O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

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O IMIGRANTE: UM OLHAR ARQUETÍPICO ANA MARÍA SALAZAR VILLEGAS Psicóloga, Especialista em Psicoterapia e em Psicologia Analítica. Atualmente em formação de analista do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro I. Introdução a) Tema Relação entre os arquétipos próprios das etapas da viagem do herói e o processo de adaptação dos estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro. b) Delimitação do tema Os processos de adaptação dos estrangeiros são diversos e influenciados por muitos fatores. A idade, o sexo, o país de origem, a atividade a desempenhar ou as razões para viajar, a situação emocional, espiritual, econômica, familiar e social antes e depois da viagem, são todos fatores que de alguma maneira determinam a experiência de cada pessoa que enfrenta a situação de ser imigrante.

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La experiencia del inmigrante puede ser vista como una vivencia altamente enriquecedora y fundamental en su proceso de individuación. En ese sentido, es posible comparar esta experiencia con el viaje del héroe, como una metáfora sobre el desarrollo psicológico y la búsqueda de la individuación. Este estudio busca explorar el fenómeno de la inmigración por medio de una metodología cualitativa basada en dos estudios de caso, sobre el proceso de adaptación de estudiantes latinoamericanos que viven en Rio de Janeiro. Este trabajo exploratorio permitió observar que, aunque son muchos los arquetipos que están en juego, cuatro de ellos fueron fundamentales en el proceso de adaptación de los entrevistados: el Huérfano, el Buscador, el Gobernante y el Sabio.Los resultados sugieren que la identificación de los arquetipos constelados en el proceso de adaptación, puede ayudar a focalizar las actividades de programas de apoyo dirigidos a inmigrantes en situación de riesgo psicológico.

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O IMIGRANTE: UM OLHAR ARQUETÍPICO

ANA MARÍA SALAZAR VILLEGASPsicóloga, Especialista em Psicoterapia e em Psicologia Analítica.

Atualmente em formação de analista do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro

I. Introdução

a) Tema

Relação entre os arquétipos próprios das etapas da viagem do herói e o processo de

adaptação dos estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro.

b) Delimitação do tema

Os processos de adaptação dos estrangeiros são diversos e influenciados por muitos

fatores. A idade, o sexo, o país de origem, a atividade a desempenhar ou as razões

para viajar, a situação emocional, espiritual, econômica, familiar e social antes e

depois da viagem, são todos fatores que de alguma maneira determinam a

experiência de cada pessoa que enfrenta a situação de ser imigrante.

A presente monografia pretendeu encontrar as relações entre os arquétipos

relacionados com cada etapa da viagem do herói de Campbell com o processo de

adaptação de estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro.

c) Problema

Tendo em vista a diversidade dos processos de adaptação dos estudantes

estrangeiros no Rio de Janeiro:

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a) Quais os fatores associados ao êxito ou fracasso desse processo.

b) Como se relacionam os arquétipos das etapas da viagem do herói com esse

processo.

d) Objetivos

Geral

Identificar as relações entre os arquétipos relacionados com cada etapa da viagem do

herói de Campbell com o processo de adaptação dos estudantes estrangeiros no Rio

de Janeiro.

Específicos

Aprofundar nos fatores que facilitam o processo de adaptação dos estudantes

estrangeiros no Rio.

Aprofundar nos fatores que obstaculizam o processo de adaptação dos

estudantes estrangeiros no Rio.

Identificar os arquétipos que são ativados nesse processo.

Identificar as relações entre esses arquétipos e o processo de adaptação.

e) Justificativa

Os processos e situações vividos pelas pessoas que moram num país diferente ao

próprio são tão diversos como os mesmos indivíduos. Porém, existem elementos que

todas as pessoas que têm passado ou estão passando por essa situação encaram.

Esses elementos têm a ver com o sentido de pertencia, o arraigamento e a própria

individuação. Aprofundar nesse fenômeno desde a perspectiva junguiana, pode ajudar a

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compreender os processos psicológicos e espirituais que se experimentam nessa

situação e definir elementos importantes nos programas de apoio para imigrantes.

Tendo em vista a alta porcentagem de estudantes estrangeiros no Rio de Janeiro, se

trabalhou com essa população específica.

f) Metodologia

Pesquisa bibliográfica e pesquisa qualitativa.

Amostra

Foram realizadas duas entrevistas com estudantes estrangeiros da América Latina, que

atualmente se encontram realizando seus estudos no Rio de Janeiro.

Instrumentos

Entrevista semi-estruturada: Se desenhou um instrumento semi-estruturado de

entrevista.

Índice de Mitos Heróicos: Como complemento à informação obtida nas entrevistas,

se aplicou esse questionário, que permite identificar arquétipos ativados,

relacionados com as etapas da viagem do herói.

Análise de resultados

Por se tratar de informação principalmente qualitativa, os resultados foram processados

e analisados utilizando o software Atlas Ti, a partir da definição de categorias

previamente definidas e categorias emergentes.

Os resultados do Índice de Mitos Heróicos foram processados e analisados segundo o

manual do instrumento.

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1. Características do processo de adaptação do imigrante

As complexas problemáticas sociais dos países latino americanos e o desenvolvimento

acelerado da globalização têm levado a que o fenômeno da imigração seja um dos mais

comuns de nosso continente. Anualmente milhares de pessoas transladam-se de seu país

de origem para um novo destino.

As razões que levam às pessoas a imigrar são muitas e compreendem desde

problemáticas de refugiados por causas de guerra, deslocamento pela violência ou crises

políticas, até oportunidades de trabalho e intercambio acadêmico ou cultural.

I.1 Alguns conceitos relacionados

Para começar, é importante definir alguns dos conceitos relacionados com esse

fenômeno. Em primeiro lugar, emigrante e imigrante são duas formas de se referir à

mesma situação, mas desde diferentes pontos de vista. Para uma pessoa nascida e

residente no país de origem do migrante, trata-se de alguém que emigra para outro país,

enquanto para quem tem nascido no país de destino e mora nele, o estrangeiro é um

imigrante.

Além disso, é necessário diferenciar o migrante de outras categorias como viajante ou

turista. Para Grinberg e Grinberg (1994) a migração supõe o deslocamento de um lugar

para outro suficientemente distante, por um tempo suficientemente prolongado como

para morar nele e desenvolver atividades da vida cotidiana.

Segundo esses autores, pode se falar de migrantes voluntários e migrantes forçados,

sendo os primeiros aqueles que viajam pela sua vontade, e os segundos aqueles que

precisam abandonar seu país para proteger a sua integridade ou a de sua família e

pessoas próximas. Dentro da primeira categoria estão os estudantes, tema do presente

estudo.

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Por outra parte, o fenômeno da migração supõe uma serie de processos de adaptação

onde é precisa a negociação e a interação com o novo meio para se ajustar a ele e

desenvolver uma “nova identidade”.

Nesse sentido, a identidade é o “conjunto de auto-representações que permitem que o

indivíduo sinta-se, por uma parte como semelhante e pertencente a determinadas

comunidades de pessoas e por outra parte, diferente e não pertencente a outras”

(Achotegui, 2002: 2).

O processo de adaptação pode implicar altos níveis de estresse no imigrante e

geralmente um doloroso processo de luto frente às pessoas e pertenças deixadas atrás.

Segundo Achotegui (2004), o estresse é um desequilíbrio substancial entre as demandas

ambientais e as capacidades de resposta do sujeito.

À sua vez, o luto é entendido como o processo de reorganização da personalidade que

acontece quando o indivíduo perde algo significativo para ele. Pode se dizer então que o

luto é um estresse prolongado e intenso e sua elaboração envolve a totalidade da

personalidade do indivíduo.

I.2 O luto migratório

Embora os processos de luto causados pela morte de uma pessoa próxima não sejam

totalmente comparáveis ao luto migratório, trata-se em todo caso de um

desprendimento, muitas vezes forçoso, do cotidiano do imigrante.

O luto é necessário para o imigrante, mas não se apresenta do mesmo jeito em cada um

deles. Gonzáles Calvo (2006) chama de “luto migratório” à situação de perdas

psicológicas e sociais que tem que afrontar o imigrante. Esse luto pode ser “simples”

quando a migração é realizada em boas condições para a pessoa, encontrando um

ambiente acolhedor que facilita a inclusão e o desenvolvimento do projeto migratório.

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Mas o luto pode ser também “complicado” quando as circunstâncias pessoais e sociais

dificultam a elaboração das perdas e do projeto migratório. Nesse caso, podem se

apresentar dificuldades de adaptação tão fortes que exista um perigo para a saúde

mental do imigrante.

Segundo Achotegui (2002), o imigrante tem que vivenciar sete lutos: a família, os

amigos, a linguagem, a cultura, a terra, o nível social e o contato com o grupo étnico.

Todos esses elementos estão associados a memórias e afetos que levam a que o

desprendimento seja difícil desde o ponto de vista psicológico.

I.3 Etapas do processo de adaptação

Embora sejam muitas as circunstâncias que vão definir a maneira como se desenvolve o

processo de adaptação ao novo meio, existem características comuns à vivência do

estrangeiro que emigra a um novo país.

Segundo Arnal (2004), a migração como processo de adaptação compreende

necessariamente dois momentos. Em primeiro lugar uma adaptação espacial que visa

preservar a identidade cultural, econômica, familiar, etc. O segundo momento consiste

na integração à nova sociedade ou o ambiente que o recebe.

Trivonovitch (1980), por sua parte, identificou quatro etapas que normalmente

aparecem em pessoas que estão se ajustando em um novo contexto cultural:

Lua de mel: etapa de empolgação, surpresa e felicidade frente às novidades

do ambiente.

Hostilidade: etapa de frustração, raiva, ansiedade, medo, tristeza ou

depressão. A pessoa se sente alheia à nova cultura e julga as diferenças como

algo negativo.

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Integração: A pessoa se sente mais cômoda com seu meio, não tem tantas

dificuldades e sente que pode ter controle sobre as situações, o que traz

consigo um relaxamento frente ao meio.

Lar: A pessoa se adapta exitosamente à nova cultura e começa a se sentir na

sua casa.

Essas etapas se apresentam de diversas maneiras e os tempos em que acontecem mudam

segundo diferentes variáveis e características de cada indivíduo. Algumas pessoas não

vivenciam todas as etapas ou não conseguem se sentir na quarta etapa nunca.

Pela sua parte, Grinberg e Grinberg (1994), desde uma perspectiva mais clínica,

propõem as seguintes etapas:

1. Existem sentimentos de intensa dor associados a tudo o que foi abandonado ou

perdido, o medo ao desconhecido e vivências profundas de solidão, carência e

desamparo. É possível que esta etapa esteja acompanhada ou seja substituída por um

estado maníaco no qual o imigrante magnífica as vantagens da mudança e minimiza

sua transcendência.

2. Depois de um tempo determinado se apresentam sentimentos de saudade e o

imigrante começa a reconhecer sentimentos antes dissociados ou negados por serem

dificilmente tolerados, e a viver sua dor ao mesmo tempo em que começa a ser mais

accessível à incorporação lenta e progressiva dos elementos da nova cultura. A

interação entre o mundo interno e o mundo externo se torna mais fluida.

3. Recuperação do prazer de pensar, desejar e fazer projetos para o futuro, em relação

com o qual o passado já não é vivenciado como “paraíso perdido”, sem que interfira

na possibilidade de viver plenamente o presente. Nessa última etapa pode-se falar de

um “sentimento de identidade remodelado”.

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Embora essas etapas sejam só um intento por compreender o processo de adaptação dos

imigrantes, não se pode afirmar que se apresentem nessa ordem ou de igual forma de

indivíduo a indivíduo. Isso é devido a que existem muitos fatores associados com a

vivência da mudança e assimilação da nova vida.

I.4 Fatores associados

Tendo em vista a complexidade desse fenômeno, poderia se falar de fatores internos,

associados ao indivíduo e fatores externos prévios e posteriores à experiência no novo

país de residência.

Podemos definir os fatores internos como aqueles que estão associados com as

características demográficas tais como idade, sexo, escolaridade, estado civil e

profissão. Além disso, compreendem os recursos pessoais e psicológicos como a

capacidade de responder a situações de estresse, capacidade de estabelecer relações

sociais, maturidade ao nível emocional e intelectual, crenças ou papel da espiritualidade

e situação afetiva atual, entre outros.

Os fatores externos anteriores à viagem têm a ver com o país de origem, a atividade ou

oficio que se desempenha, as razões para viajar, características do grupo familiar,

desempenho profissional ou acadêmico.

Depois da viagem influem, entre outras variáveis, o país de destino, as redes de apoio, o

nível de integração social, as condições de vida, satisfação no trabalho ou estudo ou a

atividade que se desempenhe, a nova língua, a situação econômica, ter a possibilidade

de retorno e ter relações interpessoais satisfatórias.

