O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS … · O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS DOS...

13
O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS DOS SEUS ALUNOS: VESTÍGIOS DA “CULTURA ESCOLAR” NO JORNAL ESTUDANTIL “O IDEAL” (1942) Roselusia Teresa de Morais Oliveira 1 O presente trabalho faz parte do projeto A cultural escolar‟ na imprensa sergipana: vestígios das práticas escolares do Grupo Escolar Fausto Cardoso (1925- 1960)2 que contou com o apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/SE), com o intuito de estimular a pesquisa científica na educação básica. A pesquisa foi realizada de maneira colaborativa com o envolvimento de discentes do 9º Ano do Ensino Fundamental da Escola, em Simão Dias (SE) 3 . Nesse recorte do projeto, a proposta consiste em analisar aspectos da cultura escolar” por meio do jornal estudantil O Ideal, publicado em 1942, e produzido pelos alunos do Grupo Escolar Fausto Cardoso (GEFC). Assim, investigamos sua materialidade, as seções nas quais se dividiam, as notícias e assuntos abordados pelo período estudantil. Para alcançar os objetivos pretendidos pesquisamos documentos localizados na própria escola, como atas, cadernetas e fotografias, bem como entrevista com uma ex- professora, Olda Dantas, que atuou no período estudado e seu acervo pessoal. Além dessas fontes, foi desenvolvida uma investigação e análise da imprensa sergipana, sobretudo, do jornal O Ideal” em diálogo com o conceito de “cultura escolar”. Para Felgueiras (2010 p. 28), ao estudarmos a cultura escolar em uma perspectiva da fenomenologia devemos: [...] olhar os objetos como resultados de acções que incorporam interesses, objectivos e tradições de quem os produz e de quem deles se apropria. E isso explica-se quer a um edifício escolar quer a um manual, um caderno de exercícios, uma lousa, um mapa, uma carteira. Estamos perante uma dupla significação: de quem produziu os objetos para quê, em que condições e de quem deles se apropria, para que fim, com que interesse e como se articulam objetos com origens e 1 Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 2 Esse projeto e o presente artigo foram elaborados sob a coordenação do professor Dr. João Paulo Gama Oliveira, da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 3 Os alunos do 9º Ano: Kelly Stephanny Freitas da Silva, Roberty Nascimento Matos Conceição e Tawane Olveira Alves foram bolsistas da FAPITEC/CNPq de setembro de 2015 a agosto de 2016.

Transcript of O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS … · O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS DOS...

O GRUPO ESCOLAR FAUSTO CARDOSO NAS ESCRITAS DOS SEUS

ALUNOS: VESTÍGIOS DA “CULTURA ESCOLAR” NO JORNAL

ESTUDANTIL “O IDEAL” (1942)

Roselusia Teresa de Morais Oliveira1

O presente trabalho faz parte do projeto “A „cultural escolar‟ na imprensa

sergipana: vestígios das práticas escolares do Grupo Escolar Fausto Cardoso (1925-

1960)”2

que contou com o apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa e à

Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC/SE), com o intuito de estimular

a pesquisa científica na educação básica. A pesquisa foi realizada de maneira colaborativa

com o envolvimento de discentes do 9º Ano do Ensino Fundamental da Escola, em Simão

Dias (SE)3.

Nesse recorte do projeto, a proposta consiste em analisar aspectos da “cultura

escolar” por meio do jornal estudantil O Ideal, publicado em 1942, e produzido pelos

alunos do Grupo Escolar Fausto Cardoso (GEFC). Assim, investigamos sua materialidade,

as seções nas quais se dividiam, as notícias e assuntos abordados pelo período estudantil.

Para alcançar os objetivos pretendidos pesquisamos documentos localizados na

própria escola, como atas, cadernetas e fotografias, bem como entrevista com uma ex-

professora, Olda Dantas, que atuou no período estudado e seu acervo pessoal. Além dessas

fontes, foi desenvolvida uma investigação e análise da imprensa sergipana, sobretudo, do

jornal “O Ideal” em diálogo com o conceito de “cultura escolar”. Para Felgueiras (2010

p. 28), ao estudarmos a cultura escolar em uma perspectiva da fenomenologia devemos:

[...] olhar os objetos como resultados de acções que incorporam interesses,

objectivos e tradições de quem os produz e de quem deles se apropria. E

isso explica-se quer a um edifício escolar quer a um manual, um

caderno de exercícios, uma lousa, um mapa, uma carteira. Estamos

perante uma dupla significação: de quem produziu os objetos para quê,

em que condições e de quem deles se apropria, para que fim, com que

interesse e como se articulam objetos com origens e

1 Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 2

Esse projeto e o presente artigo foram elaborados sob a coordenação do professor Dr. João Paulo Gama

Oliveira, da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. 3

Os alunos do 9º Ano: Kelly Stephanny Freitas da Silva, Roberty Nascimento Matos Conceição e Tawane Olveira Alves foram bolsistas da FAPITEC/CNPq de setembro de 2015 a agosto de 2016.

intencionalidades diferentes num mesmo projeto escolar, local e

pessoal” (FELGUEIRAS, 2010, p. 28).

Dentro dessa perspectiva é possível entender que um periódico estudantil faz parte

desse conjunto de objetos que compõe o cenário educacional e são frutos de uma série de

ações e interesses. Os discentes quando produzem um jornal destinam o mesmo a um

determinado perfil de leitor e buscam atingir dada finalidade, muitas vezes orientados por

professores e diretores e/ou rompendo determinadas regras pata atingir seus objetivos.

Dentro do cotidiano do GEFC, poucos anos depois da sua criação estava a circular

o jornal “O Ideal” que certamente congregou intencionalidades e serviu como meio de

divulgação de alguns aspectos vivenciados no dia a dia daquela instituição educacional.

Assim, direcionamos nosso olhar para a materialidade do impresso estudantil e assim

tentamos vislumbrar elementos da “cultura escolar” presente em uma instituição de ensino

primária do interior de Sergipe no final da primeira metade do século XX. Antes disso,

situamos o leitor em traços da história do Grupo Escolar Fausto Cardoso.

Aspectos históricos do Grupo Escolar Fausto Cardoso e “vestígios” da “Cultura

Escolar”

O projeto para a criação de um Grupo Escolar na cidade de Anápolis, nome da

cidade antes da mudança para Simão Dias, existia já na segunda década do século XX.

Em Relatório para a Inspeção Pública de 23 de julho de 1913, João Esteves da Silveira,

que exercia a função de Inspetor Geral do Ensino, alertava sobre a necessidade de

criação de grupos escolares no Estado de Sergipe e prossegue “[...] notadamente de

Propriá, Estância e Anápolis, em edifícios apropriados, e satisfazendo o quanto possível

as atuais exigências pedagógicas”.

As localidades sugeridas no citado Relatório de 1913 que deveriam contar com a

presença de Grupos Escolares só foram contempladas mais de uma década depois, quando

em 1923 inaugurou-se o Grupo Escolar Gumercindo Bessa em Estância, e no

ano de 1925 iniciou-se os trabalhos do Grupo Escolar João Fernandes de Brito em

Propriá. No caso do GEFC, sua inauguração ocorreu no início de 19254.

Com relação a construção do prédio do GEFC observamos a tabela de despesas

com obras públicas examinadas por Azevedo (2009) no ano de 1924. Ali consta, entre

outras, o “Grupo Escolar Fausto Cardoso” com um gasto de 85:970$000, sendo

9:265$800 de serviço de consertos no Palácio que foi inaugurado já no governo de

Maurício Graccho Cardoso (1922-1926).

A imponência arquitetônica do GEFC pode ser vislumbrada ao localizarmos o

nome do prédio na lista dos maiores bens imóveis pertencentes ao Estado no ano de

1926. Conforme aponta Azevedo (2010), o palacete que abrigava o Grupo na praça da

Matriz da cidade de Anápolis, tinha o valor de 120:000$000. Na lista, ainda consta

outro edifício na cidade, o Quartel de Polícia na Praça da Independência com o valor de

25:000$000. O valor do prédio do Grupo em Anápolis era semelhante a outros congêneres

do interior do Estado e mesmo os da capital de Sergipe.

Em trabalho de monografia intitulado “Uma viagem pelas memórias do Grupo

Escolar Fausto Cardoso”, Verônica Silva (2009), cita que existiam dez escolas isoladas

na cidade e no interior de Simão Dias até a fundação do GEFC, sendo todas elas

incorporadas ao novo espaço para a educação. O nascimento do Grupo Escolar em foco

seria assim: “[...] um novo marco na Educação simão-diense [...] marca também uma nova

etapa na vida dessas profissionais de educação que tinha com a inserção nos grupos

a possibilidade de crescimento profissional” (SILVA, 2009, p. 35).

