O Inspetor Geral

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Diagramação do livro O Inspetor Geral, de Gógol.

Transcript of O Inspetor Geral

  • A UNESCO anunciou o ano de 2009 como o ano de Ggol e inmeras ex-posies e eventos esto previstos para este ano na Rssia e no mundo todo em comemorao ao bicentenrio do nascimento deste gigante da literatura russa.

    Personalidade bastante singular, altamente enigmtica, Ggol deixa-se re-velar em mutiso de seus escritos. A obra de Ggol como um todo tem sido considerada por uma parcela da crtica como expresso satrica da realidade russa na primeira metade do sculo 19, detectando-se uma maneira peculiar de ver o mundo e as coisas, isto , sua ptica desautomatizante.

    O trao da obra gogoliana se revela por meio de uma espcie de acumulao absurda de detalhes que fazem da realidade um aglomerado de elementos contraditrios, mas que revelam na sua mais profunda essncia, tornando esse caos fantstico e desconexo a sua mais fiel expresso.

    Nos textos de Ggol o sobrenatural e o inusitado surgem naturalmente do real e o absurdo que da resulta se destaca do cotidiano mais comezinho no qual todos os opostos se tocam e onde o trgico e o cmico se mesclam a elementos de terror e humor.

    Os textos de Ggol so, portanto, poesia em ao e, como tal, podem desve-lar os mistrios do irracional, mesmo que, muitas vezes, sob as mscaras da racionalidade.

  • Sumrio

    PerSonagenS ......................................................................... 11

    ato 1 ....................................................................................... 13

    ato 2 ...................................................................................... 41

    ato 3 ...................................................................................... 69

    ato 4 ..................................................................................... 105

    ato 5 ..................................................................................... 157

  • A culpa no do espelho se a cara torta.Provrbio popular

    o inSPetor geralComdia em 5 atos

  • Personagens

    antn antnovitch Skvoznk-DmukhanvSki: prefeito

    ana anDrievna: sua esposa

    mria antnovna: sua filha

    luk luktch khlPov: inspetor de escolas

    Sua eSPoSa

    amS FiDorovitch liPkin-tiaPkin: juiz

    artmi FilPovitch zemlianka: encarregado da assitncia social

    ivan kuzmtch chPkin: chefe dos correios

    Pitr ivnovitch DbtchinSki: pequeno proprietrio de terras

    Pitr ivnovitch bbtchinSki: pequeno proprietrio de terras

    ivan alekSnDrovitch khleStakv: funcionrio de Petersburgo

    SSiP: seu criado

    khriStian ivnovitch gubner: mdico da provncia

    FiDor anDreivitch liuliukv: aposentado, cidado respeitado

    ivan lzarevitch raStakvSki: aposentado, cidado respeitado

    StePan ivnovitch korbkin

    StePan ilitch ukhovirtov: comissrio de polcia

  • SviStunv: policial

    PgovitSin: policial

    DerjimrDa

    abDlin: comerciante

    Fevrnia Petrvna PochliPkina: a mulher do serralheiro

    michka: criado do prefeito

    um criaDo De hotel

    conviDaDoS e conviDaDaS, comercianteS, PequenoS burgueSeS e SolicitanteS

  • Ato

    1

  • Sala na casa do prefeito.

    Cena 1

    O prefeito, o encarregado da assistncia social, o inspetor de escolas, o juiz, o comissrio de polcia, o mdico e dois policiais.

    Prefeito

    Chamei-os aqui, meus senhores, para lhes dar uma notcia bem desagradvel. Est a caminho um inspetor geral.

    Ams Fidorovitch

    Como? Um inspetor?!!

    Artmi Filpovitch

    Como? Um inspetor?!!

    Prefeito

    Um inspetor de Petersburgo, incgnito. E, ainda por cima, em misso secreta.

    Ams Fidorovitch

    Essa no!!

    Artmi Filpovitch

    Era s isso que faltava!!

    Luk Luktch

    Santo Deus! E ainda por cima em misso secreta!

  • 15

    Prefeito

    Eu bem que pressentia: sonhei durante toda a noite com duas ratazanas impressionantes. Palavra de honra, nunca vi nada parecido: pretas, de tamanho sobrenatural! Chegaram bem perto, cheiraram e foram embora. Vou ler para os senhores a carta que recebi de Andrei Ivnovitch Tchmykhov, aquele que o senhor, Artmi Filpovitch, conhece bem. Olha o que ele escreve: Meu caro amigo, compadre e benfeitor... (Balbucia palavras a meia-voz, correndo os olhos com rapidez.) ...em inform-lo... Ah! Aqui: A propsito, apresso-me em inform-lo de que chegou um funcionrio autorizado a inspecionar todo o estado e principalmente o nosso distrito. (Levanta um dedo de forma significativa.) Soube disso por meio de gente de confiana,

    apesar de o ditocujo se apresentar como um indivduo qualquer. Como sei que voc, como todo mundo, tem l os seus pecadilhos, pois voc um homem inteligente e no gosta de deixar passar o que lhe cai nas mos... (Interrompe.) Bem, j que estamos entre ns... ...ento aconselho-o a tomar precaues, mesmo porque ele pode chegar a qualquer momento, se que j no chegou e est hospedado incgnito em algum canto... Ontem eu... Bem, aqui j vm assuntos de famlia: Minha irm Ana Kirlovna veio nos visitar com seu marido; Ivan Kirlovitch engordou muito e continua tocando violino... e etc. etc. Vejam s que situao.

    Ams Fidorovitch

    verdade. Que situao extraordinria, muito extraordinria! E no deve ser toa.

    Luk Lukitch

    Mas para qu, Antn Antnovitch, para que isso? O que vem fazer aqui um inspetor?

  • 16

    Prefeito

    Por qu?! S pode ser coisa do destino! (Suspira.) At hoje, graas a Deus, s se meteram com outras cidades, agora chegou a nossa vez.

    Ams Fidorovitch

    Eu acho, Antn Antnovitch, que isso a tem uma razo mais sutil e bem poltica. o seguinte: a Rssia... isso mesmo... a Rssia deseja fazer a guerra e a, vejam s, o ministrio manda um funcionrio espionar se h traio em algum lugar.

    Prefeito

    Mas que asneira! Um homem inteligente como voc! Traio numa cidadezinha dessas! Por acaso estamos numa fronteira? Daqui desta cidade, nem viajando trs anos seguidos voc pode chegar a algum lugar.

    Ams Fidorovitch

    No, no bem assim, o senhor no... eu quero dizer... Esses superiores so bem espertos: mesmo longe, esto sempre de olho vivo.

    Prefeito

    Estejam ou no de olho, os senhores j esto avisados. Prestem ateno: de minha parte, j dei algumas ordens e os aconselho a fazer o mesmo. Principalmente o senhor, Artmi Filpovitch! Sem dvida nenhuma, o tal funcionrio vai querer, antes de mais nada, averiguar as instituies da assistncia social sob sua responsabilidade; por isso, faa tudo ficar bem decente: os gorros devem estar

    limpos para que os doentes no paream ferreiros como sempre.

    Artmi Filpovitch

    Isso o de menos. At que d pra eles ficarem limpos.

  • 17

    Prefeito

    Isso mesmo. E tambm em cada cama deve-se escrever, em latim ou em qualquer outra lngua isto j com o senhor, Khristian Ivnovitch -, o nome de cada doena, quando o sujeito adoeceu, data, hora... Tambm no bom que os seus pacientes fumem um tabaco to forte, que faz a gente espirrar, logo ao entrar. E seria ainda melhor se tivssemos menos pacientes: podem at achar que so mal assistidos ou que o mdico no sabe nada de seu ofcio.

    Artmi Filpovitch

    Ah! Quanto questo clnica, eu e Khristian Ivnovitch j tomamos providncias: quanto mais prximo da natureza, melhor. No usamos remdios caros. Gente pobre simples: se tem de morrer, morre mesmo; se tem de sarar, ento sara mesmo. E tambm muito difcil para Khristian Ivnovitch se fazer entender: ele no sabe uma palavra de russo.

    (Khristian Ivnovitch deixa escapar um som meio parecido com a. letra i e um pouco com a letra e.)

    Prefeito

    E ao senhor, Amos Fidorovitch, eu aconselharia a prestar mais ateno nas reparties pblicas. L nas ante-salas, onde normalmente ficam os solicitantes,

    os contnuos criam gansos, e seus gansinhos ficam se enfiando entre as nossas

    pernas sem parar. E natural cuidar de animais domsticos, digno de louvor, e por que um contnuo no poderia faz-lo? S que, voc sabe, num lugar desses, no d... Sempre quis chamar sua ateno para isso; mas, sei l, me esqueci.

    Ams Fidorovitch

    Pois hoje mesmo vou mand-los todos para a cozinha. Se quiser, at pode vir almoar.

  • 18

    Prefeito

    Alm do mais, no bom que ponham para secar em sua repartio toda espcie de porcarias e que sobre a papelada Kc veja um chicote de caa. Eu sei que o senhor gosta de caar, mas melhor, pelo menos por um tempo, tir-lo dali. E, quando o inspetor for embora, ento o senhor pode pr tudo de novo no lugar. Agora, o seu juiz-assistente... ele, sem dvida, competente, mas tem um cheiro, como se tivesse acabado de sair de uma destilaria - isso tambm no bom. H limito tempo que eu queria lhe falar sobre isso, mas houve, no me lembro bem, um contratempo qualquer. Se, de fato, como ele diz, o seu cheiro lhe inato, ento h remdio contra isso. Vamos aconselh-lo a comer cebola, ou alho, ou qualquer coisa que o valha. Nesse caso, Khristian Ivnovitch pode ajud-lo com diversos medicamentos.

    (Khristian Ivnovitch deixa escapar aquele mesmo rudo.)

    Ams Fidorovitch

    No, j no mais possvel remediar: ele diz que, quando criana, a ama-de-leite o derrubou e, desde ento, sai dele esse cheirinho de vodca.

    Prefeito

    Bem, eu s queria lembr-lo. No que diz respeito organizao interna e quilo que Andri Ivnovitch em sua carta chama de pecadilhos, eu no tenho nada a dizer. E at estranho falar disso. No h uma pessoa que no tenha l seus pecados. Foi assim que o prprio Deus determinou e no adianta os voltairianos protestarem contra.

    Ams Fidorovitch

    O que que o senhor, Antn Antnovitch, entende por pecadilhos? H pecados e pecados. Posso falar abertamente para todo mundo que recebo propinas, mas que tipo de propina? Filhotinhos de cachorro. Mas isso j outra coisa.

  • 19

    Prefeito

    Ora, filhotinhos ou outra coisa qualquer, tudo suborno.

    Ams Fidorovitch

    No senhor, Antn Antnovitch. Pois veja, por exemplo, se o casaco de peles de certas pessoas custa quinhentos rublos, ou o xale para a esposa...

    Prefeito

    Bem, e da se o senhor recebe cachorros como propina? Em compensao, o senhor no acredita em Deus e nunca vai igreja; mas eu, pelo menos, tenho uma f inabalvel e todos os domingos vou igreja. Mas o senhor... Ah!, eu conheo o senhor muito bem: s comear a falar da criao do mundo e os cabelos se pem em p.

    Ams Fidorovitch

    E olha que tudo isso com minha prpria inteligncia.

    Prefeito

    Mas veja que em alguns casos pior ter muita inteligncia do que no ter nenhuma. Alis, eu apenas falei no tribunal de Justia por falar, porque, pra dizer a verdade, pouco provvel que algum v l algum dia xeretar: um lugar to formidvel... est protegido por Deus. Quanto ao senhor, Luk Luktch, como diretor de um estabelecimento de ensino, deve cuidar em particular dos professores. So pessoas bern cultivadas, sem dvida alguma, com formao superior e tudo, mas tm condutas muito esquisitas, o que se deve, certamente, sua condio de conceituadas. Um deles, por exemplo, aquele que tem uma cara gorda... no me lembro o nome dele, toda vez que sobe ao plpito, no pode deixar de fazer uma ca reta assim (Faz a careta.) e depois, por debaixo da gravata, comea a passar a mo na barba. claro

  • 20

    que, se ele faz a tal careta diante de um aluno, ainda vai; talvez tenha que ser assim mesmo. No posso dizer nada a respeito. Mas, pensem bem, se ele fizesse isso diante de um visitante, pegaria mal: o senhor inspetor, ou seja

    l quem for, poderia tomar a ofensa para si, e a, s o diabo sabe como tudo poderia acabar.

