O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA - SAR HIERONYMUS

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8/4/2019 O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA - SAR HIERONYMUS http://slidepdf.com/reader/full/o-homem-que-nao-sabia-nada-sar-hieronymus 1/6 SAR HIERONYMUS O HOMEM QUE NÃO SABIA NADA por Marco Antonio Coutinho Revista L’Initiation – No. 6 – Julho / Setembro 2002 – Língua Portugesa As manifestações do esoterismo tradicional no Ocidente devem muito a Emile Dantinne. Pouco conhecido das novas gerações de iniciados, Hiéronymus, como era chamado, foi a figura do mestre espiritual por excelência. Após fortalecer as mais importantes tradições esotéricas do mundo ocidental, ele retornou ao silêncio e à solitude que tanto amava, para terminar seus dias em estudo e meditação. Em 21 de maio de 1969, no interior da Bélgica, um ancião de nome Émile Dantinne aguardava a chegada da morte. Ao seu lado, velando por ele, sua filha Marie-Louise pôde ouvi-lo sussurrar as últimas palavras: "A gente não sabe nada... " É possível que aquele velhinho que acabava de falecer não soubesse realmente tudo. Afinal de contas, quem é que sabe? Mas naquele dia, com a morte de Dantinne, desaparecia também um homem que foi considerado um mestre entre os mestres, o Príncipe da Iniciação Ocidental: Sâr Hiéronymus. Da vida pessoal do mestre pouco se sabia, mesmo na época de sua maior influência, que se estendeu principalmente entre os anos 20 e 50. Durante esse período, a figura enigmática de Sar Hiéronymus aparecia tão somente por ocasião dos cenáculos e conventos secretos das ordens tradicionais, quando ele fazia valer sua autoridade e conhecimentos, para orientar os dirigentes das mais antigas confrarias de estudantes de mistérios do Ocidente. O Grande Mestre da AMORC para a França na época, Hans Grüter, inquietou-se com tanto mistério, e chegou a comentar numa carta: "Não conhecendo nem o seu nome profano, nem o seu endereço, perguntei ao nosso grande amigo Mallinger como poderia lhe fazer chegar uma palavrinha". Jean Mallinger era Sâr Elgin, braço direito de Hiéronymus, e um dos raros interlocutores do mestre que podia ter acesso à sua vida pessoal. Hiéronymus era secreto por natureza. Se, por um lado, aqueles que participavam de suas atividades iniciáticas nada conheciam sobre sua vida privativa, tampouco os que o conheciam pessoalmente sabiam qualquer coisa de suas atividades tradicionais. MESTRE ROSACRUCIANO, MARTINISTA E PITAGORICIANO Sâr Hiéronymus nasceu em 19 de abril de 1884, em Huy Sur Meuse, na Bélgica. Foi batizado na Igreja Católica Romana, à qual permaneceu fiel até o fim de seus dias. Embora tenha interrompido seus estudos aos dezesseis anos de idade, para sustentar a família, retomou-os mais tarde, na Universidade de Liège, onde tornou- se um especialista em línguas orientais. O nomem mysticum "Sâr Hiéronytrius", sob o qual ele ficou mais conhecido, era conseqüência direta de sua posição nos meios esotéricos europeus. Sâr, título reservado a alguns dirigentes ou iniciados de alto grau no mundo da iniciação, é de origem egípcia, e significa Filho do Sol (Sa = filho e R', ou Rá, ou ainda Rê = Sol). Ao lado desse título, os dirigentes que tinham o direito reconhecido de usá-lo apunham um nome sagrado. Assim, por exemplo, Harvey Spencer Lewis ficou conhecido como Sar Alden, Jeanne Guesdon como Sâr Puritia, e Léon Lelarge como Sar Agni. Quanto a Dantinne, continuou impessoal até na adoção de seu nome sagrado: Hiéronymus significa simplesmente... "nome sagrado"!

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SAR HIERONYMUSO HOMEM QUE NÃO SABIA NADA

por Marco Antonio Coutinho

Revista L’Initiation – No. 6 – Julho / Setembro 2002 – Língua Portugesa

As manifestações do esoterismo tradicional no Ocidente devem muito a EmileDantinne. Pouco conhecido das novas gerações de iniciados, Hiéronymus, comoera chamado, foi a figura do mestre espiritual por excelência. Após fortalecer asmais importantes tradições esotéricas do mundo ocidental, ele retornou ao silêncio eà solitude que tanto amava, para terminar seus dias em estudo e meditação.

