como di-lacerar-se-ia a sua alma, em suas horas longasde oração, a Ele, que era o Cristo, o Ungido,feito para oferecer-se e para ser imolado…! Quesentiria Jesus, ao ver e viver todos os tempos,todos os pecados de todos os homens, e como,depois de vinte séculos, sabendo o que Deusmerecia, e o terrível da sua incessante imola-ção e sacrifício, seguia sem ser recebido…!

Que dor para a alma de Cristo, que viveuem cada momento da sua vida sendo o Re-ceptor do Amor infinito e vivendo a tragédiade toda a humanidade durante todos os tem-pos…! Já que Cristo viveu profundamente cadaum dos momentos de todos os homens, pas-sados em amor ou em dor, em entrega ou emolvido; sendo para Ele seu viver, não só a suaprópria vida, mas também a vida de todos nósem cada um dos nossos momentos.

A alma de Jesus, expressão cantora do ser-se do Ser, quase em infinitude e em expressãoperfeita, diz, segundo a sua capacidade, o infi-nito ser de Deus, de tal forma que, para Jesus,não houve nada oculto de todos os séculos pas-sados ou futuros.

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Todos os momentos da sua vida, desde opresépio até o consummatum est, foram vivi-dos por Ele num só momento presente.

Mas não fica aí, senão que, nesse mesmomomento presente, Jesus sofreu: toda a tragédiaterrível da sua Igreja, com todas as heresias, cis-mas, com toda a dilaceração dela; o martírio eperseguição de cada um dos seus mártires; osabandonos, securas e desamparos de todas asalmas; a morte de todos os santos; as ofensasde todos os pecadores; as traições de todosseus amigos e filhos… E isso, não de um tem-po, mas de todos os tempos, desde Adão e Eva,até o fim do mundo!

Pobrezinho Jesus…! A paixão cruenta donosso Cristo, do nosso Deus Encarnado, foiuma manifestação externa que expressava umpouco a tragédia espantosa de cada momentodos trinta e três anos da sua existência terrena.

Não é que os trinta e três anos de Jesus fo-ram um momento presente, e que Ele, durantetoda a sua vida, fora por partes vendo todos ostempos e sofrendo por todos eles, não; mas queJesus, como viveu no tempo, viveu duranteseus trinta e três anos inumeráveis momentos,durante todos os quais Ele viu e padeceu to-dos os tempos.

E se lhe tivessem perguntado:

imensidade da sua grandeza, é capaz de viver,em cada um dos momentos da sua vida, a vidade todos e cada um dos homens.

Jesus viveu durante seus trinta e três anos,em cada momento, toda a sua paixão cruenta,com todas as suas dores, agonias e tristezas.«Um batismo Eu devo receber, e como estouansioso até que isto se cumpra!»15.

«Eis que subimos a Jerusalém e se cumpri-rá tudo o que foi escrito pelos profetas a res-peito do Filho do homem. De fato, Ele será en-tregue aos gentios, escarnecido, ultrajado,coberto de escarros; depois de o açoitar, eleso matarão. E no terceiro dia ressuscitará. Maseles não entenderam nada. Essa palavra eraobscura para eles e não compreendiam o queEle tinha dito»16.

«“Em verdade, em verdade, vos digo: um devós me entregará”. Os discípulos entreolhavam-se, sem saber de quem falava»17.

«Esta noite todos vós vos escandalizareis porminha causa, pois está escrito: “Ferirei o pas-tor e as ovelhas do rebanho se dispersarão”.Mas, depois que Eu ressurgir Eu vos precede-rei na Galiléia»18.

15 Lc 12, 50.16 Lc 18, 31-34.

17 Jo 13, 21-22.18 Mt 26, 31-32.

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«Em verdade te digo que esta noite, antesque o galo cante, me negarás três vezes»21.

Jesus viu e viveu todos os instantes da nos-sa vida passados em amor ou em desamor, sen-do para Ele seu viver constante. «Enquanto es-tava em Jerusalém, para a festa da Páscoa,vendo os sinais que fazia, muitos creram no seunome… Mas Jesus, não tinha confiança neles,porque os conhecia a todos e não necessitavaque lhe dessem testemunho sobre o homem,porque Ele conhecia o que havia no homem»22.

Assim que, esse momento presente que a nósse faz às vezes tão insuportável, e que estamosdesejando que passe e que, uma vez passadonão volte más, em Jesus foi seu momento pre-sente de trinta e três anos; de modo que Eleviveu todas as minhas securas, tristezas e mi-nhas entregas de amor puro.

«Vinde a mim, todos vós que estais cansa-dos e carregados de fardos, e Eu vos darei des-canso»23.

