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O IMPACTO DA FORMAÇÃO DE TRENS NA CAPACIDADE DE UM PÁTIO FERROVIÁRIO: UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DE SIMULAÇÃO DE EVENTOS DISCRETOS Francisco Eduardo da Silva Braga Orivalde Soares da Silva Júnior, DSc. Thales Augusto dos Santos, MSc. Departamento de Ciência e Tecnologia Instituto Militar de Engenharia RESUMO A análise de capacidade de pátios ferroviários é assunto de extrema importância e grande interesse de operadoras ferroviárias. A análise do nível de produtividade entregue pelas operações atuais nestes locais deve ser avaliada sempre a fim de se otimizar a utilização dos recursos existentes e evitar investimentos em infraestrutura desnecessários, que envolvem custos elevados. Neste contexto, este estudo tem o propósito de apresentar uma análise dos impactos gerados para a capacidade de um pátio ferroviário com base nas decisões para formação de trens com destino a este local, como alternativa à priorização de investimentos em superestrutura de via permanente. Como objetivo secundário, será apresentada uma breve avaliação da ferramenta escolhida para a simulação das operações realizadas. ABSTRACT The rail yards capacity is an extremely important issue and of great interest to railway companies. The productivity level analysis at these locations should always be evaluated to optimize the use of existing resources and avoid unnecessary investments in infrastructure, which involve high costs. Therefore, this study aims to present an analysis of the impacts on rail yard capacity based on the decisions to trains destined for this location as an alternative to prioritizing investments in track superstructure. As a secondary objective, a brief assessment of the tool chosen for the simulation performed will be presented. 1. INTRODUÇÃO O planejamento dentro do ambiente das operadoras ferroviárias é aspecto de suma importância, vistos os custos elevados envolvidos em qualquer investimento em recursos relacionados à operação ou manutenção ferroviária. Entre esses recursos, é possível destacar aqueles relacionados à infra e superestrutura de via permanente. Por isso, antes da decisão de investimentos nestas áreas é imperativa a avaliação do modelo de operação existente na região onde se deseja investir, visto que em muitas situações é possível tornar um processo mais produtivo ou então, fazer com que etapas da cadeia de processos mais demandadas sejam realocadas para etapas que apresentem maior ociosidade, reduzindo assim a necessidade de alocação de capital. A MRS Logística encontra-se inserida neste cenário, sendo responsável por operar uma das malhas ferroviárias mais importantes do Brasil, que interliga os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com 1.643 km de extensão. Aproximadamente 20% das exportações do país e cerca de um terço de toda carga transportada por trens passam pelos trilhos da MRS. Os produtos transportados pela operadora podem ser separados em dois grupos, aqueles que

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O IMPACTO DA FORMAÇÃO DE TRENS NA CAPACIDADE DE UM PÁTIO FERROVIÁRIO: UMA

ABORDAGEM ATRAVÉS DE SIMULAÇÃO DE EVENTOS DISCRETOS

Francisco Eduardo da Silva Braga

Orivalde Soares da Silva Júnior, DSc.

Thales Augusto dos Santos, MSc.

Departamento de Ciência e Tecnologia Instituto Militar de Engenharia

RESUMO A análise de capacidade de pátios ferroviários é assunto de extrema importância e grande interesse de operadoras ferroviárias. A análise do nível de produtividade entregue pelas operações atuais nestes locais deve ser avaliada sempre a fim de se otimizar a utilização dos recursos existentes e evitar investimentos em infraestrutura desnecessários, que envolvem custos elevados. Neste contexto, este estudo tem o propósito de apresentar uma análise dos impactos gerados para a capacidade de um pátio ferroviário com base nas decisões para formação de trens com destino a este local, como alternativa à priorização de investimentos em superestrutura de via permanente. Como objetivo secundário, será apresentada uma breve avaliação da ferramenta escolhida para a simulação das operações realizadas. ABSTRACT The rail yards capacity is an extremely important issue and of great interest to railway companies. The productivity level analysis at these locations should always be evaluated to optimize the use of existing resources and avoid unnecessary investments in infrastructure, which involve high costs. Therefore, this study aims to present an analysis of the impacts on rail yard capacity based on the decisions to trains destined for this location as an alternative to prioritizing investments in track superstructure. As a secondary objective, a brief assessment of the tool chosen for the simulation performed will be presented.