Em 21 de maio de 1969, no interior da Bélgica, um ancião de nome Émile Dantinneaguardava a chegada da morte. Ao seu lado, velando por ele, sua filha Marie-Louisepôde ouvi-lo sussurrar as últimas palavras: "A gente não sabe nada... "

É possível que aquele velhinho que acabava de falecer não soubesse realmentetudo. Afinal de contas, quem é que sabe? Mas naquele dia, com a morte deDantinne, desaparecia também um homem que foi considerado um mestre entre osmestres, o Príncipe da Iniciação Ocidental: Sâr Hiéronymus. Da vida pessoal domestre pouco se sabia, mesmo na época de sua maior influência, que se estendeuprincipalmente entre os anos 20 e 50. Durante esse período, a figura enigmática deSar Hiéronymus aparecia tão somente por ocasião dos cenáculos e conventossecretos das ordens tradicionais, quando ele fazia valer sua autoridade econhecimentos, para orientar os dirigentes das mais antigas confrarias deestudantes de mistérios do Ocidente. O Grande Mestre da AMORC para a Françana época, Hans Grüter, inquietou-se com tanto mistério, e chegou a comentar numacarta: "Não conhecendo nem o seu nome profano, nem o seu endereço, pergunteiao nosso grande amigo Mallinger como poderia lhe fazer chegar uma palavrinha".Jean Mallinger era Sâr Elgin, braço direito de Hiéronymus, e um dos rarosinterlocutores do mestre que podia ter acesso à sua vida pessoal. Hiéronymus erasecreto por natureza. Se, por um lado, aqueles que participavam de suas atividadesiniciáticas nada conheciam sobre sua vida privativa, tampouco os que o conheciampessoalmente sabiam qualquer coisa de suas atividades tradicionais.

MESTRE ROSACRUCIANO, MARTINISTA E PITAGORICIANOSâr Hiéronymus nasceu em 19 de abril de 1884, em Huy Sur Meuse, na Bélgica. Foi

batizado na Igreja Católica Romana, à qual permaneceu fiel até o fim de seus dias.Embora tenha interrompido seus estudos aos dezesseis anos de idade, parasustentar a família, retomou-os mais tarde, na Universidade de Liège, onde tornou-se um especialista em línguas orientais. O nomem mysticum "Sâr Hiéronytrius", sobo qual ele ficou mais conhecido, era conseqüência direta de sua posição nos meiosesotéricos europeus. Sâr, título reservado a alguns dirigentes ou iniciados de altograu no mundo da iniciação, é de origem egípcia, e significa Filho do Sol (Sa = filhoe R', ou Rá, ou ainda Rê = Sol). Ao lado desse título, os dirigentes que tinham odireito reconhecido de usá-lo apunham um nome sagrado. Assim, por exemplo,Harvey Spencer Lewis ficou conhecido como Sar Alden, Jeanne Guesdon como Sâr Puritia, e Léon Lelarge como Sar Agni. Quanto a Dantinne, continuou impessoal até

na adoção de seu nome sagrado: Hiéronymus significa simplesmente... "nomesagrado"!

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Na vida civil Émile Dantinne era bibliotecário de sua cidadezinha, e funcionário do"Télégraphes et Téléphones". Essas atividades pareciam proporcionar-Ihe tudoaquilo de que necessitava: silêncio, estudo, tranqüilidade e anonimato. E foi nesseclima de vida quase monástica que Dantinne empreendeu sua fulgurante jornada

iniciática. Desde os primeiros estudos aos pés de seu mestre, Josephin Péladan(Sâr Merodack), até a venerável posição de Imperator da Rose+Croix da Europa,ele percorreu um caminho de muito sacrifício, muito estudo, e organizoudedicadamente as mais importantes ordens esotéricas na Europa. Dentre elas, aRosa-Cruz, o Martinismo e o Pitagorismo.

As atividades rosacrucianas de Dantinne foram herdadas diretamente de seu mestrePéladan. O discípulo reorganizou a obra empreendida por seu predecessor, atravésda Ordem Rosa-Cruz Universal, ou Interna, que era composta por três graus:Escudeiro, Cavaleiro e Comendador. Esta nomenclatura se explica facilmente. Aocontrário de algumas ramificações rosacrucianas igualmente importantes - que

acentuam mais a via do alquimista - a Rosa-Cruz de Hiéronymus enfatizava a viacavaleiresca. Para ele "a R+C é uma ordem de cavalaria cristã, fiel à tradição docristianismo, que se considera como a guardiã do Espírito Santo".