Na alma de Jesus foram vividos todos osmeus sofrimentos e alegrias, amores e defec-ções, sendo eu sempre para Ele descanso e dor.E isso, não às vezes, nem que o passou umavez em sua vida por cada um; senão que Jesus

21 Mt 26, 34. 22 Jo 2, 23-25. 23 Mt 11, 28.

— Jesus, que estás vivendo neste momentopresente da tua vida mortal?

Ele teria respondido:

— Meu momento presente é toda a tragédiaespantosa de toda a minha vida e de todos ostempos. Eu estou sofrendo na minha alma, nes-te momento presente: a ingratidão de todos ostempos e de todos os homens para com Deus;e estou vivendo também na minha alma todosos amores e as entregas de amor puro das al-mas fiéis; e estou sofrendo todas essas infideli-dades e gozando com todos esses amores. E nãocomo uma coisa em bloco, não; senão que cadapulsação de cada alma, e cada momento seu vi-vido em amor ou em desamor, em entrega ouem olvido, é para mim meu momento presente.

«Jesus viu Natanael que aproximava e dissea seu respeito: “Eis um verdadeiro israelita, emquem não há fingimento”. “De onde me co-nheces?”, perguntou-lhe Natanael. “Antes queFilipe te chamasse”, respondeu-lhe Jesus, “Eute vi, quando estavas sob a figueira”. Então ex-clamou Natanael: “Rabi, Tu és o Filho de Deus,és o Rei de Israel”»19.

«… Jesus sabia, com efeito, desde o princí-pio, quais eram os que não criam e quem eraaquele que o entregaria»20.

19 Jo 1, 47-49. 20 Jo 6, 64.

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«Digo-vos isto para que não vos escandali-zeis. Expulsar-vos-ão das sinagogas. E mais ain-da: virá a hora em que aquele que vos matarjulgará realizar um ato de culto a Deus. E istofarão porque não conheceram o Pai nem amim. Mas Eu vos digo tais coisas para que, aochegar a sua hora, vos lembreis de que Eu voshavia dito. Não vos disse isso desde o começoporque estava convosco»25.

Ó viver profundo da alma de Cristo…! E porse acaso era pouca intensidade de vida para aalma maravilhosa e incompreensível do nossoCristo, também tinha nesse momento presentea contemplação face a face da Divindade, con-templação que lhe fazia viver em cada instan-te um momento presente de glória.

Assim que na alma de Cristo dava-se, nummomento presente, o inferno e o céu, todos osamores de todos os tempos e todas as tristezase desamores de todos os séculos!

Que riqueza encerra em si Jesus…! Pareceque a mente se rompe diante da perfeição dasua natureza criada, que foi capaz de viver,numa intensidade tão transcendente e nummesmo instante, todo o gozo que lhe propor-cionava a comunicação familiar que vivia comas divinas Pessoas, e por outra parte, a dor do

25 Jo 16, 1-4.

viveu, em cada momento, tudo o de todas asalmas, em toda sua vida e em cada momentopresente dela. Assim que Ele teve sempre pre-sente toda a minha vida, desde a Encarnaçãoaté o Calvário; e não só minha vida, mas a detodos os homens.

Jesus não teve mais momento presente nasua vida mortal que um momento. Não é quefosse a sua vida um momento presente, não;senão que a vida de Jesus era, em cada mo-mento, o momento terrível da tragédia de to-dos os tempos da vida de toda a Igreja; vi-vendo Jesus em cada um dos instantes da suavida, como Cabeça da sua Igreja, toda a vidada Igreja em todos os seus tempos com suarealidade terrível de riqueza, missão –comoprolongação d’Ele– e tragédia ao não ser re-cebida; realidade viva que Cristo prolongaráno seio desta santa Mãe durante todos ostempos.

«Se o mundo vos odeia, sabei que primeiroodiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundovos amaria como ama o que é seu; mas, por-que não sois do mundo, porque Eu vos esco-lhi do meio do mundo, por isso o mundo vosodeia. Se me perseguiram, perseguirão a vóstambém. E se guardaram a minha palavra, guar-darão também a vossa»24.

24 Jo 15, 18-19. 20.

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tragédia que tinha em sua alma em desejos in-contidos de comunicar-se.

E por isso a Eucaristia, a crucificação e amorte de Cristo com a sua ressurreição glorio-sa são a expressão soletrada do amor de Deusao homem, que, chegando em sua necessida-de incontida até o extremo, ardendo em dese-jos, como Palavra infinita, de expressar-nos ecomunicar-nos a sua missão, todo o seu ser dehomem rebentou em sangue por todos os seusporos em Getsêmani; explicando-nos por todoseu ser até onde e como ama Deus quandoama, e até onde e como é capaz de expressar-se o Amor infinito quando fala.

