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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.254-265. <www.ephispucrs.com.br>.
O INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIA POLÍTICA NAS PÁGINAS DA
SUA REVISTA (1940-1945)
THE MAGAZINE OF THE NATIONAL INSTITUTE OF POLITICAL SCIENCE (1940-1945)
Veronica Vieira Martinelli
Graduanda/ PUCRS
RESUMO Nessa pesquisa, integrante do projeto “Representações da Natureza Brasileira na Literatura e no Pensamento
Social (1923-1945)”, objetiva-se compreender a atuação do Instituto Nacional de Ciência Política (INCP) na
discussão sobre os problemas da sociedade brasileira, partindo da análise da revista Ciência Política (1940-
1945). A revista figurava como um boletim mensal de divulgação das atividades do Instituto, que congregava
intelectuais engajados na difusão da doutrina do Estado Novo e buscava atuar como uma “verdadeira escola de
patriotismo”, destinada ao ensinamento da “educação cívica” para o conjunto da sociedade. Por meio do
levantamento e sistematização de uma série e informações sobre o periódico, pretende-se elaborar o perfil do
grupo que atuava junto ao INCP, abordando elementos característicos como: os principais intelectuais que
publicavam na revista, os eixos temáticos mais abordados em seus textos, as diretrizes nacionais de sua atuação
na coletividade e o seu programa de intervenção nos problemas nacionais. Portanto, este trabalho é
representativo da necessidade de se aprofundar os estudos sobre o Instituto Nacional de Ciência Política e da
revista Ciência Política, pois se compreende que constituíram importantes veículos de propaganda ideológica do
regime e de discussão de suas diretrizes políticas. Palavras-chave: Revista Ciência Política. Estado Novo. Intelectuais.
ABSTRACT This research, that form part of the project “ Representations of Brazilian´s Nature in Literature and Social
Thought (1923-1945)”, has the objective understand the act of National Institute of Political Science (NIPC) on
discussions above the problems of brazilian society, starting from an analysis of Political Science magazine
(1942-1945). The magazine figure as a mensal propaganda bulletin of activities of the National Institute of
Political Science, which convene intellectuals engage on diffusion of Estado Novo doctrine and reach act as a
“true patriot school”, destiny to the teach of “civic education” to the conjunct of society. By mapping and
systemizing a series of information of the magazine, intent to elaborate a profile of the group which act on the
NIPC, approaching characteristical elements as: main intellectuals, thematics pivots most approached on the
texts, as a national policy of act on the society and also the program of intervention on the nationals problems.
Therefore, this academical research has a legitimate needs of deep in the studies of National Institute of Political
Science and the Political Science magazine, because have a understanding that this magazine represent a
important media of ideological propaganda of the regime and discussion of yours political policy. Keywords: Political Science Magazine. Estado Novo. Intellectuals.
Um olhar sobre os intelectuais e o Estado Novo
[...]
Brasil é o cidadão de vistas largas,
um herói, um valente, um grande, um Vargas
que em seu país vivendo entre estrangeiros,
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os destinos da Pátria toma ao ombro
e com patriotismo e desassombro
restitui o Brasil aos brasileiros1
O Estado Novo, período que corresponde a promulgação da Constituição de 10 de
novembro de 1937 e a deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945, pode ser
analisado sob diversos aspectos, tais como políticos, econômicos, sociais, culturais e
ideológicos. Isso permite que se abra um leque de possibilidades nos estudos históricos,
considerando-se os mais variados objetos e fontes que o historiador, ao questioná-los, toma
como fundamentais para o desenvolvimento da sua pesquisa2.
Ao tratar do governo Vargas no período3, devemos considerar que este correspondeu a
centralização do aparato burocrático estatal, ou seja, o Estado adotou o caráter autoritário na
tomada de decisões, passando a atuar como organizador da sociedade. Era fundamental pensar
o Brasil e a nacionalidade a partir de uma visão “de si para si mesmo”, e não sob os valores do
liberalismo político que, como ideologia importada, não coincidiria com a realidade do país.
Além de assumir o autoritarismo na tomada de decisões políticas, o Estado estabeleceu um
novo tipo de relação com a elite intelectual brasileira, que se tornou porta-voz do projeto
político-ideológico de reconstrução do Brasil e da identidade nacional.
