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O

GRANDE

PALCO

DA VIDA

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CELSO INNOCENTE

O GRANDE PALCO DA VIDA ISBN 978-101-914107-5-0

1ª edição

Celso Aparecido Innocente

Rio de Janeiro - Brasil

2013

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Índice:

Prefácio 7

Para referências: as letras das músicas 8

Uma grande amizade 9

O circo 17

O primeiro espetáculo 21

Aprendendo trapézio 30

Quem está mentindo? 44

A ajuda da professora 51

O circo vai embora 60

O violão 71

A luta pelo disco 76

O primeiro disco 87

Divulgação e shows 97

Canarinho da cidade 104

Um problema sério 118

Uma grande prova de amor 126

Uma aposta valiosa 134

Pequeno pregador 143

A pouca infância de um artista 158

O desaparecimento 166

O resgate 178

Angustia e dor 189

A recuperação 205

A festa de agradecimento 216

Apenas um menino 231

História triste 238

Mudança na equipe 254

Era uma vez um menino cantor 266

Epílogo 276

Outros trabalhos 290

Sobre o autor 291

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Com sua alma de artista,

coração de anjo e amor para

dar a todos, ele se fez de

adulto e mesmo sendo

criança, lutou pela vida, pela

fama e por justiça.

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Prefácio Regis é apenas um menino que desde antes de completar sete anos de idade, já

sonhava em se tornar um grande astro da musica popular sertaneja do Brasil, por isso

sempre se dedicou a estudar muito, não só em sua escola primária, mas principalmente,

aprendendo violão, canto e coreografia.

Assim como sonhara, seu sucesso, fama e riqueza, acabaram chegando muito

rápido e ele então se tornara aparentemente uma das crianças mais felizes deste mundo,

mas o que ele só iria descobrir aos poucos, era que o preço a ser pago por esta fama,

seria alto demais. Preços aparentemente inofensivos, como a perda da infância, a

ausência dos pais, o convívio com adultos que muitas vezes, mesmo sem intuito de

maldade, acabava expondo o menino a um mundo perigoso, que o levaria também ao

fim de sua inocência, através da exposição a bebidas alcoólicas, drogas e prostituição.

Regis, porém, em modo hiperativo, acabava se vendo obrigado, mesmo sendo

apenas um menino, se tornar homem e conseguir lutar por sua felicidade, dentro da

fama, riqueza e um mundo ingrato, onde muitas vezes impera também as injustiças.

©©©

Foi por amar as crianças que me envolvi nesta aventura especial, diferente e

muito gratificante: A aventura em me tornar um dos principais amigos desse garoto

muito bonito, simples e acima de tudo, com seu coraçãozinho puro, cheio de amor ao

próximo e de uma grande beleza espiritual. Porem, uma aventura, onde, como todas,

surgem seus momentos dolorosos e tristes.

Quero compartilhar com você, amigo leitor, a verdadeira e quase completa,

estória deste meu amiguinho, REGIS DE ASSIS MOURA, uma criança que conheci por

acaso e confesso, jamais me esquecerei; pois foi ele quem me ensinou a amar ainda

mais a simplicidade e pureza das crianças; fez-me aprender a ser feliz: a sorrir, quando é

hora de chorar; a abraçar, quando é hora de surrar; a amar, quando pensar que é

momento de odiar; a cantar, quando só quer protestar; a ser simples quando quiser ser

importante; a ser criança, quando se sentir rabugento…

Se você gosta de crianças, gostará de ler a esta estória. Procure entrar nesta

vidinha simples e então irá sorrir e deixará correr lágrimas também, conforme notar o

desenvolver desta minha aventura diferente e longa.

