O INTERROGATÓRIO JUDICIAL DO ACUSADO: Sob a perspectiva do direito ao silêncio e da busca da...

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HUGO CAMPITELLI ZUAN ESTEVES CENTRO DE CIÊNCIAS EMPRESARIAIS E SOCIAIS APLICADAS DIREITO INTERROGATÓRIO JUDICIAL DO ACUSADO: Sob a Perspectiva do Direito ao Silêncio e da Busca da Verdade

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Autor: Hugo Campitelli Zuan Esteves

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ABNT - UNOPAR - Completo

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Prof. Marcos Daniel Veltrini TicianelliUniversidade Norte do Paran

Prof. Renato de Lima CastroUniversidade Norte do Paran

Prof. Andressa Tanferri

Universidade Norte do Paran

agradecimentosAgradeo, em primeiro lugar, a Deus, sabendo que Dele vieram todas as foras para a concluso de mais esta etapa. Obrigado, senhor, por nos ter projetado planos de bem e paz, para nos dar um futuro e uma esperana. Agradeo a ti por ter pelo que agradecer.

Agradeo ao meu pai, Cludio, incentivador assduo da elaborao do presente trabalho, do qual tenho orgulho e amor imensurvel e tomo como exemplo e fonte de inspirao, em todos os aspectos da vida. Levarei seus ensinamentos por onde caminhar.

Agradeo a minha me, Leila, a mulher mais batalhadora que conheci, sem a qual no conseguiria dar sequer um passo adiante, e pessoa surpreendentemente nova que venho conhecendo, pela qual me apaixono mais a cada dia que passa.

Agradeo a minha irm, Carolina, estudante aplicada do curso de Direito, na qual tenho me apoiado constantemente. A sua amizade eterna me tranquiliza, percebendo que sempre teremos um ao outro para contar e amar.

Agradeo ao meu mais novo irmo, Joo, figura que tem feito a diferena e razo de grande felicidade em nossas vidas.

Agradeo, de mesma forma, a toda minha famlia, que, de um modo ou de outro, sempre me apoia. dela que lembro quando me foge o nimo.

Agradeo imensamente ao Professor Marcos Ticianelli, orientador deste trabalho, pela enorme colaborao, pacincia e pelos elevados conhecimentos transmitidos em todas as oportunidades. verdadeira honra ter sido seu aluno, estagirio e orientando.

Agradeo ao Professor Renato de Lima Castro, colaborador essencial para o desenvolvimento deste trabalho, do qual possuo grande admirao, conhecendo sua constante luta a favor da sociedade.

Agradeo a todos os Professores do Curso de Graduao de Direito da Universidade Norte do Paran, atravs dos quais adquiri o saber jurdico para a vida profissional.

Agradeo ao amigo e Doutor Jorge Fernando Barreto da Costa pelo apoio dado em todos os momentos.

Agradeo a colega Esperanza pelo apoio de sempre e pelas conversas produtivas, entendendo minhas ausncias e dando coragem para seguir em frente.Agradeo a todos os integrantes do grupo Maskarenhas, que acompanharam a difcil jornada acadmica percorrida neste ano.

Agradeo a todos os integrantes do grupo T.M., que acompanharam a difcil jornada acadmica percorrida neste ano.

Agradeo aos amigos Alexandre Melatti, Andr Machado, Diego Bavutti, Fbio Galdana, Renan Garla e todos os formandos de 2013, que tambm enfrentaram este Trabalho de Concluso de Curso e foram fundamentais no decorrer de toda a Graduao.

Agradeo, em especial, aos amigos Alexandre Cervo, Alexandre Melatti, Jean Carrion, Marco Vieira, Pedro Medeiros e Pedro Zamorano, os quais entenderam minha ausncia, principalmente neste ltimo ano, sempre me dando foras para continuar e alcanar os objetivos. Que esta amizade e apoio durem para sempre.

ESTEVES, Hugo Campitelli Zuan. Interrogatrio judicial do acusado: sob a perspectiva do direito ao silncio e da busca da verdade. 2013. 99. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Direito) Centro de Cincias Empresariais e Sociais Aplicadas, Universidade Norte do Paran, Londrina, 2013.

RESUMO

O presente trabalho trata sobre as interferncias dos institutos da busca da verdade e do direito ao silncio sobre o interrogatrio judicial do acusado. Em princpio, realiza-se anlise sobre o processo penal e os direitos fundamentais que o embasam. Percebe-se que a busca da verdade decorrncia da necessria eficincia que o processo penal deve atingir. Em seguida, atribui-se s provas a misso de atingir a verdade, seja de qual espcie for, construindo-se uma viso sobre o acontecimento dos fatos. Desta forma, surge o interrogatrio judicial do acusado como elemento de prova para a busca da verdade, j que notadamente pode ser usado para fundamentao de sentena condenatria ou absolutria. Ainda, o trabalho ressalta que o interrogatrio tambm meio de defesa, j que o acusado pode exercer o consagrado direito ao silncio, tratado como espcie de direito no autoincriminao (nemo tenetur se detegere). Tais institutos so apresentados desde a sua origem, nacional e internacionalmente, inclusive comparando com entendimentos atuais de outros pases. Assim, a pergunta que se quer responder se o direito ao silncio pode ser entendido como um direito mentira. Posto isso, apresentam-se as consequncias da verdade e da mentira no interrogatrio. Aps toda esta construo, percebe-se que o interrogatrio deve ser ato prescindvel, vez que, luz do direito ao silncio, no se pode atribuir valorao ao fato de o acusado nada dizer. De mesmo modo, entende-se que o acusado deve prestar o compromisso de dizer a verdade, o que, em hiptese alguma, viola o direito ao silncio. Por fim, propem-se algumas alteraes penais e processuais, no sentido de tornar o interrogatrio ato prescindvel, o qual dever ocorrer somente quando a defesa requerer. Quando o fizer, entretanto, o desenvolvimento do trabalho demonstra que o acusado deve dizer a verdade, sendo necessria, ento, a criao de um tipo especfico que condene o perjrio do ru.Palavras-chave: Interrogatrio. Autoincriminao. Silncio. Verdade. Mentira.ESTEVES, Hugo Campitelli Zuan. The judicial interrogatory of the accused: from the perspective of the right to silence and the search for truth. 2013. 99. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Direito) Centro de Cincias Empresariais e Sociais Aplicadas, Universidade Norte do Paran, Londrina, 2013.

ABSTRACT

The current work treats the interference of the institutes of the search for truth and the right to silence on judicial interrogatory of the accused. In principle, the criminal proceedings and the fundamental rights were analyzed. It is noticed that the search for truth is a result of the necessary efficiency that the criminal proceedings must achieve. Then it is noticed that the evidences have the mission of reaching the truth, constructing a vision about the real facts. Therefore, the judicial interrogatory of the accused becomes an evidence for the search for truth, especially since it can be used for acquittal or condemnatory sentences. Still, the work points out that the interrogatory is also a defense because the accused may exercise the sacred right to silence, treated as a kind of right to not self-incrimination (nemo tenetur if detegere). Such institutes are presented since its birth, nationally and internationally, including comparing with current understandings of other countries. So, the question the work wants to answer is whether the right to silence can be understood as a right to lie. That said, we present the consequences of the truth and the lie in the interrogatory. After all this construction, it is clear that the interrogatory act must be dispensable, since, in the light of the right to silence, valuation cannot be attributed to the fact that the accused said nothing. Likewise, it is understood that the defendant should pay the commitment to tell the truth, which, under any circumstances, violates the right to silence. Finally, we propose some changes in the procedural law and criminal law, making the interrogatory act dispensable, which should occur only when the defense requests. When the defense requests, however, the development of work demonstrates that the accused must tell the truth, being required the creation of a specific crime of defendant's perjury.Key-words: Interrogatory. Self-incrimination. Silence. Truth. Lie. LISTA DE QUADROS

84Quadro 1 Proposta de mudana

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASARTArtigo

CADH

CPCPPConveno Americana de Direitos Humanos

Cdigo PenalCdigo de Processo Penal

DUDH

PIDCPDeclarao Universal de Direitos Humanos

Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos

SUMRIO

121INTRODUO

142PROCESSO PENAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS

202.1A NECESSRIA BUSCA DA VERDADE POR INTERMDIO DO PROCESSO PENAL

262.2A BUSCA DA VERDADE COMO DECORRNCIA DA EFICINCIA DO PROCESSO PENAL

313ELEMENTOS ESSENCIAIS DA PROVA NO PROCESSO PENAL

313.1CONCEITO DE PROVA

323.2FINALIDADE, OBJETO E MEIOS DE PROVA

343.3PRINCPIOS NORTEADORES DAS PROVAS

384O INTERROGATRIO JUDICIAL DO ACUSADO COMO ELEMENTO DE PROVA PARA A BUSCA DA VERDADE

414.1NATUREZA JURDICA DO INTERROGATRIO

465DIREITO NO AUTOINCRIMINAO E DIREITO AO SILNCIO

475.1ORIGEM HISTRICA MUNDIAL

505.2ORIGEM HISTRICA NO BRASIL

535.3DIREITO NO AUTOINCRIMINAO E DIREITO AO SILNCIO NO DIREITO COMPARADO

565.4DIREITO AO SILNCIO SINNIMO DE DIREITO MENTIRA?

625.5CONSEQUNCIAS DA VERDADE E DA MENTIRA NO INTERROGATRIO...

695.6PRESCINDIBILIDADE OU NO DO INTERROGATRIO

755.7EFICINCIA DO INTERROGATRIO COMO ELEMENTO DA BUSCA DA VERDADE OBRIGAO DA VERDADE QUE NO VIOLA O DIREITO AO SILNCIO

806DE LEGE FERENDA PROPOSTA DE APRIMORAMENTO LEGISLATIVO

846.1ALTERAES PROCESSUAIS

866.2ALTERAES PENAIS

877CONCLUSO

89REFERNCIAS

92ANEXOS

93ANEXO A Sentena da vara do jri da comarca de Guarulhos

1 INTRODUO

O interrogatrio do acusado insere-se em contexto relativamente complexo no ordenamento jurdico brasileiro, notadamente sob o enfoque do princpio da busca da verdade e do princpio do nemo tenetur se detegere, que parece estar a reclamar uma releitura de seus contornos.

significativo examinar se o interrogatrio, seja como ato de defesa, seja como ato de produo de prova, constitui ato obrigatrio ou se a compulsoriedade de sua realizao colide com o direito no-autoincriminao. Da mesma forma, essencial verificar se a verso do ru, ainda que como ato exclusivo de defesa, pode ser dada de forma mentirosa ou deve obedecer necessria busca da verdade.