Durante o governo estado-novista, o intelectual brasileiro atuou diretamente na arena
política ao responder o chamado para refletir sobre os problemas nacionais, e exercer a
“função social” de “representante da consciência nacional”, ao lado do Estado. Esse período
se caracterizou pela associação da elite intelectual a elite política, no sentido de reorganizar a
sociedade brasileira. Assim, “as elites intelectuais, das mais diversas correntes de pensamento,
passam a identificar o Estado como o cerne da nacionalidade brasileira” (VELLOSO, 1987, p.
4).
1 Soneto de autoria da poetisa Benedita de Melo, em “homenagem das mulheres intelectuais do Brasil” ao
presidente Getúlio Vargas, a pedido da jornalista e escritora Hecilda Clark e publicado na revista Ciência
Política, na ocasião do quarto aniversário de fundação do Instituto Nacional de Ciência Política (INSTITUTO,
1944, p. 35). 2 Neste artigo, em que pretendemos tomar como objeto-fonte de pesquisa histórica a imprensa periódica,
adotaremos o trabalho da Tania Regina Luca (2008) para o tratamento e uso adequado de fontes como revistas.
Luca esclarece a riqueza e as múltiplas possibilidades de abordagem no trabalho com periódicos, e como estes se
tornaram fundamentais para o conhecimento da história do Brasil. Também contribui com sugestões práticas e
procedimentos, para o pesquisador que pretende utilizar esse tipo de documento no desenvolvimento de uma
pesquisa. 3 É importante destacar que “o Estado Novo foi formalmente instituído por um golpe de estado ocorrido no dia
10 de novembro de 1937, uma quarta-feira. Um golpe anunciado, sem reação, silencioso”. Apoiado por
intelectuais, políticos e militares, o golpe não representou “uma ruptura, uma mudança abrupta, mas sim a
consolidação de um processo de fechamento e repressão que vinha sendo construído” (D’ARAUJO, 2000, p. 14-
5).
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Não mais afastados da arena política, os intelectuais4 passaram a operar por meio de
organismos culturais criados no sentido de propagandear a doutrina do novo regime. Para a
historiadora Mônica Pimenta Velloso (1982), o Estado adota uma nova estratégia político-
pedagógica em que a sua principal função seria a de educar, direcionar e organizar a
sociedade. A elite intelectual constituiu peça fundamental nesse cenário, pois assumiu o papel
de apoiadora e doutrinadora oficial do regime.
O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)5, criado pelo Decreto-Lei nº 1.915, de
27 de dezembro de 1939, era o órgão oficial responsável pelo controle e censura dos meios de
comunicação e pela propaganda ideológica no país. Sob a direção de Lourival Fontes6 e
diretamente subordinado ao Presidente da República, o DIP tinha entre suas finalidades.
a) centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou
externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos
ministérios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa a propaganda
nacional (BRASIL, 1939).
Com a criação do DIP, o Estado Novo assumiu o caráter de profunda centralização dos
meios de comunicação social, visto que estes passaram a atuar obrigatoriamente segundo as
orientações do órgão. Logo, o governo atuou mais fortemente no sentido de elaborar
“efetivamente a montagem de uma propaganda sistemática do governo, destinada a difundir e
popularizar a ideologia do regime junto às diferentes camadas sociais” (VELLOSO, 1987, p.
19).
Segundo a historiadora Maria Helena Capelato (1999, p. 173), o objetivo principal da
criação do DIP era esclarecer a opinião pública sobre as diretrizes doutrinárias do Estado
Novo, e “construir certa imagem do regime, das instituições e do chefe do governo,
identificando-os com o país e o povo”. Nesse processo de construção, a intelectualidade
operou junto a órgãos como o Departamento de Imprensa e Propaganda, mas também se
organizou em torno da imprensa, participando de jornais e revistas.