Assim Deus se deu a ti em seu amor infini-to, através de Cristo, em romance de amor.

Que fará o teu amor diante da Doação infi-nita que se fez palavra para que tu o recebes-ses, o escutasses e fosses capaz de amá-lo evivê-lo?

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desamor dos homens que Ele representavadiante de Deus.

Como poderemos nós compreender o amorde Deus que tão incompreensivelmente, para anossa mente humana, nos ama…? De quantasmaneiras…! Com quanta intensidade…! Paraque não duvidemos nunca do Amor infinitoque, ao amar-nos, não se perdoou nada por nós.

«Quem não poupou o seu próprio Filho eo entregou por todos nós, como não nos ha-verá de agraciar em tudo junto com Ele?»26.

Como poderia Cristo, o Unigênito Filho doúnico Deus verdadeiro, que veio a dar sua vidaem resgate por todos, para que por Ele en-contrássemos a libertação e a salvação como fi-lhos de Deus no Filho, Deus e Homem que Eleera em si, por si e para si pela sua divindadee pela sua humanidade; ao mesmo tempo, con-ter em si todo o ímpeto infinito da Divindadeque o impulsionava irresistivelmente a comu-nicar-se aos homens, e todo o ímpeto arre-piante, em força de rechaço, da humanidadeque lhe diz «não»…? E Ele no meio, comoprensado, entre a doação de Deus e o recha-ço dos Homens!

Todo o viver de Cristo nos seus trinta e trêsanos foi uma expressão amorosa da vivência e

26 Rm 8, 32.

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28-1-1973

DEUS RESPIRA NO MEU INTERIOR

Quando eu me interno,com alma adorantee em silêncio fico,na intimidadede um sacrário aberto,escuto o queixumede Jesus em dó,escuto sua roçadurae sinto seu alento…

E entrando na profundezado seu pensamento,o que mais me moveno meu sentimentoé quando eu escuto,atrás do meu silêncio,esse respirarem lentos acentos,esse retinirdo seu terno peito…

E aproximo minha almapara capturaresse palpitardos seus sentimentos;

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Do livro «Frutos de oración»

592. Deus se fez uma natureza humana paraencarnar-se, e tão perfeita foi por vontade domesmo Deus, que não teve nem pôde ter maispessoa que a divina. (23-9-63)

593. Não necessitou a natureza humana deJesus pessoa humana para ser perfeita, por-que foi criada para unir-se à divina no Verbo.(23-9-63)

594. Se a natureza humana de Jesus tivesseprecisado de ter pessoa humana para ser per-feita, o Verbo não teria podido encarnar-se nela.(23-9-63)

595. Deus derrama-se tão plenamente sobre ahumanidade de Cristo em unção sagrada, quetoda esta humanidade, aderindo-se à Divinda-de, pode dizer por sua pessoa divina: «Eu souaquele que Sou»1. (15-10-74)

596. Quando olho o Verbo Encarnado comoDeus, vejo n’Ele toda a perfeição infinita da di-vindade; e quando o olho como homem, vejo-o recompilação perfeita de toda a humanidade.(15-10-74)

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e ouço o tic… tac…que, em seu coração,o amor abriu.

E enquanto respirao Hálito eterno,eu respiro n’Eledo modo que posso,para retornarcom meu respirara seus sentimentos.

Quando Deus palpitadentro do meu peito,eu respondo em domdo modo que posso.

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1 Ex 3, 14.

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4-9-1975

TU ME OLHAS… EU TE OLHO…

É teu olhar o descansoda minha alma fadigada,que me acaricia silenteem minhas saudades carregadas.

Tu me olhas quando penoe quando, em glórias, me abraças,sendo archote em minhas noitese sombra em minhas marchas longas.

Tu me olhas, eu te olho,num dizer sem palavrasque são amores profundosentre o Amor e a amada.

Eu conheço os segredosdo olhar das tuas olhadas,penetro teus pensamentos,quando teus olhos me falam.

Entendo tudo ao olhar-te,ainda que não me digas nada,porque são “verbos” teus olhosem infinita Palavra.

