O Habitus Ecológico e a Educação Da Percepção

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    O Habitus Ecolgico e a Educaoda Percepo: fundamentos

    antropolgicos para a

    educao ambientalIsabel Cristina de Moura CarvalhoCarlos Alberto Steil

    RESUMO O Habitus Ecolgico e a Educao da Percepo: fundamentos antro-polgicos para a educao ambiental. Este artigo discute a formao de uma subjetivi-dade ecolgica constituda como um habitusno processo de subjetivao de um campo depreocupaes ambientais na sociedade contempornea. Destacamos as relaes entreuma subjetividade ecolgica e aquelas prticas pedaggicas nomeadas como educaoambiental que assumem o cuidado de si e do ambiente como parte da formao de umsujeito virtuoso. Analisamos as contradies internas do projeto ecologista, crtico modernidade sem, no entanto superar as dicotomias instauradas por esta. Em contraposio

    ao iderio ecologista, apresentamos as possibilidades anunciadas pelo que chamamos deepistemologias ecolgicas construdas aqui principalmente desde as contribuies dafilosofia da percepo de Merleau-Ponty, da antropologia fenomenolgica de ThomasCsordas e da epistemologia ecolgica de Tim Ingold. Exploramos as consequnciasepistemolgicas para a educao desta virada ecolgica e os possveis deslocamentos paraa educao ambiental na direo de uma educao da percepo.Palavras-chave:Habitus. Educao ambiental. Educao da percepo. Epistemologiasecolgicas. Sujeito ecolgico.ABSTRACT The Ecological Habitus and the Education of Perception:anthropological bases for environmental education.This article discusses the constitution of an ecological subjectivity as a habitus and thesubjectivation process of a environmental field in contemporary society. We pointed outthe relationship between subjectivity ecological practices particularly those appointed asenvironmental education that proposes takes care to themselves and the environment aspart of the building of a virtuous self. The article shows the internal contradictions of this

    project that critic modernity without, however overcoming the dichotomies introducedby modern ideas. In contrast we present the possibilities of what we call ecologicalepistemologies bases here mainly on the contributions of the philosophy of perceptionof Merleau-Ponty, the phenomenological anthropology of Thomas Csordas and ecologicalanthropology of Tim Ingold. Finally we explore the consequences for the environmentaleducation of epistemological turn that suggests the displacement the epistemologicalbasis of environmental education in the direction of education of environmental perception.Keywords: Habitus. Environmental education. Education of perception.Environmental epistemologies. Ecological self.

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    Este artigo discute a formao de uma subjetividade ecolgica constitudano processo de subjetivao de um campo de preocupaes ambientais nasociedade contempornea, com repercusses importantes para a educao. Oque nos chama a ateno so, sobretudo, as relaes entre a subjetividadeecolgica e as prticas pedaggicas - nomeadas frequentemente como educa-o ambiental - que assumem o cuidado de si e do ambiente, como parte daformao de um sujeito virtuoso, em harmonia consigo e com o ambiente. Estas

    prticas pem em evidncia as relaes entre natureza e cultura que vm seconstruindo no interior do pensamento ecolgico.

    No plano epistemolgico, por sua vez, podemos observar tambm tentativasde fundamentar uma viradaecolgica particularmente nas Cincias Humanas.Trata-se de um movimento que no tem suas razes apenas no ecologismo en-

    quanto ao poltica, mas tambm no campo da produo de conhecimento cien-tfico, particularmente na filosofia e na sociologia da cincia. Este conjunto decontribuies, que provisoriamente chamaremos de epistemologias ecolgicas,remete a um debate terico-filosfico empenhado em colapsar as dicotomias ereordenar as dualidades modernas estruturantes das Cincias Humanas - nature-za e cultura, sujeito e sociedade, corpo e mente - apontando para novos aportesecolgicos na compreenso do mundo e das relaes humano-no humanos.

    Os autores e as formulaes que identificamos, no campo das cinciashumanas, particularmente da antropologia e da filosofia da cincia, com umaepistemologia ecolgica tm em comum uma posio crtica ao construtivismocultural, que se expressa na contestao da exclusividade do humano na pro-duo de conhecimento e na ao significante. Neste sentido, destacam-se

    noes como coproduo entre humanos e no humanos (Haraway 2003);agencydo mundo no humano (Ingold 2000); rede sociotcnica(Latour 2004);epistemologia ambiental(Leff 2006), condies de possibilidade sustentadas

    pelo ambiente (affordance) (Gibson 1979). Estas formulaes conferem ao atri-buto ecolgico/ambiental um sentido paradigmtico que visa reorientar estra-tgias de saber. Assim, por exemplo, Leff (2006) chama de racionalidadeambiental sua proposta de uma epistemologia reflexiva e complexa do real paraalm da racionalidade moderna e cartesiana. Em direo semelhante, Stengers(2002) denomina de ecologia da prticao esforo de compreender de modono reducionista as matrias de interesse das cincias. Ingold denomina seuesforo de compreenso das interaes no hierrquicas entre humanos e oambiente no humano de um paradigma ecolgicoem continuidade com osachados da psicologia da percepo de Gibson (1979), tambm chamada de

    psicologia ecolgica. A propriedade do atributo ecolgico, sugerido por Ingold, reiterado por Velho (2001, p.135) ao considerar que:

    A ecologia e com ela o holismo na verdade uma referncia chave desdeBateson. Faz parte da discusso de outra polaridade, entre sujeito e objeto. Coma ajuda da vertente fenomenolgica de Merleau-Ponty (e das noes de ser ehabitar o mundo), a ecologia de fato parece propcia para um deslocamento do

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    sujeito cartesiano e, com ele, da srie de oposies que inclui aquela entrenatureza e cultura. Ingold chega a falar em um novo paradigma ecolgico.

    Ainda que guardadas as diferenas entre estes vrios autores, podera-mos dizer que esto implicados na tentativa de construir uma compreensoecolgicada realidade que, em contraposio tradio objetivista da cincia(cartesiana e kantiana), busca uma epistemologia imanente aos contextos domundo da vida. Contrape-se, desta maneira, ao lugar da cincia como porta-voz do sujeito da Razo, desencarnado e fora do mundo. Esta proposta, semelhana da cincia modesta formulada por Boaventura (2002), sugere,entre suas consequncias, um novo modo de apreenso das relaes sujeito-objeto, mente-corpo, natureza e cultura, indivduo e sociedade.

    Embora alguns autores, aqui citados, mantenham um dilogo entre si, como o caso de Latour, Stengers e Haraway1, esta no uma caracterstica do conjun-to. A maioria de suas formulaes circula apenas em comunidades especificas deconhecimento, sem constiturem o que normalmente se denomina uma escola de

    pensamento ou um movimento terico intencionalmente articulado. Por isso,quando nos referimos s epistemologias ecolgicas,queremos apenas destacarcerta convergncia destes pensadores na direo de assumir referncias ecolgi-cas na estruturao de seus modos de conhecer, sem com isso indicar que sejamuma escola ou abordagem intencionalmente configurada.

    Embora reconheamos a importncia da contribuio de cada um dos auto-res referidos acima, tendo presente o escopo deste artigo, elegemos algunsdeles que trazem uma contribuio mais especfica em vista do desenvolvimen-

    to de nosso argumento. Assim, para refletir sobre os processos de formao desubjetividades ecologicamente orientadas, privilegiamos o dilogo com os an-troplogos Thomas Csordas e Jos Srgio Leite Lopes, ao mesmo tempo emque revisitamos Bourdieu e Elias, uma vez que seus conceitos de habitusecorporeidadeso centrais nas formulaes desses autores. Da mesma forma,ao apresentar a proposta de Tim Ingold de um paradigma ecolgico para

    pensar a educao, retornarmos ao pensamento de Merleau-Ponty que umdos fundamentos filosficos acionados por Ingold. Merleau-Ponty oferece-nos por meio da sua noo de carne, desenvolvida especialmente em O vis-vel e o invisvel(Merleau-Ponty 2007), o elo terico entre corporeidade e paisa-gem, tendo presente que para Tim Ingold a paisagem pensada como o ambien-te que engloba os organismos humanos e no-humanos no sentido de uma

    paisagem corporeificada (embodied landscape) (Ingold 2000).

    O iderio ecolgico e o mal estar da civilizao

    Antes de discutirmos a contribuio dos autores acima mencionados queembasam nossa argumentao, queremos chamar a ateno do leitor para os

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    pontos de convergncia e de afastamento do iderio ecolgico com amodernidade. Vamos fazer isto a partir de um paralelo que traamos entre omovimento ecolgico e a psicanlise. Em linhas gerais poderamos identificaros ecologistas como os descontentes com a civilizao, expresso que naobra de Freud, em sua verso para o ingls, d o ttulo ao livro que em portugu-s foi traduzido por O mal estar da civilizao2. Contudo, diferentemente daviso trgica que embasa o pensamento do fundador da psicanlise, oecologismo assume uma perspectiva utpica, na medida em que v na naturezaa fonte do bem-estar e da sade psquica, corporal e ambiental. Assim, se Freudatribui as razes do sofrimento poro de natureza inerente ao humano, oiderio ecolgico busca, no encontro com a natureza, o remdio para todos osmales. a partir desta concepo de fundo de uma natureza boa e externa ao

    humano, que os movimentos ecolgicos tm assumido um lugar protagonistana denncia da civilizao e da cultura como fatores de desequilbrio e fontedos males individuais e planetrios contemporneos.