    Luk Lukitch

    Mas o que que eu posso fazer? J lhe falei vrias vezes. H alguns dias, quando nosso conselheiro entrou na classe, ele fez uma tal careta, coisa igual eu nunca tinha visto. Ele fez aquilo com as melhores das intenes, mas eu que recebi o sermo: para que incutir na juventude ideias to liberais?

    Prefeito

    Tambm tenho que lhe falar a respeito do professor de histria. Ele sabe muita coisa, evidente, um poo de conhecimentos, mas explica tudo com tamanho ardor que fica fora de si. Certa vez, fui ouvi-lo. Enquanto falava sobre os

    assrios e os babilnios, tudo bem, mas quando chegou em Alexandre Magno, nem posso descrever o que aconteceu. Deus me livre, ele desceu correndo do plpito, at pensei que a escola estava pegando fogo, tal foi a fora com que ele jogou uma cadeira no cho! E verdade que Alexandre Magno um heri, mas para que quebrar as cadeiras? Para dar prejuzo ao errio!

    Luk Lukitch

    Ele mesmo muito esquentado! Vrias vezes j lhe chamei a ateno... e ele diz: Seja como for, pela cincia dou a prpria vida.

    Prefeito

    , uma lei inexplicvel do destino: todo homem inteligente ou bbado, ou faz cada careta de que at Deus duvida.

  • 21

    Luk Lukitch

    Deus nos livre de mexer com o ensino pblico, a gente tem medo de tudo. Qualquer um mete o nariz para mostrar que tambm inteligente.

    Prefeito

    Isso ainda no nada. O problema esse incgnito maldito! De repente ele aparece: Ah, vocs esto a, meus pombinhos! Quem aqui o juiz? - Lipkin-Tipkin. - Pois que tragam aqui Lipkin Tipkin! E quem o diretor da assistncia social? - Zemlianka. - Pois que tragam aqui Zemlianka! Isso que o pior!

  • Cena 2

    Os mesmos e o chefe dos correios.

    Chefe dos Correios

    Meus senhores, que funcionrio esse que est vindo para c?

    Prefeito

    Por acaso o senhor no ouviu nada a respeito?

    Chefe dos Correios

    Ouvi sim. Pitr Ivnovitch Bbtchinski acabou de me contar l na agncia.

    Prefeito

    E ento? O que acha de tudo isso?

    Chefe dos Correios

    O que eu acho? Que vai haver guerra com os turcos.

    Ams Fidorovitch

    E isso mesmo! isso que eu tambm acho.

    Prefeito

    ... mas que fora deram esses dois!

    Chefe dos Correios

    guerra com os turcos, sim. Tudo sujeira dos franceses.

  • 23

    Prefeito

    Mas que guerra com os turcos que nada! Ns que vamos entrar bem, no os turcos. Isso eu j sei: recebi uma carta.

    Chefe dos Correios

    Se assim, ento no vai haver mais guerra com os turcos.

    Prefeito

    Bem, e a, Ivan Kuzmtch, o que diz?

    Chefe dos Correios

    Eu? Sei l! E o senhor, Antn Antnovitch?

    Prefeito

    Eu? Bem, no que sinta medo; mas, assim, um pouquinho... Os comerciantes e a populao esto me causando alguns aborrecimentos. Dizem que lhes enfio a faca, mas eu, pelo amor de Deus, se tomei algo de algum, juro mesmo,

    foi sem nenhuma maldade. Eu at estou achando (Segura-o pelo brao e o conduz para um canto.), at estou achando que houve uma denncia contra mim. Por que, afinal de contas, tem que vir aqui um inspetor? Oua, Ivan

    Kuzmtch, no seria possvel, quer dizer, para o nosso bem geral, abrir e dar uma lidinha nas cartas que entram e saem da sua repartio, ver se no se trata de alguma denncia ou se apenas so correspondncias? Se nada houver, ento que se feche novamente a carta, ou, pensando bem, entregue-a

    aberta assim mesmo.

    Chefe dos Correios

    J sei, j sei... No precisa me ensinar, isso eu j fao, nem tanto por precauo,

    mas s por curiosidade: sou louco pra saber o que h de novo no mundo.

  • 24

    Olha, vou lhe dizer, uma leitura superinteressante. Algumas cartas a gente l com tal deleite, h passagens to variadas, algumas to edificantes... Bem

    melhores do que as do Correio de Moscou!

    Prefeito

    Est bem, mas no encontrou nada sobre algum funcionrio de

    Petersburgo?

    Chefe dos Correios

    No. De Petersburgo no h nada, mas de funcionrios de Kostroma e

    Sartov h muita coisa. Que pena que o senhor no leia essas cartas. H trechos maravilhosos! No faz muito tempo, um tenente escreveu a um

    amigo, descrevendo um baile de maneira to frvola... muito bom mesmo:

    Minha vida, meu querido amigo, corre s mil maravilhas: mulheres, muitas mulheres, msica, bandeiras galopando... E com que emoo descreveu tudo isso. Eu at quis ficar com a carta. Quer que eu a leia?

    Prefeito

    Essa agora, o momento no para isso. Ento, faa-me a gentileza, Ivan

    Kuzmtch, se por acaso cair nas suas mos alguma queixa ou denncia, retenha-a sem a menor hesitao.

    Chefe dos Correios

    Com o maior prazer.

    Ams Fidorovitch

    Cuidado, pois isso ainda pode lhe custar caro.

    Chefe dos Correios

    Ai, santo Deus!

  • 25

    Prefeito

    Ora, no nada, nada. Seria outra coisa se voc tornasse isso pblico, mas na realidade um assunto familiar.

    Ams Fidorovitch

    Sim senhor, mas o que eu acho que estamos numa bela encrenca! Confesso

    que queria vir aqui, Antn Antnovitch, s para lhe dar uma cadelinha. Irm de sangue daquele cachorro que o senhor conhece. E o senhor soube que Tcheptovitch e Varkhovinski esto em litgio, o que para mim a maior maravilha: cao coelhos nas terras de um e de outro.

    Prefeito

    Deus do cu, os seus coelhos agora no me do o menor prazer: esse maldito incgnito no me sai da cabea. A gente fica esperando que, de repente, a

    porta se abra e... pronto...

  • Cena 3

    Os mesmos, Dbtchinski e Bbtchinski; ambos entram ofegantes.

    Bbtchinski

    Um acontecimento extraordinrio!

    Dbtchinski

    Uma notcia inesperada!

    Todos

    O qu? Mas o que foi?

    Dbtchinski

    Uma coisa imprevista! Estvamos chegando ao hotel...

    Bbtchinski

    (Interrompendo.) Eu e Pitr Ivnovitch estvamos chegando ao hotel...

    Dbtchinski

    (Interrompendo.) Desculpe, Pitr Ivnovitch, eu vou contar.

    Bbtchinski

    Ah, no, me desculpe, por favor, me desculpe, eu que., voc, assim, quer dizer, no tem l muito estilo...

    Dbtchinski

    E voc, vai se confundir todo e no vai se lembrar de nada.

  • 27

    Bbtchinski

    Palavra de honra que eu vou me lembrar. Vou me lembrar. Ento no me atrapalhe que eu vou contar tudo, mas no me atrapalhe! Senhores, faam a gentileza de no deixar que Pitr Ivnovitch me atrapalhe.

    Prefeito

    Pois falem logo, pelo amor de Deus! O que aconteceu? Meu corao no vai aguentar. Sentem-se, senhores! Peguem as cadeiras! Pitr Ivnovitch, aqui est uma cadeira!

    (Todos se sentam ao redor dos dois Pitrs Ivnovitchs.) Ento, o que foi que aconteceu?

    Bbtchinski

    Espera a, espera a; vou contar tudo pela ordem. Nem bem eu tive o prazer de sair daqui, logo depois que o senhor se dignou a ficar bastante desconcertado com o

    recebimento da carta, bem... ento dei um pulo l... por favor, Pitr Ivnovitch, no me interrompa! Sei tudo, tudo, tudo, tudinho. - Ento, pois bem, dei um pulo at a casa de Korbkin. Como o tal Korbkin no se encontrava, resolvi entrar na casa de Rastakvski, mas como Rastakvski tambm no estava, passei ento pela casa de Ivan Kuzmtch para contar a novidade, que o senhor tinha recebido... isso, saindo de l me encontrei com Pitr Ivnovitch...

    Dbtchinski

    (Interrompendo.) Perto da barraquinha onde se vendem pastis.

    Bbtchinski

    Perto da barraquinha onde se vendem pastis. Da, ao encontrar Pitr Ivnovitch, digo-lhe: Por acaso j sabe da ltima? Que Antn Antnovitch recebeu por carta fidedigna? Mas Pitr Ivnovitch j tinha ouvido falar disso

  • 28

    pela sua despenseira, Avdtia, que no sei por que tinha sido mandada casa de Filipe Antnovitch Potchetchiev...

    Dbtchinski

    (Interrompendo.) Foi buscar um barrilzinho para a vodca francesa.

    Bbtchinski

    (Desviando a mo dele.) Buscar um barrilzinho para a vodca francesa. A, ento, fui com Pitr Ivnovitch casa de Potchetchiev... No, no, no, Pitr Ivnovitch, no me interrompa, por favor, no me interrompa!... Pois fomos casa de Potchetchiev, mas, pelo caminho, Pitr Ivnovitch diz: Vamos dar uma passadinha na hospedaria. Sabe, o meu estmago... no comi nada desde cedo, o meu estmago est tremendo... sim, o estmago de Pitr Ivnovitch estava mesmo. Na hospedaria, - disse ele - agora deve ter um salmo fresquinho e podemos tambm tomar umas e outras. Nem bem entramos no hotel e, de repente, um jovem...

    Dbtchinski

    (Interrompendo.) Bem-apessoado e paisana...

    Bbtchinski

    Bem-apessoado e paisana, estava andando de um lado para o outro e com um tal raciocnio no rosto... uma cara... um jeito, e aqui (Aponta a testa.) muita, mas muita coisa. Tive logo um pressentimento e disse a Pitr Ivnovitch: Aqui tem coisa. Tem sim. Ento, Pitr Ivnovitch logo estalou os dedos para chamar o dono da hospedaria, o Vlass, sabem quem ? H trs semanas a mulher dele teve um menino to espertinho, na certa vai ser tal qual o pai, dono de hospedaria. Nem bem Pitr Ivnovitch chamou Vlass, perguntou baixinho: Quem aquele moo?, e Vlass respondeu: Aquele, disse... ah, no me interrompa, Pitr Ivnovitch, por favor, no me interrompa. O senhor no

  • 29

    consegue contar, santo Deus, no pode! O senhor fala assobiando! Eu sei que o seu dente tem um buraco... - Aquele, disse ento, um jovem funcionrio - sim senhor, vem de So Petersburgo... E o seu nome Ivan Aleksndrovitch Khlestakv. Vai para Sartov, diz ele. E tem reaes estranhas: j est hospedado aqui h quase duas semanas e no vai embora, compra tudo fiado e no paga um tosto. Assim que ele me contou isso, logo me bateu

    uma ideia, e eu disse a Pitr Ivnovitch: Hum!

    Dbtchinski

    No senhor, Pitr Ivnovitch, fui eu quem disse Hum!

    Bbtchinski

    Primeiro foi o senhor, mas depois fui eu. Hum!, dissemos Pitr Ivnovitch e eu. Mas por que diabo ele est aqui quando o seu destino Sartov? isso mesmo! ele o tal funcionrio.

    Prefeito

    Quem, que funcionrio?

    Bbtchinski

    Aquele funcionrio sobre o qual fala a notificao que o senhor recebeu, o

    inspetor geral.

    Prefeito

    (Em pnico.) Pelo amor de Deus, o que est dizendo! No pode ser ele.

    Dbtchinski

    ele sim! No paga e no vai embora. Quem poderia ser? S pode ser ele. No documento consta que vai para Sartov.

  • 30

    Bbtchinski

    ele, ele, meu Deus, ele mesmo... E que observador... observa tudo. Viu at que eu e Pitr Ivnovitch comamos salmo. Tudo por causa do estmago de Pitr Ivnovitch... , e at ficou espiando o nosso prato. Me deu um medo!

    Prefeito

    Que Deus nos perdoe, pobres pecadores! Onde que ele est hospedado?

    Dbtchinski

    No quarto nmero cinco, debaixo da escada.

    Bbtchinski

    No mesmo quarto onde brigaram aqueles oficiais no ano passado.