4 Adotaremos a abordagem de Sirinelli (2003, p. 242) para o conceito de intelectual. Segundo o historiador,
“uma acepção para a noção de intelectual pode ser ampla e sociocultural, englobando os criadores e os
‘mediadores’ culturais”. 5 Para a historiadora Silvana Goulart (1990, p. 12-3), a configuração do Departamento de Imprensa e Propaganda
significou a montagem de uma “verdade oficial”, ou seja, o Estado Novo criou estruturas e dispositivos que
permitiram ao governo exercer o controle da comunicação, a difusão sistemática do seu projeto político-
ideológico e a criação de uma base de legitimação das suas ações, através do autoritarismo e da centralização
política. 6 Lourival Fontes, também conhecido como “o Goebbels tupiniquim”, possui intensa trajetória na política
brasileira. Para uma visão mais detalhada da sua participação política e intelectual no contexto do Estado Novo,
ver Oliveira (2001).
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As revistas constituíram importante veículo de propaganda do Estado Novo, e um espaço
de atuação da elite intelectual que apoiava as políticas propostas pelo governo Vargas.
Segundo o historiador francês Jean-François Sirinelli (2003, p. 249), “uma revista é antes de
tudo um lugar de fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e
espaço de sociabilidade, e pode ser, entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão”.
Através da “palavra escrita”7, os apoiadores do projeto varguista agiram
pedagogicamente, no sentido de propagandear a doutrina do novo regime com a publicação de
periódicos. Isso contribuiu na promoção positiva da imagem do governo – que incluiu
elementos como a criação do mito de Vargas; a formação da unidade nacional e do sentimento
nacionalista; e o amor à pátria manifestado pelo patriotismo e civismo.
Nas pesquisas históricas, deve-se considerar que a imprensa periódica – e neste artigo se
destaca o papel das revistas - constitui fonte fundamental para o historiador, pois ao analisar a
formação interna desses espaços de sociabilidade é possível apreender que estes representam
redes de relações, capazes de exprimir o movimento de ideias de uma determinada época.
O projeto político-ideológico sustentado pelo Estado Novo contou com uma publicação
oficial, que incorporava os ideólogos de maior projeção do regime para auxiliar na produção e
na divulgação do seu pensamento, a revista Cultura Política8. Porém, outras publicações
surgiram nesse sentido, como a revista Ciência Política9.
A revista Ciência Política (1940-1945)
[...] no momento em que minha atenção vagueia da ordem estabelecida das linhas
escritas para a complexidade mutável que nenhuma frase consegue apreender
totalmente, chego quase a entender que além das palavras há algo que as palavras
poderiam significar (CALVINO, 2006, p. 147).
A revista Ciência Política, caracterizada especificamente como um boletim mensal,
divulgava as atividades desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Ciência Política (INCP), no
7 Segundo Norberto Bobbio (1997, p. 11-2), toda sociedade tem os seus intelectuais, que são os detentores do
poder ideológico exercido sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias, símbolos, visões de mundo e
de ensinamentos práticos. Para Bobbio, o principal meio de se exercer o “poder ideológico é a palavra, ou
melhor, a expressão de idéias por meio da palavra, e com a palavra, agora e sempre mais, a imagem”. 8 Sob a direção de Almir de Andrade, a revista Cultura Política teve seu primeiro número lançado em março de
1941, encerrando sua publicação em outubro de 1945 (VELLOSO, 1982, p. 74). 9 Mônica Velloso (1882), apresenta um panorama do papel desenvolvido pelos intelectuais na imprensa escrita,
focando sua proposta de trabalho na análise do perfil das revistas Cultura Política e Ciência Política. A
historiadora busca estabelecer “a distinção de tarefas no campo ideológico” nos discursos veiculados pelas duas
publicações, concluindo que a primeira estaria voltada para a “produção” do discurso oficial, congregando a elite
intelectual da época. Já a Ciência Política, que reuniria intelectuais de menor projeção, tinha como principal
objetivo a “difusão”, ou seja, a decodificação do discurso produzido pelos ideólogos do Estado Novo, em uma
linguagem voltada para o público em geral (p. 73).
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período de 1940 a 1945. Durante os seus cinco anos de existência, a publicação teve como
diretor responsável o gaúcho Pedro Vergara10, e como secretário geral o professor da
Faculdade de Direto da Universidade do Paraná, Humberto Grande.
