O JOGO EM REDES SOCIAIS NO CIBERESPAÇO COMO NOVO CAMPO DE...

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Mídias Sociais, Saberes e Representações Salvador - 13 e 14 de outubro de 2011 O JOGO EM REDES SOCIAIS NO CIBERESPAÇO COMO NOVO CAMPO DE EXPERIÊNCIA LÚDICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO INTERACIONISMO SIMBÓLICO Breno Maciel Souza Reis 1 Resumo: O presente artigo busca analisar o jogo social online CityVille, no site de relacionamento Facebook como espaço contemporâneo de relação com o lúdico, interação social e de produção e compartilhamento de formas simbólicas, a partir da perspectiva teórica proposta pelo Interacionismo Simbólico, em especial Mead e Blumer, entendendo o lúdico como um processo indispensável à transmissão de símbolos e à formação das sociedades, construídas pelo homem e mediadas pela comunicação. A partir deste entrecruzamento teórico, estabelece uma relação entre o jogo social no ciberespaço e os processos de interação realizados entre os indivíduos nestas interfaces. Palavras-chave: cibercultura, interacionismo simbólico, jogos sociais. Abstract: This paper analyzes the online social game CityVille in Facebook as a space for contemporary relationship with the playful, social interaction and sharing and production of symbolic forms, from the theoretical perspective proposed by Symbolic Interactionism, in particular Mead and Blumer, who understands play as an essential process for the transmission of symbols and the formation of societies, man-made and mediated by communication. From this theorist intersection, establishes a relationship between the social game in cyberspace and the processes of interaction between individuals in these interfaces. Keywords: cyberculture, symbolic interactionism, social games. Introdução A informatização da sociedade, fenômeno iniciado na segunda metade do último século, e intensificado a partir do fim da década de noventa, trouxe consigo novos paradigmas que se instauraram na sociedade contemporânea, ao permitirem o acesso a uma rede de computadores e dispositivos, globalmente interconectada entre si. Paulatinamente, a presença maciça desses aparatos, em todas as esferas da vida em sociedade, concretizou o que Negroponte (1995) designou como a tendência à virtualização das experiências 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo Ufes. E-mail: [email protected]

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Mídias Sociais, Saberes e Representações Salvador - 13 e 14 de outubro de 2011

O JOGO EM REDES SOCIAIS NO CIBERESPAÇO COMO NOVO CAMPO DE

EXPERIÊNCIA LÚDICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO INTERACIONISMO

SIMBÓLICO

Breno Maciel Souza Reis1

Resumo: O presente artigo busca analisar o jogo social online CityVille, no site de

relacionamento Facebook como espaço contemporâneo de relação com o lúdico, interação

social e de produção e compartilhamento de formas simbólicas, a partir da perspectiva teórica

proposta pelo Interacionismo Simbólico, em especial Mead e Blumer, entendendo o lúdico

como um processo indispensável à transmissão de símbolos e à formação das sociedades,

construídas pelo homem e mediadas pela comunicação. A partir deste entrecruzamento

teórico, estabelece uma relação entre o jogo social no ciberespaço e os processos de interação

realizados entre os indivíduos nestas interfaces.

Palavras-chave: cibercultura, interacionismo simbólico, jogos sociais.

Abstract: This paper analyzes the online social game CityVille in Facebook as a space for

contemporary relationship with the playful, social interaction and sharing and production of

symbolic forms, from the theoretical perspective proposed by Symbolic Interactionism, in

particular Mead and Blumer, who understands play as an essential process for the

transmission of symbols and the formation of societies, man-made and mediated by

communication. From this theorist intersection, establishes a relationship between the social

game in cyberspace and the processes of interaction between individuals in these interfaces.

Keywords: cyberculture, symbolic interactionism, social games.

Introdução

A informatização da sociedade, fenômeno iniciado na segunda metade do último

século, e intensificado a partir do fim da década de noventa, trouxe consigo novos paradigmas

que se instauraram na sociedade contemporânea, ao permitirem o acesso a uma rede de

computadores e dispositivos, globalmente interconectada entre si. Paulatinamente, a presença

maciça desses aparatos, em todas as esferas da vida em sociedade, concretizou o que

Negroponte (1995) designou como a tendência à virtualização das experiências

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul - PUCRS. Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes.