Meu verdadeiro objetivo foi tentar mostrar o amor e simplicidade infantil, deste

garotinho hiperativo, que conheci enquanto trabalhava. Na época ele tinha quase sete

anos de idade e me aceitou entre a relação de seus principais amigos. Os anos passaram

e nossa amizade cresceu. Na época eu era muito jovem e sequer tinha filhos, mas

mesmo assim, aprendi a amá-lo como se ele fosse meu primeiro filhinho e ele, em sua

simplicidade invejável, retribuía este amor, que me causava muito orgulho,

O autor,

São João da Boa Vista, 4 de Junho de 1983

Penápolis, 1 de Março de 2013

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Para referência: letras das músicas:-

Cadeira de rodas - Fernando Mendes 15 O menino que falou com Deus - Pedrito Fernandes 23 A menina que cresceu - Barros de Alencar 27 Cheiro de relva - Dino Franco e José Fortuna 28 Sonhos de palhaço - Vanusa 34 Eu você e a praça - Odair José 35 Meu primeiro amor - Cascatinha e Inhana 36 Iniciação - José Fernandes 41 Mãe do mundo - Luís Henrique 42 Filho de bêbado - Willian Gustavo 81 Galopeira - Zaías-Mauricio (Pedro Bento) 89 Em tudo vejo amor - Ocir Caetano Chaves 99 Petição - Willian Gustavo 101 Canarinho da cidade - Celso Innocente 149 Vitrine - Cido Malta 149 Noite cheia de estrelas – Vicente Celestino 150 Amar como Jesus amou – Padre Zezinho 152 Índia - Cascatinha e Inhana 153 Caminheiro - Anair de Castro Tolentino 155 Saudade da minha Terra - Goiá 161 O olhar de Deus - Cido Malta 163 Vida - José Fernandes 166 Guerra dos homens - Arthur Moreira- Sebastião F 166 Aniversário de despedida - José Generoso 220 O último julgamento - Léo Canhoto 222 Boiada assassina - Rei da Mata e Célio Pires 223 Utopia - Padre Zezinho 223 O que os olhos não veem o coração não sente - José Generoso 224 Trombadinha - Pedro Moura 225 Planeta azul - Cido Malta 227 Eu era pequeno - Padre Zezinho 228 Tu serás assassina - José Generoso 228 Pais e filhos - Xororó 229 Caminhos do amor - José Generoso 236 Meu amigo - José Fernandes 261 Lágrimas de artista - Willian Gustavo 261 Família - Cido Malta 262 Ben - Michael Jackson 272 Homenagem - Willian Gustavo 277 Amor de criança - Regis Moura 282 Meu Primeiro Amor – paródia - Willian Gustavo 284

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Uma grande Amizade

Às oito horas da manhã, do dia dez de Abril de um mil novecentos e setenta e

oito, segunda-feira, juntamente com Waldomiro, colega de trabalho na Telesp, paramos

de fronte a uma loja de materiais para construção, na lateral da Avenida Oscar Pirajá

Martins, em São João da Boa Vista, onde iríamos instalar um antigo sistema de

comunicação interna e externa, para aquela empresa.

Ao descermos do carro, vi do outro lado da rua, sentado em um banquinho de

madeira, um garotinho branco, de cabelos castanhos escuros, uns seis anos de idade,

tocando algumas posições musicais, em seu pequeno violão de seis cordas.

— Pare de paquerar o menino! — Caçoou Waldomiro, pois sabia o quanto eu

era apaixonado por crianças.

Descarregamos o carro, levamos todo material para dentro da loja e negociamos

com nosso cliente, o serviço a ser executado. Retornei ao carro e percebi que aquele

garotinho, continuava tocando seu violão, alheio a quem quer que passasse na rua, ou

quem, como eu, o admirasse por sua performance artística.

Curioso, continuei o observando e então, a me ver, ele parou de tocar e me

olhou, perguntando desconfiado:

— O que foi?

— Por que você parou? — Perguntei-lhe. — É bonito!

— Ainda não sei tocar! Estou tentando aprender!

— Gosta muito de música! Não?

— Sim! Gosto! O que você veio fazer aqui?

— Ver você tocar!

— Digo… O que você veio fazer na loja?

— Instalar um sistema de telecomunicação!

— Telefone?

— Caesse!

— O que é caesse?1

— Um sistema de comunicação comercial!

— Você também gosta de música?

— Muito! Admiro quem sabe tocar!

— Como é seu nome?

— Willian! E o seu?

— Regis!

— Qual a sua idade?

— Vou fazer sete anos, dia vinte. E você?

— Dezenove!

— Você sabe tocar violão?

— Não! Sou burro pra aprender isso!