    Estes males ecologicamente formulados, por sua vez, acabam definindo aagenda de decises pessoais, que se traduzem em estilos de vida ecologica-mente orientados, e polticas, que se expressam em pactos societrios intra eintergeneracionais para a preservao do planeta. Enfim, pode-se observarque, embora tenha em comum com a psicanlise o pensamento romntico, oiderio ecolgico diferencia-se da via trgica freudiana, que v a impossibilida-de de uma reconciliao entre natureza e cultura, na medida em que toma a viautpica da crena na possibilidade de uma soluo conciliadora deste conflito

    por meio de uma submisso do humano s leis da natureza.

    Diferentemente da psicanlise, que assume esta ruptura como um eventoinescapvel e fundante do humano, embora traumtico, o iderio ecolgicoatribui-lhe um sentido contingente a ser superado, ainda que de forma catas-trfica. Assim, se para a psicanlise preciso assumir a condio trgica dohumano, para o iderio ecolgico a converso das mentes e dos coraeshumanos poderia reconstituir uma utopia retrospectiva ednica, perdida pelainterferncia da civilizao sobre o curso da natureza. Deste modo, a ferida

    planetria, produzida pela sociedade de consumo, poderia ser curada, ou pelomenos minimizada em seus efeitos letais, no horizonte da sustentabilidade e doequilbrio eco-energtico dos seres vivos.

    Considerando as noes de equilbrio e harmonia que prevalecem no iderioecolgico, poderamos dizer que o sujeito ecolgico partilha, em algum nvel,da crena na possibilidade de curar o conflito entre natureza e cultura queFreud identificou como a fonte do mal estar da civilizao. Esta cura est asso-ciada a uma noo de bem viver ecolgico que, na medida em que acredita

    poder resolver este conflito fundamental, termina instituindo no apenas umdiscurso poltico de novos pactos planetrios em vista da regulao das rela-es sociedade e natureza, mas tambm inaugura um estilo de vida que no

    plano individual leva a incorporao de novos hbitos e atitudes em vriasesferas da vida. Na esfera da alimentao, pode-se citar a produo

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    agroecolgica, orgnica, antroposfica, bem como movimentos que tm naalimentao e na produo do alimento limpo e justo seu foco, como o Slow

    Foode a agroecologia. Na esfera da habitao, surgem as ecovilas, ecodesig,permacultura. Na esfera do vesturio, este estilo de vida se expressa na valori-zao de vestimentas tnicas, artesanais e tecidos naturais. As formas de medi-cinas alternativas, orientais, modos de vida saudveis identificados a uma vidasimples e com o contato com a natureza proliferam na esfera da sade como umideal buscado por muitos. A esfera da produo tambm se encontra permeada

    por cooperativas, vendas diretas, economias solidrias, que se apresentamcomo alternativas ao sistema de mercado capitalista hegemnico. Por fim, hque lembrar o campo religioso, cada vez mais atravessado pelas formas deespiritualidades como a nova era, onde as prticas e rituais tendem a associar

    de modo direto o sagrado natureza e a valorizar as tradies pr-crists,orientais e indgenas. Em todos estes hbitos e atitudes encontramos umaorientao comum que poderamos denominar de uma ascese para uma vidavirtuosa, saudvel e em consonncia com um ambiente igualmente so3.

    O habitus e a corporeidade como conceitos para pensar aecologia

    Os desdobramentos de um habitusecolgico nos processos de identifica-o, instituindo modos de vida (subjetividades). podem ser pensados desde a

    perspectiva da corporeidade. Mais do que um conceito, a corporeidade umaproposta paradigmtica para pensar os fenmenos sem recair nas armadilhasdas dicotomias individuo/sociedade/; mente-corpo; prtica/estrutura. O con-ceito de corporeidade remete a uma anlise da experincia humana, pressupon-do nesta: I) a dimenso pr-objetiva ou pr-reflexiva no processo de atribuiode sentidos tais como postulam Merleau-Ponty e Gadamer respectivamente; II)os contextos vivos da prtica social na forma de habitus(Bourdieu, 1989)4; eIII) a considerao do corpo como elemento sntese onde se articulam sujeito eobjeto, conhecimento e autoconhecimento. O corpo tomado por Csordascomo o solo existencial da cultura (Csordas, 2008, p.19). A corporeidade asntese desta encarnaoda cultura que constitui os seres humanos historica-mente situados, neste sentido, um lcus privilegiado para romper a dicotomiasujeito e objeto e seus sucedneos, em uma clara analogia com a noo de

    crculo hermenutico como modalidade da relao compreensiva. Desde estaperspectiva, segundo Csordas:

    O corpo no apenas essencialmente biolgico, mas igualmente religioso,lingustico, histrico, cognitivo, emocional e artstico [e ns acrescentaramos,ecolgico]. Por outro lado, se a linguagem pode ser apresentada como osurgimento da corporeidade e no apenas da funo representativa do cogito