Isto porque, como est previsto hoje, o interrogatrio ato obrigatrio, compe necessariamente a instruo processual, mas o acusado tem em seu favor o direito ao silncio, ou seja, pode deixar de responder s perguntas que lhe so formuladas. Alguns acrescentam que, alm da recusa de responder, o acusado teria em seu favor o direito de mentir. Costuma-se dizer que, assim, o aludido princpio do nemo tenetur se detegere estaria assegurado por tal direito ao silncio, nada obstante a compulsoriedade do ato de interrogatrio.

Todavia, uma interpretao mais ampla desse mesmo princpio pode conduzir concluso de que o fato de o acusado ser compelido a comparecer para o interrogatrio j representaria uma ofensa a direitos fundamentais, tornando necessrio o exame da viabilidade de uma alterao legislativa que tornasse o interrogatrio ato excepcional, que ocorreria to somente a pedido da defesa e no interesse desta.

Numa outra faceta do mesmo tema, entende-se necessrio verificar se o direito ao silncio e o pretenso direito mentira que dele emanaria no colide com o princpio da busca da verdade e com a prpria eficincia que se espera do Processo Penal.

No se trata de questionar o direito ao silncio em si mesmo, mas de analisar se compatvel com a melhor interpretao permitir ao acusado que quando e se quiser abrir mo do silncio, pedindo para ser interrogado, no teria, nesse caso, a obrigao de dizer a verdade, o que impediria verses falsas e mendazes, que so campo frtil para o erro judicial e, portanto, para a ineficincia da prestao jurisdicional penal.

Entende-se, portanto, que o tema eleito relevante, j que guarda pertinncia com a maior eficincia da persecuo penal e, ainda, enfatiza a necessidade de ampliar a tutela de garantias fundamentais.

A aplicabilidade da discusso levantada pelo trabalho dependeria de ajustes no ordenamento jurdico, que exatamente o que se pretende propor ao final do trabalho (sugestes de alteraes legislativas). No se trata, assim, da anlise dogmtica do sistema atualmente vigente, mas de singela tentativa de contribuir de alguma forma para o incremento do valor que o interrogatrio do acusado pode ter no Processo Penal, seja na perspectiva de garantias fundamentais, seja sob o enfoque da tica e da eficincia.2 PROCESSO PENAL E DIREITOS FUNDAMENTAISAs leis criadas pelo homem, dentre elas as de natureza penal, so essenciais convivncia em sociedade. Ainda no se encontrou outros meios seno o estabelecimento de regras de convvio com o fim de alcanar a pretendida harmonia social.

Por igual, a respeitabilidade dessas normas e a sua eficcia tambm so decisivas, pois de nada adianta a existncia de regras rgidas que no so cumpridas e que perdem sua legitimidade.

Quanto necessidade de leis que venham ao encontro dos anseios sociais, Fernando da Costa Tourinho Filho leciona:Para manter a harmonia no meio social e, enfim, para atingir os seus objetivos, um dos quais se ala posio de primordial o bem-estar geral -, o Estado elabora as leis, por meio das quais se estabelecem normas de conduta, disciplinam-se as relaes entre os homens e regulam-se as relaes derivadas de certos fatos e acontecimentos que surgem na vida em sociedade. Essas normas, gerais e abstratas, dispem, inclusive, sobre as consequncias que podem advir do seu descumprimento. Em face de um conflito de interesses, ds que juridicamente relevante, a norma dispe no s quanto relevncia de um deles, como tambm quanto s consequncias da sua leso. Tais normas so indispensveis, para que se sabia o que se pode e o que no se pode fazer. O homem precisa, pois, contribuir para que a sociedade no se destrua, no se extermine, porquanto sua destruio implica no seu prprio aniquilamento. Se ele precisa da sociedade, obviamente deve pautar seus atos de acordo com as normas de conduta que lhe so traadas pelo Estado, responsvel pelos destinos, conservao, harmonia e bem-estar da sociedade.

Dentre as normas que o Estado elabora com vistas conservao da sociedade, esto aquelas de carter penal e processual penal. Nesse contexto, imperioso averbar que sabido que, modernamente, consideram-se dentre as principais funes do Direito Penal aquelas referentes limitao do poder punitivo do Estado e a proteo de bens jurdico-penais, razo pela qual, longe de ser exclusivamente punitivo, o Direito Penal instrumento de garantias do cidado.

Nessa ordem de ideias, de se considerar que a lei penal restringe, simultaneamente, a liberdade das pessoas, ao proibir certas condutas, e o poder de punir do Estado, alinhando as normas ao Estado democrtico de Direito na busca de um equilbrio da proteo de interesses fundamentais da sociedade e o mximo de liberdade dos cidados. Segundo Joo Paulo Orsini Martinelli:Pode-se interpretar o fim a ser atingido pela lei penal de duas maneiras. Restritivamente, considera a proteo de bens jurdicos e a limitao ao poder punitivo do Estado; de forma ampla, a norma penal busca o bem-estar de uma determinada comunidade, a convivncia harmnica entre as pessoas.

No sentido estrito, essencial reconhecer que o Direito Penal tem, hodiernamente, acentuado carter de garantia dos direitos bsicos do indivduo.

Esse vis est conectado s normas inseridas na Constituio, decorrentes notadamente de acordos internacionais que visam proteo dos direitos e garantias fundamentais.

So exemplos de tais normas: a Declarao dos Direitos Universais do Homem; a Conveno Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos; Conveno dos Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica); Conveno contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes; Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher; a Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial; a Conveno sobre os Direitos da Criana.Por tal razo, importante consignar que a ideia central aqui desenvolvida no pretende colidir com o pensamento de que o Direito Penal, antes de ser punitivo, instrumento de garantia do cidado, e que os direitos fundamentais que decorrem das convenes internacionais citadas dirigem-se contra o Estado, como amparo do indivduo contra aquele, implicando no seu papel de limitador.Todavia, examinando as funes do Direito Penal no sentido amplo antes proposto, necessrio reconhecer que tambm exerce importante papel para o bem-estar social. Portanto, no s a sua finalidade eminentemente garantista que deve ser considerada. Notadamente para os objetivos deste trabalho, incluindo o de demonstrar, de certa forma, que a realizao efetiva da Justia depende da adequada aplicao da norma penal.Nessa perspectiva, precisa a lio de Fernando Capez, que tem relao com a aplicao adequada da normal penal como funo garantidora da paz social: Ao prescrever e castigar qualquer leso aos deveres tico-sociais, o Direito Penal acaba por exercer uma funo de formao do juzo tico dos cidados, que passam a ter bem delineados quais os valores essenciais para o convvio do homem em sociedade. Desse modo, em um primeiro momento sabe-se que o ordenamento jurdico tutela o direito vida, proibindo qualquer leso a esse direito, consubstanciado no dever tico-social no matar. Quando esse mandamento infringido, o Estado tem o dever de acionar prontamente os seus mecanismos legais para a efetiva imposio da sano penal transgresso no caso concreto, revelando coletividade o valor que dedica ao interesse violado. Por outro lado, na medida em que o Estado se torna vagaroso ou omisso, ou mesmo injusto, dando tratamento dspar a situaes assemelhadas, acaba por incutir na conscincia coletiva a pouca importncia que dedica aos valores ticos e sociais, afetando a crena na justia penal e propiciando que a sociedade deixe de respeitar tais valores, pois ele prprio se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento a tais deveres, atravs de sua morosidade, ineficincia e omisso. Desse modo, essencial que o Direito Penal, alm de garantir ao cidado efetivas limitaes ao jus puniendi estatal, seja adequadamente aplicado, sob pena de que os valores por ele protegidos sejam gradativamente mais desrespeitados, posto que a confiana no Estado vai diminuindo conforme a inoperncia do sistema de Justia Criminal.

Observe-se, a propsito, o que ocorre no pas na atualidade, em que a crise de honestidade no ambiente pblico se mostra cada vez mais evidente, no se podendo negar que a pouca ou quase nenhuma incidncia efetiva das normas penais sobre agentes pblicos peculatrios ou corrompidos seja fator contribuinte para tal situao.Portanto, praticada uma infrao penal, surge para o Estado o direito de punir. Isto porque as infraes penais tutelam interesses ou bens que afetam sobremaneira as condies de vida em sociedade (como no caso do direito vida, honra, integridade fsica, probidade administrativa, etc.).

Se a prtica de infraes penais transtorna a ordem pblica, a sociedade a principal vtima, razo pela qual tem o direito de prevenir e reprimir esses atos que so lesivos sua existncia e conservao. A par do sistema de garantias constitucionais e penais que protegem o cidado do exerccio indevido do imprio do Estado, no h dvida que a escorreita e legtima aplicao da norma penal essencial ao convvio em sociedade.Porm, obviamente, no a singela verificao do ilcito penal, ainda que manifesto e patente, que gera a sujeio do seu autor execuo forada da pena prevista. atravs do processo penal, que tenha submisso a preceitos constitucionais de garantia, que a norma penal dever ser aplicada.A pretenso punitiva do Estado, que est consubstanciada no Direito Penal, com alicerce no direito fundamental de que no h crime sem prvia lei que o defina, nem pena sem prvia lei que a comine, s pode ser exercitada por intermdio de regras previamente estabelecidas. Aludidas regras regulamentam os atos que integram o processo penal. Conforme o magistrio de Julio Fabbrini Mirabete:Praticado um fato definido como crime, surge para o Estado o direito de punir, que se exercita atravs do processo penal. Este o conjunto de atos cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princpios e regras jurdicas destinadas a compor as lides de carter penal. Sua finalidade , assim, a aplicao do direito penal objetivo. O processo penal, portanto, surge como instrumento imprescindvel para a aplicao da norma penal. a nica estrutura que se reconhece como legtima para a satisfao da pretenso acusatria e a imposio da pena, j que a vingana privada foi suprimida ao longo da histria e em virtude da reafirmao dos direitos e garantias fundamentais do ser humano.Como explicam os processualistas, a prtica de uma infrao penal faz surgir uma lide de igual natureza, resultante do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do acusado. Com respaldo em Liebmann, costuma-se dizer que a pretenso punitiva encontra no direito de liberdade a resistncia necessria para qualificar esse conflito como litgio, j que o Estado no pode fazer prevalecer, de plano, o seu interesse repressivo. O processo serve, assim, para soluo desse conflito de interesses.O processo, ento, seria um conjunto de normas de forte vis constitucional (e, portanto, garantista), que regulamenta a atuao do Estado para impor a aplicao de sanes penais.