1. INTRODUÇÃO

O planejamento dentro do ambiente das operadoras ferroviárias é aspecto de suma

importância, vistos os custos elevados envolvidos em qualquer investimento em recursos

relacionados à operação ou manutenção ferroviária. Entre esses recursos, é possível destacar

aqueles relacionados à infra e superestrutura de via permanente. Por isso, antes da decisão

de investimentos nestas áreas é imperativa a avaliação do modelo de operação existente na

região onde se deseja investir, visto que em muitas situações é possível tornar um processo

mais produtivo ou então, fazer com que etapas da cadeia de processos mais demandadas

sejam realocadas para etapas que apresentem maior ociosidade, reduzindo assim a

necessidade de alocação de capital.

A MRS Logística encontra-se inserida neste cenário, sendo responsável por operar uma das

malhas ferroviárias mais importantes do Brasil, que interliga os estados de Minas Gerais, Rio

de Janeiro e São Paulo, com 1.643 km de extensão. Aproximadamente 20% das exportações

do país e cerca de um terço de toda carga transportada por trens passam pelos trilhos da MRS.

Os produtos transportados pela operadora podem ser separados em dois grupos, aqueles que

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compõem o Heavy Haul, como o minério de ferro e carvão mineral, e aqueles que compõem

o grupo chamado de Carga Geral, onde as mais variadas cargas são transportadas, podendo

ser citados os contêineres, produtos siderúrgicos, produtos agrícolas, areia e cimento, por

exemplo.

A operação desses dois conjuntos de cargas apresenta suas diferenças, como por exemplo sua

previsibilidade na circulação e a formação e ordenação de vagões das suas composições.

Então, será objeto de estudo, neste contexto, o impacto gerado na capacidade de um pátio

ferroviário com cenários onde há variação da operação, cujo foco principal será a formação

dos trens de carga geral, objetivando avaliar se alterações nesse processo evitariam uma

necessidade de investimento em superestrutura.

O trabalho foi organizado através de uma revisão bibliográfica, onde são levantadas

referências sobre aspectos da operação ferroviária em pátios e o uso de simulação no meio

ferroviário. A seguir é apresentada a metodologia utilizada, onde são descritas as

características do pátio selecionado para o estudo, a etapa inicial da avaliação com a definição

do gargalo, e por fim a análise da solução proposta, através de simulação de eventos discretos

utilizando o software AnyLogic ®. Ao final são apresentados os resultados obtidos, bem como

a conclusão acerca da hipótese inicial e propostas para avaliações futuras.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Segundo Rosa (2016), pátios ferroviários são locais que apresentam significativa

complexidade podendo ser um dos maiores gargalos de uma operação ferroviária. Em geral,

são locais compostos por linhas ferroviárias, material rodante necessário para execução das

manobras ferroviárias, áreas destinadas ao carregamento e descarga de produtos, além de

recurso humano treinado para sua operação. Nestes locais são executadas operações como

recepção de trens, desmembramento dessas composições, estacionamento, inspeção, e

limpeza de vagões, além da documentação, pesagem, operações de carga e descarga e

formação dos trens.

Ainda segundo Rosa (2016), estima-se que veículos ferroviários, principalmente os vagões,

gastem mais da metade de sua vida útil nas operações realizadas em pátios ferroviários, que

sozinhos podem ser responsáveis por mais de 50% dos custos de projeto de uma ferrovia,

impactando em três elementos principais: os valores gastos em investimentos, despesas com

operação e o valor de imobilização de material rodante.

Devido a todos esses fatores, deve-se sempre buscar a racionalização dos custos e o aumento

da capacidade para o atendimento de metas futuras de demanda. Esta ideia também é

discutida por Veloso (2008), que cita que o cenário ideal de capacidade para um dado sistema

conjuga custos mínimos de operação com um nível de atendimento máximo da demanda,

alinhadas as estratégias da empresa.

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Uma das metodologias existentes para medição da capacidade é a simulação. Freitas Filho

(2008) define simulação como um processo amplo, que não só engloba a construção do

modelo do sistema a ser simulado, mas também todo o método experimental posterior a esta

etapa, que é composto por uma descrição do comportamento do sistema, a construção de

hipóteses e teorias com base em observações e a utilização do modelo criado para prever

efeitos gerados por alterações no sistema ou nos métodos empregados em sua operação.