Alguns dos fatores que facilitam a adaptação serão ampliados no ítem 1.7

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I.5 A síndrome de Ulisses

No nível clínico, a condição do imigrante pode gerar problemas psicológicos diversos,

até o ponto que em países com altos níveis de imigração, alguns pesquisadores têm

começado a trabalhar sobre as incidências clínicas dessa problemática. Nesse sentido,

tem se proposto a Síndrome de Ulisses, como o conjunto de sintomas que se apresentam

nas pessoas em situação de imigração que têm um nível de estresse maior à sua

capacidade de adaptação. Desse jeito, a problemática é agora reconhecida como uma

condição clínica que atinge milhares de imigrantes em situação de risco psicológico e

está começando a se considerar como prioridade de saúde pública.

Embora a apresentação dos sintomas esteja influenciada por aspectos culturais do

imigrante, em geral pode se falar de desequilíbrios na área emocional, na área da

ansiedade, na área da somatização e na área confusional. Tristeza, choro, culpa, idéias

de morte, tensão, nervosismo, preocupações excessivas e recorrentes, irritabilidade,

insônia, dor de cabeça, fatiga, problemas de memória, atenção e desorientação, são

alguns dos sintomas mais comuns nessa situação.

Segundo Gonzáles Calvo (2006) a tristeza é o mais comum dos sintomas, acompanhado

geralmente pelo choro, mas a culpa se apresenta com maior freqüência nos imigrantes

provenientes de países ocidentais e o que tem a ver com que esse sentimento de culpa é

uma relação importante com a religião e o temor ao castigo.

Por outra parte, os problemas confusionais podem até chegar a um nível psicótico,

levando o indivíduo a uma perda do sentimento de identidade e a uma desorientação no

tempo e no espaço, sendo esse o quadro mais comum nos imigrantes hospitalizados

(Grinberg e Grinberg, 1994).

Esses mesmos autores destacam uma das problemáticas mais comuns nos imigrantes

que conseguem uma rápida adaptação ao novo país. Eles parecem se adaptar às

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características, hábitos e demandas pouco depois da sua chegada. Arrumam trabalho,

aprendem o idioma e estabelecem um lugar para morar. Nos primeiros dois ou três anos

de permanência estão num estado de aparente equilíbrio psíquico e físico e até podem

conseguir êxitos profissionais e sociais. Mas depois caem num estado de profunda

tristeza e apatia, quando finalmente poderiam estar desfrutando dos seus sucessos.

Esse quadro é chamado de Síndrome da Depressão Postergada que se apresenta em

alguns casos nos que as defesas maníacas que têm permitido a adaptação inicial,

desaparecem.

Em outros casos, a depressão postergada pode ser substituída por manifestações

somáticas graves de tipo digestivo, respiratório e circulatório.

I.6 Mecanismos de adaptação

Neste ponto é importante falar sobre esses mecanismos que permitem a adaptação do

indivíduo em situação migratória. A psique se protege por meio de defesas de diferentes

tipos, que fazem possível que o indivíduo não perca seu sentido de identidade e o ego

mantenha seus limites apesar das ameaças do ambiente. Com esse fim, a pessoa pode se

aferrar a seus padrões culturais, seus costumes, sua língua, sua comida, sua música, se

negando a incorporar os padrões culturais do novo país. Por exemplo, é comum o caso

das pessoas que não aprendem o novo idioma apesar de ter passado anos no país, ou que

só se relacionam com pessoas de seu país de origem e não geram vínculos com quem

tem nascido no país de residência. Desse jeito, o lugar de origem é sobre-dimensionado,

atrasando a reestruturação necessária da identidade.

Também são comuns os comportamentos regressivos de queixa e raiva frente às

múltiplas situações que experimenta o imigrante. Esses comportamentos regressivos não

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necessariamente são demonstrações de imaturidade mas sim uma reação de proteção da

psique frente às ameaças e o estresse causado pela interação com o ambiente.

Adicionalmente, os objetos inanimados também têm um papel importante na proteção

da identidade, e é por isso que muitos imigrantes viajam com objetos que não são

necessários, mas que possuem um valor emocional. Muitas vezes trata-se de objetos

grandes e difíceis de transportar como móveis, adornos, bonecos, etc.

Achotegui (2002, p. 15) coloca que os mecanismos de defesa ativados no imigrante são

parecidos com os mecanismos de defesa próprios da situação de luto. Esses mecanismos

são:

Negação: Tendência a desconhecer os sentimentos e evitar confrontar a

realidade emocional. Ex.“tudo é igual no meu país”, “as mudanças não me

afetam”.

Projeção: Atribuição de características próprias aos outros. Ex: “aqui a gente é

diferente”, “no meu país não somos tão mal intencionados”.

Idealização: Tendência a olhar de um jeito mais positivo, situações, pessoas,

lugares ou elementos, acrescentando valor a eles. Ex: “Meu país é o mais

bonito do mundo”, “aqui sim se vive bem”.

Animismo: Atribuir uma conotação humana a aspectos ou elementos

inanimados. Ex: “O país está sofrendo”, “O idioma é poético e musical”.

Formação reativa: Fazer o contrário do que demanda o impulso para ser aceito.

Ex. Apresentar atitudes racistas frente a pessoas da mesma origem.

Racionalização: Separar o componente afetivo do cognitivo para evitar o

sofrimento. Ex: “Aqui tenho mais e melhores oportunidades e não existe razão

para voltar”.

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No entanto, existem fatores que facilitam ou dificultam o processo de adaptação. Não é

o mesmo passar por esse processo quando existem condições favoráveis para

desenvolver o projeto migratório.

I.7 A adaptação do imigrante voluntário

A adaptação dos imigrantes que viajam com um projeto acadêmico, difere daqueles que

o fazem por necessidade econômica ou por razões de segurança. Como se falou

anteriormente, os estudantes correspondem à categoria de imigrantes voluntários, que

são nosso eixo de interesse.

Os sintomas da síndrome de Ulisses, mencionados anteriormente, podem apresentar-se

de um jeito muito menos intenso e em alguns deles podem até nem aparecer, quando o

estudante encontra circunstâncias favoráveis de integração e começa a conseguir as

metas de seu projeto migratório. Esses fatores ajudam à reestruturação da identidade de

uma maneira mais tranqüila e simples.

Grinberg e Grinberg (1994, p. 65) mencionam que se a personalidade do imigrante tem

sido sã, as motivações da migração racionais (embora sempre existam motivações

inconscientes), as condições nas que tem-se realizado adequadas e o novo meio

razoavelmente acolhedor, será capaz de aprender o novo da experiência e valorizar os

aspectos positivos do novo país, o que fará possível um enriquecimento psicológico e

um ajuste real ao meio.

Não é que o imigrante voluntário não tenha que passar pelos mesmos lutos do que o

imigrante forçado, mas o processo pode ser totalmente diferente para eles. Pouco a

pouco, o indivíduo começa a se familiarizar com seu novo ambiente e a criar vínculos

com os lugares e pessoas, e começa a sentir como próprios muitos dos aspectos que ao

princípio pareciam alheios e ameaçantes.

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Um fator que marca uma diferença muito importante do nível psicológico entre os

imigrantes voluntários e os imigrantes forçados, é a possibilidade de retorno ao país de

origem. Embora a pessoa não tenha planejado voltar, a certeza de que pode retornar

permite que não se sinta desarraigado. Essa perspectiva é tranqüilizante e permite que o

imigrante possa apreciar e desfrutar do empreendimento de sua nova aventura. O

estabelecimento de um limite de tempo para o retorno também ajuda a viver o processo

de um jeito mais tranqüilo, embora em muitos casos o projeto de viagem tenha uma

duração de vários anos.

Também é importante levar em conta que a idade na que se empreende a emigração

pode influenciar o processo, sendo menos intenso para as pessoas jovens, por ter maior

flexibilidade psicológica e geralmente não possuir responsabilidades de tipo familiar ou

econômico, que dificultem sua partida.

Além do anterior, outro fator que facilita a adaptação do estudante é morar em cidades

pequenas onde as comunidades são muito mais unidas. Nas grandes cidades, a

experiência do imigrante geralmente é totalmente diferente. O fenômeno do crescimento

descontrolado que geralmente se apresenta nessas cidades, leva à urbanização

desmedida, onde é difícil se relacionar com os outros. Ninguém conhece ninguém.

Grandes distâncias são percorridas diariamente para realizar as atividades cotidianas,

através de meios de transporte massivo que movimentam milhares de pessoas anônimas.

Essas características da vida nas grandes cidades podem dificultar ao estudante a criação

de vínculos, a apropriação dos espaços e da cultura e podem até ser ameaçantes para sua

identidade.

Nas cidades pequenas é muito mais fácil gerar redes sociais e fomentar relacionamentos

fortes. As pessoas se conhecem e existe um sentimento muito mais forte de identidade

entre elas, como comunidade e como indivíduos. No entanto, é importante levar em

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conta às circunstancias nas quais o imigrante morava no seu país. Nem todo mundo

gosta de morar em cidades pequenas, especialmente quando a cidade de origem é uma

grande urbe. Nesse caso, o estudante pode-se até sentir limitado em vez de seguro e

confortável.

Por último, é importante mencionar que as condições de migração dos últimos anos tem

tido uma enorme mudança a partir das novas tecnologias de comunicação e informação.

Hoje é possível manter o contato diariamente, a baixo custo, com as pessoas próximas e

os eventos que acontecem no país de origem, o que gera uma sensação de cercania que

alivia muito o processo de adaptação e desprendimento. De alguma maneira, pode se

dizer que a tecnologia facilita ao imigrante manter sua estrutura psicológica e sua

identidade.

Como temos visto, a adaptação do imigrante é um processo de grande complexidade, no

que muitas variáveis influem. Mas é tanta a riqueza que implica a aventura da viagem

que é sem dúvida uma enorme oportunidade de crescimento e desenvolvimento pessoal.

Esse será precisamente o tema do próximo capítulo.

2. A viagem do herói

2.1 Jung e sua obra

Desde seu começo, a psicologia analítica, desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl

Gustav Jung (1875-1961), teve uma influência importante no desenvolvimento da

psicologia e em muitas outras áreas do conhecimento e das ciências sociais. A

profundidade de seus fundamentos levou a reconsiderar o determinismo do inconsciente

individual proposto por Freud, assim como muitas outras concepções da psiquiatria e do

estudo das doenças mentais na época.

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Enumerar as contribuições do pensamento junguiano na área da psicologia e em outras

áreas do conhecimento é uma tarefa muito difícil, considerando as vastas possibilidades

de um trabalho tão profundo. Suas concepções sobre a libido, a neurose, a individuação,

o trabalho com os arquétipos e os complexos, o papel do símbolo, a abordagem dos

sonhos e das bases da psicoterapia, entre outros, não somente foram inovadoras, mas

tocaram os lugares mais profundos do ser humano e da psique.

Considerando que a psicoterapia teve seu maior nível de desenvolvimento no século

XX, não é possível desconhecer a influência de C.G. Jung nas escolas psicológicas que

reconhecem o papel do inconsciente como base ou parte fundamental da sua

epistemologia.

Sobre a natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung afastou-se da concepção negativa

freudiana e reconheceu nesta instancia da psique, uma fonte inesgotável de criatividade

desde onde o indivíduo pode “se curar”. Neste sentido, a neurose é compreendida como

uma tentativa de sarar, que procura restabelecer o equilíbrio psíquico. Para Jung, a

neurose deve ser tratada com as ferramentas que cada indivíduo tem em seu momento

atual, segundo seu desenvolvimento psicológico. Desde esse ponto de vista, considerou

que a Psicanálise não funciona para as neuroses que aparecem na segunda metade da

vida, é dizer no momento da chamada “psicologia do entardecer”.

Adicionalmente, ao incluir a concepção de um desenvolvimento psicológico que não se

centra unicamente nos anos da infância, mas durante a vida toda e incluso após da

morte, Jung gerou uma verdadeira diferença frente à concepção da psicologia

contemporânea e construiu as primeiras colunas da psicologia transpessoal, que inclui a

dimensão espiritual na psicologia do indivíduo. A maneira de se aproximar às

experiências psicológicas como se fossem tão reais como as experimentadas fisicamente

pelo corpo, deu um novo sentido a esse tipo de conteúdos, que até o momento

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consideravam-se fantasias, mas cujo poder e força nunca tinham sido vistas desde uma

perspectiva psicológica.

Jung fez também grandes contribuições ao preparar o campo para o uso de novas

ferramentas terapêuticas a partir de seu método da imaginação ativa, no que uma cena

ou imagem de um sonho ou pensamento, são o ponto de partida para a fantasia. Daqui

depreendem-se possibilidades ilimitadas de trabalho corporal e manual (dança, desenho,

escultura, etc.), atualmente usados em diferentes correntes terapêuticas.

2.2 Alguns conceitos fundamentais da psicologia analítica

Jung considerou à psique como um modelo em constante dinamismo movimentado pela

libido ou energia psíquica. Essa energia é neutra e não se trata somente de uma energia

sexual, como Freud propôs. Neste modelo, o inconsciente e o consciente têm uma

relação de compensação baseada no princípio de auto-regulação da psique.

Adicionalmente, no modelo junguiano não existe só o inconsciente onde estão os

conteúdos pessoais do individuo. Jung propôs o conceito de inconsciente coletivo como

uma instância ainda mais profunda da psique, que não corresponde à historia pessoal do

individuo, mas a uma dimensão coletiva do humano. Ele contém toda a herança

espiritual da evolução da humanidade e seus conteúdos aparecem constantemente na

mitologia, no folclore, nos sonhos e expressões artísticas de diversas culturas em

diferentes momentos da história universal.