    Prefeito

    E faz tempo que ele est aqui?

    Dbtchinski

    Umas duas semanas. Chegou no dia de So Nunca.

    Prefeito

    Duas semanas! ( parte.) Meu Deus! Valham-me todos os santos! Nessas duas semanas espancaram a mulher do subtenente! No alimentaram os presos! As ruas viraram uma zona, uma imundcie! Uma vergonha! Uma calamidade! (Pe as mos na cabea.)

    Artmi Filpovitch

    O que fazer, Antn Antnovitch? Pois vamos todos ao hotel em misso oficial.

  • 31

    Ams Fidorovitch

    No, de jeito nenhum! Em primeiro lugar, tem que ir o conselheiro-chefe, o clero, os comerciantes, assim que mandam os dez mandamentos.

    Prefeito

    No senhores, no! Por favor, eu mesmo vou resolver. J passei por maus momentos na vida e consegui escapar e at me agradeceram; quem sabe Deus me ajude agora tambm. (Dirige-se a Bbtchinski.) O senhor disse que ele um jovem homem?

    Bbtchinski

    Jovem. No mais que vinte e trs ou vinte e quatro anos.

    Prefeito

    Melhor ainda: mais fcil sondar um jovem. Um velho diabo que seria uma desgraa, um jovem claro como a gua. Meus senhores, de vossa parte, preparem-se, enquanto eu vou em pessoa, ou sei l, com Pitr Ivnovitch para, digamos assim, dar um passeio no oficial para ver se os viajantes no

    esto tendo aborrecimentos. Ei, Svistunv!

    Svistunv

    s suas ordens.

    Prefeito

    V depressa buscar o comissrio d.e polcia. No, espere, preciso de voc. Mande algum trazer, o quanto antes, o comissrio de polcia e volte logo.

    (O soldado corre s pressas.)

  • 32

    Artmi Filpovitch

    Vamos, vamos, Amos Fidorovitch! Ainda pode acontecer uma desgraa.

    Ams Fidorovitch

    Mas voc tem medo de qu? Ponha uns gorros limpos nos doentes e acabou a histria.

    Artmi Filpovitch

    Que gorros, que nada! Mandaram dar uma sopa de aveia aos doentes, mas nos corredores h um cheiro de repolho que a gente at tapa o nariz.

    Ams Fidorovitch

    Mas eu, com relao a isso, estou tranquilo. Na verdade, quem vai querer se meter num tribunal de provncia? E se algum der uma espiada em qualquer papel, vai se arrepender de ter nascido. Pois eu, h quinze anos no cargo de juiz, fico s sentado e quando me ocorre dar uma olhadinha nos processos

    - ah! Deixo pra l. Nem o prprio Salomo pode resolver onde comea a verdade e acaba a mentira.

    (O juiz, o encarregado da assistncia social, o inspetor de escolas e o chefe dos correios saem e, porta, chocam-se com o soldado que est de volta.)

  • Cena 4

    O prefeito, Bbtchimki, Dbtchinski e o soldado.

    Prefeito

    A carruagem est pronta?

    Soldado

    Est, sim senhor.

    Prefeito

    V para a rua... no, espere! V e me traga... Mas onde que esto os outros? Ser possvel que voc est sozinho? Eu j ordenei que tambm Prkhorov estivesse aqui. E onde est Prkhorov?

    Soldado

    Est na delegacia de polcia. S que no pode ser til no caso.

    Prefeito

    Como assim?

    Soldado

    Explico: trouxeram o dito-cujo de madrugada, bbado de cair. Jogaram dois baldes de gua em cima dele e at agora nada.

    Prefeito

    (Pondo as mos na cabea.) Ai, meu Deus, meu Deus! V depressa l para a rua, ou no... V correndo ao meu quarto, est ouvindo, e me traga a espada e meu novo chapu. Vamos embora, Pitr Ivnovitch!

  • 34

    Bbtchinski

    E eu? E eu?... Permita que eu v tambm, Antn Antnovitch!

    Prefeito

    No senhor, Pitr Ivnovitch. Impossvel! No conveniente. E, alm do mais, no vamos caber todos na carruagem.

    Bbtchinski

    No faz mal, no faz mal. Vou correndo como um pintinho atrs de vocs. Eu s quero dar uma espiadinha, olhar pela fresta da porta e observar como ele se comporta...

    Prefeito

    (Pega a espada do soldado e diz a ele.) Agora v correndo, rena alguns sargentos e que cada um traga... Diabo, a espada est toda arranhada! Esse maldito comerciantezinho Abdlin - v que o prefeito est usando uma espada velha e no lhe manda uma nova. Gente malandra! Esses vigaristas, aposto que j esto com suas peties no bolso do colete. Que cada um desses sargentos pegue na mo uma rua, que diabo, uma vassoura! Que varram toda a rua que leva hospedaria. E que deixem tudo muito bem limpo. Est ouvindo? Olhe aqui: eu te conheo! Conheo muito bem! Faz os seus trambiques e ainda por cima esconde colheres de prata nas botinas. Estou de olho em voc!! O que voc fez com o comerciante Tcherniaiev, hein? Ele te deu dois archins* de tecido para a farda e voc lhe roubou a pea toda. Voc que se cuide! A sua posio no para tanto! V!

    * Archim: medida russa equivalente a 0,71 metro.

  • Cena 5Os mesmos e o comissrio de polcia.

    Prefeito

    Ah! Stepan Ilitch! Pelo amor de Deus, onde voc se meteu? Como que isso?

    Comissrio de Polcia

    Estava bem pertinho daqui.

    Prefeito

    Ento, oua, Stepan Ilitch! O tal funcionrio de Petersburgo j chegou. Que providncias voc j tomou?

    Comissrio de Polcia

    Conforme o senhor ordenou, mandei o soldado Pgovitsin com os sargentos varrerem as caladas.

    Prefeito

    E onde est Derjimrda?

    Comissrio de Polcia

    Derjimrda foi sentado em cima das mangueiras dos bombeiros.

    Prefeito

    E Prkhorov, est bbado?

    Comissrio de Polcia

    Bbado.

  • 36

    Prefeito

    Como voc permitiu uma coisa dessas?

    Comissrio de Polcia

    S Deus sabe. Ontem houve uma briga fora da cidade. Ele foi l s pr forma e voltou bbado.

    Prefeito

    Pois veja o que voc tem a fazer: o soldado Pgovitsin... que bastante alto, deve ficar na ponte, dando uma olhada. Mande retirar imediatamente

    aquela velha cerca ao lado do sapateiro e coloque l algumas placas de palha, para dar a impresso de um certo planejamento urbano. Quanto mais tudo estiver quebrado, mais se denota a atividade do dirigente. Ah! Santo Deus! J ia me esquecendo de que ao lado dessa mesma cerca esto amontoadas quarenta carroas com toda espcie de lixo. Que cidade horrvel! Basta a gente colocar em algum lugar um monumento qualquer ou uma simples cerca, e pronto s o diabo sabe de onde trazem tanta porcaria! (Suspira.) E se o tal funcionrio perguntar aos policiais: Esto todos satisfeitos? - Respondam: Muito contentes, excelncia. E aquele que no estiver contente vai ver depois comigo o que estar descontente... Ufa! Culpado, sou culpado. (Em vez do chapu, pega a caixa.) Queira Deus que eu saia so e salvo de tudo isso o mais rpido possvel e ento vou acender uma vela to grande como ningum jamais fez e vou exigir de cada um desses comerciantes espertinhos trs puds* de cera. Ah, meu Deus, meu Deus! Vamos embora, Pitr Ivnovitch. (Em vez ao chapu, tenta vestir a caixa de papelo.)

    Comissrio de Polcia

    Antn Antnovitch, isso a uma caixa, e no o seu chapu.

    * Pud: medida antiga, equivalente a 13,3 quilos.

  • 37

    Prefeito

    (Joga fora a caixa.) E por que no a caixa? Que me importa a caixa! Ah, e se perguntarem por que ainda no foi construda a igreja junto Casa de Misericrdia, para a qual h cinco anos recebemos uma boa soma, no esqueam de dizer que... que comeamos a construir, mas que pegou fogo. J apresentei um relatrio sobre isso. Porque, seno, pode algum dizer por esquecimento, ou por bobeira mesmo, que nem chegamos a comear a obra. E diga a Derjimrda que contenha um pouco os seus punhos; para manter a ordem, ele deixa todo mundo com o olho roxo, culpado ou inocente. Ento vamos embora, vamos, Pitr Ivnovitch! (Sai e volta.) Ah, e no deixem os soldados sarem rua sem roupa: esses miserveis vestem s a parte de cima do uniforme por cima da camisa, e por baixo mais nada.

    (Saem todos.)

  • Cena 6

    Ana Andrievna e Mria Antnovna entram correndo.

    Ana Andrievna

    Onde que eles esto? Onde? Ah, santo Deus!... (Abrindo aporta.) E meu marido? Antocha! Antn! (Fala muito rpido.) Tudo por sua causa, por sua causa! Que moleza: Um alfinetinho, um lencinho... (Corre at a janela, e grita.) Antn, para onde voc vai, para onde? O qu? J chegou? O inspetor? Tem bigodes? Que tipo de bigodes?

    Voz do Prefeito

    Mais tarde, benzinho, mais tarde!

    Ana Andrievna

    Como, mais tarde? Essa agora, mais tarde! No quero saber de mais tarde... S quero saber uma coisa: quem ele, coronel? Hein? (Aborrecida.) Foi embora! Voc vai ver s! E tudo por sua causa: Maezinha, maezinha, espere, estou prendendo o lencinho na cabea, j estou indo. Viu o que voc fez? Agora no sabemos nada de nada! Tudo por causa desse seu maldito coquetismo! Foi s ouvir que o chefe dos correios estava aqui e se ps toda faceira diante do espelho: olha de um lado, e do outro... Voc pensa que ele arrasta uma asinha por voc, mas s voc virar as costas para ele logo lhe fazer uma careta.

    Mria Antnovna

    O que se h de fazer, mezinha? De todo modo, daqui a duas horas vamos saber tudo.

  • 39

    Ana Andrievna

    Daqui a duas horas! Muito obrigada. Que bela resposta! E que tal dizer que s daqui a um ms saberemos tudo ainda melhor? (Curva-se na janela.) Eh! Avdtia! O qu? Avdtia, voc sabe se chegou algum... No sabe? Sua estpida! Algum est acenando? Pois que acene. Voc bem que poderia ter perguntado. Saber alguma coisa! Mas nessa cabea s tem besteira, s pensa em namorados. O qu? Saram depressa? E voc no correu atrs? Ento v, v agora mesmo! Corra e descubra para onde eles foram. Isso mesmo, procure saber direitinho, que tal esse forasteiro, como ele, est entendendo? Olhe pela frestra e veja tudo, que olhos ele tem, se so pretos ou no. E volte bem rapidinho, est me ouvindo? V depressa, depressa, depressa, depressa! (Fica gritando junto janela, enquanto cai o pano. O pano esconde as duas.)

  • Ato

    2

  • Quarto pequeno de hotel. Uma cama, mesa, uma mala, uma garrafa vazia, botas, escova de roupas etc.

    Cena 1

    ssip

    (Deitado na cama do patro.) Que diabo! Estou com uma fome! E minha barriga est fazendo um barulho como se um regimento inteiro estivesse tocando cornetas. Duvido que cheguemos em casa! O que que se h de fazer? J faz mais de um ms que samos de Peter! Esbanjou o dinheiro todo pelo caminho e, agora, o meu anjinho fica a, com o rabo entre as

    pernas, desanimado. E at que a gente tinha um bom dinheirinho; mas, no, ele tem que se bacanear em cada cidade. (Imita.) Eh, ssip! V l, v se acha o melhor quarto, e a comida tambm, pea a melhor que houver: refeies ruins, duro de suportar, preciso do bom e do melhor. Ainda se fosse algum que se preze, mas, qual nada, um funcionariozinho de quinta categoria! Nem bem conhece um viajante, e j vai logo para a mesa de jogo. Bem feito! Tomou na cabea! Ah! Estou farto dessa vida! L no campo bem melhor: no tem tanta animao, mas tambm tem menos preocupao. Voc se casa com uma mulherona, fica deitado a vida inteira

    no quentinho, perto do forno, comendo bolos e tortas. Mas quem duvida? E bem verdade que a vida em Peter melhor. Mas tem que ter dinheiro. E a vida, a sim, coisa fina, vida de cidade: teatros, dana de cachorros, tudo o

    que a gente quiser. Todo mundo fala com finura, at parecem nobres. Voc

    vai ao mercado e os comerciantes gritam: Ilustrssimo! Quando a gente pega a barca, pode se sentar ao lado de um alto funcionrio pblico; se quer companhia, ento vai a uma lojinha: ali um velho veterano se pe a

  • 43

    contar a vida militar e at vai explicar o significado de cada estrela no cu,

    de modo que tudo fica to claro como se estivesse na palma de sua mo.