Porm, como tambm se ver adiante, apesar do citado cunho garantista, no se pode negar que o processo deve ser equilibrado, capaz de produzir justia e no apenas uma ilimitada proteo de direitos fundamentais que conduza impunidade e, de consequncia, falncia plena do prprio Estado.De todo modo, o processo no passa de uma srie de atos visando a aplicao da lei penal ao caso concreto. Entre o ato inicial, exerccio do direito de ao, e a deciso final sobre o mrito, numerosos atos so realizados, de acordo com as regras e formalidades previamente traadas, at o ponto culminante, quando o Judicirio decide se procede ou no a pretenso punitiva. Dentre esses atos, inclui-se o interrogatrio do acusado, cuja importncia, como se ver, inquestionvel. fundamental reconhecer que o estudo do interrogatrio, como parte do processo penal, como um dos atos que so (ou no, conforme a vontade do acusado em face do direito ao silncio) praticados como fruto do exerccio da pretenso punitiva, deve estar vinculado a um ambiente de normas que se extraem da Constituio.

O processo penal sofre, e deve sofrer interferncia direta das normas constitucionais que estabelecem os direitos fundamentais e, por bvio, o interrogatrio no pode se afastar de tal concepo.A aplicao do Direito Penal, por intermdio do processo penal, vincula-se obrigatoriamente tutela e realizao dos direitos humanos, postos como fundamentais na ordenao constitucional (artigos. 5, 6 e 7).

Logo, no se pode negar a ntima ligao entre o Processo Penal e o Direito Constitucional, o que, mais uma vez, reafirma o carter garantista das normas processuais (assim como das normas penais). Sobre essa viso, Ada Pellegrini Grinover explica que:O importante no apenas realar que as garantias do acusado que so, repita-se, garantias do processo e da jurisdio foram aladas a nvel constitucional, pairando sobre a lei ordinria, qual informam. O importante ler as normas processuais luz dos princpios e das regras constitucionais. verificar a adequao das leis letra e ao esprito da Constituio. vivificar os tetos legais luz da ordem constitucional. , como j se escreveu, proceder interpretao da norma em conformidade com a Constituio. E no s em conformidade com a sua letra, mas tambm com seu esprito. Pois a interpretao constitucional capaz, por si s, de operar mudanas informais na Constituio, possibilitando que, mantida a letra, o esprito da lei fundamental seja colhido e aplicado de acordo com o momento histrico que se vive.

O Direito Processual Penal , essencialmente, um Direito de fundo constitucional. E, sendo assim, deve se subordinar aos princpios estabelecidos na Carta Magna. Em se tratando de uma Constituio democrtica, como a brasileira, o Processo Penal deve ser igualmente democrtico, servindo como instrumento a servio da mxima eficcia do sistema de garantias do indivduo.Essa leitura necessria do Processo Penal que no parece padecer de dvidas na doutrina moderna pode, entretanto, conduzir a concluses apressadas, no sentido de que a interveno penal e a prpria pretenso punitiva estariam sufocadas pelo ambiente garantista. No se trata disso.Juarez Estevam Xavier Tavares leciona que: A garantia e o exerccio da liberdade individual no necessitam de qualquer legitimao, em face de sua evidncia. [...] O que necessita de legitimao o poder de punir do Estado, e esta legitimao no pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de interveno. Nessa perspectiva, percebe-se que as garantias fundamentais constantes da Constituio democrtica j estabelecem a legitimidade da liberdade individual, sendo que esta, para ser sacrificada, que necessita de legitimao.Desse modo, o que se observa que os direitos fundamentais, a princpio e na perspectiva sob enfoque, apenas limitam a pretenso punitiva e a interveno estatal, mas no a inibem. Esto, na verdade, a exigir comprovada legitimidade para que a pretenso punitiva ocorra no ambiente garantista, mas no esto a impedir que o direito de punir do Estado seja exercitado.

Apenas o limitam de maneira contundente, isto , o sacrifcio da liberdade individual tem que estar amplamente legitimado. Convm destacar o magistrio de Aury Lopes Jr:O processo penal no pode mais ser visto como um simples instrumento a servio do poder punitivo (Direito Penal), seno que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivduo a ele submetido. H que se compreender que o respeito s garantias fundamentais no se confunde com impunidade, e jamais de defendeu isso. O processo penal um caminho necessrio para chegar-se, legitimamente, pena. Da por que somente se admite sua existncia quando ao longo do caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal). Nesse mesmo sentido, Eugnio Pacelli de Oliveira complementa:No haver incompatibilidade entre o garantismo e a interveno penal, no mbito exclusivo da dogmtica penal, quando se puder justificar a condenao criminal pela estrita observncia do devido processo penal constitucional, e, de modo mais sensvel, ao dever de fundamentao das decises judiciais.

Assim, no significa dizer que a interveno penal no esteja contemplada no ambiente garantista. Trata-se apenas de observar de maneira estrita os direitos fundamentais no curso do processo penal, legitimando a pretenso punitiva do Estado.

Portanto, como referido por Aury Lopes Jr, no se confunde observncia dos direitos fundamentais com impunidade, razo pela qual h que se buscar um processo penal equilibrado e que no aniquile a necessidade de interveno penal como contribuinte para a paz social.2.1 A NECESSRIA BUSCA DA VERDADE POR INTERMDIO DO PROCESSO PENAL

O processo penal tem por finalidade, atravs da produo da prova, fazer a reconstruo de um fato histrico (crime ocorrido). Ou seja, tem uma funo retrospectiva, em que, atravs das provas produzidas em contraditrio, pretende-se criar condies para a atividade recognitiva do juiz acerca de um fato passado, a fim de que sua deciso importe num julgamento justo e de acordo com os fatos ocorridos.Por outro lado, costuma-se dizer, no sem muitas crticas, que o processo penal tem por objetivo a busca da verdade (muitos acrescentam: verdade real). Mesmo para os que assim pensam, o sistema de garantias individuais que permeia todo o Processo Penal, luz das bases constitucionais que o suportam, deve ser o fundamento para a busca dessa verdade.Todavia, modernamente tem sido negado o princpio da verdade real como orientador da busca da prova. A doutrina tem mencionado que o modelo processual brasileiro se aproxima mais de um sistema acusatrio e no inquisitorial, sendo que a busca da verdade real estaria muito mais ajustada este ltimo, porquanto o mito fundante seria efetivamente essa busca da verdade a qualquer custo, inclusive legitimando a produo de provas em descompasso com a ordem constitucional, que exige a produo de provas com base no garantismo.H autores que negam peremptoriamente que o processo penal deva buscar a verdade, visto que no sistema acusatrio a verdade no fundante, sendo a sentena um mero ato de crena, de convencimento do juiz. Aury Lopes Jr. anota que: luz de tudo isso, defendemos uma postura ctica em relao verdade no processo penal. Mais, negamos completamente a obteno da verdade como funo do processo ou adjetivo da sentena. No se nega que acidentalmente a sentena possa corresponder ao que ocorreu (conceito de verdade como correspondente), mas no se pode atribuir ao processo esse papel ou misso. No h mais como pretender justificar o injustificvel nem mesmo por que aceitar o argumento de que, ainda que no alcanvel, a verdade deve ser um horizonte utpico [...].

Outros, como Eugnio Pacelli de Oliveira, apresentam uma posio intermediria. Embora neguem a busca da verdade real como funo do processo penal, visto que tal pretenso estaria em sintonia com o modelo inquisitivo e no acusatrio, admitem a necessidade da busca de certa verdade, que pode ser processual ou corresponder simplesmente a uma certeza jurdica. Anota referido autor que:Desde logo, porm, um necessrio esclarecimento: toda verdade judicial sempre uma verdade processual. E no somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurdica. [...] Mas, de uma maneira ou outra, a verdade material continua sendo um princpio processual relevantssimo em tema de prova, sobretudo quando manejado para a excluso de determinados meios de prova.

Por outro lado, Fernando da Costa Tourinho Filho reafirma que o Processo Penal busca a verdade real, antagonizando com os citados autores mais modernos: A funo punitiva do Estado deve ser dirigida quele que, realmente, tenha cometido uma infrao; portanto o Processo Penal deve tender averiguao e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentena. H outros, ainda, como Habermas, que afirmam que o que deve prevalecer uma teoria consensual (discursiva da verdade), pela qual a verdade seria uma pretenso de validez, isto , seriam verdadeiros os enunciados que podemos fundamentar, baseados no melhor argumento, e que possam conseguir o assentimento de todas as pessoas. Dada a falta de acordo na doutrina acerca das caractersticas exatas da verdade que perseguida pelo Processo Penal, o presente trabalho no adjetiva a verdade que deve ser perseguida, ou seja, se real, material, processual, consensual ou qualquer outra.

Porm, com apoio na brilhante obra de Paulo Mrio Canabarro Trois Neto, deve-se aceitar a existncia de um princpio da busca da verdade que permeie o Processo Penal, j que, sem a verdade possvel o desfecho do Processo Penal a injustia.

Assim, apesar das divergncias com relao natureza da verdade que buscada por intermdio do Processo Penal, se real, se processual, se consensual ou outro tipo, certo que alguma verdade deve ser perseguida.Ou seja, nada obstante a natureza que se confira verdade almejada ou possvel por meio do Processo Penal, essencial reconhecer que este no pode pretender uma sentena que abrigue coisa diversa, ou seja, obrigatoriamente a deciso do Juiz deve ser fundada na verdade.O que se quer deixar assentado que, nada obstante as referidas discrepncias entre os autores diversos que se pesquisa, entre todos eles h o consenso de que a verdade, ou uma modalidade dela, deve ser atingida para fundamentar a sentena que encerra o Processo Penal. Sem a busca da verdade e o atingimento daquela racional e materialmente possvel o Processo Penal se torna absolutamente atico, seja para condenao de um inocente, seja para absolvio de um culpado.

Nesse sentido, Paulo Rangel afirma que:A verdade processual deve ser vista sob um enfoque da tica, e no do consenso, pois no pode haver consenso quando h vida e liberdade em jogo, pelo menos enquanto se estiver compromissado com o outro como ser igual a ns, por sua diferena. A verdade obtida, consensualmente, somente ter validade se o for atravs da tica da alteridade (do latim alter, outro, + - (i)dade: qualidade do que outro).

Sob o enfoque tico do Processo Penal, o seu desfecho tem que ser o de uma deciso baseada na verdade e jamais afastada dela.

Apesar das crticas de parte da doutrina a respeito da impossibilidade de se alcanar uma verdade utopicamente desejada, sem pensar em atingir aquela possvel no se pode falar em Processo Penal tico, justo, que tenha eficincia, mas em uma falcia tendente a produzir injustias, seja para punir inocentes, seja para impedir a responsabilizao do culpado.

O prprio Paulo Rangel tece consideraes sobre referido posicionamento doutrinrio, que diminui a importncia da verdade no Processo Penal (inclusive por entender impossvel sua obteno):Afirmar que a verdade, no processo penal, no existe reconhecer que o juiz penal decide com base em uma mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade processual, como se ela fosse nica, uma grande mentira.

fato que o juiz decide conforme a verdade obtida pelo Processo Penal, isto , a verdade processual encartada nos autos que a vai nortear a deciso judicial.