Em seu conteúdo, a Ciência Política trazia temas que retratavam o cenário político, social
e econômico brasileiro do momento, tais como: nacionalismo e unidade nacional, patriotismo
e civismo, Exército Nacional e cultura bélica, direitos sociais e trabalhistas, indústria
siderúrgica, desenvolvimento econômico, política internacional e pan-americanismo, o papel
do professor e do ensino secundário, o problema das secas no nordeste, e artigos que
afirmavam as realizações do governo e que salientavam o misticismo em torno do Estado
Novo. Getúlio Vargas era constantemente exaltado como herói nacional, político singular e
grande administrador; a agenda e os discursos do presidente também eram publicados pela
revista. Logo, a Ciência Política se insere no ambiente da época, em que
[a] máquina política do Estado Novo articula uma das mais bem-sucedidas
campanhas de propaganda política no Brasil. Getúlio é o personagem central das
festividades, cartazes, fotografias, artigos, livros, concursos escolares, entre uma
enorme gama de iniciativas em louvor do chefe do Estado Novo: sua imagem
encarna o regime e todas as suas realizações (BARBOSA, 2007, p. 119).
Ao mapear o conteúdo temático das mais de cinquenta edições publicadas pela revista,
esta pesquisa evidenciou a vinculação do discurso da Ciência Política ao ideário oficial do
governo, e a homogeneidade de pensamento dentro do seu diversificado corpo de
colaboradores, que congregava “homens de ideias e convicções”, entre eles professores do
ensino superior, estudantes universitários, juristas, sacerdotes, escritores, militares e
jornalistas11.
Logo, a Ciência Política constitui um espaço de sociabilidade importante para uma
parcela da intelectualidade brasileira do período que, detentora do poder ideológico como era,
esteve ativamente articulada a máquina estatal difundindo a doutrina, as realizações e as
10 Nascido em Porto Alegre (RS), em junho de 1895, Pedro Fernandes Espinosa Vergara era filho do advogado e
procurador da República Felisberto Fernandes Vergara e de Mercedes Espinosa Vergara. Formou-se em ciências
jurídicas e sociais, pela Faculdade de Direito de Pelotas, em 1917. Atuou como advogado, promotor público, juiz
de direito, jornalista, escritor e político. Entre 1943 e 1945, atuou como procurador-adjunto do Ministério
Público Federal. Com o fim do Estado Novo foi eleito, pelo Partido Social Democrático (PSD), deputado pelo
Rio Grande do Sul à Assembleia Legislativa Nacional Constituinte. No segundo governo de Getúlio Vargas
(1951-1954), foi nomeado procurador da República (PEDRO, 2010). Para uma abordagem mais detalhada da
vida pessoal e política de Pedro Vergara, ver sua autobiografia publicada em dois volumes: Lembranças que
lembram: sozinho (1976) e Lembranças que lembram: à beira do rio (1979). 11 A revista Ciência Política não dá maiores detalhes sobre os dados biográficos do seu corpo de colaboradores,
ela se limita a informar sua formação acadêmica e/ou atuação profissional. A presente pesquisa não pretende se
aprofundar no exame da trajetória de um ou mais intelectuais, considerando-se uma análise geral que permita o
vislumbrar a homogeneidade de discurso que envolve a intelectualidade do INCP.
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projeções do governo para a sociedade. Em mais de quinhentos artigos publicados por mais de
trezentos intelectuais identificados pelo mapeamento dessa pesquisa, foi possível perceber a
dimensão do engajamento e do apoio desse grupo ao projeto político estado-novista.
Ferramenta importante do poder exercido pela intelectualidade, além daquilo que a
palavra escrita pode significar estão os laços que formam o espaço de sociabilidade por trás de
uma revista, e que é percebido nas entrelinhas das suas publicações. Nestas, são expressas as
emoções, os sentimentos, as convicções e o ideário dos intelectuais que compuseram a
Ciência Política, retratando a sua inserção na política e na ideologia sustentada pelo governo
varguista.
Porém, esse espaço de desenvolvimento do poder ideológico que exemplifica o profundo
movimento de ideias intrínseco ao contexto histórico abordado, não se limita a simples
publicação de uma revista. É fundamental destacar a atuação do instituto ao qual a Ciência
Política estava ligada, funcionando como boletim mensal de divulgação das suas atividades.