    A esposa velhusca do oficial passa por l e tambm alguma criada pode

    aparecer... fiu, fiu! (Sorri e balana a cabea.) Que diabo, quanto galanteio! Nunca se ouve uma palavra grosseira. E todo mundo trata a gente por senhor. Se a gente se cansa de ir a p, s tomar uma carruagem e vai sentado, feito um nobre. E se, por acaso, voc no quer pagar, no tem problema: em cada casa h sempre duas sadas e voc pode se safar de tal maneira que nem mesmo o diabo vai conseguir alcanar. S uma coisa que no presta: s vezes a gente quase explode de tanto comer, outras vezes, morre de fome como agora. E a culpa todinha dele. O que que a gente vai fazer? O papaizinho manda dinheiro, mas em lugar de poupar - qual nada! - se pe a farrear: s anda de carruagem, todos os dias compra um bilhete para o teatro e, depois de uma semana, manda vender o seu novo fraque na feira. s vezes se livra at da ltima camisa e fica s com

    o terno e o capote. Juro por Deus que verdade! E o tecido to caro! Pura l inglesa! S o fraque deve ter custado cento e cinquenta rublos, mas, no mercado, vo arremat-lo por uns vinte rublos. As calas, ento, nem se fale - uma ninharia. E tudo isso por qu? Porque ele no quer saber de nada. Em vez de ir para a repartio, vai passear pelas ruas, jogar cartas. Ah! Se o meu velho patro soubesse disso tudo! No se importaria nem um pouco de ser ele um funcionrio e levantaria a sua roupinha para lhe cobrir tanto de palmadas que lhe deixariam coceiras por mais de quatro dias. Se tem que trabalhar, ento trabalhe. E agora o dono do hotel disse que no vai lhe dar mais nada de comer enquanto no pagar o que deve. E se a gente no pagar? (Suspira.) Ah! Meu Deus do cu! Pelo menos uma sopinha qualquer! Acho que seria capaz de comer o mundo inteirinho. Esto batendo, deve ser ele. (Pula da cama apressadamente.)

  • Cena 2

    ssip e Khlestakv.

    Khlestakv

    Pegue isso! (D-lhe o chapu e a bengala.) E de novo jogado na minha cama?

    ssip

    E pra que eu preciso ficar jogado na sua cama? Por acaso nunca vi uma cama?

    Khlestakv

    Mentiroso! Ficou na minha cama sim! Olha l, est toda desarrumada!

    ssip

    Pra que me serve a sua cama? Por acaso eu no sei o que uma cama? Tenho pernas, posso muito bem ficar de p! Pra que que preciso da sua cama?

    Khlestakv

    (Passeia pelo quarto.) V l ver no saquinho, no tem mais tabaco?

    ssip

    E como que vai ter tabaco? O senhor fumou o ltimo j faz quatro dias!

    Khlestakv

    (Caminha mordendo os lbios de diferentes formas. Por fim, diz em voz alta

    e decidido.) Escute aqui, Ossip!

    ssip

    O que deseja?

  • 45

    Khlestakv

    (Em voz alta, mas menos decidido.) V l embaixo.

    ssip

    L embaixo onde?

    Khlestakv

    (Com voz j nada decidida, bem menos alta e semelhante a uma splica.) L embaixo, na copa... V l e diga que me dem de comer.

    ssip

    Ah, no! No quero ir no!

    Khlestakv

    Como que se atreve, seu idiota?

    ssip

    E tambm tanto faz, ir ou no ir. No vai adiantar nada. O dono j disse que no vai dar mais nada pra gente comer.

    Khlestakv

    Como se atreve, no vai dar? E um absurdo!

    ssip

    E ainda disse mais. Disse que vai ao prefeito, que o senhor h quase trs semanas no paga. Voc e seu patro, disse ele, so dois vigaristas, e o seu patro um trapaceiro. Conhecemos muito bem vagabundos e patifes dessa laia, ele disse.

    Khlestakv

    E voc ainda fica feliz, animal, de me contar tudo isso?

  • 46

    ssip

    E disse mais: Dessa maneira, qualquer um chega aqui, se instala, fica

    endividado e depois no h como enxot-lo. Eu no brinco em servio, vou direto dar queixa para que o levem logo para a cadeia.

    Khlestakv

    J chega, seu idiota! V, v j falar com ele. Que porco!

    ssip

    E melhor que eu chame o dono para que ele mesmo venha

    aqui falar com o senhor.

    Khlestakv

    Mas para que o dono vir aqui? V l e fale com ele.

    ssip

    Mas, senhor, ser que...

    Khlestakv

    Ento v se danar! Chame o dono.

    (ssip sai.)

  • Cena 3

    Khlestakv

    (Sozinho.) Estou morrendo de fome! Fui dar uma voltinha para ver se perdia o apetite, mas que nada, diabos, a fome no passa. E..., se no fosse aquela farra em Penza, at que o dinheiro daria para chegar em casa. Aquele capito de infantaria me limpou mesmo. Que lances impressionantes! Em um quarto de hora me depenou. Apesar disso, bem que eu queria jogar mais uma vez. Ainda no tive ocasio de me encontrar com ele. Para tudo preciso a ocasio. Mas que cidadezinha horrvel! Nem nas quitandas querem vender fiado! E uma verdadeira infmia! (Comea a assobiar o incio da pera Roberto, depois cantarola uma cano popular e por fim

    qualquer coisa sem sentido.) Ningum quer vir para c!

  • Cena 4

    Khlestakv, ssip e o Criado da hospedaria.

    O Criado

    O patro mandou perguntar o que que o senhor deseja.

    Khlestakv

    Como vai? Boa sade?

    O Criado

    Graas a Deus!

    Khlestakv

    E a? Como que vo indo as coisas na hospedaria? Tudo em ordem?

    O Criado

    Tudo bem, graas a Deus.

    Khlestakv

    Muitos hspedes?

    O Criado

    Bastante.

    Khlestakv

    Escute aqui, meu querido, at agora no me trouxeram o almoo. Ento, por favor, pea que se apressem, est me entendendo, porque depois do almoo tenho mais o que fazer.

  • 49

    O Criado

    E, mas o patro disse que no vai lhe dar mais nada para comer. Ele, pelo jeito, at queria ir hoje se queixar para o prefeito.

    Khlestakv

    Mas se queixar por qu? Pense bem, meu querido, como que pode? Pois eu preciso comer. Seno posso at ficar fraco. Tenho muita fome. No

    estou brincando.

    O Criado

    Est bem. Mas ele disse: No vou lhe dar comida at que me pague os atrasados. Foi assim que ele falou.

    Khlestakv

    Mas voc tem que lhe explicar, tem que convenc-lo.

    O Criado

    O que que eu posso dizer?

    Khlestakv

    Voc apenas lhe explique muito seriamente que eu preciso comer. Agora, o dinheiro outra coisa... Ele pensa que s porque pode passar um dia sem comer nada, os outros tambm podem! Essa muito boa!

    O Criado

    Est bem. Vou falar com ele.

  • Cena 5

    Khlestakv sozinho.

    Khlestakv

    Se por acaso ele no me der nada pra comer, a coisa vai ficar feia. E se eu

    fizesse um negcio com alguma pea de roupa? Que tal vender as minhas

    calas? Ah no, melhor passar fome do que chegar em casa sem a minha roupa de Petersburgo. Pena que lokhn no me alugou a carruagem. J pensou, que diabo, chegar em casa de carruagem, passar pela entrada de um vizinho qualquer, feito um diabo, com os faris acesos e o ssip atrs, vestido de libr? Posso imaginar, todo mundo em alvoroo: Mas quem ele, quem esse a? E o lacaio entra: (Ergue-se, imitando o lacaio.) Ivan Aleksndrovitch Khlestakv, de Petersburgo, pode ser recebido? Esses ignorantes nem sabem o que quer dizer pode ser recebido! Se chega algum ricao proprietrio de terras, ento se atira feito um urso na sala de visitas. E quando a gente se aproxima da filha, uma gracinha, preciso

    dizer: Senhorita, como eu... (Esfrega as mos e faz uma reverncia.) Arre! (Cospe.) Tenho enjoo de tanta fome.

  • Cena 6

    Khlestakv, ssip e depois o Criado.

    Khlestakv

    E ento?

    ssip

    O almoo vem vindo!

    Khlestakv

    (Batendo palmas e pulando da cadeira.) Oba! Oba! Oba!

    O Criado

    (Com pratos e um guardanapo.) O patro disse que a ltima vez.

    Khlestakv

    E da, o patro, o patro... Que ele se dane! O que que tem a?

    O Criado

    Sopa e carne assada.

    Khlestakv

    O qu? S dois pratos?

    O Criado

    S, sim senhor.

    Khlestakv

    Mas um absurdo! S isso a no vai dar! Diga ao seu patro que isso a muito pouco.

  • 52

    O Criado

    No senhor, o patro acha que est bom demais.

    Khlestakv

    E cad o molho?

    O Criado

    Molho no tem.

    Khlestakv

    Mas como no? Eu mesmo, ao passar pela cozinha, vi que estavam cozinhando um monte de coisas. E hoje pela manh bem que vi no restaurante dois baixinhos comendo salmo e muitas outras coisinhas.

    O Criado

    Bem, pode ser que tenha e pode ser que no tenha.

    Khlestakv

    Como no?

    O Criado

    No, porque no.

    Khlestakv

    E o salmo, o peixe, as almndegas?

    O Criado

    Isso s para pessoas dignas.

    Khlestakv

    Ah! Seu idiota!

  • 53

    O Criado

    Sim senhor!

    Khlestakv

    Seu porco! E como pode: eles comem e eu no? Por que, diabos, eu tambm no posso comer? Ser que no so hspedes como eu?

    O Criado

    A gente sabe que no.

    Khlestakv

    E como so eles?

    O Criado

    Ora, como so eles! Todo mundo sabe: gente que paga.

    Khlestakv

    Chega de conversa, idiota. (Despeja a sopa e come.) Mas que porcaria de sopa essa? Voc despejou gua no prato ou o qu? No tem gosto de nada e ainda por cima fede. No quero essa sopa. Traga outra.

    O Criado

    Posso levar, senhor. O patro disse: quer, quer... no quer, no quer.

    Khlestakv

    (Defendendo o prato com a mo.) Est bem, est bem, t bom... Deixa a, seu tonto. Est acostumado a tratar os outros assim, mas comigo diferente, meu irmo. Vou avisando que comigo... (Come.) Santo Deus! Mas que sopa! (Continua a comer.) Acho que ningum nesse mundo j comeu uma sopa dessas! S tem penas nadando, em vez de azeite! (Corta a galinha.) Ai, ai, ai! Mas que galinha essa? Me d aqui o assado! Sobrou um pouco de sopa,

  • 54

    ssip, pega pra voc. (Corta o assado.) Mas que raio de assado este? Isto no assado.

    O Criado

    E o que ento?

    Khlestakv

    S o diabo que sabe o que isto, assado que no . Parece um machado frito e no carne. (Come.) Vigaristas! Canalhas! Isso comida?! At di o maxilar quando a gente mastiga um pedacinho. (Palita os dentes com o dedo.) Patifes! Parece madeira. Nem d para tirar. E os dentes at ficam escuros com uma coisa dessas. Vigaristas! (Limpa a boca com o guardanapo.) No tem mais nada?

    O Criado

    No.

    Khlestakv

    Canalhas! Miserveis! Se ainda tivesse um molhozinho ou um pastel. Vagabundos! S querem esfolar os hspedes.

    (O Criado tira a mesa e, acompanhado por Ossip, leva os pratos.)

  • Cena 7

    Khlestakv e, depois, Ossip.

    Khlestakv

    Srio mesmo, parece que no comi nada! Aumentou ainda mais a vontade de comer. Se pelo menos eu tivesse um trocado, mandava j comprar um po-doce no mercado.

    ssip

    (Entra.) No sei por que chegou a o prefeito pedindo informaes e perguntando pelo senhor.