Ocorre que o Processo Penal deve se encarregar de fornecer meios para a escorreita obteno da verdade, sob pena de ser originador de deciso atica, arbitrria, ineficiente e incompatvel com a Justia.

Como ensina Luigi Ferrajoli, se uma justia penal integralmente com verdade constitui uma utopia, uma justia penal completamente sem verdade equivale a um sistema de arbitrariedade.

Tomando por base a afirmao deste ltimo autor, certo que o Processo Penal deve se encarregar de obter a verdade. Obviamente, considerando tudo o que acima se exps, invivel suplantar garantias para o alcance da verdade, no sendo o caso de se voltar ao procedimento inquisitorial para validar a busca na verdade. No se trata disso.

Insista-se que a verdade no pode ser alcanada a qualquer preo e que certamente a busca da verdade est limitada pelos princpios gerais inerentes prova, permeados pelo respeito dignidade da pessoa humana. A busca da verdade precisa observar o devido processo legal e as garantias fundamentais, como se viu.Porm, essas constataes, que so inegociveis, devem levar em considerao que o juiz, para decidir o caso penal, no pode se afastar das provas carreadas para os autos.Ocorre que, como sabido, as provas obtidas nem sempre condizem com a verdade primria ou original, isto , a verdade dos fatos reconstitudos pelo Processo Penal. Sabe-se que testemunhas mentem, peritos falsificam ou erram em suas atividades, que documentos so falsificados, que confisses so falsas ou os rus apresentam negativas de autoria forjadas.

Assim, foroso reconhecer que o Processo Penal deve se ocupar de meios que faam vir aos autos, observadas as garantias constitucionais, a reproduo dos fatos que mais se assemelhe com a verdade. nessa perspectiva de busca da verdade seja real, processual, ficta ou de qualquer outra natureza ou etiqueta que lhe tenha sido dada pela doutrina , que o interrogatrio do acusado deve ser examinado.

Seja como meio de prova, meio de defesa ou um misto de ambos, foroso reconhecer que o papel do interrogatrio, em conjunto com as demais provas, possui um especial relevo na perquirio da verdade.

E, se assim se concluir, imperioso que o interrogatrio caso seja pretendido pela defesa (e apenas por ela, como se prope a seguir) tenha conexo direta com a verdade e no seja, como pretendem alguns (e at como se verifica na prtica, em regra), uma oportunidade excepcional para o ru mentir e tentar se furtar sua responsabilidade penal.

Obviamente, o pretendido processo penal tico, eficiente, revestido de garantias, no pode caminhar de braos dados com a mentira.De pronto, nessa mesma perspectiva, preciso registrar que se reconhece que o estmulo de um interrogatrio que seja permeado pela verdade no est atrelado valorao excessiva da confisso do acusado. Reconhece-se que a confisso no tem valor absoluto e deve sofrer o cotejo das demais provas, tal qual ensina Paulo Rangel:O princpio da verdade processual faz com que, no processo penal, nem a confisso do acusado tenha valor absoluto, pois seu valor relativo e deve ser contraposto aos demais elementos de prova no processo. No h mais a rainha das provas no processo penal nem prefixada uma hierarquia entre elas.

Alis, a confisso do acusado no pode mesmo conduzir concluso de que se tenha obtido a verdade.

O prprio Cdigo de Processo Penal, em seu artigo 197, estabelece que o valor da confisso se aferir pelos critrios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciao o juiz dever confront-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordncia.

A Exposio de Motivos do Cdigo de Processo Penal, no item VII, tambm assenta com clareza que a confisso do acusado no constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas so relativas.Essas observaes so necessrias para deixar evidente que este trabalho no pretende defender a confisso como o meio milagroso para obteno da verdade almejada no Processo Penal.

Reconhece-se a falibilidade e a relatividade do valor da confisso. Assim como se reconhece que, se pretendida pelo prprio acusado, a confisso deve ocorrer em meio s garantias fundamentais deste.Porm, essencial reconhecer que o interrogatrio do acusado, se realizado, isto , se afastado o direito ao silncio pelo prprio interesse do ru (que manifesta o desejo de ser interrogado), deve ser permeado pela verdade e no pela mentira, porquanto se trata de ato processual inerente a um Processo Penal que deve buscar a verdade e no a sua negao.Se o Processo Penal contemplar atos que na sua essncia jamais perseguem ou visam verdade, tal qual a admisso de um interrogatrio mentiroso, certamente cai por terra a sua necessria faceta tica e a eficincia que dele se espera, sendo que as funes do Direito Penal e do Direito Processual Penal estariam fatalmente fadadas ao insucesso.

Se de um lado h evidente arbitrariedade na produo de provas sem a observncia dos princpios constitucionais inerentes ao Processo Penal, por outro h inegvel abuso ao se deferir a uma das partes, no caso o ru, o direito a usar da mentira para convencimento do juiz.

Se o Estado tem que ser contido para limitar sua nsia de aplicar o Direito Penal, da mesma forma o autor de um fato criminoso no pode, para alm de seu desvio de comportamento, ainda receber graciosamente a oportunidade de subverter a finalidade do processo mentindo, criando verses falsas.Portanto, o interrogatrio mentiroso constitui ato processual que est em desacordo com a busca da verdade que norteia o Processo Penal, no sendo, por bvio, admissvel.

Como se ver adiante, elevar o direito ao silncio a um pretenso direito a mentir constitui prtica que ofende o Processo Penal que tem a pretenso de reconstituir a verdade possvel e, com base nela, ofertar uma sentena justa.Aproveitando as referncias de Fernando Capez, colacionadas linhas atrs, se o Estado estimula a mentira e a aceita como estratgia vlida de defesa, certamente se torna injusto, aplicando inadequadamente o Direito Penal e acabando por incutir na conscincia coletiva a pouca importncia que dedica aos valores ticos e sociais, afetando a crena na justia penal e propiciando que a sociedade deixe de respeitar tais valores, pois ele prprio se incumbiu de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento a tais deveres.

Assim, a produo probatria, rapidamente tratada mais adiante, atividade que deve ser regrada pela verdade, pela tica, pela busca do que justo, dentro de cujo contexto se insere o interrogatrio do acusado.2.2 A BUSCA DA VERDADE COMO DECORRNCIA DA EFICINCIA DO PROCESSO PENALA necessria busca da verdade pelo Processo Penal est intimamente conectada ideia de eficincia que inerente a este ltimo. O regime de um Estado de Direito Democrtico, como se pretende o brasileiro, estabelece como dever a obrigao de se prestar uma Justia Penal eficiente, inclusive como forma de dar proteo aos direitos fundamentais e s estruturas sociais nas quais eles podem ser exercidos.

Ao lado das garantias do indivduo contra os excessos do Estado, o Processo Penal constitucional deve, obrigatoriamente, visar a uma Justia Penal gil, eficaz e tica, sob pena de ser ineficiente e, portanto, injusta, contrariando os objetivos do prprio Direito Penal de reafirmar a paz social.

Do magistrio de Lus Afonso Heck se extrai que:O Estado de Direito somente pode ser realizado se est assegurado que os delinquentes, nos limites das leis vigentes, sero sentenciados e que uma pena justa lhes ser atribuda. O Princpio do Estado de Direito, a obrigao do Estado de proteger a segurana de seus cidados, a sua confiana na aptido funcional das instituies estatais e o tratamento isonmico de todos os inculpados no procedimento criminal exigem, essencialmente, a efetivao do direito de punibilidade estatal. A obrigao constitucional do Estado de garantir uma jurisdio funcionalmente apta abrange, em conformidade com isso, regularmente a obrigao de assegurar a instaurao e a execuo do processo penal.

No h dvida de que pertence ao Direito Constitucional brasileiro o reconhecimento de que a persecuo penal deve ser eficaz, sob pena de o prprio Direito Penal restar inaplicado adequadamente.

A administrao da Justia Penal com eficincia tambm pode ser postulado de garantia fundamental, porquanto tal atividade inerente ao Estado de Direito, sem a qual, alis, este se v comprometido.

A legitimidade do Direito Penal dependente do desenvolvimento adequado do Processo Penal, com eficincia, j que os dois ramos guardam relao de complementariedade entre si. Paulo Mrio Canabarro Trois Neto, com preciso, pontifica:Como o direito penal somente pode ser realizado por meio do processo, o direito processual penal tambm toma parte na tarefa de proteo dos bens jurdicos. Se a lei penal prev que o agente de uma certa conduta lesiva a um bem jurdico deve ser punido criminalmente, a realizao dessa consequncia jurdica um dever estatal cuja existncia, em face da obrigatoriedade do direito e do monoplio do uso legtimo da fora, no pode ser posta em dvida.

Assim, novamente se reafirma o compromisso do Processo Penal com a efetiva realizao da Justia. Se o agente incorre no modelo de conduta de infrao penal, remanesce para o Estado a obrigao de bem aplicar a sano correspondente, fato que, obviamente, deve ser orientado pela verdade.

Com isso, observadas as garantias constitucionais, a eficincia da Justia Penal est fundamentada na correta aplicao do Direito Penal, isto , a punio do autor do fato criminoso. Conforme a doutrina de Jorge de Figueiredo Dias:[...] seguro no poder o Estado demitir-se do seu dever de perseguir e punir o crime e o criminoso, ou sequer negligenci-lo, sob pena de minar os fundamentas em que assenta sua legitimidade. [...] Com o princpio da perseguio oficiosa das infraes, visa o Estado corresponder ao seu dever de administrao e realizao da justia penal, por meio da qual deve obter, ao menos idealmente, a condenao judicial de todos os culpados e somente dos culpados da prtica de uma infrao penal.

A lio deste ltimo doutrinador estabelece o justo equilbrio do Direito Penal e do Processo Penal: a obrigao de obter a condenao de todos os culpados e somente dos culpados. Ou seja, o Estado no pode extrapolar na sua misso, condenando inocentes; mas tambm no pode se furtar a ela, devendo punir os culpados.

Para tanto, insista-se que se deve reconhecer que essa eficincia do Direito e do Processo Penal est atrelada, indissociavelmente, ao princpio da busca da verdade, j que, na medida do possvel, devem ser evitados todos os julgamentos equivocados.E para a busca da verdade, excetuadas aquelas provas naturalmente restringidas pelas garantias fundamentais e que fogem aos ditames dos princpios constitucionais inerentes produo probatria (abaixo examinados), no h dvida de que todas as demais fontes e meios de prova devem ser utilizados.

Nessa perspectiva, o interrogatrio verdadeiro nas hipteses em que a defesa o indica como necessrio deve ser almejado para a prestao jurisdicional penal eficiente. No se trata, destaque-se ainda outra vez, de forar o acusado a ser interrogado, mas de exigir dele, caso queira apresentar sua verso sobre o fato, que diga a verdade.