Uma Escola de Patriotismo
Idealizado por Pedro Vergara, o Instituto Nacional de Ciência Política (INCP) foi
fundado em março de 1940, tendo sua sede social no Edifício Esplanada, na cidade do Rio de
Janeiro. Durante seus anos de atuação, o Instituto esteve sob a direção de Manoel Paulo
Filho12 e Pedro Vergara.
Do ponto de vista da intelectualidade, o INCP constituiu um espaço dedicado a
consagração da ideologia do governo, seguindo as orientações do Departamento de Imprensa
e Propaganda. Como afirma o próprio Instituto, em março de 1941, entre os objetivos da
fundação daquela instituição cultural,
o mais importante, sem dúvida, é o de congregar as elites intelectuais, em torno do
pensamento do Estado Novo, de acordo com a fecunda orientação já posta em
prática, por outras instituições, de natureza oficial, “signater” o Departamento de
Imprensa e Propaganda (INSTITUTO, 1941, p. 4).
Desde o princípio, o Instituto buscou reunir a elite culta da época no sentido de colaborar
com os ensinamentos do novo regime, difundir sua doutrina para a sociedade, propagandear
12 Manoel Paulo Telles de Mattos Filho, nasceu em Cachoeira (BA), em 22 de março de 1890. Filho de Manoel
Paulo Telles de Mattos e de Maria Amália de Mattos. Jornalista e diretor do jornal Correio da Manhã (1929-
1969), também atuou como escritor publicando crônicas e artigos sob o pseudônimo de João Paraguassú
(MORTE, 1969).
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as realizações do Estado Novo, e exaltar a figura do presidente Vargas. Nos cinco anos de sua
atuação, o INCP contou com a adesão de um número significativo de intelectuais, podendo-se
afirmar isso a partir da análise do quadro de colaboradores presente na primeira13 e na
última14 edições da revista da Ciência Política.
Suas “sessões culturais” eram realizadas na Associação Brasileira de Imprensa (AIB), no
Rio de Janeiro. Semanalmente, aos sábados, “perante vasta e seleta audiência” o Instituto
buscava criar uma atmosfera de debates e conferências para tratar dos mais variados temas.
Como efeito, em novembro de 1940, é publicado o primeiro número da revista Ciência
Política, resultado das intensas atividades daquela instituição e que serviria como seu boletim
mensal informativo.
Para exemplificar a adesão da intelectualidade a esse viveiro de pensamento e ação, em
texto publicado pelo INCP na Ciência Política, é tratado sobre a fundação daquela instituição,
que surgiu pelos “esforços e a boa vontade de alguns amigos dedicados do Presidente Getúlio
Vargas”. O texto enfatiza que o espaço consagrado as conferências que objetivavam “estudar
e exaltar a grande obra política e administrativa do Presidente”, já estava preenchido com a
inscrição de oradores para todo o ano de 1941, o que exemplificaria o “interesse despertado
nas camadas intelectuais” pelas atividades do Instituto (INSTITUTO, 1941, p. 3-5).
Para o secretário geral da revista, professor Humberto Grande, em seus objetivos centrais,
o INCP se definia como
uma instituição que quer familiarizar o nosso povo com os grandes problemas
nacionais; constitui uma organização cultural que deseja ser útil ao país,
congregando a elite brasileira para orientar a nossa gente. Quer esclarecer a opinião
da nação quanto aos seus magnos problemas (GRANDE, 1941, p. 5).