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597. A perfeição de Cristo é tão rica, que écapaz de abarcar, não só por ser Deus em suanatureza divina, senão por ser homem na per-feição e pela perfeição da sua natureza huma-na, toda a criação com todas as suas criaturas,tempos e circunstâncias, sendo Ele, misterio-samente, o compêndio apertado de toda ela.(15-10-74)

598. Jesus possui a penetração completa eabarcada de todas as coisas em sua profunde-za, largura e extensão, por ser maior e maisperfeito que todas elas em sua natureza hu-mana. (26-10-74)

599. Jesus é a sabedoria eterna do Pai emExpressão cantora; é a Luz do Resplendor eter-no; é o tudo infinito de Deus em soletraçãoamorosa de conversação divina e humana; peloque, quando estou com Ele, estou diante dacontenção apertada que encerra em si quantoé Aquele que se É, e quanto é toda a criação.(14-9-74)

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«Frutos de oración»

600. Minha alma está impregnada de luz sim-ples e profunda sobre o mistério do VerboEncarnado, possuidor, dominador e abarcadordo tempo e da distância, para viver com todose cada um dos seus filhos em todos os sécu-los, e para fazer que, a alma-Igreja, iluminadapela fé e a caridade do Espírito Santo, o vivareal, ainda que misteriosamente, em cada umdos momentos da sua vida. (24-10-74)

601. Para a perfeição da alma de Cristo nãoexiste o tempo enquanto que o seu mistériorealiza-se em favor de todos os homens de to-dos os tempos. (15-10-74)

602. É o mesmo dizer que Jesus viveu trinta etrês anos e os fez extensivos a todos os tem-pos, quer dizer que viveu todos os tempos ereduziu-os visivelmente a trinta e três anos.Estes trinta e três anos foram a manifestação,diante dos homens, da realidade abarcadora detoda a criação e de todos os séculos que Eleera. (15-10-74)

605. Pela perfeição do seu ser, o Sumo eEterno Sacerdote, foi capaz de conter todos oshomens na imensidade da sua abrangência, e

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Jesus, quando Tu me olhasem petições sagradas,minha alma rompe em vulcõesde refrigerantes chamas,

e, em retorno silente,sob a tua brisa calada,rendida em adoração,te respondo enamorada.

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611. Minha vida de fé, esperança e caridade,tira-me a dimensão do tempo, ele é mais pe-quenino do que eu, tanto que para a minhaalma-Igreja não existem suas distâncias e fron-teiras. (24-10-74)

613. O Verbo Encarnado é mais antigo, maisduradouro e mais amplo do que todos os tem-pos, e eu estou enxertada n’Ele diretamente,como membro do seu mesmo corpo; portanto,vivendo da sua realidade tal qual é, e sacian-do-me dos mananciais que brotam do seu pei-to bendito, transcendo os tempos e afundo-mena eternidade. (15-10-74)

614. Como Cristo é a contenção de todos ostempos e a abrangência da criação, Ele é a fron-teira com a eternidade e a mesma eternidade semfronteiras, por ser Deus e homem. (29-10-70)

615. A mais perfeita imagem, como criatura,da perfeição infinita, é Jesus em tudo o quevive e faz; e por isso, é capaz de conter em sitodo o plano de Deus terminado e acabado.(25-10-74)

616. O Verbo veio comunicar-nos a grandemensagem divina, e esta no-la disse na Encar-nação, Belém, Nazaré…, em sua pregação e emsua crucificação; e no-lo segue comunicando naIgreja durante todos os tempos, pela Liturgia, e

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é capaz de viver, através da Igreja e por meioda Liturgia, com e para todos eles. Por isso épossível que todos os homens, em seu tempo,vivam do seu mistério. (15-10-74)

607. Quando eu me uno ao Verbo Encarnado,pela minha inserção n’Ele, uno-me tambémcom o Pai e o Espírito Santo, passando a vivera sua mesma vida, por participação, e sendoeles UNO em mim –não uno comigo–; nestamesma inserção uno-me com os homens de to-dos os tempos e eles comigo, sendo todos unoem Cristo, e, por Ele, entre nós, vivendo todosunidos com e na Família Divina. (13-7-66)

608. O tempo e a distância são como ummonstro gigantesco que intenta pôr-se entreCristo e nós para separar-nos. Mas, como po-derá ser isso se o nosso espírito vive porqueé membro de Cristo e está vitalmente unido aEle? (15-10-74)

609. O dia em que o Verbo Encarnado en-xertou-me n’Ele, tirou misteriosamente entreEle e eu a distância e o tempo. Ele começoua ser a minha Cabeça e eu membro do seuCorpo. (15-10-74)

610. Eu rio do fantasma do tempo, que apa-rece como separador do mistério de Cristo co-nosco. (24-10-74)

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também na intimidade da alma e na oração,junto à Eucaristia, onde, em romance de amorsilencioso diz-nos Aquele que É seu amor infi-nito como Palavra eterna do Pai. (1-2-64)

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22-9-1974

MINHA MISSÃO É SER ECO

No dia 19, durante o santo Sacrifício do al-tar, sangrando de dor no meu espírito, olheipara Jesus e compreendi como nunca o por-quê da profundeza do seu viver, do desampa-ro das suas penas e da tragédia do seu cora-ção… Vi a grandeza da perfeição da alma deCristo, capaz de abarcar todos os homens detodos os tempos, dando-lhes amor e receben-do traições… Vislumbrei a finura penetrante, aperfeição e a profundidade profunda do amorcom que nos ama.