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    cartesiano, o caminho estaria aberto para definir cultura, no s em termos desmbolos, esquemas, traos, regras, costumes, textos ou comunicao, masigualmente em termos de sentido, movimento, intersubjetividade, espacialidade,paixo, desejo, evocao e intuio. (Csordas, 2008, p.19).

    na corporeidade, como base da cultura, que Csordas situa o colapso dadistino entre corpo e mente, sujeito e objeto. Ou seja, no nvel pr-objetivo,anterior prpria linguagem enquanto representao. Para o autor, no entanto,o pr-objetivo no pr-cultural, na medida em que quando objetivamos nossaexperincia ns o fazemos necessariamente dentro de uma situao culturalcorporeificada. Neste sentido, a prpria linguagem apresenta-se ao mesmo tempocomo instituio, um modo de se situar no mundo, e como representao, um

    dispositivo para expressar o vivido.Ainda que, de um ponto de vista diferente do de Csordas, a dimenso dohabitus destacada por Jos Srgio Leite Lopes (2004) no seu artigo Aambientalizao dos conflitos em Volta Redonda, no qual ele discute o pro-cesso de internalizao pelos sindicalistas de sentidos, valores e estilos devida ecologicamente orientados. Ao discutir o papel da educao ambientalno mbito da Agenda 21, o autor evoca um paralelo com o que representaram osmanuais de etiquetasno Renascimento, analisados por Norbert Elias (Elias1990 [1939]). Como afirma Leite Lopes:

    A observao do programa de educao ambiental da Agenda 21 nas escolas, jbem disseminado, por um lado, e as palestras espordicas do sindicato, poroutro, nos fizeram lanar a hiptese de que essas prticas exercem sua

    atratividade para os indivduos na medida em que so passadas desta formapreceitos de conduta cotidiana, maneiras de comportamento diante dos novosfenmenos do meio ambiente, novos na medida mesma em que se tornam umaquesto pblica recentemente, que podem ser analisados como formas equiva-lentes difuso dos manuais de etiqueta durante o Renascimento, analisadospor Norbert Elias (1990) como uma forma de construo do autocontrole doscomportamentos e das emoes, depois naturalizados como modos de com-portamentos eternos e atemporais. (Leite Lopes, 2004, p. 234-235)

    Destacamos deste texto de Leite Lopes o carter prescritivo que ele atribui Educao Ambiental, na medida em que esta impe, de uma maneira difusa einconsciente, preceitos de conduta cotidiana em relao ao ambiente, da mesmaforma que os manuais de etiquetas no Renascimento impunham preceitos de

    boas maneiras mesa e no convvio social. Por outro lado, queremos destacar, naesteira do paradigma da corporeidade, que a eficcia deste processo educativos se torna possvel porque a ecologia est a, como um habituscorporeificado euma situao dada, na qual os sujeitos mesmos so constitudos.

    Mas, ainda na esteira da analogia proposta por Leite Lopes entre a Agenda21 e os manuais de etiquetas, gostaramos de lembrar que o iderio ecolgico

    parece ir na contramo do processo civilizador, na medida em que seu horizonte

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    no o da submisso da natureza razo humana princpio fundamental doprocesso civilizador mas o de uma volta natureza e obedincia de s suasleis e processos. Ou seja, h aqui uma mudana profunda na concepo do queseria uma relao ideal dos seres humanos com a natureza, de modo que j nose trata de tomar distncia da natureza, projetando-a como um objeto fora dosujeito ou reprimindo-a no seu ntimo enquanto instintos e pulses a seremdominadas.

    Em suma, se o processo civilizador afirmou-se com base em um ideal dedomnio do mundo natural por meio de uma pedagogia das etiquetas e das boasmaneiras, o advento ecolgico quer trazer de volta o mundo natural recalcadoem nome de uma tica e esttica do viver em harmonia com a natureza. Enfim, se

    por um lado podemos afirmar que a educao ambiental se insere no movimen-

    to da contracultura, fazendo-se portadora de uma norma que remete antinormatividade que questiona as bases sobre as quais se instituiu a civiliza-o ocidental moderna, por outro ela mesma se apresenta normativa e difusorada crena utpica de que possvel sanar a ferida que se produziu pela rupturaentre natureza e cultura.