E-mail: [email protected]

essencialmente humanas, ou a transposição dos átomos para bytes. Inauguram-se novas

formas de inserção do sujeito em uma realidade cada vez mais fragmentada e múltipla,

hipermidiatizada, através da presença pervasiva da informática no cotidiano e pela ubiquidade

de conexão, permitindo, desde inéditas possibilidades de expressão pessoal e organização

social, até a potencialização radical do contato com o outro, mediadas por aparatos

tecnológicos conectados à internet.

Tal fato transformou o modo como o sujeito se relaciona consigo mesmo e também

com o mundo à sua volta, abarcando aí novas formas de experienciar o jogo e suas

manifestações lúdicas, nesse contexto. Extensões do homem, nesse novo ambiente digital,

feito de luzes, o jogo virtual em redes sociais online potencializa a dimensão simbólica dessas

atividades, a partir da interação social, podendo ser entendido como uma das facetas desse

conjunto de práticas culturais e sociais instituídas nesse contexto, designado cibercultura.

Este artigo objetiva analisar o jogo social virtual CityVille como um fenômeno

essencialmente cultural da contemporaneidade, como sugere Huizinga (2008), a partir da

inserção dos sujeitos em redes sociais como o Facebook2, e das consequentes interações e

trocas, por eles estabelecidas nesses espaços, sob a perspectiva do interacionismo simbólico,

que entende a comunicação humana como o compartilhamento de símbolos e sua constante

(re) interpretação como elemento fundamental na constituição dos próprios indivíduos, da

sociedade em que vivem e que, consequentemente, transforma e molda os modos como estes

percebem e se inserem na realidade.

O percurso metodológico para a investigação do objeto proposto consistiu em uma

abordagem descritivo-exploratória, partindo de uma revisão bibliográfica de obras que

abordam a relação humana com o lúdico, enquanto fenômeno cultural, com o aprofundamento

do estudo das teorias que preconizam o jogo enquanto extensão do homem e da sociedade. Os

processos interativos estabelecidos nessa interface foram apoiados nas teorias do

interacionismo simbólico, em especial as proposições de Mead (1934) e Blumer (1980). Ao

realizar o entrecruzamento destas linhas teóricas acima descritas, foi possível advir uma

segunda etapa, com a imersão no ambiente do jogo, para observação dos processos

fundamentais do mesmo e sobre a interação entre os jogadores, que ali transcorre. Por fim, foi

feita a análise do conteúdo e das observações realizadas sob a premissa de que o jogo é uma

modalidade de interação simbólica entre os envolvidos e de transmissão de significados entre

eles.

2 http://www.facebook.com

O jogo enquanto fenômeno cultural e extensão do homem

Johan Huizinga, em sua célebre obra “Homo ludens” (2008), dedicada a discutir,

filosófica e antropologicamente, as manifestações lúdicas e o jogo, enquanto elemento

fundamental na constituição das sociedades, defende que a relação com o jogo é uma

ocorrência essencial da vida, inclusive mais antiga que a própria cultura, esta entendida como

uma construção a partir da intervenção humana na natureza. Para constatar tal afirmação,

segundo o autor, basta observar a ocorrência do jogo entre animais, como cachorros e gatos. É

facilmente perceptível que eles desenvolvem, desde a infância, uma relação lúdica com o

mundo e com os outros de sua espécie, que se perpetua por toda a sua existência. Para

Huizinga, “[...] os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica.

[...] É-nos possível afirmar com segurança que a civilização humana não acrescentou

característica essencial alguma à ideia geral de jogo” (idem, p. 3). Ele afirma, ainda, que a

relação do homem com o lúdico foi uma condição sine qua non para a existência e a evolução

das sociedades humanas através dos séculos, e idealiza a nomenclatura homo ludens para

designar esta propriedade, a qual considera tão importante quanto o raciocínio (homo sapiens)

e a capacidade de transformação e produção de objetos (homo faber). O autor, inclusive,

considera a construção e a utilização da linguagem, primeiro instrumento humano para se

comunicar com os seus semelhantes, como um certo jogo, que dá sentido e constrói a relação

entre os sujeitos e destes com o mundo. “É a linguagem que lhes permite distinguir as coisas,

defini-las e constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao domínio

do espírito” (HUIZINGA, ibid., p. 7). Assim, o autor define o jogo como

uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e

determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas,

mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de

um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida

quotidiana” (HUIZINGA, 2008, p.33 ).