Esses motivos recorrentes do inconsciente coletivo são os elementos estruturais e

primordiais da psique humana e são chamados de arquétipos. Não se consideram idéias

herdadas, mas sim possibilidades de que essas idéias ou imagens se apresentem. Os

arquétipos são tendências psíquicas da espécie e podem se manifestar através dos

complexos a nível pessoal.

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Os complexos são grupos de idéias ou imagens que têm uma forte carga emocional.

Quando os complexos são incompatíveis com a atitude consciente, são constelados,

gerando reações no comportamento do indivíduo. Jung não considerava que os

complexos fossem por si mesmos negativos, mas seus efeitos geralmente são

problemáticos para o indivíduo. Seu efeito negativo geralmente se apresenta como uma

distorção em alguma das funções psicológicas (sentimento, pensamento, sensação,

intuição).

Enquanto não se tenha consciência dos complexos, estamos expostos a ser dominados

por eles. (Jung, Vol. 8 pár. 5). A identificação do ego com um complexo produz

freqüentemente neuroses e comportamentos dissonantes com a atitude consciente.

Desta maneira, pode-se dizer que os complexos são a personificação dos arquétipos.

Embora existam muitos, o modelo junguiano da psique possui alguns complexos

relacionados diretamente com o desenvolvimento pessoal. Eles são a persona, a sombra,

a anima, o animus e o ego.

2.3 Os complexos pessoais

2.3.1 A Persona

Assim como no teatro os atores usam máscaras para fazer as representações dos

personagens, Jung propõe que todos nós possuímos uma máscara própria que chamou

de persona. Trata-se de todos esses papéis que desempenhamos na vida diária e que

parecem definir quem somos nós, mas não são realmente nossa essência, mas uma

personagem que permite nosso movimento no mundo.

A persona não é uma criação de nossa consciência. Sua formação depende de múltiplos

fatores e começa mesmo desde a infância. As expectativas dos pais, o número de

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irmãos, o lugar na sua família, são todos determinantes, entre muitos outros, dos fatores

que levam a atuar de um ou de outro jeito na vida. (Stein, 1998)

É assim como a persona não tem origem somente na individualidade, mas também na

coletividade. Jung fala de duas fontes da persona:

“De acordo com as condições e os requisitos sociais, o caráter social é

orientado, por uma parte, pelas expectativas e demandas da sociedade, e

por outra, pelos objetivos e aspirações do individuo” (Jung, Vol. VI. Par.

798)

Tendo em vista o anterior, o meio social da pessoa tem um valor fundamental, não só na

formação, mas também na permanência da persona. Isso quer dizer que sem a referência

social, o papel da persona não sobrevive, porque precisa ser reconhecida pelos outros

para continuar atuando sua personagem.

Quando a persona tem muito reconhecimento e logra ter êxito no seu entorno, é possível

que o ego se identifique com ela. Neste caso, o ego se identifica com os papéis que

desempenha e a persona vira protagonista da identidade. Essa identificação do ego com

a persona pode levar a certa “sensação de segurança” na que o indivíduo sente que tem

tudo sob controle. Mas o risco de permanecer identificado com a persona é alto,

enquanto essa identificação se opõe ao processo natural do ego de buscar sua

individualidade por meio da individuação.

No entanto, terminar essa identificação não é tarefa fácil e precisa da integração dos

conteúdos da sombra para abrir o caminho para a individuação. O reconhecimento

desses elementos que não fazem parte de nossa máscara social pode mudar o jeito em

que o individuo se relaciona consigo mesmo e com o entorno, dando passo ao

surgimento de uma nova identidade.

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2.3.2 A Sombra

O complexo da sombra abarca aqueles aspetos de nós mesmos que se encontram

reprimidos pelo ego, e por tanto permanecem inconscientes e não são reconhecidos

como próprios. Geralmente se trata de desejos reprimidos, fantasias, motivações

moralmente inferiores e todo aquilo pelo qual o indivíduo não se orgulha.

Tendo em vista que esses conteúdos não são reconhecidos como próprios, geralmente

são projetados em outros indivíduos de maneira que não sejam ameaçantes para a

persona. É por isso que a sombra e a persona têm uma relação compensatória, e seu

conflito geralmente é fonte de neurose.

“A sombra é aquela personalidade oculta, reprimida, quase sempre de

inferior valor que estende suas últimas ramificações até o reino dos

pressentimentos animais e abarca, assim, todo o aspecto histórico do

inconsciente”. (Jung, Vol. IX-2 p. 359)

Não entanto, não se trata só de conteúdos negativos ou moralmente reprováveis, mas

também de instintos, habilidades positivas e impulsos criativos que, por alguma razão,

não estão em sintonia com o ego.

A integração dos conteúdos da sombra é um dos principais objetivos da análise e parte

fundamental do processo de individuação, que será tratado depois.

Jung diferenciou a sombra pessoal da sombra coletiva e a sombra arquetípica. Enquanto

a primeira se relaciona com os conteúdos pessoais, a sombra coletiva tem a ver com os

mandatos culturais em termos de moralidade e regulação social. Assim mesmo, a

sombra arquetípica se refere à maldade própria da natureza humana, geralmente

personificada na figura do diabo, e seus conteúdos obedecem às idéias do mal

expressadas desde os primórdios da humanidade.

19

Page 20: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

2.3.3 A Sizígia – Anima e Animus

A anima e o animus são tanto complexos pessoais como imagens arquetípicas. A anima

é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique de um

homem. Ela é personificada em sonhos através de mulheres que podem jogar um papel

desde sedutor até de guia espiritual (Sharp, 1994). Pode ser a mãe, a deusa, a amada, a

mulher infernal ou a feiticeira.

A anima é a mediadora dos elementos da psique com o self. Segundo Jung se relaciona

com sentimentos e estados de humor vagos, suspeitas proféticas, captação do irracional,

capacidade para o amor pessoal, sensibilidade para a natureza e relação com o

inconsciente.

Por sua vez, o animus é a personificação de todas as tendências psicológicas masculinas

no inconsciente de uma mulher. O animus é o depósito de todas as experiências

ancestrais de homem que tem a mulher. Na sua expressão negativa pode levar à

obstinação, frialdade e inacessibilidade. Se expressa em opiniões fortes que não podem

ser contraditas porque geralmente tem a razão. No entanto, desde seu aspecto positivo,

possui uma grande qualidade criadora, iniciativa, objetividade, sabedoria espiritual e

entendimento.

O animus é geralmente projetado em pessoas espirituais, ou em homens que tem

conseguido sucesso em suas áreas, como esportistas ou artistas destacados.

Anima e animus tem um papel importante no caminho para o self. A anima tenta

unificar e vincular, em quanto o animus quer diferenciar e reconhecer.

2.3.4 O Ego e a identidade

20

Page 21: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

O ego é considerado o complexo que surge a partir do arquétipo do Self e está

diretamente relacionado com o senso de identidade. É o centro da consciência e o

organizador das quatro funções psicológicas.

Por ser o centro da consciência o ego “acredita” ser o centro da psique, mas não é assim.

Como se mostrou anteriormente, os complexos são relativamente autônomos do ego,

gerando um conflito com a atitude consciente do indivíduo, o que pode desencadear

uma neurose. Quanto menos consciente seja um complexo, maior será sua autonomia.

O grande perigo do ego é a identificação com os complexos ou sua projeção, o que

levará à conseqüente perda de equilíbrio com respeito aos conteúdos inconscientes.

No entanto, a função do ego é fundamental para o desenvolvimento da psique e o

funcionamento do indivíduo no mundo. Ele é quem permite ao indivíduo ter um senso

de identidade e conhecer seus limites, quem é ele e quem são os outros. Quais são as

características da sua personalidade, suas fortalezas e seus defeitos.

Embora se trate só de um olhar parcial da personalidade, é graças a esse senso de

identidade que o indivíduo consegue se desenvolver psicologicamente e se relacionar

com outros.

Mas esse desenvolvimento do ego faz parte da primeira metade da vida segundo Jung,

tendo em vista que a psique, uma vez diferenciada, procura integrar os elementos ao

redor de um novo centro, na segunda metade da vida. Esse centro integrador é o Self.

2.4 O Self e a individuação

O self é o arquétipo da totalidade e o centro regulador da psique. É o núcleo que abarca

o consciente e o inconsciente. Sua natureza, como a de todo arquétipo, não se pode

conhecer, mas suas manifestações aparecem repetidamente em mitos, contos de fadas,

lendas, sonhos e fantasias. Sua personificação pode tomar diversas formas tais como

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Page 22: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

salvador, herói, rei, profeta e velho sábio. Como símbolo da totalidade pode aparecer

em diversas formas de mandalas circulares ou quadrados e na cruz. Também se

apresenta como pares de opostos ou a dualidade unificada. (Jung, Vol. VI. par 790).

A meta do self é a unidade e manter o sistema psíquico em equilíbrio. É por isso que

gera símbolos compensatórios de integração quando existe o perigo de que o sistema

psíquico se fragmente (Stain, p.144).

No entanto, o ego, como centro da consciência, não aceita facilmente a “intromissão” do

inconsciente nos seus domínios. Desse jeito, a atitude consciente vai-se afastando do

inconsciente, gerando o desequilíbrio próprio da luta do ego por continuar sendo o

centro.

A reação do inconsciente é compensatória, para manter o equilíbrio frente à

unilateralidade da consciência. Com o tempo, e a partir do trabalho com os diferentes

complexos, essas compensações têm uma influência importante no funcionamento

psíquico, desenvolvendo o que Jung chama de processo de individuação.

Como seu nome o indica, a individuação é chegar a ser indivíduo, por meio da

integração dos elementos da psique e de sua unificação. Quando o ego já não se

reconhece mais como o centro da psique, o self assume esse papel. Poder-se-ia dizer

então que a individuação é a realização da potencialidade do self.

Mas não se trata de um estado de iluminação espiritual como alguns acham, mas de um

processo vital que procura a unificação da psique por meio da conciliação dos opostos.

O enfrentamento entre os opostos gera uma tensão carregada de energia que cria um

terceiro elemento onde os opostos podem se unir através da chamada função

transcendente.

Assim, a individuação é um processo que toma a vida toda e que tem sido ilustrado por

múltiplas culturas e tradições como um caminho de trabalho pessoal e espiritual.

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Page 23: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

2.5 O caminho do herói

O escritor, filósofo e historiador Joseph Campbell, a partir dos seus estudos sobre

religiões comparadas, mitologia e simbologia, identificou as etapas do que ele chama o

caminho do herói. Essas etapas, que aparecem repetidamente em múltiplas expressões

culturais da história da humanidade, representam a luta contra o ego em procura do

desenvolvimento espiritual.

As seguintes são as etapas apresentadas por Campbell no seu livro O Herói de Mil

Faces.

A Partida: No começo da viagem, o herói recebe o chamado para a aventura que é

freqüentemente rejeitado no inicio. O herói que aceita o chamado começa seu

caminho, geralmente com a ajuda sobrenatural de uma figura que lhe dá

ferramentas, conselhos e as vezes objetos que o ajudarão na sua viagem, como

armas ou amuletos. O herói então empreende a aventura e cruza o primeiro umbral,

entre seu mundo conhecido e o mundo desconhecido. Esse cruzamento implica o

enfrentamento com o guarda do umbral que deve ser encontrado para continuar a

passagem. O passo ao novo mundo representa renascimento. O ventre da baleia é

um símbolo da prova de transformação necessária para o começo da aventura.

“O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído,

levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali,

encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode

derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar

com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão;

oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser morto pelo

oponente e descer morto (desmembramento, crucifixão)”. (Campbell, 1949.

p. 223)

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Page 24: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

A Iniciação: Uma vez o herói cruza o umbral, tem que afrontar e sobreviver a uma

série de provas, que permitem a ampliação da sua consciência. Neste ponto

geralmente recebe auxílio de um ajudante sobrenatural ou descobre poderes que o

protegem. Geralmente aparece o casamento com a princesa, o encontro com a deusa,

simbolizando o poder feminino da força vital e o domínio total da vida por parte do

herói. Mas aparece também a mulher como a tentação que deve ser superada para

continuar o caminho. Além disso, é preciso que o herói se reconcilie com a figura de

autoridade do pai e seus aspectos protetores e tiranos, para se compreender a si

mesmo. Finalmente chega o momento da apoteose, onde o ego do herói é

desintegrado dando passo à expansão da consciência. Essa experiência muda seu

olhar do mundo e o leva a descobrir novas habilidades que antes não foram

reveladas. Agora ele está pronto para obter o objeto da sua busca e retornar obtendo

benções para ele e para seu povo.

“Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças

desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o

ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda

mágica (auxiliares). Quando chega ao nadir da jornada mitológica, o herói

passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser

representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento sagrado),

pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua

própria divinização (apoteose) ou, mais uma vez — se as forças se tiverem

mantido hostis a ele -—, pelo roubo, por parte do herói, da bênção que ele

foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de

uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação,

transfiguração, libertação)”.