    Khlestakv

    (Assustado.) Ainda mais essa! S falta esse infeliz do patro ter se queixado de mim! E se eles, ainda por cima, me jogarem na cadeia? No faz mal. Se for por bem, eu, ainda... no, no, no quero. Esta cidade est cheia de oficiais e de gente, e eu, assim, no sei por qu, j dei uma de gostoso e

    dei uma piscadinha para a filha de um negociante... No, no quero. Mas

    quem ele pensa que ? Que arrogncia! Pensa que sou um negociante ou um arteso qualquer? (Cria coragem e se levanta.) Eu vou dizer bem na cara dele: Como ousa, como...

    (A maaneta da porta se move, Khlestakv empalidece e se encolhe.)

  • Cena 8

    Khlestakv, o prefeito e Dbtchinski. O prefeito entra e fica parado. Ambos, de

    olhos arregalados, olham apavorados um para o outro por alguns minutos.

    Prefeito

    (Recompondo-se um pouco, braos em posio de sentido.) Saudaes respeitosas!

    Khlestakv

    (Saudando.) Meus respeitos!...

    Prefeito

    Desculpe...

    Khlestakv

    No h de qu.

    Prefeito

    meu dever, como cidado responsvel que zela por esta cidade, cuidar para que os viajantes e todas as pessoas de bem no tenham nenhum aborrecimento...

    Khlestakv

    (Gagueja um pouco, de incio, e depois fala em voz alta.) Mas o que fazer?... A culpa no minha... Juro que vou pagar... Vo me enviar l da minha casa... (Bbtchinski mostra a cara na porta.) Ele que o culpado. A carne que me d dura como pedra. A sopa, ento, nem o diabo sabe o que tem dentro. Tive que jogar pela janela. Ele me faz passar fome durante dias... E o ch, ento, coisa esquisita: tem cheiro de peixe. Essa boa! E por que eu deveria...

  • 57

    Prefeito

    (Intimidado.) O senhor me perdoe, mas a culpa tambm no minha. Sempre tenho carne boa no mercado. Os negociantes de Kholmogry que trazem, gente que no bebe, de boa conduta. No tenho a menor ideia de onde vem essa tal carne. Mas se alguma coisa est, ento... Permita que o convide a ir comigo para outro domiclio.

    Khlestakv

    No, no. No quero. Sei muito bem o que significa outro domiclio: quer

    dizer cadeia. Mas com que direito? Como se atreve? Pois saiba que eu... eu sou um alto funcionrio de So Petersburgo. (Cria coragem.) Eu, eu, eu...

    Prefeito

    (A parte.) Ai, meu Deus, como severo! J est sabendo de tudo. Aqueles malditos negociantes contaram tudo.

    Khlestakv

    (Com mais coragem.) E, olhe aqui, mesmo que venha com todo o seu regimento, eu no irei! Vou diretamente ao ministro. (Bate com os punhos na mesa.) Quem o senhor pensa que ?

    Prefeito

    (Perfila-se, tremendo da cabea aos ps.) Por piedade, no me desgrace! Tenho mulher, filhos pequenos... no acabe com a vida de um homem.

    Khlestakv

    No, eu no quero! Onde que j se viu uma coisa dessas! S porque o senhor tem mulher e filhos, eu tenho que ir para a cadeia? Essa muito boa!

    (Bbtchinski espia pela porta e, assustado, esconde-se.) Ora, muito obrigado, no quero.

  • 58

    Prefeito

    (Tremendo.) Pelo amor de Deus, foi por falta de experincia, falta de experincia. A situao precria. Por favor, tente compreender. A verba no d nem para o ch e para o acar. E se, por acaso, houve subornos, foi uma ninharia: uma coisinha toa para comer, um cortezinho para uma roupa. E quanto viva do suboficial, aquela que faz negcios escusos e a quem eu teria mandado

    espancar, tudo calnia, pelo amor de Deus, calnia. Tudo inveno daqueles malvados, essa gente que quer atentar contra a minha vida.

    Khlestakv

    E da? No tenho nada a ver com isso. (Pensativo.) Mas eu no sei por que o senhor est me falando desses malvados ou da viva do suboficial... A mulher

    do suboficial, tudo bem, mas a mini o senhor no vai aoitar, no senhor! J

    se viu uma coisa dessas, ora bolas? Eu vou pagar. Vou pagar tudo. Mas, assim, no momento, no tenho como. justamente por isso que estou aqui, porque no tenho um tosto.

    Prefeito

    ( parte.) Mas que situao danada! Como se vira bem! Que embrulho! A gente no sabe nem de que lado pegar. Seja o que Deus quiser, vamos tentar. O que tiver que ser ser, basta arriscar. (Em voz alta.) Se o senhor realmente est precisando de dinheiro ou de qualquer outra coisa, estou inteiramente s suas ordens. Meu dever ajudar os nossos visitantes.

    Khlestakv

    Quero sim, quero sim um emprstimo e vou acertar agora mesmo a conta com o patro. No preciso mais do que uns duzentos rublos, at menos.

    Prefeito

    (Entregando o dinheiro.) Duzentos certinhos, nem precisa contar.

  • 59

    Khlestakv

    (Pegando o dinheiro.) Muito agradecido. Vou lhe devolver logo que chegar em casa, no vou demorar muito... Vejo que o senhor um homem de bem. Agora sim, outra coisa.

    Prefeito

    (Aparte.) Ai, graas a Deus! Aceitou o dinheiro. A coisa agora vai melhorar. Em vez de duzentos, dei-lhe quatrocentos.

    Khlestakv

    ssip! (ssip entra.) Mande vir aqui o criado da hospedaria. (Ao prefeito e a Dbtchinski.) Mas por que esto em p? Tenham a bondade de sentar-se. (A Dbtchinski.) Sente-se, por favor.

    Prefeito

    No se preocupe. Temos a honra de ficar em p.

    Khlestakv

    Faam-me o favor, sentem-se. Agora sim, posso ver como o senhor cordial e sincero, mas confesso que cheguei a pensar que os senhores tinham vindo aqui para me... (A Dbtchinski.) Sente-se!

    (O prefeito e Dbtchinski sentam-se. Bbtchinski espia pela porta e tenta ouvir.)

    Prefeito

    ( parte.) preciso ser mais atrevido. Ele quer se passar por incgnito. Est bem, vou me fazer de bobo: vou fazer de conta que no sei quem ele . (Em voz alta.) Ns estvamos dando uma volta, assim, por ossos do ofcio, eu aqui com Pitr Ivnovitch Dbtchinski, proprietrio de terras local, e passamos no hotel, assim de propsito, para saber se os viajantes estavam sendo bem

  • 60

    tratados. Pois no sou como outros prefeitos que no se importam com nada. Eu no, eu, alm do dever, e mais ainda por amor cristo humanidade, quero que cada mortal receba boa acolhida. E eis que o acaso me recompensou com esse encontro to agradvel.

    Khlestakv

    Eu tambm estou muito feliz. Sem o senhor, francamente, eu iria ficar aqui

    um tempo: no teria a menor ideia de como pagar a conta.

    Prefeito

    ( parte.) Ora, no me venha com essa! No tinha ideia como pagar! (Em voz alta.) Se me permite perguntar, para onde, para que lugares, pretende o senhor se dirigir?

    Khlestakv

    Vou para a provncia de Sartov, para as minhas propriedades.

    Prefeito

    ( parte, com expresso irnica.) Provncia de Sartov, hein? Est bem! E nem fica vermelho! Com esse a a gente tem que ficar de orelha em p! (Em voz alta.) O bom Deus o proteja no caminho de volta. Mas veja, com relao s estradas, dizem que, se por um lado, a demora dos cavalos uma coisa bem desagradvel, por outro lado, uma distrao para o esprito. Mas, ao que parece, o senhor est viajando por puro prazer, no?

    Khlestakv

    No, meu pai que me obriga a voltar. O velho est zangado porque, at agora, no fiz carreira em Petersburgo. Ele acha que, nem bem a gente chega

    l, j nos do uma medalha de condecorao. Eu queria s ver se fosse ele zanzando pelas reparties.

  • 61

    Prefeito

    ( parte.) Mas olhem s como ele d bolas imaginao... Agora inventou essa histria do velho pai! (Em voz alta.) E o senhor pensa em viajar por muito tempo?

    Khlestakv

    Para ser franco, no sei. Sabe, meu pai tolo e teimoso. Um velho de cabea dura. Um filho-da-me. Vou logo dizer a ele: queira o senhor ou no, no

    posso viver em Petersburgo. Por que raios eu devo acabar com a minha vida no meio de mujiques? Agora minhas aspiraes so outras. Minha alma anseia por ilustrao.

    Prefeito

    ( parte.) Mas que enrolador! Balana, balana, mas no cai! E que sujeitinho sem-graa, um nada de nada, eu poderia esmag-lo com um dedo. Espera a que voc no me escapa. Vou obrig-lo a contar tudo! (Em voz alta.) O senhor notou com muita justeza. O que que se pode fazer neste fim de mundo? Veja

    s o que acontece aqui: noite a gente no dorme, tudo pelo bem da ptria, sem poupar esforos, mas sabe-se l quando vir a recompensa. (Passa os olhos pelo quarto.) Acho que este quarto um pouco mido, no?

    Khlestakv

    E um quarto deplorvel, e tem cada percevejo que nunca vi igual: mordem como cachorros.

    Prefeito

    No me diga isso! Um hspede to instrudo, sofrendo por causa de quem? Por causa desses percevejos imprestveis que nem deveriam ter nascido. Pelo visto este quarto tambm escuro, no?

  • 62

    Khlestakv

    sim, muito escuro. O proprietrio tem o hbito de no fornecer as velas. s vezes, a gente quer fazer alguma coisa, ler um pouquinho, ou a fantasia quer escrever alguma coisa, no posso - escuro, muito escuro.

    Prefeito

    Ser que posso tomar a liberdade de lhe pedir... no, eu no sou digno.

    Khlestakv

    Mas o qu?

    Prefeito

    No, no! No sou digno, no sou digno!

    Khlestakv

    Mas diga l.

    Prefeito

    Se me atrevesse... Em minha casa, h para o senhor um quarto maravilhoso, iluminado, tranquilo... Mas no, sinto que isso j seria uma honra demasiada para mim... No se zangue. Juro por Deus, ofereo de corao.

    Khlestakv

    E por que no? Com imenso prazer. Ficarei muito mais satisfeito numa casa particular do que nesta bodega.

    Prefeito

    Eu que vou ficar contente! E minha mulher, ento, como ficar feliz! Eu

    sou assim: hospitaleiro desde criana; sobretudo quando o hspede uma pessoa culta. No pense o senhor que falo isso para adul-lo. No tenho esse vcio. Falo de todo o corao.

  • 63

    Khlestakv

    Muito obrigado. Eu tambm no gosto de gente de duas caras. Aprecio muito sua franqueza e hospitalidade. De minha parte, confesso que no exijo nada, a no ser lealdade e respeito, respeito e lealdade.

  • Cena 9

    Os mesmos e o Criado, acompanhado de ssip. Bbtchinski espia pela porta.

    Criado

    O senhor chamou?

    Khlestakv

    Chamei. Traga a conta.

    Criado

    No faz muito tempo trouxe para o senhor uma conta.

    Khlestakv

    No me lembro mais de suas contas idiotas. Fale logo: quanto que eu devo?

    Criado

    No primeiro dia, o senhor pediu o almoo; no dia seguin-te, salmo e da em diante comeu fiado.

    Khlestakv

    Idiota! Agora vai ficar fazendo continhas. Quanto tudo?

    Prefeito

    Por favor, no se preocupe, ele vai esperar. (Ao Criado.) Fora! Vo pagar.

    Khlestakv

    Isso mesmo, assim est bom. (Guarda o dinheiro.) (O Criado sai. Bbtchimki espia pela porta.)

  • Cena 10

    O prefeito, Khlestakv, Dbtchinski.

    Prefeito

    O senhor no gostaria agora de visitar algumas instituies de nossa cidade, como, por exemplo, a assistncia social e outras?

    Khlestakv

    Mas para qu?

    Prefeito

    Para que o senhor veja como andam as coisas... como est tudo em ordem... para os viajantes talvez fosse...

    Khlestakv

    Com todo prazer, estou sua disposio. (Bbtchinski enfia a cabea pela porta.)

    Prefeito

    E tambm, se for de sua vontade, logo depois poder ver a escola e a disciplina no ensino de nossas cincias.

    Khlestakv

    Por que no? Por que no?