Longe de ferir o direito ao silncio, vez que no se est falando de obrigar a falar e muito menos de se cogitar a imposio de interpretao negativa para o mesmo silncio, tal proposio est em consonncia com a Justia Penal eficaz e tica, que s pode ser aquela divorciada da mentira.A transformao do interrogatrio do modelo brasileiro atual, em que o acusado compulsoriamente conduzido para participar do ato, mas no tem compromisso com a verdade, em um interrogatrio opcional com caractersticas de excepcionalidade mas com a obrigao de dizer a verdade se a escolha do acusado for a de apresentar sua verso, consiste, induvidosamente, em meio que pode contribuir para a soluo justa do caso penal.

Tal ponderao pode ser extrada do princpio da busca da verdade, por meio do qual se admite que o interrogatrio verdadeiro (observado, bvio, o direito ao silncio), um meio de busca dessa mesma verdade que deve ser admitido pelo ordenamento jurdico.

A tal respeito, cumpre observar a advertncia de Paulo Mrio Canabarro Trois Neto: O princpio da busca da verdade repele prima facie qualquer limitao do objeto da atividade probatria que no se justifique sob o aspecto epistmico.

Sendo assim, no se pode limitar uma releitura normativa acerca do interrogatrio do acusado, luz da eficincia almejada pelo Processo Penal. No se pode impedir que a produo probatria abarque um interrogatrio imune mentira, porquanto injustificvel que a instruo criminal, sob o manto do princpio da busca da verdade, impea a imposio legtima da obrigao de prestar declaraes verdadeiras.A aceitao da mentira no interrogatrio do acusado, como conduta vlida e inerente autodefesa, colide com o Processo Penal eficiente. E isto conduz proteo insuficiente do Direito Penal sobre direitos fundamentais que sofram agresses de terceiros, como, por exemplo, no caso dos crimes contra a vida, etc.

A atuao deficitria do Estado, que certamente estimulada pela mentira contada pelo acusado em seu interrogatrio, vedada pela proibio da insuficincia. E a eficincia do Processo Penal tanto comprometida pelo excesso (violao de garantias), como pela insuficincia (Direito Penal no aplicado adequadamente).

Assim, a proposio de incriminao do interrogatrio falso no est em desacordo com as garantias fundamentais e, sobretudo, afina-se com a eficincia do Processo Penal.3 ELEMENTOS ESSENCIAIS DA PROVA NO PROCESSO PENALSuperadas as questes atinentes ao Direito Penal e Direito Processual Penal em geral, torna-se imprescindvel a abordagem sobre o tema especfico da prova. Isto porque o ato de interrogatrio do acusado, que o objeto central do trabalho, est previsto no Captulo III, do Ttulo VII, do Cdigo de Processo Penal Brasileiro, que trata justamente da prova.

Alm disso, tal imprescindibilidade, conforme ser exposto adiante, decorre do fato de serem as provas o meio pelo qual tudo aquilo que foi exposto pode ser atingido. Ou seja, sinteticamente, as provas so o caminho pelo qual o Processo Penal, ao mesmo tempo em que garante os direitos do acusado, necessariamente dever percorrer para alcanar um de seus maiores objetivos: a verdade, em qualquer de suas espcies, para se tornar eficiente.2.3 CONCEITO DE PROVAEm primeiro momento, importante definir um conceito para o termo prova.

Conforme leciona Guilherme de Souza Nucci:

O termo prova origina-se do latim probatio -, que significa ensaio, verificao, inspeo, exame, argumento, razo, aprovao ou confirmao. Dele deriva o verbo provar probare -, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experincia, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir algum a alguma coisa ou demonstrar.

Por sua vez, o lexicgrafo Jnio Quadros da Silva traz como definio de prova:Tudo o que demonstra ou estabelece a veracidade de uma proposio; a verdade de uma coisa, a realidade de um fato; demonstrao; testemunho; mostra; sinal; indcio; documento justificativo; competncia; concurso; exame; porfia; experincia; ensaio; operao pela qual se conhece a exatido de um clculo aritmtico; ato de experimentar o sabor de uma comida ou bebida; ato de experimentar uma roupa que est sendo feita.

Partindo dessas premissas, de modo a abrigar o tema no universo jurdico, possvel entender que a prova engloba todo e qualquer elemento utilizado pelas partes para demonstrar ao juiz determinada exatido no acontecimento de fatos histricos (nesse contexto, o interrogatrio estaria a inserido).

Por meio de tal demonstrao (apresentao das provas existentes), as partes objetivam convencer o juiz de que os fatos se deram desta ou daquela maneira ou, ainda, que sequer ocorreram, para que, ao final, o magistrado possua capacidade de julgamento.

indiscutvel a impossibilidade fsica de se vivenciar o fato concreto por uma segunda vez, o que seria a soluo ideal para um julgamento perfeitamente justo. Diante disso, servem as provas como solues plenamente eficazes, vez que possibilitam a reconstruo de uma srie de acontecimentos histricos, permitindo que o Estado exera ou no o ius puniendi sobre a realidade mais prxima possvel do fato passado.

2.4 FINALIDADE, OBJETO E MEIOS DE PROVAComo dito, portanto, a finalidade da prova convencer o juiz a exercer a tutela jurisdicional de determinada maneira, diante da reconstruo dos fatos, a qual deve ser guiada pela apresentao das provas. Em outras palavras, busca-se a formao da convico do julgador.

Por mero silogismo, torna-se evidente que o objeto da prova dever ser tudo aquilo que verdadeiramente influencie na referida convico do juiz. Ou seja, aquilo que o juiz dever conhecer para formar sua sentena. Neste sentido, ensina Julio Fabbrini Mirabete:

Abrange, portanto, no s o fato criminoso e sua autoria, como todas as circunstncias objetivas e subjetivas que possam influir na responsabilidade penal e na fixao da pena ou na imposio de medida de segurana. Refere-se, pois, aos fatos relevantes para a deciso da causa.

Deste modo, algumas matrias so excludas por no se enquadrarem como objeto da prova. So, portanto, justificados por suas definies, dispensveis do ato de provar: os fatos notrios, as presunes absolutas, os fatos evidentes e as mximas de experincia.

Os fatos notrios so aqueles decorrentes da cultura de uma determinada sociedade. So conhecimentos inerentes ao homem mdio. No necessrio provar, por exemplo, que feriado no dia 7 de Setembro, diante da comemorao da Proclamao da Independncia do Brasil. Tal afirmao conhecida do julgador, que tambm integra aquela cultura.

As presunes absolutas, por sua vez, so aquelas que no admitem prova em contrrio. Desta feita, a inimputabilidade do menor de 18 anos prevista no artigo 27 do Cdigo Penal no necessita ser provada. Em resumo, a lei j suficiente para estabelecer como verdadeiro.

Tambm independem de prova os fatos evidentes, traduzidos naqueles que so bvios e induvidosos. Se o acusado demonstra que estava no trabalho no momento da ocorrncia do crime, no h a necessidade de se provar que no estava no prprio lugar do crime.

Por ltimo, a questo probatria no recair inteiramente sobre as denominadas mximas de experincia, justamente por serem estas situaes que compe a ntima convico do julgador, por tudo que j viveu e conheceu.

Por exemplo, um juiz, diante de tudo que j enfrentou em sua vida pessoa e profissional, pode ter criado uma imagem bastante definida sobre os comportamentos de uma pessoa que comete roubos. Inegvel que tal criao afetar seu julgamento, que ser, neste caso, somente reforado pelas provas apresentadas.

No que tange aos meios de prova existentes, estes podem ser considerados: Todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em Lei ou no. Em outras palavras, o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convico acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam.

Em verdade, o tema provas pode ser encontrado no Livro 1, Ttulo VII, do Cdigo de Processo Penal. Diante da leitura do mencionado diploma, os meios de prova listados so: o exame de corpo de delito e outras percias, o interrogatrio, a confisso, as perguntados ao ofendido, as testemunhas, o reconhecimento de pessoas ou coisas, a acareao, os documentos e a busca e a apreenso.

Em que pese a posterior anlise principiolgica das provas e exame especfico do instituto do interrogatrio e tudo que o engloba tema central do presente trabalho -, cabe salientar que o rol listado pela lei processual penal brasileira exemplificativo, de modo que as denominadas provas inominadas tambm so admitidas.

Isto ocorre porque as provas inominadas so aquelas que, embora no previstas no ordenamento jurdico, no contrariam a moralidade, a tica e os princpios gerais materiais ou processuais do direito, o que as tornam legtimas, de modo que o julgador, tambm atravs delas, pode formar sua convico.

2.5 PRINCPIOS NORTEADORES DAS PROVASAntes da prpria exposio sobre os princpios que regem as provas, necessrio realizar ponderao no sentido de que no se despender energia semelhante a este ponto do trabalho, como o foi realizado nos demais tpicos.

Isto porque o estudo sobre as provas no presente trabalho pode ser considerado meramente estratgico, j que o caminho necessrio a ser percorrido para que se chegue ao instituto do interrogatrio. Diante disso, alguns dos principais princpios passam a ser apresentados. Porm, salienta-se novamente que o tema no ser exaurido em sua plenitude e profundidade.

Importante definir um conceito para a palavra princpio, que costuma aparecer no estudo do que quer que seja. Princpio, na verdade, engloba todas as premissas que recairo sobre determinado instituto. tudo aquilo que guiar e nortear a abrangncia, neste caso, das provas.

Dessa forma, os princpios que regem as provas so os que guiaro ou limitaro as normas que delas tratam. Vale destacar que os princpios das provas, neste momento, so o foco primrio, mas inesquecveis so aqueles postulados gerais sobre o processo penal e o direito como um todo, os quais, inclusive, so norteadores daqueles.O primeiro princpio a ser tratado o princpio do contraditrio e da ampla defesa, o qual, notadamente, incide sobre todos os atos do processo penal. No poderia ser diferente em relao s provas.

Em especial, neste momento, o princpio se traduz na interferncia clara que o acusado possui na produo e apresentao de todas as provas. Como acentuado, a prova que nortear e justificar o julgamento final do conflito (caso) penal. Diante disso, aquele que sofre a persecuo criminal no ser mero espectador da produo probatria.

Em sntese, diante do contraditrio, a parte ter acesso s provas apresentadas, bem como poder confront-las do modo que a ocasio lhe permitir. A ampla defesa, por seu turno, justamente o que garante que o ru possa intervir, atravs das provas, na deciso que terminar a lide.