Diversas manifestações culturais, como as modalidades esportivas, o folclore, a dança,

a música, o teatro e os ritos religiosos, criados e aperfeiçoados no decorrer dos séculos,

possuem como marca intrínseca a relação com o lúdico, em menor ou em maior grau. Jogos

infantis e adultos, ou mesmo aqueles nos quais os jogadores interpretam personagens, todas

estas expressões constituem ampliações do homem e das sociedades nas quais o jogo se

desenrola, sendo possível reconhecer, nesse sentido, uma forte influência da época histórica,

seus valores e costumes. Podemos citar, como exemplo, as Olimpíadas, manifestação cultural

originada na Grécia Antiga, que tinha por objetivo homenagear Zeus e os deuses do Olimpo,

através de disputas esportivas. McLuhan (1964, p. 264), ao estudar estas manifestações,

enquanto extensões do homem e das sociedades, afirma que

os jogos são artes populares, reações coletivas e sociais às principais

tendências e ações de qualquer cultura. Como as instituições, os jogos são extensões

do homem social e do corpo político, como as tecnologias são extensões do

organismo animal. [...] Os jogos são modelos fiéis de uma cultura. Incorporam tanto

a ação como a reação de populações inteiras numa única imagem dinâmica.

Nas sociedades tribais, por exemplo, o jogo possuía, além da função recreativa e de

integração da tribo, o objetivo de simular situações de caça, de enfrentamento com animais,

guerra entre tribos rivais, objetivando aperfeiçoar e transmitir simbolicamente técnicas de

combate, defesa e ataque – as quais eram de extrema importância para a segurança e

manutenção daquele tipo de sociedade. Era um meio de treinamento de destrezas, tanto físicas

quanto cognitivas. Huizinga (2008) nos lembra que, mesmo em momentos em que os

caçadores ou guerreiros destas coletividades tribais utilizavam as técnicas aprendidas durante

as atividades lúdicas, o caráter do jogo persistia, uma vez que, “mesmo as atividades que

visam à satisfação imediata das necessidades vitais, como por exemplo, a caça, tendem a

assumir nas sociedades primitivas uma forma lúdica” (ibid., p. 54).

Assim como nestes ritos tribais, os confrontos sangrentos (e, não raro, mortais) nas

arenas entre os guerreiros da Antiguidade, os jogos de carta e de tabuleiro, praticados nas

cortes da Idade Média: todas estas manifestações culturais nos fornecem indícios de como

aquelas sociedades se organizavam, configurando-se como um reflexo através do lúdico sobre

o modo de vida destas coletividades, importantes mapeamentos para a compreensão destes

períodos e da construção coletiva de expressões culturais naquelas épocas.

Isto posto, podemos entender os jogos sociais virtuais no ciberespaço como elementos

culturais característicos da sociedade contemporânea, hipermidiatizada, e que utilizam as

redes globais de comunicação como mediadoras das relações sociais. Algumas conceituações

teóricas se fazem necessárias em relação à preferência pela expressão “jogos sociais virtuais”.

Todo jogo ou manifestação lúdica que envolva no mínimo duas pessoas pode ser considerado

como social. Excetuando-se as atividades solitárias, como alguns jogos de cartas, tabuleiro, e

mais recentemente, eletrônicos (como alguns videogames e jogos de computador), nos quais o

jogador se insere na dinâmica do jogo de forma isolada, quando dois ou mais indivíduos

consentem em participar ativamente em um processo que contenha elementos lúdicos (como a

compreensão e aceitação das regras, duração temporal limitada, representação consciente de

personagens, entre outros), elas estão participando de um jogo social.