— Ninguém é burro! — Negou ele. — Qualquer pessoa aprende! É só querer!

1 Sistema telefônico comercial antigo, provido de teclas, capaz de receber até dez linhas distintas e até

trinta extensões, provido de sigilo na conversação.

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Celso Innocente

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— Acho que não! É preciso ter um dom!

— O que é dom?

— É uma coisa divina! É algo que Deus nos dá!

— Então é o mesmo que vocação!

— Isso mesmo! Vocação!

— E você não tem vocação? — Quis saber ele.

— Pra violão? Acho que não!

— Eu gosto!

— Dá pra perceber! Eu tive um cavaquinho, uma gaita, uma viola e ainda tenho

um violão. Não consegui aprender nem as primeiras notas musicais. Dá pra se notar que

realmente não tenho dom.

— Eu ainda vou aprender a tocar igual ao Toquinho! Vou ser muito famoso!

Sabia?

— Tenho certeza! Você estuda?

— Sim! Estou no primeiro ano!

— Ótimo! Mas eu quis dizer: você estuda violão?

— Só em casa! Com um método.

— Não seria mais fácil entrar em uma escola?

— Na escola é preciso pagar! E nós somos pobres!

— Não é tão caro! Acha que não dá pra pagar?

— Não! Papai ganha pouco e ainda paga aluguel.

— Em que ele trabalha?

— Na fábrica de doces! Fica aqui perto!

— Sei aonde é! Você já experimentou pedir a ele?

— Nem foi preciso! Ele mesmo já me disse que não dá!

— E quem lhe deu o violão?

— Papai! Mas foi difícil! Ele comprou à prestação.

— Ele é bom pra você? Ou é muito bravo?

— Papai é muito bom! Um pouco bravo! Mas ganha muito pouco. Mas um dia

serei um grande artista e vou gravar um disco e serei muito rico!

— É isso mesmo garoto! Tem que se ter pensamento positivo!

— Você vai ver! Um dia as rádios irão anunciar músicas com o meu nome:

Regis Moura! Pode escrever!

— Vou escrever! Mas agora preciso ir trabalhar! Tchau!

Retornei à loja, onde meu parceiro já estava trabalhando.

— Achei que fosse ficar namorando o menino o resto da manhã! — Caçoou ele.

Comecei a ajudá-lo. Não demorou muito para que Regis aparecesse por lá. Pediu

permissão ao dono da loja e passou a nos observar em nosso trabalho, com dezenas de

fios coloridos, de pequeno calibre, usado em cabeamento telefônico.

— Olha quem está aí! — Alertou-me Waldomiro. — Seu paquera!

— Não é meu paquera! É um futuro arista!

Então, também acompanhado por meu parceiro, que também adorava crianças e

músicas (era excelente tocador de gaitinha de boca), voltamos a falar em dom musical.

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O grande palco da vida

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Na verdade, Regis, parecia muito mais interessado nas sobras de fios coloridos,

resultado da execução de nosso serviço.

— Venha cá. — Chamou-lhe Waldomiro, mostrando-lhe dois fios. — Quero ver

se você é um menino esperto. Quero ver se você sabe qual desses fios é o vermelho e

qual é o marrom.

Regis segurou os fios e disse sorrindo:

— Esse é o vermelho e esse o marrom!

— Muito esperto! — Sorriu Waldomiro, enrolando os fios.

Apanhou outros dois fios e desafiou-o:

— Quero ver agora: Qual é o laranja e qual é o verde?

Regis sorrindo, apanhou os dois fios e disse convicto:

— Este é o laranja e este o verde!

— Realmente esperto!

— Acha que não sei cor?

— Me fala qual é a cor destes dois!

— Verde e amarelo! — Exclamou confiante.

Mas esperto mesmo era meu parceiro Waldomiro, que na verdade, estava

aproveitando da inocência do menino para lhe ajudar a separar os fios coloridos do

equipamento a ser instalado. Waldomiro, apesar de trabalhar com isto há muitos anos,

era daltônico e tinha certa dificuldade com as cores, adquirindo inclusive, certa

habilidade em separar as cores dos fios, no sentido horário em que eram fabricados.