    Merleau-Ponty, a carne do mundo e a virada ecolgica

    A retomada de Merleau-Ponty na perspectiva da epistemologia ecolgicapode trazer sugestivos aportes para nossa investigao. Mesmo se tomamossua obra mais conhecida, a Fenomenologia da Percepo, (Merleau-Ponty1971) ele se afasta da compreenso cognitivista dos processos perceptivos.Desde uma viso fenomenolgica destaca a mediao do corpo enquanto su-

    jeito do conhecimento e ao mesmo tempo objeto que se projeta no mundo. Aoremeter os processos perceptivos para a experincia e levar em conta tanto a

    posio do corpo como sujeito quanto a dimenso fsica do ambiente comocondio do conhecimento, Merleau-Ponty oferece um caminho para a supera-o das explicaes reducionistas, que tendem a tomar a percepo como um

    processo exclusivamente orgnico, que se esgotaria nos limites do crebrohumano. Corpo e ambiente, mente e mundo so compreendidos pelafenomenologia no horizonte da prtica, onde o sujeito, ao agir, se projeta emdireo ao mundo e aos objetos. Do mesmo modo, ao projetar-se no mundo osujeito tambm constitudo pelos objetos, criando, assim, um crculo virtuoso

    onde sujeito e objeto se constituem mutuamente em uma prtica ao mesmotempo criativa e estruturada.

    A contribuio de Merleau-Ponty como fundamento filosfico para asepistemologias ecolgicas destacada por Abram (1996). Este autor, ao discutira o processo de constituio do pensamento ecolgico, atribui um papel centralespecialmente ltima obra de Merleau-Ponty: O visvel e o invisvel. SegundoAbram, nesta obra, ele estabelece a base filosfica para que se possa romper com

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    o reducionismo biolgico e mecanicista que esteve na origem da ecologia, esta-belecendo uma relao de exterioridade entre o sujeito humano e o ambiente:

    Nossa civil izada desconfiana dos sen tidos e do corpo engendra umdescolamento metafsico do mundo sensvel isso alimenta a iluso de quens mesmos no fazemos parte do mundo que estudamos, do qual podemosnos manter parte, como espectadores, e assim determinar seu funcionamen-to desde fora. Uma renovada ateno para a experincia corporal, no entanto,permite-nos reconhecer e afirmar nosso envolvimento inevitvel naquilo queobservamos nossa imerso corporal nas profundezas de um corpo que respirae que muito maior do que o nosso prprio corpo (Abram, 1996, p. 85).

    Esta comunho entre o corpo humano e o mundo, como um corpo queengloba e transcende o individuo humano, constituindo-o como parte de si, denominado em O visvel e o invisvel, com o termo carne, um ponto comume de continuidade entre o sujeito e o mundo. Assim, a noo de carne, naconcepo fenomenolgica, no designa apenas o corpo biolgico de um su-

    jeito que sente e percebe o mundo enquanto portador de uma mente ou razoque o apreende e o organiza conceitualmente. O corpo aquele que capaz decompreender o mundo porque este o constitui no sentido daquele que senti-do e daquele que sente (Merleau-Ponty, 1968).

    Com essa noo de carne, Merleau-Ponty afasta-se da posio cartesianade um sujeito que pensa o mundo como uma mente parte do mundo. Em sua

    perspectiva, o mundo pensa no sujeito que, por sua vez, existe na relao decontinuidade e distino como uma das expresses da carne do mundo. A

    diferena humana est na forma de exercer a reflexividade. Assim, para Merleau-Ponty, a carne do mundo sente-se a si mesma como carne em mim e nestesentido ela sensvel mas no sensiente, porque no capaz de refletir sobreseu prprio sentir. Concluindo esta linha de argumentao, ele afirma: Euchamo isto de carne, no entanto, para dizer que isto no absolutamente ape-nas um objeto (Merleau-Ponty,1968, p. 250).

    Este conceito de carne contribui, ainda, para se superar tanto oantropocentrismo, que transforma todo no humano em mero objeto, quanto o

    biocentrismo, que apenas inverte a polaridade sem alterar substancialmente arelao de oposio entre humanos e no humanos. Ao invs de uma oposioexcludente, Merleau-Ponty prope pensar esta relao como um entrelaamen-to denso entre humano e no humano, onde a unidade no sentido do humano

    ser constitudo pela mesma carne do mundo no nega a alteridade, uma vezque o processo de conscincia e reflexo em um e em outro no idntico.Assim, a carne que pensa no ser humano no pensa do mesmo modo nosoutros seres sensientes. Desta forma, evita-se a fuso ou dissoluo da singu-laridade humana no biosdo mundo, ao mesmo tempo em que se desfazem as

    bases da arrogncia humana que se pensa a partir de uma ruptura absoluta como mundo. Enfim, o conceito de carne em Merleau-Ponty permite preservaralteridade como constitutiva da relao do ser humano com o mundo.