De mesmo modo, incide no tema das provas o princpio da identidade fsica do juiz. Basicamente, este princpio foi incorporado ao Processo Penal, atravs da nova redao do artigo 399, pargrafo 2, do Cdigo de Processo Penal, que prev que o juiz que presidiu a instruo dever proferir a sentena.Assim, o princpio da identidade fsica do juiz traz uma garantia obteno da verdadeira justia, j que, indubitavelmente, aquele que conhece toda a produo de provas, exauriente e plenamente, o que chegar mais perto do julgamento ideal.

Em sentido contrrio, resta claro que o caos imperaria. No h como julgar, fazendo-se justia, sem conhecer os elementos que traduzem a maior proximidade do ocorrido.

Ainda, importante destacar o princpio da comunho da prova. Atravs deste postulado, uma vez apresentada a prova no processo, esta passa a pertencer ao prprio processo e no mais parte que dela lanou mo.

Ou seja, entende-se que a prova, neste momento, passa a ser de todos os sujeitos processuais, quais sejam o juiz, a acusao e a defesa.

Deste modo, ainda que a prova tenha sido trazida pela acusao, nada obsta a defesa utiliz-la a seu favor, e vice-versa. Ainda, se a parte que exibiu a prova desejar retir-la do processo, a parte contrria dever consentir com tal ato, caso contrrio, esta permanecer nos autos. Ressalta-se que o consentimento de retirada da parte contrria no impede que o juiz valore a prova apresentada.

A nica exceo do presente princpio a desistncia da prova testemunhal, que no depende de consentimento algum. Todavia, de mesma forma, o juiz, se entender necessria, poder realizar a oitiva ainda que pleiteada a desistncia.

Ademais, o princpio da liberdade da prova tambm deve ser abordado. Como tratado, o rol de provas trazido pelo Cdigo de Processo Penal exemplificativo e no exauriente.

Assim sendo, o juiz possui certa liberdade para buscar a reconstruo dos fatos passados, podendo admitir os meios que entender necessrios para tal finalidade.

Por bvio, esta liberdade no poderia ser absoluta. E, de fato, no , j que encontra bices em princpios constitucionais e em textos de leis infraconstitucionais, alguns exemplificados a seguir.

Em geral, os meios de prova devem respeitar a moralidade e a dignidade da pessoa humana. Especificamente, algumas outras restries podem ser encontradas, como a prova do estado civil e da morte, que somente podem ser demonstradas por documentos especficos.

Ainda, questes prejudiciais e controvrsias no devem ser o caminho para a busca da verdade e formao de convico, justamente porque carecem de deciso prvia, por vezes, de outro juzo.

Por fim, pelo princpio da inadmissibilidade das provas, insculpido no artigo 157 do Cdigo de Processo Penal, as provas ilcitas no podem ser aceitas. Estas devem ser entendidas como todas aquelas que violem alguma normal do ordenamento jurdico sejam de direito material ou de direito processual. Deste modo, as provas obtidas mediante tortura, por exemplo, so inadmissveis.

O referido artigo 157 dispe que as provas ilcitas devem ser desentranhadas do processo. Assim, quando o juiz toma conhecimento de uma prova que ilcita ou, conforme o pargrafo primeiro do mesmo dispositivo, de uma prova que derivada da ilcita, deve imediatamente determinar que estas sejam desentranhadas do processo.

De fato, no sentido literal da palavra, o desentranhamento ser o prprio arrancar do processo as provas ilcitas. Desta maneira, o juiz no poder formar convico ou fundamentar sua deciso naquelas provas que momentaneamente fizeram parte do processo.

Em linhas gerais, so os princpios que guiam o assunto das provas no processo penal. No se pode olvidar que os princpios gerais do direito e os princpios gerais do processo penal incidem diretamente sobre o assunto.

A abordagem realizada neste momento mera tentativa de especificidade e contextualizao do tema e, de alguma forma, demonstrar que estes temas exercem influncia aos contornos que regem o interrogatrio.4 O INTERROGATRIO JUDICIAL DO ACUSADO COMO ELEMENTO DE PROVA PARA A BUSCA DA VERDADE O ato de interrogatrio do acusado est previsto no Captulo III, do Ttulo VII (Da prova), do Cdigo de Processo Penal Brasileiro. O instituto tratado do artigo 185 at o artigo 196 pelo referido diploma legal.O interrogatrio pode ser conceituado como o ato judicial que proporciona ao acusado a chance de esclarecer ao prprio Juiz a sua verso dos fatos sobre aquilo de que est sendo acusado. Neste momento, o acusado pode ir de encontro acusao, confessar ou at silenciar, se assim preferir.

A Lei n. 11719, de 20 de Junho de 2008, alterou relevante parte do Cdigo de Processo Penal Brasileiro, modificando tambm o procedimento referente ao interrogatrio. Desta forma, neste novo modelo, o Juiz basicamente, conforme os artigos 396 e 396-A, ao receber a denncia dever citar o acusado para responder a acusao de maneira escrita.

No sendo um dos casos de absolvio sumria de que trata o artigo 397, o Juiz, conforme o artigo 399 dever, ento, designar uma audincia una.

Nesta audincia de instruo e julgamento, o juiz no poder ouvir os sujeitos processuais de maneira aleatria, j que o artigo 400 do Cdigo de Processo Penal claro ao estabelecer a ordem que deve ser respeitada.

Desta maneira, o Juiz tomar as declaraes do ofendido, realizar a inquirio das testemunhas de acusao, far a inquirio das testemunhas de defesa, proceder aos esclarecimentos dos peritos, s acareaes e ao reconhecimento de pessoas e coisas, e interrogar o acusado, necessariamente nesta ordem.

Observa-se, portanto, que o interrogatrio daquele que est sofrendo a persecuo criminal o ltimo ato da audincia de instruo e julgamento, antes do requerimento de eventuais diligncias ou apresentao de alegaes finais orais, se determinada pelo juiz.

Ou seja, o acusado conhecer toda a produo de prova que recai sobre sua pessoa e, aps a cincia de tudo aquilo que instrui a acusao, poder se dirigir ao magistrado que preside tal instruo para, como explicitado, apresentar sua verso (confrontando a acusao), confessar o delito ou, ainda, exercer o direito ao silncio que ainda ser debatido - e nada dizer.

Ademais, o interrogatrio principalmente expresso de garantias judiciais trazidas pela Conveno Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jos da Costa Rica), pela Declarao Universal de Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos. Tais tratados verdadeiramente garantem o direito audincia.O Pacto de San Jos da Costa Rica, assinado em 22 de Novembro de 1969 e ratificado pelo Brasil em Setembro de 1992, em seu artigo 8, nmero 1, estabelece que:

Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razovel, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apurao de qualquer acusao penal formulada contra ela.

Nesta mesma Conveno Americana, o acusado preso ainda possui proteo especial, vez que, de acordo com o seu artigo 7, 5:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, presena de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funes judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razovel ou de ser posta em liberdade, sem prejuzo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juzo.

Em mesmo sentido, a Declarao Universal de Direitos Humanos, adotada pela Organizao das Naes Unidas em 10 de Dezembro de 1948 (e na qual se baseia o Pacto de San Jos da Costa Rica), em seu artigo X, assevera que toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audincia justa e pblica por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusao criminal contra ele.

Reforando tais protees, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, adotado pela Assembleia Geral das Naes Unidas em 19 de Dezembro de 1966 e que entrou em vigor no Brasil em 24 de Abril de 1992, em seu artigo 14, 1, proclama que:

Todas as pessoas so iguais perante os tribunais e as cortes de justia. Toda pessoa ter o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apurao de qualquer acusao de carter penal formulada contra ela ou na determinao de seus direitos e obrigaes de carter civil. A imprensa e o pblico podero ser excludos de parte ou da totalidade de um julgamento, que por motivo de moral pblica, de ordem pblica ou de segurana nacional em uma sociedade democrtica, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isso seja estritamente necessrio na opinio da justia, em circunstncias especficas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justia; entretanto, qualquer sentena proferida em matria penal ou civil dever tornar-se pblica, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvrsia matrimoniais ou tutela de menores.

Em relao ao preso, apresenta ainda este ltimo pacto defesa especfica, de modo que traz, em seu artigo 9, 3, que:

Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infrao penal dever ser conduzida, sem demora, presena do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funes e ter o direito de ser julgada em prazo razovel ou de ser posta em liberdade. A priso preventiva de pessoas que aguardam julgamento no dever constituir a regra geral, mas a soltura poder estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questo audincia, a todos os atos do processo e, se necessrio for, para a execuo da sentena.

Conforme se verifica das disposies trazidas pelos tratados internacionais expostos, d-se extrema importncia necessidade de que o acusado seja conduzido presena de um Juiz ou daqueles que iro julg-lo, no caso de Tribunal.

E no basta que este encontro seja realizado. Deve-se aplicar a maior agilidade possvel no ato. O acusado no pode se ver acusado da prtica de delito e, ao mesmo tempo, sofrer as consequncias inerentes do tempo, da demora de sua efetiva comunicao com o seu julgador.

Tratam, portanto, o interrogatrio como um direito do acusado, o qual, no sendo respeitado geraria at a nulidade absoluta do processo. Diante disso, dois pontos passam agora a exigir maior aprofundamento: a natureza jurdica do interrogatrio e a imprescindibilidade ou no de sua realizao.2.6 NATUREZA JURDICA DO INTERROGATRIO

Face importncia do interrogatrio no processo penal, que representa verdadeiro dilogo entre o acusado e o Juiz que, ao final, decretar sentena condenatria ou absolutria, merece tal instituto maior ateno, sofrendo abordagens pontuais.Um dos pontos que merece bastante destaque e, principalmente, cautela aquele que trata sobre a natureza do interrogatrio. Poupando trabalho, Guilherme de Souza Nucci divide os entendimentos entre os doutrinadores que realizaram a difcil tarefa de analisar tal tema:

H quatro posies a respeito: a) meio de prova, fundamentalmente (CAMARGO ARANHA); b) meio de defesa (GALDINO SIQUEIRA, PIMENTA BUENO, MANZINI, CLARI OLMEDO, JOO MENDES JNIOR, ADA PELLEGRINI GRINOVER, TOURINHO FILHO, ADRIANO MARREY, ALBERTO SILVA FRANCO, RUI STOCO, BENTO DE FARIA, ANTONIO MAGALHES GOMES FILHO, JORGE ALBERTO ROMEIRO, MAURCIO ZANOIDE DE MORAES); c) meio de prova e de defesa (VICENTE DE AZEVEDO, FREDERICO MARQUES, HLIO TORNAGHI, PAULO HEBER DE MORAIS E JOO BATISTA LOPES, FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, MIRABETE, GRECO FILHO, CARNELUTTI, FLORIAN, DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO, BORGES DA ROSA, PAULO LCIO NOGUEIRA, ARY AZEVEDO FRANCO, GUGLIELMO SABATINI, CARLOS HENRIQUE BORLIDO HADDAD, MARCOS ALEXANDRE COELHO ZILLI); d) meio de defesa, primordialmente, e, em segundo plano, meio de prova (HERNANDO LONDOO JIMNEZ, OTTORINO VANNINI).