Outro ponto relevante concerne às práticas educativas desse estabelecimento de

ensino, pois essas não ficavam restritas ao ambiente escolar. Assim como ocorria em

diferentes locais do Brasil os alunos dos Grupos Escolares faziam apresentações fora da

instituição educacional como uma forma de legitimar-se e também reforçar o papel de

destaque que a educação exercia na República brasileira. Nesse sentido, o Jornal “A

Semana”, periódico que contava com a direção de Francino Silveira Déda e José de

Carvalho Déda, redigido e editado na própria cidade de Simão Dias, trouxe em uma das

suas manchetes:

Festival de Arte

No palco do Cine-Ipiranga, realizou-se, na noite de quinta-feira

um festival artístico infantil, promovido pelo professorado do

„Grupo Escolar Fausto Cardoso‟, em benefício da Caixa Escolar

4 Uma relação completa dos grupos escolares criados em Sergipe na primeira metade do século XX pode

ser consultada nos trabalhos de Azevedo (2009) e Santos (2013).

adstrita aquele estabelecimento. O espetáculo agradou muito,

sobremaneira o número “A Bahiana” interpretado pela menina

Maria Isabel Matos que demonstrou muita graça, naturalidade e vocação para a ribalta. Por três vezes, a platéa, entusiasmada, exigiu que a pequena “estrela” aparecesse em cena. A casa estava repleta. Na próxima terça-feira, segundo informaram-nos, o espetáculo, com novos números, será reprizado em benefício da Lira Santana (JORNAL A SEMANA, 20.10.1946, p. 1).

Nota-se como a pequena cidade tinha atrativos para a mocidade, a exemplo do

cinema e suas exibições ao longo da semana. Por outro lado, o “professorado” do GEFC

realizava eventos naquele espaço tanto para benefício da Caixa Escolar, como também

para auxiliar outras instituições como é o caso da Lira Santana. A matéria ainda traz em

destaque o nome de uma das alunas do Grupo e o entusiasmo da plateia que preencheu

os espaços para assistir ao espetáculo. Nessa mesma perspectiva, em entrevista com a

ex-professora do GEFC da década de 1940, Olda do Prado Dantas, a docente se refere

às festas do Grupo da seguinte forma:

Sete de setembro quando chegava semana da pátria, as pessoas

participavam, desfilavam nas ruas. Deve em quando também

faziam assim umas representações, no fim do ano, umas

dramatizaçõezinhas, preparava e eles representavam. Aquela

peça (DANTAS, 2016).

As fontes dialogam com a pesquisa realizada por Azevedo (2011), quando a

mesma afirma que diferentes grupos sergipanos declaravam a existência de solenidades

comemorativas alusivas ao dia 7 de setembro durante toda a Primeira República,

contando, de modo geral, com a reunião das demais escolas da cidade, palestras de

autoridades, hinos, poesias, apresentação de ginástica e desfiles cívicos. Entre esses

estabelecimentos de ensino estava o GEFC.

No tocante ao corpo docente somente localizamos os nomes de Olda do Prado

Dantas e Agnor Hora Fonseca, esta última enviou ofício para a Diretoria Geral de

Instrução em 21 de março de 1930 comunicando que deixaria o exercício da Escola da

Vila de Campo do Brito devido a uma promoção para o Grupo “Fausto Cardoso em

Anapólis”. (Ofício de Agnor Hora Fonseca, apud. AZEVEDO, 2009, p. 266).

Olda Dantas (2016), fala do Grupo Escolar como uma escola modelo que servia

como parâmetro para diferentes instituições educacionais da circunvizinhança.