Outra característica dos jogos sociais é que eles são virtuais por natureza. Para Pierre

Lévy (1996), o virtual é aquilo que está em potência de ser, um complexo problemático que

demanda sua resolução a partir da mediação da subjetividade humana. A esse processo, o

autor denomina como a atualização do potencial existente na entidade considerada, ou seja, a

“[...] criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e

finalidades. [...] uma produção de qualidades novas, uma transformação das ideias, um

verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual” (idem, p. 16-17). Uma das características

essenciais da virtualidade também é a desterritorialização, ou seja, o desprendimento de uma

realidade espaço-temporal externa, imposta ao sujeito, da qual ele pode se desvencilhar

temporariamente, através do lúdico.

Quando um grupo de crianças estão interpretando, por exemplo, o papel de reis e

rainhas em uma corte medieval, elas imediatamente se desvinculam conscientemente e de

forma proposital de uma condição do aqui e agora na qual vivem, e passam a compartilhar um

ambiente que é capaz de absorvê-las inteiramente. Para Huizinga (2008, p. 11), tal

propriedade representa uma “[...] evasão da vida „real‟ para uma esfera temporária de

atividade com orientação própria”, ou o círculo do jogo – o limite que separa o lúdico do

mundo real, onde “[...] as regras, as leis e costumes da vida cotidiana perdem validade” (ibid.,

p. 15). Com efeito, realiza-se aí o processo inverso da atualização, ou seja, parte-se de uma

situação aparentemente resolvida (o aqui e agora), atualizada, que poderia servir de cenário

para o jogo do qual participam, para a virtualização dessa realidade. Além disso, ao

interagirem, os participantes se engajam em processos cognitivos que exigem constantes

esforços de interiorização e exteriorização desta virtualização, através da capacidade de

imaginá-la e compartilhá-la simbolicamente, mediados pela linguagem – o que Lévy

denomina como “efeito moebius” (1996, p. 24). O autor parece corroborar essa ideia, uma vez

que entende que “a imaginação, a memória, o conhecimento e a religião são vetores de

virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da informatização e das redes

digitais” (idib., p. 20).

Neste sentido, parece pertinente entender que os recentes jogos, nas redes digitais,

constituem uma nova modalidade de relação com o lúdico na contemporaneidade, cujo

potencial de virtualização é ampliado pela possibilidade de inserção em ambientes

multimidiáticos convergentes, que permitem ao sujeito, além de imaginar, visualizar

imageticamente o espaço no qual se desenrola o jogo, além de potencializar a experiência

lúdica, ao incluir estímulos sonoros. A possibilidade de conexão remota a outros indivíduos

conectados, via internet, em ambientes puramente virtuais e desterritorializados, constitui

também uma das características de diferenciação destes processos, na contemporaneidade,

seguindo a lógica própria de transposição para o ciberespaço das experiências sociais dos

sujeitos (que antes ocorriam essencialmente num sistema de co-presença) para a tela,

mediados por computadores e outros dispositivos tecnológicos. Logo, o jogo também

acompanha esta tendência, perceptivelmente constatada a partir do florescimento de inúmeras

interfaces que se propõem a fornecer experiências lúdicas e sociais a indivíduos conectados.

Percebe-se esta convergência claramente entre as páginas que objetivam conectar e

gerenciar a rede social de indivíduos na internet, como o Facebook e os jogos sociais

existentes que, na forma de aplicativos internos, utilizam a rede de contatos que o usuário

possui no site para possibilitar a inserção e a interação em interfaces lúdicas. Nestes

ambientes, os jogadores concretizam trocas simbólicas entre si, o que nos permite trazer à

baila e discutir estes processos, a partir das proposições do interacionismo simbólico, que

considera a comunicação humana como elemento fundamental à constituição das sociedades.

O interacionismo simbólico: Uma teoria social da comunicação humana

Nas primeiras décadas do século XX, estudiosos de Chicago, nos Estados Unidos da

América, fundaram uma corrente de reflexão teórica acerca dos processos comunicativos

estabelecidos pelos indivíduos, sendo estes considerados como os elementos básicos para a

formação dos mesmos e, por conseguinte, das sociedades. Sob a perspectiva deste conjunto de

teorias, a vida social se constitui a partir das interações mediadas simbolicamente,

estabelecidas pelos sujeitos, as quais dão origem à própria sociedade, cujo cimento que a

permeia e dá coesão é o processo constante de troca, produção e interpretação de significados,

através da comunicação. De acordo com Rüdiger (2011, p. 38), “a comunicação representa

um processo estruturado simbolicamente, constitui o emprego de símbolos comuns com vistas

à interação, que funda a própria sociedade”. Neste sentido, o homem, considerado um ser

essencialmente comunicativo, tende a se relacionar com os outros: e é justamente a partir da

interação mediada pela comunicação que ele constrói os sentidos de si mesmo e das coisas, o

que transforma as suas ações em relação aos outros e ao mundo.