Resta claro, portanto, que o tema no pacfico na doutrina.

Aos primeiros, que entendem o interrogatrio como meio de prova (e, aqui, adicionamos lista apresentada o processualista Leonir Batisti), o fundamento que sustenta tal posicionamento basicamente a posio topogrfica em que se encontra o interrogatrio no Cdigo de Processo Penal.

Encontrando-se no captulo das provas, ao lado de todos os outros meios de provas existentes, no haveria motivos para considera-lo de outra maneira. A inteno do legislador estaria bastante clara, sendo induvidosamente somente mais um dos elementos que formam a convico do julgador, finalidade precpua da prova.

Alguns outros argumentos ainda so apresentados, como a liberdade na formulao das perguntas ao acusado e a possibilidade de que o interrogatrio seja utilizado tanto contra (no caso de confisso) como a favor do acusado, assim como as demais provas.

Adalberto Jos Q. T. de Camargo Aranha chegou a sustentar que tambm seria meio de prova porque o silncio, a recusa em responder s perguntas, pode atuar como um nus processual .

Todavia, o pargrafo nico, do artigo 186, do Cdigo de Processo Penal, reformado pela Lei n. 10792, de 1 de Dezembro de 2003, bastante claro ao especificar que o silncio no poder ser interpretado em prejuzo da defesa. Desta forma, este ltimo argumento notadamente invlido (o que no retira a legitimidade da tese de meio de prova).

A natureza jurdica de meio de defesa, por sua vez, defendida por parte considervel da doutrina, no d valor ao posicionamento atribudo ao interrogatrio pelo legislador no Cdigo.

Assim, o que tambm sustentado que, diante do texto do artigo 5, LXIII, da Constituio Federal, que assegura o direito ao preso de permanecer calado, no h como conceber o interrogatrio como meio de prova.

Isto porque a interpretao deve ser no sentido de que a garantia constitucional abrange toda e qualquer pessoa, de modo que no existiria maior oportunidade de defesa do que responder as perguntas formuladas somente se assim desejar.

Enquadra-se, nesta linha, a lgica exposta por Aury Lopes Jr:

Com relao ao valor probatrio do interrogatrio, propugnamos por um modelo constitucional em que o interrogatrio seja orientado pela presuno de inocncia, visto assim como o principal meio de exerccio da autodefesa e que tem, por isso, a funo de dar materialmente vida ao contraditrio, permitindo ao sujeito passivo refutar a imputao ou aduzir argumentos para justificar sua conduta.

Destarte, bastante considerada a oportunidade que o acusado tem de se insurgir contra a acusao, ou seja, de realmente confront-la diretamente, atravs da tentativa de apresentao e exposio dos fatos passados pelo prprio acusado quele que julgar sua culpa em mbito penal.

De mesmo modo, considera-se que, se h o direito em permanecer em silncio, h que se falar em defesa, pois o acusado jamais poder ser coagido a sair da inrcia, justamente em decorrncia de princpios que ainda sero abordados.

Assim, ensina Eugnio Pacelli de Oliveira, que trata-se, efetivamente, de mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente a sua verso dos fatos, sem se ver, porm, constrangido ou obrigado a faz-lo.

Por fim, a maior parte da doutrina entende que o interrogatrio possui natureza mista. Ou seja, meio de prova e meio de defesa ao mesmo tempo. E o que sustenta este novo raciocnio justamente a juno de todos os argumentos apresentados.

O acusado tem a opo de exercer o seu direito constitucional de se manter em silncio, o que manifestamente o exerccio de gigantesca e inegvel defesa. Ressalte-se: no h maior defesa do que sequer precisar se manifestar.

Todavia, abrindo mo do direito ao silncio, e se insurgindo contra acusao ou confessando o crime, no existiriam dvidas de que tais aes constituem meio de prova, vez que, inequivocamente, afetaro o convencimento do julgador e legitimaro a fundamentao da posterior sentena (da porque sustentamos a necessidade de que o acusado seja compromissado a dizer a verdade).

Diante disso, conclui Julio Fabbrini Mirabete:

Inserido no Ttulo VII (Da prova), deve-se considerar que, perante a nossa legislao, o interrogatrio do acusado meio de prova. Mas, como se observa agudamente na doutrina, no se pode ignorar que ele, tambm, ato de defesa, pois no h dvida que o ru pode dele valer-se para se defender da acusao, apresentando libi, dando a sua verso dos fatos etc. Com fundamento na Constituio Federal de 1988, que consagra o direito do acusado de permanecer calado no interrogatrio, e na legislao comparada, Fernando da Costa Tourinho Filho chega a afirmar que o interrogatrio no meio de prova e sim meio de defesa. Entretanto, quando o acusado se defende no interrogatrio, no deixa de apresentar ao julgador elementos que podem ser utilizados na apurao da verdade, seja pelo confronto com provas existentes, seja por circunstncias e particularidades das prprias informaes prestadas. Mesmo o silncio do acusado, que no importa em confisso e no pode ser interpretado em prejuzo do ru, pode contribuir, na anlise das provas j existentes ou que vierem a ser produzidas para a formao da convico ntima do juiz. Conceitualmente, portanto, o interrogatrio meio de prova e oportunidade de defesa do acusado. Tem, portanto, esse carter misto afirmado pela doutrina dominante.

Ainda que os defensores desta posio possam se dividir, pois uns do maior valor defesa, colocando a prova em segundo plano, resta bastante evidente o entendimento de que ser meio de prova no exclui ser meio de defesa e vice-versa.

Posto isso, parece bastante mais inteligente admitir a natureza dplice do interrogatrio. Da forma como foi concebido e positivado em nosso ordenamento jurdico, serve tal ato tanto para a defesa, j que o acusado poder at mesmo permanecer inerte, como para criar um novo caminho para o juiz, que poder fazer uso daquilo que declarou o acusado para se aproximar da verdade real, emitindo, posteriormente, deciso a seu favor ou no.

Neste sentido, explicando que existem outros posicionamentos em relao natureza jurdica do interrogatrio, Aury Lopes Jr. apresenta o seguinte raciocnio:De qualquer forma, estril aprofundar a discusso sobre a natureza jurdica do interrogatrio, pois as alternativas meio de prova e meio de defesa no so excludentes, seno que coexistem de forma inevitvel. Assim, se de um lado potencializamos o carter de meio de defesa, no negamos que ele tambm acaba servindo como meio de prova, at porque ingressa na complexidade de fatores psicolgicos que norteiam o sentire judicial materializado na sentena.

A bem da verdade, a discusso meramente doutrinria e, a nosso ver, somente se admitindo que o interrogatrio possui todas as essncias apresentadas, o sucesso seria obtido.

De todo modo, no influenciar de maneira alguma o enfoque do presente trabalho, tendo em vista que, como se ver adiante, a adoo de uma ou outra teoria acarretar consequncia nica.

Em nosso sentir, tornando-se excepcional e tendo a sua ocorrncia condicionada expressa manifestao de defesa, o interrogatrio adquire, primariamente, caractersticas inequvocas de meio de defesa.

Porm, em segundo plano (mas no menos importante), dado o fato de que pugnamos pela ideia de compromisso com a verdade, a partir do momento em que o interrogatrio vai ser realizado, adquire o formato de meio de prova.Nesse contexto, surge a seguinte indagao: o interrogatrio necessariamente deve ser realizado? Sua ausncia caracterizaria algum tipo de nulidade ou o processo poderia seguir normalmente?

Diante do principal objeto de anlise do presente trabalho, ou seja, o interrogatrio luz do direito ao silncio, este tema ser tratado posteriormente, momento em que os dois temas (interrogatrio e direito ao silncio) j tero sido desenvolvidos.

Neste instante, cumpre apenas ressaltar que o entendimento acerca da necessidade ou no do interrogatrio dever ser construdo atravs da anlise de artigos do prprio Cdigo de Processo Penal e da interpretao doutrinria, que estabelece consequncias interessantes sobre o exame em questo, tendo em vista, especialmente, o prprio direito ao silncio, que derivaria da interpretao de ser o interrogatrio meio de defesa.5 DIREITO NO AUTOINCRIMINAO E DIREITO AO SILNCIO

Atualmente, vigora no ordenamento jurdico brasileiro (e em alguns outros pases, como se ver adiante), a mxima latina nemmo tenetur se detegere, que significa que ningum obrigado a se descobrir.

Em verdade, a ausncia da obrigao de se descobrir significa justamente a impossibilidade de se impor a qualquer pessoa que obrigatoriamente se incrimine. Silogisticamente, no haveria modo melhor de no atribuir a si mesmo uma conduta criminosa, seno silenciando.

Ou seja, no existem dvidas de que as trs figuras tratadas (nemo tenetur se detegere, direito no autoincriminao e direito ao silncio) compem, na verdade, figura nica. Em sntese, a expresso latina traduzida para a lngua portuguesa como a desnecessidade de confessar a prtica de um crime.

Disto decorre o direito ao silncio, caminho primeiro a ser seguido por algum que protegido pelo direito no autoincriminao. Embora, portanto, a no autoincriminao e o silncio no tenham significados literalmente iguais, encontram-se intimamente ligados, de modo que o ltimo traduo do primeiro.Explica-se, neste momento, parte da linha traada pelo presente trabalho, o qual passou por anlise genrica sobre a prova no processo penal, da qual, como se viu, de certa maneira o interrogatrio integrante.

, principalmente, neste ltimo (interrogatrio) que incidiro as protees agora tratadas (direito no autoincriminao e direito ao silncio). Isto porque, tambm como se verificou, no interrogatrio que o acusado se manifesta de maneira direta, sem intermdio de advogado, j que, nesta oportunidade, fala diretamente ao juiz, sendo somente instrudo por seu procurador.

Em resumo, tentando atribuir algum conceito a tais postulados, o Estado, representado por quem quer que seja, no poder coagir o acusado a assumir a prtica de crime, tampouco obrig-lo a fornecer provas ou indcios que possam indica-lo como o autor do delito. Diante disso, facultado ao ru o silncio.

Necessrio destacar que o princpio do nemo tenetur se detegere abrange a inexigncia de comportamentos por parte do acusado que venham a resultar em prejuzo da manuteno da sua condio de inocente. Tal princpio pode ser decomposto em diversas vertentes e no exclusivamente na perspectiva do direito ao silncio, tal qual ensina Paulo Mrio Canabarro de Trois Neto:

Considerando o grau de conexo entre o comportamento do investigado com a sua posio de sujeito do procedimento, possvel reconhecer ao menos trs nveis bsicos de proteo do direito no autoincriminao: a) O direito de no se conformar com a acusao; b) O direito de no depor contra si; c) O direito de no contribuir para a prpria condenao mediante outros comportamentos.