Relembra dos trabalhos realizados e da alegria que era ser professora de uma instituição

reconhecida pela sociedade local. As docentes do Grupo figuravam nas notícias dos

periódicos locais, como pode ser visto a seguir: “Acha-se internada no hospital de

Cirurgia, na Capital do Estado, nossa conterrânea prof. Olda do Prado Dantas, regente

de uma das cadeiras do Grupo Escolar Fausto Cardoso” (JORNAL A SEMANA,

24.11.1946, p. 2). Já no Jornal “Correio de Aracaju”, as férias do GEFC também

viraram notícia:

Annapolis: Férias do Grupo Escolar

Não podia ter maior brilho as férias realizadas no grupo escolar

Fausto Cardoso ao tardar do dia 28 do mês passado. O seu

diretor Marcos Ferreira, lidando pelas professoras deu início ao

julgamento das provas escritas. Ao terminar falaram algumas

alunas, com dessa voltará, com elegância, mostrando assim quanto

tem lucrado intelectualmente naquela casa de ensino. Seguiu-

se uma secção de cantos, recitados monólogos que causou

bela impressão a numerosa assistência; Por último foi aberto o

amplo salão de exposição de bordados, desenhos e crochês. A

assistência afluiu, ficando surpreendida com os trabalhos,

competentemente feito pelas alunas do Grupo (JORNAL

CORREIO DE ARACAJU, 3.12.1926, p. 3).

Um periódico de circulação estadual ressalta a finalização do ano letivo no GEFC

e as atividades realizadas pelos discentes, tanto no tocante a exposições orais quanto a

trabalhos manuais eram apresentadas a sociedade de Simão Dias. Era o momento de

colocar os alunos e suas produções em uma “vitrine” para serem vistos e admirados.

Vale salientar ainda a figura das professoras, a metodologia avaliativa, além do nome do

diretor do Grupo, único nome citado na notícia que deixa explícito “a bela impressão” que

as apresentações causaram aqueles que assistiam.

O GEFC ainda guarda muitas histórias a serem reveladas, nomes e atuação dos

seus professores, itinerários dos seus alunos ali formados que seguiram carreiras em outros

espaços, a exemplo da escritora Alina Paim, sua arquitetura escolar que em pleno início

do século XXI ainda se impõe diante do conjunto urbanístico da principal praça da

cidade. Outros pontos de investigação podem ser o diálogo das práticas educativas ali

vivenciadas com os princípios escolanovistas, a formação de seus professores,

Por ora, a opção é explorar elementos da “cultura escolar” presentes nessa

nonagenária instituição educacional, para tal fim tomamos tal conceito de Dominique Julia

(2010, p. 10): “[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e

condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão

desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos” o autor ainda

acrescenta que para além dos limites da escola podemos identificar :”[...] modos de pensar

e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não

concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de

processos formais de escolarização (JULIA, 2001, p. 11). Certamente em um periódico

produzido por discentes do ensino primário dentro da estrutura de um Grupo Escolar de

uma cidade do interior de Sergipe podemos identificar vários conhecimentos e habilidades

desses alunos, aquisições propiciadas pela vivência dentro do espaço escolar tanto dentro

da sala de aula como fora dela. Dessa forma, analisamos o jornal “O Ideal” produzido por

alunos do GEFC.

Vestígios da “cultura escolar” no Jornal Estudantil “O Ideal” (1942)

Compreender aspectos históricos do Grupo Escolar Fausto Cardoso tomando como

núcleo informativo o jornal “O Ideal” traduz uma riqueza de discussões, de anseios, e

dos diversos embates que permearam o espaço escolar no período em questão. A

análise do jornal nos permite apreender os discursos que articulam as práticas e as

teorias e exprimem desejos para o futuro, ao mesmo tempo, denunciam as situações do

presente. Desse modo, como aponta Nóvoa (2002):

A imprensa é, provavelmente, o local que facilita um melhor

conhecimento das realidades educativas, uma vez que aqui se

manifestam, de um ou de outro modo, o conjunto dos problemas desta

área. É difícil imaginar um meio mais útil para compreender as

relações entre a teoria e a prática, entre os projectos e as realidades, entre

a tradição e a inovação [...]. São as características próprias da imprensa

(a proximidade em relação ao acontecimento, o caráter fugaz e

polêmico, a vontade de intervir na realidade) que lhe conferem este

estatuto único e insubstituível como fonte para o estudo histórico e

sociológico da educação e da pedagogia. (NÓVOA, 2002, p.31).

Dessa forma, a imprensa escrita em sua totalidade é um instrumento de pesquisa

que se apresenta como importante fonte de informação, além de oferecer muitas

perspectivas para a compreensão da História da Educação. Neste sentido, este estudo

utiliza o jornal como um dispositivo privilegiado para a reflexão sobre a “cultura

escolar” do Grupo Escolar Fausto Cardoso por meio da análise do Jornal “O Ideal”.