Para ingressar na Rosacruz Interna, no entanto, era necessário que os aspirantespassassem pelas provas de uma outra organização, concebida como uma espéciede átrio, de pátio externo, a Ordem Rosacruz Universitária, freqüentadaprincipalmente por estudantes, e composta de nove graus: Zelator, Theoreticus,Practicus, Philosophus, Adeptus Minor, Adeptus Major, Adeptus Exemptus, Magister Templi e Magus. Uma vez concluído o grau de Magus, o aspirante poderia postular admissão à Rosacruz Universal, ou Interna, sem ter qualquer certeza de que seriarealmente recebido. Hiéronymus foi também um alto iniciado na tradiçãopitagoriciana, e despertou na Europa a Ordem Pitagoriciana, a qual ficou tambémconhecida, na época, como Ordem Hermetista Tetramegista e Mística (O.H.TM.), ouainda Ordem de Hermes. A Ordem Pitagoriciana era coordenada pelo Quadrado daPerfeição, formado pelo Sublime Grão-Mestre da Ordem e seus três secretários ouSuperiores Incógnitos, e compunha-se de quatro graus. Os três primeiros - LojaPitagoriciana, Soberano Capítulo Ocultista e Grande Areópago Hermetista - erampresididos, cada um, por um dos Superiores Incógnitos. O quarto e último grau -Sublime Consistório Luminoso - funcionava sob a supervisão direta do próprio Grão-Mestre da Ordem. Tardiamente, Dantinne foi iniciado nos ritos do Martinismo.

Primeiramente na Ordem Martinista e Sinárquica, e depois na Ordem MartinistaTradicional (no Brasil, Tradicional Ordem Martinista). Entretanto, até hoje pairamdúvidas sobre uma eventual filiação do mestre à Maçonaria. Alguns historiadoressugerem que Dantinne veria com maus olhos a abolição do conceito do GrandeArquiteto do Universo por determinados grupos maçônicos europeus(particularmente na França), mas que poderia ter-se filiado a um dos ritos de Mênfis-Mizraim, eminentemente místicos e diretamente ligados à tradição esotérica doAntigo Egito.

SACERDOS IN AETERNUMDe todo modo, durante muitos anos, Émile Dantinne animou as atividades

tradicionais da velha Europa, e dedicou-se profundamente às suas pesquisaspessoais. Ele era um especialista na Medicina Espagírica, uma forma de arte

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terapêutica baseada nos princípios da alquimia. Conhecia também em profundidadeos princípios do magnetismo psíquico (perito que deram origem à moderna hipnose)e a arte da radiestesia. Conta-se mesmo que, durante a 2a Guerra Mundial, ele teriacolaborado com a Resistência, colocando seus conhecimentos radiestésicos a favor de seu amigo Léon Lelarge (Sâr Agni), membro destacado na luta contra os

nazistas, para ajuda-lo nos projetos de sabotagem e destruição ferroviária.

A respeito de suas habilidades psíquicas, seu principal discípulo, Jean Mallinger (Sâr Elgin), conta algumas passagens bastante curiosas. A respeito de uma delas,Mallinger diz: "Ele possuía um dom singular, que seu falecido amigo Léon Lelarge eeu mesmo pudemos verificar com nossos próprios olhos: podia fazer parar rapidamente a chuva e enviar as nuvens para outra região. Sem dúvida, istoparecerá inverossímil para alguns; entretanto, com a melhor boa fé só posso dizer que vi!"

Mas o maior dos mistérios relativos a Sâr Hiéronymus aconteceu num belo dia de

maio de 1933 e deixou sem ação mesmo os seus discípulos e colaboradores maisíntimos. De repente, sem qualquer explicação, ele decide abandonar tudo! Resolvecessar todas as suas atividades esotéricas, sem dizer em nenhum momento oporquê desse estranho gesto. Numa carta a Lelarge, Jean Mallinger dá uma idéia dodesespero que tomou conta de todos. "Eu Ihe perguntei francamente a respeito - dizMallinger. Esta notícia, vinda de um iniciado que é sacerdos in aeternum parece-metão surpreendente, que prefiro acreditar numa prova cruel". A resposta deHiéronymus é uma só: "Tratai de sondar o insondável que nos dá a mão por sobre omuro".