Chwif e Medina (2015) complementam a definição anterior caracterizando o modelo de

simulação. Definindo-o como uma abstração da realidade, representando de forma

aproximada o comportamento do sistema, porém de uma forma mais simples que o sistema

real. Descreve que essa simplificação é importante pois a intenção principal da modelagem é

a captura do que realmente importa para o objetivo em análise, dentro de todo o sistema

avaliado.

Por fim, Santos (2014) descreve as vantagens da simulação em um contexto de um sistema

ferroviário em relação a outros métodos de Pesquisa Operacional. Cita como características a

simplicidade e flexibilidade de aplicação do método, pelo mesmo permitir ajustar o nível de

detalhes implementados no modelo de acordo com cada caso, diferente de um modelo

analítico onde existe a necessidade de hipóteses simplificadoras e específicas.

3. METODOLOGIA DE PESQUISA

A metodologia aplicada ao estudo pode ser dividia em duas etapas: a primeira consiste em

uma revisão do estudo feito por Barra (2017), que apresentou uma metodologia de avaliação

estática da capacidade do pátio de Joaquim Murtinho, através de uma avaliação da ocupação

dos recursos do pátio considerando sua maior ocupação, resultante da configuração dos trens

e sua operação; a segunda trata-se da avaliação dinâmica, onde foi estudada a proposta de

solução para o gargalo encontrado na primeira etapa, através de uma simulação de eventos

discretos, utilizando o software AnyLogic ®.

A decisão por essa divisão foi tomada com o objetivo de reduzir o tempo gasto com o modelo

de simulação, permitindo que os esforços de programação computacional fossem realmente

direcionados para os gargalos encontrados na primeira etapa. A construção do estudo desta

forma é importante, também, para a validação do modelo dinâmico, que será detalhada

posteriormente. Um resumo da metodologia pode ser observado no fluxograma apresentado

na Figura 1.

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Figura 1 – Fluxograma da Metodologia Aplicada

Fonte: Elaborado pelo autor.

3.1. Características do Pátio Ferroviário Estudado

O pátio de Joaquim Murtinho situa-se em posição estratégica para o atendimento de trens de

Carga Geral para a MRS Logística. Situado em Minas Gerais, na região de Conselheiro Lafaiete,

é responsável por processar todo o volume com origem ou destino em regiões do estado, com

exceção àquelas direcionadas a Belo Horizonte. Através do pátio, são acessados os ramais de

Lafaiete Bandeira, onde é atendido o terminal da Usiminas, e Ouro Branco, onde são

atendidos clientes como Gerdau Açominas e o pátio de transbordo de granéis da Vale. Além

dos acessos a estes ramais, na porção superior do pátio está localizado o terminal de

carregamento de minério de ferro da empresa SCOF.

A distribuição das linhas do pátio é apresentada na Figura 2. Atualmente existem sete linhas

no pátio, além da linha de circulação que liga a Linha do Centro ao ramal do Paraopeba, e a

meia pera, onde são carregados trens de minério no terminal da SCOF. Com exceção da linha

14, que dá acesso ao terminal de minério e também é utilizada para este atendimento, as

demais linhas do interior do pátio são utilizadas para recebimento de trens com origem e

destino aos ramais de Lafaiete Bandeira e Ouro Branco e também para manobrá-los.

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Figura 2 – Layout do Pátio de Joaquim Murtinho

Fonte: Adaptado de MRS Logística (2020).

O acesso para trens com destino ao pátio de Joaquim Murtinho é realizado através de um

travessão com origem na linha de circulação na inferior do pátio e que dá acesso a todas as

outras sete linhas do interior do pátio. No cenário avaliado, todas as manobras utilizam como

alça as linhas dos ramais, tanto pelo seu comprimento quanto pela proximidade da estação.

Existe também uma alça na porção inferior do pátio, com comprimento útil de

aproximadamente 550 metros, que é utilizada para recuo dos trens da SCOF durante as

operações do terminal, como a pesagem no início e final do carregamento.

Quanto aos trens de carga geral que são processados no pátio, todos seguem um modelo de

atendimento de grade horária, tendo horário definido para chegada e partida. Todas as

manobras de classificação e formação dos vagões devem estar contidas neste intervalo, entre

o seu horário de chegada e o horário de partida do prefixo que será seu destino. Para

atendimento dos clientes dos ramais de Bandeira e Ouro Branco, são utilizados prefixos de

manobras, responsáveis tanto pelo transporte dos vagões carregados quanto os vazios, nos

dois sentidos.