Conforme Rodrigues (2015): “Ao selecionar os jornais estudantis como ferramentas de

investigação, deve-se considerar que eles se demarcam como um periódico educacional

produzidos por alunos, ou seja, estes, a partir das suas apropriações dos saberes

escolares e concepções de mundo, adquiridos em seu ambiente social, produzem

escritos que o legitimam entre os seus pares” (RODRIGUES, 2015, p. 105/106).

Dentro dessa perspectiva e em diálogo com Margarida Felgueiras (2010, p 31)

quando ensina que “A cultura material escolar revela uma civilização que cria a escola e

ao mesmo tempo a sociedade que é criada pela escola” analisamos o Jornal “O Ideal”

produzido por estudantes do GEFC, no único número que localizamos datado de primeiro

de outubro de 1942, conta o nome de José R. Montalvão, como diretor, José Matias Neto

como secretário e o tesoureiro Alexandre Cardoso da Silva. Esse, estampa na capa que

trata de “Um órgão mensal do Grupo Escolar Fausto Cardoso Fundado pelo

4º Ano de 1934”.

Em quadro elaborado por Rodrigues (2015, p. 106/107) o jornal de alunos do

Fausto Cardoso figura entre os cinquenta e dois impressos estudantis que circularam em

Sergipe entre o final do século XIX e início do século XX. Cabe salientar ainda, que a

maioria de tais impressos, 24 deles, começaram a circular na década de 1930, como foi

o caso do jornal simão-diense, acrescido ao fato de ser o primeiro periódico criado por

alunos de um Grupo Escolar em Sergipe, seguido pelo Grupo Escolar General Valadão

em 1942 com o periódico “O Mensageiro da Juventude”5.

O jornal “O Ideal” de 1942 pertencia a segunda fase do periódico que teria

começado a funcionar em 1934, contando com redatores diversos. O número em

análise possui quatro páginas e se apresenta com o número 36 do Ano VIII, circulando

em 1º de outubro de 1942, contendo uma variedade de matérias e seções, como pode-se

ver no quadro a seguir:

5 Sobre Jornais Estudantis em Sergipe, ver: Vidal (2009) em análise do Necydallus, um periódico

estudantil do Atheneu Sergipense publicado no início do século XX; Souza (2010) com uma investigação

sobre o “Correio do Colegial” do Colégio Jackson de Figueiredo; Cruz (2011 ) em artigo sobre um

periódico de acadêmicos da Faculdade de Direito de Sergipe intitulado “Academvs”; Rodrigues (2015)

em Tese de Doutorado na área da História da Educação acerca o Grêmio Literário Clodomir Silva, na

qual faz um amplo estudo documental e teórico sobre os impressos estudantis em Sergipe; Rodrigues

(2016) em dissertação acerca do jornal literário e recreativo O Porvir.

Quadro 1 – Matérias do Jornal “O Ideal” – Outubro de 1942

Título da Matéria Autor (a) Assunto abordado

Reminicencias Anapolitanas – Noticiador cerimonioso

Cardê Comemoração do nascimento do príncipe regente em 21 de maio de 1869

em Anápolis.

A mulher Anapolitana José Matias Neto Apoio das mulheres da cidade de

Anápolis ao Presidente Getúlio Vargas

na luta contra o Eixo na Segunda Guerra

Mundial.

A Desobediência Marina Conceição Santos As consequências da desobediência aos pais especificamente no caso de um

banho no Rio Caicá.

Sociais Editores Alunos do GEFC que fizeram aniversário no mês de outubro.

Cordélia Editores Recepção da aluna Cordélia Sá Ferreira, afastada da instituição “depois de passar muitos dias acamada”.

Recibo José Rosa Montalvão Registra o recebimento de dezoito mil reis da caixa escolar “Prof. Alencar

Cardoso” para a impressão do Jornal “O

Ideal”.

Charadas Diógenes Carvalho Três charadas.

Caldas de Cipó Edson Freitas Descrição da cidade baiana da qual o aluno é natural.

Querida Rita Valdeci Oliveira Fonsêca Carta enviada a amiga Rita descrevendo a beleza da festa de Santana e pedindo notícias da família da destinatária.