    Prefeito

    E depois, se o senhor assim desejar, podemos dar uma passadinha na casa de deteno e nas prises da cidade para que veja como tratamos os criminosos.

  • 66

    Khlestakv

    Prises? Mas para qu? No, melhor passarmos s pela assistncia social.

    Prefeito

    Como quiser. O que o senhor prefere, ir com sua prpria carruagem ou com a minha?

    Khlestakv

    Prefiro ir com o senhor.

    Prefeito

    (Para Dbtchinski.) Bem, Pitr Ivnovitch, agora no sobrou lugar para voc.

    Dbtchinski

    No tem importncia, dou um jeito.

    Prefeito

    (Em voz baixa para Dbtchinski.) Escute aqui: corra a todo vapor e leve esses dois bilhetes: um para Zernlianka, na assistncia social, e o outro para minha mulher. (A Khlestakv.) Permita-me escrever, em sua presena, duas palavrinhas para que minha mulher se prepare para receber to honorvel visitante?

    Khlestakv

    Mas para qu? Bem, se desejar, a tinta est aqui, mas papel, sei l... Que tal escrever nesta conta mesmo?

    Prefeito

    Pois no, vou escrever aqui mesmo. (Enquanto escreve, fala para si mesmo.) Ento vamos ver como a coisa vai rolar depois de uma boa bia e de uma

  • 67

    boa garrafa! E temos um bom Madeira daqui mesmo: a gente no d nada por ele, mas capaz de derrubar um elefante. S quero saber quem ele e at que ponto devo me preocupar. (Acaba de escrever, entrega a Dbtchinski, que se dirige porta, mas, nesse momento, a porta cai sobre o palco e sobre ela Bbtchinski, que esta escutando por detrs. Todos soltam exclamaes. Bbtchinski se levanta.)

    Khlestakv

    E ento? No se machucou?

    Dbtchinski

    No foi nada, no foi nada. Nada que me tire do srio. S vou ganhar um bom remendo bem aqui, onde comea o nariz! Vou dar uma passadinha em Khristian Ivnovitch. Ele tem um bendito emplastro que logo vai me deixar bom.

    Prefeito

    (Fazendo um sinal de desaprovao a Bbtchinski. A Khlestakv.) No nada. Tenha a bondade, por favor! Vou dizer ao seu criado que leve sua mala. (A ssip.) Meu querido, leve tudo minha casa, casa do prefeito. Todo mundo sabe onde . Tenha a bondade. (D passagem a Khlestakv e o segue, mas volta-se para Bbtchinski e o repreende.) E voc! No tinha outro lugar para cair! Se esborrachou feito um diabo no cho! (Sai, com Bbtchinski atrs dele.)

    (Cai o pano.)

  • Ato

    3

  • O mesmo cenrio do Ato 1.

    Cena 1

    Ana Andrievna e Mria Antnovna esto junto janela, as duas na mesma pose de antes.

    Ana Andrivna

    Veja s, j faz uma hora que estamos esperando e voc fazendo fita: j

    est pronta e ainda fica fazendo hora. Que moleza!... No deveria ter dado

    ouvidos a ela. Que droga! No tem viva alma! At parece de propsito. Como se no houvesse mais ningum na face da Terra.

    Mria Antnovna

    Calma, mezinha, dentro de uns minutinhos vamos ficar sabendo de

    tudo. Avdtia deve chegar logo, logo. (Olha pela janela e exclama.) Ah! Mezinha, mezinha! Vem vindo algum l no final da rua.

    Ana Andrivna

    Mas onde? Voc sempre com suas fantasias. Pois verdade! Quem ser? Baixinho... de fraque... Mas quem ser? mesmo uma chateao! Quem que pode ser?

    Mria Antnovna

    Dbtchinski, minha me!

    Ana Andrivna

    Mas que Dbtchinski, que nada! Voc est sempre imaginando coisas! No Dbtchinski de jeito nenhum! Acena com o leno.) Ei, voc a, venha aqui, depressa!

  • 71

    Mria Antnovna

    E Dbtchinski, sim, querida me.

    Ana Andrivna

    Mas que coisa! Faz de propsito, s pra me contrariar! J falei que no Dbtchinski?

    Mria Antnovna

    No falei, no falei, me? Viu como Dbtchinski?

    Ana Andrivna

    Ah! Agora vejo, Dbtchinski sim! E da? E por que que voc tem sempre que teimar comigo? (Grita pela janela.) Depressa! Depressa! Como anda devagar! E ento, onde eles esto? Vai logo, fala da mesmo, tanto fax. Hein? muito severo? O qu? E o meu marido? Como est meu marido? (Afasta-se um pouco da janela, aborrecida.) Mas que imbecil, no conta nada at chegar aqui!

  • Cena 2

    As mesmas e Dbtchinski.

    Ana Andrievna

    Agora fale, faa-me o favor! No tem vergonha? E eu, que confiava s em voc,

    achando que voc era honesto! E, de repente, todos desapareceram, e o senhor com eles! E eu at agora no sei nada de nada! No tem vergonha? Eu que sou madrinha de seu Vnia e de sua Lisa, e o senhor me apronta uma dessas!

    Dbtchinski

    Palavra de honra, comadre. Corri tanto para render-lhe minhas homenagens que nem tenho mais flego. Minhas homenagens, Mria Antnovna!

    Mria Antnovna

    Meus cumprimentos, Pitr Ivnovitch!

    Ana Andrievna

    E ento? Agora me conte: o que se passa?

    Dbtchinski

    Antn Antnovitch mandou-lhe um bilhetinho.

    Ana Andrievna

    Est bem, est bem. Mas, enfim, quem ele? Um general?

    Dbtchinski

    No, no general, mas fica nada a dever a um general, tal a sua educao,

    e que finura!

  • 73

    Mria Antnovna

    Ah! Ento o mesmo sobre o qual escreveram ao meu marido?

    Dbtchinski

    O prprio. Fui o primeiro a descobrir com Pitr Ivnovitch.

    Ana Andrievna

    Ento, conte tudo, tudo.

    Dbtchinski

    Graas a Deus, tudo em ordem. A princpio, ele recebeu Antn Antnovitch com certa aspereza. , sim senhora. Ficou zangado e disse que no hotel tudo estava mal, que no iria se hospedar na casa dele e que no queria ser preso por causa disso. Mas, depois, quando percebeu a generosidade de Antn Antnovitch e conversou um pouco melhor com ele, a sua cabea virou e, graas a Deus, tudo comeou a correr bem. Agora foram visitar as instituies da assistncia social... Para dizer a verdade, Antn Antnovitch chegou a pensar em alguma denncia secreta e at eu fiquei assim com medo.

    Ana Andrievna

    Mas assustado por qu? O senhor no funcionrio pblico!

    Dbtchinski

    A senhora sabe, quando um homem importante fala, a gente morre de medo.

    Ana Andrievna

    Mas o que isso? Bobagem sua! Conte, conte tudo. Como ele ? Velho ou moo?

    Dbtchinski

    Moo, bem moo: uns vinte e trs anos, mas fala como um velho: Por que no, ele diz, vou com os senhores num e noutro lugar?... (Agita as mos.)

  • 74

    To simptico! Gosto, diz ele, de ler e escrever um pouquinho, mas este quarto no ajuda nada, um tanto escuro.

    Ana Andrievna

    E como ele ? Loiro ou moreno?

    Dbtchinski

    Mais para o castanho e os olhos, ento, to agitados, parecem bichinhos. Chegam a nos perturbar.

    Ana Andrievna

    O que est escrito aqui no bilhete? (L.) Apresso-me a inform-la, corao, que a minha situao era lamentvel, mas, graas misericrdia divina, dois pepinos salgados e meia poro de caviar, por um rublo e vite e cinco copeques... (Interrompe.) No estou entendendo nada. Que histria essa de pepinos e caviar?

    Dbtchinski

    Ah! que Antn Antnovitch escreveu rapidinho, num papel qualquer, sobre uma conta do hotel.

    Ana Andrievna

    Ah! Ento isso. (Continua lendo.) Mas, graas misericrdia divina, parece que, no final, tudo vai dar certo. Prepare depressa um quarto para o ilustre

    hspede, aquele forrado com pedacinhos de papel amarelo. Quanto ao almoo, no se preocupe com nada especial, pois vamos comer alguma coisa l na assitncia social com Artmi Filpovitch. Agora, vinho sim, muito vinho. Diga ao negociante Abdlin para mandar o que tiver de melhor, seno vou eu mesmo l fuar na adega dele. Beijo suas mos, meu corao, do sempre seu, Antn Skvoznk-Dmukhanvski... Ai, santo Deus! E preciso andar depressa! Ei, tem algum a? Michka!

  • 75

    Dbtchinski

    (Corre at a porta e grita.) Michka! Michka! Michka! (Entra Michka.)

    Ana Andrievna

    Escute aqui: v depressa at o negociante Abdlin... espere a, vou escrever um bilhetinho. (Senta-se mesa, escreve um bilhete e, enquanto isso, continua falando.) Entrege este bilhete ao cocheiro Sdor para que ele o leve correndo a Abdlin e traga, de l, o vinho. E venha j arrumar o quarto de hspede bem arrumadinho. Ponha l a cama, o lavatrio e tudo o mais...

    Dbtchinski

    Est bem, Ana Andrievna. Agora vou correndo ver como que o inspetor inspeciona.

    Ana Andrievna

    V, v, ningum o est segurando!

  • Cena 3

    Ana Andrievna e Mria Antnovna.

    Ana Andrivna

    Bem, Mchenka, agora precisamos cuidar da toilete. E jia da capital. Deus nos livre se ele achar alguma coisa ridcula em ns. O que fica mais decente

    em voc aquele vestido azul com babadinhos.

    Mria Antnovna

    Ah!, no, mezinha, o azul no! No gosto nada dele. A filha de Lipkin-

    Tipkin est sempre de azul e a filha de Zemlianka tambm. melhor eu

    vestir o estampado.

    Ana Andrivna

    O estampado!... S para me contrariar. O outro vai ficar muito melhor, agora

    eu quero botar o vestido cor de palha. Adoro o cor de palha.

    Mria Antnovna

    Ah!, mezinha, mas a senhora no fica bem de cor de palha.

    Ana Andrivna

    Como no fico bem?

    Mria Antnovna

    No fica. Aposto o que quiser, no fica bem. Para us-lo, preciso ter olhos

    bem escuros.

  • 77

    Ana Andrivna

    Era s o que faltava! E por acaso no tenho olhos escuros? O mais escuro possvel. Cada absurdo! Como que no so escuros se, quando tiro a sorte nas cartas, sempre me vejo na dama de paus?

    Mria Antnovna

    Ah!, mezinha, a senhora est mais para dama de copas.

    Ana Andrivna

    Que bobagens, s bobagens! Que dama de copas qual nada. (Sai, apressada, com Mria Antnovna e fala atrs do palco.) Agora essa, imagine s, dama de copas! S porque voc quer!

    (Depois que elas saem, abrem-se as portas e aparece Michka varrendo a sujeira para fora. De outra porta, sai ssip com uma mala na cabea.)

  • Cena 4

    Michka e ssip.

    ssip

    Para onde vou agora?

    Michka

    Por aqui, por aqui, amigo.

    ssip

    Espere a. Deixe-me respirar um pouco. Ah!, que vida desgraada! Com a barriga vazia, qualquer coisa parece pesada.

    Michka

    Diga, amigo: o general vem logo?

    ssip

    Que general?

    Michka

    Seu patro, ora essa!

    ssip

    Meu patro? Mas que general que nada!

    Michka

    Ento no general?

  • 79

    ssip

    General, sim, de meia-tigela.

    Michka

    Mas isso mais ou menos general de verdade?

    ssip

    Mais.

    Michka

    Que coisa! por isso que armaram toda essa confuso.

    ssip

    Escute aqui, meu querido: vejo que voc um rapaz bem esperto. Veja se prepara alguma coisa pra gente comer!

    Michka

    Para o senhor, meu amigo, ainda no tem nada preparado. O senhor no vai querer comer qualquer coisa, vai? Mas deixa o seu patro sentar pra comer; a, sim, vai ver que refeio vai ter para o senhor tambm.

    ssip

    Bem, mas o que voc tem? Como qualquer coisa.

    Michka

    Sopa, mingau e pastis.

    ssip

    Ento me d logo tudo, sopa, mingau e pastis! No se preocupe: como de tudo. Bem, vamos levar a mala! H outra sada por aqui?

  • 80

    Michka

    H sim.

    (Ambos levam a mala. para o quarto ao lado.)