13 No primeiro número da Ciência Política, em novembro de 1940, a revista contava ao todo com vinte e dois
colaboradores, a seguir: A. Saboia Lima, Aldo Prado, Ary Franco, Asterio de Campos, Attilio Vivacqua,
Azevedo Amaral, Beni Carvalho, Benjamin Vieira, Carlos Gomes de Oliveira, Diniz Junior, Helio Gomes,
Homero Campista, J. C. de Macedo Soares, J. Pires do Rio, Jorge Severiano, José de Albuquerque, M. Paulo
Filho, Olegario Mariano, Osvaldo Orico, Pedro Calmon, Renato Travassos e Santacruz Lima. 14 No último número da revista que esta pesquisa teve acesso, que corresponde a maio de 1945, a Ciência
Política contava com quarenta e seis colaboradores, a seguir: A. Saboia Lima, Abner Mourão, Adriano Pinto,
Alfredo Pessoa, Álvaro Berford, Américo Ferreira Lopes, Artur Silio Portela, Attilio Vivaqua, Ayrton Lobo,
Beni Carvalho, Benjamin Vieira, Carlos Gomes de Oliveira, Carlso Maul, Cláudio de Souza, Danton Jobim,
Dioclécio Duarte, Edmundo Miranda Jordão, Gofredo da Silva Teles, Goulart de Oliveira, Hahnemann
Guimarães, Hélio Gomes, Henrique Orciuoli, Ildefonso Mascarenhas da Silva, J. A. Pires e Albuquerque, J. Pires
do Rio, Jorge Abreu, José de Albuerque, La-Fayette Cortes, Leôncio Corrêa, Leonel de Rezende Alvim, Lima
Figueiredo, Lúcio Marques de Souza, Luiz Edmundo, Lutero Vargas, M. Paulo Filho, Menotti Del Picchia,
Nelson Hungria, Onofre Muniz Gomes de Lima, Paulo Haslocher, Pedro Calmon, Renato Travassos, Richard
Lewinsohn, Souza Doca, Vargas Neto, Viriato Vargas.
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Em suas sessões semanais na AIB, os intelectuais atuariam dentro de um programa de
estudos, com máximo realismo e critério científico para tratar da realidade nacional. Era dessa
forma que o INCP pretendia ser útil, ao operar como uma verdadeira “escola de patriotismo”
dentro da sociedade brasileira, ministrando a “educação cívica” capaz de formar a nova
mentalidade da nação, baseando-se em valores nacionalistas de amor à pátria e no patriotismo
consciente e cultural.
Segundo as suas diretrizes nacionais, o Instituto pretendia atuar na cultura brasileira
através de um “programa de ação”, que pudesse orientar a sociedade na vida moderna.
Podemos destacar que a instituição buscava promover um “movimento cultural brasileiro”,
capaz de despertar a consciência da nação para a realidade interna do país. Para tal, o INCP
propunha realizar estudos sérios e objetivos; observação sociológica e investigação da psique
nacional; e impor a obrigatoriedade da cultura brasileira às classes cultas, que não poderiam
continuar ignorando os problemas nacionais. O conhecimento da realidade social interna seria
fundamental para definir o papel do Brasil na América e no mundo (GRANDE, 1940, p. 11-
2).
Dentro dessa atmosfera de debates, o grupo pretendia não apenas constituir um centro de
estudos nacionalistas. Ao estruturar seções do Instituto por todo o Brasil15, buscava-se criar
um movimento de ideias que abrangesse todo o território nacional, unificando intelectuais e
povo para um fim comum, “a grandeza do país”, que só seria alcançado por meio de estudos
de caráter científico e da ação construtiva. Nessa perspectiva, a grandiosidade do Brasil
circunscreve os ideais nacionalistas expressados na política exercida pelo Estado Novo, e
propagandeada pela intelectualidade do INCP em seus discursos.
A análise, mesmo que breve, da trajetória do Instituto fornece elementos para se
compreender que essa entidade representou um verdadeiro espaço de sociabilidade para uma
parcela da intelectualidade brasileira. Reunidos e partilhando o mesmo ideário político, esse
grupo atuou ativamente na “arena política”, utilizando-se da palavra escrita como ferramenta
ideológica principal - traduziram seu pensamento em ação, através da publicação da revista
Ciência Política.
15 A pesquisa, em seu mapeamento, identificou a fundação de seções do Instituto Nacional de Ciência Política
em: Porto Alegre (RS), Pelotas (RS), Rio Grande (RS), Curitiba (PR), Ponta Grossa (PR), Cachoeira do
Itapemirim (ES), Niterói (RJ) e Paulicéia (SP).
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História: aberturas e possibilidades
Ao refletir sobre a atuação da intelectualidade na política cultural do Estado Novo,
compreende-se o papel expressivo que a revista Ciência Política teve no projeto político do
governo, o que justifica uma análise da sua trajetória e do Instituto Nacional de Ciência
Política, durante a década de 1940.