O Brasil Franciso Teles Poesia sobre o Brasil exaltando a pátria, seus líderes como Osório e Caxias.

Segue a última estrofe do poema: “Amar a pátria é dever sagrado Que o patriotismo vem fortalecer Para que até com a nossa própria vida

Nossa bandeira possa defender”

Recordando Josefa Correia Santos Recordações de uma ex-aluna do GEFC com nome de sua professora, exames e

alegria do recebimento do diploma.

Um passeio Mariête Fonsêca Descrição da discente ao sítio do avô em um dia de domingo.

O burro e o sal Valdeci Guerra Descrição de um episódio sobre um burro, com a finalização atenta a moral da história: “Assim acontece com os manhosos”.

Redação Mariolanda Carta resposta descrevendo aspectos do a dia da discente, como ida ao teatro e

estudo para os exames.

Zaíra Oliveira Zaíra Oliveira Descrição física da discente e da vida escolar da discente com destaque para

suas aprendizagens “Apesar de pequena,

já estou lendo com desembaraço o 1º

livro “Erasmo Braga”, somo e diminuo

com facilidade”.

Os Tropeiros Alexandre Cardoso Silva Descrição do trabalho dos tropeiros como “São homens fortes, corados, robustos”

Querida Lira Conceição Carta pedindo notícias da amiga, sobretudo do seu noivado

Fonte: Quadro elaborado pelos autores com base no Jornal “O Ideal” (Arquivo da Escola Estadual Fausto Cardoso).

Pela análise do quadro percebe-se desde notícias que tratam de aspectos

históricos da cidade até a questão da política nacional e mundial apresentadas no trato

com temas relacionados a Getúlio Vargas e a Segunda Guerra Mundial. Outros

aspectos, como o cotidiano da escola salientando nomes alunos que festejam uma idade

nova ou mesmo aqueles que sabiam ler e o que liam, como é o caso descrito por Zaíra.

As qualidades das professoras, como sua bondade são ressaltados em várias partes

dos jornais, o diálogo com outros alunos fora da instituição também é referenciado

nos escritos, além do nítido trabalho de formação e disciplina desses discentes por meio

do exemplo. O texto que trata da “Desobediência” bem como do “Burro e o sal” deixam

explícitas lições que deveriam ser apropriadas pelos leitores daquele periódico e levadas

para a vida.

Em diálogo com Chartier e Cavallo (1998) é possível observar a apropriação que

esses discentes tinham daquilo que possivelmente acompanhavam pelo rádio, pelos

jornais impressos ou mesmo que seus pais ou professores comentavam. Nessa direção,

“[...] os leitores se apoderam dos livros (ou dos outros objetos impressos), dão-lhes um

sentido, envolvem-nos com suas expectativas. Essa apropriação não se faz sem regras nem

sem limites” (CHARTIER; CAVALLO, 1998, p.38). Dessa forma, a identificação do

leitor com o texto não é delimitada somente no momento da leitura, uma vez que ela

ultrapassa tal ato e se estende para a vida do leitor. Para isso, Chartier (2001) define o

conceito de apropriação do texto “no sentido de fazer algo com o que se recebe” ou

ainda, “o termo no sentido da pluralidade de usos, da multiplicidade de interpretações,

da diversidade de compreensão dos textos” (CHARTIER, 2001, p. 116).

Cabe ressaltar também aspectos da cidade de Simão Dias descritas no Jornal, desde

aspectos históricos “Reminiscencias Anapolitanas – Noticiador cerimonioso” de autoria

de “CARDÊ”, possivelmente um pseudônimo de um dos organizadores do periódico, até

aspectos da festa da padroeira, Senhora Santana, a ida ao teatro, as visitas a casa dos avós

nos sítios do interior e ainda a exaltação a pátria no poema “O Brasil”, características do

governo varguista.