No período da tarde, não o vi, pois assim que retornamos do almoço, ele

provavelmente teria ido à escola e quando deixamos o serviço à tarde, ele continuava na

escola.

Às oito horas da manhã seguinte, quando, novamente parávamos defronte a loja

para a conclusão do serviço inacabado, ele estava ensaiando seu violão, sentado em seu

banquinho de madeira. Assim que chegamos, parou, guardou o violão e correu a nos ver

trabalhar.

— Por que parou de ensaiar? — Perguntei-lhe.

— Já ensaiei bastante!

— Pra ser artista tem que ensaiar muito mesmo!

— À noite, ensaio mais! Até que dia vocês vão trabalhar aqui?

— Só até hoje!

— Por quê?

— Hoje de manhã, a gente termina o serviço por aqui.

— Depois nunca mais voltam?

— Só quando apresentar algum defeito nos equipamentos, então eu ou o

Waldomiro, viremos pra consertar.

— Dá muito defeito?

— Não! É bem difícil!

— Quer dizer que vocês não vão mais conversar comigo?

— Por quê?

— Ora! Somos amigos! — Disse ele com jeitinho muito especial de criança. —

Não somos?

— Claro que somos! — Parecia que ganhei o melhor presente do mundo.

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Quem poderia negar uma amizade assim? Embora seja complicada uma amizade

repentina entre um adulto e uma criança. Como chegar aos pais de Regis e dizer: sou

amigo de seu filho. A gente mesmo orienta nossos filhos a ter muito cuidado com

pessoas estranhas, principalmente quando se é mais velhas. A gente mesmo orienta

nossos filhos a jamais conversar com estranhos, fruto de um perigo constante na nossa

sociedade humana, podre e perigosa.

— Mas Regis: — Me atrevi. — Se você aceitar e seus pais permitirem posso vir

à sua casa, para lhe ver ensaiar seu violão.

— Lógico que meus pais deixam!

— Você sabe que é perigoso ter amizade com um adulto desconhecido?

— Não com você e seu amigo! — Negou ele.

— Como pode ter certeza? — Admirei sua confiança.

— Já falei com Marcos2.

Acho que Regis não era tão imaturo assim. Já teria tido referência sobre a gente

com seu amigo Marcos. Mas o importante, era que apenas conversando nestes pequenos

intervalos, conquistei a amizade daquele garotinho esperto e simpático, de cabelos

castanhos lisos e olhos da mesma cor.

Apesar de ter dito que terminaria o serviço até o almoço, houve atraso e

precisamos retornar no período da tarde, para conclusão do mesmo e foi aí, que ao

descer do carro, encontrei um homem de uns trinta e cinco anos de idade, na porta da

loja.

— É você que é Willian? — Perguntou-me ele.

— Eu mesmo! Por quê?

— Meu filho me falou de você.

— Regis!

— Ele mesmo!

— Ah! O senhor é pai de Regis? Desculpe-me ter me aproximado dele, mas só

estava admirado em vê-lo tocar.

— Ele me disse que você virá em minha casa à noite.

— De fato! Eu disse isso! Desde que o senhor permita. Não tenho má intenção

com o menino!

— Não tem má intenção! Mas tem algum interesse! Qual?

— Nenhum! Gosto de crianças! Principalmente quando se tem dom musical...

Acabamos nos tornando amigos... Sei que é esquisito. Não se aconselha criança ficar

amigo de repente de um adulto...

— Tudo bem! Ele me falou muito bem de você e seu parceiro de trabalho.

— Regis adora música!

— Só pensa nisso! A vida dele é falar que vai ser artista quando crescer.

— Por que o senhor não o deixa estudar violão em uma escola?

— Uma escola já é difícil de se manter! Imagine duas!

— Como assim? Ele não estuda em escola estadual?

— Estuda! Mas o material não é estadual! O uniforme também não! E é caro!

— O senhor tem razão. Não dá pra pagar uma escola de violão a ele?

2 O dono da loja de materiais de construção.

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— Não! Não dá! Bem que eu gostaria! Mas ganho pouco e a vida é cara!

— O senhor acha que ele gostaria de entrar numa escola de violão?