Porém, ao desenvolver esta pesquisa teve-se a percepção de que, no campo da História,
algumas instituições, organizações, jornais, revistas e, até mesmo, figuras consideradas de
“menor destaque”, não estão sendo privilegiadas pelos estudiosos. Se compreende que isso
seja motivado pelo desinteresse acadêmico, pela falta de acesso à documentação ou de
maiores estudos sobre o período do Estado Novo.
Logo, o presente trabalho tem demonstrado que organismos culturais como o INCP, e
mesmo periódicos como a Ciência Política, não estão tendo a devida atenção por parte dos
historiadores. Também foram encontradas dificuldades em se obter referencial bibliográfico
que trate dessa instituição, e mesmo sobre a atuação de muitos daqueles indivíduos que
participavam do seu círculo.
Também é importante frisar que não foi possível localizar os arquivos e os documentos
(fontes primárias) do INCP. Apesar dessas dificuldades, considera-se que esta pesquisa é
fundamental, pois preenche algumas lacunas nos estudos da história do Brasil, referentes ao
período.
Assim, foi utilizada como principal fonte para traçar o perfil do Instituto a sua revista,
Ciência Política16, que apresenta uma série de informações sobre as suas atividades e sobre
seus colaboradores. Além disso, a revista representa claramente o discurso ao qual estava
inserida, como veículo de propaganda da doutrina do governo, e permite compreender as
diretrizes básicas do Instituto, dentro da perspectiva de uma “escola de patriotismo” a serviço
da “educação cívica” e do Estado Novo.
16 O periódico está disponível para acesso pela Hemeroteca Digital Brasileira, porém o acervo digital da revista
não está completo, sendo disponibilizadas quarenta edições. O mapeamento realizado demonstrou que a Ciência
Política publicou cerca de cinquenta e seis números, de novembro de 1940 a junho de 1945, sendo que esta
última edição a pesquisa não obteve acesso. Porém, devido a falta de documentação e referencial bibliográfico
que corrobore estas informações, esses números podem variar.
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Considerações Finais
Um dos objetivos deste artigo foi examinar a atuação da revista Ciência Política,
enquanto veículo de divulgação do projeto político-ideológico do Estado Novo. Como
ferramenta do discurso intelectual, a revista explicita o ideário político do seu corpo de
colaboradores, que formavam o Instituto Nacional de Ciência Política. Logo, a motivação
dessa pesquisa também se deu pela compreensão do papel importante que essa instituição
cultural desenvolveu como propagandista do regime, no período de 1940 a 1945.
Segundo Capelato (1999), a propaganda política durante o governo varguista constituía
um dos “pilares de sustentação do poder”. Os meios de comunicação contribuíram para o
maior alcance da promoção ideológica e o Estado, assim, punha em prática o seu projeto de
construção da unidade nacional, legitimando suas ações e realizações na sociedade pela
tentativa de homogeneização da opinião pública.
Portanto, o Instituto caracterizou-se como um órgão que, seguindo as orientações do DIP,
tinha todo o respaldo do governo para colaborar na difusão de uma imagem positiva do
Estado. Como entidade cultural, realizou diversas reuniões para debater sobre os problemas
nacionais; estruturou seções idênticas por todo o país; e publicou a revista Ciência Política, o
que explicita sua função propagandista. O Instituto, assim, funcionou como um instrumento
de legitimação da política centralizadora e intervencionista realizada pelo Estado Novo.
Nesse sentido, a intelectualidade integrante desse espaço de sociabilidade que se
definia como uma “escola de patriotismo”, colaborou com reflexões sobre as questões
nacionais ao participar ativamente da “arena política” brasileira na década de 1940, através de
um programa de ação na sociedade, e formulando um movimento de ideias com pretensões
nacionais.
Fontes
INSTITUTO Nacional de Ciência Política. Ideia e Ação. Ciência Política. Rio de Janeiro, v.
1, n. 5, p. 3-5, mar. 1941. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/pdf/162493/per162493_1941_03005.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2016.
INSTITUTO Nacional de Ciência Política. Quarto aniversário de fundação do Instituto
Nacional de Ciência Política. Ciência Política. Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 21-41, mar. 1944.
Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/162493/per162493_1944_03003.pdf>. Acesso em:
12 ago. 2016.
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