Tabela 1 – Grade horária de trens avaliada

Partidas Chegadas

Prefixo Horário Prefixo Horário

KCP11 01:25 KRC 04:15

CCC11* 03:00 CZC01** 07:30

CCZ01** 04:00 KSC01 08:40

KCP01 12:35 CCC01* 09:30

KCE11 14:30 KPE11 14:00

CCZ11** 15:30 FZC11** 21:00

CCC51* 17:00 CCC31* 22:00

KPE11 21:00 KPC 23:50

KCS 23:30

* Prefixo de atendimento aos clientes no ramal de Lafaiete Bandeira ** Prefixo de atendimento aos clientes no ramal de Ouro Branco

Fonte: Elaborado pelo autor.

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3.2. Análise Estática

A realização da análise estática como primeiro passo antes da simulação é vantajosa ao estudo

pelos seguintes motivos:

• Redução dos esforços computacionais empregados para análises de etapas do

processo que não são gargalos ou não impactam significativamente o resultado do

estudo. Assim, através de uma análise que englobe a situação de maior ocupação do

pátio, onde consideramos que todos os trens serão processados com seus maiores

comprimentos possíveis, pode-se analisar, por exemplo se a quantidade de linhas

existentes é capaz de suprir a demanda gerada por estas características operacionais.

Em caso positivo, visto que foi realizada uma análise do maior cenário de ocupação

possível e uma restrição não foi observada nesse aspecto, o tempo gasto com a

modelagem e obtenção de estatísticas de diversos cenários do modelo pode ser

direcionado para outras etapas do processo;

• Levantamento de dados de entrada para a simulação. Nesse aspecto, pode ser citada

a padronização de entrada, processamento e saída dos trens no pátio, que se faz

necessária visto a complexidade em se avaliar em um modelo de simulação as decisões

que o operador toma na execução diária. Essa padronização é necessária para uma

análise primária estática, em que se calcula a ocupação das linhas ao longo do dia,

sendo também importante para definir as janelas de operação de cada trem dentro do

modelo de simulação, mesmo que o tempo de execução dessas atividades seja

variável;

• Facilitar a validação do modelo. Para a construção da ocupação estática é necessário

entender os horários de grade, tempo de permanência e os tipos de manobra de

classificação e formação dos trens. Para garantir que a maior proximidade com a

realidade possível, todo este processo de construção é realizado em conjunto com as

equipes operacionais, responsáveis pela execução do projeto estudado. Desta forma

garante-se, também que as movimentações de vagões e formação de trens simuladas

sejam fiéis à realidade, validando o modelo construído.

O método escolhido para a execução da análise estática foi o proposto por Barra (2017). As

vantagens obtidas através deste método são a boa representação da ocupação das linhas do

pátio, sendo um método com posterior aplicação em meio operacional, e o fato da utilização

do pátio de Joaquim Murtinho como foco do estudo pelo autor, necessitando assim apenas

de atualização dos dados utilizados.

Entre as atualizações realizadas está a grade de trens, que é revisada mensalmente, sendo

necessário trazer o estudo para o ano de 2020, em contrapartida aos dados utilizados de 2017.

Essa primeira atualização resultou em diferentes prefixos, que são códigos de três letras e

quatro números utilizados para designar determinado trem (para fins de simplificação, os

números são omitidos ao longo do texto), em comparação aos dois estudos, e

consequentemente diferentes origens e destinos dos vagões, além de diferentes horários de

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formação dos trens. A segunda atualização, que gera significativo impacto ao resultado do

estudo, foi a alteração do posicionamento do travessão de entrada do pátio, como pode ser

visto na Figura 3. Essa mudança permitiu que os trens de minério com destino a SCOF

pudessem entrar no pátio e seguir direto para a linha 14, onde realizariam a carga. Com o

posicionamento anterior deste travessão, esta operação não era possível, sendo necessário

ocupar alguma das linhas do pátio mais próximas à linha de circulação, movimentar-se para

uma alça de manobra e depois recuar na linha 14, o que consumia capacidade tanto das linhas

do pátio quanto da alça.

Figura 3 – Alterações no Layout do Pátio de Joaquim Murtinho

Fonte: Adaptado de MRS Logística (2020).