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    Podemos, assim, situar Merleau-Ponty na virada ecolgica, na medidaem que estabelece um continuumentre humanos e no humanos e entre natu-reza e cultura. Ainda que, apenas para mencionar, podemos lembrar aqui que,embora desde uma matriz de pensamento distinta, Gadamer tambm reivindicoucomo condio para um dilogo autntico, o reconhecimento da dignidadedas coisas, estabelecendo uma linha de continuidade com o que estamoschamando de epistemologias ecolgicas, particularmente com a proposta deBruno Latour de uma antropologia simtrica entre humanos e no humanos,incluindo a o mundo dos artefatos e dos hbridos, produzidos nesta relao e

    pela cincia (Latour, 2004).O paradigma ecolgico que se desenvolveu nas cincias humanas a partir

    destas bases filosficas, aponta, ao que nos parece, um caminho possvel para se

    sair do impasse instaurado pelo cartesiano da ruptura natureza e cultura. Vislum-bra-se, assim, para alm do biocentrismo e do antropocentrismo, um mundo derelaes simtricas, diferenciadas e conexas entre humanos e no humanos. Des-ta forma, estes pensamentos que chamamos de epistemologias ecolgicasofe-recem algumas bases para os humanos reverem sua posio entre os no huma-nos: nem apartao nem assimilao, mas reconhecimento da semelhana e dadiferena, ao mesmo tempo, porque todos fazemos parte de uma mesma histriacomum, onde nos constitumos, de forma indissocivel, como humanos e nohumanos como convivas do mesmo mundo global e hbrido.

    Uma educao da percepo e o cansao das rvores:

    fundamentos de uma antropologia ecolgica para a educaoambiental

    Outro autor que, na esteira da fenomenologia, nos oferece um aporte antro-polgico para avanarmos na compreenso das relaes entre natureza e cultu-ra Tim Ingold. Sua nfase na diluio das fronteiras entre humanos e nohumanos consagradas na literatura humanista, permite-nos questionar a sepa-rao entre histria natural e social. Ao realizar um deslocamento da ecologiado campo emprico para o epistemolgico, assume uma perspectiva inovadoraque ele mesmo denomina de antropologia ecolgica. Embora a reflexo doautor v muito alm da sua contribuio educao, que aqui traremos, consi-deramos importante destacar este aspecto em vista dos objetivos deste artigo.

    Partindo de etnografias dos povos caadores e coletores da Amrica doNorte, apresenta uma critica consistente ideia de educao como a transmis-so de conhecimento, que existiriam como contedos ou substncias indepen-dentes das prticas sociais presentes e que passariam de gerao para geraona forma de valores, costumes, sentidos, tcnicas, tradies etc. Para Ingold, oconhecimento indissocivel das prticas e das relaes das pessoas com oambiente onde humanos e no humanos compem uma nica paisagem,

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    conectando-se e misturando-se ao se movimentar nos lugares onde seus res-pectivos caminhos se cruzam. Recordando a afirmao de Deleuze e Guattari:estamos cansados de rvores elas j nos fizeram sofrer demais Ingold(2000, p.140) prope substituir o modelo genealgico das geraes que sesucedem no tempo passando sua substncia de pais para filhos, pelo modelorelacional, por outro modelo onde as rvores genealgicas do lugar aos rizomas.

    Apropriando-se da contribuio de Gibson (1979), Ingold vai compreendera aprendizagem como um processo ligado ao modo como habitamos o mundo,que se realiza por meio da educao da ateno. Assim, a aprendizagem setorna inseparvel da vida da pessoa no mundo e se estende por a sua toda avida em interao com os seres que habitam a mesma paisagem. Aprender fundamentalmente uma atividade pela qual seus sujeitos adquirem habilidades

    (skills), por meio do seu engajamento no mundo. Nesse sentido, as habilidadesno so atributos de um indivduo isolado, mas so elementos constitutivos da

    prtica, isto , um conjunto de relaes engajadas num ambiente material esimblico. A aprendizagem para Ingold, portanto, est relacionada com a incor-

    porao de uma certa capacidade da ateno de captar os sinais pelos quaishumanos e no humanos se revelam uns aos outros ao habitarem e se movi-mentarem dentro de uma determinada paisagem5. Assim, aprender no consisteem adquirir um esquema mental para construiro ambiente, mas adquirir habili-dades para um engajamento perceptivo direto com os elementos constituintesdo mundo que habitamos (Ingold, 2000).

    Neste sentido, os modos como os seres habitam o mundo tornam-se cen-trais para se pensar a educao. Como Ingold mesmo afirma inspirado na

    fenomenologia de Heidegger e Merleau-Ponty,

    Ao habitar o mundo, ns no apenas agimos sobre ele ou realizamos coisaspara ele; mas, mais do que isso, ns nos movemos junto com ele. Nossas aesno transformam o mundo, elas so parte do mundo transformando a si mes-mo (Ingold, 2000, p. 200).

    com base no conceito de habitardesenvolvido na filosofia desses auto-res que Ingold assume o que denomina de perspectiva do habitar(dwelling

    perspective) como o horizonte para formular o seu paradigma ecolgico.No se trata, portanto, de buscar os significados que foram inscritos na

    paisagem, ao longo da histria pelas geraes que ali viveram e vivem, mas desituar-se dentro de uma paisagem que, ao habit-la, ela mesma se torna parte

    ns e ns nos tornamos parte dela (Ingold, 2000, p. 191). Enfim, a aprendiza-gem se efetua pelo engajamento na paisagem e no pelo distanciamento de umsujeito que a observa desde fora6. Assim, desde a perspectiva do habitar a

    paisagem ganha importncia como categoria analtica relacional e se revestefundamentalmente de temporalidade, integrando numa mesma totalidade cons-tituda de humanos e no-humanos, os seres e o seu ambiente, os quais socriados (e se criam) no fluxo das atividades entre eles7.