George Mead, considerado um dos fundadores dessa corrente de pensamento, entende

o homem como um ator social, e não somente um reator. Isso significa dizer que ele produz

significados deliberadamente em suas ações, tanto para si mesmo, quanto para os outros. Para

o autor, os princípios norteadores dos atos sociais constituem uma tríade, que envolve o gesto

inicial de um indivíduo, como o outro indivíduo interpreta e reage em relação à ação primeira,

e, posteriormente, o produto desse processo (LITTLEJOHN, 1988, p. 69), ou seja, a sociedade

é entendida como o sistema de forças resultantes das interações sociais e dos processos

interpretativos resultantes destes. Em outras palavras, as entidades constituintes desses atos

sociais são: a mente, o eu e a sociedade, os quais são os pontos norteadores da teoria de Mead,

e título de sua principal obra, Mind, Self and Society (1934).

É de fundamental importância, de acordo com esta teoria, que os indivíduos inseridos

nesses processos constantes de intercâmbio e negociação de formas simbólicas tenham como

princípio a cooperação uns com os outros. Littlejohn (1988, p. 69-70) nos adverte que é a

capacidade que o sujeito tem de se relacionar consigo mesmo, com seu self, que lhe garante

imaginar e prever as reações do outro, e, assim, engajar-se em uma relação baseada na

recursividade, ou seja, “[...] „ler‟ as ações e intenções de outra pessoa, e em responder de

modo apropriado. Isso é a essência da comunicação interpessoal”. Há, ainda, outro aspecto

que merece ser destacado nesses processos cooperativos, que é o fato de os símbolos

compartilhados entre os envolvidos, na concepção de sociedade pelos interacionistas,

possuírem significado comum entre os indivíduos, ou seja, serem um significantes.

Blumer (1984, p. 20-21 apud PRIMO, 2007, p.77-78), discípulo de Mead, deu

seguimento aos estudos do interacionismo simbólico, resumindo a teoria da seguinte maneira:

Esta abordagem vê a sociedade humana como pessoas engajadas em viver.

Esse viver é um processo de contínua atividade no qual os participantes

desenvolvem linhas de ação nas diferentes situações que encontram. Eles

encontram-se em um vasto processo de interação na qual eles precisam ajustar suas

ações em desenvolvimento uns aos outros. Esse processo de interação consiste em

fazer indicações uns aos outros sobre o que fazer e como interpretar as indicações

feitas pelos outros. Eles vivem em um mundo de objetos e são guiados em suas

orientações e ações pelo significado desses objetos. Seus objetos, incluindo objetos

formados por eles mesmos, são formados, sustentados, enfraquecidos e

transformados nas interações entre eles.

Para Blumer (1980), o significado assume um papel fundamental nos processos

sociais. Assim, ele acredita que existem três formas de produção de sentido, a saber: a

primeira entende sua existência enquanto processo intrínseco, ou seja, ele existe per se e é

inerente ao objeto; a segunda pressupõe que as pessoas adquirem os significados a partir de

suas orientações psíquicas individuais; já o terceiro, entende que os significados são produtos

sociais. Claramente interacionista, para esta última perspectiva, “seja qual for o significado

que uma pessoa tem para uma coisa, é sempre o resultado dos modos como outras pessoas

agiram em relação a ela, a respeito da coisa que está sendo definida” (LITTLEJOHN, 1988, p.

72). Logo, podemos concluir que o homem não age em função das coisas em si, mas sim dos

significados socialmente construídos que elas possuem, fundando manifestações culturais que

se confundem em sua estrutura com a própria sociedade, gerada simbolicamente pela

comunicação (RÜDIGER, 2011, p.39).