— Tudo o que é bom pra ele aprender a ser artista, ele gosta.

— E o senhor quer que ele seja artista?

— Se é vocação dele! Seria um orgulho!

— Aceita que eu pague a escola de violão?

— Qual a intenção?

— Nenhuma! Na verdade tenho uma grande intenção! Quero ser amigo de

Regis.

— Não posso aceitar! Escola é caro.

— Nem tanto! Escola de violão não é caro!

— Não acho justo! — Negou ele. — Você mal conhece meu filho.

— Posso ajudá-lo!

— Mais uma vez: Por que tanto interesse por meu filho?

— Gosto de música! E de criança! Como já disse!

— Você toca violão?

— Não sei nada de violão! Gosto de escrever e compor canções. Só que escrevo

letras, sem auxílio de violão. Quando criança, apoiado por meus irmãos que tinha

cavaquinho, achava que gostava de viola. Comprei uma e como não consegui aprender

nada acabei por vender e comprei um violão. Fracasso também! Ainda tenho o violão,

mas não sai do guarda-roupa.

— Então, resolveu escrever músicas?

— Não é bem assim! Eu escrevo desde criança. Desde que aprendi a escrever, já

venho escrevendo pequenos contos. É natural que com o passar do tempo, vou

aprendendo mais. E no mais, só escrevo por distração. Não tenho nada publicado.

— Dizem que os filhos seguem os passos dos pais. Regis é o contrário de mim.

Também, não sei fazer nada! E você? Seguiu os passos de seus pais?

— Não! Meu pai gostava mesmo era de acordeom e relógio tipo cuco. Eu só

entendo é de escrever.

— Por que você diz, gostava?

— Não sei se continua gostando! O que sei, é que ele nunca teve dinheiro pra

comprar um pra poder tocar.

— E agora você acha que pode pagar um curso a um menino que nem conhece?

— Como não conheço? Eu conheço Regis!

— Desde quando?

— Ontem!

— Isso é conhecer? Se fosse alguém da sua família! Mas não é nada!

— Como não! Amizade não é nada?

— Bem! É que como você trabalha pro governo, ganha bem!

— Não é exatamente a verdade. A Telesp é uma autarquia controlada pelo

governo, mas não é do governo e eu não sou funcionário público e não ganho tão bem

assim. Tenho um salário razoável sim, em vista do que outras empresas pagam.

— E você é solteiro? Tem namorada?

— Digamos que atualmente não!

— Mora com seus pais?

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Celso Innocente

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— Não senhor! Meus pais moram longe! Moro sozinho!

— E quer ter amizade com um menino de sete anos?

— Não tenha medo! Não sou gay! Não sou estúpido de querer abusar de uma

criança inocente.

— Suponhamos que eu aceite que você pague uma escola pra Regis estudar e ele

não aprenda…

— A gente pode tentar ajudá-lo! Mas obrigá-lo não! Mas eu acredito que ele vai

aprender; e muito!

— Eu também acredito muito no potencial de meu filho!

— Ele quer ser artista! Façamos o necessário pra que ele seja artista.

— Você se prontifica a pagar essa escola pra ele?

— Sei que não é lá muito certo, mas gosto de crianças e gostaria de proporcionar

essa ajuda.

— Não é um empréstimo! Eu não posso pagar você!

— Digamos que seja uma bolsa.

— Ser artista não é tão simples.

— Não! Não é simples! Mas se não o ajudar, será mais difícil ainda.

— Disso eu sei! Acontece que dinheiro a gente não se acha no lixo.

— Arranjo o dinheiro pra ele fazer um ano de curso. Depois veremos o que

acontece. Quem sabe no futuro ele grave um disco e fique famoso.

— Pra você parece tudo fácil! Regis nem é cantor! Só gosta de tocar violão.

— Já disse que não é fácil! Mas juntos daremos uma forcinha.

— E se for só fogo de paia?

— O que é isso? — Admirei.

— Se ele não ir a lugar nenhum?

— Pelo menos o senhor não poderá dizer que não tentou!

— Como você se prontifica a ajudar e sabe que não terá seu dinheiro de volta…

— Então aceita que eu pague um ano de curso de violão pra que Regis estude?