Definidas as atualizações necessárias, o próximo passo consistiu em realizar o levantamento

dos dados para execução da análise, conforme definidos por Barra (2017), sendo eles:

infraestrutura do pátio, demanda e comprimento por tipo de trem e o tipo de operação

realizada, definindo assim a ocupação das linhas do pátio, conforme a Figura 4.

Figura 4 – Planejamento de ocupação das linhas do pátio

Fonte: Elaborado pelo autor.

Como pode ser observado na Figura 4, além da ocupação das linhas pelos prefixos com destino

ao pátio, foram definidos também quais grupos de vagões que tem origem nesses trens e

constituem os demais prefixos que são formados no pátio, podendo ser avaliadas desta forma

, quais são as movimentações necessárias e definir qual a linha mais adequada para receber

esses trens com base na quantidade de grupos de vagões e no seu comprimento.

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Após a definição de ocupação das linhas e da análise de tempos e movimentos, que

considerou para cada etapa de movimentação dos vagões, a retirada dos vagões da

composição original, realização das chaves, circulação até a alça, recuo e anexação na linha e

composição de destino, com duração 20 minutos médios para cada grupo de vagões a ser

processado, foi possível atualizar os resultados da análise estática e os possíveis gargalos da

operação do pátio.

Tabela 2 – Comparação dos Resultados da Análise Estática

Recurso BARRA (2017) Atualização

(2020)

L2 22% 60%

L4 13% 32%

L6 33% 78%

L8 30% 45%

L10 26% 69%

L12 9% 5%

L14 64% 47%

Travessão Sup. 77% 68%

Fonte: BARRA (2017) e o autor.

Assim, é possível observar que houve acréscimo significativo na ocupação das linhas, porém

elas ainda não sinalizaram um problema de capacidade, e mesmo aquelas com maior

ocupação, ainda poderiam sofrer uma realocação da demanda previamente padronizada,

durante a operação diária, para outras linhas, gerando assim uma melhor distribuição desses

vagões. Porém, o gargalo encontrado por Barra (2017) no travessão superior que liga as alças

de manobra, que teve sua ocupação reduzida, ainda sinalizou uma situação problemática de

capacidade no futuro, e assim se tornou objeto de análise para as simulações.

3.3. Avaliações Dinâmicas

Após finalizadas a análise estática, iniciou-se o processo de construção do modelo para análise

dinâmica, através da simulação de eventos discretos. Como ferramenta escolhida para realizar

as simulações, está o AnyLogic ®. Software de utilização recente no cenário nacional de

operadoras ferroviárias, possui algumas características facilitadoras para avaliação de pátios

e terminais em escala. Além do grande potencial de descrição das atividades realizadas no

pátio através da linguagem de programação Java, apresenta uma interface gráfica detalhada

e uma biblioteca própria para ferrovias, que permite utilizar como entrada as características

dos trens como velocidade, aceleração e comprimento dos veículos, bem como controlar

recursos de pátios como posicionamento dos AMVs.

3.3.1. Objetivo do Modelo e Levantamento de Dados Iniciais

Definido o gargalo para as operações do pátio, iniciou-se a fase de avaliação das possíveis

mudanças operacionais capazes de reduzir a utilização da alça de manobra. Entre as

possibilidades avaliadas, foi analisada a formação dos trens que têm como destino o pátio de

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Joaquim Murtinho. A fim de se reduzir a quantidade necessária de voltas de manobra e

consequentemente a ocupação da alça do pátio, o ideal seria que os vagões que tivessem o

mesmo destino fossem anexados em sequência na composição. Desta forma, o número de

cortes da composição de origem seria reduzido, e grande parte dos vagões poderiam ser

levados para seu destino de uma única vez.

A restrição para que todos os vagões de um mesmo destino sejam posicionados em sequência

na composição é seu peso. Pela regra de formação, três grupos de peso podem ser divididos

na composição: i) Primeiro grupo engloba vagões com até, no mínimo, 75 toneladas brutas,

onde a variação de peso do vagão posterior para os vagões anteriores não pode superar 40

toneladas brutas; ii) o segundo grupo segue a mesma lógica do primeiro, porém o limite de

peso varia de no máximo 75 até no mínimo 40 toneladas brutas e a variação não pode ser

superior a 30 toneladas entre os vagões; iii) no último grupo estão os vagões com até 40

toneladas brutas e não há limite para a variação de peso.