O foco deste trabalho aquele estampado na letra b acima, que contempla o direito ao silncio, razo pela qual outras manifestaes decorrentes do princpio da no autoincriminao no sero abordadas no presente texto.Tornado cartesiano e conceituado (superficialmente) o entendimento, necessrio que o estudo tome seu rumo, abordando os pontos que mais se destacam e aprofundando ainda mais a questo.

2.7 ORIGEM HISTRICA MUNDIAL

No h entre os doutrinadores entendimento pacfico acerca da origem do direito no autoincriminao, que, como se ver, culminou na atual positivao constitucional do direito ao silncio. De todo modo, importante destacar que, ainda que o recebimento tal instituto no mundo jurdico seja relativamente recente, possvel encontrar as razes em um passado distante, ainda que indeterminado.

H quem diga que a expresso latina nemmo tenetur se detegere consequncia do garantismo processual, atribudo por Hobbes, sendo apenas recebida, no sculo XVII, pelo Direito anglo-americano.

De outro lado, h a compreenso de que a prpria traduo da mxima do Direito anglo-americano do privilege against self incrimation, sendo que este ltimo possui origem na Idade Mdia e incio da Renascena.

Todavia, necessrio ir ainda mais alm e buscar elementos ou resqucios que detonem o incio, o verdadeiro nascimento da necessidade de se proteger o acusado, tornando-o imune obrigao de se incriminar.

Os olhares agora devem ser voltados para o sculo III a.C., no qual se acredita que o direito hebraico j aplicava o entendimento de que o acusado no poderia e nem deveria se incriminar. Isto porque, fundado nos ensinamentos de Moiss, que ensejaram o livro de Talmud (verdadeira compilao de todos os seus ensinamentos), o suicdio era terminantemente proibido.

Vale lembrar que, poca, a maioria dos crimes cometidos previa punio de morte. Deste modo, entendia-se que obrigar algum a confessar a violao de uma norma era o mesmo que compeli-la ao suicdio. Era tambm forma de evitar que aqueles que objetivavam o fim de suas prprias vidas mentissem a autoria de um delito tendo em vista aquele nico objetivo.

Em Roma, dividem-se os perodos em pr-clssico (at 149 a.C.), clssico (149 a.C. a 305 d.C.) e ps-clssico (305 a 505). No primeiro momento, no havia qualquer direito no autoincriminao, de modo que o acusado devia responder tudo que o juiz lhe perguntasse, inclusive podendo ser preso, caso no o fizesse.

No segundo perodo, se o acusado optasse pelo direito de nada dizer, em lugar de ser preso, seria declarado ru confesso. H de se destacar aqui a dinastia nerva-antonina, ocorrida entre o ano de 86 e 192, em que havia a possibilidade de tortura, mas que no obrigava o ru a apresentao de documentos que o incriminassem.

No ltimo perodo, o imperialismo suavizou os procedimentos e tratamentos existentes contra os rus, os quais passaram a ser fiscalizados pela Igreja.

A partir do ano de 850, a Igreja passa a produzir uma srie de normas efetivamente protetivas aos acusados. Dentre elas, surge a previso expressa de que os rus devem prestar juramento, porm, no mais seriam submetidos prtica de tortura. Todavia, cerca de quatrocentos anos depois, a Igreja muda radicalmente o entendimento e passa a empregar a tortura como modo de obter a confisso do acusado, que, a partir daquele momento, era obrigado a dizer a verdade.

O que se v, portanto, a alterao do direito no autoincriminao no perodo apresentado. Em princpio, quase se admitia que o acusado no precisasse produzir provas contra si mesmo, j que no precisava apresentar documento algum passvel de incriminao.

Todavia, com o decorrer do tempo, com o poder tomado pela Igreja, a interpretao se inverteu, sendo includa at mesmo a tortura contra aquele que preferisse o silncio.

A igreja transformou o sistema normativo da poca, de tal modo que verdadeiramente atribuiu uma fase inquisitorial, vez que participava ativamente na investigao dos fatos que envolviam algum tipo de crime, atribuindo ao acusado, como explanado, at mesmo a tortura. E, vale dizer, o direito em tela foi ignorado por muitos anos, a partir de ento.

Durante o perodo em que foi efetivamente ignorado, aplicando-se a tortura, grandes filsofos e pensadores teciam fortes crticas e publicavam obras contrrias obrigao de se autoincriminar.

Somente muito tempo depois, em alguns cdigos especficos, no ano de 1807, a Itlia garante ao acusado o direito de permanecer em silncio. O mesmo ocorreu na Frana, mas somente em 1897. Tal reconhecimento se deu tambm na Alemanha no sculo XIX, e acredita-se que em Portugal e Espanha tenha se efetivado somente no penltimo sculo.

A histria diferente, todavia, na Inglaterra, onde a Igreja no possua poder semelhante aos demais pases da Europa. Desta forma, no houve espao para sistema inquisitorial, ou seja, os tribunais atuavam no to diretamente como aqueles citados.

Desta forma, resta clara a mudana no sentido. Agora, sem a influncia da Igreja, no haveria impedimentos ao direito de no produzir provas contra si mesmo. , por isto, que alguns autores como Pacelli qualificam o direito ao silncio e a no autoincriminao como a verso nacional do privilege against self-incrimination do Direito anglo-americano, nos quais o acusado sequer presta juramento.

2.8 ORIGEM HISTRICA NO BRASILDe maneira formal, o direito ao silncio aplicado no Brasil praticamente desde o ano de seu descobrimento, j que era expressamente garantido ao acusado, j quela poca, o direito de no depor contra aquilo que a ele dizia respeito.

No se entende, contudo, a positivao de tal direito, tendo em vista a tambm expressa previso de tortura ou multa, dependendo do caso concreto, para obrigar o acusado a se manifestar.

Percebe-se, ento, analisando as Constituies Brasileiras que mais se destacaram desde o descobrimento do pas at a data atual que a primeira Constituio a mencionar e abolir verdadeiramente a tortura a do ano de 1824, que previu, juntamente com a tortura, a abolio de aoites, marca de ferro quente e todas as mais penas cruis.

Entende-se, portanto, que o direito a no autoincriminao e, consequentemente, do silncio, passa a ganhar corpo a partir da referida Constituio que retira a prtica cruel contra o acusado que deseja efetivamente nada dizer.

H de se perceber neste momento a importncia da anlise da natureza jurdica do interrogatrio, debatida no presente trabalho de forma detalhada, j que existe entendimento no sentido de que a partir do ano de 1832 o instituto passa a ser tratado como meio de defesa.

Isto, muito provavelmente, porque foi o primeiro diploma a entender que no haveria a necessidade de o acusado realizar juramento.

Como se sabe, o Brasil foi proclamado Repblica no ano de 1889. Neste ano, a nica evoluo no sentido de o acusado possuir o direito de nada dizer -, foi a garantia de que o ru no precisaria responder as perguntas formuladas pelo juiz de forma a detalhar os fatos, bastando atribuir respostas de forma negativa ou positiva.

A primeira Constituio da Repblica foi a que verdadeiramente cravou, de acordo com a interpretao dos estudiosos da poca, que o juramento do ru e algum eventual comportamento que pudesse coagir o ru a realizar o interrogatrio estavam extintos.

Necessrio que a ateno se volte ao ponto agora a ser apresentado, que verdadeiramente passa a tratar o direito ao silncio de maneira expressa e explicar o cenrio do instituto na atualidade brasileira.

O atual Cdigo de Processo Penal trazia em sua redao original, no artigo 186, que antes de iniciar o interrogatrio, o juiz observar ao ru que, embora no esteja obrigado a responder s perguntas que Ihe forem formuladas, o seu silncio poder ser interpretado em prejuzo da prpria defesa.. vista disso, havia notadamente uma espcie de ameaa por parte do juiz contra aquele que era interrogado. Em compreenso at de homem mdio, no seria exagero afirmar que o significado daquele dispositivo traduzia, ao mesmo tempo, o ter e o no ter do direito.

Se existe um direito a alguma coisa, existe simplesmente. Este no deve ser valorado, ou melhor, prejudicial ao seu portador. A lei no poderia conceder um privilgio que, ao ser utilizado, tornasse desfavorvel a situao de quem o empregou. Era o sentimento daquele que estava sendo ouvido.

A soluo para o problema apresentado ser vista adiante, j que se segue uma exposio cronolgica de alteraes legislativas acerca do direito no autoincriminao e direito ao silncio.

De todo modo, a atual Constituio da Repblica Federativa do Brasil trouxe em seu artigo 5, LXIII, de maneira especfica e pela primeira vez em mbito constitucional, o direito ao silncio. O texto do referido dispositivo dispe que o preso ser informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistncia da famlia e de advogado.Existem autores que afirmam que alguns princpios constitucionais tambm tratam do instituto, ainda que de maneira mais ampla, como o da presuno de inocncia, o da ampla defesa, o da dignidade humana, e o do devido processo legal.

Deve-se destacar que, ainda que o texto trate sobre a pessoa do preso, o direito ao silncio, positivado constitucionalmente, deve ser estendido a toda e qualquer pessoa, incluindo aquela que est em liberdade.

Isto porque, como se viu no tpico do interrogatrio, o Brasil aderiu a pactos que, alm de tratar do instituto do interrogatrio, preveem a desnecessidade do acusado de se incriminar ou de prestar depoimento que lhe traga algum prejuzo.

Reforando tal entendimento, o texto da Conveno Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8, 2, g, no sentido de que toda pessoa acusada tem o direito de no ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

Como se v, no h lgica em atribuir prejuzo ao exerccio do direito ao silncio, porquanto consagrado na Lei Maior e perante a ordem jurdica internacional. Diante disso, a nosso ver acertadamente, o legislador preferiu alterar a redao apresentada no artigo 186 do Cdigo de Processo Penal, atravs da Lei n. 10.792/2003, incluindo ainda pargrafo nico.

Deste modo, o artigo 186 do Cdigo de Processo Penal atualmente dispe que depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusao, o acusado ser informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatrio, do seu direito de permanecer calado e de no responder perguntas que lhe forem formuladas.Ainda mais importante a adio de pargrafo nico no referido dispositivo, prevendo que o silncio, que no importar em confisso, no poder ser interpretado em prejuzo da defesa.Denota-se, ento, alterao substancial. Em primeiro momento, observa-se que o legislador trouxe uma verdadeira obrigao a autoridade: a de informar ao acusado de que este no obrigado a responder o que lhe for perguntado. No h dvidas, portanto, de que a ausncia desta informao enseja nulidade do ato, diante da nova redao do dispositivo.

De mesma forma, agora tratando do pargrafo nico do