Na primeira folha, localizamos duas matérias, uma delas é um texto assinado por

José Matias Neto sobre “A mulher Anapolitana”. Nesse texto observa-se uma nítida alusão

a Segunda Guerra Mundial e o apoio fornecido ao presidente Getúlio Vargas,

especialmente por meio de mulheres como Ana Nery no combate as potências do Eixo,

leiamos um trecho:

Surge, no coração de Sergipe a mulher anapolitana, fazendo

comícios, discursando, alistando-se na Cruz Vermelha

Brasileira, tudo pelo “V” da vitória e pela paz e liberdade do

Brasil. A mulher anapolitana ergue o seu grito de protesto

contra a brutesca barbaridade da 5ª coluna que indica o caminho

de nossos navios de cabotagem aos terríveis corsários do EIXO,

implantando entre nós, a dor e a desolação. [...] A mulher

sergipana homenagêa o chefe da Nação, Dr. Getúlio Vargas, todos

confiam no seu valor [...] As sergipanas seguem agora as estradas

já percorridas pelas baianas Maria Quiteria, Ana Nery e muitas

outras que souberam defender os direitos do Brasil. Pois Hitler,

quer impor a escravidão ao mundo, abolindo, na Velha Europa

que dormia tranquila sonhando com a felicidade de seus povos,

suas antigas tradições; mas há de vir o dia em que a Alemanha

será suplantada, derrotada e amaldiçoada para sempre na

memória dos povos‟ (JORNAL O IDEAL, 1942, p. 1).

Observa-se o contato dos jovens alunos do GEFC com as notícias que ocorriam

no Brasil e no mundo e além disso um explícito posicionamento a favor das ações do

presidente Vargas. O lugar da mulher na guerra e a referência a alguns exemplos de nomes

que ajudaram na luta contra as potências do Eixo também é digno de destaque. A ideia de

incentivar as leitoras anapolitanas a seguirem os passos de Ana Nery e Maria Quitéria

proporciona uma reflexão sobre os reflexos da Guerra vividos nas cidades do interior do

Brasil. Ainda entre as notícias publicadas nesse número do periódico consta um escrito

acerca da docente Agnor Hora Fonseca.

RECORDANDO

Lembro-me com saudade, do tempo feliz que passei no “Grupo

Escolar Fausto Cardoso” recebendo salutares lições de tão

abnegadas mestras: No meu último ano de estudo foi a

professora Agnor Hora da Fonseca, que além de competente é

devotada ao magistério de todo o coração. Nas proximidades

dos exames, ela desdobrava sua inteligente atividade no

interesse vivo dos seus alunos serem aprovados, e o seu esforço

teve feliz êxito. Todos receberam o almejado diploma, inclusive

eu que era a mais fraca da turma. Hoje longe do bulício da cidade,

no silêncio da vida rural, ouvindo apenas o gorgeio das aves nas

fruteiras que circundam minha singela residência, recordo-me

saudosa do Grupo Escolar “Fausto Cardoso”. JOSEFA

CORREIA SANTOS (JORNAL O IDEAL,1.10.1942, p. 2).

Com Olda Dantas, Agnor Fonseca e vários outros docentes ensinaram vários

sergipanos que conseguiram alcançar a escolarização na primeira metade do século XX.

Além das matérias descritas, o jornal ainda apresentou a receita de despesas e arrecadação

do periódico do mês de julho, bem como frases sobre o cotidiano escolar, como:

“Conselho do dia Não escrevam em má posição” ou “Livros cerrados não fazem letrados”

e ainda, “Aprende chorando e rirás ganhando”.

Pela análise exposta nota-se quantos elementos da “cultura escolar” do GEFC

podem ser questionadas e conhecidas por meio de um periódico estudantil. Contudo,

mesmo diante da importância histórica do Grupo, que está em pleno funcionamento desde

a fundação até os dias atuais, seu nome ficou inebriado na poeira do tempo dos amantes

da História. A História da Educação silencia acercas das práticas educativas existentes

nesse Grupo Escolar do interior do Estado.

Na tentativa de romper com tal silêncio a análise Jornal “O Ideal” possibilitou

conhecer elementos daquela nonagenária instituição educacional e localizar sujeitos,

práticas educativas e aspectos do cotidiano que deram vida a escola e movimentou a

cidade sergipana de Simão Dias ao longo dessas décadas do século XX.A imprensa escrita

é um importante veículo de informação, de divulgação e circulação de ideias, além disso,

têm um caráter de convencimento e visibilidade nos espaços sociais. Neste sentido, o

jornal é compreendido como um dispositivo privilegiado para a reflexão sobre o

Grupo Escolar Fausto Cardoso.