Parece como se tivesse penetrado no quepassava na alma de Cristo durante a sua cruci-ficação: as dores do seu corpo não eram maisdo que uma manifestação pequeníssima das pe-nas profundas que anegavam seu espírito…

Que feridas sangrentas, abertas e sem cica-trizar, tinha dentro da sua alma santíssima…!Que desamparo por parte dos homens…! Queagonias as do seu coração! Que amor…! Quecapacidade, ao poder abarcar-nos todos e cadaum de nós, naquele instante da sua vida, comtodos e cada um dos amores ou ingratidões dasnossas…!

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como uma flecha aguda em perfurante pene-trar, somos introduzidos em sua profundeza.

Jesus é o «Grito sangrento» do Amor infini-to em doação amorosa aos homens, e a res-posta do homem ao Amor infinito. É o «alvo»onde as setas incandescentes do mesmo Amorinfinito são lançadas, e o «alvo» também ondetodos os homens, que, como flechas, vão lheferindo com setas em amor ou em dor, em en-trega ou em ingratidão.

Alma de Cristo, desconhecida…! Coração deJesus, perfurado, receptor vivente de amor e deingratidão…! Deixa-me que, feita uma coisacom meu Espírito Santo, com meu Espírito meu,eu vá beijando, como cicatrização de amor, to-das e cada uma dessas feridas pungentes quesão para ti um «não» em dureza de ingratidão…

Eu hoje necessito ser com o Espírito Santobeijo de consolo amoroso que te diga eterni-dade, resposta dos que amas, e entrega de in-condicional doação. Pois também eu, diante dacontemplação do teu duro penar, vi num ins-tante que meu viver é repercussão do teu vi-ver, em expressão pequenina do meu ser deIgreja.

Toda a vida do Verbo Encarnado sobre a ter-ra foi um mistério de amor e de desamparo, deentrega por parte sua e de ingratidão pela nos-sa. Que capacidade de recepção a da sua alma…!

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Mas, que ferida vi a alma de Cristo…! Quesangrentos e que pungentes éramos cada umde nós em seu espírito! Fiquei espantada deque Cristo pudesse resistir a tanta dor…!

Cada um dos homens era como uma flechaque fere, que o ímpeto infinito do EspíritoSanto, no dia da Encarnação, incrustou em seuespírito com o matiz pessoal de cada um… Quefecundidade a da sua paternidade rompendoem redenção…!

Vivi muito profundamente o mistério san-grento do Amor infinito desamado, desconhe-cido e desamparado, penetrando dolorosamen-te nesta frase da Sagrada Escritura: «Busqueiquem me consolasse e não o encontrei…»1.

Que trágica desolação a de Jesus na cruz…!Que desamparo na profundidade profunda daprofundeza do seu coração! Que tristeza tãoaguda a que envolvia todo seu ser, buscando,como Amor infinito, amor dos que amava, emresposta à entrega gratuita da sua doação…!

Quantas vezes, durante toda a minha vidafui introduzida por Cristo na sua alma santíssi-ma, sabendo, por ter saboreado, a sua doaçãoamorosa aos homens…! Mas nunca como estedia descobri esse «ponto» sangrento do seu es-pírito, onde todos e cada um dos homens,

1 Sl 68, 20.

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Mas a capacidade de Cristo é tão grande, tãoperfeita, tanto, tanto!, que com todos e cada umdos homens tem esta mesma vivência em tra-gédia de amor que se entrega e exige resposta.

Quanto compreendi este dia…! Como expe-rimentei-me refletida em Cristo…! Que bem en-tendi a dor aguda que o amor infinito doEspírito Santo abrira na sua alma ao introduzir-lhe um depois do outro, como em dardo deamor, cada um dos homens! Porque era o amorinfinito do Espírito Santo que, realizando aEncarnação no seio da Senhora, impulsionavatodos no ímpeto do seu fogo, introduzindo-osna alma de Cristo…! Tudo é obra do EspíritoSanto, porque é obra do Amor de Deus paracom o homem…

E o mesmo dia da Encarnação, Cristo, queera o Amor infinito por sua pessoa divina, fi-cou vitimado em sua alma santíssima pela re-cepção desse mesmo Amor e pela ingratidãode todos os homens, que, ao dizer-lhe «não»,o feríamos no mais profundo e sagrado da me-dula do seu espírito.