Assim, definidas as regras de formação dos trens, o próximo passo realizado foi o

levantamento dos grupos formadores dos trens com destino ao pátio de Murtinho. Os grupos

foram divididos por tipo de vagão e destino do mesmo. A primeira estatística relativa a estes

grupos levantada foi a probabilidade de que cada prefixo contenha uma quantidade

determinada de grupos de vagões, descritas na Tabela 3.

Tabela 3 – Probabilidade de cada prefixo conter determinado número de grupos de vagões

Probabilidade Acumulada por Total de Grupos de Vagões Prefixo 1 2 3 4 5 6 7

KRC 1% 8% 18% 35% 70% 83% 100%

KSC 38% 78% 95% 100% - - -

KPE 27% 49% 73% 82% 85% 93% 100%

KPC 10% 61% 87% 96% 98% 100% -

Fonte: Elaborado pelo autor.

Após a definição da quantidade de grupos de vagões por trem, foi necessário definir a

característica de cada grupo, incluindo o tipo de vagão e destino, a quantidade de vagões

contidos e seu peso. Além das probabilidades levantadas para sorteio dessas características,

existem restrições para o sequenciamento desses vagões, como o peso e a garantia de que

não existem grupos idênticos sorteados em sequência, o que para lógica do modelo seria

tratado como um único grupo. Os sorteios que violavam algumas dessas características eram

automaticamente descartados e refeitos. Exemplo do formato de dados levantados para estes

sorteios são apresentados na Tabela 4.

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Tabela 4 – Exemplo de Características de Grupo de Vagões Sorteadas para o KPC.

Grupo Tipo

Vagão Prefixo Destino

Probabilidade de

Ocorrência

Quantidade de Vagões

Probabilidade de Ocorrência por Categoria de Peso do Grupo de Vagões

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

1 P CCZ 43% TRIA(1, 30, 69) 0% 0% 100% CCC 55% TRIA(2, 27, 70) 0% 0% 100% KCE 3% TRIA(10, 12, 13) 0% 0% 100%

2 P

KCP 11% TRIA(5, 14, 25) 0% 0% 100%

CCZ 56% TRIA(1, 27, 62) 0% 0% 100%

CCC 33% TRIA(9, 30, 45) 0% 0% 100%

3 P

KCP 10% TRIA(10, 20, 33) 0% 0% 100% CCZ 39% TRIA(10, 25, 51) 0% 0% 100% CCC 45% TRIA(4, 22, 42) 0% 0% 100% KCE 6% TRIA(4, 7, 9) 0% 0% 100%

4 P

KCP 18% TRIA(2, 6, 10) 0% 0% 100%

CCZ 45% TRIA(5, 10, 17) 0% 0% 100%

CCC 36% TRIA(4, 13, 31) 0% 0% 100%

5 P CCZ 33% TRIA(12, 15, 17) 0% 0% 100% CCC 33% TRIA(3, 6, 7) 0% 0% 100% KCE 33% TRIA(1, 2, 2) 0% 0% 100%

6 P CCZ 50% TRIA(27, 39, 41) 0% 0% 100%

CCC 50% TRIA(2, 6, 8) 0% 0% 100%

Fonte: Elaborado pelo autor.

Por fim, foi avaliada a quantidade de vezes que um trem teria uma formação incorreta, ou

seja, o percentual de trens que teriam alguma oportunidade de redução do número de cortes

de grupos de vagões do restante da composição, respeitando as restrições de peso. Os valores

reais são apresentados na Tabela 5. Esses valores foram levantados considerando um histórico

dos primeiros cinco meses do ano, como para as demais estatísticas apresentadas ao longo

deste estudo, e foram usados na calibração do modelo, que será explicada posteriormente.

Tabela 5 – Planejamento de ocupação das linhas do pátio

Prefixo Percentual de

Formações Incorretas

KRC 20,8%

KSC 6,4%

KPE 16,2%

KPC 25,3%

Fonte: Elaborado pelo autor.

3.3.2. Validação do Modelo

Após a definição das estatísticas principais que servirão como entrada para o modelo,

apresentadas na seção anterior, bem como sua construção, é necessário realizar sua

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validação. Esta etapa tem por objetivo garantir que o modelo represente com fidelidade o

sistema o qual se deseja representar.