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    Concluso

    Ao mudar os termos da formulao do problema, podemos pensar, desde aperspectiva ecolgica de uma educao da percepo, novas perguntas para aeducao de um modo geral e a educao ambiental em particular tais como: emque medida uma educao humanista tem se constitudo como uma esfera aut-noma da vida no necessariamente vinculada aos modos de engajamento pr-ticos dos grupos humanos no ambiente? Em que medida uma educao ambientalvoltada para a educao da percepo propiciaria a instaurao de outros mo-dos de habitar e de educar? Como se daria uma possvel mudana dos padresde engajamento dos grupos humanos no mundo dentro da perspectiva desustentabilidade defendida pela educao ambiental? Como fazeres pedaggi-cos podem desenvolver modos de habitar paisagens, abrindo clareiras que

    propiciem novas experincias do mundo?Considerando que a tenso natureza e cultura fundadora da epistemologia

    moderna, o caminho que percorremos para propor o que chamamos deepistemologias ecolgicas indica algumas tentativas no reducionistas de operardentro desta tenso, reordenando as dualidades sujeito-ambiente, sem recairnos determinismos sejam eles culturalistas ou biolgicos. Este divisor de guasentre a cultura e a biologia tem sido um elemento constituinte da prpria divi-so entre cincias humanas e cincias naturais. Ao situarem-se de um ou outrolado, os saberes contemporneos, sob o argumento da especializao, criaramum abismo no dilogo entre as cincias da natureza e as humanidades, o quetem culminado em posies reducionistas e defensivas, que vo eleger ora o

    arbitrrio da cultura ora a ordem da necessidade no plano biolgico comomatriz explicativa das determinaes do real.

    Ainda que o pensamento ecolgico em nvel prtico, parta da crtica aoobjetivismo cientfico e tenha tomado o sujeito cartesiano como emblema daruptura a ser superada por um pensamento holista e interdisciplinar, o quetemos visto que, mesmo no mbito dos movimentos ecolgicos, este intentoainda est longe de ser alcanado8. Entre as perspectivas ecolgicas que bus-cam manter esta tenso, sem reforar os reducionismos, permanece a questodos diferentes modos de lidar com o dualismo, seja para colaps-lo ou parareconfigur-lo. Esta no uma questo trivial, e mesmo que pensemos com(Latour 1993), ao nos advertir que jamais fomos modernos, referindo-se srelaes hbridas entre natureza e cultura, traar o horizonte de compreenso

    destas relaes uma questo que permanece em aberto. Apresentando oproblema de outro modo, o que tambm est posto a o tema da alteridade edo monismo. A pergunta, neste caso , em que medida, a negao de qualquerdualidade natureza e cultura, no resvalaria em uma perspectiva monista que

    pode levar ao colapso da alteridade?Em uma analogia com a metfora lacaniana, estas perguntas desenham o que

    poderia ser afita de Moebiusda questo ambiental, onde o debate percorre ora a

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    frente ora o verso desta fita, passando ora pela ruptura dicotmica, ora pela fusoe ora pela alteridade das relaes natureza e cultura, produzindo em cada umadestas dobras diferentes efeitos sociais e subjetivos, ticos, estticos e pedaggi-cos. sobre esta dimenso pedaggica de nossafita de Moebiusda virada ecol-gica que finalizamos este artigo, deixando em aberto as possibilidades de se pensaros desdobramentos deste debate no campo especfico da educao ambiental.

    Recebido em junho de 2009 e aprovado em setembro de 2009.

    Notas

    1 Em 2006 reuniram-se Donna Haraway, Richard Rorty, Isabelle Stengers no painel que sechamou Whiteheads Account of the Sixth DayPanel. Stanford Humanities Center, April,21, 2006. O debate retomou o pensador e matemtico Whitehead particularmente lembra-do aqui pelo seu questionamento da tradio objetivista propondo uma compreenso doseventos do mundo como uma realidade dinmica, processual onde o real mais bemdescrito como fluxo do que como cristalizao esttica. A retomada de Whitehead que jfora feita em livro por Stengers (19996 L effect whitehead) deslanchadora do debatesobre a tradio humanista da cincia, bem como do paradigma da linguagem (neste painelrepresentado por Rorty) para indicar que a conscincia de uma ecologia da prtica (stengers)e a comunicao no verbal nas relaes com no humanos (Haraway e seu trabalho sobrea comunicao entre ces e humanos) devem ser levadas em conta na cincia e na tecnologia.Latour, por sua vez, participa deste debate ao escrever o artigo What is Given in Experience?A Review of Isabelle Stengers Penser avec Whitehead: Une libre et sauvage cration de

    concepts(Latour, 2002), um longo comentrio sobre o livro de Stengers Penser avec

    Whitehead (Stengers, 2002). O dilogo entre Stengers, Haraway e Latour se publiciza napagina de Latour, onde se pode ver, especialmente entre Stengers e Latour a colaboraoem redes e projetos comuns.