Como compreendi neste dia o que éramoscada um de nós para a sua alma santíssima…!E ao vê-lo na cruz, como um farrapo, com-preendi também que minha pena era só refle-xo da sua, porque era amor de Espírito Santoe fruto desse amor dilacerado…

O Espírito Santo, impulsionado pela vonta-de do Pai, beija a alma de Cristo «ali», ondecada um dos homens são uma realidade viva,vivida e amada pelo nosso Redentor…

A redenção é a entrega do Amor que mor-re de amor, amando, de tanto amar…! E todaa intensidade e extensão das dores físicas deJesus foram só uma manifestação para fora dador aguda que, no profundo da sua alma, Elevivia com relação aos homens.

Cristo era em todo seu ser um «Grito» deamor que vivia em saudade esperando seus fi-lhos…, clamando, no silêncio da sua dor, emnecessidade de fazer-se um com todos os quea vontade do Pai deu-lhe pelo impulso e oamor do Espírito Santo.

Por isso Jesus é um mistério de amor e dedesconsolo, de entrega e de rechaço por partedos seus filhos; de clamor e de mistério, quena saudade do seu coração, clama em plenitu-des de posse dos que ama.

Ele pede com necessidade urgente a nossaresposta ao seu amor infinito: «Que sejam um,ó Pai, como Tu e Eu somos um»2 e que «ondeEu estiver, também eles estejam comigo»3. Queestejam «ali», ó Pai!, em teu seio e em meuseio, para que sejam um conosco no amor doEspírito Santo.

2 Jo 17, 22. 3 Jo 17, 24.

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Jesus busca consolo nos Apóstolos, e tam-bém um silêncio de morte respondeu-lhe…!Como necessitava Jesus naqueles momentos dedor, da proximidade espiritual e física daquelesque amava…! Mas, na demonstração total doseu desamparo, estava só…! Ali encontrava-sesua Mãe e o discípulo a quem amava… Assimtambém sentiu-se minha alma como «Eco» pe-quenino da alma de Jesus: buscou em sua sau-dade…, em sua nostalgia…, na morte sangren-ta que lhe produzia a ferida do seu espírito…buscou […] as almas, e estavam longe….!, mui-to longe…!

Que grande é ser «Eco da minha Igreja»…!Que grande é ser Eco de Jesus e de Maria…!Que pequenino é o eco…!; só e sempre repe-te… Não tem outra capacidade nem sabe fa-zer outra coisa; é repetição amorosa ou san-grenta, de vida ou de morte, de glória ou dedilaceração… Porque também, como Jesus,nestes dias senti que o poder das trevas arro-java-se sobre mim… Experimentei ondadas ter-ríveis de inferno, na cercania espantosa daamargura do seu contato.

Que pequenino é ser Eco…! Mas, que gran-de é vivê-lo…! A paz inundou meu ser com oconsolo do anjo confortador, que para o «Eco»pequenino da alma de Cristo naquela manhãfoi o mesmo Espírito Santo cicatrizando as mi-

Como me vi refletida na alma de Cristo…!Pois também vi minha alma como um farrapo,destroçada e ferida no mais íntimo e recôndi-to, ali, onde só Deus mora para Ele e para mim,e onde estão […] as almas que Deus introduzno profundo da medula do meu espírito…

E nesse mesmo instante senti a carícia doAmor infinito em Beijo de Espírito Santo, emcarinho de Esposo, em proteção de consolo ebálsamo refrigerante que cicatriza as feridas damedula do meu ser: «Eu vos deixo a paz, Euvos dou a minha paz; Eu vo-la dou, mas nãocomo a dá o mundo»4.

Olhei para Jesus e olhei para mim… e sen-ti-me novamente, não só o «Eco da minhaIgreja», mas o Eco da alma de Cristo; e soubedo seu amor e da sua dor, da sua grandeza deespírito e do fruto da sua fecundidade que ofaz morrer em nostalgia de amor pelos queama.

Cristo voltou-se para o Pai querendo-o glo-rificar, e o conseguiu do modo sangrento queem sua natureza humana pôde. Mas o Pai, paraque a dor de seu Filho em fruto de reparaçãopara Ele e manifestação de amor para as almasseja mais forte, diante da agonia do seu cora-ção, deixou-o em silêncio de morte…

4 Jo 14, 27.

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Espírito Santo beija-me com amor de Esposo,[…]; porque a redenção, é assim!: amor de en-trega e resposta de desamparo…, petição deamores e saudade dos que amamos…, clamo-res de desdobramento na cruz e busca, namaioria das vezes, de consolos de eternidadeem silêncio de morte.

O «Eco» de Jesus repetiu, no seu modo pe-quenino de ser, algo da profundeza do misté-rio do Redentor… E se o Espírito Santo nãotivesse vindo com consolo de Esposo e cicatri-zação de amor, teria morto de angústia comoJesus no Calvário.