O método aplicado para validar o modelo no estudo, foi divido em duas etapas. A primeira

consistiu em uma apresentação da lógica implantada de operação do pátio para as equipes de

execução, caracterizando uma validação qualitativa, garantindo que a processo simulado

cumpra etapas similares aos reais, sendo validadas por especialistas da área. O software

escolhido facilita esta operação, devido ao potencial gráfico e a lógica de circulação no pátio

ser representada durante a construção do modelo, em escala. Desta forma, ficou garantido

que dados e processos utilizados como entrada no modelo, como a padronização da ocupação

das linhas, velocidades dos trens, detalhamento da carga dos trens de minério no terminal da

SCOF e a forma como são realizadas as manobras e a consequente ocupação da alça de

manobra, estão coerentes com a operação real, sendo validadas por quem executa essas

atividades.

Dentro dessa primeira etapa de validação, foi explorada a lógica de manobra e formação dos

trens de Carga Geral, bem como a partida dos trens do pátio, aqui também considerando os

trens de Heavy Haul, sendo essas as atividades que consomem o tempo de ocupação da alça

e consequentemente sua capacidade. A fim de garantir uma lógica geral e funcional para

formação dos trens, porém similar ao que é realizado no sistema real, foram consideradas

duas atividades para que esse objetivo fosse alcançado.

A primeira consistiu em realizar atividades que classificassem os vagões das linhas de origem

nas linhas de destino de acordo com o novo prefixo que esses vagões formariam, de acordo

com a padronização de ocupação definida. Assim, as atividades de corte da composição por

destino, circulação até a alça de manobra e recuo na linha de destino, foram consideradas

nessa etapa.

A segunda atividade, de grande importância para garantir a regra de formação dos trens

apresentada, teve por objetivo organizar a composição, após a classificação por destino, de

acordo com seu peso. Garantindo, assim, que vagões de grupos mais pesados entre os três

descritos ficassem mais à frente do início do trem, sendo seguidos pelos grupos mais leves.

Essa atividade realizava as mesmas operações descritas na atividade anterior, porém não há

linha de classificação definida inicialmente, sendo utilizada uma linha vazia do pátio.

A segunda etapa visa garantir que os dados de saída do modelo também estejam adequados

para que as análises sejam realizadas. Para essa validação foi escolhida a média diária de

ocupação da alça de manobra calculada no modelo, pela sinalização de gargalo nessa região,

apresentada na Figura 5. A forma para validação escolhida foi a comparação dos dados

simulados com os dados já validados da análise estática. Esta decisão foi tomada devido à

inexistência de dados medidos no sistema real, gerando a necessidade de comparação com

dados teóricos validados.

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Figura 5 – Exemplos de Ajustes Realizados na Composição

Fonte: Elaborado pelo autor.

Garantida a validação do modelo com dados relativos ao cenário praticado atualmente, pôde-

se iniciar a etapa de experimentação com foco em testar se a hipótese levantada surtiria efeito

sobre a ocupação da alça de manobra, gerando uma redução no tempo ocupado diariamente.

3.3.3. Definição dos Cenários da Simulação

Após a validação do modelo e definição do gargalo das operações do pátio que será estudado,

foram definidos os cenários que serão analisados. Para ambos o volume considerado foi o

mesmo, garantindo o foco nos trens de Carga Geral que demandam maior tempo de ocupação

da alça. Assim, foi considerado que todo prefixo que tem destino ao Murtinho tem frequência

de um trem por dia, ou seja, não supressão desses trens. Esses prefixos que tem como destino

o pátio de Joaquim Murtinho fazem por meio do sorteio dos grupos de vagões que os

compõem, conforme descrito anteriormente, a formação dos prefixos que tem origem no

pátio. Foi considerado ainda a frequência de dois trens de minério por dia, aproximadamente,

sendo processados no pátio.

Assim, os dois cenários simulados e comparados foram:

A) Cenário atual, conforme o volume descrito, considerando a quantidade de formações

com oportunidades de melhorias descritas anteriormente, levantadas de acordo com

o histórico de formação;

B) Cenário ajustado, ou seja, à fim de se avaliar se a formação correta de todas as

composições que tem destino o pátio de Joaquim Murtinho reduziria

significativamente a ocupação da alça, pela consequente redução no número de cortes

da composição, foram consideradas todas as características do cenário anterior,

porém realizando um ajuste na formação das composições, garantindo que vagões do

mesmo destino sempre sejam sequenciados, respeitando a regra de formação por

peso.