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Page 25: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

O Retorno: Depois de encontrar a iluminação naquele mundo desconhecido, o herói

pode recusar o retorno ao mundo conhecido, que agora se torna mundano demais

para ele. Se o herói decide voltar e recebe a benção das forças mágicas que o

acompanharam, seu regresso se realizará através de algum elixir mágico fechando o

ciclo com as benções e os poderes ganhados dos deuses. Mas se ele não conta com a

aprovação deles, terá que vencer novas provas para conseguir chegar a casa. O herói

cruza de novo o umbral que o levará a seu mundo e perde seu ego, sendo agora

senhor dos dois mundos. Com as experiências vivenciadas e as benções e poderes

recebidos, o herói chega ao final da sua viagem, agora com liberdade para viver.

“O trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoaram o herói, ele

agora retorna sob sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele

empreende uma fuga e é perseguido (fuga de transformação, fuga de

obstáculos). No limiar de retorno, as forças transcendentais devem ficar

para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A

bênção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir)”

A aventura do herói se resume no seguinte diagrama:

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Umbral da aventura

Elixir

Chamado à aventura

Provas

AuxiliaresFuga

RegressoRessurreiçãoResgateLuta no umbral

Cruzamento do umbral Luta com o irmãoLuta com o dragãoDesmembramentoCrucifixãoAbduçãoJornada do mar e a noiteJornada do assombroVentre da baleia

1. Casamento sagrado2. Reconciliação com o pai3. Apoteose4. Roubo do elixir

Figura 1. A viagem do herói

Page 26: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Como se falou anteriormente, a viagem do herói simboliza o caminho de

desenvolvimento e integração da psique no self. A individuação como processo de

diferenciação psicológica visa a conseguir o desenvolvimento da personalidade

individual. Nesse sentido, herói é aquele que consegue assumir a responsabilidade por

seu destino e por sua realidade.

“O objetivo não é dominar à psicologia pessoal, chegar a ser perfeito, mas

se familiarizar com ela. Assim, a individuação implica uma crescente

percepção de nossa realidade psicológica única, incluindo fortalezas e

limitações pessoais, e ao mesmo tempo uma apreciação mais profunda da

humanidade em geral.” (Sharp, 1994. p. 107)

3. Os arquétipos no processo de adaptação do imigrante

3.1 Ulisses o herói migrante

Ulisses é a máxima expressão do viajante que sempre está desejando seu paraíso

perdido: Ítaca. Não é por acaso que a síndrome que descreve a condição clínica dos

imigrantes que não conseguem se adaptar a seu novo entorno, descrito no capítulo 1,

leve seu nome.

A Odisséia ilustra de um jeito único a travessia no caminho do autoconhecimento.

Embora Ulisses não se estabelecesse num lugar só durante sua longa viagem, é possível

fazer um paralelo entre as etapas de adaptação do imigrante e a jornada que ele viveu.

A impossibilidade de voltar e os obstáculos cada vez maiores levam Ulisses a

constantes episódios de desespero e tristeza. Mas, apesar dessas dificuldades, ele nunca

perde a esperança do retorno.

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Page 27: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

No início da sua jornada, Ulisses chega à terra dos lotófagos, onde tudo é esquecido

para quem come lótus. Esse capítulo é especialmente significativo na viagem do

imigrante, tendo em vista que os problemas de memória, atenção e desorientação são

típicos da síndrome, também relacionados com um momento de negação das raízes e da

origem. As vezes é preferível o anestésico esquecimento à confrontação com a

realidade.

Mas Ulisses não cai na armadilha de comer lótus, equivalente a usar drogas para fugir

do sofrimento, comum em alguns casos de imigrantes que, embora nunca antes tivessem

consumido esse tipo de substâncias, começam a fazê-lo sob situações de pressão e de

perda de identidade.

É por essa lucidez que Ulisses sofre a maior parte do tempo e mostra todos aqueles

sintomas próprios da síndrome que leva seu nome. Tristeza, tensão, idéias de morte,

nervosismo, preocupações excessivas e recorrentes, são algumas das manifestações que

aparecem constantemente na Odisséia.

Mas também surge o sentimento de culpa, próprio de certas etapas da adaptação do

estrangeiro, especialmente quando as condições nas que ficaram seus seres queridos no

país de origem não são as melhores. Ulisses sente essa culpa (Vernant, J.P, 2000, p.121)

na ilha de Calipso, onde vive anos de idílico romance com a ninfa:

Hermes, porém, não encontrou dentro ao magnânimo Ulisses; ele estava a chorar,

assentado na praia, onde, já antes, lágrimas, suspiros e aflições lhe tinham consumido

o peito. (A Odisséia, Canto V)

Por outro lado, é interessante observar que um dos fatores associados ao êxito da

adaptação do estrangeiro é a possibilidade de voltar ao seu país. Essa esperança nunca

abandona Ulisses e é personificada na figura de Tirésias, o vidente – cego (dualidade

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Page 28: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

maravilhosamente representada por Borges em nossos dias), que lhe anuncia seu retorno

a Ítaca e seu reencontro com Penélope.

No entanto, para Ulisses essa é uma possibilidade cada vez mais remota e parte do seu

desespero tem a ver com o regresso frustrado que acontece, em seu caso, em duas

situações. Neste ponto, é importante dizer que assim como a possibilidade de voltar é

um fator de êxito na adaptação do estrangeiro, a impossibilidade de fazê-lo é um fator

de risco.

A primeira vez que essa impossibilidade se apresenta na Odisséia, Ulisses, ao deixar a

terra dos lotófagos, consegue olhar as costas de Ítaca, mas uma repentina e forte

tempestade o leva a regiões desconhecidas muito longe de seu lar. A segunda vez

acontece ao abandoar a ilha de Éolo, quem entrega-lhe um odre onde estão guardadas as

fontes dos ventos e as tempestades. Ulisses confiado acha que agora voltará a casa e cai

num profundo sonho, em quanto seus companheiros, curiosos com o presente de Éolo,

abrem o odre, levando o barco se afastar de novo de Ítaca em meio da tempestade.

Estas duas situações provocam no Ulisses a mais profunda frustração.

Eu, que despertara, reflecti se devia morrer nas ondas, saltando da nau, ou suportar

tudo em silêncio e ficar entre os vivos. Resolvi sofrer e ficar. Recobrindo-me, continuei

deitado na minha nau. Entretanto, o sopro funesto do vento levava-nos todos de novo

para a ilha Eólia, enquanto os companheiros se iam lamentando. (A Odisséia, Canto X)

Mas nem tudo é desesperança na jornada de Odisseu assim como na jornada do

imigrante. Em várias ocasiões ele encontra alivio e felicidade, como é o caso do

encontro com Circe e Calipso. Essas etapas da viagem correspondem ao momento em

que descem as defesas do estrangeiro e ele começa a viver no presente e a desfrutar das

novas possibilidades que o contexto lhe oferece. Neste ponto pode-se falar de um

“sentimento de identidade remodelado” (Grinberg e Grinberg,1994).

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Page 29: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

E é precisamente essa nova identidade quem vai dificultar o retorno ao país de origem,

como o propõe Campbell na última etapa da viagem do herói.

Essa problemática do retorno é belamente ilustrada por Homero, quando Ulisses recebe

a maldição do Ciclope de voltar como um estrangeiro à sua terra. E é assim como

Ulisses volta finalmente a Ítaca, como um desconhecido e disfarçado de mendigo.

Esse simbolismo de quem tem mudado tanto que já não se encaixa no lugar de origem,

também é uma metáfora sobre o processo de individuação e o crescimento espiritual

vivenciado na viagem. Quer dizer, quem volta ao ponto de início da aventura já não

volta igual. Embora pareça que se retorna ao mesmo lugar, o retorno é feito por uma

pessoa diferente e o ponto de chegada é, como numa espiral, o mesmo ponto, mas agora

localizado num lugar mais elevado.

Dessa maneira, a viagem do herói simboliza o caminho de desenvolvimento e

integração da psique no self, a individuação como processo de diferenciação psicológica

em busca do desenvolvimento da personalidade individual.

Como temos visto, a adaptação do imigrante é um processo de grande complexidade, no

que muitas variáveis influem. Mas a riqueza da viagem é uma enorme oportunidade de

desenvolvimento pessoal. Ulisses representa o exilo mas também o herói que volta a

casa depois de se transformar. Ele nunca esquece sua origem nem sua pátria.

Dito isto, a deusa dissipou o nevoeiro e deixou aparecer a terra; e o paciente e egrégio

Ulisses regozijou-se com a vista da sua pátria, cujo solo fecundo beijou. (A Odisséia,

Canto XIII)

3.2 Os arquétipos associados às etapas da viagem do herói

29

Page 30: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Como se falou no capítulo anterior, a jornada do herói é uma metáfora sobre o

desenvolvimento psicológico e a busca da individuação. As três grandes etapas descritas

por Campbell mostram um caminho associado a vários arquétipos. A presencia desses

arquétipos e a forma na que se encontram constelados vai ter uma influência importante

no desenvolvimento da jornada.

Embora sejam muitos os arquétipos que poderiam se relacionar com a viagem heróica,

centrar-nos-emos em doze deles, cujas características básicas, em seus aspectos

luminosos (criadores e motivadores) e seus aspectos sombrios (problemáticos,

inibidores), se descrevem a seguir (Pearson, C. Seivert, S. Leonard, M. Marr, H.,1990).

3.2.1 A partida

3.2.1.1 O Inocente:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de confiar em si e nos

outros Recusa ao crescimento e

desenvolvimento Fidelidade ao ideal Recusa em aceitar uma verdade que

contraria o que ele acredita ser a verdade

Otimismo inquebrantável Negação dos próprios atos Lealdade à promessa feita, ao grupo e

ao compromisso assumido Recusa em assumir uma parcela de

responsabilidade pelos problemas; dificuldade em assumir imperfeições

Fé nos processos que se iniciam Negação de inadequações Entusiasmo. Vale a pena tentar de

novo Sentimentos velados de culpa

Perseverança Medo de se expor ao ridículo Capacidade de estar no presente, aqui

e agora Projeção dos próprios erros sobre os

outros Espontaneidade autêntica Repressão de verdadeiros sentimentos Vitalidade e jovialidade Excessiva dependência à autoridade

exterior Sinceridade de intenções Necessidade excessiva de aceitação e

reconhecimento

Desde o ponto de vista da viagem do herói, o arquétipo do Inocente está relacionado

com a confiança nos outros e na perfeição do universo. O Inocente afronta as provas de

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Page 31: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

um jeito positivo porque sabe que “as coisas serão como têm que ser”. O arquétipo do

Inocente aparece também nas pessoas que têm um olhar otimista sobre seu entorno e

encontram sempre o positivo das situações.

3.1.1.2 O Órfão:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de processar dificuldades

e desafios positivamente Cinismo e ceticismo que impedem o

líder de atrair, influenciar e cativar pessoas

Consciência de interdependência: estamos todos juntos numa experiência comum

Mentalidade de escassez, crença na falta

Capacidade de ver a realidade sem distorções – “com os dois pés no chão”

Atitude critica constante, depreciativa de si mesmo e dos outros

Capacidade de suportar e aceitar as incoerências em si mesmo e na sociedade

Atitude de vítima autojustificada, utilizada para manipular o ambiente e as pessoas

Libertação de qualquer estado de dependência

Incapacidade de olhar para dentro de si mesmo

Solidariedade Atitude isolacionista que gera antipatias

Capacidade de recuperar integridade pessoas diante do fracasso auto-infligido

Traição de princípios de grupo ou de si mesmo

Capacidade de comunicar com clareza suas necessidades

Pessimismo resultante da não-elaboração do sofrimento

Capacidade de desenvolver expectativas realistas

Utilização de válvulas de escape por meio do vício e da dependência.

Condições de recuperar a confiança em si e nos outros

Impotência, perda de esperança e da confiança

Na viagem do herói o Órfão está relacionado com assumir a idade adulta, o que quer

dizer, se fazer cargo de si mesmo. No aspecto luminoso o Órfão afronta a jornada com

independência e consciente de que estará sozinho no caminho, mas sem assumir o papel

de vítima.

3.1.1.3 O Guerreiro:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios

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Page 32: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Capacidade de estabelecer metas e cumpri-las

Necessidade obsessiva de vencer sempre mesmo que por meios inescrupulosos

Capacidade de autodisciplinar-se Uso do poder para dominar e subjugar pessoas

Capacidade de lutar por princípios e verdades

Desumanidade, crueldade na conquista de poder

Coragem, destemor diante de desafios e dificuldades

Competitividade exacerbada: toda diferença é uma ameaça

Capacidade de catalisar ação e apoio para causas nobres e justas

Uso de capacidade para ganho pessoal

Capacidade de ir além do interesse pessoal

Comportamento antiético, ego centrado

Capacidade de focar a atenção que realmente importa

Indiferença, frieza em relação ao sentimento naquilo dos outros

Habilidade para definir e criar estratégias

Sentimento de estar sendo constantemente ameaçado pelo “inimigo” (concorrência / colegas)

Habilidade para resolver conflitos e preferência por soluções ganha-ganha

Combatividade desmesurada

Facilidade de tomar decisões rápidas Manipulação da realidade por medo da perda do poder

O Guerreiro é fundamental para empreender o caminho, estabelecer metas e cumpri-las.