Não tive nestes dias força para clamar pelaeternidade; só clamar por […] as almas, na ex-periência de uma profunda lonjura…! Mas,como contarei, e a quem, quanto vivi na mi-nha morte de cada minuto e cada instante, sen-tindo-me dilacerar no mais profundo da medu-la do meu ser, num «por que» sem resposta,que só me fazia clamar em necessidade de vi-zinhança dos que amava…?!

Agora compreendo porque no dia 19, pelamanhã, durante a Santa Missa, no mesmo ins-tante em que vi minha alma como um farrapo,ao voltar-me para Cristo crucificado fiquei es-pantada diante da desolação trágica da sua fle-chada em dardos de amor pelo Beijo doEspírito Santo, que eram como setas que intro-

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nhas feridas… E desde esse momento a doçu-ra da sua cercania invadiu-me, mas na dor, tris-teza e petição de resposta em nostalgia dos queamo…

Estes dias cantei a minha canção. Cumpri aminha missão como «Eco da minha Igreja», re-petindo os sentimentos profundos da alma deCristo em derramamento de amor aos seus eem necessidade de resposta.

«Ali», onde Deus beija-me…, onde mete […]as almas; onde estão os que amo…; «ali»… na-quele «ali» do recôndito do meu espírito ondemora Deus para Ele, para mim e para […] asalmas, «ali», sinto-me ferida no mesmo pontoonde sinto-me beijada pelo Espírito Santo embeijo de fecundidade, de plenitude de vida, deredenção.

Quantas vezes, como Jesus, pregada na cruz,busco a vizinhança dos meus, e não a encon-tro…! E ainda que o Espírito Santo esteja per-to, dentro da alma, beijando-a e querendo-a, omesmo Espírito Santo impulsiona-a a clamar pe-los que ama em labaredas de amor e de res-posta.

Que duro é ser «Eco» da Igreja, de Cristo ede Maria, no país do desamor…! Mas hoje, poruma misericórdia de Deus, compreendi o so-frer trágico destes dias na profundeza do meucoração, naquele ponto onde Deus mora e o

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Que grande é ser Igreja…! Se eu, que só soudentro dela seu «Eco» pequenino, sinto-me sóalma para vivê-la nas contenções das suasopressões, o que será o manancial das suas ine-xauríveis perfeições…?! Como poderá minhaIgreja conter em seu seio Deus vivendo a suavida, Cristo com toda a sua realidade, Maria como derramamento da sua Maternidade com tudoquanto isso encerra de entrega e de resposta…?!

Já não me importa sofrer ainda que seja odesamparo dos que mais amo…! mas não porisso hei de deixar de sentir minha amargura,minha pena e minha desolação… Como serei«Eco» pequenino da alma de Cristo, se não re-pito seu viver em canção de amor aos homens?

Não tenhais medo de mim, membros da mi-nha Igreja, porque eu só sou Igreja e mais Igrejaque alma…! E porque sou mais Igreja que alma,na contenção pequenina de quanto encerro,vivo com Cristo em cada um dos momentos daminha vida uma plenitude de eternidade…,uma saudade do seu encontro…, uma vivênciade maternidade…, uma necessidade de entre-ga e resposta…, uma imolação redentora, soba ação carinhosa, íntima, cálida, penetrante enutritiva do Espírito Santo.

Eu sou o «Eco da minha Igreja» e repito asua canção como posso, no meu modo de serpequenino; mas, diante da contenção de quan-to encerro, abraso-me em suas vivências.

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duziam seus filhos, ali, dentro da profundida-de do seu espírito…

Que grande, que imenso vi Cristo…! Que es-magado pela sua amargura…!, com que neces-sidade de resposta diante de seu amor infinitopara com seus filhos…! e que só no desamparodo Calvário…! Nesse mesmo instante sentia-mebeijada pelo Espírito Santo em bálsamo de amorque cicatrizava as feridas que tinha no meu es-pírito, no fundo profundo da minha profundi-dade…

Mas, foi hoje quando compreendi que eu,estes dias, estou cumprindo minha missão deEco de Jesus no seio da Igreja. Pela pequenezdo meu espírito e a grandeza da prova, não fuicapaz de descobrir até hoje que a minha mis-são é também ser Eco de Jesus e de Maria…

Eu sou o «Eco da minha Igreja» em tudoquanto encerra e contém. Sou expressão do seuviver, da sua tragédia e da sua Canção, e porisso me abraso, nas contenções de minhas opres-sões, pelo toque saboroso, deleitável e íntimodo Espírito Santo. E quero expressar Cristo ain-da que morra, ainda que rebente nas opressõesdo meu expressar, ainda que, para ser «Eco» domeu Cristo sangrento, tenha que saborear aamargura da sua desolação, que sentir sobremim o momento do poder das trevas e que ex-perimentar a dor profunda em saudade de:Almas para Deus…!, filhos para seu Seio! […].