  • Cena 5

    Dois soldados abrem as duas folhas da porta principal. Entram Khlestakv, atrs dele o prefeito, depois o encarregado da assistncia social, o inspetor de escolas, Dbtchinski e Bbtchinski com um emplastro no nariz; o prefeito mostra aos soldados um papel que est no cho. Eles correm para apanh-lo, chocando-se na pressa.

    Khlestakv

    Que belas instituies! Fico contente que os senhores mostrem aos viajantes tudo o que a cidade possui. No me mostraram nada nas outras cidades.

    Prefeito

    Nas outras cidades, se o senhor me permite diz-lo, os dirigentes e funcionrios, por assim dizer, pensam apenas em tirar vantagem de tudo. Mas aqui, no; em princpio, no temos outra aspirao que no, com devoo e zelo, ganhar a estima de nossos superiores.

    Khlestakv

    O almoo estave excelente: comi at no poder mais. Aqui se come assim todos os dias?

    Prefeito

    Foi exclusivo para to honrado hspede.

    Khlestakv

    Eu gosto de comer. Afinal, para que que a gente vive? Para colher as flores

    do prazer. Como se chama mesmo aquele peixe?

  • 82

    Artmi Filpovitch

    (Aproxima-se, correndo.) Bacalhau, senhor.

    Khlestakv

    Muito saboroso. E onde foi mesmo que ns almoamos, no hospital, no?

    Artmi Filpovitch

    Exatamente, senhor, na assistncia social.

    Khlestakv

    Ah, sim, agora me lembro. Tinha um monte de camas l. E os doentes, sararam? Achei que no havia muitos.

    Artmi Filpovitch

    Sobraram mais ou menos uns dez. Os outros todos ficaram bons. Nossa

    organizao funciona assim, a ordem essa. Desde que fui nomeado para esse cargo - isso talvez lhe parea incrvel -, todos ficam logo curados como

    moscas. O doente nem bem entra no hospital j fica bom. E no tanto por

    causa dos remdios, mas sim pela honestidade e pela ordem.

    Prefeito

    E, se me permite dizer-lhe, todo esse quebra-cabea de responsabilidade do prefeito. Quantos problemas diferentes; a limpeza aqui, um concerto ali, um reparo acol... Numa palavra, o homem mais inteligente se veria em apuros; mas, graas a Deus, tudo corre na santa paz. Um outro prefeito, claro, se contentaria apenas em agir em proveito prprio; mas, pode acreditar, a gente, at mesmo quando vai para cama dormir, fica pensando: Queira Deus

    que tudo seja feito para que os superiores reconheam o meu zelo e fiquem

    satisfeitos... Se serei recompensado ou no, s Deus sabe; mas, pelo menos, tenho a conscincia tranquila. Quando tudo est em ordem na cidade, as

  • 83

    ruas varridas, os presos em boas condies e h poucos bbados... o que se pode querer mais? Palavra de honra, as honrarias... no quero mesmo. Claro que so sedutoras, mas, diante da virtude, tudo isso so cinzas e vaidades.

    Artmi Filpovitch

    ( parte.) Mas que malandro, como enrola! Que dom Deus lhe deu!

    Khlestakv

    E verdade, confesso que tambm gosto de ficar matutando: s vezes, prosa,

    outras, at me lano em versinhos.

    Bbtchinski

    (Para Dbtchinski.) Que bom, Pitr Ivnovitch, muito bom mesmo. Que observaes... v-se logo que tem muita instruo.

    Khlestakv

    Por favor, ser que poderiam me dizer se vocs no tm por aqui algum entretenimento, uma boa sociedade onde se possam, assim por exemplo, jogar cartas?

    Prefeito

    ( parte.) Ah, meu queridinho, sei bem aonde voc quer chegar! (Em voz alta.) Deus nos livre e guarde! Aqui no temos a menor ideia desse tipo de sociedade. Eu nunca tive uma carta nas mos e muito menos sei como se jogam cartas. Tambm no posso ficar indiferente diante delas; assim, se, por

    acaso, vejo algum rei de ouros ou outra coisa qualquer, fico com tamanho

    nojo que at tenho vontade de cuspir. Certa vez, apenas para divertir as crianas, fiz uma casinha de cartas de baralho e depois sonhei a noite toda

    com as ditas-cujas. Que Deus nos livre, como se pode matar o nosso precioso tempo com isso?

  • 84

    Luk Luktch

    ( parte.) E esse bandido me levou ontem cem rublos.

    Prefeito

    bem melhor dedicar nosso tempo em favor do Estado.

    Khlestakv

    Bem, tambm no assim, veja bem... Tudo depende do ponto de vista de que a gente olha pra coisa. Se, por exemplo, voc deixa de dobrar a aposta em vez de triplicar, a..., claro que... No, me desculpem, mas jogar s vezes bem sedutor.

  • Cena 6

    Os mesmos, Ana Andrievna e Mria Antnovna.

    Prefeito

    Tomo a liberdade de apresentar-lhe minha famlia: minha esposa e minha filha.

    Khlestakv

    (Faz reverncia.) Quo feliz estou, minha cara senhora, deter o prazer sui generis de conhec-la.

    Ana Andrivna

    O prazer todo nosso de ter entre ns personalidade de tal ordem.

    Khlestakv

    (Afetado.) Imagine, minha senhora, muito pelo contrrio, o meu prazer maior ainda.

    Ana Andrivna

    No diga isso! O senhor tem demasiada gentileza de falar assim s por cortesia. Faa o favor de sentar-se.

    Khlestakv

    Estar de p a seu lado j uma felicidade. Mas, se o seu desejo mesmo inevitvel, vou me sentar. Como estou feliz de me sentar, enfim, ao seu lado.

    Ana Andrivna

    Queira desculpar-me, mas no me atrevo a crer que esteja falando srio. Imagino que, depois da capital, esta voyage seja muito desagradvel para o senhor.

  • 86

    Khlestakv

    Extremamente desagradvel. Estou acostumado a viver em sociedade, comprenez vous, e, de repente, tenho que pr o p na estrada: hospedarias imundas, as trevas da ignorncia... Mas, se no fosse, confesso, o acaso que me... (Lana um olhar para Ana Andrievna e se exibe diante dela.) me recompensou de tudo...

    Ana Andrivna

    Realmente, como deve ter sido desagradvel.

    Khlestakv

    Mas, pelo menos agora, minha senhora, neste exato minuto, tudo me agrada.

    Ana Andrivna

    Mas o que isso? O senhor me faz tantas honrarias! No mereo tanto.

    Khlestakv

    Como, no merece? Claro que merece, minha senhora.

    Ana Andrivna

    Vivo no campo...

    Khlestakv

    E verdade, mas o campo, pensando bem, tambm tem suas colinas, seus riachos... Mas claro, no se pode compar-lo a Petersburgo! Ah! Petersburgo! Aquilo sim que vida! Talvez a senhora imagine que eu seja um simples escrevente; no, senhora, o chefe da seo assim comigo. Ele me d uns tapinhas no ombro: Venha almoar comigo, meu velho! Dou

  • 87

    uma passadinha de dois minutos na repartio s para dizer: Isto tem que ser assim, isto tem que ser assado! E, logo, um funcionrio, aquela ratazana, pega a pena e se pe a escrever tr... tr... Eles at queriam me nomear assessor de colegiatura, mas, pensei, pra qu? E o contnuo corre sempre atrs de mim pelas escadas com uma escova: Com licena, Ivan Aleksndrovitch, vou engraxar suas botas, diz ele. (Ao prefeito.) Mas por que esto em p, senhores? Tenham a bondade de sentar-se.

    (Todos ao mesmo tempo.)

    Prefeito

    Com um status como o meu, devo ficar em p.

    Artmi Filpovitch

    Estamos bem em p.

    Luk Luktch

    No se preocupe.

    Khlestakv

    Vamos esquecer a hierarquia, sentem-se, por favor. (O prefeito e todos os outros se sentam.)

    No gosto de cerimnias. Ao contrrio, eu at fao todo o esforo para no ser notado. Mas absolutamente impossvel a gente se esconder, simplesmente impossvel. s eu sair para ir a qualquer lugar e pronto, j comeam a falar: Olha quem vai l, Ivan Aleksndrovitch! Certa vez, at me tomaram pelo comandante-chefe. Os soldados saram correndo dos quartis e se perfilaram

    diante de mim. Depois, um oficial que muito meu amigo me disse: Pois ,

    meu irmo, tomamos voc pelo comandante-chefe.

  • 88

    Ana Andrivna

    Ah! No me diga!

    Khlestakv

    Tambm conheo atrizes lindssimas. At alguns vaudevillezinhos... Sempre me encontro com literatos. Pchkin meu amigo do peito. Sempre digo a ele: E a, meu irmo, como vai? - Vamos levando, mano - s vezes responde -, vamos indo... Muito original.

    Ana Andrivna

    Quer dizer que o senhor tambm escreve? Como deve ser agradvel! Certamente tambm publica nas revistas?

    Khlestakv

    Claro, nas revistas tambm. Alis, h muita coisa minha escrita. As bodas de Fgaro, Roberto, o diabo, Norma. At nem me lembro mais dos nomes. E tudo assim, como que por acaso: eu nem queria escrever, mas a direo do teatro me pediu: Por favor, meu caro, escreva alguma coisa, vai. Pensei comigo mesmo: Por que no? Toma l, meu amigo! E acho ainda que escrevi tudo numa noite s e deixei todos maravilhados. Tenho uma cabea gil como o vento. Tudo que apareceu sob o nome do baro Brambeus,* A fragata esperana, O Telgrafo de Moscou, fui eu que escrevi tudo isso.

    * Baro Brambeus: pseudnimo de O. I. Senkovski, escritor, jornalista, redator da revista Biblioteca para leitura, e muito conhecido nos anos 30-40 do sculo XIX. A fragata esperana: novela de Marlnski, pseudnimo do dezembrista A. A. Bestujev (1797-1837), participante da rebelio contra o czar Nicolau I, ocorrida em dezembro de 1825. O Telgrafo de Moscou: revista progressista editada por N. A. Polevy a partir de 1825 e fechada em 1834 por decreto de Nicolau I.

  • 89

    Ana Andrivna

    Ento quer dizer que Brambeus o senhor?

    Khlestakv

    Perfeitamente. E tambm corrijo os artigos de todo mundo. Smrdin me paga por isso quarenta mil rublos.

    Ana Andrivna

    Ento, certamente, Ir Miloslvski tambm obra sua.

    Khlestakv

    Sim senhora, obra minha.

    Ana Andrivna

    Logo adivinhei.

    Mria Antnovna

    Mas, mame, l est escrito que do senhor Zagskin.

    Ana Andrivna

    Outra vez! Sabia que voc iria teimar comigo de novo.

    Khlestakv

    Ah! sim. De fato, quer dizer, isso mesmo. de Zagskin, mas h um outro Ir Misloslvski que meu.

    A. F. Smirdn: livreiro muito conhecido de So Petersburgo e editor da revista Biblioteca para leitura. Ir Miloslvski: romance histrico de M. Zagskin, publicado em 1829 e que, na poca, fez muito sucesso.

  • 90

    Ana Andrivna

    Eu acho que li foi o seu. Como est bem escrito!

    Khlestakv

    Confesso que vivo de literatura. Em Petersburgo, minha casa de primeira. E conhecida como a casa de Ivan Aleksndrovitch. (Voltando-se a todos.) Faam-me a gentileza, meus senhores, se forem a Petersburgo, por favor, venham mesmo minha casa. Sabem, tambm dou bailes.

    Ana Andrivna

    Imagino com que bom gosto e que bailes maravilhosos devem ser!

    Khlestakv

    A senhora nem queira imaginar. Sirvo, por exemplo, melo, mas um melo que custa setecentos rublos. A sopa, numa sopeira, e vem de navio, direto de Paris. A gente levanta a tampa e sente um tal cheiro, impossvel de se encontrar igual na natureza. Todos os dias vou a bailes. L a gente organiza tambm um bom whist: o ministro das Relaes Exteriores, o embaixador francs, o embaixador ingls, o embaixador alemo e eu. A gente joga at no poder mais. E ao subir correndo as escadas de minha casa, no quarto andar, mal consigo dizer cozinheira: Mvruchka, o meu capote... Ah! no! Que bobagem! Ksqueci que moro no primeiro. S a escada me custou... Mas o mais interessante dar uma olhada na minha ante-sala antes de me levantar. Condes e prncipes conversam e zumbem como abelhas e s se escuta zzz... zzzz... As vezes tambm o ministro... (O prefeito e os outros erguem-se de suas cadeiras atemorizados.)