Com efeito, parece-nos pertinente entender os jogos sociais como elementos culturais

constituintes das experiências interpessoais mediadas pela comunicação, uma vez que

pressupõe a interação e o compartilhamento de símbolos comuns entre os participantes como

uma condição básica para a sua ocorrência. Além disso, considerando o forte caráter

socializador que eles desempenham, enquanto elemento de criação e coesão de agrupamentos

sociais, tornam-se mediações que transmitem ao sujeito significados em relação aos objetos e

aos outros. A capacidade de imaginar e produzir sentido, de interpretação e reação aos atos

alheios, constitui um dos princípios básicos do processo interativo lúdico, o qual se encaixa

nas proposições da escola interacionista. Assim, podemos afirmar, então, com base nas teorias

já detalhadas, que as sociedades se formam a partir das interações entre os sujeitos, dentre as

quais o jogo, enquanto fenômeno cultural presente nas mais variadas manifestações sociais,

constitui primordial função de transmissão de formas simbólicas entre as pessoas.

Jogos sociais virtuais online no Facebook: Estudo de caso do CityVille

As reflexões teóricas, até aqui expostas permitem, agora, estudar os jogos sociais

virtuais, presentes no ciberespaço, sob a perspectiva dos processos interativos e das trocas

simbólicas que ocorrem nestas interfaces. Dentre os inúmeros jogos disponíveis e passíveis de

serem utilizados pelas pessoas conectadas a tais sites, foi escolhido para este trabalho o jogo

CityVille3, no Facebook, haja vista sua popularização e abrangência na rede social

considerada. Com mais de 100 milhões de usuários ativos mensalmente em todo o mundo4, é

3 http://apps.facebook.com/cityville/?ref=ts 4 http://games.terra.com.br/interna/0,,OI4889906-EI1702,00-

Game+do+Facebook+CityVille+chega+a+milhoes+de+usuarios.html

o maior exemplo do tipo, na atualidade. A Zynga5, empresa desenvolvedora de jogos para

redes sociais, possui também outros títulos de grande sucesso, como o FarmVille, um

simulador de fazenda, e o CaféMania, onde os jogadores gerenciam uma lanchonete virtual.

Criado em 4 de fevereiro de 2004, por estudantes da Universidade de Harvard, nos

Estados Unidos da América, o Facebook tinha o objetivo inicial de registrar perfis dos alunos

daquela universidade. Logo o sistema se popularizou, passando em dois meses a abarcar

também alunos de outras instituições, como o Massachussetts Institute of Technology (MIT),

o Boston College e a Universidade de Boston, expandindo posteriormente sua abrangência a

todas as universidades estadunidenses. Em fevereiro de 2006, passou a aceitar também

estudantes secundaristas, com a condição de que deveriam receber convites de membros para

que pudessem se inscrever e utilizar o serviço. No final do mesmo ano, ocorreu a grande

explosão de acesso e registro no site, ao ser permitido que qualquer pessoa, com mais de treze

anos, não importando o local, utilizasse a rede social. Atualmente, o Facebook se mantém na

lista dos endereços mais acessados da rede, e um estudo realizado pelo Google6 em abril de

2011 listou o site como o mais visitado do mundo, com astronômicos 880 milhões de

visitantes únicos, e 910 bilhões de visualizações de páginas.

O Facebook é um serviço de relacionamentos virtuais gratuito, que fornece aos

usuários uma página pessoal na forma de perfil, que pode ser atualizado com uma foto

principal que os represente, e com preferências culturais, de consumo, álbum de fotografias e

serviços de mensagens com outras pessoas, também conectadas ao serviço, formando, assim,

uma identidade em rede do sujeito naquele ambiente. Como um agregador social, ele permite

que outras pessoas sejam adicionadas ao perfil, com as quais é permitido interagir de variadas

maneiras: através de comentários em fotos, vídeos, conteúdos atualizados pelos usuários,

bate-papo e correio eletrônico. Recentemente, foi adicionado também um serviço de

geolocalização, que informa toda a rede de contatos de um usuário, a partir de sua

autorização, onde ele se encontra em um determinado momento.