Esses cenários são ilustrados na Figura 6.

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Figura 6 – Exemplos de Ajustes Realizados na Composição

Fonte: Elaborado pelo autor.

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Diante da comparação dos resultados das médias, que foram respectivamente 48,5% para o

cenário ajustado e 48,9% para o cenário atual, além da dispersão desses valores que pode ser

avaliada no gráfico da Figura 7, percebe-se que não houve impacto significativo na redução da

ocupação da alça, e que mesmo com a garantia de que todos os trens tivessem a sua formação

otimizada, ainda teríamos dias com ocupação alta, próximos do patamar de 70%.

Figura 7 – Distribuição da Ocupação da Alça de Manobra ao Longo dos Dias

Fonte: Elaborado pelo autor.

Esse fator pode ser explicado pela baixa frequência de erros identificados inicialmente,

conforme mostrado na tabela 5, e também pelos tipos de incoerências encontradas. Mesmo

encontrando oportunidades de melhorias na formação das composições, a quantidade de

ajustes que foram necessários foi mínima. Essa característica pode ser explicitada através do

indicador que mede a quantidade de cortes realizados nas composições que têm como

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destino o pátio de Joaquim Murtinho. A redução no número de blocos divididos da

composição original indica uma menor necessidade de movimentação sobre a alça de

manobra e consequentemente sua ocupação. Esse indicador pode ser observado na Tabela 6

abaixo.

Tabela 6 – Distribuição e média de cortes realizados por prefixo para cada cenário

Nº de cortes

KPE KRC KPC KSC

Ajustado Atual Ajustado Atual Ajustado Atual Ajustado Atual

1 42% 46% 1% 2% 11% 10% 41% 42% 2 42% 27% 10% 12% 77% 65% 44% 41% 3 14% 16% 34% 18% 12% 18% 14% 13% 4 3% 8% 43% 35% 0% 6% 1% 3% 5 0% 1% 11% 20% 0% 0% 0% 0% 6 0% 1% 0% 9% 0% 2% 0% 0% 7 0% 0% 0% 2% 0% 0% 0% 0%

Média 1,78 1,92 3,54 3,95 2,02 2,26 1,75 1,76

Fonte: Elaborado pelo autor.

5. CONCLUSÃO

Conclui-se que em relação à ocupação da alça de manobra, a melhoria do processo de

formação dos trens com a redução na média de cortes, não é suficiente para eliminar um

problema de capacidade desta região do pátio. Atualmente, a configuração de trens e

operações é suportável, porém, um incremento de volume pode resultar em problema mais

grave relativo à capacidade de processamento das composições.

Porém, antes de passarmos para uma avaliação de solução para este gargalo que envolva

algum investimento em superestrutura de via permanente, é necessário avaliar a utilização

da alça inferior do pátio como alternativa para a redução dessa ocupação, realizando

parcialmente ou totalmente as manobras dos trens de Carga Geral nessa região, quando não

ocupada por trens de minério em operação no terminal da SCOF.

Em relação à ferramenta escolhida para avaliação do sistema, a resposta obtida foi bem

positiva. Seu grande facilitador para análise do pátio está na construção de modelos em

escala, e na observação das atividades realizadas pelas composições de forma fluída, além da

possibilidade de controle de recursos ferroviários, como AMVs e vagões, de forma nativa. Por

fim, o software apresenta grande potencial avaliações de modelos que englobem as

características detalhadas no estudo.

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Bibliografia

BARRA, CRISTÓVÃO DE ALMEIDA. Avaliação de capacidade de processamento e utilização do

pátio ferroviário de Joaquim Murtinho. Artigo do Curso de Especialização de Transporte de

Cargas, Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, 2017.

CHWIF, LEONARDO; MEDINA, AFONSO CELSO. Modelagem e simulação de eventos discretos:

teoria e aplicações. 4. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

DOS SANTOS, THALES AUGUSTO. Um modelo de simulação para análise de desempenho de

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Janeiro, 2008.

FREITAS FILHO, PAULO JOSÉ DE. Introdução à Modelagem e Simulação de Sistemas com

Aplicações em Arena. 2. Ed. Florianópolis: Visual Books, 2008.

VELOSO, SABRINA. Desenvolvimento de modelo lógico e aplicação ferramental para

avaliação de capacidade de pátios ferroviários, Revista Militar de Ciência e Tecnologia, 2008.