Não se sabe ao certo o que aconteceu. Se foram os insistentes pedidos dosdiscípulos, ou o fruto de suas reflexões pessoais, mas o fato é que Hiéronymusvoltou atrás em sua decisão. Da mesma forma repentina, e sem qualquer explicação. Na verdade, ele saiu da crise com um estranho e renovado vigor. Dáuma nova dimensão ao esoterismo na Bélgica, intensifica seus contatos com osconfrades além das fronteiras de seu país e mesmo do continente, e dá nascimentoàquilo que ficaria conhecido como a grande obra de sua vida: a FederaçãoUniversal das Ordens e Sociedades Iniciáticas - FUDOSI .

OS PRIMEIROS PASSOSNa verdade, Hiéronymus já vinha aprofundando, desde alguns anos antes, seus

laços de amizade com representantes de outras ordens esotéricas. Dentre essescontatos, destacaram-se especialmente os mantidos com Harvey Spencer Lewis -Imperator de um ramo rosacruciano das Américas, a AMORC - e com FrançoisJollivet Castelot, homem de profunda visão social e presidente da SociedadeAlquímica de França. Desses contatos surge, então, uma estreita ligação e, logo,uma franca colaboração, que serão as bases apropriadas para a formação daFUDOSI. Num gesto de reconhecimento, Hiéronymus oferece a Lewis um diplomade honra da Faculdade Livre de Filosofia Iniciática, sob os auspícios da OrdemSoberana da Rosa+Cruz Ocultista e Dourada, e da R+C Universitária da Bélgica,onde atesta os conhecimentos do Imperator R+C das Américas no HermetismoEgípcio, na Ciência Oculta e Cabalística, e na Magia Ritual, manifestados no

interesse da humanidade. A seguir, inicia Spencer Lewís no 13° Grau R+C, e dá osprimeiros passos, abrindo as atividades do Convento Internacional das Ordens e

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Fraternidades Iniciáticas, do qual participam apenas as ordens rosacrucianas.Pouco depois, faz abrir o Convento do Supremo Conselho Internacional da OrdemMaçônica de Mênfis-Mizraim. Paralelamente, acontece uma assembléia martinista,durante a qual Hiéronymus e Lewis, juntos, são recebidos na Ordem Martinista eSinárquica. Todas essas preliminares dão nascimento à FUDOSI, que trabalha sob

a coordenação de um conselho supremo especialmente eleito e composto de trêsimperatores: Sâr Hiéronymus (Émile Dantinne, Imperator da Europa), Sar Alden(Harvey Spencer Lewis, Imperator das Américas) e Sâr Yésir (Victor Blanchard,Imperator para o Oriente e para as ordens afiliadas).

VOLTANDO AO SILÊNCIOA FUDOSI realizou o seu trabalho durante dezessete anos, e foi particularmentemaltratada durante a 2a Guerra Mundial, com a perda de alguns de seus oficiais,mortos em combate, nos campos de concentração, ou pela Gestapo, sob tortura.Mas para Dantinne, o final da Guerra foi especialmente árido. Por um mal-entendido, e sob o calor e o entusiasmo da libertação, ele foi injustamente acusado

de colaborar com os nazistas. Os mais afoitos cortaram rente e à força a sua bemcuidada barba, e Dantinne não reagiu. Chocado com a acusação, ele apenaschorava copiosamente, sem conseguir falar. Foi a julgamento e seu advogado,Jean Mallinger (Sâr Elgin), provou diante de todos que Dantinne não apenas estavaacima de tão sórdida acusação, como havia participado ativamente da Resistência.Ele aceitou silenciosamente os pedidos oficiais de perdão por parte do governobelga, mas nunca mais quis retomar o cargo de bibliotecário de Huy Sur Meuse, doqual fora suspenso durante o processo e que tentaram lhe devolver rapidamente,depois de sua absolvição.