Entre as possibilidades de personalização de conteúdos, encontram-se os jogos sociais

online, aplicativos internos ao Facebook, que, conforme explicitado anteriormente, não

necessitam de nenhum tipo de operação de instalação por parte do jogador: basta que ele

esteja conectado à internet e que permita ao aplicativo acessar a sua rede de contatos para que

tenha todas as condições necessárias ao desenrolar do jogo. O CityVille é um jogo do tipo

simulação de mundos virtuais, que se caracteriza por disponibilizar um espaço para a

5 http://www.zynga.com 6 http://www.google.com

construção de cidades fictícias, as quais podem ser nomeadas pelo usuário e com todos os

componentes necessários que as assemelham aos espaços urbanos convencionais: construção

e pavimentação de ruas, residências, empreendimentos comerciais para atender à população e

órgãos governamentais, como prefeitura, museus, escolas, hospitais e bibliotecas. O jogador

pode se utilizar das ferramentas de construção da interface como desejar, sendo que,

inicialmente, é disponibilizado um número limitado desses itens, os quais vão sendo

desbloqueados à medida que a cidade aumenta sua população, lógica que fundamenta o

funcionamento do jogo em níveis de experiência, numericamente representados, que vão

sendo superados a partir das interações do usuário com o sistema e com outros jogadores.

Quando o usuário se insere nesses espaços, automaticamente são detectados quais os

seus amigos que também participam daquele aplicativo, e assim eles são incorporados a uma

subrede própria do jogo, que poderia ser entendida como utilitária (RECUERO, 2010), sob a

designação de vizinhos. Estes ficam visualmente acessíveis na parte inferior da interface do

jogo, com o nome e uma imagem identificadora dos mesmos. Esta é uma das características

diferenciadoras deste tipo de jogo em relação aos demais, passíveis de serem acessados na

internet: o sujeito interage com pessoas que fazem parte da sua lista de amigos, com as quais,

a priori, ele estabelece algum tipo de relação, excetuando-se a do próprio jogo; nos outros

espaços lúdicos desvinculados das redes sociais online, o usuário se relaciona com estranhos,

anônimos jogadores que se encontram casualmente e se dispersam ao fim da atividade, como

nos jogos de carta em rede, não sendo possível a existência prévia de nenhum tipo de relação

entre eles.

No tocante ao jogo analisado, os processos interativos constituem seu princípio

basilar, ou seja, as trocas simbólicas são elementos fundamentais para a manutenção e a

progressão mútua no jogo, principalmente no que se refere às relações de cooperação,

necessárias para que este fim seja alcançado. Inclusive, notam-se certos avanços que só são

possíveis de serem realizados com o auxílio dos vizinhos do jogador, através do envio de

materiais necessários à construção de alguma edificação, preenchimento de vagas de trabalho

em órgãos públicos e participação em operações de fabricação de produtos em unidades que

se assemelham a fábricas. Além disso, o sistema incentiva que o sujeito envie presentes e

visite as cidades de seus vizinhos, permitindo que se realizem gentilezas como recolhimento

de impostos e fertilização de plantações, brindando o benfeitor com artigos necessários à sua

performance no jogo. Há, inclusive, a possibilidade de quantificar e visualizar as interações

que o usuário realiza, as quais são mensuradas em níveis de cooperação, ilustrados na forma

de um coração vermelho, disponível na área relativa aos vizinhos, nos perfis dos mesmos.

Fica claro no próprio sistema que, para todo ato social dentro do jogo, constituído

simbolicamente pelo auxílio a algum outro jogador, espera-se a reciprocidade do mesmo na

ação.

Segundo as teorias interacionistas, a cooperação, a reciprocidade e o

compartilhamento de conteúdos simbólicos é um princípio básico para a formação da

sociedade, conforme exposto em capítulo anterior. Parece correto, então, entender estas redes

formadas pelos jogadores como semelhantes aos conceitos fundados por Mead, enquanto

entrelaçamentos discursivos permeados de sentido e compartilhados através das relações

estabelecidas socialmente. O sujeito, ao se engajar neste processo, adentra simbolicamente na

lógica recursiva que regula o sistema e produz significado para os envolvidos através das

interações que institui. A relação que o indivíduo estabelece, no ato de jogar, interagir com

outros usuários do jogo e construir uma relação de reciprocidade, que forma a comunidade do

jogo, também constitui uma tríade, semelhante àquela proposta por Mead, correspondendo ao

eu (self), a mente (mind) e a sociedade (society). Através das relações nas quais o sujeito se

insere cem seu próprio jogo, ele utiliza um sistema análogo ao que é descrito pelos

interacionistas como a capacidade de imaginar simbolicamente as reações do outro às suas

ações, a partir de si mesmo.