Sua fortaleza tem que estar presente na viagem do herói, pois ele terá que se enfrentar a

múltiplas provas sem se render. A coragem e a característica mais importante do

Guerreiro.

3.1.1.4 O Servidor:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de ajudar e servir por

meio de cuidado amoroso e do sacrifício

Capacidade de atrair situações em que está sempre no papel do mártir/sofredor

Atitude generosa e compassiva Comportamento controlado e repressor que gera dependência e incompetência

Capacidade de identificar e desenvolver os talentos/habilidades de pessoas e grupos

Manipulação por meio de fazer os outros se sentirem culpados de seu fracasso

Atitude de ser “educador” em qualquer circunstancia

Dá de si, porém sempre esperando algo em troca

Habilidades em criar ambientes onde as pessoas se sentem seguras e à vontade

Preocupação excessiva em ser o “salvador da pátria’”.

Facilitador de relacionamentos Incapacidade de dizer não por medo

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Page 33: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

cooperativos e do sentido de comunidade

de afetar a auto-imagem de “bonzinho/boazinha”

Disponibilidade para assumir responsabilidade pela geração de bem-estar

Incompetência, ineficiência por assumir mais do que pode realmente cumprir

Atenção às pequenas coisas que fazem a grande diferença

Dificuldade de reconhecer e aceitar os entraves de uma emocionalidade excessiva

Eficiência em fazer cumprir tarefas Sentimento de dever/obrigação de fazer as coisas com prazer

Modéstia, paciência e perseverança Baixa auto-estima – jamais conseguirá o que deseja ou precisa do grupo

Embora o herói esteja sozinho para cumprir sua jornada, terá encontros e desencontros

no seu caminho. A interação com as pessoas poderá ser de grande valor ou, pelo

contrário, poderá atrapalhar a viagem. Enquanto o Servidor, unido com outros

arquétipos como o Amante, estiver constelado desde o lado luminoso, o processo será

muito mais enriquecedor para o herói. O Servidor luminoso não só está sempre pronto a

ajudar, mas também a receber a ajuda dos outros.

3.2.2 A iniciação

3.2.2.1 O Buscador:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Receptividade a novas idéias e

experiências que proporcionem uma vivência de espiritualidade

Ambição obsessiva e implacável

Aspiração profunda, desejo de aprender mais sobre si mesmo e sobre a realidade mais abrangente

Orgulho e imprudência

Capacidade de ir além do que é conhecido

Perfeccionismo exagerado e persecutório

Habilidade para reconhecer o momento certo e agir adequadamente

Dificuldade de assumir compromissos ou envolver-se em processos de aprendizagem

Valorização do esforço e das iniciativas individuais que fortalecem o grupo

Busca, investigação, exploração vazia, sem direção clara

Necessidade de expandir a consciência para além das fronteiras do ego – desejo de transformação

Idéias/pessoas são descartáveis quando não satisfazem o ego

Atitudes pioneiras inovadoras motivadas pela necessidade de

Discurso dissociado da ação

33

Page 34: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

explorar novos horizontes Busca de encontro com a verdadeira

vocação Incapacidade de ser pragmático na

realização Inquietude saudável que questiona

todo tipo de acomodação/conformismo

Conhecimento buscado em fontes exclusivamente externas

Disponibilidade de assumir compromissos e criar vínculos verdadeiros; autenticidade

Incapacidade de refletir sobre as próprias ações e seu impacto no grupo/ambiente

Comparando a viagem do herói com o processo de individuação, é claro que o arquétipo

do Buscador tem um papel fundamental. É ele quem sempre está procurando o

desenvolvimento espiritual e quem encontra em cada experiência uma razão para

crescer. É seu desejo de transformação quem leva à pessoa a empreender novos

caminhos e ir além do evidente para encontrar significado nas diferentes situações da

vida.

3.2.2.2 O Amante:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade aplicada de amar ao

próximo como a si mesmo. Auto-aceitação e auto-estima

Ciúme, inveja resultante de insegurança pessoal

Capacidade de combinar prudência, respeito e paixões no trabalho e na vida

Fixações e compulsões atitudinais que levam à manipulação de pessoas

Capacidade de resolver conflitos entre vida familiar e vida profissional

Paixão cega, promiscuidade ou puritanismos excessivos

Compreensão ampla e irrestrita do sentido de complexidade/diversidade. Capacidade de fazer síntese

Sedução como instrumento de manipulação

Ausência do medo em se mostrar como realmente é

Negação do poder pessoal, timidez paralisante

Capacidade de correr riscos movidos por entusiasmo apaixonado e vitalidade

Incoerência entre discurso e ação. Prega-se uma coisa (fundamentalismo) e pratica-se outra

Carisma resultante de atitudes compassivas e amorosas

Assédio sexual e violência estrutural

Capacidade de conviver com paradoxos e polaridades. Equilíbrio entre corpo e espírito

Narcisismo que leva à dominação e à ausência de reverência pela vida

Capacidade de formar vínculos e assumir compromissos autênticos

Confronto e desequilíbrio entre valores masculinos e femininos

Capacidade autêntica de perdoar erros e fracassos interpessoais

Antagonismo, frieza, ausência de afeto nas relações

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Page 35: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Facilitador de clima harmonioso e afetuoso no ambiente onde atua

Objetificação do indivíduo, desvitalização

O herói Amante é aquele que se mostra como ele é e que consegue lidar com as

situações sem agressividade nem violência. O entusiasmo pela viagem é fundamental

para não recuar frente às situações. O arquétipo do Amante está relacionado também

com boas capacidades de interação e relacionamento e boa auto-estima.

3.2.2.3 O Destruidor:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de operar transformações

no si mesmo que causam impacto no ambiente em que atua

Comportamentos destruidores de si mesmos em dos outros no ambiente em que atua

Capacidade de exercer a vontade para dissolver impedimentos e por fim a questões dúbias

Vícios, compulsões, dependência e uso de drogas

Unidirecionalidade, certeza interior de saber aonde quer chegar

Descuido, negligência e indiferença levados ao extremo nas questões pessoais e organizacionais

Habilidade para romper e por fim a estruturas limitantes

Despreocupação com o resultado de ações que afetam o bem-estar das pessoas e do meio ambiente/organização

Prontidão em soltar, desapegar-se e dar a volta por cima

Grosseria, impolidez, abuso de posição de autoridade

Aceitação construtiva de tudo que chega ao fim

Recusa ao reconhecimento da existência da “morte” e dificuldade de aceitar o transcendente

Aceitação do transcendente, do mistério, daquilo que a mente racional não explica

Autodestrutividade

Humildade, resignação; capacidade de lidar com a adversidade e a transitoriedade do sucesso e da fama

Ausência de qualquer preocupação com questões éticas, caráter duvidoso

O arquétipo do Destruidor é necessário para empreender novos caminhos e deixar atrás

o lar. É o Destruidor luminoso quem permite o desapego necessário para cortar os

vínculos e as cargas do passado e entender que todo ciclo chega a seu fim. Não há

transformação sem destruição. Esse arquétipo é também importante nas etapas da

35

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partida e o retorno, devido a que nessas etapas o herói deverá deixar atrás seu lar, para

reacomodar-se num novo lugar.

3.2.2.4 O Criador:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Responsabilidade pela maximização

do próprio poder pessoal Criar sem senso de responsabilidade

Capacidade de Ter uma visão e de comunicá-la aos outros

Inércia mental e emocional/incapacidade de tomar iniciativas

Criatividade pessoal em sintonia com a criatividade universal

Deixar-se limitar excessivamente por normas e regras impostas e auto-impostas

Capacidade de enxergar o futuro no presente

Rigidez conceitual/racionalismo reducionista que não oferece brechas à intuição

Intuição aplicada e predominante à lógica

Sentimento de impotência auto-justificada por não estar no controle do que acontece no ambiente onde atua

Consciência abrangente do seu papel na criação global

Desorganização generalizada

Capacidade de transformar o sonho em realidade

Falta de imaginação e indiferença à beleza

Consciência clara do valor e do impacto de suas escolhas e decisões no ambiente onde atua

Alienação, tédio e recusa de buscar significados mais profundos ao que lhe acontece

Equilíbrio entre experiência do ego e valores da alma

Trabalhar compulsivamente

Senso de identidade (sabe quem é) e vocação (sabe o que quer verdadeiramente) para ser o verdadeiro artista social

Criar obsessivamente infinitas possibilidades que não se concretizam

Sinceridade e autenticidade. Catalisador de aprendizagem coletiva.

Impedir que sua energia criativa flua e deixar de estimular a energia criativa de outros para manter status quo.

O Criador consegue transformar problemas em soluções e idéias em realidades. Sua

intuição e criatividade estão presentes na resolução de cada obstáculo do caminho. O

criador conhece seu talento e consegue aplicá-lo nas situações mais inesperadas. Os

problemas são vistos pelo criador luminoso como oportunidades a desfrutar,

enfrentando a situações difíceis porque sabe que pode superá-las.

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Page 37: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

3.2.3 O Retorno

3.2.3.1 O Mago:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de transformar a

realidade/condição/situações por meio da transformação da consciência

Tendência a transformar ocorrências positivas em negativas. Negatividade generalizada

Capacidade de curar/reverter condições não saudáveis ao todo de uma pessoa ou organização

Uso do poder para causar o mal das pessoas/situações

Tolerância e afirmação/visualização do que precisa acontecer

Negação de realidades subjetivas e sutis no interior da consciência

Capacidade de influenciar e de ajudar os outros a se transformarem pela irradiação do próprio exemplo vivo

Apego excessivo à materialidade, ao lucro indiscriminado

Percepção da ordem sagrada (interior e exterior) que atrai “coincidências” significativas às experiências

Atitudes hostis e nocivas ao ambiente

Capacidade de compreender o todo de qualquer questão/situação e evento. Visão sistêmica

Tendência a ignorar o fato de que tudo está interligado – uma ação prejudicial localizada tem efeitos globalizantes

Consciência do Propósito Maior, da motivação espiritual de uma pessoa/organização ou nação

Desconfiança/Falta de tato

Capacidade de atuar com os dois hemisférios do cérebro em equilíbrio

Frieza/Desqualificação do sofrimento alheio

Equilíbrio entre consciente e inconsciente imaginação e racionalização que conduzem palpites corretos

Toda forma de ajuda implica uma forma de controle/manipulação

Habilidades com a palavra: não só para nomear e criar identidade mas para comunicar-se com eficácia

Distorção da realidade, reducionismo e manipulação da escolha humana através da publicidade abusiva

Poder-se-ia dizer que o Mago consegue fazer no espiritual, o que o Criador faz no

mundo material. Ele também é um transformador de situações, obtendo proveito pessoal

dos retos e obstáculos. Além disso, o mago consegue enxergar o futuro e planejar o

presente. Sua intuição está presente durante a jornada toda.

3.2.3.2 O Governante:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Humildade, empatia, competência Comportamentos dominadores e

rígidos com tirania e abuso de posição

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Page 38: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

de autoridade Conhecimento dos desafios

enfrentados por pessoas comuns Ira, arrogância e distanciamento das

pessoas que fracassam Jovialidade interior independente de

idade física Crença no valor do escalonamento

hierárquico como fonte de poder Equilíbrio interior de polaridades,

manifestado na capacidade de expressar eficazmente valores e verdades universais

Desordem e desorganização resultantes da incapacidade de lidar com situações autocriadas

Responsabilidades exercidas com excelência

Incapacidade de identificar as reais necessidades das pessoas/egoísmo

Vida interior e exterior em equilíbrio dinâmico

Incapacidade de confiar nos processos

Habilidade em promover a ordem, a paz e a prosperidade

Perda de autenticidade

Talento especial em lidar e gostar de pessoas, realçando-lhes o melhor

Mentalidade de escassez acreditando que não há o suficiente para todos

Uso sábio e amoroso do poder pessoal Intolerância/”cortar cabeças” quando contrariado

Capacidade de organizar, delegar, influenciar e dirigir com eficácia e excelência

Contrastes entre indolência e auto-indulgência e/ou rigidez espartana e intolerância

Humildade criadora de ver várias faces/aspectos da realidade

Arrogância destrutiva que aprisiona na atitude de ver apenas aquilo que quer ver

As qualidades de liderança do Governante fazem do herói um bom planejador e um bom

executor de planos. As pessoas ao redor lhe seguem naturalmente, pois parece ter um

ímã para atraí-los. O governante luminoso sabe tomar decisões não só pensando no seu

próprio bem-estar, mas num ganho coletivo.