Com a dissolução da FUDOSI, no início dos anos 50, Hiéronymus desapareceunovamente no silêncio e no anonimato que ele tanto amava. Ao que se diz, viveuseus últimos dias estudando e meditando em Huy Sur Meuse, talvez ao lado de suafilha Marie-Louise e alguns poucos discípulos, não na solidão, mas na solitude queparecia ser a sua vocação. Certamente viu com satisfação os resultados de seutrabalho florescerem nos anos que se seguiram, seus ideais de transformação socialpela cultura e pelas artes tradicionais. E foi talvez assim satisfeito que, no dia 21 demaio de 1969, com a idade de 85 anos, Émile Dantinne, Sâr Hiéronymus, "o homemque não sabia nada", tratou de “sondar o insondável que nos dá a mão por sobre omuro”.

FUDOSI - uma federação de iniciadosEm 14 de agosto de 1934, representantes de quatorze das mais importantesfraternidades tradicionais do Ocidente reuniam-se em Bruxelas, Bélgica. Estavamabertos os trabalhos da Federatio Universalis Dirigens Omnes OrdinesSocietastesque Initiationis, chamada mais correntemente Federação Universal dasOrdens e Sociedades Iniciáticas, a FUDOSI. Representadas nesse convento deabertura figuravam as seguintes ordens: Ordem da Rosa-Cruz Universal (ouInterna), Ordem Cabalística da RosaCruz, Confraria dos Irmãos Iluminados daRosa-Cruz, a AMORC da América e seu círculo de cavaleiros da Militia CruciferaEvangelica, a Ordem Antiga e Mística da Rosa-Cruz (Suíça), Sociedade Alquímicade França, Ordem dos Samaritanos Incógnitos, Ordem Hermetista Tetramegista e

Mística (ou Ordem Pitagoriciana), Ordem Martinista e Sinárquica, Fraternidade dosPolares, Ordem Maçônica Oriental de Mênfis-Mizraim (chamada da "estrita

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observância") e Ordem Maçônica Mista de Mênfis-Mizraim. Constituído um SupremoConselho Consultivo, formado por doze membros das ordens representadas, esteprocedeu à eleição dos três imperatores da Federação, e foi organizada umaGrande Chancelaria, por meio da qual Marc Lanval (Sâr Hélios) possibilitaria acomunicação constante entre as fraternidades-membros.

A FUDOSI foi a concretização de um sonho de Gérard Encausse (Papus), projetadoem 1908, por ocasião do Congresso Espiritualista, que o falecido mestre haviapresidido. Suas principais metas eram, por assim dizer, a separação do joio e dotrigo, numa época em que – mais ou menos como acontece hoje – aventureiros, deboa ou má-fé, criavam a seu bel prazer ordens “iniciáticas”sem qualquer fundamento e sem quaisquer raízes tradicionais no passado. Além disso, osdelegados da Federação pretendiam também colaborar para a transformação social,através da cultura, da ciência, dos princípios esotéricos e das artes tradicionais.

Mas nem tudo foram flores na vida da FUDOSI. Além das agruras da 2a Guerra

Mundial - que perseguiu duramente a Federação, forçando-a à clandestinidade -houve conflitos internos que culminaram em pelo menos três expulsões e, maistarde, em pelo menos uma reconciliação. Entretanto, apesar desses poucosembates, o organismo prosseguiu em harmonia os seus trabalhos até 14 de agostode 1951. Nesse meio-tempo, outras ordens ingressaram nos trabalhos, e algumasse afastaram. Um dos imperatores - Harvey Spencer Lewis (Sâr Alden) - faleceuprematuramente e foi substituído por seu filho, Ralph Maxwell Lewis (Sâr Validivar).A dissolução da FUDOSI, depois de dezessete anos de atividades, foi conseqüênciada conclusão, pelos delegados, de que ela já havia cumprido o seu papel e nãotinha mais motivos para continuar ativa. Alguns incidentes contribuíramparticularmente para essa evidência. Um deles foi a discordância entre Sâr Hiéronymus e Sar Validivar a respeito de um ponto doutrinário importante: adisposição dos corpos físicos dos iniciados, após o seu falecimento. Para Validivar,assim como para a AMORC, o mais recomendável seria a cremação, uma maneirarápida, simples e eficiente de se cumprir o ciclo natural de dissolução. ParaHiéronymus - e para a R+C Universal - a cremação era um processo rápido demaispara a consciência em desprendimento final, e deveria ser evitada. Longe deconsiderarem esses e outros incidentes como rivalidades, os dois imperatores,assim como os demais delegados da Federação, chegaram à conclusão de que aFUDOSI poderia, a partir daí, correr o risco de fazer uma organização prevalecer sobre a outra, contrariando dessa forma os seus próprios estatutos, que previam