Dessa forma, o jornal estudantil, nesse caso específico, O Jornal “O Ideal” em

sua totalidade é um instrumento de pesquisa que se apresenta como importante fonte de

informação, além de oferecer muitas perspectivas para a compreensão da História da

Educação. Por meio de “O Ideal” foi possível compreender como o periódico revela

tanto um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos como

também a incorporação de comportamentos, dialogando assim diretamente com o e que

ensino Dominique Julia (2010) acerca da “cultura escolar”.

Referências

AZEVEDO, Crislane Barbosa. Arquitetura e Grupos Escolares em Sergipe: uma relação

entre espaço e educação na escola primária. Revista Outros Tempos. Volume 7,

número 10, dezembro de 2010 . Dossiê História e Educação. p. 119-142.

AZEVEDO, Crislane Barbosa. Celebração do civismo e promoção da educação: o

cotidiano ritualizado dos Grupos Escolares de Sergipe no início do século XX. Revista

Brasileira de História, vol. 31, n 62. 2011. p. 93-115.

AZEVEDO, Crislane Barbosa. O ideário modernizador do governo Graccho Cardoso

(1922-26) e a reforma da instrução pública de 1924 em Sergipe. Tese de Doutorado em

Educação, UFRN, 2009.

CHARTIER, Roger.; CAVALLO, Guglielmo. (Org.) História da leitura no mundo

ocidental 1. São Paulo: Ática, 1998. (Coleção Múltiplas Escritas).

CHARTIER, Roger. Cultura Escrita, literatura e História. Porto Alegre: Artmed,

2001.

CRUZ, Marcia Terezinha Jerônimo Oliveira Cruz. Historiografia educacional e os

impressos estudantis: o jornal Academvs e as representações discentes sobre a

Faculdade de Direito de Sergipe e sua cultura acadêmica (1951-1962). Revista do

Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju/SE: Instituto Histórico e

Geográfico de Sergipe, n. 41, 2011.

DANTAS, Olda do Prado. Entrevista concedida a Equipe do Projeto “A “cultural escolar”

na imprensa sergipana: vestígios das práticas escolares do Grupo Escolar Fausto

Cardoso (1925-1960)” em 18 de Março de 2016. Simão Dias/SE.

FELGUEIRAS, Margarida Louro. Cultura Escolar: da migração do conceito à sua

objetividade histórica. In: FELGUEIRAS, Margarida Louro; VIEIRA, Carlos Eduardo

(Eds). Cultura escolar, migrações e cidadania. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências

da Educação e Autores, 2010.

JORNAL A SEMANA, 20 de Outubro de 1946, Simão Dias/SE, p. 1.

JORNAL A SEMANA, 24 de Novembro de Simão Dias/SE, p. 2

JORNAL CORREIO DE ARACAJU, 3 de Dezembro de 1926. Aracaju/SE.

JORNAL O IDEAL, 1 de Outubro de 1942, Simão Dias/SE, p. 3.

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista Brasileira de História da Educação. 2001. Campinas: Autores Associados, nº 1, Jan./ Jun. p. 09.

NÓVOA, Antonio. A Imprensa de Educação e Ensino: concepção e organização do

repertório português. In: CATANI, Denice Bárbara; BASTOS, Maria Helena Câmara

(orgs). Educação em revista: a imprensa e a história da educação. São Paulo:

Escrituras Editora, 2002. p.11-32.

RODRIGUES, Cibele de Souza. O Porvir, Jornal Literário e Recreativo: Propriedade

de uma Associação de Estudantes do Atheneu Sergipe (1874). 2016. Dissertação

(Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade

Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2016.

RODRIGUES, Simone Paixão.Com a palavra, os Alunos: Associativismo Discente no

Grêmio Literário Clodomir Silva (1935 – 1956). 2015. Tese (Doutorado em Educação)

– Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe, São

Cristóvão, 2015.

SANTOS, Magno Francisco dos. Ecos da Modernidade: a arquitetura dos Grupos

Escolares sergipanos (1911-1926). São Cristóvão/SE: Editora UFS, 2013.

SILVA, Verônica Cristina da Conceição. Uma viagem pelas memórias do Grupo

Escolar Fausto Cardoso. Monografia (Licenciatura em História). Faculdade José

Augusto Vieira: Lagarto/SE, 2009.

SOUZA. Josefa Eliana. O “Correio do Colegial” (1938-1973) e as representações sobre

saúde e higiene. In: Anais do VIII Congregação Luso-Brasileiro de História da

Educação. São Luís/MA, 2010.