    At nas correspondncias vem escrito: Para sua excelncia. Certa vez, at cheguei a dirigir uma repartio. Foi muito estranho: o diretor foi embora - para onde, ningum sabia, li n to, naturalmente, comeou um diz-que-diz-que - como? o qu? quem vai ocupar o lugar? -; muitos generais apareceram

  • 91

    e toparam a parada, mas a coisa no era nada fcil no. primeira vista, parece fcil, mas olhando bem, s o diabo que sabe. A, eles se do conta, no tm sada e vm para cima de mini. E no mesmo instante pelas ruas surgem mensageiros, mensageiros, mensageiros... Imaginem, trinta e cinco mil s de mensageiros! Como que est indo a coisa, eu pergunto? Ivan Aleksndrovitch, v dirigir a repartio! Para dizer a verdade, fiquei um

    pouco constrangido. Recebi-os em robe de chambre, quis recusar, mas pensei: Isto vai acabar chegando aos ouvidos do soberano, e tambm minha folha de servio... Est bem, senhores, aceito o cargo, aceito, digo. Ento v l, digo, eu aceito, mas vou logo avisando, olha l! Estou por dentro de tudo, vo ver s... E foi dito e feito: era s eu entrar na repartio - era aquele terremoto. Todos se agitavam e tremiam como folhas.

    (O prefeito e os demais tremem de medo. Khlestakv se inflama ainda mais.)

    Ah! No! Brincadeira comigo no. Passei um sabo em todo mundo! At o Conselho de Estado tem medo de mim. O que se pode fazer? Eu sou assim! No poupo ningum... vou logo dizendo a todo mundo: Me conheo muito bem. Estou em toda parte, em toda parte. Vou todos os dias ao palcio. E logo vou ser nomeado marech... (Escorrega e por pouco no cai no cho, mas os funcionrios o seguram com respeito.)

    Prefeito

    (Aproxima-se tremendo dos ps cabea e faz um esforo para falar.) Mas vo-vo-vo-vo...

    Khlestakv

    (Com voz rpida e cortando.) Mas o que isso agora?

    Prefeito

    Vo-vo-vo... vo...

  • 92

    Khlestakv

    (Com a mesma voz.) No estou entendendo nada. Tudo isso um absurdo.

    Prefeito

    Vo-vo-vo... vossa excelncia no ordenaria descansar um pouco? Ali est o quarto e tudo o mais que for preciso.

    Khlestakv

    Que absurdo! Descansar? Est bem. Vou descansar. O almoo, senhores, bom mesmo, muito... Estou satisfeito, muito satisfeito. (Declama.) Bacalhau! Bacalhau! (Entra no quarto ao lado, seguido pelo prefeito.)

  • Cena 7

    Os mesmos, menos Khlestakv e o prefeito.

    Bbtchinski

    (Para Dbtchinski.) Isto que homem, Pitr Ivnovitch. Isto que significa ser homem! Nunca na vida estive diante de uma persona to importante. Quase morri de medo! O que voc acha, Pitr Ivnovitch, quem ele, no que diz respeito ao status?

    Dbtchinski

    Acho que ele quase general.

    Bbtchinski

    Eu j acho que um general no lhe chega nem aos ps. E se de fato for general, no mnimo um generalssimo. Voc escutou como tratou o Conselho de Estado? Vamos logo contar tudo a Amos Fidorovitch e a Korbkin. At logo, Ana Andrievna.

    Dbtchinski

    At logo, comadre.

    (Ambos saem.)

    Artmi Filpovitch

    (A Luk Luktch.) Que medo horrvel! E a gente nem sabe por qu. E ns nem estamos de uniforme. E se, ainda por cima, depois de voltar a si ele mandar um relatrio para Petersburgo? (Sai, pensativo, em companhia de Luk.) Adeus, minha senhora!

  • Cena 8

    Ana Andrievna e Mria Antnovna.

    Ana Andrivna

    Que homem agradvel!

    Mria Antnovna

    Que encanto!

    Ana Andrivna

    Que maneiras refinadas! V-se logo que jia da capital. As atitudes e

    tudo, tudo o mais... Ah! Que maravilha! Adoro essa gente jovem. Perco completamente a cabea. Acho at que ele gostou bem de mim. Notei que era olhos s para mim.

    Mria Antnovna

    Ah! Mame, ele olhou foi pra mim!

    Ana Andrivna

    Por favor, chega de tolices! Isso est fora de qualquer propsito.

    Mria Antnovna

    Mas, mame, verdade mesmo!

    Ana Andrivna

    L vem ela de novo! Meu Deus, sempre quer discutir, no vive sem isso. Quem voc pensa que para ele te olhar? E por que cargas dgua ele iria olhar para voc?

  • 95

    Mria Antnovna

    verdade, mezinha, olhou o tempo todo. Olhou quando comeou a falar de literatura e, depois, quando contou que jogou whist com os embaixadores, olhou outra vez.

    Ana Andrivna

    Bem, pode at ser que uma vez ou outra, assim s por olhar, ele tenha pensado consigo mesmo: Est bem, vamos dar uma olhadinha nela tambm!

  • Cena 9

    Os mesmos e o prefeito.

    Prefeito

    (Entra na ponta dos ps.) Psiu!... Psiu!

    Ana Andrivna

    O que ?

    Prefeito

    No estou nada contente de ter lhe dado tanto de beber. Mas, se pelo menos a metade do que ele disse verdade? (Fica pensativo.) E por que no haveria de ser verdade? Um homem meio tocado sempre desabafa tudo. Tudo o que vai no corao, sai pela lngua. claro que mentiu um pouco. Mas sem mentira no pode haver uma boa conversa. Joga cartas com ministros e vai ao palcio... A que est, quanto mais a gente pensa... s o diabo sabe o que passa pela cabea. Parece que estou a um passo do abismo ou da forca.

    Ana Andrivna

    Pois eu no senti o menor temor. Simplesmente vi nele um homem do mundo culto e de bom tom. Seu status no me interessa nem um pouco.

    Prefeito

    Ah! Vocs, mulheres! Basta pronunciar essa palavra e pronto! Para vocs, tudo brincadeira! De repente, deixam escapar uma ou outra tolicezinha e s vo se dar mal, mas o marido que vai entrar bem. Voc, coraozinho, se comportou com ele to vontade, como se fosse algum Dbtchinski.

  • 97

    Ana Andrivna

    Quanto a isso, no precisa se incomodar. Ns duas sabemos muito bem... (Olha para a filha.)

    Prefeito

    (Sozinho.) Para que perder tempo com vocs?... Mas que coisa! At agora no consigo me recuperar do susto. (Abre aporta e fala, da porta.) Michka! V chamar os soldados Svistunv e Derjimrda. Eles devem estar aqui ao lado da entrada. (Depois de uma breve pausa.) Cada uma que acontece agora no mundo! Ainda se fosse algum de porte, mas no, um magrinho, fininho -

    vai a gente saber quem ele . Se fosse um militar, logo se veria, mas esse a, vestido com esse fraquezinho, mais parece uma mosca de asas cortadas. E h pouco, l na hospedaria, como se fez de duro! Despejava tantas alegorias, tantos rodeios... At pensei que eu no conseguiria nada nem mesmo em um sculo. Mas, afinal, entregou-se. At falou mais do que devia. Bem se v

    que jovem.

  • Cena 10

    Os mesmos e ssip. Todos correm ao seu encontro fazendo sinais.

    Ana Andrievna

    Venha c, meu caro!

    Prefeito

    Psiu! E a? Ele j dormiu?

    ssip

    Ainda no! Est se espreguiando.

    Ana Andrievna

    Escute aqui, corno que voc se chama?

    ssip

    ssip, minha senhora.

    Prefeito

    (Para a mulher e a filha.) Agora chega, j chega! (Para ssip.) E ento, meu amigo, comeu bem?

    ssip

    Muito bem, estou muito agradecido ao senhor. Comi muito bem.

    Ana Andrievna

    Agora me diga, imagino que so muitos os condes e os prncipes que visitam o seu patro, no?

  • 99

    ssip

    ( parte.) O que dizer? Se a comida agora foi boa, ento, depois, ainda pode ser melhor. (Em voz alta.) Com certeza, os condes tambm aparecem por l.

    Mria Antnovna

    ssip, queridinho, como seu patro atraente!

    Ana Andrievna

    Diga, ssip, como que ele...

    Prefeito

    Agora chega, por favor! Vocs me atrapalham com toda essa conversa idiota. Bem, e ento amigo?

    Ana Andrievna

    Qual status do seu pato?

    ssip

    O dele, uai.

    Prefeito

    Ai, santo Deus, vocs com essas perguntas estpidas! No me deixam falar de negcios. Ento, amigo, como o seu patro? Duro? Gosta de passar sermo ou no?

    ssip

    Gosta, sim, de tudo em ordem. Tudo tem que estar direito.

    Prefeito

    Simpatizo muito com voc. Voc deve ser um bom sujeito. Olhe...

  • 100

    Ana Andrievna

    Escute aqui. ssip, l o seu patro usa uniforme?

    Prefeito

    Chega! Mas que matracas! Estamos falando de coisas srias. Trata-se da vida de um homem... (A ssip.) verdade, amigo, gosto muito de voc. Quando se est em viagem, sempre bom tomar mais uma xcara de ch. Agora faz bastante frio. Pegue uns rublozinhos para um ch.

    ssip

    (Pegando o dinheiro.) Muito obrigado, senhor! Que Deus o abenoe por ajudar um homem pobre.

    Prefeito

    Est bem, est bem, eu tambm estou contente. Mas, ento, amigo,...

    Ana Andrievna

    Escute aqui, ssip, que cor de olhos o seu patro prefere?

    Mria Antnovna

    ssip, meu querido, que narizinho bonitinho tem o seu patro!

    Prefeito

    Esperem um pouco, deixem-me falar! (A ssip.) Bem, meu amigo, por favor, me responda o que mais chama a ateno do seu patro, quer dizer, o que mais o agrada quando viaja?

    ssip

    Ele gosta... bem, a depende. Mas o que ele gosta mesmo de ser bem recebido e que a comida seja boa.

  • 101

    Prefeito

    Comida boa?

    ssip

    Isso mesmo, comida boa. E de mim tambm, que no passo de um servo, ele cuida muito bem. Juro por Deus! Em qualquer lugar por onde passamos, ele pergunta: E a, ssip, te acolheram bem? Muito mal, excelncia! - Ah!, ssip, ento esse anfitrio no presta. Lembre-me disso quando eu chegar

    - Ah, - penso comigo mesmo (Faz um gesto com a mo.) - deixa pra l! Sou um homem simples.

    Prefeito

    Est bem, est bem, tem razo. Dei-lhe um dinheirinho para o ch; ento agora dou-lhe para umas rosquinhas.

    ssip

    O que fiz para merecer, excelncia? (Guarda o dinheiro.) Ento vou beber sua sade.

    Ana Andrievna

    Venha me ver, ssip, e tambm vai ganhar.

    Mria Antnovna

    ssip, meu querido, d um beijo em seu patro!

    (Ouve-se no outro quarto a tosse de Khlestakv.)

    Prefeito

    Psiu! (Fica na ponta dos ps e fala em voz baixa.) Pelo amor de Deus, no faam barulho. Vo com Deus, j chega...

  • 102

    Ana Andrievna

    Vamos, Mchenka! Vou dizer-lhe o que reparei em nosso hspede, mas s podemos falar entre ns.

    Prefeito

    L vo elas fofocar. Acho que, se formos l ouvir, teremos que tapar os ouvidos. (A ssip.) Ento, amigo...

  • Cena 11

    Os mesmos, Derjimrda e Svistunv.

    Prefeito

    Psiu! Mas que ursos desajeitados - como batem essas botas! Entram de uma forma que parecem descarregar uma tonelada da carruagem. Mas que diabo aconteceu com vocs?

    Derjimrda

    Cumprindo ordens...

    Prefeito

    Psiu! (Tapa-lhea boca.) Corveja como um urubu (Imitando.) Cumprindo ordens! Parece rugir dentro de um barril! (Para ssip.) E voc, amigo, v l ver tudo o que necessrio para o seu patro. O que no tiver na casa, s pedir.

    (ssip sai.)

    E vocs, fiquem a na entrada e no saiam do lugar! E no deixem nenhum

    estranho passar, princ