3.2.3.3 O Sábio:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Profundo interesse em participar na

dissipação de todo o tipo de ignorância

Postura de quem “sabe tudo” e fica acima de qualquer questionamento. Atitude de Superioridade

Habilidade em aplicar conhecimento e transformá-lo em sabedoria

Ausência de sentimento por isolar-se numa “torre de marfim”

Capacidade extraordinária de compreensão que transcende necessidade de controlar ou modificar o mundo

Causador de “confusões” por excesso de dúvidas ou opções

Dedicação à descoberta da “verdade que liberta”

Inconsciente dos preconceitos que carrega acerca da realidade

Capacidade de fazer diagnósticos Entorpecimento do intelecto e do

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Page 39: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

precisos e indicar caminhos adequados

coração

Capacidade de identificar as causas reais, pontos fortes e oportunidades de crescimento de pessoas e organizações

Esforço em excesso para ser perfeito e estar sempre certo

Habilidades extraordinárias em “dissolver confusões”. Calma

Crítica e intolerância: nada lhe parece suficientemente bom

Capacidade de adequar a metodologia à tarefa

Ceticismo devido à incapacidade de saber alguma coisa com segurança

Reflexão imparcial Pensamentos obsessivos na tentativa de entender

Capacidade de lidar com complexidade e aceitação da subjetividade e relatividade da condição humana. Sabedoria

Tentativa de explicar tudo pelo método científico limitando o número de maneiras aceitáveis de perceber a realidade

A capacidade de ver além das situações específicas e imediatas de um jeito objetivo, e

dar um sentido a experiências que parecem isoladas e que não se relacionam entre si,

são características próprias do Sábio desde seu lado luminoso. Esse arquétipo apresenta-

se especialmente na etapa do retorno da viagem, quando o herói tem acabado sua

jornada.

3.2.3.4 O Louco:

Aspectos Luminosos Aspectos Sombrios Capacidade de mostrar a verdade sem

ser uma ameaça para ninguém Auto-indulgência, falsidade

Capacidade de mudar o curso das coisas por meio do bom humor ou da alegria contagiante

Preguiça, desinteresse

Ausência total de medo Irresponsabilidade baseada na crença de que nada vale a pena e de que não existe saída

Senso de liberdade e soltura que não ameaça ou intimida

Clandestinidade, marginalização do potencial criativo

Capacidade de fazer tudo com fruição, prazer e vivacidade

Gula e parasitismo: perda do sentido de dignidade e autocontrole

Crença de que “a gente nasceu para ser feliz”

Vida dupla. Dupla personalidade

Visão inclusiva da totalidade – mente abarcante

Ações que levam ao escândalo envolvendo outras pessoas

Capacidade de dissolver barreiras e quebrar o gelo pela irreverência

Corrupção

Capacidade de viver integralmente o Exageros que levam à insanidade e à

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Page 40: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

momento presente autodestruição Capacidade de lidar com absurdos do

mundo e suas burocracias mecânicas e amorfas

Estupidez – incapacidade de enxergar o que está fazendo de errado.

Embora sejam muitas as características do arquétipo do Louco que contribuem na

viagem do herói, são a falta de medo e a espontaneidade as mais relevantes. O herói

deve ser Louco tanto para empreender sua jornada como para empreender o retorno. E

deve ser impulsivo para continuar o caminho apesar das dificuldades. O Louco vive

aqui e agora e não se paralisa frente às barreiras do caminho. Toma decisões que nem

sempre são informadas ou racionais, mas que de outro jeito não teriam sido feitas.

3.3 Entrevistas

Para aprofundar sobre o fenômeno da migração e o processo de adaptação dos

imigrantes voluntários, foco do presente trabalho, foram realizadas duas entrevistas

(anexo 1) a estudantes latino-americanos que moram no Rio de Janeiro.

Adicionalmente, foi aplicado o questionário Índice de Mitos Heróicos (anexo 2), como

um complemento à informação obtida nas entrevistas. O IMH visa a identificar o nível

de influência de cada um dos arquétipos relacionados com as etapas da viagem do herói.

A seguir se apresentam os apartes mais significativos das entrevistas realizadas1.

3.3.1 Dados gerais

Manuel é engenheiro mecânico, peruano, está com 27 anos e chegou ao Rio há dois

anos, para fazer um mestrado em engenharia mecânica na PUC. É o caçula de três

irmãos, sendo ele o único homem.

1 Para proteger a identidade dos entrevistados seus nomes têm sido modificados.

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Page 41: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Ângela é engenheira metalúrgica, colombiana, está com 34 anos, e está há um ano e

meio no Rio. Veio para fazer um doutorado na UFRJ. Ela têm um irmão mais novo e

seu pai morreu há alguns anos.

Os dois entrevistados são solteiros e vieram sozinhos ao Rio, sem conhecer ninguém

pessoalmente, mas com alguns contactos realizados por e-mail antes da sua viagem.

Na entrevista, realizada individualmente, foram abordados diferentes aspectos

relacionados com seu processo de adaptação até o momento atual.

Os entrevistados foram selecionados por se tratar de casos muito diferentes na sua

experiência de adaptação no Rio.

È interessante observar especialmente essas diferencias que se relacionam com os

arquétipos constelados em cada um deles.

3.3.2 Resultados das entrevistas

A seguir se apresentam os principais pontos de vista frente aos diferentes conteúdos

tratados na entrevista:

Razões para vir ao Rio

Manuel Ângela

Eu estava me preparando para ir a Puerto Rico ou USA. Um amigo meu, que estava fazendo doutorado aqui me falou sobre a PUC. Eu nem sabia que existia. Me falou sobre as bolsas, que para mim era uma ajuda importante, e acabei por enviar meus papéis para aqui.

Vim com a intenção de ver como era a experiência. Mas não tinha deixado de lado as outras opções, Não sabia se ia acabar o mestrado no Brasil e continuei o

Quando acabei o mestrado na Argentina e voltei à Colômbia tinha todas as expectativas de ficar lá. Mas as condições não me permitiram ficar e apareceu a oportunidade de viajar ao Brasil. Ganhei uma bolsa e decidi vir para fazer o doutorado.Foi muito inesperado, tudo aconteceu muito rápido.

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Page 42: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

processo de seleção em USA durante o primeiro ano.No final do primeiro ano decidi ficar e acabar o mestrado na PUC. Fui conhecendo a PUC e quando vi as possibilidades, os laboratórios, os professores, as conexões, decidi ficar.

Situação antes da viagem

Manuel Ângela

Morava longe de meus pais, em outra cidade. Estava fazendo a faculdade.Desde essa época estava com minha namorada atual que mora lá.

Trabalhava na Universidade de Antioquia, mas meu contrato acabou. Morava com minha mãe e dois tios. As vezes meu irmão ficava em casa com a gente.

No aspecto afetivo, não tinha nenhuma relação. Estava sozinha e com dificuldades, sanando alguns processos que ainda estão sanando.

O que foi o mais difícil de deixar

Manuel Ângela

Acho que o difícil foi deixar à minha namorada. Mas na verdade o resto não foi muito difícil. Como não morava com minha família há um tempo, não senti tristeza por deixá-los.

O mais difícil foi deixar minha família, a possibilidade de compartilhar tudo com eles. Queria ficar trabalhando na Colômbia e não consegui fazê-lo, foi um pouco frustrante. Obviamente foi bom pela oportunidade, mas não era o que estava procurando nem planejando fazer, simplesmente chegou à minha vida.

Os primeiros meses no Rio

Manuel Ângela

Quando você chega e passa por as coisas que têm que passar, tudo parece muito difícil. Mas depois de um ou dois anos acho que não foi tão difícil assim.

Cheguei a morar num apartamento com sete desconhecidos. Não é fácil conviver com pessoas com as quais você não tem

Foi muito difícil, especialmente no primeiro mês, porque morava com umas pessoas muito difíceis e diferentes a mim. No entanto essas pessoas me mostraram a cidade e me ajudaram com os trâmites iniciais.

Além disso a barreira do idioma é muito

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Page 43: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

nenhuma afinidade. Não conseguia dormir porque meu companheiro de quarto saía de festa e fazia muito barulho ao voltar. O mesmo acontecia com os outros.

Estive morando lá o primeiro semestre. Fui ao Peru de férias e quando voltei fiquei mais dois meses. Procurei muito até encontrar um quarto com banheiro, perto da universidade, num prédio bonito e tranqüilo.

grande. Eu sou uma pessoa que gosta muito de falar e de repente me vi na condição de não conseguir me comunicar. Passei muito tempo isolada, no laboratório da universidade, que era onde passava a maior parte do dia. À noite, quando chegava a casa, o ambiente ficava tenso e foi muito difícil. Depois de um mês fui morar sozinha e fiquei mais tranqüila com meu espaço.Mas no princípio foi muito difícil emocionalmente e chorei muito. Perguntava-me freqüentemente o que estou fazendo aqui?

Também foi muito difícil porque no meu projeto de vida eu queria trabalhar. Ser estudante de novo não era o que eu estava procurando, porque era seguir no mesmo e eu não queria ficar nesse papel. Isso foi muito difícil.

Tempo planejado VS tempo real

Manuel Ângela

Não tinha nada planejado. Ao final do primeiro ano decidi ficar por mais um ano, até acabar o mestrado. Agora que acabei vou voltar para o Peru na próxima semana.

Tinha planejado vir por quatro anos, mas não vou cumprir esse tempo porque vou embora, depois de um ano e quatro meses. Se apresentou uma situação familiar que me obriga a enviar algum aporte econômico e já que tinha tantas dúvidas sobre o que estou fazendo no Rio, decidi ir embora e trabalhar, que era o que realmente queria fazer.

Estou com um sentimento de felicidade e tristeza ao mesmo tempo, porque gerei uns vínculos afetivos importantes. É provável que não volte a ver essas pessoas ou que passe muito tempo para vê-las. Mas estou contente porque finalmente vou fazer o que queria e deixar de ser estudante e ser profissional. Acho que agora estou preparada para enfrentar esse papel.

Não tenho uma sensação de frustração de estar deixando algo que não quero deixar.

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Page 44: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Estou deixando algo que é importante e que também não foi tão ruim assim, mas eu nuca fiquei satisfeita.

É um alívio ir embora sem me sentir fracassada.

O processo de adaptação

Manuel Ângela

Não sabia nada de português quando cheguei. Mas como minhas aulas eram técnicas, com as matemáticas a gente se entende. Por isso, meu desempenho acadêmico não foi afetado pelo idioma.

Mas para conseguir me comunicar sofri pelo menos dois meses.Tomei a aula de português para estrangeiros da PUC e me ajudou muito. Mas durante os dois primeiros meses só me comunicava com peruanos que conheci na PUC.

O mais difícil foi conseguir onde morar. Isso é muito complicado numa cidade como o Rio, porque tudo é velho e feio e a gente está acostumada com outros padrões totalmente diferentes. Por exemplo na Colômbia ninguém aluga um apartamento com umidade ou sujo. Embora seja velho, o dono o conserta e o arruma antes de alugá-lo. Mas aqui é assim e você o toma ou o deixa.Também toma tempo conhecer os bairros e saber mais ou menos onde gostaria de viver e encontrar algo que se acomode ao orçamento de um estudante não é fácil.Isso tudo teve uma incidência emocional em mim, especialmente durante o primeiro mês. Depois consegui um apartamento mobiliado, mas era muito caro e tive que procurar um mais barato e comprar os móveis.

Acho que me adaptar, me sentir cômoda na cidade, com as pessoas, com os ritmos, me tomou 6 meses mais o menos.Porque os primeiros 3 meses foram de total falta de comunicação e aos 6 meses já conseguia sair pela cidade, pegar o ônibus sem me sentir insegura e essas coisas.

O desempenho acadêmico foi sempre bom porque o português era técnico e é muito mais fácil de entender. Eu entendia tudo nas aulas e na rua não entendia nada. Mas aprendi rápido.

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Page 45: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Rede social

Manuel Ângela

Quando cheguei ao Rio estava estressado e não tinha muitas opções para me relaxar. Com as pessoas que conhecia só tinha duas opções, ficar bêbado ou procurar mulheres todas as noites. Não era nada disso o que eu queria. Não conhecia às pessoas adequadas para ir à praia, ao cinema, beber alguma coisa, bater papo, ouvir música. No Peru eu fazia muito essas coisas.Tomou-me mais o menos um ano conhecer amigos. Tenho boas amizades peruanas e de outros países de América Latina. Tenho alguns amigos brasileiros, mas são poucos, a maior parte dos brasileiros que conheço não os considero meus amigos.

Só conhecia umas pessoas por e-mail quando cheguei aqui. Foi na casa dessas pessoas onde morei o primeiro mês. Durante todo o tempo que tenho morado no Rio não fiz amigos brasileiros. Fiz quatro bons amigos colombianos e um amigo chileno e um argentino. Mas os brasileiros que conheço não sinto que sejam meus amigos. Só são pessoas com quem compartilhei algumas coisas, mas não os sinto amigos. Isso pode se relacionar com o idioma. Além disso, tem diferencias culturais importantes que não facilitam se relacionar com eles. Por exemplo, eu nunca consegui ter um papo transcendente com um brasileiro, porque eles estão pensando mais na festa e levar uma vida mais leviana. Isso não quer dizer que não se perguntem certos temas, mas não dá para falar com eles sobre um tema pessoal ou de atualidade mundial. É por isso que não temos muito em comum. O tempo todo tive contacto com minha família pela internet. Falava quase todos os dias com minha mãe. Essa possibilidade é ótima porque você não se sente tão sozinho nem tão longe. A gente continua conectada e isso facilita muito as coisas, em comparação com ler uma carta cada três meses quando já as notícias nem sequer continuam vigentes. Isso faz uma diferença importantíssima.