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22-12-1975

ECO EM REPETIÇÃO

Brotam da minha mente belos pensamentos,ternuras e afãs, requebros de amor; quero, em minhas saudades,

dizer quanto entendopelo grande mistério da Encarnação.

Palavras eternas ouço no meu interior,vozes do Deus vivo que, em conversação,dão-se e retornam com doces amores,nas contenções da sua perfeição.

Sóis são os olhos do Pai sapiente,labaredas de fogo que, em seu resplendor,olhando para dentro em seu possuir-se,sabe num saber-se que o faz ser Deus.

Nada há tão simples, tão doce e secreto,como as candentes labaredas do Sol;mas há que entrar dentro do Sancta Sanctorum,onde, nos arrulhos do eterno Amor, beija-se o Imenso dentro da sua entranhano grande mistério de sua posse.

Fervem na minha mente ternos pensamentos,surgem em caudais de minha contenção…

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Obrigada, Senhor, pela grandeza do mistérioque encerras…! Obrigada por fazer-me Eco pe-quenino das tuas contenções, ainda que paraisso meu espírito viva, em cada um dos mo-mentos da minha vida, de céu na terra e de des-terro na minha redenção, que é imolação pro-funda e dilacerada em desamparo, em entregade amores e em necessidade de resposta…

Obrigada, Senhor, porque não sou um anjoe posso sofrer contigo a tua redenção…! Os an-jos só podem gozar, mas não sabem o amorque encerra dizer a Deus «sim» na cruz…

Quanto vivi hoje…! Como poderá com-preender, quem não vive seu ser de Igreja, oque é sê-lo, e, dentro dela, ser o «Eco» que re-pete quanto é, quanto vive, quanto encerra equanto contém na opressão do mistério deDeus com ela, na contenção do mistério deCristo e na profundeza da Maternidade daVirgem… E tudo isso dentro do âmbito da von-tade divina, realizada pelo impulso, o amor ea ação santificadora do Espírito Santo…

Obrigada, Senhor, por ter-me feito «Eco» detodo teu mistério no seio da Igreja!

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todos os mistérios de minha Mãe Igreja:É que sou seu Eco em repetição!

Que o saibam todos, quando eu morrer:que, em minhas solidões, pela incompreensão,matou-me a pena que envolveu o silêncio,porque minha mensagem não se recebeu.

Que venham meus filhos e digam meu canto,

e porque minha vida sempre foi a dor;e é que, nos silêncios de um Sacrário em noite,aprendi adorante porque Deus morreu!

Eu vi que calava gemendo em amores,sendo-se Palavra, Luz de eterno Sol.

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E, por mais que digo, não rompo o encerrodaquilo que entendo quando me fala Deus!

Ele fala à minha alma junto ao meu sacrário,em tempos calados de contemplação.E, nas melodias de umas notas doces,entendo Maria na Encarnação;penetro seu Advento secreto e silente,cheio de romances em beijo de Deus.

E em Belém recebo o Deus feito Menino,que pede chorando meu retorno,o mesmo que um dia, orando no Hortocom profundos lamentos em sua prostração,queixou-se à minha alma, pedindo-me ajudana noite triste da imolação.

Junto ao meu Sacrário tudo fica claroe comunicado em explicação.

E sei que, se morre Cristo entre ladrões,é pela excelência da sua perfeição,que, mostrando amores, disse quanto amavapor seu ser-se Imenso doando-se em amor.

Tudo fica dito junto ao meu Sacrário,que, em ternos colóquios de silente dom,desvela os véus que oculta o mistérioe vai descobrindo sua eterna missão.

Que ninguém pergunte à minha alma feridacomo aprendi ou quem me ensinou

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Page 40: O grande Mistério da Encarnação - salverainha.com.br · Ó natureza humana de Jesus…! Tão íntima e estreitamente uniu-se a ti o Verbo da Vida, e tu a Ele, numa adaptação

NOTA:

Peço veementemente que tudo o que é ex-presso através dos meus escritos, por crê-lovontade de Deus e por fidelidade a quanto omesmo Deus me confiou, quando na traduçãopara outras línguas não se entenda bem ou sedeseje esclarecimento, recorra-se à autenticida-de de quanto ditado por mim no texto espa-nhol; já que pude comprovar que algumas ex-pressões nas traduções não são as mais aptaspara exprimir o meu pensamento.

A autora:

Trinidad de la Santa Madre Iglesia