    2 Aqui nos referimos obra de Freud de 1930 que em portugus traduzida por O malestar da civilizao. Freud denominou este seu trabalho primeiramente como Ainfelicidade na civilizao (Das Ungluck in der Kultur), alterando posteriormenteeste ttulo atravs da substituio da expresso Ungluck (infelicidade) por Unbehagen(desconforto). A traduo inglesa optou pela expresso: Civilization and its discontents.A traduo francesa optou porMalasie dans la civilizacin. A verso para portugus,mesmo baseando-se na obra em ingls, optou pela proximidade com a expresso emfrancs para intitular este ensaio como O mal estar da civilizao. Neste ensaioFreud no deixa dvidas sobre a impossibilidade da felicidade para a existncia huma-na, marcada pelo antagonismo irremedivel entre as exigncias da pulso que ele

    apresenta como um bloco de natureza inconquistvel constitutivo do humano e asrestries da civilizao.

    3 Tomando este conjunto das esferas da vida que so objeto de transformao quandoorientadas pela perspectiva ecolgica, seria possvel estabelecer uma analogia dosideais de vida ecolgica com a idia de dieta formulada no pensamento grego (diaeta).A analogia aqui no sentido da reedio de um conjunto de prescries que englobamodificaes em vrias esferas da vida como caminho para uma vida bela e boa, a vidavirtuosa, que se obtm pela ascese e pelo cultivo de si.

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    4Habitus um conceito formulado por Elias (1994, p.150) como a composio socialdos indivduos (...) o solo de que brotam as caractersticas pessoais mediante as quaisum indivduo difere dos outros membros de sua sociedade. Para Elias o habitusseriaa um estilo ou uma grafia mais ou menos individual que brota da escrita social.Bourdieu (1996) retoma o conceito e o utiliza como nexo fundamental na constituiodo campo social. Para Bourdieu o habitusmarca uma relao de cumplicidade ontolgicados agentes e o mundo social, que estrutura a percepo e a ao prtica dos agentesnum determinado campo. O habitusseria como um corpo socializado, um corpoestruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes do mundo ou de umsetor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepo dessemundo como a ao nesse mundo.(Bourdieu, 1977, p. 124)

    5 A idia de revelao Ingold desenvolve a partir de exemplos trazidos de etnografias degrupos humanos que compreendem sua existncia fora da oposio fundante dopensamento ocidental moderno entre natureza e cultura. Um exemplo disto est nashistrias que os Apaches contam. Estas, longe de atriburem significados sobre omundo, buscam na verdade fazer com que aqueles que as escutam, possam situar-sea si mesmos na paisagem. Contrapondo a perspectiva dos Apaches da semitica,Ingold conclui que as histrias, ajudam a des-cobrir o mundo, e no cobri-lo comcamadas de significado (Ingold, 2000, p. 208).

    6 A crtica a esta separao entre mente e natureza j aparece no conceito de menteecolgica de Bateson, onde o mundo mental no esta limitado pelas fronteiras da pele,mas se estende pela totalidade do sistema de relaes organismo-ambiente no qual oshumanos esto necessariamente imersos mais do que confinados dentro de corpo indi-viduais como se estivessem contra o mundo da natureza ou fora dele (Bateson, 1972)

    7 Avanando nesta direo, Ingold critica duramente a idia de ambiente global enquan-to um sentido que no se funda em um contexto relacional e perde a sintonia sensorialdesde o olhar daquele que percebe o mundo.

    8 Desde a perspectiva da Teoria de Gaia, por exemplo, se advoga uma guinada biocntricapara combater os males da civilizao moderna. Ao fazer isto, esta proposio incor-re na reificao do dualismo natureza e cultura, apenas deslocando a polaridade parao bios, em detrimento do antropos, o cncer do planeta a ser extirpado pelosmovimentos de Gaia. Este biocentrismo termina por reforar o reducionismo biolgi-co dentro do campo ecolgico.

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    Isabel Cristina Moura Carvalho doutora em educao (UFRGS) e professoraadjunta do Programa de Ps-Graduao da PUCRS.E-mail: [email protected]

    Carlos Alberto Steil doutor em antropologia (UFRJ) e professor adjunto doPrograma de Ps-Graduao em Antropologia da UFRGS.E-mail: [email protected]