A saudade

Manuel Ângela

O que mais me fez falta não era nada complicado. Eram as coisas simples. Por exemplo, a comida, meu cachorro.Também minha namorada e as possibilidades de me distrair e relaxar.

Sinto falta das pessoas mais do que qualquer outra coisa. A comida também.

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Page 46: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Saúde

Manuel Ângela

Tenho um problema na coluna e precisei de atendimento médico. Tinha uma hérnia há muito tempo mas nunca tinha me incomodado até que vim para o Brasil.Mas acho que estar aqui me tem ajudado com a coluna. Estou medicado, no Peru tomava mais o menos 10 comprimidos diários. Mas aqui cheguei a tomar um comprimido a cada dois dias. Em parte se devia à tensão que tinha antes de vir e aqui eu administrava meu tempo e meus horários. Mas eu tinha que fazer fisioterapia e não a fiz porque não tinha seguro médico. Aqui o doutor me permitiu voltar a fazer exercício e comecei a nadar e a malhar, mas por isso apareceu a hérnia e tive que deixar o exercício. Decidi esperar para voltar ao Peru e fazer a cirurgia. Mas tive que voltar a me medicar.Tudo isso foi um pouco difícil emocionalmente, mas não demais na verdade.

Tive várias crises de alergias e resfriados. Uma vez estive uma semana de cama. Também ha mudanças no tipo de tempero me caiu mal e eu sofro de cólon irritável.Mas depois me acostumei. Não sei se adoecer era uma resposta a essas mudanças emocionais e das dúvidas que tinha. Quando ficava doente tinha muito tempo para pensar e então me questionava se valia a pena ficar aqui. Mas no fundo sabia que sim valia a pena estar longe, sim valia a pena estar só, sim valia a pena continuar sendo estudante pobre e tudo isso. Quando você fica doente está muito mais vulnerável e emocionalmente fraco.

Momentos de crise

Manuel Ângela

Tenho tido momentos difíceis, mas depois do primeiro ano nunca pensei seriamente em voltar ao meu país sem acabar o mestrado, quando decidi fazê-lo aqui.

Depois de mais ou menos 2 ou 3 meses de ter chegado tive a primeira crise do doutorado e quis voltar. Perguntava-me o que estava fazendo aqui, para que vim, queria ir embora. Não fui embora porque me custa muito abandonar as coisas que começo. E também porque essas são sensações que vivi em outro momento e que muitas vezes correspondem a um estado de ânimo específico e não a um desejo real. O que acontece é que nesse momento você fica mais susceptível por ficar longe das pessoas que quer e do entorno. Se sente uma vontade de ir embora logo. Mas acho que têm muito a perder quando deixa tudo por um impulso.

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Page 47: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Acho que isso é válido e que se a pessoa acha que não quer ficar mais tempo pode ir embora. Mas acho que isso não pode acontecer frente a um impulso, mas frente a algo mais elaborado. Só agora tenho a sensação real de ter que ir embora, pela situação familiar, porque isso não só tem a ver comigo mas também com minha mãe e meu irmão. Eu vou embora porque ha outras prioridades, não só por mim.

Situação econômica

Manuel ÂngelaA bolsa era suficiente alugando um quarto só e obviamente sem nenhum luxo.Não tive dificuldades nesse sentido.

Tive uma bolsa que dava para o básico. Mas pelo menos consegui morar sozinha o tempo todo, nunca recebi dinheiro da Colômbia.

Acho que agente tem que se reconhecer como estudante no exterior, e que não vai morar numa casa como a que tem no seu país, nem vai ter comodidades nem luxos. Como estudante tem que viver com o básico e se você não entende isso não vai conseguir se adaptar e vai se frustrar.

Opinião do Brasil

Manuel Ângela

As pessoas são muito amáveis, mas obviamente tem todo tipo de gente. É claro que a PUC é outro Brasil. Há pessoas com muito dinheiro e que nem falam com você pelo fato de ser estrangeiro. Mas também tem gente muito amigável e sem preconceitos.

Em outros aspectos, gosto muito da música e da comida.

Mas só posso falar do Rio porque não conheço outras cidades.

Gosto da alegria das pessoas. Sempre estão contentes, é difícil vê-los tristes, não importa a situação, sempre riem. É um povo mais feliz, pelo menos aparentemente.

Brasil é um país muito rico em muitos aspectos. Musicalmente conheci muitos ritmos que não sabia que existiam.Gosto também da variedade da comida.

Rio é uma cidade linda, mas também é uma cidade violenta, agressiva. O jeito como as pessoas conduzem seus carros, os ônibus, por exemplo. “Por favor” não existe no vocabulário carioca, quase que nem “obrigado”, não respondem uma saudação. Isso é um

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Page 48: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

choque para agente.

Outras coisas como a sujeira, e o comportamento das pessoas. Sinto o Rio sujo e acho isso agressivo e faz que me sinta violentada. Pela formalidade que a gente tem na Colômbia, tem muitas coisas que incomodam como a impontualidade, isso é agressivo para mim.

As aprendizagens

Manuel Ângela

Foi uma experiência muito boa para mim. Aprendi a me relaxar um pouco e não ficar tão preocupado com as coisas.

No Peru alguma coisa sai mal e se forma um grande problema com as pessoas. Mas aqui é muito mais relaxado e isso me tem tranqüilizado muito.

Fiz boas amizades e essas ficam comigo.Voltaria a fazer tudo de novo se tivesse que eleger.

Vou embora muito agradecido com o Rio e com o Brasil pela oportunidade.

Espiritualmente têm acontecido muitas coisas. Tenho tido vários encontros comigo mesma. Fiz terapia e percebi que tenho problemas de relacionamento. Não tinha percebido isso porque sou muito sociável. Aqui descobri muitas barreiras que tenho e comecei a trabalhar nelas.

Além disso, foi muito bom reafirmar que o que eu queria realmente era trabalhar, que era meu desejo desde vários anos atrás.

No emocional e no profissional foi muito importante.

3.3.3 Análise das entrevistas

São muitos os aspectos nos quais os entrevistados se diferenciam frente à sua

experiência no Rio.

É interessante observar que as razões para viajar ao Brasil são muito diferentes nos dois

casos. Manuel estava procurando opções de mestrado em outros países e fazendo os

processos necessários. Ele não tinha planejado vir ao Brasil, mas decidiu tentar e acabou

por ficar.

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Page 49: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Ângela, por outro lado, não tinha planejado continuar estudando e a opção de fazer um

doutorado no Brasil foi inesperada, mas aceita frente à situação de ficar sem trabalho no

seu país.

Antes da viagem Manuel já morava sozinho, enquanto a Ângela morava com sua

família, o que pôde influir no fato de que Manuel se mostrar mais independente

enquanto Ângela menciona que a família foi o mais difícil de deixar.

Por outro lado, frente à experiência dos primeiros meses no Rio, ambos os entrevistados

falam sobre as dificuldades, mas são claras as diferenças sobre a experiência do ponto

de vista emocional.

Manuel acha que sua dificuldade principal foi conseguir um lugar para morar, mas

lembrando a situação acha que emocionalmente não foi tão difícil assim. No entanto

Ângela fala de várias dificuldades (moradia, conflitos interpessoais, idioma, projeto de

vida) acompanhadas de uma situação emocional muito difícil. Ela se mostra muito

dependente de sua família e vínculos pessoais.

Assim mesmo, Manuel nunca teve uma crise na qual pensasse em voltar a seu país e

deixar o mestrado. No caso da Ângela as crises foram várias, razão pela qual não é uma

surpresa que Manuel ficou no Rio até acabar o mestrado, enquanto Ângela deixou o

doutorado um ano e quatro meses depois de iniciá-lo. Embora tenha razões de caráter

familiar, ela mesma acha que não estava satisfeita e que não teria deixado o doutorado

por si mesma, quer dizer, sem uma razão externa que a obrigasse a deixá-lo. Desse jeito

ela sente que não fracassou, segundo o falado na entrevista.

É interessante neste ponto o sentimento de culpa que aparece em Ângela e que não lhe

teria permitido voltar a seu país antes de acabar o doutorado, enquanto não fosse por

razões externas e especialmente de caráter familiar.

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Page 50: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Como se viu no primeiro capítulo, segundo Gonzáles Calvo (2006), a culpa é um

sintoma freqüente em muitos imigrantes. Adicionalmente, a tristeza acompanhada

geralmente pelo choro, são também sintomas muito comuns, que aparecem na Ângela

freqüentemente.

Por outro lado, centrando-nos agora nos diferentes aspectos do processo de adaptação, é

interessante que ambos os entrevistados fizeram amizade principalmente com pessoas

de seu país ou de sua mesma língua e não consideram os brasileiros que conhecem

como seus amigos. Esse fenômeno pode estar relacionado com um mecanismo de

defesa próprio do imigrante, onde a pessoa se aferra a seus padrões culturais, seus

costumes, sua língua, sua comida, sua música, se negando a incorporar os padrões

culturais do novo país.

Frente aos problemas de saúde, os dois entrevistados tiveram dificuldades nesse sentido,

afetando-os emocionalmente. Porém, mais uma vez o olhar sobre essa experiência é

muito mais prático no caso do Manuel e muito mais emocional no caso da Ângela.

É interessante observar que Ângela fala ao longo da entrevista sobre aspectos negativos

do Rio (sujeira, agressividade, violência, falta de educação das pessoas,

impontualidade). Evidentemente sua experiência de adaptação não foi tão boa e são

poucos os aspectos positivos que consegue resgatar do Brasil. Essa atitude pode ter a

ver com a etapa de adaptação correspondente à hostilidade descrita por Trivonovich

(1980), onde a pessoa se sente alheia à nova cultura e julga as diferenças como algo

negativo.

Adicionalmente, o mecanismo de defesa dos comportamentos regressivos de queixa e

raiva frente às múltiplas situações que experimenta o imigrante, pode se relacionar com

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Page 51: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

essa atitude, como uma reação de proteção da psique frente às ameaças e o estresse

causado pela interação com o ambiente.

No caso da Ângela, dado o alto nível de ansiedade e do abandono do projeto da viagem,

pode-se falar de um luto migratório complicado (Calvo, 2006), que não chegou a

alcançar as etapas de adaptação de integração e lar (Trivonovich,1980).

No caso do Manuel, o luto migratório foi elaborado de um jeito positivo, o que permitiu

um desenvolvimento bem sucedido do processo de adaptação. Nesse sentido Grinberg e

Grinberg (1994) mencionam que se a personalidade do imigrante tem sido sã, as

motivações da migração racionais, as condições nas que tem-se realizado adequadas e o

novo meio razoavelmente acolhedor, o imigrante será capaz de aprender o novo da

experiência e valorizar os aspectos positivos do novo país, o que fará possível um

enriquecimento psicológico e um ajuste real ao meio.

Sobre as aprendizagens, ambos coincidem em que foi uma experiência muito

enriquecedora como pessoas e falam de aspectos de si mesmos que descobriram graças

ao tempo que passaram no Brasil.

3.3.4 Os arquétipos presentes no processo de adaptação

Os seguintes são os resultados do questionário IMH, aplicado no final da entrevista. É

importante esclarecer que essa informação só é utilizada no presente estudo como um

complemento à informação obtida nas entrevistas e não como uma descrição exaustiva

do momento psicológico dos entrevistados.

Tendo em vista o anterior, é interessante observar os valores maiores e menores, como

um guia dos arquétipos constelados em cada caso.

Resultados IMH Manuel

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Page 52: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Arquétipos Valor AtribuiçãoInocente 21 LuminosoÓrfão 27 LuminosoGuerreiro 18 IndeterminadoServidor 21 LuminosoBuscador 25 LuminosoAmante 23 LuminosoDestruidor 22 LuminosoCriador 22 LuminosoMago 22 LuminosoGovernante 24 LuminosoSábio 25 LuminosoLouco 19 Luminoso

Resultados IMH Ângela

Arquétipos Valor AtribuiçãoInocente 18 IndeterminadoÓrfão 28 LuminosoGuerreiro 26 LuminosoServidor 18 IndeterminadoBuscador 28 LuminosoAmante 18 IndeterminadoDestruidor 27 LuminosoCriador 24 LuminosoMago 26 LuminosoGovernante 28 LuminosoSábio 25 LuminosoLouco 19 Luminoso

Embora sejam muitos os arquétipos que estão em jogo, a partir da informação obtida é

possível enxergar a influência de alguns deles relacionados com o processo de

adaptação.

Manuel apresenta traços característicos do arquétipo do Órfão, que tem a ver com a

sensação de empreender os caminhos com uma independência sadia, e se fazer cargo de

si mesmo como adulto. Nesse sentido, em Manuel o Órfão aparece desde o luminoso, na

sua capacidade de afrontar os desafios positivamente e na independência para

empreender o caminho sozinho.

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Page 53: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

Por outra parte, o arquétipo do Buscador aparece em Manuel, como uma pessoa

interessada no crescimento espiritual e em se enriquecer de cada situação afrontada.