total independência das ordens-membros.Assim, assinaram a ata de dissolução os representantes das seguintes ordens - quecompunham então a FUDOSI em sua fase final: Ordem da RosaCruz Universal,Ordem da Rosa-Cruz Universitária, Ordem Pitagoriciana, Ordem Martinista eSinárquica, AMORC, Ordem Martinista Tradicional, Igreja Gnóstica Universal,Sociedade de Estudos e Pesquisas Templárias, Ordem Cabalística da Rosa-Cruz,Sociedade de Estudos Martinistas, União Sinárquica da Polônia e a Militia CruciferaEvangelica.

Hoje em dia, pouco se sabe a respeito da sobrevivência dessas organizações.

Algumas foram legal e tradicionalmente absorvidas pela AMORC, para escapar aum possível desaparecimento, pelas limitações do pós-guerra. Este seria, por 

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exemplo, o caso da Rosa-Cruz Universitária, que estaria perpetuada na AMORCatravés da sua Universidade Rose-Croix. A Ordem Pitagoriciana encontra-serepresentada hoje em alguns poucos grupos: apresenta uma ressonância muitoespecífica na OSTI (uma expressão atual da antiga Ordem do Templo), em algunscenáculos muito secretos espalhados pela Europa notadamente Suíça, Bélgica e

Itália - e perpetua-se também pela própria Ordem Hermetista Tetramegista e Mística(dita Ordem de Hermes, ou Ordem Pitagoriciana), que mantém grupos fechados naBélgica. Há ainda uma carta patente em poder da AMORC, que dá a esta ordempoderes para reconstituição de um ramo da tradição de Pitágoras. Esse documentofoi concedido, ainda nos tempos de atividade da FUDOSI, ao próprio HarveySpencer Lewis. Entretanto, ao que tudo indica, jamais foi formalmente utilizado, aomenos como ordem devidamente constituída. Quanto à Militia Crucifera Evangélica,sabe-se que trabalhou até há pouco tempo junto à AMORC como um restrito círculode cavaleiros, com funções exclusivamente operativas e militantes.

Dos movimentos martinistas, o mais ativo é a Ordem Martinista Tradicional, que

atua hoje sob parrainage da AMORC. Embora em menor escala - mas comatividades igualmente importantes - a Ordem Martinista e Sinárquica encontra-setambém presente nas Américas e na Grã-Bretanha. Quanto à União Sinárquica daPolônia, parece ter desaparecido completamente, embora haja quem lhe atribuauma participação secreta nas grandes transformações sociais polonesas da décadade 80. O Martinismo permanece ativo também por meio dos círculos martinistaslivres, uma forma bastante tradicional de organização, mas cuja participação naFUDOSI foi aparentemente inexistente. No que toca à Rosa-Cruz Universal, deHiéronymus, nunca mais se ouviu falar dela. Mas há autores que sugerem que aOrdem teria entrado não num adormecimento, mas em silêncio, e existiria até hoje,de forma muito secreta, sob uma fachada talvez editorial. Segundo Gérard Galtier,ela teria sobrevivido à FUDOSI, e funcionaria hoje sob a forma de círculosautônomos e confidenciais, e também por meio de livres iniciadores, trabalhandoisoladamente, que se encontram com seus confrades apenas de tempos emtempos. A revista belga L’lnconnues, hoje não mais publicada, teria sido uma desuas manifestações externas.

No final do século passado, mais especificamente nos anos 80, algumas ordenstradicionais - agora não apenas do Ocidente, mas também do Oriente Médio, doExtremo Oriente e da África Negra - teriam dado início a conversações, no sentidode criarem uma nova federação. Tratava-se da FIMIT (Féderation Internationale des

Mouvements Initiatiques et Traditionnels). Não se sabe que rumo tomaram taisentendimentos. É possível que os dias de hoje - um pouco abusivos, é verdade -exijam a existência de uma nova FUDOSI. Mas talvez seja preciso que surja alguémà altura de Émile Dantinne, para empreender, com sabedoria e justiça, um trabalhoque poucos homens, além de Sâr Hiéronymus, poderiam realizar.

Matéria inédita publicada pela primeira vez na edição lusófona de L’Initiation.