McLuhan (1964) adverte que, no jogos, como em qualquer forma de intercâmbio de

formas simbólicas, é necessário existir o empenho dos envolvidos numa relação de

reciprocidade, ao afirmar que “[...] jogar, na vida como numa roda, implica num interjogar.

Deve haver um toma-lá-dá-cá, um diálogo, como entre duas pessoas ou grupos” (p. 270, grifo

do autor). Tal possibilidade permite o ajustamento e a resolução de possíveis conflitos em

relação aos atos sociais e sua resposta dentro do jogo, como a negação do envio de itens e

outras gentilezas, ou a não reciprocidade nessas ações.

Também, no que se refere a tal afirmação, podemos lembrar que é permitido aos

jogadores realizar pedidos de ajuda aos vizinhos, cuja solicitação é visível no momento em

que se inicia o jogo. De fácil acesso e resolução, com um apertar de botões, estas

manifestações podem ser consideradas como deixas simbólicas, inerentes à comunicação

humana, que seriam pistas que os sujeitos fornecem das intenções que possuem no processo

interativo. Estas podem ultrapassar os limites do jogo e transcorrerem também no perfil

principal do jogador no Facebook, com a publicação de mensagens relacionadas ao jogo,

necessidades e avanços dos mesmos na interface do aplicativo, as quais são visíveis inclusive

para os não jogadores do CityVille.

Por fim, tal assertiva nos permite recuperar a tese detalhada em capítulo anterior de

Huizinga (2008) de que, mesmo com o término do jogo, a comunidade, formada a partir da

atividade lúdica, seus laços simbólicos e sua constante negociação e ajustamento de tensões

individuais e coletivas, continua a existir, e, no caso do objeto estudado, ela passa a constituir

uma extensão da própria identidade virtual do sujeito no Facebook.

Considerações finais

Com base no já exposto, podemos perceber os jogos virtuais em redes sociais online

como um fenômeno tipicamente contemporâneo, porém, com características inerentes às

outras formas de manifestações lúdicas existentes. A diferença é que, agora, estes processos

perpassam também o ciberespaço, seguindo a lógica instaurada na sociedade contemporânea

de virtualização e transposição das experiências humanas para o ciberespaço. O jogo continua

a desempenhar um papel fundamental na formação dos indivíduos e das sociedades, mediados

pela comunicação e pelo intercâmbio de formas simbólicas, inerente ao processo interativo

humano.

Ao adentrarem o reino simbólico do jogo, os participantes passam a se engajar em

processos de constantes negociações e ajustamentos de tensões, construindo e reelaborando a

todo instante novos significados para si mesmos, para os outros e para o mundo. Tal processo

é fundamental para a formação de sociedades, conforme preconizado pelos interacionistas

simbólicos. Ele só pode ser entendido a partir dos processos comunicativos e pelo

compartilhamento de símbolos, ou seja, são essas forças, introduzidas pelos indivíduos

através de seus atos sociais, que constituem o elemento entendido como um cimento social,

que dá coesão e contribui para sua constante reinvenção.

Por fim, constatamos, com base nas teorias da escola interacionista, que, no objeto

analisado, a interação e a cooperação no intercâmbio de formas simbólicas são as forças-

motrizes para a manutenção do jogo, lógica esta que permeia e orienta todas as ações dos

indivíduos nestes espaços. Assim como num jogo em regime de co-presença, no qual os

participantes devem se engajar em atividades constantes de interpretação simbólica, a partir

das interações com os outros, tais processos transcorrem também no jogo analisado,

promovendo ajustamentos internos no jogador, em seu self, os quais são externados na forma

de novas ações, conferindo a dinâmica necessária à manutenção do sistema lúdico no qual se

insere. Através do entrecruzamento desses processos, concluímos que os jogos continuam a

desempenhar, na contemporaneidade, um papel socializador fundamental à formação dos

indivíduos, voltados à coletividade e ao compartilhamento de formas simbólicas, constituindo

um importante elo na rede comunicacional que é a sociedade humana.

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