Esse arquétipo é fundamental para uma boa adaptação na situação do imigrante, pois o

desejo de transformação é uma das razões mais importantes para empreender a viagem.

Por outro lado, as qualidades de liderança são fundamentais para planejar e executar as

idéias. Manuel conseguiu realizar seu projeto migratório realizando o mestrado. Sem

essa liderança própria do governante luminoso, o herói fica perdido em meio da

travessia, sem saber para onde ir, e muitas vezes abandonando a jornada.

Manuel se comprometeu com seu projeto de mestrado até o final e as dificuldades foram

confrontadas com otimismo. Deixou com tranqüilidade sua vida no Peru e empreendeu

uma nova jornada sem as dificuldades do apego neurótico. O Sábio aparece em Manuel,

especialmente na avaliação de sua viagem ao Brasil, tranqüilo e dando valor à sua

experiência e aos aprendizados no Rio. Agora que sua viagem acabou, se sente

agradecido pela oportunidade e vai embora com a satisfação do objetivo cumprido.

No caso da Ângela, o processo de adaptação e o desenvolvimento da viagem foram

diferentes.

Ela decidiu abandonar o doutorado e voltar ao seu país muito antes do planejado

inicialmente. Embora essa opção possa ser totalmente válida, ao longo da entrevista

Ângela mostra sentimentos negativos frente a sua experiência e seu balanço não é

otimista. Nesse caso o Inocente pode se apresentar desde seu aspecto sombrio, por meio

da projeção dos problemas pessoais no entorno, e os sentimentos velados de culpa, que

se encontram tráz a decisão de deixar o doutorado “para ajudar à família”. Ela mesma

considera que essa é uma forma de deixar tudo sem se sentir fracassada.

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Por outro lado, essa atitude também está relacionada com o aspecto sombrio do

Servidor, onde a pessoa auto-justifica suas decisões como um sacrifício por outros que

precisam de sua ajuda, enquanto atrai situações em que assume o papel de mártir o

vítima.

Nas dificuldades de relacionamento e nos conflitos interpessoais que acompanharam a

Ângela durante sua viagem, aparece o Amante desde seu aspecto sombrio, não sendo

possível o contato genuíno e desprevenido com as pessoas e o entorno.

Não entanto, é claro que também estão presentes aspectos luminosos, que permitiram a

Ângela, obter um crescimento e um aprendizado pessoal no tempo que permaneceu no

Brasil.

A necessidade de se enfrentar à experiência de morar sozinha e de se virar numa cidade

desconhecida e de ter que aprender outra língua para se comunicar, provavelmente

ajudaram a constelar o Órfão luminoso, para começar a desenvolver a independência

necessária.

Por outro lado, como vimos antes, o Buscador é um arquétipo fundamental na jornada

do herói. É ele quem ajuda a encontrar sentido nas novas situações e a procurar o

crescimento espiritual nas experiências vividas. A Ângela começou a fazer terapia

durante sua experiência no Rio e teve um processo pessoal que ela mesma classifica

como muito enriquecedor. O desejo de aprender sobre si- mesma e sobre a realidade, a

busca pelo sentido e o desejo de transformação, acompanharam a Ângela durante sua

jornada.

É interessante observar que Ângela tem muito presente o arquétipo do Destruidor, sem o

qual, não tivesse conseguido deixar o doutorado para voltar a seu país. Tanto na partida

como no retorno, o Destruidor ajudou a promover a viagem de ida e de regresso.

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Finalmente, o Governante luminoso se faz presente na Ângela, possivelmente desde sua

claridade de querer trabalhar e não continuar sua vida de estudante. Para ela, essa é uma

claridade que tinha há muito tempo, e que não deveu deixar pela oportunidade de

estudar de novo. A lucidez de saber o caminho, embora às vezes se tomem desvios, é

fundamental na viagem do herói.

4. Conclusões

O processo de adaptação de imigrantes voluntários tem múltiplas variáveis a considerar.

Todo imigrante passa por um luto migratório de cujo desenvolvimento vai depender, em

grande medida, uma adaptação positiva no novo ambiente.

As etapas desse processo podem variar de pessoa a pessoa e se apresentar de jeitos

diferentes em cada caso. Isso acontece porque existem múltiplos fatores associados no

processo de adaptação, entre os que se encontram fatores internos e externos antes e

depois da viagem.

O estresse produzido pela situação do imigrante pode até chegar a gerar problemas

clínicos como acontece no caso da síndrome de Ulisses. O individuo em situação de

imigrante desenvolve mecanismos de defesa que ajudam a sua psique a lidar com a

ameaça do entorno desconhecido.

Alguns dos fatores associados a uma adaptação exitosa são a possibilidade de voltar ao

país de origem, a idade do imigrante, a estabilidade do projeto migratório e a

possibilidade de manter contacto com a rede social do país de origem.

Por tudo o anterior, a experiência do imigrante pode ser uma vivência altamente

enriquecedora do ponto de vista pessoal. A viagem do imigrante pode ser fundamental

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Page 56: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

no caminho empreendido no processo de individuação. Nesse sentido, pode se comparar

a viagem do imigrante com a viagem do herói.

Nessa jornada, são muitos os arquétipos que têm um papel importante, mas alguns deles

tem maior relação com as diferentes etapas da viagem do herói.

O presente estudo permitiu observar que, nos casos observados, o lado luminoso dos

arquétipos do Órfão, Buscador, Governante, Sábio, Destruidor e Governante, foram

fundamentais no processo de adaptação dos imigrantes entrevistados.

O aspecto sombrio do Inocente, o Servidor e o Amante, também apareceram

obstaculizando o processo.

Embora o estudo realizado não permita de jeito nenhum tirar generalizações dos

resultados obtidos, por se tratar de um estudo principalmente qualitativo e com uma

mostra reduzida, é interessante observar que é possível encontrar relações entre o

processo de adaptação dos imigrantes voluntários e os arquétipos constelados.

Tendo em vista o grande número de imigrantes numa cidade como Rio de Janeiro, a

maneira de sugestão, a presente monografia poderia ser uma base para futuros estudos

sobre o desenvolvimento da adaptação e sua relação com o processo de individuação.

A jornada do herói se constitui numa metáfora sobre o desenvolvimento espiritual da

jornada empreendida pelo imigrante. Aprofundar nessa relação, desde a perspectiva

junguiana, poderia dar luzes sobre programas de apoio aos imigrantes em situação de

risco psicológico.

A jornada é longa e difícil, mas tarde o cedo Ulisses retornará a Ítaca.

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Page 57: O Imigrante: Um Olhar Arquetípico

5. Bibliografia

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TRIVONOVITCH, Gregory. Culture learning and culture teaching. Cambridge: Withrop Publishers.1980

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Referências na web

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Scholten, A. (2007). Grupos de Apoyo: ¿Cómo Ayudan? Obtido de Emory Healthcare: http://healthlibrary.epnet.com/GetContent.aspx?token=8482e079-8512-47c2-960c-a403c77a5e4c&chunkiid=125604

6. Anexos

6.1 Formato da entrevista

Dados gerais

1. Idade2. Sexo3. Tempo no Rio4. Escolaridade5. Estado Civil6. Profissão7. Nacionalidade

Perguntas entrevista

1. Quais as razões para vir ao Rio?

2. Como era a vida antes da viagem?

Características do grupo familiar Situação afetiva Saúde

3. O que foi o mais difícil de deixar?

4. Como foram os primeiros meses (desde o emocional)?

5. Por quanto tempo tinha planejado vir? Se cumpriu esse tempo?

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6. Como foi o processo de adaptação?

- Idioma

- Vivenda

- Amigos

- Satisfação com o programa acadêmico

- Desempenho acadêmico

- Situação econômica

7. Tem tido algum problema de saúde?

8. Mantém o contato com sua família e amigos? De que maneira isso influí na vida aqui?

9. Em algum momento pensou em voltar? Por que?

10. De que sente mais falta de seu país?

11. Quanto tempo lhe tomou se adaptar?

12. O que acha do Brasil? do Rio?

- Comida

- Cultura

- Geografia

- Pessoas

13. De onde são seus amigos?

14. Qual a aprendizagem que tem deixado a experiência até agora?

6.2 IMH – Indice de Mitos Heróicos

El “índice de mitos heroicos” (IMH) ha sido diseñado para ayudar a las personas a que se comprendan mejor a sí mismas y a los demás, a identificarse con los diferentes arquetipos activos de su vida. Cada persona recibe un valor numérico que indica su nivel de identificación con los arquetipos descritos. Los doce arquetipos son valiosos y cada uno tiene una importante contribución que hacer en nuestras vidas. Ninguno es mejor o peor, por consiguiente, no hay respuestas correctas e incorrectas.

Instrucciones Puntuar cada una de las 72 oraciones que componen el índice, según el grado en el cual describan su propia personalidad, tomando como referencia la siguiente puntuación:

1= Casi nunca me describe 2= Rara vez me describe 3= A veces me describe

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4= En general me describe 5= Casi siempre me describe

Es importante hacerlo tan rápido como sea posible, la primera reacción es frecuentemente el mejor indicador. Se ruega no omitir ninguno de los puntos, pues ello invalidaría los resultados. Si no se está seguro, marcar el valor que más se acerque y proseguir.

Cuestionario

1) Recojo información sin emitir juicios.

2) Me desoriento con tantos cambios en mi vida.

3) Mi proceso de autocuración me permite sanar a otros.

4) He decepcionado a los demás.

5) Me siento seguro/a.

6) Dejo el miedo de lado y hago lo que debe hacerse.

7) Antepongo las necesidades de los demás a las mías.

8) Intento ser auténtico/a donde me encuentre.

9) Cuando la vida se vuelve monótona, me gusta hacer cambios radicales.

10) Me satisface cuidar de los demás.

11) Los demás me encuentran divertido/a.

12) Me siento atractivo/a.

13) Creo que las personas en realidad no quieren herirse unas a otras.

14) De niño/a me descuidaron o engañaron.

15) Me siento más feliz cuando doy que cuando recibo.

16) Estoy de acuerdo con la frase: “Es mejor haber amado y perdido que no haber amado nunca”.

17) Vivo la vida plenamente.

18) Mantengo un sentido de perspectiva intentando tener una visión de largo plazo.

19) Me encuentro en pleno proceso de crear mi propia vida.

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20) Creo que existen muchas maneras positivas de examinar la misma cosa.

21) Ya no soy la persona que creí ser.

22) La vida es una angustia tras otra.

23) Lo espiritual me ayuda a explicar mi realidad.

24) Me resulta más fácil hacer cosas por los demás que por mí mismo/a.

25) Me siento pleno en las relaciones.

26) Las personas me buscan para orientarse.

27) Temo a los que tienen autoridad.

28) No me tomo las reglas muy en serio.

29) Me gusta ayudar a las personas a vincularse con otras.

30) Me siento abandonado/a.

31) Tengo momentos de grandes logros, en los que siento que los he conseguido sin esfuerzo.

32) Tengo cualidades de líder.

33) Estoy buscando maneras de mejorarme a mí mismo.

34) Puedo confiar en otros para cuidar de mí.

35) Prefiero estar al mando de las situaciones.

36) Intento buscar verdades detrás de las apariencias.

37) Mi vida exterior cambia cuando cambian mis pensamientos.

38) Desarrollo recursos, humanos o naturales.

39) Estoy dispuesto/a a correr riesgos personales para defender mis creencias.

40) No estoy cómodo/a si dejo pasar una injusticia sin desafiarla.

41) Me esfuerzo por encontrar objetividad.

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42) Mi presencia es a menudo un catalizador para el cambio.

43) Me divierto haciendo reír a la gente.

44) Utilizo la disciplina para alcanzar las metas.

45) Siento cariño por las personas en general.

46) Soy hábil para asignar tareas según las habilidades de cada persona.

47) Me resulta esencial mantener mi independencia.

48) Creo que todo y todos en el mundo están interrelacionados.

49) El mundo es un lugar seguro.

50) Personas en las que he confiado me han abandonado.

51) Me siento intranquilo/a.

52) Me desprendo de las cosas que ya no me sirven.

53) Me gusta animar a las personas demasiado serias.

54) Un poco de confusión es bueno para el alma.

55) Haberme sacrificado por otros me ha hecho ser una mejor persona.

56) Soy tranquilo/a.

57) Acostumbro enfrentarme con personas ofensivas.

58) Me gusta transformar situaciones.

59) La disciplina es la clave del éxito en todos los aspectos de la vida.

60) No me cuesta inspirarme.

61) No estoy a la altura de las expectativas que tenía para mí mismo.

62) Presiento que en algún sitio me espera un mundo mejor.

63) Doy por sentado que las personas que conozco son dignas de confianza.

64) Estoy intentando hacer realidad mis sueños.

65) Sé que mis necesidades serán resueltas.

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66) Tengo ganas de romper algo.

67) Intento manejar situaciones teniendo en cuenta el bien general.

68) Me cuesta decir que no.

69) Tengo muchas buenas ideas, pero poco tiempo para realizarlas.

70) Estoy buscando mejorar mi vida.

71) Personas importantes en mi vida me han decepcionado.

72) Buscar algo es tan importante para mí como encontrarlo.

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