— Se você quer! O que eu tenho a perder? Só volto a avisar que isto não é um

empréstimo! Não posso pagar!

— Isso! Uma bolsa!

Naquela noite, como havia prometido, fui à sua casa, onde ele resolveu ensaiar

um pouco. Pela sua pouca idade, no violão, já sabia posições suficientes para tocar

diversas músicas. Só não sabia solos e ponteados, mas tocava muito bem. Realmente era

dono de um poderoso dom Divino.

Ele ficou muito feliz em saber que iria entrar numa escola de violão e eu fiquei

feliz, por ter conquistado sua amizade, além de seus pais, Pedro e Odete e seu maninho

caçula Tony de três anos de idade.

Na manhã seguinte, passei em sua casa e juntamente com sua mãe, fomos a uma

escola de música, onde, com muito apoio de Marlene, a professorinha de uns vinte anos,

ele foi matriculado.

Em poucas aulas Marlene foi percebendo o verdadeiro dom que o menino tinha.

Com isto, fui com ele no sábado à sua casa e ela, ao pedir alguns acordes lhe falou:

— Você não quer cantar um pouquinho pra eu ouvir? Só um pedacinho de

qualquer música!

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Ele ajeitou o violão e cantou com sua vozinha ainda muito verde:3

Sentada na porta em sua cadeira de rodas ficava, Seus olhos tão lindos sem ter alegria tão triste choravam Mas quando eu passava a sua tristeza chegava ao fim, Sua boca pequena no mesmo instante sorria pra mim Aquela menina era a felicidade Que eu tanto esperei, mas não tive a coragem. E não te falei do meu grande amor Agora por onde ela anda eu não sei.

Hoje eu vivo sofrendo e sem alegria Não tive coragem bastante pra me decidir, Aquela menina em sua cadeira de rodas, Tudo eu daria pra ver novamente sorrir.

— Bonito Regis! — Alegou rindo Marlene. — Como você quer ser um artista,

eu tenho uma amiga que dá aulas de canto. Acho que valeria a pena você fazer algumas

aulas com ela.

— Estou ruim assim? — Se entristeceu ele.

— Não! — Sorriu ela. — Você está lindo! Canta afinadinho e dentro do tom!

Mas acho que algumas aulas de canto lhe ajudariam muito mais!

Eu estava encantado. Fora a primeira vez que ouvira meu jovem amiguinho

cantando e percebi o quanto ele fazia com amor. Embora eu fosse um ignorante no

assunto de música, dava para perceber o quanto ele tinha chance de se tornar um grande

artista.

Seguindo o conselho de Marlene, procurei com Regis, a outra professora de arte:

Marisa, de vinte e dois anos, que por um preço bem acessível, daria duas aulas semanais

de canto ao menino, as terças e sextas-feiras, enquanto as aulas de violão eram as

quartas e sábados, sempre no horário das nove até às dez horas da manhã.

©©©

O tempo se passou muito rápido e nossa amizade cresceu bastante. Já era

considerado como membro de sua família. Como se Tony e Regis, fossem meus

irmãozinhos.

Dois meses depois de tê-lo conhecido, consegui conquistar a confiança de seu

pai e então, às vezes nos finais de semana, Regis resolvia por si mesmo, dormir em meu

apartamento, no centro da cidade. Com isto aproveitando este convívio, o instruía

sempre aos cuidados que ele deveria ter com sua voz, já que ela seria instrumento de sua

almejada profissão, muito embora, naquela época, cantor não era considerado uma

verdadeira profissão.

Quando ele ia beber água, o que já sabia fazer durante muitas vezes ao dia, eu

lhe exigia que jamais a bebesse gelada e em pequenos goles. Deveria se alimentar

sempre de alimentos saudáveis, em pequenas quantidades, dando preferência às frutas e

várias vezes ao dia, mastigando muito bem, o que, aliás, o ajudava a fazer exercícios

faciais. Evitar ao máximo, pigarrear ou tossir; quando sentisse essa necessidade, deveria

procurar tomar água natural. Sempre fazer gargarejo, utilizando água morna e pequena

3 De Fernando Mendes: Cadeira de rodas.